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1874-1885: mais nítida no livro Sonetos Completos, revela o poeta atormentado por
questões humanas, filosóficas e metafísicas, resultando uma poesia dilemática,
angustiada e pessimista, envolvida com as ideias de morte e as tentativas de explicar e
entender Deus. De certa forma, essa fase representa uma síntese das perturbações
que ocupavam o poeta desde a juventude, Nela, Antero atinge o ponto alto de sua
carreira, com um raro refinamento artístico, que une a força de reflexões filosóficas
bem fundamentadas com beleza rítmica, criando frases imponentes e eloquentes.
De uma forma geral, sua obra representa uma incessante busca do Ideal, isto é, a
essência humana, corporificada em Deus, na Sociedade, ou no próprio Homem -
dependendo das oscilações ideológicas pelas quais passou o poeta.
Principais Obras
Poesia
Primaveras Românticas (1872)
Odes Modernas (1885)
Sonetos Completos (1886)
Raios da Extinta Luz (1892)
Prosa
Defesa da carta Enclítica de sua Santidade Pio IX contra a Chamada Opinião Liberal.
A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais.
Conferências Democráticas - Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três
Séculos.
Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX.
Sonetos
Através da literatura, Antero exprime a revolta e o inconformismo; reflecte
profundamente sobre o mundo, reflecte para agir. Daí o seu carácter forte de líder
que o transformou no mestre, mentor inspirador e símbolo da Geração de 70.
A poesia de Antero traduz as suas vivências e os seus anseios. Nela se encontra
uma faceta luminosa ou apolínea, tradutora do seu ardor revolucionário e de
grande elevação moral, e outra nocturna, que remete para o pessimismo e o
desejo de evasão.
António Sérgio afirma que o Antero apolíneo exprime a Luz, a Razão e o Amor
como fontes da harmonia do Universo e o Antero noturno ou dionisíaco canta a
noite, a morte, o pessimismo e um certo niilismo.
A sua poesia filosófica romântica aberta à modernidade permite diversas divisões,
mas julgamos pertinente a opção em quatro fases: a lírica ou de expressão do
amor; a do apostolado social e das ideias revolucionárias; a do pessimismo; e a
da metafísica e regresso a Deus.
A interpretação da obra de Antero não pode ser simplista até porque está sempre
presente um anseio e uma grande interrogação perante o sentido da nossa
própria existência, o mundo em que vivemos e a explicação ou presença de um
Deus que, racionalmente, queremos compreender.
Mais do que tradução dos seus desejos ou angústias pessoais, há, na obra
anteriana, as preocupações do ser humano que reconhece a sua condição e a sua
fragilidade, que sente esperanças e sofre os desalentos, que duvida perante os
mistérios da criação, da morte e de Deus.
Mas porque nos seus sonetos está todo o pulsar humano, julgamos que, para
facilitar a compreensão destas quatro fases que se apontam na evolução da obra
de Antero, podemos reflectir na própria evolução que sucede a muitos seres
humanos: dos ideais da juventude e da luta consciente caímos, muitas vezes, no
desânimo por não vermos realizados os nossos propósitos, acabando por
recorrermos a um Deus protector pois só o sonho e a contínua esperança
alimentam a vida.
No final, chega a verdade dos “Vencidos da Vida”.
Propter solatium1
(1859 a 1863)
Antero de Quental, Raios de Extinta Luz
_________________
1
Expressão latina: «Aos amigos».
2
Expressão latina: «Para (vossa) consolação».
Tal como o cristianismo, Antero vê o Amor e a Justiça para lá da morte; só que, para o
cristianismo essa redenção é operada não apenas pela força e boa vontade do homem,
mas também, e sobretudo, pelos méritos de Cristo crucificado, e, para Antero, é a
evolução necessária e fatal da humanidade (o evoluir da Ideia idealista-racionalista)
em direção a esse ideal de Justiça e Amor, pressupondo sempre a luta e a morte dos
heróis.
Sabendo que Eros é "uma virtude atrativa que leva as coisas a se juntarem, criando
vida", o poeta, para negar essa mesma vida, vai-se cercar de todos os mecanismos de
defesa que o possam ajudar a evitar Eros. Para não ir muito longe, observarei apenas a
relação homem-mulher, na qual a interdição erótica é de uma evidência inegável:
Como que eu ande, se sou ao mesmo tempo solicitado, com intensidade igual, em dois
sentidos contrários? Pensa que renego as nossas grandes verdades, filosóficas e
morais? Engana-se. Vejo-as tão bem como nunca. Simplesmente, vejo-as: nada mais.
Ora a gente não é segundo o que vê, somente, mas ao mesmo tempo segundo o que
sente, segundo a direção para que vai por uma tendência que é a expressão exata do
eu de cada qual. Percebe esta trapalhada? Creio que é imoralíssima. Em todo o caso,
moral ou imoral, é isto o que se dá em mim: ora, segundo Hegel, tout ce qui est, est
raisonnable. Seja como for, o que é certo é que, neste momento, estou atacado da
náusea da realidade. Não sei quanto tempo durará o ataque. Não é o primeiro: é uma
das minhas alternativas, conforme predomina um ou outro dos dois fatores da minha
vida mora.
A reação ao pessimismo
Passaram anos em que não vi Antero, instalado então em Vila do Conde. Sabia que o
meu amigo estava quase são, quase sereno. Mas foi uma preciosa surpresa, quando,
ao fim dessa separação, chegando ao Porto e correndo com Oliveira Martins a Vila do
Conde, avistei na estação um Antero gordo, róseo, reflorido, com as lapelas do casaco
de alpaca atiradas para trás galhardamente, e meneando na mão a grossa bengala da
Índia que em Lisboa eu lhe dera para amparar a tristeza e a fadiga. Era uma regressão,
quase o antigo Antero coimbrão, mais amadurecido, mais doce: - apenas, no lugar da
fulva grenha flamejante e romântica, alvejava um sereno começo de calva socrática.
Era sobretudo uma restauração moral, à velha maneira de Lázaro uma miraculosa
saída do túmulo pessimista e das sombras da negação. Findara a luta implacável, o seu
grande coração, enfim, descansava em paz!
Como chegara Antero a esse repouso apetecido? Escutando com uma atenção mais
grave, mais crente, aquela voz da Consciência, que tanto tempo desconhecera, e que
apesar de todos os desenganos e sempre em segredo protesta e afirma o Bem.
Fora atendendo reverentemente essa doce voz; e conseguindo, por um desesperado
esforço do pensamento, penetrar a sua significação; e refazendo, guiado por ela, a sua
educação filosófica; e procurando depois a sua confirmação na história, nas doutrinas
dos moralistas, nas confissões dos místicos, que ele chegara a descobrir, a
compreender bem o fim último e verdadeiro de tudo, não só do homem moral, mas de
toda a Natureza, mesmo na sua modalidade física. E essa descoberta é de inefável
beleza e contentamento - pois que o fim de tudo é o Bem! O Universo tem por fim o
supremo Bem - o Bem é o momento final e augusto de toda a evolução do Universo.
Possuía, pois, Antero, enfim, a "sua filosofia ", essa filosofia que ele tantos anos
perseguira como deusa esquiva entre selvas duvidosas. […] E a lei moral dessa filosofia
[…] consistia em renunciar a tudo quanto limita e escraviza o espírito - egoísmo,
paixões, vaidades, ambições, contingências, materialidades do mundo, - e em procurar
a união do espírito, assim libertado e limpo de todo o pesado lodo terreno, com o seu
tipo de perfeição que usualmente se chama "Deus".
Eça de Queirós, "Um Génio Que Era Um Santo", em Notas Contemporâneas, pp. 273-274, Edição "Livros
do Brasil "
Antero de Quental, Filosofia (excertos citados por Manuel Tavares e Mário Ferro em O Pensamento de
Antero de Quental, p. 125, Editorial Presença, 1995)
PARA UMA SÍNTESE DAS LINHAS TEMÁTICAS DOS SONETOS DE ANTERO DE QUENTAL
Interessa ter em conta as linhas temáticas dos sonetos de Antero que, em Dimensão
Literária, Português A-12º ano, são quatro:
1. A expressão do amor: o amor espiritual
Nestes, Antero canta os seus amores, espiritualizados, à semelhança de Petrarca. Há
nestes poemas a adoração abnegada do Eterno Feminino.
Os textos poéticos «Abnegação», «Ideal», «Idílio» inscrevem-se nesta linha temática.
Cecília Sucena e Dalila Chumbinho, Sebenta de Português: Antero de Quental – introdução ao estudo da
obra, Estoril, Edição da papelaria Bonanza, [Edição: 2006]