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UNIVERSIDADES

EMERGENTES
NO BRASIL
OLHARES E EXPERIÊNCIAS SUL-SUL

Maria Elly Herz Genro


Jaime José Zitkoski
Rafael Arenhaldt
(Organizadores)

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Copyright © Editora CirKula LTDA, 2021.
1° edição - 2021

Revisão e preparação dos originais: Mauro Meirelles e Rafael Arenhaldt


Normatização, Edição e Diagramação: Mauro Meirelles
Capa: Luciana Hoppe
Tiragem: 500 exemplares impressos.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de


Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 / “This
study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001.

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UNIVERSIDADES
EMERGENTES
NO BRASIL
OLHARES E EXPERIÊNCIAS SUL-SUL

Maria Elly Herz Genro


Jaime José Zitkoski
Rafael Arenhaldt
(Organizadores)

2021

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CONSELHO EDITORIAL

César Alessandro Sagrillo Figueiredo


José Rogério Lopes
Jussara Reis Prá
Luciana Hoppe
Marcelo Tadvald
Mauro Meirelles

CONSELHO CIENTÍFICO

Alejandro Frigerio (Argentina) - Doutor em Antropologia pela Universidade


da Califórnia, Pesquisador do CONICET e Professor da Universidade Cató-
lica Argentina (Buenos Aires).
André Luiz da Silva (Brasil) - Doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e professor do Programa de Pós-Gradua-
ção em Desenvolvimento Humano da Universidade de Taubaté.
Antonio David Cattani (Brasil) - Doutor pela Universidade de Paris I - Pan-
théon-Sorbonne, Pós-Doutor pela Ecole de Hautes Etudes en Sciences Socia-
les e Professor Titular de Sociologia da UFRGS.
Arnaud Sales (Canadá) - Doutor d’État pela Universidade de Paris VII e Pro-
fessor Titular do Departamento de Sociologia da Universidade de Montreal.
Cíntia Inês Boll (Brasil) - Doutora em Educação e professora no Departa-
mento de Estudos Especializados na Faculdade de Educação da UFRGS.
Daniel Gustavo Mocelin (Brasil) - Doutor em Sociologia e Professor Adjun-
to da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Dominique Maingueneau (França) - Doutor em Linguística e Professor na
Universidade de Paris IV Paris-Sorbonne.
Estela Maris Giordani (Brasil) - Doutora em Educação, Professora Associada
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pesquisadora da Antonio
Meneghetti Faculdade (AMF).
Hilario Wynarczyk (Argentina) - Doutor em Sociologia e Professor Titular
da Universidade Nacional de San Martín (UNSAM).

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José Rogério Lopes (Brasil) - Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Uni-
versidade Católica de São Paulo e Professor Titular II do PPG em Ciências
Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Ileizi Luciana Fiorelli Silva (Brasil) - Doutora em Sociologia pela FFLCH-
USP e professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Leandro Raizer (Brasil) - Doutor em Sociologia e Professor da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva (Brasil) - Doutor em Sociologia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Professor do Programa de Pós-
Graduação Interdisciplinar Ciências Humanas da UFFS.
Lygia Costa (Brasil) - Pós-doutora pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ
e professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas
(EBAPE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Maria Regina Momesso (Brasil) - Doutora em Letras e Linguística e Profes-
sora da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP).
Marie Jane Soares Carvalho (Brasil) - Doutora em Educação, Pós-Doutora
pela UNED/Madrid e Professora Associada da UFRGS.
Mauro Meirelles (Brasil) - Doutor em Antropologia Social e Pesquisador do
Laboratório Virtual e Interativo de Ciências Sociais (LAVIECS/UFRGS).
Silvio Roberto Taffarel (Brasil) - Doutor em Engenharia e professor do
Programa de Pós-Graduação em Avaliação de Impactos Ambientais em
Mineração do Unilasalle.
Stefania Capone (França) – Doutora em Etnologia pela Universidade de Paris
X- Nanterre e Professora da Universidade de Paris X-Nanterre.
Thiago Ingrassia Pereira (Brasil) - Doutor em Educação e Professor do Pro-
grama de Pós-Graduação Profissional em Educação da UFFS e do Pós-Gra-
duação Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFFS.
Wrana Panizzi (Brasil) - Doutora em Urbanisme et Amenagement pela Uni-
versite de Paris XII (Paris-Val-de-Marne), em Science Sociale pela Université
Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) e Professora Titular da UFRGS.
Zilá Bernd (Brasil) - Doutora em Letras e Professora do Programa de Pós-
-Graduação em Memória Social e Bens Culturais da Universidade LaSalle.

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SUmáRIO

11 MANIFESTO DA UNIVERSIDADE COMO BEM PÚBLICO


Maria Elly Herz Genro, Jaime José Zitkoski e Rafael Arenhaldt

PARTE 1 - AS UNIVERSIDADES EMERGENTES

19 O PROJETO ORIGINAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA


INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA: INTEGRANDO
DEmOCRATICAmENTE NUESTRA LATINOAmÉRICA
Camila Tomazzoni Marcarini, Carlos Alessandro da Silveira,
Elizabeth Diefenthaeler Krahe, Graciela Santos Dornelles,
Henrique Safady Maffei, Jurema Garcia Machado,
Maria Elly Herz Genro, Renata Castro Gusmão,
Rossana de Souza Medeiros Dal Farra

25 UNILA: PRESENÇA DE INTEGRAÇÃO LATINO-AmERICANA


Maria Elly Herz Genro, Elizabeth Diefenthaeler Krahe,
Camila Tomazzoni Marcarini, Henrique Safady Maffei,
Renata Castro Gusmão, Jurema Garcia Machado,
Carlos Alessandro Silveira, Graciela Santos Dornelles,
Rossana de Souza Medeiros Dal Farra

39 UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAHIA (2011-2017):


PROJETO POLÍTICO, MAIS QUE PEDAGÓGICO
Naomar de Almeida Filho

51 UFSB: PRESENÇA NO TERRITÓRIO


Rafael Arenhaldt, Márcia Adriana Rosmann, Luciane Ines Ely,
Cidara Loguercio Souza

65 UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL - UFFS


Jaime Giolo

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71 UFFS: UmA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR
PÚBLICA E POPULAR
Bernardo Sfredo Miorando, Claudete Lampert Gruginskie,
Daniele Vasconcellos de Oliveira, Jaime José Zitkoski,
Marlon Junior Pellenz, Nilson Carlos da Rosa

87 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAmPA - UNIPAmPA


Lúcio Jorge Hammes, Nadia Fatima dos Santos Bucco,
Itamar Luís Hammes, Ana Lúcia Castro Brum

93 UNIPAmPA: PRESENÇA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NA


mETADE SUL DO RIO GRANDE DO SUL
Lúcio Jorge Hammes, Nadia Fatima dos Santos Bucco,
Itamar Luís Hammes, Ana Lúcia Castro Brum

PARTE 2 - OLHARES SOBRE AS EXPERIÊNCIAS


DAS UNIVERSIDADES EMERGENTES

113 PROJETOS EmERGENTES DE UNIVERSIDADES


NO BRASIL: ANáLISE DE ALGUmAS EXPERIÊNCIAS
Jaime José Zitkoski, Maria Elly Herz Genro, Rafael Arenhaldt

131 UNILA: UTOPIA DO PROJETO, DESVIOS PRECOCES


E URGENTE RETORNO AO PROJETO ORIGINAL
Hélgio Trindade

157 UNIVERSIDADES EmERGENTES NO BRASIL (2003-2014):


DIáLOGOS POSSÍVEIS COm O mOVImENTO DE CÓRDOBA
Henrique Safady Maffei, Maria Elly Herz Genro

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175 UFSB, UmA UNIVERSIDADE EmERGENTE: PRINCIPAIS
CARACTERÍSTICAS, PRINCÍPIOS E ESTRUTURAÇÃO
DA FORmAÇÃO
Rafael Arenhaldt, Ana Maria Netto Machado

191 AS NOVAS UNIVERSIDADES NO CONTEXTO BRASILEIRO:


Um ESTUDO DA UNILA
Jaime José Zitkoski, Lúcio Jorge Hammes

205 UNILA: RUPTURAS COm O mODELO UNIVERSITáRIO


TRADICIONAL E OS DESAFIOS PARA A INTEGRAÇÃO
LATINO-AmERICANA
Maria Elly Herz Genro, Henrique Safady Maffei,
Carlos Alessandro da Silveira

PARTE 3 - PRODUÇÕES DO GRUPO APRESENTADAS NOS


EVENTOS ACADÊMICOS E REFLEXÕES E EXPERIÊNCIAS
DAS/DOS BOLSISTAS (2017 - 2020)

221 PRODUÇÕES DO GRUPO EM EVENTOS ACADÊMICOS


REFLEXÕES E EXPERIÊNCIAS DOS BOLSISTAS
DA PESQUISA

PARTE 4 - REFLEXÕES E EXPERIÊNCIAS


DOS BOLSISTAS DA PESQUISA

231 INICIAÇÃO CIENTÍFICA: OPORTUNIDADES


E APRENDIZAGENS, PARTILHAS E mUDANÇAS
Jurema Garcia Machado

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235 BOLSA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA: O DESPERTAR
DO INTERESSE PELA PRáTICA DA PESQUISA
PARA O DESENVOLVImENTO DA CIÊNCIA
Carlos Alessandro da Silveira

241 A EXPERIÊNCIA DA INICIAÇÃO CIENTÍFICA


PARA ALÉM DA GRADUAÇÃO
Graciela Santos Dornelles

245 EXPERIÊNCIA DE BUEN VIVIR NA UNIVERSIDADE:


Um RELATO DE ARTICULAÇÃO ENTRE ENSINO
E PESQUISA
Rossana de Souza Medeiros Dal Farra

249 SOBRE OS AUTORES

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MANIFESTO DA UNIVERSIDADE COMO BEM PÚBLICO

Maria Elly Herz Genro


Jaime José Zitkoski
Rafael Arenhaldt

O livro que ora apresentamos é resultado de uma produção cole-


tiva e fruto de um processo de pesquisa compartilhado, é uma espécie
de manifesto em defesa da Universidade Pública brasileira. Em tempos
de ataques constantes à ordem constitucional e à concepção de bem
público, afirmamos, enquanto um coletivo de investigadores e educa-
dores, o sentido e as razões da existência de instituições democráticas
e democratizantes na e da sociedade brasileira. Este livro, produzido a
muitas mãos, cabeças e corações, acalenta o desejo de chegar ao leitor
que segue sonhando e praticando, como nós, a construção e a constitui-
ção cotidiana de uma universidade democrática e democratizante, uma
Universidade Pública, gratuita e socialmente referenciada.
Com o título Universidades Emergentes no Brasil: olhares e expe-
riências Sul-Sul, esta obra vislumbra, escrutina e acompanha as experiên-
cias de quatro universidades brasileiras, a saber: a Universidade Federal
da Integração Latino-Americana (UNILA), a Universidade Federal da
Fronteira Sul (UFFS), a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)
e a Universidade do Pampa (UNIPAMPA). Nossa compreensão e o
nosso investimento na produção deste trabalho de sistematização e or-
ganização do livro é de que ele possa dar visibilidade à problemática e a
importância das universidades para o desenvolvimento regional, social,
político, econômico e cultural junto aos territórios onde elas se enraí-
zam e pertencem, para a cidadania glocal, local e planetária.
A pesquisa foi desenvolvida a partir do projeto intitulado Projetos
de Universidades Emergentes no Brasil: Formação Política e Bem Viver. O
objetivo central é investigar os processos de implantação da Universida-
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de Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), da Universidade
Federal da Fronteira Sul (UFFS), da Universidade Federal do Sul da
Bahia (UFSB) e da Universidade do Pampa (UNIPAMPA), na pers-
pectiva de fortalecimento da formação ético-política e do bem viver
(ZITKOSKI; GENRO; ARENHALDT, 2017). O planejamento da
pesquisa foi delineado no ano de 2016 e iniciamos em 2017 as ativida-
des de aprofundamento de leituras pertinentes ao nosso referencial teó-
rico. Posteriormente, realizou-se entrevistas com lideranças e gestores
da UNILA, onde na oportunidade foi entrevistado o primeiro reitor,
Professor Hélgio Trindade; da UFFS com o Professor Jaime Giolo, rei-
tor no período de 2011-2019 e da UNIPAMPA com a Professora Maria
Beatriz Luce, a primeira reitora.
Vivemos tempos de agravamento das desigualdades sociais, envol-
vendo classe, gênero e raça, numa relação direta com a imensa concen-
tração da riqueza e do poder no mundo, especialmente no Brasil. No
atual contexto brasileiro percebe-se a intensificação, por parte do gover-
no, da naturalização das diferentes formas de exclusão e opressão, aliadas
ao desprezo da ciência, uma vez que, como escreve Lowy (2020, p. 149):

Um aspecto do neofascismo bolsonarista é o obscurantismo,


desprezo pela ciência, em aliança com seus apoiadores incon-
dicionais, os setores mais retrógrados do neo-pentecostalismo
“evangélico”. Esta atitude, digna do terraplanismo, não tem
equivalente em outros regimes autoritários, mesmo os que tem
por ideologia o fundamentalismo religioso (Irã).

Este contexto social, político e econômico do capitalismo preda-


tório é sustentado pelo governo e por parte da sociedade que reprodu-
zem a apologia à ignorância como modo de vida e o ódio como prática
política calcada em veiculações de mentiras (fake news) sobre a realida-
de. Na atualidade, silenciam-se injustiças, violências, autoritarismos e
exclusões, enfim, banaliza-se o sofrimento humano. Essa narrativa não
significa somente a ignorância dos fatos da realidade, mas, fundamen-
talmente, a ignorância do valor da vida humana e não humana e de
uma irresponsabilidade dos seres humanos perante o mundo. Conside-
ramos que o reconhecimento do espaço comum da política é o espaço
possível para a imaginação de uma nova convivência, de um bem viver
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que tem como pressupostos a afirmação do exercício da liberdade e a
produção de novos começos.
O reconhecimento da ignorância como motor do conhecimen-
to e o reconhecimento da incompletude da existência humana e dos
nossos saberes (a consciência de nossas ignorâncias) vão na contramão
da ideia de uma sociedade da ignorância, como afirma Burke (2020).
Nesta perspectiva, destacamos a importância da Educação para uma
formação que permita avaliar e refletir sobre a credibilidade das mensa-
gens recebidas e repassadas pelos diferentes meios de comunicação e os
interesses envolvidos nas diferentes narrativas enunciadas.
Os efeitos da pandemia de Covid-19 também chegaram à univer-
sidade, agravando ainda mais a tendência de degradação que já vinha
anteriormente. Para Santos (2020) esta é a oportunidade para que a Uni-
versidade invista em alternativas ao modelo de sociedade e de civilização
que temos vivido, de exploração sem precedentes dos recursos naturais,
que, além da crise ambiental, pode nos levar a recorrentes pandemias. 
Neste ponto, Rita Segato (2020) salienta a importância da Uni-
versidade em assumir seu papel social de realizar uma reflexão teórico-
-política, de modo que haja uma sensibilização ética que permita que
as políticas ganhem vigência simbólica na consciência das pessoas, pois
só assim estas serão efetivadas. Desta forma, defender a Universidade
Pública significa também defender a sua transformação, torná-la mais
efetiva em seu compromisso social, mais inclusiva, plural e acolhedora.
Neste sentido, é importante reconhecer que a criação de novas universi-
dades no período de 2003 a 2014, assim como as políticas afirmativas,
como a política de cotas, regulamentada pelo Decreto n° 7.824, de 11 de
outubro de 2012 (BRASIL, 2012), representam um ponto importante
no enfrentamento da histórica elitização da educação superior no Brasil.
Nessa perspectiva nos referenciamos na declaração (CRES, 2018),
entre outros, da III Conferência Regional de Educação Superior para
a América Latina e o Caribe que reafirma a Educação Superior, como
um direito humano em que o conhecimento é um bem social coletivo e
estratégico para a defesa dos direitos humanos e para produção do bem-
-estar dos povos na América Latina. Esta perspectiva vai na contramão
da ideia da Educação como uma mercadoria, para poucos e na reprodu-
ção de relações de poder em que o patriarcado, o racismo, colonialismo
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e o capitalismo predatório são violências que inviabilizam um futuro
de justiça social e democracia. Este documento faz menção aos 100
anos da reforma de Córdoba, como uma inspiração para pensarmos o
presente e a urgência de vislumbrarmos ações e valores na direção de
um bem viver.

Há um século, os estudantes reformistas denunciaram com fir-


meza que naquela Córdoba e em um mundo injusto e tirânico,
as universidades haviam se convertido no “fiel reflexo destas so-
ciedades decadentes que se empenham em oferecer o triste espe-
táculo de uma imobilidade senil”. O tempo passou e essa mensa-
gem carregada de futuro nos interpela e nos atravessa como uma
flecha ética, para questionar nossas práticas (CRES, 2018, p. 6).

A defesa da Universidade Pública, do conhecimento e do livre


pensar tem atravessado historicamente as lutas na América Latina. Em
1918, em Córdoba (Argentina), estudantes ocupavam a universidade
tricentenária em prol de uma Educação mais democrática e libertária.
Na esteira da reforma de Córdoba, seguiram-se lutas de mulheres e ho-
mens por democratizar o acesso e a permanência, bem como ampliar a
epistemologia para acolher o pensamento latino-americano.
Através de nossas pesquisas, compreendendo a produção do co-
nhecimento como espaço de formação ética e política na Universidade,
nos sentimos convocados a reafirmar que a Ensino Superior tem papel
estratégico de defesa da democracia na América Latina, rejeitando as
várias formas de autoritarismo, concentração de riqueza e poder que vai
na contramão de aspirações de transformação social, política e cultural
do mundo contemporâneo.
Assim sendo, este livro foi estruturado em três partes principais.
A primeira parte é constituída pelas universidades, sendo apresentada
pela equipe de pesquisa ou pelos primeiros reitores destacando suas ex-
periências, bem como o sentido e a razão de ser destes projetos. Con-
tamos com a fundamental participação e testemunho do Prof. Naomar
de Almeida Filho e do Prof. Jaime Giolo. Ainda, nesta parte, focamos
sobre a presença de cada uma das universidades: UNILA: presença de
integração latino-americana; UFSB: presença no território; UFFS: uma
experiência de Educação Superior pública e popular e UNIPAMPA:

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presença da Educação Superior na metade sul do Rio Grande do Sul.
A segunda parte desta obra constitui-se de seis capítulos oriundos
da inserção do grupo de pesquisa nos eventos nacionais e internacionais
com apresentação de trabalhos completos. Contamos também, nesta
parte, de um importante ensaio reflexivo do primeiro reitor da UNI-
LA, Prof. Hélgio Trindade, sobre a experiência de gestão. Partimos dos
textos apresentados nos respectivos eventos e retomamos a escrita com
algumas revisões e atualizações para publicizar. É importante dizer que
as experiências de nossa inserção nos eventos, dialogando com outros
olhares de universidades e de pesquisas sobre esse tema, trazem novos
impulsos para o processo investigativo-formativo do grupo de pesquisa.
A terceira parte do livro traz os sentidos e as experiências vivencia-
das por nossos bolsistas de graduação no processo da pesquisa e nas par-
ticipações deles em eventos com apresentações de trabalhos. Os relatos
reflexivos produzidos pelos estudantes traduzem a dimensão formativa
e as experiências de cada um nessa caminhada, junto com um grupo
maior de pesquisadores, envolvendo docentes, estudantes de Mestra-
do e Doutorado do PPGEDU/UFRGS e colegas de outras Instituições
Federais de Ensino Superior (IFES), que são parceiros nessa pesquisa.

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Referências
BRASIL. Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de 2012. Disponí-
vel em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2012/decreto-
-7824-11-outubro-2012-774384-normaatualizada-pe.html.
BURKE, P. A Ignorância na Política. E a política da ignorância. Revista
Piauí, n. 168, pp. 32-35, 2020.
CRES. III Conferencia Regional de Educación Superior para América
Latina y el Caribe. Declaración de la Conferencia Regional de Educa-
ción Superior, Córdoba, 2018, Disponível em: https://www.iesalc.unes-
co.org/wp-content/uploads/2020/08/Declaracion2018PortFinal.pdf
LOWY, M. “Gripezinha”. O neofascista Bolsonaro diante da pandemia.
In. TOSTES, A.; MELLO FILHO, H. (Orgs.). QUARENTENA: Re-
flexões sobre a Pandemia e Depois. Bauru: Canal6, 2020. pp. 147-150.
SANTOS, B. S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições Alme-
dina, 2020.
SEGATO, R L. Sesión inaugural del curso Políticas Universitarias
para la Igualdad de Género. Universidad Nacional Autónoma de Mé-
xico (UNAM). https://www.youtube.com/watch?v=nGkQrwp9kUw
17/06/2020.
ZITKOSKI, J. J.; GENRO, M. E. H.; ARENHALDT, R. Universida-
de, Formação Política e Bem Viver: Estudo dos Projetos de Universida-
des Emergentes no Brasil. Projeto de Pesquisa (Educação). Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul, 2017, 38p.

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Parte 1

AS UNIVERSIDADES EMERGENTES

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O PROJETO ORIGINAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA
INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA: INTEGRANDO
DEMOCRATICAMENTE NUESTRA LATINOAMÉRICA

Camila Tomazzoni Marcarini


Carlos Alessandro da Silveira
Elizabeth Diefenthaeler Krahe
Graciela Santos Dornelles
Henrique Safady Maffei
Jurema Garcia Machado
Maria Elly Herz Genro
Renata Castro Gusmão
Rossana de Souza Medeiros Dal Farra

Neste texto1 ressaltamos aspectos marcantes na construção do pro-


jeto da UNILA e sua contribuição para a integração solidária da América
Latina, presentes desde a sua concepção e implementação. Para isto, utiliza-
mos duas entrevistas realizadas ao longo do segundo semestre de 2017 com
o professor Hélgio Trindade (Reitor pró tempore da UNILA, no período
de 2010 a 2013). O conteúdo das entrevistas utilizadas nessa narrativa diz
respeito à gênese da Universidade, o significado da integração da América
Latina e os impasses e desafios na afirmação de seu projeto original.
O professor Hélgio, em seu depoimento para a pesquisa “Univer-
sidade, formação política e Bem Viver: estudo dos projetos de universida-
des emergentes no Brasil”, afirma que temos uma dívida com a América
Latina, como por exemplo ao relatar que o México recebeu exilados
brasileiros na época da Ditadura Civil Militar no Brasil. No intuito de
ter um olhar para o continente, superando essa dívida histórica, uma
das propostas seria investir na Educação Superior voltada para a Amé-
rica Latina, mas com o cuidado de integrar e não sobrepujar a cultura
de outros países. O projeto original da UNILA representa uma política
contrária à ideia de um Brasil como subimperialista na América Latina.
Nas palavras de Trindade:

1 Texto redigido a partir de duas entrevistas realizadas com o Prof. Hélgio Trindade.
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Então quando o Brasil, com todo esse imenso território se pro-
põe a fazer uma universidade que se propõe a formar pessoas
oriundas de outros países no seu território, nós temos que ter
uma profunda sensibilidade, se não nós vamos criar a ideia de
que nós estamos sendo que nem os EUA, que pretendeu ser, e foi
para muitos países o país que forma as elites.

Outro aspecto referido diz respeito à preocupação, na construção


do projeto da UNILA, em colocar em diálogo uma diversidade de ex-
periências e conhecimentos das instituições da América Latina, contri-
buindo para construção de uma cooperação em rede:

Cada universidade diz onde ela é um pouco mais forte dentro


da sua área, por exemplo tem universidades que tem uma área
forte em informática, outras em ciências humanas, outras em
genética, então nós vamos interagir com as outras do Grupo
Montevideo oferecendo a liderança da nossa universidade nessa
área para que as outras recebam o que talvez nós temos e que
elas não tenham conseguido desenvolver. E por outro lado, as
outras oferecem outras coisas em que elas são fortes e que vão
beneficiar aquelas universidades que também não tem a mesma
fortaleza em todas as áreas do conhecimento. Então dentro dessa
estratégia todas são valorizadas, respeita-se as diferenças que exis-
tem entre os níveis das universidades, mas todas se sentem legi-
timadas porque tem uma ou duas áreas em que elas estão sendo
líderes em relação à cooperação com as outras universidades.

Numa relação respeitosa com todas as nações latino-america-


nas, o Comitê de Implantação da UNILA levantava a importância
da incorporação plural e não apenas de um seleto grupo, como nos
revela o professor:

A primeira coisa que nós vamos ter a oportunidade de ver depois


é que uma das pré-condições da integração é o respeito à identi-
dade de todos os países. Identidade cultural, identidade históri-
ca, o Brasil não vai exportar o seu modelo para os outros países,
ele vai revalorizar, por isso que quando se fazia a montagem de
um curso se procurava trazer não só pessoas do Brasil, mas in-
clusive de outros países da América Latina para que se tivesse
naquela disciplina uma perspectiva que atendesse necessidades

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e aspirações em qualquer área do conhecimento que valorizasse
setores da América Latina e não apenas da América Latina mais
desenvolvida, estilo México, Chile e Argentina.

Outro ponto importante destacado nas entrevistas com o pro-


fessor Hélgio é a questão da democracia na Universidade. Nesse senti-
do, Trindade revelou o processo de elaboração do projeto da Institui-
ção contou com a participação de consultores internacionais, onde a
realização de Colóquios mostrou-se de grande importância para pen-
sar a gênese da UNILA.

E nessa ocasião nós apresentamos o projeto da UNILA, que


já tinha sido enviado previamente para eles criticarem, suge-
rirem e a partir desse momento esse projeto deixou de ser um
projeto brasileiro e se transformou em um projeto legitima-
do por representantes acadêmicos de toda a América Latina.
Segunda coisa, o Primeiro Colóquio Internacional que foi
logo depois da reunião do Conselho. Inclusive aproveitando
a presença dessas pessoas. [...] Durou três dias, para discutir
em todos os seus âmbitos a relação entre educação no sentido
amplo e integração latino-americana.

O significado da integração está presente na fala do professor, assim


como a emergência do ciclo básico como um dos pilares desta dinâmica.

[...] nós criamos um ciclo básico, e esse ciclo básico tinha como
pressuposto de que nós estamos recebendo alunos que fizeram
cursos secundários em diferentes modelos de ensino secundário,
de níveis e também tradições muito diferenciadas e que nós tí-
nhamos que nesse ciclo básico, tanto do ponto de vista metodo-
lógico, até na metodologia do estudo, na ideia da tutoria que é
hoje uma coisa que o Didriksson valoriza muito2.

Por fim, os impasses e desafios são imensos para consolidar um


projeto de Universidade diferenciada das tradicionais: brasileira e tam-
bém continental, além de um espaço de construção de conhecimentos

2 Refere-se a Axel Didriksson e sua obra “UNILA consulta internacional: contri-


buições à concepção, organização e proposta político-pedagógica da UNILA”.
Foz do Iguaçu, IMEA. 2009
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e formação, tendo como lócus a América Latina, numa perspectiva so-
lidária de construção de um continente democrático, plural e social-
mente justo. Sem que haja o respeito e o diálogo com a diversidade, o
próprio sentido de integração fica ameaçado. Dessa forma, o ex-reitor
aponta a preocupação que se tinha na criação dos cursos:

[…] uma das precondições da integração é o respeito à identida-


de de todos os países. Identidade cultural, identidade histórica,
o Brasil não vai exportar o seu modelo para os outros países, ele
vai revalorizar, por isso que quando se fazia a montagem de um
curso se procurava trazer não só pessoas do Brasil, mas inclusive
de outros países da América Latina para que se tivesse naquela
disciplina uma perspectiva que atendesse necessidades e aspira-
ções em qualquer área do conhecimento que valorizasse setores
da América Latina.

Um outro aspecto a ser destacado diz respeito à questão da demo-


cratização do Ensino Superior, ao inserir uma Universidade Pública em
regiões do país até então marcadas fortemente pela Educação Superior
privada. Nesse sentido, Trindade afirma que:

[…] a UNILA, ao contrário de outras universidades de fronteira


que foram criadas, que foi estrategicamente uma coisa muito
importante, […] na medida em que o Brasil profundo, o Brasil
do interior estava todo ele dominado por segmentos ou por fa-
culdades privadas, que não tinham alternativa. Então, na medida
em que o governo começou a criar universidades mais pro lado
das fronteiras, começou a abrir uma competição com o setor
que dominava, que tinha hegemonia nessa parte do país. Agora,
a UNILA era um pouco mais, além de ela estar na fronteira ela
estava aberta para o conjunto da América Latina, não era só o
Mercosul, mas o conjunto da América Latina.

A intencionalidade de construção do projeto da UNILA não


partiu de um modelo pronto de Universidade, mas essa iniciativa foi
resultado de um conjunto de ações e pensamentos com a participa-
ção de diferentes atores institucionais latino-americanos e de outros
países: “[…] nós não recebemos nenhuma receita de bolo, nós fo-
mos buscar a opinião de pessoas e depois nós tiramos aquilo que nós

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achamos que realmente eram contribuições compatíveis com o nosso
projeto” (TRINDADE, 2017).
As Universidades Públicas Federais ainda estão em processo de
construção de uma efetiva autonomia, não somente nos assuntos finan-
ceiros, mas principalmente acadêmicos, culturais e políticos, sendo baliza-
da pela responsabilidade social. Nesse sentido, reforçamos a importância
da UNILA assumir essa responsabilidade frente aos desafios demandados
pela realidade da América Latina e caribenha. Para o ex-reitor “[…] auto-
nomia é isso. Não basta ter autonomia no sentido financeiro, tem que ter
autonomia acadêmica, didática, científica, cultural e política”.
Como se pode perceber, desde a gênese de seu projeto, a UNILA
teve enormes desafios colocados: a democratização do Ensino Superior,
a integração latino-americana, o respeito à pluralidade e a diversidade
de nosso continente, incorporando seus matizes na construção do co-
nhecimento voltado para os problemas locais do Sul global. Este foi seu
elemento distintivo de emergência. Hoje, passados dez anos de sua cria-
ção, alguns desafios ainda estão por se cumprir, outros resistem diante
ataques feitos intra e externamente à instituição. Neste livro, temos or-
gulho de reproduzir um artigo de Hélgio Trindade, que faz um balanço
desse processo desde o início até os dias atuais e reafirma os desafios e
disputas colocadas para que a UNILA seja de fato uma Universidade da
Integração Latino-Americana. Também reproduzimos elaborações de
pesquisadoras e pesquisadores deste grupo ao longo dos últimos anos,
os quais apontam pistas do processo vivenciado e estudado, bem como
as relações que foram feitas com processos históricos, como a Reforma
Universitária de Córdoba (1918). Boa leitura!

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Referências
TRINDADE, H. H. C. Entrevista [junho. 2017]. Entrevistadores:
Arenhaldt; Genro; Zitkosky. Porto Alegre: FACED/UFRGS, 2017. 1
arquivo .mp4 (2:39:10 min.). Entrevista concedida à Pesquisa - Uni-
versidade, Formação Política e Bem Viver: Estudo dos Projetos de Uni-
versidades Emergentes no Brasil.
TRINDADE, H. H. C. Entrevista [junho. 2017]. Entrevistadores:
Arenhaldt; Genro; Zitkosky. Porto Alegre: FACED/UFRGS, 2017. 1
arquivo .mp4 (2:28:27 min.). Entrevista concedida à Pesquisa - Uni-
versidade, Formação Política e Bem Viver: Estudo dos Projetos de Uni-
versidades Emergentes no Brasil.

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UNILA: PRESENÇA DE INTEGRAÇÃO
LATINO-AMERICANA

Maria Elly Herz Genro


Elizabeth Diefenthaeler Krahe
Camila Tomazzoni Marcarini
Henrique Safady Maffei
Renata Castro Gusmão
Jurema Garcia Machado
Carlos Alessandro Silveira
Graciela Santos Dornelles
Rossana de Souza Medeiros Dal Farra

A criação da Universidade Federal da Integração Latino-Ameri-


cana (UNILA) permitiu uma conexão de saberes de nuestra América,
encontrando agora uma Instituição que se coloca essa tarefa entre seus
princípios. Criada pela Lei nº 12.189/2010, com sede e foro na cidade
de Foz do Iguaçu (PR), a Universidade está situada na fronteira trina-
cional1 abarcando Brasil, Argentina e Paraguai, e tem como vocação:

Ser uma universidade que contribua para a integração latino-a-


mericana, com ênfase no Mercosul, por meio do conhecimento
humanístico, científico e tecnológico, e da cooperação solidária
entre as instituições de ensino superior, organismos governa-
mentais e internacionais (UNILA, 2019, p. 9).

O projeto pedagógico da UNILA busca abarcar essa integração


latino-americana, de modo que se repense as fronteiras que cercam os
conhecimentos, como o ciclo comum, a formação interdisciplinar e o
bilinguismo, visando uma integração também pela língua, consideran-

1 O termo fronteira trinacional foi desvelado em uma das entrevistas durante a


pesquisa em contraposição ao termo “tríplice fronteira” anteriormente usado. Pelo
apreendido, o conceito foi substituído pois o anterior remetia a um contexto da Lei
de Segurança Nacional e da Ditadura Cívico-Militar.
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do que a língua tem um papel crucial no “modo como sabemos o que
sabemos” (HOOKS, 2017 p. 231).
Por estas razões, o grupo de pesquisa do PPGEDU da UFRGS
– Universidade, Formação Política e Bem Viver: Estudo dos Projetos
de Universidades Emergentes no Brasil – selecionou a experiência da
UNILA. O presente artigo, que abre a parte da UNILA deste livro, foi
uma construção em múltiplas mãos e visões de todas e todos que in-
vestigaram essa Universidade nos últimos anos. Neste estudo, fazemos
um apanhado sobre sua gênese, e identificamos as razões que nos levam
a indicá-la como Universidade Emergente. Trazemos também algumas
falas obtidas no marco da pesquisa de pessoas que vivenciaram a cons-
trução da Universidade. E, por fim, encerramos com as considerações
finais assinalando as caminhadas em curso de sua defesa.

Movimento de construção da UNILA: uma Universidade para mu-


lheres e homens da América Latina

A UNILA pode ser considerada como uma Universidade que


rompe com o modelo clássico de Universidade na América Latina.
Como afirma Trindade (2009), o objetivo era fazer dessa nova Ins-
tituição uma experiência de Universidade Sem Fronteiras. Essa pers-
pectiva representa o que Oliven (2005) denomina como “marca de
origem”, ou seja, a integração latino-americana como um traço de
origem que acompanhará o desenvolvimento e expansão da Univer-
sidade. A integração aparece como compromisso sincero e prático,
realizado de forma colaborativa para construir e povoar a nova insti-
tuição, configurando-a como uma instituição que pretende romper e
ultrapassar fronteiras:

Com essa abrangência, impôs-se estabelecer um diagnóstico pré-


vio para poder definir o campo de atuação acadêmica da UNILA
e suas relações interuniversitárias de cooperação e de recrutamen-
to de professores e seleção de alunos. Sua originalidade, além do
fato de ser uma instituição bilíngue, assegura a participação equi-
valente de professores e alunos oriundos do Brasil e dos demais
países latino-americanos, nos termos do Projeto de Lei encami-
nhado ao Congresso Nacional (TRINDADE, 2009, p. 7).

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A construção da UNILA, segundo seus fundadores e fundadoras,
ocorre como círculos concêntricos que partem da fronteira trinacional,
passando pela rede da Associação de Universidades do Grupo de Mon-
tevidéu (AUGM) formada por 22 universidades, até abranger todas as
universidades da América Latina e os órgãos governamentais e interna-
cionais do continente latino-americano (IMEA, 2009, p. 19).
Há uma grande diversidade de documentos e fontes de pesquisa
sobre a UNILA. No site da instituição há o registro de importantes mo-
mentos de sua construção e origem: atas das reuniões, percursos nacio-
nais e internacionais, estatuto, Planos de Desenvolvimento Institucio-
nal (PDI), livros, publicações, entre outros. Na pesquisa em andamento
utilizamos como fonte as atas das reuniões de construção da UNILA,
o PDI 2013/2017 e o PDI 2019/2023, livros e as entrevistas realizadas
com docentes, gestoras e gestores da Universidade.
Essa história pode ter como marco o ano de 2007, quando o
Ministério da Educação (MEC) submete ao Presidente da República
do Brasil, na época Luiz Inácio Lula da Silva, um projeto de lei para
a criação de uma nova Universidade com o objetivo de cooperação e
intercâmbio solidário entre os países da América Latina. Dando se-
quência aos trâmites para garantir e agilizar a criação da UNILA, em
março de 2008 foi criada a Comissão para Implantação da Universi-
dade Federal da Integração Latino-Americana.
A Comissão de Implantação (CI) da UNILA, instituída pelo
MEC em janeiro de 2008, foi presidida e liderada pelo professor Hélgio
Trindade. A CI foi integrada também por treze integrantes de distintas
áreas do conhecimento e de diferentes universidades da América Latina.
O compromisso da CI foi impulsionar a consolidação do projeto da
UNILA, buscando um planejamento institucional, acadêmico e curri-
cular. Esse processo ocorreu através de debates, diagnósticos, pesquisas
e estudos compartilhados em encontros nacionais e internacionais no
período de atuação da Comissão, de 2008 a 2009.
Uma das dinâmicas utilizadas nas atividades da Comissão foi
fomentar a maior participação de seus membros para refletir sobre a
futura Universidade. A questão “Qual o ideal de uma instituição como
a UNILA?” esteve sempre presente nos encontros. Como resultado des-
sas reflexões destacamos a vocação, gestão, projeto pedagógico, seleção
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de professores e alunos, perfil dos cursos, currículo, cooperação com
América latina e relação entre Universidade e Sociedade. A reflexão de-
senvolvida pela CI resultou num quadro-síntese que foi norteador das
ações futuras. Evidenciamos alguns pontos: vocação e comprometimen-
to desta Universidade com a diversidade étnica, linguística e cultural,
bem como, a cooperação internacional, numa perspectiva de inserção
da América Latina no mundo; gestão flexível, dinâmica e criativa; um
Projeto Político Pedagógico (PPP) inovador baseado na diversidade cul-
tural, e a criação de cursos não existentes na América Latina, conectados
com problemas fronteiriços, interdisciplinares, tendo como núcleo arti-
culador o bilinguismo e o ciclo comum.
Uma importante contribuição partiu de Miguel Roja Mix que
apresentou a ideia de uma “Universidade do século XXI” para o qual “as
universidades devem trazer os pressupostos de justiça e solidariedade,
havendo um comprometimento com a democracia e com a memória
dos povos. Acredita ainda que é preciso formar o profissional social”
(TRINDADE, 2009, p. 72).
Outra ação da Comissão foi a criação, em 2009, do Instituto
Mercosul de Estudos Avançados (IMEA), tendo como referência legal a
Universidade Federal do Paraná (UFPR). A partir do IMEA foi criado
o Conselho Consultivo Latino-Americano, com o intuito de desenvol-
ver o projeto da universidade para além da CI. Neste movimento está
presente o desafio também de descolonizar os referenciais teóricos das
diferentes áreas do conhecimento:

O diálogo intercultural está sendo pensado para ser estabelecido


como um dos pontos nevrálgicos do projeto pedagógico. Haverá
de considerar que a busca da integração passa necessariamente
pelo reconhecimento das diferenças entre as diversas culturas da
América Latina (IMEA, 2009, p. 9).

Como parte do movimento de consolidação da UNILA, uma das


propostas foi a de criação de Cátedras Latino-Americanas, com o objetivo
de integrar diferentes áreas do conhecimento humano, científico, tecno-
lógico e artístico. A cátedra Amilcar Herrera, a cátedra Celso Furtado e a
cátedra Francisco Balboa (chileno que cunhou o termo América Latina)
são as primeiras idealizadas. Destacamos algumas decisões da Comissão
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que caracterizam o início das atividades da UNILA: critérios de seleção
de alunos e professores, organização de um Colóquio Internacional de
Educação para Integração Latino-Americano, socialização dos quadros
sínteses de todos os cursos a serem implementados pela Instituição.
Consideramos que esta experiência de construção da UNILA en-
volveu professoras e professores pesquisadores de diferentes universida-
des latino-americanas de forma participativa e dialógica, na perspectiva
de uma Universidade Pública Brasileira com vocação de integração lati-
no-americana, através da efetivação de cursos inovadores para formação
humana e que levam em conta a diversidade cultural, na perspectiva de
defesa da justiça social e da democracia no continente.

Uma Universidade de integração latino-americana: abrindo brechas

Particularmente, a UNILA contribui para criar rupturas nas po-


líticas internacionais voltadas aos objetivos mercadológicos. Seu PDI
do ano de 2013 evidenciou a vinculação da UNILA com a proposta
de integração regional. A missão institucional atribuída à Universidade
consiste em: “contribuir para a integração solidária da América Latina
e Caribe, mediante a construção e a socialização da diversidade de co-
nhecimentos necessários para a consolidação de sociedades mais justas
no contexto latino-americano e caribenho” (UNILA, 2013a, p. 8). Esse
engajamento institucional com o projeto de integração latino-ameri-
cana, a partir de uma formação comprometida com aspectos éticos e
políticos dessa relação com a alteridade, é revelado nos objetivos insti-
tucionais da Universidade:

I – Contribuir para o avanço da integração solidária latino-a-


mericana e caribenha desenvolvendo processos de construção
de conhecimentos que atendam às demandas sociais, culturais,
políticas, econômicas, ambientais, científicas e tecnológicas; II –
Constituir a UNILA em instituição diferenciada de ensino supe-
rior, no sentido de viabilizar condições de participação de latino-
-americanos e caribenhos para a formação acadêmica visando à
integração dos países da América Latina e Caribe. III – Formular
e desenvolver políticas universitárias e programas de cooperação
visando à formação acadêmico-científica de profissionais éticos,

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com espírito crítico e interdisciplinar nos diferentes campos do
saber. IV – Promover, mediante a participação da comunidade,
diálogos entre saberes que proporcionem condições dignas de vida
com justiça social na América Latina e Caribe. V – Desenvolver
programas para a formação continuada dos membros da comuni-
dade universitária que viabilizem a construção de conhecimentos
políticos, pedagógicos e de gestão (UNILA, 2013a, p. 8).

Como princípios filosóficos, mas também metodológicos, a


orientar as práticas de ensino, pesquisa e extensão, bem como a gestão
da Universidade estão elencados questões como a interculturalidade,
interdisciplinaridade, integração solidária, entre outros, de modo que as
temáticas latino-americanas e caribenhas sejam exploradas com consis-
tência, nas diversas carreiras. Esses princípios estão orientados a:

[...] romper com esta lógica da colonização do conhecimento e


buscar, assim, a emancipação da América Latina e Caribe ques-
tionando os conteúdos sob novos parâmetros, novas perspecti-
vas, gerando novas soluções e valorizando os seres humanos, sem
distinções de nenhum tipo. (UNILA, 2013a, p. 15).

A perspectiva de uma integração solidária presente no PDI pres-


supõe uma formação e construção de conhecimentos sobre a nossa reali-
dade latino-americana, em que a ideia de qualidade desta experiência se
pauta, para além da integração econômica, comercial e política, numa in-
terlocução cultural, envolvendo as comunidades universitárias. O estudo
de Corazza evidencia a perspectiva intercultural que sustenta a UNILA:

O diálogo intercultural deverá ser um dos pontos centrais do


projeto pedagógico, pois se considera que a busca da integração
passa necessariamente pelo reconhecimento das diferenças entre
as diversas culturas da América Latina. Assim, aprofundar o co-
nhecimento das diferenças certamente favorecerá a identificação
das convergências que são importantes para a construção con-
junta de novos horizontes (CORAZZA, 2010, p. 80).

A adoção de uma prática bilíngue e multilíngue também se insere


nessa dinâmica. A ideia que lhe dá substrato é a de que possamos nos com-
preender quando nos expressamos em nossos idiomas maternos. Ainda

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que tanto o português quanto o espanhol incluam-se no legado colonial,
quando apropriadas pelas comunidades submetidas ao sofrimento e à ex-
propriação, estas, tornam-se ferramentas com potencial contra-hegemôni-
co e anticolonial já que são capazes de promover encontros e alianças fora
da mediação do capital e do mercado (CUSICANQUI, 2010).
Outro grande diferencial da UNILA é o Ciclo Comum de Estu-
dos obrigatório para todos os cursos. Ele “visa incentivar o pensamento
crítico, o bilinguismo e um conhecimento básico da região latino-ame-
ricana e caribenha” (UNILA, 2013a, p. 3). A ideia desse ciclo foi con-
cebida já durante os debates da comissão de implantação da Universida-
de, e introduziu a integralidade e a interdisciplinaridade já no primeiro
semestre. Basicamente, trabalha-se: a epistemologia e a metodologia,
oportunizando um horizonte estratégico para os problemas; o bilinguis-
mo, explorando a diversidade cultural e linguística; e o conhecimento
básico sobre a América Latina, compartilhando conhecimentos inter-
disciplinares sobre a região (UNILA, 2013b, p. 5).
A composição tanto de discentes quanto de docentes mescla brasi-
leiras e brasileiros com estudantes de diversos outros países. Além disso,
há uma presença indígena importante, além de refugiados por causas na-
turais ou políticas. Dessa forma, há uma diversidade humana que convive
no espaço universitário, numa miscigenação étnica, cultural, social e polí-
tica. Na esteira da proposta de Ciclo Comum, evidenciamos movimentos
de construção curricular inovadores, numa perspectiva interdisciplinar.
Algumas mudanças fundamentais na educação brasileira ocorre-
ram durante a primeira década do século XXI. Estas causaram reper-
cussões diretas na formação de professores. Neste cenário, a UNILA
constrói sua proposta de currículos para as licenciaturas não apenas ade-
quados à construção de um novo perfil de professores para a Educação
Básica latino-americana, mas levando em consideração as discussões e
estudos das propostas de interdisciplinaridade.
Inovações curriculares e interdisciplinaridade são ideias que per-
meiam as discussões dos círculos acadêmicos desde os anos de 1950,
e que na UNILA foram colocadas em prática na Educação Superior.
Conforme já discutido em Krahe (2009, 2019) e Franco et Al (2014),
diversas destas sugestões foram parcialmente cumpridas, ainda que exis-
tam resistências por parte da comunidade universitária.
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Através da análise dos PDIs e das respostas às entrevistas de pro-
fessores da Universidade, foco desta reflexão, mais uma vez se evidencia
a resistência a mudanças, prevalentes em instituições de Ensino Superior.
Ao lado da resistência individual dos professores, nossas pesqui-
sas igualmente evidenciam que inovações curriculares interdisciplina-
res também sofrem resistência pela falta de conhecimento que a maio-
ria dos docentes (em qualquer nível de ensino) tem de compartilhar
ideias e trabalhos. Em verdade vivemos um círculo vicioso, difícil de
ser rompido, em que professores de disciplinas isoladas formam fu-
turos docentes que repetirão suas práticas de trabalhar isoladamente.
Para tanto, necessita-se de uma quebra deste modelo, como a UNI-
LA propõe, em que professores e estudantes aprendem e exercitem o
trabalho compartilhado. Se bem-sucedida, esta proposta estaria for-
mando uma nova geração de docentes, os quais, tendo vivenciado
uma prática inovadora, terão menos resistência e mais argumentos de
seguir com propostas como as de interdisciplinaridade.
No caso brasileiro, a Lei no 9394/96 trouxe como consequência
novas possibilidades e obrigações educacionais, não apenas para o ensi-
no, mas igualmente para a formação de professores para a Educação Bá-
sica. Esta nova dinâmica entre Universidade/formação de professores/
escola está em análise em nosso estudo sobre a proposta inovadora da
UNILA. E, a implementação e ressignificação destas propostas até en-
tão incipientes na Educação Superior brasileira, na UNILA toma forma
de Projeto Institucional para todas as carreiras em formação. Estes pla-
nos de formação interdisciplinares em execução indicam uma trajetória
institucional renovadora.
Para Philippi Jr. e Silva Neto (2011) a interdisciplinaridade é vis-
ta como meio alternativo de produção do conhecimento científico dada
a complexidade do mundo atual. Logo, o currículo das licenciaturas da
UNILA expressa de forma concreta a perspectiva de superação da visão
unívoca prevalente nas escolas disciplinares. Exemplificando: Matemá-
tica, Ciências da Natureza e Química são três licenciaturas da UNILA,
oferecidas nos Centros Interdisciplinares de Ciências da Natureza, e de
Ciências da Vida. Este Instituto tem competência acadêmica própria
para planejamento, organização e execução das atividades de ensino,
pesquisa e extensão, priorizando a cooperação entre si.
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Ao analisarmos o projeto pedagógico e o currículo atual, como
por exemplo, o de Licenciatura em Matemática, constatamos que nos
três semestres iniciais os alunos obrigatoriamente frequentam um Ciclo
Comum de Estudos, em que têm aulas sobre América Latina, Meto-
dologias e Línguas. Estes estudos são paralelos aos específicos de cada
carreira. Nos documentos da Universidade, o Ciclo Comum é identifi-
cado como o grande diferencial desta Universidade, com espaço para a
construção de competências bilíngues, sentido crítico e visão ampliada
sobre a região latino-americana e caribenha dos alunos.
Os propósitos do Ciclo Comum ficam evidentes na disciplina,
Fundamentos da América Latina, descrita como “[...] através de uma
construção coletiva de dezesseis cursos de graduação [...] propõe com-
partilhar conhecimentos de caráter interdisciplinar sobre o desenvol-
vimento da região latino-americana [...]”, conforme o site da UNILA.
Exemplificamos isso, com o depoimento de uma professora entrevista-
da em nossa pesquisa:

[...] quando cheguei aqui entrei no ciclo comum, no primeiro


semestre que eu cheguei aqui [...] a gente tinha uma disciplina
que era de metodologia científica. Então, eu tinha três turmas
desse formato, que eram as turmas todos juntos misturados, e
é por isso que eu falo, gente, era muito rico. Eu posso falar pela
experiência que eu tive [...] (Entrevistada G.)

Testemunhos como o descrito acima nos levam a evitar a idealiza-


ção deste projeto, tendo presentes algumas falas de entrevistados da UNI-
LA, quando estes nos apontam para aspectos positivos, mas igualmente,
para as dificuldades da concretização deste projeto inovador. Sabemos
dos desafios já bastante descritos em nossos trabalhos (KRAHE, 2019)
de projetos com currículos interdisciplinares, começando pelo entendi-
mento dos professores e a inexperiência dos mesmos com tais propostas.
No caso da UNILA, um dos entrevistados expressou a possível falta de
comprometimento de alguns docentes da Instituição com o planejado
por entenderem o Concurso de Ingresso nesta IFES como meio para ala-
vancar sua carreira, posteriormente, em uma instituição mais tradicional.
Evidenciou-se também nas entrevistas com os professores da
UNILA que, em um primeiro momento, pela própria estrutura física
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inicial do Campus, havia a possibilidade real de troca de ideias, refle-
xões, planejamento compartilhado entre os docentes, não só das Licen-
ciaturas, como também dos demais cursos da Instituição. Comparti-
lhavam os espaços físicos disponibilizados pela Itaipu: “[...] no começo
é tudo muito diferente e a gente acaba abraçando o projeto, no meu
entendimento, é uma universidade que busca a integração dos povos
Latino-americanos” (Entrevistada G.).
Esses excertos de entrevistas exemplificam como, durante a im-
plantação da UNILA, apresentavam-se propostas curriculares inova-
doras e interdisciplinares, que no decorrer dos anos foram perdendo
parte de suas características originais. Essa perda pode ter ocorrido
pelo conjunto das circunstâncias, sendo uma delas a não efetivação
da construção de campus integrado como originalmente planejado,
acrescido da incorporação de novos docentes concursados que por
circunstâncias diversas não se adequaram às propostas curriculares in-
tegradoras dos cursos.
As dificuldades apresentadas em projetos curriculares inovadores,
interdisciplinares, começam por frágil compreensão por parte dos profes-
sores e sua inexperiência nas propostas. Segundo Krahe (2019) a interdis-
ciplinaridade provoca e cria novos desafios, porque há a necessidade de
romper com o trabalho individual e com os currículos fragmentados. O
desafio é construir currículos interdisciplinares que articulem diferentes
áreas do conhecimento, com partilha de poderes e saberes.

Considerações finais

Se levarmos em conta o modo como as universidades alinharam-


-se aos projetos hegemônicos nos contextos coloniais em que foram
inauguradas no “novo” mundo, propostas como a da UNILA abrem
brechas potentes, capazes de desestabilizar alguns de seus preceitos
constitutivos: o pressuposto nacionalista, o escopo elitista e o Norte
como horizonte, respectivamente deslocados por um projeto de inte-
gração regional (em que o Brasil possa reconhecer-se e afirmar-se lati-
no-americano), escopo intercultural (onde a diferença será desejada e
abraçada), e o Sul passa a ser o eixo irradiador das práticas, das pautas e
dos saberes capazes de dar conta dos desafios do presente.
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Neste sentido, consideramos a UNILA como um projeto estra-
tégico de integração latino-americana solidário que busca repensar a
construção de nação e de continente, contribuindo através da constru-
ção de conhecimento e da formação humana. O espaço da Universida-
de é importante para compreender cenários, criar soluções e imaginar
outros caminhos para a realidade latino-americana na perspectiva da
justiça social e da democracia.
A integração latino-americana permanece um desafio, uma marca
de origem desta universidade, que fala sobre o desafio do bilinguismo,
da presença equilibrada em todos os segmentos da comunidade univer-
sitária de brasileiros e estrangeiros, do movimento de ampliação de refe-
renciais culturais e teóricos sobre ciclos comuns e interdisciplinaridade.
Neste cenário de desconstrução da universidade pública, gratuita e
de qualidade, a consolidação do projeto UNILA está em disputa, tanto
por forças políticas conservadoras externas, como por forças de resistência
interna à Universidade para a construção desse projeto alternativo.
A produção de conhecimento na e sobre a América Latina, arti-
culada com as necessidades e demandas dos povos, levando em conta a
diversidade cultural da nossa América, é um fermento importante que
fortalece ações propositivas e de resistência diante de todas as formas de
exclusão, dominação e exploração.

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Referências
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LA: Foz do Iguaçu, 2013.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAHIA (2011-2017):
PROJETO POLÍTICO, MAIS QUE PEDAGÓGICO

Naomar de Almeida Filho

Numa obra recente sobre o futuro das esquerdas, Boaventura de


Sousa Santos (2016) considera crucial combinar a democracia represen-
tativa com novas formas de democracia participativa de alta intensidade.
Boaventura reconhece ainda um terceiro tipo, a democracia comunitá-
ria, que se constrói com escuta, ampla discussão, deliberação coletiva e
busca de consensos na sociedade real, e que prioriza segmentos sociais
e étnicos oprimidos, comunidades pobres, povos tradicionais, quilom-
bolas e indígenas. No que se refere às universidades, particularmente
aquelas que se propõem a assumir projetos radicais numa perspectiva
boaventurana, a democracia não deve se restringir a formas canônicas,
momentos e eventos, assembleias e eleições. Precisa ser estruturante,
permanente e processual, concretizada através de conselhos sociais, co-
letivos de representação e mobilização, culturalmente diversos, “com
participação assente na relevância social e não nas contribuições finan-
ceiras, definida em base territorial, local, regional, setorial, classista, ra-
cial, sexual” (SOUSA-SANTOS e ALMEIDA-FILHO, 2008, p. 69).
Tais conselhos não podem ser mera fachada ou adorno; para isso, “para
além da sua função consultiva, devem ter participação nos processos de
democracia participativa que forem adaptados no interior da universi-
dade” (SOUSA-SANTOS e ALMEIDA-FILHO, 2008, p. 69)
Entre outubro de 2011 e setembro de 2017, fiz parte do gru-
po que concebeu e implantou a Universidade Federal do Sul da Bahia
(UFSB), uma das quatro universidades criadas pelo Governo Dilma
Rousseff. Nossa proposta era construir uma Universidade de raízes po-
pulares, radicalmente democrática e voltada para a sociedade, com forte
marca territorial e aberta ao mundo das ciências, das culturas e das
artes. Tivemos quatro fontes de inspiração: a obra de Milton Santos, a
pedagogia de Paulo Freire, os modelos educacionais de Anísio Teixeira

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e a teoria política de Boaventura de Sousa Santos. Nesta nota, destaco
os elementos políticos do Projeto Institucional da Universidade Federal
do Sul da Bahia (UFSB), avalio seus desdobramentos e proponho uma
interpretação dos retrocessos que ocorreram na ainda breve trajetória
dessa instituição como Universidade Popular.
O primeiro documento propositivo do que seria a UFSB, de de-
zembro de 2011, previa inovações estruturais, organizativas, curricula-
res e pedagógicas. O texto começava assim:

O Projeto Institucional e Político-Pedagógico da UFSB terá


como base os seguintes elementos: Modelo curricular em ci-
clos de formação; Pedagogia da Autonomia; Uso intensivo de
recursos tecnológicos; Ampla cobertura territorial; Integração
estreita com a rede de ensino médio da Região; Estrutura orga-
nizacional em rede.

E, mais à frente:

A estrutura institucional da UFSB terá três níveis de organiza-


ção, correspondendo a níveis e ciclos de formação: a) Colégios
Universitários Estaduais ou Municipais (CUNEs); b) Institutos
de Humanidades, Artes e Ciências (IHACs); c) Centros de For-
mação Profissional e Acadêmica (CFs).

Nesse projeto preliminar, faltava a dimensão política da democra-


cia radical, indicada pela teoria crítica boaventurana. Para avançar nessa
dimensão tão delicada quanto potente, começamos pela construção de
novas formas de autonomia universitária, instituída num documento
próprio de fundação, definidor de princípios e valores filosóficos, éticos,
políticos e institucionais.
A Carta de Fundação da UFSB foi escrita numa pequena pousada
ao norte de Ilhéus, na estrada de Itacaré, entre 17 e 20 de setembro de
2013, por dezessete professores da UFBA, por mim convidados para
compartilhar a construção da UFSB, nossa protopia de uma Universi-
dade socialmente referenciada. Foram quatro dias de foco quase total,
imersão rica e produtiva, após quase um ano de reuniões preparatórias
realizadas no escritório de Salvador. Andando cedo na praia de areia
escura, no café da manhã, em animados grupos de discussão, à noite no
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jantar, revendo as anotações do dia, tínhamos debates acalorados e en-
tusiasmados, ideia a ideia, palavra a palavra. Esgotávamos os argumen-
tos, ouvíamo-nos com paciência e respeito, num processo tranquilo,
mas animado. Tínhamos consciência da importância de nossa tarefa de
construir conceitos fundantes para a nova instituição. Em nenhum mo-
mento precisamos votar. Lembro-me especialmente da discussão para
incluir a palavra “alegria” que, para alguns de nós, parecia pouco acadê-
mica; o consenso para incluí-la foi construído a partir de uma proposta
liderada pelas mulheres do grupo. A relatoria se fazia com entusiasmo
paciente e afinco detalhista. Muita energia positiva, em suma. Poucas
vezes em minha vida estive num ambiente tão amistoso, tão produtivo,
tão criativo intelectualmente.
O Conselho Universitário matriz da UFSB reuniu-se na sede
provisória do Campus Jorge Amado, no final do dia 20 de setembro
de 2013, uma sexta-feira que começou ensolarada. Na ampla convo-
cação, propus pauta única, de total simbolismo: apreciação da Carta
de Fundação da Universidade Federal do Sul da Bahia. Fomos direto
da pousada, após os derradeiros retoques no texto e a checagem dos
últimos detalhes do evento. Ao chegar, notamos centenas de carros es-
tacionados dentro e fora do pátio, no acostamento da rodovia. O átrio
do prédio da Reitoria estava lotado. As fotos do evento mostravam uma
multidão transbordando escadas e portões afora. Lideranças políticas,
autoridades, militantes de movimentos sociais, muita gente do povo
(como se diz no interior da Bahia). O então Governador Jaques Wagner
presidiu a sessão, numa mesa composta por ele, pelo Prefeito de Itabuna
na época, Claudevane Melo, pela Senadora Lídice da Mata, pela reitora
Dora Leal Rosa da UFBA (nossa instituição-tutora) e por mim. Os par-
lamentares eram tantos, de todos os níveis de representação legislativa,
que estendemos simbolicamente a mesa de honra, incluindo ainda os
prefeitos da região e reitores/as de todas as Universidades Públicas da
Bahia. A Carta de Fundação confirmava nosso compromisso histórico
com a transformação da Educação Superior brasileira e reafirmava a
ideia-potência de uma Universidade realmente popular, sem perder a
competência jamais. Após a leitura, solene, o documento foi aprovado
por aclamação. A ata foi assinada por todos os membros do Conselho e
a sessão foi encerrada. As autoridades e suas comitivas se despediram e
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nos deixaram com a enorme responsabilidade de tornar sonhos e pro-
postas em realidade.
Na Carta, a UFSB destaca quatro princípios de sua missão ins-
titucional: eficiência acadêmica, integração social, compromisso com
a Educação Básica e desenvolvimento regional. Com base nesses prin-
cípios e valores, ao longo de um ano, concebemos e elaboramos o Es-
tatuto e o Plano Orientador da UFSB, abertamente inspirados numa
universidade anisiana, quase mítica – aquela UnB que fez história e, por
isso, foi duramente reprimida pelo golpe militar de 1964 –, atualizada
com uma territorialidade ainda mais radical do que aquela imaginada
por Anísio Teixeira no Plano Diretor de Educação do Distrito Federal.
Nesse processo, as seguintes questões nos mobilizaram.

Como o modelo pedagógico proposto caberia numa arquitetura


curricular orientada por escolhas? Como uma moderna cober-
tura digital poderia promover a arcana territorialidade, numa
ecologia de saberes verdadeira e viável? Será que um modelo de
governança acadêmica compartilhada e participativa (portanto,
respeitador de escolhas), numa perspectiva de fato territorializa-
da, poderia sobreviver numa estrutura de gestão contida pelas
barreiras das normas legais e culturas institucionais?

Essa última questão – como implantar uma gestão radicalmente


democrática, integrada aos processos pedagógicos – gerou soluções e
experimentações que merecem destaque. No plano estrutural, a UFSB
instituiu um Conselho Estratégico Social, cujas atribuições, além de
consultivas, incluíam a tarefa de organizar bianualmente um Fórum
Social da região, para melhor articular os projetos acadêmicos às de-
mandas sociais da comunidade, em diálogo com os órgãos colegiados
da Universidade. No plano dos processos, com um currículo baseado
em ciclos de formação (geral e cidadã; profissional-acadêmica), a UFSB
adotou uma proposta pedagógica aberta, com base na ecologia de sabe-
res e na epistemologia dos conhecimentos ausentes (SOUSA-SANTOS
e ALMEIDA-FILHO, 2008).
Numa inspiração “miltonfreiriana”, desde o primeiro momento
nos dispusemos a uma escuta respeitosa das comunidades locais. Du-
rante todo o ano de 2012, percorremos praticamente todos os terri-

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tórios e municípios da região, para apresentar e debater o modelo da
Universidade. Em dois anos, fizemos mais de uma centena de reuniões
e audiências públicas, visitamos 123 escolas, conversamos com profes-
sores, alunos, caciques indígenas, empresários, políticos, intelectuais, li-
deranças comunitárias e de ONGs. O Plano Orientador (UFSB, 2014,
p. 70-71) previa:

a formação de conselhos consultivos, com participação de mem-


bros representativos da comunidade – representantes de associa-
ção de bairros, empresários, intelectuais e artistas – que contri-
buirão com os colegiados de cursos para avaliar competências e
habilidades presentes no currículo, visando permanente atuali-
zação. Essa abordagem permite que cada membro de uma co-
munidade possa fazer com que a diversidade de suas competên-
cias seja reconhecida, mesmo as que não foram validadas pelos
sistemas escolares e universitários tradicionais.
A partir do mapeamento das experiências prévias, os conselhos,
por meio de avaliações acadêmicas nos respectivos colegiados, po-
dem propor parcerias com organizações da sociedade civil para
resolução de problemas comunitários reais. [...] Dessa maneira,
contribui para diminuir a exclusão daqueles que não tiveram aces-
so às formas instituídas do conhecimento – como a escola e a uni-
versidade – já que compatibilizam o saber adquirido fora do am-
biente acadêmico com as competências adquiridas neste espaço.

Quando instalamos o Conselho Universitário pro tempore, e fi-


zemos questão de fazê-lo nas três sedes da Universidade, demos posse
a representantes da comunidade de cada território em base paritária.
Tivemos estudantes, assentados, professores da Educação Básica, in-
dígenas, quilombolas, executivos, políticos, sindicalistas, empresários,
agricultores, ambientalistas, artistas, indicados como membros honorá-
rios do colegiado principal da Instituição. A intenção era evoluir para
Conselhos Sociais em todos os níveis de governança da Instituição. O
Regimento Geral da UFSB estabelecia que os Conselhos Sociais teriam
participação formal no processo de escolha de dirigentes, inclusive na
eleição para a Reitoria.
Nos anos seguintes, superando adversidades e resistências, im-
plantamos na UFSB um modelo curricular de formação baseado em

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Bacharelados Interdisciplinares e Licenciaturas Interdisciplinares,
numa rede de Colégios Universitários integrados ao sistema de Edu-
cação do território (UFSB, 2014). Bacharelados e licenciaturas de três
anos, prévios a todos os cursos de formação profissional ou acadêmica
específicos, remetem ao modelo europeu de Bolonha; uma estrutura
curricular aberta às escolhas dos alunos, com forte ênfase na forma-
ção geral, dialoga com o modelo de colleges dos Estados Unidos e do
Canadá. Ao formatar essa combinação como um modelo próprio de
arquitetura curricular, com franca abertura à inter-transdisciplinari-
dade, à epistemodiversidade, à interculturalidade e à etnodiversidade,
buscamos promover qualidade, flexibilidade, autonomia, mobilidade
e compromisso social nas práticas pedagógicas da Universidade Brasi-
leira, tornando-a mais integrada ao panorama contemporâneo global
de Educação Superior. Dessa forma, postulamos recuperar a institui-
ção universitária como casa da cultura, isto é, espaço de encontro
dialógico e produtivo entre as artes, as ciências, as humanidades e os
saberes populares (TUGNY e GONÇALVES, 2020).
Na sua configuração original, a UFSB não oferecia licenciaturas
convencionais, definidas de modo disciplinar restrito ou mesmo em
combinações ou fusões disciplinares. Com o modelo da Licenciatu-
ra Interdisciplinar, introduzimos o que a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional instituiu e o Conselho Nacional de Educação re-
gulamentou, mas que o sistema de Educação e as universidades não
seguem, apesar de o Enem definir o perfil interdisciplinar da formação
docente como pertinente e desejado. Já no primeiro quadrimestre de
funcionamento (de setembro a dezembro de 2014), a UFSB promoveu
uma experiência inovadora: a participação em sala de aula de mestres
dos saberes tradicionais e seus aprendizes. Inicialmente no componente
curricular “Campo da Educação: saberes e práticas”, participaram car-
pinteiros navais, mateiros, ceramistas, pais e mães de santo, pescadores,
marisqueiros, mestres de capoeira, narradoras e historiadoras indígenas,
e também, pajés conhecedores de plantas medicinais.
Entre julho e setembro de 2015, a UFSB realizou o I Fórum So-
cial da Região Sul da Bahia, em três encontros preparatórios regionais
(um em cada campus) e uma reunião geral no campus de Porto Seguro,
com 2.818 representantes inscritos de 19 segmentos sociais autorrefe-
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renciados. A grande riqueza e a diversidade étnica e social do sul e ex-
tremo sul da Bahia se fizeram presentes, propiciando uma oportunidade
única de consulta, escuta e diálogo da sociedade com todos os setores
da UFSB. Nessa etapa, cada segmento debateu suas demandas e apre-
sentou três prioridades para propor à Universidade, além de eleger de-
legados (um para cada dez participantes do respectivo segmento) para
o Encontro Geral em que se daria a consolidação das demandas gerais
das comunidades do território. As prioridades de cada segmento foram
apresentadas e discutidas nas plenárias finais dos encontros regionais,
confirmando o potencial da contribuição coletiva da sociedade para a
universidade (UFSB, 2015).
A etapa geral do Fórum Social foi realizada de 16 a 18 de setembro
de 2015, no campus Sosígenes Costa, em Porto Seguro, reunindo 321
delegados eleitos pelos segmentos presentes nas etapas regionais anterio-
res. Cabe destacar a participação dos povos indígenas (62 delegados),
de movimentos da juventude (54), trabalhadores da Educação Básica
(37), trabalhadores urbanos (29), movimentos sociais do campo (22) e
comunidades de negrodescendentes (22); além disso, observou-se parti-
cipação qualificada de representantes do poder público (16 delegados)
e das entidades empresariais (15). As prioridades levantadas por cada
segmento nos encontros regionais foram discutidas em oficinas de inte-
gração, autogestionadas ou facilitadas por servidores da UFSB, sinteti-
zadas em diretrizes gerais e linhas de ação, construindo uma agenda de
atuação conjunta Universidade-Sociedade, prevista para o biênio 2016-
2017. Entre as principais diretrizes e linhas de ações, destacam-se reivin-
dicações dos povos indígenas (tupinambá, pataxó e pataxó hã-hã-hãe),
das comunidades extrativistas e das comunidades quilombolas pela im-
plantação de Colégios Universitários em seus territórios, com processos
formativos de natureza intercultural, de maneira a garantir consolida-
ção das conquistas de suas lutas pelo direito a uma educação diferencia-
da. Proposições semelhantes foram apresentadas por representantes das
comunidades camponesas, sobretudo pelas Escolas do Campo e pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Nessa etapa final, os
coletivos sociais e representações de entidades com delegações no evento
construíram, como resultado de suas discussões, uma importante agenda
política apresentada à nascente instituição universitária (UFSB, 2015).
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Além disso, com a participação dos delegados eleitos democra-
ticamente nas preparatórias, os diferentes segmentos escolheram seus
representantes para compor o Conselho Estratégico Social da UFSB,
inclusive propondo ampliá-lo com a incorporação de novos membros.
Essa importante moção foi encaminhada pelo Fórum Social e aprovada
pelo Conselho Universitário em abril de 2016. A composição do Con-
selho Estratégico Social foi assim ampliada: Reitor(a); Vice-reitor(a);
Pró-reitor(a) de Sustentabilidade e Integração Social; três representantes
do Conselho Universitário: um(a) servidor(a) docente, um(a) técnico(a)
administrativo(a) e um(a) estudante; até seis representantes de institui-
ções parceiras; reitores(as) das instituições públicas de Ensino Superior
instaladas na região; três representantes dos setores empresariais; três
representantes dos(as) trabalhadores(as); seis representantes de organi-
zações e movimentos sociais; doze representantes de povos tradicionais:
três indígenas, três de comunidades extrativistas, três quilombolas e três
de povos de terreiro; três representantes dos(as) professores(as) do En-
sino Básico; três representantes dos(as) estudantes de Ensino Médio;
três representantes dos(as) ex-estudantes da UFSB; três representantes
dos(as) servidores(as) públicos(as); três representantes dos(as) professo-
res(as) do Ensino Superior que não da UFSB. Essa composição majo-
ritária de conselheiros/as oriundos/as dos territórios de pertinência da
Universidade (45 membros em um total de 54 membros) tornava esse
Conselho um dispositivo político realmente representativo do quarto
segmento da comunidade universitária, a Sociedade. Nesse Conselho, a
gestão institucional se faria presente para escutar as demandas da socie-
dade, representando a Universidade como instituição pública objeto de
controle social democrático.
Posso agora falar abertamente sobre o que aconteceu, nesse as-
pecto específico da democracia interna da UFSB. Houve forte e orques-
trado bloqueio ao nosso ensaio de governança compartilhada. Porém,
enquanto avançávamos na formação do Conselho Estratégico Social,
insistíamos no planejamento, preparação e realização do Fórum Social,
enfrentando resistências e mesmo sabotagem. “Não tenho certeza” – dis-
se compenetrada uma jovem docente, que fazia questão de ser chamada
de Professora Doutora e que se apresentava como “Pós-Doutora” – “se
matérias acadêmicas, tão sérias e complexas, podem ser avaliadas por lei-
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gos e, mais ainda, se planos de desenvolvimento institucional de grande
responsabilidade podem ser apreciados por pessoas sem instrução”. O
povo parecia ter se tornado um problema para a Universidade Popular!
Resultado: o que seria o I Congresso Geral da Universidade, des-
tinado estatutariamente a tornar-se espaço de diálogo e recepção das
demandas formuladas pelo Fórum Social, foi boicotado por membros
da gestão, por uma parcela do corpo docente e nunca se realizou. O II
Fórum Social da Região Sul da Bahia, agendado para 2017, sequer foi
convocado. Um processo eleitoral para a Reitoria foi realizado sem efeti-
vamente incorporar o Conselho Estratégico Social, reduzido a uma inó-
cua sessão de apresentação de programas de candidaturas. A composição
ampliada e socialmente mais representativa do Conselho Estratégico So-
cial, demandada pelo I Fórum Social e aprovada pelo Conselho Univer-
sitário, nunca foi devidamente encaminhada como alteração estatutária.
Recentemente, “passando a boiada” no ano da pandemia de 2020,
foi aprovado um novo Estatuto na UFSB, incluindo uma “decomposi-
ção” do Conselho Estratégico Social que garante aos dirigentes univer-
sitários presença majoritária e controle político (TUGNY e GONÇAL-
VES, 2020). Esse Conselho passa a ser formado por: Reitor(a), Chefe de
Gabinete da Reitoria, Pró-Reitores(as), Decanos(as) ou seus representan-
tes, Coordenadores(as) de Campus, Representantes eleitos(as) das enti-
dades e órgãos de representação de servidores(as) e estudantes (internos à
UFSB), além de “representantes de associações de pesquisa, ciência e tec-
nologia, extensão e defesa da educação pública; atuantes na região sul e
extremo sul do Estado da Bahia em prol do desenvolvimento da mencio-
nada região e sua população”, “representantes dos Colegiados Territoriais
de Identidade” e “integrantes de organizações, entidades, movimentos e
instituições da sociedade civil da região de abrangência da UFSB com
interesse em desenvolver diálogos em prol do desenvolvimento (sic!) e
a atuação da Universidade (sic!) no contexto local/regional”. Dentre as
novas competências do Conselho Estratégico Social, não há menção à
sua participação nos processos de escolha democrática de gestores nem
qualquer referência ao Fórum Social. Suponho que tenham feito isto em
nome de uma alegada autonomia universitária (WEBER, 1973).
Para criar a UFSB como Universidade Popular, socialmente refe-
renciada, voltada para seu território, aberta ao novo, respeitosa das diver-
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sidades, concebida para superar desigualdades e exclusões, tivemos que
vencer muitas crises, reais, simbólicas e imaginárias. Conseguimos isso
porque tivemos audácia e apoio, sem os quais sequer teríamos começa-
do. Mas começamos. E avançamos. Junto com companheiras e compa-
nheiros que lutaram e continuam lutando por uma Universidade não
somente livre, mas também libertadora, fizemos uma aposta política de
ousar mudar, e não apenas de ousar saber – o sapere aude do velho Kant,
arauto iluminista da autonomia universitária, vanguarda do pensamento
na virada do século XIX (WEBER, 1973). Como estamos agora no sé-
culo XXI, devemos considerar que as instituições conservadoras podem
rapidamente perder seu lugar neste mundo cada vez mais mutante, alie-
nando-se da sociedade concreta e complexa que de fato importa.
Ao pensar nos retrocessos sofridos e aqui narrados, não posso es-
quecer a Aula Inaugural da UFSB em 2014, quando Boaventura de
Sousa Santos nos advertiu, premonitório, que o inimigo das revoluções
nem sempre vem de fora, pode estar dentro e por perto, pode estar entre
nós, os mesmos homens e mulheres formados em lugares que permane-
cem os mesmos, há muito tempo.

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Referências
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São Paulo: Boitempo, 2016.
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culo XXI: para uma universidade nova. Coimbra: Almedina, 2008.
TUGNY, R. P.; GONÇALVES, G. (Orgs.). Universidade popular e
encontro de saberes. Salvador: EDUFBA; Brasília: Instituto de Inclu-
são no Ensino Superior e na Pesquisa – UNB, 2020.
UFSB. Plano Orientador. Itabuna: UFSB, 2014.
UFSB. Relatório do I Fórum Social. Itabuna: UFSB, 2015.
WEBER, M. The Alleged ‘Academic Freedom’ of the German Univer-
sities. Minerva, n. 11, pp. 586-587, 1973.

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UFSB: PRESENÇA NO TERRITÓRIO

Rafael Arenhaldt
Márcia Adriana Rosmann
Luciane Ines Ely
Cidara Loguercio Souza

Gênese e origem: processo histórico de implantação da UFSB

A criação da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) em 05


de junho de 2013, por meio da Lei no 12.818, consolidou um período
de grande inserção do Ensino Superior público federal no interior do
Brasil iniciado no início dos anos 2000 com a criação da Universidade
Federal do Tocantins (UFT), e posteriormente com a criação da Uni-
versidade Federal de Itajubá (UNIFEI), da Universidade Federal Rural
da Amazônia (UFRA) e da Universidade Federal do Vale do São Fran-
cisco (UNIVASF). Esse processo foi alavancado, sobretudo, entre os
anos 2003 e 2016, com os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff, que além da criação de novas Universidades Federais1, fomen-
taram uma política de criação de novos campi universitários oriundos
das Universidades Federais já consolidadas, bem como a criação dos
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, por meio da Lei
nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008). Além disso,
junto a esse processo de expansão e interiorização do Ensino Superior,
1 Na Fase I - Interiorização, entre os anos de 2003 a 2007, foram criadas dez uni-
versidades federais em regiões prioritariamente não metropolitanas. No ano de 2005
foram criadas a Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL) em 2005, Universidade
Fed. dos Vales Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Universidade Federal do Triângulo
Mineiro (UFTM), Universidade Federal Rural do Semi-árido (UFERSA), Universi-
dade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Universidade Federal do ABC (UFA-
BC), Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD) e Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia (UFRB), e no ano de 2008 a Fundação Universidade Federal
de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e a Universidade Federal do Pampa
(UNIPAMPA) (BRASIL, 2014, p. 36)
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está a celeridade posta ao Programa de Ações Afirmativas, indicado pela
Organização das Nações Unidas (ONU) sob a égide da Convenção so-
bre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (BRASIL,
1969) e reafirmado pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).
A UFSB, a exemplo das demais universidades públicas, “é uma
autarquia com autonomia didático-científica, administrativa, patrimo-
nial e financeira, nos termos da Constituição Brasileira”, conforme des-
crito em sua Carta de Fundação e Estatuto (BRASIL, 2013, p. 13).
Seu projeto é uma resposta histórica a um processo que é anterior a sua
criação, ou seja, a um projeto de Universidade para aquela região, em
específico, na perspectiva de um movimento intenso e instigante, cuja
concepção político-pedagógica tem origem na experiência da Universi-
dade Federal da Bahia (UFBA), com o Projeto da Universidade Nova.
É um processo resultante das transformações e reformas democráticas e
emancipatórias da universidade pública, dos anseios e realidades que a
permitem responder de maneira criativa e eficaz aos desafios deste novo
século. Nas palavras de um docente, a UFSB

começa lá trás quando o nosso Reitor [Prof. Naomar] era ainda


Reitor da UFBA e que responde a duas políticas nacionais do
início do governo Lula que era a interiorização das universida-
des e a criação de política de ações afirmativas das universidades
públicas (...) propondo que a UFBA protagonizasse a incubação
da criação de uma outra universidade no interior do Estado (De-
poimento de Docente A da UFSB, 2016, linhas 14-21).

De fato, um dos principais idealizadores desta Universidade é


o professor, médico e pesquisador Naomar de Almeida Filho, que na
condição de reitor pró-tempore (2013-2017), foi o principal responsá-
vel pela implantação dessa Universidade. Durante sua segunda gestão
como reitor da UFBA, encerrada em 2010, ele coordenou a implanta-
ção do Projeto UFBA Nova, em alusão à Escola Nova, de Anísio Teixei-
ra. A UFSB foi criada “a partir do zero”, após estudos de vários modelos
de universidades.

Esse cenário, esse diagnóstico que fizemos junto com prospec-


ção de outros modelos, permitiu uma solução, ou pelo menos
uma proposição de criar uma instituição, aproveitando o fato
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também fortuito de que, dentre as universidades federais no-
vas, ou novíssimas, como estão chamando agora, que são as
quatro últimas, a nossa foi a única criada a partir do zero. Nor-
malmente as universidades no Brasil são criadas por agregação
de escolas, institutos ou faculdades isoladas, ou por desmem-
bramentos de campi, ou de extensões, e a nossa não. Não tinha
nenhuma oferta, nenhuma organização ou instituição ofere-
cendo vagas federais de Educação Superior num raio de 500
quilômetros (ALMEIDA FILHO, 2017, p. 319).

Com a proposta inicial da UFSB desenhada, partiu-se para um


processo coletivo de elaboração e construção, outro marco importante
da Universidade. Seu processo de implantação, em 2012, foi dedicado a
elaboração do projeto e em 2013 a um processo de abertura de consulta
pública e “reconhecimento do território” – na região sul da Bahia. Fo-
ram realizados seminários, audiências, encontros de estudo, discussões e
apresentações com vários segmentos da sociedade civil, sobretudo, com
as escolas públicas, para a elaboração do Plano Orientador. Corrobora
o docente entrevistado: “na medida em que, antes da Universidade se
implantar, o projeto chega e é debatido com a sociedade local, as pes-
soas começaram a entender e a querer a Universidade” (Depoimento de
Docente A, UFSB, 2016, linhas 157-159).
A comissão de implantação visitou os municípios da região que
configuram as três costas ou territórios de identidade do litoral sul da
Bahia: a Costa do Descobrimento, a Costa das Baleias e a Costa do Ca-
cau. Nesse sentido, cada campus, localizado em cada território, assumiu
uma identidade acadêmica própria, articulada com a sua característi-
ca: em Itabuna (700 hectares), o Centro de Formação de Engenharia,
Agroecologia; em Porto Seguro (12 hectares), as Humanidades e em
Teixeira de Freitas (3 hectares), a Saúde. Cada campus oferece a etapa
designada como formação geral, para todos os alunos.
Nos documentos legais são explicitados valores fundamentais
como: (i) eficiência acadêmica, em todos os aspectos da ação institucio-
nal; (ii) equidade, ampliando o acesso à educação e ao conhecimento, uti-
lizando as melhores tecnologias de informação e comunicação; (iii) com-
promisso com a Educação Básica na superação da imensa dívida social em
relação à educação pública brasileira; (iv) engajamento na transformação

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das realidades econômica, social e política da região, do país e do mundo,
na perspectiva de uma cidadania planetária (BRASIL, 2013, p. 8-9).
Uma Universidade cujo sentido de existir é o engajamento com
a região, cujas vivências e reflexões curriculares perpassam as raízes da-
quele território.

O que eu vejo de novo, de inovador, o sentido de existir des-


ta Universidade, para mim, essa Universidade é popular. Com
raízes nesse território. É uma Universidade que reconhece essa
região e que quer preparar pessoas, egressos que participem dessa
realidade aqui ou de qualquer outra, mas vivenciando aqui (De-
poimento de Docente B, UFSB, 2016, linhas 355-359).

O processo de expansão e interiorização propostas pelas políticas


do Ensino Superior, bem como de criação do Programa de Ações Afirma-
tivas nas universidades, segundo o docente entrevistado, deve ser com-
preendido enquanto processos indissociáveis e articulados, ao indicar que

todas as universidades que nascem a partir de agora, elas nas-


cem a partir de um modelo que é do século XXI, todas as fede-
rais. E ainda, dizer que o projeto de interiorização quebra com
a hiperconcentração das universidades nas capitais dos estados
(...). O que nós fizemos foi uma espécie de grande síntese desse
conjunto de políticas e tentamos incorporar isso da forma mais
arredondada no nosso projeto institucional, nós incorporamos
aquilo que já vem sendo feito socialmente (Depoimento de Do-
cente A, UFSB, 2016, linhas 191-204).

Podemos afirmar que a UFSB incorpora em sua gênese a perspec-


tiva de interiorização do Ensino Superior, articulado ao seu território de
origem. Diferentemente do modelo de criação das universidades fede-
rais efetuadas até o ano de 2000, no qual havia centralização de toda a
estrutura acadêmica numa única cidade, a UFSB seguiu um modelo de
implantação universitária multicampi. Por esse modelo, muito embora a
Universidade tenha uma cidade como sede de sua estrutura acadêmica,
muitos dos seus cursos são distribuídos por diversos municípios, o que
facilita capilaridade da Universidade na sua região de atuação e pro-
porciona uma maior adesão do público acadêmico ao Ensino Superior

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gratuito. Destaca-se o processo de implantação e consolidação da Rede
CUNI2 como uma política de inclusão com capilaridade e abrangência
territorial e social como forma de acesso dos estudantes da escola públi-
ca ao Ensino Superior público.
Remete, portanto, a refletir sobre os desafios da interiorização da
Educação Superior pública, alguns já apontados pela própria comissão
de implantação. A trajetória de consolidação dos modelos que se impu-
seram no Ensino Superior brasileiro em cada momento histórico joga
um papel significativo na manutenção de ideias e estruturas hegemô-
nicas na sociedade ou na universidade. Iniciativas contra-hegemônicas
e emergentes tendem a ser vistas com desconfianças em certos segmen-
tos sociais e acadêmicos. Assim, a relação simbiótica da UFSB com o
território reproduz em seu âmago as contradições e disputas históricas
características da sociedade em que está inserida.
As especificidades e propostas inovadoras, também desenhadas
a partir dessa simbiose, trazem concepções e dispositivos capazes de
intervir propositivamente nesse quadro. A construção coletiva dos do-
cumentos legais, normativos e orientadores demonstra que é possível e
desejável uma Universidade Nova. Tais documentos indicam que “para
o enfrentamento e superação desses desafios, dificuldades e obstáculos
buscou-se conceber e formular um esquema tripartite: referencial teóri-
co-metodológico, matriz político-pedagógica e modelo acadêmico-ins-
titucional” (BRASIL, 2014, p. 17).
Destacamos outro fator interessante, tanto no que se refere à gê-
nese da UFSB, do seu processo de criação e implantação, quanto ao que
a caracteriza como emergente: ao invés do termo “missão”, tão comum
nas demais instituições, é manifestada a preferência pela expressão razão
de ser. Os diferentes documentos evidenciam que não se trata apenas de
outra forma de dizer a mesma coisa, ou de uma opção lexical esvazia-
da de sentido. A mudança terminológica traduz-se em anúncio de seus
princípios solidários de responsabilidade social e ambiental. Assim, “a
UFSB anuncia sua razão de ser, alicerçada na solidariedade e no compar-
tilhamento de conhecimentos, habilidades, desejos, impasses e utopias”
(BRASIL, 2014, p. 6), a partir de quatro vertentes que a configuram:

2 Rede de Colégios Universitários


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produzir e compartilhar conhecimentos e técnicas, saberes e prá-
ticas; formar, educar e habilitar sujeitos nos diferentes campos
e níveis; promover extensão universitária, em cooperação com
instituições, empresas, organizações e movimentos da sociedade;
fomentar paz, equidade e solidariedade entre gerações, povos,
culturas e nações (BRASIL, 2013, p. 8).

Tais vertentes estabelecem, portanto, uma nova gramática que


diz e anuncia a especificidade dos processos inventivos e geradores desta
emergente instituição social. Nesse sentido, o modelo teórico-metodo-
lógico proposto pela UFSB, a partir do seu Plano Orientador e que por
consequência orienta seu Projeto Institucional e Político-Pedagógico,
é articulado por referenciais diversos, tais como: Universidade Popular
de Anísio Teixeira; Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire; Geografia
Nova de Milton Santos; Ecologia dos Saberes de Boaventura de Sousa
Santos; Inteligência Coletiva de Pierre Lévy, que são alicerces basilares
de uma concepção extensa e complexa de Universidade, comprometida
com inclusão social, emancipação dos sujeitos (representados pelas suas
diversidades), responsabilidade ambiental e sustentável, condizentes
com as transformações da sociedade (BRASIL, 2014, p. 20).

A primeira referência é Anísio Teixeira, isso está na referência


inicial [...] da escola nova e de Universidade popular. Darcy
Ribeiro [...] do projeto original da UnB e que também Anísio
Teixeira protagonizou bastante, [...] foi outra referência. Todas
as discussões de Milton Santos sobre geografia nova e territo-
rialidade e uma forte aproximação com Boaventura de Sousa
Santos na ecologia de saberes pelo livro pelas mãos de Alice e as
três crises: de legitimidade, de hegemonia e institucional. Essas
são referências que inspiraram muito, mas eu diria que a fonte
é Anísio Teixeira, uma retomada do projeto lá da década de 40
que foi interrompida (Depoimento de Docente A da UFSB,
2016, linhas 172-179).

Com o intuito “de concretizar o conjunto de concepções, princí-


pios e valores numa proposta orgânica e articulada às demandas sociais e
aos contextos de desenvolvimento nacional e regional” (BRASIL, 2014,
p. 18) foi elaborado o modelo acadêmico-institucional da UFSB. Re-
metendo à “razão de ser” da Instituição, a base desse modelo propõe as
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seguintes soluções: regime letivo quadrimestral; ampla cobertura territo-
rial; estrutura organizacional em rede; gestão acadêmica descentralizada;
governança digital e integração com a rede de Ensino Médio da Região.
As vertentes supracitadas são consideradas a base da construção
e implantação da Universidade, numa perspectiva institucional educa-
dora em todos os planos. Assim, tanto os seus valores fundamentais,
quanto as suas linhas de força são inovações originárias do projeto de
Universidade Nova, e que, ao serem incorporadas ao Estatuto, possi-
bilitam quatro aspectos distintos e complementares, especialmente no
que tange a sua estrutura acadêmica: “governança e estrutura organiza-
cional, regime letivo e arquitetura curricular” (BRASIL, 2013, p. 9). A
estrutura acadêmica da UFSB, uma das características emergentes da
Universidade, será abordada a seguir.

A UFSB e sua relação com a comunidade, a arquitetura curricular e


a indissociabilidade da extensão, ensino e pesquisa

Originária de um projeto e concepção ousados de Universidade,


destacamos, aqui, a sua relação com a comunidade, a arquitetura cur-
ricular e como é articulada a indissociabilidade da extensão, ensino e
pesquisa, ações que compõem os princípios da eficiência acadêmica da
UFSB, ou seja, a integração social, o compromisso com a Educação Bá-
sica e o desenvolvimento regional (BRASIL, 2014, p. 6). Esta forte arti-
culação com a comunidade na qual está inserida sustenta-se nos marcos
teóricos da Universidade, como a ecologia de saberes e a democracia
de alta intensidade (SOUSA-SANTOS e ALMEIDA FILHO, 2008) e
ganha voz, especialmente, no compromisso social assumido pela Uni-
versidade no desenvolvimento daquela região.
O compromisso social da Universidade ganha envergadura em
múltiplos aspectos, ao que destacamos a articulação entre a Universida-
de e as escolas públicas de Ensino Médio da região, por meio da Rede
Anísio Teixeira de Colégios Universitários (Rede CUNI) e os Comple-
xos Integrados de Educação (CIE). Inspirada no conceito de “Colégio
Universitário”, concebido por Anísio Teixeira para o projeto original da
UnB, a Rede constitui uma experiência inovadora no Brasil (ALMEI-
DA FILHO, 2017). Ao situarmos a Rede de Colégios Universitários
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Anísio Teixeira e os Complexos Integrados de Educação enquanto es-
paços e tempos de sinergia na articulação da Universidade com a Edu-
cação Básica, visualizamos os laços com a rede pública escolar, num
formato bastante original e criativo.
Outro destaque do compromisso social é da integração ensino-ser-
viço-comunidade nos cenários de práticas na formação. Na área da saúde,
por exemplo “os espaços de formação são os serviços do município, a
rede, e a proposta é que seja a atenção básica no município” (Depoimento
de Docente B, UFSB, 2016, linhas 479-481). Percebe-se, com isto, uma
articulação da proposta pedagógica com a questão da territorialidade.

O que buscamos para construir o conceito da Universidade Fe-


deral do Sul da Bahia? Que na arquitetura curricular se incorpo-
rassem uma série de estruturas e soluções que produzissem esse
impacto social no território de modo que as políticas de ações
afirmativas se tornem salvaguardas, garantias, mas que a própria
estrutura fosse socialmente inclusiva. O conceito mesmo de ter-
ritorialidade da instituição é uma territorialidade muito prática
(ALMEIDA FILHO, 2017, p. 318).

A matriz pedagógica do Plano Orientador funda-se em três aspec-


tos: (i) regime curricular quadrimestral, propiciando otimização de in-
fraestrutura e de recursos pedagógicos; (ii) arquitetura curricular organi-
zada em ciclos de formação, com modularidade progressiva e certificações
independentes a cada ciclo; (iii) uma combinação de pluralismo peda-
gógico e uso intensivo de recursos tecnológicos, que se complementam
(BRASIL, 2014, p. 18). Valoriza-se a autonomia e o protagonismo dos
acadêmicos, ao considerar por extremos o regime de ciclos e os percursos
formativos gerados individual e coletivamente, a partir dos Bacharelados
Interdisciplinares (BI)3. Assim, os estudantes não entram diretamente em
uma carreira profissional, mas em uma área básica de ingresso para ir
construindo sua decisão da graduação a ser seguida.

[...] nenhum aluno entra direto em uma carreira profissional. Ele


entra num primeiro ciclo que gradativamente orienta e informa
para a tomada de decisão, com um currículo bastante aberto. Pra-
3 “Modelo já testado na UFABC, na UFBA e em outras universidades públicas brasi-
leiras” (BRASIL, 2014, p. 18).
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ticamente, o aluno constrói o seu próprio currículo a partir de uma
série de dimensões de formação geral que habilitam a compreensão
desse próprio processo (ALMEIDA FILHO, 2017, p. 320)

A arquitetura curricular e a estrutura acadêmica da UFSB es-


tão em sintonia com os princípios da interdisciplinaridade buscando
oferecer uma formação ético-política integral. Está organizada a par-
tir das seguintes unidades: Instituto de Humanidades, Artes e Ciências
(IHAC), Centros de Formação Profissional e Acadêmica (CF) e a Rede
Anísio Teixeira de Colégios Universitários (Rede CUNI). Esta estrutura
curricular é composta por três ciclos. O primeiro é a etapa de forma-
ção geral e compreende: Línguas Modernas, Informática Instrumental,
Pensamento Lógico-Interpretativo e Cidadania Planetária. Compõe: as
Licenciaturas Interdisciplinares (LIs), os Bacharelados Interdisciplina-
res (BIs) e os Cursos Superiores de Tecnologia (CST). O segundo ciclo
é composto pelas diferentes graduações mediado por práticas e estágios
de caráter profissionalizante. O terceiro ciclo compreende programas
de Mestrado e Doutorado Acadêmicos e Profissionais, com estruturas
curriculares baseadas em Residências Profissionais.
Outrossim, do ponto de vista da gestão, é possível visualizar a
incorporação dos diversos segmentos da sociedade civil, das instituições
e movimentos sociais na vida e nas decisões da Universidade, seja pelo
Conselho Estratégico Social, seja pela articulação com os territórios de
identidade do sul da Bahia. “Todos têm uma relação forte com o terri-
tório porque isso também está no Plano [orientador]” (Depoimento de
Docente B, UFSB, 2016, linhas 460-461).
Este conceito de Universidade foi muito bem aceito pela comuni-
dade da região, como reitera um docente entrevistado.

É impressionante como a sociedade local abraçou o projeto,


como ela quer o projeto, como ela briga pelo projeto. Ao ouvir
as pessoas, ler editais, desde uma observação cotidiana [...] feliz
porque a Universidade está aqui (Depoimento de Docente A,
UFSB, 2016, linhas 151-155).

Outro aspecto que aparece com grande evidência, em especial na


Carta de Fundação, trata da autonomia universitária, que, decorrente

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de aspirações kantianas e influenciadora de importantes universidades
pós-iluministas, no mundo todo, concretiza a plena liberdade dos sujei-
tos, no que tange o ensino e a aprendizagem, a criatividade e a criação
inovadora, a pesquisa e a extensão, afirmando o princípio da indissocia-
bilidade desses pilares.
A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão é outra
marca da UFSB. A instituição compreende a extensão enquanto ferra-
menta de diálogo e interação com as comunidades do entorno, na pers-
pectiva da colaboração no entendimento e na solução dos problemas
sociais. Para tanto, é utilizado

um dispositivo que está previsto no nosso estatuto, que é o cre-


denciamento de professores que não são docentes do quadro da
universidade. Estendemos isso para mestres de saberes popula-
res tradicionais, mestres de ofício, e eles são participantes nes-
ses processos de incorporação da comunidade. Por exemplo, é
parte do meu assunto nesse evento que me convidaram, o car-
pinteiro naval dá aula sobre como fazer barcos para o pessoal
de ciências. Os mateiros conhecem as árvores muito melhor
do que biólogos especializados. Isso se reflete diretamente no
ensino (ALMEIDA FILHO, 2017, p. 323).

É possível perceber uma forte articulação da UFSB com a região


em que está instalada, traduzida em atividades curriculares, de gestão
e da articulação extensão, ensino e pesquisa. Assim, posicionada social
e ambientalmente, política e pedagogicamente, a Universidade cumpre
seu papel, tendo a extensão como eixo “suleador” da relação indissociá-
vel e propulsora do ensino e da pesquisa.

Considerações finais

A UFSB foi construída sob a premissa de um grande projeto de


expansão e interiorização do Ensino Superior no país, iniciado no raiar
deste novo século, e, fortemente alavancado a partir da segunda metade
da primeira década dos anos 2000. Criada em junho de 2013, além de
expandir e interiorizar o número de matrículas, promove a intercultu-
ralização dos saberes, tão necessária na atualidade, e se torna responsável

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pela formação profissional e pessoal de centenas de estudantes que até
então não teriam acesso ao Ensino Superior, sobretudo público e de
qualidade. Entre tantos aspectos, um em especial, e que por meio deste,
todos os demais são construídos, caracteriza a UFSB como emergente:
seu projeto de Universidade Nova.
Nascida neste novo século e deste novo modelo de Universidade,
traz em sua gênese um rol de políticas afirmativas, resultantes das lutas
históricas e com a projeção advinda dos anseios da população local e
regional de cada campus, e do Estado da Bahia como um todo, a UFSB
consolida um projeto de governo e se transforma em lei. Diante das
reformas democráticas e emancipatórias da Universidade Pública, no
país e no mundo, dos anseios e realidades que a permitem responder
de maneira criativa e eficaz aos desafios atuais, ela se efetiva emergente,
pois, para além da seguridade de ações descritas nos seus documentos
de criação, como na Carta de Fundação, no Estatuto e no Plano Orien-
tador, se constitui num diferencial, especialmente, no que tange sua
estrutura política, administrativa e pedagógica de gestão.
Construída sob uma nova gramática, considerando sua “razão de
ser” ao invés de missão, valoriza as diversidades de públicos e suas eco-
logias de saberes. Constitui-se a partir de valores fundamentais que, an-
corados por um o modelo teórico-metodológico, igualmente diverso, se
expande em torno de sua própria matriz político-pedagógica e busca a
superação dos mais variados obstáculos com sua proposta acadêmico-ins-
titucional epistêmico-inovadora. Com linhas de força inovadoras, origi-
nárias do projeto de uma Universidade Nova, a UFSB está construindo
seu currículo e estruturando sua conjuntura acadêmica em perspectivas
democráticas, ao propor diálogo permanente com a comunidade; de va-
lorização da autonomia e reconhecimento do protagonismo dos estudan-
tes, além da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Com uma proposta acadêmico-curricular ousada e com o objeti-
vo de proporcionar uma formação (pessoal e profissional) ético-política
e integral aos sujeitos e de integração entre os povos, tanto pela adoção
de princípios interdisciplinares, quanto pela inserção territorial e arti-
culação com a região, a UFSB inaugura a uma série de inovações no
que tange a Universidade e a Educação Superior no Brasil. É assim que
passado e presente se entrelaçam sedimentando o porvir, como uma
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profunda orientação de futuro, [...] comprometida com as aspi-
rações democráticas e de justiça social da sociedade mais próxi-
ma, [...] plenamente envolvida na tarefa de contribuir para uma
globalização solidária do saber universitário no continente la-
tino-americano e no mundo (SOUSA-SANTOS e ALMEIDA
FILHO, 2008, p. 5).

Em consonância com a afirmação dos autores, cabe ressaltar ain-


da, que além de todo esse esforço e trabalho empreendidos na constru-
ção do referencial teórico-epistemológico e prático de uma Universi-
dade Nova, está o conceito de territorialidade, com a possibilidade de
formação e atuação profissional na região e/ou cidade de origem dos
estudantes, promovendo assim, o diálogo democrático e o comprome-
timento com o desenvolvimento local/regional, numa perspectiva arti-
culadora, solidária e emancipatória.

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Referências
ALMEIDA FILHO, N. Entrevista com o Prof. Dr. Naomar Mon-
teiro de Almeida Filho (UFSB) realizada em 27/6/2017. Entrevista
concedida a Antonio Augusto Passos Videira e Carlos Fils Puig. Em
construção, n. 2. Pp. 315-328, 2017.
BRASIL. Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Dis-
criminação Racial. 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto/1950-1969/D65810.html.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasí-
lia, DF: Senado Federal: Centro gráfico, 292 p. 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
BRASIL. Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm.
BRASIL. Carta de Fundação e Estatuto da UFSB. UFSB, 2013. Dis-
ponível em: https://www.ufsb.edu.br/wp-content/uploads/2015/06/
Carta-e-Estatuto.pdf.
BRASIL. A democratização e expansão da educação superior no
país 2003 - 2014. 2014. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/in-
dex.php?option=com_docman&view=download&alias=16762-balan-
co-social-sesu-2003-2014&Itemid=30192.
BRASIL. Plano Orientador da UFSB. UFSB, 2014. Disponível em:
https://www.ufsb.edu.br/wp-content/uploads/2015/05/Plano-Orien-
tador-UFSB-Final1.pdf.
SOUSA-SANTOS; B.; ALMEIDA FILHO, N. A Universidade no Sé-
culo XXI: Para uma Universidade Nova. Coimbra: Almedina, 2008.
Disponível em: http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/A%20
Universidade%20no%20Seculo%20XXI.pdf.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL - UFFS

Jaime Giolo

A promulgação da Lei nº 12.029,15 de setembro de 2009, pelo


presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criando oficialmente a Universidade
Federal da Fronteira Sul, demarca o fim da fase das reivindicações, das ne-
gociações e dos acordos a respeito do projeto da nova instituição pública,
destinada a atender diretamente a Mesorregião Grande Fronteira do Mer-
cosul (norte do Rio Grande do Sul, oeste de Santa Catarina e sudoeste do
Paraná) e inaugura a fase da implantação propriamente dita.
O marco divisório não deve, todavia, ser tomado como absoluto
já que se podem visualizar elementos da primeira fase acompanhando
a segunda (como, por exemplo, as discussões sobre o perfil do processo
seletivo e sobre a criação de novos cursos e novos campi), assim como
sinais da implantação existindo já na primeira fase (como, por exemplo,
a elaboração dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação).
A promulgação da Lei, todavia, impulsionou os atos constitutivos
da institucionalidade mais decisivos: nomeação do primeiro reitor pro
tempore, dotação orçamentária específica, abertura de concursos para
professores e técnicos, realização de licitações para aquisição de bens
(equipamentos, livros e material de consumo) e serviços, incorporação
e locação de imóveis etc.
Dos acontecimentos da primeira fase, eu não tive o privilégio de
participar. Inseri-me, no processo quando a segunda fase já tinha dado
os seus primeiros passos. O reitor pro tempore, Dilvo Ristoff, foi bem-
-sucedido em convencer-me a participar, na qualidade de vice-reitor,
dessa hercúlea empreitada. Por indicação do reitor, fui nomeado vice-
-reitor, em 15 de janeiro de 2010, pelo Ministro da Educação Fernando
Haddad. Em seguida, instalei-me em Chapecó, lugar designado para
ser o campus sede da UFFS e, por consequência, o lócus da Administra-
ção Central. Até essa data, a Reitoria era exercida integralmente a partir

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de Florianópolis, mais precisamente, a partir da Universidade Federal
de Santa Catarina, designada pelo MEC para ser a instituição tutora da
nova Universidade. O professor Dilvo Ristoff integrava o corpo docente
daquela Instituição e, por isso, desde a sua nomeação para presidir a
Comissão de Implantação, organizou, com servidores da UFSC, o nú-
cleo central das atividades institucionais. A equipe inicial formada pelo
reitor Dilvo Ristoff em Florianópolis era pequena, mas profundamente
comprometida, competente e ágil, capaz de avalizar a esperança de que,
em março de 2010, as aulas começassem para todos os cursos proje-
tados e em todos os campi da Instituição. Com o meu deslocamento
para Chapecó, seguido da nomeação de alguns pró-reitores e a posse de
vários professores e técnicos, a Reitoria passou a operar a partir de dois
pontos estratégicos: do âmbito da instituição tutora, que dava vazão aos
maiores processos burocráticos e administrativos (licitações, gestão de
pessoas, concursos, processo seletivo, regulamentação etc.); e do âmbito
do campus sede, que iniciava a articulação com os núcleos que estavam
sendo formados nos demais campi, organizando os espaços acadêmicos
e administrativos, recepcionando e acondicionando equipamentos, li-
vros e materiais de consumo, à medida que chegavam, estruturando o
calendário acadêmico, as matrículas e os planos pedagógicos, articulan-
do as forças locais para atender as urgências e as emergências etc.
No final de fevereiro de 2010, o Reitor e a equipe que atuava
nas dependências da UFSC mudaram-se definitivamente para Chape-
có, possibilitando o incremento das condições necessárias para o início
do primeiro semestre letivo da UFFS que ocorreu em 29 de março
de 2010. O que veio na sequência foi um período de muito trabalho,
pontilhado de êxitos progressivos, na montagem de novel instituição.
Esses êxitos resultaram, no final da minha gestão, em 6 campi (Chape-
có, Realeza, Laranjeiras do Sul, Erechim, Cerro Largo e Passo Fundo),
47 cursos de Graduação, 15 Programas de Pós-Graduação stricto sensu
(15 Mestrados e 1 Doutorado), dois Doutorados Interinstitucionais, 38
Programas de Residência Médica e Multiprofissional, aproximadamen-
te 700 professores, o mesmo número de servidores técnico-administra-
tivos e, aproximadamente, 10 mil alunos.
Dito isto, asseguro que não é propósito deste texto (sob qualquer
hipótese, seria impossível) relatar, mesmo que em aspectos gerais, a tra-
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jetória da implantação da UFFS, uma tarefa que, embora presente nos
planos, esconde-se, por ora, num futuro imprevisível. O objetivo, aqui,
é, como foi solicitado, destacar aspectos de minha experiência como
Reitor e o sentido do projeto da UFFS.
Conforme referência feita acima, assumi, em janeiro de 2010, o
cargo de Vice-Reitor, após ter sido aprovado no concurso para docente,
realizado no final de 2009. Solicitei, portanto, exoneração junto a Uni-
versidade de Passo Fundo, instituição a que servi por mais de 20 anos,
para dedicar-me integralmente ao novo projeto. Em janeiro de 2011,
o reitor Dilvo Ristoff considerou que sua contribuição à UFFS estava
realizada, motivo por que fui designado Reitor, a partir de fevereiro
de 2011, cargo que desempenhei até agosto de 2019, num primeiro
momento como pro tempore e, depois, como Reitor eleito. Assumindo
radicalmente o princípio de que cargo público é para ser exercido e não
para ser usufruído, juntei a minha irrestrita abnegação à irrestrita abne-
gação de tantos outros servidores para formar um concerto que poucas
vezes desafinou ao longo de toda a performance. O resultado superou as
expectativas de todos (atores e observadores).
Destaco, como aspecto absolutamente relevante, a sintonia pro-
duzida em torno do projeto original da Instituição que, incorporou,
como dogma, as perspectivas dos movimentos sociais que lideraram
a mobilização em favor da criação da Universidade, escudados numa
ampla articulação com poderes públicos e entidades da sociedade civil
de toda a região. Pude testemunhar, meridianamente, o compromisso
da Comissão de Implantação e do Grupo de Trabalho formado junto
a UFSC de pautarem-se pelas diretrizes emanadas da base social do
território de destino. A localização geográfica da sede e dos campi, a
definição dos cursos de Graduação e sua distribuição pelas unidades
acadêmicas, os princípios norteadores do projeto universitário foram
decisões tomadas a partir dos entendimentos produzidos no âmbito
da comunidade regional. O Ministério da Educação, naquela época,
profundamente interessado na democratização da Educação Pública,
acolheu e apoiou amplamente o projeto de uma Universidade Popular.
Desde o início, tratamos de formatar mecanismos institucionais
que garantissem a presença da comunidade regional nos processos de-
cisórios da Universidade. Antes mesmo de organizarmos os órgãos co-
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legiados internos, por portaria do reitor Dilvo Ristoff, foi instituído o
Conselho Estratégico Social da UFFS, com a presença de lideranças
universitárias e, especial e amplamente, com a presença de lideranças da
comunidade regional. Quando o Conselho Universitário, os Conselhos
dos Campi, o Conselho Curador e a Comissão Própria de Avaliação
(CPA) foram criados, nos limites estabelecidos por lei, em todos eles,
a comunidade regional teve assento. Para além disso, em cada campus,
ao lado do Conselho de Campus, com funções deliberativas, se instituiu
um Conselho Comunitário, de caráter consultivo, com ampla partici-
pação da comunidade regional.
O processo mais emblemático da presença da comunidade nas
decisões da UFFS, talvez, seja o sistema de consulta para a escolha do
Reitor, Vice-Reitor e Diretores dos Campi, no qual os votos da comuni-
dade regional, mediante credenciamento de eleitores, têm peso de 25%,
igual ao dos segmentos da comunidade acadêmica (professores, técnicos
e estudantes), que também têm peso de 25% cada. O próprio conceito
de “comunidade universitária” foi ressignificado no âmbito da UFFS.
A comunidade universitária passou a compreender a comunidade aca-
dêmica (professores, técnicos e estudantes) e a comunidade regional. O
termo “comunidade externa” deixou de existir para a UFFS.
Os interesses da comunidade regional são contemplados especial-
mente na estrutura organizacional e nos projetos de ensino, pesquisa e
extensão da Universidade. A política de cotas existe na UFFS desde o
primeiro processo seletivo, em 2010, antecedendo, portanto, a Lei das
Cotas, que é de 2012. Antes da Lei de Cotas, a UFFS praticava a bonifi-
cação para os estudantes oriundos da escola pública, em faixas variadas,
dependendo dos anos de Ensino Médio cursados pelos candidatos em
escola pública, chegando a 30% sobre a nota do Enem para aqueles o
haviam feito integralmente. Com isso, a UFFS garantia que de 85% a
90% de suas vagas fossem ocupadas por alunos provindos do Ensino
Médio público. Sancionada a Lei das Cotas, a UFFS estabeleceu que
o percentual de vagas para a escola pública, em cada curso e turno,
seria igual ao percentual de alunos da escola pública do Ensino Médio
do Estado onde a oferta se dava, mantendo, dessa forma uma faixa de
85% a 90% das vagas reservadas para alunos dessa rede escolar. Não é
preciso referir que, no âmbito das cotas da escola pública, existem as
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faixas estabelecidas por lei para a reserva de vagas para pretos, pardos,
indígenas e portadores de necessidades especiais. Além dessa política, a
UFFS criou processos especiais para alunos indígenas e imigrantes (com
destaque para os haitianos).
Projetos de ensino atendem especialmente demandas das escolas
públicas da região, mas merecem referência especial a abertura do curso
de Agronomia do Campus Erechim, em parceria com o Instituto Educar
do MST, em Pontão, com o apoio do Pronera, e o curso de História,
também do Campus Erechim, com o Instituto Iterra, de Veranópolis,
igualmente com o apoio do Pronera. A adesão às expectativas das Es-
colas do Campo fez com que a UFFS, já de saída, abrisse um curso
de Educação do Campo em regime regular. Na sequência, atendendo
a uma política do Ministério da Educação, abriu mais dois cursos de
Educação Do Campo, em regime de alternância. Os demais cursos têm,
de acordo com o seu perfil, vinculações importantes com os interesses da
comunidade regional, com tendência a aprofundar progressivamente es-
ses vínculos. Os cursos das Ciências Agrárias têm um vasto e desafiador
contexto agrícola para estabelecer conexões promissoras, sob o ponto
de vista acadêmico e sob o ponto de vista da atividade dos colonos. As
licenciaturas têm infinitas possibilidades de interagir proficuamente com
universo escolar, especialmente com os sistemas públicos (no contex-
to dos pequenos municípios, a escola pública tem uma predominância
mais ampliada do que nos centros urbanos maiores). Os Cursos da Saú-
de avançam na sua interação com as Unidades Básicas de Saúde e com a
rede de atendimento ambulatorial e hospitalar. Os cursos de Engenharia
Ambiental, Engenharia de Alimentos, Engenharia de Aquicultura e Ar-
quitetura não poderiam ter um contexto mais adequado para sua inte-
ração com a realidade local. Administração e Ciências Econômicas têm
à sua frente empreendimentos industriais e comerciais e cooperativas de
toda a ordem. Demandas para a Ciência da Computação pululam. Esse
contexto, é objeto prioritário da maior parte dos projetos de pesquisa e
extensão, muitas vezes financiados por programas especiais de ministé-
rios, outros órgãos públicos e emendas parlamentares.
Esta descrição minimalista do projeto institucional da UFFS
não pode deixar de referir os princípios fundamentais que embasam
a sua organização e as suas atividades. Ao par com a excelência aca-
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dêmica, a UFFS busca traduzir, na sua prática, as grandes teses que
a humanidade aspira concretizar em torno dos conceitos de “casa co-
mum” e de “cidadania universal”, como o são a defesa intransigente
dos direitos humanos, da democracia, da igualdade, da tolerância, da
sustentabilidade, do respeito e promoção da diversidade, da defesa
das minorias, do mundo do trabalho, dos pobres e da cultura da paz.
Além disso, a UFFS milita em favor da Agroecologia, do Cooperati-
vismo, da Agricultura Familiar, dos Povos Originários, das Pequenas
Empresas, da Educação Pública, do Sistema Único de Saúde e da es-
perança na juventude. Essas bases estão já bem assentadas na identi-
dade institucional, o que nos leva a confiar que, apesar das sombrias
perspectivas produzidas pelo golpe de estado e pelo governo interven-
cionista e regressista em curso, a Instituição se manterá inteira e fiel às
suas bases originárias. Há de amanhecer!

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UFFS: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO
SUPERIOR PÚBLICA E POPULAR

Bernardo Sfredo Miorando


Claudete Lampert Gruginskie
Daniele Vasconcellos de Oliveira
Jaime José Zitkoski
Marlon Junior Pellenz
Nilson Carlos da Rosa

Introdução

[...] participar dos debates em torno do projeto diferente de


mundo é um direito das classes populares que não podem ser
puramente ‘guiadas’ ou empurradas até o sonho por suas lide-
ranças (FREIRE, 2000, p. 43).

A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) surge como um


projeto de classes populares para atender a uma demanda histórica por
Educação Superior pública na mesorregião Grande Fronteira do Mer-
cosul (GFM). Ela nasce a partir da articulação e mobilização de diversos
segmentos sociais, conjugada com a intencionalidade do Governo Bra-
sileiro à época em ampliar e democratizar o acesso à Educação Superior.
Em seu processo de construção, a UFFS apresenta-se como ins-
tituição vicejante, constituída por um processo célere que cruzou seis
diferentes cidades dos três Estados sulinos do país para viabilizar uma
Universidade Pública e Popular voltada às necessidades e interesses das
classes populares em uma realidade regional específica, conectada ao
contexto global em que seus saberes e processos políticos se desenvol-
vem. Poucos anos após a criação da UFFS, uma conjuntura de recrudes-
cimento do neoliberalismo e ascensão de uma visão reacionária e priva-
tista tem provocado retração nas políticas sociais, com corte de verbas
para as instituições públicas federais. Isso implica em diversos desafios
para a sobrevivência da Instituição e de seu projeto emergente. Importa,

71

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portanto, manter sua história presente para animar a organização das
forças sociais que a construíram na superação das políticas atuais.
Este texto apresenta uma análise centrada nas características
que, em nossa leitura, constituem a UFFS enquanto uma Universida-
de emergente. Em primeiro lugar, despontam os vínculos comunitá-
rios e os desafios assumidos com o desenvolvimento regional. É uma
Universidade Pública profundamente voltada para o diálogo com os
diferentes setores da sociedade, assumindo compromissos desde a
criação dos cursos mais necessários para as comunidades locais/regio-
nais até os projetos de pesquisa e extensão. Nessa perspectiva, também
a articulação ensino, pesquisa e extensão objetiva desenvolver projetos
comprometidos com as prioridades de cada região sede e com o futuro
das populações locais. Nesse viés, também emerge o esforço do diálo-
go interdisciplinar entre os diferentes saberes e as diferentes áreas do
conhecimento acadêmico.

Gênese histórica

A UFFS nasce de uma conjugação de forças sociais na luta políti-


ca pela garantia do acesso à formação superior para as classes populares.
Ela foi conquistada pela mobilização política de uma gama de atores
que voltando o olhar para o seu contexto social regional, ouvindo seus
clamores, articulam-se para impactar a política pública federal. Essa
ação se dá em torno de um objetivo histórico e se viabiliza pela união
de vozes dos diferentes entes sociais que, finalmente, encontram eco em
uma conjuntura em que o Estado Brasileiro é governado por uma coa-
lizão de forças político-populares que têm a democratização do acesso à
Educação como um de seus compromissos políticos.
A UFFS tem como referência de localização a mesorregião Grande
Fronteira do Mercosul (GFM), abrangendo sudoeste do Paraná, oeste
de Santa Catarina e norte do Rio Grande do Sul. As mesorregiões dife-
renciadas foram identificadas a partir do final da década de 1990 com o
objetivo de embasar políticas de desenvolvimento regional e integração
nacional, considerando arranjos produtivos locais e desafios sociais. A
articulação de atores microrregionais desde os anos de 1990 na disputa
das políticas públicas ajudou a sustentar o projeto da UFFS. Essa com-
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posição foi protagonizada por movimentos sociais ligados à agricultura
familiar (CARGNIN, 2014; LIMA e EBERHARDT, 2010).
O padrão histórico de desenvolvimento da Educação Superior no
Brasil, desde o século XIX, foi moldado pelos interesses das elites, com
cursos superiores oferecidos em contextos mormente urbanos e, na pas-
sagem para o século XX, a instalação de algumas faculdades isoladas ou
universidades rurais no interior do país. Esse padrão deixou desatendidas
amplas faixas geográficas cujas populações, na década de 1960, dispu-
tavam a agenda das reformas de base, entre elas, a Reforma Agrária e a
Reforma Universitária. Contudo, essas ansiedades foram sufocadas pela
Ditadura Civil-Militar instalada em 1964 que adotou uma Reforma Uni-
versitária tecnoburocrática em 1968 (FERNANDES, 2020).
Essa opção levou à concentração das instituições de Educação Su-
perior voltadas à pesquisa nas áreas de maior dinamismo econômico. E,
sendo assim, o acesso à Educação Superior pública ficava praticamente
limitado às grandes cidades. Nas regiões interioranas, a expansão do sis-
tema se deu pela proliferação de faculdades isoladas de caráter privado.
Na região que seria denominada anos mais tarde como GFM, a solução
encontrada pelas classes médias foi organizar instituições comunitárias,
articulando interesses variados: políticos, religiosos, mercantis e corpo-
rativos de profissionais liberais. Os cursos ofertados se concentraram
nas áreas que expressavam os interesses de distinção das classes médias
e eram economicamente e academicamente viáveis. Esse processo de
oferta fragmentada e calcada nos interesses privados foi designado por
Oliven (1990) como “paroquialização do Ensino Superior”.
Essa dinâmica, porém, foi insuficiente para atender à demanda
das classes médias das pequenas e médias cidades do interior. Além dis-
so, excluiu as classes populares, incapazes de arcar com os custos das
mensalidades. Essas classes, cada vez mais pressionadas pelas políticas
neoliberais, passaram a se organizar a partir dos anos de 1980 em mo-
vimentos sociais e, nessa região, travavam lutas pela terra e contra o
acosso do Estado (ROCHA, 2018). O conflito fundiário, aliás, é cons-
tituinte na dinâmica social regional, desde os conflitos guaraníticos até
a questão do Contestado. Para além do asseguramento da estrutura de
propriedade da terra, a União foi por muito tempo omissa no atendi-
mento às necessidades da região, que foram encaminhadas através de
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fórmulas associativistas baseadas na organização dos pequenos proprie-
tários rurais e da pequena burguesia.
A animosidade entre o Estado e o Campesinato só cedeu quando
o Partido dos Trabalhadores assumiu a Presidência da República, com
base em uma aliança respaldada nos movimentos sociais de trabalhado-
res rurais. Em 2005, a partir dos movimentos sociais de trabalhadores
rurais, atores sociais como o Fórum da Mesorregião Grande Fronteira
do Mercosul, Universidades, setores da Igreja Católica, movimento es-
tudantil, sindicatos, associações, imprensa e representantes do legisla-
tivo convergiram na criação do Movimento Pró-Universidade Federal
(TREVISOL, 2014). Em diálogo com o Ministério da Educação, o
Movimento articulou as demandas por universidades públicas na faixa
de fronteira de cada estado da região sul do Brasil, a GFM.
Em 2006, com apoio da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), foi criado um Grupo de Trabalho para elaboração de um pro-
jeto para criação de uma Universidade multicampi na região, envolven-
do movimentos sociais da região, que organizam diversas manifestações
e audiências públicas para a implantação da Universidade, mobilizando
milhares de pessoas em dezenas de municípios. Ainda em 2006, o pro-
jeto chegou ao Congresso Nacional e já previa a implantação de uma
instituição democrática, popular e com cinco campus.

(PDI, 2019)
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(UFFS, 2020)

O processo de construção da UFFS

Algumas características distinguem a constituição da UFFS da-


quelas experimentadas por outras Instituições de Ensino Superior (IES)
brasileiras, em especial as Universidades Públicas. A UFFS foi cons-
truída com um projeto integral de Instituição que desenvolve ensino,
pesquisa e extensão em diferentes áreas do conhecimento, e não como
a resultante de um processo de reunir faculdades ou escolas superiores
isoladas. Além disso, sua implantação é planejada para abranger, de par-
tida, campus nos três Estados do sul do país: Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e Paraná, em seis diferentes cidades, no Oeste desses Estados,
próximo às fronteiras com Argentina e Paraguai.
Com a implantação do Programa de Apoio a Planos de Reestru-
turação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), instituído em
2007 pelo Governo Federal, e a partir das lutas de diversos movimentos
sociais, são desenvolvidas políticas de expansão, democratização e inte-
riorização das Universidades Públicas Federais. Desse modo, conforme
consta no sítio da UFFS (2020):

Como a Fronteira Mercosul era uma região historicamente de-


sassistida pelo poder público, a escolha dos locais de implanta-
ção dos campi e do nome da universidade deveriam refletir tais
anseios. Assim, definiu-se Laranjeiras do Sul e Realeza (Paraná),
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Erechim e Cerro Largo (Rio Grande do Sul) e Chapecó (Santa
Catarina e sede da instituição) como os locais de maior expressão
para o principal objetivo da nova universidade, ou seja, desen-
volver a região da Fronteira Sul, a partir da qualificação profis-
sional e da inclusão social, respeitando as características locais.
Assim, os cursos deveriam apresentar ênfase em atividades co-
muns na região, como agricultura familiar e pequenos negócios.

Nesse sentido, a Universidade Federal da Fronteira Sul apresenta


como aspectos atinentes a sua construção institucional um perfil que a
configura como sendo uma IES:

- pública e popular;
- de qualidade, comprometida com a formação de cidadãos
conscientes e comprometidos com o desenvolvimento sustentá-
vel e solidário da Região Sul do Brasil;
- democrática, autônoma, que respeite a pluralidade de pensa-
mento e a diversidade culturais, com a garantia de espaços de
participação dos diferentes sujeitos sociais;
- que estabeleça dispositivos de combate às desigualdades sociais
e regionais, incluindo condições de acesso e permanência no
ensino superior, especialmente da população mais excluída do
campo e da cidade;
- que tenha na agricultura familiar um setor estruturador e dina-
mizador do processo de desenvolvimento;
- que tenha como premissa a valorização e a superação da matriz
produtiva existente (UFFS, 2020).

Segue-se a esses aspectos do processo de construção da UFFS a


elaboração coletiva que se efetivou desde o princípio, envolvendo os
distintos entes sociais atuantes em seu contexto de emergência. A con-
siderar, o Movimento Pró-Universidade Pública composto pela Fede-
ração de Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf-
-Sul), Via Campesina Movimento Sem Terra (MST), Movimento das
Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Pequenos Agricultores
(MPA), Central Única dos Trabalhadores (CUT) da Região Sul, Cré-
dito Rural Solidário (Cresol) Central – Rio Grande do Sul e Santa Ca-
tarina, Cooperativas de Produção da Agricultura Familiar, bem como
do apoio e articulação a partir dos mandatos de deputados e deputadas

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federais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina mais alinhados às
questões atinentes às políticas sociais (REINERT e LAFFIN, 2008).
Por meio da Portaria nº 948, de 22 de novembro de 2007, da Se-
cretaria de Educação Superior do Ministério da Educação, foi instituída a
Comissão de Projeto da Universidade Federal da Fronteira Sul. Em 2007,
o MEC cria uma Comissão de Implantação do Projeto Pedagógico Ins-
titucional, unindo forças de movimentos sociais, UFSC e Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), juntamente com uma equipe técnica do
MEC, possibilitando o encaminhamento do Projeto de Lei no 2.199/2007,
materializado na Lei no 12.029 de 15 de setembro de 2009, que dispõe so-
bre a criação da Universidade Federal da Fronteira Sul (BRASIL, 2009).
A partir da publicação da referida lei, o processo se acelerou. Dil-
vo Ristoff, que havia atuado como reitor da UFSC e se encontrava em
exercício na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su-
perior (Capes), foi designado para liderar a comissão de implantação e
nomeado como Reitor Pro-Tempore. A UFSC foi apontada como tutora
devido à decisão de sediar a UFFS em Santa Catarina nas negociações
com o movimento nos três Estados (GIOLO, 2019). Os municípios
onde seriam implantados os campi foram definidos considerando-se a
infraestrutura disponível e sua conexão regional, a distância de outras
Universidades Federais, a mobilização dos movimentos sociais popula-
res e as relações com autoridades locais, a oferta de contrapartidas e aos
investimentos federais.
Os edifícios dos complexos arquitetônicos que compõem os cam-
pi da UFFS são novos, projetados desde o início para atender as ne-
cessidades de ensino, pesquisa e extensão e à própria Administração
da Instituição. Atualmente a UFFS oferece 50 cursos de Graduação e,
ainda, dezesseis cursos de Mestrado e dois de Doutorado Interinstitu-
cional. Somam-se a isso numerosas atividades de extensão em diversas
áreas do conhecimento, associando a formação acadêmica e profissional
dos discentes aos desafios presentes na sociedade regional. De acordo
com o que consta no sítio institucional (UFFS, 2020):

Se por um lado os alunos contam com um ensino regular de qua-


lidade, por outro viés podem explorar diferentes habilidades por
meio de pesquisas científicas em diversas áreas do conhecimento

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e ainda fortalecer a economia e o desenvolvimento da região onde
estão inseridos, através de projetos que buscam a integração, inte-
ração e inclusão entre os Estados, cidades e a Universidade.

Aspectos esses que elucidam o diferencial dessa IES caracteri-


zando uma nova proposta de se fazer Educação Superior e igualmente
compreendê-la numa dimensão mais ampla diante ao contexto local
em que se situa e global por meio das interações que estabelece com
semelhantes e distintos entes sociais que se encontram para além dos
seus próprios muros.

A UFFS como Universidade Emergente

O desafio de caracterizar a UFFS como uma Universidade Emer-


gente toma como categorias centrais os vínculos comunitários e o de-
senvolvimento regional; e, as relações ensino, pesquisa e extensão, as-
pectos analisados a seguir. Suas implicações podem ser vistas através dos
desafios de uma formação interdisciplinar que propõe o diálogo dos
diferentes saberes. Esse aspecto emergente e evidenciado na oferta de
licenciaturas interdisciplinares em Educação do Campo e programas de
Pós-Graduação Interdisciplinares, bem como em atividades de extensão
que precisam articular contribuições de diferentes disciplinas para dar
conta dos problemas que a comunidade local busca enfrentar com re-
curso ao conhecimento universitário.

Universidade, comunidade e desenvolvimento regional

A perspectiva de Educação Popular, centralidade desse projeto


emergente, fundamenta-se em Paulo Freire, como processo formativo
que busca transformar a realidade injusta em um movimento dialógi-
co, democrático e participativo ao afirmar-se como uma “Universidade
multicampi, interestadual, pública, democrática, popular e socialmen-
te comprometida com a realidade sócio-histórica, econômica, política,
ambiental e cultural da sua região de inserção” (UFFS, 2019, p. 18).
Nesse sentido, conjuga-se a concepção de “fronteira” colocada pela
UFFS vai além das fronteiras físicas, colocando-se na dimensão da cultura

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e identidades. Da mesma forma, “região” é colocada na perspectiva de
uma construção social onde circulam interesses políticos (UFFS, 2019).
A implantação dos cursos resultou de um amplo debate com a
comunidade local acerca das necessidades da região e levaram em con-
ta alguns critérios como “natureza e finalidade da Universidade”, bus-
cando desenvolver ensino, pesquisa e extensão; “compromissos com a
políticas de serviços públicos”, e assim desenvolver uma educação pú-
blica de qualidade; “vocação”, ocupando-se da promoção da cidadania;
“promoção do desenvolvimento regional”, voltando suas atenções mais
fortemente para “o desenvolvimento de atividades econômicas alter-
nativas relacionadas ao associativismo, cooperativismo e à economia
solidária” (UFFS, 2019, p. 21), na perspectiva da sustentabilidade e
fortalecimento da cadeia produtiva da região, ao mesmo tempo em que
busca desenvolver tecnologias que permitam sua integração à economia
globalizada através do Mercosul.
A ideia de Universidade Popular começa a se materializar pela de-
finição dos egressos da escola pública como público-alvo, pela definição
de prioridades temáticas a partir das perspectivas de desenvolvimento
social e econômico regional e com base na cultura política comunitária
da região. Conforme destaca Giolo (2019), “tínhamos todos esses de-
safios, essas prioridades, a agroecologia, o meio ambiente, a agricultura
familiar, o cooperativismo, [...] a UFFS tem, de fato, uma identidade,
que é ser popular, ou seja, ser uma Universidade onde os segmentos
populares mais diversos tenham acesso”.

Articulações entre ensino, pesquisa e extensão na UFFS

O projeto de universidade da UFFS objetiva transcender o mo-


delo clássico na forma de organizar e construir uma Universidade. As
relações entre ensino-pesquisa-extensão revelam a intencionalidade de
um projeto ousado e inovador de universidade, que está conectada com
o desenvolvimento social e humano de sua região diante dos desafios do
futuro. O PDI, na sua versão atual, indica a missão da UFFS engajada e
comprometida com as populações de seu entorno, público-alvo de seus
projetos e razão de ser dessa nova IES.

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A UFFS pretende oferecer uma educação que faça jus ao concei-
to de formadora do ser humano e, de modo especial, à formação
do pesquisador. Traduz-se pela capacidade de se indignar e de
se posicionar diante de qualquer forma de injustiça e de perda
da dignidade humana; pela manifestação da solidariedade e do
companheirismo; pela igualdade combinada com o respeito às
diferenças culturais, étnicas, de gênero, de opções de vida e de
crença, de estilos pessoais e do respeito às decisões coletivas; pela
sensibilidade ecológica e pelo respeito ao meio ambiente, entre
outros. Uma educação, enfim, entendida como processo socia-
lizante e democratizante do conhecimento, agente impulsiona-
dor do desenvolvimento humano e social e, portanto, direito de
todo ser humano (UFFS, 2019, p. 54).

Nesse contexto, considerando a necessária articulação das ativi-


dades de ensino, pesquisa e extensão, pretendemos analisar, ainda que
brevemente, as políticas que efetivam os processos formativos na UFFS
e quais os principais desafios futuros.
Inicialmente, se nos determos na oferta dos cursos de graduação
e as diretrizes da UFFS que orientam as políticas de funcionamento de
todos os cursos ofertados nessa IES, verifica-se uma política inovadora
na forma de organizar os currículos com forte inserção nas comunida-
des locais e valorização das experiências de vida dos estudantes. É uma
estratégia coerente com a estreita relação entre ensino e pesquisa, arti-
culadas aos projetos da extensão universitária.

[...] o currículo dos cursos de Graduação deve privilegiar a flexibi-


lização, de modo a ampliar o protagonismo do estudante na defi-
nição do seu percurso e perfil formativo, bem como para atender
às demandas locais e regionais de aprofundamento de estudos e
pesquisas, claro, sem perder de vista sua articulação com a rea-
lidade global. Nesse sentido, adquire ainda maior importância a
postura de permanente discussão e autocrítica da Instituição, fo-
mentadora de instâncias e movimentos coletivos de debate sobre
os resultados das ações realizadas e sobre a necessidade e as possi-
bilidades de sua reformulação e qualificação (UFFS, 2019, p. 61).

Conforme depoimento do Reitor Jaime Giolo, desde sua implan-


tação e já no processo de planejar os cursos e montar as equipes de traba-

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lho a UFFS, houve a preocupação de formar os professores e as equipes
da gestão para articular as atividades de forma integrada e dialógica. Pois,

nós fizemos trabalhos formativos, discussões, muitas, e come-


çamos já de saída assim... criamos uma Conferência de Ensi-
no, Pesquisa e Extensão, chamada COEPE, com discussões em
todos os campus, discussões presenciais. Naquela ocasião tinha
dinheiro, dava pra ir in loco nas reuniões de planejamento, em
todos os campus, sob os temas mais diversos, sobre ensino, pes-
quisa, extensão e administração também (GIOLO, 2019, p. 52).

Considera-se que a extensão universitária deve dialogar com a


sociedade em suas diferentes formas de manifestação. Suas atividades
se propõem a se situar na ordem do diálogo de saberes acadêmicos e
populares, da democratização, da participação, da interdisciplinaridade.
Além da prestação de serviços à população em geral para promover de-
senvolvimento da comunidade regional, há uma perspectiva de exten-
são conduzida com a comunidade, partindo das demandas locais para
construir alternativas conjuntas.
Para tanto, são realizadas consultas à comunidade para definir a
oferta das atividades de extensão. Por exemplo, a partir da demanda lo-
cal foram organizadas diversas ações, tais como: cursos de Agroecologia,
preservação das nascentes e fontes nas comunidades rurais, construção
de materiais didáticos para a coleta seletiva do lixo, entre outras ações
(UFFS, 2020).
Deste modo, a política de extensão da UFFS está descrita no Art.
1º do PDI (UFFS, 2019) da seguinte forma, nos seguintes incisos:

I - A partir das diretrizes e dos princípios institucionais e acadê-


micos da Política Nacional de Extensão, constituindo-se num
elo entre as demandas regionais e as atividades de Ensino e de
Pesquisa. A Extensão coloca-se na perspectiva de colaborar, por
meio de ações voltadas à cidadania e à inclusão social, na cons-
trução de uma sociedade mais justa e igualitária.
II - Visa garantir a Extensão Universitária como um processo
educativo, cultural e científico que, articulado ao Ensino e à Pes-
quisa de forma indissociável, promova uma relação transforma-
dora entre a Universidade e a Sociedade, fomentando o diálogo
de saberes, a democratização do conhecimento acadêmico, a in-
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terdisciplinaridade e a participação da comunidade na constru-
ção da Universidade, bem como a participação da Universidade
no desenvolvimento regional.
III - Objetiva ainda o desenvolvimento de programas e projetos
comprometidos com a inclusão social, com a produção e a disse-
minação do conhecimento para a melhoria da qualidade de vida
das pessoas e para a formação do profissional cidadão.

Nesse sentido, observa-se que a política de extensão da UFFS está


configurada para desenvolver a formação universitária e da comunidade
regional buscando fortalecer sua articulação com o ensino e a pesquisa.
Os projetos de extensão da UFFS se organizam como Projetos, Cursos
ou Eventos. Dessa forma, são desenvolvidas diversas atividades de ex-
tensão universitária com o objetivo da Universidade estar mais próxima
dos desafios e demandas de cada comunidade local e regional.
Nessa perspectiva, percebe-se que a UFFS desenvolve esforços im-
portantes em atender às demandas que chegam a partir dos vínculos e
parcerias da sociedade, mas também é propositiva em suas ações e proje-
tos formativos, levando em conta a filosofia e a vocação da Instituição já
explicitadas em seu PDI e demais documentos oficiais que a caracterizam
como uma Universidade Emergente, ousada e inovadora enquanto proje-
to institucional em constante diálogo crítico com a comunidade regional.

Considerações finais

A UFFS é constituída em um contexto político específico de va-


lorização da Educação Superior como vetor de mudança social. Essa va-
lorização não se dava apenas no âmbito do Estado, visto que a sociedade
civil local, organizada em atores coletivos como movimentos sociais,
mobilizou diversas autoridades e a sociedade como um todo para arti-
cular, através de sucessivos debates, um projeto de Universidade Federal
de caráter popular que fosse acolhido pelas políticas públicas. O caráter
participativo do próprio processo de construção da Universidade foi
de alguma forma incorporado com a participação da comunidade em
conselhos consultivos e na escolha de seus dirigentes.
É importante destacar, no entanto, que o fato da UFFS ter se
constituído em bases democráticas e participativas não garante que
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esses fundamentos permaneçam ativos como modelo em seu devir. A
concretização do projeto original vem sendo marcada por disputas en-
tre agendas neoliberais, de um lado, e de solidariedade contra-hege-
mônica, de outro, conflito que é marcado cotidianamente nas decisões
dos órgãos colegiados sobre organização curricular e direcionamento
da produção de conhecimento e intervenção na realidade social. Esse
processo pode ser constatado no desrespeito, pelo Governo Federal, do
processo democrático, de escolha da autoridade máxima da Universida-
de, o Reitor: em 2019, o candidato menos votado foi nomeado como
dirigente da Instituição.
Diante dessa intervenção, da retração das políticas públicas
de Educação Superior e dos próprios conflitos internos à burocracia
universitária, o futuro próximo será decisivo para definir se a UFFS
se consolidará efetivamente como uma Universidade Emergente ou se
assemelhará a outras universidades públicas tradicionais sem maior or-
ganicidade com o contexto regional e as lutas populares. A trajetória da
UFFS demonstra que a consolidação de uma Educação Superior popu-
lar não está garantida com a criação de uma instituição, mas requer uma
defesa constante dos princípios de seu projeto emergente. Se a gênese
da UFFS registra a capacidade de mobilização social para demandar ao
Estado o acesso à Educação Superior pública, sua sobrevivência atual
pode passar pelo resgate da participação dos movimentos sociais como
elemento dinâmico e inovador para promover inclusão social e inte-
gração regional para transformar a realidade. Esse projeto emergente
se fortalece quando é reconhecido e apoiado além das fronteiras regio-
nais como parte da disputa política pela democratização da Educação.
Nos termos de Paulo Freire (2000), a UFFS pode ser considerada um
bom exemplo de como as classes populares podem conquistar seu so-
nho quando recusam uma posição subalterna em relação às lideranças
nacionais e constroem seu próprio protagonismo.

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Referências
BRASIL. Lei nº 12.029, de 15 de setembro de 2009. Dispõe sobre
a criação da Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS e dá outras
providências. Brasília: Presidência da República, 2009. Disponível
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Portaria nº 948, de 22 de novembro de 2007. Diário Oficial da
União: seção 2, Brasília, DF, p. 11, 26 nov. 2007.
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ROCHA, H. J. História dos movimentos sociais na fronteira sul: oportu-
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA - UNIPAMPA

Lúcio Jorge Hammes


Nadia Fatima dos Santos Bucco
Itamar Luís Hammes
Ana Lúcia Castro Brum

A Unipampa1 é uma jovem universidade, que foi criada no cená-


rio das novas universidades. Nasceu do anseio da comunidade que em
2005 iniciou um movimento regional, conhecido como Pró-Federali-
zação da Universidade Região da Campanha (URCAMP), Instituição
Comunitária de Educação Superior (ICES), com sede em Bagé. Este
movimento ganhou adesão popular e teve destaque na mídia local. Esta
ação, ocasionou um conjunto de atividades de apelo coletivo, tais como
passeatas, audiências públicas que ficaram conhecidas como as “carava-
nas da federalização”, movimentando um número expressivo de pessoas
na fronteira Oeste e Campanha.
Para muito, federalizar a URCAMP seria o início do processo
para o ensino público, além de incorporar os alunos, professores e fun-
cionários. A expectativa popular aumentava com o apoio de lideranças
comunitárias e políticos da região.
O cenário indicava uma demanda social e política, clara e cres-
cente pelo acesso ao Ensino Superior gratuito na região, o qual encontra
acolhida no processo de expansão e de interiorização do Ensino Su-
perior público, defendida como proposta de governo. Foi nesta con-
juntura que, em 27 de julho de 2005, conforme Kelm e Irala (2016),
reuniram-se em ato público, em Bagé, em torno de 40.000 pessoas,
oriundas de 23 municípios da região. Neste ato o presidente, ao lado do
Ministro da Educação, deputados e lideranças políticas e comunitárias,
anunciou a criação de novos campi da Universidade Federal de Pelotas
(UFPEL) e da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) na região,

1 Texto redigido a partir de uma entrevista realizada com a Profª. Maria Beatriz Luce.
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constituindo-se depois a Universidade Federal do Pampa. Já no pri-
meiro semestre de 2006 foram realizados os primeiros concursos para a
futura Universidade.
Após a nomeação dos primeiros concursados foram iniciadas as
atividades acadêmicas nos 10 campi da UNIPAMPA no segundo semes-
tre de 2006 em instalações provisórias ainda sob a tutela da UFPEL e
da UFSM. Em janeiro de 2008, a nova Universidade é fundada oficial-
mente com a aprovação da Lei nº 11640 saindo de cena as universida-
des tutoras e inicia efetivamente a administração da Universidade, or-
ganizando documentos institucionais da nova Universidade, ampliando
cursos e a construção de prédios em suas atividades com 30 cursos de
graduação já implantados.
O primeiro Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da Uni-
versidade descreve a implantação dos 10 campus na mesorregião Metade
Sul do Rio Grande Sul, caracterizando a interiorização da UNIPAMPA.

Em 11 de janeiro de 2008, a Lei 11.640, cria a UNIPAMPA


– Fundação Universidade Federal do Pampa, que fixa em seu
artigo segundo: A UNIPAMPA terá por objetivos ministrar en-
sino superior, desenvolver pesquisa nas diversas áreas do conhe-
cimento e promover a extensão universitária, caracterizando sua
inserção regional, mediante atuação multicampi na mesorregião
Metade Sul do Rio Grande do Sul. No momento de sua cria-
ção, a UNIPAMPA já contava com 2.320 alunos, 180 servidores
docentes e 167 servidores técnico-administrativos em educação
(UNIPAMPA, 2009).

Ao falar sobre a construção da UNIPAMPA, a Reitora Pró-Tem-


pore Maria Beatriz Moreira Luce, nomeada para gestão da Universi-
dade afirma:

Fui convidada a ir numa reunião na SESU, após ter feito parte


em diferentes momentos, em várias comissões de estudo sobre
política educacional, planejamento da educação, educação supe-
rior, do planejamento da educação... Eu tinha ido para uma reu-
nião do Conselho Nacional de Educação e nessa reunião que me
pergunta se estava acompanhando a implantação da UNIPAM-
PA e eu disse mais ou menos o que eu estava acompanhando,
que eram notícias de jornal, na realidade. O projeto das novas
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universidades e o projeto de ampliação e reestruturação das anti-
gas universidades, buscando dotá-las de campi no interior, rees-
truturar cursos, ter mais cursos noturnos, ampliar vagas. O ob-
jetivo era a inclusão de uma camada social e uma atualização de
cursos e ampliando as vagas, a abrangência social e territorial e
de áreas de conhecimentos das universidades federais já existen-
te. Na época, o compromisso de envolver duas universidades no
projeto de implantação estava causando problemas porque não
conseguiam até aquele momento, por mais que a SESU tivesse
buscado saídas, um projeto para universidade, uma concepção
de uma universidade.
Quando eu coordenei o primeiro curso de administração uni-
versitária, que houve uma ou duas vagas, para cada universidade
comunitária do estado, foi um curso inclusive organizado com
o apoio do MEC, mas principalmente patrocinado por verbas
internacionais, da SUDESUL, na época que tínhamos uma su-
perintendência, desenvolvimento da Região Sul, como tinha a
SUDENE no Nordeste. Esse curso acabou tendo sede em Bagé,
na URCAMP, com diferentes faculdades em cidades como Ale-
grete, Uruguaiana e Cachoeira do Sul. Em Santana do Livra-
mento estava também a UCPEL. Enfim, havia essa organização
e esse curso foi em Bagé. Então, eu era muito envolvida com
essa questão e tinha participado muito ativamente de discussões
nacionais e internacionais sobre os novos conceitos de univer-
sidade, as reformas e da elaboração do plano de educação do
governo Lula, já dois anos antes dele se candidatar, que veio a
ser o Instituto Cidadania, com um grupo de estudo, com várias
lideranças da área da educação do país.
Possivelmente por causa desse envolvimento e por ser membro
do Conselho Nacional da Educação, indicada pela ANPED e
ANPAE, que eles me colocaram o desafio de assumir a coorde-
nação da Comissão de implantação com o objetivo de organizar
a implantação da UNIPAMPA. A partir deste convite, e tendo
recém assumido a direção do ILEA da UFRGS (Instituto de estu-
dos avançados), acabei localizando, no meu gabinete do ILEA e
não na faculdade de educação, a sala de trabalho da comissão de
implantação. Peguei esse material, estudei, logo pensei na com-
posição da comissão de implantação, tendo um representante da
reitoria de Pelotas e um de Santa Maria, com indicações feitas
diretamente pelos reitores. Eu convidei a professora Maria Isabel
da Cunha, porque com ela eu tinha trabalhado várias vezes sobre a

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questão de projetos pedagógicos, concepções de projetos pedagó-
gicos. Tinha feito uma gestão marcante em termos de boas novi-
dades quando foi pró-reitora de graduação de Pelotas. E convidei
para me acompanhar também, o professor Norberto Hoppen, que
tinha sido pró reitor de graduação da UFRGS. Organizamos essa
comissão com a representação de Pelotas e Santa Maria e mais
algumas pessoas especializadas que vinham trabalhando, inclusi-
ve com o ministério da educação, em uma série de atividades. O
professor Norberto por exemplo, bem ativo com os pró reitores
de graduação das Universidades federais e um professor da área
de sistemas de informação na administração e a área de avalia-
ção e planejamento. Então o que aconteceu? Nos organizamos e
a primeira medida que tomamos foi fazer o reconhecimento do
Campus in locus, Visitei a reitoria de Santa Maria, a reitoria de
Pelotas e os dez Campus para ver como estavam as organizações
locais. Visitas marcadas, agendadas e tal e mesmo assim encontrei
muitas dificuldades. Mas algumas coisas andando, os primeiros
cursos, em alguns lugares muito apoio local, em outros, situações
que logo no primeiro bater de olhos me fizeram ter muitas preo-
cupações, tais como terrenos em lugares inadequados ou peque-
nos demais para a construção do Campus. Depois tivemos casos
bem complicados, pois é muito difícil construir também naquela
região, mesmo contando com o corpo de engenheiros e arquite-
tos e pessoal administrativo de licitações experiente e competente
como eram as pessoas de Pelotas e Santa Maria (LUCE, 2020).

Outro momento importante do processo de implantação, foi o


entendimento de que as duas Universidades tutoras, UFPEL e UFSM
tiveram processos administrativos distintos, inclusive no que diz res-
peito às construções e aquisições de mobiliários e veículos. Com a lei
de criação e a posse da Reitoria Pro-Tempore, veio o grande desafio de
unificar os processos e transformar a UNIPAMPA em uma grande Uni-
versidade, com ensino público, gratuito e de qualidade. Esta é uma
história que tem início, traz o reconhecimento para as inúmeras pessoas
que assumiram este desafio, trouxe desenvolvimento humano e social,
e continua sua história cotidiana de lutas por mais recursos para do-
tar cada uma das unidades acadêmicas, de servidores e infraestrutura
adequada para atender os acadêmicos oriundos de todo país, que vem
buscar a sua formação aqui no sul do Brasil.

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Neste cenário, o grupo de Pesquisa Universidades Emergentes,
do PPGEDU-UFRGS, busca apontar novas possibilidades na constru-
ção de uma Universidade que contribua com o desenvolvimento hu-
mano e com o bem viver. Neste recorte, a UNIPAMPA se apresenta
como uma Universidade interiorizada, presente em 10 municípios da
Fronteira Oeste e da Campanha, a saber: Alegrete, Bagé, Caçapava do
Sul, Dom Pedrito, Itaqui, Jaguarão, São Borja, São Gabriel, Santana
do Livramento e Uruguaiana, vivendo os desafios diários de um orça-
mento contingenciado, que precisa atender igualmente as dez unidades
acadêmicas, as quais hoje abrigam em torno de 70 Cursos de graduação
presenciais, Programas de Mestrado e Doutorado.
A UNIPAMPA como Universidade Emergente, nos aponta na
sua breve história, que a interiorização talvez seja seu grande legado.
Pois ela veio com um formato multicampi, com um desafio de ser um
caminho de possibilidades, que assim como debatemos no grupo de
pesquisa: as Universidades Emergentes foram criadas para “traduzir
os desafios de seu tempo, revisar o que está posto e ter a coragem
da utopia por um mundo melhor’’ (UNIPAMPA, 2009, p. 9). Neste
formato, interage com suas comunidades, ampliando o sentido de res-
ponsabilidade social coletiva. Mas como já escrito, esta é uma história
que tem início e felizmente, não tem fim. A cada olhar, surge um novo
recorte sobre o tema e o grande desafio é entender, que mesmo jovem,
em processo de implantação/consolidação, já enfrenta problemas an-
tigos tais como evasão, retenção e tantos outros que se apresentam,
que poderão ser objetos de novos estudos. Por ora, um recorte com o
olhar sobre o início deste processo, que trouxe a UNIPAMPA para o
Sul do Rio Grande do Sul.

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Referências
LUCE, M. B. Entrevista [out, 2020]. Entrevistadores: Hammes; Buc-
co. Porto Alegre: FACED/UFRGS, 2020. 1 arquivo .mp4 (1h e 38
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Brasil, 2020.
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TITUCIONAL_16_AG0_2009.pdf. Acesso em mai. 2021.

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UNIPAMPA: PRESENÇA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
NA METADE SUL DO RIO GRANDE DO SUL

Lúcio Jorge Hammes


Nadia Fatima dos Santos Bucco
Itamar Luís Hammes
Ana Lúcia Castro Brum

Introdução

Discussões atuais da área da Educação apontam para a interdis-


ciplinaridade como forma de encontro de saberes. Trabalhar na pers-
pectiva interdisciplinar contribui para o desenvolvimento da temática a
partir de perspectivas diferentes, aprofundando os conhecimentos sobre
a mesma. E, os novos saberes permitem avançar nas próprias institui-
ções em que o conhecimento é colocado em diálogo.
Neste sentido, buscamos analisar neste texto a Universidade Federal
do Pampa (UNIPAMPA) como instituição que exige constante avaliação,
tendo presente a situação das pessoas que participam do processo, seus
contextos socioeconômicos e culturais. Os próprios cursos necessitam ser
analisados a partir dos seus Projetos Políticos Pedagógicos, confrontados
com suas práticas e os estudos desenvolvidos na área, aprofundando pro-
cessos em uma perspectiva de educação emancipadora para o desenvolvi-
mento integral das pessoas. Neste espaço, focalizamos a Universidade Fe-
deral do Pampa, como instituição implantada no processo de ampliação
e interiorização da Educação Superior em nosso país.
A educação universitária tradicional (clássica) herda da modernidade
a racionalidade baseada em interesses econômicos e tecnicistas, impedindo
o exercício da reflexão, a emancipação humana e a transformação da reali-
dade. Esta proposta universitária se instala no Brasil, tendo sua referência
na grande propriedade e na economia extrativista (madeira, minérios ou
petróleo), contribuindo com a formação de uma sociedade patriarcal, onde
os donos da propriedade ou do capital têm poderes quase absolutos.

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Este estudo tem presente pesquisas desenvolvidas na área e busca
avaliar as ações educativas na perspectiva interdisciplinar em diálogo
com autores que aprofundam a sua epistemologia e a ação educativa
(KALSING, 2011; SEVERINO, 2011), relacionando-o com os desa-
fios da gestão das redes ou das escolas na perspectiva da intervenção
(pesquisa e prática) a fim de qualificar a Educação Básica.
O objetivo deste texto, portanto, é discutir a proposta de educação
desenvolvida na UNIPAMPA com vistas a se questionar ou responder
aos anseios dos sujeitos nos contextos emergentes. A base de análise é a
sua proposta de Educação, focando os campi, cursos e a sua proposta de
pesquisa e extensão. Em suma, buscamos responder ao seguinte ques-
tionamento, qual seja: Se esta Universidade busca o desenvolvimento
da emancipação de pessoas e grupos historicamente marginalizados?
A UNIPAMPA inicia suas atividades no ano de 2006, na região Sul
do RS, com cursos nas áreas de Humanas, Sociais, Letras, Saúde, Engenha-
rias, Exatas e Agrárias, abrindo 10 campi nas principais cidades da Região
da Campanha e Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. O aprofundamento
do estudo traz para o diálogo dados de uma entrevista com a primeira Rei-
tora Pró-Tempore, a professora Maria Beatriz Luce. A análise tem por base
o projeto institucional e as propostas de cursos, de pesquisas e, também, os
projetos desenvolvidos na Universidade. Após 10 anos de atuação, esta Ins-
tituição requer a revisão da sua proposta, passando pelos Projetos Pedagó-
gicos dos Cursos (PPC’s) e das práticas ali desenvolvidas, propiciando uma
proposta educativa que emancipa e capacita para o mundo do trabalho.

A UNIPAMPA na região Sul-rio-grandense

A UNIPAMPA surge com a reivindicação da comunidade regio-


nal, que encontrou respaldo na política de expansão e renovação das
Instituições Federais de Educação Superior, que vinha sendo promovida
pelo Governo Federal nos governos Lula e Dilma. Propõem contribuir
com a região em que se edifica e assume o compromisso de contribuir
com a integração e o desenvolvimento da região de fronteira do Brasil
com o Uruguai e a Argentina.
O reconhecimento das condições regionais, aliadas às necessida-
des de ampliar oferta de Ensino Superior, motivou a proposição dos
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dirigentes dos municípios da área de abrangência da UNIPAMPA a
pleitear, junto ao Ministério da Educação, uma Instituição Federal de
Ensino Superior. Assim surge em 2005 do Consórcio Universitário
da Metade Sul, responsável, no primeiro momento, pela implantação
da nova Universidade. Em 22 de Novembro de 2005 o consórcio foi
firmado mediante a assinatura de um Acordo de Cooperação Técnica
entre o Ministério da Educação, a Universidade Federal de Santa Ma-
ria (UFSM) e a Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), prevendo a
ampliação do acesso a educação superior. Coube à UFSM implantar os
campi nas cidades de São Borja, Itaqui, Alegrete, Uruguaiana e São Ga-
briel e, à UFPEL, os campi Jaguarão, Bagé, Dom Pedrito, Caçapava do
Sul e Santana do Livramento. As instituições tutoras foram responsáveis
pela implantação dos primeiros cursos da Instituição.
Ainda em setembro de 2006, as atividades acadêmicas tiveram iní-
cio nos campi vinculados à UFPEL e, em outubro do mesmo ano, nos
campi vinculados à UFSM. Nesse mesmo ano, entrou em pauta no Con-
gresso Nacional o Projeto de Lei no 7.204/06, que propunha a criação
da UNIPAMPA. No dia 16 de março de 2007 foi criada a Comissão de
Implantação da UNIPAMPA composta por Maria Beatriz Luce, Norber-
to Hoppen, Gilberto Dias da Cunha, Maria Isabel da Cunha, Jorge Luiz
Cunha, Ricardo Lemos Sainz e Evaldo Rodrigues Soares por designação
da Portaria nº 225 do MEC/SESU que teve seus esforços direcionados
para constituir os primeiros passos da identidade dessa nova Universida-
de. Esta Comissão foi presidida pela professora Maria Beatriz Luce que
depois é designada como a primeira Reitora Pró-Tempore.
Para compreender melhor a instalação da UNIPAMPA, foi rea-
lizada uma entrevista com Maria Beatriz Luce, Reitora Pró-Tempore da
UNIPAMPA, Professora da UFRGS e então, Conselheira do Conse-
lheiro Nacional de Educação.
Conforme o relato, Maria Beatriz foi chamada para uma reunião
com o Secretário da Secretaria de Educação Superior (SESU), salien-
tando que já havia participado de várias Comissões no MEC, onde foi
consultada se estava acompanhando no Rio Grande do Sul, a implan-
tação da UNIPAMPA. Ao qual respondeu que sim, acompanhava pelos
jornais que Pelotas e Santa Maria estavam envolvidas. Que o Reitor da
UFPEL, Professor César Borges se disponibilizou para apoiar o projeto.
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Logo, Santa Maria se juntou, pois o Projeto Político desta Universidade
era grandioso: maior número de campi (dez), de cursos, geograficamen-
te uma região muito ampla e com distâncias significativas. A UNIPAM-
PA naquele momento se apresentava como o projeto mais complexo das
novas universidades.
No Programa do Governo Lula havia o Projeto das Novas Univer-
sidades e o projeto de ampliação e reestruturação das antigas universida-
des, impulsionando a organização de campi no interior, reestruturando
cursos, especialmente com mais cursos noturnos, ampliando vagas, com
maior abrangência de área e promoção de inclusão social. Na sequên-
cia ela relata que o Secretário fala sobre a dificuldade na execução, pela
abrangência e complexidade do projeto da UNIPAMPA. No decorrer
da reunião, a professora foi convidada para assumir a Comissão de Im-
plantação da UNIPAMPA. Pelotas e Santa Maria já haviam se reunido
com os Prefeitos em busca da doação dos terrenos para a implantação.
Os primeiros Cursos, já chegaram listados ao MEC pelas Universidades,
sem que o mesmo verificasse a pertinência de cada curso pensado para a
região. Logo depois foram pensados os primeiros concursos para Técnicos
Administrativos em Educação e Docentes da UNIPAMPA.
Destaca-se que a UFSM e a UFPEL tiveram orientações diferen-
tes para a indicação dos gestores das Unidades Acadêmicas. A UFSM
destinou os três primeiros concursados para serem gestores das uni-
dades, já a UFPEL designou seus servidores para dirigirem os campi.
Quanto aos Cursos, inicialmente foram implantados diversos simila-
res aos já consolidados em uma Universidade Comunitária já instalada
nestes municípios. Neste momento surgiram os primeiros problemas,
principalmente quanto à demanda existente na região.
Na sequência a professora Maria Beatriz aceita o desafio e convida a
professora Maria Isabel Cunha, o professor Norberto Hoppen, represen-
tantes da UFSM e da UFPEL, bem como mais alguns técnicos do MEC.
Logo mais a professora inicia visitas aos reitores da UFSM e da UFPEL,
bem como visita aos campi que já estavam instalando seus cursos. Nestas
visitas precursoras verificaram-se os primeiros problemas em relação às di-
ferenças dos locais doados pelas Prefeituras. Notadamente, existiram dife-
renças administrativas significativas na condução destes primeiros passos.
Então foi imprescindível a condução da Comissão, com a Coordenação
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da Professora Maria Beatriz, a fim de promover a união dos dez campi,
das regiões e assim a transformação em uma Universidade única. O de-
safio da construção de uma identidade da Universidade começou pela
criação da logomarca de modo que identificasse através de uma imagem,
o sentido da Universidade na vastidão do Pampa.
Conforme Luce (2020), a escolha da representação do trevo do
Pampa, com o ensino, a pesquisa e extensão na figura e a linha da coxi-
lha com a ideia de crescimento, apresentava a nova Universidade para
o País. Dessa forma, a UNIPAMPA nasce com o desígnio de promover
a inclusão social e o desenvolvimento regional, pois os dados da região
eram assustadores principalmente no que dizia respeito ao êxodo dos
jovens para outras regiões, a fim de buscarem empregabilidade prin-
cipalmente na Região da Serra, pois a região não oferecia. Além disso,
outro grande desafio foi o de mostrar para as pessoas da região que
a UNIPAMPA era uma Universidade Pública, gratuita e para todos.
Relata também as dificuldades das comunidades para receberem uma
Universidade Pública e com ela os alunos vindos de diferentes regiões
do país, através do SISU.
No primeiro momento foi realizado o diagnóstico dos cursos e
com isso foram promovidas formações para os novos Servidores sobre
concepção de universidade, gestão democrática e orçamento partici-
pativo, dentre outros. Cada campus, com seus cursos já implantados,
foram construindo a sua identidade temática, a partir do potencial dos
servidores já concursados bem como a vocação da região.
E, no dia 11 de janeiro de 2008, com a Lei no 11.640 foi criada
a UNIPAMPA – Fundação Universidade Federal do Pampa, com o ob-
jetivo de “ministrar ensino superior, desenvolver pesquisa nas diversas
áreas do conhecimento e promover a extensão universitária, caracteri-
zando sua inserção regional, mediante atuação multicampi na região
Metade Sul do Rio Grande do Sul” (BRASIL, 2008, p. 1).
Na carta, anexada ao Projeto de Lei que cria a UNIPAMPA, o
Ministro da Educação faz uma leitura da situação abrangendo a UNI-
PAMPA e assim enuncia:

Grande parte dos municípios que compõem a Metade Sul do


Rio Grande do Sul situam-se na fronteira com a região do MER-

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COSUL, o que lhe confere características econômicas, sociais,
políticas e culturais que exigem atenção especial, do ponto de
vista científico e acadêmico, considerando-se que os espaços
fronteiriços são áreas privilegiadas para estudos sistematizados
que contemplem a característica de integração internacional. A
expansão do ensino universitário público na Região Metade Sul
do Rio Grande do Sul contribuirá para a reversão do processo
de estagnação econômica regional, gerando um novo dinamis-
mo nos setores agropecuário e agroindustrial, voltados para os
mercados nacional e internacional, especialmente no âmbito do
MERCOSUL (BRASIL, 2006, p. 36).

Nesta sequência foi instalada a Reitoria, com identidade própria e


neste sentido descolada do campus Bagé. Em janeiro de 2008, foi dada
posse à Reitoria Pro-Tempore, tendo como principal responsabilidade
integrar os campi e buscar as condições para a consolidação da Univer-
sidade Federal do Pampa.
Em seu estatuto, a UNIPAMPA propõe o ensino, a pesquisa e a
extensão universitária, visando o desenvolvimento social, cultural, cien-
tífico, tecnológico e econômico, aberta à participação da comunidade
externa, articulada com entidades públicas e privadas.

Desde sua criação, a UNIPAMPA foi direcionada para oportu-


nizar acesso à educação superior pública, gratuita, inclusiva e
de qualidade, especialmente para comunidades que, historica-
mente, estiveram à margem desse direito. Sua instalação em re-
gião geográfica marcada por baixos Índices de Desenvolvimento
Humano (IDH, PIB e IDEB, por exemplo) reforça a convicção
de que o conhecimento é potencializador de novas perspectivas
(UNIPAMPA, 2019, p. 13).

No seu Projeto Institucional, a UNIPAMPA afirma que “a realida-


de impõe grandes desafios” e propõe trabalhar a partir das comunidades
em que está inserida, concebendo-a como parte integrante da vida social:

A expectativa das comunidades que lutaram por sua criação atra-


vessa as aspirações da Universidade, que deve ser responsiva às
demandas locais e, ao mesmo tempo, produzir conhecimentos
que possam extrapolar as barreiras da regionalização, lançando-

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-a, cada vez mais, para territórios globalizados. Esses compro-
missos foram premissas para a escolha dos valores balizadores do
fazer da Instituição bem como para a definição de sua missão e
da sua visão de futuro (UNIPAMPA, 2019, p. 13).

Caracterizada como multicampi, a UNIPAMPA tem sede em


Bagé e em outros nove municípios na Mesorregião Sul-rio-grandense.
Apresenta como desafio, contribuir para integrar e desenvolver a região
de fronteira do Brasil com Uruguai e Argentina, impulsionando o de-
senvolvimento sustentável, com acesso à Educação Superior.
No município de Jaguarão, localizado no extremo sul do Esta-
do, divisa com Rio Branco (Uruguai), Arroio Grande e Herval, com
uma população de 27.772 (conforme o censo de 2010) está instalado
o campus Jaguarão onde são ofertados os cursos de Licenciatura em
Pedagogia, Licenciatura em Letras (Português/Espanhol), Licenciatura
em História e o Curso Superior de Tecnologia em Turismo, o Curso Ba-
charelado em Gestão Cultural e o Mestrado Profissional em Educação,
que iniciou suas atividades em 2012.
A UNIPAMPA é resultado da reestruturação de universidades e o
apoio ao Ensino Técnico e Superior, com destaque para o Programa de
Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(REUNI), instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, tendo
como objetivo principal, ampliar o acesso e a permanência na Educação
Superior. Segundo a política que então vigorou no Ministério da Educação,

A expansão da rede federal permitiu a criação de 214 escolas a


partir de 2005. Com o Reuni, surgiram 126 unidades de ensino
superior – das 148 existentes até 2002, já estão em funciona-
mento 274 este ano. Hoje, as universidades federais estão pre-
sentes em 230 municípios nas 27 unidades federativas1.

A expansão da rede federal mudou a vida de muitos brasileiros


que podem agora entrar na Universidade, pois foram abertas muito
mais vagas em regiões que se localizam fora dos grandes centros urba-
nos. Conforme Azevedo e Ecco (2012, p. 86):

1 Dados disponíveis em: <http://reuni.mec.gov.br/noticias/37-noticia-destaque/684-lu-


la-destaca-politica-de-interiorizacao-do-ensino-superior-e-profissional >.
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As pessoas que hoje são educadas para o trabalho são as mesmas
que devem ser educadas para o exercício de uma vida digna, e
essa vida não é apenas trabalho, mas desde logo é cidadania, é ca-
pacidade para pensar criticamente o mundo, os outros e a vida.

Dessa forma, a proposta educativa desenvolvida nas Universida-


des necessita ser avaliada constantemente, tendo presente o referencial
que origina a sua fundação, além das exigências dos profissionais que
atende ou forma.

A instituição da UNIPAMPA: a organização da Universidade

O primeiro movimento pela implantação da UNIPAMPA que se


tem notícia foi desencadeado em 2005, por iniciativa da URCAMP que,
“em decorrência da crise financeira, a gestão, com políticos representan-
tes do poder Executivo e Legislativo de diferentes escalas, iniciou um
processo de tentativa de federalização da Urcamp” (URCAMP, 2018, p.
14). Para isso, foi criada uma Comissão, integrando representantes da
Reitoria da URCAMP, Prefeitura de Bagé, Câmara Federal, Conselho
Diretor da Fundação Áttila Taborda e os Centros Acadêmicos.
Com a organização da Comissão foi possível organizar cara-
vanas, atos públicos e buscar apoio do MEC em busca da federali-
zação, proposta como Projeto de Lei no 6.074 que autoriza o Poder
Executivo a criar a Universidade Federal da Campanha – UFCAMP
(BRASIL, 2005). Foram feitas audiências Públicas em 22 municí-
pios da Região e “num desses eventos, oito mil pessoas se reuniram
para um “abração” no campus central da URCAMP, ao cabo de uma
semana de manifestações pelas cidades em que se localizavam os de-
mais campi e que reuniram um total aproximado de 60.000 pessoas”
(COSTA, 2014, p. 14).
Este movimento resultou na criação de um consórcio de muni-
cípios “para garantir a continuidade do funcionamento da URCAMP
como instituição privada comunitária” (COSTA, 2014, p. 14) e está
na base da conquista da UNIPAMPA, anunciada pelo Presidente da
República, Luiz Inácio Lula da Silva, presente em Bagé, cidade sede da
URCAMP no dia 27 de julho de 2005.
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Diante de um público de mais de 30 mil pessoas foi anunciado,
para surpresa de muitos, não a federalização da URCAMP, mas a
intenção de criação de uma nova universidade federal para aten-
der as demandas regionais, a Universidade Federal do Pampa
(UFP), já apelidada de UNIPAMPA. Inicialmente, as vagas se-
rão oferecidas por meio de extensão da Universidade Federal de
Pelotas (UFPEL), utilizando, em parte, estrutura da URCAMP
(EXTRA CLASSE, 2005, p. 1).

Com este anúncio iniciou-se o processo de organização da UNI-


PAMPA e no dia 22 de maio de 2006 o Ministro da Educação e do Plane-
jamento submetem à deliberação da Presidência o Projeto Lei que institui
a Fundação Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA (BRASIL,
2006). Na mensagem é apresentada a proposta da Universidade:

4. A UNIPAMPA contará com a instalação inicial de campi nos


municípios de Bagé, Jaguarão, São Gabriel, Santana do Livra-
mento, Uruguaiana, Alegrete, São Borja, Itaqui, Caçapava do
Sul e Dom Pedrito. Serão oferecidos, no primeiro ano, quatorze
cursos de graduação em diferentes áreas, quais sejam:
a) Ciências Agrárias: Agronomia e Zootecnia;
b) Ciências Exatas: Ciência da Computação, Engenharia de Pro-
dução e Matemática (licenciatura e bacharelado);
c) Ciências Sociais Aplicadas: Economia, Administração e Coo-
perativismo;
d) Educação, Letras e Ciências Humanas: Pedagogia, Licencia-
tura em Ciências, Letras, História e Geografia;
e) Ciências da Saúde: Enfermagem.
(HADDAD e SILVA, 2006, p. 7).

Para que a Universidade possa iniciar suas atividades, os ministros


afirmam que:

5. Para dar início imediato à expansão da educação superior pú-


blica na região, serão implantados campi da Universidade Fe-
deral de Pelotas e da Universidade Federal de Santa Maria nas
cidades da Metade Sul, iniciando as suas atividades em 2006.
Posteriormente, as instalações e pessoal desses campi serão trans-
feridos para a UNIPAMPA (HADDAD e SILVA, 2006, p. 8).

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Destaca-se que, com o processo de implantação, a UNIPAMPA vai
encontrando sua identidade na Região, implementando cursos para a co-
munidade, alguns repetidos com os da URCAMP ou até repetidos com ou-
tros campi. Dessa forma, inicia as aulas em 2006 com estes cursos e campi.

Campus Cursos de Graduação em 2006. Cada um tem


50 alunos
Bagé – sede da UNIPAMPA Engenharias: de Produção, de Alimentos, Quí-
(UFPEL) mica, de Computação, de Energias Renováveis
e Ambientais. Licenciaturas: Letras - Português/
Espanhol; Letras – Português/Inglês; Física; Quí-
mica; e Matemática
Caçapava do Sul (UFPEL) Geofísica

Dom Pedrito (UFPEL) Zootecnia

Jaguarão (UFPEL) Pedagogia – Educação Infantil; Pedagogia – Séries


Iniciais; e Licenciatura em Letras – Português

São Gabriel (UFSM) Engenharia Florestal, Bacharelado em Biologia,


Licenciatura em Biologia e Gestão Ambiental

Alegrete (UFSM) Engenharia Civil, Engenharia Elétrica e Ciências


da Computação
São Borja (UFSM) Comunicação Social – Jornalismo; Publicidade e
Propaganda; e Serviço Social
Uruguaiana (UFSM) Enfermagem, Fisioterapia, Farmácia

Itaqui (UFSM) Agronomia

Santana do Livramento Administração/Comércio Exterior e Administra-


(UFPEL) ção de Empresas
Fonte: UNIPAMPA 2019, p. 15.

A realização de concursos para a nomeação de servidores técnico-


-administrativos em Educação ou docentes favoreceu a estruturação dos
Projetos dos cursos, dos campi e da Universidade através da participação
em comissões e nos debates decisórios da Instituição. Segunda Luce (2020):

Sobre o Projeto de Unipampa. Fizemos logo o diagnóstico dos


cursos e tratamos de elaborar um planejamento de atividades

102

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que permitissem uma formação de concepção de Universidade.
Sobre formas de organização de universidade, sobre gestão de-
mocrática, planejamento participativo. Discutindo a formação
pedagógica, envolvendo docentes, Técnicos de laboratórios etc.

Em 2008, quando foi instituída a UNIPAMPA que já contava


com 2.320 alunos, 180 servidores docentes e 167 servidores técnico-ad-
ministrativos em Educação. A Reitoria Pro-Tempore foi empossada em
janeiro de 2008 e atuou para integrar os campi, instituindo o “Conselho
de Dirigentes, integrado pela Reitora, pelo Vice-Reitor, pelos Pró-Rei-
tores e os Diretores de campus, com a função de exercer a jurisdição
superior da Instituição, deliberando sobre temas de relevância acadê-
mica e administrativa” (UNIPAMPA 2019, 16). Ainda em 2008 foram
realizadas eleições nos dez campi para a eleição dos Diretores, Coorde-
nadores Acadêmicos e Coordenadores Administrativos.

Unipampa: 10 campi

Fonte: https://sites.unipampa.edu.br/acessoainformacao/institucional/

A organização da Universidade com os 10 campi em que cada


campus tem autonomia relativa era outro desafio que preocupava a
Gestão Pró-Tempore:

Para o bem dos campi, nenhum campus poderia subsistir com


um curso. Por isso, buscou-se ampliar os cursos, buscando o

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aproveitamento do corpo docente, das instalações, de laborató-
rios. Assim, cada campus foi buscando sua identidade. Os cursos
foram pensados pelos próprios professores que já estavam che-
gando. A Comissão também trabalhou muito para começar o
desapego da UFPEL e da UFSM. Daí surgiu a ideia de que a
Reitoria deveria ter autonomia e o campus Bagé podia ser um
campus, como os outros nove (LUCE, 2020).

Mas a organização da Universidade ia além da vida interna e re-


queria a participação na vida das comunidades onde a Universidade
estava inserida. Por isso, Luce (2020) afirma:

A organização dos Campi exigia muito porque a distância é


grande na Região. Havia muita coisa como as feiras ou outras
atividades comunitárias. As vezes aconteciam ao mesmo tempo
em Jaguarão, Dom Pedrito e Bagé. Isso exigia muito da gestão.
A proposta organizacional previa uma estrutura não fosse tão
hierárquica, inclusive com a destinação de cargos às pessoas do
Campus que não exigia a mudança para a sede da reitoria. Os
cargos de gestão são temporários. E n nossa vida como professor
universitário continua. E não podemos nos desapegar do ensino,
pesquisa ou extensão quando assumimos cargos de gestão.

Com esta perspectiva de gestão a UNIPAMPA pode, em 2018,


oferecer 69 cursos de graduação nas modalidades presencial e a distân-
cia. Além disso, dispunha de quatro doutorados, dez mestrados aca-
dêmicos, oito mestrados profissionais e trinta e seis especializações em
2018. Hoje a Universidade conta com 13.224 alunos matriculados em
cursos de graduação e 1.176 em cursos de pós-graduação, na modalida-
de presencial. Já na modalidade a distância, foram 1.993 alunos matri-
culados, contribuindo para a ampliação do acesso à Educação Superior
pública (UNIPAMPA, 2019, p. 18).

Desafios interdisciplinares

As discussões sobre a Educação Contemporânea exigem a avalia-


ção contínua dos processos de ensino e aprendizagem. Os novos tem-
pos requerem que as universidades se perguntem sobre a melhor forma

104

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apresentar sua proposta curricular e o desenvolvimento do trabalho do-
cente. Uma temática que normalmente aparece proposta é a interdisci-
plinaridade ou, então, ter uma postura interdisciplinar.
A postura interdisciplinar, conforme Severino (2011, p. 85) “se
dá por meio de um diálogo que articula os olhares de diversas discipli-
nas”, numa rede que os insere numa totalidade. Forma uma teia de sig-
nificações que se interpenetram umas nas outras. Nesta perspectiva, as
abordagens de cunho interdisciplinar referem-se, predominantemente,
às situações do campo existencial concreto das pessoas e das sociedades.
O agir humano se dá por intermédio da práxis e não só pelas práticas,
envolve as decisões pessoais e sociais, significações e valores específicos
da condição humana. Severino (2011, p. 86) afirma que a formação
humana pode se dar

como o processo de passagem da condição do indivíduo natural


à condição de pessoa cultural, ou seja, a passagem da condição
de uma entidade cujo modo de ser e de agir é integralmente
determinado por condicionantes externos e heterônomos à con-
dição de uma entidade capaz de ter sua prática intencionalizada
por uma significação autonomamente elaborada.

Para (KALSING, 2011) deve-se superar a visão fragmentada, não


só das disciplinas, mas de nós mesmos e da realidade, condicionada pelo
racionalismo técnico. Sugere estabelecer conexões entre os conhecimen-
tos para que adquirissem significado e sentido. Dessa forma, é possível
superar a visão fragmentada da realidade e possibilitar conhecimentos
que tenham significado e sentido. E, na instituição, os diferentes servi-
ços devem ser valorizados, especialmente quando falamos de Universi-
dade e a produção de conhecimento.

Aprendemos a trabalhar juntos. Todos são importantes na or-


ganização da instituição. Por isso, os servidores técnico-admi-
nistrativos em educação foram valorizados e empoderados. Al-
gumas funções da reitoria nem devem ser assumidos se temos
técnico-administrativo para a gestão (LUCE, 2020).

Quais metodologias são importantes para utilizar para a gestão e


a produção de conhecimento? Quais os conhecimentos de significado
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e sentido importantes para o mundo contemporâneo? A Universidade
não pode estabelecer uma hierarquia nem na gestão do pessoal, nem na
produção científica.
Talvez seja oportuno promover mais oportunidades para que mais
pessoas possam desenvolver sua experiência profissional com estudos sis-
temáticos que instigam aprofundamentos. A pesquisa indica que os es-
tudos de Mestrado ajudam a qualificar a Educação Básica percebida em
falas de alunos egressos, tais como: “A modificação das práticas desenvol-
vidas pelas colegas beneficiadas com o projeto de intervenção, a continui-
dade das ações desenvolvidas no meu contexto de atuação, mesmo após
o término do projeto, a partilha dessa experiência em outros ambientes
acadêmicos por onde apresentei o trabalho” (SOUZA, 2016, p. 1).
A interdisciplinaridade se coloca para os cursos e universidades
como grande desafio, tendo presente seu horizonte de conhecimentos.
Este desafio se coloca especialmente importante para o Mestrado, onde
entram em diálogo as experiências diferentes dos estudantes, as leituras
propostas e os diferentes componentes apresentados.

Considerações finais

Entendemos que é a criação de espaços de geração e partilha de


conhecimentos entre os sujeitos das Universidades (professores, técnicos e
comunidade) e os profissionais da Educação que atuam na gestão da Edu-
cação Básica contribui para qualificar a pesquisa e os serviços. Constata-se
que há interesses comuns que podem unir-se para o desenvolvimento de
ações na pesquisa e na formação de novos profissionais da área, impactan-
do a Educação na região e no país. Nesse sentido, afirmamos a expectativa
de que a garantia de oportunidades para a socialização e a análise crítica
do acúmulo de saberes e de experiências produzidos nos espaços de atua-
ção de gestores de unidades escolares e de gestores de sistemas de ensino
seja a condição indispensável à concretização do ideal de objetivamente
contribuirmos para o avanço das ciências da Educação.
A proposta da interdisciplinaridade se coloca com mais uma pro-
posta para o debate e aprofundamento. Parece claro que a viabilidade
dos projetos interdisciplinares ainda se coloca como desafio. Constata-
-se que a ainda há desconhecimento da metodologia e dos princípios
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básicos do trabalho interdisciplinar comprometendo a organização de
alternativas para a solução dos problemas e promovendo a sua implan-
tação destas alternativas.
A análise revela que Universidade no interior do estado atende ao
esforço do país que busca promover a ampliação e a interiorização da
oferta do Ensino Superior. Dessa forma, possibilita a geração de conhe-
cimentos “necessários ao desenvolvimento, à prosperidade e ao bem-
-estar de aproximadamente dois milhões e seiscentos mil habitantes da
região, além dos interessados vindos de outras regiões do Estado do Rio
Grande do Sul e do País” (HADDAD e SILVA, 2006, p. 9).
A Universidade, com sua proposta de desenvolver a pesquisa, o
ensino e a extensão, relacionados aos cursos institucionais de Graduação
e Pós-Graduação favorece o diálogo entre os sujeitos da Educação, pro-
movendo a troca de saberes entre professores do Ensino Básico e da Edu-
cação Superior. Além disso, a participação de todos no desenvolvimento
das ações se constitui referência para atingir os objetivos comuns.
Como forma de estabelecer comunicação entre a Academia e o
Ensino Básico, a Universidade pretende ser um espaço para oportuni-
zar que as demandas se encontrem. Ou seja, propiciar aos profissionais
interessados a aperfeiçoar sua ação educativa um encontro de diálogo
de saberes, estabelecendo a mediação entre o desejo de solução de pro-
blemas existentes e as diferentes formas de abordá-los. Promover o en-
contro entre o conhecimento da realidade e o científico e, entre o saber
da experiência e a rigorosidade metódica, pois, a formação permanente
precisa consistir no entrelaçamento entre a teoria e prática, no encontro
entre o cotidiano e a formulação teórica.

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Referências
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SEVERINO, A. J. Do ensino da filosofia: estratégias interdisciplinares.
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SOUZA, C. Depoimento [jul. 2016]. Entrevistador: HAMMES, L. J.
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URCAMP. Plano De Desenvolvimento Institucional (PDI) 2018-
2022. Bagé: URCAMP, 2018.

109

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Parte 2

OLHARES SOBRE AS EXPERIÊNCIAS DAS


UNIVERSIDADES EMERGENTES

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PROJETOS EMERGENTES DE UNIVERSIDADES
NO BRASIL: ANÁLISE DE ALGUMAS EXPERIÊNCIAS

Jaime José Zitkoski


Maria Elly Herz Genro
Rafael Arenhaldt

Contextualizando as Universidades Emergentes1

O desafio de repensar a Universidade hoje e discutir alternativas


na formação ético-política nos remete para a realidade da violação à
Dignidade Humana, muitas vezes a partir de uma cultura instituciona-
lizada via a burocracia da racionalidade instrumental, torna-se hostil à
subjetividade e a realização da dignidade das pessoas. E, para além das
instituições com estruturas burocratizadas, constata-se que é o próprio
Estado que também, produz a violência na sociedade, pois reprime pela
força policial e militar a quem deveriam proteger e nega o direito de
acesso à saúde, à educação e ao trabalho há milhões de cidadãos.
Além dessa violência brutal cometida pela ‘ordem legal’, o Estado
burguês, na sua vertente neoliberal, que retorna hoje com mais força no
atual contexto político brasileiro e mundial também, justifica práticas so-
ciais que ampliam a desigualdade e a exclusão das pessoas mais fragilizadas,
que historicamente ficaram à margem de todo o processo da modernidade.
Neste processo de distanciamento abissal das promessas da mo-
dernidade, como liberdade, igualdade e fraternidade, aprofunda-se o
consumismo predatório, individualismo possessivo e a mercantili-
zação da vida. A busca de movimentos contra-hegemônicos torna-se
um imperativo ético que pode contribuir para a reinvenção de utopias
possíveis. A Universidade e seus processos formativos, suas experiên-
cias latentes e seus horizontes de uma racionalidade alargada precisa se
fortalecer na contramão dos padrões excludentes conformados com a
realidade estabelecida.

1 Trabalho apresentado no LASA, 2018.


113

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O objetivo deste texto é analisar o papel social da Instituição Uni-
versitária no atual contexto brasileiro, que foi historicamente marcado
por profundas desigualdades sociais e elitização do acesso à Educação
Superior. As Universidades que foram implantadas em nosso país tar-
diamente e apenas em alguns centros mais populosos, visavam atender
as elites e transplantar a cultura europeia para as sociedades colonizadas.
No atual contexto do Brasil, de uma herança colonial que deixou
marcas profundas de desigualdades e exclusão social, estamos experien-
ciando novos modelos de Universidade, processos em disputa, num tem-
po de fortalecimento de forças políticas neoliberais e conservadoras, em
que a Educação é defendida como um serviço, e não um bem público.
A ideia de bem público significa projetar a Universidade para to-
dos, inclusiva, democrática, num movimento de constituição de quali-
dade social. Construção e reinvenção da cultura levando em conta suas
experiências históricas para projetar o futuro.

A Universidade do século XXI será certamente menos hegemô-


nica, mas não menos necessária. A sua especificidade enquanto
bem público reside em ser ela a instituição que liga o presente ao
médio e longo prazo pelos conhecimentos e pela formação que
produz e pelo espaço público de discussão aberta e crítica que
constitui (SANTOS, 2010, p. 114).

Nesse sentido, nosso desafio é evidenciar as alternativas que emer-


gem de modelos inovadores na forma de projetar e desenvolver a Univer-
sidade. Despontaram na última década algumas experiências promissoras
de Novas Universidades, que se organizam desde princípios e filosofias
que rompem com a arquitetura clássica das Universidades aqui implanta-
das desde a colonização europeia. Destacamos nosso interesse mais espe-
cífico em aprofundar a análise sobre a UNILA (Universidade da Integra-
ção Latino Americana) e a UFFS (Universidade Federal da fronteira Sul).
Nesse horizonte, a busca de novas experiências sociais e políticas de
enfrentamento as múltiplas formas de dominação e exclusões, significa
um projeto político na perspectiva da dignidade humana. A Universida-
de, enquanto instituição social (CHAUÍ, 2003), tem o compromisso de
imaginar e experimentar outras configurações políticas e sociais, tendo
como como pressuposto repensar novas configurações institucionais.
114

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Compreendemos que a Universidade não é um mero espelho da
sociedade, pois além de ser um espaço de reprodução das relações sociais
e políticas, ele também atua sobre a sociedade. Essa intervenção se dá
através da formação, da pesquisa e da intervenção na sociedade. Tríade
de frágil articulação na Universidade convencional. No contexto latino-
-americano, influenciado principalmente pelo Manifesto de Córdoba,
foi gestada esta tríade. Este movimento teve expressiva contribuição na
construção do conceito de extensão na América Latina, em que a ex-
tensão se intensifica num movimento político de luta por justiça social.
A Universidade como instituição social e bem público questiona
a captura da subjetividade pela lógica do existente, instituído, em que a
naturalização dos processos de exclusão e dominação estão fortemente
presentes no contexto do capitalismo contemporâneo. Neste sentido a
desconstrução do senso comum, de reprodução do existente, se coloca
como uma interrogação permanente e necessária para o pensar e o ex-
perienciar dos sujeitos envolvidos na comunidade acadêmica, reconhe-
cendo a historicidade dos fenômenos sociais e humanos.
Outro aspecto a ser considerado, da ideia de Universidade como
um bem público, diz respeito ao seu compromisso com a formação éti-
co-política (além da formação profissional), para pensar e imaginar um
projeto de país, mais densamente democrático, inclusivo e pautado pela
ideia de liberdade (liberdade contextual). Esta concepção da política
como liberdade (ARENDT, 1998), movimento, conceito e desejo visa
a superação possível das mazelas sociais, politicas e culturais que obsta-
culizam o bem viver, como suporte da dignidade humana.
A ideia e projetos emergentes de universidades se gesta nas múl-
tiplas experiências recentes implementadas no Brasil nos governos Lula
e Dilma, que ousaram interiorizar a Educação Superior a partir de di-
ferentes regiões e movimentos instituintes. São ainda fragmentos, mo-
vimentos contra hegemônicos, mas ousados, sensíveis frente os desafios
da Educação Superior, mas também aposta na potência do sujeito polí-
tico, como um processo emergente.
O compromisso social da Universidade, sua democratização inter-
na e na sua relação com a sociedade diz respeito a uma instituição aberta a
todos os grupos sociais, seus saberes num questionamento radical das de-
sigualdades sociais e das diferentes formas de opressão política e cultural.
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Nesta perspectiva, ressaltamos a importância do Relatório da Co-
missão instituída pela Portaria no 126/2012 (Análise sobre a expansão
da Universidades Federais 2003 a 2012), no qual participaram dife-
rentes representantes de instituições, como Andifes (Associação Na-
cional dos Dirigentes das Instituições Federais do Ensino Superior),
UNE (União Nacional do Estudantes), ANPG (Associação Nacional
de Pós-Graduandos) e 2 representantes da SESU (Secretária de Educa-
ção Superior do MEC). Neste relatório está contido um diagnóstico e
propostas, referentes a necessidade de expansão da Educação Superior
Federal Pública (ESFP), para atender o preceito constitucional (Art. 25
da Constituição Federal) que considera a Educação como um direito da
cidadania e um dever do Estado em promovê-la.

A Educação Superior é compreendida, no cenário internacional,


como um bem público (UNESCO, 2009). No Brasil, a Cons-
tituição Federal de 1988, em seu art. 205, define a educação
como um direito de todos e dever do Estado e da família. Este
preceito constitui-se como base de sustentação para definição de
políticas públicas da educação do país. O reconhecimento do
papel da universidade como um instrumento de transformação
social, desenvolvimento sustentável e inserção do país, de forma
competente, no cenário internacional, mobilizou os movimen-
tos reivindicatórios de expansão da Educação Superior pública e
gratuita (BRASIL, 2012).

Diante desses desafios, foram criadas 14 novas universidades


(hoje somam-se 18 universidades), objetivando avançar na democrati-
zação do acesso ao Ensino Superior público federal, sua interiorização e
também proporcionado novos arranjos curriculares. A UNILA e UFFS
são criadas neste cenário.

Caracterizando as IES que constituem o recorte empírico

Nossa prioridade nessa análise serão as duas universidades que


representam os desafios da integração regional - da América Latina (no
caso da UNILA) e da região sul do Brasil no caso da UFFS.

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UNILA: movimentos instituinte

A UNILA tem seu projeto iniciado em 2007, sua aprovação legal


em 2009 e o início das ações em 2010. Um dos principais elaboradores
e incentivadores deste projeto é o professor e pesquisador Hélgio Trin-
dade. Na conferência proferida na UFRGS, o ex-Reitor Pró-tempore da
UNILA definiu essa como uma “universidade brasileira, com vocação
internacional, sem muros e sem fronteiras” (TRINDADE, 2017).
A UNILA foi implantada em Foz do Iguaçu, situada na tríplice
fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai. Sua territorialidade expres-
sa o forte desejo de consolidar uma experiência educacional desde a
União de Universidades de América Latina e o Caribe (UDUAL) em
1967. Foi também proposta no contexto do Mercosul, tendo como
missão a integração Latino-Americana reveladora da diversidade cultu-
ral de nossos povos.
Sua estruturação foi feita de forma participativa, com envolvimen-
to de diferentes Universidades e Órgãos Públicos da América Latina, vide
a descrição de seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI). A co-
missão de implantação contou com a presença de pesquisadores de dife-
rentes países que conduziu estudos e debates sobre a ideia desta Univer-
sidade em construção, pensando sua estrutura acadêmica e seu processo
de integração. De forma transparente este processo está documentado em
resumos públicos disponíveis no site da Universidade.
A atenção aos estudantes, oriundos dos diferentes países do nos-
so continente, passa pela prática bilíngue durante as aulas, revelando
uma preocupação com a integração latino-americana. As atividades na
casa de estudantes, e no campus em Foz do Iguaçu, junto ao Parque da
Hidrelétrica de Itaipu, objetivam valorizar as culturas de origem dos es-
tudantes, através de projetos que promovem a música, dança, culinária,
literatura, cinema, teatro, entre outras atividades culturais.
O Instituto Mercosul de Estudos Avançados (IMEA-UNILA),
órgão suplementar da Reitoria, tem como objetivo fomentar a inte-
gração regional a partir de um conjunto de ações compartilhadas que
envolvem os cursos das diferentes áreas de atuação desde a Engenharia
até Letras e Artes, passando por ações de pesquisa e pós-graduação às
relações institucionais e internacionais.
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A UNILA está organizada em quatro Institutos a partir dos quais
desenvolve os cursos de graduação, programas de Pós-Graduação, Pesqui-
sas e Projetos de Extensão. São os seguintes Institutos: Instituto Latino-
-Americano de Arte, Cultura e História; Instituto Latino-Americano de
Ciências da Vida e Natureza; Instituto Latino-Americano de Economia,
Sociedade e Política; Instituto Latino-Americano de Tecnologia, Infraes-
trutura e Território. A UNILA oferece 28 cursos de graduação, em diver-
sas áreas do conhecimento e possui, hoje, 8 programas de Pós- Graduação.

Projetos Inovadores

Destacam-se as organizações das cátedras, que são oferecidas so-


bre temas atuais, de pensadores e intelectuais influentes no mundo con-
temporâneo, principalmente autores que contribuem para elucidar as
temáticas sociais, políticas e culturais da América Latina. Por exemplo:
a Cátedra Paulo Freire.
Outro projeto inovador da UNILA é o trabalho de integração
cultural, que tem início na acolhida dos calouros da Universidade
oriundos dos diferentes países do nosso continente. As atividades na
casa de estudantes e no campus em Foz do Iguaçu, junto ao Parque da
Hidrelétrica de Itaipu, objetivam valorizar as culturas de origem dos
estudantes e a integração latino-americana através de projetos da músi-
ca, danças, culinária, literatura, cinema, teatro, entre outras atividades
culturais. Além do que destacamos, o viés interdisciplinar dos cursos
e projetos de pesquisa e extensão, que potencializam uma formação
mais voltada para a realidade e a prática de intervenção na sociedade. A
formação interdisciplinar nos cursos, busca desenvolver um novo perfil
de cidadão e profissional comprometido com a qualidade social de sua
ação técnica e humana.

UFFS - Origens de um projeto de Universidade Popular

Origem e Vocação

A expectativa de ter uma Universidade Federal na Mesorregião Gran-


de Fronteira Mercosul é antiga. Durante décadas o assunto foi pauta nos
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meios de comunicação, nas instituições de ensino e nas mais diversas esferas
sociais. Mas, foi em 2005 que entidades públicas, ONGs e movimentos
sociais conseguiram uma coesão para criar o Movimento Pró-Universidade
Federal. Nesse ano também veio a primeira sinalização de possibilidade de
implantação de uma Universidade Pública pelo Governo Federal.
Em 15 de setembro de 2009, a criação da UFFS é oficializada
com a Lei no 12.029. Em 15 de outubro o professor Dilvo Ristoff foi
empossado como Reitor Pró-Tempore da UFFS. Logo após, foram pu-
blicados os editais do concurso para 165 professores, além de ocorrer
a entrega do plano de compra de móveis e equipamentos ao MEC e
liberada a primeira verba para compra de livros. Também foi aberto o
concurso para servidores técnico-administrativos e anunciados os pri-
meiros cargos de confiança. A data que marcou a constituição completa
da comunidade acadêmica da UFFS foi 29 de março de 2010.
A vocação da Universidade Federal da Fronteira Sul caracteriza-se
por voltar-se às necessidades da Mesorregião Grande Fronteira Mercosul
onde está instalada, configurando-se como Universidade: pública e popular.

- de qualidade, comprometida com a formação de cidadãos


conscientes e comprometidos com o desenvolvimento sustentá-
vel e solidário da Região Sul do Brasil;
- democrática, autônoma, que respeite a pluralidade de pensa-
mento e a diversidade cultural, com a garantia de espaços de
participação dos diferentes sujeitos sociais;
- que estabeleça dispositivos de combate às desigualdades sociais
e regionais, incluindo condições de acesso e permanência no
ensino superior, especialmente da população mais excluída do
campo e da cidade.
- que tenha na agricultura familiar um setor estruturador e dina-
mizador do processo de desenvolvimento.

Projetos Inovadores

Uma das principais marcas da UFFS está na origem dos cursos ofere-
cidos, que emergem do diálogo dos gestores com os diferentes atores sociais,
com destaque para os Movimentos Sociais em suas demandas de formação e
qualificação das pessoas para atenderem as necessidades da economia regio-
nal e da formação político-social. Os primeiros cursos oferecidos definiram
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como critério para o ingresso os estudantes que cursaram o Ensino Médio
na Escola Pública. E, conforme a realidade das regiões de abrangência dos
campi da UFFS, os discentes se caracterizam por serem filhos de pequenos
agricultores da região e das classes populares urbanas (93%).
A partir desse contexto acima, a UFFS inaugura projetos de pes-
quisa e de extensão voltados para o público-alvo. A Universidade desen-
volve pesquisas juntos as redes públicas de ensino voltados para a for-
mação de professores nas licenciaturas ofertadas e projetos de pesquisa
com a pequena e média propriedade agrícola, valorizando a agricultura
familiar e as cadeias produtivas locais e regionais. O projeto estratégico
da UFFS está voltado para o desenvolvimento das regiões fronteiriças
do sul do Brasil em uma localização estratégica para potencializar o
desenvolvimento local sustentável.

Universidades Emergentes: Ecologia de saberes, integração solidá-


ria regional na busca da emancipação social

Ecologia de saberes

Numa perspectiva de cultivo da ecologia de saberes (SANTOS,


2010) os desafios das Universidades Emergentes se coaduna e se sinto-
niza com os desafios de uma formação humana aberta e sensível.
A valorização dos diferentes saberes e experiências constituindo a
Universidade como um lugar do diálogo crítico, do debate das grandes
questões sociais, mas também como um lugar de valorização de expe-
riências alternativas que emergem dos projetos sociais protagonizados
pelos excluídos da modernidade, todo esse processo pode fazer de uma
Universidade um espaço potencializador das demandas colocadas mais
recentemente pelos segmentos populares.
As práticas de diferentes grupos sociais evidenciam outras vozes
(sul como periferia do mundo) que emergem para além do controle so-
cial, gerado pelo capitalismo, sistema patriarcal e pelo neocolonialismo
hegemônico no mundo contemporâneo. Estas vozes são produzidas por
diferentes movimentos, coligações por dentro das instituições universitá-
rias e práticas coletivas que apontam saberes de resistências políticas e cul-
turais na perspectiva de outras formas de pensar e viver em comunidade.
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Essa perspectiva de futuro para nossas Universidades é coerente
com a dinâmica social contemporânea, que vem transitando de uma
lógica centrada essencialmente no modelo urbano-industrial para uma
nova lógica que atenda a novas perspectivas frente ao desenvolvimento
predatório, gerando alternativas ao desenvolvimento para sustar a de-
gradação ambiental e humana. A ecologia de saberes procura dar con-
sistência epistemológica aos saberes propositivos para pensar alternati-
vas sociais, políticas e ambientais.
Trata-se de uma ecologia porque se assenta no reconhecimento
da pluralidade de saberes heterogêneos, na autonomia de cada um deles
e na articulação sistêmica, dinâmica e horizontal entre eles. A ecologia
de saberes se assenta na independência complexa entre os diferentes
saberes que constituem o sistema aberto do conhecimento em processo
constante da criação e renovação. O conhecimento é interconhecimen-
to, é reconhecimento, é autoconhecimento (SANTOS, 2010, p. 157).
Nessa direção por onde se delineiam as perspectivas da vida em
sociedade, os diferentes saberes precisam circular em condições favorá-
veis e mais igualitárias para que todos possam acessar e se beneficiar dos
mesmos. Pois, nessa nova lógica social o conhecimento circula rapida-
mente e não pode mais obedecer ao comando de um centro hegemôni-
co, que detém o controle das informações. Por tais razões, os diferentes
saberes e as tecnologias hoje disponíveis não podem continuar a ser
privilégios de uma parte da sociedade em oposição aos excluídos do
acesso a estes recursos.
Neste sentido, a instituição universitária é desafiada a ser um ló-
cus importante na promoção da democratização do conhecimento, ga-
rantindo as condições para que toda a população possa acessá-lo como
um bem público universal. Uma instituição que contribua para pensar
um projeto de país, mais justo e solidário.
Algumas experiências nestas novas universidades, como cursos
interdisciplinares, participação de diferentes setores da sociedade civil
na sua construção e perspectivas de integração latino-americana e inser-
ção local são movimentos importantes, num contexto de disputas, que
vai tecendo-se na perspectiva da ecologia de saberes.
Está presente no Plano de Desenvolvimento Institucional da UNI-
LA (PDI 2013-2017) o reconhecimento da complexidade do mundo con-
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temporâneo e intenso processo de inovação científico-tecnológica que se
desdobra em desafios para os diferentes ramos do conhecimento a reverem
seus métodos e caminhos que leve em conta a teia de inter-relações consti-
tuída pelos fenômenos humanos e a natureza, em que os campos disciplina-
res são insuficientes para responder aos problemas colocados pelo mundo.
Neste sentido, a busca de diálogo entre diferentes campos científicos se co-
loca a necessidade de interdisciplinaridade. Também está explicitado neste
documento uma perspectiva mais plural de produção de conhecimento.

Além da interdisciplinaridade, a UNILA enfrentará os desafios


expostos, propondo atividades em que o bilinguismo, a inter-
culturalidade e a gestão democrática auxiliem em sua missão de
contribuir, mediante a produção do conhecimento, para concre-
tização de uma integração solidária (UNILA, 2013, p. 15).

Destacamos, como exemplo, dois cursos de graduação da UNI-


LA que desafiam a perspectiva disciplinar, o conhecimento eurocêntrico,
como únicas possibilidades de compreender a América Latina. O curso
de Relações Internacionais e Integração explicita (PPC/2013) a necessi-
dade de um olhar crítico sobre a realidade latino-americana, integrando
conceitos de diferentes campos do conhecimento e valorizando saberes
que compõem o universo do continente.
Em seu projeto pedagógico (PPC – Projeto Pedagógico de Curso)
de Relações Internacionais e Integração, a UNILA confirma a importância
de adquirir uma postura soberana na produção do conhecimento para su-
perar a mera reprodução daquele originado nos países centrais do sistema:

al hacer abstracción de la naturaleza, de los recursos, del espacio,


y de los territorios, el desarrollo histórico de la sociedad moder-
na y del capitalismo aparece como un proceso interno’, autoge-
nerado, de la sociedad europea, que posteriormente se expande
hacia regiones atrasadas (UNILA, 2013, p. 9).

O curso de História da América Latina explicita no seu


PPC/2013 (Projeto Pedagógico de Curso) a necessidade de valorizar
outras bases políticas, filosóficas, científico-técnicas, culturais, para
além da produção europeia, considerando as bases indígenas, africanas
e, inclusive, asiáticas da História da América Latina.
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O posicionamento crítico perante as visões eurocêntricas, por
meio do diálogo atual entre a pesquisa histórica e as áreas
afins, norteia a construção deste curso, que busca pensar a
história a partir de uma perspectiva latino-americana e cari-
benha (UNILA, 2013, p. 4).

Aposta na integração solidária e o desenvolvimento regional

A intencionalidade dos projetos emergentes de universidade bus-


ca desenvolver, entre outras dimensões, o cultivo de uma racionalidade
aberta e ampla. Essa aposta requer que se mantenha aberta e constan-
temente um diálogo profundo com as problemáticas sociais dos po-
vos e, principalmente, com seu entorno mais próximo da região onde
está situada. É uma racionalidade que está em construção e visa en-
frentar a lógica burocrática que vem colonizando o pensamento e a
formação superior no mundo todo. Esse desafio precisa estar articulado
com o contexto global, de um mundo cada vez mais interdependente
e marcado pela circulação rápida de conhecimentos e tecnologias que
intervém no cotidiano de cada um de nós, embora nunca passível de
homogeneização como queria a modernidade europeia na qual nossas
universidades se estruturaram como cópias de um modelo civilizatório.
Em síntese, é o desafio de atuarmos localmente, valorizando as
experiências e saberes que emergem das práticas sociais locais, com um
horizonte aberto para as transformações do mundo contemporâneo.
Ou como nos alerta Santos (2012, p. 690) sobre a necessidade de cons-
truirmos novas epistemologias:

As epistemologias do sul são uma tentativa de confrontar o co-


nhecimento hegemónico, científico, com os conhecimentos não
científicos, produzidos nas práticas e nas lutas sociais, conheci-
mentos que tem em si um potencial contra-hegemónico, pro-
duzidos em grande parte no sul global e a partir de premissas
culturais distintas das que subjazem à modernidade ocidental.

Nesse horizonte está o compromisso com a integração regional


no projeto originário da UNILA que valoriza as culturas e os povos da
América Latina com o objetivo de uma integração do nosso continente
para além dos aspectos comerciais. E no caso da UFFS a integração da
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Região Sul do Brasil, visando um desenvolvimento regional capitanea-
do desde os movimentos populares e os desafios da inclusão social.
A perspectiva de uma integração solidária (presente no PDI), pres-
supõe uma formação e produção de conhecimentos sobre a nossa reali-
dade Latino-Americana, em que a ideia de qualidade desta experiência
se pauta, para além da integração econômica, comercial e política, numa
interlocução cultural, envolvendo as comunidades universitárias.

O diálogo intercultural deverá ser um dos pontos centrais do


projeto pedagógico, pois se considera que a busca da integração
passa necessariamente pelo reconhecimento das diferenças entre
as diversas culturas da América Latina. Assim, aprofundar o co-
nhecimento das diferenças certamente favorecerá a identificação
das convergências que são importantes para a construção con-
junta de novos horizontes (CORAZZA, 2010, p. 80).

Trilhando dinâmicas no horizonte da emancipação humana

A busca da emancipação humana, requer movimentos permanen-


tes de formação de um sujeito político na construção de conhecimentos
e valores, num exercício de liberdade, em que o embate anticapitalista e
anticolonialista seja um processo sem fim, pois os mecanismos de cap-
tura dos sujeitos na conformidade frente ao mundo estabelecido estão
arraigados em corações e mentes.
Compreendemos que a formação política diz respeito a compreen-
são da vida pública, da democracia e da cidadania, num compromisso
com o bem público em que afirmamos a especificidade do humano num
exercício de liberdade como sujeito político potente. O que se reivindica
quando se defende a formação do sujeito político como missão da Edu-
cação Superior? Quais são as possíveis referências e lugares dos quais se
pensa a formação política de intelectuais, professores, técnicos, gestores,
estudantes da Universidade? A formação do sujeito político é uma ques-
tão de engajamento político? Seria o esforço conjunto das comunidades
educativas em prol do agir e do falar dos sujeitos como preparação para a
atuação e para o debate na esfera pública? (GENRO, 2013).
Reivindica-se, nesta direção, que um caminho para a Universi-
dade seja o da disposição de um espaço de formação de sujeitos, que se

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configure como ambiente para o debate, a crítica e a interação política.
Paralelamente que se repudiem as práticas mercadológicas e as tentati-
vas de homogeneização e uniformização da Educação Superior e seus
desdobramentos na práxis do sujeito. Salientamos a necessidade de des-
construção de práticas uniformizadoras de indivíduos e grupos sociais.
O fortalecimento de autorias democráticas se articula com a po-
tencialização de espaços públicos, espaços vibrantes que reforcem a vi-
vência de valores democráticos, a liberdade e a igualdade. Neste sentido,
para Arendt (2008, p. 185) “política e liberdade são idênticas, e onde
inexiste este tipo de liberdade inexiste espaço verdadeiramente político”.
O processo de construção, com ênfase na participação de dife-
rentes comunidades, destas Universidades Emergentes, pode propor-
cionar uma formação política, numa dinâmica de diálogo de saberes,
podem possibilitar um novo perfil de cidadão e profissional compro-
metido com a qualidade social de sua ação técnica e humana, num
espaço público de liberdade. Visando uma atuação que tem como
aspecto fundante a integração regional e continental, onde o projeto
político se articula com o educativo.
Nesse sentido, cabe destacar os desafios apontados por Trindade
(2017), referente a UNILA, neste caminho de trilhar outras experiên-
cias: intercâmbio acadêmico solidário, compromisso com o desenvolvi-
mento sustentável indissociável da justiça social e partilha de recursos e
conhecimentos entre estudantes e professores na América Latina.

Considerações finais

A ampliação do campo de exercício da democracia envolve di-


ferentes espaços tempos-estruturais, em que os despotismos, também
presentes nas relações intersubjetivas, precisam ser enfrentados pela de-
mocracia de alta intensidade. Cidadania social, política, cultural e da
intimidade são forças possíveis de instauração de mundos alternativos.
A concepção não-hegemônica de democracia sustenta-se na contribui-
ção de diferentes pensadores, como Lefort, Castoriadis, Arendt, Santos,
entre outros. Algumas ideias são basilares na construção de uma demo-
cracia substantiva, de alta intensidade, como um modo de vida, para
além da compreensão da democracia procedimental.
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A diversidade de identidades sociais e culturais pressupõe o reco-
nhecimento da diferença em que se fortalece a democracia como um
modo de vida. O reconhecimento da diversidade de mundos plurais,
segundo Citadino (2010), conformadores das identidades sociais de-
vem ser compatibilizados com a ideia de participação em uma comu-
nidade política que tenha a igualdade e a liberdade como princípios,
considerando o pluralismo cultural, étnico e religioso.
Apesar dos conflitos deve existir uma disposição para o diálogo,
argumentos construídos para forjar consensos possíveis para o fortaleci-
mento de uma democracia, (SANTOS, 2002) como um modo de vida,
um programa mínimo e não minimalista. Este processo envolve uma pos-
tura existencial, cuja dinâmica se constitui num processo de superação de
uma subjetividade reguladora e regulada pelos mecanismos de poder. O
diálogo, como nos inspira Freire, enquanto ser e estar no mundo e não
meramente como uma técnica de convencimento, pressupõe o desenvol-
vimento de uma cidadania deliberativa, prudente e democrática, visando
o desmantelamento dos monopólios de interpretação.
A reinvenção da democracia na perspectiva da emancipação hu-
mana, diz respeito a formação do sujeito político tendo como valores
fundamentais, numa dinâmica intersubjetiva, a liberdade, a igualdade e
a consequente sensibilidade e generosidade para pensarmos e construir-
mos o mundo que queremos viver. Isto envolve a busca de superação
das condições sociais em que as múltiplas desigualdades e exclusões afe-
tam desconstituindo a dignidade humana.
Experiências vão se gestando, em que os conflitos epistemológi-
cos, sociais e políticos precisam ser potencializados na defesa do bem
público para gestar uma sociedade mais justa, considerando o cenário
atual da realidade brasileira, que consiste em grandes perdas de direi-
tos, em retrocessos na democracia e desinvestimento das instituições
universitárias, além do desrespeito a Constituição Brasileira e repressão
política, enfim processos de mercantilização da vida, em todos os seus
sentidos. Apesar de um cenário de fortalecimento das pautas privati-
zantes e desumanizantes, as energias emancipatórias precisam revitalizar
seus pensares e experiências, forjando coligações numa aposta de alar-
gamento das brechas possíveis para construir um presente e um futuro
mais generoso com os seres humanos e a natureza.
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Estas experiências gestadas pelas universidades, como espaços
públicos, podem potencializar a formação de sujeitos políticos, com
as palavras de Arendt, pode contribuir para reinventar a política como
liberdade, para construir novos começos, no enfrentamento do deser-
to em que nos encontramos. Nesta dinâmica pressupõe assumirmos
a vida com coragem, para que possamos resistir como sujeitos ativos,
no mundo público. Pois,

O mundo humano é sempre o produto do amor mundi do


Homem, um artifício cuja potencial imortalidade está sempre
sujeita à mortalidade daqueles que o constroem e à natalidade
daqueles que vêm viver nele. É uma eterna verdade que disse
Hamlet: “O mundo está fora dos eixos; Ó que grande maldição
/Eu ter nascido para trazê-lo a razão (ARENDT, 2004, p. 266).

O esforço de pesquisar, compreender e socializar experiências


que caminham na contramão do estabelecido, com suas tensões, dis-
putas e horizontes, possibilita alargar nosso olhar, com sensibilidade e
aposta num presente e num futuro de liberdade, em que a pluralidade
humana, constituinte na ação política, promova densos mundos resis-
tentes ao deserto.

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129

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UNILA: UTOPIA DO PROJETO, DESVIOS PRECOCES
E URGENTE RETORNO AO PROJETO ORIGINAL

Hélgio Trindade

O Projeto de Lei nº 12.189 de criação da UNILA, aprovado por


unanimidade pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da
República, em 12 de janeiro de 2010, completou mais de uma década de
vida legal. Apesar da complexa tarefa dos seus dirigentes identificados com
a consolidação de sua missão latino-americana, a lei corre o risco de desviar-
-se da política de Estado que ela representa. As universidades, embora sejam
instituições sociais e não meras burocracias, podem ao longo do tempo ir
enriquecendo sua identidade que, no caso da UNILA, foi concebida como
uma Universidade inovadora para o século XXI: transdisciplinar, bilíngue
e vocacionada para a integração latino-americana e caribenha por meio do
conhecimento humanista, científico e tecnológico compartilhado solidaria-
mente entre os países da região da América Latina e Caribe.
No caso da UNILA, esse processo se iniciou precocemente já na
primeira década de sua fundação. Não considero ter o devido distan-
ciamento necessário para avaliar a primeira década da nova Universida-
de, mas me comprometi inteiramente, numa ação coletiva que envol-
veu, desde o trabalho da presidência da Comissão de Implantação da
UNILA até assumir a primeira Reitoria Pró-Tempore, trazendo minha
experiência como primeiro Reitor eleito da UFRGS1, contando na vi-
ce-reitoria com a colaboração inestimável do cientista social uruguaio,
Gerônimo de Sierra, da Universidad de la Republica e o apoio entusiás-
tico de um grupo de pró-reitores, diretores, professores, estudantes e
técnico-administrativos em educação.

1 No processo de democratização do Brasil, a UFRGS fez uma das primeiras elei-


ções diretas para Reitor (1991) e no meu mandato tive ampla circulação e arti-
culação com as universidades públicas latino-americanas, seja por movimentos regio-
nais integracionistas sul-americanos: Associação de Universidades Grupo de Montevidéu
(AUGM); IESALC/UNESCO (Venezuela) e a Conferência Mundial da UNESCO
sobre Educação Superior em Paris (2008).
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UNILA: a utopia do projeto latino-americano

Antes de começar a funcionar a UNILA era preciso “inventar”, com in-


venção criativa, a nova instituição universitária. Este trabalho prévio foi
obra da Comissão de Implantação da UNILA (CI-UNILA)2, colegiado
instituído pelo MEC para construírem, com a experiência e a imagina-
ção criativa de seus membros, passo a passo, em termos legais, acadê-
micos e administrativos, a transição da utopia da nova Universidade à
realidade. Por ocasião da posse da CI-UNILA o Ministro da Educação,
Fernando Haddad, estabeleceu as diretrizes para o nosso trabalho:

E o nosso objetivo é justamente este, pensar um modelo novo de


universidade. Talvez possamos dar o exemplo ao mundo de como
promover a integração pelo conhecimento a partir da experiência
da UNILA. E, a meu ver, o sucesso da UNILA terá um significado
histórico impressionante. Não é pouco o que os senhores têm na
mão, é uma ideia promissora: um desejo político genuíno do atual
Governo de pensar a integração, não apenas em curto prazo, não
apenas do ponto de vista das relações comerciais, mas pensar em
longo prazo, pensar a integração do ponto de vista de educação,

2 Comissão de Implantação da UNILA: Presidente: Helgio Trindade, Doutor em


Ciência Política (Paris-Sorbonne) e ex-Reitor da UFRGS. Membros: Alessandro War-
ley Candeas, do Ministério de Relações Exteriores e ex-Assessor de Relações Interna-
cional da Capes; Carlos Roberto Antunes, professor e coordenador do Doutorado em
História da UFPR, ex-Reitor e ex-Secretário da SESu/MEC; Célio Cunha, professor
de Educação da UnB e ex-Diretor da UNESCO; Marcos Ferreira da Costa Lima,
professor de Relações Internacionais da UFPE e Presidente do Fórum do Mercosul;
Mercedes L. Cánepa, professora do Doutorado em Ciência Política da UFRGS, ex-
-diretora do IFCH da UFRGS e membro do Conselho Superior da Capes; Gerónimo
de Sierra, professor titular do Sociologia da Udelar/Uruguai, ex-membro do Conselho
do Comitê Diretor do CLACSO e especialista em Integração da America Latina; In-
grid Piera Andersen Sarti, professora do Mestrado-Doutorado em Economia Política
Internacional da UFRJ; Paulino Motter, doutor em Educação pela Universidade de
Chicago e assessor do Diretor Geral da Itaipu Binacional; Raphael Perseghini Del
Sarto, da SESu/MEC e doutorando em Biologia da UnB; Ricardo Brisolla Balestreri,
psicólogo e Secretário Nacional de Segurança Pública do MJ; Paulo Mayall Guillayn,
do Setor de Relações Internacionais da SESu/MEC; Stela Maria Meneghel, professora
Titular de Educação da Universidade Regional de Blumenau, doutora em Educação
pela Unicamp e com pós-doutorado em Avaliação da Educação Superior da América
Latina no Iesalc/UNESCO. Ver: Instalação da Comissão de Implantação da UNILA, in
UNILA em construção, op. cit. pp 61-63.
132

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da cultura, da ciência e tecnologia.(...) E quanto mais ousado for o
projeto, quanto mais coerente, quanto mais aderente a estes prin-
cípios preliminares, maior será a chance de sucesso e maior a chan-
ce de que nós possamos oferecer rapidamente ao continente uma
experiência que realmente servirá de exemplo para outras áreas de
cooperação; para que possamos criar, efetivamente, na educação,
um novo paradigma, para que outros setores possam também se
adequar aos novos tempos. Nosso desejo é de que vocês tenham
todo o apoio e confiança. Este projeto sai por uma vontade efetiva
de se tornar uma realidade; é o sonho de muitos brasileiros e mui-
tos latino-americanos3.

Em reuniões mensais – de março de 2008 a junho de 2009 – a


Comissão cumpriu sua missão. No livro de memória institucional –
UNILA em construção – ficaram registradas as atas das sucessivas etapas
desse trabalho que foi se constituindo coletivamente em um modelo
paradigmático e inovador, com vocação para a integração solidária da
América Latina. Paralelamente, foi realizado por iniciativa da CI-UNI-
LA, um inquérito universitário (mais amplo que o fizera Darcy Ribeiro
para a fundação da UnB junto a um grupo de brasileiros especialis-
tas em Educação Superior, Ciência e Tecnologia da América Latina,
França e Estados Unidos. Essas propostas enriqueceram e ampliaram
o horizonte do trabalho da CI-UNILA e, posteriormente, publicado
no livro: UNILA, Consulta Internacional (2009) tornou-se acessível à
comunidade universitária, com ampla difusão ao público externo pelo
site da universidade.
Desde a nomeação do Reitor Pró-Tempore, observou-se um mo-
vimento interno no Paraná com o objetivo de tentar nomear um vice-
-reitor oriundo deste Estado. Foi a primeira tentativa de transformar a
UNILA em mais uma Universidade Federal do Paraná. Este risco foi
superado com o apoio imediato do Ministro, Fernando Haddad, que
aceitou a proposta do Reitor Helgio Trindade nomear um vice-reitor
uruguaio – Gerônimo de Sierra4, professor sênior da Universidad de la

3 Id. Ibid.
4 Gerônimo de Sierra, com formação em sociologia na Universidade de Louvain e
doutorado na École des Hutes Éudes en Sciences Sociales, além de reconhecido profes-
sor titular de sociologia na Universidad de la Republica (Uruguai) teve forte presença
pela sua obra e como professor de cursos de pós-graduação interuniversitários sobre a
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Republica (Uruguai), para garantir o perfil latino-americano da nova
instituição e dar visibilidade internacional à UNILA. Para tanto foi
desenvolvida paralelamente uma ousada política de comunicação e de
intercâmbio internacional. Um balanço das relações interinstitucionais
promovidas, desde junho de 2007 a agosto de 2009, mostrou a realiza-
ção de mais de cinquenta ações. Partindo da 32ª Reunião dos Ministros
de Educação do Mercosul (Assunção/Paraguai, 2007) que aprovou Ins-
tituto Mercosul de Estudos Avançados até IIIª Conferência Internacio-
nal sobre o Desenvolvimento Urbano em Cidades de Fronteira (Foz de
Iguaçu, 2009), dentre as quais alguns exemplos foram marcantes para
enriquecer a experiência internacional da futura Universidade5.
No segundo semestre de 2009, diante da cética expectativa da
aprovação pelo Congresso Nacional do projeto de lei de criação UNI-
LA, o IMEA, foi aprovado com o apoio solidário do Conselho Univer-
sitário da Universidade-tutora (UFPR) e implantado em Foz do Iguaçu.
Fui nomeado pelo Reitor da UFPR, Zaki Ackel coordenador do IMEA
e antes da aprovação da lei no Congresso começaram a se desenvolver
atividades internacionais relevantes - o Conselho Latino-americano
do IMEA, Colóquio Internacional e sucessivas cátedras latino-ame-
ricanas, para difundir a futura UNILA na região latino-americana e
caribenha. Essas ações precursoras foram fundamentais para expandir
o perfil da futura Universidade, através do IMEA, que fora aprovado
em reunião dos Ministros de Educação do Mercosul em Assunção (ju-
nho de 2007). Cabe relembrar que, em 19 de agosto 2009, instalou-se
em Foz de Iguaçu, o Conselho Latino-Americano do IMEA, reunindo
mais de 30 especialistas de diferentes países latino-americanos, com as
funções de contribuir para o desenvolvimento do IMEA e avaliar suas

América Latina. No Brasil, participou da CI-UNILA, onde se deu importante contri-


buição à vocação latino-americana da UNILA.
5 Alguns exemplos: Encontro Internacional de Cátedras Unesco Ibero-Américana, Cá-
ceres, Espanha (dez/2007: VI congresso Internacional de Educação Superior, Havana
(fev/2008); Conferencia Regional da Educação Superior na A. Latina y Caribe, Car-
tagena, Colômbia (jun//2008); III Seminário Internacional do FOMERCO, set/2008
(março 2009 - Boa Vista, RR); I Reunião de Coordenação Andrés Bello (out 2008, Bo-
gotá, Colombia.) Conf. de Educação Superior (março, 2009, Galápagos, Equador); Vi-
sita para Intercambio Internacional à Universidade Andina Simon Bolívar e a Faculdade
Latino-americana de Ciências Socais (CLACSO-Equador (fev/2009. Quito, Equador).
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atividades acadêmico-cientificas. E logo seguir – de 19 a 22 se agosto,
o IMEA, realizou o I Colóquio Internacional Educação para a Integração
Latino-Americana, cujas mesas trouxeram ao debate instigantes temas:
1) Conhecimento, poder e mudança social: o papel das universidades
na América Latina; 2) A Universidade e os desafios da integração latino-
-americana; 3) A Universidade latino-americana diante da Globalização
e da Sociedade do Conhecimento; 4) O saber acadêmico e a produção
e a difusão na era da informação; 5) Universidade Latino-americana
qualidade acadêmica e relevância social; 6) Universidade e Integração:
experiências regionais6.
Com apoio da CAPES e Itaipu, deu-se o início às atividades da
nova Universidade avant la lettre. Logo após começam a serem implan-
tadas as Cátedras Latino-americanas.

As Cátedras foram concebidas com o propósito de reforçar a


vocação latino-americana da UNILA. Trazendo pesquisado-
res do mais alto nível de todas as áreas de conhecimento para
orientarem a reflexão e o planejamento dos cursos de graduação
e dos futuros mestrados e doutorados. Entre agosto de 2009 e
dezembro de 2013, foram instituídas 20 Cátedras: desde a Cá-
tedra Celso Furtado de Economia e Desenvolvimento, fundada
pelo economista argentino, Aldo Ferrer, da UBA; passando
pelas Cátedras, André Bello de Educação Superior Comparada,
fundada por Carmem Guadilla, do CENDES/Un. C. Vene-
zuela. Outros exemplos: a Cátedra Francisco Bilbao: Integração e
Identidade Latino-Americana, fundada por Miguel Rojas Mix,
da Cátedra UNESCO de Cooperação Cultural; a Cá-
tedra Amilcar Herrera: Ciência, Tecnologia, Inovação e Inclu-
são Social, fundada por Hebe Vessuri, pesquisadora sênior do
Instituto Venezuelano da Investigaciones Cientificas (IVIC);
Cátedra Josué de Castro: Desenvolvimento Sustentável e Meio Am-
biente, por Ignacy Sachs do EHESS (França); Cátedra Augus-
to Roa Bastos: Literatura Latino-Americana, por Flávio Loureiro
Chaves, Professor Titular de Literatura da UFRGS; Cátedra Juan
Jose Giambiagi: Ciências Físicas e as Novas Fronteiras Tecnológicas,
por Celso Pinto de Melo, Presidente da Sociedade. Brasileira de
Física; Cátedra Clodowaldo Pavan: Ciências da Vida: Evolução
e Biodiversidade, Francisco Salzano, da Academia Brasileira de

6 Maiores detalhes ver: UNILA em construção, Publicações IMEA, 2009, pp 146-151.


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Ciências; Cátedra Bernardo Houssay:Neurociência e Inclusão So-
cial, por Miguel Nicolelis, do Centro de Neuroengenharia da
Universidade Duke (EUA).

Finalmente, na última sessão do Congresso Nacional de 2009–


FIAT LUX! Foi aprovado, pela unanimidade dos votos senadores e depu-
tados federais, o Projeto de Lei nº 2.878, de 2008 que instituiu a UNILA.
Foi uma experiência emocionante, da qual fui testemunha, num entarde-
cer primaveril sanguíneo e memorável de Brasília. Ao longo de quase dois
anos assisti, sempre que pude, as reuniões das Comissões da Câmara e do
Senado e acompanhei a monótona estratégia dos deputados ou senadores
de oposição de pedirem “vistas ao processo” visando retardar ao máximo
a tramitação do Projeto de Lei no Congresso. Ao esgotar-se, porém, esse
longo e “surrado” expediente parlamentar, chegou a hora da verdade: o
projeto da UNILA seria submetido ao voto no Plenário do Congresso,
em sessão presidida pelo Senador José Sarney.
A expectativa era imensa porque nessa sessão era vetada qualquer
nova discussão sobre o mérito dos projetos, em uma pauta lotada de
projetos a serem votados nessa tarde. Havia dois riscos: podia não haver
tempo para ser votado, ficando para o ano seguinte ou, se votado, não
contar com o voto da maioria dos presentes. Então, “a sorte está lança-
da! (Alea jacta est.!). Quase ao final da reunião, a votação do projeto da
UNILA foi anunciado para pelo Presidente da sessão. Na ocasião o líder
do governo, o senador Aloízio Mercadante, fez uma breve referência ao
projeto da UNILA, ninguém se manifestou e foi imediatamente coloca-
do em votação. A votação se fez silenciosa eletronicamente, como uma
luta de armas brancas no escuro. Em minutos o resultado foi anunciado
burocraticamente pelo Senador Sarney: o projeto fora aprovado pela
unanimidade dos presentes, sem nenhuma emenda no seu texto origi-
nal. Estava, pois, a UNILA aprovada pelo Congresso Nacional após essa
morosa tramitação. Doravante, só faltava a sanção presidencial que se
fez sem vetos, em sessão pública, em 12 de janeiro de 2009.
Com a minha designação de primeiro Reitor Pró-Tempore, em 18
de março de 2010 e a posse do vice-reitor Gerônimo de Sierra, em 8
de abril do mesmo ano, estavam designados os dois órgãos centrais da
hierarquia acadêmica da UNILA: a Reitoria e o Conselho Universitário.

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Nomeado o Reitor, coube, em ato contínuo coube ao Reitor instituir
a instancia máxima de deliberação superior da nova universidade: o
Conselho Universitário Pró-Tempore. Dessa forma, foi possível o plane-
jamento dos atos prioritários: a elaboração do Estatuto e do Regimento;
os primeiros concursos para docentes e técnicos administrativos, o que
viabilizou , em agosto de 2010, que o primeiro grupo de alunos fosse
selecionado e recepcionado nas dependências temporárias da UNILA.
Cabe registrar que o processo de seleção dos alunos latino-ame-
ricanos desencadeou-se, já no primeiro semestre 2009, num trabalho
coletivo em duas frentes: de um lado, a busca de espaços adequados
para a residência estudantil apoiada pelo Programa de Assistência Es-
tudantil do MEC; de outro, a definição de regras de seleção de dois
grupos: o dos alunos brasileiros teve como critério comum, a adesão
à prova do ENEM adotando a UNILA um peso dominante aos can-
didatos que tivessem formação no Ensino Médio em escola pública; e
para os alunos estrangeiros, porém, abandonou-se a ideia de montar
um ENEM-Internacional com apoio do INEP pelos riscos de “etno-
centrismo” e optou-se por um sistema misto combinando (a) uma
pré-avaliação do desempenho dos alunos do Ensino Médio, com base
nas notas, elaborada pelos Ministérios de Educação dos respectivos
países, em função das áreas de graduação escolhidas; e, (b), posterior-
mente, essa primeira a avaliação foi submetida a uma Banca Interna-
cional constituída pela UNILA7.
Finalmente, foram sendo planejados os cursos dos dois primeiros
semestres letivos (2009/2 e 2010/1), que tinham como eixo principal
o Ciclo Comum (2 semestres) para todos os alunos que ingressassem
na nova Universidade, com foco em três campos integrados: Introdução
aos estudos latino-americanos (história, política, economia e cultura; Lín-
guas: espanhol e/ou português; e Metodologias de estudo e de iniciação às
pesquisas. Esse ciclo obrigatório era a marca identitária da UNILA que
7 O processo de seleção dos alunos estrangeiros exigiu que o Reitor Trindade visitasse
in loco os Ministérios de Relações de Exteriores e de Educação nos países andinos e
os organismos encarregados em conceder bolsas de estudo (Venezuela, Peru, Equador
e Chile), enquanto nos países do Mercosul e vizinhos (Argentina, Chile, Paraguai
e Uruguai visitava-se sobretudo os Ministérios de Educação). Aparentemente outro
“desvio” foi a perda de contato direto com a maioria desses países para manter viva
essas relações diretas de intercâmbio.
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deveria acolher todos os alunos que, independente da escolha na área de
sua formação, deveriam estar conscientes de que eram alunos de uma
Universidade cuja identidade era sua vocação latino-americana para os
alunos brasileiros e estrangeiros8!
Os duzentos primeiros estudantes matriculados na Instituição,
oriundos do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, tiveram, no dia 2 de
setembro de 2010, a Solene Aula Inaugural9 do Exmo. Sr. Presidente da
República, Luís Inácio Lula da Silva, para a comunidade universitária
de professores, alunos e técnico-administrativos em educação.
A Aula Inaugural foi primorosa: após ler um discurso formal de
quinze minutos, guardou o texto no bolso e disse: “Bem, meus caros,
cumpridas as formalidades, agora é que vai começar a Aula” que esten-
deu-se por mais de uma hora. Em sua fala o Presidente, com uma me-
mória impecável, reconstituiu as discussões havidas entre os líderes lati-
no-americanos de esquerda na Nicarágua, por ocasião da comemoração
do primeiro aniversário da vitória do movimento sandinista que derruba-
ra a ditadura corrupta da família Somoza Após relatar com detalhe esse
debate interno destacou a mudança de estratégia política: muitos líderes

8 Apesar das dificuldades enfrentadas pela UNILA em seu processo de implantação


impressiona o número de artigos, dissertações, teses que já foram elaborados sobre a
nova universidade, geralmente com uma avaliação positiva sobre o conteúdo inovador
do projeto e suas potencialidades para na América Latina. No entanto, atualmente há
preocupações entre professores, alunos e técnicos sobre os “desvios” da UNILA em sua
missão compartilhada com o conjunto da América Latina e Caribe. Com a nomeação
do primeiro reitor eleito pelo governo Bolsonaro, em meados 2019. a situação come-
çou a correr riscos maiores desse processo ser bloqueado, por uma gestão burocrática,
sem planejamento de acordo com sua dupla missão legal. Mais recentemente foi cria-
do, dentro e fora da Universidade, um movimento denominado - Unila resiste!- que
busca retornar ao projeto original que teve o respaldo da unanime do Congresso Na-
cional. Não cabe ao poder executivo, nem ao Ministro da Educação tentar alterar uma
política de Estado que está legitimidade legal da UNILA Paralelamente, já vinham
se reunindo grupos mistos de professores da UNILA com professores convidados de
outras instituições latino-americanas para contribuírem na estruturação dos cursos de
graduação, enquanto todos os alunos iriam começar a frequentar, nos dois primeiros
semestres o ciclo comum latino-americano.
9 A qual contou com a presença do Ministro da Educação, Fernando Haddad, de
vários Ministros, do Reitor da Universidade-Tutora UFPR, Zaki Abi Akel Sob., do
Diretor Brasileiro da Binacional de Itaipu, Miguel Samek, deputados federais, e tam-
bém, do Prefeito Macdonald Guisi.
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de esquerda, diante da nova conjuntura política da região, começaram
a valorizar a importância crescente da via eleitoral para a conquista do
poder na reconstrução da democracia na América Latina.
O projeto acadêmico UNILA foi implantado de forma progres-
siva, por uma estruturação pedagógica, cujo núcleo fundador foi ini-
cialmente o Instituto Mercosul de Estudos Avançados (IMEA)10, como
centro acadêmico-pedagógico coordenador de quatro Institutos trans-
disciplinares e oito Centros Interdisciplinares O IMEA se tornou a
primeira unidade da UNILA, não somente por ser a unidade precur-
sora, mas também para poder contribuir, com seus professores visitan-
tes, selecionados segundo critérios da CAPES, para preparar, em arti-
culação com os professores concursados da UNILA, para constituir as
disciplinas em suas respectivas áreas. Com tal objetivo foi organizado
também um seminário, com todos os professores da UNILA, presidi-
do pelo Reitor e coordenado pelo professor por Hernan Thomas, da
Universidad Nacional de Quilmes (Argentina), autor da mais abran-
gente proposta, na Consulta Internacional, que definiu a estrutura
acadêmica interdisciplinar da UNILA11.
A UNILA foi estruturada em quatro Institutos transdisciplinares
com dois Centros Interdisciplinares em cada Instituto: 1) O INSTITU-
TO LATINO-AMERICANO DE ARTE, CULTURA E HISTÓRIA
(ILAACH), e o Centro Interdisciplinar de Letras e Artes e Centro Interdis-
ciplinar de Antropologia e História; 2) INSTITUTO LATINO-AMERI-
CANO DE ECONOMIA, SOCIEDADE E POLÍTICA (ILAESP) e o
Centro Interdisciplinar de Economia e Sociedade e Centro Interdisciplinar

10 Um dos “desvios” graves da UNILA foi o abandono progressivo do papel histórico


e precursor do IMEA, que teve um papel decisivo na identidade da UNILA em suas
origens: desde a instalação do Conselho Consultivo Latino-americana do IMEA, da
promoção do I Colóquio Internacional “; “Educação para a Integração latino-ameri-
cana”, da instituição de uma quinzena de “Cátedras Latino-americanas”, do recru-
tamento, com apoio da CAPES de um grupo de professores-visitantes do IMEA; e
constituição de uma Biblioteca do IMEA, com recursos bibliográficos previstos nas
diferentes cátedras etc.
11 Hernan Thomas, doutor em Política Científica e Tecnológica. Diretor do Programa
de Estudios Sociologicos de la Ciencia y la Tecnologia (IEC -UN.Quilmes. Profesossor
Titular da Universidade de Quimes. Enviou uma da melhores propostas contidas no
livro – UNILA, Consulta Internacional - Como estructurar la Universidad Fede-
ral de la Integración Latinoamerica, Publicações IMEA 2, 2009, p.162-176.
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de Integração e Relações Internacionais; 3) INSTITUTO LATINO-AME-
RICANO DE CIÊNCIAS DA VIDA E DA NATUREZA (ILACVN),
e o Centro Interdisciplinar de Ciências da Vida e Centro Interdisciplinar
de Ciências da Natureza; 4) INSTITUTO LATINO-AMERICANO
DE TECNOLOGIA, INFRAESTRUTURA E TERRUTÓRIO (ILA-
TIT) e o Centro Interdisciplinar de Território, Arquitetura e Design e
Centro Interdisciplinar de Tecnologia e Infraestrutura.

UNILA: desvios precoces

Em 2013, o Vice-Reitor, Gerônimo de Sierra, em razão doença


arterial coronária grave, foi obrigado a solicitar demissão da UNILA,
sendo substituído por Nielsen de Paula Pires, professor da Universi-
dade de Brasília12. Este, por razões políticas, migrou para o Chile, e
depois fez sua formação pós-graduada na Europa, Estados Unidos e
México. Permaneceu na UNILA de 2013-2017. Seis meses depois, fui
obrigado também a pedir meu afastamento da Reitoria por razões de
saúde ligado à doença crônica da mácula ocular, obrigando-me a tra-
tamento periódico. Como segundo Reitor Pró-Tempore foi nomeado,
em agosto de 2013, Josué Modesto Passos Sobrinho13. Eram Reitor e

12 Nielsen Pires foi novo Vice-Reitor Pró-Tempore da (UNILA) de 2013 a 2017 e Rei-
tor Pró-Tempore em exercício, de fevereiro a junho de 2017. Professor adjunto IV da
Universidade de Brasília desde 1985 a 2019. Licenciou-se em Filosofia na Faculdade de
Filosofia Nossa Senhora Medianeira (São Paulo); no Chile. Licenciou-se em Ciências
del Desarrollo com menção em Sociologia pelo Instituto Latinoamericano de Doctrina
y Estudios Sociales (ILADES), Santiago, Chile (1973). Após ter sido preso no Estádio
Nacional, via Embaixada foi para a Bélgica, e fez máster em Promotion du Développe-
ment - Université de Anvers - Centre Universitaire de l´Etat (1975).) estudou ciências
sociais em Louvain; mais tarde, nos Estados Unidos, fez Master em História na ABD.
State University of New York at Stony Brook (1979). Negada a bolsa do CNPq para
doutorar-se, foi para o México, onde doutorou-se na UNAM e, desde 1981 até 1985,
foi professor e coordenador dos Programas de Mestrado e Doutorado na Faculdade de
Ciências Políticas y Sociales (FCPyS) da UNAM. Especialista na área de Ciência Políti-
ca, com ênfase em Política Latino-Americana, História Social e Política de América Lati-
na, Peace Research e Relações Internacionais, Integração Regional. Retornando ao Brasil
foi para a UnB e foi o primeiro diretor do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares
(CEAM) e, em 2020, foi distinguido como Professor-Emérito da UnB.
13 Modesto Sobrinho, era um Reitor experiente. Teve longa experiência de gestão: foi
Vice-Reitor da UFS por dois mandatos e também dois mandatos como Reitor da mes-
140

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Vice com perfis diferentes. O primeiro, fora Reitor por dois mandatos
da Universidade Federal de Sergipe (UFS), mas não tinha nenhuma
experiência prévia com a América Latina, enquanto Pires teve longa
vivência no Chile e no México. O novo Reitor, após sucessivas con-
versas comigo e a leitura dos livros e documentos sobre a UNILA,
declarou-se, em entrevista pública, um “entusiasta do projeto”. Ficou
no exercício do cargo, com seu Vice-Reitor Nielsen de Paula Pires,
até janeiro de 2017, quando pediu demissão para assumir a Secreta-
ria da Fazenda no Governo de Sergipe. Nesse interregno, ficou como
terceiro Reitor Pró-Tempore, por quatro meses, o Vice-Reitor Nielsen
de Paula Pires. O último Reitor Pró-Tempore na UNILA, Gustavo
Oliveira Vieira14, cumpriu um mandato-tampão, para organizar a pri-
meira eleição dos dirigentes regulares da Universidade. Embora ele
tenha feito uma gestão curta, tentou recuperar a valorização da inte-
gração latino-americana e caribenha em função de sua formação em
Direito Internacional. Afirmou publicamente que a fundação UNI-
LA era uma política de Estado (e não apenas de Governo). Algumas
iniciativas marcaram sua preocupação com a inserção da UNILA na
América Latina: em Brasília, apresentou a UNILA numa reunião com
Embaixadores de países da latino-americanos; no Parlasul, sediado em
Montevideo, fez uma exposição sobre a UNILA aos representantes do
Mercosul e participou como Reitor da UNILA da comemoração do
Centenário da Reforma Universitária (2018).

ma universidade, antes de ser nomeado Reitor Pró-Tempore da UNILA. Como Reitor


teve uma preocupação central com a estrutura interna da UNILA, especialmente,
com a organização dos técnicos administrativos, delegando os contatos externos para
seu Vice-Reitor. Foi um período de uma gestão padrão nas IFES, deixando para o
segundo plano a integração latino-americana ou delegando burocraticamente para o
seu Vice-Reitor. Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal
de Sergipe (1977), Mestrado em Ciências Econômicas (1983) e Doutorado (1992),
ambos pela Unicamp. Professor de Economia Regional na UFS. Secretário da Fazenda
do Estado do Sergipe.
14 Gustavo Oliveira Vieira, Bacharel (2002) e Mestre em direito (2005) pela UNIISC
(Santa Cruz, RS) e doutor em Direito (2012) pela UNISINOS), com sanduiche pela
University of Monitoba (Canada). Professor adjunto da UNILA no curso de Relações
Internacionais e Integração. Livro: Constitucionalismo na Mundialização: Desafio
e Perspectivas da Democracia e Direitos Humanos, UNIJUI, 2015; A formação do
Estado Democrático de Direito (2016).
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A missão atribuída à UNILA só poderia ser implementada por
um processo de construção lenta e consistente para progressivamente

contribuir para a integração solidária e a construção de socie-


dades na América Latina e Caribe mais justas, com equidade
econômica e social, por meio do conhecimento compartilhado
e da geração, transmissão, difusão e aplicação de conhecimen-
tos produzidos pelo ensino, a pesquisa e a extensão, integrada à
formação de cidadãos para o exercício acadêmico e profissional
e empenhados na busca de soluções democráticas aos problemas
latino-americanos (A Unila em construção, p. 9-10).

Mas essa implantação também depende de condições políticas,


econômicas e socioculturais na América Latina. A análise das causas des-
ses “desvios” é muito complexa por combinar fatores internos e externos.
Nessa primeira etapa, após ter sido realizad um conjunto de atividades
para marcar a natureza latino-americana da UNILA, havia duas priori-
dades: a primeira, urgentíssima, era definir a forma de selecionar os alu-
nos estrangeiros, tendo em vista que para os brasileiros havia o ENEM
(Exame Nacional do Ensino Médio) que era um nova forma de seleção
nacional centralizada pelo MEC, que rompeu com o regionalismo dos
tradicionais vestibulares; a segunda, era implementar os Institutos trans-
disciplinares e respectivos Centros Universitários interdisciplinares, com
os novos cursos. Esta segunda prioridade era mais complexa porque exigia
que, além dos Centros, podiam ser recrutados professores que pudessem
articular fora das fronteiras disciplinares cursos inovadores. Esse processo
supunha uma prática aberta das disciplinas com professores motivados e
competentes em inovar. Essa dificuldade na prática não conseguiu ainda
ser superada -- havendo inclusive muitos desvios -- e será provavelmente
um processo a ser reelaborado no médio prazo, desde que sejam construí-
dos progressivamente até sua maturação e sem serem bloqueadas por in-
teresses de professores e alunos habituados a disciplinaridade tradicional.
Isso implicará em discussões periódicas entre os professores e alunos e na
ampliação da prática da tutoria com os estudantes.
A essas dificuldades a serem enfrentadas internamente, não se
pode esquecer os efeitos externos mais próximos. Desde logo a pressão
de Itaipu em “controlar remotamente” a UNILA, porque imaginava

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equivocadamente que o fato de a Universidade ter sua sede em terreno
doado pela empresa binacional, isto geraria algum tipo de dependên-
cia. Outro exemplo foram os contatos diretos de funcionários de Itaipu
com o arquiteto Oscar Niemeyer em seu Escritório no Rio de Janeiro15,
sugerindo para que ele construísse um pórtico na entrada da UNILA
ou um prédio para biblioteca central. Essas conversas informais foram
desenvolvidas por funcionários de Itaipu à revelia dos dirigentes da
UNILA, e tiveram um efeito inesperado. Niemeyer aproveitou a opor-
tunidade para fazer um projeto completo para a Universidade. A época,
a discussão interna na UNILA sobre sua sede vislumbrava um projeto
mais realista por arquitetos menos ambiciosos em termos de custo da
obra e mais adequados com as características do clima de Foz de Iguaçu.
O resultado dessas conversas referidas foi que Niemeyer, sem qual-
quer consulta prévia ao MEC ou a Reitoria da UNILA, decidiu e conce-
beu um projeto completo para a nova Universidade. Alguns meses depois,
sem definir qualquer pauta prévia, Niemeyer convidou o Prefeito da Foz
de Iguaçu, Paulo Mac Donald Ghisi, o diretor brasileiro de Itaipu, Jorge
Samek, e a mim, então Reitor, a irmos ao seu Escritório no Rio de Janeiro
para a uma reunião. Ele pessoalmente não compareceu, mas um pequeno
grupo de colaboradores próximos apresentou-nos o projeto completo da
UNILA. A situação ficou constrangedora ao final da reunião, porque,
embora todos tenhamos ficado surpresos e deslumbrados com o ambi-
cioso projeto, nenhum de nós tinha qualquer competência para opinar
sobre sua viabilidade financeira. Soubemos ao final que a área construída
seria de 5.000 m2 com um valor estimado em 1 bilhão de reais. Recebi a
proposta, agradeci e perplexo encaminhei ao Ministro de Educação, Fer-
nando Haddad que, por sua vez, também surpreso encaminhou ao Presi-
dente da República, já que seu valor era muito alto e representava o dobro
do valor investido em outras Universidades do Programa REUNI16.

15 Na realidade a obra acabou ficando pela metade e foi suspensa porque as constru-
toras (Mendes Junior associado a Schahin) começaram a “demandar” pagamentos
suplementares. Enfim, em 2014, o meu sucessor, o Reitor Josué Modesto, apoiado
em parecer da Procuradoria Jurídica da UNILA, rejeitou como ilegítimo qualquer
pagamento extra. Em 2014, as construtoras interromperam a obra.
16 Como se tornou muito difícil ao Presidente Lula rejeitar o último e ambicioso
projeto de Oscar Niemeyer, a única saída viável foi dividir seu custo em duas parcelas
anuais de 500 milhões de reais.
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No ano de 2011 em que Dilma Rousseff assumiu a Presidência
da República, as IFES começaram a sofrer uma diminuição relativa de
financiamento comparado com as últimas gestões dos governos de Lula.
Durante o governo anterior o financiamento do Programa REUNI, do-
brou o número de matrículas do sistema nacional de Universidades Fe-
derais (IFES), com o crescimento exponencial de recursos para os pro-
gramas do MEC , da CAPES e do CNPq. A gestão da UNILA, entre
de 2010-2013 beneficiou-se também de uma fase de forte financiamen-
to público, associado à duplicação global da matrícula em universidades
públicas para estudantes brasileiros.
Com o início da crise do “impeachment” da Presidente Dilma
Rousseff, o peso dos fatores internos começou a crescer nas IFES, mes-
mo sem entrar nos detalhes da rearticulação política de centro direita
em torno do PMDB, incluindo alguns ministros tucanos e do candi-
dato Bolsonaro, aglutinando uma nova extrema direita integrada por
segmentos de camadas médias e por setores populares marginalizados.
Nesse novo contexto, a luta anticorrupção encontrou respaldo no Men-
salão Mineiro17 “inventado” pelo publicitário Marcos Valério para fi-
nanciar reeleição do ex-governador mineiro, Eduardo Azeredo18.
A radicalização da política no Brasil, foi crescente no período Te-
mer, sem que a corrupção abandonasse outros núcleos principais dos par-
tidos de centro e de direita. Recente decisão do colegiado Supremo Tri-
bunal Federal, confirmou a anulação da condenação de Lula e considerou
o juiz criminal do Paraná, Sergio Moro, “parcial” e “suspeito”, que gerou
580 dias de prisão firme nas dependências da Policia Federal daquele Es-
tado. Limitaremos nossa análise a essas indicações gerais para ressaltar que
esse período transformou o ambiente político nacional numa verdadeira
“caça às bruxas” onde os alvos foram calibrados em função de claros ob-
jetivos políticos antipetistas até que, mais tarde, atingisse outros matizes
político-ideológicos, do centro para a extrema-direita.

17 O Mensalão tucano, também denominado mensalão mineiro ou tucanoduto é o es-


cândalo de peculato e lavagem de dinheiro que ocorreu na campanha para reeleição de
Eduardo Azeredo (PSDB- MG), um dos fundadores e Presidente do PSDB nacional,
e que resultou na sua denúncia pelo Procurador da República ao STB.
18 Os dois parlamentares referidos acima são: o senador Álvaro Dias (Podemos) e o
deputado federal do PMDB, Sérgio Souza.
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Além dos condicionantes internos que reduziram os investi-
mentos do Programa do REUNI, a situação da economia começa se
deteriorar afetando os níveis anteriores de financiamento das IFES, o
que se agrava com a crise política “fabricada” para questionar a vitória
da primeira mulher reeleita para à Presidência da República do Brasil.
Em 2010, Dilma Rousseff vencera as eleições presidenciais no segundo
turno: 56,05% contra 43,95% do candidato tucano José Serra19. Na
reeleição de 2014, a diferença foi menor entre Dilma Rousseff 51,64%
e Aécio Neves 48,36 (2º turno).
Desde então os tucanos começaram a denunciar “fraude” no re-
sultado das eleições: foi feita a recontagem de votos que, após a confir-
mação da vitória de Dilma, evoluirá para o processo de impeachment.
Este processo político desencadeou-se em 9 de dezembro de 2015, in-
tensificou-se de forma crescente e a Presidente foi destituída, com o
voto majoritário do Senado, em 31 de agosto de 2016.
Nessa nova conjuntura, foram também crescendo na América
do Sul as contradições político-ideológicas entre os novos presidentes
eleitos que começam a derrotar a esquerda hegemônica nos principais
países. Até então, na Argentina, em 2015, Mauricio Macri, ex-prefeito
de Buenos da Aires, interrompeu 12 anos de kirchnerismo; no Chile,
a direita elege pela segunda vez, em 2018, o direitista Sebastian Piñera
que derrotou à Michelle Bachelet, do Partido Socialista do Chile; no
Paraguai, no primeiro trimestre de 2018, elegeu-se mais uma vez Presi-
dente Mario Abdo Benitez, do Partido Colorado, filho de um poderoso
militar da ditadura de mesmo nome; por sua vez no Uruguai – nas
eleições presidenciais do outubro de 2019, o candidato de oposição
Lacalle Pou, do Partido Nacional (Blanco), de centro direita, derrubou
a hegemonia da Frente Ampla, por 15 anos, com um resultado de quase
empate: o candidato Lacalle Pou obteve: 50,6 do votos (embora esta
tenha eleito a Intendente (Prefeita) de Montevideo, Carolina Cosse.)
Na Bolívia, após golpe que derrubou de Evo Morales do poder,
assumiu interinamente o governo de Jeanine Ánés, e, por atos de corrup-
ção e violência, ela e seus ministros, foram para o exterior antes da posse
para não correrem o risco de serem presos: Luís Arce, do Movimento ao

19 Ver: DIAS, M. A. R. Prefácio, op. cit., pp. 29-30.


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Socialismo (MAS), ex-ministro de Evo Morales foi eleito presidente por
ampla maioria de votos no primeiro turno e o ex-presidente Evo Morales
exilado na Argentina pode retornar ao seu país, atravessando a fronteira
acompanhado do Presidente argentino Alberto Fernandes.

UNILA: a urgência do retorno ao projeto fundador

No Brasil, estabeleceu-se um novo contexto institucional com mu-


danças profundas nos governos pós-impeachment da presidente Dilma
Rousseff: o vice Michel Temer, conspirou em causa própria na conjuntura
em que usurpou o mandato presidencial. Concluído o medíocre manda-
to, veio eleição do atual Presidente, o capitão Jair Bolsonaro, com o apoio
da direita liberal-conservadora, com militares de alta patente ocupando
funções estratégicas mais numerosas no Palácio Planalto que durante a
ditadura de 1964 e, com uma base militante, camadas da classe média
baixa e setores populares de extrema direita populista radical.
Nessa nova situação, a UNILA ficou muito visada, assim como
toda área de Educação, na medida que os dois primeiros Ministros da
Educação de Bolsonaro tiveram um desempenho desastroso, inverten-
do a tendência de expansão das IFES e desrespeitando a ordem indicada
pelos Conselhos Universitários na nomeação dos Reitores.
Um importante novo livro foi publicado, em 2020 em Buenos
Aires pela editora virtual do Conselho Latino-Americano de Ciências
Sociais (CLACSO), - UNILA: Uma Universidade Necessária - organi-
zado pelos professores por Manolita Correia Lima, Gisele Ricobom e
Ivor Prolom. O livro pelo seu conteúdo longitudinal contém análises
abrangentes, apoiadas em pesquisas sobre questões referentes ao perfil
da UNILA: desde o projeto original e até análises de gestões mais re-
centes em que o foco dominante foi de voltar-se para Foz de Iguaçu,
deixando num segundo plano a América Latina e Caribe.
Se não bastassem as duas tentativas frustradas de parlamentares
do Paraná em mudar a missão da Universidade: a primeira, de um sena-
dor “presidenciável”, em 2019, que proclamou que iria fazer uma “de-
vassa” na UNILA, o que redundou num rotundo fracasso com os dados
fornecidos pelo MEC e o TCU! O segundo, mais pretensioso, um de-
putado federal do Oeste da Paraná que teve a ousadia, em articulação
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com setor do agronegócio, de pretender transformar a UNILA numa
instituição voltada para o agronegócio, abandonando sua vocação legal
latino-americana. Ambas felizmente fracassaram em seus desideratos.
Embora esses riscos estejam até agora afastados, o risco interno atual é
maior na medida em que penetra no tecido acadêmico da Universida-
de: uma parte dos professores da UNILA, geralmente com doutorado,
vem contribuindo para transformar a nova Universidade no perfil do-
minante das IFES, voltadas para sua missão tradicional, afastando-a de
sua a missão transdisciplinar e bilíngue de formar acadêmicos abertos e
competentes para serem capazes de contribuir, de forma solidária, para
enfrentar os desafios latino-americanos.
O Prefácio de Marco Antônio R. Dias, fez uma análise da UNILA
integrando-a nas experiências “reformistas” inovadoras praticadas por
universidades inspiradas na Reforma de Córdoba (1918) até a Univer-
sidade das Nações Unidas de Tokio (1973)20. Na contextualização da
UNILA, o autor refere-se a importância da Reforma de Córdoba na
construção da nova Universidade, destacando o que a comunidade aca-
dêmica latino-americana deve ao movimento argentino:

1) A consolidação da ideia de autonomia universitária na região,


em oposição, na época, ao dogmatismo de um clero ainda afer-
rado em métodos inquisitoriais e de uma sociedade herdeira do
sistema colonial espanhol, hoje necessária contra a comercializa-

20 A Universidade das Nações Unidas foi fundada em Tokio, em 6 de dezembro 1973,


implementando uma Resolução 3081, da Assembleia Geral da ONU, através de pro-
posta de U Thant, Secretário Geral das Nações Unidas nesse período. Sua
originalidade, além de ser uma instituição global, não aceita estudantes, nem outorga
títulos, embora mantenha diversos centros de pesquisa em diferentes países, onde
professores e doutorado de outras universidades podem realizar suas (Ver no site os
títulos dos programas de pesquisa, os países onde estão localizados e a instituição
respectiva. Em Costa Rica, na cidade de Colon, foi fundada, em dezembro de 1980
pelas ONU a Universidad para la Paz (University for Peace) que em sua Carta pretende
“contribuir para a grande tarefa universal de educar para a paz, por meio do ensino, da
pesquisa, a formação pós-graduada e a difusão dos conhecimentos fundamentais para
o pleno desenvolvimento da pessoa humana e as sociedades através de conhecimento
interdisciplinar de todos os assuntos relacionados com a paz.” Mais recentemente foi
inaugurada a Unidade Operacional de Governança da Eletrônica da Universidade das
Nações Unidas (ONU-EGOV) no Centro de Pós-Graduação do Campus de Couros
da Universidade do Minho, em Guimarães (Portugal).
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ção e o pensamento único dominantes; 2)A necessidade de que
as instituições universitárias mantenham vínculos com a socie-
dade, tratem de problemas da sociedade, encontrem na socieda-
de a justificação principal de sua existência; 3) A democratização
através da gratuidade, considerada instrumento para ampliar o
acesso às universidades; 4) A antecipação dos movimentos de
integração do continente, com o apelo lançado pelos estudantes
de Córdoba a seus companheiros de toda a América21.

Destaca-se que, durante a III Conferência Regional da Educação


Superior da América Latina e do Caribe (CRES), promoção conjunta do
IESALC (UNESCO), da Universidade Nacional de Córdoba e das uni-
versidades argentinas, com a participação de instituições de toda a América
Latina, mais de 10.000 (dez mil) participantes adotaram uma declaração
em que, após ratificar os princípios adotados na Conferência Mundial de
Educação Superior (CMES) 1998, e na I CRES (Havana, 1996) e na II
CRES (Cartagena de Índias, 2008), reafirmaram o postulado da Educação
Superior como um bem público social, um direito humano e universal, e um
dever dos Estados. Estes princípios baseiam-se na profunda convicção de
que o acesso, uso e democratização do conhecimento é um bem social,
coletivo e estratégico, para garantir os direitos humanos básicos e essen-
ciais para o bem viver dos nossos povos, a construção de cidadania plena,
emancipação social e integração regional na América Latina e no Caribe22.
O autor, com seu amplo conhecimento das instituições universi-
tárias comparadas, ao avaliar o desenvolvimento da UNILA até 2018,
ressalta, que apesar das conhecidas dificuldades político-financeiras da
nova conjuntura, que

a UNILA se expandiu rapidamente. Em 2014, tinha 2.000 (dois


mil) alunos na graduação. Em 2018, já eram 4.869 (quatro mil,
oitocentos e sessenta e nove), em 29 (vinte e nove) cursos de
graduação, 10 (dez) de pós-graduação stricto sensu e 04 (quatro)
de pós-graduação lato--sensu, 362 (trezentos e sessenta e dois)
professores e 525 (quinhentos e vinte e cinco) técnico adminis-
trativos em educação23.

21 Ver: DIAS, M. A. R., Prefácio, op. cit., pp. 18-19.


22 Ver: DIAS, M. A. R., Prefácio, op. cit., pp. 18-19.
23 Ver: DIAS, M. A. R., Prefácio, op. cit., pp. 29-30.
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E conclui afirmando que

A internacionalização vista a partir da perspectiva do ensino supe-


rior como bem público que faz parte da essência da UNILA. Se-
gundo a Lei que a criou e seu primeiro Plano de Desenvolvimento
Institucional, a instituição deverá colaborar para reduzir os dese-
quilíbrios entre os países da região, por meio da transferência de
conhecimentos e de tecnologias, de uma atitude de entendimento
intercultural e de favorecimento do recrutamento de candidatos
dos países da região, sem discriminação de espécie alguma24.

A Introdução das organizadoras do livro foi relevante por con-


textualizar o projeto da UNILA. As autoras relembram que, dois anos
antes de falecer, o professor Darcy Ribeiro publicou um livro que elabo-
rava há três décadas. O título – O povo brasileiro: a formação e o sentido
do Brasil – revela a complexidade das questões tratadas na obra. Ex-
plorando argumentos de natureza predominantemente antropológica
e histórica, o conteúdo nos ajuda a compreender o sentido de o Brasil
investir em uma Universidade Federal orientada para e pela integração
regional. Em suas palavras, “nosso destino é nos unificarmos com todos
os latino-americanos [...], para fundarmos, tal como ocorre na comuni-
dade europeia, a Nação Latino-Americana [...]”. Darcy esclarece a tese
proposta afirmando que: “somos povos novos ainda na luta para nós
fazermos a nós mesmos como um gênero humano novo que nunca exis-
tiu antes”. Ao concluir, ele admite se tratar de uma “tarefa muito mais
difícil e penosa, mas também muito mais bela e desafiante” (RIBEIRO,
1995, p. 454-455). E as autoras acrescentam que “Quinze anos depois,
suas palavras traduzem não apenas as motivações que levaram à criação
da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) –
objeto de estudo de todos os capítulos deste livro –, mas a complexida-
de que caracteriza o seu projeto”25. E assim concluem:

Apesar das inquietações motivadoras dos textos antes mencio-


nados não serem prerrogativas da região latino-americana, aqui,
elas ganham densidade com a publicação de textos assinados
por respeitados acadêmicos oriundos da região: No final da dé-

24 Ver: Introdução, op. Cit., p. 39.


25 Ver UNILA, em construção, op. cit., p. 9.
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cada de 1990, a academia teve acesso a uma coletânea organi-
zada pelo professor Hélgio Trindade (UFRGS), sugestivamente
intitulada A universidade em ruínas na república dos professores
(1999). O texto ganha reconhecida penetração no ambiente
universitário brasileiro tanto pelas questões tratadas, quanto
pela credibilidade dos autores que assinaram os 16 (dezesseis)
capítulos que integram a obra.24 E finalmente, referem-se às au-
toras que “nos termos do professor Hélgio Trindade entre os
fundamentos de criação da UNILA, sobressai a necessidade de
repensar a Universidade em termos nacionais e transnacionais
devido à existência de desafios comuns que precisam ser supe-
rados em escala transfronteiriça nas próximas décadas, entre os
quais se destacam a redução das assimetrias sociais e a constru-
ção de modelos éticos de desenvolvimento capazes de permitir
o advento de sociedades mais sustentáveis, conciliando cresci-
mento econômico com equidade e equilíbrio ambiental26.

E observam ainda na Introdução que:

apesar do reduzido tempo de existência, o caráter disruptivo


presente no projeto de criação da instituição, sobretudo quan-
do se leva em conta a valorização crescente de uma concep-
ção de universidade hegemônica, tem justificado o interesse de
pesquisadores alinhados a distintos campos de conhecimento,
vinculados a diferentes grupos de pesquisa, instituições edu-
cacionais públicas e privadas, brasileiras e internacionais. Isso
explica a variedade de temas aprofundados e a diversidade de
abordagens adotadas27.

Na sequência, professor Pablo Gentili (UERJ) reúne os acadêmi-


cos latino-americanos – Hélgio Trindade (Universidade Federal do Rio
Grande do Sul); Edgardo Lander (Universidad Central de Venezuela);
Roberto Follari (Universidad Nacional de Cuyo); Marcela Mollis (Uni-
versidad de Buenos Aires); Roberto Leher (Universidade Federal do Rio
de Janeiro); Hugo Aboites (Universidad Autónoma Metropolitana-Xo-
chimilco); Pablo González Casanova (Universidad Autônoma do Mé-
xico) e, juntos, avançam nas reflexões sobre os rumos da universidade.

26 Ver UNILA, em construção, op. cit., p. 9.


27 Ver Introdução, op. Cit., pp. 41-42.
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Em mais esse texto, a metáfora utilizada traduz as preocupações com o
destino da Universidade Pública, Universidade na penumbra: neolibera-
lismo e reestruturação universitária28.
Nele se encontra também um artigo de Larissa Rosevics de Al-
meida, baseado em sua tese de doutorado defendida na UFRJ: Do
Mercosul à América Latina: Reflexões sobre a construção da UNILA29.
A tese é muito bem estruturada e documentada, mas gostaria de in-
troduzir um breve depoimento sobre as relações quase inexistentes
entre projeto da Universidade do Mercosul e o da UNILA. Após a
rejeição do projeto proposto pelo Ministério de Educação do Brasil,
da Universidade do Mercosul, fui convidado pelo então Secretário de
Educação Superior, Ronaldo Mota, para uma conversa em seu ga-
binete. Na época eu era membro da Câmara de Educação Superior
do Conselho Nacional de Educação (CNE). Fui ao seu encontro e
fiquei surpreso com a consulta: “Você se disporia a refletir sobre uma
nova alternativa para a Educação Superior do Mercosul face aos vetos
que inviabilizaram o projeto?”. Diante do inesperado desafio respondi
que poderia colaborar, visto que dali a algumas semanas haveria uma
reunião dos Ministros de Educação do Mercosul, em Assunção no
Paraguai (junho de 2007). Alguns dias depois voltei a encontrar com
o Secretário Mota, e ousei sugerir-lhe uma nova proposta que, ao meu
juízo, poderia ser eventualmente uma saída viável para superar o im-
passe: propus a criação de um Instituto Mercosul de Estudos Avançados
(IMEA), inspirado diretamente no instituto interdisciplinar que cria-
ra como Reitor da UFRGS, em 1994: o Instituto Latino-Americano de
Estudos Avançados (ILEA). A ideia era que o IMEA, a ser financiado
integralmente pelo Brasil, fosse uma instituição interdisciplinar, para
fazer o elo de atividades de pesquisa e pós-graduação entre Universi-
dades Públicas do Mercosul. Sua “missão seria de promover pesquisas
avançadas e formação pós-graduadas de estudantes e professores, prio-
ritariamente em parceria com as Universidades do Sul”.

28 GENTILI, P. Universidades na penumbra - neoliberalismo e reestruturação


universitária. São Paulo: Cortez, 2001.
29 ALMEIDA, L. R. O Mercosul Educacional e a criação da UNILA no início do
século XXI: por uma integração regional via Educação. [Tese de Doutorado]. Rio
de Janeiro: UFRJ, 2015.
151

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O Secretário acolheu bem minha sugestão levou ao Ministro Ha-
ddad. Este não só aprovou a ideia, mas, inclusive, convidou-me para
acompanhá-lo no avião da FAB à 32ª Reunião dos Ministros do Mer-
cosul, na qual poderia ser apresentada a nova proposta brasileira. Na
referida Reunião, após uma fala introdutória do Ministro Haddad, este
solicitou que eu apresentasse a ideia alternativa do IMEA. Para nossa
surpresa a proposta do novo Instituto foi discutida e acolhida com mui-
ta simpatia por todos os Ministros e seus representantes. A primeira
manifestação favorável a nova proposta veio da Presidente da Reunião,
a Ministra da Educação do Paraguai que havia vetado a Universidade
do Mercosul. A aprovação do IMEA foi se ampliando entre todos os
participantes da reunião e foram registradas em Ata e difundidas nas
diferentes instâncias da Mercosul30.
O Ministro Haddad voltou para Brasília muito satisfeito com o
resultado da Reunião dos Ministros de Educação e buscou encontrar-se
logo com o Presidente Lula para informar-lhe do sucesso da propos-
ta brasileira. Este, após cumprimentar o seu Ministro pelo resultado
da reunião, acrescentou essa frase inesperada: “O que eu quero agora
também é criar uma nova Universidade pública brasileira aberta para a
América Latina, mas agora financiada pelo Brasil”. Surpreso pela reação
do Presidente, o Ministro obviamente acatou a posição de Lula e telefo-
nou-me para informar o fato novo e convidou-me para integrar o grupo
que elaboraria um novo Projeto de Lei para a criação de uma Universi-
dade Federal brasileira, com vocação latino-americana: a UNILA.
Este depoimento pretende apenas contribuir para agregar algu-
mas informações que geralmente escapam dos documentos oficiais,
sem questionar a interpretação da autora sobre a relação entre a Uni-
versidade do Mercosul e a UNILA. Os fatos olhados a partir da pers-
pectiva do fracasso do projeto Mercosul e da emergência do projeto
da UNILA, os desdobramentos a partir da aprovação unânime do
30 De retorno ao Brasil, o IMEA teve simbolicamente um primeiro espaço próprio
junto ao PTI/ITAIPU e contou com o apoio imediato da UFPR, da Secretaria de
Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Estado do Paraná e de Itaipu. Nesse pe-
ríodo foi realizado a instalação do Conselho Consultivo Latino-americano do IMEA, o
I Colóquio Internacional: “Educação para a Integração Latino-americana, entre 19 e 22
de agosto de 2007, realizado no PTI, em Foz de Iguaçu, bem como foram fundadas a
série de Cátedras Latino-americanas, já mencionadas acima.
152

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IMEA na reunião em Assunção, tem como elo central o Presidente da
República. Na medida que o projeto da UNILA evolui noutra direção
– uma Universidade federal brasileira, com vocação latino-americana,
financiada pelo MEC – transformou-se em um novo projeto, em no-
vas bases conceituais e institucionais, agora concebido pela competên-
cia política do Presidente31.
Nessa perspectiva, como foi registrado no livro-memória – A
UNILA em construção32 – merece destaque este parágrafo do capítulo
intitulado: IMEA: um laboratório de ideias33:

A instalação do IMEA, em 19 agosto de 2009, na sede provisó-


ria da futura universidade, no Parque Tecnológico de Itaipu, em
Foz de Iguaçu, resultou de um trabalho precursor de instituições
que se engajaram no projeto de implantação de uma instituição
alternativa à Universidade do Mercosul. A proposta foi apresen-
tada por Trindade, em reunião realizada no Parque Tecnológico
de Itaipu (PTI) em meados de 200732. [...] A partir de setembro,
decidiu-se que o IMEA deveria evoluir para um Instituto Uni-
versitário. Posteriormente, o Projeto de Lei de criação da UNI-
LA foi encaminhado ao Congresso Nacional, em novembro de
2007, acompanhado de Exposição de Motivos, assinadas pelos
Ministros de Educação, Fernando Haddad e do Planejamento,
Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo Silva que tramitou na Câ-
mara de Deputados e Senado Federal durante dois anos. [...]

31 Este paragrafo extraído do artigo de Larissa R. de Almeida (Tese de Doutorado, p.


88) explicita claramente sua interpretação sobre a relação entre as duas instituições:
“A vontade política dos governos de Lula da Silva para com a Integração Sul-Ameri-
cana e a Educação foi essencial para que a ideia da “Universidade do Mercosul” fosse
concretizada por meios nacionais, com a UNILA. Dessa maneira, a universidade que
fora pensada para ampliar a integração dos povos do Mercosul teve sua implantação
garantida e seu âmbito ampliado para a América Latina. [...]. O estudo sobre a criação
da Unila revela que não basta determinado tema ser de interesse nacional do Estado,
é necessário que haja vontade política para que os projetos relacionados ao interesse
nacional possam ser viabilizados. Tais ações estão vinculadas ao interesse nacional bra-
sileiro, expresso na Constituição de 1988, de buscar a integração econômica, política,
social e cultural dos povos da América Latina.
32 Nessa primeira reunião estiveram presentes o Presidente CAPES, Jorge Guimarães,
o diretor do CNPQ, José Roberto Drugovich, a Secretária de Ciência, Tecnologia e
Educação Superior, Lygia Pupatto; e o Reitor da Universidade Unioeste, Alcibiades
Luiz Orlando e o Vice-Reitor da Universidade Estadual de Maringá, Mario Azevedo.
33 UNILA, em construção, op. cit., pp.143 e 146-149.
153

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Para assegurar o início de atividades precursoras do IMEA, desde
o segundo semestre de 2009, o Presidente da CI-UNILA contou
com o apoio do Reitor Zaki Axel Sobrinho da UFPR para que
a criação institucional do IMEA fosse submetida ao Conselho
Universitário de sua Universidade, A ousada ideia, foi aprovada,
por unanimidade, na sessão de 6 de agosto de 2009. do CON-
SUN da UFPR. Em consequência, o IMEA foi implantado, em
Foz de Iguaçu e o Reitor da UFPR, implantou o IMEA em Foz
de Iguaçu e designou como diretor a Hélgio Trindade. Assim
que, com a institucionalização do IMEA, como ente precursor
da futura UNILA, este por quase um semestre desenvolveu um
programa de atividades estratégicas para sua difusão, preparando
o advento da UNILA com a aprovação pelo Congresso Nacional
em fins de 2009, seguida da sanção presidencial da Lei, em Ses-
são Pública, em de janeiro de 2019.

Epílogo

A combinação entre essas duas tendências internas e externas


foram corroendo o tecido acadêmico original da UNILA, tendendo
“abrasileirar” a nova Universidade, focando a gestão nas relações desta
com a comunidade local/transfronteriça, priorizando a estrutura bu-
rocrática interna, abandonando, pouco a pouco o exercício da prática
pedagógica da transdisciplinaridade nos Institutos e Centros Interdis-
ciplinares. Embora não seja tarefa fácil construir-se um modelo arti-
culado de ensino, pesquisa e extensão do perfil da UNILA, a gestão
desse processo acadêmico tornou referência nas novas instituições do
século XXI (ver UNILA Consulta Internacional), sem deixar-se con-
duzir pela tendência inercial de parte do corpo docente e discente en-
trincheirados nos seus espaços disciplinares. No entanto, para atingir
tal patamar será preciso retomar a estratégia dos fundadores e do PDI
da UNILA, criando um fórum permanente de discussão, prática e
avaliação na busca desse objetivo. Essa era a vocação do IMEA como
laboratório de ideias. Outra perda de foco foi afastar-se da América
Latina como região em seu conjunto, limitando-se ao espaço territo-
rial da tríplice fronteira e desenvolvendo com os outros países uma
relação burocrática e epistolar secundarizando os intercâmbios diretos
com os outros países e suas universidades.
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Para restabelecer um retorno progressivo ao projeto original será
necessário que a comunidade universitária da UNILA se conscientize
da importância de refunda-la: avaliando seu desempenho ao longo
dessa década, reestruturando seus objetivos de curto e médio prazo
através da melhoria da qualidade acadêmica e social da UNILA ima-
ginando e construindo novas formas criativas de combinar ensino,
pesquisa e extensão. Como a Universidade não é uma “organização
complexa”, mas uma instituição social que se transforma e se renova em
contato com a sociedade que a mantém pública e gratuita, a UNILA
precisa repensar sua missão e no curto e médio prazo nos termos da lei
aprovada por unanimidade pelo Congresso Nacional. Visando atingir
tais objetivos, é preciso preparar-se internamente para esse novo desa-
fio, rediscutir com a participação da comunidade universitária, com
a participação de pares externos do Conselho Consultivo Latino-A-
mericano para reinventar novas formas de interação com a sociedade
local, regional e latino-americana e caribenha, rediscutindo estrate-
gicamente seu planejamento para a próxima década a partir do seu
marco legal. Esse é o grande desafio da UNILA na reafirmação de sua
vocação regional e na manutenção de sua vocação histórica solidária
com a América Latina e Caribe.

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UNIVERSIDADES EMERGENTES NO BRASIL (2003-2014):
DIÁLOGOS POSSÍVEIS COM O MOVIMENTO DE CÓRDOBA

Henrique Safady Maffei


Maria Elly Herz Genro

Introdução

Quem visita a Usina Binacional de Itaipu, em Foz do Iguaçu, avista


o esqueleto da construção abandonada de onde seria o futuro campus da
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). A obra,
em estágio estrutural avançado, com mais de 15 andares construídos, foi
abandonada com o corte de verbas que o país vem sofrendo desde o re-
crudescimento do neoliberalismo. Esse abandono é apenas uma pintura
trágica e representativa da atual conjuntura. Esses tempos sombrios pro-
clamam novos desafios para as universidades, espaços de pensar e repensar
o conhecimento/valores e suas responsabilidades frente a esse mundo.
Nesses tempos, buscar inspiração nas lutas do passado e suas con-
fluências com as novas experiências que se desenham, podem contribuir
num intenso movimento de pensar e problematizar o presente, gerando
novas possibilidades. Esses potenciais contra-hegemônicos ao instituído
se desvelam e abrem possibilidades de construir alternativas frente a esse
mundo complexo, repletos de tensionamentos políticos, econômicos,
sociais e culturais. Ao mesmo tempo em que confirmam que as respos-
tas e as pretensas soluções apresentadas pela lógica euro-norte-centrada
mostram-se cada vez mais insuficientes.
Essas reflexões formam parte dos diálogos do grupo de pesquisa do
PPGEDU-UFRGS Universidade, Formação Política e Bem Viver: Estudo
dos Projetos de Universidades Emergentes no Brasil, do qual somos integran-
tes. A pesquisa ora mencionada, investiga as universidades criadas entre
os anos de 2003-2014, focando em três instituições que surgiram nesse
período: Universidade da Fronteira Sul (UFFS), Universidade Federal do
Sul da Bahia (UFSB) e a UNILA. No marco do X Seminário Interna-

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cional de Educação Superior, realizado na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) em Porto Alegre, no mês de novembro de 2017,
realizamos uma conferência sobre essas experiências, que aqui relatamos.
Dentro dessa perspectiva, o presente texto debruça-se, por um lado,
sobre a atualidade do movimento pela reforma universitária ocorrido em
Córdoba, Argentina, em 1918, como uma das inspirações possíveis de
enfrentamento à sociedade neoliberal, que imprime a mercantilização da
Universidade. Sua experiência como pensamento em ação nos permite
alicerçar inspirações para repensar a Universidade Pública, consolidando
e potencializando experiências que se colocam na contramão das deman-
das mercadológicas. Por outro lado, assinalamos alguns elementos que o
projeto original da Universidade Federal da Integração Latino-Americana
(UNILA), uma das Universidades Emergentes no contexto latino-ameri-
cano nos últimos quinze anos, representa para pensá-la como laboratório
de experiências de ruptura nesses tempos sombrios.
Tecemos essa caminhada a partir do esboço do cenário de re-
crudescimento neoliberal que vem acometendo as Universidades nesse
início de século, objetivando sinalizar alguns desafios postos a estas ins-
tituições, principalmente no que tange ao esvaziamento de seu caráter
de bem público. Em seguida, visibilizamos a atualidade da reforma de
Córdoba articulando-a com a experiência da UNILA.

Neoliberalismo: esvaziamento da educação como um bem público

Muito tem se debatido nos meios políticos, econômicos e acadê-


micos sobre o neoliberalismo enquanto uma nova ordem econômica ou
ainda política. Em nossa caminhada, temos nos aproximado da ideia
de Pierre Dardot e Christian Laval (2016) de que o neoliberalismo vai
muito além de uma política econômica ou social: é uma “nova razão do
mundo, uma nova sociedade”. Compreender desta forma nos permite
pensar quais são as disputas que estão colocadas para a construção de
um outro mundo possível, mais equânime, justo, democrático. Por ou-
tro lado, ela serve de guarida contra uma falsa ideia de que, enquanto
uma fase do capitalismo, o neoliberalismo passará, assim que enfrentar
uma nova crise ou um novo governo progressista assumir. As dificulda-
des para superá-lo vão muito além dessa dimensão.
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Dardot e Laval (2016), ao responderem a alguns intelectuais que
preconizavam o “fim do neoliberalismo” depois da crise de 2008, afir-
mam que o efeito foi contrário: o neoliberalismo se fortaleceu com os
planos de austeridade adotados pelas nações sintonizadas com a lógica
da concorrência financeira. Analisando o processo de gênese do neolibe-
ralismo na América Latina, o sociólogo argentino Atílio Borón (1999),
indicava que o peso das grandes corporações no governo do mundo as-
sentava-se num triunfo do neoliberalismo mais ideológico e cultural do
que econômico, mais que isso, numa derrota sobre as forças populares.
Para Borón (1999), a consolidação neoliberal manifestava-se em quatro
dimensões, a saber: (a) a avassaladora tendência a mercantilização de
direitos, convertidos agora em “bens” ou “serviços”; (b) a “satanização”
do Estado; (c) o estabelecimento de um senso comum neoliberal; e, (d)
o convencimento de amplíssimos setores da sociedade de que não existe
outra alternativa.
Podemos perceber que essas quatro dimensões propostas por Bo-
rón manifestam-se no Brasil, com diferentes ênfases nos vários governos
desde o início da década de 1990. Pensamos que isso aconteceu para
muito além da vontade do governo. Mas, isso ocorreu porque mudan-
ças profundas na sociedade estavam em curso desde o surgimento do
neoliberalismo enquanto proposta política e econômica. Dardot e Laval
(2016) sustentam que antes de ser uma ideologia ou uma política eco-
nômica, o neoliberalismo é uma racionalidade que busca organizar não
só a ação dos governantes, mas sobretudo a conduta dos governados:

A racionalidade neoliberal tem como característica principal a


generalização da concorrência como norma de conduta e da em-
presa como modo de subjetivação. O termo racionalidade não é
empregado aqui como um eufemismo que nos permite evitar a
palavra “capitalismo”. O neoliberalismo é a razão do capitalismo
contemporâneo, de um capitalismo desimpedido de suas referên-
cias arcaizantes e plenamente assumido como construção histó-
rica e norma geral de vida. O neoliberalismo pode ser definido
como o conjunto de discursos, práticas e dispositivos que deter-
minam um novo modo de governo dos homens segundo o prin-
cípio universal da concorrência (DARDOT e LAVAL, 2016, p.
17, grifos originais).

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O “princípio universal da concorrência” talvez seja o tentáculo
mais avassalador da racionalidade neoliberal. Passamos a encarar todas
nossas relações como parte da concorrência e enxergar o outro como
um competidor que deve ser derrotado para que nós tenhamos sucesso.
Esse elemento foi sendo construído nos últimos trinta anos e, hoje, com
o advento da alta tecnologia ao alcance da grande maioria das pessoas,
tem se aprofundado. A ideia de que estamos todos num mercado de
relações – não só com fins econômicos – e que estamos a disputar com
todos ao nosso redor foi cada vez mais sendo introjetada nos subcons-
cientes de corações e almas e passamos a nos perceber como empresas
que disputam seu lugar ao sol1.
Seguindo a ideia dos autores, constatamos que o neoliberalismo
se instalou sobre dois pilares: o de que o capitalismo inaugurou um pe-
ríodo permanente de profundas transformações na ordem econômica e
ao mesmo tempo que os homens não se adaptam naturalmente a essa
ordem de mercado cambiante. É para adaptar o homem2 a essa nova
ordem que se fez e se faz necessário mudar o próprio homem, para que se
construa um novo equilíbrio entre a forma como ele vive e se submete
às condições econômicas (DARDOT e LAVAL, 2016).
Para a imposição de sua ideologia, a lógica neoliberal necessita
que esse novo homem seja pensado como empreendedor. Mais do que
na vida econômica, esse empreendedorismo é pensado como a capaci-
dade de cada sujeito “se tornar empreendedor nos diversos aspectos de
sua vida ou até mesmo de ser o empreendedor de sua vida” (DARDOT

1 Nas páginas 18 e 19 do livro mencionado, Dardot e Laval, munidos do conceito de


“governamentalidade” e das “técnicas de si” utilizados por Michel Foucault, debatem
como o governo sobre as pessoas é usado para impor a nova racionalidade e concluem:
“governar é conduzir a conduta dos homens, desde que se especifique que essa condu-
ta é tanto aquela que se tem para consigo mesmo quanto aquela que se tem para com
os outros. É nisso que o governo requer liberdade como condição de possibilidade: go-
vernar não é governar contra a liberdade ou a despeito da liberdade, mas governar pela
liberdade, isso é, agir ativamente no espaço de liberdade dado aos indivíduos para que
esses venham a conformar-se por si mesmos a certas normas” (2016, p. 18-19, grifos
originais). Pensamos que esses conceitos são importantes para se perceber a atuação da
racionalidade neoliberal sobre as pessoas, mas por razões de espaço não levantaremos
neste texto essa discussão.
2 Neste texto utilizamos o termo homem recorridamente para marcar a designação neoli-
beral masculina, heterossexual, branca, católica-protestante como seu padrão normativo.
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e LAVAL, 2016, p. 151). Esse é o aspecto do triunfo ideológico neo-
liberal mais marcante para a sociedade atual: o dogma de que está na
capacidade individual de ser empreendedor de si mesmo toda a respon-
sabilidade de aceder às necessidades primordiais da vida humana. Se o
homem empreendedor falha enquanto tal, é por sua única responsabili-
dade e inteira incapacidade.
Nesta sociedade neoliberal, ainda percebemos a avassaladora ten-
dência a mercantilização de direitos, convertidos agora em “bens” ou
“serviços” (BORÓN, 1999). É o caso da Educação Pública: ela é pauta-
da pelas grandes corporações e organismos internacionais (Banco Mun-
dial e OCDE) como parte do mercado e não mais como um direito ou
campo de formação cultural de uma comunidade – ela passa a ser en-
tendida como treinamento de habilidades demandadas pelo mercado,
garantindo a empregabilidade do sujeito (BORÓN, 2008).
No Brasil, a PEC 95, que congela o investimento público (referido
como gasto) por vinte anos, aprofunda a retirada do Estado como garan-
tidor do atendimento aos direitos dos cidadãos. Uma vez que os recursos
disponíveis para as áreas sociais vão perdendo seu valor relativo, a asfixia
dos setores públicos vai aprofundando o sucateamento e a consequente
ausência de direitos. Paralelo a isso, abre-se espaço e estimula-se o cresci-
mento da iniciativa privada para suprir a demanda necessária do acesso à
Saúde e Educação. Pelo menos para quem possa pagar.
Essa nefasta tendência à mercantilização vai cada vez mais produ-
zindo um esvaziamento do sentido que a Universidade, numa perspec-
tiva de formação ético-política, deveria cumprir. Ao sobressaltar como
objetivo formativo central a simples formação técnica para o mercado,
o neoliberalismo a esvazia de conteúdo social e político, de (re)forma-
tivo cultural. Para Ernani Fiori, “a cultura é a alma da civilização, e o
centro consciente de elaboração e renovação da cultura é a Universida-
de” (FIORI, 1992, p. 21). É essa a função primada da Universidade e ao
tirar seu papel de elaborador e renovador da cultura e transformá-lo em
preparador técnico de empreendedores esvazia-se seu conteúdo, mesmo
seu significado enquanto instituição.
Mesmo existindo diferentes leituras sobre o que tem representado
a racionalidade neoliberal para as universidades, há um elemento em co-
mum de que há uma mudança de seu significado, se não em todas, em
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uma parcela das instituições. Para Martins (2018), há um embate entre
dois modelos, o intelectual, vinculado mais a uma Universidade alicerça-
da no projeto de Humboldt, e a gerencial, que tem atendido aos ditamos
do Banco Mundial e outros organismos internacionais e intelectuais que
defendem a Universidade com perfil empresarial com foco em forma-
ção para o mercado. Para Silva Jr. e Sguissardi (2013), as Instituições de
Educação Superior (IES) no Brasil tem passado a ocupar um novo lugar
social e econômico, fragilizando sua função social, empresariando o saber
e tornando-se meras executoras de políticas compensatórias.
Encontrando elementos que unificam essas linhas de pensamen-
to, podemos assinalar que a estratégia neoliberal constitui-se em retirar
o sentido de integração comunitária inerente à Universidade – de pen-
sar e repensar a vida da comunidade a partir de seu artefato cultural para
a construção de um bem viver para sua civilização – e, ao esvaziar seu
sentido, construir uma Instituição que privilegie o empreendedorismo
dos mais capazes e aptos para que esses vivam melhor, em detrimento e
às escusas de sua civilização.
Em contrapartida, a ideia da Educação Superior como bem pú-
blico diz respeito, introdutoriamente, a construção de sentidos nos pro-
cessos formativos e na produção de conhecimentos universitários para
além dos interesses particulares. Assim, estabelecendo pontes entre o
fazer e as necessidades sociais e políticas, a Universidade, enquanto ins-
tituição social, tem o compromisso com a democratização da sociedade
e seus múltiplos espaço-tempo-estruturais3 e instituições. Sua relevância
social implica pensar projetos de país, objetivando desconstruir dife-
rentes forma de dominação, exclusões e práticas de desvalorização da
vida, num movimento aberto de estudos, debates e interlocuções com
os diferentes segmentos da sociedade.

3 Santos (2018) define seis espaço-tempo estruturais (doméstico, produção, mercado,


comunidade, cidadania e o espaço mundial) como um mapa de leitura das sociedades
capitalistas. Cada lugar estrutural define-se como um conjunto de relações sociais,
com suas contradições e tendo sua especificidade assentada na forma de troca desigual,
tendo assim, cada espaço uma forma específica de poder. Por exemplo, no espaço
doméstico é o patriarcado. Cada espaço estrutural tem uma relativa autonomia, mas
também se articula com as relações sociais dos outros espaços, operando sempre em
constelações, em que cada dimensão de cada espaço estrutural pode estar presente em
outra dimensão correspondente de outro espaço estrutural.
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A ideia de bem público significa projetar a Universidade para to-
dos, inclusiva, democrática, num movimento de constituição de quali-
dade social. Construção e reinvenção da cultura levando em conta suas
experiências históricas para projetar o futuro.

A universidade do século XXI será certamente menos hegemô-


nica, mas não menos necessária. A sua especificidade enquanto
bem público reside em ser ela a instituição que liga o presente ao
médio e longo prazo pelos conhecimentos e pela formação que
produz e pelo espaço público de discussão aberta e crítica que
constitui (SANTOS, 2004, p. 114).

A Universidade como bem público, enquanto espaço de forma-


ção cultural, deve buscar uma racionalidade ampliada, para além das
especialidades do mundo acadêmico, envolvendo espaços de reflexões
ético-políticas para compreensão e atuação no mundo. Um conheci-
mento prudente para uma vida decente, como refere Santos (2004).
Essa formação cultural requer uma sensibilidade ética que diz respeito a
necessidade de potencializar solidariedades, empatia, respeito a diversi-
dade epistemológica, reciprocidade e outros valores/conceitos que dire-
cionam nosso olhar em busca da equidade, da igualdade e da liberdade.
Talvez aqui, nessa compreensão de Universidade como bem público,
resida um dos mais importantes elementos de atualidade e de conexão
dos reformistas de Córdoba com as lutas do presente.

A Inspiração do movimento de Córdoba no fortalecimento da


ideia de uma Universidade Latino-Americana

A reforma universitária de Córdoba foi uma conquista da luta


dos estudantes daquela cidade argentina. Compreendermos a confluên-
cia de diferentes aspectos sociais e políticos naquela localidade no cená-
rio histórico daquele ano é importante para entendermos o processo e
ao mesmo tempo sua atualidade.
No plano internacional, 1918 marcava o auge da Primeira Guer-
ra Mundial que representou a falência da belle époque e da crença no
liberalismo e no laissez-faire como possibilidades e cume da evolução
humana. Aquela guerra inaugurava uma descrença e uma desilusão
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profunda de que o capitalismo podia assegurar uma vida de qualidade
para a maioria das pessoas. A Revolução Russa, que recém completava
alguns meses quando da eclosão da luta cordobesa, era apenas mais um
elemento dessa desilusão capitalista e representava que era possível o
assalto ao poder feito por operários, camponeses e soldados contra um
dos regimes mais autoritários, feudais e brutais da Eurásia.
No plano nacional argentino, um governo comprometido com
reformas modernizantes e o fortalecimento das cidades servia de pano
de fundo para a atuação de filhos de imigrantes – muitos deles anar-
quistas e socialistas – que reivindicavam conquistas sociais para o povo,
ao mesmo tempo que se consolidava uma classe média numerosa. Em
Córdoba, dissonante com as outras universidades do país, a Universi-
dade mantinha uma estrutura e uma pedagogia escolástica, consoante
com a época colonial.
É nesse cenário que se gesta a luta dos jovens de Córdoba, onde
“o movimento reformista ganhou corpo exatamente por contrapor-se a
uma instituição mais tradicional e distante dos ideais defendidos pelos
estudantes” (FREITAS NETO, 2011, p. 64). A contenda iniciou com
a eleição para a reitoria, em que o candidato defendido pelos estudantes
ficou em último lugar e o vencedor era vinculado aos setores mais con-
servadores da comunidade. Os jovens, então, ocuparam a Universidade
e iniciaram uma greve. A luta seguiu por alguns meses até que um con-
gresso de estudantes – que criou a Federação de Universitários da Ar-
gentina (FUA) – definiu alguns pontos da reivindicação: coparticipação
dos estudantes na estrutura administrativa; participação livre nas aulas;
extensão da Universidade para além dos seus limites; autonomia uni-
versitária; universidade aberta ao povo, entre outros (FREITAS NETO,
2011, p. 67). Em sua luta de 1918,

os estudantes de Córdoba apelavam aos estudantes de toda América


do Sul para que observassem como as demandas eram similares,
assim como a tarefa que se impunha de reformar as universidades a
partir de uma bandeira comum: mudar os mecanismos administra-
tivos, o ensino e a prática docente (FREITAS NETO, 2011, p. 67).

Pensar a Universidade latino-americana, buscando uma identi-


dade própria, como uma tarefa comum dos universitários do continen-
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te se traduz como um legado do movimento cordobês. Nesse sentido,
necessitamos reinventar o governo da Universidade na perspectiva de
aprofundar a democratização de sua institucionalidade, movimento
importante que retrata sua atualidade. Pensar o aprofundamento da de-
mocracia na Universidade, com a participação dos diferentes segmentos
e construir espaços de estudo e reflexões sobre autonomia, se contrapõe
a mercantilização e a lógica do empreendedorismo individual como ra-
zão de ser da Universidade.
Outro elemento importante para pensar a atualidade da Refor-
ma Universitária de Córdoba é entender que a Universidade deve estar
atenta ao seu tempo, expressando suas pluralidades, aberta ao povo e
disposta a um diálogo de saberes, buscando responder as demandas de
sua comunidade, olhando para o futuro e lançando as bases da constru-
ção de um outro mundo possível. Este, pressupõe na nossa compreen-
são, revisitar as múltiplas relações sociais e seus modos de vida, como
um processo a ser construído, também, no cotidiano institucional.
As reivindicações do movimento de Córdoba caminham no
sentido de pensar a universidade como uma instituição democráti-
ca, decolonial, com um diálogo permanentemente estabelecido com
a sociedade ao seu redor. Suas contribuições, seus alcances contempo-
râneos, estão presentes em produções de diferentes pesquisadores da
América Latina, como Aboites, Landinelli e Tunermann, entre outros.

La universidad como la pensaron los estuddiantes de hace no-


venta años sigue siendo, para muchos movimientos estudantiles
del presente, el referente fundamental de su futuro: autónoma,
de libre acceso, gratuita, con libertad de cátedra e investigación,
como espacio de ciencia e pensamiento crítico. Participacion de
los estudiantes (gobierno) e uma missão social frente ao proble-
mas y necesidades de conocimiento de los pueblos da America
Latina (ABOITES, 2010, p. 8).

Um dos aspectos referidos por Landinelli, é sobre a potência his-


tórica de Córdoba ao impulsionar, na atualidade, uma vida universitária
deliberativa e crítica, alimentada pelo interesse público na democracia,
na desconstrução do ódio e da indiferença social. Esta dinâmica tem
relação com a ideia de autonomia, para além do aspecto jurídico, mas

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como um processo de renovação dos fins da Universidade, no fortaleci-
mento de sua missão pública.

La autonomía universitaria debía ser más que un resguardo fren-


te a los vaivenes de la vida política de los países y las pressiones
ajenas al mundo académico, debía ser un recurso para legitimar
una redefinición de la misión pública de la universidad, destinada
a superar sus rasgos de ámbito académico ensimismado, de cor-
poración enclaustrada, para involucrarla en la resolución de los
más importantes problemas nacionales, conjugando el derecho a
gobernarse por sí misma con una misión pública signada por el
compromiso con los assuntos de interés general, la justicia social,
el bienestar común, el respeto a los derechos humanos y la defensa
de las libertades públicas (LANDINELLI, 2018, p. 229).

Outra contribuição relevante deste pesquisador uruguaio, vin-


culado com a Universidad de la Republica do Uruguai (UDELAR), diz
respeito aos limites do reformismo de Córdoba, já que muitas das fina-
lidades acadêmicas implícitas na reforma não se concretizaram. Muitas
práticas científicas e pedagógicas continuam coladas a processos rotinei-
ros, predominantemente ligados ao cultivo da formação de profissionais
liberais, mais tradicionais, desconectados de uma formação ético-políti-
ca. É um desafio pensar a Universidade na América Latina, seu compro-
misso social no contexto de uma Universidade, ainda marcadamente,
profissional e elitista. Outro limite importante está vinculado com a
invisibilidade das temáticas de gênero e a precária participação de mu-
lheres estudantes nos diferentes congressos de estudantes na América
Latina, anteriores ao movimento de 1918 de Córdoba.
Essas tarefas continuam em voga para a Universidade atual, po-
rém, agora, mais do que antes, a luta contra a mercantilização e a
defesa como um bem público assumem um lugar de relevância. Nesse
sentido, pensar a luta dos estudantes de cem anos atrás como inspi-
ração reivindicatória para o presente dialoga com as necessidades do
movimento da contemporaneidade. Este pode se processar pela via da
reivindicação, mas também é relevante olhar para projetos em curso
que atualizam e emergem para o presente as reivindicações de outrora.
Nesse sentido, discutimos o caso da Universidade Federal da Integra-
ção Latino-Americana (UNILA).
166

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O projeto original da UNILA e suas interfaces com o Movimento
de Córdoba

A UNILA tem seu projeto iniciado em 2007, sua aprovação le-


gal em 2009 e o início das ações em 2010. Ela foi implantada em Foz
do Iguaçu, situada na tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Pa-
raguai. Sua territorialidade expressa o forte desejo de consolidar uma
experiência educacional desde a União das Universidades da América
Latina e do Caribe (UDUAL) em 1967. Foi também proposta no
contexto do Mercosul, tendo como missão a integração latino-ameri-
cana reveladora da diversidade cultural de nossos povos.
Sua estruturação foi feita de forma participativa, com envol-
vimento de diferentes protagonistas da integração latino-americana.
Para pensar a estrutura pedagógica e administrativa, foi criada uma
comissão que pensou as bases que foram depois discutidas num pro-
cesso que “culminou na realização de um Seminário Aberto para a
Discussão do Projeto Pedagógico da UNILA, ocorrido nos dias 23 e
24 de maio de 2012” (UNILA, 2013a, p. 7). Uma nova comissão foi
criada com o objetivo de elaborar o Plano de Desenvolvimento Insti-
tucional (PDI) e contou com a presença de pesquisadores indicados
pela comunidade universitária que conduziram estudos e debates so-
bre a ideia desta universidade em construção, pensando sua estrutura
acadêmica e seu processo de integração. Além disso, “durante o pro-
cesso de elaboração do documento, foram realizadas três consultas pú-
blicas, por meio eletrônico, quando a comunidade universitária pode
conhecer o documento elaborado pela comissão e enviar sugestões e
críticas” (UNILA, 2013a, p. 7).
Um dos grandes diferenciais da Universidade para com as ou-
tras federais é que a metade das vagas discentes são destinadas a estu-
dantes da América Latina e do Caribe, bem como uma parte do corpo
docente que é composto por professores da região com os mesmos
direitos e regime de trabalho dos professores brasileiros. Para atender
essa diversidade, todos os cursos preveem o bilinguismo.
Um outro grande diferencial é o Ciclo Comum de Estudos que
é obrigatório para todos os cursos. Ele “visa incentivar o pensamento
crítico, o bilinguismo e um conhecimento básico da região latino-ame-
167

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ricana e caribenha” (UNILA, 2013b, p. 3). A ideia desse ciclo, comum
a todos ingressantes na UNILA foi concebido já durante os debates
da comissão de implantação da Universidade e pretende introduzir a
integralidade e a interdisciplinaridade já no primeiro semestre. Basi-
camente, trabalha-se: a epistemologia e a metodologia, oportunizando
um horizonte estratégico para os problemas; o bilinguismo, explorando
a diversidade cultural e linguística; e o conhecimento básico sobre a
América Latina, compartilhando conhecimentos interdisciplinares so-
bre a região (UNILA, 2013b, p. 5).
Acreditamos que a ideia de um ciclo comum, que atravessa todos
os cursos e apresenta fundamentos filosóficos, históricos e metodológicos
contribui para uma formação ético-política que, se relevante em outros
tempos, faz-se tão necessária em tempos neoliberais. Nessa concepção,
nos aproximamos de Severino (2012) ao propor que a formação do pro-
fissional na Universidade deve processar-se em três dimensões: a cien-
tífica, se apropriando dos conhecimentos de seu campo de trabalho; a
técnica, dominando um conjunto de habilidades para a execução de seu
trabalho; e a cultural, desenvolvendo uma sensibilidade aos valores cul-
turais, inserindo-se ética e politicamente na sociedade histórica (SEVE-
RINO, 2012). Essa concepção vai de encontro ao que propõe o Banco
Mundial e apregoa a sociedade neoliberal que pressupõem um sujeito
empreendedor cuja única meta de vida é atingir níveis de produção em
troca de incremento em seu capital (DARDOT e LAVAL, 2016).
Esta concepção, aliada a uma prática de parceria intelectual e
coautoria, também está presente nos princípios da UNILA, apresenta-
dos em seu PDI:

São princípios da universidade a interdisciplinaridade, a inter-


culturalidade, o bilinguismo e o multilinguismo, a integração
solidária e a gestão democrática. Para que as temáticas latino-a-
mericanas e caribenhas sejam exploradas com consistência, nas
diversas carreiras, a UNILA debaterá a ideia de integração entre
os países da região, ancorando-se no respeito mútuo e na von-
tade comum de aprender e de pesquisar. Debatendo conheci-
mentos historicamente acumulados, o professor trabalhará com
o aluno na perspectiva de parceria intelectual e coautoria do co-
nhecimento (UNILA, 2013a, p. 15).

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A UNILA, em sua gênese, também apontava como missão a for-
mação em consonância com as tarefas históricas colocadas para a Amé-
rica Latina, conforme aponta o PDI:

Somente com um saber acadêmico sólido e com a consciência do


processo histórico da América Latina e Caribe, marcado pela do-
minação cultural, econômica e social, o egresso tornar-se-á sujeito
do processo de transformação da região, uma região que, parafra-
seando Aníbal Quijano, encontra-se presa à lógica da colonização
do poder e do conhecimento, permeado pelo eurocentrismo. Para
romper com esta dita lógica da colonização do conhecimento e
buscar, assim, a emancipação da América Latina e Caribe, faz-se
imprescindível questionar os conteúdos sob novos parâmetros,
novas perspectivas, gerando novas soluções e valorizando os seres
humanos, sem distinções de nenhum tipo (UNILA, 2013a, p. 13).

Faz-se assim necessário reafirmar a relevância da UNILA enquan-


to projeto em construção de integração dos saberes latino-americanos
que necessita ser fomentado e apoiado para que novos paradigmas se-
jam criados na Educação Superior, oportunizando novas caminhadas
que rompam com a colonialidade euro-norte-centrada, com a mercan-
tilização neoliberal e outras diversas formas de opressão tão marcadas
no nosso mundo contemporâneo.
A Universidade latino-americana pode ter um papel mais protagô-
nico na formação e reconfiguração cultural que aponte novas referências
institucionais, no resgate da ancestralidade do nosso pensamento e ao
mesmo tempo oportunize a criatividade social, política e cultural de nossa
América. Nesse sentido, as possibilidades abertas através da experiência
da UNILA, como a interculturalidade, a integração regional, a interdis-
ciplinaridade e o desenvolvimento sustentável, devem ser preservadas e
defendidas diante dos ataques que pretendem desconfigurar sua identida-
de. Também consideramos necessário o aprimoramento constante dessas
experiências em curso, sabedores de que a Universidade numa perspectiva
de bem viver envolve articulação entre qualidade acadêmica e social, le-
vando em conta a diversidade epistemológica e cultural do mundo. Es-
ses elementos trazidos pela emergência de uma Universidade com outros
princípios que não os de uma Universidade tradicional instauram

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brechas decoloniais que podem abrir-se na Educação para de-
mocratizá-la, não em um sentido eurocêntrico, colonial-mo-
derno e liberal da ideia de democratização, mas sim como
resultado de uma crítica histórica levada a cabo a partir da
perspectiva e dos problemas de nosso próprio continente (SE-
GATO, 2012, p. 51 tradução livre).

Os exemplos de produção e de organização mencionados an-


teriormente, também corroboram com a ideia de Corazza (2010) de
que há uma preocupação das Universidades com a integração latino-a-
mericana, e a UNILA “representa um novo marco nesse processo pois
foi criada com a missão específica de promovê-la” (CORAZZA, 2010,
p.17). E é nesse marco, talvez, que podemos encontrar o grande vínculo
com a luta de Córdoba – “de que nossas verdades, por mais dolorosas
que sejam, são as de todo o continente” (CÓRDOBA, 1918, p. 2).
Dessa forma, a luta dos reformistas de Córdoba segue sendo um grande
desafio em construção.

Considerações finais

Nossas Universidades ainda têm uma enorme caminhada a per-


correr para uma integração latino-americana. Num marco de ataques
e fortalecimento da globalização neoliberal, elas necessitam de uma
grande reforma na esteira da luta de Córdoba. Também pensando na
urgência da reforma, Boaventura de Souza Santos aponta a necessi-
dade de fortalecer a legitimidade da Universidade Pública, na contra-
corrente da racionalidade neoliberal para pensar uma globalização al-
ternativa, sem desperdício da multiplicidade de experiências presentes
no mundo (SANTOS, 2004).
Continuar o legado das lutas dos reformistas significa provocar
brechas que rompam e questionem a mercantilização da Educação e
resgatem o sentido da Universidade como bem público e formador
cultural. Pensamos que no caso da UNILA, ao integrar as diversas
culturas brasileira, paraguaia e argentina e também a indígena, opor-
tuniza-se alcançar uma ecologia de saberes locais e latino-americanos,
que contribuem para a ruptura com a lógica mercadológica dos or-
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ganismos internacionais e dos projetos de governos comprometidos
com as exigências do mercado.
Desde os tempos de Simón Bolívar, a construção da unidade
latino-americana, não como uma grandeza geográfica, mas como uma
unidade de suas diversidades, é um projeto em construção. A Nuestra
América só será possível com a descolonização do saber, do poder e
do ser, que nos aponta Boaventura de Souza Santos. A experiências
como a da UNILA nos ajudam a caminhar nesse sentido, na trilha dos
reformistas – e porque não dizer revolucionários – de Córdoba que
defendiam que:

En la Universidad Nacional de Córdoba y en esta ciudad no se


han presenciado desórdenes; se ha contemplado y se contempla
el nacimiento de una verdadera revolución que ha de agrupar
bien pronto bajo su bandera a todos los hombres libres del con-
tinente (CÓRDOBA, 1918, p.2)

A formação de seres humanos comprometidos com a liberdade,


não a mera liberdade de mercado, mas uma liberdade substancial co-
nectada com a reinvenção permanente de um modo de vida de digni-
dade para todos os seres humanos, pressupõe um sujeito político em
movimento que articule interesses individuais com interesse comum,
não subsumindo no deserto de precariedade humana. Esta complexa
formação ético-política caminha no horizonte da afirmação da demo-
cracia como um valor e um conceito (modo de vida) que promova di-
reitos, inclusão, participação, enfim diversidade epistemológica, social
e política na contraposição à coisificação do humano através do enqua-
dramento sistêmico contemporâneo.
O fazer da Universidade, na ruptura com o instituído, significa
dar visibilidade à multiplicidade de experiências contra-hegemônicas,
mas também ousar o exercício da imaginação em que a autonomia in-
telectual (relativa, não absoluta) possa nos conectar com os limites da
existência e de sua imprevisibilidade. Isto significa um reconhecimen-
to da condição humana, para além de sujeitos sujeitados, da nossa
condição de sujeitos capazes de instaurar novos começos.
Nesta perspectiva, revisitar Córdoba, não significa caminhar so-
bre trajetos arquitetonicamente desenhados e acabados, mas, respirar o
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espírito de seus reformistas, significa buscar a permanente oxigenação
das práticas e dos pensares na Universidade, percebendo a incompletu-
de dos movimentos históricos, entre seus limites e suas utopias, enfren-
tando o neoliberalismo como pensamento único.
Neste centenário de Córdoba, necessitamos potencializar o deba-
te acerca de suas conquistas para diagnosticar e repensar a Universidade
na América Latina, mas também apontar seus limites e suas insuficiên-
cias. Esta leitura histórica não significa somente revisitar o passado, mas
problematizar a atualidade com vistas a imaginar o futuro.

172

Jaime Z Universidade_X1.indd 172 23/08/2021 09:49


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174

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UFSB, UMA UNIVERSIDADE EMERGENTE:
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS, PRINCÍPIOS
E ESTRUTURAÇÃO DA FORMAÇÃO

Rafael Arenhaldt
Ana Maria Netto Machado

Introdução

Neste texto apresentamos resultados parciais de pesquisa em an-


damento, que foca quatro das 19 Universidades Federais instaladas em
diversas regiões do Brasil, entre 2003 e 2014, com perfil diferenciado
em relação à tradição eurocêntrica e ocidental que inspirou as Institui-
ções de Ensino Superior (IES) brasileiras. Neste estudo trazemos alguns
aspectos de uma delas, a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).
Criada em 2014, ela foi instalada em uma região carente de acesso a
estudos superiores, com fortes laços com a rede pública escolar, num
formato bastante original e criativo, que se distancia em muitos elemen-
tos da estruturação e funcionamento convencional.
Os dados analisados neste texto resultam da análise de documen-
tos institucionais, visita ao Campus Sosígenes Costa – Porto Seguro/BA
e de entrevistas com docentes. Estruturas como os Colégios Universi-
tários (CUNI) e os Complexos Integrados de Educação (CIE) criaram
espaços e tempos que permitem uma sinergia entre a Universidade e
os protagonistas das comunidades de seu entorno. Uma Universidade
com limites arejados, situada e posicionada social e ambientalmente,
política, pedagógica e epistemologicamente.

Antecedentes da criação da UFSB: um pouco da história


de seus determinantes

Ao buscar informações sobre a gênese, a origem e a instituciona-


lização da UFSB, por meio dos documentos institucionais e entrevistas
com seus docentes, evidenciou-se que o projeto da referida Instituição é

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uma resposta histórica a um processo que é anterior à sua criação, ou seja,
a um projeto de Universidade para aquela Região, em específico. Uma
entrevista com docente (D1)1 da UFSB revelou um processo de criação
intenso e instigante, cuja concepção político-pedagógica tem origem na
experiência da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com o Projeto da
Universidade Nova, mais de uma década antes da implantação da UFSB
(2014). A UFBA, no início do Governo Luiz Inácio Lula da Silva, assume
um compromisso institucional com duas políticas nacionais: a política de
ações afirmativas e a interiorização das universidades federais2. Cabe ressal-
tar que este processo de expansão/interiorização e criação do Programa de
Ações Afirmativas nas Universidades, segundo este nosso interlocutor, é
importante de ser compreendido ao mesmo tempo, ou seja, como proces-
sos indissociáveis ou, ao menos, fortemente articulados.
No período anterior à criação do Projeto Universidade Nova na
UFBA, existia uma gritante contradição produzida pelas Universida-
des brasileiras, incluindo a própria UFBA, ou seja, havia uma forma-
ção “competente” para formar em cursos superiores considerados de
excelência, com ótimos resultados. No entanto, significativa era a taxa
de evasão em grande parte dos cursos. Essa evasão foi interpretada de
forma não convencional, pois a responsabilidade não foi considerada
como exclusiva do estudante que abandonava o curso, mas, também, da
Instituição que não reconhecia a falência do seu modelo curricular. Um
projeto de formação, cujo modelo curricular era vocacionado para a
formação de especialistas, titulando jovens profissionais com uma visão
muito particularizada do mundo (de horizontes limitados), resultando
em uma incapacidade de pensar para o além das fronteiras da sua área
de conhecimento. Esta análise se intensificou e se potencializou com a
inclusão dos estudantes advindos do Programa de Ações Afirmativas,
já que eles encontravam um conjunto de dificuldades para permanecer
na Universidade de uma maneira qualificada. Sem querer simplificar
algo em si complexo, foi com esta análise, entre outros aspectos, que a
UFBA abraçou um projeto de mudança, então denominado Universi-

1 Utilizamos a convenção (D + número) para indicar a referência às entrevistas reali-


zadas com Docentes da UFSB.
2 Como exemplo, a UFBA protagonizou a incubação de outra Universidade: a UFRB,
a partir de um Campus da própria UFBA, em Cruz das Almas.
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dade Nova. Mesmo enfrentando resistências internas, o projeto foi im-
plantado parcialmente na UFBA3, que inspirou a criação de outras ex-
periências de Universidades pelo país como a Universidade Federal do
ABC (UFABC) e a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e
a própria UFSB.
No início da segunda década dos anos 2000, o Estado da Bahia
ganhou espaço para construir mais Universidades Federais. A UFBA já
possuía, por exemplo, desde 2005, um campus no município de Bar-
reiras, no oeste do Estado, sancionada em 2013 como Universidade
do Oeste da Bahia (UFOB). A criação de uma Universidade Federal,
costuma ser precedida de um campo de disputas envolvendo diferentes
atores, segmentos, regiões. O caso da UFSB não foi diferente. Segundo
docente entrevistado,

Por uma questão conjuntural, os políticos da Região Sul da Bah-


ia conseguiram atrair a criação do projeto da UFSB. Naquele
momento a reitora da UFBA convidou o Professor Naomar de
Almeida Filho para compor a equipe que implantaria a nova
Universidade (D1).

É neste contexto que o Prof. Naomar, como ficou conhecido,


organizou uma equipe4 para pensar o projeto da UFSB, com a meta de
retomar a ideia original que não foi possível concretizar integralmente
na UFBA. Trata-se, portanto, de um ciclo de mais de 10 anos de deba-
tes em torno de três grandes eixos: Reestruturação Curricular no Ensino
Superior, Ações Afirmativas e Interiorização.
Neste período, que compreende os anos de 2012 para a elabo-
ração do projeto e 2013 dedicados a uma ampla abertura de consulta
pública na Região Sul da Bahia, foram realizadas diversas Reuniões Pú-
blicas, Encontros de Estudo, Seminários de Planejamento e Apresen-
tações, que foram configurando o Plano Orientador. Segundo D1, a

3 Com a criação de um IHAC – Instituto de Humanidades, Artes e Ciências.


4 A Comissão de Implantação da Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB foi
designada pelo Ministro da Educação e ampliada por representantes das instituições
parceiras e consultores voluntários ad hoc, cumpriu sua finalidade numa sequência de
reuniões de trabalho, realizadas na Universidade Federal da Bahia, instituição tutora
(UFSB, 2014, p.14)
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equipe visitou 46 municípios daquela região que incluem as três costas
ou territórios de identidade: a Costa do Descobrimento, a Costa das
Baleias e a Costa do Cacau. Foram realizadas consultas públicas com
todos os segmentos sociais nestes territórios de identidade, sendo sem-
pre realizadas em Escolas Públicas5. Portanto, a UFSB nasce com três
campus, que são instalados em espaços e estruturas que pertenciam ao
governo estadual e/ou federal. Cada campus assumiu uma identidade
acadêmica própria, condizente com as características da região: Itabu-
na (Centro de Formação de Engenharia, Agroecologia), Porto Seguro
(Humanidades) e Teixeira de Freitas (Saúde), sendo que os três campus
oferecem a etapa designada como formação geral, que é a mesma para
todos os alunos da UFSB.
A gênese da UFSB tem seus referenciais sustentados pela contri-
buição de diferentes pensadores. A contribuição de Milton Santos sobre a
importância do território, do local, articulado com o global, tendo sua sin-
gularidade na criação de práticas e pensamentos solidários para potenciali-
zar capacidades capazes de produzir transformação social. O pensamento
de Paulo Freire contribuiu para o desenvolvimento de Pedagogias Ativas
e Emancipadoras, na contramão da domesticação da Educação Bancária.
O contributo de Anísio Teixeira diz respeito à articulação de uma Uni-
versidade de qualidade, inclusiva e de massa (para todos). De Boaventura
de Souza Santos a contribuição é a ideia ecologia de saberes (extensão ao
contrário), como ferramenta relevante a para formação de rebeldes compe-
tentes (SANTOS, 1997). Ao articular estes referenciais diversos

o modelo teórico-metodológico proposto, baseia-se numa con-


cepção ampla da instituição universitária efetivamente compro-
metida com a emancipação do sujeito, com a responsabilidade
ambiental e com as transformações sustentadas da sociedade
(UFSB, 2014, p. 17-18).

A UFSB se materializa a partir de um documento fundacional


(Carta de Fundação e Estatuto - 2013) definidor de princípios e valores,
como resultado de um processo intenso de consultas e discussões em

5 Escolas que simpatizavam com o projeto e a ele aderiram iam sendo incorporadas
como espaços de referências para constituição da UFSB, que previa uma inovação que
foi denominada Rede CUNI Colégios Universitários.
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municípios, escolas, movimentos sociais e diferentes contextos institu-
cionais. Criada pela Lei no 12.818, de 5 de junho de 2013, é uma au-
tarquia com autonomia didático-científica, administrativa, patrimonial
e financeira, nos termos da Constituição Brasileira.

Discutindo o documento ‘Carta de Fundação e Estatuto’

Caracterização do documento

A Carta de Fundação e Estatuto da UFSB é um documento com-


posto, como seu próprio título já indica. Conforme seu Reitor, Naomar
de Almeida Filho, toda Universidade brasileira tem obrigatoriamente
seu estatuto, mas é raro que tenha uma Carta de Fundação. A Escolha
da UFSB por elaborar este documento a coloca alinhada com as mais
tradicionais Universidades do mundo, que costumam estabelecer esse
tipo de carta como ato inaugural da Instituição.
O texto apresentado pelo Conselho Universitário Matriz, tem um
total de 38 páginas, contendo três documentos, claramente distintos. As
seis primeiras páginas contêm duas páginas de rosto e quatro nas quais
são listados 15 nomes de autoridades, iniciando por Reitor, Vice-Reitor e
Pró-Reitores, que integram o Conselho Universitário Matriz e 32 nomes
de Membros Honorários, lista encabeçada pelo Governador da Bahia.
Nas seis páginas seguintes (7-12) há uma apresentação de autoria do Rei-
tor que já apresenta os elementos essenciais, tanto da Carta de Fundação
como do Estatuto. A seguir, a Carta de Fundação, com apenas três pági-
nas (13-15) divididas em três tópicos, nos quais estabelece, 1) a razão de
ser da Universidade, 2) os princípios e valores da UFSB e, 3) o Estatuto
(17-38), com 21 páginas, organizado em 40 artigos.
O documento carece de sumário, o que nos levou a construí-lo,
a fim de ter uma visão geral da sua estrutura e divisões. Grifamos as ex-
pressões que chamaram a atenção, já nos títulos escolhidos, por serem
pouco usuais nesse tipo de documento: “Capítulo II - Da Razão de ser
e Princípios” que substitui missão, conforme explica o texto, e “Capí-
tulo IV – Da Gestão democrática”. Chama atenção a adjetivação da
gestão; esta está obrigatoriamente presente em estatutos de Universida-
des, mas provavelmente sem a ênfase ou qualificação de ‘democrática’.
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Algumas observações e problematizações iniciais

A partir de estudos prévios sobre a história das universidades no


Ocidente, os diferentes modelos institucionais, desde os clássicos euro-
peus até aqueles que, inspirados neles, foram sendo criados nas Améri-
cas, faremos algumas pontuações a partir de aspectos que suscitam pro-
blematizações interessantes para pensar as Universidades Emergentes.
Já nas primeiras linhas chama atenção a afirmação: “[...] herdeiras
da tradição bonapartista de autonomia limitada pelo Estado, as univer-
sidades brasileiras [...]” (UFSB, 2013, p. 7). A asserção pode ser consi-
derada polêmica, já que a literatura brasileira revela que houve também
inspiração norte-americana na criação de Universidades de nosso país,
havendo atualmente considerável diversidade institucional bastante mar-
cada (MACHADO e MENDES, 2009). A Universidade de São Paulo
(USP), por exemplo, com forte influência francesa, com missões iniciais
de grandes intelectuais, sobretudo das humanidades, enquanto a maioria
das Universidades Federais foi criada no período da Ditadura Militar,
quando já CNPq e CAPES tinham sido criados, em 1951, sob a lide-
rança de Anísio Teixeira, que foi também um entusiasta dos avanços da
época, que ocorriam nos Estados Unidos. Se bem é verdadeiro que o per-
fil de ensino das primeiras escolas de formação superior brasileiras foi o
de formação profissional, sobretudo em Medicina, Direito, Agronomia e
Engenharia caracterizou-se pelo modelo francês, outras influências foram
interagindo para que no Brasil fossem criados modelos híbridos (MA-
CHADO e ALVES, 2011). Por isso, a asserção parece um pouco reducio-
nista, sem levar em conta essa ‘mestiçagem’ por assim dizer, que acontece
também no âmbito das instituições de Educação Superior no Brasil.
Um aspecto que faz pensar na apresentação é expresso na seguinte
asserção: “[...] as universidades ditas públicas (federais e estatais) de fato
são mais estatais do que públicas” (UFSB, 2013, p. 7). Não há desen-
volvimentos que esclareçam ou façam distinções a respeito. Almeida Fi-
lho (2013) questiona o caráter nitidamente público das Universidades
brasileiras: elas são mantidas pelo Estado, mas não seriam públicas no
seu pleno sentido em função de seu elitismo? Isto é, pelo fato de que o
acesso somente muito recentemente se amplia para camadas populares?
Nesse caso a UFSB pode ser considerada uma exceção à essa regra, pois,
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justamente, se caracteriza por abrir-se com força para as populações po-
bres e excluídas, começando pela sua própria localização multicampi em
região desprovida de acesso à Universidade, e pela própria definição de
sua razão de ser e outras dimensões inovadoras no sentido fortemente
marcado de fazer justiça social.
Na página 8, há uma referência ao conceito kantiano de autono-
mia (autonomia universitária, diz o autor; embora é oportuno observar
que Kant não parece ter adjetivado a autonomia no sentido institucio-
nal) no contexto do Pós-Iluminismo no qual a UFSB se inspiraria. Aqui
é importante sinalizar uma boa dose de idealização presente no docu-
mento, uma vez que a liberdade acadêmica dos docentes, defendida por
Kant, e também por Max Weber, referia-se à luta dos professores para
terem a liberdade de ensinar o que quisessem, sem serem limitados no
seu fazer acadêmico pelo Estado. Tanto Kant quanto Weber escreveram
sobre episódios que viveram na própria carne, no sentido de censura do
Estado sobre sua ação como docentes. Em seu contexto e época, eles
criticaram fortemente as restrições impostas pelo Estado, que era quem
contratava os professores. Tratamos desses episódios em artigo próprio
(MACHADO e MENDES, 2009).
Observamos que o termo missão (ALMEIDA FILHO, 2013, p.
9), que a UFSB propõe substituir por ‘razão de ser’ acaba sendo utiliza-
do em algumas partes do texto, mas não na sua totalidade, o que parece
caracterizar um deslize, por assim dizer.
A partir da página 10, chama atenção a intensa defesa do termo
‘eficiência’ que é proposto no lugar da criticada excelência (acadêmico-
-científica); no contexto destes documentos essenciais da UFSB, esta
expressão parece ser considerada comprometida com o elitismo da Uni-
versidade. Enquanto a ‘eficiência’ é proposta como sendo associada a
ação-força ou à capacidade de produzir bem... com qualidade. O autor
resgata a clássica noção de “causa eficiente”, de Aristóteles, para justifi-
car a preferência pelo termo e seus derivados: eficácia, eficiência, afetivi-
dade, somando e associando a estes a palavra equidade. Chama atenção
essa defesa, uma vez que o termo eficiência, no contexto do final do
século XX e início do XXI foi apropriado pela área de Administração/
Gestão, o management (ROESLER e BIANCHETTI, 2012), que foi
penetrando todos os espaços, inclusive educacionais, mas claramente,
181

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no contexto contemporâneo, parece ser a alma das organizações empre-
sariais, mergulhada no caldeirão do neoliberalismo.
Uma observação pontual, mas pertinente, é uma transformação
implementada no âmbito das escolas básicas, públicas, no Estado de
Santa Catarina. Elas deixaram de ter diretores, para ter gestores. Esta
mudança de nomenclatura tem significados e traz consigo mudanças
no entendimento das atribuições de quem está à frente de uma escola.
Trata-se de uma discussão que pode causar controvérsia, mas merece
atenção, pois em nossa interpretação, as práticas de gestão ganham em
técnicas de administração e perdem na dimensão política. Na série de
palavras associadas acima, “equidade” parece fora de lugar. Entretanto,
ela parece também reintroduzir a dimensão política que, em nossa per-
cepção, é expulsada ao se adotar a série de termos derivada de eficiência.
A discussão sobre mérito, excelência, eficiência e qualidade é
complexa e merece mais atenção do que a ela temos dado nos debates
acadêmicos. Pode ser de interesse trazer para essa discussão a noção de
pertinência social proposta pela CRES20086 (Conferência Regional de
Educação Superior, ocorrida em 2008 em Cartagena de Indias, Colôm-
bia), evento que se antecipou à CMES2009 (Conferência Mundial de
Educação Superior ocorrida em Paris, em 2009). A CRES2008 defende
que a qualidade ou excelência da formação superior e da pesquisa pre-
cisa ser ancorada fortemente na pertinência social, o que quer dizer que
a qualidade precisa ser considerada em referência ao território, à cultura
local/regional, às necessidades das pessoas. Recusa-se nesta proposta a
ideia de uma excelência universal, que poderia ser praticada em qual-
quer país do mundo e assim poderia ser comparada em rankings que
conhecemos. Uma discussão muito importante, a aprofundar, quem
sabe na CRES2018 (Conferência Regional de Educação Superior de
Córdoba, Argentina, em 2018) quando se comemora o centenário do
célebre manifesto dos estudantes dessa universidade.

6 As CRES têm sido promovidas pelo IESALC, Instituto da Unesco para a Educação
Superior da América Latina e o Caribe. Importante informar que em 2018, reali-
zar-se-á a terceira CRES, em Córdoba, Argentina, coincidindo com os 100 anos da
Reforma de Córdoba (1918), na qual o protagonismo estudantil foi decisivo para a
construção de uma marca distintiva para as Universidades da região, justamente no
combate a seu elitismo e na luta pela sua democratização.
182

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A estruturação acadêmica da UFSB, organizada em ciclos de for-
mação lembra bastante a estrutura francesa, napoleônica, anterior7 à
padronização feita pela reforma de Bologna, na Europa. Inclusive, tam-
bém parece bastante alinhada à configuração atual europeia. A confron-
tar e investigar com detalhe esta observação (BIANCHETTI, 2015).

Estruturas inovadoras da UFSB como estratégias de combate ao


elitismo histórico e pela democratização da Universidade

Rede Anísio Teixeira de Colégios Universitários (Rede CUNI)

A proposta da Rede Anísio Teixeira de Colégios Universitários


(Rede CUNI), segundo o Plano Orientador (UFSB, 2014, p. 55-56), es-
tipulava que eles fossem implantados em Municípios com mais de 20.000
habitantes e com mais de 200 egressos do Ensino Médio público ao ano.
Seriam implantados em estabelecimentos da rede estadual de Ensino Mé-
dio Público ou de polos regionais de EAD incorporados ao sistema UAB
(Universidade Aberta do Brasil) em funcionamento na região.

Unidades CUNI serão também instaladas nos municípios onde


há campus da UFSB, em áreas urbanas de baixa renda que de-
monstrem alta concentração de egressos do EMP. Unidades
CUNI especiais serão também implantadas em quilombos, as-
sentamentos e aldeias indígenas que tenham oferta de EMP e
adequada conexão digital (UFSB, 2014, p. 55).

Organizados em rede institucional e digital, os CUNI, como pre-


visto, funcionam em instalações da Rede Estadual de Ensino Médio,
sendo seus cursos credenciados, coordenados e executados pela estru-
tura de gestão da UFSB. Do ponto de vista curricular os três primeiros
quadrimestres correspondem à Formação Geral dos Bacharelados In-
terdisciplinares e das Licenciaturas Interdisciplinares e os componentes
curriculares que são oferecidos nos IHACs (Instituto de Humanidades,
Artes e Ciências) ficam disponíveis no formato digital para os alunos
da Rede CUNI. Do ponto de vista da infraestrutura, o plano prevê
7 Pronunciamo-nos aqui por experiência própria de uma das autoras que cursou o
doutorado pleno na França e conheceu o sistema em vigor entre 1990-1995.
183

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que cada ponto da Rede CUNI conte com recursos de tele-educação,
conectados a uma rede digital gerenciada pela equipe de Tecnologia da
Informação e Comunicação (TIC) da UFSB.
O cumprimento dos requisitos da Formação Geral habilita o
estudante do CUNI a integrar-se ao programa curricular regular do
Bacharelado Interdisciplinar (BI) ou da Licenciatura Interdisciplinar
(LI) que, na etapa posterior, contempla a Formação Específica. Poderá
também o estudante do CUNI optar por concluir os estudos no final da
primeira etapa, recebendo um Certificado de Formação Geral Univer-
sitária (CFGU), na modalidade Curso Sequencial de Complementação
de Estudos (mínimo de 1.000 horas). Se tiver cursado 1.200h na Rede
Anísio Teixeira e, ingressar em um Instituto Federal ou outras insti-
tuições parceiras, cumprindo mais 600h de componentes específicos
em determinada formação ou habilitação profissionalizante oferecida,
o estudante faz jus a um diploma de Curso Superior Tecnológico. Con-
forme o site institucional da UFSB, atualmente apresenta oito CUNI,
como mostra a Tabela a seguir:

Município Instituição

Coaraci Colégio Estadual Almakazir Gally Galvão


Ibicaraí Colégio Estadual Luís Eduardo Magalhães
Ilhéus Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães
Itabuna Campus Jorge Amado / Colégio Estadual Dona
Amélia Amado
Porto Seguro Campus Sosígenes Costa / Colégio Modelo Luís
Eduardo Magalhães
Sta Cruz de Cabrália Colégio Estadual Terezinha Scaramussa
Teixeira de Freitas Campus Paulo Freire /Centro Territorial de Edu-
cação Prof. do Extremo Sul
Itamaraju Colégio Polivalente

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Os Complexos Integrados de Educação (CIE)

Em 2017, a UFSB, em parceria (acordo de cooperação) com a


Rede Estadual de Educação da Bahia, viabiliza Complexos Integrados
em Educação (CIE) em três instituições de ensino estaduais, nos mu-
nicípios de Porto Seguro, Itamarajú e Itabuna. Estas três instituições,
pré-existentes como colégios estaduais convencionais se transformaram
nos Complexos Integrados em Educação.
O acordo de cooperação pressupõe contrapartidas: cabe ao Gover-
no Estadual a adequação dos espaços físicos (reformas, adaptações etc.), a
transformação das referidas escolas em Escolas de tempo e turno Integral,
entre outros. Já à UFSB cabe a articulação com a escola, do ponto de vista
da gestão pedagógica. Nesse sentido, a UFSB disponibiliza um Professor
do seu quadro docente para o acompanhamento permanente das ações
pedagógicas na escola, além de ficar responsável pela organização das jor-
nadas de formação continuada dos professores da escola. Depoimentos, a
partir de nossa visita ao CIE de Porto Seguro, mostraram que, em vários
momentos do ano letivo, o professor da UFSB articula com docentes da
Universidade, formações demandadas pela escola.
Nessa oportunidade de conhecer a experiência do CIE de Porto
Seguro. Fomos recebidos pela equipe de gestão e pela docente (D2) da
UFSB que atua na Coordenação das Práticas Pedagógicas. Conhecemos
as dependências reformadas. As reformas incluem: piso com acessibili-
dade para cegos, reforma do piso e forro, paredes azulejadas, refeitório
com cozinha, banheiros novos, salas da Rede CUNI com equipamentos
iguais aos da UFSB (TV, computador com acesso à internet). Conhe-
cemos as salas de aula, a quadra esportiva e, nos fundos, a horta, bem
como o sistema de reaproveitamento da água da chuva. O Projeto da
Horta integra as ações do Eixo Meio Ambiente e Sustentabilidade, en-
volvendo alunos do Ensino Médio sendo configurado enquanto um
projeto interdisciplinar. Visualizamos as fotos da colheita realizada no
dia anterior (alface, rúcula e outras verduras) que são utilizadas na me-
renda. O depoimento da docente da UFSB (D2) evidencia um grande
envolvimento e também um forte sentimento de pertencimento dos
alunos na/pela escola, um processo de transformação da relação dos alu-
nos com a escola. O projeto de reaproveitamento da água da chuva, por
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exemplo, é um projeto técnico, com apoio de professores da UFSB e
com recursos do Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI). A água é
reaproveitada para os banheiros (mictório e descarga) e para a irrigação
da horta. Ao lado do prédio há, em construção, uma segunda horta em
forma de mandala, para plantio de chás.
A docente da UFSB acompanha o dia a dia da escola, vive seus
desafios e está inteiramente integrada ao grupo de professores do CIE.
Tem um envolvimento orgânico com as atividades de formação dos
professores, reuniões na escola e participa como integrante da gestão
pedagógica da escola. É responsável, junto com outros professores da
UFSB, pela jornada pedagógica de formação e tem amplo domínio da
vida e das decisões construídas no coletivo dos docentes e da gestão da
escola. Percebe-se um entusiasmo por parte da equipe de professores,
bem como dos discentes, revelando conquistas e transformações pelas
quais a escola está passando. A UFSB, desta maneira, participa ativa-
mente e de forma protagonista na vida do CIE. Atores da UFSB parti-
cipam e estão integrados nos processos decisórios, ajudando a qualificar
as relações e as tomadas de decisão do coletivo. Segundo palavras de um
dos atores do CIE: “A escola hoje é outra”.
É perceptível a magia e energia no ambiente da escola. Alunos
com sorriso no rosto, regando as plantas do jardim e do espaço do pai-
sagismo por eles construído e onde circulamos. Alunos brincando, con-
versando, se integrando.
Ressaltamos que a experiência do CIE e da Rede CUNI têm se
mostrado mais interessante e efetiva, sobretudo, no quesito de articu-
lação entre a Educação Superior e Educação Básica, bem como na ar-
ticulação entre os Sistemas de Ensino (estadual e federal) reinventando
a concepção e a prática de um efetivo colégio de aplicação, com práticas
pedagógicas e institucionais transformadoras para os atores da Educa-
ção Básica e para os atores da UFSB.

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Para interromper e continuar…

Em item anterior, trouxemos algumas problematizações de fundo


sobre certos princípios estruturantes da UFSB, a partir do seu docu-
mento de base, a Carta de Fundação e o Estatuto. Tais considerações
foram possíveis graças a estudos anteriores relativos à história das uni-
versidades, confrontadas com as inovações projetadas para esse modelo
inovador de Universidade instalada no Brasil e que começou a revelar
seus resultados muito recentemente.
Em outro item, descrevemos de maneira breve algumas dessas
inovações a partir, não mais de textos e intenções, mas de realidades
concretas que se sucederam na implantação da UFSB e que foram co-
nhecidas in loco, considerados depoimentos que representam diversas
das vozes que animam a UFSB. Estes elementos permitiram constatar
que o novo modelo, construído em cooperação e princípios de solida-
riedade entre instituições já existentes tem se mostrado promissor no
sentido mais necessário para a democratização das Universidades Pú-
blicas brasileiras, até pouco tempo fortemente elitizadas e excludentes.
O modelo revela uma experiência com características de brasilidade,
cores e sonoridades fruto da miscigenação, da convivência solidária e
alegre do povo brasileiro, sobretudo do Nordeste, que contraste com o
clima muitas vezes sisudo, sóbrio e cinzento de salas de aula que pro-
curam se identificar com a tradição europeia. Uma Universidade não
eurocêntrica que busca cultivar a formação no caldo de cultura local.
Precisamos que passe o tempo para ver consolidar-se esta experiência
que traz esperança para as novas gerações. Este breve relato é um convi-
te aos pares para que acompanhem o devir desta Universidade que pode
inspirar outros projetos, não no sentido da reprodução, mas da busca de
inspiração nas peculiaridades da população, dos jovens ou não jovens
que demandam e requerem formação superior nos quatro cantos deste
nosso enorme país tão maltratado no momento em que colocamos este
ponto final: fevereiro de 2018!

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Referências
ALMEIDA FILHO, N. Apresentação. In: Carta de Fundação e Esta-
tuto da UFSB. Itabuna/Porto Seguro/Teixeira de Freitas: UFSB, 2013.
[pág. 7-12]
BIANCHETTI, L. O Processo de Bolonha e a globalização da edu-
cação superior: antecedentes, implementação e repercussões no que
fazer dos trabalhadores da educação. Campinas, SP: Mercado de Le-
tras, 2015.
BRASIL. Lei nº 12.818, de 5 de junho de 2013. Dispõe sobre a cria-
ção da Universidade Federal do Sul da Bahia - UFESBA, e dá outras
providências. 2013.
IESALC/CRES 2008. <http://www.cres2008.org/pt/index.php>. Aces-
so 06/03/2008
MACHADO, A. M. N.; ALVES, V. M. As origens da universidade e os
modelos ditos clássicos: alguns elementos de ontem e de hoje! In: AL-
MEIDA, M. L. Políticas e processos educativos. Campinas: Mercado
de Letras, 2011.
MACHADO, A. M. N.; MENDES, V. H. Universidades comunitá-
rias do sul do Brasil no cenário e na história da (s) universidade (s): a
centralidade do problema da autonomia e os processos de interioriza-
ção e universalização da educação superior. In: NUNES, A. K. (Org.).
Universidade comunitária e avaliação: os quinze anos do PAIUNG.
Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2009.
ROESLER, V. R.; BIANCHETTI, L. Universidade Corporativa: um
novo lócus de “qualificação” profissional. Análise crítica da implantação
da Universidade Corporativa Grande Banco. In: HETKOWSKI, T. M.;
NOVAES, I. L. (Orgs.). Gestão, Tecnologias e Educação: construin-
do redes sociais. Salvador: EDUNEB, 2012. Pp. 341-381.
SANTOS, B. S. Pela Mão de Alice: O social e o político na pós-mo-
dernidade. São Paulo: Cortez, 1997.

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UFSB. Plano Orientador. Itabuna/Porto Seguro/Teixeira de Freitas.
Bahia: UFSB, 2014.
UFSB. Carta de Fundação e Estatuto. Itabuna/Porto Seguro/Teixeira
de Freitas. Bahia: UFSB, 2013.
WEBER, M. Sobre a Universidade. São Paulo: Cortez, 1989.

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AS NOVAS UNIVERSIDADES NO CONTEXTO BRASILEIRO:
UM ESTUDO DA UNILA

Jaime José Zitkoski


Lucio Jorge Hammes

Introdução1

O desafio de projetar a Universidade para Todos, enquanto uma


instituição republicana e democrática, num movimento de constituição
de qualidade social, constitui o foco central dos projetos emergentes de
universidades, que se gesta nas múltiplas experiências recentes implemen-
tadas no Brasil nos governos Lula e Dilma. Ambos os governos ousaram
interiorizar a Educação Superior a partir de diferentes regiões e movi-
mentos instituintes. São movimentos contra hegemônicos, pequenos,
mas sensíveis frente aos desafios da Educação Superior contemporânea.
Estas iniciativas de reinventar a Universidade hoje se relacionam
com a busca de discutirmos alternativas para a crise dessa instituição mi-
lenar, nos remete para os desafios de superar a burocracia da racionalidade
instrumental, que se torna cada vez mais presente no contexto das socie-
dades complexas coordenadas pela lógica dos sistemas. E, para além das
instituições com estruturas burocratizadas, constata-se que é o próprio
Estado que também produz a violência na sociedade, pois reprime pela
força policial e militar a quem deveriam proteger e nega o direito de aces-
so à Saúde, Educação e ao Trabalho a milhões de cidadãos.
Além dessa violência brutal cometida pela ‘ordem legal’, o Es-
tado burguês, na sua vertente neoliberal, que retorna hoje com mais
força no atual contexto político brasileiro e mundial também, justifica
práticas sociais que ampliam a desigualdade e a exclusão das pessoas
mais fragilizadas, que historicamente ficaram à margem de todo o
processo da modernidade.

1 Trabalho apresentado na 8ª Conferência do FOGES em 2018, no Eixo temático 6:


A Gestão Estratégica das Instituições de Ensino Superior e a Qualidade.
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Neste processo de distanciamento abissal das promessas da moder-
nidade, como liberdade, igualdade e fraternidade, aprofunda-se o con-
sumismo predatório, o individualismo possessivo e a mercantilização da
vida. A busca de movimentos contra hegemônicos torna-se um imperati-
vo ético que pode contribuir para a reinvenção de utopias possíveis.
A Universidade em seus processos formativos, suas experiências
latentes e seus horizontes de uma racionalidade alargada precisa se for-
talecer na contramão dos padrões excludentes conformados com a rea-
lidade estabelecida.

A universidade do século XXI será certamente menos hegemô-


nica, mas não menos necessária. A sua especificidade enquanto
bem público reside em ser ela a instituição que liga o presente ao
médio e longo prazo pelos conhecimentos e pela formação que
produz e pelo espaço público de discussão aberta e crítica que
constitui (SANTOS, 2010, p. 114).

Nesse horizonte, a busca de novas experiências sociais e políticas


de enfrentamento às múltiplas formas de dominação e exclusão, signifi-
ca um projeto político na perspectiva da dignidade humana. A Univer-
sidade, enquanto instituição social (CHAUÍ, 2003), tem o compromis-
so de imaginar e experimentar outras configurações políticas e sociais,
tendo como pressuposto repensar novas configurações institucionais.
Diante desses desafios, foram criadas 18 novas Universidades Pú-
blicas Federais no Brasil, no período de 2003 a 214, objetivando avan-
çar na democratização do acesso ao Ensino Superior Público Federal,
sua interiorização e também proporcionado novos arranjos curriculares.
A UNILA é criada neste cenário como um projeto inovador e único na
forma de abordar a América Latina.
A prioridade nesse estudo é a análise da UNILA em seus desafios
da integração regional, alicerçada na perspectiva cultural e da história
de seus povos, enquanto uma experiência de Universidade Emergente.

Metodologia do Estudo

A pesquisa se caracteriza como estudo de caso sobre a UNILA.


A centralidade do trabalho se fundamenta na pesquisa documental a
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partir dos principais dados que constam no PDI (Plano de Desenvol-
vimento Institucional) e no Estatuto da Universidade. Além desses do-
cumentos oficiais, consultamos o site oficial da IES e publicações já
organizadas sobre a história da Instituição.
Além da pesquisa documental e bibliográfica, realizamos en-
trevistas com os Gestores da IES e alguns professores que atuaram na
UNILA desde o início das atividades da mesma. Foram entrevistados 5
professores e 2 gestores.

Fundamentação teórica sobre as Universidades Emergentes


e o atual contexto da Educação Superior no Brasil

Compreendemos que a Universidade não é um mero espelho da


sociedade, pois além de ser um espaço de reprodução das relações so-
ciais e políticas, ela também atua sobre a sociedade. Essa intervenção
se dá através da formação, da pesquisa e da intervenção na sociedade.
Tríade de frágil articulação na universidade convencional.
No contexto Latino-Americano, influenciado principalmente
pelo Manifesto de Córdoba, foi gestada esta tríade. Este movimento
teve expressiva contribuição na construção do conceito de extensão na
América Latina, em que a extensão se intensifica num movimento polí-
tico de luta por justiça social.
A Universidade como instituição social e bem público questiona
a captura da subjetividade pela lógica do existente, instituído, em que a
naturalização dos processos de exclusão e dominação estão fortemente
presentes no contexto do capitalismo contemporâneo. Neste sentido a
desconstrução do senso comum, de reprodução do existente, se coloca
como uma interrogação permanente e necessária para o pensar e o ex-
perienciar dos sujeitos envolvidos na comunidade acadêmica, reconhe-
cendo a historicidade dos fenômenos sociais e humanos.
Outro aspecto a ser considerado, da ideia de Universidade como
um bem público, diz respeito ao seu compromisso com a formação éti-
co-política (além da formação profissional), para pensar e imaginar um
projeto de país, mais densamente democrático, inclusivo e pautado pela
ideia de liberdade (liberdade contextual). Esta concepção da política
como liberdade (ARENDT, 1998), movimento, conceito e desejo que
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visa a superação possível das mazelas sociais, políticas e culturais que
obstaculizam o bem viver, como suporte da dignidade humana.
O compromisso social da Universidade, sua democratização in-
terna e na sua relação com a sociedade diz respeito a uma instituição
aberta a todos os grupos sociais e seus saberes num questionamento
radical das desigualdades sociais e das diferentes formas de opressão
política e cultural.
Nesta perspectiva, ressaltamos a importância do Relatório da Co-
missão instituída pela Portaria no 126/2012 (Análise sobre a expansão
da Universidades federais 2003 a 2012), no qual participaram diferen-
tes representantes de instituições, como Andifes (Associação Nacional
dos Dirigentes das Instituições Federais do Ensino Superior), UNE
(União Nacional do Estudantes), ANPG (Associação Nacional de Pós-
-Graduandos) e 2 representantes da SESU (Secretaria de Educação Su-
perior do MEC). Neste relatório está contido um diagnóstico e propos-
tas, referentes a necessidade de expansão da Educação Superior Federal
Pública (ESFP), para atender o preceito constitucional (Art. 25 da CF)
que considera a educação como um direito da cidadania e um dever do
Estado em promovê-la.

A educação superior é compreendida, no cenário internacional,


como um bem público (Unesco, 2009). No Brasil, a Constitui-
ção Federal de 1988, em seu art. 205, define a educação como
um direito de todos e dever do Estado e da família. Este preceito
constitui-se como base de sustentação para definição de políticas
públicas da educação do país. O reconhecimento do papel da uni-
versidade como um instrumento de transformação social, desen-
volvimento sustentável e inserção do país, de forma competente,
no cenário internacional, mobilizou os movimentos reivindicató-
rios de expansão da educação superior pública e gratuita (Análise
sobre expansão das Universidades Federais - 2003 a 2012).

A busca da emancipação humana, requer movimentos permanen-


tes de formação de um sujeito político na construção de conhecimentos
e valores, num exercício de liberdade, em que o embate anticapitalista e
anticolonialista seja um processo sem fim, pois os mecanismos de cap-
tura dos sujeitos na conformidade frente ao mundo estabelecido estão
arraigados em corações e mentes.
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Compreendemos que a formação política diz respeito a compreen-
são da vida pública, da democracia e da cidadania, num compromisso
com o bem público em que afirmamos a especificidade do humano num
exercício de liberdade como sujeito político potente. O que se reivindica
quando se defende a formação do sujeito político como missão da Edu-
cação Superior? Quais são as possíveis referências e lugares dos quais se
pensa a formação política de intelectuais, professores, técnicos, gestores,
estudantes da Universidade? A formação do sujeito político é uma ques-
tão de engajamento político? Seria o esforço conjunto das comunidades
educativas em prol do agir e do falar dos sujeitos como preparação para a
atuação e para o debate na esfera pública? (GENRO, 2013).
Reivindica-se, nesta direção, que um caminho para a Universi-
dade seja o da disposição de um espaço de formação de sujeitos, que se
configure como ambiente para o debate, a crítica e a interação política.
Paralelamente que se repudiem as práticas mercadológicas e as tentati-
vas de homogeneização e uniformização da Educação Superior e seus
desdobramentos na práxis do sujeito. Salientamos a necessidade de des-
construção de práticas uniformizadoras de indivíduos e grupos sociais.
O fortalecimento de autorias democráticas se articula com a poten-
cialização de espaços públicos, espaços vibrantes que reforcem a vivência de
valores democráticos, a liberdade e a igualdade. Neste sentido, para Arendt,
“política e liberdade são idênticas, e onde inexiste este tipo de liberdade
inexiste espaço verdadeiramente político” (ARENDT, 2008, p. 185).
O processo de construção, com ênfase na participação de dife-
rentes comunidades, destas Universidades Emergentes, pode propor-
cionar uma formação política, numa dinâmica de diálogo de saberes,
pode possibilitar um novo perfil de cidadão e profissional compro-
metido com a qualidade social de sua ação técnica e humana, num
espaço público de liberdade. Visando uma atuação que tem como as-
pecto fundante a integração regional e continental, o projeto político
se articula com o educativo.
Nesse sentido, cabe destacar os desafios apontados por Trindade
(2017), referente a UNILA, neste caminho de trilhar outras experiên-
cias: intercâmbio acadêmico solidário, compromisso com o desenvolvi-
mento sustentável indissociável da justiça social e partilha de recursos e
conhecimentos entre estudantes e professores na América Latina.
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A origem da UNILA e seus projetos inovadores

A UNILA teve seu projeto pautado em 2007, sua aprovação legal


em 2009 e o início das ações em 2010. Um dos principais elaboradores
e incentivadores deste projeto é o professor e pesquisador Hélgio Trin-
dade. Na conferência proferida na UFRGS, o ex-Reitor Pró-Tempore da
UNILA definiu essa como uma “universidade brasileira, com vocação
internacional, sem muros e sem fronteiras” (TRINDADE, 2017).
A UNILA foi implantada em Foz do Iguaçu, situada na tríplice
fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai. Sua territorialidade expres-
sa o forte desejo de consolidar uma experiência educacional desde a
UDUAL em 1967. Foi também proposta no contexto do Mercosul,
tendo como missão a integração Latino-Americana reveladora da diver-
sidade cultural de nossos povos.
Conforme os estudos dos documentos (principalmente do PDI
da UNILA) a estruturação dessa nova IES foi realizada de forma parti-
cipativa, com envolvimento de diferentes Universidades e órgãos públi-
cos da América Latina, (conforme consta na descrição de seu Plano de
Desenvolvimento Institucional (PDI).
A Comissão de Implantação, que antecedeu o período de 2009,
contou com a presença de pesquisadores de diferentes países que con-
duziu estudos e debates sobre a ideia desta Universidade em constru-
ção, pensando sua estrutura acadêmica e seu processo de integração. De
forma transparente este processo está documentado em documentos
públicos disponíveis no site da Universidade.
A atenção aos estudantes, oriundos dos diferentes países do nos-
so continente, passa pela prática bilíngue durante as aulas, revelando
uma preocupação com a integração latino-americana. As atividades na
casa de estudantes, e no campus em Foz do Iguaçu, junto ao Parque da
Hidrelétrica de Itaipu, objetivam valorizar as culturas de origem dos es-
tudantes, através de projetos que promovem a música, dança, culinária,
literatura, cinema, teatro, entre outras atividades culturais.
O Instituto Mercosul de Estudos Avançados (IMEA-UNILA),
órgão suplementar da Reitoria, tem como objetivo fomentar a inte-
gração regional a partir de um conjunto de ações compartilhadas que
envolvem os cursos das diferentes áreas de atuação desde a Engenharia
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até Letras e Artes, passando por ações de pesquisa e pós-graduação às
relações institucionais e internacionais.
A UNILA está organizada em quatro Institutos a partir dos quais
desenvolve os cursos de graduação, programas de Pós-Graduação, Pes-
quisas e Projetos de Extensão. São os seguintes Institutos: Instituto Lati-
no-Americano de Arte, Cultura e História; Instituto Latino-Americano
de Ciências da Vida e Natureza; Instituto Latino-Americano de Econo-
mia, Sociedade e Política; Instituto Latino-Americano de Tecnologia,
Infraestrutura e Território. A UNILA oferece 28 cursos de graduação,
em diversas áreas do conhecimento, e 8 programas de Pós-Graduação.

Principais resultados sobre o estudo da UNILA

A UNILA se caracteriza por diferentes projetos inovadores, prin-


cipalmente na forma de organização curricular e nos desafios de valori-
zar a cultura latino-americana e a integração dos povos de nosso conti-
nente. Pois desde a origem essa Universidade está organizada a partir de
alunos e professores estrangeiros e brasileiros.

Projetos Inovadores

Um dos projetos que se destaca é a organização das cátedras,


que são oferecidas sobre temas atuais, de pensadores e intelectuais
influentes no mundo contemporâneo, principalmente autores que
contribuem para elucidar as temáticas sociais, políticas e culturais da
América Latina. Por exemplo, a Cátedra Paulo Freire.
Outro projeto inovador da UNILA é o trabalho de integração
cultural, que tem início na acolhida dos calouros da Universidade
oriundos dos diferentes países do nosso continente. As atividades na
casa de estudantes e no campus em Foz do Iguaçu, junto ao Parque
da Hidrelétrica de Itaipu, objetivam valorizar as culturas de origem
dos estudantes e a integração latino-americana através de projetos da
música, danças, culinária, literatura, cinema, teatro, entre outras ati-
vidades culturais.
É importante também destacar o viés interdisciplinar dos cursos
e projetos de pesquisa e extensão, potencializando uma formação mais
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voltada para a realidade e a prática de intervenção na sociedade. A for-
mação interdisciplinar nos cursos, busca desenvolver um novo perfil
de cidadão e profissional comprometido com a qualidade social de sua
ação técnica e humana.
Nesse contexto, algumas experiências se destacam nesta nova
Universidade, como cursos interdisciplinares, participação de diferentes
setores da sociedade civil na sua construção e perspectivas de integração
latino-americana e inserção local. São movimentos importantes, num
contexto de disputas, que vão se tecendo na perspectiva da ecologia de
saberes (SANTOS, 2008).
No Plano de Desenvolvimento Institucional da UNILA (PDI
2013-2017) consta sobre o reconhecimento da complexidade do mun-
do contemporâneo e intenso processo de inovação científico-tecnoló-
gica que se desdobra em desafios para os diferentes ramos do conheci-
mento reverem seus métodos e caminhos com vistas a dar conta da teia
de inter-relações constituída pelos fenômenos humanos e a natureza,
em que os campos disciplinares são insuficientes para responder aos
problemas colocados pelo mundo. Neste sentido, a busca de diálogo
entre diferentes campos científicos se coloca a necessidade de interdisci-
plinaridade. Também fica explicitado neste documento uma perspecti-
va mais plural de produção de conhecimento.

Além da interdisciplinaridade, a UNILA enfrentará os desafios


expostos, propondo atividades em que o bilinguismo, a inter-
culturalidade e a gestão democrática auxiliem em sua missão de
contribuir, mediante a produção do conhecimento, para concre-
tização de uma integração solidária (UNILA, PDI, 2013, p. 15).

Destacamos, como exemplo, dois cursos de graduação da UNILA


que desafiam a perspectiva disciplinar, o conhecimento eurocêntrico,
como únicas possibilidades de compreender a América Latina. O curso
de Relações Internacionais e Integração explícita (PPC/2013) a necessi-
dade de um olhar crítico sobre a realidade latino-americana, integrando
conceitos de diferentes campos do conhecimento e valorizando saberes
que compõem o universo do continente.
Em seu PPC (Projeto Pedagógico de Curso) de Relações Interna-
cionais e Integração, a UNILA confirma a importância de adquirir uma
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postura soberana na produção do conhecimento para superar a mera
reprodução daquele originado nos países centrais do sistema:

al hacer abstracción de la naturaleza, de los recursos, del espacio,


y de los territorios, el desarrollo histórico de la sociedad moder-
na y del capitalismo aparece como un proceso interno’, autoge-
nerado, de la sociedad europea, que posteriormente se expande
hacia regiones atrasadas (UNILA, PPC, 2013, p. 9).

O curso de História-América Latina explícita no seu PPC/2013


(Projeto Pedagógico de Curso) a necessidade de valorizar outras bases
políticas, filosóficas, científico-técnicas, culturais, para além da produ-
ção europeia, considerando as bases indígenas, africanas e, inclusive,
asiáticas da história da América Latina.

O posicionamento crítico perante as visões eurocêntricas, por


meio do diálogo atual entre a pesquisa histórica e as áreas afins,
norteia a construção deste curso, que busca pensar a história a
partir de uma perspectiva latino-americana e caribenha (UNI-
LA, PPC, 2013, p. 4).

Aposta na integração solidária e o desenvolvimento regional

A intencionalidade dos projetos emergentes de Universidade busca


desenvolver, entre outras dimensões, o cultivo de uma racionalidade aber-
ta e ampla. Essa aposta requer que se mantenha aberta e constantemente
um diálogo profundo com as problemáticas sociais dos povos e, principal-
mente, com seu entorno mais próximo da região onde está situada. É uma
racionalidade que está em construção e visa enfrentar a lógica burocrática
que vem colonizando o pensamento e a formação superior no mundo todo.
Esse desafio precisa estar articulado com o contexto global, de um
mundo cada vez mais interdependente e marcado pela circulação rápida
de conhecimentos e tecnologias que intervém no cotidiano de cada um
de nós, embora nunca passível de homogeneização como queria a mo-
dernidade europeia na qual nossas universidades se estruturaram como
cópias de um modelo civilizatório.
Em síntese, é o desafio de atuarmos localmente, valorizando as
experiências e saberes que emergem das práticas sociais locais, com um
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horizonte aberto para as transformações do mundo contemporâneo.
Ou como nos alerta Santos (2012, p. 690) sobre a necessidade de cons-
truirmos novas epistemologias:

As epistemologias do sul são uma tentativa de confrontar o co-


nhecimento hegemónico, científico, com os conhecimentos não
científicos, produzidos nas práticas e nas lutas sociais, conheci-
mentos que tem em si um potencial contra hegemônico, pro-
duzidos em grande parte no sul global e a partir de premissas
culturais distintas das que subjazem à modernidade ocidental.

Nesse horizonte, está o compromisso com a integração regional


no projeto originário da UNILA, que valoriza as culturas e os povos da
América Latina com o objetivo de uma integração do nosso continente
para além dos aspectos comerciais.
A perspectiva de uma integração solidária (presente no PDI), pres-
supõe uma formação e produção de conhecimentos sobre a nossa reali-
dade Latino-Americana, em que a ideia de qualidade desta experiência
se pauta, para além da integração econômica, comercial e política, numa
interlocução cultural, envolvendo as comunidades universitárias.

O diálogo intercultural deverá ser um dos pontos centrais do


projeto pedagógico, pois se considera que a busca da integração
passa necessariamente pelo reconhecimento das diferenças entre
as diversas culturas da América Latina. Assim, aprofundar o co-
nhecimento das diferenças certamente favorecerá a identificação
das convergências que são importantes para a construção con-
junta de novos horizontes (CORAZZA, 2010, p. 80).

Considerações finais

A diversidade de identidades sociais e culturais pressupõe o reco-


nhecimento da diferença em que se fortalece a democracia como um
modo de vida. O reconhecimento da diversidade de mundos plurais,
segundo Citadino (2010), conformadores das identidades sociais de-
vem ser compatibilizados com a ideia de participação em uma comu-
nidade política que tenha a igualdade e a liberdade como princípios,
considerando o pluralismo cultural, étnico e religioso.

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Este processo de democratização da sociedade envolve uma pos-
tura existencial, cuja dinâmica se constitui num processo de superação
de uma subjetividade reguladora e regulada pelos mecanismos de poder.
O diálogo, como nos inspira Freire, enquanto ser e estar no mundo e
não meramente como uma técnica de convencimento, pressupõe o de-
senvolvimento de uma cidadania deliberativa, prudente e democrática,
visando o desmantelamento dos monopólios de interpretação.
A reinvenção da democracia na perspectiva da emancipação hu-
mana, diz respeito a formação do sujeito político tendo como valores
fundamentais, numa dinâmica intersubjetiva, a liberdade, a igualdade e
a consequente sensibilidade e generosidade para pensarmos e construir-
mos o mundo que queremos viver. Isto envolve a busca de superação
das condições sociais em que as múltiplas desigualdades e exclusões afe-
tam desconstituindo a dignidade humana.
Experiências vão se gestando, em que os conflitos epistemológi-
cos, sociais e políticos precisam ser potencializados na defesa do bem
público para gestar uma sociedade mais justa, considerando o cenário
atual da realidade brasileira, que consiste em grandes perdas de direitos,
em retrocessos na democracia e desinvestimento das instituições uni-
versitárias. Hoje vivemos o risco de vários retrocessos no caso brasileiro,
pois, além do desrespeito à Constituição Brasileira e à repressão políti-
ca, sofremos processos de violência que leva a banalização da vida, em
todos os seus sentidos.
Mas, apesar de um cenário de fortalecimento das pautas privati-
zantes e desumanizantes, as energias emancipatórias precisam revitalizar
seus pensares e experiências, forjando coligações numa aposta de alar-
gamento das brechas possíveis para construir um presente e um futuro
mais generoso com os seres humanos e a natureza.
Estas experiências gestadas pelas universidades emergentes a
exemplo da UNILA, como espaços públicos, podem potencializar a
formação de sujeitos políticos, nas palavras de Arendt, pode contribuir
para reinventar a política como liberdade, para construir novos come-
ços, no enfrentamento do deserto em que nos encontramos. Esta dinâ-
mica pressupõe assumirmos a vida com coragem, para que possamos
resistir como sujeitos ativos, no mundo público.

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O mundo humano é sempre o produto do amor mundi do
Homem, um artifício cuja potencial imortalidade está sempre
sujeita à mortalidade daqueles que o constroem e à natalidade
daqueles que vêm viver nele. É uma eterna verdade que disse
Hamlet: “O mundo está fora dos eixos; Ó que grande maldição
/ Eu ter nascido para trazê-lo a razão (ARENDT, 2008, p. 269).

O esforço de pesquisar, compreender e socializar experiências


que caminham na contramão do estabelecido, com suas tensões, dis-
putas e horizontes, possibilita alargar nosso olhar, com sensibilidade e
aposta num presente e num futuro de liberdade, em que a pluralidade
humana, constituinte na ação política, promova densos mundos resis-
tentes ao deserto.

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Referências
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ARENDT, H. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Univer-
sitária, 2008.
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Senado Federal, 1988.
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Brasileira de Educação, n. 24, pp. 5-15, 2003.
CITADINO, G. Pluralismo. In: BARRETO, V. P. Dicionário de Fi-
losofia Política. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2010. Pp. 397-401.
CORAZZA, G. A UNILA e a integração Latino-americana In: Boletim
de Economia e Política Internacional. Brasília: Ipea, 2010. [Número 3].
GENRO, M. E. H. Universidade Instituinte: vozes no fortalecimen-
to da democracia participativa - caso movimento estudantil no Chi-
le. (2013). Mimeo.
SANTOS, B. S. O Intelectual de Retaguarda. Análise Social, n. 204,
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SANTOS, B. S. A Universidade no Século XXI: para uma reforma de-
mocrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2010.
SANTOS, B. S. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura
política. São Paulo: Cortez, 2008.
TRINDADE, H. Palestra realizada na UFRGS em 2017. Porto
Alegre: UFRGS, 2017.
UNILA. Plano de Desenvolvimento Institucional da Univer-
sidade Federal da Integração Latino-Americana (PDI 2013-
2017). Foz do Iguaçu: UNILA, 2013.

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UNILA. Projeto Pedagógico do Curso: história: América Lati-
na. Foz do Iguaçu: UNILA, 2013.
UNILA. Projeto Pedagógico do Curso: Internacionalização e
Integração. Foz do Iguaçu: UNILA, 2013.

204

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UNILA: RUPTURAS COM O MODELO UNIVERSITÁRIO
TRADICIONAL E OS DESAFIOS PARA A INTEGRAÇÃO
LATINO-AMERICANA

Henrique Safady Maffei


Maria Elly Herz Genro
Carlos Alessandro da Silveira

Introdução

Los dolores que quedan son las libertades que faltan.


(Manifiesto de la Federación Universitaria
de Córdoba, 21 de Junio, 1918)

Este texto que ora apresentamos é parte da produção do Projeto


de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação da Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU-UFRGS) Universida-
de, Formação Política e Bem Viver: Estudo dos Projetos de Universidades
Emergentes no Brasil. Com o objetivo de investigar as universidades cria-
das entre 2003 e 2014, a pesquisa busca apontar em que medida elas
oportunizam brechas na colonialidade do saber e abrem rupturas no
modelo tradicional de Educação Superior, visando a possibilidade de
uma Universidade do século XXI que almeje o bem viver. Nesse sentido,
o termo emergente refere-se as novas instituições criadas num contexto
histórico, político e pedagógico distinto das universidades anteriores.
Neste sentido não compartilhamos com a designação atrelada ao desen-
volvimento capitalista presente no discurso de organismos neoliberais,
que identificam a emergência com países e economias subalternizadas.
Num primeiro momento da pesquisa, centramos nossa ativi-
dade em quatro Universidades Emergentes a saber: Universidade do
Vale do São Francisco (UNIVASF), Universidade Federal do Sul da
Bahia (UFSB), Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e a Uni-
versidade da Integração Latino Americana (UNILA). Pensamos que
todas essas rompem com a geopolítica do conhecimento ao estarem
instaladas em regiões deslocadas dos eixos de poder econômico e po-
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lítico, voltando o seu olhar acadêmico para o interior brasileiro. No
caso particular da UNILA, seu olhar está, também, voltado para o
interior do país e do continente latino-americano, já que tem sua sede
em Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argen-
tina. É por essa peculiaridade que escolhemos seu estudo de caso para
vincular os elementos de sua emergência com a Reforma Universitária
de Córdoba, no ano de seu centenário.
Com este estudo queremos apontar alguns aspectos em que a
luta da reforma universitária de Córdoba se mantém viva em processos
atuais, particularmente no caso da UNILA. Assim, colocamos algumas
questões: Em que sentido esta Universidade se difere das Universidades
Públicas tradicionais no Brasil? Esta experiência recente oportuniza bre-
chas para uma ruptura da colonialidade do saber euro-norte centrado,
numa perspectiva alternativa do bem viver?
Referente aos aspectos metodológicos, neste texto utilizamos
a análise dos documentos da UNILA e uma diversidade de estudos
sobre a temática. Utilizamos esses elementos para relacionar com o
centenário da luta dos estudantes de Córdoba com a seguinte estru-
tura: a atualidade da Reforma Universitária de 1918, os desafios para
a construção da Universidade do bem viver e, por fim, as brechas
oportunizadas pela UNILA.

A atualidade da Reforma Universitária de Córdoba (1918)

A reforma universitária de Córdoba foi uma conquista da luta


dos estudantes daquela cidade argentina. Compreendermos a confluên-
cia de diferentes aspectos sociais e políticos naquela localidade no ce-
nário histórico daquele ano, compreensão essa que é importante para
entendermos o processo e ao mesmo tempo sua atualidade. No plano
internacional, 1918 marcava o auge da Primeira Guerra Mundial que
representou a falência da belle époque e da crença no liberalismo e no
laissez-faire como possibilidade e cume da evolução humana. Nesse sen-
tido, a guerra inaugurava uma descrença e uma desilusão profunda de
que o capitalismo podia assegurar uma vida de qualidade para a maioria
das pessoas. A Revolução Russa, que recém completava alguns meses
quando da eclosão da luta cordobesa, era apenas mais um elemento des-
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sa desilusão capitalista e representava que era possível o assalto ao poder
feito por operários, camponeses e soldados contra um dos regimes mais
autoritários, feudais e brutais da Eurásia.
No plano nacional argentino, um governo comprometido com
reformas modernizantes e o fortalecimento das cidades servia de pano
de fundo para a atuação de filhos de imigrantes – muitos deles anar-
quistas e socialistas – que reivindicavam conquistas sociais para o povo,
ao mesmo tempo que se consolidava uma classe média numerosa. Em
Córdoba, dissonante com as outras universidades do país, a Universi-
dade mantinha uma estrutura e uma pedagogia escolástica, consoante
com a época colonial.
É nesse cenário que vai se dar a luta dos jovens de Córdoba, onde
o “movimento reformista ganhou corpo exatamente por contrapor-se a
uma instituição mais tradicional e distante dos ideais defendidos pelos
estudantes” (FREITAS NETO, 2011, p. 64). A contenda iniciou com
a eleição para a Reitoria, em que o candidato defendido pelos estudan-
tes ficou em último lugar e o vencedor era vinculado aos setores mais
conservadores da comunidade. Os jovens, então, ocuparam a Univer-
sidade e iniciaram uma greve. A luta seguiu por alguns meses até que
um congresso de estudantes – que criou a Federação de Universitários
da Argentina – definiu alguns pontos da reivindicação: coparticipação
dos estudantes na estrutura administrativa; participação livre nas aulas;
extensão da Universidade para além dos seus limites; autonomia uni-
versitária; universidade aberta ao povo, entre outros (FREITAS NETO,
2011, p. 67). Em sua luta de 1918,

os estudantes de Córdoba apelavam aos estudantes de toda Amé-


rica do Sul para que observassem como as demandas eram simi-
lares, assim como a tarefa que se impunha de reformar as univer-
sidades a partir de uma bandeira comum: mudar os mecanismos
administrativos, o ensino e a prática docente (FREITAS NETO,
2011, p. 67).

Foi esse chamado a pensar a Universidade latino-americana, bus-


cando uma identidade própria, como uma tarefa comum dos univer-
sitários do continente que marca um dos legados do movimento cor-
dobês. Um segundo legado diz respeito a necessidade de reinventar o
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governo da Universidade, no sentido de democratizar sua instituciona-
lidade. Outro elemento importante para pensar a atualidade da Refor-
ma Universitária de Córdoba é entender que a Universidade deve estar
atenta ao seu tempo, expressando suas pluralidades, aberta ao povo e
disposta a um diálogo de saberes, buscando responder as demandas de
sua comunidade, olhando para o futuro e lançando as bases da constru-
ção de um outro mundo possível.

Os desafios para a construção da Universidade do bem viver

No cenário global e nacional, o fortalecimento do neoliberalismo,


para além de um mero plano econômico e político, representa a imposi-
ção de um modo de vida de adaptação às exigências de tempo histórico e
significa, segundo Franklin: “mercado, tecnociência, organização eficaz e
tecnicismo produtivista” (SILVA, 2006, p. 199). Esta dinâmica tem seus
desdobramentos na concepção de Universidade como organização social,
modelo extraído da lógica empresarial. Para o autor, ocorre um processo
de desinstitucionalização da Universidade para o qual se inscrevem vários
fenômenos: a heteronomia (novos paradigmas extrínsecos a instituição),
a privatização e a subordinação ao mercado com a absorção de critérios
ligados ao tecnocratismo economicista (SILVA, 2006).
Este movimento vai de encontro a ideia de Educação como um
bem público, e também contra a concepção reivindicada pelos universi-
tários cordobeses. Esta direção mercadológica subtrai a responsabilida-
de social da Universidade na formação humana e, na nossa compreen-
são, a formação profissional (especializada) é insuficiente, pois o sentido
da autenticidade da Educação Superior diz respeito a formação cultural
para pensar o mundo, suas contradições e iniquidades. Nesta direção
apostamos na nossa condição de sujeitos históricos para imaginar outras
possibilidades na busca do bem viver.
A ideia da Educação Superior como bem público diz respeito,
introdutoriamente, à construção de sentidos nos processos formativos e
na produção de conhecimentos universitários para além dos interesses
particulares. Assim, estabelecendo pontes entre o fazer a Universidade
e as necessidades sociais e políticas numa vertente de democratização
da sociedade e seus múltiplos espaço-tempo-estruturais e instituições.
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Pensar projetos de país, e de Latino-América, objetivando desconstruir
diferentes formas de dominação, exclusão e práticas de desvalorização
da vida, num movimento aberto de estudos, debates e interlocuções
com os diferentes segmentos da sociedade. Todos esses elementos pre-
sentes nas ideias reformistas de Córdoba.
A ideia de bem público significa projetar a Universidade para to-
dos, inclusiva, democrática, num movimento de constituição de quali-
dade social. Construção e reinvenção da cultura levando em conta suas
experiências históricas para projetar o futuro.

A Universidade do século XXI será certamente menos hegemô-


nica, mas não menos necessária. A sua especificidade enquanto
bem público reside em ser ela a instituição que liga o presente ao
médio e longo prazo pelos conhecimentos e pela formação que
produz e pelo espaço público de discussão aberta e crítica que
constitui (SANTOS, 2004, p. 114).

A formação cultural diz respeito a uma racionalidade ampliada,


para além das especialidades do mundo acadêmico, envolvendo reflexões
ético-políticas para compreensão e atuação no mundo. Um conhecimen-
to prudente para uma vida decente, como refere Santos (2004). A sen-
sibilidade ética diz respeito à necessidade de potencializar solidariedades,
empatia, respeito à diversidade epistemológica, reciprocidade e outros
valores que direcionam nosso olhar em busca da igualdade e da liberdade.
Fiori (1992, p. 20) conceitua a Universidade como a culminân-
cia de um processo cultural. Para ele, as gerações vão passando de uma
para outra os seus feitos, não como produtos acabados, mas para serem
refeitos a partir das experiências de vida das novas gerações. Esse pro-
cesso cultural, obra do espírito, da espontaneidade e da liberdade, vai se
tornando cada vez mais consciente.
A Universidade na perspectiva do bem viver, como um processo
em construção e sem fim, significa cuidar da vida em sua totalidade e
outros processos de interesse social. Como conceito trazido dos povos
originários de Nossa América, o bem viver entende que todos fazemos
parte de uma só comunidade, incluída a natureza (Pachamama), e, des-
sa forma, todas nossas práticas interferem na totalidade da vida. A partir
desse conceito, pode-se instrumentalizar a ideia de que ninguém pode
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viver melhor sem que muitos – ou a natureza – vivam mal e, assim,
necessitamos construir um outro paradigma em que todos vivam bem.
Pensando a Universidade sob essa epistemologia, podemos pensá-la
como contraposta a uma ideia de lógica empresarial-produtivista, onde
o empreendedorismo individual e o ranqueamento institucional bus-
cam o desenvolvimento de uns em detrimento de muitos.
Segundo Alberto Acosta, “o buen vivir, na realidade, se apresenta
como uma oportunidade para construir coletivamente novas formas de
vida” (2012, p. 201). Essas propostas surgidas de grupos tradicional-
mente marginalizados,

questionam a ética do “viver melhor” na medida em que supõem


um progresso ilimitado que nos convida a uma competição per-
manente entre os seres humanos. Este é um caminho seguido
até agora, que permitiu a alguns viver “melhor” enquanto mi-
lhões de pessoas tiveram e ainda têm que “viver mal” (ACOSTA,
2012, p. 201).

Diante dessa proposta ética de bem viver, nos perguntamos como


seria construir uma Universidade de novo tipo, que negue a perspec-
tiva neoliberal problematizando a tradicional Universidade Pública
brasileira. Acreditamos que é dever aprofundar seus processos de de-
mocratização na gestão, nos processos pedagógicos, na construção do
conhecimento e numa interlocução com a sociedade para contribuir na
promoção da justiça social.
Nesta perspectiva consideramos a educação como um processo
mediador de experimentação de um caminho que vamos tecendo com
outros, forjando coligações, parcerias, afetos e desejos no enfrentamen-
to das contradições sociais e políticas do mundo contemporâneo e das
nossas próprias contradições. Assim, debatendo em cada momento o
possível, socializando narrativas diversas, fortaleceremos pressupostos
e sentidos em direção ao bem viver. São percursos que devem ser cons-
truídos coletivamente, singularmente, em que se articulem valores como
liberdade, igualdade, autonomia e interculturalidade, considerando a
diversidade humana. A mediação exige busca de coerência, superação
de dicotomias entre o experimentar e o pensar, em que os nossos movi-
mentos sejam reinventados, a cada dia, no sentido da aposta na melhor
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possibilidade do humano, dignidade para todos e todas. Desmercantili-
zando a vida, descolonizando nossas mentes e práticas e radicalizando a
democracia, em todos os espaços e tempos em que vivemos.

As brechas oportunizadas pela UNILA

A UNILA tem seu projeto iniciado em 2007, sua aprovação legal


em 2009 e o início das ações em 2010. Um dos principais elaboradores
e incentivadores deste projeto é o professor e pesquisador Hélgio Trin-
dade. Na conferência proferida na UFRGS, o ex-Reitor Pró-Tempore da
UNILA definiu essa como uma universidade brasileira, com vocação
internacional, sem muros e sem fronteiras (TRINDADE, 2017).
A UNILA foi implantada em Foz do Iguaçu, situada na tríplice
fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai. Sua territorialidade expres-
sa o forte desejo de consolidar uma experiência educacional desde a
UDUAL em 1967. Foi também proposta no contexto do Mercosul,
tendo como missão a integração latino-americana reveladora da diversi-
dade cultural de nossos povos.
Sua estruturação foi feita de forma participativa, com envolvimento
de diferentes protagonistas da integração latino-americana. Para pensar a
estrutura pedagógica e administrativa, foi criada uma comissão que pensou
as bases que foram depois discutidas num processo que “culminou na rea-
lização de um Seminário Aberto para a Discussão do Projeto Pedagógico
da UNILA, ocorrido nos dias 23 e 24 de maio de 2012” (UNILA, 2013,
p. 7). Uma nova comissão foi criada com o objetivo de elaborar o Plano de
Desenvolvimento Institucional (PDI) e contou com a presença de pesqui-
sadores indicados pela comunidade universitária que conduziram estudos
e debates sobre a ideia desta Universidade em construção, pensando sua
estrutura acadêmica e seu processo de integração. De forma transparente
este processo está documentado em resumos públicos disponíveis no site
da universidade. Além disso, “durante o processo de elaboração do do-
cumento, foram realizadas três consultas públicas, por meio eletrônico,
quando a comunidade universitária pode conhecer o documento elabora-
do pela comissão e enviar sugestões e críticas” (UNILA, 2013, p. 7).
A atenção aos estudantes, oriundos dos diferentes países do
nosso continente, passa pela prática bilíngue durante as aulas, e pelo
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ciclo básico que discute temas relevantes para a América Latina e o
Caribe. Ao mesmo tempo, o ensino-aprendizado é pensado em for-
ma de coautoria:

São princípios da universidade a interdisciplinaridade, a inter-


culturalidade, o bilinguismo e o multilinguismo, a integração
solidária e a gestão democrática. Para que as temáticas latino-a-
mericanas e caribenhas sejam exploradas com consistência, nas
diversas carreiras, a UNILA debaterá a ideia de integração entre
os países da região, ancorando-se no respeito mútuo e na von-
tade comum de aprender e de pesquisar. Debatendo conheci-
mentos historicamente acumulados, o professor trabalhará com
o aluno na perspectiva de parceria intelectual e coautoria do co-
nhecimento (UNILA, 2013, p. 15).

O Instituto Mercosul de Estudos Avançados (IMEA-UNILA),


órgão suplementar da Reitoria, tem como objetivo fomentar a inte-
gração regional a partir de um conjunto de ações compartilhadas que
envolvem os cursos das diferentes áreas de atuação desde a Engenharia
até Letras e Artes, passando por ações de pesquisa e pós-graduação às
relações institucionais e internacionais.
A perspectiva de uma integração solidária (presente no PDI), pres-
supõe uma formação e produção de conhecimentos sobre a nossa reali-
dade Latino-Americana, em que a ideia de qualidade desta experiência
se pauta, para além da integração econômica, comercial e política, numa
interlocução cultural, envolvendo as comunidades universitárias.

O diálogo intercultural deverá ser um dos pontos centrais do


projeto pedagógico, pois se considera que a busca da integração
passa necessariamente pelo reconhecimento das diferenças entre
as diversas culturas da América Latina. Assim, aprofundar o co-
nhecimento das diferenças certamente favorecerá a identificação
das convergências que são importantes para a construção con-
junta de novos horizontes (CORAZZA, 2010, p. 80).

Nos aproximamos de uma perspectiva de interculturalidade crí-


tica (WALSH, 2009), pela potência deste conceito em que o reconhe-
cimento e tolerância da diversidade cultural não é suficiente para dar
conta da complexidade do mundo global e suas singularidades locais,
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em que os paradigmas epistemológicos da Europa e dos Estados Uni-
dos são hegemônicos. A interculturalidade é compreendida como uma
ferramenta, processo e projeto que se constrói pelas pessoas e segundo
Walsh (2009, p. 4) exige: “apontar e requerer a transformação das es-
truturas, instituições e relações sociais, e a construção das condições de
estar, ser, pensar, conhecer, aprender, sentir e viver diferente”.
Nesse esforço de organização diferenciada da UNILA, o viés in-
terdisciplinar de alguns cursos, projetos de pesquisa e de extensão po-
tencializa a formação mais voltada para a realidade social, política e
ética dos diferentes países da América Latina. Essa formação vinculada
com a realidade latino-americana, sinaliza uma perspectiva intercultural
que abre brechas para um movimento contra hegemônico apontado
por Walsh (2009, p. 12), onde:

A interculturalidade crítica tem suas raízes e antecedentes nas


discussões políticas postas na cena pelos movimentos sociais, e
ressalta o seu sentido contra hegemônico, sua orientação em re-
lação ao problema estrutural-colonial-capitalista e sua ação de
transformação e criação.

Sendo assim, a formação interdisciplinar nos cursos, possibilita


desenvolver um novo perfil de cidadão e profissional comprometido
com a qualidade social de sua ação técnica e humana. Visando uma
atuação que tem como aspecto fundante a integração, o projeto políti-
co se articula com o educativo. Nesse sentido, cabe destacar os desafios
apontados por Trindade (2017) neste caminho: intercâmbio acadêmico
solidário, compromisso com o desenvolvimento sustentável indissociá-
vel da justiça social e partilha de recursos e conhecimentos entre estu-
dantes e professores na América Latina.

Somente com um saber acadêmico sólido e com a consciência


do processo histórico da América Latina e Caribe, marcado pela
dominação cultural, econômica e social, o egresso tornar-se-á
sujeito do processo de transformação da região, uma região que,
parafraseando Aníbal Quijano, encontra-se presa à lógica da co-
lonização do poder e do conhecimento, permeado pelo euro-
centrismo. Para romper com esta dita lógica da colonização do
conhecimento e buscar, assim, a emancipação da América Lati-

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na e Caribe, faz-se imprescindível questionar os conteúdos sob
novos parâmetros, novas perspectivas, gerando novas soluções e
valorizando os seres humanos, sem distinções de nenhum tipo
(UNILA, 2013, p. 13).

Faz-se assim necessário reafirmar a relevância da UNILA enquan-


to projeto em construção de integração dos saberes latino-americanos
que necessita ser fomentado e apoiado para que novos paradigmas se-
jam criados na Educação Superior, oportunizando novas caminhadas
que rompam com a colonialidade euro-norte-centrada, com a mercan-
tilização neoliberal e outras diversas formas de opressão tão marcadas
no nosso mundo contemporâneo.
A Universidade Latino-Americana pode ter um papel mais prota-
gônico na formação e reconfiguração cultural que aponte novas referên-
cias institucionais, no resgate da ancestralidade do nosso pensamento
e ao mesmo tempo oportunize a criatividade social, política e cultural
de nossa América. Nesse sentido, as possibilidades abertas através da
experiência da UNILA, como a interculturalidade, a integração regio-
nal, a interdisciplinaridade e o desenvolvimento sustentável, devem ser
preservadas e defendidas diante dos ataques que pretendem desconfigu-
rar sua identidade. Também consideramos necessário o aprimoramento
constante dessas experiências em curso, sabedores de que a Universida-
de numa perspectiva de bem viver envolve articulação entre qualidade
acadêmica e social, levando em conta a diversidade epistemológica e
cultural do mundo.
Esses elementos trazidos pela emergência de uma Universidade com
outros princípios que não os de uma Universidade tradicional instauram

brechas descoloniais que podem abrir-se na educação para de-


mocratizá-la, não em um sentido eurocêntrico, colonial-moder-
no e liberal da ideia de democratização, mas sim como resultado
de uma crítica histórica levada a cabo a partir da perspectiva e
dos problemas de nosso próprio continente (SEGATO, 2012, p.
51 tradução livre).

Os exemplos de produção e de organização mencionados ante-


riormente, também corroboram com a ideia de Gentil Corazza (2010)

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de que há uma preocupação das Universidades com a integração lati-
no-americana, e a UNILA “representa um novo marco nesse processo
pois foi criada com a missão específica de promovê-la” (CORAZZA,
2010, p.79) E é nesse marco, talvez, que podemos encontrar o grande
vínculo com a luta de Córdoba – “de que nossas verdades, por mais
dolorosas que sejam, são as de todo o continente” (CÓRDOBA, 1918,
p.2) Dessa forma, a luta dos reformistas de Córdoba segue sendo um
grande desafio em construção.

Considerações Finais

Nossas Universidades ainda têm uma enorme caminhada a per-


correr para uma integração latino-americana. Num marco de ataques e
fortalecimento da globalização neoliberal, elas “necessitam uma grande
reforma, como a defendida por Boaventura de Souza Santos, que vise
“fortalecer a legitimidade da universidade pública num contexto da glo-
balização neoliberal da educação e com vista a fortalecer a possibilidade
de uma globalização alternativa” (SANTOS, 2004, p. 91)
Como possibilidade de brechas de ruptura com a Universidade
tradicional, particularmente, pensamos que no caso da UNILA, pre-
tende-se integrar as diversas culturas não só a brasileira, a paraguaia e a
argentina, mas também a indígena, no afã de alcançar uma ecologia de
saberes locais e latino-americanos.
Desde os tempos de Simón Bolívar, a construção da unidade lati-
no-americana, não como uma grandeza geográfica, mas como uma uni-
dade de suas diversidades, é um projeto em construção. “Mais do que
uma identidade ou uma grandeza geográfica, a América Latina pode ser
entendida como um desafio” (STRECK, ADAMS e MORETTI, 2010,
p.20) Essa unidade e identidade de Nuestra América só será possível
com a descolonização de saberes no sentido que nos aponta Boaven-
tura de Souza Santos e experiências como a da UNILA nos ajudam a
caminhar nesse sentido, na trilha dos reformistas – e porque não dizer
revolucionários – de Córdoba que defendiam que...

En la Universidad Nacional de Córdoba y en esta ciudad no se


han presenciado desórdenes; se ha contemplado y se contempla

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el nacimiento de una verdadera revolución que ha de agrupar
bien pronto bajo su bandera a todos los hombres libres del con-
tinente. (CÓRDOBA, 1918, p. 2)

Revisitar Córdoba, não significa caminhar sobre trajetos arqui-


tetonicamente desenhados e acabados, mas respirar o espírito de seus
reformistas significa buscar a permanente oxigenação das práticas e dos
pensares na Universidade, percebendo a incompletude dos movimentos
históricos, entre seus limites e suas utopias.
Neste centenário de Córdoba, necessitamos potencializar o deba-
te acerca de suas conquistas para diagnosticar e repensar a Universidade
na América Latina, mas também apontar seus limites e suas insuficiên-
cias. Esta leitura histórica não significa somente revisitar o passado, mas
problematizar a atualidade com vistas a imaginar o futuro.
Sabemos da grande caminhada a percorrer para a instauração de
brechas decoloniais e para a construção de modelos alternativos de Uni-
versidade. Os desafios, limites e dificuldades são enormes, ainda mais
na construção de um outro mundo possível em que o bem viver se
relacione com a não exploração do ser humano e a comunhão com a
natureza. Mas, a resistência ativa à condição de sujeitos sujeitados nos
impulsiona para a ideia de aposta e esperança, como uma forma de
qualificar a vida em sociedade.

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Referências
ACOSTA, A. O Buen Vivir – Uma oportunidade de imaginar um ou-
tro mundo. In: BARTELT, D. D. (Org.). Um campeão visto de per-
to: Uma análise do modelo de desenvolvimento brasileiro. Brasília:
Heinrich-Böll-Stiftung, 2012. Pp. 198-216.
CORAZZA, G. A UNILA e a integração Latino-americana. In: Bo-
letim de Economia e Política Internacional. Brasília: Ipea, 2010.
[Número 3].
CÓRDOBA, Federación Universitaria de. La Juventud argentina de
Córdoba A los hombres libres de Sud América. Manifesto publicado
em 21 de junho de 1918. Disponível em: www.reformadel18.unc.edu.
ar/manifiesto.htm.
FIORI, E. M. Educação e Política. Porto Alegre: LP&M, 1992.
[Volume 2].
FREITAS NETO, J. A. A reforma universitária de Córdoba (1918):
um manifesto por uma universidade latino-americana. Revista Ensino
Superior, v. 3, pp. 62-73, 2011.
SANTOS, B. S. A universidade do século XXI. São Paulo: Cortez, 2004.
SEGATO, R. L. Brechas descoloniales para una universidad nuestroa-
mericana. Revista Casa de las Américas, n. 266, pp. 43-60, 2012.
SILVA, F. L. Universidade: a ideia e a história. Estudos Avançados, v.
20, n. 56, pp. 191-201, 2006.
STRECK, D.; ADAMS, T.; MORETTI, C. Pensamento pedagógico
em Nossa América: uma introdução. In: STRECK, D. (Org.). Fontes
da Pedagogia latino-americana: uma antologia. Belo Horizonte: Au-
têntica Editora, 2010.
TRINDADE, H. Integração Acadêmica Latino-americana. Ciclo Con-
ferências UFRGS, CRES 2018 - Cem anos da Reforma de Córdoba.
Palestra proferida em 22 de novembro de 2017 no Salão de Festas da
Reitoria. Porto Alegre: UFRGS, 2017.

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UNILA. Plano de Desenvolvimento Institucional - PDI 2013-2017.
UNILA: Foz do Iguaçu, 2013.
WALSH, C. Interculturalidad crítica y educación intercultural.
Apresentação em Seminário realizado em La Paz, 2009.

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Parte 3

PRODUÇÕES DO GRUPO APRESENTADAS NOS


EVENTOS ACADÊMICOS E REFLEXÕES
E EXPERIÊNCIAS DOS BOLSISTAS (2017 - 2020)

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PRODUÇÕES DO GRUPO EM EVENTOS ACADÊMICOS

Trabalhos apresentados no X Seminário Internacional de Educação


Superior (UFRGS, 2017)
Linha de Pesquisa: Ciências Humanas – Educação
Título: UNILA – Rupturas com o modelo universitário tradicional e os
desafios para a integração latino-americana.
Autores: Carlos Alessandro da Silveira e Henrique Safady Maffei
Resumo: A partir da pesquisa de documentos da Universidade, bus-
camos evidenciar alguns indícios de rupturas desta com o modelo tra-
dicional, sobretudo quanto a integração e o diálogo entre as diferentes
comunidades dos países Latino-Americanos. A questão central diz res-
peito a como esse projeto trabalha na perspectiva de uma integração
latino-americana, sua identidade e diversidade cultural. A partir da
leitura de Gentil Corazza e Boaventura Santos, entre outros autores,
pudemos perceber que alguns aspectos desse projeto de Universidade
dialogam com as propostas de reforma universitária do movimento de
Córdoba 1918. O PDI da UNILA aponta, por exemplo, que sua voca-
ção internacional pretende contribuir para o aprofundamento do pro-
cesso de integração regional através do conhecimento compartilhado.

Título: Formação na Universidade: caminhos interdisciplinares e femi-


nistas no contexto atual
Autores: Camila Tomazzoni Marcarini e Raquel Karpinski
Resumo: O presente trabalho objetiva fazer uma reflexão sobre a for-
mação na universidade, a partir do olhar interdisciplinar e feminista.
Estas reflexões pretendem contribuir com a transformação da univer-
sidade, afirmando seu papel na superação de desigualdades sociais e
na construção de uma sociedade mais humana, justa e digna. Apesar

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dos avanços ocorridos no meio universitário nos últimos anos, é so-
cialmente perceptível que precisamos avançar na inserção de princí-
pios feministas e interdisciplinares na formação universitária, capazes
de potencializar uma educação mais condizente com os princípios de
transformação e humanização da realidade. Defendemos que, para
além da necessária formação técnica, é importante que a universidade
se empenhe na formação e construção de valores que possam superar
e transformar nossa realidade tão desigual, violenta e pouco evoluída
enquanto humanidade.

Título: Universidades Emergentes: perspectivas para uma nova Educa-


ção Superior
Autores: Claudete Silva e Claudete Lampert Grungiskie
Resumo: Este ensaio apresenta uma breve reflexão acerca do importan-
te papel das universidades emergentes no contexto da educação supe-
rior pública no Brasil, diante dos desafios contemporâneos. Apresenta
elementos fundamentais que constituem a essência destas universida-
des, como missão, concepção e princípios, articulando ao referencial
teórico de Boaventura de Sousa Santos, Catherine Walsh e Aníbal Qui-
jano. Busca na análise de conteúdo o modelo teórico para esta escri-
ta, tomando por base documentos institucionais. Concluímos que as
universidades emergentes aqui destacadas (UNILA, UNIVASF, UFFS,
UFSB) se colocam na perspectiva contra hegemônica de educação supe-
rior, apontando para novos paradigmas na construção de uma realidade
social mais democrática e inclusiva. Para que ocorra a democracia e
inclusão, estas universidades apresentam propostas de novos conheci-
mentos, articulando a realidade social com as práticas e experiências
e saberes que emergem do Sul, transformando as estruturas para que
todos sejam de alguma forma sujeitos e buscar novas formas de ação e
intervenção crítica.

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Trabalho apresentado no X CIDU
Título: Interdisciplinaridade e a Universidade Emergente: Projeto Pe-
dagógico da Licenciatura em Ciências da Natureza da UNILA
Autores: Leonardo Maihub Manara e Elizabeth D. Krahe
Resumo: O presente estudo constitui um desdobramento do projeto
de pesquisa Universidade, Formação Política e Bem Viver: Estudo dos
Projetos de Universidades Emergentes no Brasil, originado na Facul-
dade de Educação (FACED) da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) e desenvolvido em parceria com pesquisadores/as de
outras Instituições de Ensino Superior (IES’s). O mesmo “busca anali-
sar e discutir sobre o papel social da Instituição Universitária no atual
contexto brasileiro, que foi historicamente marcado por profundas de-
sigualdades sociais e elitização do acesso à educação superior” (p. 15,
2017). É dada atenção especial a projetos de Universidade emergentes
de algumas novas IES’s do Brasil, fundadas entre 2003 e 2014. Este
trabalho procura analisar o projeto pedagógico do curso de Licenciatura
em Ciências da Natureza: Física, Química e Biologia da Universidade
Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) sob a óptica da in-
terdisciplinaridade, no sentido de contribuir para a investigação da im-
portância e diversidade das perspectivas interdisciplinares no contexto
de projetos emergentes de Universidade. Frente aos limites, ao caráter
formal e mesmo à provisoriedade dos recortes e abordagens disciplina-
res, a interdisciplinaridade surge como ferramenta para desvelar a reali-
dade complexa do mundo e promover o desenvolvimento de estilos de
pensamento adequados aos objetivos e conteúdos de ensino e aprendi-
zagem (PHILIPPI JR. e SILVA NETO, 2011). Foi utilizada a metodo-
logia qualitativa, em um estudo de caso (BOGDAN e BIKLEN, 1994)
e aprendizados feitos durante a finalização da pesquisa e dos estudos da
construção e implementação da Licenciatura em Educação do Campo
da UFRGS. Para a realização da análise, em nosso trabalho de Iniciação
Científica, feita a revisão de literatura pertinente, utilizou-se o método
da análise de conteúdo qualitativa e categorização, etapa na qual encon-
tra-se atualmente a pesquisa.

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Trabalho apresentado no SEPOME (UFPEL, 2017)
Linha de Pesquisa: Ciências Humanas – Educação
Título: Universidade, formação política e bem viver: Estudo dos proje-
tos de Universidades Emergentes no Brasil
Autores: Henrique Safady Maffei e Maria Elly Herz Genro
Resumo: O presente estudo integra o projeto de pesquisa: Universi-
dade, Formação Política e Bem Viver: Estudo dos Projetos de Univer-
sidades Emergentes no Brasil (2003-2014), do Grupo de pesquisa do
PPGEDU/UFRGS. Para esse foro de discussão, optamos por um estu-
do de caso de uma das Universidades estudadas, a Universidade da In-
tegração Latino-Americana (UNILA). Através da leitura sistemática de
seus documentos a partir das lentes do Projeto referido, sobressaíram-se
iniciativas como a criação de redes de pesquisa voltadas para Nuestra
América, os inúmeros esforços de criação um diálogo Sul-Sul, a criação
do Instituto do Mercosul de Estudos Avançados (IMEA) e a organi-
zação de suas cátedras. A partir delas, organizamos três eixos capazes
de articular sentidos e potencialidades emergentes (SANTOS, 2006)
nessas iniciativas protagonizadas pela Universidade: I) a possibilidade
de estabelecimento de diálogos interculturais (SEGATO, 2012); II) seu
impacto no fortalecimento de uma integração latino-americana de mais
alta intensidade; III) o potencial anticolonial (CUSICANQUI, 2014)
das atividades realizadas. Num cenário de fortalecimento do neolibera-
lismo e da crescente exaltação de um pensamento colonial internaliza-
do, os debates no campo da educação superior são contrapontos fun-
damentais para a emergência de novos paradigmas capazes de dar conta
do tempo presente. Estas experiências de novas universidades oportuni-
zam caminhadas de rupturas com a colonialismo euro-norte-centrado,
com a mercantilização neoliberal e outras tantas formas de opressão, tão
marcantes no nosso mundo contemporâneo.

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Trabalho apresentado no Salão de Iniciação Científica - SEFIC
(UNILASALLE, 2017)
Linha de Pesquisa: Ciências Humanas – Educação
Título: Universidade da Integração Latino Americana (UNILA): Um
estudo sobre projeto de Universidade e suas contribuições para for-
mação política.
Autores: Carlos Alessandro da Silveira e Larissa Regina Gehlen da Silva
Resumo: A pesquisa analisa os novos modelos de universidades pú-
blicas emergentes no Brasil criadas no período de 2003 a 2014. Neste
recorte, as análises iniciais recaem sobre a Universidade da Integração
Latino Americana (UNILA), priorizando aspectos relevantes como a
originalidade institucional e a articulação entre o ensino, pesquisa e
extensão, na perspectiva da formação de cidadãos comprometidos com
a transformação social.

Trabalho apresentado no XXX SALÃO DE INICIAÇÃO CIENTÍ-


FICA (UFRGS, 2018)
Linha de Pesquisa: Ciências Humanas – Educação
Título: Universidades Emergentes no Brasil: O caso da Universidade
Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e seu Protagonismo
na Interlocução Cultural
Autor: Carlos Alessandro da Silveira
Resumo: A No período entre 2003 e 2014 foram criadas 18 novas uni-
versidades públicas emergentes no Brasil, que contribuem até os dias
de hoje para ampliar o acesso à Educação Superior, com experiências
promissoras que tensionam os modelos clássicos de universidade. Neste
trabalho, as análises recaem sobre a Universidade Federal da Integra-
ção Latino-Americana (UNILA), no sentido de evidenciar aspectos que
sinalizam esta experiência universitária como um projeto emergente,
quanto ao desenvolvimento local e regional, participação da comunida-
de e articulação entre ensino, pesquisa e extensão.

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Trabalhos apresentados no SALÃO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA
(UFRGS, 2020)
Linha de Pesquisa: Ciências Humanas – Educação
Título: A Filosofia Africana e sua contribuição para UNILA
Autora: Jurema Garcia Machado
Resumo: Este trabalho está relacionado com o projeto “Universidades,
Formação Política e Bem Viver: Estudo dos Projetos de Universidades
Emergentes no Brasil”, que têm por objetivo analisar a gênese e a relação
com a sociedade de três universidades: UNILA, UFFS, UFSB. A partir
do recorte da investigação, destacamos a proposta inovadora de integra-
ção da UNILA e as contribuições do professor desta universidade Jean
Bosco Kakosi, com a filosofia africana no contexto acadêmico e latino-a-
mericano, tendo como base o conceito Ubuntu que evoca uma comuni-
dade cósmica interdependente centrada na vida. Através da análise quali-
tativa-interpretativa da entrevista feita em julho de 2017 com o professor,
ressaltamos no seu depoimento sobre as contribuições da UNILA para
repensar a universidade brasileira: interdisciplinaridade, a flexibilidade de
trânsito entre os cursos, avanços em pesquisa e extensão e outros saberes
que circulam na universidade, como a filosofia africana. O interesse do
Mercosul está presente no projeto da UNILA e o conceito positivo desta
universidade no cenário nacional e internacional. Porém, alguns pontos
seguem em construção: o respeito ao bilinguismo (português, espanhol),
as diferenças étnicas, raça, gênero, religiosa, social e a relação com a co-
munidade local, entre outros aspectos. Assim como o conceito de buen
vivir (ACOSTA, 2016), que busca uma harmonia entre todos os seres
do universo, contrapondo-se a exploração desenfreada de material hu-
mano e ecológico, Kakosi (2019) a partir do conceito de Ubuntu resgata
uma visão includente onde todos os seres humanos e não humanos têm a
sua função. Neste sentido consideramos a necessidade de pensar sobre o
nosso ser e estar no mundo de forma mais solidária. Contudo, para uma
universidade cada vez mais inclusiva é necessário, também, pensar a pro-
posta de uma ecologia de saberes (SANTOS, 2010) onde a promoção do
diálogo entre os diferentes saberes “pode potencializar um conhecimento
prudente para uma vida decente”.

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Título: A UFFS como Universidade Emergente: contribuições na defe-
sa da Educação Superior como bem público
Autora: Graciela Santos Dornelles
Resumo: Este trabalho apresenta um recorte do projeto “Universidades,
Formação Política e Bem Viver: Estudo dos Projetos de Universidades
Emergentes no Brasil”, que pretende produzir conhecimento acerca dos
novos modelos de universidade que estão em construção. Aqui, temati-
za-se a proposta da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) como
inovadora desde a sua gênese, pois o projeto de universidade emerge das
lutas históricas dos movimentos sociais populares. Propõe-se a cumprir
um papel social dentro de um projeto de país, contrapondo aos mo-
delos clássicos de universidade e reforçando o princípio da educação
superior como bem público. Assim, democratiza o acesso universitá-
rio como um direito também dos segmentos historicamente excluídos.
Através da pesquisa documental de cunho qualitativo e da entrevista
realizada com o ex-reitor Jaime Giolo, analisamos as estratégias da Uni-
versidade no tocante à universalização do acesso e ao desenvolvimento
local/regional tendo como prioridades: agroecologia; meio ambiente;
agricultura familiar e cooperativismo. Com isso, buscamos conectar
a experiência da UFFS ao conceito de Bem Viver, conforme elabora-
do por Alberto Acosta, e ao conhecimento pluriuniversitário proposto
por Boaventura de Sousa Santos. Destacamos, ainda, a ampliação da
política de cotas a partir do Programa Pró-Haiti; vagas suplementares
para indígenas e a reserva das vagas na graduação, em torno de 90%
para estudantes que cursaram o ensino médio exclusivamente em escola
pública, afirmando assim a democratização do acesso à universidade.
Porém, ir contra a proposta de desenvolvimento neoliberal em uma
sociedade de classes torna-se “um nadar contra a correnteza”, ao prio-
rizar o desenvolvimento humano-social em relação à produção técnica.
Nesse contexto, a UFFS é um projeto em disputa e precisa se afirmar
como uma universidade popular estimulando a presença organizada de
setores populares em favor da transformação democrática da sociedade.
Assim, como define Paulo Freire, o desafio da educação é humanizar o
mundo por meio de uma formação cultural para a práxis transformado-
ra com o objetivo de promover a emancipação dos sujeitos.

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Parte 4

REFLEXÕES E EXPERIÊNCIAS DOS BOLSISTAS


DA PESQUISA

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INICIAÇÃO CIENTÍFICA: OPORTUNIDADES
E APRENDIZAGENS, PARTILHAS E MUDANÇAS

Jurema Garcia Machado

O projeto de pesquisa Universidade, Formação Política e Bem


Viver: Estudos dos Projetos de Universidades Emergentes do Brasil, ao
qual estou vinculada como bolsista de Iniciação Científica, sob orien-
tação da Prof. Dra. Maria Elly Herz Genro, tem me oportunizado
expandir meus conhecimentos, enquanto acadêmica do curso de Li-
cenciatura em Pedagogia UFRGS. Ingresso nesta Universidade aos 56
anos de idade, trazendo em minha bagagem de mulher negra, moradora
da periferia canoense, sonhos, expectativas e medo. Sonhos esses, que
não são somente meus, mas de toda uma gente, que como eu, saiu
da escola precocemente para entrar no mercado de trabalho, no meu
caso (trabalho doméstico) e anseia por uma oportunidade de mudança,
ascender socialmente. As expectativas e o medo de um mundo antes
nunca visto, nem imaginado, logo foram amenizados, interagindo com
colegas e professores, tenho assim a convicção de que este espaço, sim
era meu por direito, sim direito a políticas públicas (Ações Afirmativas,
Cotas Raciais), uma reparação histórica, por séculos de escravidão ao
povo negro. Inserida ao grupo que estuda a Universidade de Integração
Latino-Americana (UNILA) em agosto de 2019, tenho um primeiro
contato com os documentos institucionais (PDI e Estatuto), desta IES,
conhecendo então, seu contexto histórico e geográfico, bem como sua
missão e seus objetivos de integração latino-americana. Ao mesmo
tempo, entro em contato com os referenciais teóricos-metodológicos,
que embasam a análise desta referida pesquisa, entre eles Boaventura de
Souza Santos (2010), Alberto Acosta (2012), Franklin Leopoldo e Silva
(2006). Neste sentido, Santos (2010) e Silva (2006), nos propõem uma
reflexão sobre as universidades e sua tradição elitista, e a urgência destas
abrirem-se ao diálogo com outros saberes, que não somente atendam
aos interesses mercadológicos. Do mesmo modo, Alberto Acosta (2012,

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p. 202) destaca o buen vivir, como: um conceito plural, advindo da
cultura indígena, que prioriza os “bons víveres e bons conviveres”, re-
conhecendo as contribuições tecnológicas, de outras culturas e saberes.
Como bolsista de Iniciação Científica, tenho vivido ricas experiências,
colaborando, nas reuniões do grupo de pesquisa, participando de artigo
em construção e do SIC UFRGS 2020. Em cada um desses momentos
enfrento desafios e busco conquistas, tendo sempre o suporte de minha
orientadora e colegas do grupo de pesquisa.
No Salão de Iniciação Científica UFRGS 2020, apresento o tra-
balho intitulado: A Filosofia Africana e sua contribuição para UNILA,
evidenciando a proposta inovadora de integração da UNILA e as con-
tribuições do professor desta universidade Jean Bosco Kakosi, com a fi-
losofia africana. Esta filosofia tem como base o conceito de Ubuntu que
evoca uma comunidade cósmica interdependente, centrada na vida.
Através da análise qualitativa-interpretativa da entrevista feita em julho
de 2017 com o professor Kakosi, ressaltamos no seu depoimento sobre
as contribuições da UNILA para repensar a Universidade brasileira: in-
terdisciplinaridade, a flexibilidade de trânsito entre os cursos, avanços
em pesquisa e extensão e outros saberes que circulam na Universidade,
como a filosofia africana.
O interesse do Mercosul está presente no projeto da UNILA e
o conceito positivo desta Universidade está respaldado no cenário na-
cional e internacional. Porém, alguns pontos seguem em construção:
o respeito ao bilinguismo (português, espanhol), as diferenças étnicas,
raça, gênero, religiosa, social e a relação com a comunidade local, entre
outros aspectos. Por outro lado, percebe-se a intenção e possibilidade de
atuação mais próxima da sociedade local, com valorização de sujeitos e
saberes diversos. O contexto social e a localização (na fronteira trinacio-
nal) Brasil, Argentina e Paraguai, possibilitam a realização da proposta
de integração latino-americana, presente nos documentos institucionais
da instituição (UNILA, PDI, 2019, p. 23). Pois,

A diversidade da presença de professores e estudantes de dife-


rentes países da América Latina na universidade contribuem
também para um ambiente de encontro de uma pluralidade
de sujeitos e conhecimentos, abrindo espaço para pensar a par-
tir da ideia de coletividade, conforme proposto pela filosofia
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Ubuntu. Concluindo, a pesquisa científica está sendo muito
importante para minha formação, pois, os conhecimentos ab-
sorvidos, passam a fazer parte do meu cotidiano pessoal e aca-
dêmico, tendo como objetivo dar uma resposta a comunidade
periférica ao qual faço parte.

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Referências
ACOSTA, A. O Buen Vivir – Uma oportunidade de imaginar um ou-
tro mundo. In: BARTELT, D. D. (Org.). Um campeão visto de per-
to: Uma análise do modelo de desenvolvimento brasileiro. Brasília:
Heinrich-Böll-Stiftung, 2012. Pp. 198-216.
SILVA, F. L. Universidade: a ideia e a história. Estudos Avançados, v.
20, n. 56, pp. 191-202, 2006.
SANTOS, B. S. A Universidade do Século XXI: para uma reforma de-
mocrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2010.
UNILA. Plano de Desenvolvimento Institucional 2019/2023. UNI-
LA: Foz do Iguaçu, 2019.

234

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BOLSA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA: O DESPERTAR
DO INTERESSE PELA PRÁTICA DA PESQUISA
PARA O DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA

Carlos Alessandro da Silveira

Introdução

Neste relato reflexivo descrevo minha trajetória de pesquisador


(CNPQ e voluntário), no projeto de pesquisa “Universidade, Formação
Política e Bem Viver: Estudo dos Projetos de Universidades Emergentes
no Brasil”, o qual estou vinculado desde o ano de 2017. Enfatizo os
saberes e as experiências adquiridas nos últimos quatro anos, algo que
deixa marcas para o momento da graduação e para o futuro.
Me chamo Carlos Alessandro da Silveira, sou graduando em Pe-
dagogia e atualmente estou cursando o sétimo semestre. Iniciei minha
participação na investigação em agosto de 2017, quando os colegas
do PPGEdu realizaram as primeiras entrevistas com ex-Reitores e do-
centes de três Universidades Emergentes sediadas no Brasil (UNILA,
UNIVASF e UFSB).
O prazo de conclusão da pesquisa se encerra em maio de 2022,
com o propósito de viabilizar as etapas metodológicas finais, estabele-
cidas no cronograma do projeto piloto, ações paralelas ao momento de
pandemia o qual estamos vivendo, algo sem precedentes e sem soluções
definitivas a curto prazo.

Reflexões sobre a participação na pesquisa

Nos últimos três anos, participei de reuniões ordinárias e extraor-


dinárias, algumas quinzenais e outras mensais, com os alunos do PP-
GEdu, bolsistas de pesquisa e os professores coordenadores do projeto.
A partir desses encontros, aprendi o quão importantes são os momentos
dedicados para o planejamento e desenvolvimento de uma pesquisa.
São nessas ocasiões que o grupo define metas, prazos, atribuições, parti-

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cipações em eventos e produções científicas, ou seja, as múltiplas formas
de divulgação dos resultados parciais da pesquisa.
Com minhas colegas de pesquisa Jurema Garcia Machado, Gra-
ciela Dornelles e Larissa Ghelen da Silva (bolsistas CNPQ e FAPERGS)
compartilhei tarefas, responsabilidades, aprendizagens, medos, circuns-
tâncias de ansiedade, mas, sobretudo, de vitórias. Aos poucos saímos
da esfera do coleguismo e nos tornamos bons amigos, dividimos os
afazeres da graduação e pequenas estrofes da vida.
Em continuidade ao relato, enfatizo “as entrevistas” como aspecto
metodológico relevante de aprendizagem e de experiência. Durante o
desenvolvimento da pesquisa, aprendemos a planejar roteiros de entre-
vistas, as etapas de gravação de áudios e, por fim, a transcrição desses
áudios, com vistas à concordância dos entrevistados para utilização do
material confeccionado, respeitando para tanto, as normas da ABNT.
De posse do texto final (degravação), o grupo de pesquisa pôde realizar
a análise de conteúdo do material, transversalizando e comparando tais
informações com os documentos institucionais e visitas in loco.
Com relação aos procedimentos metodológicos, algumas adap-
tações precisaram ser feitas durante o processo. Penso que em qualquer
pesquisa, o “rigor” metodológico deve estar centrado na ética, nas esco-
lhas dos instrumentos e na conduta das ações, mas os caminhos podem
ser modificados ciclicamente, desde que respeitem os prazos estabeleci-
dos no cronograma do projeto piloto. Acredito que uma metodologia
de pesquisa bem engendrada possibilita potentes discussões e proble-
matizações acerca dos resultados obtidos.
Durante todos esses anos realizamos muitas leituras, nos semi-
nários do PPGEdu e orientações individuais. Entendo que tais leitu-
ras dirigidas foram fundamentais para a compreensão das temáticas
estudadas (Universidade, Universidade Emergente, bem viver, meto-
dologia de pesquisa etc.). De início, o bolsista de pesquisa não tem
ideia do quanto precisa ler e estudar determinados autores e conceitos
para poder compreender a pesquisa a qual está se incorporando. Aos
poucos o pequeno se torna macro e as relações entre os saberes (teoria
e prática) fornecem subsídios para argumentos escritos e orais, abrin-
do caminhos para outros estudos investigativos, algo que ultrapassa o
momento da graduação.
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Participações em eventos

Quando ingressamos numa pesquisa precisamos ter ciência de


que os resultados do estudo, parciais ou totais, precisam ser divulga-
dos em múltiplos eventos, internos e externos a UFRGS, um meio de
dar visibilidade a pesquisa e a nossa participação efetiva no processo.
Esse foi um desafio que enfrentamos juntos, eu e as colegas Graciela e
Jurema, onde a coragem superou os medos e o tão conhecido “frio na
barriga”. Dizem que o medo de errar é o desejo que temos em fazer o
nosso melhor, vale a pena refletir.
Relembro ainda que nos anos de 2017 a 2020 apresentei di-
ferentes recortes da pesquisa envolvendo a UNILA (Universidade da
Integração Latino-Americana), tanto nos eventos internos da UFRGS
quanto nos salões de Iniciação Científica de outras Universidades. No
ano de 2018, publicamos um artigo científico sobre a UNILA (GEN-
RO, M. E. H.; MAFFEI, H. S; SILVEIRA, C. A. UNILA: rupturas
com o modelo universitário tradicional e os desafios para a integração
latino-americana. Revista da UFRGS, Porto Alegre, a. 0, v. 0, p. 00-
00, n. 00, dez. 2018) – capítulo de livro, motivo de orgulho para toda
a equipe da pesquisa.
Nesse contexto, aprendi que para apresentarmos um trabalho em
eventos (SIC, Seminários, Fóruns), precisamos cumprir determinadas
exigências (elaboração do resumo, confecção de pôster, defesa oral),
ações que são avaliadas e homologadas por especialistas, professores que
sinalizam a potência do trabalho a ser socializado. Essa experiência é
algo singular, nos permite errar e acertar, anotar questionamentos e su-
gestões sobre o estudo em questão.
Com toda certeza, esse “troca-troca” de saberes é relevante para o
apresentador e para os demais colegas que participam do evento, uma
vez que as sugestões emanadas pela banca examinadora dão pistas de
novos caminhos metodológicos e outras possibilidades exploratórias
dos resultados e análises. Nessas ocasiões somos convocados a socializar
tudo o que aprendemos, com muitas interrogações que passam pela
cabeça em segundos, o que desafia e gratifica. Entendo que todas as
opiniões e sugestões tendem a melhorar nossas ações como pesquisador,
uma aprendizagem para o futuro.
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Contribuições da pesquisa para a vida

Os alunos da graduação que se permitem conhecer o universo


da pesquisa e a importância do ato de pesquisar ficam encantados com
tudo que podem aprender, algo para além dos conteúdos ensinados em
sala de aula. Penso que, via de regra, o trabalho de conclusão de curso
(TCC) é uma pesquisa a ser realizada no final da graduação. Então me
pergunto: por que deixar para o final do curso aquilo que podemos
fazer durante a trajetória? Acredito que o desejo de pesquisar arrebata o
pesquisador de imediato, ou seja, quem não ama, rejeita.
Quando escrevemos um relato reflexivo de experiências revisi-
tamos todo um percurso (reuniões, confecção de atas, plano de ati-
vidades, divisão de tarefas por grupos, leitura dirigida, confecção de
resumos, apresentação de trabalhos) e diante disso é possível fazer uma
boa síntese dos aprendizados inerentes a pesquisa.
Estudar as Universidades Emergentes, em especial a UNILA, foi
algo especial. A partir das leituras dos documentos institucionais ofi-
ciais, dialogando com os depoimentos dos Reitores, ex-Reitores, pro-
fessores e alunos, conheci uma proposta diferenciada de Universidade,
com um ciclo comum de estudos (bilinguismo, filosofia latino-ameri-
cana) que aposta na integração solidária dos países da América Latina e
que valoriza a participação da comunidade local.
Com o passar do tempo entendi que as Universidades Emergen-
tes surgiram com propostas diferenciadas dos espaços universitários
tradicionais com os quais estamos acostumados a conviver, inclusive a
UFRGS. O “emergente” dessas Universidades está no desafio de aten-
der a novas demandas para o momento contemporâneo, já que o tradi-
cional já se perpetua milenarmente.
Encerro esse relato reflexivo registrando que nesses últimos anos
dedicados à pesquisa aprendi muito mais, diante do que fiz. Tenho
ciência e consciência de que há um longo caminho a percorrer, para
poder me tornar um pesquisador de confiança plena.
Meu sentimento é de gratidão para com a professora Maria Elly
Herz Genro, aos demais professores coordenadores do projeto de pes-
quisa e aos colegas bolsistas, que desde o início apostaram na minha
capacidade como aluno e como pesquisador. Espero que sigamos juntos
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até a conclusão dessa investigação e que, num futuro próximo, pos-
samos desenvolver outros trabalhos, na mesma sintonia, confiança e
dedicação. Gratidão hoje e sempre!

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A EXPERIÊNCIA DA INICIAÇÃO CIENTÍFICA
PARA ALÉM DA GRADUAÇÃO

Graciela Santos Dornelles

A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos


toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A
cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, qua-
se nada nos acontece (BONDÍA, 2002, p. 21).

A experiência de ser aluna de Iniciação Científica, oportunizou


novos aprendizados na minha jornada acadêmica. O projeto de pesqui-
sa “Universidades, Formação Política e Bem Viver: Estudo dos Projetos
de Universidades Emergentes no Brasil”, na qual estou inserida desde
2019, busca analisar os novos modelos de Universidade que se contra-
põem ao modo elitista e burocrático das universidades tradicionais. O
grupo em que participei, analisou a proposta inovadora da UFFS (Uni-
versidade Federal da Fronteira Sul) e da UNILA (Universidade Federal
da Integração Latino-Americana) desde a gênese histórica, a missão de
assegurar o acesso à Educação Superior como fator decisivo para o de-
senvolvimento da região onde estão inseridas e aprofundamos a análise
de currículos de licenciaturas.
Participar do coletivo de pesquisadores, onde o objeto pesquisado
está diretamente ligado com a minha trajetória de vida, me provocou
a refletir sobre a incumbência da Educação, do ponto de vista entre a
ciência e o desenvolvimento de uma sociedade. Destaco aqui a razão
fundamental na qual me identifico como novo ator desse cenário, ne-
gado às gerações que me antecederam, pois sou oriunda de uma família
com avós cozinheiras, pai metalúrgico e mãe balconista. O estar nesse
espaço subverte a lógica de Universidade para poucos, fazendo com que
o recorte de classe, que era tradicionalmente vigente, seja confrontado.
Diante disso, eu, como aluna vinda de escola pública, da periferia de
Porto Alegre, percebi que sou fruto das novas políticas públicas brasi-
leiras que visam promover a inclusão socioeconômica de pessoas que

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foram historicamente privadas do acesso à Universidade. Em minha
família serei a primeira a ter Ensino Superior; isso marca não só a mim,
mas às gerações futuras, trazendo uma mudança significativa de vida,
alterando nosso contexto, possibilitando a ascensão social.
A perspectiva de Educação Crítica Dialógica norteia todo o tra-
balho desta pesquisa, observando a relação das Universidades em estudo
com a comunidade e suas ações para reduzir a exclusão e desigualdade
social. Essas discussões feitas com o grupo de pesquisa oportunizaram
ampliar minha capacidade reflexiva, pois conviver com mestrandos e
seus orientadores, algo que antes da Iniciação Científica era inexistente
na minha realidade, favoreceu a aquisição de novos aprendizados e ma-
turidade intelectual.
Ademais, esses novos conhecimentos excederão a graduação fa-
zendo com que eu me reconheça pesquisadora, em razão do meu saber,
que emerge da comunidade, estar sendo legitimado dentro desse espaço
de poder, conectando assim o conhecimento científico à pluralidade
de ideias que é essencial para fazer da Universidade um novo lócus de
experimentação na perspectiva intercultural, múltipla e diversa.
A riqueza dessa experiência acadêmica também propiciou novas
formas de aprendizado, como por exemplo, a revisão de literatura, que
se faz extremamente necessária para que o saber teórico questione a
realidade; a elaboração de artigo científico com a participação de to-
dos os envolvidos na pesquisa, fomentando assim, as discussões acerca
do papel das universidades no atual contexto brasileiro. A produção e
apresentação dos primeiros resultados no Salão de Iniciação Científica
da UFRGS (2020) com o trabalho intitulado “A UFFS como Univer-
sidade Emergente: contribuições na defesa da Educação Superior como
bem público” anunciando a resistência da Universidade em relação ao
sucateamento da Educação Superior, sob a orientação do Prof. Dr. Jai-
me José Zitkoski, na qual indicou autores como: Alberto Acosta, Boa-
ventura de Sousa Santos e Paulo Freire.
Essas práticas investigativas são imprescindíveis no Ensino Supe-
rior, porque além de enriquecer o currículo, extrapolam o espaço formal
da sala de aula, constituindo neste ato educativo a prática pedagógica,
uma vez que o conhecimento ganha significado e sentido despertando a
vocação científica do aluno da graduação. E neste texto sobre a minha
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formação é onde reflito sobre a ascensão das camadas populares dentro
da Universidade e me posiciono a favor da ocupação desse espaço, desde
a Graduação até Pós-Doutorado, e que os novos atores possam obter
conhecimento participando dos grupos de pesquisa e extensão, e que os
seus nomes estejam nos livros como demarcação de uma nova história,
refletindo as novas políticas que reverberam em toda uma sociedade,
pois a luta por uma Educação Pública e de qualidade persistirá, mas,
porquanto, não queremos que seja um privilégio de poucos, mas sim
um direito de todos!

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Referências
BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber de experiência.
Revista Brasileira de Educação, n. 19, pp. 21, 2002.

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EXPERIÊNCIA DE BUEN VIVIR NA UNIVERSIDADE: UM RE-
LATO DE ARTICULAÇÃO ENTRE ENSINO E PESQUISA

Rossana de Souza Medeiros Dal Farra

Durante minha formação no curso de Letras, deparei-me, no ter-


ceiro ano de curso, com a divulgação de chamamento para ingressar em
um projeto de pesquisa em Educação, o que sempre foi um dos meus
sonhos desde que entrei. Conheci, então, a simpática professora douto-
ra Maria Elly Herz Genro, que me acolheu prontamente e apresentou-
-me ao grupo com que iria trabalhar. Meu relato de experiência se inicia
assim, como bolsista voluntária do programa ainda em 2019, quando
ingressei como Monitora na disciplina de Filosofia da Educação I sob a
orientação da professora Maria Elly Herz Genro. A disciplina da Facul-
dade de Educação é obrigatória em quase todos os cursos de licenciatu-
ra da UFRGS, e pertence ao Departamento de Estudos Básicos. Com
o objetivo de “Contribuir na reflexão crítica sobre o papel da filosofia
na formação de professores a partir do atual contexto da realidade edu-
cacional brasileira” (BOMBASSARO, 2020), o currículo incorpora o
estudo de aspectos presentes na pesquisa Projeto Universidade, Forma-
ção Política e Bem Viver: Estudo dos Projetos de Universidades Emergentes
no Brasil, relatada neste livro. Minha experiência integrou a referida
pesquisa em dois pontos: tanto no campo das leituras teóricas, as quais
foram incorporadas ao currículo base, quanto por ser uma prática de
ensino dos saberes obtidos na pesquisa.
A formação ético-política do educador, o contexto contempo-
râneo, a decolonização do conhecimento e o buen vivir são alguns dos
tópicos presentes no currículo. Através de aulas expositivas, seminários,
debates, fichas de leitura e outras produções escritas, os alunos são con-
vidados a refletir sobre o pensar filosófico no agir educacional: pensar
em filosofia africana, em filosofia de gênero, em filosofia latino-ameri-
cana e de povos originários, o que ecoa com o proposto por Sólon:

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As políticas favoráveis são as que levam em conta o todo, e não
algumas partes. Atuar em função dos interesses de uma parte
(humanos, países do Norte, elites, acumulação material etc.)
inevitavelmente provocará desequilíbrios no todo. Toda medida
deve tratar de entender as múltiplas dimensões e inter-relações
de todas as partes (SOLÓN, 2019, p. 26).

Além disso, ao longo dos dois semestres que participei como Mo-
nitora, pude perceber a adaptação do cronograma de acordo com o
contexto, tão necessária e por vezes esquecida no planejamento edu-
cacional. No ano de 2020, por exemplo, foram trazidos textos para se
repensar a modalidade inédita de Ensino Remoto Emergencial, con-
textualizando-o na política mundial. No primeiro e no segundo semes-
tre que atuei como Monitora, contamos também com a participação
e contribuição dos colegas de pesquisa Camila Tomazzoni Marcarini
e Henrique Safady Maffei, os quais enriqueceram as aulas ainda mais
com seus conhecimentos acerca das questões referentes ao feminismo e
à filosofia política, respectivamente. É feita, a cada semestre, uma cons-
trução conjunta, tanto por parte dos professores pesquisadores quanto
dos alunos, sempre apresentando o lugar do qual a educação faz parte: a
sociedade, levando em consideração diferentes culturas e nuances epis-
temológicas. “Complementar significa ver a diferença como parte do
todo, porque a alteridade e a particularidade são intrínsecas à natureza
e à vida” (SOLÓN, 2019, p. 30).
No que tange ao marco teórico do grupo de pesquisa propria-
mente dito, os autores Pablo Solón, Alberto Acosta, Christophe Agui-
ton e Eduardo Gudynas trazem o conceito de buen vivir para a sala de
aula e também estão presentes no processo de pesquisa, sendo textos
obrigatórios ou complementares. Ademais, por meio de textos que
atentam para o papel da Universidade na sociedade, faz-se relação
com a questão das Universidades Emergentes pesquisadas, as quais
apresentam ou não preocupação com questões desse tipo (conforme
anteriormente tratado).

O Bem Viver não é igualitarista – e essa é uma quimera, porque


sempre existem desigualdades e diferenças. A chave não é anu-
lar essas diferenças, mas conviver com elas, a Conviver com as

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diferenças, a fim de evitar que as desigualdades se agravam e po-
larizem a ponto de desestabilizar o todo (SOLÓN, 2019, p. 28).

Pude observar que esse pensar filosófico vai além de mero con-
teúdo ou objeto de estudo, influenciando nas relações professor-aluno,
bem como nas relações dentro do grupo de pesquisa. Seguindo essa
perspectiva da coletividade foi que esse livro se construiu e tomou for-
ma, tendo a participação democrática de todos os integrantes: bolsistas
e mestrandos, professores universitários e doutorandos e, nas práticas
em sala de aula, os alunos demonstraram estar à vontade para compar-
tilhar suas ideias e opiniões. Por fim, a disciplina promove a vinculação
entre pesquisa e ensino ao trazer o campo pesquisado para a Educação
Superior e, como consequência, para a Educação Básica, já que integra
a formação de professores licenciandos, os quais dotarão de aporte teó-
rico para fundamentar suas práticas pedagógicas para uma Educação
Antirracista, Antimachista e Antifacista.

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Referências
BOMBASSARO, C. L. Plano de Ensino da disciplina de Filosofia da
Educação I. Porto Alegre: UFRGS, 2020.
SÓLON, P. Bem Viver. In: Alternativas sistêmicas: Bem Viver, de-
crescimento, comuns, ecofeminismo, direitos da Mãe Terra e des-
globalização. São Paulo: Elefante, 2019. Pp. 26-30.

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SOBRE OS AUTORES

Maria Elly Herz Genro


Doutora em Educação, Professora Associada do Departamento de Es-
tudos Básicos da Faculdade de Educação e Professora do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. E-mail: mariaherz.1305@gmail.com
Jaime José Zitkoski
Doutor em Educação, Professor Associado do Departamento de Es-
tudos Básicos da Faculdade de Educação e Professor do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. E-mail: jaimezitkoski@gmail.com
Rafael Arenhaldt
Doutor em Educação, Professor Adjunto do Departamento de Estudos
Especializados da Faculdade de Educação e Professor do Programa de
Pós-Graduação em Ensino na Saúde da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. E-mail: rafael.arenhaldt@ufrgs.br
Elizabeth Diefenthaeler Krahe
Doutora em Educação, licenciada em Letras. Professora Associada IV
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Colaboradora Con-
vidada do Departamento de Estudos Especializados da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: elzkrahe@gmail.com

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Hélgio Trindade
Doutor em Ciência Política pelo Institut d´Etudes Politiques de Paris/
Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne). Ex-reitor e Professor Emé-
rito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Pesqui-
sador Sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). Ex-Reitor da Universidade Federal da Integração
Latino-Americana (UNILA). Atualmente é professor permanente do
Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul. Email: helgiohtrindade@gmail.com
Naomar de Almeida Filho
Professor Titular de Epidemiologia no Instituto de Saúde Coletiva
da UFBA. Médico, Mestre em Saúde Comunitária, Ph.D. em Epide-
miologia. Foi Reitor da Universidade Federal da Bahia (2002-2010)
e da Universidade Federal do Sul da Bahia (2013-2017). É Professor
Visitante no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São
Paulo (USP), onde ocupa a Cátedra de Educação Básica Itaú Social.
Email: naomaralmeida@gmail.com
Jaime Giolo
Doutor em História e Filosofia da Educação pela USP. Mestre em
História e Filosofia da Educação pela PUC de São Paulo. Foi pro-
fessor na Universidade de Passo Fundo (UPF). Trabalhou no INEP
nos anos 2007 a 2010. Foi Reitor da Universidade da Fronteira Sul
(UFFS) no período de 2011 a 2019, onde hoje atua como professor.
Email: giolo@uffs.edu.br
Ana Lúcia Castro Brum
Mestre em Educação pela PPGEDU/UFRGS. Professora aposentada
da Rede Municipal de Porto Alegre E-mail: analubrum@hotmail.com

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Ana Maria Netto Machado
Doutora em Ciências da Linguagem (Universidade de Paris 7) e
Educação, com Pós-Doutorado (UFRGS). Publicou sobre escrita,
autoria, orientação de teses/dissertações, Educação Superior, mo-
delos de universidade, egressos. Fundou o PPGE/UNIPLAC, reco-
mendado pela CAPES na primeira submissão; nele atuou 13 anos.
E-mail: laborescrita@gmail.com
Bernardo Sfredo Miorando
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Bolsista de desenvolvimento institucional no Escritório de In-
ternacionalização da Universidade Federal de Ciências da Saúde de
Porto Alegre e Pós-Doutorando no Centro de Estudos em Educação
Superior da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
E-mail: bernardos@ufcspa.edu.br
Camila Tomazzoni Marcarini
Mestra em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Doutoranda e bolsista CAPES no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Formada em
Letras, Língua e Literatura Portuguesa, pela Universidade de Caxias do
Sul. E-mail: camailatm@gmail.com
Carlos Alessandro da Silveira
Graduando em Pedagogia pela UFRGS. Pesquisador no projeto Uni-
versidade, formação política e bem viver: estudo dos projetos de uni-
versidades emergentes no Brasil; pesquisador no Projeto Formação em
economia popular e solidária análise de teses, dissertações produzidas
entre 2004 e 2018, ambos pela UFRGS. E-mail: c.a.s@hotmail.com.br

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Cidara Loguercio Souza
Licenciada em Educação Física e Bacharela em Museologia pela
UFRGS. Técnica em Assuntos Educacionais na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. E-mail: cidaragbv@gmail.com
Claudete Lampert Gruginskie
Doutoranda e Mestra em Educação pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Especialista em História Regional e Licenciada em His-
tória pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Técnica em Assuntos
Educacionais na Secretaria de Avaliação Institucional da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: claudlampert@gmail.com
Daniele Vasconcellos de Oliveira
Doutora em Ciências da Educação pela Universidad Evangélica del Para-
guay (UEP). Mestre em Ensino de Ciências e Matemática pela ULBRA.
Professora da UNIFEBE nas áreas de Química, Engenharia Química e
Tratamento de Água e Efluentes. Atua como docente nos cursos de Pós-
-Graduação da UNIFEBE. E-mail: quimicadaniele@hotmail.com
Graciela Santos Dornelles
Graduanda em Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Bolsista do projeto Universidade, Formação Política e Bem
Viver: Estudo dos Projetos de Universidades Emergentes do Brasil.
E-mail: gsddornelles@gmail.com
Henrique Safady Maffei
Doutorando em Educação da UFRGS. Especialista em Educação para
a Diversidade. Licenciado em História pela UFRGS. Professor da Rede
Municipal de Educação de Porto Alegre. E-mail: hsmaffei@gmail.com
Itamar Luís Hammes
Doutor em Filosofia. Professor do Instituto Federal Sul Riograndense
(IFSUL) nos cursos sequenciais e no Programa de Pós-Graduação em
Educação Profissional e Tecnológica. E-mail: itamarh57@gmail.com

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Jurema Garcia Machado
Graduanda em Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Bolsista do projeto Universidade, Formação Política e Bem
Viver: Estudo dos Projetos de Universidades Emergentes do Brasil.
E-mail: jurema1960machado@gmail.com
Luciane Ines Ely
Doutoranda em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Mestra em Ensino na Saúde. Licenciada em Pedagogia. Técnica em
Assuntos Educacionais na Escola de Desenvolvimento de Servidores da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: luaely@gmail.com
Lúcio Jorge Hammes
Doutor em Educação. Professor dos cursos de licenciatura e do PPG em
Educação da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). E-mail:
luciojh@gmail.com
Márcia Adriana Rosmann
Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo. Especialis-
ta em Educação para a Diversidade pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Licenciada em Pedagogia pela Universidade de Cruz
Alta. Professora de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no IFFar -
campus Santo Augusto. E-mail: marcia.rosmann@iffarroupilha.edu.br
Marlon Junior Pellenz
Mestrando em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Licenciado em Filosofia. Especialista em Filosofia e Ensino de Filo-
sofia. E-mail: marlon.pellenz@gmail.com
Nadia Fatima dos Santos Bucco
Doutora em Biologia Celular e Molecular. Professora Universidade Fe-
deral do Pampa (UNIPAMPA). E-mail: nadiabucco@unipampa.edu.br

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Nilson Carlos da Rosa
Doutorando em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo. Licencia-
do em Filosofia, com habilitação em História, Sociologia e Psicologia
da Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul. Professor (concursado) de Filosofia e Sociologia na Rede Pública
Estadual do Rio Grande do Sul. E-mail: nifilo7@yahoo.com.br
Renata Castro Gusmão
Doutoranda em Educação e Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: renatagusma.poa@gmail.com
Rossana de Souza Medeiros Dal Farra
Graduanda em Letras Licenciatura da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Bolsista voluntária do projeto Universidade, Formação
Política e Bem Viver: Estudo dos Projetos de Universidades Emergentes
no Brasil. E-mail: rossanadalfarra@gmail.com

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Aviso importante: Ao comprar um livro você não somente está a adquirir
um produto qualquer. Você também remunera e reconhece o trabalho do
autor e de todos aqueles que, direta ou indiretamente, estão envolvidos na
produção editoral e na comercialização das obras, tais como editores, dia-
gramadores, ilustradores, gráficos, distribuidores e livreiros, entre outros.
Se quiser saber um pouco mais sobre isso, acesse:

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