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E POLÍTICAS PÚBLICAS
RASTROS DE SANGUE NA CIDADE DE PORTO ALEGRE
O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Esta-
do do Rio Grande do Sul - FAPERGS / This study was financed in part by the Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul - FAPERGS.
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publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais (Lei 9.610/98).
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2022
CONSELHO CIENTÍFICO
Alejandro Frigerio (Argentina) - Doutor em Antropologia pela Universidade
da Califórnia, Pesquisador do CONICET e Professor da Universidade Católica
Argentina.
André Luiz da Silva (Brasil) - Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e
professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Humano da
UNITAU.
Antonio David Cattani (Brasil) - Doutor pela Universidade de Paris I, Pós-
-Doutor pela Ecole de Hautes Etudes en Sciences Sociales e Professor Titular
da UFRGS.
Arnaud Sales (Canadá) - Doutor d’État pela Universidade de Paris VII e Pro-
fessor Titular do Departamento de Sociologia da Universidade de Montreal.
Daniel Gustavo Mocelin (Brasil) - Doutor em Sociologia e Professor Adjunto
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Dominique Maingueneau (França) - Doutor em Linguística e Professor na
Universidade de Paris IV Paris-Sorbonne.
Estela Maris Giordani (Brasil) - Doutora em Educação e pesquisadora da An-
tonio Meneghetti Faculdade (AMF).
Giovane Antonio Scherer (Brasil) - Doutor em Serviço Social pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul e professor no Instituto de Psico-
logia da Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul.
Hilario Wynarczyk (Argentina) - Doutor em Sociologia e Professor Titular da
Universidade Nacional de San Martín (UNSAM).
Jaqueline Moll (Brasil) - Doutora em Educação, Professora Titular da UFRGS,
do PPG em Educação em Ciências da UFRGS e do PPG em Educação da URI.
15 Prefácio
[Do encontro com José Manuel Valenzuela Arce]
José Manuel Valenzuela Arce
23 Apresentação
Karla Aveline de Oliveira
29 Um convite à leitura
Ilana Paiva, Gabriel Miranda
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Caros/as leitores/as,
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Ilana Paiva
Gabriel Miranda
Natal (RN), julho de 2022.
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anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos
2015 0 2 10 17 16 32 24 33 24 28 31 28 22 21 17 23 22 18
2016 2 3 6 19 37 29 51 40 38 40 45 28 24 29 24 28 20 25
2017 0 0 2 18 27 26 29 21 30 33 25 32 20 19 18 19 29 21
2018 0 0 5 6 12 20 34 25 18 21 21 27 15 15 25 13 19 22
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2015 2016 2017 2018
Masculino 348 453 331 267
Feminino 19 33 38 31
IGN 1 2 0 0
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Negro Branco Amarelo Indígena IGN
2015 139 222 1 0 6
2016 188 283 3 0 14
2017 164 202 1 0 2
2018 131 157 2 0 8
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Lomba do Rubem Santa
IGN Restinga Sarandi Vazio
Pinheiro Berta Tereza
2015 12 24 39 43 33 18 0
2016 20 25 48 16 24 33 72
2017 29 24 35 11 18 19 48
2018 0 16 20 7 7 18 68
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Ano Outro
Via
Hospital Estabelecimento Domicílio Outros IGN
Pública
Local de Saúde
2015 85 3 19 211 50 0
2016 90 12 41 250 95 0
2017 56 3 32 175 101 2
2018 41 10 21 135 91 0
Fonte: Sistema de Informações Sobre Mortalidade – SIM. Elaboração
dos autores.
Além disso, O SIM apresenta em seus documentos os CID Des-
critivos, indicando a causa da morte das pessoas. Assim, tem-se que a
maioria das mortes ocorreram por arma de fogo não identificada, com os
seguintes CID Descritivos: x950 – agressão por meio de disparo de arma
não especificada - residência; x954 – agressão por meio de disparo de
arma não especificada - rua e estrada; x955 – agressão por meio de dispa-
ro de outra arma de fogo ou de arma não especificada - áreas de comércio
e de serviços; x959 – agressão por meio de disparo de arma não especi-
ficada - local não especificado; x958 – agressão por meio de disparo de
arma não especificada - outros locais especificados. Desses cinco, o x954
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Considerações Finais
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Considerações finais
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Porto Alegre, no início do século XX, era uma cidade que se desen-
volvia sob um ideal de modernidade, buscando satisfazer as “exigências
morais, higiênicas e estéticas” para se parecer moderna (PESAVENTO,
1995). Esse ideal, de acordo com Sandra Pesavento, correspondia mais a
um imaginário social sobre as metrópoles do que a realidade concreta do
desenvolvimento urbano. As paisagens materiais da nova cidade foram se
transformando muito lentamente, mas o discurso da modernidade logo
surtiu efeito na construção de práticas sociais individualizantes e exclu-
1 Para saber mais, ver: Vieira (2017).
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2 Termo utilizado na Inglaterra para designar a classe média. O termo tem origem na
designação da classe palaciana situada imediatamente abaixo da nobreza no ranking
social em inglês.
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Restinga Popular:
o destino das Vilas de Malocas removidas na década de 60
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4 A utilização do termo Vila serve para caracterizar as favelas no sul do país e tem ori-
gem no termo “vila operária”, utilizado “para nomear um grupo de moradias destinadas
a operários de um mesmo empreendimento fabril [...]”, mas que em seguida “seria
estendido para designar grupos de casas modestas semelhantes produzidas por outros
agentes” (CORREIA, 2001, p. 84 apud ECKERT e LORD, 2002).
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De outro lado, esta região, ainda que seja mais escondida, por
ter proximidade com o Campus do Vale e, ao mesmo tempo, li-
gada à Viamão e a Restinga, possui um forte “assédio” a venda
de drogas, sendo conhecida como um “corredor da droga”. Além
disso, é uma rota de fuga dos jovens que trabalham com a venda
de drogas, o que torna a “questão da droga” algo muito forte, não
sendo à toa um dos territórios de maior mortalidade, tanto por
suas características, quanto por ser um “corredor”, o que facilitada
essa questão (PROFISSIONAL 2).
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Considerações Finais
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Maurício Perondi
Oriana Holsbach Hadler
Ivana Oliveira Giovanaz
Mariana Porto Ruwer de Azambuja
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Cumpre dizer que nos territórios urbanos com alta influência dos
coletivos criminais houve modificação das sociabilidades com o passar
dos anos. Foi afastada a figura da liderança do tráfico com viés de “Ro-
bin Hood”, como Melara, Paulão e Xandi, conforme destaca Renato
Dornelles: “A idolatria aos traficantes Xandi e Teréu e o pesar na morte
de ambos, demonstrados por uma parcela de suas respectivas comuni-
dades, não são novidade por essas bandas” (Diário Gaúcho, 2015). É
correto afirmar que a sensação de pertencimento às facções e a cultura
do poder/arma são fatores importantes, mas o dinheiro atualmente é
fator decisivo.
Indo ao encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “as
polícias têm estado no centro do debate público e vêm sendo usadas por
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Considerações finais
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Introdução
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Para que alguma coisa delas [das vidas dos jovens] chegue até
nós, foi preciso, no entanto, que um feixe de luz, ao menos por
um instante, viesse iluminá-las. Luz que vem de outro lugar.
O que as arranca da noite em que elas teriam podido, e talvez
sempre devido, permanecer é o encontro com o poder: sem esse
choque, nenhuma palavra, sem dúvida, estaria mais ali para lem-
brar seu fugidio trajeto. O poder que espreitava essas vidas, que
as perseguiu, que prestou atenção, ainda que por um instante,
em suas queixas e em seu pequeno tumulto, e que as marcou
com suas garras, foi ele que suscitou as poucas palavras que disso
nos restam; seja por se ter querido dirigir a ele para denunciar,
queixar-se, solicitar, suplicar, seja por ele ter querido intervir e
tenha, em poucas palavras, julgado e decidido. Todas essas vidas
destinadas a passar por baixo de qualquer discurso e a desapa-
recer sem nunca terem sido faladas só puderam deixar rastros –
breves, incisivos, com frequência enigmáticos – a partir do mo-
mento de seu contato instantâneo com o poder (FOUCAULT,
2003, p. 206).
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Percurso Metodológico
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Floriano
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3 Internação Sanção é uma medida restritiva de liberdade que pode ser aplicada ao
adolescente que descumprir uma medida socioeducativa mais branda. Ela tem duração
máxima de 90 dias.
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Roque
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Eugênio
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Bolívar
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Licurgo
Licurgo nasceu em agosto de 1991 e é identificado como preto em
todos os documentos acessados onde constava registro de identificação
racial. Ingressou em 2001, aos 9 anos na Rede Estadual de ensino, cur-
sando a 1º ano do Ensino Fundamental, já com três anos de distorção
idade/série. Em 2002 fora reprovado, cursando a 2ª série novamente em
2003 e fora reprovado por três anos consecutivos a 3ª série até 2006, ano
em que deixou a Rede de Ensino Estadual.
Em 2007, já com 15 anos de idade, ingressou na rede municipal
de ensino para cursar a EJA, Programa no qual configurou infrequência
e obteve registro de FICAI. Licurgo permaneceu na escola até sua evasão
em 2013. Na Rede Municipal de Ensino também estudaram oito irmãos
do jovem, incluindo sua irmã mais velha, registrada nos dados de Licur-
go como sua responsável.
Não há registros de atendimento no Conselho Tutelar, nos equipa-
mentos da Assistência Social ou no Sistema Socioeducativo.
Licurgo morreu aos 26 anos, segundo registro de seu óbito, deu-
-se por homicídio, por arma de fogo não especificada, em outros locais
especificados, no município de Viamão, próximo do bairro Lomba do
Pinheiro.
Ângelo
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Pedro
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6 Utilizamos aqui o conceito de abandono escolar tal como proposto pelo INEP
(2014), se referindo ao estudante que está matriculado, mas que parou de frequentar a
escola naquele ano letivo.
7 Também segundo o INEP (2014), a evasão escolar diz respeito ao estudante que tendo
sido reprovado ou abandonado a escola no ano anterior, não se matricula no ano seguinte.
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8 Monica Santos e Mylene Santiago ressaltam que existe uma relação complexa em
espaços especiais de intervenção pedagógica, como os Laboratórios de Aprendizagem
dentro das escolas. Estes espaços podem acabar se constituindo em um processo de
exclusão, caso a identificação dos estudantes com barreiras à aprendizagem produza
um efeito de rotulações e estereótipos, fato que nos coloca diante de um paradoxo,
pois a intenção inicial de oferecer oportunidades e apoio adicional à aprendizagem
desses estudantes, geralmente, se constitui em novas modalidades e sentidos de exclusão
(SANTOS e SANTIAGO, 2017).
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Enfim, né, não tem recursos pra juventude, nem pro seu lazer,
nem pra sua formação de iniciação no mundo profissional, nem
espaços de escuta pra essa juventude, nem oportunidades, por
exemplo, pra eles desenvolverem as suas virtuosidades… Nós te-
mos vários jovens que são artistas por natureza, que gostam de
música, que gostam de grafite, que gostam do rap, né, que gostam
de música (Profissional 02).
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3 O presente texto se utiliza de linguagem não sexista, conforme “Manual para o uso
Não Sexista da Linguagem: o que bem se diz bem se entende” (2014), contudo, ao se
referir ao contexto de ausências de direitos, manter-se-á a linguagem no masculino,
uma vez que são os jovens do sexo masculino os sujeitos mais afetados pelo contexto de
mortalidade juvenil.
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Penso que está aquém [...] eu acho que a gente precisa reforçar a
necessidade de construção de políticas públicas… um olhar mais
acurado nesse sentido. Porque não adianta a gente lembrar que
mais um faleceu… a gente tem que criar estratégia para que não
aconteça um novo. É isso que eu penso (PROFISSIONAL 1).
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Então tem toda uma história, toda uma luta, toda uma trajetória
para implantar essa política que hoje eu vejo como uma políti-
ca bem fragilizada no município de Porto Alegre. Nós tivemos
muitas interferências de gestão que não […] vamos dizer assim
[…] que é uma questão nacional, estadual, municipal, um nive-
lamento dos três níveis e vem trazendo, é […] desconstituindo
todo o entendimento que nós lutamos para constituir essa polí-
tica (PROFISSIONAL 4).
O que eu acho que falta aqui? Eu acho que falta mais CRAS,
entendeu? Mais postos, entendeu? Eu acho que é isso que falta.
Porque o atendimento eu não acho ruim, entendeu? Porque tem
muita gente no CRAS […]. Assistente Social, né […]. Que eles
mostram ser […]. Ter empatia, na verdade, com as pessoas que
[…].Se importar com as pessoas, se colocar no lugar delas, en-
tendeu? Só que eu acho que falta mais CRAS. Porque a Lomba
é enorme e tem um CRAS só. Um CRAS só. Entendeu? Então
não tem como. Entendeu? Igual na Restinga. Na Restinga eu sei
que tem um CRAS lá também só. E a Restinga também não é
pequena. Aí, muita gente querendo ajuda pra um espaço só […]
não dá. Entendeu? Não tem como (WAKANDA, 20 anos).
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Mas tu vês a questão da saúde mental, que é algo que a gente não
tem como negar. Que é um processo muitas vezes muito violento,
de várias famílias com situações de saúde mental e é uma dificul-
dade dar encaminhamento, nós não temos um CAPS infantil [...].
Mas, decorrente dos determinantes sociais de saúde e das vulnera-
bilidades, nós vamos ter vários adolescentes e várias famílias que
fazem uso abusivo de substância psicoativa. Outras questões rela-
cionadas simplesmente à saúde mental [...]. Não se consegue ter
muitos encaminhamentos pra esses casos. Isso é uma questão bem
violenta (PROFISSIONAL 3).
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Eu acho que a própria questão dos serviços não darem conta das
demandas, de nós termos poucos trabalhadores pra muitos casos,
pra muitos atendimentos dentro da política de assistência, dentro
da política de saúde, dentro da política de educação. Eu acho que
não tem nenhum serviço dentro dessas três áreas que consiga tra-
balhar de maneira como deveria. Que consiga dar conta respirar
e consiga articular tudo aquilo que se deve, porque não se tem
RH suficiente. Eu acho que a própria precarização dos serviços
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Então se não for feito uma ação articulada com uma decisão po-
lítica de peso dificilmente eu vejo essa questão da violência e da
mortalidade terminar por si só, até porque, infelizmente, eu vejo
um agravamento, uma excitação, um estímulo às ações violentas,
um estímulo à intolerância, um estímulo ao uso de arma, um estí-
mulo a buscar a resolução do conflito pela força, pela violência […].
Então assim, as ações que eu vejo são muito mais profundas[…].
Tem que ter uma mudança de paradigma, de conceito das relações
sociais […]. E do papel, principalmente, do papel do Estado na
regulação das relações, o papel das políticas públicas no sentido de
atender a todos, todos os cidadãos […] (PROFISSIONAL 4).
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2 Segundo Anderson (2020, p. 160) “Quando bate no peito para afirmar seu patrio-
tismo, Bolsonaro está sendo apenas teatral. Assim, hoje, ele não é inimigo do capital
estrangeiro. Seu nacionalismo hiperbólico na expressão, assume a forma de virulentas
imagens de antissocialismo, antifeminismo e homofobia, por ele representadas como
excrescências estranhas à alma brasileira. Com o livre mercado, porém, não há discor-
dâncias. É um nacionalismo pautado pelo paradoxo do populismo entreguista: total-
mente disposto, ao menos em princípio, a entregar ativos nacionais a bancos e corpo-
rações globais”.
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“Tá vendo eu? [...] Eu sou assim, eu sou […]. É bem o perfil de
uma pessoa da favela, entendeu? Querendo ou não, é essa a ver-
dade. E a gente que é assim, porque é assim […]. Não tá errado
ser assim. Entendeu? Mas a gente tem menos oportunidade do
que as pessoas que moram no Moinhos de Vento, que ‘tão’ usan-
do Lacoste, porque têm dinheiro pra comprar, entendeu? E, eu
acho que a gente se envolve nesse mundo porque eu por ser assim
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Tu vai perguntar pra todo mundo: “Ah, por que não ‘tá’ traba-
lhando?” Daí “Ah, vai lá no Mc, vai no mercado” É o que as
‘pessoa’ falam pra gente. Nosso serviço tem que ser assim. E não
é um serviço não digno, tem que ter pessoas trabalhando no mer-
cado. Tem e não tem né, por que tem alguns lugares que tu vai
olhar nos países mais desenvolvidos não existe mais ninguém no
mercado, não tem nem mais caixa no supermercado… Mais avan-
çado, entendeu? Então, realmente a gente tem que ficar com essa
parte mais braçal, a gente tem que receber o menor salário […].
Enquanto, alguém que faz faculdade e tem oportunidades boas,
trabalha seis horas e ganha mais que um salário mínimo. [...] Isso
aí vai revoltando a gente […]. Querendo ou não, vai te revoltan-
do. Bah, por que que eu tô recebendo a mesma coisa de quem tá
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Eu já vi muito colega, não amigo, colega, indo pra droga por que
não arranja emprego digno e precisou ir pra droga pra sustentar a
família e vai falar que é errado? O cara teve que seguir um mun-
do errado, mas por um bem certo, entende? São muitos temas e
caminhos que dá pra dialogar a tarde inteira que não vai levar a
nada, que vai levar a um único culpado que é o governo que não
dá nada digno pra gente. Eu sinto falta de uma escola digna, de
uma universidade digna (Jovem Everton - 16 anos).
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5 Segundo Mbembe (2018) São atores internacionais e políticas de Estado que decidem
quem deve viver e quem deve morrer em um determinado momento, com base em
critérios econômicos, subjugando populações e transformando seres humanos em uma
mercadoria descartável na ordem do capital.
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O pessoal jovem acha: “Ah! É dinheiro mais fácil, é vida mais fácil,
é tudo mais fácil, eu vou pra lá também!” E daí é onde eles acham
que [...] que vão ganhar o mundo com isso, né? E é uma coisa
fictícia, porque tu não vai ter vida fácil, tu não vai ter dinheiro
fácil. Tu vai tar lá das sete às sete, vai “tar” correndo de ser pego
pela polícia, vai ser... pode ser pego por outra facção. É bem com-
plicado, bem complicado (Jovem Japa – 20 anos).
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Considerações finais
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– [...] a nossa lei é cruel né? A lei do tráfico de drogas ela diz que
tu tens que estar em território reconhecidamente de tráfico, tem
que ter uma quantidade razoável do entorpecente, tem que ter
uma grana também para dizer que tu estava traficando e etc. Poh,
o cara mora na Lomba do Pinheiro, está com 70 gramas de ma-
conha e R$200,00 no bolso, ele é traficante, entendeu? Só que, se
eu saio do Iguatemi, com as mesmas 70 gramas de maconha, com
R$1.500,00 no bolso, eu sou consumidor. É dispare isso. Mas ele
está envolvido com droga, ele foi até lá buscar droga. Mesmo que
seja consumidor e etc, ele corre risco (Profissional 6).
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– [...] a gente tem alguns jovens que vão sofrer essa violência
física, daí tô falando até mesmo da violência policial, que às vezes
é uma violência física: de cortar cabelo com facão, de outras ques-
tões que vão trazer essa violência (Profissional 3).
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5 Evidentemente tem-se nítido que em uma sociedade que se rege pela lógica do ca-
pital, esbarra-se em limites emancipatórios, sendo possíveis, unicamente, os avanços
da perspectiva da emancipação política, distante de uma real e efetiva emancipação
humana. O questionamento central, no âmbito desse debate, reside na forma pela qual
se estruturam as relações sociais calcadas na desigualdade social.
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– É, quem tem que melhorar, acredito, né, que... ali, né... vem a
questão política, no caso, que são as autoridades, né? Que tem,
né, que disponibilizar mais verba, capacitar melhor, no caso, os PM,
pra quando eles fazem uma abordagem, no caso. Aí, o que eles
teriam que fazer, eles teriam que, no caso, tratar melhor... tratar
melhor um apenado, tratar melhor um adolescente, no caso, né, que
cumpre uma medida socioeducativa. [...] As autoridades deveriam
de organizar, no caso, capacitar os PMs melhor, pra que eles não fa-
çam tanta violência com toda a comunidade, no caso. E as autorida-
des deveriam de fazer com que as pessoas que cometeram crime,
um delito, que, no caso, entendeu... que, a partir desse momento,
entendeu? Que elas não cometessem mais isso, entendeu? Que
eles também dessem uma oportunidade pra que eles sejem visto
de uma forma melhor (Fernanda, 24 anos).
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Considerações finais
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2 A citação acerca da história dos Lanceiros Negros, ou Massacre dos Porongos, adquire
aqui um sentido linguístico metafórico para demonstrar a presença da perspectiva do
genocídio negro e seu apagamento pelos discursos de cunho eugênicos. Não trataremos
do debate histórico, bem como, das diversas divergências historiográficas que envolvem
os acontecimentos.
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3 A ideia de democracia racial tem como um dos seus principais expoentes Gilberto
Freyre. Nascimento (2016) analisa as contradições da sua obra, demonstrando como
as tendências lusotropicalista presente na concepção do autor, que se constitui como
recurso ideológico para naturalizar a violência da escravidão. A análise de Florestan
Fernandes acerca da construção do mito da democracia racial em Freyre se constitui em
uma leitura fundamental para a compreensão dos limites, contradições e farsas presente
nesse termo.
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– Tem que ser bonito pra trabalhar, gente feia não trabalha, né?
Não entendo. Não é bom pro mercado gente feia… Gente… preta.
Vai ser ruim pro mercado. Assim como… É uma coisa cultural,
né? Hoje em dia se a gente tá na TV, se a gente tá em muitos
‘lugar’ é tudo cota racial. Tu vê um comercial, tem um preto, dois
‘preto’. Quando tem…Ali no fundo,quietinho. Só passa, só aparece
a cara, nem fala nada. Tu tá tirando o espaço de fala, tu tá tirando
o poder. Tu vai ‘acabando’ apagando, né? Tu vai botando luz muito
desse lado, pra ficar escuro desse. E a gente sofre, né? Querendo ou
não, a gente sofre (MENOR, 19 anos).
As reflexões do jovem Menor (19 anos) vão muito além das dificul-
dades de inserção no mercado de trabalho por razões étnico-raciais, mas
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– Vou falar agora coisas soltas e que possam se unir, tá? Ensinem
seus filhos que racismo não é algo legal, tá? Tu julgar, pré julgar
alguém pelo fato da cor da pele, não é legal. Ensinem seus filhos
que ser gay é algo natural, tá? Tu pode se identificar como tu qui-
ser, cara. Tu é livre. E, terceiro, ensine teu filho que varrer, limpar
uma casa, lavar uma louça, não é dever de mulher, entendeu? A
casa é tua também cara. Tu mora ali, o que custa? E ficar fazendo
piadinha com a insegurança dos outros também não é legal, tá?
Isso te torna um babaca. E… quer mais? Ficar assediando pessoas
na rua, também te faz um babaca. E o que eu quero dizer com
tudo isso é respeito! É isso só (JOSÉ, 16 anos).
– [...] a gente tem que lutar, que a gente, mesmo que não con-
siga mais ter esperança diante desse momento que a gente “tá”
vivendo, no caso, mas que a gente tem que manter a esperan-
ça é a única coisa, entendeu? Que talvez vai fazer, entendeu?
Que a gente, futuramente, quebre esse racismo, quebre essa falta
de segurança, essa falta de infraestrutura que nós... que nós, pessoas
pobre, no caso, vivemos, nós jovens, negros de periferia vivemos...
Que cada vez mais nós, jovens, negros... que nós ocupamos os
espaços, no caso. Seja uma cota numa universidade, seja uma
oportunidade voltada... Ah! É negro? Não importa! Nós temos
que estar, nós temos que mostrar como a gente é capaz. Como um
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Considerações finais
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Maurício Perondi
Professor na Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Licenciado em Filosofia pela Universidade La
Salle. Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS, com realização de Pro-
grama de Doutorado Sanduíche na Universidade de Lleida, Espanha. In-
tegrante do Centro Interdisciplinar de Educação Social e Socioeducação
(CIESS/UFRGS). Coordenador do Observatório da Socioeducação e do
Ateliê de Jogos Pedagógicos da UFRGS. Coordenador substituto do Pro-
grama de Prestação de Serviços à Comunidade (PPSC/UFRGS). Coorde-
nador do GT3 – Movimentos Sociais, Sujeitos e Processos Educativos, da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Gestão
2022-2023). Membro da Frente de Enfrentamento à Mortalidade Juvenil
de Porto Alegre.
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0551-468X
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1048142658453276
E-mail: mauricioperondirs@gmail.com
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https://www.youtube.com/watch?v=XQkpZA6qFhc