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Distanciamento entre a figura feminina e o

sujeito poético
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Ideal
Aquela, que eu adoro, não é feita Submissão do sujeito lírico à figura feminina

Sensação visual e olfativa


De lírios nem de rosas purpurinas,
Sensação olfativa e visual
Não tem as formas lânguidas, divinas (sensualidade , amor-paixão)

Da antiga Vénus de cintura estreita...


Dupla adjetivação:
sensualidade, provocação,
divindade clássica
O nu: mulher carnal, objeto
de desejo

«não é» (v.1)

Descrição da mulher pelas características que não tem

«Não tem» (v. 3)


Não é a Circe, cuja mão suspeita

Compõe filtros mortais entre ruínas, O letal veneno do amor-


sedução que aprisionava os
homens para a eternidade.
Nem a Amazona, que se agarra às crinas

Dum corcel e combate satisfeita...


Metáforas do amor físico, arrebatador,
Paralelismo anafórico da frase da forma negativa enlouquecedor, venenoso, letal.

Divisão da primeira parte do soneto


CIRCE
AMAZONA
O sujeito lírico toma uma
atitude introspetiva em busca
A mim mesmo pergunto, e não atino de alguma materialização
«nome» para essa «visão»
Com o nome que dê a essa visão, difusa mas não consegue
«não atino».
Que ora amostra ora esconde o meu destino...

Conceção da figura feminina:


•Imagem fugidia de mulher
•Figura que controla a existência do sujeito poético
•Mulher que desnorteia o poeta
•Mulher-pensamento
comparação
«miragem» : a imagem que engana
porque existe mas não é real.
É como uma miragem, que entrevejo,
Não existem contornos definidos, não
Ideal, que nasceu na solidão, se afigura uma imagem nítida aos olhos
do poeta.
Nuvem, sonho impalpável do Desejo... Face à inexistência de
uma amor verdadeiro,
na vida real, idealiza-se
um que não magoa.
entidade superior ao poeta

Amor puro e simples; sonho, fantasia; algo que


vem e se esvai: metáfora.
• Trata-se de uma nítida influência camoniana, de um amor platónico como
evidencia, aliás, o próprio nome do seu poema "Ideal“.
• Esta mulher, retratada à maneira petrarquista, é uma "visão" que "ora amostra ora
esconde o meu destino…", levando o sujeito lírico ao Desejo, ou seja, ao amor, à
aspiração do Ideal. Apresenta-se como uma "miragem", "nuvem", "sonho impalpável do
Desejo".

Segunda parte do soneto: definição da mulher tal como a vê o poeta: as características


condensam-se na chave d’ouro.
Crítica implícita: os poetas do
A um poeta momento estão “sentados” e
“parados”: amodorrados.

Surge et ambula!
Imperativo: o sujeito lírico usa
palavras de ordem para despertar o
poeta-missionário, fazê-lo levantar-se
e andar: metaforicamente, o Poeta
deve ter iniciativa e intervir, agir.

Tu, que dormes, espírito sereno, • apatia, inação, aceitação,


submissão.

aposto aposto

vocativo • grito de alerta: notar a frase de tipo exclamativo da citação latina.

• metaforicamente, o sujeito lírico aponta o dedo acusador.


Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares, Aposto de “Tu”

Longe da luta e do fragor terreno,

metáfora:
v. 2
• referência ao espírito do mundo romântico.
• “cedros”: árvores de cemitério: ideais românticos
• “seculares”: duram há séculos, há demasiado tempo: ideia de estagnação;
nada ainda os conseguiu derrubar.

v. 3 comparação:
• o poeta é comparado a um sacerdote escondido, protegido pela igreja –
“sombra dos altares”.
• a estagnação, a passividade e o alheamento do poeta em relação à
v. 4
realidade social e política do mundo.
“luta”
• os sinais dessa luta já se fazem sentir no mundo do qual o poeta se alheou –
“fragor terreno”.
Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...
v. 5
• imperativo; expressão exclamativa: grito de alerta.
• metáfora e dupla adjetivação: o conhecimento; a evolução do idealismo já se
operou nas mentalidades de outros “mundos”.
v. 6
• personificação e metáfora: o conhecimento “matou” o espírito do mundo
romântico, lúgubre e sombrio – “larvas tumulares”.
v. 7
• metáfora: o termo "seio" revela-nos, no seu sentido etimológico, a profundidade
dos mares que o deítico "esses" indica serem a “luta e o fragor terreno”. (v.4)
v. 8
• metáfora da nova conceção de modernidade que aguarda o Poeta, para ser
cumprida uma missão. Para que dessa profundeza nasça um mundo novo, o
poeta terá apenas que dar o seu "aceno", o seu sinal que será uma poesia nova,
diferente.
Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!
v. • é um novo apelo ao poeta que, depois de ter acordado, deve ouvir
9Imperativo com atenção ("Escuta!") o que as multidões em uníssono clamam ("a
grande voz").

• surge o apelo à consciencialização do poeta para a necessidade de


mudar de atitude pois está em causa um povo que precisa da
solidariedade.

v. 10:definem-se os nomes presentes no verso anterior: as multidões são irmãos


do poeta; a voz são canções.

v. 11:a adversativa “Mas” concretiza qualquer ideia que possa ter surgido com
as reticências: as canções são de alerta e de guerra, isto é, de revolução.
Fecha-se o círculo
Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
do paralelismo
E dos raios de luz do sonho puro, anafórico.
Sonhador, faze espada de combate.

• novamente o modo imperativo: mantém-se o paralelismo anafórico e


v. 12 semântico do grito de alerta que começou a delinear-se no v. 5.
• irrompe o apelo para a ação de se erguer.
• depois de ter acordado por ser pleno dia e de ter escutado o clamor das
multidões, o poeta deve erguer-se, tal como os seus irmãos, transformado já
em "soldado do Futuro". «Soldado», porque integrado nas multidões que se
preparam para a revolução; do «Futuro», porque se opõe ao poeta do
presente que dorme, longe desta luta que deflagra com canções de uma nova
poesia.

vv. 13-14: hipérbato, à maneira clássica – deve ler-se "E Sonhador, faze espada de
combate dos raios de luz do sonho puro."

Transforma os raios de luz do sonho puro numa espada de combate


chave d’ouro
• conjunção coordenativa explicativa justifica a função do segundo terceto:
concluir a tese defendida ao longo do soneto.

Conclusão:
O termo «Futuro» surge como símbolo do mundo novo. O poeta ("sonhador")
terá como missão o combate, feito de sonho e desinteresse ("sonho puro"),
através da sua poesia ("espada") que será a porta-voz, a luz da revolução
anunciada.

Temos, portanto, um poema de empenho e apostolado social e de cariz


revolucionário.

O sujeito lírico assume-se como o profeta, tal como o da Bíblia que diz "Surge et
ambula!", que anuncia um mundo novo, do qual o poeta deve ser o arauto
(portador da Novidade) e aquele que indica o caminho a seguir pelas multidões.
Antero de Quental, autor das “Odes Modernas”, é quem desencadeia as irritações e
tempestades do meio literário português do seu tempo, conhecidas por "Questão
Coimbrã". Com efeito, Antero, ainda estudante de Coimbra, rebela-se contra a
poesia oficial de Castilho e seus protegidos e proclama a independência e
combatividade dos poetas. Este ato de rebeldia surge como consequência, não só
do seu temperamento e desejo de justiça, mas duma forte reação ao Romantismo
que, entre nós, degenerara num Ultrarromantismo vazio e convencional.

Este soneto, publicado na terceira parte dos “Sonetos Completos”, traduz o caráter
combativo e revolucionário que o poeta deveria assumir, o que já havia dado
origem às “Odes Modernas”, onde Antero, numa nota da 1ª edição, afirma : "a
Poesia moderna é a voz da Revolução".
Antero de Quental foi um verdadeiro apóstolo social, solidário e defensor da justiça, da
fraternidade e da liberdade. Mas as preocupações nunca o deixaram desde que entrou nos
meios universitários de Coimbra e se tornou líder da Geração de 70 que, em Lisboa,
continuou a sua luta. É o próprio que, numa carta autobiográfica, de 14 de Maio de 1887,
dirigida a Wilhelm Storck, (um amigo) afirma que:

"O facto importante da minha vida, durante aqueles anos, e provavelmente o mais decisivo
dela, foi a espécie de revolução intelectual e moral que em mim se deu ao sair, pobre
criança arrancada do viver quase patriarcal de uma província remota e imersa no seu
plácido sono histórico, para o meio da irrespeitosa agitação intelectual de um centro, onde,
mais ou menos vinham repercutir-se as encontradas correntes do espírito moderno. Varrida
num instante toda a minha educação católica e tradicional, caí num estado de dúvida e
incerteza, tanto mais pungentes quanto, espírito naturalmente religioso, tinha nascido para
crer placidamente e obedecer sem esforço a uma regra reconhecida. Achei-me sem direção,
estado terrível de espírito, partilhado mais ou menos por quase todos os da minha geração,
a primeira em Portugal que saiu decididamente e conscientemente da velha estrada da
tradição.”

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