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Educação em

Ciências e
Matemática
PESQUISA E FORMAÇÃO
DE PROFESSORES
ORGANIZADORES
Roque Ismael da Costa Güllich
Erica do Espirito Santo Hermel
Reitor Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Jaime Giolo Joviles Vitório Trevisol
Vice-Reitor Pró-Reitor de Planejamento
Antônio Inácio Andrioli Charles Albino Schultz
Chefe de Gabinete Pró-Reitor de Assuntos Estudantis
Stefani Daiana Kreutz Marcelo Recktenvald
Assessora Especial do Reitor para Assuntos Internacionais Pró-Reitor de Gestão de Pessoas
Maria Helena Baptista Vilares Cordeiro Henrique Dagostin
Procurador-Chefe Secretária Especial de Laboratórios
Rosano Augusto Ames Cladis Juliana Lutinski
Pró-Reitor de Administração e Infraestrutura Secretário Especial de Obras
Péricles Luiz Brustolin Rodrigo Emmer
Pró-Reitor de Extensão e Cultura Secretário Especial de Tecnologia e Informação
Emerson Neves da Silva Claunir Pavan
Pró-Reitor de Graduação
João Alfredo Braida

E24 Educação em ciências e matemática: pesquisa e formação de


professores. / Organizadores Roque Ismael da Costa Güllich, Erica
do Espirito Santo Hermel, – Chapecó : Ed. UFFS, 2016. --
422 p. : il

ISBN: 978-85-64905-53-5 (impresso)
978-85-64905-52-8 (e-book e-pub).
978-85-64905-51-1 (e-book pdf).

1. Educação matemática – Pesquisas 2. Educação em ciências 3.


Educação em saúde 4. Formação de professores I. Güllich, Roque
Ismael da Costa II. Hermel, Erica do Espírito Santo.
CDD: 371.12
510.7
530.07
610

Ficha catalográfica elaborada pela


Divisão de Bibliotecas
Educação em
Ciências e
Matemática
PESQUISA E FORMAÇÃO
DE PROFESSORES
ORGANIZADORES
Roque Ismael da Costa Güllich
Erica do Espirito Santo Hermel
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................. 9

EDUCAÇÃO EM MATEMÁTICA E FÍSICA

1 O CONCEITO DE DERIVADA E SUAS DIFERENTES INTERPRETAÇÕES: UM


OLHAR VIA REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA................................. 13
Danusa de Lara Bonotto
Morgana Sheller
Carolina Vedooto Scheneider

2 DIÁRIOS DA PRÁTICA PEDAGÓGICA: PRESSUPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES


PARA UMA FORMAÇÃO CONTINUADA EMANCIPATÓRIA.................................. 35
Sandro Rogério Vargas Ustra
Jesuína Lopes de Almeida Pacca
Eduardo Adolfo Terrazzan

3 A REPRESENTAÇÃO EM MATEMÁTICA: ALGUMAS POSSIBILIDADES DAS


TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO – TIC............................... 59
Nilce Fátima Scheffer

4 ANÁLISE DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS DE


SEMELHANÇA COM O SOFTWARE RÉGUA E COMPASSO .................................... 75
Leandra Anversa Fioreze
5 MAPAS CONCEITUAIS: UMA ABORDAGEM NO ENSINO DE
RELATIVIDADE......................................................................................................... 91
Antônio Vanderlei dos Santos
Rozelaine de Fatima Franzin

6 ARTICULAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO DISCIPLINAR E A FORMAÇÃO


PEDAGÓGICA EM CURSOS DE LICENCIATURA DAS CIÊNCIAS NATURAIS E
EXATAS NA UFSM............................................................................................................... 107
Taniamara Vizzotto Chaves
Eduardo Adolfo Terrazzan

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

7 CONCEPÇÕES DE PROFESSOR DE FORMADORES EM AÇÕES DE FORMAÇÃO


CONTINUADA...................................................................................................................... 125
Lenice Heloísa de Arruda Silva
Fernando Cesar Ferreira

8 EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS E FORMAÇÃO CIDADÃ:


CONTRIBUIÇÕES DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA
COMUNICAÇÃO.................................................................................................................. 137
Neusa Maria John Scheid

9 A PESQUISA NARRATIVA DA EXPERIMENTAÇÃO INVESTIGATIVA NA


FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE QUÍMICA............................................................ 135
Aline Machado Dorneles
Maria do Carmo Galiazzi

10 A HISTÓRIA ORAL NA PESQUISA EM ENSINO DE CIÊNCIAS.......................... 171


Claudia Christina Bravo e Sá Carneiro
Roselene Ferreira de Sousa

11 A PRODUÇÃO ACADÊMICA COMO BASE PARA UM CURSO DE FORMAÇÃO


CONTINUADA DE PROFESSORES.................................................................................. 193
Renato Xavier Coutinho
Robson Luiz Puntel
12 POR QUE A PESQUISA E AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS E
EPISTEMOLÓGICAS EM ESPAÇOS DE FORMAÇÃO DOCENTE?.......................... 215
Fábio André Sangiogo
Carlos Alberto Marques

13 A CIRCULAÇÃO INTRACOLETIVA E INTERCOLETIVA DE IDEIAS EM


PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: CONTRIBUIÇÕES PARA A
PESQUISA-AÇÃO................................................................................................................. 233
Fabiane de Andrade Leite

14 REFLEXÕES EPISTEMOLÓGICAS ACERCA DA RACIONALIDADE TÉCNICA


NA DOCÊNCIA E NO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE FORMADORES
DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS DA NATUREZA...................................................... 251
Carolina dos Santos Fernandes
Fábio Peres Gonçalves

15 ASPECTOS DO PENSAMENTO QUÍMICO E AS SUAS IMPLICAÇÕES PARA O


APRENDIZADO EM QUÍMICA........................................................................................ 267
Judite Scherer Wenzel

16 A INVESTIGAÇÃO-AÇÃO COMO PROPULSORA DA FORMAÇÃO E DA


INICIAÇÃO A DOCÊNCIA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA............................................ 285
Tamini Wyzykowski
Roque Ismael da Costa Güllich
Camila Boszko

EDUCAÇÃO EM SAÚDE

17 A BIOLOGIA CELULAR NO ENSINO DE CIÊNCIAS E DE BIOLOGIA: OS


MODELOS DIDÁTICOS...................................................................................................... 305
Erica do Espirito Santo Hermel
Kelly Callegaro
Carine Kupske

18 DA CÉLULA À MENTE: COMO A NEUROCIÊNCIA É ENSINADA NOS CURSOS


DAS ÁREAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE........................................................................ 325
Simone Marcuzzo
Lucas de Oliveira Alvares

19 PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM SAÚDE: COMPREENSÕES DE ESTUDANTES


UNIVERSITÁRIOS SOBRE TABAGISMO COMO TEMA............................................. 339
Maria Cristina Pansera de Araújo
Vidica Bianchi
Daiane Faber

20 A VIVÊNCIA DOCENTE NO CURSO DE BIOMEDICINA DA UNIVERSIDADE


FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL: APRENDIZADOS E CONCEPÇÕES SOBRE
A EDUCAÇÃO SUPERIOR................................................................................................. 355
João Henrique Corrêa Kanan

21 EDUCAÇÃO SUPERIOR EM SAÚDE: UMA ANÁLISE DO ENSINO E DO ATUAL


PANORAMA CURRICULAR DAS DISCIPLINAS DE ANATOMIA, FISIOLOGIA E
BIOQUÍMICA DOS CURSOS DE NUTRIÇÃO............................................................... 373
Juliana de Castilhos

22 A PRODUÇÃO DO CUIDADO À SAÚDE SOB A PERSPECTIVA DA


INTEGRALIDADE PELO VIÉS DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL............................ 395
Paulo Fábio Pereira
APRESENTAÇÃO

Pensar a Educação Matemática e o Ensino de Ciências é cada vez mais uma


tarefa para a pesquisa dessas áreas e, por conseguinte, de seus pesquisadores.
Tendo em vista essa premissa, o Grupo de Estudos e Pesquisa em Ensino de Ci-
ências e Matemática (GEPECIEM), criado em 2010, tem empreendido esforços
na produção de pesquisas e na perspectiva de sistematizar e divulgar os resultados
dessas produções. Nesse contexto é que nasce o terceiro livro do GEPECIEM –
Educação em Ciências e Matemática: pesquisa e formação de professores. Nesta
edição intencionamos socializar pesquisas, divulgar outros grupos brasileiros e
estabelecer diálogos da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus
Cerro Largo-RS com os demais pesquisadores e espaços de produção. Assim,
convidamos pesquisadores de todo o Brasil, no que fomos atendidos pelas regiões
Sul, Centro-Oeste e Nordeste.
O diálogo que tentamos estabelecer está aqui compilado através de três seções.
A primeira seção foi destinada às discussões correlatas a pesquisas ou pesquisa-
dores da Educação em Matemática e Física e que, ao ser lida em seus diferentes
capítulos, traz um esforço teórico-metodológico-prático de intenções, sugestões
e discussões que nos colocam a par de diferentes percursos e propostas de ensino
na Matemática e na Física, bem como sobre processos de formação de professores
em Ciências Exatas e da Natureza.
A segunda seção – Educação em Ciências – constitui-se de capítulos que
apresentam e discutem abordagens de pesquisa sobre processos e apostas da
Educação em Ciências na, sobre e para a formação de professores, bem como
intenções mais específicas sobre o ensino de Ciências, Química e Biologia. Nesta
seção é possível perceber certo destaque ao referencial Histórico Cultural e ao

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 9


referencial da Investigação-Ação, como pressupostos das discussões/teorizações, o
que implica algum avanço no sentido da compreensão dos processos de formação
de professores.
No contexto da Educação em Ciências, muitos pesquisadores têm destinado
atenção especial à Educação em Saúde, por isso destinamos uma seção do livro a
essa subárea temática advinda dos próprios resultados enviados pelos pesquisadores.
Os trabalhos são relatos de experiências com a educação em saúde, teorizações
sobre temas que envolvem os profissionais, as políticas curriculares e os cursos
de graduação que se comprometem com essa formação e consequente pesquisa,
bem como apresentam discussões correlatas a temas de ensino e formação em
Ciências e Biologia.
Por fim é importante destacar que contamos com o financiamento da UFFS
por meio do Edital Nº386/UFFS/2013 – Fomento aos Grupos de Pesquisa para
produção e veiculação deste trabalho e que esse apoio é fruto do empenho dos
pesquisadores do GEPECIEM em buscar e captar bolsas, editais e recursos para
o desenvolvimento de pesquisas dessa área na UFFS, Campus Cerro Largo-RS.
O livro que oferecemos aos leitores foi pensado como um triplo diálogo que
seja fruto do diálogo entre diferentes contextos e diferentes pares, do diálogo de
cada pesquisador com seu próprio tema e comunidades de prática e do diálogo com
os outros do discurso a que nos expomos pela leitura, pela crítica, pelos desejos
e pelas necessidades formativas. Que este triplo diálogo nos possibilite repensar
e transformar ações formativas e de pesquisa, enriquecendo sempre a discussão
pela Educação em Ciências e Matemática.
Convidamos a todos para leitura e crítica de nossa obra.

Prof. Dr. Roque Ismael da Costa Güllich,


Prof. Dra. Erica do Espírito Santo Hermel
Pesquisadores líderes do GEPECIEM e organizadores do livro.

10 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


EDUCAÇÃO EM MATEMÁTICA E FÍSICA
1 O CONCEITO DE DERIVADA E SUAS
DIFERENTES INTERPRETAÇÕES: UM OLHAR
VIA REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO
SEMIÓTICA

Danusa de Lara Bonotto


Morgana Sheller
Carolina Vedooto Scheneider

1 Introdução

Este mapeamento teórico referente à temática “Derivada e Registros de Repre-


sentação Semiótica” tem como objetivo identificar se as pesquisas que abordam esse
assunto discutem as diferentes interpretações para o conceito de derivada e como
são evidenciados os diversos registros de representação para as interpretações desse
conceito. Para tanto, utilizamos como procedimento metodológico o mapeamento
na perspectiva de Biembengut (2008). Um mapeamento é realizado considerando
quatro mapas1: mapa de identificação; mapa teórico; mapa de campo; mapa de análise.
No mapa de identificação descrevemos a estrutura do estudo, o reconhecimento
do que se pretende fazer. No mapa teórico apresentamos os pressupostos teóricos

1 O mapa pode ser considerado uma das modalidades de representação mais versáteis, pois conjuga elementos
pouco acessíveis à linearidade da linguagem discursiva. (BIEMBENGUT, 2008).

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 13


referentes à teoria dos Registros de Representação Semiótica de Raymond Duval.
Os dados para a organização do mapa de campo foram obtidos por meio do portal
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o qual
possibilitou a identificação das dissertações e teses produzidas no período de 2000
a 2012. Utilizamos como critério de busca o assunto expresso por “Registro de
Representação Semiótica e Derivada”, sendo consultadas as produções em nível
de mestrado profissionalizante, mestrado e doutorado. Encontramos treze traba-
lhos, sendo que destes, por meio da leitura do resumo e identificação da área do
conhecimento a qual o trabalho está vinculado, selecionamos cinco para análise.
O mapa de análise apresenta a relação entre o mapa teórico e o mapa de campo,
identificando aproximações teóricas e metodológicas e procurando compreen-
der e expressar a articulação entre os elementos envolvidos. Nesse mapeamento
estabelecemos quatro categorias de análise: 1) Os objetivos das pesquisas; 2) As
referências teóricas utilizadas; 3) A abordagem metodológica dos estudos; 4) Os
resultados obtidos e as perspectivas de continuidade das pesquisas.
Apresentamos no decorrer do texto aspectos referentes à Teoria dos Regis-
tros de representação Semiótica e as diferentes representações para a derivada,
exemplificando tratamentos e conversões. A seguir, apresentamos a perspectiva
metodológica e analítica do estudo, evidenciando um mapa-síntese para cada
categoria analisada.

2 Pressupostos a respeito da teoria dos registros de representação


semiótica

Para Duval (2003), o acesso aos objetos matemáticos passa necessariamente por
representações semióticas, visto que esses objetos não são diretamente acessíveis à
percepção, necessitando, para a sua apreensão, o uso de uma representação. Essas
representações são expressas por meio de símbolos, tabelas, gráficos e algoritmos,
possibilitando a comunicação de ideias matemáticas e as atividades cognitivas do
pensamento implicadas na atividade matemática.
Para o autor, uma análise do conhecimento matemático é, essencialmente,
uma análise do sistema de produção de suas representações semióticas. A maneira
matemática de raciocinar e de visualizar está intrinsecamente ligada à utilização
de representações semióticas, pois toda comunicação em matemática se estabelece

14 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


com base nelas. A diferença existente entre a atividade matemática e as atividades de
outras áreas do conhecimento não está nos conceitos, mas na importância da utili-
zação das representações para designar seus objetos, uma vez que eles são abstratos.
Duval (2003) considera os diferentes sistemas semióticos que produzem
essas representações, designando-os como registros de representação semiótica,
e classifica-os em registro da língua natural, registro dos sistemas de escrita (nu-
mérico, algébrico e simbólico), gráficos cartesianos e figuras geométricas.
Assim, um mesmo objeto matemático possui diferentes registros de represen-
tação. Damm (2002) destaca que as representações semióticas têm dois aspectos,
sua forma (ou o representante) e seu conteúdo (o representado). Por exemplo, a
derivada pode ser representada por meio de um gráfico, de uma expressão algé-
brica, da língua natural ou de uma tabela, isto é, a forma muda segundo o sistema
semiótico utilizado.
Os mapas 1 a 4 apresentam possibilidades de representações para a derivada,
em diferentes registros de representação semiótica, denominados, neste estudo, de:
a) registro da língua natural; b) registro simbólico/algébrico; c) registro simbólico/
algébrico/numérico; e d) registro gráfico.
Mapa 1 –Representações semióticas para a derivada no registro da Língua Natural

Tipo de Representações
registro
Língua -Derivada da função f no ponto de abscissa x = a;
Natural -Derivada da função no ponto;
-Derivada da função f num ponto x;
-Coeficiente angular da reta tangente a uma curva;
-Limite da razão incremental;
-Taxa de variação instantânea;
-Taxa de variação da função no ponto de abscissa x = a;
-Velocidade instantânea;
-Inclinação da reta tangente à curva no ponto de abscissa “a”;
-A derivada de uma função f é a função f ’ que fornece a declividade da tangente ao
gráfico de f em qualquer ponto (x,f(x)) e também a taxa de variação em x;
-Tangente do ângulo formado (no sentido anti-horário) entre a reta t (tangente à cur-
va) e o eixo horizontal x;
-Derivada de f em relação a x;
-Limite da variação de y em relação a variação de x, quando a variação de x tende a
zero;
-Limite da inclinação das secantes.
Fonte: Godoy (2004, adaptado).

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 15


Mapa 2 – Representações semióticas para a derivada no registro simbólico/algébrico
Tipo de registro Representações
Simbólico/algébrico 1. f '( x) 2. f '
f ( x + h) − f ( x ) df ( x)
3. lim 4.
h →0 h dx
f ( x + ∆x) − f ( x)
5. lim 6. tgα
∆x → 0 ∆x
f ( a + h) − f ( a ) ∆y
7.v(a ) = lim 8.lim ∆x →0
h →0 h ∆x
f ( x) − f (a )
9. m = lim 10. y '
x→a x−a
dy df
11. 12.
dx dx
13. Df ( x) 14. Dx f ( x)

f (t ) − f (t 0 )
15. v(t 0 ) = lim
t →t 0 t − t0

16. Dx y ]x =a 17. [Dx y ]x=a


Fonte: Godoy (2004, adaptado).

Mapa 3 – Representações semióticas para a derivada no registro simbólico/algébrico/


numérico
Tipo de registro Representações
Simbólico/algébrico/numérico

Fonte: As autoras (2014).

16 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Mapa 4 – Representação semiótica para a derivada no registro Gráfico
Tipo de registro Representação
Gráfico

Fonte: Anton (2007, p. 167)


Fonte: As autoras (2014)

Duval (2009) notifica questões relativas à aprendizagem matemática relacio-


nando fundamentalmente as etapas de semiósis e noésis. Para que haja a apreensão
de um objeto matemático é indispensável que a noésis (conceitualização) aconteça
por meio de marcantes semiósis (representações). Isto nos leva a entender que não
há noésis sem semiósis, ou seja, não há aquisição conceitual de um objeto sem
recorrer a sistemas semióticos de representação e a “compreensão em matemática
supõe a coordenação de ao menos dois registros de representações semióticas”.
(DUVAL, 2003, p. 15).
As representações semióticas podem ser submetidas a dois tipos de trans-
formações bem diferentes: os tratamentos e as conversões. “Os tratamentos são
transformações de representações dentro de um mesmo registro”, e “as conversões
são transformações de representações que consistem em mudar de registro con-
servando os mesmos objetos denotados”. (Ibid, p. 16).
Com relação ao objeto matemático – derivada – apresentamos os mapas 5 a
9, para exemplificar tratamentos e conversões.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 17


Mapa 5 – Exemplo de tratamento no interior do registro gráfico
O gráfico de uma função f é ilustrado abaixo. Use-o para esboçar o gráfico da derivada f ’.

Fonte: Stewart (2011, p. 140).

Entendemos que o exemplo exposto no Mapa 5 representa um tratamento no


registro gráfico, uma vez que o desenvolvimento da questão envolve manipulações
no interior deste registro.
Mapa 6 – Exemplo de tratamento no interior do registro algébrico

Fonte: Adaptado de Igliori e Godoy (2011).

Como exemplo de uma conversão, podemos citar a construção de um gráfico


a partir de uma função, a escrita de uma função partindo de um gráfico, a tradução
de uma afirmação dada em língua natural para a algébrica ou a interpretação em
língua natural de uma sentença escrita algebricamente.

18 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Mapa 7 – Exemplo de conversão do registro simbólico/algébrico/numérico para o registro
gráfico

Registro simbólico/algébrico Registro gráfico


Esboce o gráfico de uma função f para o qual
f(0)=-1, f ’(x)<0 se x<0 e f ’(x)>0, se x>0.

Fonte: Anton (2007, p. 187).

Mapa 8 – Exemplo de conversão do registro da língua natrual para o registro simbólico/


algébrico/numérico

Registro língua natural Registro simbólico/algébrico/numérico


Suponha que a bola foi abandonada do f ( a + h) − f ( a ) 4,9(a + h) 2 − 4,9a 2
= v(a ) lim
= lim
posto de observação de uma torre, 450 m h →0 h h →0 h
acima do solo. Sabendo que a distância 4,9(a 2 + 2ah + h 2 − a 2 ) 4,9(2ah + h 2 )
= lim = lim
(em metros) percorrida após t segundos h →0 h h →0 h
é 4,9t 2 . Qual a velocidade da bola após 5 = lim4,9(2 = a + h) 9,8a
h →0
segundos? v(5) (9,8)(5)
= = 49m / s
Fonte: Stewart (2011, p. 140).

Na perspectiva de ensino, a conversão representa uma atividade fundamen-


tal, uma vez que exige do indivíduo a capacidade de articular variáveis cognitivas
específicas do funcionamento de cada um dos sistemas semióticos envolvidos.
Ao analisarmos a atividade de conversão, “é suficiente comparar a represen-
tação no registro de partida com a representação terminal no registro de chegada”.
(DUVAL, 2003, p. 19). Assim, a conversão pode ser classificada como congruente
ou não congruente. No caso da não congruência, existe uma organização entre
os registros de representação mobilizados, mas ela não ocorre de início e exige,
muitas vezes, um registro intermediário. O caso da conversão congruente é o da
coordenação entre registros de representação que ocorre mais rapidamente e é
construída de modo espontâneo.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 19


Os mapas 8 e 9 ilustram os fenômenos de congruência e não congruência
durante a mudança de registros.
Mapa 8 – Exemplo de conversão congruente

Fonte: Igliori e Godoy (2011, p. 4).

Mapa 9 – Exemplo de conversão não-congruente

Fonte: Igliori e Godoy (2011, p. 4).

Na sequência deste texto, apresentamos as perspectivas metodológicas do


estudo realizado e o mapa de análise que foi construído buscando reconhecer e
compreender os estudos desenvolvidos sobre a temática – Registros de Represen-
tação Semiótica e Derivada.

3 Perspectivas metodológicas

O presente estudo é de abordagem qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994) e


tem como objetivo identificar se as pesquisas que abordam esta temática discutem
as diferentes interpretações para o conceito de derivada e como são evidenciados
os diferentes registros de representação para as distintas interpretações desse
conceito. Para alcançar esse objetivo, utilizamos como princípio metodológico o
Mapeamento na Pesquisa Educacional (BIEMBENGUT, 2008). O mapeamento
possibilita compreender o problema, organizar e representar os dados significativos
da pesquisa. Nele, o mapa teórico implica a revisão da literatura disponível sobre

20 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


os conceitos e as definições acerca de um tema e revisão dos trabalhos acadêmicos
recentes. Elaborar esse mapa permite identificar e situar saberes e reconhecer parte
de pesquisas recentes envolvendo Registros de Representação Semiótica e Derivada.
A construção do mapa de campo foi realizada por meio da seleção de cinco
pesquisas designadas neste estudo por P1, P2, P3, P4 e P5, cujo objeto de estudo
está centrado na temática de interesse. O Mapa 10 possibilita a interação quanti-
tativa com os estudos selecionados.
Mapa 10 – Frequência das pesquisas envolvendo a expressão “Registros de Representação
Semiótica Derivada” no período de 2000 a 2012

Fonte: As autoras (2014).

Na sequência, apresentamos as pesquisas selecionadas para estudo, consi-


derando o autor, o título do trabalho, a data de defesa, o nível, a instituição e o
orientador da pesquisa.
Mapa 11 – Mapa da codificação dos estudos sobre Derivada e Registros de Representação
Semiótica

P1 Rogerio dos Santos Lobo. O Tratamento dado por livros didáticos ao conceito de deri-
vada. 01/10/2012. Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Benedito
Antonio da Silva.
P2 Ledâ do Carmo Vaz. O conceito de limite, derivada e integral em livros didáticos de
cálculo e na perspectiva de professores de matemática e de disciplinas específicas em
cursos de Engenharia. 01/08/2010. Mestrado. Centro Federal de Educação Técnica de
Minas Gerais João Bosco Laudares.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 21


P3 Vagner Valeiros Ramos. Dificuldades e concepções de aluno de um curso de Licenciatu-
ra em Matemática, sobre derivadas e suas aplicações. 01/04/2009. Mestrado Profissiona-
lizante. Pontifícia Universidade de São Paulo. Benedito Antonio da Silva.
P4 Rita de Cassia Pistoia Mariani. Transição da Educação Básica para o Ensino Superior: A
coordenação de Registro de Representação e os conhecimentos mobilizados pelos alu-
nos no curso de Cálculo. 01/08/2006. Doutorado. Pontifícia Universidade de São Paulo.
Benedito Antonio da Silva.
P5 Luiz Felipe Simões Godoy. Registros de Representação da noção de derivada e o proces-
so de aprendizagem. 01/08/2004. Mestrado. Pontifícia Universidade de São Paulo. Sonia
Barbosa Camargo Igliori.
Fonte: As autoras (2014).

Posteriormente ao trabalho de seleção e estudo das pesquisas, realizamos a


análise do material utilizando os procedimentos do mapeamento – mapa de análise
(BIEMBENGUT, 2008).
Para reconhecer os estudos desenvolvidos sobre a temática Derivada e Registros
de Representação Semiótica, bem como compreender e captar suas características,
problematizações e contribuições para a área, estabelecemos quatro categorias de
análise, definidas previamente: 1) Os objetivos das pesquisas; 2) Bases teóricas; 3)
A abordagem metodológica; 4) Os resultados obtidos e as perspectivas de conti-
nuidade das pesquisas. Destaca-se durante o processo de análise a emergência de
duas categorias que denominamos: 5) As atividades propostas nos estudos e os
registros de representação; e 6) O olhar sobre o livro didático.
Vale ressaltar que a análise dessas categorias busca evidenciar como os estudos
selecionados apresentam as diferentes interpretações para o conceito de deriva-
da e se são apresentados os diferentes registros de representação e coordenação
entre eles, para as diferentes interpretações desse conceito. Os principais pontos
emergentes dessa análise são descritos a seguir.

4 Perspectiva analítica da pesquisa

Para Biembengut (2008, p. 117), é importante “perceber como os dados, in-


formações, muitas vezes, submetidos a artifícios de linguagem, se apresentam e
procurar compreendê-los dentro do contexto vivificado”. Para a autora, explicitar as
questões que estão subentendidas requer cuidadosa percepção e compreensão dos
dados levantados, criteriosa interpretação das ideias e criativa representação-mapa.

22 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Assim, para a análise dos estudos selecionados procuramos identificar os
traços dos entes pesquisados, apresentando, nos mapas a seguir, o que conside-
ramos relevante.

4.1 Os objetivos dos estudos analisados

As pesquisas tomadas para estudo foram desenvolvidas em diferentes contextos,


considerando estudantes de graduação, professores de Cálculo e análise de livros
didáticos. O mapa 12 apresenta uma síntese dos objetivos de cada um dos estudos.
Mapa 12 – Mapa síntese das propostas de investigação

P1 O objetivo do estudo foi identificar como três livros didáticos apresentam a derivada
como taxa de variação instantânea e se esse enfoque efetua tratamentos e conversões e
promove mudanças de registros de representação semiótica de acordo com a teoria de
Duval, na introdução do conceito, por meio dos textos, exercícios resolvidos e exercícios
propostos e outras atividades.
P2 O objetivo geral foi investigar como os professores de Matemática e de disciplinas espe-
cíficas do curso de Engenharia abordam o conceito de limite, derivada e integral em sala
de aula e também como os autores de livros didáticos tratam esses conceitos.
P3 O objetivo da pesquisa foi investigar os conhecimentos dos alunos que já passaram por
um curso de Cálculo e estudaram “a derivada” quanto as suas aplicações e tentar classifi-
car as dificuldades desses alunos diante dessas atividades.
P4 O objetivo foi investigar como a coordenação de registros contribui para a explicitação
dos conhecimentos mobilizados por alunos ingressantes no curso de Cálculo, frente às
tarefas organizadas com base no conceito de função.
P5 O objetivo é diagnosticar dificuldades que os alunos possam apresentar em
distinguir representações semióticas da noção de derivada e seus significados,
bem como de domínio de tratamentos e conversões.
Fonte: As autoras (2014).

P3, P4 e P5 envolveram estudantes de graduação, sendo que P3 e P5 tratam


de identificar as dificuldades daqueles que já passaram pela disciplina de Cálculo
no que se refere à derivada, e a P4 tem como foco os conhecimentos mobilizados
pelos estudantes que estão cursando pela primeira vez a disciplina de Cálculo
durante a realização de tarefas envolvendo o conceito de função. P2 tem como
foco a abordagem do professor de Matemática para introduzir os conceitos básicos
de Limite, Derivada e Integral e quais os registros que esses professores utilizam,
além de fazer uma análise de como os conceitos de cálculo são apresentados nos
livros didáticos. A pesquisa P1 focaliza o tratamento dado por livros didáticos ao

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 23


conceito de derivada a partir de taxas de variação sob o olhar dos Registros de
Representação Semiótica.
A análise do foco de estudo das pesquisas permite inferir a preocupação dos
autores em compreender as ações dos professores e estudantes quando tomam
como objeto de ensino e de estudo o conceito de derivada.

4.2 A base teórica dos estudos

Nas pesquisas analisadas, uma das intenções foi identificar quais autores
são referenciados para fundamentar teoricamente os estudos desenvolvidos.
Percebemos que os dados empíricos das pesquisas são analisados via teoria dos
Registros de Representação Semiótica de Raymond Duval.
Mapa 13 – Mapa dos principais referenciais teóricos das pesquisas

P1 Duval (1993) – Teoria dos registros de representação semiótica.


P2 Duval (2003) – Teoria dos registros de representação semiótica.
Lévy (1993) para tratar do desenvolvimento do conhecimento e dos saberes com as tec-
nologias da inteligência.
Pais (2001) – didática francesa – especificamente do trabalho com conceitos.
P3 Duval (1993) – Teoria dos registros de representação semiótica.
Cury (1994) e Ponte (1992) para trazer a noção de concepção.
P4 Duval (1988, 1990, 1992, 1993, 1996, 1999, 2003) – Teoria dos registros de representação
semiótica, enfatizando o papel da identificação das variáveis visuais pertinentes, no tra-
çado de gráficos, nos tratamentos, nas conversões e argumentações da língua natural.
Brosseau (1986, 1988, 1996) – Para tratar de aspectos ligados ao Contrato Didático, so-
bretudo no que refere a seus efeitos.
P5 Duval (1993, 1996, 1999) – Teoria dos registros de representação semiótica.
Fonte: As autoras (2014).

Destacamos a influência da didática da Matemática francesa, trazendo, nas


referências, principalmente Raymond Duval, além de teóricos que discutem a for-
mação dos conceitos matemáticos como Pais (2001) e Guy Brosseau para abordar
aspectos do contrato didático.

4.3 A abordagem metodológica

Nos estudos analisados percebemos características da pesquisa qualitativa, de


Bogdan e Biklen (1994): a fonte direta dos dados é o ambiente natural; o investigador

24 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


é o instrumento principal; os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo
processo do que pelos resultados ou produto; os investigadores tendem a analisar
seus dados de forma indutiva; o significado é de importância vital na abordagem
qualitativa. P3 e P5 não descrevem, nem fundamentam a opção metodológica,
conforme demonstra o mapa a seguir.
Mapa 14 – Aspectos metodológicos e contexto dos estudos

P1 Bardin (1977) – Análise de conteúdo.


A coleta de dados foi a partir da análise de três livros didáticos, por meio de textos, exer-
cícios resolvidos e exercícios propostos, entre outras atividades.
P2 Lüdke e Andre (1986) – Pesquisa qualitativa com ênfase na análise documental.
Os sujeitos da pesquisa foram professores de Matemática e professores das disciplinas
de Cálculo do CEFET – MG. Como instrumento de coleta de dados foram utilizados os
projetos político-pedagógicos dos cursos de Engenharia Elétrica, Engenharia de Pro-
dução e Engenharia de Computação, os planos de ensino da disciplina de Cálculo I, os
livros-texto de Cálculo Diferencial e Integral, observações das aulas de Cálculo I e aulas
das disciplinas específicas dos cursos analisados e entrevistas semiestruturadas com pro-
fessores das disciplinas observadas.
P2 Lüdke e Andre (1986) – Pesquisa qualitativa com ênfase na análise documental.
Os sujeitos da pesquisa foram professores de Matemática e professores das disciplinas
de Cálculo do CEFET – MG. Como instrumento de coleta de dados foram utilizados os
projetos político-pedagógicos dos cursos de Engenharia Elétrica, Engenharia de Pro-
dução e Engenharia de Computação, os planos de ensino da disciplina de Cálculo I, os
livros-texto de Cálculo Diferencial e Integral, observações das aulas de Cálculo I e aulas
das disciplinas específicas dos cursos analisados e entrevistas semiestruturadas com pro-
fessores das disciplinas observadas.
P3 Menciona que foram realizadas análise qualitativas e quantitativas – não cita referências.
Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um questionário para caracterizar os
perfis dos estudantes participantes e uma sequência composta por quatro tarefas. Os su-
jeitos da pesquisa foram estudantes do quarto e sexto semestre do curso de Licenciatura
em Matemática, de uma instituição de ensino superior da cidade de São Paulo.
P4 Pesquisa qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994; GARNICA, 2004; LUDKE; ANDRÉ,
1986; DENZIN; LINCOLN, 1994) na forma de um estudo de caso (STAKE, 2000; YIN,
2006).
Os sujeitos da pesquisa foram estudantes do Curso de Licenciatura em Matemática de
uma universidade do Rio Grande do Sul. Os dados coletados para a pesquisa foram ob-
tidos a partir de observações e gravações em áudio e também de análise dos protocolos
produzidos pelos alunos, por meio da realização de uma sequência composta por três
tarefas e cujo fio condutor foi o conceito de função e a coordenação dos registros de
representação semiótica.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 25


P5 Menciona que as análises são quantitativas e qualitativas – não cita referências.
Os sujeitos da pesquisa são estudantes que cursaram as disciplinas de Cálculo I e II. Os
dados foram coletados considerando a aplicação de dois testes diagnósticos com inter-
valos de seis meses entre eles. Também foi realizada a análise de livros didáticos.
Fonte: As autoras (2014).

Em relação aos sujeitos da pesquisa, eles foram escolhidos de forma inten-


cional, sempre levando-se em consideração o objeto de estudo. No estudo P4
o pesquisador estava em seu próprio ambiente de pesquisa, fazendo do espaço
escolar seu espaço empírico.
Em relação aos instrumentos de coleta de dados, destacamos a análise de liv-
ros didáticos em três dos estudos realizados: P1, P2 e P5. Além disso, destacamos
também a utilização de mais de um instrumennto de coleta de dados nas pesqui-
sas como observações P2 e P4, questionários P3, entrevistas P2 e sequências de
ensino P3, P4 e P5.
Nas pesquisas P3, P4 e P5, em que os sujeitos são estudantes da graduação,
foram utilizados como instrumento de constituição dos dados os protocolos dos
estudantes, resultantes da resolução das tarefas propostas.
A P3 propôs a elaboração de uma sequência composta por quatro tarefas,
que foram selecionadas considerando as indicações das avaliações nacionais para
os cursos de Licenciatura e Bacharelado em Matemática, de 1998 a 2005. A orga-
nização das tarefas foi realizada considerando: 1) atividades para determinação
da derivada de algumas funções sem o uso de tabela; 2) atividades que envolvem
pontos de máximo e mínimo; 3) estudo do comportamento de uma função a partir
do gráfico de sua derivada; e 4) problemas de máximo e mínimo. O autor realizou
uma análise prévia das atividades e posteriormente a aplicação. A sequência de
tarefas foi aplicada a dez estudantes do quarto e sexto semestre de um curso de
Licenciatura em Matemática e teve duração de aproximadamente três horas. Os
estudantes resolveram as questões propostas em dupla. A análise das atividades
desenvolvidas pelos estudantes foi realizada estabelecendo uma comparação entre
as análises prévias e as respostas efetivas dos estudantes.
O estudo P4 foi desenvolvido com 20 estudantes ingressantes no Curso de
Licenciatura em Matemática. Os dados foram coletados durante aproximadamente
um ano e meio, no decorrer das disciplinas de Pré-Cálculo, Cálculo I e Cálculo II.
Durante a pesquisa, foram realizadas três tarefas: a primeira tratava de inequações
partindo da comparação de funções; a segunda trouxe como foco funções associadas;

26 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


a terceira relacionava a derivada de uma função em um ponto com o coeficiente
angular da reta tangente ao gráfico da função no ponto, em cuja abscissa a derivada
foi calculada. As tarefas foram desenvolvidas utilizando como apoio ferramentas
computacionais, como o software DERIVE e Imagiciel e o fio condutor das tare-
fas foi o conceito de função. A autora faz uma análise preliminar das atividades
propostas e a seguir a descrição analítica das produções dos estudantes por meio
dos protocolos e falas audiogravadas durante a realização.
A P5 propõe a realização de dois testes diagnósticos com intervalo de seis
meses entre eles. O primeiro teste foi composto por quatro questões e o segundo
teste continha três questões. Para ambos os testes, foi realizada uma análise a priori
de cada questão pelo autor, apresentando as expectativas com relação às possí-
veis soluções dos estudantes. Após as aplicações os resultados foram analisados
quantitativa e qualitativamente. Em relação aos sujeitos da pesquisa, o primeiro
teste foi resolvido por 169 estudantes de graduação dos cursos de Engenharia
Elétrica e Licenciatura em Matemática, e o segundo teste foi resolvido por trinta
e dois estudantes do Curso de Licenciatura em Matemática. Dos 169 estudantes
que resolveram o primeiro teste, 43 entregaram em branco ou com as seguintes
respostas: “não sei responder”, “não me lembro” e “só sei derivar”. A autora não
justifica o critério de seleção dos sujeitos que resolveram o segundo teste.
Os dados empíricos das pesquisas foram analisados via elementos da teoria dos
Registros de Representação Semiótica. Esses elementos são, por exemplo, os tipos
de transformações, de tratamento ou conversão, os registros envolvidos nas conver-
sões, entre outros. A P1 fundamenta-se na Análise de conteúdo de Bardin (1997).

4.4 As atividades propostas nos estudos e os registros de representação

As atividades propostas no estudo P3 priorizam o significado da derivada


como função e como coeficiente angular da reta tangente ao gráfico da função. Elas
envolvem a familiarização com os conceitos e as técnicas de derivação de algumas
funções; estabelecem relações entre o conceito de derivada e a determinação de
pontos de máximo e mínimo de funções contínuas; propõem analisar o com-
portamento de funções a partir do gráfico de sua derivada e sugerem a resolução
de problemas envolvendo a aplicação dos conceitos de derivada em outras áreas
do conhecimento. As tarefas propostas enfatizam a determinação de máximos e
mínimos como aplicações da derivada.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 27


Em relação aos registros de representação percebemos a realização de:
1. Tratamentos no registro algébrico e no registro gráfico;
2. Conversões: RG → RA, RA → RG e RLN → RA, sendo registro algébrico
(RA), registro gráfico (RG) e registro da língua natural (RLN).
Considerando as atividades propostas no estudo P4, foram analisadas as ati-
vidades 7, 8, 9, 10 e 11, da terceira tarefa, visto que trazem uma das interpretações
da derivada: coeficiente angular de reta tangente ao gráfico da função.
Os registros utilizados na tarefa foram os registros gráfico (RG), algébrico
(RG), da língua natural (RLN) e numérico (RN) e foram identificados:
1. Tratamentos no registro gráfico, numérico e algébrico.
2. Conversões: RG → RLN, RG → RA, RG → RN e RLN → RA
As atividades propostas no estudo P5 trazem diferentes interpretações para
o conceito de derivada: como inclinação de retas tangentes, taxa de variação
instantânea e velocidade instantânea. Contemplam a utilização de diferentes re-
presentações para a derivada que o pesquisador denomina de registro simbólico/
algébrico (RSA), gráfico (figural) – (RG), língua natural (RLN).
Em relação aos registros de representação percebemos a realização de:
1. Tratamentos no registro gráfico (figural) e no registro simbólico/ algébrico;
2. Conversões: RSA → RLN, RG → RSA, RLN → RSA, RLN → RG.

4.5 O olhar sobre o livro didático nas pesquisas estudadas

O olhar sobre o livro didático se faz presente em P1, P2 e P5.


Na pesquisa P1, o objetivo do estudo teve como foco a análise do livro di-
dático e o tratamento dado ao conceito de derivada a partir da taxa de variação,
sob o olhar dos Registros de Representação Semiótica. Portanto, nesse estudo, o
autor intentou investigar se os registros de representação relativos ao conceito de
derivada estão presentes no texto dos livros analisados.
Já em P2 e P5, o foco do estudo esteve centrado, respectivamente, na prática
do professor em relação ao ensino de limite, derivada e integral e às dificuldades
dos estudantes no estudo da derivada. No entanto, ambas as pesquisas analisaram
livros didáticos. A P2 verificou como os conceitos de limite, derivada e integral
eram apresentados nos livros didáticos, considerando o que o autor denominou de
abordagens aritmética, geométrica e algébrica. Já em P5, o autor analisou os livros
didáticos com a intenção de delimitar possíveis registros de representação para a
derivada a fim de comparar com os registros utilizados pelos sujeitos pesquisados.

28 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


4.6 Os principais resultados e as perspectivas de continuidade dos estudos

O mapa 15 apresenta os principais resultados obtidos nos estudos analisados.


Mapa 15 – Mapa síntese dos principais resultados obtidos

P1 O autor destaca a teoria dos Registros de Representação Semiótica como uma ferramenta
de análise, pois permitiu verificar como a derivada com ênfase na taxa de variação é tra-
tada nos três livros analisados, tanto no que diz respeito às diferenças no enfoque dado,
quanto à exploração da coordenação de registros por parte dos autores. Ainda, dois dos
livros analisados não apresentam de forma explícita a derivada como taxa de variação e
aquele que apresenta a relaciona com o coeficiente angular. São apresentados no texto da
dissertação alguns quadros que resumem os tratamentos e as conversões e alguns indica-
dores da Análise de Conteúdo de Bardin: contextualização, demonstração e aplicação.
P2 O autor aponta que em relação aos RRS constatou que tanto os autores dos livros de
Cálculo, quanto professores de Matemática e de disciplinas específicas nos cursos de En-
genharia utilizam o que Duval denomina de conversões. Na pesquisa, essas conversões
aconteceram na elaboração conceitual, passando-se da abordagem algébrica para a gráfica,
geométrica e numérica, esta última explorando tabelas de valores. O autor destaca ainda
que o uso de várias representações semióticas em interação constante proporcionou con-
dições de diferentes interpretações e possibilidade de melhor compreensão conceitual.
P3 O autor destaca que os estudantes apresentam maior facilidade para realizar tratamentos
no registro algébrico e aponta a necessidade de utilização de diferentes formas de repre-
sentação envolvendo o conceito de derivada. Apresenta, ainda, que os sujeitos da pesquisa
evidenciam dificuldades tanto conceituais quanto manipulativas, as quais aumentam
quando é necessário mobilizar o conceito para resolver alguma situação de aplicação.
P4 A autora destaca que a coordenação entre diferentes registros de representação favorece
a explicitação dos conhecimentos dos alunos e que, por meio das conversões propostas,
foi possível caracterizar o tipo de tratamento e procedimento utilizado e o nível de com-
plexidade mobilizada em relação aos conhecimentos envolvidos.
P5 As dificuldades no processo de ensino e aprendizagem do conceito de derivada podem
estar relacionadas ao fato de no ensino privilegiarem-se alguns registros de representa-
ção na introdução da noção deste conceito e em problemas e exercícios.
Fonte: As autoras (2014).

A P2 buscou responder: Como é o tratamento dos conceitos de Limite, Deri-


vada e Integral em cursos de Engenharia? Para a autora, em relação à abordagem
dada pelos professores ao conceito de Derivada, eles chegam rápido demais às
formalizações e priorizam os tratamentos algébricos em detrimento da exploração
do conceito, privilegiando mais a definição formal e os cálculos operacionais. Para
pesquisas futuras, a autora indica o estudo do conceito de Limite, Derivada e Inte-
gral numa perspectiva de resolução de problemas ou de modelagem matemática

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 29


e, também, para identificar estratégias usadas pelos estudantes, enfatizando os
registros de representação semiótica.
A P3, que investigou os conhecimentos dos alunos em relação à derivada,
mostra que eles estão habituados a resolver situações representadas no registro
algébrico evidenciando a necessidade de alternar as formas de representação das
situações de aprendizagem que envolvam o conceito de derivada durante as aulas.
Além disso, as dificuldades apresentadas pelos alunos são de ordem conceitual,
no que se refere às relações existentes entre a função e sua derivada e também de
ordem manipulativa, pois os alunos efetuam tratamentos e chegam a resultados,
no entanto não identificam as relações desses resultados com o comportamento
gráfico da função ou de sua derivada, além de não conseguirem aplicar o conceito
de derivada para efetuar tratamentos.
A autora do estudo P4 destaca que a conversão dos registros de representação,
partindo do registro gráfico para os demais, favoreceu a explicitação dos conheci-
mentos dos alunos. O registro da língua natural mostrou-se extremamente adequado,
uma vez que, por meio dele, foram reveladas concepções que ficam “mascaradas”
por algoritmos mecânicos. Permitiu constatar as dificuldades em relação ao rigor
na elaboração das argumentações apresentadas, que, algumas vezes, não atribuem o
real significado às simbologias expressas. O papel desempenhado pelo objeto função
possibilitou, ainda, a percepção de que nem sempre o inter-relacionamento entre
as variáveis está claro para muitos alunos e que a simbologia utilizada é desprovida
de significado. Como perspectivas de continuidade, a autora destaca a necessidade
da realização de pesquisas envolvendo a questão da transição da Educação Básica
para o Ensino Superior, tanto no eixo do Cálculo como na Álgebra.
A P5, que investigou as dificuldades dos alunos em relação à derivada, mostra
a origem das dificuldades que surgiram no processo de ensino e aprendizagem da
derivada estão relacionadas às articulações entre os registros de representação e
aos significados do conceito de derivada em diferentes situações. O autor aponta
que ter habilidade para efetivar conversão entre dois dos registros de um conceito
não é suficiente para garantir a mobilização dos seus significados. A utilização
do registro gráfico como representação da noção de derivada foi a que os alunos
manifestaram maior dificuldade. O registro da língua natural foi o mais utilizado
quando o registro de partida foi o registro gráfico, simbólico ou da língua natural.
O autor destaca que as dificuldades podem estar relacionadas ao fato de serem
privilegiados alguns registros de representação em problemas e exercícios e indica

30 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


como perspectiva de continuidade a busca de abordagens de ensino que favoreçam
a aprendizagem do conceito de derivada, com a proposta de otimizar a articulação
entre os registros de representação desse conceito nas diferentes situações que
envolvem seus significados.
Na sequência, as observações feitas pelos estudos P1, P2 e P5 ao olharem
para o livro didático.
a. No que tange às diferentes interpretações para a noção de derivada:
− P1 atenta para a derivada como taxa de variação e faz relação dessa noção
com coeficiente angular, velocidade e aceleração. O autor destaca que os
livros, ao não fazerem a conexão da derivada como taxa de variação, podem
causar prejuízo inicial na compreensão da derivada e, por consequência,
nas futuras aplicações dessa variação.
− P2 não apresenta de forma explícita a preocupação em olhar para as dife-
rentes interpretações da derivada. No entanto, durante a análise dos livros,
as diferentes interpretações foram evidenciadas.
− P5 observa que existe uma sequência quase idêntica na ordem da apre-
sentação do conceito de derivada nos livros selecionados. Destaca que os
livros abordam a noção de derivada como inclinação da reta tangente ao
gráfico de uma função num ponto, como taxa de variação instantânea,
como velocidade e aceleração instantânea e para análise do comporta-
mento de funções.
b. No que tange aos registros de representação semiótica:
Os autores de P1, P2 e P5, ao realizarem a análise dos livros didáticos, apre-
sentam os diferentes registros de representação semiótica para a derivada e exem-
plificam conversões e tratamentos.
− P1 apresenta quadros comparativos entre os livros analisados, destacando
a frequência de tratamentos e conversões e os indicadores que o autor
utilizou, fundamentados na Análise de Conteúdo: contextualização, de-
monstração e aplicação.
− a análise dos livros didáticos realizada na P2, aponta que há um equilíbrio
na abordagem gráfica, aritmética (tabela de valores) e a exposição algébrica.
− o autor da P5 não elabora uma síntese comparativa apresentando os resulta-
dos da análise realizada. No entanto, apresenta a partir dos livros didáticos,
os diferentes tipos de registros identificados: língua natural, simbólico/

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 31


algébrico, simbólico/numérico e figural e as diferentes representações da
derivada no interior de cada registro.

5 Considerações finais

O presente estudo objetivou identificar se as pesquisas que abordam a te-


mática Derivada e Registros de Representação Semiótica discutem as diferentes
interpretações para o conceito de derivada e como são evidenciados os diferentes
registros de representação para as diferentes interpretações desse conceito. Para
tal, realizamos um mapeamento, na perspectiva de Biembengut (2008). Os estudos
foram selecionados por meio do portal da CAPES e procuramos compreender e
captar suas características, problematizações e contribuições para a área.
Percebemos que os estudos desenvolvidos estão centrados na análise de livros
didáticos, na abordagem do conceito de derivada pelos professores de Cálculo e
nas dificuldades apresentadas pelos alunos ao estudarem a derivada. Os dados
empíricos das pesquisas foram analisados via elementos da teoria dos Registros
de Representação Semiótica. Esses elementos são, por exemplo, os tipos de trans-
formações, de tratamento ou conversão e os registros envolvidos nas conversões.
Os estudos P3, P4 e P5, cujos sujeitos investigados são estudantes, utilizam
como instrumento de constituição dos dados, sequências de ensino, sendo rea-
lizadas análises prévias, antes da aplicação das sequências e após sua aplicação.
Percebemos, nas atividades propostas nas sequências, a realização de tratamentos
no registro algébrico, gráfico e da língua natural e de conversões entre os registros,
sendo que conversões do registro gráfico para o registro algébrico (RG → RA) e
do registro da língua natural para o registro algébrico (RLN → RA) estiveram
presentes em todas as sequências. Em relação às diferentes interpretações para a
derivada, está presente em todos os estudos a derivada como coeficiente angular
da reta tangente à função num determinado ponto.
O olhar sobre o livro didático nas pesquisas P1, P2 e P5 apresenta como aspecto
comum a intencionalidade de identificar os diferentes registros de representação
semiótica para a derivada e como eles estão presentes nos textos dos livros analisados.
Em relação às perspectivas de continuidade, os estudos sinalizam para in-
vestigação do conceito de derivada sob o olhar das tendências em Educação Ma-
temática, considerando a Resolução de Problemas e a Modelagem Matemática e

32 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


as estratégias mobilizadas pelos estudantes quando se articulam os registros de
representação da derivada e suas diferentes interpretações.

REFERÊNCIAS

ANTON, H. Cálculo, Um Novo Horizonte. v. 1, 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2000.


BIEMBENGUT, M. S. Mapeamento na Pesquisa Educacional. Rio de Janeiro:
Ciência Moderna, 2008.
BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Investigação qualitativa em educação: uma
introdução à teoria e aos métodos. Lisboa: Porto, 1994.
DAMM, R. F. Registros de Representação. In: MACHADO, S. D. A. et al. Educação
Matemática: uma introdução. São Paulo: EDUC, 2002. p. 135-153.
DUVAL, R. Registros de Representação Semióticas e Funcionamento Cognitivo
da Compreensão em Matemática. In: Machado, Silvia Dias Alcântara (Org.).
Aprendizagem em Matemática: registros de representação semiótica. Campinas/
São Paulo: Papirus, 2003. p. 11-33.
______. Semiósis e Pensamento Humano: Registros semióticos e aprendizagens
intelectuais. São Paulo: Livraria da Física, 2009.
STEWART, J. Cálculo. v. 1. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2011.
LOBO, R. D. S. O Tratamento dado por livros didáticos ao conceito de derivada.
Disseração (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática) – Pontifícia Univer-
sidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.
VAZ, L. D. C. O conceito de limite, derivada e integral em livros de cálculo e
na perspectiva de professores de matemática e de disciplinas específicas em
cursos de engenharia. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro Federal
de Educação Técnica de Minas Gerais, Minas Gerais, 2010.
RAMOS, V. V. Dificuldades e concepções de aluno de um curso de Licenciatura
em Matemática, sobre derivadas e suas aplicações. Dissertação (Mestrado Pro-
fissionalizante em Ensino de Ciências e Matemática) – Pontifícia Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2009.
MARIANI, R. D. C. P. Transição da educação básica para o ensino superior: A
coordenação de Registro de representação e os conhecimentos mobilizados pelos

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 33


alunos no curso de Cálculo. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Univer-
sidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
GODOY, L. F. S. Registros de representação da noção de derivada e o processo
de aprendizagem. Dissertação (Mestrado em Educação e Ensino de Ciências e
Matemática) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
IGLIORI, S; GODOY, L. F. Atribuição de significados às representações semió-
ticas do conceito de derivada por estudantes de cursos de exatas. Disponível em:
<http://www.ufrrj.br/emanped/paginas/conteudo_producoes/docs_28/atribuicao.
pdf.>. Acesso em: 17 jun. 2014.

34 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


2 DIÁRIOS DA PRÁTICA PEDAGÓGICA:
PRESSUPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES
PARA UMA FORMAÇÃO CONTINUADA
EMANCIPATÓRIA

Sandro Rogério Vargas Ustra


Jesuína Lopes de Almeida Pacca
Eduardo Adolfo Terrazzan

1 Retomando um instrumento de pesquisa

Este capítulo consiste numa reflexão sobre a utilização de Diários da Prática


Pedagógica (DPP) em pesquisas desenvolvidas pelos autores envolvendo programas
de formação continuada de professores de Física, especialmente nos períodos de
1995-1998 e 2002-2006. Também são enfatizadas análises desenvolvidas durante um
curso de especialização em Ensino de Ciências Naturais, ocorrido no período de 1999-
2000, envolvendo professores de Ciências dos Anos Finais do Ensino Fundamental.
No primeiro período considerado, destaca-se uma pesquisa participante (US-
TRA, 1997) realizada junto a um curso de atualização e aperfeiçoamento de 180
horas, abordando conteúdos de Mecânica, quando participaram cerca de trinta
professores de Física da região de Santa Maria/RS. Logo após o final deste curso, a
partir do esforço dos próprios professores, foi criado um grupo de trabalho (tema

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 35


de pesquisas posteriores) para continuar e aprofundar as atividades iniciadas cole-
tivamente. Na perspectiva de investigar as contribuições da formação continuada
ao exercício da autonomia didática docente, foram priorizadas algumas estratégias
metodológicas, dentre as quais se destacam as observações realizadas durante os
encontros, os planejamentos didáticos e os DPPs elaborados pelos professores.
Em linhas gerais, essas atividades de formação continuada orientavam-se por
um acompanhamento do trabalho dos professores fundamentado na constante
reflexão sobre a prática de sala de aula e pela recuperação da importância do
planejamento didático como instrumento para o desenvolvimento, a avaliação
e a reformulação da atuação docente. Em síntese, a ideia era desenvolver e valo-
rizar a prática reflexiva dos professores. Priorizaram-se as informações trazidas
pelos professores sobre suas práticas e as significações delas, optando-se por não
entrar em sala de aula. Assim, os planejamentos didáticos e os DPPs tornaram-se
importantes fontes de dados.
A elaboração dos Diários, inspirada no programa de formação continuada
coordenado por Pacca e Villani (1992), foi solicitada no início das atividades do
curso, quando se propôs que os professores relatassem por escrito o ocorrido em
determinadas aulas, nas quais estivessem aplicando parte do que estava sendo
discutido. Para essa elaboração, foi sugerido que observassem alguns pontos, tais
como: modificações verificadas em relação à dinâmica de sala de aula; atitudes
e aproveitamento dos alunos; principais dificuldades conceituais enfrentadas no
desenvolvimento dos conteúdos; e sugestões de modificações nas atividades rea-
lizadas. Em cada encontro havia um período de tempo determinado para a sessão
de leitura e discussão coletiva dos diários elaborados.
Em outro momento, durante o curso de especialização, participaram 40
professores de Ciências em serviço, da região de Santa Maria/RS. Os professores
envolvidos neste estudo elaboraram diários a partir da implementação, durante
o segundo bimestre de 2000, de módulos didático-pedagógicos planejados em
grupos. A partir da leitura de seus relatos em sessões plenárias, foram discutidos
aspectos e situações mais significativos presentes nas narrativas, envolvendo con-
cepções acerca do papel do professor, de ensino-aprendizagem e da organização
do ambiente de aprendizagem. Constatamos que predominou nos diários escritos
uma descrição sucinta do que acontecera em sala de aula. Alguns apresentavam
uma indicação bastante vaga dos acontecimentos, detendo-se apenas nas ações

36 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


do professor, com poucos indícios das manifestações dos alunos e justificativas/
análises desses acontecimentos. (USTRA & TERRAZZAN, 2000).
No período de 2002-2006, outra pesquisa participante envolveu um grupo
de sete professores de Física, da escola pública da Grande São Paulo, comprome-
tidos num programa de formação continuada. Nesta pesquisa foram investigadas
as relações entre desenvolvimento profissional, prática reflexiva e inserção dos
professores num contexto problemático e complexo que ocorre numa aula típica
do ensino médio (USTRA, 2006).
As atividades desenvolvidas pelo grupo, que se reunia desde 2001, referiam-
-se ao estudo do eletromagnetismo e à construção e desenvolvimento de um
planejamento para a sala de aula, objetivando a aprendizagem significativa de
seus alunos. Os encontros ocorriam semanalmente, com duração de 6 horas, para
discussão de conteúdos e planejamento de atividades. Também eram discutidas
questões mais abrangentes relacionadas ao trabalho do professor e ao contexto
no qual se insere. Durante a semana os professores dispunham de mais 12 horas
para trabalhar individualmente.
Esse grupo, ao longo do seu funcionamento, constituiu uma comunidade
científico-profissional engajada no enfrentamento de problemas da sua prática
cotidiana, através da construção coletiva de um planejamento pedagógico que sa-
tisfizesse as condições desejadas de uma aprendizagem coerente com pressupostos
construtivistas. Os principais instrumentos de pesquisa, neste caso, também foram
os registros de campo, os planejamentos didáticos e os DPPs. Estes últimos eram
compartilhados, no grupo, de forma predominantemente oral, diferentemente das
pesquisas anteriores, em que se enfatizava o formato escrito.

2 Contornos das práticas formativas

O primeiro trabalho em foco com os diários ocorreu junto ao Curso de Atua-


lização e Aperfeiçoamento “Alternativas para o Ensino da Mecânica na Escola
Média”, desenvolvido através do Programa PRÓ-CIÊNCIAS, convênio CAPES/
FAPERGS, sob a coordenação de uma equipe de docentes da Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM).
A organização deste curso levou em consideração a experiência acumulada
pela área, ao longo das décadas anteriores, a qual sinalizava que ações pontuais,

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 37


como iniciativas isoladas de docentes de ensino superior, através de cursos de ex-
tensão de curta duração dirigidos a professores da rede escolar, pouco contribuem
para a melhoria da qualidade do ensino na escola fundamental e média. Dessa
forma, proporcionou-se um contato prolongado com os professores das escolas,
num processo de reflexão individual e coletiva, sobre aspectos do cotidiano vi-
venciados por eles.
Outra característica foi o tratamento dado aos conteúdos. Apesar das ativi-
dades estarem relacionadas aos conteúdos de Mecânica, não se limitavam apenas
a esses, evitando, dessa forma, uma espécie de revisão, mesmo que ampliada, de
elementos trabalhados no curso de formação inicial (graduação) dos professores.
Assim, a metodologia empregada consistia em trabalhar os conteúdos a partir das
dificuldades apresentadas nas atividades desenvolvidas pelos professores partici-
pantes. Essa forma de abordagem, além de suprir as deficiências na sua formação,
procurava garantir a incorporação de modificações efetivas nas práticas pedagógicas
dos professores e nos programas curriculares por eles elaborados ou praticados.
Nossa intenção em utilizar os diários no âmbito deste curso de atualização,
além do fato de constituírem um instrumento adequado a uma pesquisa de natureza
qualitativa e uma atividade potencialmente significativa em ações de formação
permanente, referenciou-se inicialmente nas práticas de um grupo de pesquisa
em Ensino de Física do Instituto de Física da Universidade de São Paulo – IFUSP
junto ao Programa de Atualização de Professores de Física, através do projeto
BID-USP-CAPES (PACCA, 1992; PACCA, 1994). Esse Programa, na sua primeira
fase, durou 200 horas, com 20 sessões mensais por dois anos e participação de nove
professores de Física. Numa das análises do Programa encontramos o apontamento
de uma conquista relevante:

[...] a dimensão majorada das discussões sobre os relatos dos diários de


bordo, e isso se devia, predominantemente, ao fato de existir algo mais
consistente sobre o que falar: as experiências dos professores com suas
classes, nas aplicações dos seus planejamentos. Isso evidenciava que, cada
professor estava num estágio diferente, o que os levava a possibilidades
e necessidades distintas, um novo problema para os coordenadores.
(BODIÃO, 1993, p. 204).

Em outras passagens dessa mesma análise, encontramos, também, referências


positivas acerca da utilização dos diários:

38 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Entusiasmada com os relatos dos diários de bordo, a coordenadora,
mais uma vez, assinalava que eles (professores) falavam por ter o que
dizer, e também que os sentia capazes de refletir sobre o que acontecia,
procurando identificar as causas dos seus sucessos. (Idem, p. 205)

Em outro artigo é comentada a evolução dos diários no Programa: neste tipo


de atividade plenária estava o “diário de bordo”, que acabou se tornando uma das
atividades mais importantes do Programa. (PACCA & VILLANI, 1992, p. 224).
Em relação ao papel desempenhado pelos diários no Programa de atualização
e aperfeiçoamento, ainda podemos citar:

O espaço criado pelo Diário de Bordo parece representar uma oportu-


nidade para a intervenção que aponta para a construção de uma nova
concepção de ensino, uma oportunidade para dirigir as questões e dú-
vidas propostas para uma formulação objetiva, relativa à aprendizagem
e motivação do aluno. (PACCA, 1994, p. 61).

Outro aspecto importante na utilização de Diários é a possibilidade que


eles oferecem para a reflexão/investigação por parte dos envolvidos. Porlán e
Martin (1997) apontam a necessidade de uma postura investigativa, por parte do
professor, de forma a permitir-lhe uma prática reflexiva e um desenvolvimento
profissional permanente. O professor está imerso num contexto que é complexo,
diversificado, variável e problemático. Decorre, então:

La necesidad de una metodología y de unos instrumentos que permitan


establecer vínculos significativos entre la teoría (el modelo), el programa
y la práctica. La investigación y el tratamiento por los profesores de sus
problemas prácticos ayuda a explicar creencias y teorias implícitas, y a
que éstas evolucionen; ayuda también a diseñar hipótesis de interven-
ción que intenten resolver dichos problemas desde nuevas perspectivas.
(PORLÁN, MARTIN, 1997, p. 18).

Nesse sentido aponta o “Diário do Professor” como uma prática que

permite reflexar el punto de vista del autor sobre los procesos más
significativos de la dinâmica em la que está imerso. Es una guía para la
reflesión sobre la práctica, favoreciendola toma de consciência del pro-
fesor sobre su processo de evolución y sobre sus modelos de referencia
(Idem, p. 19-20).

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 39


No entanto, alguns cuidados são apontados na literatura em relação ao trabalho
com diários. A questão da validade-representatividade coloca-se num nível mais
geral “em termos de aproximar a técnica do diário ou do âmbito das técnicas na-
turalistas (observar-recolher uma situação, sem alterar), ou do âmbito das técnicas
convencionais (a informação recolhida é a resposta dos sujeitos a uma situação
artificial, a situação de prova)”. (ZABALZA, 1994, p. 98).
Outro cuidado diz respeito à resistência no processo de elaboração dos diá-
rios. Os professores devem escrevê-los como se ninguém fosse lê-los. Para tanto
o investigador deve deixar claro que será evitada a postura de avaliador durante
a leitura dos diários.
Nesse sentido, a investigação

adquire um sentido “iluminativo” e não “avaliativo”; adquire um sentido


de “negociação” e não de “imposição” de modelos de recolha, análise e
interpretação dos dados; adquire mais um sentido de desenvolvimento
pessoal daqueles que estão implicados no processo do que um sentido
de generalização dos dados ou estabelecimento de princípios gerais
(ainda que isto, dentro das limitações de tipo epistemológico e técnico
inerentes ao ‘’próprio modelo, também constitua um dos propósitos).
(ZABALZA, 1994, p. 34).

As denominações “diário de campo”, “diário de aula” e “diário” são bastante


empregadas, principalmente nas pesquisas qualitativas, de modo semelhante ao
que ocorre com “diário de bordo” e “diário do professor”. A partir de 2000, passa-
mos a utilizar a denominação “Diário da Prática Pedagógica”, considerando sua
importância e repercussão no contexto da prática profissional, destacadamente
nas atividades coletivas de formação continuada (USTRA, TERRAZZAN, 2000).
Também temos utilizado esse instrumento sistematicamente na formação inicial
de professores de Física, especialmente nos estágios supervisionados, enfatizando
como aspecto principal sua discussão nas plenárias (USTRA, HERNANDES, 2010).
Tomamos por Diários (DPPs) os relatos, orais ou escritos, do trabalho didático-
-pedagógico realizado por professores, que não se restringem a simples descrições de
acontecimentos de sala de aula, mas que incorporam também comentários, justifi-
cativas e análises acerca das mudanças pelas quais eles passam, com respeito às suas
concepções de ensino e aprendizagem, bem como do conhecimento do conteúdo
e de suas dificuldades conceituais. Assim, caracterizam-se como instrumentos de
acompanhamento e avaliação crítica-reflexiva da prática pedagógica. O trabalho

40 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


com Diários permite aos professores reconstruírem as suas ações, explicitando-as e
atribuindo-lhes razão e sentido. Através deles consegue-se identificar os elementos
de significação e os sucessos ou insucessos que vão ocorrendo.

3 As potencialidades do instrumento de formação e pesquisa

Nos resultados da primeira pesquisa desenvolvida foram caracterizadas três


fases na evolução do processo de elaboração dos Diários pelos professores. De uma
fase inicial, quando predominavam anotações dos alunos, acompanhadas por uma
breve indicação do que se tratava, passando por outra, bastante esquemática em
relação às atividades desenvolvidas, mas já com algumas descrições das ações dos
estudantes, e culminando num formato mais aprimorado. Nessa terceira fase, os
Diários já apresentavam justificativas dos professores para as atitudes dos alunos,
com a transcrição de muitas falas. Os professores narravam suas próprias ações
nos relatos, explicitando tanto o seu comportamento durante as atividades, como
algumas de suas justificativas e expectativas.
A elaboração dos Diários, pelos professores, foi encaminhada na segunda etapa
do curso de atualização (ocorrido em três etapas, a primeira de 40 horas, a segunda
de 100 horas e a terceira de 40 horas), no qual se propôs que relatassem o ocorrido
numa determinada aula, na qual estivessem desenvolvendo atividades planejadas.
Assim, foi proposta a elaboração de Diários a partir da aplicação em sala de aula
de duas atividades experimentais e quatro problemas trabalhados durante os en-
contros quinzenais. Pretendia-se, com isso, facilitar a análise coletiva dos relatos
dos professores, aproximando-a dos significados que estes lhe conferiam, pois o
que era desenvolvido em sala de aula já havia sido trabalhado durante o curso.
A delimitação dos assuntos para serem registrados e narrados não nos pa-
receu prejudicar a expressão por parte dos professores, em função da elaboração
dos Diários ser uma das tarefas do curso, que tem um caráter de intervenção nas
práticas docentes.
Os Diários eram recolhidos no início de cada encontro, quando se conversava
com aqueles professores que haviam feito a tarefa proposta, no sentido de verificar
se estavam dispostos a ler os seus relatos para os demais participantes. Algumas
poucas vezes, um ou outro professor não se sentia à vontade para fazer tal leitura.
Dessa forma, eram encaminhados para leitura apenas os Diários cujos autores não
apresentavam nenhuma restrição.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 41


Em cada encontro os Diários eram lidos pelos seus autores e havia um momento
para discussão por todos os participantes. Nessas sessões, o membro da equipe
coordenadora responsável pelos trabalhos com os Diários fazia questionamentos
acerca de aspectos que não estavam claros nas narrativas, ou pedia aos professores
que comentassem uma determinada atividade ou acontecimento relatado para
discussão coletiva. Era um espaço aberto à participação tanto por parte de toda a
equipe, quanto por parte dos demais professores, que se mostravam bastante atentos.
Esse aspecto de negociação, que permeou a interação, também esteve presente
na seleção dos conteúdos dos relatos, pois os professores foram orientados para
que escrevessem seus Diários sem a preocupação com a leitura coletiva, mesmo
porque, se fosse a sua vontade, as informações poderiam ser restritas à leitura
apenas por parte dos membros da equipe.
Durante as sessões de leitura e discussão coletiva dos Diários, evitou-se sempre
uma postura avaliativa por parte da equipe coordenadora, como se houvesse um
padrão de narrativa. As questões levantadas aos professores procuravam esclarecer
um ou outro ponto da narrativa que não estava compreensível, ou então evidenciar
alguns aspectos que apresentavam diferenciações na prática de sala de aula, em
função dos trabalhos no curso.
Apesar das orientações preliminares da equipe quanto à construção dos Diá-
rios, surgiram dificuldades, por parte dos professores, como: sensação de novidade;
falta de hábito ou de tempo para escrever; indecisão do que relatar; não aplicação
em sala de aula das atividades propostas alegando falta de condições materiais nas
escolas; interesse dos alunos ou mesmo falta de espaço para desenvolver as suges-
tões do curso na programação escolar seguida. O comentário de uma professora
participante do curso é exemplar neste sentido: “Falta o hábito de escrever e não
se sabe ao certo o que é importante e o que não é.” (Rosane).
Em virtude dessas dificuldades, a equipe resolveu reservar, em dois encontros
do curso, um período para esclarecer os professores sobre quais as características
gerais e qual a finalidade dos Diários, o que deveriam contemplar em seus relatos,
qual deveria ser a postura deles na sua escrita e principais dificuldades encontradas
na sua elaboração. Procuramos, dessa forma, evidenciar que o seu conteúdo deveria
ser o mais amplo possível e que nossas sugestões de aspectos a serem observados
eram apenas indicações orientadoras.
Na segunda pesquisa considerada, durante o curso de especialização para
professores de Ciências, a elaboração dos Diários foi solicitada durante uma das

42 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


disciplinas, Currículo, Planejamento Didático e Prática Pedagógica, quando se
propôs que elaborassem os seus relatos durante o desenvolvimento, no segundo
bimestre letivo, dos Módulos Didático-pedagógicos planejados em um momento
anterior. Para essa elaboração, sugerimos que observassem os mesmos aspectos
indicados no curso de atualização.
Na etapa final dessa disciplina ocorreram duas sessões de leitura e discussão
coletiva dos Diários elaborados. Nessas sessões também fazíamos questionamentos
acerca das narrativas ou pedíamos que detalhassem episódios para esclarecimento
coletivo. Era um momento de intensa participação dos demais professores, bastante
interessados, geralmente questionando sobre aspectos mais descritivos relacionados
à metodologia empregada ou à disposição/participação dos alunos.
Na outra pesquisa considerada, envolvendo o grupo de professores de SP, que
já tinham mais experiência com os DPPs – até porque alguns haviam participado
do grupo de 1992, o qual inspirara a utilização dos diários –,os relatos eram densos
em suas descrições e análises. O compartilhamento dos relatos também ocorria
num clima de confiança mútua e colaboração.
Esse grupo de professores, juntamente com os formadores, integrava um projeto
apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP (a
qual financiava a participação docente) para a formação continuada de professores
de Física. Entre os formadores estão considerados a coordenadora do projeto e dois
pesquisadores – doutorandos em Educação. O projeto desenvolveu-se com atividades
variadas que ocupavam os professores com 20 horas semanais, sendo 6 horas pre-
senciais; as restantes eram reservadas para cerca de 5 aulas semanais, cujo conteúdo
desenvolvido estava ligado ao objeto do Projeto, e para atividades individuais.
Nos períodos presenciais, com a participação de professores e formadores, ocor-
riam várias situações de discussão sobre as tarefas realizadas na semana e, sobretudo,
os resultados do trabalho em sala de aula, que era sempre conduzido, planejado e
alimentado pelo feedback das respostas dos alunos e de ocorrências significativas
para o professor. Os relatos e as produções dos professores eram sempre o que se
colocava em discussão, centrados no planejamento reelaborado continuamente.
As sessões presenciais e os materiais escritos produzidos pelos professores
constituíram importante fonte de dados para este trabalho; os registros das sessões
consistiram de áudio gravações transcritas e anotações diretas dos pesquisadores,
que poderiam conter outros detalhes que extrapolam o verbal/oral.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 43


4 Principais desdobramentos
No curso de atualização

Os professores narravam suas próprias ações nos relatos, explicitando tanto


o seu comportamento durante as atividades, como algumas de suas intenções,
expectativas e perspectivas.
Muitas dificuldades específicas encontradas em sala de aula, em termos de
conteúdos e metodologias, eram apontadas, bem como aspectos que deveriam ser
retomados para sua superação em aulas seguintes ou que poderiam ser melhorados
para o tratamento dos conteúdos no replanejamento.
A professora Ana, que inicialmente apresentava resistência em elaborar seus
Diários, relatou, quase ao final do curso, o desenvolvimento de duas de suas aulas
sobre leis de Newton. Apresentou um relato bem mais detalhado do que o de seus
colegas, indicando a utilização de aspectos históricos da Física para introduzir o
assunto e a realização de uma sessão inicial de problematização para levantar as
ideias dos alunos sobre o tema a ser abordado:

A aula foi dinâmica e participativa, isto é, todos os alunos responderam


às perguntas e, à medida que as respostas foram sendo colocadas no
quadro, alguns reformularam as respostas dadas anteriormente e pediam
para apagar a resposta que eles achavam que não tinha nada a ver”, o que
não foi feito, pois expliquei que todas as contribuições eram válidas e
que só num segundo momento iríamos destacar o que todos achassem
que eram respostas desnecessárias. Após discutirmos, fui apagando as
respostas que achamos que não iriam contribuir para o nosso objetivo
inicial, que era definir força. Quando chegamos à definição de força, e
eu já tinha apagado o quadro, percebi que errara em apagar as respostas
dos alunos sem antes tê-las anotado, pois acho que seria interessante ter
ficado com todas as noções que eles tinham a respeito de força, mesmo
não sendo as mais corretas. (Ana)

Ana utilizou a mesma dinâmica para trabalhar o princípio da Inércia, comen-


tando o pensamento de Aristóteles e Galileu e problematizando com os alunos.
Relatou que houve uma discussão mais ativa na classe e citou dois de seus alunos:

− A gente falou bastante bobagem, mas a senhora viu que juntos a gente
chegou na mesma conclusão, quer dizer, na definição que o livro tem.

44 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


− Essa aula que a gente pode participar, falar, é muito melhor que as
aulas que o professor manda a gente copiar. Eu acho que assim a gente
aprende mais. (Ana)

Ana, num outro Diário acerca da resolução, pelos alunos, de um problema


para levantar suas concepções alternativas, comentou sobre a atitude deles quanto à
avaliação da atividade, quando lhes disse que fazia parte de um curso de atualização
junto à Universidade: “Os alunos acharam uma maravilha estarem contribuindo
para um projeto da UFSM; qualquer atividade proposta é feita com boa vontade,
sem a menor resistência.” (Ana)
Muitos aspectos relativos às dificuldades de sala de aula, sejam metodológicas
ou de conteúdo, surgiram como comuns para outros, às vezes chegando até mes-
mo ao apontamento de soluções que eram compartilhadas. Por exemplo, acerca
da dificuldade geral de conduzir atividades de problematização com os alunos, a
professora Valéria relatou:

Durante a atividade queriam explicações, saber se estava correto ou não,


discutiam entre eles. Percebe-se, não só nesta atividade, que os alunos
não leem, eles querem que se diga o que fazer e como fazer e este hábito é
difícil de ser tirado. Como ele surge? Não sei, mas é necessário fazer eles
pensar e mostrar que são capazes de fazê-lo. Estas atividades possibilitam
isso e como ficou claro que não seriam atividades avaliadas apenas como
certas e erradas e sim como elementos para análise de conceitos, isto
está sendo produtivo. (Valéria)

Também pudemos perceber, em um número maior de narrativas dos profes-


sores, uma presença, mais sistematizada e integrada em suas práticas, de aborda-
gens contendo elementos trabalhados no próprio curso. Por exemplo, a utilização
do cotidiano e de aspectos históricos, como recurso de contextualização para o
desenvolvimento de atividades de ensino, passou a fazer parte dos planejamentos
didáticos. Isso pode ser percebido no diário da professora Elisa, que também atuava
num curso de Educação de Jovens e Adultos:

[...] darei mais enfoque conforme trabalhamos no curso, prática em


sala de aula, exemplos que eles conheçam e vivenciam no seu dia a dia.
Acho que o mais importante que vimos foi como relacionar um assunto
com o outro e não trabalharmos conteúdos, como eu fazia, ‘estanques’,
separados, na maioria dos casos. (Elisa)

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 45


Verificamos, ainda, uma preocupação maior com as concepções que os alunos
já trazem para a sala de aula e que acabam interferindo no processo de ensino e
aprendizagem. O Diário da professora Elisa apresentou essa preocupação nos
seguintes trechos:

É muito difícil. Recebemos alunos sem conhecimento nenhum. Alunos


que pararam de estudar de 10 a 20 anos. Eu tinha, este semestre, um
senhor de 63 anos que nunca tinha visto física na vida. [...] Claro que
nosso compromisso não diminui, acredito até que é ao contrário. É uma
luta árdua entre «como explicar» e «não perder tempo» para no mínimo
vencermos o polígrafo que elaboramos.» (Elisa)

A esse respeito, a professora Rosane, que comentara, nos primeiros encontros,


que seus alunos não possuíam uma ideia formada sobre as temáticas que trabalhava
na sua disciplina, escreveu, num de seus Diários:

As questões deram início a uma discussão generalizada entre os alunos,


troca de opiniões, quase virando bagunça. Mas deu para perceber que
eles têm ideia de como a “coisa” acontece. Apresentam, isto sim, uma
grande dificuldade de expressão, pois ouvindo-os eles sabem, mas na
hora de escrever... (Rosane)

No curso de especialização

Nas narrativas apresentadas nos DPPs, elaborados no curso de especialização,


foram destacados muitos aspectos, situações e dilemas presentes nas salas de aula
que revelaram a complexidade e a variedade dessa realidade. A seguir comentamos
alguns trechos de Diários com esses destaques.
A preocupação com a “ordem” em sala de aula foi bastante salientada. Os
Diários abaixo ilustram essa situação:

Os alunos estavam cantando quando entrei na sala. Era um ensaio para


a comemoração do Dia das Mães. Pedi que fizessem silêncio e para que
se acomodassem em seus lugares. (Carla)
Durante o relato das questões alguns alunos conversaram atrapalhando
a aula.
A professora [...] parou a aula e conversou com os alunos: − Alunos, por
favor parem de brincar, rir, pois não estamos conseguindo nos entender.
O que está acontecendo, vocês não entenderam as questões?

46 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Um aluno respondeu: − Professora é nós mesmo que fizemos bagunça,
nós entendemos, agora iremos parar.
Uma aluna falou:
− Na próxima aula nós prometemos ficar em silêncio. [...]
Uma aluna disse: − Está bem professora; prometemos fazer silêncio, não
iremos mais discutir. (Maria Cristina)

Alguns relatos chegam a apontar fatores que influenciam na “agitação” dos


alunos, como ilustra o Diário de Carla Maria: “Chove muito e é o último período,
dois fatores que deixam os alunos agitados. Eles pediram para soltar um pouquinho
antes. Negociamos.” (Carla Maria)
Ainda, em relação à organização do ambiente didático:

Foi difícil de acomodá-los nos seus grupos predeterminados, pois só


queriam falar sobra a palestra (da última aula). Após alguns minutos
de conversa eles ficaram quietos e foi colocado que eles iriam discutir
novamente as 3 questões da 1a. aula. (Diana)

Esse último relato apresenta também uma característica bastante comum


encontrada nos Diários, ou seja, apesar de julgarem necessária a “organização”, o
silêncio dos alunos, os professores costumam trabalhar com os alunos em grupos
(geralmente falantes, movimentados) nas atividades de sala de aula.
Nesse sentido o relato seguinte é exemplar:

Os alunos têm certa dificuldade em trabalhar com debates e discussões,


não tem hábito de esperar sua vez de falar. Ocorreu certo tumulto, como
já havia acontecido em outras situações semelhantes, mas o resultado
foi positivo. (Carla Maria)

Quando questionados a respeito das causas dessa atitude, a maioria dos pro-
fessores argumentou que é uma prática comum neste nível de ensino, capaz de
favorecer um “crescimento” no senso de responsabilidade e de organização dos
alunos. Além disso, propicia um fator de “motivação” dos alunos. Essa “motiva-
ção” é tida, pelos professores, como indicativo de uma “boa” aula, propiciando sua
“satisfação” ou “insatisfação”, conforme ilustram os trechos a seguir.

Enfim a aula continuou, as perguntas foram aos poucos sendo respondidas


pelos grupos. A maior surpresa minha foi com algumas respostas, com

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 47


as quais fiquei feliz. No final da aula, alguns alunos comentaram como
a aula passou rápida e estava gostosa. (Zeli)
Fiquei em dúvida se foi uma boa passar o filme, pois gerou uma discussão
no grupo. Após fui explicando para os alunos tudo o que haviam visto e
eles ficaram mais calmos. Não fiquei muito satisfeita com essa aula. (Dora)
Conclusão da aula: foi satisfatória. Fiquei surpresa com o conhecimento
dos alunos; a aula desenvolveu-se com muito diálogo e participação de
todos, houve outras questões sobre o assunto. Os alunos avaliaram a
aula como inovadora e organizada. Sugeriram que todos os professores
pudessem trabalhar neste mesmo método. (Vera)

O “método” a que se referia a professora Vera consiste na abordagem do


conteúdo via momentos pedagógicos. O trecho ilustra o primeiro momento de
problematização, no qual os alunos deveriam levantar possíveis respostas a algumas
questões que teriam um caráter problematizador, de modo a levantar alternativas
formuladas pelos alunos, sem, contudo, chegar a respostas definitivas neste está-
gio. Entretanto, a maioria dos professores demonstrou, em seus relatos, a ideia de
que era necessário responder às questões, de forma correta, apenas a partir das
discussões dos alunos.
O Diário da professora Vânia apresenta esta ideia:

Cada grupo escreveu suas respostas nos cartazes que elaboraram em


sala de aula. Colocaram no quadro juntamente com o painel que estava
exposto, e um dos componentes do grupo fez a explanação. Os alunos
participaram ativamente do trabalho. [...] Alguns moradores na zona
rural fizeram o seguinte comentário: “Agora chegou no nosso chão! Va-
mos tirar de letra”. Demonstrando um certo conhecimento no assunto.
Realmente, alguns alunos fizeram vários comentários e explicaram o que
sabiam sobre os agrotóxicos, citando qual o tipo que seus pais usavam e
como usavam. Os alunos moradores da zona urbana tiveram dificuldade
tanto de expressão como escrita. (Vânia)

Esse relato também apresenta a situação dos conhecimentos prévios dos alunos,
neste caso favorável ao desenvolvimento da temática em questão. Noutras situa-
ções descritas pelos professores esse conhecimento era tomado como obstáculo à
aprendizagem dos alunos, muitas vezes “difícil de ser superado”.
O relato da professora Silmara evidencia essa situação:

48 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


A Itelma voltou a dizer que achava tudo uma invenção dos cientistas e
que Deus havia criado tudo. Enquanto ela falava, pensava no texto que
tínhamos em mãos, no pouco material sobre a evolução das plantas e
também como é difícil mudar certas ideias já constituídas como forma
de crença. [...] Ao final da aula, todos disseram que precisamos conversar
sobre esses assuntos, acredito também que é uma forma de os alunos aos
poucos expressarem seu pensamento e modificarem opiniões até erradas
do tema que está sendo tratado. (Silmara)

Também em relação à aprendizagem dos alunos, os professores manifestaram


em seus Diários uma ênfase muito acentuada às “aulas práticas” ou com “materiais
concretos”, conforme é possível verificar nos trechos seguintes.

A aula foi uma empolgação, todos queriam falar... A observação do ma-


terial concreto tornou mais fácil a aprendizagem por parte dos alunos,
durante a palestra. (Vanice)
Os alunos adoraram a atividade. Os alunos comentavam entre eles que
assim, com a atividade prática, aprendem muito mais e pediram que se
fosse possível as aulas fossem sempre assim. (Maria)

Muitos professores justificavam os trabalhos com materiais concretos devido


a uma “memorização melhor” propiciada por eles.

No grupo de professores de SP

O início das reuniões do grupo era ocupado pelos relatos dos professores,
contemplando discussões bastante intensas. As discussões começavam voltadas
às tarefas planejadas e à sala de aula e, muitas vezes, se abriam para questões mais
amplas que envolviam a escola como um todo e situações de foro mais abran-
gente, que se apresentavam no meio educacional. Assim, o dia a dia do professor
comparecia naturalmente e com características genuínas, dando conta de uma
complexidade inerente ao próprio contexto, mesmo que restrito, para efeito da
nossa análise, à sala de aula.
A atuação dos professores indicava uma postura para enfrentar os problemas
com os quais se deparavam, na tentativa de desenvolver o que planejaram e que
acreditavam que seria capaz de levar o aluno a aprender. Esse processo envolvia o
grupo todo, mas nos deteremos principalmente na parte que se refere aos profes-
sores e suas maneiras de compreender a situação e de procurar respostas para os

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 49


problemas diários da sala de aula; problemas que, mesmo sendo cotidianos, não
deixam de ter sempre novidade e que, muitas vezes, exigem resposta imediata.
O enfrentamento de problemas da prática, em relação ao que surgia no grupo
e/ou na sala de aula, implicou a consideração de realidades, situações contextuali-
zadas que envolvem muitos aspectos, os quais se encontram enredados e presentes
simultaneamente.
A esse respeito, destacamos alguns momentos apontados pelos professores:

Provavelmente, a impressão que passo da escola é muito negativa, mas


foi tudo o que eu percebi (como eu percebi) nesse tempo em que sou
professor; sinto que tudo isso atrapalhou meu trabalho. (João)
Tem a questão da escola, também... Sempre tem algum imprevisto em
função da estrutura da escola. [...] A gente tem que falar desta máquina...
a gente tem que fazer ela trabalhar, mas a dificuldade que é.... (Raquel)
Não dou aula quase toda 6ª feira. Fico pregando, dizendo que é impor-
tante para eles e eles nem aparecem...Tem colega professor que apoia isso
e fica fazendo campanha para que eles não venham. Diz para eles “se
vier alguém, vou dar aula”, para ver se daí não vem ninguém mesmo...
Tô pensando em me aposentar!! O que é isso? Rodízio de alunos?! Tá
ridículo; tá horroroso! Eles fazem o que querem, entram quando querem
e saem a hora que querem! Isto sem falar naqueles que vêm para a escola
só para vender droga. Chegam com um saquinho cheio e depois saem
com ele vazio... Às vezes negociam na aula mesmo! (Carolina)

Considerando a concepção de Morin (2001) e Morin et al. (2003), os trechos


apresentados caracterizam o momento de compreensão da complexidade presente
nos espaços de atuação do professor, principalmente na sala de aula.
A complexidade reconhecida e discutida no grupo permite aos professores
situar sua ação num contexto mais abrangente, o contexto sócio-político-histórico.
Reconhecer e discutir como ocorre essa ação neste contexto é que possibilita aos
professores compreender e atuar no estabelecimento e na ampliação de sua auto-
nomia e no seu desenvolvimento profissional.
Apesar das referências à complexidade na sala de aula apresentarem-se expli-
citamente em muitas situações durante as reuniões do grupo, pudemos destacar
algumas ocasiões em que ocorriam mais intensamente. Essas ocasiões constituíam-
-se nos “desabafos” pelos professores, que se manifestavam em todas as reuniões,
geralmente no início e no final: “Ainda bem que aqui dá para desabafar! Chega
uma hora que a gente tem que desabafar!!” (Carla)

50 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Esses momentos de “desabafo” indicam um reconhecimento da complexidade
na sala de aula, a qual é analisada criticamente quando os professores refletem
sobre as condições de implementação de seus planejamentos e as formas de en-
caminhamento adotadas.
Muito distantes de se constituírem como “tempo perdido” no trabalho do
grupo, os desabafos estabelecem um tipo de “ritual” (conforme destacado por
Merieu (1998) em sua proposta de utilização da resolução de problemas no ensino)
estabelecido pelos professores, no qual eles garantem um espaço de proteção e in-
vestimento individual e coletivo para o enfrentamento dos problemas localizados
no contexto de atuação docente.
Trata-se, pois, de compreender e problematizar acerca do contexto em que
se insere o trabalho docente; algo que poucas vezes se vê na prática, uma vez que
os espaços usuais instituídos frequentemente estão associados a uma organização
mais burocratizada. Nesse sentido, concordamos com Pórlan e Martín:

Las reuniones de los equipos de professores em los centros se suelen dedi-


car com frecuencia a temas organizativos, burocráticos y generales, ajenos
la mayoría de las veces a los problemas más ligados com las actividades
de l aclase. Muy pocas veces el sentido de las mismas está marcado por
el intercambio significativo de puntos de vistas, experiencias y preocu-
paciones profesionales concretas. (PORLÁN, MARTÍN, 1997, p. 37).

Entretanto, a partir dos avanços indicados no trabalho do grupo, consideramos


que é a própria reflexão sobre esses “obstáculos externos” associados ao contexto
que permite “uma troca significativa de pontos de vista, experiências e preocupações
profissionais concretas”. É a consideração desses “obstáculos externos” que viabiliza
um enfrentamento efetivo dos problemas “mais ligados às atividades da classe”.
No momento do estudo do conteúdo pelo grupo, precedente ao planejamento
propriamente dito, os desabafos são predominantemente indicativos da complexi-
dade do contexto no qual ocorre o trabalho docente. Entretanto, durante o trabalho
com os planejamentos, os professores apresentam formas efetivas de atuação frente
à complexidade. Pudemos analisar algumas dessas atuações, especialmente quan-
do os professores tratavam das questões: Como relacionar conteúdos/atividades?
Como desenvolver o que foi planejado? Como avaliar o que foi planejado?
Nessas condições, parece-nos que o grupo expõe uma forma de “trabalho
cooperativo” sobre problemas mais abrangentes. O grupo constitui-se como um

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 51


espaço no qual os desabafos deixam de ser apenas “choradeira” para se constituírem
numa atuação efetiva frente a esses problemas que se apresentam, que modificam,
condicionam e até impedem o trabalho do professor.
Assim, tratava-se de considerar professores que assumiram o aprendizado
do conteúdo de Física como necessidade própria de cada um, no âmbito do gru-
po. O ponto de partida constituiu-se dos problemas conceituais reais que cada
um enfrentava em seu contexto de trabalho. Na sequência essa necessidade era
ampliada para incluir a participação efetiva do aluno com a manutenção de um
diálogo significativo para todos.
É por esse motivo que uma proposição externa, do tipo «treinamento» em
estratégias de resolução de problemas, não seria bem sucedida com o grupo.
Nessa situação hipotética, estar-se-ia ignorando os repertórios, os interesses e os
contextos próprios de cada professor. São todos esses elementos que caracterizam a
complexidade do trabalho dos professores e que lhes garantem uma riqueza maior
na resolução dos problemas conceituais.
Os professores não enfrentavam as questões problemáticas por simples “curio-
sidade”, “espírito investigativo”, “vontade de aprender”, mas por necessidades reais
advindas de seu vínculo com a sala de aula. Como caracterizamos, no momento de
estudo do conteúdo, inicialmente esse vínculo era determinante na construção do
problema; apenas depois é que ocorria um distanciamento desse contexto de sala
de aula. Dessa forma, podemos afirmar que, no trabalho do grupo, os problemas
e as situações didáticas eram ressignificados no contexto dos professores.
Os professores passavam a valorizar e até preferir o enfrentamento de proble-
mas, tornando-se críticos em relação a outras apresentações de soluções. Parecia
que era mais atraente e motivador perceber novos problemas a resolver do que
esclarecer dúvidas anteriores. Os participantes descobriram o prazer de aprender e
sentir uma satisfação dupla: por um lado, ser o protagonista de sua aprendizagem
e, por outro, compartilhá-la com outros colegas de profissão.
A segurança no conhecimento conceitual e a incorporação das soluções
(mesmo que provisórias) das questões conceituais problemáticas ao repertório dos
professores, obtidas no momento de estudo do conteúdo, refletiram-se diretamente
no início da atividade de planejamento no grupo. Essa atividade conformou-se
primeiramente através da organização de materiais e conteúdos pelos professores,
para depois contemplar a perspectiva do aluno, que ocorreu principalmente na
discussão das “intenções” relacionadas aos planejamentos.

52 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


A avaliação dos planejamentos (em construção, desenvolvimento ou já desen-
volvidos), considerando a perspectiva da aprendizagem significativa dos alunos,
permitia aos professores a revisão e explicitação criteriosa das intenções e das
atividades implementadas em sala de aula.
O envolvimento efetivo dos professores no grupo, discutindo, planejando
suas intervenções didáticas e analisando criticamente as intervenções efetuadas,
favoreceu a reflexão crítica individual e coletiva acerca de “boas razões” a essas
ações, considerando o contexto mais geral em que ocorriam.
Parece-nos, ainda, que as atividades desenvolvidas no grupo de professores
permitem localizar e compreender as “boas razões” no âmbito dos valores e das
crenças educativas, na perspectiva proposta por Liston e Zeichner, que estão in-
timamente ligados à prática docente:

La justificación de lasacciones educativas, o planes de acciones, no sólo


depende de nuestros valores, sino también de nuestracomprensión de los
“hechos” pertinentes, de los contextos importantes alrespecto, las carac-
terísticas concretas delmedio y las demandas contrapuestas apreciadas
en una determinada coyuntura. (LISTON; ZEICHNER, 1997, p. 64).

Os problemas conceituais e as situações problemáticas envolvendo o plane-


jamento (e sua implementação), trabalhados pelo grupo, mostraram a ocorrência
de um engajamento dos professores no enfrentamento de problemas genuínos.
Isso representou um processo importante, proporcionando a construção do co-
nhecimento pelo/no grupo, individual e coletivamente. Esse conhecimento não é
unidisciplinar (física escolar), mas também envolve questões que extrapolam para
outras áreas disciplinares, inclusive e principalmente à própria prática pedagógica
e profissional, num sentido muito mais amplo que o restrito à sala de aula.
O professor torna-se crítico em relação ao seu próprio trabalho e ao contexto
no qual ocorre. Assim, eram comuns no grupo avaliações críticas acerca de uma
atuação mais tradicional:

Antes achava que duas aulas de física era demais. Agora acho pouco.
[...] A professora de química é muito amiga minha, só que ela é muito
tradicional: dá bastante conteúdo e avalia só conteúdo. Ela expõe na
lousa, os alunos têm que ficar quietos e copiar! Às vezes eu sugiro sutil-
mente que faça atividades diferentes, que procure ver o que os alunos
estão pensando e avalie outras coisas que não só o conteúdo... (Raquel)
Mas não adianta, ela não sabe como fazer isso! (Carla)

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 53


Para os professores não se tratava apenas de “ministrar o conteúdo”, quando
duas aulas semanais talvez fosse demais. Tratava-se, como nos sinalizou Raquel,
de planejar (no sentido pleno do termo) “atividades diferentes”, de considerar
de fato o aluno real, com problemas verdadeiros, de modo que não há como se
esquecer do contexto geral. E, portanto, de avaliar considerando essa perspectiva
que vai além dos conteúdos da Física, sem esquecer da sua importância (afinal, os
professores do grupo consideravam-se ainda mais “conteudistas”).

5 Potencializando uma formação continuada emancipatória

Em comum às pesquisas desenvolvidas, destacamos as estratégias metodo-


lógicas utilizadas: observações realizadas durante os encontros, planejamentos
didáticos e os DPPs elaborados pelos professores.
Com a utilização dos DPPs, os professores tornaram-se mais críticos e mais
atentos para suas aulas e seus alunos, aprimorando as análises do seu trabalho. A
atenção também ficou mais aguçada para as ações dos outros professores e para
as contribuições recíprocas. As leituras e discussões coletivas, sobre o conteúdo
dos DPPs, auxiliaram na sensibilização e explicitação, por parte dos professores,
em relação a importantes aspectos de suas próprias práticas didáticas que antes
passavam despercebidos e não eram utilizados para repensar o seu trabalho.
Especialmente nas interações potencializadas pelas análises coletivas dos
relatos dos Diários, destacou-se a natureza complexa do trabalho do professor
num contexto muito mais amplo que seu espaço de atuação imediata em sala de
aula. O espaço proporcionado pelo grupo, através das trocas “de experiências”,
constituiu-se num momento significativo para reconhecer a complexidade presente
nos contextos de cada participante e não apenas isoladamente.
Sobre a importância dos Diários é significativo ressaltar uma avaliação emitida
pela professora Ilma: “No começo foi novidade, fiquei um pouco atrapalhada, mas
depois senti mais firmeza. Ajuda a me questionar mais sobre as minhas aulas.” (Ilma)
A professora Ana também registrou sua avaliação:

Interessante. Bom no sentido de fazer a análise, [...] melhora-se o desen-


volvimento. Está se fazendo uma espécie de revisão. Comecei a relacionar
os conhecimentos, dando destaque principalmente à participação dos
alunos e sobre o que eles têm de conhecimento. (Ana)

54 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


O depoimento das professoras Vera, Milena, Eunice e Maria, durante a ava-
liação das contribuições do uso dos Diários, reforça a possibilidade de avaliação
das práticas através deles.

É um instrumento que nos faz refletir sobre a nossa prática enquanto


professor. Considera-se que um diário nos forneça informações (com) as
quais podemos reformular nossos erros, destacar nossos acertos, repensar
prováveis mudanças na forma de avaliar e identificar pontos onde nossos
alunos estão ou não evoluindo. O diário permite-nos também verificar se
há ou não necessidade de aplicar novas metodologias para determinados
conteúdos. (Vera, Milena, Eunice. e Maria)

Nesse sentido, a atenção dos professores ficou mais aguçada para as suas ações
e às de seus colegas, no sentido de verificarem as contribuições que a avaliação
crítica-reflexiva poderia dar à sua própria prática pedagógica. O depoimento da
professora Vânia indica essa possibilidade.

Alguns diários que foram apresentados hoje [...] foram muito interessan-
tes. Às vezes o núcleo conceitual era o mesmo, mas a maneira de aplicar
foi diversificada, tais como: vídeos, palestras, leituras e interpretação de
textos, feiras na escola com mostra de trabalhos, participação na horta
escolar. (Vânia)

O reconhecimento da complexidade do trabalho docente permite aos pro-


fessores analisar, coletivamente, as formas de atuação nos contextos próprios,
considerando as possibilidades e as limitações reais. A sala de aula passa a ser
considerada como espaço de enfrentamento da complexidade inerente às práticas
docentes, pois é parte integrante de uma realidade social e política e (re)produz
seus valores e princípios. As alternativas compartilhadas dão mais segurança aos
professores, pois não são ações isoladas ou apostas individuais: existe um grupo que
lhes dá respaldo e lhes proporciona o reconhecimento de seu exercício profissional.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 55


Figura 1 – Aspectos relacionados ao desenvolvimento profissional do professor

Os Diários da Prática Pedagógica passam a constituir-se em algo muito mais


fecundo ao desenvolvimento profissional docente do que apenas servir de fonte
de dados para pesquisas acadêmicas. Sua articulação ao planejamento pedagógico,
em situações típicas de sala de aula, envolvendo um contexto problemático que é
reconhecido como comum a um coletivo de professores, como indica a Figura 1, tem
demonstrado importantes avanços em direção ao desenvolvimento profissional do
professor. Essa perspectiva contempla o ensino como uma prática contextualizada,
o que confere à formação continuada um caráter eminentemente emancipador
(CARR & KEMMIS, 1988; FREIRE, 1997; LISTON e ZEICHNER, 1997).

REFERÊNCIAS

BODIÃO, I. Reflexões Acerca de um Programa de Aperfeiçoamento de Pro-


fessores de Física e Pesquisa em Ensino. Dissertação de Mestrado. São Paulo:
FEUSP/IFUSP, 1993.
CARR, W.; KEMMIS, S. Teoria Crítica de la enseñanza – la investigación-acción
em la formación del profesorado. Barcelona: Martinez Rocca, 1988.

56 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1997.
LISTON, D. P.; ZEICHNER, K.M. Formación del profesorado y condiciones
sociales de la escolarización. La Coruña: Paideia; Madrid: Morata, 1997.
MEIRIEU, P. Aprender... sim, mas como? Porto Alegre: ArtMed, 1998.
MORIN, E. La caezabienpuesta: repensar la reforma, reformar el pensamiento.
Buenos Aires/AR: Nueva Visión, 2001.
MORIN, E.; CIURANA, E.R.; MOTTA, R.D. Educar na era planetária: o pensa-
mento complexo como método de aprendizagem pelo erro e incerteza humana.
São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2003.
PACCA, J. L. A. A Atualização do Professor de Física do Segundo Grau-uma
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______. ‘O Profissional da Educação e o Significado do Planejamento Escolar:
Problemas dos Programas de Atualização’. Revista Brasileira de Ensino de Física,
São Paulo/SP, SBF, 14(1), 39-42, 1992.
PACCA, J. L. A.; VILLANI, A. ‘Estratégias de Ensino e Mudança Conceitual na
Atualização de Professores’. Revista Brasileira de Ensino de Física, 14(4), 222-
228, 1992.
USTRA, S. R. V. Condicionantes para a formação permanente de professores
de física no âmbito de um curso de atualização e aperfeiçoamento. Santa Maria:
Dissertação de Mestrado, PPGE/UFSM, 1997.
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blemas reais. São Paulo, Tese de doutorado, FEUSP, 2006.
USTRA, S. R. V.; HERNANDES, C. L. Enfrentamento de problemas conceituais e
de planejamento ao final da formação inicial. Ciência e Educação, v. 16, p. 723-
733, 2010.
USTRA, S. R. V; TERRAZZAN, E. A. Diários da prática pedagógica na educação
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Região Sul, Porto Alegre/RS, ANPED Sul. Anais... 2000.
ZABALZA, M.A. Diários de aula. Porto/POR: Porto, 1994.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 57


3 A REPRESENTAÇÃO EM MATEMÁTICA:
ALGUMAS POSSIBILIDADES DAS
TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO – TIC

Nilce Fátima Scheffer

1 Introdução

Neste capítulo apresentam-se alguns resultados de pesquisas e práticas de-


senvolvidas com as TIC, nos diferentes níveis de ensino, reflexões estabelecidas e
exemplos desenvolvidos em ambientes virtuais de aprendizagem e suas interfaces
no processo de ensino e de aprendizagem da matemática.
O texto propõe uma reflexão quanto ao papel das TIC na prática pedagógica de
matemática, considerando a visualização na tela do computador e as representações
dos conceitos matemáticos em situações na sala de aula. Os estudos voltam-se para
o ensino de matemática em meio às limitações associadas à formação de profes-
sores, principalmente no que tange à informática no ensino, às representações e à
utilização de diferentes possibilidades oferecidas por esses ambientes, salientando
também as dificuldades, quando se trata da inclusão digital no contexto escolar.
O referencial teórico apresentado relaciona-se a ambientes virtuais de apren-
dizagem, inclusão das TIC no ensino de matemática, formação do professor de
matemática e as TIC, visualização e as múltiplas representações com as TIC. Para

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 59


ilustrar o trabalho apresentam-se alguns exemplos que envolvem a discussão de
conceitos matemáticos como funções do primeiro grau e função seno, além de
geometria do triângulo equilátero. E finaliza com uma breve reflexão construída
a partir da ilustração que dá especial destaque à representação, considerando as
prementes necessidades de inserção dos professores de matemática e sua prática
pedagógica no contexto digital

2 Ambientes virtuais de aprendizagem: inclusão das TIC no ensino


de Matemática

Os ambientes virtuais de aprendizagem e outras mídias enriquecem o trabalho


exploratório desenvolvido no contexto escolar, constituindo-se em fator de motivação
aos estudantes de forma a considerar a inserção das TIC no ensino de matemática.
A discussão com o foco em ambientes virtuais de aprendizagem não pode
ocorrer sem a participação de professores e estudantes, porque, no contexto
atual, o trabalho com TIC está diretamente relacionado à realidade escolar. Isso
é confirmado por Penteado (2004) quando afirma que não é possível pensar na
inserção de TIC na escola sem formação e envolvimento dos professores, o que
ainda ocorre no Brasil, a partir de ações fragmentadas.
Desse modo, a utilização planejada dos ambientes virtuais de aprendizagem
possibilita uma opção didática por investigações que promovem a formação cria-
tiva dos indivíduos, considerada como condição ao desenvolvimento da iniciativa,
tomada de decisões e consciência crítica em relação à realidade.
Tais ambientes são considerados favoráveis para o ensino e a aprendizagem da
matemática, principalmente por possuírem interfaces de investigação, resolução
gráfica, representação, criação, visualização, linguagem coerente e praticidade, ou
seja, esses ambientes disponibilizam comandos e proporcionam menus de ajuda
que facilitam sua exploração.
Ao voltar o olhar para questões didáticas trazidas pela informática na educação,
vale destacar a importância da criatividade, que é vista por Pais (2002) como o
resultado de uma persistente experiência de trabalho. O autor considera que um
dos primeiros desafios surgidos com a utilização do computador na escola é o de
desenvolver competências e habilidades necessárias à seleção de informações pelo
próprio sujeito da aprendizagem.

60 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


No ambiente interativo, o software educativo pode ser definido como um
conjunto de recursos informatizados, cujo objetivo é facilitar a aprendizagem
(SCHEFFER, 2002; 2006). Esses ambientes permitem ao estudante, mediado pelo
professor, produzir conhecimentos e desenvolver habilidades, como resolução
de problemas, leitura, imaginação, criatividade e exercício dos conteúdos que já
conhece. Nessa perspectiva, a incorporação das TIC na sala de aula de matemá-
tica, principalmente de softwares gratuitos, resulta na criação de ambientes de
aprendizagem para o desenvolvimento de novos conceitos e para a consolidação
da aprendizagem.
Durante muito tempo o sistema de ensino brasileiro esteve vinculado à expo-
sição oral do professor e ao livro didático. Apesar de todas as mudanças ocorridas
nos últimos anos, essa metodologia, segundo Bairral (2009), ainda persiste. Porém,
os alunos estão cada vez mais conectados às TIC e usam constantemente diferentes
mídias e recursos informáticos, o que vem apontar a necessidade de transformações
na escola para dar conta de ações e interesses dos estudantes.
Valente (2008) ressalta que a escola deve incorporar cada vez mais a utilização
das tecnologias digitais para que os estudantes possam aprender a ler, escrever e
expressar-se através desses instrumentos. Assim, ao integrar as tecnologias no
processo de ensino e de aprendizagem, apresenta-se um caminho para promover
novos conhecimentos que permitem a inserção dos estudantes neste contexto social.
Com as TIC, muitos recursos estão disponíveis para auxiliar o professor na
prática pedagógica, mas, para isso, torna-se necessário que o professor se sinta
preparado quanto à utilização do recurso tecnológico em sua sala de aula, como
destacam Bittar et al. (2009), ao afirmarem que a integração da tecnologia só é
possível quando o professor vivenciar o processo e a tecnologia representar um
meio importante à aprendizagem.

3 A formação do professor de Matemática e as TIC

Acredita-se que a formação inicial de professores de matemática vinculada


ao contexto escolar propicia o desenvolvimento de outras competências do ser
professor, como o trabalho com as TIC em sala de aula. De acordo com Bairral
(2010), o computador é um poderoso aliado do professor, porém não basta ter

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 61


apenas o acesso à ferramenta, mas ter um planejamento na rede de ensino e nas
escolas para que suas potencialidades sejam aproveitadas.
Ao voltar o olhar para o professor em formação inicial, é válido salientar que
ele necessita de apoio para interpretar e expandir suas experiências ao participar
de projetos e programas. E, estando inserido no contexto escolar durante a sua
formação, terá uma preparação mais ampla e crítica. Segundo Fiorentini (2003),
esse professor em formação será um profissional reflexivo, investigador de sua prá-
tica, construtor de saberes e principalmente responsável pelo seu desenvolvimento
profissional. Desse modo, os cursos de graduação tendem a formar professores que
inovem a prática pedagógica constantemente, que utilizem diferentes materiais e
recursos em suas aulas e que possibilitem a representação e a visualização aos alunos.
Nessa perspectiva, Andrade (2008) acredita que as representações, dentro
da ação educativa, são essenciais para o processo de elaboração e compreensão e
devem ser fonte de exploração de novas ideias e novas estratégias. Sob a ótica de
auxiliar no processo de ensino e de aprendizagem de matemática, a valorização
das representações que podem ser apresentadas a partir da utilização das TIC é
uma possibilidade enriquecedora da prática.
Nesse sentido, Fiorentini e Lorenzato (2006) destacam que a utilização das TIC
permite aos estudantes não apenas estudar temas tradicionais de maneira nova, mas
também explorar temas novos que são essenciais à formação matemática do professor.
Vale ressaltar também a posição de Kenski (2008), que, ao destacar o impac-
to da inserção de tecnologias no ensino, sugere a necessidade de uma reflexão
sobre a ação docente e as concepções de ensinar e aprender, pois é nessa ação
que se reflete a atuação dos professores que se beneficiam dos ambientes virtuais,
influenciadores da prática docente. A autora afirma também que a educação irá
acelerar a um ritmo bem mais rápido, o que deverá levar professores formadores
a refletir e propor alternativas inovadoras para o ensino, participando, assim, de
uma dinâmica viva que envolve o ser humano.
A atividade formativa apresenta-se também na formação continuada, que se
volta à construção de novas práticas pedagógicas baseadas na utilização desses
recursos, o que é justificado por Bairral (2009) quando destaca o professor como
um profissional que deve constantemente aprender a aprender e, principalmente,
refletir criticamente sobre a sua prática.
Nesse contexto, a posição de Tardif (2008) torna-se fundamental. Para ele,
ensinar futuros docentes é, obrigatoriamente, partir das crenças e submetê-las a

62 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


um trabalho de transformação, principalmente por uma prática reflexiva. O autor
considera que a atividade profissional pode ser aperfeiçoada, proporcionando-se
diversas inovações, entre elas as TIC, que possibilitam a ampliação do impacto
positivo sobre o aprendizado dos alunos.
Para tanto, de acordo com Scheffer et al. (2011), os docentes que atuam em
Cursos de Licenciatura estão diante de um desafio que corresponde ao compromisso
de educar e preparar os futuros professores para a prática profissional, incluindo
o uso de TIC no ensino, proporcionando, assim, o desenvolvimento de atividades
investigativas. Isso já era anunciado por Kenski (2008) ao afirmar que professores
e alunos vivenciam e incorporam novas formas de ensinar e aprender, quando me-
diadas por tecnologias inovadoras que auxiliam na prática profissional cotidiana.
Seguindo essa linha de pensamento, o trabalho aqui apresentado é resultado
de ações desenvolvidas em cursos de graduação e pós-graduação de formação
de professores e de pesquisas, considerando sempre a utilização de tecnologias
informáticas no ensino da matemática.
Inúmeras atividades com professores são desenvolvidas com os objetivos
de: refletir sobre o ensino e a aprendizagem da matemática; elaborar atividades
teórico-práticas que envolvam softwares gratuitos de matemática; e promover uma
prática pedagógica mais dinâmica com a utilização das TIC, principalmente com
softwares gratuitos no ensino da matemática, visando à inserção digital.
A partir da orientação de Iniciação Científica no Curso de Licenciatura é
possível explorar inúmeros softwares gratuitos utilizados no ensino de matemática
para o Sistema Operacional Windows e também a Plataforma Linux. Softwares
gratuitos de matemática que possuem versões para ambos os sistemas, sites edu-
cativos e interativos podem ser transformados em instrumento de pesquisa que
valorize também outros aspectos, como a argumentação matemática que ocorre
nesses ambientes.
Trabalhos de graduação e pós-graduação, relacionados à importância e uti-
lização das TIC no ensino de matemática, analisam propostas diferenciadas com
relação à forma como os conteúdos são trabalhados em sala de aula digital.
Contemplar a valorização da representação, a visualização e a argumentação
presente no processo de ensino e de aprendizagem da matemática, enfim, propostas
práticas investigativas de Inclusão Digital, construção de Objetos de Aprendizagem,
estudo da importância e papel da Educação à Distância, utilização de plataformas

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 63


como a Moodle, se constituem em estudos que posteriormente podem se trans-
formar em propostas a serem aplicadas na escola.
Evidentemente as propostas de trabalho resultantes dessas pesquisas
abrangem geralmente reflexão quanto ao papel das TIC na prática pedagógica
dos professores de matemática na sala de aula. Os exemplos aqui mencionados
têm presente o contexto do ensino e da aprendizagem da matemática em meio às
limitações atuais associadas à formação de professores na área, principalmente no
que tange à informática no ensino e utilização das diferentes possibilidades que
as TIC oferecem.
Diante disso, ainda se pode destacar que a implementação de práticas
educativas desafiadoras e qualitativamente expressivas a partir das TIC se constitui
em necessidade dos professores de todos os níveis de ensino na realidade atual.
O que traduz essa preocupação é a esperança de que surjam pesquisas que se
proponham a redimensionar esse cenário.

4 A visualização, as múltiplas representações com as TIC

A visualização e representação, nos últimos anos, tornaram-se objeto de pesqui-


sa dos educadores Borba e Confrey (1996), Borba e Villarreal (2005), Duval (1999;
2003). Segundo Scheffer e Pasin (2013), tem-se apresentado grandes contribuições,
considerando o uso de diagramas e demais representações dinâmicas ou não, o
que têm proporcionado inúmeras possibilidades de compreensão e discussão ma-
temática em situações de argumentação no processo de ensino e de aprendizagem.
Ainda sob a ótica das mudanças e dos demais aspectos abordados anterior-
mente, que propõem uma interação entre Educação Matemática e Tecnologias
Informáticas, estas últimas representam para o ensino de matemática mais uma
opção de visualização. O estudo de gráficos de funções, de geometria e a discus-
são de procedimentos de resolução assumem caràter de recurso educativo, o que
possibilita o questionamento quanto à natureza e ao comportamento dos dados,
contribuindo, assim, para a compreensão de diferentes formas de raciocínio.
Nas últimas décadas, Borba e Confrey (1996) e Duval (1999, 2003), ao apro-
fundarem a questão das múltiplas representações, conversões e transformação de
representações na perpectiva da pesquisa em educação matemática e matemática,
destacam a necessidade da codificação e da conversão para a aprendizagem, no caso,

64 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


por exemplo, das relações entre gráficos e equações, quando da exploração do tema
funções. Assim, a inversão da tradicional ordem de abordagem das transformações,
ou seja, partindo da visualização de gráficos e tabelas, focalizando o relacionamento
entre os gráficos e suas representações algébricas, torna possível lançar mão de
ambientes de representações múltiplas para a compreensão em matemática.
A visualização é definida por Presmeg (1986a ) apud Borba e Villarreal (2005),
como imagem visual, esquema de representação visual ou informação espacial.
Por outro lado, Bem-Chain, Pappan and Houang (1989) apud Borba e Villarreal
(2005) destacam que a visualização envolve a habilidade de interpretar e entender
a informação figural e a habilidade de conceitualizar e transladar relações abstratas
e informações não figurais.
Nesse sentido, pode-se dizer que a visualização e as múltiplas representações
estão relacionadas e envolvem desde a interpretação de informações lidas, comu-
nicadas, visualizadas na tela do computador, até a construção de representações
não figurais, gráficas, numéricas, na forma de tabelas e de outros registros, como
também a representação não algébrica.
Isso é visto como uma solução visual que ajuda na interpretação final analí-
tica ou algébrica da solução de um problema, contribuindo, assim, para a prova
rigorosa na matemática, como os autores citados anteriormente destacam que é
possível obter provas válidas com o uso de várias formas de representação visual.
Desse modo, o componente visual da matemática dará novo sentido, ou seja, en-
riquecerá a argumentação na demonstração e verificação matemática que ocorre
no momento da demonstração da teoria.
Considerando o ambiente de aprendizagem, Borba e Villarreal (2005) apon-
tam que o processo de visualização é muito privilegiado pelo ambiente compu-
tacional, mas muitas vezes é desprezado nos contextos de ensino de matemática.
Ao desprezar esses recursos em sala de aula, os professores esquecem que estão
deixando de oferecer para os estudantes novas possibilidades de investigação,
reflexão e conhecimento.

5 Aspectos metodológicos: atividades práticas

Apresentam-se a seguir alguns exemplos de atividades que envolveram dis-


cussão, reflexão e construção, considerando a visualização e as representações na

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 65


tela do computador, o que ofereceu recursos à exploração de conceitos relativos
ao tema funções e geometria analítica. Essas atividades fizeram parte do processo
de coleta de dados de pesquisas de pós-graduação stricto-sensu, que tiveram por
abordagem metodológica adotada a pesquisa qualitativa, e o cenário das pesquisas
foi o contexto da sala de aula, de Ensino Médio e Superior, neste último, direcio-
nado principalmente para alunos do Curso de Licenciatura em Matemática sob a
responsabilidade da professora autora deste capítulo.
Durante o desenvolvimento das atividades, quando da abordagem dos con-
ceitos de funções e de propriedades dos triângulos equiláteros, foi considerada a
argumentação dos alunos no diálogo e seu discurso na atribuição de significados,
bem como os caminhos investigativos assumidos pelos sujeitos ao manifestarem o
entendimento a partir da visualização e análise das representações obtidas na prática.

Exemplo 1
O Conceito de FUNÇÃO AFIM, mais especificamente as representações
de retas crescentes e decrescentes e a variação do coeficiente angular a partir da
exploração com o Software Winplot Fig. 1: a) y = 3x+5 e b) y = -3x+5
Figura 1: Gráfico das Funções

66 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


A partir da representação do gráfico da função y = 3x+5 pode-se observar
que esta é uma função crescente, pois o coeficiente angular é maior do que zero
(a>0). E da representação da função y = -3x+5, observa-se que é decrescente, pois
o coeficiente angular é menor do que zero (a<0). Outra observação é que os dois
gráficos interceptam o eixo y no ponto 5, pois têm o mesmo coeficiente linear.
Os gráficos interceptam o eixo x nos zeros da função, a primeira função y=3x+5
intercepta o eixo X no ponto (-5/3; 0) e a função y=-3x+5 intercepta no ponto (5/3;
0). Em relação ao eixo y as duas retas são simétricas.

Exemplo 2
O gráfico da FUNÇÃO SENO, a partir de um software com o qual é possível
visualizar e relacionar com o círculo trigonométrico que vai representando o
triângulo retângulo na tela juntamente com a curva senoidal, estudo feito com o
Software: Trigonometria, o que tornou possível a identificação a partir da visua-
lização do gráfico, o domínio e a imagem, sinal e periodicidade da função seno,
assim foi possível verificar o comportamento da função seno em diferentes valores
como na Figura 2.
Figura 2: Gráfico da Função

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 67


A representação da função seno neste software torna possível identificar o
Domínio em todos os R e a Imagem no eixo y que fica no intervalo [-1 ,1]. Pode-
-se visualizar na representação que os sinais da função são positivos no 1° e 2°
quadrante e negativos no 3° e 4° quadrante, porque a função seno se projeta no
eixo y. E a periodicidade da função é de 0 a 6,28, ou seja, de 0 a 2 π .

Exemplo 3
A exploração de propriedades do TRIÂNGULO EQUILÁTERO com o soft-
ware Régua e Compasso, a medida dos lados e dos ângulos internos do triângulo
pode ser visualizada na Figura 3, através da representação construída a partir das
ferramentas do software.
Figura 3: Medidas

Assim, na representação que ocorre na Figura 3 é possível confirmar as principais


características do triângulo equilátero: três lados iguais e três ângulos internos iguais.
A partir da visualização e construção das bissetrizes dos ângulos internos
do triângulo equilátero o estudante poderá determinar o Incentro (Fig. 4), o que
determina o centro da circunferência inscrita ao triângulo equilátero (Fig. 5).

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Figura 4: Incentro

Figura 5: Circunferência inscrita

A partir do ponto médio dos lados AB, BC e CA do triângulo e da determi-


nação das mediatrizes, como se pode visualizar na Figura 6, retas perpendiculares

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 69


aos lados do triângulo passando pelos seus respectivos pontos médios, o ponto de
intersecção das três mediatrizes é chamado de Circuncentro. Torna-se possível,
então, a construção da circunferência circunscrita ao triângulo equilátero.
Figura 6: Circuncentro e Circunferência circunscrita

A partir dessas atividades foi possível explorar as propriedades do triângulo


equilátero, identificando a medida dos ângulos internos, a medida dos três lados
e outros aspectos como a construção das bissetrizes e seu ponto de intersecção,
construção de mediatrizes e seu ponto de intersecção, os ângulos externos, soma
dos ângulos internos e externos e construção do incentro e do circuncentro. Foi
possível comprovar, a partir das representações, suas propriedades, o que pode
ser confirmado também com a movimentação de vértices do triângulo que o
ambiente permite.
No contexto das construções aqui apresentadas, no que diz respeito à repre-
sentação, visualização e ao processo que produz novas abordagens, valorização
da argumentação, diálogo, investigação e construção com as TIC, pode-se dizer
que as pesquisas vêm apontando novos caminhos para o conhecimento e a prática
pedagógica, principalmente no que tange à consideração da visualização e repre-
sentação em matemática que as TIC possibilitam.

70 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


6 Considerações finais

A utilização das TIC, especialmente de softwares gratuitos de matemática,


representa uma contribuição, tanto para os professores no desenvolvimento de
suas aulas, quanto para os estudantes na atribuição de significados matemáticos
de forma interativa, crítica e investigativa.
Isso vem a ser confirmado por Bittar (2006) quando diz que a verdadeira
integração da tecnologia somente acontecerá quando o professor vivenciar o
processo, ou seja, quando a tecnologia representar um instrumento importante
de aprendizagem para todos, inclusive, e, sobretudo, para o professor, pois, afinal,
somos reflexos de nossas experiências.
Esperamos que, com esse trabalho, possamos evidenciar que é possível ex-
plorar a representação e visualização de modo que os conceitos possam ser cons-
truídos, de forma a valorizar a exploração de conceitos com a utilização de TIC
no processo de ensino e de aprendizagem da matemática, de maneira a contribuir
significativamente para que o aluno compreenda a partir das transformações e dos
movimentos que observa na tela do computador.
Assim, os ambientes informatizados no ensino, especialmente os softwares
gratuitos, podem propor transformações tanto na sala de aula de Matemática, que
ganha espaço para a exploração investigativa, crítica e demonstrativa, quanto no
estabelecimento de novos momentos para o fazer pedagógico e prática escolar.
De todo modo pode-se dizer que a pesquisa aponta, atualmente, para um
equilíbrio entre conhecimentos, utilização de TIC e prática pedagógica, eviden-
ciando a formação docente como um processo dinâmico e contínuo.
As descrições das atividades, a exploração compartilhada neste texto,
o referencial e a reflexão proposta, suscitam mais uma forma de trabalhar
a construção de conceitos matemáticos, que é a partir da valorização da
representação e visualização, aspecto que as TIC nos apresentam.

REFERÊNCIAS

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EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 73


4 ANÁLISE DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DOS CONCEITOS DE SEMELHANÇA COM O
SOFTWARE RÉGUA E COMPASSO

Leandra Anversa Fioreze

1 Apresentação

Este trabalho relata alguns resultados de uma pesquisa de doutorado voltada


à aprendizagem dos conceitos de proporcionalidade a partir da utilização das
atividades digitais. Os campos conceituais constituíram o corpo teórico principal
que fundamentou a pesquisa e a análise dos dados.
A área de conhecimento envolveu as Estruturas Multiplicativas e a Proporcio-
nalidade, mais especificamente, neste artigo, conceitos de semelhança de figuras
planas. Os sujeitos da pesquisa são alunos de oitava série do Ensino Fundamental
de uma escola pública municipal situada no Rio Grande do Sul. A metodologia
empregada foi a Engenharia Didática.
Como ponto de partida, compartilha-se o ponto de vista de vários profissionais
da educação que evidenciam ser importante que, no planejamento das atividades
a serem utilizadas em sala de aula, o professor preocupe-se com o domínio dos
conhecimentos relacionados à Matemática e com o conhecimento de como o su-
jeito, em atividade, desenvolve a compreensão dos conceitos matemáticos, quais as
dificuldades que enfrenta e quais as características do conhecimento desenvolvido.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 75


Entende-se que é fundamental o professor saber como o aluno aprende,
compreendendo as especificidades conceituais de cada saber escolar a ser ensi-
nado. Neste sentido, é necessário que o professor elabore propostas didáticas que
valorizem o saber do aluno e a sua participação efetiva neste processo.

2 Educação Matemática e Aprendizagem

A Educação Matemática, também chamada de Didática da Matemática em


alguns países europeus como a França, a Espanha e a Alemanha, constitui uma
grande área de pesquisa educacional que objetiva estudar relações de ensino e
aprendizagem da Matemática nos diversos níveis de escolaridade, tanto do ponto
de vista teórico quanto prático. Segundo Pais (2005), sua consolidação como área
de pesquisa é recente quando comparada à história milenar da Matemática, tendo
recebido grande impulso nas últimas décadas.
A partir da década de 80, as pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem de
Matemática no Brasil e em diversos países têm aumentado gradativamente, tendo
se voltado efetivamente a distintas propostas para a Matemática Escolar. As contri-
buições têm se refletido nas disciplinas, nas linhas e áreas de pesquisa, nos programas
de graduação ou pós-graduação, gerando um conjunto de condições profícuas para
que a Educação Matemática avance nas pesquisas e se consolide com a “efetivação
de um campo profissional e de estudos que compreende práticas de formação e
ensino; pesquisas e geração de conhecimentos, bem como sua difusão e aplicação;
inovações e melhorias no ensino de matemática” (SANTOS, MOURA, 2005, p. 95).
A Matemática, como área de conhecimento humano, possui aspectos pe-
culiares no modo próprio de ser, de mostrar-se, inscrevendo-se na linguagem
entendida como um sistema de signos que serve como meio de comunicação das
ideias e também nas formas de raciocínio utilizado para estruturar suas teorias.
Articula-se também com outras áreas do conhecimento, na utilização em outras
áreas da ciência e também no componente ideológico que a sustenta, no sentido
da verdade em suas afirmações (BICUDO, 2005).
Por este modo de ser, há de se ter o cuidado por parte daqueles que ensinam
e que se preocupam com a sua aprendizagem. A Matemática não pode ser vista
apenas como aquela que aparece nas teorias, se não o conhecimento estaria sendo
visto e tido como algo pronto e acabado. Se assim o fosse, o próprio significado da

76 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Matemática, que, em sua origem grega, está relacionado com o que se pode aprender
(mathema=aprendizagem), ficaria encoberto (MACHADO, 1987). A subjetividade da
pessoa que não detém este conhecimento seria relegada ao segundo plano e o corpo
de conhecimentos já elaborados seria a ela superior e imposto (BICUDO, 2005).
A Matemática constitui uma ciência fundamental para a compreensão do
mundo em que vivemos, e seu ensino, muitas vezes, é reproduzido pelo professor de
forma pronta e acabada, desconsiderando todo o processo histórico e cognitivo de
construção desse próprio conhecimento. O professor, com o domínio de elaborações
teóricas de elevado grau de abstração, típicas do conhecimento científico sistema-
tizado e com elevado simbolismo nas suas representações escritas, reproduz esse
conhecimento em situações de aprendizagem escolar para que sejam assimiladas
pelo aluno. O conhecimento matemático, assim, é concebido como preexistente,
um universo à parte, fruto de criações, elaborações e abstrações que visam muitas
vezes à ação sobre a realidade (MACHADO, 1987). Então, os fundamentos de
sua origem (matemática = o que se pode aprender) perdem a sua essência, pois
o aluno apresenta sérias dificuldades de aprendizagem: o professor preocupa-se
muito mais com o ensino de Matemática do que com a aprendizagem do aluno, e
ensinar e aprender Matemática é encarado como uma tarefa difícil para professor
e aluno, respectivamente.
Frente a esta problemática, cada vez mais se pesquisa como se aprendem os
conceitos matemáticos. O que muitas vezes era considerado erro do aluno agora é
visto como algumas formas de raciocínio sobre um problema, que devem ser con-
sideradas para que o professor possa planejar intervenções. As pesquisas francesas
priorizam investigações que concebem o aluno como sujeito ativo na produção
do conhecimento, analisando suas formas particulares de aprender e pensar. Com
essa abordagem, têm-se implicações didáticas para o professor, pois ele deve co-
nhecer o processo de aprendizagem, da natureza dos conteúdos, oportunizando
intervenções mais adequadas para ensinar.
A Didática Francesa tem sido amplamente utilizada nas pesquisas relacionadas
à Educação Matemática no Brasil, cujos principais pesquisadores são Guy Brous-
seau, Reginé Douady, Gerard Vergnaud, Nicolas Balacheff, Chevallard, Duval e
Michéle Artigue. Destacam-se, neste recorte feito da pesquisa, Gerard Vergnaud,
com a Teoria dos Campos Conceituais, em que há trabalhos de pesquisa relacio-
nados à construção dos conceitos de proporcionalidade, e Michéle Artigue, com
a Engenharia Didática.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 77


3 A Teoria dos Campos Conceituais, a proporcionalidade e o
software Régua e Compasso Virtual

A teoria dos Campos Conceituais foi desenvolvida pelo psicólogo e pesqui-


sador pós-piagetiano Gerard Vergnaud. Vergnaud é doutor Honoris Causa da
Universidade de Genebra e é um dos fundadores da Escola Francesa de Didática da
Matemática. Foi fundador do Instituto de Pesquisa sobre o Ensino de Matemática
(IREM) nas Universidades da França, na década de 60, momento da efervescência
do movimento da Matemática Moderna, criando as condições institucionais que
favoreceram a constituição da didática entendida como disciplina científica.
A teoria dos campos conceituais propicia uma estrutura epistemológica às pes-
quisas que envolvem as atividades cognitivas complexas. É uma teoria cognitivista
que não é específica da Matemática, embora inicialmente tenha sido criada para
explicar o processo de conceitualização progressiva das estruturas aditivas e mul-
tiplicativas, das relações entre número e espaço e da álgebra (VERGNAUD, 1993).
Dentre os campos conceituais, as estruturas multiplicativas (e a proporciona-
lidade) ocupam posição privilegiada, sendo consideradas como conceito pivô no
ensino da Matemática e na construção das estruturas cognitivas do pensamento.
É bastante avançada e reconhecida na comunidade de pesquisadores a classifi-
cação das relações elementares e das classes de problemas elementares presentes
nas situações didáticas envolvendo a proporcionalidade (VERGNAUD, 1993),
constituindo-se em instrumentos para a análise das situações e para a análise das
dificuldades enfrentadas pelos alunos.
O desenvolvimento dos conceitos matemáticos e o desenvolvimento da estru-
tura cognitiva dos educandos estão sujeitos às respostas às situações com que eles se
confrontam ou confrontaram. O campo conceitual das estruturas multiplicativas é o
conjunto das situações cuja resolução implica uma ou várias multiplicações e divisões e
o conjunto dos conceitos e teoremas que permitem analisar estas situações: proporção
simples e múltipla; função linear e n-linear; semelhança; combinação linear; fração;
razão; número racional; múltiplo e divisor; dentre outros (VERGNAUD, 1993).
Vergnaud (1993), ao propor estudar um campo conceitual ao invés de um
conceito, está considerando que em uma situação problema dada, o conceito não
aparece isolado. A complexidade do cenário educacional advém do fato de que
muitos conceitos em Matemática traçam seus sentidos utilizando uma variedade de
situações e a cada situação temos vários conceitos a serem analisados. Um campo

78 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


conceitual abrange um conjunto de situações cujo domínio progressivo irá exigir
uma variedade de conceitos, de procedimentos e de representações simbólicas em
estreita conexão (MAGINA, 2005).
Nesse sentido, como os conceitos tornam-se significativos através da escolha
mais adequada das situações, decorre que as situações e não os conceitos compõem
a principal entrada de um campo conceitual. Como o domínio de um campo con-
ceitual abrange um conjunto bastante amplo de situações problemas a resolver e
tendo em vista a restrição dessas situações impostas por determinados softwares,
foram selecionados alguns softwares – geoplano virtual, planilha eletrônica e régua
e compasso virtual – para possibilitar a emergência de uma grande variedade de
situações envolvendo o campo conceitual das estruturas multiplicativas, bem como
possibilitar diferentes formas de representação desse conhecimento.
Um dos softwares escolhidos, explorado neste capítulo, é o Régua e Compasso
(C.a.R.), um software de Geometria Dinâmica desenvolvido pelo professor René
Grothmann da Universidade Católica de Berlim, na Alemanha. O programa tem quatro
áreas principais: menu principal (A), barra de ferramentas (B), área de trabalho (C)
e área de dicas e ajuda (D), como demonstra a tela inicial, apresentada na Figura 1.
Figura 1: Tela inicial do C.a.R.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 79


O software C.a.R. é uma abreviação de Compass and Ruler que significa Com-
passo e Régua. O C.a.R. está escrito na linguagem Java, tem código aberto e roda
em qualquer plataforma – Microsoft Windows, Linux, Macintosh. O programa é
freeware, e o código fonte está disponível e livre, conforme Licença Pública Geral
(GNU General Public License).
As construções são salvas em arquivos com a extensão .zir, que corresponde
à abreviação de “C.a.R” do idioma germânico, podendo ser abertos em qualquer
editor de textos, pois são codificados em XML. Diferentemente do que ocorre com
a régua e o compasso tradicional, as construções feitas com o software Régua e
Compasso são dinâmicas e interativas, tornando o programa um ótimo labora-
tório de aprendizagem de geometria. O aluno ou o professor podem testar suas
conjecturas através de exemplos e contra-exemplos criados por eles.
A utilização de softwares ou objetos de aprendizagem que possuem a pos-
sibilidade de movimentar figuras e transformá-las enriquece o processo ensino-
-aprendizagem de Matemática, o que muitas vezes somente com lápis e papel não
traria a dinamicidade inerente a esse enfoque. Modificando algumas características
de um elemento tomado como base em uma figura e percorrendo esse objeto na tela,
com o auxílio do mouse, torna-se possível seguir as mudanças na figura em tempo
real, diferentemente da geometria feita com lápis e papel (BITENCOURT, 1998).

4 Desenvolvimento da pesquisa: passos da Engenharia Didática

A Engenharia Didática foi escolhida como metodologia de pesquisa por estabe-


lecer um vínculo com a realidade da sala de aula, objetivando interpretar o aspecto
cognitivo na aprendizagem escolar. Dessa forma, obtém-se uma articulação entre a
pesquisa e a ação pedagógica, contribuindo para que a ação pedagógica constitua um
campo de pesquisa para o professor refletir sobre sua própria prática. “Isto se reflete
especialmente no espaço reservado ao aluno, onde são privilegiados os funciona-
mentos cognitivos que concorrem para o aprendizado” (GRAVINA, 2001, p. 100).
De acordo com Artigue (1990), a Engenharia Didática constitui-se na execução
de quatro fases que são explicitadas na figura que segue, sendo que o sentido das
setas denota esta necessidade de readequação e de replanejamento de cada etapa
durante o processo, desde a análise prévia até a análise posteriori e a validação da
experiência. A linha tracejada representa o confronto da análise prévia ou preli-
minar com a análise a posteriori.

80 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Figura 2: Mapa da Engenharia Didática (FIOREZE, 2010)

Neste capítulo, devido à limitação de espaço, será relatada uma das atividades
aplicadas na fase de experimentação (3ª fase) seguida da análise das produções dos
alunos (4ª fase). Para mais detalhes, é possível consultar a tese “Atividades digitais
e a construção dos conceitos de proporcionalidade: uma análise a partir da Teoria
dos Campos Conceituais” (FIOREZE, 2010).

5 Análise a priori e a posteriori: processo de construção dos conceitos

As aulas da fase da experimentação foram realizadas nos meses de outubro e


novembro de 2008, no turno inverso ao período de aula, totalizando oito encontros
de quatro horas-aula cada. Os alunos trabalharam em duplas, sendo selecionadas
4 duplas e 1 aluno que preferiu trabalhar sozinho, utilizando-se como critério para
essa escolha a maior frequência aos encontros.
As aulas tinham a seguinte dinâmica: os conteúdos eram introduzidos através
da utilização dos softwares educativos em situações que envolviam o diálogo e a
interação com o aluno por meio de questões e atividades entremeadas pela sistema-
tização gradual dos conteúdos. Sempre ao término da atividade, proporcionava-se
a discussão no grande grupo, com a sistematização das ideias envolvidas nas ativi-
dades, em que os alunos colocavam o seu entendimento sobre o que estava sendo
tratado. O aluno, ao refletir sobre como pensou para chegar à resposta e colocar
isso aos seus colegas, organiza o seu pensamento, compartilhando e socializando
o resultado da produção do seu conhecimento.
Neste item, é relatado o desenvolvimento de atividades com o software Régua
e Compasso, com a análise a priori e a posteriori, como consta na metodologia da

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 81


Engenharia Didática. Descreve-se a finalidade da atividade seguida da análise da
produção dos alunos, tendo em vista os objetivos traçados, visando interpretar o
aspecto cognitivo em situações de aprendizagem.
As atividades que seguem estão relacionadas com o campo conceitual da
proporcionalidade – mais especificamente, semelhança de figuras planas e a tri-
gonometria do triângulo retângulo.
Análise a priori: o aluno deve perceber que existe uma relação de proporcio-
nalidade entre os segmentos correspondentes e que não há alteração dos ângulos
correspondentes (congruência), sendo estas as condições para que as figuras sejam
semelhantes.
Análise a posteriori: primeiramente foram disponibilizadas duas casas cons-
truídas no Régua e Compasso para explorar a visualização de inúmeros “desenhos
em movimento”.
Figura 3: Construções realizadas com o software Régua e Compasso

Essas figuras tinham como objetivo levar o aluno a verificar que a impressão
perceptiva não dá conta do significado de um desenho; desenhos que a impressão
registra como iguais podem guardar distintas relações geométricas.

82 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


A compreensão do significado de um desenho perpassa por uma fusão
adequada entre a componente conceitual e figural que determina o objeto
geométrico. [...] Os ambientes de geometria dinâmica provocam esta
compreensão porque no dinamismo das figuras se reflete a imposição
de diferentes relações (GRAVINA, 2001, p. 105).

Após essa atividade introdutória, foi trabalhada uma sequência de situações rela-
cionadas com a ampliação/redução de triângulos e com a trigonometria do triângulo
retângulo. Embora os alunos tenham trabalhado na oitava série com a trigonometria
do triângulo retângulo, em alguns grupos foi necessário relembrar termos como “cateto
adjacente”, “cateto oposto”, ou “hipotenusa”, além de identificá-los no triângulo dado.
Alguns grupos também expressaram dúvidas sobre o significado da represen-
tação m(AC)/m(BC) e suas variantes. Nesse sentido, Vergnaud (2001) entende que
a representação é constituída de elementos simbólicos e semióticos, necessários
à ação do sujeito (gráficos, diagramas, notação algébrica, etc.) e, às vezes, não é
direta, existindo lacunas entre o que está na mente do indivíduo e a representação
dada por símbolos ou palavras.
Na sequência, foi solicitado que os alunos trabalhassem com o triângulo
retângulo (este previamente construído), tendo um dos ângulos 300, conforme
mostra a ilustração.
Figura 4: Triângulo retângulo

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 83


Ao movimentar o ponto C com a opção mover ponto, as medidas dos catetos
e da hipotenusa variam e as razões AB , AB e AC se mantêm.
AC BC BC
O arquivo foi criado para que esses valores aparecessem na tela do computador.
Nessa atividade e nas demais (triângulo qualquer e triângulo retângulo com
ângulo de 450), os alunos foram convidados a movimentar o vértice C do triângulo
retângulo e verificar a existência ou não de uma modificação na forma. Nos triân-
gulos em que não há uma modificação da forma, praticamente todas as duplas de
alunos responderam: “Não, a forma continua a mesma”, Os alunos verificaram, no
último arquivo trabalhado, que a forma da figura é modificada com a movimen-
tação do ponto C, o que condiz com a construção prévia da figura.
Os alunos registravam em uma planilha as medidas dos segmentos e também
as razões obtidas entre os lados do triângulo. A seguir, apresentam-se os quadros
construídos por uma das duplas com o triângulo de 300.
Quadro 1: Medidas dos lados do triângulo retângulo de 300

Quadro 2: Razões entre os lados do triângulo retângulo de 300

84 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Embora as razões possam ser obtidas no software Régua e Compasso, a forma
como os alunos a encontraram foi livre. Uns optaram por utilizar a planilha eletrô-
nica; outros utilizaram a calculadora virtual; um grupo fez os cálculos no celular;
e outro fez o cálculo com lápis e papel. Na planilha eletrônica, a vantagem é que
o registro não se altera ao serem modificadas as dimensões do triângulo, pois o
aluno faz o registro em outra célula com as novas dimensões, o que não acontece
no Régua e Compasso. Neste, se o aluno alterar as dimensões dos triângulos, não
aparece o registro das dimensões dos outros triângulos.
Destaca-se nesta análise que se o professor impuser o cálculo com lápis e papel,
os alunos perdem a motivação na realização das atividades, pois a extensão dos
cálculos irá competir com a atenção dada à atividade em si.

No planejamento das atividades com as máquinas, é razoável considerar


que sua função não é eliminar a necessidade de realizar as operações com
lápis e papel, mas de permitir uma maior liberdade de movimentação
em determinados contextos em que a execução de cálculos com uso dos
algoritmos convencionais toma um tempo demasiado longo e exige um
esforço desanimador (ARAÚJO; SOARES, 2002, p. 26).

As habilidades de cálculo, imprescindíveis para uma boa alfabetização mate-


mática, podem ser trabalhadas durante todo o processo de formação do aluno na
educação básica, perpassando todas as séries, do ensino fundamental ao médio.
Mas também precisam existir momentos em que a realização de cálculos com lá-
pis e papel pode ser substituída por um artefato como a calculadora ou a planilha
eletrônica.
Apresenta-se abaixo uma das interações dos alunos (dupla CD) com a pro-
fessora pesquisadora, em um triângulo retângulo com ângulo de 300:
Aluno C: Dá sempre o mesmo valor.
Professora: Por quê?
Aluno C: Vai aumentar todos iguais.
Aluno D: O valor não modifica porque eles são proporcionais (se referindo
aos triângulos).
Professora: Por que eles são proporcionais?
Aluno D: A forma da figura...
Professora: A forma da figura é modificada?
Aluno C: Não.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 85


Professora: E se a forma não é modificada, o que acontece com os ângulos?
Aluno D: Os ângulos são iguais, olha (e mostra na figura, arrastando o ponto
A e verificando que não há modificação dos ângulos).
Essa mesma dupla, na atividade em que o triângulo se deformava com a
movimentação do vértice C, achava que a razão era a mesma para dois dos lados
do triângulo, porque as medidas desses dois lados estavam variando, enquanto
um terceiro lado permanecia fixo: “Para os dois lados dá a mesma razão, para o
outro, não”. Foi solicitado que eles encontrassem as razões para as medidas dos
dois lados desse triângulo que estavam variando com a movimentação do vértice
C e comparassem. Na comparação, verificaram que as razões encontradas não
eram iguais. Em uma questão “As razões encontradas são iguais? Por quê?”, a dupla
colocou: “Não, porque conforme modificamos o ponto, o ângulo muda”.
No desenvolvimento dessa atividade e em outras verificou-se que o conheci-
mento passa por idas e vindas, por obstáculos e dificuldades que se apresentam em
situações de aprendizagem (VERGNAUD, 2008). Os conceitos em ação utilizados na
atividade em que o triângulo não se deformava se mostraram suficientes para essa
dupla, enquanto na atividade em que houve deformação do triângulo mostrou-se
insuficiente. Identificou-se que a dupla não dispunha da competência necessária,
o que a obrigou a um tempo de reflexão e exploração, a hesitações e tentativas,
o que contribuiu para a aprendizagem dos conceitos de proporcionalidade e sua
relação com a trigonometria do triângulo retângulo.
Um fato inusitado foi que um aluno entusiasmado com o que estava enxer-
gando na tela do computador (visualização de vários triângulos em movimento),
quando começaram a mexer com um dos vértices do triângulo retângulo, falou
para o colega, repetindo várias vezes:
– Olha, olha só, “que massa”! “Que massa”, veja só!
Esse mesmo aluno solicitou colaboração ao fazer uma atividade em que o
ângulo considerado era de 300.
Aluno A: Dá sempre o mesmo número, deve estar errado.
Professora: Será que está errado?
O aluno ficou quieto, pensou e disse:
Aluno A: Mas deve dar sempre o mesmo número, né? Isto está arredondado
(se referindo aos números 0,4998 e 0,5).
Professora: Por que você acha que deve dar o mesmo número?

86 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


O aluno reflete e continuamos interagindo. Verifica-se que, ao responder o
questionário, a dupla AB (do qual este aluno é integrante) colocou na atividade
em que era necessário justificar porque as razões obtidas eram iguais: “Porque no
triângulo não houve deformações”. Ou seja, para esta dupla, as razões obtidas eram
iguais porque ao movimentar o ponto A deste triângulo, a forma era mantida.
Na questão “Ao movimentar o ponto A, os triângulos que aparecem na tela
são semelhantes? Por quê?”, a mesma dupla colocou: “Sim, porque eles são pro-
porcionais. Seno, cosseno e tangente são sempre iguais”.
Explicitar o conhecimento é difícil, não só para os alunos. Sempre há muito
de implícito nos esquemas do sujeito ao resolver as situações propostas. Essa dupla
demonstra um raciocínio correto, embora não explicite de uma maneira aceita
pela comunidade científica, já que não são os triângulos que são proporcionais e
sim as medidas de seus lados correspondentes. Porém, há muito conhecimento
implícito nessa afirmação e ela está próxima dos conceitos afirmados pela comu-
nidade científica.

6 Tecendo algumas conclusões da pesquisa

Na análise do processo de construção dos conceitos de proporcionalidade,


verificou-se a amplitude de um campo conceitual, pois houve a necessidade de
serem analisados vários conceitos que se articulavam, averiguando as dificulda-
des cognitivas, os obstáculos enfrentados, as possibilidades de representação e
as rupturas que se fizeram necessárias na resolução das tarefas. Podem-se listar
algumas dificuldades evidenciadas, em especial nas atividades abordadas neste
capítulo, relacionadas à semelhança de figuras planas e à trigonometria do triân-
gulo retângulo: a representação do conhecimento, de forma a explicitá-lo, usando
a linguagem formal ou simbólica, a conservação ou não da forma numa ampliação
ou redução de uma figura e as representações envolvendo sistemas semióticos na
forma de razão de medidas de segmentos.
No planejamento de situações didáticas, é importante favorecer a articulação
dos vários conceitos, para que o aluno perceba essas inter-relações, e o Régua
e Compasso virtual, bem como os outros instrumentos utilizados pelos alunos
(calculadora, planilha eletrônica) mostraram-se ferramentas em potencial, que
devem ser aproveitadas pelo professor.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 87


Na experimentação, objetivou-se proporcionar a participação efetiva e ativa do
aluno em seu processo construtivo, valorizando os conceitos que ele traz de suas
experiências pessoais e de sua aprendizagem escolar, promovendo as interações
entre aluno-aluno e aluno-professor no sentido de qualificar a aprendizagem.
A análise do desenvolvimento in loco do projeto de aprendizagem com a turma
da oitava série indicou a necessidade de mudanças no paradigma escolar, do ensino,
que, em geral, é o foco, para a aprendizagem. Desse modo, não adianta simples-
mente utilizar as tecnologias digitais sem uma preparação maior dos professores,
de forma a valorizar o papel ativo do aluno nesse processo, buscando entender os
processos cognitivos pelo qual passa o aluno na construção dos conceitos.
Com esse conjunto de ações, observou-se que os alunos ampliaram a classe de
situações que eles dispunham, inicialmente, no seu repertório, das competências
necessárias à sua resolução. Verificou-se, nesta análise, que, em determinadas
situações, os esquemas utilizados mostraram-se suficientes, sendo que em outras,
não. Nesse sentido, percebe-se a necessidade de testar a operacionalidade de um
conceito em diversas situações, vivenciando etapas de um processo de construção
de conceitos que não se dá de forma linear.

REFERÊNCIAS

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88 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


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EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 89


5 MAPAS CONCEITUAIS: UMA ABORDAGEM
NO ENSINO DE RELATIVIDADE

Antônio Vanderlei dos Santos


Rozelaine de Fatima Franzin

1 Introdução

Desde os tempos remotos, as ciências físicas são consideradas um marco de


estudo da humanidade, como uma das principais preocupações de diversos pes-
quisadores desde os filósofos gregos até os pesquisadores atuais, juntamente com a
filosofia. Atualmente, tem se falado muito na física moderna e suas consequências,
tanto sociais, como científicas, e todo o avanço tecnológico produzido pelos seus
conceitos e leis. Mas será que se pode ainda chamá-la de moderna, já que ela data
do início do século XX e já existem inúmeros produtos derivados, tais como o
telefone celular, dos seus conceitos que estão largamente sendo comercializados e
utilizados pela população? E por que ainda existe certo desconforto quando tenta-
mos transmitir conceitos, que do ponto de vista temporal são do século passado?
Por que ainda se utiliza a expressão física quântica como algo muito difícil e só
destinada aos gênios e grandes sábios? Estão os professores de física, tanto no ensino
superior como no ensino médio, mistificando os seus conceitos e tornando difícil
o ensino deles ou simplesmente não se tem uma metodologia adequada a fim de
se trabalhar os conceitos? Essas questões são a motivação principal deste trabalho.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 91


A prática docente contextualizada requer não apenas o entendimento dos
conceitos por parte do professor, mas também deve ter como alvo a produção de
resultados dinâmicos e transformadores, o que exige, além de preparo intelectual,
grande engajamento do docente envolvido (SANTOS, 2009). Isso porque cabe aos
docentes repensar as técnicas e metodologias que, com o passar do tempo, tornam-se
inócuas com relação às transformações ocorridas na sociedade. Essa, por sua vez,
exige mudança de postura, que tem como consequência um avanço nas questões
de ensino e novas metodologias. A produção de conhecimento, no que diz respeito
à mecânica de aula, vem sendo a prejudicada em função da ausência de produtos
novos de ensino, voltada ao ensino de física moderna, dentro do ramo da educação
científica e tecnologias para serem aplicadas em sala de aula. Atualmente, não se es-
tabelecem medidas de incentivo à inovação no ensino de Física moderna e à pesquisa
científica como geradores de novas metodologias no ambiente escolar, com vistas à
capacitação de professores e ao alcance da autonomia tecnológica, juntamente com o
desenvolvimento do ensino, uma vez que este fica restrito a teorias que não chegam
aos docentes. Não se trata de dar receitas prontas e acabadas, mas sim de apresentar
novos produtos metodológicos que possam ser adequados às mais diferentes situações.
Existe a necessidade de que cada professor encontre o que lhe deixa mais tranquilo e
seguro a fim de comunicar-se de forma eficaz e objetiva, ensinar de forma inovadora
e produtiva, ajudar os alunos para que aprendam de maneira realmente significativa,
o que é uma das motivações para realizar esse estudo.
As diversidades de metodologias usadas em sala de aula, como expor conteúdos
no quadro negro e avaliar por meio de provas, são muito importantes, mas, às vezes,
pouco planejadas. Em se tratando de novas tecnologias, pode-se dizer que a internet,
por exemplo, é uma ferramenta que auxilia facilmente, tanto nos cursos presenciais
como a distância. São muitos os processos de ensino que dependem do conteúdo a
ser desenvolvido e das situações físicas específicas em que o professor se encontra:
número de alunos; tecnologias disponíveis; duração das aulas; quantidade total de
aulas que o professor dá por semana e conhecimento do professor, entre outros. Esses
critérios são de suma importância no processo de ensino-aprendizagem, mas para
que o ensino nas escolas se desenvolva nos moldes significativos necessita-se ainda
inovar e pesquisar novas metodologias de ensino. Acredita-se que o ensino deve ser
mais voltado para as necessidades reais e não utópicas dos discentes. É preciso acre-
ditar nas mudanças que vêm acontecendo no ensino. Ou seja, acreditar na inovação
pedagógica, que não é uma mudança qualquer, mas tem um caráter intencional,

92 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


afastando do seu campo as mudanças produzidas pela evolução “natural” do sistema.
A inovação é uma mudança deliberada e conscientemente assumida, visando uma
melhoria da ação de ensino. A inovação não é uma simples renovação, pois implica
uma ruptura com a situação vigente, mesmo que seja temporária e parcial. Inovar
faz supor trazer à realidade educativa algo efetivamente “novo”, ao invés de renovar,
que implica fazer aparecer algo sob um aspecto novo, não modificando o essencial.
Vai além de propostas curriculares, perpassa, a nosso ver, a reforma de práticas so-
ciais. A prova disso é percebida nos currículos que são contemplados pelos PCNs e
buscam ocupar-se de temas transversais que levam em consideração as dificuldades
diárias enfrentadas pelos alunos na escola atual (FERREIRA, 2007).
A educação brasileira carece de processos educacionais que estejam à dispo-
sição do professor, para uso direto em sala de aula. Esse processo ou produto deve
inovar no sentido de tornar a mecânica de aula mais interessante, tanto para o
aluno como para professor. Assim, tal inovação irá, consequentemente, produzir
novos processos de ensino e aprendizagem.
A motivação, processo dinâmico de melhoria neste estudo, recai em desenvolver
processo de mecânica de aula utilizando mapas conceituais como fonte motivado-
ra dos alunos para aprendizagem contextualizada e significativa. Dessa maneira,
reafirma-se que a inovação não se resume a ter uma ideia, mas a implantá-la e
explorá-la com sucesso, como uma parte importante que desencadeia a criação de
novos processos de ensino, nas mais diversas áreas e matérias a serem ensinadas,
de forma que a escola possa competir no mundo tecnologicamente globalizado,
praticamente sem barreiras geográficas, principalmente no tocante à educação.
Este capítulo se baseia em estudo teórico de natureza reflexiva e apresenta
um breve histórico com o objetivo de contextualizar uma das maiores teorias da
Física Moderna: a relatividade. Em seguida, refere-se à importância da interdis-
ciplinaridade, pois ela oferece uma nova postura diante do conhecimento, que,
por consequência, forma o “pano de fundo” para uma aprendizagem significativa,
utilizando mapas conceituais.

2 Origens e contexto

A Física dita moderna tem como marco o discurso pessimista de William


Thomson, conhecido como Lord Kelvin, por volta de 1900, na Royal Society. Ele

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 93


deixa uma notícia que certamente desmotivou vários jovens pesquisadores, ao
dizer que só existiam duas questões a serem pesquisadas pelos novos físicos, “duas
pequenas nuvens” no horizonte da Física (SCHULZ, 2007). Outros fatos, como os
resultados negativos do experimento de Michelson e Morley, e a dificuldade em
explicar a distribuição de energia na radiação de um corpo negro pareciam denotar,
naquele momento, que realmente a Física estava próxima de um marasmo científico.
Mas, para contrariá-lo, surgiram a relatividade e a mecânica quântica, que deram
um significado e revolucionaram a Física do século XX. A revolução conceitual,
causada pelo surgimento da Física Moderna e o consequente questionamento da
Física Clássica Newtoniana, é realizada por meio de uma grande ruptura, iniciada
por vários trabalhos, que passam a investigar o micro invisível, em lugar do macro
visível. Max Planck, por exemplo, introduziu na Física o conceito de quantum,
contrapondo o conceito de energia contínua e utilizou somatório em seus cálculos,
ao invés de integrais. Planck mostra que a energia não era absorvida ou emitida
de forma contínua, mas em múltiplos de uma quantidade mínima, o quantum.
Sete anos após, Planck e Schrödinger (STUDART, 2005) também mostram que a
descontinuidade das medidas foi a grande revolução realizada pela teoria quântica
e através desse pensamento a Física Moderna começa a estruturar-se. Mas o grande
avanço é o surgimento dos trabalhos de Albert Einstein, que, na sequência, apre-
sentou os artigos do Annus Mirabilis: sobre um ponto de vista heurístico relativo
à produção e transformação da luz; sobre o movimento de pequenas partículas em
suspensão dentro de líquidos em repouso, tal como exigido pela teoria cinético-
-molecular do calor; sobre a Eletrodinâmica dos Corpos em Movimento; e sobre
a inércia de um corpo depende de seu conteúdo de energia, mas foi sobre o efeito
fotoelétrico que deu origem à teoria quântica e ao prêmio Nobel (EINSTEIN, 1979).
Após essa breve contextualização histórica, o foco desse estudo é a Física
Moderna, sendo este um dos conteúdos que docentes de muitas escolas passam o
mais breve possível, pois ele é mais complexo (no sentido de raciocínio abstrato)
em relação aos demais conceitos, inclusive, por tratar-se de uma teoria que entra
em conflito com o pensamento newtoniano e com observações empíricas. Mais
recentemente, em apenas 50 anos, seus conceitos são utilizados em produtos co-
merciais, tais como celular, xerox, entre outros. Os conceitos da mecânica clássica
são de mais de três séculos, pois a Física pode ser definida como o estudo das leis
da natureza e trata-se de uma ciência diretamente relacionada ao método científico
(GEHLEN, SANTOS, ALCÂNTARA, 2011).

94 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


A importância do ensino de Física nas escolas está diretamente ligada à própria
aprendizagem ou ao desenvolvimento de uma nova etapa cognitiva que acarreta
sempre uma mudança no indivíduo, seja intrínseca ou extrínseca. Está prevista
no sistema educacional brasileiro, através da LDBEN, nos conteúdos mínimos a
serem desenvolvidos nas escolas, os quais visam à aprendizagem mencionada. Isto
já se sabe; o que se quer ressaltar é que muitas escolas (mais diretamente docentes)
restringem-se a esses conteúdos mínimos e toda Física desenvolvida em meados
do século XX fica fora dos currículos escolares, prejudicando a concretização de
diretrizes como o domínio dos princípios científicos e tecnológicos no ensino
médio. Porém, outro aspecto a ser considerado refere-se a erros de interpreta-
ção da Física Moderna, por parte dos mediadores do ensino, às mudanças mais
drásticas dos conceitos de espaço e tempo que foram trazidas à luz por Einstein e
que requerem uma base conceitual independente das usuais noções newtonianas
(OSTERMANN, RICCI, 2004).
A sociedade da informação é praticamente instantânea, em que surgem muitas
inquietações que fazem pensar que se está passando por um dilema não visto em
outras épocas na história da humanidade, que consiste em o que fazer com toda
essa informação, para que ela serve. Ainda não se sabe totalmente o poder dessas
informações. Em que isso resultará para quem possui essas informações? A quem
elas servem ou servirão? A motivação deste trabalho recai em responder a algu-
mas questões: Existe uma forma de usar essas informações para que possam ser
convertidas em aprendizado? O ensino pode se apropriar de modelos que trans-
formem o conhecimento bibliográfico em aprendizagem significativa? A seguir,
será apresentada a proposição de ensino significativo, contextualizando a Física
Moderna, com uma breve discussão sobre aprendizagem significativa.

3 Aprendizagem significativa

No contexto de ensino se tem algumas teorias com o intuito de facilitar a


aprendizagem e melhorar a relação entre conceito e conhecimento adquirido
pelo aluno. No estudo aqui proposto, destaca-se o papel dos conceitos na aquisi-
ção e utilização do conhecimento, principalmente no que se refere à estrutura de
uma disciplina entendida como um conjunto de conceitos e suas inter-relações,
constituindo ideias e proposições. Isso porque, segundo a teoria de aprendizagem

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 95


significativa (AUSUBEL, 2003), o problema principal da aprendizagem consiste na
aquisição dessa estrutura cognitiva. Segundo Moreira e Masini (2002), quando se
está ensinando deve-se preocupar com que estratégias podem ser utilizadas para
realizar ou facilitar a passagem da estrutura conceitual do conteúdo trabalhado em
sala de aula para a estrutura cognitiva do aluno, tornando o ensino dos conceitos
significativo, representado na Figura 1.
Figura 1: Estrutura cognitiva

Fonte: Os autores.

De uma forma geral, pode-se dizer que aprendizagem significativa é um pro-


cesso por meio do qual uma nova informação é relacionada, de maneira substantiva
e não arbitrária, à estrutura cognitiva. A Figura 1 mostra os principais conceitos
envolvidos em aprendizagem significativa. Pode-se ter dois tipos de aprendizagem
significativa, por descoberta ou por percepção, assim como se pode encontrar a
aprendizagem mecânica. Aprendizagem significativa por descoberta refere-se à
maneira como o aluno percebe os conteúdos e são recebidos de modo não acabado
e o aluno deve defini-los ou “descobri-los”. Já na aprendizagem significativa por
percepção, os conteúdos a serem aprendidos são dados ao aluno em forma final,
já acabada. Também se destaca o conceito de aprendizagem mecânica: é a apren-
dizagem de novas informações sem associação, ou com associação muito restrita
aos existentes na estrutura cognitiva, tornando-se, assim, apenas um fato, sem
qualquer relação com conceitos já absorvidos pelo aluno. Quanto mais se relaciona
o novo conteúdo de maneira substancial e não mecânica, mais significativa será a
aprendizagem, podendo utilizar algum aspecto da estrutura cognitiva prévia que
lhe for mais relevante, nos aproximando, assim, da aprendizagem significativa.

96 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


3.1 Aprendizagem significativa em sala de aula

Aprendizagem é o ato de aprender, compreender, reter conceitos e conteúdos


e também a capacidade de transferir conhecimento. A aprendizagem pode ser
conceituada de duas formas: a aprendizagem Mecânica e a aprendizagem Signi-
ficativa (MOREIRA, 1983).
Para que ocorra aprendizagem significativa, segundo Ausubel (1982), é
necessário:
a. disposição do aluno para aprender;
b. material didático desenvolvido, que deve ser, sobretudo, significativo para
o aluno;
c. que o material a ser assimilado seja potencialmente significativo, ou seja,
não arbitrário em si. (Mesmo materiais arbitrários podem ser tornados
significativos através de organizadores prévios);
d. que ocorra um conteúdo mínimo na Estrutura Cognitiva do indivíduo,
com subsunçores (pontos de ancoragem) em suficiência para suprir as ne-
cessidades relacionais;
e. que o aprendiz apresente uma disposição para o relacionamento e não para
simplesmente memorizá-lo mecanicamente muitas vezes até simulando uma
associação, o que é muito comum em estudantes acostumados a métodos
de ensino, exercícios e avaliação repetitivos e rigidamente padronizados.

Em função do exposto, pode-se dizer que o fator mais importante, se é que


existe um, é aquilo que o aluno já sabe, para que aja uma convicção. Se isso for
detectado, se terá mais eficiência no ensino. Assim, torna-se evidente que se deve
fazer sondagem de conhecimento em relação aos conteúdos e conceitos. Uma
maneira adequada de ampliar e/ou modificar as estruturas do pensamento do
aluno consiste em provocar discordâncias ou conflitos cognitivos que representem
desequilíbrios, a partir dos quais, mediante atividades, o aluno consiga reequili-
brar-se, superando a discordância e reconstruindo o conhecimento. Esse tipo de
procedimento é descrito nos clássicos Ausubel, Novak, Hanesian (1980), NOVAK,
Gowin (1996) e Moreira (1980). Para isso, é necessário que as aprendizagens
não sejam excessivamente simples, o que provocaria frustração ou rejeição. Em
resumo, é sugerida a participação ativa do sujeito, sua atividade autoestruturante,
o que supõe a participação pessoal do aluno na aquisição de conhecimentos, de

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 97


maneira que eles não sejam uma repetição ou cópia dos formulados do professor,
pelo livro-texto (modernamente artigos e internet), mas uma reelaboração pessoal.
A prática do professor deve ser embasada numa teoria de aprendizagem
para nortear seu trabalho. A aprendizagem é mais significativa à medida que o
conteúdo é incorporado às estruturas de conhecimento que o aluno já dispõe e
passa a adquirir significado para ele a partir da relação com seus conhecimentos
prévios. Do contrário, a aprendizagem se torna mecânica ou repetitiva e o novo
conteúdo passa a ser armazenado isoladamente. Dentre os colaboradores de
Ausubel, destaca-se Novak, um pesquisador que, além de humanizar a teoria de
Ausubel, criou um instrumento facilitador da aprendizagem significativa, chamado
de Mapas Conceituais, os quais serão discutidos neste estudo (AUSUBEL, 1982).
Os mapas conceituais, principal questão em estudo, constituem um conjunto de
situações, invariantes e representações simbólicas (VERGNAUD, 1990). Frente a essa
definição podem-se discutir os mapas conceituais, segundo Novak, Gowin (1996):

Mapas conceituais são ferramentas utilizadas na organização e represen-


tação do conhecimento, de forma hierárquica dos conceitos, usualmente
colocados em forma de esquemas, onde as palavras-chave estão conecta-
das por linhas e palavras (conectores) que representam as relações entre
esses conceitos. (NOVAK, GOWIN, 1996).

3.2 Proposta de uso de mapas conceituais em física moderna

Os mapas de conceitos devem ser introduzidos quando os alunos já tiveram


um contato inicial com o assunto a ser abordado e se caracterizam como uma
forma de organizar um pensamento; ele se coloca como se o aluno estivesse ela-
borando um resumo, um esquema dos conceitos estudados. Além disso, não são
autoexplicativos, ou seja, necessitam ser apresentados ou acompanhados de um
texto explicativo, pois existem diversas maneiras de expor os conceitos nos ma-
pas conceituais. Os mapas conceituais podem ser usados como instrumentos de
ensino e/ou aprendizagem, assim como instrumentos de avaliação e organização
curricular (MOREIRA, 2010). Contudo, em cada uma dessas aplicações, os mapas
conceituais sempre podem ser analisados como instrumentos para a interpretação.
A técnica do mapa conceitual foi criada por Novak e Gowin (1996) como
uma forma de aplicação da teoria de aprendizagem de David Ausubel (2003). São
diagramas indicando relações entre conceitos mais especificamente. Podem ser

98 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


vistos como diagramas hierárquicos que procuram refletir a organização concei-
tual de uma disciplina ou parte dela, ou seja, derivam sua existência da estrutura
conceitual de uma área de conhecimento (PIAGET, 1971).
O autor entende, ainda, que os mapas conceituais podem ser utilizados para
uma aula ou parte dela, para uma unidade de estudo ou para um curso inteiro.
São ferramentas úteis para focalizar a atenção de quem organiza o conteúdo e
também para o planejamento de atividades instrucionais destinadas a promover
a aprendizagem. Os mapas conceituais são representações concisas das estrutu-
ras conceituais que estão sendo ensinadas e procuram facilitar a aprendizagem
significativa. Contudo, contrariamente a textos e outros materiais instrucionais,
os mapas conceituais não dispensam as explicações do professor. Deve ficar claro
que são utilizados como ferramenta da aprendizagem significativa e que interligam
conceitos previamente estudados e há a necessidade de que o professor guie o aluno
por meio do mapa, quando é utilizado como recurso instrucional. Os conceitos e
as linhas que ligam conceitos em um mapa conceitual não terão significado para
os alunos, a menos que sejam explicados pelo professor e os estudantes tenham
alguma familiaridade com a matéria de ensino (PIAGET, 1974).
Para traçar um mapa de conceitos não existem regras fixas; o principal ponto é
que o mapa seja capaz de evidenciar as relações e as hierarquias entre os conceitos.
As relações podem ser de inclusão, de definição, de similaridade, de atributo ou ser
parte de algum conceito. As relações hierárquicas podem ser estabelecidas em termos
de importância, de generalidade, de abrangência, como mostra a próxima figura.
Figura 2: Mapa conceitual

Fonte: Os autores.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 99


A Figura 2 mostra o mapa conceitual estruturado de forma que o conceito se
encontra na posição mais alta e, hierarquicamente, chega-se a mapas conceituais
derivando para ensino e aprendizagem, levando aos tipos de aprendizagem me-
cânica ou significativa, que podem ser utilizados para o ensino e a aprendizagem
do próprio mapa conceitual. No ensino, o uso de mapas conceituais feitos pelo
professor apresenta algumas vantagens e desvantagens. Entre as possíveis vantagens
citadas por Moreira, Bucheweitz (1993) e Piaget (1974), tem-se:
a. enfatizar a estrutura conceitual de uma disciplina e o papel dos sistemas
conceituais em seu desenvolvimento;
b. mostrar que os conceitos de uma certa disciplina diferem quanto ao grau
de inclusividade e generalidade e apresentar esses conceitos em uma ordem
hierárquica de inclusividade que facilite sua aprendizagem e retenção;
c. proporcionar uma visão integrada do assunto e uma espécie de “listagem
conceitual” daquilo que foi abordado nos materiais instrucionais.
Os autores apresentam também as possíveis desvantagens:
a. se o mapa não tem significado para os alunos, eles podem encará-lo como
algo mais a ser memorizado;
b. os mapas podem ser muito complexos ou confusos e dificultar a aprendi-
zagem e retenção, ao invés de facilitá-las;
c. a habilidade dos alunos em construir suas próprias hierarquias conceituais
pode ficar inibida em função de já receberem prontas as estruturas pro-
postas pelo professor.
No cotidiano do professor essas desvantagens podem ser minimizadas por
meio da explicação dos mapas e sua finalidade, utilizando-os quando os estudan-
tes já têm alguma familiaridade com o assunto, como um fechamento (resumo),
reforçando que um mapa conceitual pode ser traçado de várias maneiras, o que
significa que os alunos devem ser estimulados a traçarem seus próprios mapas.
Além disso, o professor também deve elaborar seus próprios mapas conceituais e
utilizá-los como recursos instrucionais, de forma clara e concisa.
Como instrumento avaliativo, os mapas conceituais podem ser utilizados para
criar relações hierárquicas entre conceitos, o que foge ao modelo tradicional de
avaliação essencialmente qualitativa. Os mapas podem, ainda, ser utilizados como
recursos didáticos ou mesmo como um referencial para análise do aproveitamen-
to do aluno. Na avaliação, o mapa conceitual deve ser usado no sentido de obter
informações sobre o tipo de estrutura que o aluno vê para um dado conjunto de

100 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


conceitos e não com o objetivo de testar conhecimento e dar uma nota. Para isso,
pode-se solicitar ao aluno que construa o mapa ou obtê-lo indiretamente, por
meio de suas respostas a testes escritos ou entrevistas orais.
Na avaliação com mapas conceituais, a ideia principal é a de avaliar como o
aluno estrutura, hierarquiza, diferencia, relaciona, discrimina, integra conceitos de
uma determinada unidade de estudo, tópico, disciplina, entre outros. Aquilo que
o aluno já sabe é o fator isolado que mais influencia a aprendizagem significativa,
e os mapas conceituais são uma maneira de exteriorizar isso.

4 Mapas conceituais aplicados em Física Moderna

Ao contrário do aprendizado tradicional, os mapas conceituais destacam os


elementos essenciais à estrutura da disciplina e não o conteúdo como um todo.
Isso nos leva a pensar que professores e alunos devem construir ferramentas ou
estratégias que possam possibilitar a realização de uma aprendizagem significativa,
o que difere de um acúmulo de dados não compreendidos. E, se não houver uma
fundamentação dos conteúdos, dificilmente será oportunizado o desenvolvimento
da capacidade crítica do aluno; ele aprenderá a argumentar se o professor exercitar
uma argumentação cotidiana em sala de aula.
Ausubel (2003) não faz referência a mapas conceituais em sua teoria. Para
ele, a aprendizagem é dita significativa quando uma nova informação adquire
significados para o aprendiz, através de uma espécie de ancoragem em aspectos
relevantes da estrutura cognitiva preexistente no indivíduo. Na aprendizagem
significativa há uma interação entre o novo e o conhecimento já existente, na qual
ambos se modificam e o conhecimento prévio serve de base para novas informa-
ções. Segundo a teoria de Ausubel (2003), alguns aspectos são relevantes para a
aprendizagem, tais como:
a. as entradas para a aprendizagem são importantes;
b. os materiais de aprendizagem são bem organizados;
c. as novas ideias e os conceitos são “potencialmente significativos” para o aluno;
d. os novos conceitos fixam-se nas estruturas cognitivas já existentes do aluno,
o que fará com que os novos conceitos sejam relembrados.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 101


4.1 Aplicação na cadeira de Física Moderna

Uma oportunidade de aplicar a teoria de mapas conceituais ocorreu com os


professores que atuam no ensino da educação básica de escolas estaduais, que
são alunos do mestrado de ensino tecnológico, na cadeira de Física Moderna
e Contemporânea. Depois da explanação do professor, os mestrandos reali-
zaram a confecção dos mapas conceituais. Deve-se dizer que todos os alunos
têm experiência em magistério, e os mapas foram construídos no conteúdo de
relatividade, realizada utilizando o software CmapTools (CMAP TOOLS, 2014),
uma ferramenta gratuita que pode ser facilmente utilizada em sala de aula, a fim
de construir esquemas conceituais. Mostra, graficamente, os conceitos que utiliza
para esse fim, uma lista de recursos e de ligações visuais dos conceitos e também
apresenta uma coleção de exemplos que podem ser usados para orientação.
Figura 3: Mapa Conceitual 1 – Relatividade – Física Modern

Fonte: Mestrado em Ensino Científico e Tecnológico.

Pode-se observar claramente nesse mapa conceitual que o professor definiu


os conceitos da mecânica newtoniana que estão mais claros e concisos e obedece
a uma hierarquia bem organizada. Mas pode-se ver que o conceito de força é uma
derivação da segunda lei, da qual poderia ser derivado o conceito. O conceito de
vetor poderia vir, hierarquicamente, acima da definição de força, porém essa é
apenas uma análise que não define certo ou errado, apenas diz de outra forma que
poderia ser traçado esse mapa sobre mecânica newtoniana. Na outra metade, se
vê a separação e encontra-se a relatividade de Enstein (1979). Nesse mapa não se

102 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


relaciona a relatividade geral com a restrita, o que poderia ser melhor explorado
pelo professor que elaborou o mapa.
Na Figura 4, encontra-se o mapa conceitual feito por outro mestrando do
mesmo nível de conhecimento do anterior. Pode-se ver que ele já faz uma conexão
maior entre a relatividade e a mecânica newtoniana, apresentando um princípio
de equivalência que normalmente é esquecido por vários professores, deixando
que ocorra certo erro conceitual científico, que é a de um universo diferente, em
que as duas teorias não estão conectadas, o que não é verdade pelo princípio da
equivalência. Relaciona dinâmica com a segunda lei, no caso da física newtoniana.
Mas nenhum dos mapas representados nas Figuras 3 e 4 se referem a sistema de
referência, o que é fundamental quando se discute relatividade relacionada com
mecânica newtoniana.
Figura 4: Mapa Conceitual 2 – Relatividade – Física Moderna

Fonte: Mestrado em Ensino Científico e Tecnológico.

Pela Figura 4, pode-se entender a necessidade de um ensino mais conceitual


e, em função disso, deve-se ter uma metodologia de aula mais criativa, com a
participação dos alunos, o que serviria como estímulo para uma participação
mais intensa de um grupo de estudantes. Os mapas conceituais aqui propostos e
exemplificados como recursos instrucionais podem ser usados tanto para análise
e organização do conteúdo, como no ensino e na avaliação da aprendizagem; são
recursos flexíveis, dinâmicos e utilizáveis em qualquer sala de aula. É importante
o contato com os alunos e, com eles, a construção de um aprendizado realmente

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 103


válido e significativo. Nota-se que há falta de conhecimento por parte dos edu-
cadores para aderirem às novas técnicas de ensino-aprendizagem. Apesar dessas
limitações do estudo, acredita-se que ela possa servir como ponto de partida
para o aprofundamento dos estudos que relacionem os mapas conceituais como
aprendizagem significativa no estudo de Física como um todo e não apenas para
Física Moderna.

5 Considerações finais

Neste estudo foram mostrados alguns saberes sobre aprendizagem significativa


e mapas conceituais. Sabe-se que ainda há muito a estudar e propor, testar ainda
mais essa nova maneira de pensar o ensino, mas, mesmo assim, já podemos tecer
algumas conclusões. A utilização de práticas atuais e contextualizadas requer não
apenas o entendimento dos conceitos por parte do professor, mas também se deve
ter como alvo a produção de resultados dinâmicos e transformadores, o que exige,
além de preparo intelectual, grande engajamento do docente. É capaz de repensar
as técnicas e metodologias, que, com o passar do tempo, tornam-se inócuas, em
relação às transformações ocorridas na sociedade.
Também aprendemos que o ensino de Física nas escolas está diretamente liga-
do à própria aprendizagem ou ao desenvolvimento de uma nova etapa cognitiva,
que acarreta sempre uma mudança no indivíduo, seja ela intrínseca ou extrínseca.
Está prevista no sistema educacional brasileiro através da LDBEN e tem conteú-
dos mínimos a serem desenvolvidos nas escolas, os quais visam à aprendizagem.
O que se quer ressaltar é que em muitas escolas (mais diretamente os docentes)
há a restrição a esses conteúdos mínimos e toda física desenvolvida em meados
do século XX fica fora dos currículos escolares, prejudicando a concretização de
diretrizes, como o domínio dos princípios científicos e tecnológicos no ensino
médio. Porém, outro aspecto a ser considerado refere-se a erros de interpretação
da Física Moderna por parte dos educadores, como as mudanças mais drásticas
dos conceitos de espaço e tempo que foram trazidas à luz por Einstein, as quais
requerem uma base conceitual independente das usuais noções newtonianas.
O fator isolado mais importante é, portanto, aproveitar o que o aluno já
sabe, para que haja uma convicção com o novo conceito. Se isso for determinado,
se terá mais eficiência no ensino; assim, torna-se evidente que devem ser feitas

104 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


sondagens de conhecimento em relação aos conteúdos e conceitos. Uma maneira
adequada de ampliar e/ou modificar as estruturas do aluno consiste em provocar
discordâncias ou conflitos cognitivos que representem desequilíbrios a partir dos
quais, mediante atividades, o aluno consiga reequilibrar-se, superando a discor-
dância e reconstruindo o conhecimento. Para finalizar, pode-se dizer que, se a
aprendizagem não for significativa, não se terá um aproveitamento aceitável no
ensino-aprendizagem.

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106 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


6 ARTICULAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO
DISCIPLINAR E A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA
EM CURSOS DE LICENCIATURA DAS
CIÊNCIAS NATURAIS E EXATAS NA UFSM

Taniamara Vizzotto Chaves


Eduardo Adolfo Terrazzan

1 Introdução

Este trabalho relata os principais resultados encontrados a partir de uma


pesquisa de doutorado desenvolvida no âmbito do Curso de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, que foi
motivada por situações vivenciadas pelos pesquisadores dos cursos de formação de
professores de instituições de ensino superior nas quais atuam como formadores.
No âmbito desses cursos, em diferentes momentos os pesquisadores vislum-
braram que os saberes relacionados à área da Formação Pedagógica (FP) e os
saberes relacionados à Área Disciplinar de Referência para a Matéria de Ensino
(ADRME) eram trabalhados de forma desarticulada nos diferentes cursos de li-
cenciatura. Além disso, os saberes relacionados à FP caracterizavam-se por serem
secundarizados em relação aos saberes relacionados à ADRME.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 107


Algumas pesquisas do campo da formação de professores (PEREIRA, 2000;
GATTI, 2009 e 2011; DIAS-DA-SILVA, 2005, entre outros) apontam que, embora
as prescrições relacionadas à formação de professores para atuação na Educação
Básica tenham se modificado, na perspectiva de articulação entre a teoria e a prá-
tica, do aumento da carga horária de disciplinas relacionadas a FP, das práticas
e dos estágios supervisionados, ainda persistem problemas relacionados a esses
aspectos na formação inicial de professores.
Gatti e Nunes (2009) realizaram uma pesquisa na qual procuraram analisar
as disciplinas formadoras nas IES para os cursos presenciais de licenciaturas em
Pedagogia, Língua Portuguesa, Matemática e Ciências Biológicas. As autoras pro-
curaram avaliar a aderência desses cursos de formação inicial de professores aos
pressupostos e às normatizações propostas pelo CNE na última década, a partir
da Lei nº 9.394/1996 (LDB).
O referido estudo considerou o conjunto de disciplinas ofertadas e as suas
ementas, em uma amostra nacional de instituições formadoras de professores,
levando em conta o tipo de instituição, a dependência administrativo-financeira
e a região.
Os resultados dessa pesquisa apontam, entre outras coisas, que quanto à
formação de professores para os anos iniciais da educação básica, realizada pre-
dominantemente nas licenciaturas em Pedagogia, o currículo proposto por esses
cursos tem uma característica fragmentada, apresentando um conjunto disciplinar
bastante disperso. Ainda que a proporção de horas dedicadas às disciplinas refe-
rentes à formação profissional específica (de natureza sociológica, psicológica ou
outros, com associação em alguns casos às práticas educacionais) fica em torno
de 30%, ficando 70% para outro tipo de matérias.
As autoras afirmam que problemas semelhantes são encontrados nas demais
licenciaturas. Especificamente para os cursos de Licenciatura em Letras e em Ciên-
cias Biológicas a maioria da carga horária das disciplinas apresentadas refere-se
a conhecimentos disciplinares da área, e apenas uma pequena parcela é dedicada
a disciplinas relacionadas à formação para a docência, embora o objetivo desses
cursos seja formar professores. Nos cursos de Matemática a relação de proporção
entre conhecimentos disciplinares da área e conhecimentos relacionados à docência
é mais equilibrada.
As autoras ainda colocam que não foi observada uma articulação entre as
disciplinas de formação específica (conteúdos da área disciplinar) e a Formação

108 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Pedagógica (conteúdos para a docência), ficando visível, nas estruturas curriculares,
a permanência, na maioria desses cursos, do modelo “3 + 1”, que, na teoria, vem
sendo tratado como já superado.
Pereira (2000, p. 386) afirma que os principais dilemas presentes nas licen-
ciaturas brasileiras são: a separação entre disciplinas relacionadas à ADRME e
disciplinas relacionadas à Formação Pedagógica; a dicotomia entre bacharelado e
a licenciatura (decorrente da desvalorização do ensino na universidade, inclusive
pelos docentes da área da Educação); e a desarticulação entre a formação acadêmica
de professores e a realidade das escolas.
Assim, mesmo que, conforme Dias-da-Silva (2005), as propostas de altera-
ções estabelecidas pelas diretrizes para a formação de professores decorrentes da
LDBEN/96 visem construir cursos com identidade própria, procurando superar
as clássicas dicotomias – teoria/prática e licenciatura/bacharelado – inspiradas
numa abordagem de competências,

a rigor a maioria das licenciaturas continua a perpetuar o chamado


modelo 3 +1, sendo este único ano destinado aos conteúdos de natureza
pedagógica reduzido ao mínimo estabelecido em lei, portanto restrito,
segundo a autora ao oferecimento de quatro disciplinas, a saber: Estrutura
e Funcionamento do Ensino, Psicologia da Educação, Didática e Prática
de Ensino (DIAS-DA-SILVA, 2005, p. 386).

Desse modo, as discussões relacionadas às disciplinas responsáveis pela for-


mação para a docência em cursos de licenciatura têm sido direcionadas, de acordo
com Dias-da-Silva (2005, p. 388), mais ao “loteamento de horas na grade curricular”
do que propriamente aos saberes necessários à formação para a docência e a im-
portância deles para a formação do professor, trazendo consequências desastrosas
para a construção do conhecimento dos futuros professores.
Enfim, a nosso ver, a dicotomia entre a Formação Pedagógica e a Formação
para a ADRME, a secundarização da Formação Pedagógica em relação à Formação
para a ADRME não foi superada com a instituição de novas Diretrizes Curriculares
para os Cursos de Licenciatura e com a reestruturação dos seus currículos. Essa
constatação abre precedentes para que sejam repensados os currículos sobre a
formação de professores e novas reflexões e estratégias sejam realizadas na pers-
pectiva de superação dessa situação.
Considerando esse contexto, desenvolvemos esta pesquisa que teve como
objeto de estudo a Formação Pedagógica em Cursos de Licenciatura. O objetivo
EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 109
foi compreender as formas de organização da Formação Pedagógica em Cursos
de Licenciatura localizados no Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE) da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), situada na cidade de Santa Maria
(SM), no estado do Rio Grande do Sul (RS).
O objetivo proposto foi materializado através do seguinte problema de pesquisa:
“Que possibilidades se apresentam para uma Formação Pedagógica aos futuros
professores nas atuais estruturações curriculares de Cursos de Licenciatura da
Universidade investigada?”

2 Referencial teórico

Autores como Shulman (1986, 1987), Garcia (1995), Saviani (1996), Gauthier
(1998), Tardif (1991, 2002), Pimenta (1998, 2002, 2005), entre outros, constituem
teorias ou tipologias relacionadas aos saberes docentes necessários para a formação
de professores. Com base nessas teorias e tipologias procuramos estabelecer uma
compreensão acerca do conceito de Formação Pedagógica.
Dessa forma, entendemos que a Formação Pedagógica é composta, de maneira
geral, por saberes docentes relacionados às Ciências da Educação e, de maneira
mais específica, por saberes docentes relacionados ao Ensino da Matéria.
Essas duas categorias de saberes docentes são tomadas como base para a
Formação Pedagógica justamente pelo caráter que possuem, ou seja, por estarem
diretamente relacionadas ao processo de ensino, sendo formadas, portanto, por
conteúdos que informam, perpassam ou permeiam a docência, como no caso dos
saberes relacionados às disciplinas das Ciências da Educação, ou por saberes que
dizem respeito diretamente à docência, no momento da transposição didática (CHE-
VALLARD, 1991), como no caso dos saberes relacionados ao Ensino da Matéria.
Conforme Santos (2011, p. 105), existem três instâncias que definem a atua-
ção da docência na educação formal, a saber: a sala de aula, para a qual todos os
professores têm uma formação básica, pautada no trabalho didático; a escola e a
rede de ensino.
Com base nisso, a autora assume que o docente é (ou deveria ser) um pro-
fissional formado para atuar em todas as instâncias do sistema de ensino e para
participar ativamente da construção de propostas educacionais maiores e, por-
tanto, a sua formação deve garantir saberes e conhecimentos que lhe permitam

110 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


atuar em sala de aula, da mesma forma que na gestão escolar e na administração
da rede de ensino.
Assim, ainda para Santos (2011, p. 106), a docência, no âmbito da educação
formal, é uma profissão que permite a atuação em diferentes funções.
Além da gestão da sala de aula, que se configura como um trabalho didático,
existem, na escola, outras funções que devem ser assumidas pelos docentes. Entre
elas, estão a gestão da escola, que se configura como função técnico-administrativa,
a orientação educacional e a coordenação pedagógica, funções pedagógicas de apoio
ao trabalho didático, que têm em sua essência o trabalho pedagógico, contudo seu
objeto de trabalho não é a preparação e a realização do trabalho de sala de aula.
Nas Secretarias ou Coordenadorias de Educação, a maioria dos cargos e fun-
ções existentes são (ou deveriam ser) ocupados por docentes, pois dependem de
conhecimentos profissionais próprios dessa profissão.
Mediante o contexto de atuação do docente, entendemos que a Formação
Pedagógica necessária à docência pode ser, então, caracterizada e constituída com
base nos saberes docentes. Entendemos que os saberes docentes relacionados às
Ciências da Educação e os saberes docentes relacionados ao Ensino da Matéria
permitem uma preparação mais adequada para a atuação na docência.
De maneira geral, os saberes docentes relacionados às Ciências da Educação
são responsáveis pela identidade profissional do professor e, portanto, permeiam
a prática do professor em qualquer área disciplinar, ajudando-o a pensar o ensino
da matéria, as estratégias de ensino, as técnicas, a gestão da classe e das instituições
de ensino, entre outros aspectos. Dessa forma entendemos que esta componente
da Formação Pedagógica deve ser permeada por um conjunto de saberes oriundos
das ciências aplicadas à Educação, ou seja, à Psicologia da Educação, à Filosofia da
Educação, à História da Educação, à Sociologia da Educação, à Antropologia da
Educação, à Didática Geral, assim como os conhecimentos oriundos das Políticas
Educacionais de organização e de gestão da escola.
De maneira mais específica, os saberes docentes relacionados ao Ensino da
Matéria são responsáveis pela combinação entre o conhecimento do conteúdo da
matéria de ensino e o conhecimento pedagógico e didático de como a ensinar. Assim,
entendemos que essa componente da Formação Pedagógica deve ser permeada
por um conjunto de saberes oriundos das Didáticas e Metodologias Específicas,
pois se constituem como teoria da instrução e do ensino, levando em considera-

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 111


ção as particularidades de cada matéria de modo a possibilitar a generalização de
princípios e de diretrizes para qualquer uma delas.
Conforme mencionado, a estruturação das componentes ou categorias que
constituem a Formação Pedagógica encaminha para que pensemos a constituição
das configurações curriculares dos Cursos de Licenciatura e, a partir disso, a insti-
tuição e a implementação de conteúdos curriculares que compõem as disciplinas
que configuram o currículo da formação inicial de professores.
Para Libâneo (1994), os conteúdos curriculares que constituem o plano ou o
programa de ensino de uma disciplina devem constituir-se não apenas de conheci-
mentos, mas também de habilidades, capacidades, atitudes e convicções. Segundo
o autor, devem estar organizados de modo a formar uma homogeneidade em torno
de uma ideia central, apresentar uma relação significativa entre os tópicos a fim
de facilitar o estudo dos alunos e um caráter de relevância social, no sentido de se
tornarem vivos na experiência social e concreta dos alunos.
Mediante essa perspectiva, entendemos que as disciplinas relacionadas à For-
mação Inicial de Professores, inclusive aquelas relacionadas à Formação Pedagógica,
devem contemplar conteúdos curriculares que tenham esse caráter.

3 Procedimentos Metodológicos

Este estudo se caracteriza como uma pesquisa de caráter documental, de


cunho qualitativo, através do qual foram analisados sete cursos de Licenciatura
pertencentes à área das Ciências da Natureza e Matemática da UFSM. Os Cursos
analisados foram os seguintes: Licenciatura em Ciências Biológicas; Licenciatura
em Física – Diurno; Licenciatura em Física – Noturno; Licenciatura em Geografia;
Licenciatura em Matemática – Diurno; Licenciatura em Matemática – Noturno e
Licenciatura em Química.
As fontes da pesquisa foram os projetos pedagógicos de cursos (PPCs); as
estruturas curriculares e as ementas das disciplinas relacionadas à Formação Pe-
dagógica dos sete cursos de Licenciatura analisados.
Para coletar as informações nos documentos selecionados para esta pesqui-
sa foram utilizados como instrumentos de coleta Roteiros para Análise Textual,
considerando que objetivamos analisar e identificar as prescrições contidas nos
diferentes documentos tomados como fontes de pesquisa neste trabalho.

112 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


As informações coletadas foram tratadas e analisadas na perspectiva de res-
ponder ao problema inicial de pesquisa.
Os objetivos específicos propostos na perspectiva de responder ao problema
de pesquisa foram os seguintes:
1. Identificar de que maneiras os PPCs dos cursos de Licenciatura analisados
se referem à preparação de seus alunos em termos de Formação Pedagógica
necessária à docência.
2. Identificar de que formas as estruturas curriculares dos cursos de Licen-
ciatura analisados contemplam os saberes docentes necessários à docência
na Educação Básica.
3. Analisar os elementos objetivo, programa e bibliografia básica das ementas
das disciplinas relacionadas à Formação Pedagógica e verificar se e como
eles estão articulados entre si.

4 Análise e Discussão dos Resultados

Para responder ao problema de pesquisa estruturado, ao analisar os PPCs dos


cursos de Licenciatura, buscamos elementos junto ao perfil dos formandos dos
cursos analisados, nos objetivos dos cursos, nas possíveis áreas de atuação dos
egressos e nas competências a serem desenvolvidas durante a formação.
A análise do perfil dos formandos permitiu evidenciar “a pesquisa e a organi-
zação do planejamento didático” como elementos essenciais para a formação dos
profissionais egressos dos cursos analisados. Já no que se refere às competências a
serem formadas, verificamos que as mais mencionadas são a produção de material
didático, a capacitação docente, a resolução de problemas e o trabalho desenvolvido
de forma coletiva e interdisciplinar na escola.
Por outro lado, os objetivos dos cursos e a área de atuação permitiram identificar
que a preparação e o exercício da docência não se constituem como o principal ou
único enfoque para a maioria dos cursos de Licenciatura analisados, pois outras
áreas de atuação também são mencionadas.
Com base nesses resultados pontuados, entendemos que a elaboração do
planejamento didático pode ser entendida como uma das maneiras pelas quais os
PPCs se referem à preparação necessária à docência. Entretanto, ao mesmo tempo
em que apresentam a preocupação com a preparação para o exercício da docência,

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 113


seja através da organização do planejamento ou da produção de materiais didáti-
cos, a maioria dos cursos analisados não demonstra preocupação com o exercício
da docência, mencionada apenas como área de atuação, mas não enquanto perfil,
objetivos ou como competências a serem formadas.
Afirmamos isso, pois não identificamos referências aos espaços e às instâncias
de ensino onde o professor possa atuar, como a sala de aula, a gestão da escola, a
administração das redes de ensino, assim como não identificamos referências à
participação na construção de propostas e de programas educacionais, entre outras
atribuições que possam ser relacionadas ao exercício da docência na Educação
Básica.
A pesquisa pode ser considerada como outra maneira pela qual os PPCs de
alguns cursos se referem à formação necessária à docência. Ela foi mencionada no
perfil dos formandos, nos objetivos formativos e na área de atuação dos egressos
dos cursos, seja como ferramenta metodológica a ser utilizada na sala de aula
durante a transposição didática dos conteúdos, ou em nível mais amplo e geral,
quando do desenvolvimento de outros projetos no contexto escolar.
Por fim, as referências à preparação dos alunos em termos de Formação Pe-
dagógica necessária à docência são quase que inexistentes nos PPCs dos cursos
analisados e, apesar de mencionarem a docência como objetivo formativo, tam-
bém explicitam outras áreas de formação, destacando também competências não
relacionadas à docência.
Quanto às estruturas curriculares dos cursos de Licenciatura analisados e
às formas como os saberes docentes necessários à docência na Educação Básica
estão contemplados, evidenciamos que as disciplinas relacionadas à ADRME são
preponderantes em relação àquelas relacionadas com a Formação Pedagógica.
Identificar essa preponderância em termos de dois aspectos:
1. Cargas horárias das disciplinas relacionadas à ADRME e à Formação
Pedagógica
As disciplinas relacionadas à ADRME sempre possuem carga horária
superior em relação às disciplinas da Formação Pedagógica necessária à
docência; portanto, não há uma distribuição equitativa entre as disciplinas
relacionadas a esses campos teórico-conceituais.
Geralmente a carga horária relacionada à ADRME é maior na primeira me-
tade dos cursos, diminuindo na segunda metade para dar lugar aos estágios
supervisionados. De maneira geral, a diferença de cargas horárias entre as

114 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


disciplinas relacionadas à ADRME e as disciplinas relacionadas à Formação
Pedagógica somente diminui se considerarmos que o estágio curricular
supervisionado que contempla pelo menos 400 horas está diretamente
relacionado com a formação profissional, ou seja, é também considerado
como elemento necessário e preponderante na formação para a docência.

2. Sequência aconselhada e distribuição na matriz curricular das disciplinas


relacionadas à ADRME e à Formação Pedagógica
Em termos de sequência aconselhada e distribuição na matriz curricular,
as disciplinas relacionadas à ADRME perpassam toda a matriz curricular
e, à exceção de um curso, acontecem desde o início até o final do curso.
As disciplinas relacionadas à Formação Pedagógica geralmente estão con-
centradas ao final da primeira metade ou no início da segunda metade dos
cursos. Em alguns casos, essas disciplinas estão previstas para acontecer
no início do curso, mas não há uma distribuição regular ou uniforme na
matriz curricular.
As disciplinas de Fundamentos da Educação e de Psicologia da Educação
são geralmente as primeiras relacionadas às Ciências da Educação que
acontecem nos cursos de Licenciatura analisados; entretanto, em alguns
casos (três cursos), são as disciplinas relacionadas ao Ensino da Matéria
que acontecem primeiro e em concomitância com as disciplinas relacio-
nadas à ADRME.

Embora a partir da promulgação da LDB 9.394/96 a lógica estrutural sub-


jacente aos cursos de Licenciatura tenha se modificado, saído do 3+1 (três anos
de formação relacionada à área disciplinar mais um ano de formação didática)
seja pela inclusão de novas disciplinas relacionadas às Ciências da Educação ou
relacionadas ao Ensino da Matéria nas Matrizes Curriculares, seja pela inserção
de mais horas para o desenvolvimento de estágios curriculares supervisionados ou
pela inserção da prática como componente curricular trabalhada na perspectiva
de articulação entre as componentes curriculares relacionadas à ADRME e as
componentes relacionadas à Formação Pedagógica. Considerando as formas de
organização dos cursos analisados, tendo como base os aspectos mencionados (as
cargas horárias dedicadas às disciplinas e aos conteúdos de diferentes naturezas,
a distribuição das disciplinas e dos conteúdos na matriz curricular e a sequência

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 115


curricular aconselhada), percebe-se que o modelo 3+1 ainda persiste na forma de
organização dos cursos de Licenciatura analisados.
Ou seja, em todos os cursos de Licenciatura analisados ainda persiste uma
distribuição desproporcional, seja em termos de horas, seja em termos de disci-
plinas e conteúdos presentes na matriz curricular. Dessa forma, disciplinas que,
em nosso entendimento, são indispensáveis para a formação pedagógica, como
História da Educação, Filosofia da Educação, Sociologia da Educação, Antropologia
da Educação, entre outras, não estão presentes nas matrizes curriculares de forma
efetiva. O que vemos é uma disciplina denominada Fundamentos da Educação, que
sintetiza conhecimentos relacionados às áreas de História, Filosofia e Sociologia
da Educação em uma única disciplina.
Além disso, as disciplinas relacionadas às Ciências da Educação e às Didáti-
cas Específicas foram tomadas em alguns cursos analisados como disciplinas de
Práticas de Ensino ou como Práticas Educativas. Considerando que as disciplinas
de práticas podem ser consideradas articuladoras entre as disciplinas e os conheci-
mentos relacionados à ADRME e as disciplinas e os conhecimentos relacionados
à Formação Pedagógica, entendemos que não há possibilidade de articulação por
meio da prática nesses casos.
As disciplinas que podem caracterizar-se como articuladoras da prática são
aquelas relacionadas ao Ensino da Matéria, pelas características que possuem.
Entretanto, apenas quatro dos sete cursos analisados preveem disciplinas desse
tipo; nos demais existem apenas as Didáticas Específicas. E, nos cursos em que as
disciplinas relacionadas ao Ensino da Matéria são as disciplinas de prática, elas não
perpassam ou atravessam a matriz curricular desde o início até o final do curso.
Portanto, podem não cumprir a sua função de articuladoras entre as disciplinas
de diferentes naturezas teórico-conceituais.
Todas essas afirmações permitem concluir que a estrutura organizacional das
matrizes dos cursos analisados ainda sofre a interferência do modelo 3+1 e, nesse
contexto, prevalece a preponderância das disciplinas relacionadas à ADRME so-
bre aquelas da Formação Pedagógica, a secundarização da Formação Pedagógica
em relação à Formação da ADRME e a desarticulação entre os conhecimentos
relacionados a essas duas áreas.
Por fim, quanto à qualidade de articulação entre objetivo, programa e biblio-
grafia para as ementas das disciplinas de Formação Pedagógica, com base nos

116 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


procedimentos de análise utilizados, pontuamos alguns aspectos, que apresentamos
na sequência.
Quanto aos objetivos das ementas de conteúdos, verifica-se que a maioria dos
objetivos elencados nas disciplinas descreve em primeiro lugar o desenvolvimento
de conhecimentos específicos relacionados às disciplinas e, em segundo lugar,
descrevem as habilidades a serem formadas nessas disciplinas a partir dos conteú-
dos programáticos a serem desenvolvidos. Poucos objetivos refletem a estrutura
do conteúdo da matéria a ser trabalhada na disciplina e, raramente, os objetivos
identificados direcionam quanto ao trabalho docente a ser desenvolvido, tendo
em vista a promoção da aprendizagem dos alunos.
Em relação aos conteúdos programáticos a serem trabalhados nas ementas,
eles estão sempre organizados em unidades didáticas subdivididas em tópicos (cada
unidade didática contém um tema central do programa, detalhado em tópicos).
Geralmente são expressos através de um todo homogêneo de conteúdos em torno
de uma ideia central.
Ainda, de maneira geral, os conteúdos programáticos das disciplinas referentes
à Formação Pedagógica são apresentados geralmente sob forma de conhecimentos
relacionados à matéria a ser ensinada. Em alguns casos, os conteúdos programáticos
são apresentados em termos de habilidades a serem desenvolvidas.
Quanto às bibliografias básicas sugeridas para serem trabalhadas nas disci-
plinas, observamos os seguintes aspectos:
a. Estão mais centradas nos conteúdos a serem trabalhados e menos na organi-
zação das ações docentes e discentes no processo de ensino e aprendizagem.
b. Geralmente não contemplam o todo de conteúdos a serem trabalhados
nas disciplinas, ou seja, muitos conteúdos ou tópicos mencionados não
apresentam uma bibliografia específica correspondente.
c. Não existe um padrão para a quantidade de títulos ou bibliografias men-
cionadas, variando desde 01 a 44 títulos.
d. Praticamente inexistem títulos ou bibliografias sugeridas que mencionam
os saberes docentes como temática de estudo.
Enfim, de maneira geral, as ementas das disciplinas relacionadas à Formação
Pedagógica dos cursos de Licenciatura analisados apresentam coerência entre ob-
jetivos, conteúdos programáticos e bibliografias citadas, sendo que esses elementos
estão centralizados na descrição de conhecimentos que dizem respeito aos objetos

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 117


de estudo das disciplinas, o que demonstra ser uma forma de organização comum
aos cursos de Licenciatura analisados.
As disciplinas relacionadas às Ciências da Educação encontradas nos currículos
dos cursos analisados foram: Psicologia da Educação; Fundamentos Históricos,
Sociológicos e Filosóficos da Educação; Políticas Públicas e Gestão na Educação
Básica; e Metodologia da Pesquisa em Educação.
Com relação a essas disciplinas, à exceção de Metodologia da Pesquisa em
Educação, para as demais verificamos uma variabilidade entre os elementos que
compõem as ementas (objetivos, conteúdos programáticos e bibliografia básica),
ou seja, embora as disciplinas sejam as mesmas, possuam, em alguns casos, os
mesmos códigos e sejam oriundas dos mesmos departamentos didáticos, eviden-
ciamos que não apresentam necessariamente os mesmos objetivos, os mesmos
conteúdos programáticos e a mesma bibliografia básica. Diante dessas evidências,
concluímos que as disciplinas, apesar de codificadas no mesmo departamento, são
adaptadas às especificidades dos cursos em que são ministradas.
A perspectiva de adequação das ementas parece conveniente sob o ponto de
vista de que são respeitadas as especificidades dos diferentes cursos. Entretanto,
em termos de formação necessária à docência, entendemos que as disciplinas
relacionadas às Ciências da Educação deveriam ou poderiam ser padronizadas,
sobretudo em termos de objetivos e conteúdos programáticos, da mesma forma
que a disciplina de Metodologia da Pesquisa, que apresenta os mesmos objetivos,
os mesmos conteúdos programáticos e a mesma bibliografia básica em todos os
cursos em que foi mencionada.

5 Considerações finais

A pesquisa realizada nas fontes de informação utilizadas sinalizou para os


seguintes aspectos relacionados aos cursos de Licenciatura analisados:
1. A preparação e o exercício da docência não se constituem como o principal
ou único enfoque para a maioria dos cursos de Licenciatura analisados.
2. As disciplinas relacionadas à ADRME possuem carga horária superior
em relação às disciplinas relacionadas à Formação Pedagógica, resultan-
do numa distribuição desequilibrada entre as disciplinas desses campos
teórico-conceituais.

118 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


3. Geralmente a carga horária relacionada à ADRME é maior na primeira
metade dos cursos, diminuindo na segunda metade do curso para dar
lugar aos Estágios Supervisionados.
4. As disciplinas relacionadas à ADRME perpassam toda a matriz curricular,
acontecendo desde o início até o final do curso, enquanto que as discipli-
nas relacionadas à Formação Pedagógica geralmente estão concentradas
ao final da primeira metade ou no início da segunda metade dos cursos.
5. Conhecimentos provenientes da História da Educação, da Filosofia da
Educação, da Sociologia da Educação, da Antropologia da Educação, en-
tre outras, não estão presentes nas matrizes curriculares de forma efetiva
e estão agregados em uma única disciplina denominada Fundamentos
Históricos, Filosóficos e Sociológicos da Educação.
6. Poucas disciplinas relacionadas às Ciências da Educação são mencionadas
nas matrizes curriculares. Das disciplinas mencionadas, apenas a Meto-
dologia da Pesquisa em Educação não apresenta variações nos elementos
objetivos, conteúdos programáticos e bibliografias; as demais (três disci-
plinas) possuem alguma variação em pelo menos um desses elementos.
7. As disciplinas de Formação Pedagógica praticamente não preveem a dis-
cussão da temática saberes docentes em suas ementas de conteúdos.
8. A disciplina de Didática Específica é a única relacionada ao Ensino da Ma-
téria presente em todos os cursos analisados, o que pode ser considerado
como insuficiente para dar conta da articulação entre os conhecimentos
relacionados à ADRME e os conhecimentos relacionados à Formação Pe-
dagógica. Faltam mais disciplinas com esse caráter nos cursos analisados.

Assim, apesar de contemplarem em suas estruturas curriculares as prescrições


relacionadas à formação de professores no Brasil (que mencionam aspectos como
a articulação teoria/prática e FP/ADRME, a obrigatoriedade de um quinto de
disciplinas pedagógicas nas matrizes curriculares, a obrigatoriedade de 400 horas
de práticas distribuídas ao longo dos cursos e de 400 horas de estágio curricular
supervisionado vivenciado a partir da metade dos cursos), nos casos analisados
ainda não é possível articular as disciplinas de diferentes campos conceituais.
Isso porque é muito evidente a dicotomização/separação entre as disciplinas
dos diferentes campos conceituais, assim como a secundarização das disciplinas
relacionadas à Formação Pedagógica em relação àquelas relacionadas à ADRME.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 119


Ademais nota-se que um dos problemas mais evidentes é, sem dúvida, a falta
de identidade com a docência, ou seja, os cursos não estão organizados com o ob-
jetivo de formar professores com foco de atuação na Educação Básica, e sim para
atuação em outras áreas distintas. Dessa forma, resulta uma organização curricular
amarrada às necessidades de atuação nessas outras áreas e, portanto, não é possível
promover arranjos significativos que proporcionem mudanças efetivas na formação
docente. A formação para a docência, por vezes, ainda pode ser entendida como
um apêndice na formação mais ampla desses profissionais.
Assim, uma mudança de concepções e de objetivos, tomando como ponto
de partida a busca pela identidade docente, pode ser um caminho para repensar
as formas de organização das estruturas curriculares, de modo a incluir novos
conhecimentos e disciplinas que, organizadas, de forma articulada, permitam
mudanças mais significativas.
Entendemos que a estrutura organizacional das universidades em departamen-
tos e dos cursos em disciplinas é e continuará sendo um entrave na perspectiva de
superar os atuais problemas mencionados para a formação de professores. Entre-
tanto, a possibilidade de assumir a identidade docente como objetivo dos cursos
de Licenciatura pode ser um dos caminhos possíveis para mudanças nesse sentido.
Outra possibilidade de mudança pode ser vislumbrada se, de fato, as disciplinas
relacionadas às Ciências da Educação estiverem presentes desde o início até, pelo
menos, o final da primeira metade dos cursos de Licenciatura, desenvolvidas em
concomitância com as disciplinas relacionadas à ADRME. Essa forma de organização
proporcionaria uma distribuição mais equitativa, seja em termos da quantidade
de horas dedicadas aos conhecimentos avindos das Ciências da Educação, ou seja,
pela distribuição mais proporcional ou igualitária para as diferentes disciplinas
na matriz curricular.
Mediante essa forma de organização, as disciplinas relacionadas ao Ensino da
Matéria poderiam ou deveriam assumir o caráter de articuladoras entre as disci-
plinas relacionadas à Área Disciplinar e as disciplinas relacionadas às Ciências da
Educação, estando presentes também desde o início do curso, em concomitância
com as demais.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica, com base na LDB/96 e demais documentos foram, portanto, o
ponto de partida para mudanças que começaram a acontecer com a reestruturação
dos currículos dos Cursos de Formação de Professores. Entretanto, após mais de

120 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


uma década de promulgação dessa Lei, entendemos que é necessário repensar
as práticas desenvolvidas, pois conforme vimos por meio desta pesquisa, ainda
existem questões incompreendidas e aspectos a serem melhorados, de modo a
possibilitarmos uma formação de professores mais coerente com as necessidades
vivenciadas na Educação Básica atualmente.

REFERÊNCIAS

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EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 121


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122 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS
7 CONCEPÇÕES DE PROFESSOR DE
FORMADORES EM AÇÕES DE FORMAÇÃO
CONTINUADA1

Lenice Heloísa de Arruda Silva


Fernando Cesar Ferreira

1 Introdução

Este trabalho2 aborda a parceria entre professores e formadores de professores


de Ciências em ações de formação continuada, destacando, inicialmente, algumas
razões que têm justificado essas ações. Uma dessas razões está na criação de um
espaço na profissão na qual os professores têm a oportunidade de refletir critica-
mente sobre as suas práticas pedagógicas, considerando que a melhoria efetiva do
processo ensino-aprendizagem só acontece através da ação do professor.
Outra razão está em superar a distância entre contribuições de investigações
educacionais e sua adoção para a melhoria da sala de aula, implicando que o pro-
fessor seja, também, pesquisador da sua própria ação pedagógica. No caso dessa
segunda razão, a literatura tem apontado que, geralmente, os professores têm
uma visão simplista da atividade docente, pois concebem que para ensinar basta

1  Esta é uma versão ampliada do texto original apresentado no IX Encontro Nacional de Pesquisa em Educação
em Ciências – IX ENPEC (2013).
2  Resultado de pesquisa financiada pelo CNPq.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 125


conhecer o conteúdo, associando a ele algumas técnicas pedagógicas. Tal visão é,
ainda, reforçada pelo usual modelo de formação docente, pautado na racionalidade
técnica, que concebe e constrói o professor como técnico. Schön (1983, 1992), um
estudioso dessa questão, critica esse modelo de formação e socialização profissional,
pois, nele, os currículos formativos tendem a separar o mundo acadêmico do mundo
da prática e, assim, manter o monopólio da pesquisa. Tais currículos, normativos
e segmentados, estabelecem como regra proporcionar aos estudantes, primeiro,
sólidos conhecimentos dos princípios científicos relevantes, isto é, conhecimentos
relativos às ciências básicas pertinentes à sua área de especialização. Em seguida,
trabalham conhecimentos referentes às ciências aplicadas ou às técnicas para, ao
final, empregarem tais conhecimentos na prática profissional.
Desse modo, no caso da formação docente, há uma compreensão de que co-
nhecendo a teoria, os professores podem aprender as técnicas pedagógicas, isto é,
as estratégias/procedimentos de ensino e aprendizagem, para utilizá-las tanto no
desenvolvimento de suas atividades pedagógicas, quanto na solução de problemas
que possam emergir no cotidiano da sala de aula, pois estariam “instrumentaliza-
dos” para resolvê-los (GONÇALVES; GONÇALVES, 1998).
Para Schön (1983), essa perspectiva não é nada mais do que uma autenticação
da divisão do trabalho em que o pessoal e o institucional distinguem a investiga-
ção da prática. Em relação aos cursos de formação docente em Ciências e outras
áreas, essa distinção se concretiza na dicotomia teoria-prática e se manifesta na
separação entre conhecimentos científicos e conhecimentos profissionais docentes
e entre conhecimento acadêmico e realidade escolar.
Tal problemática gera dificuldades para os profissionais docentes saberem
elaborar os conhecimentos adquiridos nos cursos, para o ensino nas escolas,
pois na concepção epistemológica da racionalidade técnica não se considera a
complexidade da prática pedagógica, bem como o processo de elaboração de co-
nhecimentos no âmbito escolar. Isso coloca aqueles profissionais diante do dilema
de abandonar os conhecimentos universitários ou de tentar aplicá-los sem ter o
domínio sobre eles. Nesse dilema existe, por um lado, a sensação de não terem
saberes suficientes para resolverem os problemas concretos da prática, o que pro-
picia uma perda de confiança nesses conhecimentos, abandonando-os. Por outro
lado, ao tentarem usar tais conhecimentos eles parecem desconexos, criando uma
sensação de incompetência e de incapacidade para resolver as situações práticas
do ensino (GÓMEZ, 1992; MALDANER, 2000; SCHÖN, 1983).

126 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Nesse contexto, além de gerar um comportamento irrefletido, a formação
docente pautada na racionalidade técnica também impõe uma subordinação dos
docentes à intervenção de agentes externos ao contexto de sua área de atuação. Esta
subordinação está atrelada à tendência de separar a concepção da execução que,
no caso da atividade pedagógica, “trata-se de um fenômeno social que legitima
a intervenção de especialistas científicos e sublinha as características técnicas do
trabalho dos professores, provocando uma degradação de seu estatuto e retirando-
-lhes margens importantes de autonomia profissional” (NÓVOA, 1992, p. 24).
Assim, o professor passa a ser um técnico e reprodutor de currículos, programas e
ações pedagógicas concebidos e elaborados por especialistas externos ao contexto
escolar. Nesse aspecto, também está incluída a questão do livro didático, que terá
o “poder” de comandar o processo pedagógico do professor, que outorgará a esse
material didático a função de selecionar os conhecimentos considerados válidos,
os processos de construção social, a manipulação das informações, a forma de
trabalhá-las etc. (GERALDI, 1995, p. 8).
Além de tais condicionantes se configurarem como problemáticas a serem
superadas na formação inicial, comprometem também a eficiência de ações de
formação continuada. Isso porque, apesar do propósito de muitos programas
formativos ser o de contribuir para a prática docente nas escolas, muitos deles
não surtem efeitos na melhoria do ensino de ciências. A razão disso se prende
ao fato de que muitos desses programas, geralmente, estão pautados em uma
concepção epistemológica da racionalidade técnica. Tal fato tem justificado a pro-
posição de ações de formação continuada que se voltam para o desenvolvimento
de uma cultura profissional, na qual os professores são concebidos como agentes
potenciais de mudanças individuais e coletivas e saibam o que fazer, como fazer
e por que têm que fazê-lo de modo distinto, além de terem consciência de que as
situações de ensino não são generalizáveis e que a função docente não enfrenta
meros problemas instrumentais, mas sim situações problemáticas contextualizadas
(IMBERNÓN, 1994).
No entanto, se nas últimas décadas inúmeras pesquisas destacam a necessida-
de de formação inicial e continuada de professores que contemplem os múltiplos
aspectos e a complexidade da sociedade contemporânea, ainda é forte o movimen-
to de propor e analisar ações de formação a partir da perspectiva unidirecional
professor-aluno e pesquisador-professor. Torna-se necessário, a partir do exposto
anteriormente e dentro de uma nova epistemologia da formação docente (CHA-

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 127


VES, 2000), considerar aspectos idiossincráticos dos formadores e/ou grupos de
formadores:

[...] apesar de algumas pesquisas terem como foco práticas colaborativas


para a formação docente, envolvendo pesquisadores, professores uni-
versitários e do ensino fundamental e médio, a descrição dessas práticas
revela ações colaborativas de mão única, nas quais a ênfase analítica
situa-se nos movimentos de reflexão sobre a prática dos últimos, que
aparecem frequentemente com centro do processo. Isso pode ser per-
cebido até mesmo nos objetivos formulados para as pesquisas que, no
geral, consistem em promover, estimular, colaborar com a transformação
prática daqueles professores, omitindo-se em relação às transformações
que a pesquisa-ação colaborativa desencadeia nas práticas dos demais
participantes (CHAVES, 2000, p. 51).

Trata-se, portanto, de discutir a formação dos formadores não apenas no aspecto


do que eles se dispõem e/ou propõem a debater com os professores nas escolas,
mas, também, do que é possível ser feito com e por si em um processo coletivo
de conscientização do seu papel de pesquisador e de agente de transformação.
Em face disso, este trabalho teve como objetivo investigar qual a concepção
de professor e da atividade docente os formadores têm em mente, considerando
que esta concepção orienta suas ações e isso se faz presente quando se propõem
ações de formação continuada de professores de ciências que reúnem formadores
de diversas áreas.

2 Contexto e metodologia

A investigação em foco abordou um aspecto particular – a formação dos forma-


dores – dentro de uma ação de extensão, na forma de uma formação continuada de
professores, que trata da reconceptualização do fazer docente em Ciências e Mate-
mática em um processo de reflexão coletiva sobre teorias e processos educacionais.
Envolveu a participação de professores de Ciências e Matemática de uma escola da
rede municipal de ensino de Dourados-MS, além de formadores (pesquisadores/
professores) e acadêmicos das licenciaturas em Ciências Biológicas e Matemática
da UFGD. A equipe de formadores era multidisciplinar e envolveu especialistas
em Física, Química, Biologia e Matemática, tanto de áreas especificas quanto de
educação. A participação nos encontros de formação foi totalmente voluntária.

128 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Os encontros, mensais, entre os participantes, ocorreram em uma escola
municipal e foram gravados em vídeos e transcritos para posterior análise. Eles
ocorreram durante todo o ano de 2012 e início de 2013, constituindo-se de:
a. Abordagem de algumas das principais teorias de aprendizagem, no contexto
do ensino de Ciências e Matemática;
b. Abordagem de como diferentes teorias de aprendizagem explicam os
processos de aprendizagem;
c. Reflexões acerca das contribuições e limitações de algumas das principais
teorias de aprendizagem no ensino de Ciências e Matemática.
A opção metodológica para o desenvolvimento deste trabalho pautou-se no
pensamento de Vygotsky (2000), que, considerando a crença no papel fundante
da dinâmica interativa das relações sociais para o desenvolvimento do indivíduo
humano, concebe o estudo do homem como um ser que se constitui, se apropria e
elabora conhecimentos em processos sempre mediados pelo outro, pelas práticas
sociais e pela/na linguagem, nas condições sociais reais de produção das intera-
ções. Como a característica desses processos é a transformação, Vygotsky (2000)
apresenta alguns princípios metodológicos para sua análise, sugerindo o estudo
da história de sua constituição. Segundo ele, “numa pesquisa, abranger o processo
de desenvolvimento de uma determina coisa [...] significa, fundamentalmente,
descobrir sua natureza, sua essência”. Nesse aspecto, ele defende um estudo de
processos e não de produtos ou objetos, “uma vez que é somente em movimento
que um corpo mostra o que é”. Defende, também, que numa análise objetiva dos
fenômenos, mais do que a enumeração de características externas de um processo,
deve-se procurar revelar as relações dinâmico-causais reais. Ou seja, no estudo de
um processo, privilegiar uma análise explicativa e não descritiva (VYGOTSKY,
2000, p. 86).
De acordo com Fontana (1996), ao sugerir esses princípios, Vygotsky (2000)
explicita os limites da observação na apreensão da dinâmica dos processos e alerta
que para apreender o movimento é necessário não só pesquisar dentro dele como
também interferir nele. Nesse sentido, considera a intervenção experimental um
caminho para tal. Essa intervenção

[...] entendida como uma atuação sobre as relações em curso no contexto


em estudo, jogando com as condições sociais de produção, pode provo-
car, criar artificialmente um processo de desenvolvimento psicológico,
fornecendo-nos indicadores da emergência e da apropriação de modos

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 129


de ação e de elaboração nos sujeitos envolvidos na pesquisa. Esses indi-
cadores aparecem nos percursos, recursos e estratégias compartilhados
por nós com eles e entre eles, no decorrer das atividades em que nos
encontramos envolvidos (VYGOTSKY apud FONTANA, 1996, p. 107).

Pesquisadores que trabalham dentro dos pressupostos de Vygotsky (2000),


tentando sistematizar seus princípios metodológicos os definiram como análise
microgenética que implica a busca de

[...] um caminho para documentar empiricamente a presença (ou não) e


o grau de transição do funcionamento inter-psicológico para o funciona-
mento intra-psicológico, durante a solução conjunta de situações problema
entre adulto e criança, nos moldes que Vygotsky (2000) denominava
“zona de desenvolvimento proximal” (HICKMANN e WERTSCH, 1978
apud FONTANA, 1996, p. 32).

Nesse sentido, a análise microgenética prioriza a análise de processos e pode


ser caracterizada como uma forma de conhecer que é orientada para minúcias
e ocorrências residuais, como indícios, pistas, signos de aspectos relevantes de
um processo em curso; que elege episódios típicos e atípicos, os quais permitem
interpretar o fenômeno de interesse; que é centrada na intersubjetividade e no
funcionamento enunciativo-discursivo dos sujeitos; e que se guia por uma visão
indicial e interpretativo-conjetural. Em síntese, uma “perspectiva de investigação
da constituição de sujeito no âmbito dos processos intersubjetivos e das práticas
sociais” (GÓES, 2000, p. 21).
Com base nessa abordagem da análise microgenética, procuramos evidenciar,
nas discussões realizadas durante os encontros, entre pesquisadores e os professores
de ciências, respostas à investigação proposta neste trabalho. Para dar visibilidade
a esse processo buscamos pistas, indícios nos enunciados, falas e entonações dos
sujeitos. Desse modo, para a análise do processo registramos as interações verbais
entre pesquisadores e professores no contexto imediato de sua ocorrência, isto é,
na escola onde a investigação foi realizada.
Com a permissão tanto dos pesquisadores e acadêmicos quanto dos professores,
foram observadas e registradas em caderno de campo e em áudio as discussões
realizadas entre eles. O registro considerado para este trabalho foi retirado de um
encontro. Na transcrição deste encontro, por meio da análise microgenética, foi
escolhido um extrato que evidencia aspectos das discussões em que há enunciações,

130 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


falas e entonações que indicam as concepções de professor e da atividade docente
que os formadores possuem.

3 Discussão e análise dos resultados da investigação

No extrato a seguir o foco das interações ocorre entre F1, professora com
graduação em Biologia e doutorado em Educação, F2, professor com graduação em
Biologia e doutorado em Educação, F3, professora com graduação e doutorado em
Química e F4, professora com graduação em Matemática e mestrado em Educação.
Neste encontro também estavam presentes os professores de Ciências e Ma-
temática da escola, outros professores/pesquisadores e acadêmicos da UFGD.

[1] F1: Para problematizar ainda tem um problema, o livro é escolhido


para a rede escolar toda, e tem que respeitar a sequência dos conteúdos.
O discurso que se tem é o seguinte, se o aluno mudar de escola no segundo
semestre, lá na escola que ele se mudou não vai ter! Então, vira realmente
uma amarra. Quando a grande discussão é a seguinte, o professor teria
que ter o programa dele. Você como professor é que pensa isso daqui é im-
portante. O grande problema é o currículo do estado e município e, ainda,
a escolha do livro didático único para toda rede e que se tem que seguir a
mesma sequência. Então, esta questão de amarra, quando eles professores de
educação básica não têm esta autonomia para dizer eu tenho que dar isso,
aí acaba caindo por terra nossos objetivos educacionais. Não é o no nosso
caso, o caso da universidade, a gente vem com esta ideia de cumprimento
do programa, que no nosso caso foi a gente que fez.

[2] F2: É, mas têm outras coisas, eu dei aula de Biologia Celular dois anos,
lá no Paraná. Então, eu peguei uma ementa, lá tinha os conteúdos que
estava bem claro: célula - Tipos de transporte, membranas, organelas,
ciclo celular, material genético. Então, vira praticamente uma tradição,
pois não depende do professor. O conteúdo é este. Então, dá certo receio
de você alterar alguma coisa e prejudicar o aluno. Já tem anos que se
trabalha isto daqui. Agora eu vou dizer que isto aqui não é importante!
Mas, como assim que não é importante?! Porque é muito complicado
a gente mexer no currículo, porque tem coisas essenciais e talvez nem
tanto. Então, a pessoa tem que ter muito conhecimento, tanto da área
dele mesmo quanto da área de aprendizagem, para saber o que ele pode
deduzir, o que você precisa passar para ele [o aluno].

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 131


[3] F1: Por isso tinha que ter uma formação continuada, primeiro para
se mexer no currículo.

[4] F3: Sempre se têm os dois lados. Tem um lado que amarra, e o outro
que organiza também. Uma coisa boa que é a organização deste processo.
Necessita de uma organização em caso de escolas públicas. Essa amarra
até certo ponto é interessante, ela organiza a vida dele [do aluno]. Aí,
quando ele chegar na minha escola, ele não vai ter um tempo para ter
aula de reforço. Não dá para gente construir o currículo, o outro construir
o dele. São coisas que são básicas. Agora, a forma de dar ênfase em mais
em uma coisa ou outra, é isso que o professor tem a autonomia a fazer. Ele
não pode mesmo pensar de construir ele próprio o currículo.

De F2 percebem-se dois aspectos: (a) a pouca ou nenhuma autonomia do


fazer docente na escolha e manipulação dos conteúdos e (b) a racionalidade técnica
presente no domínio absoluto do conteúdo. Isso pode ser visto quando afirma:

(a) Então, vira praticamente uma tradição, pois não depende do professor.
O conteúdo é este. Então dá certo receio de você alterar alguma coisa e
prejudicar o aluno.
(b) [...] Porque é muito complicado a gente mexer no currículo, porque
tem coisas essenciais e talvez nem tanto, então a pessoa tem que ter muito
conhecimento tanto da área dele mesmo quanto da área de aprendizagem,
para saber o que ele pode deduzir o que você precisa passar para ele.

Por isso, nos turnos [1] e [3] F1 reforça a necessidade de uma formação con-
tinuada, que aborde aspectos variados da atividade docente, inclusive a conscien-
tização e apropriação do sentido e significado do currículo. Retoma-se, então, a
afirmação feita sobre uma percepção equivocada de um dos papéis do professor:
o professor passa a ser um técnico e reprodutor de currículos, programas e ações
pedagógicas, concebidos e elaborados por especialistas externos ao contexto escolar.
De F3 emerge a mesma percepção da falta de autoridade do professor para
refletir, propor e/ou implementar eventuais mudanças de currículo: Não dá para
gente construir o currículo, o outro construir o dele [...] ele não pode mesmo pensar
de construir ele próprio o currículo.
Nesse sentido, cabe perguntar: quem, então, constrói o currículo? Que cur-
rículo? Para quem? (REZENDE; LOPES; EGG, 2004). No nível mais imediato
da sala de aula, uma resposta poderia apontar o livro didático como elemento
predominante no embate entre a possível ação autônoma e reflexiva do professor

132 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


e intervenções burocráticas externas. O professor abre mão de seu potencial trans-
formador em função, puramente, de aspectos da organização de um sistema de
vários indivíduos? Por que não é possível para o professor construir um currículo
ou uma ação educativa ampla a partir das necessidades e realidades cotidianas de
seus alunos? Certamente essa questão não é simples e, se colocada dessa forma,
pode levar a graves equívocos; no entanto, a essência do questionamento não deve
ser perdida de vista: por que não posso? Por que tem que ser assim? Essa atitude
inquisitiva (ANDRÉ; PESCE, 2012) deve ser estimulada no debate para fazer frente
ao possível se o professor da universidade afirma isto é porque deve ser verdade.
Como colocado por F4 em trecho final do encontro:

[5] F4: Bom, toda aula que eu dou, toda atividade que tenho oportuni-
dade de participar na universidade, eu sempre me questiono, né! Sempre
problematizo, procuro problematizar. Como? Por exemplo. Vocês estavam
aí..., F1 estava perguntando..., é... Quais teorias de aprendizagem que vocês
conheciam e uma pergunta que eu me faço sempre é: O que é aprender?
O que significa aprender? Quando eu sei que ensinei alguma coisa, né!
Que eu ensinei e o aluno aprendeu. Será que só a avaliação que eu faço,
será que eu verifiquei mesmo se ele aprendeu ou não? O que é aprender,
que momento, o que me diz se o aluno aprendeu ou não. E para isso eu
preciso saber o que é aprender. Para eu saber o que é aprender, quais as
maneiras possíveis, de eu fazer com que esse aluno aprenda, né! A partir
do momento que eu souber o que é aprender eu posso pensar em que
maneiras que é possível que ele aprenda, que o meu aluno aprenda.

Paradoxalmente, as falas dos turnos [1] a [4] podem reforçar nos professores
da escola “características técnicas do trabalho dos professores, provocando uma
degradação de seu estatuto e retirando-lhes margens importantes de autonomia
profissional” (NÓVOA, 1992, p. 24).
A ação de formação continuada estaria, então, prestando um desserviço para
os professores desta escola? Não. Ao reconhecer os conflitos que inevitavelmente
surgem quando se propõe o debate multidisciplinar entre diferentes atores, a coor-
denação do projeto aceitou o desafio de refletir sobre os reflexos disso tanto entre
os formadores quanto entre os professores. Entendemos que, para os professores,
essas diferentes percepções do fazer docente entre os formadores tem o poder de
aproximar dois grupos – professores e pesquisadores – ao expor as contradições,
inseguranças e resistências que diferentes histórias profissionais produzem em um

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 133


grupo que se supõe detentor de conhecimento acima de questionamento, visão
obviamente equivocada.
Porém, deve-se estar atento para que esses conflitos não se coloquem acima da
necessidade de escolha e apropriação de um referencial teórico que tenha potencial
explicativo e estruturador das nuances e complexidades da prática docente, ou seja,
é possível e necessário que existam divergências, mas elas devem sempre convergir
para o propósito maior, neste caso, da melhoria do fazer docente.

4 Palavras finais

O fragmento aqui apresentado poderia ser facilmente entendido, equivo-


cadamente, como o embate entre os que dominam as “teorias de construção do
conhecimento” e os que dominam os “conteúdos específicos”. Não se trata disso.
Como hipótese de trabalho, espera-se que a reflexão compartilhada contribua para
a construção de uma percepção ampliada do fazer docente do formador frente aos
desafios educacionais e sociais historicamente construídos no sistema dinâmico
e complexo que é a escola.
Não se nega, no entanto, o conflito de visões de mundo dos formadores sobre
o que uma educação de qualidade, critica e reflexiva, significa. Anos de experiência
profissional em sala de aula não podem simplesmente ser colocados de lado em
favor de um construto teórico burocraticamente imposto. Da mesma forma, não
se pode esperar que ações, muitas vezes baseadas em senso comum, possam dar
conta de uma formação de qualidade sem o suporte orgânico de um referencial
teórico. Espera-se, sim, uma convergência de ambos na forma de um conhecimento
na ação (CHAVES, 2000), mas que reconheça:

[...] as limitações de algumas versões de praticuns orientadas para uma


prática reflexiva nomeadamente quando fomentam uma atitude narcísica,
em que as condições sociais e institucionais, que distorcem a compreensão
que os professores têm de si próprios, são completamente ignoradas. Esta
prática constitui um perigo, já que pode conduzir a perpetuação de um
modelo conhecido de mudança em que tudo continua na mesma [...] em
que as reformas servem justamente para legitimar as práticas que devem
ser transformadas. (ZEICHNER, 1992 apud CHAVES, 2000, p. 48).

134 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Estar atento às concepções sobre a atividade docente que o professor da escola
básica apresenta nas formações continuadas revela-se apenas parte de um exercício
analítico que pretende, entre outras ações, contribuir para a elaboração de propos-
tas para a melhoria do ensino nas escolas. Outra parte igualmente importante é a
atenção dispensada à formação dos formadores que atuam em ações de formação
inicial e continuada. Por isso os projetos e as ações de formação continuada que
apresentam coerência entre prática e discurso, que promovem a reflexão compar-
tilhada entre os diferentes atores com nexo na escola, que faz avançar a pesquisa
em ensino devem, também, proporcionar espaços e tempos para o enriquecimento
teórico-metodológico do formador.
Nesse sentido, a discussão não fica restrita apenas à formação do formador
em áreas específicas ou de núcleo comum, o que poderia levar a um debate ultra-
passado sobre a importância de cada área, mas, fundamentalmente, ao processo
histórico que o constitui, as decisões que toma diariamente e que fundamentam
sua atividade docente, aos esforços que emprega para proporcionar ao futuro
professor ou ao professor na escola o que entende ser uma formação de qualidade
e aos referenciais teóricos que adota, conscientemente ou não.
É necessário mencionar a importância da formação continuada desta
perspectiva para a formação do futuro professor, pois participando dos encontros os
acadêmicos das licenciaturas em Ciências Biológicas e Matemática puderam debater
os obstáculos à docência. Por meio de discussões conjuntas com os professores da
universidade e os professores da escola, foi possível refletir sobre soluções para os
problemas encontrados no dia-a-dia do cotidiano escolar e da própria formação
do formador.
Por fim, deve-se reconhecer o esforço feito pelos formadores que participaram
desta formação continuada na superação de obstáculos teórico-metodológicos e
ideológicos e na abertura para o diálogo franco que busca minimizar as limitações
que todos possuímos.

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, M. E. D. A.; PESCE, M. K. Formação do professor pesquisador na pers-


pectiva do professor formador. Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação
de Professores, v. 4, n. 7, p. 39–50, dez. 2012.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 135


CHAVES, S. N. Por uma nova epistemologia da formação docente. In: SCH-
NETZLER, R. P.; ARAGÃO, R. M. R. (Ed.). Ensino de ciências: fundamentos e
abordagens. Campinas: Capes/Unimep, 2000.
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GERALDI, C. M. G. O professor que trabalha na escola pública básica brasileira
ainda é um profissional? APEOESP -SP, mar. 1995.
GÓES, M. C. R. A abordagem microgenética na matriz histórico-cultural: uma
perspectiva para o estudo da constituição da subjetividade. Caderno CEDES, v.
50, p. 21–29, 2000.
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profissional reflexivo. In: NÓVOA, A. (Ed.). Os professores e a sua formação.
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GONÇALVES, T. O.; GONÇALVES, T. V. O. Reflexões sobre uma prática docente
situada: buscando novas perspectivas para a formação de professores. In: GERAL-
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currículo, do ensino e da aprendizagem de física e de matemática a partir do
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VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

136 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


8 EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS E FORMAÇÃO
CIDADÃ: CONTRIBUIÇÕES DAS TECNOLOGIAS DA
INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

Neusa Maria John Scheid

As instituições escolares não têm apenas o compromisso de preparar os alu-


nos para receber a herança cultural e compreender os conhecimentos científicos
produzidos pela humanidade. Para além dessas dimensões, como refere Zeichner
(1993), a escola precisa ter presente sua finalidade democrática e emancipadora
e levar em consideração as dimensões sociais e políticas do ensino. A educação
cidadã tem sido referida em todos os níveis de ensino, encontrando-se, claramente,
expressa nos documentos oficiais como as diretrizes curriculares, parâmetros cur-
riculares e projetos pedagógicos das instituições educativas. Essa preocupação vem
ao encontro da afirmação de Hodson (2003) sobre a existência de uma indicação
clara de que a educação escolar deverá politizar os estudantes. Sua ponderação, no
entanto, é de que essa educação deverá ser para a cidadania e não apenas sobre a
cidadania, considerando, como alerta Reis (2013), que os alunos já são cidadãos
hoje e não apenas o serão no futuro.
Aos alunos devem ser dadas oportunidades para, no seu percurso escolar,
desenvolverem e se envolverem em ações apropriadas, responsáveis e eficazes
sobre questões de interesse social, econômico, ambiental, moral e ético. Essa ação
coletiva, também denominada de ativismo social, surge da necessidade de cada

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 137


cidadão se fazer ouvir e poder participar dos assuntos relacionados à ciência com
implicações na sua qualidade de vida e na qualidade de vida em geral (HODSON,
2003, 2011).
De acordo com Reis (2013), o envolvimento dos alunos nessas ações, desde a
mais tenra idade, permite-lhes adquirir a noção de que, mais do que meros con-
sumidores de conhecimento, podem, criticamente, construí-los. O autor também
adverte que envolver os alunos em iniciativas de ativismo coletivo sobre questões
de interesse ambiental e social, fundamentado em investigação e pesquisa, permite-
-lhes aumentar o seu conhecimento acerca dos problemas em causa e desenvolver
competências de investigação e cidadania participativa e fundamentada.
De acordo com Hilário & Reis (2009), o ativismo é promovido a partir de
experiências educativas, nas quais se debatem temas controversos de questões
sociocientíficas que constituem uma experiência escolar enriquecedora e poten-
cializadora do desenvolvimento de múltiplas competências.
Por outro lado, a evolução da sociedade na utilização intensiva de tecnologias
questiona os paradigmas de ensino e aprendizagem tradicionais, considerando-
-se que, nas salas de aula da educação básica do século XXI, há o predomínio da
geração de nativos digitais (PRENSKY, 2001; VERAS, 2011). Dentre as Tecnologias
da Informação e da Comunicação (TIC), o acesso à Internet é a que mais tem
apresentado desafios, pois, como reconhece Monereo (2005), essa tecnologia se
tornou uma extensão cognitiva e um meio de socialização de grande magnitude,
particularmente para os jovens. O autor identifica quatro competências sociocog-
nitivas que podem e devem ser rentabilizadas na Internet: aprender a procurar
informação, aprender a comunicar, aprender a colaborar e aprender a participar
da sociedade.
Em 2007, com o objetivo de contribuir para promover o uso efetivo das tec-
nologias na educação e, consequentemente, o desenvolvimento de competências
digitais pelos alunos, a Internacional Society for Technology in Education (ISTE),
uma organização sem fins lucrativos, desenvolveu standards para alunos, nos quais
se descrevem as competências digitais que eles devem atingir para serem aprendi-
zes plenamente integrados na sociedade atual. Esses standars envolvem seis áreas:

1. Criatividade e inovação – Os alunos devem ser capazes de utilizar a


criatividade, conseguindo desenvolver processos e produtos inovadores,
através do recurso das tecnologias.

138 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


2. Comunicação e colaboração – Os alunos devem usar os meios digitais
e ambientes computacionais para comunicarem e trabalharem colabo-
rativamente, nomeadamente à distância, para desenvolverem as suas
aprendizagens e contribuírem para as dos outros.
3. Fluência na pesquisa de informação – Os alunos devem utilizar ferra-
mentas digitais para obterem, avaliarem e utilizarem informação.
4. Pensamento crítico, resolução de problemas e tomada de decisão – Os
alunos devem usar o pensamento crítico para planejar e conduzir pes-
quisas, gerir projetos, resolver problemas e tomar decisões, tendo por
base informações obtidas através da utilização de ferramentas digitais
adequadas.
5. Cidadania digital – Os alunos devem compreender as questões cul-
turais e sociais relacionadas com a tecnologia e ter um comportamento
ético na sua utilização.
6. Conceitos e operações com a tecnologia – Os alunos devem demonstrar
um conhecimento profundo dos conceitos relacionados com as tecnolo-
gias, os sistemas e as Operações. (DELGADO, 2014, p. 40).

Em relação ao uso de TIC em atividades de sala de aula, uma pesquisa recente


realizada por Pedreira, Nagumo, Silva e Cerqueira (2014) demonstrou que 80%
dos professores brasileiros utilizam TIC em suas aulas. No entanto, a análise da
metodologia de utilização revelou que a maioria, ainda, planeja as atividades no
formato da Web 1.0, sendo poucos os que levam em consideração as potencialida-
des da Web 2.0. As utilizações elencadas pela maioria referiam-se à possibilidade
de usar TIC para ilustrar ou demonstrar algo, indicando uma utilização estática
da Internet, ou seja, a Web 1.0. Uma minoria as citou como forma de interação e
criação entre alunos e professores, relatando que fazem uso da Internet – Web 2.0,
citando jogos ou programas educacionais, aplicação dos conteúdos na solução de
problemas e montagem de vídeos.
Para Primo (2007), a Web 2.0 é caracterizada por potencializar as diversas
formas de publicação, de compartilhamento e de organização de informações
e, além disso, possui a capacidade de ampliar os espaços para a interação entre
os participantes do processo. Para o autor, a Web 2.0 tem repercussões sociais
importantes, que potencializam processos de trabalho coletivo, de troca afetiva,
de produção e circulação de informações, de construção social de conhecimento
apoiada pela informática.
Muitos professores têm a preocupação em utilizar as TIC em suas aulas como
forma de melhorar a motivação e o interesse dos estudantes, buscando aprendi-

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 139


zagens significativas (PEREIRA, 2010), pois entendem essas ferramentas como
aliadas para facilitar o trabalho pedagógico. Conforme Moran (2000, p. 23), “um
dos grandes desafios para o educador é ajudar a tornar a informação significativa, a
escolher as informações verdadeiramente importantes entre tantas possibilidades,
a compreendê-las de forma cada vez mais abrangente e profunda e a torná-las
parte do nosso referencial”. As TIC podem contribuir significativamente nesse
aspecto, cabendo ao professor conhecer e avaliar o potencial das diversas mídias
ao seu alcance e oportunizar o uso consciente por seus alunos, com o objetivo de
envolvê-los e apoiá-los na construção de conhecimentos científicos.
No entanto, Monteiro (2013) alerta que não é suficiente reconhecer a impor-
tância e levar a tecnologia para a sala de aula, mas é necessário que o professor
mude as suas concepções de ensino e de ciência para que ocorra uma alfabetização
científica adequada ao contexto atual.
Para Reis e Galvão (2004), a compreensão adequada da natureza da ciência
também é essencial para permitir aos alunos participarem em debates e em pro-
cessos de tomada de decisão, contribuindo para a construção de uma sociedade
mais democrática onde todos podem ter voz. Igualmente, o que se almeja é que
os estudantes passem da sensibilização para a ação fundamentada, ou seja, que se
transformem em produtores ativos de conhecimento, por meio da investigação e
da tentativa de mudar situações e comportamentos (REIS, 2013).
Todos esses aspectos repercutem sobre a formação de professores. Trabalho
há mais de duas décadas como docente na formação profissional inicial e na for-
mação continuada. Desde a investigação realizada no doutoramento (SCHEID,
2006) venho desenvolvendo pesquisas buscando alternativas para o enfrentamento
dessas problemáticas. Neste estudo, apresento a possibilidade das Tecnologias da
Informação e da Comunicação servirem como recursos para dar conta dos desafios
da educação científica na escola do século XXI. Para que isso possa concretizar-se,
torna-se imprescindível que a utilização de TIC na educação em Ciências Naturais
seja objeto de investigação desde a formação profissional inicial dos professores
dessa área de ensino e se prolongue ao longo do seu exercício docente, na forma-
ção continuada.
A seguir, apresento algumas das possibilidades de uso das TIC na Educação
em Ciências oriundas de investigações realizadas com a finalidade de promover
uma educação científica que contribua para o exercício da cidadania desde a
escola básica.

140 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


2 As TIC no ensino de Ciências Naturais: o que dizem as
pesquisas?

Em 2009, Martinho e Pombo realizaram uma investigação com o objetivo


de avaliar as potencialidades das TIC no Ensino das Ciências Naturais no que se
refere ao empenho, à motivação, ao rigor e à aprendizagem dos alunos. Envolve-
ram no estudo 22 alunos da escola básica. As conclusões desse estudo possibili-
taram a verificação de que a implementação das TIC na Educação em Ciências
proporcionou a criação de um ambiente de trabalho mais motivador, no qual os
alunos focalizaram mais suas atenções, ficaram mais empenhados e rigorosos no
desenvolvimento dos seus trabalhos, conseguindo-se também melhores resultados
em termos de avaliação. As autoras notaram, ainda, que os alunos desenvolveram
maior versatilidade no manuseio do computador, verificando-se uma melhoria
quanto à aquisição de competências específicas, gerais, tecnológicas e atitudinais.
Uma investigação desenvolvida por Correia de Faria (2011) procurou ana-
lisar a utilização colaborativa de um Wiki3, enquanto artefato tecnológico para a
aprendizagem formal e informal de conteúdos sobre Darwin. O estudo envolveu
dois docentes de três turmas do 11º ano do ensino secundário e sessenta e nove
alunos, de uma escola privada de Lisboa. A temática foi primeiramente abordada
nos contextos previstos no programa, para ser posteriormente explorada e apro-
fundada, em trabalho de grupo.
Conforme o autor, os resultados encontrados mostraram o Wiki como ferra-
menta com potencial para a aprendizagem colaborativa e, por meio dessa, para a
construção de conhecimentos específicos, como foi o caso do estudo sobre Darwin.
No entanto, alerta que:

Esta experiência mostrou que apesar de os alunos envolvidos terem


amplo contato com as TIC, muito existe para descobrir e explorar, quer
a nível da integração na aprendizagem, quer a nível da exploração em
função de interesses próprios. A integração em contextos de aprendi-
zagem de ferramentas TIC continua, ainda, a ser uma novidade para
muitos alunos, mesmo com 10 anos de frequência escolar. Contudo,
a sua integração carece de uma apropriada exploração por parte do

3  Um Wiki é um Website para o trabalho coletivo de um grupo de autores. A sua estrutura lógica
é muito semelhante a de um blogue, mas com a funcionalidade acrescida de qualquer visitante
poder clicar para modificar, agregar ou suprimir o conteúdo da página, ainda que este tenha sido
criado por outros autores (COUTINHO & JÚNIOR, 2007).

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 141


professor, já que disso depende o sucesso e, como tal uma motivação
para replicar a experiência ou introduzir novas buscas, ou expor-se ao
fracasso, e nessas circunstâncias, a usual desistência e abandono destas
ferramentas”. (CORREIA DE FARIA, 2011, p. 63).

Em outro estudo, Albano (2012), ao investigar a percepção que alunos e pro-


fessores portugueses teriam da utilização de recursos Web 2.0 na aprendizagem de
multimídia e qual o tipo de recurso mais adequado para o ensino desse currículo,
obteve resultados satisfatórios no que se relaciona à motivação e aprendizagem
significativa. Segundo o autor, por meio dos mais variados processos de coleta
de dados junto ao grupo participante, incluindo alunos e professores, pode-se
perceber que o uso de plataformas de gestão de aprendizagem ou Learning Ma-
nagement Systems (LMS) e da Web 2.0 teve um efeito positivo como catalisador
da aprendizagem.
Albano (2012, p. 114) alerta que qualquer modalidade de aprendizagem,
seja e-learning, b-learning ou presencial, deve estar fundamentada em estruturas
pedagógicas claras, “onde os objetivos educacionais presidem a utilização das
ferramentas e não o seu contrário”, pois são “antes um meio que deverá permitir
processos eficazes de aprendizagem, nomeadamente, no desenvolvimento de co-
munidades de alunos que possam querer seguir um percurso autônomo”.
Monteiro (2013) investigou como uma integração das TIC bem planejada e
implementada no ensino das Ciências numa perspectiva de “Ensino por Pesquisa”
poderia influenciar o processo de aprendizagem e, simultaneamente, desenvolver
outras competências, como a autonomia e a autorregulação, contribuindo para o
sucesso escolar geral do aluno e sua formação como cidadão. Nesta investigação
foram envolvidos 102 alunos durante dois anos letivos. Os resultados obtidos in-
dicam que a utilização de e-portfólios4 inserida num “Ensino por Pesquisa”, tendo
como recurso o computador e a Internet, é uma excelente estratégia motivadora e
desafiante de ensino e aprendizagem. A autora, a exemplo de Albano (2012), chama
a atenção para a necessidade da compreensão do papel das TIC na educação, pois
é preciso considerá-las como ferramentas pedagógicas. Nesse sentido, a aplicação
de uma ferramenta passa pelo estabelecimento de critérios de escolha de metodo-

4  E-portfólios são criados por meio da utilização de ferramentas variadas disponíveis no computador e online.
Consistem numa coleção organizada e diversificada de trabalhos, resultante de um processo de seleção realizado
de forma deliberada e sistemática, ao longo de um período significativo de tempo, acompanhado de uma reflexão
sobre a importância que o trabalho teve para quem o elabora (BERNARDES; MIRANDA, 2003).

142 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


logias e estratégias apropriadas a cada situação pedagógica, numa perspectiva de
inovação pedagógica e não de invenção técnica.
Por outro lado, consoante ao desafio colocado aos professores da educação
básica em Ciências Naturais, de cumprir com os programas, de não esquecer as
exigências das avaliações externas como as provas de vestibular e do Exame Nacio-
nal de Ensino Médio (ENEM) ao final dessa escolaridade, solicita-se aos mesmos
que sejam capazes de desenvolver, nos estudantes, competências de manipulação
e transformação da informação em conhecimento, sob a forma de aprendizagens
significativas (AUSUBEL, 2003). Isso implica que os objetivos para os alunos não
devam limitar-se à aprendizagem dos conteúdos científicos, mas sejam capazes de
desenvolver competências que lhes permitam participar e interagir num mundo
global, altamente competitivo, que valoriza o ser flexível, comunicativo, criativo e
aprendente ao longo de toda a vida (GALVÃO, 2001; POZO, 2004).
As TIC apresentam-se com diferentes modalidades, e as ferramentas Web 2.0
estão tornando a Web uma plataforma de produção poderosa, assim como sua
inclusão nos dispositivos móveis continua em expansão. Delgado (2014), em sua
tese de doutoramento, investigou as aprendizagens em Ciências Naturais que são
possíveis promover com recursos das “tecnologias ubíquas5” (TU) num quadro de
metodologias centradas no aluno. Nesse estudo, estiveram envolvidos em torno
de oitenta estudantes portugueses ao longo de três anos letivos consecutivos. A
autora destaca:

O conjunto das atividades e dos desafios com TU contribuiu para que os


alunos desenvolvessem: (i) competências associadas à literatura científica,
nomeadamente competências do domínio do raciocínio (identificação
de problemas, formulação de hipóteses, definição de planos de ação,
planejamento de procedimento experimental, resolução de problemas,
organização de ideias, interpretação de dados/resultados e realização de
inferências); do domínio do conhecimento (aquisição de conhecimen-
tos; compreensão de temas/assuntos; aplicação de conceitos a novas
situações), do domínio da comunicação (argumentação e explicitação
de ideias, apresentação oral e escrita de trabalhos; forma de escrita) e do
domínio das atitudes (autonomia, criatividade, respeito, responsabilidade,
interesse, motivação e participação); (ii) competências ligadas à literatura
digital, através do uso do telemóvel e do computador portátil, respecti-

5  Por tecnologias ubíquas (TU) entendem-se os dispositivos tecnológicos omnipresentes que permitem obter
informações a qualquer momento e em qualquer lugar e de que são exemplo os telemóveis, leitores de Mp3 e
Mp4, leitores de livros digitais, computadores portáteis, PDA, smartphones e tablets (DELGADO, 2014).

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 143


vos softwares e aplicações online, na elaboração de uma diversidade de
produtos e de realizações. (DELGADO, 2014, p. 254).

Os resultados dessa investigação ratificam o elevado potencial que tem sido


associado às TU e que já havia sido reconhecido pela UNESCO, em 2012, quan-
do enunciou as recomendações de evitar a proibição de dispositivos móveis nas
salas de aula e incorporar as tecnologias móveis nos programas de formação de
professores (VOSLOO, 2012).
Outra modalidade de TIC, mais conhecida e utilizada em salas de aulas, são
os blogues. Segundo Silva (2003), podem ser classificados de acordo com sua
estrutura em:
a. Blogues individuais: O conteúdo de um blogue individual é postado por
uma única pessoa, embora os visitantes possam publicar comentários em
espaços determinados. Esses, em geral, apresentam opiniões, relatos, infor-
mações e textos escritos do ponto de vista de alguém específico. O espaço
para comentários, disponível em qualquer tipo de blogue, mas nem sempre
adotado por todos, é um espaço aberto para interatividade.
b. Blogues coletivos: O administrador do blogue tem a opção de permitir que
múltiplos autores participem da manutenção do mesmo site, motivados
por interesses semelhantes.
Quanto ao gênero, segundo Silva (2003), os blogues podem ser classificados
em temáticos e livres.
Os blogues temáticos são produzidos individualmente ou em grupos. Esse tipo é
concebido com base em um tema específico ou numa área de interesse comum. São
exemplos desses os que têm propósitos educacionais e pedagógicos, jornalísticos,
metablogs (blogueiros que se propõe a ensinar outros blogueiros), entre outros.
Os blogues livres caracterizam-se por suas publicações não terem como foco
uma única temática e, em geral, estarem associados às características próprias de
uma página pessoal, por se tratarem de formas livres de anotações, que podem
incluir criação literária, comentários sobre o que se passa na cabeça do autor,
críticas, fofocas, atualização de notícias, diários, entre outros.
Sobre o seu potencial para a Educação em Ciências no desenvolvimento de
capacidades de raciocínio, de comunicação e de argumentação fundamentadas,
encontramos o estudo de Espírito Santo (2012). A investigação teve como finali-
dade estudar as potencialidades educativas da discussão de assuntos controversos

144 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


utilizando blogues, tendo sido efetuado com 24 alunos de uma turma do quinto
ano de escolaridade de uma escola da região de Lisboa e Vale do Tejo, na disciplina
de Ciências da Natureza.
Como afirma a autora, os resultados obtidos permitiram verificar que a dis-
cussão em torno do cenário proposto oportunizou a aquisição e o desenvolvimento
de competências indispensáveis na promoção da alfabetização científica, que a
atividade foi avaliada de forma positiva pelos alunos, pois o fato de ser contextua-
lizada numa situação real do seu quotidiano levou-os a reconhecerem o interesse
da Ciência para o dia a dia. Também se pode constatar que a utilização de blogues
poderá constituir-se num ganho, de modo que os alunos, mais facilmente, possam
construir conhecimento e desenvolver competências básicas.
É oportuno considerar que o desenvolvimento de atividades escolares de
Ciências Naturais utilizando ambientes virtuais de aprendizagem faz um contraponto
com os paradigmas educacionais até então presentes no ensino, pois os blogues, ao
propiciarem a construção de comunidades colaborativas e a articulação de saberes,
facilitam a interdisciplinaridade, reduzindo a disciplinaridade, a linearidade e a
fragmentação tão presentes no conhecimento científico. Em vista disso, torna-se
vital que os professores dessa área do conhecimento se voltem para essas práticas
contemporâneas e as percebam como uma forma mais coerente de construir seu
exercício docente, fundamentando-se em informações atualizadas, comunicando-se
melhor e construindo saberes, tendo seus alunos como partícipes ativos fundamentais
na construção do conhecimento.
Ao buscar novas abordagens que culminem em estratégias e reflexões para
problematizar a forma como a produção do conhecimento é ensinada/aprendida
e promovida/estimulada, surge neste contexto a utilização de filmes, não só como
instrumentos de reflexão na sala de aula, mas também como um meio inesgotável
de possibilidades de criação e produção do saber. Some-se a isso a possibilidade da
produção de filmes pelos próprios estudantes na contribuição de suas experiências,
para que se conscientizem de que têm poder e capacidade de trabalhar ativamente
na resolução de problemas que considerem socialmente relevantes (REIS, 2013).
Portanto, como afirma Napolitano (2005), o cinema tem sempre alguma possi-
bilidade para o trabalho escolar e, como observado por Rose (2003), mesmo os
filmes de ficção científica são amplamente acessíveis e, geralmente, reconhecidos
como tendo algum impacto na opinião pública sobre a Ciência, podendo trazer
importantes contribuições para as aulas na educação científica básica.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 145


Nesse sentido, Oliveira afirma:

As transposições e as vivências que a linguagem cinematográfica pos-


sibilita são tão marcantes, que muitas vezes se tornam referência de
como a ciência e a técnica passam a ser percebidas por grande parte da
sociedade. Mais do que aprendizagens derivadas das práticas educativas
formais, as experiências vivenciadas nos filmes acabam compondo boa
parte do arsenal simbólico através do qual a opinião pública passa a
vislumbrar o alcance dos empreendimentos científicos e tecnológicos
(OLIVEIRA, 2006, p. 135).

Decorre disso o entendimento de que o cinema como TIC oferece importantes


possibilidades de estudos na educação básica, pois alguns filmes podem ser úteis
para promover o questionamento de concepções de ciência, enquanto outros podem
ser utilizados para ampliar informações, facilitar a compreensão de produção do
conhecimento científico e para promover a discussão de questões sociocientíficas
controversas. Assim, por serem atraentes para os jovens estudantes, os filmes podem
ser um ótimo recurso didático, quando determinados aspectos são utilizados para
propor questões, ampliar informações, motivar o estudo de um tema e facilitar a
compreensão de alguns processos (SCHEID, 2008). Dessa forma,

O cinema, ao ser incorporado à educação, surge como um elemento que


possibilita a aprendizagem garantindo, com isso, uma participação na
atividade educativa. Por isso, o uso do cinema no âmbito escolar como
instrumento de aprendizagem deve considerar as necessidades e desejos,
atribuindo-lhes, inclusive, um potencial papel pedagógico a ser explorado
pelo professor (DANTAS, 2007, p. 05).

Contudo, é importante lembrar que a utilização de filmes exige uma discussão


com os estudantes, tanto sobre as intenções do diretor e/ou roteirista em relação ao
papel que atribuem ao cientista quanto à época em que o filme foi produzido, pois,
em algumas situações, como advertem Cunha e Giordan (2009), pode fortalecer
concepções equivocadas de ciência. No Brasil, o Grupo Scientia, da Universidade
Federal de Minas Gerais, tem produzido publicações, organizadas por Oliveira
(2005, 2007) e Figueiredo e Silveira (2010), as quais apresentam importantes
subsídios para os professores que desejam utilizar filmes para apresentar a ciência
como construção dinâmica, produzida por seres humanos com limitações, que
enfrentam dificuldades psicológicas, sociais, econômicas e políticas.

146 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Para que os professores utilizem filmes em suas aulas, é imprescindível que os
currículos não estejam enquadrados no domínio do conteúdo, como alerta Reis
(2013), pois, nessa ótica, a implementação dessas atividades pode ser considerada
como uma distração. Por sua vez, quando os estudantes produzem seus próprios
filmes, os mundos imaginários criados permitem que eles possam estabelecer
conexões entre as suas próprias experiências e as questões sociocientíficas e so-
cioambientais com que se defrontam. Vale ressaltar que essas situações podem
até funcionar como um catalisador de discussão entre os estudantes (envolvidos
na dramatização) e o público, aumentando sua compreensão e criando uma boa
oportunidade para a ação sociopolítica. Além disso, podem promover o desenvol-
vimento de conceitos científicos, quando os alunos têm de fazer o inquérito sobre
o seu papel e os fatos envolvidos no roteiro que está sendo produzido (HILÁRIO
& REIS, 2009).
No entanto, se o objetivo da Educação em Ciências for o de mobilizar os estu-
dantes e promover o ativismo social, torna-se imprescindível que os estudantes se
envolvam na produção de seus próprios vídeos. A investigação de Marques (2013),
realizada com 30 alunos de oitavo ano e dois professores de uma escola portuguesa,
pode ser um bom exemplo a ser compartilhado. Durante a investigação, que durou
um semestre letivo, os alunos, com idades entre 12 e 16 anos, envolveram-se num
projeto de ativismo ambiental sobre uma temática atual e pertinente – a poluição.
O desenvolvimento desse projeto interdisciplinar oportunizou aos alunos que
investigassem diferentes aspectos relacionados ao tema poluição, com a finalidade
de adquirirem conhecimento que lhes permitisse a construção de vídeos visando
à sensibilização e à mudança de comportamentos da comunidade escolar.
A culminância do projeto ocorreu com a produção de 14 vídeos de autoria
dos alunos participantes que foram divulgados em sessões de apresentação in-
traturma e interturmas, além de serem disponibilizados no Web site da escola.
Marques (2013, p. 07) concluiu que “os resultados obtidos indicam que a maioria
dos alunos, através das estratégias adotadas e das situações de aprendizagem
criadas, conseguiu, de um modo bastante satisfatório, desenvolver competências
nos domínios “Conhecimento, Raciocínio, Comunicação, Atitudes e Ativismo”.
A autora destaca que durante o desenvolvimento as principais dificuldades re-
veladas foram em relação ao processo de pesquisa, análise, seleção e síntese de
informação. Para os alunos, de modo geral, conforme seus comentários, o projeto

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 147


foi muito positivo, destacando seu particular entusiasmo nas etapas de construção
e divulgação dos vídeos.
Por tratar-se de um projeto interdisciplinar, acredito ser importante destacar
a avaliação do professor de TIC – que proporcionou as condições para o adequado
uso da tecnologia na produção dos vídeos – em relação aos objetivos alcançados.
Segundo a pesquisadora, para esse professor “o projeto revelou-se bastante posi-
tivo, permitindo o desenvolvimento de competências tecnológicas numa situação
contextualizada” (MARQUES, 2013, p. 07). Logo, o aluno não aprendeu a lidar
com a tecnologia pelo domínio técnico apenas, mas a utilizou na resolução de um
problema significativo – o de sensibilizar a comunidade para a questão da poluição.

3 Considerações finais

Em síntese, as TIC podem ser utilizadas nas salas de aulas de Ciências Naturais
com, pelo menos, três diferentes finalidades, a saber: i) como ferramentas educa-
cionais para construção do conhecimento substantivo sobre conteúdos específicos
da área; ii) como facilitadoras do desenvolvimento de capacidades de raciocínio,
de comunicação e de argumentação fundamentadas; iii) como promotoras de
ativismo social.
Como tal, em todas essas finalidades, a concepção de Ciência do professor
é crucial, pois dela dependem as metodologias que serão utilizadas ou, enfim,
como serão conduzidas as atividades numa perspectiva dinâmica de construção
do conhecimento científico inacabado, provisório e parcial.
Contudo, o que se pode perceber por meio da análise dos resultados das
investigações é de que a utilização de TIC em aulas de Ciências Naturais auxilia
no desenvolvimento de capacidades de raciocínio, de comunicação e de argumen-
tação fundamentadas. Essas capacidades já seriam suficientes para justificar-se a
integração curricular das TIC no ensino e na aprendizagem de Ciências Naturais.
Porém, como afirma Reis (2013), o que se almeja na Educação em Ciências como
finalidade superior é que os estudantes passem da sensibilização para a ação fun-
damentada, ou seja, que se transformem em produtores ativos de conhecimento,
por meio da investigação e da tentativa de mudar situações e comportamentos
– ação sociopolítica.

148 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Nesse aspecto, as TIC revelam-se ferramentas essenciais para a promoção do
ativismo social no sentido de oferecer condições para que o aluno/cidadão seja
capaz de:

* Reconhecer a importância e o dever de participar e desenvolver


iniciativas que contribuam para a resolução de problemas sociais;
* Reconhecer as capacidades para desenvolver iniciati-
vas que contribuam para a resolução de problemas sociais;
* Conhecer meios/formas através dos quais pode desenvolver iniciativas
que contribuam para a resolução de problemas sociais (MARQUES,
2013, p. 161).

Em especial, os recursos da Web 2.0 são importantes para o desenvolvimento


de uma abordagem na perspectiva da educação em Ciências, que almeja ser capaz
de educar para a cidadania e na cidadania. Para que isso se efetive, é importante
pontuar que, ao contrário do que se poderia pensar, as tecnologias não vieram subs-
tituir o professor, mas antes promover uma mudança, de paradigma educacional, a
que se associa, naturalmente, uma alteração das práticas educativas, substituindo
a escola centrada no ensino, por uma escola centrada nas aprendizagens (LIMA
& CAPITÃO, 2003; PAPERT, 2001).
Se as TIC por si só não promovem mudanças, e “[...] dependendo do para-
digma, tanto a informática como qualquer outro recurso tecnológico, aplicado à
educação podem ser apenas instrumentos reprodutores dos velhos vícios e erros
dos sistemas” (BRITO & PURIFICAÇÃO, 2006, p. 20), precisamos estar atentos
para que

a incorporação de novas tecnologias da informação e da comunica-


ção, no campo do ensino, podem simplesmente reforçar as velhas e
questionáveis teorias de aprendizagem e/ou produzir consequências
práticas nas relações docentes, bem como, revolucionar os processos
de ensino-aprendizagem (LEIVAS, 2002, p. 83).

Diante desse contexto, torna-se indispensável que sejam estimuladas as in-


vestigações sobre a integração curricular das TIC no ensino de Ciências Naturais
desde a formação profissional inicial. Mais ainda, considerando-se a evolução
da sociedade na utilização intensiva de tecnologias e o questionamento dos pa-
radigmas de ensino e aprendizagem tradicionais, para acompanhar a dinâmica
do desenvolvimento dessas tecnologias e a crescente facilidade de acesso a elas,

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 149


a formação continuada dos professores em exercício se impõe como extrema
necessidade e premência.

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Agradecimento à CAPES pela concessão da bolsa para a realização do Estágio Pós-Doutoral,


no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, que permitiu o aprofundamento dos
estudos na temática desenvolvida nesse texto. Esse estágio, desenvolvido no período de
fevereiro a julho de 2014, teve a supervisão do professor doutor Pedro Guilherme Rocha
dos Reis.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 153


9 A PESQUISA NARRATIVA DA
EXPERIMENTAÇÃO INVESTIGATIVA NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE QUÍMICA

Aline Machado Dorneles


Maria do Carmo Galiazzi

1 Introdução

O presente capítulo resulta de estudo teórico referente a uma pesquisa em


andamento de tese de doutorado6 que propõe a experimentação investigativa na
formação acadêmico-profissional de professores de Química. Propõe a pesquisa
narrativa como metodologia de pesquisa, a partir da escrita como linguagem para
compreensão da aprendizagem dos fenômenos químicos estudados.
Entende-se a pesquisa narrativa como caminho para entendimento da ex-
periência (CLANDININ; CONNELLY, 2011). Nessa perspectiva, a experiência
são as histórias que as pessoas vivem e os acontecimentos vivenciados fazem a
experiência ser aquilo que nos marca (LARROSA, 2002, 2011). Nesse sentido,
aborda-se a pesquisa narrativa por meio da escrita das narrativas da experimen-
tação na formação de professores de Química.

6  A pesquisa em andamento de tese de doutorado realizado no Programa de Pós-Graduação em Educação em


Ciências: Química da Vida e Saúde da Universidade Federal do Rio Grande.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 155


Organizou-se o presente capítulo em três momentos. Primeiramente, apre-
senta-se a compreensão a respeito da pesquisa narrativa e como os pesquisadores
desenvolvem a metodologia na formação de professores de Química. Num segundo
momento, propõe-se a escrita narrativa como modo de pensar e dialogar sobre
o que nos acontece na experimentação. Por último, afirma-se a importância da
experimentação investigativa na Educação em Química, por meio dos artefatos
culturais da linguagem, numa perspectiva de co-operar os modelos explicativos
na experimentação.

2 Os caminhos da pesquisa narrativa: os entremeios da pesquisa e


histórias da formação

A pesquisa narrativa é oriunda dos caminhos percorridos durante a dissertação


de mestrado em que se buscou aprender com as histórias de sala de aula narradas
pelas professoras de Química (DORNELES, 2013). Trilhavam-se os caminhos da
pesquisa narrativa, mas ainda com pouca participação do pesquisador; contou-se
a história de formação acadêmica, mas não se fez relação dessas histórias com a
pesquisa. Nesse sentido, na pesquisa de tese, busca-se avançar na compreensão
da pesquisa narrativa no sentido de o pesquisador sentir-se presente com suas
histórias ao viver a experiência de experenciar a pesquisa com as histórias de seus
participantes. Segundo Clandinin e Connelly (2011, p. 96), “não são apenas as
histórias dos participantes que são recontadas por um pesquisador narrativo. São
também as histórias dos pesquisadores que são abertas para o pesquisar e recontar”.
A pesquisa narrativa rompe com a forma de como se faz pesquisa acadêmica.
Busca-se compreender a experiência, conforme afirmam os autores:

A narrativa é o melhor modo de representar e entender a experiência.


Experiência é o que estudamos, e estudamos a experiência de forma
narrativa porque o pensamento narrativo é forma-chave de experiência
e um modo-chave de escrever e pensar sobre ela (CLANDININ; CON-
NELLY, 2011, p. 48).

Os autores afirmam que existem tensões entre a pesquisa narrativa e a forma


como se costuma fazer pesquisa. Uma das tensões centrais é pensar o lugar da
teoria na pesquisa narrativa. É comum começar a pesquisa pela teoria, porém

156 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


os pesquisadores narrativos tendem a começar com a experiência, assim como é
expressa em histórias vividas e contadas. Dessa forma, trabalha-se num espaço
tridimensional da pesquisa narrativa, que trata de:

[...] aprendermos a olhar para nós mesmos como sempre no entremeio –


localizando em algum lugar ao longo das dimensões do tempo, do espaço,
do pessoal e do social. Mas, nos encontramos no entremeio também em
outro sentido, isto é, encontramo-nos no meio de um conjunto de histórias
– as nossas e as de outras pessoas (CLANDININ; CONNELLY, p. 99).

Nesse sentido, relaciona-se a seguir a narrativa dos entremeios da pesquisa


narrativa deste estudo:

Nas leituras a respeito da pesquisa narrativa os autores Clandinin e Connelly


(2011) me possibilitaram um percurso retrospectivo, as histórias que me
constituíram professora de Química articulado a pesquisa atual e às questões
do que significam ser uma pesquisadora narrativa. Tudo isso ocorre num
lugar na FURG, lugar o qual construo minha paisagem do conhecimento
profissional, em que fui acadêmica e hoje sou professora e pesquisadora.
Poderia contar as histórias da minha formação acadêmica, mas decidi
contar as histórias de experiências profissionais, por entender que meus
saberes e vivencias estão entrelaçadas com a minha formação inicial,
refletindo os conhecimentos que me constituem o ser professora e pes-
quisadora na área da Educação Química.
Nesse lugar construo histórias de experiências no viver, contar, reviver
e recontar o processo de formação, histórias que marcam um trabalho
coletivo. Sim, penso ser uma característica que nos leva apostar na
pesquisa narrativa, o coletivo, as histórias que constituem os sujeitos
participantes desse processo de formação.
Pensar a pesquisa narrativa na Química começou durante a pesquisa de
mestrado, em que objetivo foi aprender com as histórias de sala de aula
de professores da educação básica. Já tínhamos a ideia de aprender com
o outro, pois a cada história lida e conversada outras aprendizagens eram
construídas. Percebemos que o caminho é a pesquisa narrativa, porém
com o desafio para pesquisa de doutorado, ter presente as histórias da
pesquisadora junto aos demais colaboradores da pesquisa (DIÁRIO da
pesquisadora – maio/2014).

Percebe-se um contar do passado (movimento retrospectivo), que é relacio-


nado ao presente, estruturando o processo de investigação narrativa. Nesse contar

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 157


destaca-se a importância do coletivo, configurando-se num espaço tridimensional
da pesquisa:

[...] como pesquisadores narrativos não estamos sozinhos nesse espaço.


Esse espaço envolve a nós e àqueles com quem trabalhamos. A pesquisa
narrativa é uma pesquisa relacional quando trabalhamos no campo,
movendo-nos do campo para o texto do campo, e do texto do campo
para o texto da pesquisa (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 96).

Os autores definem esse movimento da pesquisa como a característica de um


trabalho em construção em comunidades responsivas. Definem comunidades
responsivas como a presença de outros na pesquisa, com a leitura do trabalho e
a contribuição de maneira a auxiliar a ver outros sentidos que poderiam levar a
outras recontagens.
Indo ao encontro da ideia de comunidade, propõem o termo comunidade
aprendente (BRANDÃO, 2005), por compreender que os participantes na pesqui-
sa, além de contribuir na leitura das histórias, também aprendem, reconstroem e
contam suas histórias.
Discutiu-se a metodologia da pesquisa narrativa que fundamenta o processo
de produção das narrativas da experimentação na formação de professoras de
Química. A seguir apresenta-se o espaço da pesquisa, os participantes e a proposta
de escrita das narrativas.

3 A pesquisa narrativa na formação de professores de Química

Este estudo ocorre, como informado, no fazer profissional da professora


pesquisadora, nos espaços da formação acadêmico-profissional de professores
de Química na Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Desenvolver uma
pesquisa narrativa é envolver-se nas histórias dos pesquisadores e participantes da
pesquisa. Nesse sentido, as interlocuções empíricas correspondem às narrativas das
professoras pesquisadoras, autoras do presente texto, que são oriundas do diário
coletivo produzido com os licenciandos na disciplina de estágio supervisionado
II no curso de Licenciatura em Química da FURG.
A proposta do estágio supervisionado II é discutir e elaborar atividades ex-
perimentais nos encontros da disciplina e na sala de aula do ensino médio, com
objetivo de promover uma formação acadêmico-profissional que intensifique a

158 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


parceria escola e universidade (DINIZ-PEREIRA, 2011). Segundo o autor (2011, p.
213), é “importante compreender a prática profissional como um lugar de formação
e produção de saberes e estabelecer ligação entre as instituições universitárias de
formação e as escolas da educação básica”. No sentido de promover uma formação
acadêmico-profissional de professores, o curso de Licenciatura em Química da
FURG desenvolve cinco estágios supervisionados durante os oito semestres do
curso, com o primeiro estágio no terceiro semestre do curso.
No estágio supervisionado II as professoras pesquisadoras propõem a experi-
mentação e a escrita narrativa da experimentação numa perspectiva de comunidade
aprendente em que todos aprendem juntos. Para Brandão (2005), a comunidade
aprendente é aquela que aprende a ser comunidade enquanto aprende a fazer o
que faz. Dessa forma, professores e alunos escrevem as narrativas e desenvolvem
a experimentação nos encontros semanais da disciplina, e assim aprendem a ser
coletivo, a ser comunidade, a serem sujeitos aprendentes.

4 Escrita narrativa da experimentação

A experimentação no Ensino de Química tem sido desenvolvida nos cursos de


graduação como modo de compreensão de um fenômeno e de sua verificação a partir
da teoria estabelecida e comprovada com registro em relatórios de estrutura estabe-
lecida e formatada com vistas à formação técnica. Sem prescindir da importância
deste gênero na ciência, pretende-se investigar a contribuição do gênero narrativo
para o acompanhamento da aprendizagem dos participantes da experimentação,
com a intenção de que possam acontecer aprendizagens que se configurem como
experiência de aprendizagem na formação do professor de Química.
Assume-se na pesquisa o gênero narrativo a partir de Bruner (2001), que afir-
ma que formato narrativo é, provavelmente, a forma mais natural e recorrente de
expressar a experiência e o conhecimento. Segundo o autor, as narrativas têm como
característica o fato de envolverem uma sequência de eventos, em que o narrador
escolhe o que deve ser narrado, quais detalhes serão revelados ou não, possibilitan-
do que a narrativa seja envolvente para quem lê e converse com a trama narrada.
A narrativa é justificada pelo argumento de que a sequência de eventos nar-
rados é uma violação da canonicidade: narra-se algo inesperado ou algo que o
leitor tem motivo para duvidar. A esse respeito, Bruner (2001, p. 119) afirma que:

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 159


O “motivo” da narrativa é resolver o inesperado, eliminar a dúvida do
leitor ou, de alguma forma, corrigir ou explicar o “desequilíbrio” que,
antes de mais nada, fez com que a história fosse narrada. Uma história,
portanto, tem dois lados: uma sequência de eventos e uma avaliação
implícita dos eventos narrados.

Dessa forma, sinaliza-se a seguir alguns elementos da narrativa que podem fazer
do exercício da escrita narrativa da experimentação um dispositivo formativo e de
produção de conhecimento a respeito da Química (DORNELES, GALIAZZI, 2012).
Dorneles (2013) propõe a escrita narrativa na formação de professores de
Química por meio do quinteto dramatístico de Burke (1969), que se constitui na
cena (quando e onde ocorreu a história); agentes (personagens); ato (enredo da
narrativa, acontecimentos); propósito (o quê e por que narrar tais acontecimentos);
instrumento (como foi feita a história). Na escrita narrativa da experimentação os
elementos do quinteto orientam o escritor a narrar de maneira a envolver o leitor
com o lugar, os acontecimentos vivenciados na experimentação, e os propósitos
tratam-se das experiências que os sujeitos expressam por meio das suas aprendizagens.
Nesse sentido, a escrita narrativa torna-se dispositivo para pensar-se acerca da
experimentação na formação de professores de Química, como também possibilita
a compreensão da aprendizagem dos fenômenos estudados, numa perspectiva de
que a experimentação se torne um acontecimento transformador para o aprendiz.
Busca-se uma participação colaborativa na experimentação; assim, quando as
narrativas são lidas, conversadas e escritas nos espaços de formação, possibilita
ao autor da história e ao outro que a lê pensar sobre a experimentação na ação
docente e na sua formação, viabilizando que outras histórias possam ser narradas.

5 A experiência narrada como modo de pensar e dialogar a respeito


do que nos acontece na experimentação

O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a


relatada pelos outros, incorporando as coisas narradas à experiência de seus ouvintes.
Walter Benjamin

Aposta-se na escrita narrativa sobre a experimentação porque se entende que


a narrativa permite a explicitação dos modelos explicativos a respeito do fenôme-

160 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


no estudado. A construção de narrativas sobre um fenômeno permite perceber
a imersão na linguagem da Ciência, a compreensão dos modelos científicos dos
estudantes e, com isso, potencializa o reconhecimento, pelo aluno, da aprendizagem,
das possibilidades e dos limites que a experimentação proporcionou na análise
das narrativas pelo professor.
Busca-se na escrita narrativa da experimentação investigativa as experiências
transformadoras na compreensão conceitual sobre o fenômeno estudado, como
também em relação a outros conteúdos da formação, em especial sobre a importân-
cia do coletivo para a aprendizagem. Nesse sentido, assume-se o sentido filosófico
do termo experiência, considerando que seja isso que nos acontece (LARROSA,
2002, 2011). Aproximam-se as compreensões da palavra experiência no discurso
das Ciências como isso que nos acontece na experimentação (MOTTA et al., 2013).
Dessa forma, na escrita narrativa da experimentação o sujeito é desafiado a
narrar o que lhe aconteceu, a questionar e refletir a partir da experimentação e,
nesse processo, compreender o fenômeno investigado. Narrar o que nos acontece
na experimentação é conceber a experimentação como um acontecimento, cons-
tituindo o processo da experiência, que Larrosa assim define:

A experiência supõe em primeiro lugar um acontecimento. Não há


experiência, portanto, sem a aparição de alguém, ou de algo, ou de um
isso, de um acontecimento, que é exterior a mim, estrangeiro a mim [...].
Supõe também, em segundo lugar, que algo me passa. Não que passe ante
mim, ou frente a mim, mas a mim, que dizer, em mim. A experiência
supõe, como já afirmei, um acontecimento exterior a mim. Mas o lugar
da experiência sou eu (LARROSA, 2011, p. 5-6 – grifo do autor).

Conceber a experimentação no Ensino de Química como um acontecimento


está para além de apenas executar roteiros experimentais, anotações, fazer cálcu-
los; envolve os sujeitos de maneira a expressar suas ideias, suas perguntas, seus
sentimentos, suas intenções, seus saberes em relação ao que nos acontece na ex-
perimentação. No estudo a respeito da experiência, Larrosa (2011) aponta críticas
em relação à experiência das Ciências:

A experiência, ao contrário do experimento, não pode ser planejada de


modo técnico. Na ciência moderna o que ocorre com a experiência é
que ela é objetivada, controlada, calculada, fabricada e convertida em
experimento. A ciência captura a experiência e a constrói, a elabora e a
expõe segundo seu ponto de vista, desde um ponto de vista objetivo, com

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 161


pretensões de universalidade. Mas com isso elimina o que a experiência
tem de experiência e que é, precisamente, a impossibilidade de objeti-
vação e a impossibilidade de universalização. A experiência é sempre
de alguém, subjetiva, é sempre daqui e de agora, contextual, provisória,
sensível, finita (LAROSSA, 2011, p. 24).

Concorda-se com o autor por acreditar que a experiência é aquilo que nos
acontece na experimentação; são as possibilidades de aprendizagem, a abertura
para o desconhecido, para o que não é possível antecipar. A narrativa a seguir
exemplifica a proposta de conceber a experimentação como acontecimento7:

[...] A questão de entendermos o fenômeno da tensão superficial foi um


aprendizado coletivo. Nossos saberes iniciais foram reconstruindo-se na
conversa, sem dizer que isso estava certo ou errado, no diálogo fomos
compreendendo que havia outros conceitos envolvidos na compreensão
do fenômeno.
Andréia logo no começo das observações pergunta:
– Será que a tensão superficial é maior no leite integral? Por causa da
quantidade de gordura, afirma.
– Estou com dúvida, diz Cíntia. E, o leite desnatado qual a tensão
superficial?
– Maria do Carmo escreve no quadro negro os valores de tensão super-
ficial do leite integral, água e creme de leite. A tensão superficial da água
é maior que a do leite integral.
– Entro na conversa e digo: O leite desnatado por ter menos gordura,
tem maior quantidade de água.
– Então é isso! Maria do Carmo continua o diálogo conceitual:
– As moléculas de água têm maior força intermolecular, logo no leite
desnatado teremos maior tensão superficial comparado ao leite integral.
Será que estou certa?
– Mas podemos por meio da experimentação saber a tensão superficial
dos nossos três tipos de leite. O que acham?
O grupo empolgado, mesmo se aproximando do final da aula, topou
fazermos o experimento que determina a tensão superficial dos líquidos
pela determinação do número de gotas em um determinado volume,
medindo também a densidade do líquido em análise.

7  A narrativa foi escrita pela professora pesquisadora na disciplina de estágio supervisionado II no curso de
Química Licenciatura da FURG.

162 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Cada um se envolveu com uma tarefa, a Suzana, a Suélen e a Dani conta-
vam o número de gotas em 5mL da água e dos três tipos de leite, enquanto
Maria do Carmo controlava a torneira da bureta. Também encontramos
o valor da densidade dos leites com o uso de um densímetro.
Nossa aula finaliza com os dados numéricos e a Suzana já envolvida nos
cálculos de tensão superficial. O tempo passou e nem percebemos, quan-
do vimos eram 12h30 e ainda precisávamos limpar o material, mesmo
com a fome batendo o grupo continuou junto também para organizar
a sala! (Professora Aline – Diário coletivo da experimentação – 04 de
maio de 2014).

Na escrita narrativa percebe-se a intenção de marcar a discussão sobre o


conceito, que não estava claro para o grupo. Também um segundo aspecto que a
escrita traz é a importância que a autora dá ao trabalho coletivo e ao engajamento
de todos na proposta. Ainda um terceiro ponto chama a atenção: a incorporação
dos instrumentos e a linguagem da ciência no experimento, que, inicialmente, é
somente um show de cores. Vivenciar e experienciar os acontecimentos da expe-
rimentação é transformar-se em relação ao estudo do conceito e da compreensão
de perceber-se aprendente com o outro. Larrosa (2002, p. 21) diz que “a cada dia
se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece”. Por
isso, a aposta na narrativa, afinal somos seres constituídos de histórias, e por que
não fazer da experimentação espaço para narrar as experiências que constitui o
ser professor de Química.
A narrativa torna-se um instrumento para indagação dialógica quando se
propõe a partilha do que se narra, a partilha das experiências, pois mesmo que
todos vivenciem a mesma experimentação, cada um será tocado de uma maneira.
Para Wells (2001), a indagação deve acontecer a qualquer momento e não somente
pelo professor, mas, principalmente, por todos os participantes, por meio de um
artefato do conhecimento, que, nesse caso, são as narrativas da experimentação.
A indagação dialógica constitui-se no conversar e no registro escrito das
aprendizagens, como possibilidade de repensar e reconstruir o que se sabe. Por
isso, o argumento da narrativa como artefato dialógico na experimentação, afinal
as narrativas na maioria das vezes são constituídas dos saberes de quem escreve
em diálogo com o outro. As lembranças são carregadas de significados constituídas
no diálogo com si mesmo e com o outro que fazem com que as aprendizagens a
respeito do fenômeno sejam registradas e problematizadas por meio da experi-
mentação e da narrativa na Educação em Química.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 163


6 Experimentação investigativa: o co-operar na linguagem na
compreensão do fenômeno investigado

A experimentação investigativa que se propõe no Ensino de Química é de-


senvolvida a partir das perguntas de cada um sobre o fenômeno da natureza em
estudo, com o propósito de co-operar os modelos explicativos de cada um por
meio da linguagem. Entende-se que as perguntas em torno do experimento opor-
tunizam a construção de um objeto aperfeiçoável. Wells (2001) define um objeto
aperfeiçoável como artefato do conhecimento que é aperfeiçoado no trabalho cola-
borativo entre os participantes. Ao fazer uma pergunta em torno do experimento,
na visão de Wells (2001), o sujeito concentra-se “num tipo de teorização”, analisa
suas “próprias crenças sobre o fenômeno” envolvido no processo investigativo e
as “relaciona com outros conhecimentos”, os quais considera importantes para os
possíveis resultados. De forma similar, entende-se que uma pergunta só pode ser
feita a partir das teorias de quem a formula e assim as perguntas fornecem um
panorama do conhecimento dos alunos sobre o fenômeno estudado.
A experimentação investigativa favorece o sentir-se aprendente ao oportu-
nizar aos sujeitos expressar o que sabem a respeito de um determinado tema em
estudo na Química. No operar junto ao fenômeno investigado, percebem a ação
de co-operar. A experimentação investigativa é concebida como uma atividade
co-operativa em que os sujeitos se sentem desafiados a querer saber mais, a partir
dos conhecimentos iniciais de cada um, com as perguntas do grupo e na recons-
trução dos saberes na sala de aula e na formação de professores.
As diferentes linguagens na experimentação investigativa potencializam aos
sujeitos promover inferências, conexões e interconexões na resolução de proble-
mas. Experimentar é co-operar a partir da imersão na linguagem e por meio dela
explicitar o conhecimento de cada um, que, a partir dos seus modelos explicati-
vos, desenvolve compreensões mais complexas pela argumentação a respeito do
fenômeno investigado. Ao experimentar pela linguagem é possível alcançar o
raciocínio e a conceituação no ensino de Química.
Cabe explorar diferentes modos de registro da experimentação, como fo-
tografias, filmes e a escrita narrativa do que acontece aos sujeitos ao vivenciar
a investigação. Esses documentos favorecem a indagação de modo a construir
aprendizagens. A apropriação dos diferentes artefatos culturais no co-operar a

164 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


experimentação imersa na linguagem possibilita um ciclo de três etapas de trans-
formação do sujeito e do grupo, que Wells assim define:

Em primeiro lugar se dá uma transformação de quem aprende: uma


modificação dos seus próprios processos mentais, proporcionando
outra maneira de perceber, interpretar e representar o mundo; segundo
lugar uma transformação do próprio artefato, quando é assimilado e
reconstruído por quem aprende a partir do conhecimento que possui;
por último, o artefato como mediador de posteriores ações, provocando
partilha de práticas e maneiras em que o artefato é compreendido e usado
por outros membros do grupo (2001, p. 151, tradução nossa).

Nesse sentido, é importante promover uma participação colaborativa na


experimentação investigativa, por meio dos diferentes artefatos culturais com o
objetivo de promover um envolvimento do grupo na construção e elaboração de
um objeto aperfeiçoável. Na narrativa a seguir percebe-se a experimentação do
leite psicodélico como objeto aperfeiçoável:

[...] o experimento escolhido foi o leite psicodélico. Esse experimento já


foi realizado pelos nossos alunos do curso e também encontramos vídeos
na internet com a demonstração visual da atividade. Na conversa com
os licenciandos antes mesmo de pensarmos em fazer dele nosso objeto
aperfeiçoável, escutávamos o seguinte:
– O que acontece nessa atividade experimental é que o detergente diminui
a tensão superficial do leite”.
Decidimos compreender e investigar mais sobre os conceitos relacionados
nessa atividade no Estágio II e assim começamos na primeira aula a fazer
perguntas para o experimento, surgiram várias:
– O que é tensão superficial?
– Como será o fenômeno com diferentes tipos de leite (integral, desna-
tado, semidesnatado)?
– A gordura do leite influenciará na tensão superficial?
– O corante influencia no estudo da tensão superficial?
Tantas outras perguntas nos provocaram a estudar e aperfeiçoar o ex-
perimento. E, assim, fomos à busca dos materiais, escolhemos três tipos
de leite (integral, desnatado e semidesnatado (sem lactose), corantes
alimentícios, detergente, pratos descartáveis.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 165


O experimento consiste em acrescentar uma quantidade de leite no
prato e algumas gotas de corantes de diferentes cores ao redor do prato.
Ao colocar um pingo de detergente no meio do prato, percebemos um
movimento lindo de cores, um show psicodélico!
Durante a realização do experimento fomos conversando e registrando
nossas observações por meio de fotos, anotações e vídeos. O interessante
foi perceber o engajamento do grupo com a proposta, a Maria do Carmo
ao perceber aquele envolvimento propôs que cada experimento possa
ser de responsabilidade de todos, é o experimento do grupo! (Professora
Aline – Diário coletivo da experimentação – 04 de maio de 2014).

A experimentação do leite psicodélico tornou-se aperfeiçoável pelo grupo,


na medida em que acrescentou à proposição original uma prática investigativa
em relação à tensão superficial em diferentes tipos de leite. Também, a partir das
perguntas, acrescentou a incorporação à experimentação do cálculo da tensão su-
perficial em diferentes líquidos, incorporando à atividade a linguagem da ciência,
seus aparatos e suas medidas. O aperfeiçoamento do experimento proporciona a
cada um o questionar, repensar, reconstruir e aprofundar saberes a respeito dos
conceitos da Química, como também fortalece a ideia de ser grupo, da mediação
coletiva na experimentação.
A indagação dialógica a respeito do fenômeno em estudo por meio da ex-
perimentação investigativa promove a conversa, a elaboração de perguntas e a
participação intensa dos sujeitos envolvidos no processo de formação. Experi-
mentação requer diálogo, escuta atenta ao outro e ao modelo explicativo inicial
de cada um e a reconstrução dos modelos e saberes dos sujeitos envolvidos na
ação de experimentar. Na narrativa da professora Maria constroem-se modelos
explicativos com o grupo, como segue:

Pensar no que me aconteceu nessa aula de Estágio II é motivador, porque


foi uma aula daquelas que deu certo.
Nossas colegas haviam feito perguntas que giravam em torno da tensão
superficial, sua influencia no fenômeno, sua conceituação, a influencia
do tensoativo e isso já havia nos levado a estudar o conceito e sua origem
pela resultante de forças entre as moléculas do interior do líquido e da
superfície, em que não há compensação por estar em contato com o ar e
não com moléculas do líquido. Há um desequilíbrio entre as forças que
agem sobre as moléculas da superfície em relação às que se encontram
no interior da solução.

166 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


E fizemos o experimento, primeiro a parte estética em que as colegas
foram se envolvendo. Cabe dizer que no início elas não estavam assim
tão animadas para essa aula, mas foram se animando. E depois fomos
à determinação do número de gotas em 5 ml de três tipos de leite: inte-
gral, semidesnatado sem lactose e desnatado. Enquanto uns buscavam
material, outros registravam, outros fotografavam8.
Nossa aula foi muito empolgante. Passamos da hora, atrasando o almoço
de todos.
E o que considerei interessante foi de pensarmos nas possibilidades de
discussão conceitual em que esse mesmo experimento poderia estar
presente: forças intermoleculares, por conta das atrações que explicam
a tensão superficial, para discutir cadeia carbonada por conta do uso de
detergente como tensoativo, soluções e emulsões por estarmos usando
leite que é um colóide.
A discussão sobre se a presença de gordura aumenta ou diminui a tensão
superficial do leite também foi interessante e digo aqui: diminui! Não sei
se eu pensava assim antes da aula, mas a discussão foi muito interessante
e agora lembrei que alguém disse:
– Sim, é que se tem menos gordura, no mesmo volume tem mais água,
então tem mais chance de fazer ligações mais fortes entre moléculas de água.
Beleza! – pensei eu enquanto estava na frente do quadro a mostrar
cadeias carbonadas do tensoativo: dodecilbenzeno sulfonato de sódio.
Olhe ele aqui agora:
Figura 1 – dodecilbenzeno sulfonato de sódio

Bom, e agora fiquei umas três horas tentando baixar as fotos para nossa
narrativa, mas meu celular não é reconhecido por meu computador. Por
enquanto é isso! (Professora Maria – Diário coletivo da experimentação
– 04 de maio de 2014).

Ressalta-se na escrita narrativa o caráter incisivo sobre a presença de gordura


diminuir a tensão superficial, indicando assim a dúvida durante a realização do
experimento. O registro da fala de uma das participantes sobre a diminuição de
gordura favorecer a interação das moléculas de água permite perceber a conversa

8  O estudo e a determinação da tensão superficial dos diferentes leites foram adaptados de artigos da Revista
Química Nova e Química Nova na Escola (SILVA, 1997; BEHRING et al., 2004).

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 167


com vistas a compreender mais o fenômeno que não estava ainda compreendido
por todos. Na escrita narrativa da professora nota-se também a intenção de mar-
car a medida de uma grandeza, operando o fenômeno na linguagem da ciência;
a pesquisa acrescentada ao fenômeno, determinando a tensão superficial em três
tipos de leite e a linguagem química por meio de suas fórmulas.
Assume-se que a experimentação no ensino de Química é co-operar sobre
um fenômeno da natureza na linguagem a partir das teorias e dos modelos expli-
cativos de cada um no coletivo. A experimentação é uma prática social que ocorre
na ação sobre um fenômeno mediada pela linguagem. Não é um ato solitário; ao
contrário, é uma ação com o outro em diálogo a partir dos modelos explicativos
dos participantes, conforme argumenta Almeida (2001, p. 59):

A componente social do trabalho experimental envolve o reconhecimento


de que a razão humana se desenvolve através de uma ação interativa
e reflexiva, onde a dimensão intersubjetiva, a relação com os outros,
assume particular importância. Ao admitir-se como fundamental esta
componente, destaca-se a pertinência de o trabalho experimental ser
concebido como uma atividade cooperativa de aprendizagem centrada
no trabalho de grupo, em pequenos grupos e no grupo-turma.

Nesse sentido, defende-se o argumento de que a experimentação investigativa


se constitui num recurso didático em que os sujeitos se tornam aprendentes por
meio do co-operar os modelos explicativos no coletivo, com a indagação dialógica
e a reconstrução de saberes sobre o fenômeno em estudo. As diferentes linguagens
são artefatos que possibilitam exercer a escrita, a elaborar cálculos de medida, a
construção de gráficos e tabelas. A experimentação nessa perspectiva compreende
a ação do experimentar no âmbito teórico e metodológico dos recursos didáticos
no Ensino de Química.

7 Considerações finais

Argumenta-se a respeito da pesquisa narrativa como possibilidade de promover


a escrita da experiência de cada um ao vivenciar, estudar e desenvolver a experi-
mentação investigativa na formação de professores de Química. O pesquisador
narrativo compreende a importância de promover o sentimento de comunidade
em que os participantes se percebam como aprendentes por meio das aprendi-

168 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


zagens partilhadas ao questionar os fenômenos envolvidos na experimentação, e
assim cada atividade experimental é compreendida como objeto aperfeiçoável e o
processo de investigação é escrito nas narrativas da experimentação de professores
e licenciandos de Química.
Nesse sentido, reforça-se a importância da escrita narrativa da experimentação,
por compreender a narrativa como modo de pensar e aprender a respeito da ex-
perimentação. O professor é desafiado a narrar o que lhe aconteceu, o que marcou
como significativo na experimentação investigativa. Narrar o que nos acontece nas
atividades experimentais é conceber a experimentação como um acontecimento.
Nos registros narrativos expressam-se o trabalho coletivo, os conhecimentos
iniciais, as compreensões mais complexas a respeito dos conceitos da Química.
As narrativas da experimentação quando contadas permitem a imersão na
linguagem e o cooperar na compreensão do fenômeno investigado por meio
da indagação dialógica e da problematização dos saberes iniciais de cada um.
Também proporciona o trabalho colaborativo, fazendo da experimentação um
espaço de incertezas, questionamentos e de formação profissional do professor.
Compreende-se também a experimentação investigativa como possibilidade de
explorar os modelos explicativos de cada um, a linguagem da Ciência na elaboração
desses modelos por meio da pergunta e assim fazer da experimentação um objeto
aperfeiçoável no coletivo.

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170 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


10 A HISTÓRIA ORAL NA PESQUISA EM
ENSINO DE CIÊNCIAS

Claudia Christina Bravo e Sá Carneiro


Roselene Ferreira de Sousa

1 Introdução

Consenso comum, a educação em ciências encontra-se vinculada ao desen-


volvimento científico de um país ou região, ou ao desenvolvimento científico
mundial. Mudanças nas diretrizes do seu ensino acompanham as orientações da
construção científica ocorrida nos contextos de cada país.
No cenário brasileiro, a procura pela melhoria da qualidade do ensino de
ciências, de modo a torná-lo coerente com os padrões pretendidos na contempora-
neidade, tem levado a amplas reflexões nos últimos anos. As razões para o fracasso
escolar e para a má qualidade deste ensino não se encontram somente no interior
da instituição escolar, mas na falta de qualificação docente, no desinteresse e nas
condições sociais dos alunos, na falta de políticas públicas sérias e comprometidas
com o desenvolvimento do sujeito. Enfim, estão ligadas intimamente a fatores
sociais, econômicos e políticos mais amplos.
O ensino de ciências no Brasil, à semelhança do ensino de outras disciplinas
menos privilegiadas do currículo escolar, principalmente no que diz respeito aos
currículos e à formação de seus professores, apresenta um desenho problemático. A

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 171


formação docente, os currículos propostos durante sua existência como disciplina
escolar, o ensino e a aprendizagem mostram um quadro baseado no sofrimento,
nos encontros, nos desencontros, na solidão de um professor, na violação de seus
direitos, nos mandos e desmandos das instâncias de poder, muitas vezes inertes e
submissos a interesses especulativos.
Um quadro como o desvelado mostra a necessidade de interferências mais
específicas. Não há dúvidas de que o ensino de ciências tem recebido atenção
especial nos últimos tempos, fato constatado pela produção acadêmica, devendo-
-se isso a um número razoável de pesquisadores interessados na área. Os estudos
têm trazido importantes contribuições para a compreensão dos vários aspectos
relacionados a essa área de conhecimento, embora se perceba que o resultado de
tais estudos e pesquisas pouco entra nas salas de aula.
Trabalhos recentes têm revelado uma nova tendência de estudos, que vem
se consolidando, proveniente da dificuldade de se analisar questões educacionais
sem se levar em conta sua história. Nesse sentido, as discussões sobre o desenvol-
vimento histórico possibilitam a compreensão e elucidação da natureza dinâmica
do processo educativo. No âmbito do ensino de ciências, é preciso ver e entender
que, entre as várias propostas de sua melhoria, escolhidas e adotadas, outras foram
relegadas ou mesmo abandonadas, “por quê”?
Aprender a fecundidade e a complexidade presentes no desenvolvimento do
ensino de ciências demanda análise cuidadosa e, neste processo, encontra-se a pos-
sibilidade de se colocar a análise histórica. No entanto, parece que um grande erro
de certas gerações foi relegar a história a um plano secundário. Como consequência,
as comunidades formadas nesses casos são comunidades sem memória, preocupa-
das com o imediatismo, com soluções apressadas, superficiais e sem perspectivas.
Refletir sobre as variadas modificações nos currículos, nos mecanismos de
formação docente, no papel das disciplinas científicas nos currículos, nos processos
de ensino e aprendizagem, nas políticas educacionais, entre outros aspectos, é um
modo de estabelecer nortes para a compreensão da lógica do ensino de ciências,
de suas características, das influências dos aspectos culturais, sociais, econômicos
e políticos.
Frente a tais argumentações, acreditamos que a reflexão histórica pode levar a
investigações mais originais e, concomitantemente, desvendar coordenadas essen-
ciais para uma política salutar para o ensino de ciências em suas variadas vertentes.

172 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Com base em tais considerações, a história oral pode se tornar coadjuvante no
caminho investigativo do ensino de ciências, principalmente se for levado em conta
que são muitas as omissões e nem tudo é registrado pela escrita e referendado, uma
nuvem silenciosa muitas vezes cala os acontecimentos. Procurar vozes caladas do
passado pode permitir encontrar respostas, suscitar dúvidas, tirar lições, denun-
ciar problemas, realçar qualidades. Há, por fim, uma grande história a ser escrita.
Por outro lado, os documentos construídos a partir de narrativas de história oral,
utilizando vozes de experiências vividas, surgem como possibilidade de ampliação
das fontes escritas, não para preencher lacunas, mas como elementos primordiais
para que sejam constituídas outras versões históricas, novas abordagens.
Como bem enfatiza Certeau (2002), uma leitura do passado, por mais que
seja controlada pela análise de documentos, está dirigida sempre por uma leitura
do presente. Nesse sentido, o historiador permite posicionar-se criticamente e
inserir-se na história cotidiana.
O cruzamento de histórias orais com documentos pode possibilitar aproxi-
mações com o objeto de estudo. Evocar, narrar e atribuir sentido às experiências
vividas pode permitir interpretar reminiscências, em um processo de questiona-
mento dos vários saberes que se fazem presentes na vida dos sujeitos.
Neste capítulo serão abordados, em termos mais gerais, aspectos da história
oral e o seu emprego como coadjuvante na pesquisa em ensino de ciências.

2 Historiando a história oral

Tem-se discutido muito, atualmente, sobre a emergência de estudos no campo


da história que analisa as relações sociais a partir da autobiografia que a fonte oral
pode proporcionar. Não é nossa intenção, neste estudo, polemizar sobre o emprego
da história oral no que respeita às polêmicas ainda presentes sobre determinadas
questões, dentre elas a legitimidade de aproveitamento das fontes orais.
Segundo Meihy e Holanda (2007), a história oral, em sua concepção moderna,
nasceu em 1948, após a Segunda Guerra Mundial, em Nova York, na Universidade
de Colúmbia. Ao que indica a literatura, a história oral contemporânea nos Estados
Unidos surgiu como uma decorrência do interesse dos órgãos governamentais e
dos setores comunicativos em incentivar o desenvolvimento de análises sociais
e históricas.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 173


Cabe lembrar que, segundo Ferreira (2002), a coleta de documentos pessoais,
utilizando gravações, teve seu início com Allan Nevins, na década de 1940, ao
desenvolver um programa de entrevistas na busca de recuperar informações so-
bre a atuação de grupos dominantes norte-americanos. Na década de 1950, esse
programa, constituído como Columbia Oral History Office, serviu como modelo
para outros centros em bibliotecas e arquivos no Texas, Berkeley e Los Angeles.
Esse primeiro ciclo de expansão da história oral enfatizou o estudo das elites e
teve como atribuição a tarefa de preencher lacunas de registros escritos, através da
criação de arquivos com fitas transcritas. Pode-se afirmar, como dizem Meyhy e
Holanda (2007, p. 103), que “[...] a certidão de batismo da moderna história oral
foi dada pela eletrônica”.
O aumento de interesse pela história oral na Europa deu-se a partir dos anos
1970 e, na década de 1980, foi reconhecida no Congresso Internacional das Ciên-
cias Históricas, em Bucareste, tornando-se conceituada no mundo acadêmico. No
Brasil, chegou a partir de meados dos anos 1970, durante a ditadura militar. Havia
grande vontade e interesse de registro da memória de um tempo de repressão,
bastante difícil, como afirmam Meihy e Holanda (2007, p. 111): “[...] quase que
como vingança pelo silêncio imposto, foi o germe da repressão militar que acabou
por excitar o aparecimento de uma história oral vibrante, contestatória e prezada
por quantos a entendem como contra-história.”
Nesse sentido, Meihy (2000) aponta a relevância da história oral como ins-
trumento de denúncia e seu vínculo com a política. O autor também diferencia
as trajetórias brasileiras, europeias e americanas quanto à sua origem. Como em
outros países da América Latina, o seu início coincidiu com o processo de rede-
mocratização – período pós-ditadura militar. O certo é que no Brasil, mesmo
que existam alguns registros de sua utilização em épocas anteriores, a Associação
de História Oral foi fundada em 1975, e a aplicação do recurso por instituições
e universidades passou a intensificar-se a partir da década de 1980 e apenas nos
anos de 1990 deu-se sua verdadeira expansão.
Meihy, no entanto, demonstra, à semelhança de outros autores, preocupações
relacionadas às consequências das marcas deixadas pelo constante “colonialis-
mo cultural” que se passa principalmente nas nossas academias. A história oral
encontra-se num impasse – pode-se dizer um impasse político –, quando se situa
entre a criação de um saber autônomo, de uma prática temática independente e,
simultaneamente, convive com a prática imitativa às práticas do exterior.

174 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Mesmo que nas últimas décadas os meios acadêmicos tenham passado a
desenvolver estudos que utilizam a história oral como metodologia, na busca de
construir outro tipo de fonte, esta fonte oral foi recebida com certo receio, embora
também com euforia, dependendo do ponto de vista do historiador.
Dois pensamentos antagônicos desenvolveram-se: uns desconfiavam da fonte
oral, que não teria o mesmo estatuto do documento escrito, seria o fetichismo do
documento escrito, como coloca Ferreira (2002); outros compreendiam que, com a
revalorização do papel do sujeito, das questões políticas, surgidas com a emergência
da história do Século XX, com novo estatuto, segundo a autora, as fontes orais dariam
maior visibilidade aos acontecimentos que as fontes tradicionais não permitiam.
À medida que os estudos avançaram, as duas posições tiveram que ser revistas
e o certo é que hoje o que conhecemos por história oral caracteriza-se por uma
modalidade de pesquisa que, no Brasil, tem sido muito utilizada na área dos es-
tudos culturais por sociólogos, antropólogos e historiadores, embora outras áreas
a tenha tomado emprestada.
Superando os embates iniciais – ainda não bem resolvidos quanto à falta de
confiabilidade da oralidade em relação à escrita –, atualmente, entre os historiadores
que têm trabalhado com a história oral, há uma discussão referente à sua “natureza”.
Segundo Garnica (1998), sendo a história oral concebida como um recurso
que permite o levantamento histórico da vida social há a discussão sobre “se essa
possibilidade de aproveitamento da oralidade é uma técnica, uma disciplina ou
uma metodologia.” (p. 34).
A expressão “história oral” sofre, então, alguns equívocos, que a princípio
referem-se a um proceder rigorosamente em pesquisa no território da história.
Conforme Garnica (2005), no Brasil seria mais correto utilizarmos o termo “abor-
dagem qualitativa de pesquisa que vincula oralidade e memória”, pois, como já
enfatizado, aqui ainda há discussão de historiadores acerca de como se caracteriza
a história oral – uma disciplina, uma metodologia ou uma técnica – e a influência
dos historiadores fica relativizada face às influências vindas de outras áreas, como
as ciências sociais. Mas se percebe que seu emprego, pensada como metodologia
de pesquisa qualitativa, coloca-se muito bem para estudos históricos, como estu-
dos acerca da história da educação matemática, da educação em ciências e outras,
no que se refere à formação dos professores, instituições escolares, salas de aula,
disciplinas escolares, currículos, práticas, legislações etc.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 175


Não nos cabe, aqui, detalhar tais posições, posto não sermos historiadoras
e estarmos em uma situação em que a utilização deste novo modo de abordar a
história nos auxilia, e muito, no instante em que possibilita a melhor compreensão
de fatos não escritos, de situações e contextos ocorridos no ensino de ciências.

3 O que é a história oral

Para Meihy (1996, p. 13), “a história oral é um recurso moderno usado para ela-
boração de documentos, arquivamento e estudos referentes à vida social das pessoas”.
A oralidade visa ao entendimento da vida das pessoas no cotidiano social,
pois de acordo com Thompson (1992, p. 44), “é a história construída em torno da
vida das pessoas”.
Segundo Freitas (2002, p. 18), trata-se de “um método de pesquisa que utiliza
a técnica da entrevista e outros procedimentos articulados entre si, no registro de
narrativas da experiência humana”. Percebe-se, nesta definição, que a história oral
é, ao mesmo tempo, uma fonte e uma técnica.
Para Garnica (2004, p.78), é “a história (re) construída a partir da oralidade,
numa clara complementação [...] àquela concepção de história pautada somente
em documentos escritos”.
O autor situa a valorização desse tipo de história na contribuição da Escola
dos Annales, principalmente a partir do final dos anos 1960, quando se passa a
admitir que

[...] o todo é, agora, inacessível e só se pode abordar a realidade social


por partes. É a História em migalhas. [...] várias são as abordagens que
despontam para a compreensão do fato histórico, as ousadias metodo-
lógicas, as distintas perspectivas, as múltiplas e variadas fontes agora
tomadas como legítimas. A oralidade, que sempre serviu de recurso e
inspiração aos historiadores, surge, realçada, subsidiando uma das prin-
cipais modernas tendências historiográficas. Desponta o que chamamos
de história oral (GARNICA, 2004, p. 82-83).

A busca da história oral vem na esteira de relativizar a importância dos do-


cumentos escritos como a única fonte da história do jeito que realmente ocorreu
(RANKE, apud GARNICA, 2004). Valorizam-se, assim, versões que não se en-
contram relatadas nos documentos escritos.

176 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Meihy e Holanda (2007), por seu lado, a definem e a esmiúçam, ao afirmar que:

História oral é um conjunto de procedimentos que se inicia com a ela-


boração de um projeto e que continua com o estabelecimento de um
grupo de pessoas a serem entrevistadas. O projeto prevê: planejamento
da condução das gravações com definição de locais, tempo de duração
e demais fatores ambientais; transcrição e estabelecimento de textos;
conferência do produto escrito; autorização para o uso; arquivamento e,
sempre que possível, a publicação dos resultados que devem, em primeiro
lugar, voltar ao grupo que gerou as entrevistas. (p. 15)

Percebe-se a história oral como uma possibilidade valiosa no resgate de memó-


ria, embora ainda haja restrições sobre a sua utilização metodológica. O seu valor,
segundo Meihy (1996), está em permitir um diálogo entre o passado recente e o
presente, entre o dito e não dito e, também, por assegurar aos envolvidos, emoções
que não se evidenciam em outros processos de resgate de memória.
No entanto, para Meihy e Holanda (2007), é necessário que se lembre, sem-
pre, que não é apenas quando não existem documentos necessários que ocorre a
história oral, pois ela é vital para, também, produzir outras versões promovidas
por documentos oficiais.
Mas é importante salientar que, basicamente, há, segundo os autores, três
gêneros distintos em história oral: a história oral de vida, que objetiva os estudos
biográficos, voltada aos acontecimentos relacionados à vida de um indivíduo,
suas experiências, identidade e memória individual; a história oral temática,
caracterizada por estudos temáticos centrados em acontecimentos relacionados
às experiências, memórias e identidades de grupos e coletividades sociais; e a
tradição oral, relacionada ao conhecimento histórico transmitido oralmente ao
longo do tempo pelo saber não sistematizado, pelos costumes transmitidos de
geração a geração.

A História Oral Temática é que mais se aproxima das soluções comuns e


tradicionais de apresentação de trabalhos analíticos em diferentes áreas
de conhecimento acadêmico. Quase sempre ela equivale ao uso da do-
cumentação oral da mesma maneira que das fontes escritas. Valendo-se
do produto da entrevista, como mais um documento, compatível com
a necessidade de busca de esclarecimentos [...] (MEYHI, 1996, p. 41).

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 177


Um fato, no entanto, é preciso ficar claro: optar pela história oral para estudos de
natureza historiográfica significa optar por uma concepção de História e reconhecer
os pressupostos que a tornaram possível. Significa inscrever-se num paradigma
específico, percebendo suas limitações e vantagens para, então, (re) configurar os
modos de ação, possibilitando vencer as resistências e ampliar as vantagens.
Não é, portanto, uma simples coleta de depoimentos e, muito menos, uma
rivalização entre escrita e oralidade. Trata-se de entender a história oral na perspec-
tiva de atores sociais que vivenciaram certos contextos e situações, considerando
como elementos essenciais suas memórias, em geral negligenciadas, sem relegar,
no entanto, os dados “oficiais”, sem desprezar a importância de fontes primárias,
de arquivos, de monumentos e outros tantos registros.

4 Aspectos gerais de procedimentos em história oral

Quando nos debruçamos sobre a vasta literatura existente sobre o emprego da


história oral, nos deparamos com um sem número de recomendações, polêmicas,
procedimentos, cuidados etc. No entanto, nossa intenção neste texto é evidenciar
aspectos do que consideramos uma conduta mais geral e que, no nosso caso, pode
nos auxiliar a levar adiante as nossas intenções de pesquisa. Deixaremos os deta-
lhes dos procedimentos a cargo dos especialistas, muitos dos quais, neste estudo,
foram consultados e referenciados.
O uso da história oral, desde seu início, está associado a várias áreas das
ciências humanas, como a Antropologia, a Sociologia, os Estudos Culturais, não
se restringindo somente à História. Na área da Educação, por exemplo, sua utili-
zação, normalmente nos seus gêneros história oral de vida e história oral temática,
conforme Bueno, 2002; Massena, 2009; Ishii, 2008; Garnica, 2004, 2005; Garnica e
Souza, 2012; Goodson, 1995, 2007, dentre outros, volta-se a estudos relacionados
à história dos currículos, que visam geralmente à sua compreensão, na busca de
perceber como foram estabelecidas as concepções e delimitações de currículos; sobre
formação docente, envolvendo as trajetórias, concepções e práticas de professores.
Garnica e Souza (2012) consideram a história oral uma metodologia de pes-
quisa, não apenas uma técnica de constituir fontes a partir da oralidade. Para o
autor, vai-se mais além, pois envolve a criação das fontes provenientes da oralidade

178 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


e se compromete com análises coerentes e fundamentadas, podendo envolver, ou
não, procedimentos usados em outros tipos de pesquisa.
Utilizando diálogos gravados, são registradas as percepções da vida social, que
se tornam fontes ou documentos, os quais, no entanto, devem ser considerados
desde sua origem. O importante, segundo Meihy e Holanda (2007), é que ao se
iniciarem as entrevistas em história oral é necessário aceitar que os procedimen-
tos são realizados no presente, com gravações, com o objetivo de articular ideias
orientadas e fazer registros ou tentar explicar interesses que foram planejados em
projetos. Portanto, para Meihy e Holanda (2007, p. 47), “o detalhamento do projeto
em história oral é condição para qualquer boa pesquisa”.
Os autores consideram que, ao se definirem os passos da história oral, devem
ser estabelecidos cinco momentos principais: elaboração do projeto; gravação;
estabelecimento do documento escrito e sua seriação; eventual análise; arquiva-
mento e devolução social.
Segundo Meihy (1996), os procedimentos metodológicos devem ser devida-
mente planejados e as principais etapas são gravação, transcrição das entrevistas
e análise dos documentos transcritos à luz dos conceitos-chave escolhidos para
análise de toda a documentação.
Meihy e Holanda (2007) apontam que os recursos eletrônicos (gravadoras,
filmadoras), o entrevistador e o entrevistado são elementos que proporcionam as
condições mínimas para a realização da história oral. O entrevistador, em geral,
é o diretor do projeto (uma função que pode ser delegada previamente), e o en-
trevistado, a pessoa a ser ouvida em gravação (sendo justo considerá-la, além de
“ator social”, parte do projeto). Nesse sentido, conforme os autores, as escolhas
e os procedimentos de contato e a condução das entrevistas devem realizar-se
conforme preceitos estabelecidos e aceitos previamente.
Na busca por uma sistematização metodológica, critérios e procedimentos
devem ser estabelecidos de modo a propiciar o controle crítico da fonte oral. Tal
postura envolve os itens primordiais de seleção da testemunha, a entrevista, sua
transcrição e análise. Nas palavras de Tourtier-Bonazzi, a “[...] exploração inteli-
gente do testemunho oral” (2006, p. 233).
O processo é iniciado com a seleção da testemunha, devendo o entrevistador
estar atento à idade e ao envolvimento dessa pessoa com o que objetiva a pesquisa,
atentando para as suas condições emocionais e de saúde. A partir de então cabe ao
entrevistador elaborar os procedimentos de registro e análise das informações obtidas.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 179


Como procedimento para coletar dados junto aos sujeitos desejados, são
realizadas, em geral, entrevistas reflexivas, as quais são caracterizadas pela disposição
do pesquisador de compartilhar continuamente sua compreensão dos dados com
o participante (GATTI apud SZYMANSKY, 2004, p. 07).
Na opinião de Szymanski (2004), deve-se partir da constatação de que a en-
trevista face a face implica em uma situação de interação humana, em que as suas
percepções e as do outro, como expectativas, sentimentos, preconceitos e inter-
pretações, estão em jogo em ambos – entrevistador e entrevistado. A concepção é
a de que o movimento reflexivo fornecido pela entrevista acaba por constituir-se
em um momento de construção de um novo conhecimento. Nesse caminho, um
modo de aprimorar a fidedignidade é a reflexividade, que tem o sentido de refletir
a fala de quem foi entrevistado, expressando sua compreensão pelo entrevistador
e submetê-la ao entrevistado.
Para Szymanski (2004), não há um roteiro fechado para a realização das en-
trevistas, podendo-se considerar uma entrevista semidirigida, com, no mínimo
dois encontros. Para a autora, são caracterizados os seguintes momentos:

[...] contato inicial e a condução da entrevista propriamente dita, que pode


incluir atividades de aquecimento (especialmente no caso de entrevistas
coletivas), seguidas da apresentação da questão geradora, planejada com
antecedência, e das expressões de compreensão do pesquisador, das sín-
teses, das questões de esclarecimento, focalizadoras, de aprofundamento
e, finalmente, a devolução. (p. 19)

Esse tipo de entrevista requer, portanto, a elaboração de uma questão desenca-


deadora para provocar o início da fala do entrevistado, sem distanciá-lo do objetivo
da investigação. Assim, os objetivos da pesquisa serão a base para a questão desen-
cadeadora, considerada o ponto de partida para o início da fala do participante.
Deverá, ainda, ser resguardado um nível de flexibilidade no roteiro, de ma-
neira que possa contemplar as diferentes experiências dos depoentes, embora se
tenha sempre como norte os objetivos da pesquisa. É possível que seja necessária
a elaboração de diferentes roteiros para os diversos segmentos que venham efeti-
vamente a compor o conjunto dos entrevistados: alunos, professores, diretores e
secretários de educação.
Tourtier-Bonazzi (2006) dá como sugestão, após a escolha da testemunha,
algumas recomendações sobre a realização das entrevistas: estabelecer um ambiente

180 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


confiável com o entrevistado; evitar cansar o entrevistado; evitar perguntas meti-
culosas do ponto de vista cronológico; ouvir, aguardando em silêncio; adaptar-se à
psicologia da testemunha; tentar não falar ao mesmo tempo em que o entrevistado
fala; não insistir em situações desconfortantes; repetir de formas variadas a mesma
pergunta para tentar transpor situações de resistência.
Já em relação aos lugares em que as entrevistas podem ser realizadas, o autor
recomenda espaços poucos movimentados e mais silenciosos, podendo ser rea-
lizadas na residência do entrevistado, em seu local de trabalho ou em locais que
possam levar a recordações relativas ao objeto da pesquisa. No entanto, não há
uma recomendação particular quanto ao lugar.
Para Tourtier-Bonazzi (2006), a preparação das entrevistas deve ser minuciosa
e sugere que deve haver uma “[...] consulta a arquivos, a livros sobre o assunto, à
vida do depoente, leitura de suas obras, se houver alguma, bem como referências
sobre as principais etapas de sua biografia” (p. 236).
Outro fato interessante a ser alertado quanto às entrevistas é que se tiverem um
bom encaminhamento, haverá um momento no qual será desnecessário continuar
com questionamentos, pois o entrevistado manifestará espontaneamente, através
de suas lembranças, a sua interpretação histórica dos acontecimentos vivenciados.
Terminadas as entrevistas, deverá ser efetivada a “volta” dos dados ao entre-
vistado, “[...] garantindo-lhe o direito de ouvir e, talvez, de discordar ou modificar
suas proposições durante a entrevista.” (SZYMANSKI, 2004, p. 15). Busca-se com
esse procedimento retirar dúvidas que poderiam provocar distorções na fala do
entrevistado por captação equivocada das informações por parte dos entrevista-
dores e, também, dar oportunidade ao entrevistado de reter alguma informação
que desejaria ocultar.
O terceiro momento – a confecção do documento escrito – é, em geral, fonte
de discórdia. As transcrições das fontes orais é alvo de polêmica entre alguns his-
toriadores e arquivistas. Para alguns historiadores as transcrições são necessárias,
dada a necessidade de confrontar os textos escritos e a seleção das palavras. Para
os arquivistas, a transcrição é bastante onerosa, pois demanda a mobilização de
muita gente e despende muito tempo. Além disso, a guarda de fitas de áudio e vídeo
resguardam gestos, expressões, entonações e pausas, que revelam sentimentos,
além das ideias. (TOURTIER-BONAZZI, 2006).
Para Meiry e Holanda (2007), é importante que critérios de procedimento
sejam definidos previamente, devendo ser esclarecido se o objetivo é de apenas

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 181


coletar entrevistas, sendo o documento, portanto, a gravação (devem ser estabele-
cidas normas de arquivamento e de acesso público), ou se haverá desdobramentos,
como transcrições. E, caso haja a transcrição, de qualquer tipo, o documento pode
ser considerado o texto escrito, principalmente se for autorizado pelo entrevistado.
Para Garnica e Souza (2012), ao fazer-se a transcrição, para o autor, a “degra-
vação”, há uma alteração do suporte da entrevista (meio magnético ou digital|)
para o papel, um processo minucioso, quando o pesquisador registra o momento
da entrevista, que passará por tratamentos, no caso, a textualização, um processo
estritamente humano de atribuição de significado.
Há níveis de textualização, de acordo com o autor, pois há ocasiões em que o
pesquisador pode optar apenas por uma “limpeza” dos usualmente chamados de
“apoios”, “muletas” ou “vícios de linguagem”, preenchimento de algumas lacunas,
o que tornará o texto mais fluente. Em outros momentos o pesquisador pode optar
por reordenar o fluxo do discurso, de forma cronológica ou temática, podendo,
também, inserir subtítulos, realçando temas, assinalar o texto com sinais gráficos,
etc. Por fim, o mais ousado tipo de textualização é a “transcriação”.
Segundo Meiry e Holanda (2007), “o conceito de “transcriação” é uma muta-
ção, ação transformada, ação recriada de uma coisa em outra, de algo que, sendo
de um estado da natureza, se torna outro”. (p. 133).
Nesse caso, para Garnica e Souza (2012) há a criação de uma situação (podendo
ser totalmente fictícia em seus personagens e situações) a partir das informações
disponíveis na transcrição. Assim, a “transcriação” consiste na elaboração de um
texto em que o autor assume o discurso do entrevistado, trabalhando nele se-
gundo seus interesses. A intenção é a de aperfeiçoar o texto. É preciso, portanto,
entender a interferência num texto que é de outro, sempre como uma elaboração
do pesquisador a partir do que o outro expôs. Trata-se de um texto de “autoria
coautorada”, segundo o autor, impregnado de interpretações.
A quarta etapa, de análise, segundo Meiry e Holanda (2007), pode ou não
existir, dependendo do objetivo do projeto. Uns só aceitam a história oral quando
mostrada depois de escrita; outros entendem que a produção do texto escrito e o
exame das entrevistas podem ou não ocorrer e, em muitos casos, consideram que
só a confecção do documento é tarefa suficiente para o cumprimento das ideias
da história oral. O tratamento das entrevistas gravadas vai depender do que foi
estipulado na realização do projeto inicial.

182 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


A quinta etapa, o arquivamento, remete aos cuidados e à responsabilidade
na manutenção do material conseguido, cabendo ao líder do projeto guardá-lo
ou dar destino ao material.
Finalmente, a sexta etapa, a de devolução social, é a que se relaciona aos
compromissos requeridos pela história oral, que deve, sempre, prever o retorno
ao grupo gerador. Nesse sentido pode ser em forma de livro, exposição ou até
doação dos documentos.
É importante observar que na procura de dar ao entrevistado ciência do que será
registrado sobre ele, não devem ser esquecidos momentos reservados às correções
e conferências e, por fim, uma carta de cessão, que deverá ser assinada, um cuidado
de natureza tanto ética, quanto jurídica, conforme Garnica e Souza (2012).

5 História Oral na pesquisa em Ensino de Ciências: o nosso modo


de caminhar

Pesquisar em uma área como a do Ensino de Ciências, à semelhança de qual-


quer área, não é uma tarefa considerada fácil. No decorrer de mais de trinta anos e
com a institucionalização da área assistimos à ampliação da produção, dos veículos
de divulgação próprios, aumento nos referenciais teóricos e metodológicos, em
geral, à semelhança da tradição da Didática das Ciências em âmbito internacional.
No entanto, quem pesquisa em Ensino de Ciências enfrenta dificuldades na
escolha de metodologias de pesquisa, o que, normalmente, dificulta a coerência
com a área e a consistência teórica e metodológica. É nesse sentido que nos propo-
mos, neste capítulo, a tecer considerações sobre o emprego da história oral como
coadjuvante na pesquisa em Ensino de Ciências, fornecendo ao leitor mais uma
variedade metodológica a ser utilizada nas investigações na área.
Nosso primeiro contato com a história oral tem cerca de nove anos e, entre
estudos, modos de operacionalização, sistematização dos dados e análise, foram
muitos os episódios de desânimo e euforia; “engatinhamos” durante muito tempo,
devemos ter errado bastante também, embora sintamos que neste caminhar con-
tribuímos de alguma forma para os debates sobre o Ensino de Ciências.
O nosso interesse de pesquisa provém da curiosidade em evidenciar fatos sobre
a Educação Científica no Estado do Ceará, a partir de um período de mudanças
nos paradigmas da disciplina Ciências, mais precisamente a década de 1960. As

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 183


décadas que se seguiram foram ricas em tentativas para a sua melhoria, situação
constatada pelo avanço nas produções acadêmicas da área. Como ponto de partida,
centramos nossos estudos nas licenciaturas, abordando a formação docente, os
currículos e as diversas modificações que ocorreram.
No cenário brasileiro, apesar das dificuldades, a história do ensino de ciências
tem sido contemplada com muitos registros. Mas, no âmbito dos estados, salvo
exceções, percebem-se falta de registros que possibilitem determinar avanços e
retrocessos deste ensino nos sistemas locais, os reflexos das variadas modificações
curriculares, na formação de professores, na mudança do papel das disciplinas no
currículo escolar e nas políticas educacionais. No Ceará, a falta deste tipo de registro
representa uma lacuna para a área, principalmente no tocante a esclarecimentos e
significados e doutrinas que as diversas modificações provocaram.
Entre os projetos desenvolvidos, que englobam o assunto, podem ser citados:
Ensino de Ciências e Matemática no Ceará: considerações históricas sobre as décadas
de 1960/1970, desenvolvido a partir de 2005 e aprovado pela FUNCAP; Ensino
de Ciências no Ceará: considerações históricas sobre as décadas de 60 e 70, com
início em abril de 2006, também aprovado pela FUNCAP; Licenciaturas na área
de Ciências: o papel dos Grandes Projetos e as mudanças curriculares na formação
de professores nas décadas de 1960 e 1970 no Estado do Ceará, na verdade um
subprojeto inserido no anterior, que foi desenvolvido em Estágio Pós-Doutoral
por Claudia C. B. S. Carneiro na UnB, no período de 2006/2007.
Hoje, os projetos em vigência, que empregam a história oral como metodologia
e constam das atividades do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ensino de Ciências
– GEPENCI, cadastrado no CNPq, em ação no Programa de Pós-Graduação em
Educação Brasileira da UFC, sob a liderança das Profas. Dras. Claudia Christina
Bravo e Sá Carneiro e Raquel Crosara Maia Leite, são: Considerações históricas
sobre o Ensino de Ciências no Ceará a partir da década de 1960, sob a coordenação
da Profa. Dra. Claudia C. B. S. Carneiro; Licenciaturas na área de Ciências: his-
tória, currículo e perspectivas, também sob a coordenação anterior e A formação
do professor da área de Ciências Naturais no Estado do Ceará: análise histórica
a partir da década de 1960, sob a coordenação da Profa. Dra. Raquel Crosara
Maia Leite. Tanto o GEPENCI, quanto os projetos, contam com a colaboração
de mestres, doutores, mestrandos, doutorandos e alunos de iniciação científica,
ligados à Educação em Ciências e que inseriram em seus trabalhos de pesquisa a
temática pesquisada.

184 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Nossos estudos, normalmente, são separados em duas vertentes: uma que con-
siste na história oral e outra, na análise de documentos e bibliografia em variadas
fontes. Não é de nosso interesse polemizar sobre a opção de emprego da história
oral, seja como fonte complementar de dados ou para confrontar a história escrita,
seja como método único ou como um aperfeiçoamento técnico. Nesse sentido,
acreditamos, como Jucá (2003), que a opção pelo uso da história oral depende de
uma série de condicionantes circunstanciais que englobam a temática escolhida,
as fontes disponíveis, as necessidades de complementação de subsídios coletados,
a metodologia adequada à temática etc. Assim, segundo o autor,

[...] o uso da História Oral merece ser justificada, seja no caso do emprego
exclusivo dela, seja como resultante da necessidade de complementação
do material coletado, pois as razões de uma opção metodológica tornam
mais significativo o valor do estudo elaborado. (JUCÁ, 2003, p. 56).

Em nossas pesquisas tratamos a história oral como um método de pesquisa


que, segundo Alberti (2004, p. 18), “[...] privilegia a realização de entrevistas com
pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos” relacionados
a um determinado período histórico. Para a autora, as entrevistas passam a ter a
categoria de documento, desde que seu registro é gravado e transcrito e registram
uma versão do passado. No nosso caso, todo o material coletado passa a constituir-
-se em documentos que, se for o caso, são somados a outras fontes de aquisição
de dados para posterior análise.
Durante nossa trajetória de utilização da história oral, já realizamos entrevis-
tas reflexivas com oito sujeitos participantes diretos dos acontecimentos relativos
ao período estudado. Inicialmente nos restringimos a estudos que englobam a
Universidade Federal do Ceará, principalmente relacionados às licenciaturas
na área de Química e Física. No entanto, já expandimos nossa linha de atuação,
englobando, também, o Núcleo de Ensino de Ciências e Matemática, NECIM,
diretamente ligado à Pró-Reitoria de Extensão da UFC. Já temos agendadas mais
cinco entrevistas com outros ícones relacionados às licenciaturas nas áreas de
Química, Biologia e Física, professores que podem nos ajudar a escrever a histó-
ria do Ensino de Ciências no Ceará. Também estamos expandindo nossa área de
atuação, inserindo outras instituições de Educação Superior da rede pública do
Estado, tanto na capital, como no interior e que são focos dos projetos de pesquisa,
principalmente dos orientandos de mestrado e doutorado.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 185


Nosso modo de ação para a coleta das entrevistas de história oral não foge
muito dos procedimentos disponíveis na literatura, pois em geral, constam de:
a. escolha dos participantes, o que, geralmente, envolve professores ou sujeitos
relacionados com o Ensino de Ciências no Ceará, no nosso caso, das licen-
ciaturas. Nesse aspecto, levamos em consideração a facilidade de acesso, o
estado de saúde, a disponibilidade e o tipo de atuação.
b. contato inicial com os entrevistados, ocasião em que se faz o convite para
participação, assim como são explanados os objetivos da pesquisa, o modo
como vai ser realizada, consulta sobre o seu desejo e disponibilidade de par-
ticipar, bem como autorização de divulgação das entrevistas (normalmente
mantemos sigilo das autorias) e agendamento de data e local (geralmente
suas residências, no caso de aposentados e locais de trabalho, dos que ainda
estão em atividade).
c. preparação prévia para a entrevista, com gravador de áudio (temos evi-
tado vídeos), caderno de anotações, para registro de posturas, expressões
e outras manifestações não captadas no áudio, elaboração de perguntas
desencadeadoras para provocar a fala do entrevistado, de modo a manter
maior proximidade com o objeto da investigação. Cada roteiro semies-
truturado mantém um grau de flexibilidade, de modo a contemplar a
experiência do entrevistado.
d. transcrição das fitas, com efetivação do retorno ao entrevistado, de modo
a “[...] garantir o direito de ouvir e, talvez, de discordar ou modificar suas
proposições durante a entrevista”. (SZYMANSKI, 2004, p. 15)
e. guarda das fitas e transcrições para análise, uma vez que o material coletado
se constitui em documentos que são analisados posteriormente.
f. análise e discussão dos resultados, à luz da bibliografia pertinente.
g. divulgação através de relatórios, artigos em revistas, livros, capítulos de
livro, congressos, seminários, encontros e seus anais.

Durante esses anos em que temos utilizado a história oral em nossas pesquisas
podemos enumerar alguns dos trabalhos publicados:
1. CARNEIRO, C. C. B. E. S.; BARRETO, M. C.; PONTES, M. G. O.; MOURA,
F. M. T.; OUTROS. Ensino de ciências e matemática no Ceará: conside-
rações históricas acerca da década de 60. In: XVII Encontro de Pesquisa

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8. CARNEIRO, C. C. B. E. S. Aspectos da formação do professor universi-
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formação docente para a Educação Superior. Fortaleza: Gráfica Unifor,
2008. Comunicação Oral – Trabalho Completo – Divulgação Meio Digital.
9. CARNEIRO, C. C. B. E. S. Grandes Projetos Curriculares de Ciências:
reflexos na formação de professores nos Cursos de Química e Física da
UFC na década de 60. In: XIV Encontro Nacional de Didática e Prática
de Ensino – ENDIPE, 2008, Porto Alegre - RS. XIV Encontro Nacional
de Didática e Prática de Ensino - Trajetórias e Procesos de Ensinar e
Aprender: Lugares, memórias e cultura. Porto Alegre: UFRGS Gráfica da
Universidade Federal do RS, 2008. v. 1. Comunicação Oral – Trabalho
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PAPIRUS, 2010, v. 01, p. 135-158. (Capítulo de livro)
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opción por la interdisciplinaridad; el estudiante como protagonista. Lima:
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188 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


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Marinho Rodrigues Araújo. (Org.). Educação Brasileira em múltiplos
olhares. Fortaleza: Edições UFC, 2012, v. 01, p. 271-286. (Cap. de livro).

Acreditamos que o nosso trabalho com a história oral tem sido profícuo, muito
ainda resta a fazer, embora as dificuldades operacionais sejam muitas e demande
um tempo considerável para sua realização. Mas está em nossa consciência que o
registro e a reflexão histórica podem levar a investigações mais originais e, conco-
mitantemente, a desvendar coordenadas essenciais que resultem em uma política
salutar para a melhoria do Ensino de Ciências e a formação de seus docentes.

6 Algumas considerações

No decorrer de nossas pesquisas tem ficado evidente que pouco foi dito, escrito
ou registrado. E muito, ainda, precisa ser pesquisado. No entanto, procurar as vozes
silenciosas do passado tem permitido encontrar respostas, suscitar dúvidas, tirar
algumas lições, denunciar problemas, realçar qualidades. Enfim, torna possível
entender, pelo menos, o que tem ocorrido em relação à formação docente para o
ensino de Ciências, aos currículos, suas modificações e as influências nas décadas
pesquisadas, percebendo pontos positivos e negativos, evidenciando valores e “des-
valores”, para um possível entendimento do presente e uma construção do futuro.
As pesquisas têm demonstrado que há uma grande história a ser escrita e só
temos acenado o seu começo. É preciso ficar claro que a memória e a história do
Ensino de Ciências no Ceará fazem parte de um patrimônio histórico e cultural
e, como tal, necessita de registro. No desenvolvimento de nossos estudos há um
envolvimento profundo desde seu delineamento inicial até a divulgação dos

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 189


resultados, tendo como destaque o enfrentamento de questões teórico-práticas,
especialmente nas interpretações dos documentos construídos a partir das nar-
rativas de história oral colhidas. É um árduo trabalho de escolhas, transcrições,
contextualização, textualização e interpretação, em que memórias são remexidas
e lhes são conferidos significados. Evocar, narrar e atribuir sentido às experiências
vividas permite interpretar reminiscências em um processo de questionamento
dos vários saberes que se fazem presentes na vida dos sujeitos.
Para encerrar, um pensamento de Cora Coralina, que nos remete à ideia de
escrever o dito e não escrito antes que se tornem poeiras no tempo: “Alguém deve
rever, escrever e assinar os autos do Passado antes que o Tempo passe tudo a raso.”

REFERÊNCIAS

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EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 191


11 A PRODUÇÃO ACADÊMICA COMO
BASE PARA UM CURSO DE FORMAÇÃO
CONTINUADA DE PROFESSORES

Renato Xavier Coutinho


Robson Luiz Puntel

1 Introdução

A evolução científica e tecnológica causa diversos efeitos na sociedade, entre


eles a necessidade de transformações na educação. Acompanhando essa evolu-
ção técnico-científica, percebe-se que nas últimas décadas vem ocorrendo uma
expansão da produção científica na América Latina e mais especificamente no
Brasil (HERMES-LIMA et al. 2008). De fato, De Meis et al. (2007) mostraram
que o país responde por 46,6% da produção científica na América Latina e 1,75%
da produção mundial, produção essa que está mais ligada aos programas de pós-
-graduação strictu sensu das instituições públicas.
Na área educacional, a expansão dessas pesquisas foi demonstrada por Slon-
go e Delizoicov (2006) em seu estudo sobre o número de teses e dissertações no
período 1972-2000, no qual os autores mostram que a maior parte da produção
está concentrada no período entre 1997 e 2000, comprovando o grande aumento
das pesquisas acadêmicas na área escolar nos últimos anos. Na Educação Física, e
em outras áreas do conhecimento, isso também tem sido verificado (COUTINHO,

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 193


2010; COUTINHO, 2012). No entanto, a qualidade do ensino na educação básica
não tem acompanhado o desempenho obtido pelas instituições de ensino superior
(MELO e CARMO 2009), mesmo com o aumento na produção científica voltada
para o contexto escolar.
Ainda, segundo a publicação The Scientist Magazine of Life Sciences (2007),
o Brasil é o 11º melhor lugar do mundo para trabalhar com pesquisa científica. No
entanto, conforme relatado pela UNESCO, as escolas brasileiras estão na posição
76, entre 129 países avaliados pelo índice de desenvolvimento educacional. Esses
dados apontam para o fato de que, no Brasil, a melhoria acentuada na produção
científica da educação superior está, atualmente, completamente dissociada da
educação básica.
Delizoicov (2004) ressalta, ainda, que seria de grande valia para a melhoria do
ensino nas escolas brasileiras realizar um levantamento do uso dos resultados das
pesquisas de mestrado e doutorado, nos cursos de formação inicial e continuada
de professores. De fato, os relacionamentos colaborativos entre universidade e
escolas podem representar uma alternativa metodológica para investigação, bem
como atuar sobre o desenvolvimento profissional de professores e suas condições
de trabalho (GIOVANI, 1998). No entanto, o que se observa é um distanciamento
do que é produzido na universidade da realidade das escolas, ou seja, a forma como
esse conhecimento é construído sem um envolvimento direto do pesquisador com
o cotidiano escolar, não oferecendo uma contrapartida adequada às necessidades
da realidade investigada.
Nesse contexto, surge a necessidade de capacitar os professores para que pos-
sam utilizar as informações disponíveis nas publicações em periódicos científicos,
teses e dissertações, com o intuito de que essa produção teórica possa ser testada e
adaptada para a realidade das escolas públicas. Tal capacitação deve se desenvol-
ver em uma perspectiva dialética de educação, pois essa visão, segundo Gadotti
(1995), permite o contraponto/diálogo entre teoria e prática, entre o pesquisador
da educação e os professores das escolas, além de que o estudo desses documentos
levará à reflexão dos professores sobre as suas práxis, o que pode acarretar em uma
melhoria do ensino nessas escolas.
Nesse sentido, ressaltamos ainda a importância dos temas transversais que
constam nos PCN (BRASIL, 1998) como um eixo integrador para o desenvolvimen-
to de uma capacitação para professores, pois esses conteúdos permitem conciliar

194 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


conceitos pertencentes às diversas áreas de conhecimento e relacionar as matérias
escolares às experiências vividas cotidianamente pelos alunos.
Assim, surge o problema do qual este texto trata: como fazer para que o conhe-
cimento produzido nas instituições de ensino superior chegue até os professores nas
escolas e atenda às demandas da sociedade, para que não seja um conhecimento
estéril, fique em poder de poucos, ou ainda, restrito aos que o produzem?

2 Origem das discussões acerca do uso da produção acadêmica na


escola

Em estudos prévios, cujo principal objetivo era identificar a influência da


produção científica no cotidiano escolar junto aos professores da rede pública
em um município do interior do Rio Grande do Sul, constatou-se que existe uma
grande quantidade de conhecimento elaborado pelas instituições de ensino supe-
rior, principalmente pelos programas de pós-graduação strictu sensu. Contudo,
essa produção científica não vem contribuindo para o trabalho dos professores
nas escolas (COUTINHO, 2010).
Consequentemente, os trabalhos que deveriam colaborar para a melhoria
das práticas dos professores nas escolas não vêm influenciando de forma direta a
docência na educação básica, inclusive a maioria dos professores desconhece os
periódicos indexados ou de que forma podem acessar artigos, teses e disserta-
ções. Em relação aos materiais utilizados pelos professores para as suas práticas,
a maioria deles destaca o uso apenas do livro didático fornecido às escolas pelo
governo (COUTINHO, 2010).
Portanto, entendemos que, com o aumento dos estudos sobre a realidade
escolar, emergem novas possibilidades de práticas nas escolas e, com isso, a pos-
sibilidade de diminuir os problemas de ordem teórico-metodológica em sala de
aula. Logo, um trabalho que aproxime universidade e escola, através de atividades
de capacitação para os professores, com o objetivo de articular teoria e prática
educacional em uma perspectiva dialética, constitui-se em uma alternativa para
diminuir os problemas encontrados no cotidiano das escolas públicas.
Assim, o presente texto visa relatar um trabalho de formação continuada
desenvolvido com professores de uma escola pública, o qual teve o acesso e uso da
produção acadêmico-científica (teses, dissertações e artigo em periódicos) como

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 195


base para o desenvolvimento das práticas na escola. Além disso, os princípios
que orientaram este trabalho foram a pesquisa e pós-graduação na área escolar,
conceitos relacionados à interdisciplinaridade e os temas transversais, bem como
algumas alternativas educacionais.

3 Breve histórico das pesquisas e pós-graduação no Brasil

O Brasil, como país em desenvolvimento, vem passando por um processo de


crescimento em diversas áreas, entre elas a elaboração de pesquisas científicas,
principalmente quando comparado aos países desenvolvidos da Europa e Estados
Unidos (EUA). Filgueiras (1990) afirma que a prática da ciência no Brasil, como
atividade organizada e regular, tem um histórico bastante recente e está fortemente
vinculada às instituições de ensino superior.
Conforme De Meis et al. (2007), a ciência moderna na Europa começou
a desenvolver-se por volta do século XVII e aos poucos foi se espalhando pelo
mundo. No Brasil, por ter sido colônia portuguesa, esse processo demorou mais
para chegar, pois os reis portugueses não tinham interesse em desenvolver estudos
científicos nem em Portugal, muito menos no Brasil. Os portugueses nessa época
destacavam-se na navegação através da Escola de Sagres, que era a melhor escola
do mundo para formação de navegadores.
Assim, De Meis et al. (2007) destacam que, em virtude disso, somente em
1951 foi reconhecida a importância do investimento em pesquisas científicas no
Brasil, muito depois de EUA e da Europa. Do ponto de vista acadêmico, a primeira
instituição no Brasil que demonstrou interesse em pesquisas científicas foi o Mu-
seu Nacional do Rio de Janeiro, em 1876. No entanto, a primeira instituição que
demonstrou ao povo e ao governo a importância do investimento em pesquisas
foi o Instituto Oswaldo Cruz, criado em 1900, também no Rio de Janeiro, pois o
Brasil na época era acometido de diversas pragas, entre as quais a mais notória era
a febre amarela, cujo combate o instituto ajudou a realizar.
Segundo Hermes-lima et al. (2008), os investimentos governamentais são
fundamentais para o desenvolvimento das pesquisas no Brasil. De Meis et al. (2007)
ressaltam que a criação das agências CAPES e do CNPq, em 1951, foram os marcos
iniciais do investimento público em ciência, através do incremento financeiro, o
envio de pesquisadores brasileiros para o exterior e o incentivo à pós-graduação.

196 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Assim, as pesquisas no país estão intrinsecamente ligadas aos programas
de pós-graduação stricto sensu nas universidades. Conforme Santos (2003), os
primeiros passos da pós-graduação no Brasil foram dados no início da década de
1930, na proposta do Estatuto das Universidades Brasileiras, com ideia de uma
pós-graduação nos moldes europeus. Tal modelo foi implantado tanto no curso
de Direito da Universidade do Rio de Janeiro quanto na Faculdade Nacional de
Filosofia e na Universidade de São Paulo. Na década de 1950 começaram a ser
firmados acordos entre EUA e Brasil, que implicavam uma série de convênios entre
escolas e universidades norte-americanas e brasileiras, por meio do intercâmbio
de estudantes, pesquisadores e professores.
Conforme Santos (2003), o grande impulso para os cursos de pós-graduação
do Brasil só se deu na década de 1960. Já no início da década houve uma inicia-
tiva importante na Universidade do Brasil na área de Ciências Físicas e Biológi-
cas (seguindo o modelo das “graduate schools” norte-americanas), resultado de
um convênio com a Fundação Ford, e outra na mesma universidade, na área de
Engenharia, com a criação da Comissão Coordenadora dos Programas de Pós-
-Graduação em Engenharia.
Souza e Pereira (2002), ao analisarem a evolução da pós-graduação em nível
de mestrado e doutorado, encontraram, no período de 1960 a 1964, a existência
de 29 programas. Ainda, no intervalo de tempo entre 1960 e 1997, o período em
que se observou a criação do maior número de cursos de mestrado foi a década
de 1970, com 521 (quinhentos e vinte um cursos), e de doutorado no período de
1990 a 1994, com 176 (cento e setenta e seis). Somando-se os dois níveis, verifica-
-se que a década de 1970 foi o período de maior crescimento dos cursos de pós-
-graduação (725 cursos).
Quanto aos doutores brasileiros, Marchelli (2005) evidencia, em seu estudo,
que até o ano de 1985, mais de 40% deles tinham obtido seu título em instituições
estrangeiras. Mais recentemente, verificou-se uma evolução significativa do número
de titulações emitidas no próprio país, em decorrência da política de expansão
e descentralização da oferta de cursos na década de 90, cujo número cresceu de
503 para 864 (68%), evoluindo a demanda por matrículas de 11.952 para 33.004
alunos. Essa política que deu prioridade à formação de doutores no país alcançou
seus objetivos, de forma que, na década de 90, apenas um de cada cinco títulos de
doutorado foi obtido no exterior.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 197


Ainda tratando da titulação de mestres e doutores no Brasil, Viotti (2012)
aponta números bastante elevados, passando de 10.389 mestres em 1996 para mais
de 40.000 em 2011. Fato semelhante também ocorreu na formação de doutores, de
2.830 em 1996 para 12.217 em 2011, conforme se observa na Figura 1.
Figura 1 – Formação de mestres e doutores no Brasil 1996-2011

Fonte: Viotti, 2012.

No que tange às publicações brasileiras, Adams e King (2009) apontam que


o Brasil aumentou sua produção científica de cerca de 8.000 para mais de 17.500
documentos entre 1998-2007. Hermes-Lima et al. (2008) descrevem que o número
de publicações latino-americanas (na base de dados Pascal) aumentou de 6.994 em
1990 para 17.919 em 2004, atingindo uma quota de 3,4% das publicações científicas
do mundo, comparados com apenas 1,8% em 1990.
Gomes (2007) afirma que os principais centros de pesquisa do Brasil estão
situados em universidades públicas. De Meis et al. (2007) complementam ao
indicar que dois terços dos estudantes brasileiros fazem seu curso de graduação

198 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


em faculdades particulares, enquanto que 90% da produção científica brasileira
provém de instituições públicas. Além disso, conforme os mesmos autores, no
ranking das 25 principais instituições brasileiras que produzem pesquisa, 24 são
públicas. Sobre essa diferença, Sousa (2009) entende que as instituições de ensino
privadas se preocupam mais com a lógica da concorrência de mercado, oferecendo
cursos no nível de graduação onde a demanda é maior.
Campos e Fávero (1994), ao avaliarem a desigualdade da distribuição geográ-
fica da produção científica nacional, verificaram que ela acompanha a disparidade
de desenvolvimento econômico regional, sendo que frequentemente as pesquisas
com maior qualidade e impacto são elaboradas nas regiões sul e sudeste, indepen-
dente da área de conhecimento. Amadio (2003) descreveu em seu trabalho que
a maioria dos cursos de mestrado (62%) e de doutorado (79%) e quase 80% dos
alunos matriculados concentram-se nos estados da região Sudeste, principalmente
em São Paulo.
As pesquisas no Brasil na área da educação, de acordo com Campos e Fávero
(1994), passaram a ser feitas de modo mais regular por volta do final da década de
1930, por meio da criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)
e os seus desdobramentos, a partir de 1938 no Centro de Pesquisas Educacionais
e nos centros regionais (Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia e Minas Gerais),
pois até então as pesquisas na área educacional eram feitas de forma isolada por
alguns professores.
Nas décadas de quarenta e cinquenta, conforme Gatti (1983), iniciam as primei-
ras publicações na área, entre elas a Revista de Estudos Pedagógicos, com o apoio
do INEP. Houve também outras tentativas que acabaram por não ter sequência após
alguns anos. No entanto, somente a partir da década de 60, através da expansão
das universidades e de alguns grupos de pesquisa, é que são implementados os
primeiros cursos de pós-graduação strictu sensu. Hayashi et al. (2008) afirmam
que o desenvolvimento da pesquisa no Brasil está atrelado aos Planos Nacionais
de Pós-Graduação (PNPG) e às agências de fomento.
Segundo Campos e Fávero (1994), os cursos pioneiros no Brasil são os da
Universidade Católica do Rio de Janeiro (1965) e a de São Paulo (1969). Entre
1971 e 1975 foram criados 16 cursos de pós-graduação no Brasil, sendo que o
primeiro curso de doutorado iniciou-se em 1976. Em relação ao crescimento da
pós-graduação em educação, os autores ressaltam que no período entre 1971 e

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 199


1992 o número de programas cresceu de 11 para 38 mestrados e de nenhum para
16 em nível de doutorado.
Além disso, De Meis et al. (2007) apontaram que no ano de 2006 as áreas de
concentração Multidisciplinar e Educação possuíam, juntas, 189 cursos de mestrado
e 44 de doutorado. De acordo com a CAPES, em 2010 estavam em funcionamento
98 mestrados e 51 doutorados ligados diretamente ao campo da educação.
O número crescente de cursos de pós-graduação no Brasil, tanto em uni-
versidades públicas quanto privadas, gera diversos desdobramentos, causando o
fortalecimento de algumas subáreas desses cursos, que vão dando origem a novos
programas de pós-graduação. Portanto, destacam-se nesse contexto os programas
ligados à Educação Física e também, de acordo com Campos e Fávero (1994), os
cursos da área do ensino de Ciências e Matemática, que contam com uma linha
de financiamento específica, fazendo com que os programas aumentassem muito
nos últimos anos. Além disso, a maioria desses cursos não está vinculada às fa-
culdades de educação.
Quanto à pesquisa sobre o ensino de Ciências e Matemática, Dias et al. (2009)
afirmam que, no Brasil, ela passou a receber mais atenção a partir da metade
do século XX, cujo aumento é identificado através da criação de cursos de pós-
-graduação específicos da área, eventos científicos e educacionais e publicações.
Esse crescimento das pesquisas relacionadas ao ensino de ciências deve-se, con-
forme Fensham (2009), a uma preocupação crescente com o estado da educação
científica e tecnológica em todo mundo, pois de acordo Changzheng e Jin (2010)
o desenvolvimento econômico está relacionado diretamente com a qualidade da
educação e os investimentos no ensino básico e superior.

4 Interdisciplinaridade e os temas transversais

A interdisciplinaridade e os temas transversais são elementos fundamentais


que devem ser observados ao realizar atividades de formação continuada para
professores. Tais conceitos permitem abranger todas as áreas de conhecimento,
rompendo com a fragmentação e a divisão do espaço escolar, onde cada professor
fica cuidando apenas da sua “gaveta”. Assim, ao tratar a escola como um organis-
mo vivo, composto por diversos atores (professores, alunos, direção e pais) com
diferentes ideias e concepções, a interdisciplinaridade e o uso de temas permitem
a reunião desses atores em torno de um objetivo comum.

200 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Os temas transversais, dispostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais
elaborados pelo Ministério da Educação, são temas de abrangência e relevância
nacional e buscam orientar o desenvolvimento de ações no contexto escolar. Os
temas transversais são: saúde, ética, meio-ambiente, pluralidade cultural, orienta-
ção sexual e trabalho e consumo. A escolha de tais conteúdos, conforme os PCN
(BRASIL, 1998), permite trabalhar questões que possibilitem a compreensão e a
crítica da realidade, ao invés de tratar os conteúdos como dados abstratos a serem
aprendidos apenas para passar de ano, bem como oferecer aos alunos a oportunidade
de se apropriarem deles como instrumentos para refletir e mudar sua própria vida.
Desse modo os temas transversais tornam-se terrenos férteis para o uso do
método dialético, que, de acordo com Gadotti (1995), busca, ao estudar uma de-
terminada realidade objetiva, analisar metodicamente os aspectos e os elementos
contraditórios dessa realidade (considerando todas as noções antagônicas em cur-
so). Logo o método dialético permite que o fenômeno se revele na sua totalidade
através da crescente aproximação com a realidade.
Devido ao fato de os temas transversais estarem relacionados à vida cotidiana
da comunidade e das pessoas, suas necessidades e seus interesses, eles objetivam
responder aos problemas sociais e conectar a escola com a vida das pessoas. Além
disso, por abrangerem áreas de conhecimento que perpassam os campos discipli-
nares, devem ser trabalhados de forma interdisciplinar.
De acordo com Fazenda (1994), a interdisciplinaridade surgiu em função
dos movimentos estudantis que reivindicavam um ensino mais sintonizado com
questões sociais, políticas e econômicas da época. Assim a interdisciplinaridade
é como uma resposta a tal reivindicação, pois seria a integração de dois ou mais
componentes curriculares na construção do conhecimento. Aparece, também,
como uma das respostas à necessidade de uma reconciliação epistemológica,
processo necessário devido à fragmentação dos conhecimentos e busca conciliar
os conceitos pertencentes às diversas áreas do conhecimento a fim de promover
avanços na produção de novos conhecimentos.
Segundo os PCN, a interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que
pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de
intervenção. Nesse sentido, ela deve partir da necessidade sentida pelas escolas,
professores e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que
desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários
(BRASIL, 2002, p. 88-89).

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A construção participativa, através do diálogo com professores e alunos na
determinação dos temas geradores, com a utilização de dados da realidade vivida
por esses sujeitos, auxilia a construção do conhecimento coletivo e problematizador
da realidade em que os grupos sociais se inserem. Tal posicionamento encontra-
-se de acordo com os princípios elementares da pedagogia freireana, uma vez que
ela considera a problematização e a tomada de consciência coletiva da realidade
vivida, parte inerente do processo educativo e de intervenção política com vistas
à transformação social (FREIRE, 1987).
Conforme Araújo (2003), existem duas formas de se trabalhar os temas trans-
versais na escola. Uma com ênfase nas disciplinas escolares (Figura 2) na qual os
temas são utilizados como ferramentas para a contextualização e para despertar
o interesse dos alunos pelos conteúdos, e outra com ênfase na formação cidadã
(Figura 3) em que os conteúdos das disciplinas escolares são utilizados para com-
preender os temas.
Figura 2 – Ênfase nas disciplinas escolares

Figura 3 – Ênfase nos temas transversais

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Ao trabalhar conforme a concepção da Figura 2, a escola mantém sua orga-
nização tradicional e os temas podem ser inseridos de diferentes formas, como:
atividades pontuais; disciplinas, palestras e assessorias sobre temas transversais;
oferecimento de projetos interdisciplinares sobre temas transversais; incorporação
da transversalidade nas próprias disciplinas nos conteúdos tradicionais; a transver-
salidade trabalhada no currículo oculto, em que situações do cotidiano da escola
são utilizadas como “ganchos” para discussões acerca dos temas (ARAÚJO, 2003).
Por sua vez, no trabalho desenvolvido sob a perspectiva apontada na Figura
3, os conteúdos tradicionais deixam de ser a finalidade da educação e passam a
ser concebidos como meio, como instrumentos para trabalhar os temas que cons-
tituem o centro das preocupações sociais. Nessa perspectiva, os temas cotidianos
e os saberes populares são o ponto de partida e de chegada para as aprendizagens
escolares, sendo o desenvolvimento de projetos a principal estratégia utilizada
(ARAÚJO, 2003).

5 Alternativas pedagógicas para a crise na educação

A educação no mundo passa por uma crise e, conforme Fourez (2003), exis-
tem vários pontos de vista e atores envolvidos nessa crise: alunos, professores,
dirigentes da economia, pais e cidadãos. Os alunos não conseguem enxergar um
sentido nos conteúdos trabalhados na escola e não aceitam mais passivamente a
mera transmissão dos conteúdos em sala de aula. E os professores, por sua vez,
não conseguem contextualizar os assuntos relacionados às suas disciplinas e nem
demonstrar a importância desses temas para o futuro dos estudantes. Além disso,
eles estão imersos em um contexto de desvalorização e pauperização da profissão
docente. Já os dirigentes da economia se preocupam apenas com índices e estatísticas,
transformando a educação em mera mercadoria, não investindo o suficiente na
capacitação docente e nas condições estruturais das escolas. Em relação aos pais e
cidadãos de uma forma geral, o autor aponta que boa parte não se preocupa com
a qualidade do ensino oferecido nas escolas.
Entretanto, as dificuldades da educação não são recentes, tanto que já no
século XVII, através da Didática Magna de Comenius (1592-1670), o qual é con-
siderado o fundador da Didática Moderna, foi proposto um sistema articulado de
ensino, reconhecendo o igual direito de todos os homens ao saber, com o intuito

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 203


de melhorar o ensino. Os princípios de suas propostas eram: a educação realista
e permanente; método pedagógico rápido, econômico e sem fadiga; ensinamento
a partir de experiências cotidianas; conhecimento de todas as ciências e de todas
as artes; ensino unificado. Como podemos ver no trecho abaixo:

A proa e a popa de nossa Didática será investigar e descobrir o método


segundo o qual os professores ensinem menos e os alunos aprendam
mais; nas escolas, haja menos barulho, menos enfado, menos trabalho
inútil, e, ao contrário haja mais recolhimento, mais atrativo e mais sólido
progresso; na Cristandade, haja menos trevas, menos confusão, menos
dissídios, e mais luz, mais ordem, mais paz e tranquilidade (COMENIUS,
2001, p. 12).

Contudo, segundo Baumann (2010), a crise atual da educação parece ser


diferente das do passado. Os desafios do presente desferem duros golpes contra
a própria essência da ideia de educação, tal como ela se formou nos primórdios
da história da civilização. Para o autor, na sociedade atual, a solidez das coisas,
assim como a solidez dos vínculos humanos, é vista como uma ameaça: qualquer
juramento de fidelidade, qualquer compromisso a longo prazo (e mais ainda por
prazo indeterminado) prenuncia um futuro cheio de obrigações que limitam a
liberdade de movimento e a capacidade de perceber novas oportunidades (ainda
desconhecidas) assim que elas se apresentarem.
A perspectiva de ver-se restrito a uma única coisa a vida inteira é repulsiva e
apavorante, o que não surpreende, pois todos sabem que até os objetos de desejo
logo envelhecem, perdem o brilho num segundo e, de símbolos de honra, trans-
formam-se em estigmas da infâmia. Assim, a capacidade de durar não favorece
mais as coisas; logo a ideia de educação como um produto para ser apropriado e
conservado para a vida toda depõe contra a educação institucionalizada, numa era
onde quase tudo pode ser utilizado e depois descartado ou gravado na memória
de um computador (BAUMANN, 2010).
Nesse contexto, recorremos às ideias de alguns autores contemporâneos que
apontam alternativas para solucionar os problemas da educação. Os autores citados
foram selecionados por Sebarroja et al. (2003) e constituíram a base da construção
da proposta defendida neste trabalho. Todavia, destacamos que estes autores não
são os únicos que trabalharam dessa forma e que suas propostas foram elaboradas
em determinados contextos históricos e sociais.

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Ortega e Gasset (2003) afirmam que a cultura pedagógica está em constante
movimento, entretanto o mundo acadêmico e o mundo escolar movem-se em
ritmos distintos. Enquanto as teorias acadêmicas modificam-se e acumulam-se,
sendo umas substituídas pelas outras com relativa rapidez, as teorias e práticas dos
professores são mais estáveis. Nesse movimento histórico, vão estabelecendo-se
procedimentos de depuração das informações culturais pedagógicas acumuladas
e criam-se costumes e formas de pensar, ou seja, algumas aquisições (dominantes)
se assentam sobre outras (dominadas). Alguns agentes vão constituindo-se como
mais importantes do que outros, criam-se dinâmicas de resistência de algumas
posições em face de outras, de crítica mútua, o que demonstra o movimento
constante da cultura pedagógica.
Assim, nesses movimentos de resistência destacamos Celestin Freinet (1886-
1966), cujas técnicas de ensino, de acordo com Vilaplana (2003), constituem um
leque rico e coerente de atividades que estimulam um tateamento experimental,
a livre expressão infantil, a cooperação e a pesquisa do meio social. As propostas
dele emergem da realidade escolar cotidiana, e as estratégias por ele empregadas
são instrumentos para uma educação entendida como a ajuda ou serviço que
o mundo adulto presta ao desenvolvimento e ao progresso pessoal e social das
gerações jovens. Freinet instiga o educador a ficar atento aos interesses e ritmos
de aprendizado dos alunos e, portanto, a inventar estratégias e técnicas para pos-
sibilitar a evolução desses complexos que se geram no âmbito de cada sala de aula
e na realidade de cada momento.
A obra de Paulo Freire (1921-1997), para Osório (2003), é uma das mais sóli-
das e reconhecidas da educação popular e libertadora. A leitura e a compreensão
crítica do entorno constituem a base para a construção ou um conhecimento mais
livre e democrático, para os quais se estimula um diálogo contínuo mediante um
processo interativo de reflexão-ação. A prática deste autor baseia-se na proble-
matização, e sua perspectiva de ensino leva em conta o sujeito como construtor
do conhecimento e também valoriza o contexto social. Enfatizando, portanto,
a unidade dialética entre aprender e ensinar, educar e educar-se, introduz uma
perspectiva sociocrítica no processo de conhecer (somos mediados pelo mundo)
e faz da comunicação entre sujeitos (intersubjetividade) o instrumento para a
apropriação de um conhecimento ativo e crítico.
Paulo Freire afirmava que a prática de ensino conservadora tradicional se
limitava a transmitir conteúdos e ocultava a razão de ser de uma infinidade de

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 205


problemas sociais. Para ele o problema da aula tradicional era que em função dos
conteúdos não serem de interesse dos alunos, os professores necessitavam de mé-
todos autoritários para poder ensinar. Em contrapartida formulou um método que
divide a práxis em três momentos: pesquisa temática (descobrir o mundo vivido
pelos adultos através de suas palavras, frases, modos de falar, etc.); codificação ou
simbolização dessa realidade concreta (fichas, desenhos, cartilhas, etc.); e deco-
dificação, pela qual se tenta desvendar a realidade e transformá-la.
Lawrence Stenhouse (1926-1982) teorizou e sistematizou a concepção de
currículo emancipador que estimula a argumentação do pensamento do aluno e
a experimentação docente (ELLIOTT, 2003). Stenhouse articulou seu pensamento
em torno de um processo educativo como espaço de intercâmbio vital e cultural, o
ensino como pesquisa e a aprendizagem colaborativa. A ideia central do autor, na
qual ele entende “o ensino como pesquisa”, supõe que os professores se constituam
como aprendizes junto com os alunos. Para ele, o professor, ao adotar essa postura
de aprendiz, oferece aos alunos uma atitude de pesquisador em relação ao conteúdo
que ensina, na qual mostra como abordar o saber enquanto objeto de pesquisa.
Desse modo, a inclusão do educar pela pesquisa no currículo e nas práticas dos
professores proporciona, segundo Demo (2005), a construção do conhecimento
através de uma reformulação de teorias e conhecimentos existentes. Nessa nova
maneira de aprender, o aluno passa de objeto do ensino para parceiro de trabalho,
assumindo-se sujeito do processo de aprender. Entretanto, o autor ressalta alguns
pressupostos que devem ser obedecidos no processo de ensino pela pesquisa:
a. A convicção de que a educação pela pesquisa é a especificidade mais própria
da educação escolar e acadêmica.
b. O reconhecimento de que o questionamento reconstrutivo com qualidade
formal e política é o cerne do processo de pesquisa.
c. A necessidade de fazer da pesquisa atitude cotidiana no professor e no aluno.
d. A definição de educação como processo de formação da competência
humana histórica.
Para Demo (2006), portanto, o educar pela pesquisa permite a articulação
entre teoria e prática, pois para ele é no confronto salutar entre teoria e prática que
se forma o professor pesquisador. Desse modo, a aula, em seu sentido tradicional,
vai perdendo importância à medida que surge um cientista autônomo, um novo
mestre aparece, que aprende por elaboração própria e não por imitação. Logo,

206 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


o papel do professor passa a ser o de orientador, e o aluno motivado passa a ter
capacidade de escolha e de produção própria.
Assim, mesmo com o conhecimento de diversas teorias e alternativas pedagó-
gicas, as práticas escolares pouco ou quase nada mudam seguindo em sua maioria
métodos tradicionais de ensino meramente livrescos e descontextualizados. Sebar-
roja et al. (2003) explica que um dos motivos para a não efetivação das mudanças
nas escolas é o fato de que as aspirações educativas concretas e as necessidades
nem sempre são coerentes. Junto com os avanços na escolarização, formação de
professores, elaboração de materiais curriculares, autonomia institucional e outros
aspectos, percebem-se também reformas tecnocráticas que não conseguem mudar
as práticas docentes, insuficiências na atenção à diversidade, falta de motivação e
proletarização dos professores, entre outros fatores, que também dificultam essa
transformação. Dessa forma, cursos de atualização e uso da produção acadêmica
por professores pode ser uma alternativa para a mudança desse quadro.

6 O curso de formação continuada e a utilização da produção


acadêmica

O curso de formação continuada foi dividido em dois módulos, o teórico e o


prático, porém ressaltamos que essa divisão era apenas formal, pois ambos estavam
interligados, sendo as discussões teóricas preparatórias para a prática e a prática
baseada na teoria. Sendo assim, procurou-se articular teoria e prática, reflexão e
ação, buscando respaldo em Freire (1996) que afirmava que a teoria sem a prática
é puro verbalismo inoperante, a prática sem a teoria é um ativismo cego.
A atividade de formação ocorreu a partir das vivências dos professores, tais
como dificuldades para despertar o interesse dos alunos pelos conteúdos e de de-
senvolver trabalhos interdisciplinares. Ao todo foram realizados cinco encontros
nesse módulo, o qual teve inicialmente o intuito de que os professores pudessem
buscar na produção acadêmica soluções para os seus cotidianos de sala de aula,
através da análise e da problematização.
No primeiro encontro foi realizado reconhecimento do grupo de participantes
da formação continuada, identificação de problemas e dificuldades e definição dos
temas a serem trabalhados.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 207


No segundo encontro foi mostrado aos professores como buscar artigos em
periódicos indexados no sistema Qualis/CAPES; como funciona esse sistema
e quais as revistas que possuem a melhor qualificação dentro de cada área de
conhecimento. Além disso, os professores buscaram artigos nas bases de dados
abertas do SCIELO, Scholar Google e diretamente nos endereços eletrônicos das
revistas científicas. Também foi mostrado a eles como pode ser verificado, através
do sistema Qualis/CAPES, se os textos que eles encontram na internet são fontes
fidedignas, através da identificação das revistas e sua respectiva classificação.
No terceiro encontro foram discutidos artigos selecionados pelos professores
e pelo pesquisador relacionados aos temas transversais, à interdisciplinaridade, à
metodologia da problematização e à resolução de problemas. A escolha desse tipo de
texto se deu em função do fato de os docentes solicitarem artigos que apresentassem
algo além da teoria, diferentes formas e exemplos de como trabalhar em sala de aula.
No quarto encontro retomaram-se as discussões acerca dos artigos e dos
temas geradores e, ao final, foram definidos de acordo com a série e o turno os
respectivos temas a serem trabalhados no “módulo prático”. A partir desse encontro,
começaram a ser construídas as estratégias para o desenvolvimento do módulo
prático da capacitação.
No quinto encontro foram discutidos os planos de atividades e realizou-se
o planejamento de como se desenvolveria o módulo prático. Novamente o en-
contro gerou grandes discussões, principalmente em função da escrita do plano
de atividades, pois a necessidade de desenvolver em sala de aula as discussões da
formação continuada suscitaram uma saída da zona de conforto dos professores.
Eles tiveram que buscar informações sobre os temas escolhidos e metodologias de
ensino na produção acadêmica (artigos, periódicos científicos, teses e dissertações),
a fim de fundamentar suas práticas. Notou-se que a necessidade de desenvolver
o módulo prático causou um grande desconforto inicial, pois eles não estavam
acostumados com esse processo.
O módulo prático foi desenvolvido em um período de cinco dias e foi estru-
turado de modo que todos os professores pudessem oferecer suas contribuições
para a construção do conhecimento. É importante também enfatizar que durante
o módulo prático ocorreu a participação de todas as disciplinas e envolveu todos
os alunos da escola.
Apesar das dificuldades iniciais, observou-se que o contato com a produção
acadêmica permitiu aos professores experimentar uma abordagem de ensino

208 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


diferenciada em sala de aula. Isso foi muito bom para eles e para os alunos, pois
se permitiram vivenciar algo novo, gerando em muitos um sentimento de dese-
quilíbrio, uma vez que, ao contrário das aulas tradicionais, nas quais já sabem
onde a atividade começa e termina, nesse caso cada passo dado formava um novo
caminho na busca do conhecimento.
A partir dos relatos dos professores, observa-se, portanto, que os professores
puderam refletir sobre suas práticas, pautados na literatura acadêmica, revendo a
forma como conduzem suas práticas e como avaliam os alunos. Isso pode repercutir
em mudanças na relação professor-aluno, o que poderá levar a uma melhoria no
processo ensino-aprendizagem.
Destarte, a forma de organização da presente proposta de trabalho configurou-se
como uma prática interdisciplinar, uma vez que através do uso de temas geradores
e do diálogo entre os diferentes campos do saber, a escola (professores, alunos e
direção) passou a refletir sobre a segmentação entre as disciplinas, buscando não
mais as diferenças entre elas, e sim as semelhanças e possibilidades de aproxima-
ção (BRASIL, 1997). Logo, essa interação possibilitou a formulação de um saber
crítico-reflexivo, fundamental para a compreensão da realidade.

7 Algumas considerações

No momento de crise que a educação atravessa, são identificados diversos


problemas enfrentados pelos professores no desenvolvimento do seu trabalho,
como formação inicial inadequada e dificuldades para contextualizar os conteúdos e
despertar o interesse dos alunos pelas aulas. Isso exerce uma forte pressão para que
os professores busquem alternativas teóricas e metodológicas para as suas práticas.
Nesse sentido, observa-se que há uma grande quantidade de conhecimento
sendo produzido em teses, dissertações, artigos científicos e um número cada vez
maior de grupos de pesquisa na área da educação e do ensino. Todavia, salientamos
que esses estudos não devem ficar restritos às suas respectivas áreas de conheci-
mento. Ao contrário, eles devem ser utilizados, principalmente nas escolas e por
diferentes disciplinas e áreas de conhecimento, com o intuito de permitir a troca
de informações e a incorporação de novos referenciais.
De acordo com Coutinho (2010), o número de pesquisas sobre os problemas
do cotidiano escolar vem aumentando significativamente nos últimos anos, en-
tretanto não vêm sendo aproveitadas de maneira adequada no ambiente escolar.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 209


Logo, esse distanciamento precisa ser reduzido, uma vez que os relacionamentos
colaborativos entre universidade e escolas representam alternativa metodológica
excepcional, tanto para investigação, quanto para a melhoria das práticas de pro-
fessores e suas condições de trabalho. Desse modo, acreditamos que o intercâmbio
entre educação superior e educação básica, apresentado nesta proposta, se constitui
importante alternativa para a melhoria do ensino nas escolas.
Além disso, o uso de novos horizontes metodológicos para o trabalho nas
escolas pode contribuir para o aumento do interesse dos alunos pelas aulas, di-
minuindo, com isso, os casos de indisciplina, evasão e repetência.
Acerca dessa situação, existem diferentes pontos de vista a respeito do papel
do aluno e do professor. Cardoso e Barboza (2006) entendem que o aluno geral-
mente não é interessado em ir às aulas, suas atenções são voltadas para o que está
além dos portões da escola, pois ela não é atraente, não se assemelha com o que
há fora dos seus limites. Para o jovem, são muito mais interessantes os costumes
e os conceitos transmitidos pelos meios de comunicação, os quais ele absorve
muito mais facilmente através de filmes e novelas do que as informações na sala
de aula. Sob essa perspectiva, parte do aluno o interesse e a responsabilidade de
aprendizado dentro da escola, assim como parte do professor a responsabilidade
de ensinar e fazer com que o aluno seja ensinado.
Canário (2006) acrescenta que outra parte do problema também está relacio-
nada ao fato de que a escola é uma instituição regradora para a sociedade e muitas
vezes se inclina a somente reproduzir o conteúdo registrado no seu programa e
vencê-lo antes do fim das aulas. Logo a escola é concebida e programada somente
para ensinar grupos homogêneos de alunos, o que contraria a crescente heteroge-
neidade dos públicos escolares. Assim, as pessoas são moldadas para os padrões da
sociedade, mas não há um contato com o que está fora da escola. Para esse autor, a
escola deve partir de experiências educativas não-escolares, sendo interessante que
se torne um centro de educação permanente, muito bem estabelecida no contexto
local e capaz de fazer interagir múltiplos tipos de “aprendentes”.
Assim fica evidente a importância da produção acadêmica voltada ao contexto
escolar, como uma ferramenta, para o desenvolvimento de práticas contextuali-
zadas e permeadas pelo cotidiano dos alunos, que visem à superação do modelo
tradicional de ensino baseado principalmente na memorização, fragmentação e
repetição, para outro baseado em uma abordagem progressista, sistêmica e com
ênfase na pesquisa.

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Observa-se, nesse sentido, que a escola passa por uma crise paradigmática,
sendo que aqui adotamos o conceito de paradigma apontado por Kuhn (2011) em
seu livro intitulado “A estrutura das revoluções científicas” e estabelecemos algumas
relações com o ambiente escolar. Assim, paradigma no espaço escolar seriam as
práticas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem pro-
blemas e soluções modelares para uma comunidade de professores. Desse modo,
situações que não estão previstas dentro desse modelo são consideradas anomalias
e, a partir do momento que se tem consciência dessas anomalias, identifica-se uma
crise no paradigma, que já não é capaz de fornecer todas as respostas às necessi-
dades do cotidiano escolar.
Sendo assim, emerge a necessidade de “revoluções científicas” na escola, ou
seja, a superação total ou parcial do paradigma, com a finalidade de adequar os
conteúdos e métodos de ensino ao contexto atual. Entretanto, essas mudanças
não acontecem rapidamente. Um professor que está imerso em um paradigma
possui métodos, teorias e práticas padronizadas, e alterações nesse padrão geram
resistências e dificuldades de adaptação, principalmente quando ainda não há um
novo modelo estabelecido.
Através deste estudo é possível afirmar, portanto, que o uso da produção
acadêmica contribui sobremaneira para melhoria das práticas dos professores
na escola, principalmente neste momento de insegurança, pois ao utilizar os
conteúdos dessas pesquisas no planejamento e desenvolvimento das atividades
em sala de aula, os professores puderam vislumbrar na teoria diferentes formas
de contextualizar as matérias de suas disciplinas, estabelecer relações com outras
áreas de conhecimento e construir projetos adequados à realidade dos seus alunos.
Contudo, para que isso não fique apenas na teoria, destacamos como fun-
damental que sejam proporcionados espaços na escola para a experimentação de
novas práticas e desenvolvimento de projetos, porque muitas vezes os professores
realizam cursos de formação continuada, mas não lhes são fornecidas condições
para que possam colocar em prática aquilo que é trabalhado nesses cursos.

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214 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


12 POR QUE A PESQUISA E AS CONCEPÇÕES
PEDAGÓGICAS E EPISTEMOLÓGICAS EM
ESPAÇOS DE FORMAÇÃO DOCENTE?

Fábio André Sangiogo


Carlos Alberto Marques

1 Introdução e contexto

Os componentes curriculares que envolvem os Estágios Supervisionados e as


Práticas como Componente Curricular, impulsionados pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (BRASIL, 2002),
constituem, cada vez mais, os espaços de formação de professores em Cursos de
Licenciatura, com discussões de âmbito pedagógico e epistemológico que incluem
temas como o papel da leitura, o estudo de referenciais teóricos, as atividades de
pesquisa, a problematização de concepções pedagógicas e reflexões sobre currícu-
lo, escola, professor, relação estudantes-professor, entre outros. No entanto, esses
espaços de formação e reflexão nem sempre são valorizados pelos licenciandos
(ou colegas docentes formadores), pois, às vezes, os acadêmicos comentam que
determinados professores defendem uma perspectiva teórica, ao passo que sua
prática não é coerente com os pressupostos defendidos. Isso remete ao questiona-
mento sobre qual a relevância da pesquisa e o papel das concepções pedagógicas e
epistemológicas à formação docente. Quais implicações podem emergir na prática

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 215


docente? Estudar, refletir/problematizar e desenvolver concepções pedagógicas e
epistemológicas, por si só, garantem práticas docentes mais coerentes?
Este texto traz problematizações e discussões que perfazem o percurso de
formação de um dos autores do texto – incluindo sua pesquisa de doutorado
–, de reflexões que vêm sendo desenvolvidas desde o seu ingresso no curso de
licenciatura a questionamentos realizados por colegas de curso ou licenciandos
quando atuou como professor em componentes curriculares voltados ao Ensino
de Química, incluindo os Estágios Supervisionados. Para além desses contextos
formativos, discussões são provenientes de uma pesquisa1 (SANGIOGO, 2014)
que objetivou entender implicações pedagógicas e epistemológicas associadas ao
processo de elaboração conceitual envolvendo atividades planejadas e desenvol-
vidas no contexto de aulas de Química do ensino médio de uma escola pública
estadual, na prática de um professor/pesquisador.
Assim, temos como objetivo discutir sobre a relevância da pesquisa e da
abordagem problematizadora de concepções pedagógicas e epistemológicas na
formação de professores e, consequentemente, na prática escolar. As discussões
desenvolvidas não pretendem findar o assunto, mas antes propiciar reflexões que
emergem de uma pesquisa sobre a própria prática (SANGIOGO, 2014).

2 A pesquisa e as concepções pedagógicas e epistemológicas na


formação docente

Com Maldaner (2003), corroboramos a importância da articulação entre a


formação docente em Ciências/Química e a pesquisa. O autor defende a perspectiva
de um professor/pesquisador2, um trabalho de “formação continuada como inerente
ao exercício profissional de professor, de complexidade crescente”, de modo que
“cria/recria a sua profissão no contexto da prática” (p. 391), o que implica mudanças

1  O estudo envolveu o planejamento da abordagem temática intitulada “Poluição do Ar: o Ar que respiramos”,
baseada na Situação de Estudo (MADANER; ZANON, 2004) “Ar atmosférico: uma porção do mundo material
sobre a qual se deve pensar” (MALDANER, 2007). A temática foi desenvolvida em duas turmas do ensino mé-
dio: 1º ano (com 30 alunos) e 2º ano (com 23 alunos), de uma escola pública estadual de Florianópolis/SC, no
contraturno dos estudantes, no âmbito do programa Ensino Médio Inovador. Houve também o planejamento de
questionários e entrevistas semiestruturadas com grupos de estudantes. Na turma do 1ª ano foram desenvolvidas
doze horas/aula de 45 minutos, e na turma do 2º ano, nove horas/aula de 45 minutos.
2  Embora a pesquisa apresentada neste trabalho não tenha sido planejada no coletivo de professores da escola,
como propõe Maldaner (2003), optou-se pela denominação de professor/pesquisador pela categoria corresponder
à perspectiva defendida.

216 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


nas concepções e práticas do trabalho docente. Maldaner (2003), com base em
Schön (1992) e em Moreira (1995), compreende que:

a pesquisa é exigência profissional do professor porque sua ação dá-se


sobre o real, que é complexo, único, contém incertezas e não permite
soluções-padrão. [...] Ela permite o compromisso com o avanço do
conhecimento pedagógico e com o seu aperfeiçoamento profissional.
[...] A pesquisa é aquela que acompanha o ensino, o modifica, procura
estar atenta ao que acontece com as ações propostas no ensino, aponta
caminhos de redirecionamento, produz novas ações, reformula concep-
ções, produz rupturas com as percepções primeiras, etc. (p. 90 e 243).

Inspirados em Maldaner, entendemos que o Ser-Professor envolve questionar-


-se, buscar respostas a novas perguntas associadas com a atuação docente. O que é
a Ciência/Química e como se desenvolve o conhecimento científico? Essa Ciência
tem relação com a realidade dos estudantes? Quais tensões e que tipo de relações
permeiam as tramas desenvolvidas na escola? Com que realidade se trabalha em
Ciência/Química e no ensino delas? Como ensinar um conhecimento que exige
abstrações que ultrapassam as percepções dos sentidos (visão, audição, olfato,
paladar e tato)? Como lidar com a linguagem do conhecimento científico na edu-
cação básica? O que leva o estudante a aprender algo novo, a estudar e a pesquisar?
Será que o conhecimento que ensinamos na escola gera algum interesse além do
motivo da prova, do vestibular? Qual é o papel da avaliação? Por que ensinamos
um conteúdo e não outro? Quais materiais didáticos ou metodologias podem
desenvolver melhores processos de elaboração conceitual? Esses são exemplos
de questionamentos que envolvem os campos pedagógicos e epistemológicos da
atuação do professor, a elaboração de conhecimentos que se concebe, com base no
referencial histórico-cultural (VIGOTSKI, 2001, 2007; BAKHTIN, 2009), como
não inatos ao sujeito professor.
Ao pensar na constituição do Ser-Professor de Ciências cabem questiona-
mentos e compreensões sobre a origem dos saberes docentes. Compreende-se
que é importante levar em conta que há uma multiplicidade de saberes docentes
que integram o conhecimento profissional do professor. Tardif (2007) é um dos
autores que identifica, define e discute os saberes da prática docente e propõe
o estabelecimento de relações entre esses saberes e a formação profissional dos
professores que atuam ou atuarão em sala de aula.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 217


Segundo Tardif (2007, p. 36-39), o professor constitui-se de uma pluralidade
de saberes que provêm de diferentes fontes: os saberes disciplinares, que corres-
pondem aos diversos campos do conhecimento, tais como os da universidade,
sob a forma de disciplinas; os saberes curriculares, relacionados aos discursos,
objetivos, conteúdos e métodos dos programas escolares; os saberes oriundos da
formação profissional, voltados ao conjunto de saberes refletidos e ensinados pelas
instituições de formação de professores; e os saberes experienciais, aos saberes que
se incorporam da experiência prática individual e coletiva sob a forma de habitus
e de habilidades, saber-fazer e saber-ser. É com base nessa perspectiva que se usa a
expressão saberes docentes. Nesse sentido, o professor mobiliza saberes docentes que
envolvem memória, experiências anteriores, conhecimentos e práticas específicas
estudadas ou desenvolvidas com base em práticas, estudo e/ou reflexões teóricas e
práticas que estão histórica e socialmente em (re)construção, seja como estudante,
licenciando e/ou professor, na escola, na universidade ou outro espaço educativo.
Assim, pode-se dizer que o Ser-Professor impõe processos permanentes de (trans)
formações sobre modos de conceber conhecimentos e ações educativas e, nesse
processo, a pesquisa na área de Educação/Ensino de Ciências, sobre e no campo de
atuação profissional, tem um papel importante (MALDANER, 2003; SCHNETZ-
LER, 2002). Em outras palavras, a atividade docente demanda (trans)formações
em concepções, conhecimentos e práticas, pois, ao “formar-se” em um curso de
licenciatura, por exemplo, há muito a se melhorar ou a se conhecer no campo de
atuação profissional. Um passo fundamental para isso é pesquisar para conhecer
sobre tais concepções e problematizá-las na sequência do processo formativo.
Neste texto, compreendemos que uma melhor clareza de concepções peda-
gógicas e epistemológicas “defendida” pelo professor pode possibilitar uma maior
coerência na prática pedagógica, no sentido de se ter mais condições de refletir sobre
o conhecimento historicamente construído e em (re)construção. Para Tardif (2007),
“a prática docente não é apenas um objeto de saber das ciências da educação, ela é
também uma atividade que mobiliza diversos saberes que podem ser chamados de
pedagógicos” (p. 37) e que acabam conduzindo a atividade educativa. Portanto, é
importante que essas concepções sejam refletidas/problematizadas em cursos de
formação de professores, de modo a potencializar e capacitar suas ações e reflexões.
Quanto aos pressupostos pedagógicos, fundamentamo-nos na perspectiva
histórico-cultural, em que os conhecimentos não são pensados como prontos e
acabados, mas em permanente estado de negociação, tensão, movimentos de (re)

218 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


criação e (re)interpretação de informações, conceitos e significados, mediante
interações com o Outro (VIGOTSKI, 2001; BAKHTIN, 2009, OLIVEIRA, 1993;
REGO, 2003). Cada contexto enriquece e realimenta o outro, mutuamente, orien-
tando e dando a entender modos de pensar e agir no mundo. Nesse sentido, a
escola e os professores desempenham funções importantes para a constituição e
o desenvolvimento humano-social dos estudantes, socializando palavras e seus
significados, de forma coerente com e sobre as Ciências, tendo em vista uma for-
mação crítica e transformadora3 (FREIRE, 2001). Ao pensar a coerência com a
Área de Ciências da Natureza (Biologia, Física, Química), em que um professor
atua, entende-se ser necessário instaurar, ampliar e transformar os modos de ver,
pensar e agir dos estudantes, mediante a circulação específica de conhecimentos e
de práticas (FLECK, 2010), instigando problematizações e processos de mediação
que mobilizem os estudantes para o conhecimento novo, que possibilitará novas
percepções sobre a realidade.
Na pesquisa sobre sua própria prática, Sangiogo (2014) ressalta as concepções
pedagógicas que orientam as compreensões sobre o papel da escola, do professor,
dos estudantes, do processo de ensino e aprendizagem, no contexto do estudo
sobre a elaboração conceitual vinculada a imagens representativas de partículas
submicroscópicas. Ao considerar que a pesquisa e o ensino envolvem concepções
de educação, houve a defesa de que esta esteja comprometida com o social, a favor

de uma escola em que as pessoas possam dialogar, duvidar, discutir,


questionar e compartilhar saberes. Onde há espaço para transformações,
para as diferenças, para o erro, para as contradições, para a colaboração
mútua e para a criatividade. Uma escola em que os professores e alunos
tenham autonomia, possam pensar, refletir sobre o seu próprio processo
de construção de conhecimentos e ter acesso a novas informações. Uma
escola em que o conhecimento já sistematizado não é tratado de forma
dogmática e esvaziado de significado. (REGO, 2003, p. 118).

3  Freire (2001) discute a educação como um processo de constante libertação do homem. “Educação que, por
isto mesmo, não aceitará nem o homem isolado do mundo – criando este em sua consciência –, nem tampouco
o mundo sem o homem – incapaz de transformá-lo” (p. 75-76). O educador destaca ser preciso ver o homem
na “interação com a realidade, que ele sente, percebe e sobre a qual exerce uma prática transformadora” (p. 75).
Com isso, busca-se a tomada de consciência (ultrapassando a mera apreensão da presença do fato) e sua supe-
ração, que exige a “inserção crítica de alguém na realidade que se lhe começa a desvelar” (p. 77) e que não pode
ser de caráter individual, mas social.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 219


A relação entre os sujeitos e o objeto, como o estudo de um tema, uma te-
mática, um conceito ou fenômeno, que se quer melhor conhecer na escola, não é
oriunda de uma relação neutra (assim como na produção da Ciência/Química),
pois os sujeitos carregam conhecimentos construídos social e historicamente que
direcionam seu olhar, permitindo que vejam e ajam de determinados modos (VI-
GOTSKI, 2001; BAKHTIN, 2009; FLECK, 2010). Isso remete para a relevância de
discussões sobre a não transparência das imagens e dos discursos que permeiam
as explicações sobre significados conceituais associadas ao ensino de Ciências:
os modelos explicativos e suas linguagens. Esses discursos carregam significados
produzidos na comunidade científica, os quais se distinguem dos conhecimentos
produzidos no contexto cotidiano, algo que implica em uma vigilância pedagógica
e epistemológica associada aos processos de ensino e aprendizagem desenvolvidos
na escola (LOPES, 1999). Portanto, a linguagem científica não é transparente quanto
ao processo de produção de conhecimento científico, à natureza da Ciência e do
trabalho científico, ao que são os modelos explicativos, às palavras e simbologias,
à relação dos modelos e representações com a realidade, etc.
Sobre os aspectos epistemológicos, que versam acerca da natureza do co-
nhecimento e do trabalho científico, compreende-se o conhecimento enquanto
possibilidade de aproximação com o real, portanto, passível de modificações.
Entendimento que encontra nas ideias de Bachelard uma importante sustentação
(SANGIOGO, 2014), uma vez que o autor confronta as formas de absolutismo de
toda ordem, desbancando “qualquer concepção que defenda que a inteligência
humana tenha uma estrutura pronta e definitiva”, pois “o pensamento científico
contemporâneo é um pensamento aberto, feito de uma razão aberta, que se rees-
trutura a cada movimento” (SILVA, 2007, p. 51). Portanto, um “pensamento em
mobilidade, mais do que isso, em evolução” (p. 52). Ou seja, as ciências não bus-
cam o “real absoluto e definitivo”, mas tentativas de “aproximações sucessivas do
real” (p. 55), visão que está em sintonia com a perspectiva do criticismo (HESSEN,
2003). Bachelard (1978b) exprime a “preocupação de conservar aberto o corpo de
explicação” (p. 172), ao defender que nosso espírito científico permaneça aberto e
retificável, “dado que a ciência está sempre inacabada” (1978a, p. 3).
A escola pode ser o lugar privilegiado para tornar a Ciência operante no nível
da consciência cultural mais abrangente, no intuito de ser conhecida, discutida e
polemizada (SILVA, 2007); para além de aprender Ciências, o importante é tam-
bém aprender sobre Ciências (MALDANER, 2003; CACHAPUZ; PRAIA; JORGE,

220 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


2004; MACHADO; MORTIMER, 2007). As reflexões de caráter epistemológico
são essenciais na formação de professores (e pesquisadores) da área, de modo a
possibilitar melhorias na visão de seus modelos teóricos e no ensino de Ciências
(GIL PÉREZ et al., 2001; MALDANER, 2003). Reflexões que possibilitam romper
com visões deformadas do trabalho científico (seus modelos teóricos e represen-
tacionais), como a imagem de produção de conhecimento científico empírico-
-indutivista e ateórica, rígida/acabada, aproblemática, a-histórica, exclusivamente
analítica, individualista, descontextualizada e socialmente neutra, apresentadas e
criticadas por Gil Pérez et al. (2001), ou o senso comum, realismo, verbalismo,
substancialismo e animismo, descritos por Bachelard (1996).

Dado que o modo como se ensina as Ciências tem a ver com o modo
como se concebe a Ciência que se ensina, e o modo como se pensa
que o Outro aprende o que se ensina (bem mais do que o domínio
de métodos e técnicas de ensino), torna-se pertinente aprofundar
aspectos tendo em vista a formação epistemológica dos professores
bem como aspectos relativos à concepção de aprendizagem. É da nossa
experiência como formadores de professores e como investigadores
que tais vertentes da formação são tradicionalmente obstáculos para
o entendimento de Ciência, de Educação em Ciência e de ensino das
Ciências. (CACHAPUZ, PRAIA, JORGE, 2004, p. 378).

Ao defender o estudo de Ciências e sobre Ciências4 na escola, entende-se que


os estudantes possam melhor conhecer o processo de desenvolvimento científico
e tecnológico, com mais capacidade para tomar decisões, vislumbrar mudanças
e agir com maior responsabilidade na sociedade. Cachapuz, Praia e Jorge (2004)
discutem o ensinar sobre Ciências, entendendo que não basta aprender conheci-
mentos e competências tradicionalmente ensinadas, pois

aquilo que o público precisa compreender é a natureza do saber dos


peritos, ou seja, o processo através do qual o conhecimento científico/
tecnológico é gerado e não [somente] o conteúdo desse conhecimento.
No nosso entender, subjacente a esta visão está o conhecido modelo de
déficit de conhecimento, tão caro à comunidade científica. [...] Hoje em

4  Neste texto entendemos que “o aprender a fazer Ciência”, defendido por Hodson (1998), que se refere a com-
petências para desenvolver percursos de pesquisa e resolução de problemas, não constitui o foco para a formação
de estudantes da educação básica, visto que, na escola, o interesse não está em formar cientistas, diferentemente
do ensinar Ciência e sobre Ciências. Entretanto, ao ensinar sobre Ciência, entendemos ser importante não deixar
de lado discussões sobre “o como se faz Ciências”.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 221


dia, muitas das problemáticas científico/tecnológicas (porventura as mais
importantes) são de uma grande complexidade e envolvem no processo
de debate e decisão nomeadamente vertentes políticas, econômicas e
sociais. (p. 367)

Reflexões sobre aspectos da história e filosofia da Ciência podem propiciar


maiores aprendizados de e sobre Ciências, essenciais para a formação de sujeitos
críticos e transformadores da sua realidade, pois são subsídios que instrumenta-
lizam os estudantes para que interpretem situações e resolvam problemas à luz de
conhecimentos científicos e tecnológicos. Tais percepções dependem da circulação
de conhecimentos e práticas em que, na escola, por exemplo, o professor assume o
papel essencial na constituição (que é permanente) do interpsíquico (VIGOTSKI,
2001), das visões de ciência e dos conhecimentos científicos que são apropriados
e que podem ser empregados (via conhecimentos teóricos e práticos que têm um
balizamento em modelos teóricos da Ciência Química) em determinadas situações
do cotidiano.
A reflexão epistemológica, como a desenvolvida neste texto, busca igualmente
contribuir para a superação de “uma concepção de ciência livre de valores, não
contaminada por interesses, paixões e emoções” (DELIZOICOV; AULER, 2011,
p. 247). Segundo Delizoicov e Auler (2011), “as interações entre sujeito e objeto
do conhecimento não são neutras, uma vez que o sujeito, ao estabelecer relações
cognitivas com o objeto, o faz com expectativas e pressupostos” (p. 248), ou seja,
com uma intencionalidade que pode ser problematizada. Um exemplo disso são
as chamadas “pesquisas científicas” aparentemente contraditórias que circulam na
mídia sobre o chocolate ou o leite: ora dizem que faz mal, ora que faz bem à saú-
de. Uma das funções da escola é avançar em conhecimentos de e sobre a Ciência,
no intuito de fazer com que as explicações dos estudantes progridam e que não
incorrer em visões simplistas frente à percepção do conhecimento científico a ponto
de entendê-lo como algo pronto, imutável, inquestionável, ou como “verdades”
presentes, a priori, nas experiências do senso comum.
Entendemos que os graus de interpenetração de linguagens e significados
conceituais oriundos das Ciências são (em tese) possibilitados pela mediação da
escola, da mídia (TV, jornal, revistas) e/ou grupos sociais. A cada nova geração,
conhecimentos cotidianos transformam-se, tendendo a uma ampliação e reconfigu-
ração mediante processos de interação histórico-cultural, o que indica a relevância
do ensino de Ciências/Química em atender às demandas da sociedade. Nas aulas

222 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


acompanhadas, o professor/pesquisador, que investigou a sua prática (SANGIO-
GO, 2014), demonstrou possuir pressupostos pedagógicos e epistemológicos que
estavam em mobilização, conflito e transformação, na medida em que articulava
a teoria e a prática no desenvolvimento da atividade proposta: aspectos impor-
tantes e um elemento diferencial no seu próprio processo formativo, conforme se
destacará a seguir.

3 A pesquisa e o “olhar” sobre a própria prática docente

Na pesquisa acompanhada (SANGIOGO, 2014), a análise da prática docen-


te do professor/pesquisador (MALDANER, 2003) deriva do diálogo com uma
multiplicidade de interlocutores, de leituras na área de Educação e do Ensino, do
material empírico (transcrição de aulas, entrevistas com grupos de estudantes e
questionários), experiências anteriores como professor e aquelas relacionadas às
vivências nas atividades de ensino desenvolvidas na escola.
A identidade profissional vai, pouco a pouco, sendo construída e experimentada,
através da utilização de uma pluralidade de saberes que vão sendo adquiridos ao
longo da vida, nos diversos contextos sociais, sendo modificada nas interações e
ao longo das práticas em sala de aula. Os saberes experienciais são formados por
todos os demais saberes que são “retraduzidos, polidos e submetidos às certezas
construídas na prática e na experiência” (TARDIF, 2007, p. 54). Não se pode querer
que o licenciando se aproprie de toda teoria científica (seja pedagógica e/ou espe-
cífica) ensinada durante o curso para, depois, no fim da sua formação (no estágio
de regência), aplicá-las junto à escola. Há a necessidade de um amadurecimento
junto ao contexto escolar, por meio de processos contínuos de ação e reflexão na e
sobre a escola. Acreditamos que isso possa permitir aos licenciandos um compro-
metimento mais efetivo com as reflexões sobre suas práticas cotidianas, seja como
estagiário, em Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), ou
como futuro professor, melhorando as ações que fazem parte do cotidiano escolar.
Entendemos que um dos grandes obstáculos às mudanças na atuação docente
esteja vinculado às concepções iniciais definidas como imutáveis, inquestionáveis,
permanecendo no que e como se faz, ao que se sabe e acredita, aos nossos pre-
conceitos, muitas vezes, elaborados sem problematizações e críticas. Entender e
tomar consciência sobre as próprias concepções torna-se uma tarefa pedagógica

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 223


importante para aprimorá-las. Com base em Bachelard (1996), entende-se que
essas concepções, oriundas do senso comum ou da experiência primeira, tornam-se
obstáculos a serem superados para avançar nos modos de ver e melhor conhecer o
campo de atuação. E, nesse sentido, a pesquisa, as problematizações e as reflexões
sobre e na ação tornam-se instrumentos que podem desestabilizar as verdades, o
abrir-se ao novo, à crítica, às novas possibilidades no planejamento e nas ações
escolares, etc.
Com o presente trabalho, enfatizamos a valorização dos pressupostos peda-
gógicos e epistemológicos no embasamento da prática educativa do professor/
pesquisador, uma vez que orientam e direcionam determinadas escolhas e ações
no planejamento e na implementação das aulas, na escola (MALDANER, 2003;
SANGIOGO, 2014). Elas podem ser perceptíveis ao analisar-se o processo de ensino,
por exemplo, na sequência das aulas: ao estudar-se uma temática que tem relação
com o cotidiano e que busca superar o ensino meramente linear e fragmentado;
ao trabalhar-se com o conhecimento dos estudantes, proporcionando momentos
constantes de problematização e (re)significação de conceitos que, à luz das ciências
(e pedagogicamente transformados), possibilitam novos olhares sobre a realidade;
ao trazer-se aspectos sobre a natureza da Ciência nas discussões desenvolvidas em
aula; ao considerar-se obstáculos, limites e potencialidades do uso da linguagem
química (de imagens, de simbologias, de palavras e expressões), etc.
Nas aulas ministradas, relatadas no trabalho de Sangiogo (2014), houve a
preocupação com a qualidade da apropriação do representado em imagens, ten-
do em vista a dificuldade de sua interpretação sob a ótica das aulas de Ciências/
Química. O fato de o professor/pesquisador ter noções sobre a não transparência
(ou unidirecionalidade) do discurso e das imagens implicou, por exemplo, em
suas aulas e na prática dentro da escola, na ocorrência de explicações sobre a na-
tureza da Ciência, a especificidade do conhecimento químico e sua linguagem, a
diferença entre fatos e modelos e o contexto de produção de conhecimento social
e historicamente situado. Quando o professor estabeleceu a leitura de imagens
(SILVA, 2006), tornou-se improvável que os estudantes, ao lerem um texto do
livro didático ou de divulgação científica, ou ainda uma imagem representativa de
partículas submicroscópicas, tivessem tido compreensões sobre o que diziam ou
exprimiam acerca de como essa Ciência é produzida, seus jogos de poder, interesses
políticos, suas contradições, sua história, as relações entre conceitos químicos ou

224 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


entre os modelos explicativos e os fatos, a influência da sociedade na produção
de Ciência e Tecnologia, etc.
Essas compreensões dos cuidados ao ensino de Ciências/Química garan-
tem uma prática coerente? Ao analisar as aulas, percebe-se que os discursos não
são sempre, e a todo o momento, explicados pedagogicamente pelo professor/
pesquisador, a exemplo da interpretação de imagens que representam átomos,
moléculas, ligações químicas, forças intermoleculares. Algumas vezes parecem ser
entendidas pelo professor como transparentes para os estudantes, como se expres-
sassem uma única direção, desconsiderando-se a possibilidade da produção de
diferentes sentidos e significados sobre elas, ou seja, elas não são pedagogicamente
explicadas. Em outros momentos, a sintonia entre os pressupostos pedagógicos
e epistemológicos e a prática não ocorre devido ao contexto, ao tempo escolar,
às condições de trabalho ou pela complexidade de abarcá-las numa intervenção
escolar. Essa compreensão, muitas vezes, dava-se de modo consciente por Sangiogo
(2014), pois as perspectivas idealizadas nos pressupostos teóricos encontravam
obstáculos, possibilidades e limitações para uma maior coerência com a prática.
Tem-se igualmente a consciência de que, não havendo tempo para refletir sobre e
na prática, a busca de coerência entre teoria e prática tornar-se-ia menos viável.
Como os estudantes estão iniciando a produção de significados sobre a linguagem
usada na Ciência/Química, o professor tem a função de problematizar situações e
direcionar a interpretação aos aspectos conceituais e contextuais relacionados com
esse discurso específico. Sangiogo (2014) aponta para o fato de que os estudantes
precisam de tempo e da mediação do Outro para apropriar-se da linguagem cientí-
fica escolar (VIGOTSKI, 2001). A construção de modelos explicativos da Ciência,
das explicações de conhecimentos escolares, como os do nível submicroscópico da
Química, remete para um novo modo de “ver” determinados fatos e fenômenos
cotidianos. Por vezes, nas aulas, algumas representações foram apresentadas rapi-
damente, sem discussão, de modo que os estudantes pareciam não compreendê-las.
Enquanto algumas interlocuções eram aligeiradas pela preocupação com o tempo
escolar reduzido para a execução do Tema em estudo, outras vezes o professor parecia
compreender que elas estavam sendo compreendidas, mesmo sem a explicitação de
limites e potencialidades referentes às representações, dificultando, por exemplo, a
superação do realismo ingênuo (LOPES, 2007; OKI; MORADILLO, 2008).
Apesar de o professor/pesquisador conhecer escritos sobre a perspectiva
histórico-cultural, ele não tinha tomado consciência da real dificuldade (mais do

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 225


que imaginava) sobre a interpretação das representações dos estudantes. A não
transparência das imagens foi compreendida mais amplamente ao perceber-se
contradições entre o representado pelos alunos e o interpretado pelo professor/
pesquisador, a partir da análise das aulas, das entrevistas com estudantes e dos
questionários desenvolvidos. Assim, por exemplo, uma precipitação na correção
de uma avaliação pode ocultar a análise sobre a multiplicidade de sentidos que
uma questão, frase ou imagem podem proferir. Algumas vezes, a antecipação da
interpretação, antes de buscar entender o significado da imagem elaborada pelo
estudante, prejudica a compreensão sobre (re) construções de conhecimentos
escolares produzidos no contexto escolar, pois não se procura saber o que ele
quis dizer ou o que ele pensa a respeito. Percebeu-se, também, outras vezes, que
uma representação elaborada por um estudante pareceu ser mais “facilmente”
explicada e definida pelos seus colegas (ou professor/pesquisador), embora o
autor da representação não tenha conseguido estabelecer as explicações sobre os
entes representados, uma vez que não parecem ter significados definidos, variando
conforme os questionamentos (SANGIOGO, MARQUES, 2013).
Ao analisar suas próprias aulas, ficou perceptível ao professor/pesquisador, em
diferentes espaços e tempos de aprendizagem, a recorrência de falas (de diferentes
sujeitos) acerca de questionamentos e explicações já desenvolvidos em aulas an-
teriores, mesmo que indícios de elaboração também tenham sido perceptíveis. O
processo de internalização de pensamentos e linguagens, típico dos processos de
(re) elaborações conceituais, consiste em transformações permanentes:

a) Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa


é reconstruída e começa a ocorrer internamente. [...] b) Um processo
interpessoal é transformado num processo interpessoal. [...] c) A trans-
formação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o
resultado de uma longa série de eventos ocorrido ao longo do desenvol-
vimento. (VIGOTSKI, 2007, p. 57-58).

Nessa perspectiva, o ensino não remete diretamente ao aprendizado dos estu-


dantes. A partir da conscientização sobre as dificuldades de elaboração conceitual,
do processo de ensino e de aprendizagem, o professor modifica a prática, faz esco-
lhas, com vistas a atender intencionalidades (ora mais ora menos, fundamentadas
em teorias e práticas vivenciadas durante sua formação – de antes ou depois do
Curso de Licenciatura).

226 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


As discussões reportam para a complexidade do ato pedagógico do processo
educativo. Com o exemplo aqui exposto, evidencia-se que, ao analisar a própria
prática, é possível perceber lacunas ou incoerências entre aspectos pedagógicos e
epistemológicos que orientam a prática do professor/pesquisador. Os resultados
de pesquisa corroboram o papel de compreender o Ser-Professor como um sujeito
em formação permanente, um profissional em (trans)formação e amadurecimento
(teórico-prático) constante. Isso remete em perceber a incompletude, estar aberto,
perceber a dinamicidade das mudanças na sociedade, da escola, dos estudantes,
das suas relações com o conhecimento, no planejamento de atividades, no processo
de ensino e aprendizagem, etc.
Compreendemos que a percepção da necessidade de formação permanente
deriva de discussões iniciadas em disciplinas que envolvam as Práticas como
Componente Curricular ou os Estágios Supervisionados de Cursos de formação de
professores. A relevância decorre da importância de conhecer e discutir questões
pedagógicas e epistemológicas, ao exercitar a pesquisa sobre e no contexto esco-
lar ou em componentes curriculares de cursos de formação, em que se pratica a
leitura, a escrita, a comunicação e a defesa de ideias, argumentos que subsidiam e
justificam as intencionalidades da atuação docente, bem como a percepção sobre
melhorias que podem ser desenvolvidas. O vínculo entre aspectos teóricos e prá-
ticos busca superar a idealização que muitas vezes é empregada nas discussões em
cursos de formação: “de um aluno ideal, de um professor ideal, de uma escola ideal”
(SILVA; SCHNETZLER, 2008, p. 2175, grifo das autoras). Ao vivenciar a escola
nos Estágios Supervisionados, ou em disciplinas de Prática como Componente
Curricular, torna-se essencial buscar discussões teóricas, mas aliadas à realidade
da escola, sobre o cotidiano escolar concreto ou situações complexas vivenciadas
nesse contexto (SILVA; SCHNETZLER, 2008, com base em SCHNETZLER, 2000).
Ao considerar o exposto, entendemos os Estágios Supervisionados, as Práticas
como Componente Curricular, a Pós-Graduação em Educação ou em Ensino de
Ciências, os eventos ou congressos na área da formação e, mais recentemente, o
PIBID, como contextos para desestabilizar crenças, refletir e não aceitar confor-
mismos do currículo, de metodologias, etc. Os Estágios, por exemplo, ao longo dos
cursos de Licenciatura, contribuem para analisar, com maior criticidade, aspectos
positivos e negativos evidenciados na busca de respostas a problemas (de currículo,
de planejamento, de ensino, de aprendizagem, etc.). Isso, com vistas a melhorar
e qualificar, mediante reflexão-ação, o tornar-se professor, o que inclui perceber

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 227


a importância da reflexão sobre a prática. Ao mesmo tempo, as observações e a
orientação do supervisor dos estagiários (da escola e da universidade), mediante o
olhar do Outro mais experiente, contribuem para “ver coisas” que buscam ampliar
a formação inicial, exercendo, assim, uma função pedagógica nas observações,
reflexões/problematizações e discussões sobre o contexto escolar deles, auxiliando
na compreensão dos relatos, das angústias, das relações com a turma, das dificul-
dades de ensino e de aprendizagem (ou ainda a não percepção sobre elas), etc.
Nos estágios, a teoria e a prática combinam-se de maneira integrada, pois teoria
e prática, apesar de suas especificidades, constituem-se mutuamente em tempos
e espaços pedagógicos.
A nossa reflexão objetiva desestabilizar a mera reprodução do sistema de
ensino, do currículo, do modo como se desencadeiam os processos de ensino.
Assim como novos problemas demandam novos estudos, os velhos problemas que
envolvem a formação docente e a escola, em novos contextos, carecem de melhores
respostas e compreensões, de novos olhares, conhecimentos, práticas e pesquisas.
Afinal, por que vou ensinar um conteúdo e não outro? Não se pode modificar o
currículo da escola? O currículo dá conta da integralidade ou complexidade dos
conhecimentos da contemporaneidade? Quais as concepções de Ciência e Tec-
nologia que norteiam as práticas desenvolvidas na escola? O ensino de Ciências
é desenvolvido para quem e com que intencionalidade? Tomar consciência sobre
a necessidade da formação permanente constitui um dos grandes objetivos sobre
a formação inicial. Afinal, a Universidade não tem como abarcar a totalidade das
discussões, dos conteúdos, das possibilidades metodológicas, da complexidade da
prática docente, dos contextos de turmas e de escolas, da atualização da Ciência
e Tecnologia e suas implicações na Sociedade.

4 Considerações finais

Com a pesquisa sobre a própria prática, e tomando como exemplo o tra-


balho desenvolvido por Sangiogo (2014), é possível afirmar que as concepções
pedagógicas e epistemológicas do professor/pesquisador não garantem, por si só
e integralmente, uma prática coerente, a exemplo de explicações aligeiradas que
podem indicar uma compreensão de transparência para a linguagem química ou
o uso de um discurso que pode obstaculizar o acesso ao conhecimento escolar.

228 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Entretanto, essas concepções permitem ver, planejar e analisar as interlocuções
desenvolvidas, perceber limites e potencialidades das ações realizadas que, nas
próximas intervenções pedagógicas, podem ser melhoradas e qualificadas.
As reflexões corroboram a necessidade de incluir, ao longo da formação de
professores e no ensino de Química na escola, discussões sobre a especificidade da
Ciência/Química, como a natureza da Ciência, as relações entre o conhecimento
científico e a realidade. O Ser-Professor demanda processos de problematizações
sobre o contexto e a própria prática, como a análise sobre interlocuções entre e
dos sujeitos do contexto escolar (MALDANER, 2003).
Seria ideal que o professor/pesquisador, como sujeito que vive numa so-
ciedade em transformação e que está em contato com outros sujeitos perma-
nentemente em construção, pudesse ter tempo e espaço para estudar, analisar,
problematizar e refletir sobre a própria prática e suas concepções educacionais,
os instrumentos linguísticos, os modos de apropriação do discurso escolar, etc.,
pois isso qualificaria a formação docente e, consequentemente, poderia resultar
em maior aprendizado aos estudantes da Educação Básica. Infelizmente, parece
que ainda estamos longe de obter tais condições, o que não suprime a neces-
sidade de refletir e ampliar nossas concepções pedagógicas e epistemológicas
que orientam os modos de ver, pensar e agir na escola, na prática educativa, na
seleção e emprego de recursos educacionais, pois demandas e desafios podem
ser mais bem compreendidos e superados à luz de estudo e reflexão sobre o
contexto escolar e seu entorno social.
Os escritos indicam também respostas a dúvidas de muitos licenciandos,
ao escolher ou continuar na profissão, quando dizem: “Eu não tenho jeito para
trabalhar com adolescentes e tenho dúvidas se conseguirei ensinar uma turma de
estudantes”. Com base na perspectiva de formação permanente, entende-se que o
sujeito não nasce professor, ele se constitui. O contexto de formação (antes, durante
e após o ingresso na universidade, em um curso de licenciatura) compõe e infere
em seus modos de pensar, agir, interagir, etc. Nessa perspectiva, a Universidade
e os professores mais experientes (professor da escola e universitário) têm um
compromisso com essa formação, contribuindo com a superação de preconceitos
ou com as primeiras impressões sobre a atuação docente, com processos de mo-
bilização e (re) elaboração de saberes docentes.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 229


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232 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


13 A CIRCULAÇÃO INTRACOLETIVA E
INTERCOLETIVA DE IDEIAS EM PROCESSO
DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
CONTRIBUIÇÕES PARA A PESQUISA-AÇÃO

Fabiane de Andrade Leite

1 Introdução

Iniciativas e ações visando à melhoria nos processos de formação continuada


de professores no Brasil tem sido tema central nas discussões que demandam
qualificar o ensino atualmente, pois tem sido tratado como elemento articulador
para a construção das políticas públicas educacionais. De forma especial, esse tema
está contemplado nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica (BRASIL, 2010) que visam “orientar os cursos de formação inicial e con-
tinuada de docentes e demais profissionais da Educação Básica”. Nesse contexto,
cabe aos formadores repensarem ações no sentido de promover a constituição de
grupos de trabalho que reflitam e discutam os problemas e as possibilidades do
dia a dia escolar.
Tais propósitos estão presentes em muitas reflexões, as quais têm rapidamente
chegado à escola, consequência do significativo aumento do número de horas
para formação a que os professores estão sendo convocados, resultado da Lei nº
11.738/2008, que determina, em seu artigo 2º, § 4º, observar-se, na composição

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 233


da jornada de trabalho, “o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária
para o desempenho das atividades de interação com alunos”. Dessa forma, no
mínimo 1/3 da jornada de trabalho deve ser destinado às chamadas atividades
extraclasses, o que tem sido organizado pelos sistemas de ensino como horas
para formação continuada.
Com isso, o trabalho com a formação de professores, tanto inicial como
continuada, dos quais compartilho, têm se preocupado em promover efetivos
momentos de reflexão sobre a prática, ou seja, momentos em que o professor
analise a prática, reflita e reconstrua sua ação docente, pois conforme Schön “o
desenvolvimento de um ensino prático reflexivo pode somar-se a novas formas de
pesquisa sobre a prática e de educação para essa prática, para criar um momento
de ímpeto próprio, ou mesmo algo que se transmita por contágio” (2007, p. 250).
Nessa perspectiva, apresento o contexto da pesquisa, os encontros de formação
continuada realizados no programa Ciclos Formativos em Ciências e Matemáti-
ca1, um importante movimento de formação organizado com os princípios da
pesquisa-ação segundo Carr e Kemmis (1988), o qual busca, através das falas dos
professores em efetivo exercício em sala de aula, promover uma transformação no
processo de ensinar, reconhecendo conforme Maldaner, 2003, p. 22, a importância
de “dar voz aos que fazem a educação por seu trabalho, os professores, e permitir,
assim, a sua qualificação e profissionalização”.
Com isso, procuro neste capítulo suscitar reflexões acerca de um processo de
pesquisa que ora se inicia, o qual apresenta como intenção compreender acerca
de como se constituem os coletivos de pensamento em um processo de formação
de professores sob a perspectiva da pesquisa-ação e, como consequência, de que
forma a circulação intracoletiva e intercoletiva de ideias contribui para a formação
de uma efetiva espiral autorreflexiva.
Reconheço aqui uma oportunidade em relatar um trabalho de pesquisa que
surge de uma inquietação particular, o qual favorece um repensar constante e
necessário e, ao mesmo tempo, contribui para a construção de uma escrita ela-
borada sob um momento de questionamentos com relação aos possíveis e pro-
váveis caminhos que irei utilizar. Através desse texto pretendo, ao rever minhas
considerações, compreender os fatos que me aproximam dos estudos voltados à
epistemologia da Ciência.

1  Programa de Extensão institucionalizado na Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Cerro Largo
em atividade desde o ano de 2010.

234 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


O presente texto, estruturado em três partes, pretende abordar questões
pertinentes para a formação de professores. Para tanto, inicialmente descrevo
uma trajetória de trabalho com formação de professores que demonstram a cons-
tituição de uma identidade voltada para promover espaços de reflexão coletiva
que possam contribuir para que os professores saiam do isolamento em que se
encontram enquanto sujeitos em formação permanente. Nesse momento justifico
minhas escolhas pessoais quanto à construção de um trabalho de formação sob a
perspectiva da pesquisa-ação.
Na segunda parte, trago para a discussão a formação de coletivos de pensamento
segundo a epistemologia fleckiana, considerando que nos grupos em formação
continuada a circulação intercoletiva e intracoletiva de ideias possibilitam e pro-
movem a constituição dos coletivos, bem como favorecem a articulação entre os
círculos exotéricos e esotéricos.
Na terceira parte do texto apresento reflexões do processo de pesquisa, no
sentido de reconhecer aspectos que possibilitam promover a articulação entre os
círculos exotéricos e esotéricos, buscando favorecer, através da compreensão da
constituição do sujeito em seu estilo de pensamento, reconhecendo-o como ser
histórico, social e culturalmente construído, a constituição de um efetivo trabalho
de formação continuada de professores.

2 Formação continuada de professores de Ciências: o despertar da


pesquisa

Ao concluir meus estudos do Mestrado em Ensino Científico e Tecnológico


na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai – Campus Santo Ângelo,
em 2013, minhas aspirações me conduziram a novas conexões de vida e estas, ao
abrirem-se em múltiplas e imprevisíveis direções, foram produzindo a realidade,
momento em que ingressei como professora de Práticas de Ensino e Estágio Su-
pervisionado para o curso de Licenciatura em Ciências na Universidade Federal
da Fronteira Sul – Campus Cerro Largo.
Com este propósito alcançado, decidi investir em mais uma etapa de pós-
-graduação num novo movimento de estudo acerca das concepções epistemoló-
gicas e suas contribuições para a formação docente num âmbito acadêmico. Ao
trazer à pauta estudos epistemológicos aliados ao processo de pesquisa-ação, que

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 235


já se encontrava instaurado no programa, um novo projeto de pesquisa na área
da Educação nasceu acoplado às experiências anteriores sobre a investigação em
formação de professores. Este projeto referendou a minha participação no Programa
de Pós-Graduação em Educação nas Ciências na Universidade Regional do Noroeste
do Estado do RS, como aluna regular de Doutorado em Educação nas Ciências.
Minha problemática de pesquisa, revista e desdobrada coletivamente em novas
questões, encaminhou-se no sentido de buscar na formação docente aspectos que
refletem minhas preferências epistemológicas, bem como analisar as possíveis ar-
ticulações entre os formadores e os sujeitos em formação, no sentido de identificar
contribuições do processo de pesquisa-ação com viés emancipatória.
Um intenso envolvimento com programas de formação de professores du-
rante muitos anos proporcionaram o desenvolvimento de um trabalho atual que
busca contribuir com o planejamento e a organização da docência em sala de aula.
Nesse sentido, a construção do olhar de pesquisa para a formação de professores
se efetivou nas salas de professores quando, em momentos de compartilhamento
entre os pares, identificava a necessidade de retirar o professor de um isolamento
formativo em que ele, ao longo dos anos de docência, foi constituindo.
Enquanto organizadora de cursos de formação continuada, reconheço a
importância em proporcionar aos professores da educação básica momentos de
falas e de escritas acerca de suas vivências, pois reconheço que minha constituição
docente se deu de forma mais significativa nos momentos em que eram propostas
reflexões acerca da prática escolar. As trocas entre os pares favorece a constituição
da identidade do sujeito, pois ele se vê no outro, se reconhece e compartilha com
ele suas angústias e esperanças. Este espaço de cumplicidade e confiança em mo-
mentos de formação garante maior qualidade ao processo, pois tanto mais serão
promovidos diálogos que potencializam a prática docente.
Sob essa perspectiva, considero a formação continuada espaço e momento
de intensa articulação entre os sujeitos que buscam transformar constantemente
sua prática pedagógica. Em meus estudos acerca deste tema, tenho considerado
as questões que Maldaner apresenta como sendo as condições iniciais para a rea-
lização de um significativo processo de formação continuada, entre elas destaco:

i ) Que haja professores disponíveis e motivados para iniciar um trabalho


reflexivo conjunto e dispostos a conquistar o tempo e local adequados para
fazê-lo; ii) que a produção científico-pedagógica se dê sobre a atividade
dos professores, mediante reflexão sobre as suas práticas e seu conhe-

236 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


cimento na ação, sendo as teorias pedagógicas a referência e não o fim;
iii) que os meios e os fins sejam definidos e redefinidos.[...] (2003, p. 32).

A dinâmica de uma proposta de formação, em que se permite a interação


contínua entre os sujeitos, favorece a constituição dos mesmos e se justifica pelo
importante resgate dos saberes docentes. Reconhecendo esse movimento de for-
mação, corroboramos a afirmação de Tardif (2002) de que todo “saber do professor
é um saber social” (p. 12).
Porém, esses momentos de formação, em que prevalece a troca de saberes entre
os docentes, não têm sido oportunizados pelo sistema, o que é possível identificar
diante das insatisfações dos professores participantes, como no caso das formações
que têm sido realizadas no decorrer do processo de implantação do Pacto pelo
Fortalecimento do Ensino Médio2. A experiência que tenho compartilhado com
os colegas formadores tem demonstrado certa resistência dos professores ao serem
solicitados para momentos de diálogo e reflexão.
Nesse contexto de resistência não há momento de formação, pois não se favorece
a troca entre os pares, apenas se promove um ambiente de descontração, pois são
estes os momentos em que os professores utilizam para rever amigos, conversar a
respeito de diversos assuntos, porém poucas são as discussões e reflexões realizadas
acerca da prática escolar.
Essa realidade evidencia uma tentativa frustrada de formação que privilegia
aspectos externos aos da sala de aula, pois os professores têm participado de pa-
lestras e seminários em que recebem informações acerca das pesquisas realizadas
na prática escolar, porém, de acordo com Nóvoa, 1995, p. 25, “a formação não se
constrói por acumulação [...], mas sim através de um trabalho de reflexividade crí-
tica sobre as práticas e de (re) construção permanente de uma identidade pessoal”.
Ou seja, esta forma de realizar a formação, sem a participação dos professores,
vem ocorrendo há muito tempo e poucas são as contribuições desta à prática em
sala de aula.
Essas propostas oriundas do sistema, sem que haja uma efetiva participação
dos sujeitos na construção do processo, não é compartilhada por nós, formado-
res do programa Ciclos Formativos em Ensino de Ciências e Matemática, pois o
processo que organizamos tem como intenção promover a autonomia docente,

2  Programa instituído por meio da portaria nº 1.140, de 22 de novembro de 2013, pelo qual o Ministério da
Educação – MEC e as secretarias estaduais de educação assumem o compromisso com a valorização da formação
continuada dos professores e coordenadores pedagógicos que atuam no ensino médio público.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 237


compreendendo, de acordo com Contreras (2002, p. 193) que esta, “no contexto
da prática de ensino, deve ser entendida como um processo de construção perma-
nente no qual devem se conjugar, se equilibrar e fazer sentido muitos elementos”.
Muitos são os estudos voltados à formação de professores de Ciências (CAR-
VALHO E GIL-PÉREZ, 2009; ALARCÃO, 2011; IMBERNÓN, 2011; MALDANER,
2003; SCHNETZLER, 1996) e os reflexos no processo de ensino e aprendizagem.
Porém, o que se percebe é que as práticas escolares não refletem essas preocupações,
pois pouco têm se modificado ao longo dos anos. Cabe, portanto, conjecturar o
maior tempo da pesquisa à prática, pois, mesmo com tantas insistências teóricas o
estado de inércia em que a sala de aula se apresenta dentro do contexto de ensino
é, no mínimo, preocupante e desmotivador.
Dessa forma, fui percebendo a importância de oportunizar aos professores
em exercício, momentos de reflexão na/para a prática escolar, momentos de diálo-
gos, de permitir-lhes que falem e escutem seus pares a fim de reconhecerem suas
identidades docentes e, consequentemente, constituírem coletivos de pensamento,
pois conforme Maldaner, 2003, p. 22:

Dar voz aos professores e seus aliados na condução do processo da me-


lhoria educativa requer condições concretas para sua participação em
um movimento de baixo para cima, na realização das pesquisas e dos
estudos sobre a prática educacional nas escolas, o que seria, em minha
opinião, a forma mais sensata de qualificar os professores em exercício
e de permitir sua profissionalização.

Ao longo de um processo de constituição enquanto pesquisadora, tive a


oportunidade de desenvolver um trabalho de análise das concepções de Ciências
dos professores da educação básica sob a perspectiva da pesquisa-ação emancipa-
tória3, o qual permitiu que reconhecesse a importância do estudo epistemológico
para o ensino de Ciências e a articulação entre os sujeitos envolvidos no processo
de forma colaborativa. Com isso, compreendi que a constituição do sujeito em
formação se desenvolve de forma individual, porém a partir do coletivo. Nessa
oportunidade, tive a preocupação de realizar várias leituras acerca da constituição
do pensamento, de como se dá esse processo nos sujeitos em formação e, entre

3  Cabe ressaltar que existem outras linhas da pesquisa-ação: a prática e a técnica. As visões de pesquisa-ação
educacional técnica, prática e emancipatória se distinguem com relação a seus marcos teóricos; ao tipo de relação
entre teoria e prática; ao objeto de pesquisa; à rigorosidade metodológica; à questão da objetividade x subjeti-
vidade; à racionalidade; às concepções de conhecimento, produção de conhecimento e educação envolvidas.

238 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


elas, me aproximei dos estudos realizados pelo epistemólogo Ludwik Fleck, o qual
ao longo de uma trajetória com pesquisa na área da saúde, explica a formação de
coletivos de pensamento e suas possiblidades na evolução da própria Ciência,
discutirei aspectos relevantes dos estudos de Fleck na segunda parte deste texto.
Ao ingressar na docência universitária, e instigada a participar como pesqui-
sadora de encontros de formação continuada de professores através das ações do
GEPECIEM/UFFS – Grupo de Pesquisa e Estudo em Ciências e Matemática da
UFFS4 – Campus Cerro Largo-RS, passei a constituir um grupo de formadores,
os quais para Fleck (2010) correspondem ao “círculo esotérico”, dos quais consi-
dero fazerem parte pesquisadores, ou seja, todos os sujeitos que trabalham com
problemas afins, na qualidade de profissionais gerais. Complementando o grupo
de trabalho, encontram-se os professores em processo de formação inicial e con-
tinuada, os quais passam a fazer parte do “círculo exotérico” (FLECK, 2010), pois
são considerados os leigos.
A participação no grupo proporciona-me, através do trabalho de pesquisa e
extensão, ampliar ainda mais o olhar para a formação de professores em exercício.
Nosso grupo coordena encontros de formação para professores de educação básica,
nos quais participam, também, os licenciandos/bolsistas dos cursos de licenciatura
em Ciências Biológicas, em Física e em Química.
Os encontros de formação de professores que organizamos enquanto grupo
de pesquisa tem como objetivo possibilitar espaços de formação docente mediante
a discussão teórico-prática de conceitos relacionados ao ensino de Ciências da
Natureza na perspectiva do Educar pela Pesquisa (DEMO, 2005, MORAES, 2006,
GALLIAZI, 2011), através de um processo de pesquisa-ação com a perspectiva
emancipatória (CARR & KEMMIS, 1988).
É importante destacar aqui que, grande parte dos professores que estão em
efetivo exercício na educação básica, teve uma formação inicial positivista, a qual
considera a Ciência como verdade absoluta. Encrustados nesta ideia de Ciência
transmitida aos alunos por acúmulo de informações, os professores resistem, porém
com os diálogos propostos se adentram aos grupos de discussão e compartilham
momentos de reflexão, o que contribui para que eles compreendam seu fazer pe-
dagógico, revendo, numa perspectiva crítica e emancipatória, a construção e/ou
reconstrução do seu saber fazer.

4  Universidade Federal da Fronteira Sul.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 239


Diante dessas observações reconheço que há dificuldade em estabelecer um
diálogo entre professores e formadores, o que acaba se tornando um obstáculo a
ser superado e, para tanto, faz-se necessário promover ações que contribuam para
uma maior articulação entre as partes, pois o processo de formação não se dá de
forma isolada, requer a articulação entre os círculos exotéricos e esotéricos para
que juntos possibilitem a formação de um pensamento coletivo.
A escolha pelo processo de formação sob a perspectiva da pesquisa-ação
emancipatória é demarcada pela convicção de que o movimento de transformação
do sujeito ocorre internamente e, nesse sentido, compreendo que a formação dos
professores deve partir da prática em sala de aula, pois conforme Elliott (2003, p.
151), “o foco da prática é subordinado ao foco no eu e seus valores e em mudar
a prática para mudar o eu”. A reflexão da prática é o melhor caminho para o de-
senvolvimento de professor autônomo e consequentemente emancipado, pois é
nesse contexto que surgem os problemas, o que significa que é aí o espaço em que
as possibilidades teóricas devem ser construídas e estabelecidas.

3 A constituição de coletivos de pensamento: o olhar da pesquisa

O caminho a ser trilhado no decorrer da pesquisa exige com que sejam es-
clarecidos aspectos relevantes quanto às concepções que me constituem. A pro-
posta de trabalho aqui apresentada tem como espaço a formação de professores
e as relações estabelecidas entre estes e os formadores, tidos como especialistas.
Nesse caso considero pertinente relatar que as razões que influenciaram a pes-
quisa nesse tema se aproximam do interesse que tenho pela epistemologia ou “as
epistemologias”, como afirma Ramos (2008, p. 26), pois reconheço a importância
de proporcionar ao professor reflexões epistemológicas acerca do conhecimento,
as quais permitirão o desenvolvimento de um olhar crítico necessário para uma
maior compreensão sobre esse conhecimento.
Nesse sentido, situo o leitor na vertente epistemológica que escolhi, conside-
rando, de acordo com Ramos (2008), que é possível reconhecer pelo menos duas:

Uma é a epistemologia como desveladora do processo de conhecimen-


to, centrada no sujeito que conhece e no objeto que é conhecido. Esta
vertente teria um caráter de teoria de conhecimento. A outra vertente
é a epistemologia como a crítica interna de uma ciência com vistas ao

240 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


seu progresso e evolução. Está centrada, pois, na própria ciência e, por
isto, teria um caráter de teoria ou filosofia da ciência.

As considerações que faço diante de uma abordagem epistemológica escolhida


delineiam, não apenas o processo, como também a escolha pela epistemologia de
Ludwik Fleck (2010) como aporte principal desta escrita, tendo em vista que esta
se propõe a resgatar a história da construção do conhecimento e, com isso, permitir
uma reflexão acerca da epistemologia histórica. Minhas preocupações se instauram
no processo de conhecer como se deu o progresso do conhecimento, de que forma
os conhecimentos anteriores foram superados e quais são os conhecimentos atuais.
Com esse propósito, percorro uma caminhada epistemológica necessária,
através de um olhar crítico. Não pretendo, nesse momento, reiterar um único
caminho, pois considero que muitos ainda são possíveis de serem construídos, o
que significa dizer que a escolha pelos pensamentos de Fleck (2010), através do
estudo da Gênese e Desenvolvimento de um Fato Científico, não tem como intenção
desconsiderar outras significativas contribuições epistemológicas no campo do
ensino de Ciências. De forma especial declaro a importância, para minha própria
constituição, da epistemologia de Thomas Kuhn (1991) através da Estrutura das
Revoluções Científicas, bem como de Gaston Bachelard (1996) em A Formação do
Espírito Científico.
Olhar para a gênese da formação de professores através da epistemologia
fleckiana, permite-nos compreender o processo de desenvolvimento do conhe-
cimento em torno dos conceitos centrais de estilos de pensamento e pensamento
coletivo. A partir desse olhar, é possível perceber que o conhecimento do professor
não se dá por rupturas daquilo que ele aprendeu durante sua formação inicial,
mas sim, a partir de um processo de evolução, pois “alguma coisa de cada estilo
de pensamento permanece” (FLECK, 2010, p. 130).
Algumas contribuições importantes ao meu estudo com a formação de profes-
sores se devem também às leituras que fiz da epistemologia de Gaston Bachelard
(1996) ao ensino de Ciências, graças à proximidade que tive ao longo de minha
formação inicial. Bachelard, segundo Lopes (2007, p. 31), traz aspectos significativos
no avanço da Ciência através do estudo da epistemologia histórica, permitindo
“o questionamento da possibilidade de se definir definitiva e universalmente o
que é ciência”. Questionar a Ciência determina a formação do verdadeiro espírito
científico, pois, segundo Bachelard (1996, p. 18), “para o espírito científico, todo

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 241


o conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta não pode haver
conhecimento científico”.
Ainda na epistemologia bachelardiana encontra-se o estudo sobre os obstáculos
epistemológicos, o qual considero importante estar presente na formação inicial
do professor, pois é determinante no processo de constituição do conhecimento
do que é Ciência. Todavia, não é único, pois temos as experiências que o professor
traz consigo, das suas primeiras aprendizagens em Ciências, bem como os saberes
curriculares e profissionais que muito influenciam a formação de suas concepções,
o que para Tardif (2002) formam o “saber docente”. Sendo assim, essa formação
perpassa um processo de evolução, pois “o conhecimento evolui de um estilo de
pensamento ao outro” (CONDÉ, 2005, p. 141).
O trabalho com formação continuada de professores e, consequentemente,
com o coletivo de pensamentos permitiu a compreensão de que os sujeitos podem
pertencer a vários coletivos simultaneamente, atuando como veículos na trans-
missão de ideias entre os coletivos.
Observando a dinâmica do processo de formação de professores, identifico
uma relação importante entre os círculos exotéricos e esotéricos, no sentido de
ampliar a área de conhecimento dos sujeitos que constituem, conhecidas como
circulação intracoletiva e intercoletiva. Através da circulação intracoletiva de
ideias, que ocorre no interior do grupo, o professor se insere no coletivo de pen-
samento e precisa aprender e compartilhar os conhecimentos e práticas do estilo
de pensamento presente, dessa forma tem-se um processo de “extensão do estilo
de pensamento” (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2009).
Sob essa perspectiva considero a formação continuada como um processo
constitutivo do sujeito, o qual vai promovendo transformações ao longo dos en-
contros, mudanças essas proporcionadas pela relação entre os círculos exotéricos
e esotéricos. Identifico a importância dessa relação, tendo em vista que nos pro-
gramas de formação continuada os quais participei ao longo de minhas vivências,
pude perceber o quanto os professores da educação básica são resistentes aos
diálogos promovidos pelos professores da universidade, pois há uma crença de
que os especialistas pouco conhecem os verdadeiros problemas da prática escolar.
Esse contexto dificulta a criação de espaços formativos, porém, através do
diálogo entre os pares, é possível reconhecer aspectos que contribuem para uma
aproximação necessária entre os círculos. Nesse sentido, destaco a importância
de retirar os professores da cômoda situação de apenas querer receitas prontas e

242 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


colocá-los como protagonistas da sua própria formação. A formação do professor
deve ser vista como uma profunda “mudança didática” (CARVALHO; GIL-PÉREZ,
2009, p. 38), através da qual o professor deve estar preparado para uma tarefa de
pesquisa e inovação permanentes.
O diálogo é o princípio básico da relação pedagógica, e os espaços de formação
são essenciais para a construção e desconstrução de conceitos criados em torno
dos processos pedagógicos desenvolvidos na escola, pois, conforme Maldaner
(2003, p. 15), “tornar-se reflexivo/pesquisador requer explicitar, desconstruir e
reconstruir concepções, e isso demanda tempo e condições”.
Acredito que permanecem atrelados aos conhecimentos e saberes provenientes
da experiência, e alicerçados pelo senso comum pedagógico os professores que
têm dificuldade para estabelecer processos de diálogo e reflexão em torno de suas
práticas, os quais demonstram a presença de estilos de pensamento que compro-
metem o trabalho em sala de aula. Comprometem porque se caracterizam por
prevalecer aspectos quantitativos de qualitativos.
Nas escolas de educação básica, tenho observado a presença de professores
despreparados, sem conhecer com profundidade a disciplina que ministram, sem
analisar ou interpretar as concepções dos alunos e sem saber orientar o processo de
ensino e de aprendizagem. Essa realidade, segundo Carvalho e Gil-Pérez (2009, p.
14) faz-nos chegar à “conclusão de que nós, professores de Ciências, não só care-
cemos de uma formação adequada, mas não somos sequer conscientes das nossas
insuficiências”, o que contribui ainda mais para uma crise no ensino de Ciências.
No que diz respeito ao conhecimento do professor encontro em Imbernón
contribuições importantes, pois este coloca que o conhecimento profissional do
professor “compreende diferentes âmbitos: o sistema, os problemas que dão origem
à construção dos conhecimentos, o pedagógico geral, o metodológico-curricular,
o contextual e o dos próprios sujeitos da educação.” (2011, p. 31). Nesse sentido,
o autor traz reflexões da presença de um conhecimento pedagógico comum e um
conhecimento pedagógico especializado, referindo-se ao primeiro como presente
na estrutura social do professor, o qual integra o patrimônio cultural da socieda-
de e se transfere para as concepções dos professores. Essa leitura nos aproxima
ainda mais da compreensão da constituição dos círculos exotéricos e esotéricos
presentes no processo.
Essa realidade descrita, ainda existente nas salas de aula, mesmo após tantos
estudos realizados, faz-me refletir e questionar a formação do professor e a minha

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 243


formação. Nesse sentido, corroboro a ideia de Maldaner (2003, p. 53) quando
coloca que os professores “rejeitam o modelo de transmissão/recepção quando se
referem ao ensino teórico, mas mantêm a mesma ideia de conteúdos de Química
que devem ser transmitidos e assimilados pelos alunos”.
O trabalho de estudo e análise dos estilos de pensamento dos professores é
importante para a compreensão do movimento que ocorre na formação, pois é
determinado pelo próprio coletivo e se constitui mediante formas particulares
de interação e comunicação dos conhecimentos teóricos e práticos dos sujeitos
que constituem.
Com esses pressupostos, considero a circulação intracoletiva como essencial
no processo, pois ela determina a extensão de um estilo de pensamento. Isto é, uma
vez instaurado um estilo e superada a fase de desarticulação no coletivo, colocam-
-se em prática mecanismos para a aceitação de um novo estilo pelos sujeitos e isso
é determinante para um processo efetivo de formação permanente.
Consequentemente, segundo Fleck (2010), o ciclo da construção do conheci-
mento se reinicia com a instauração e posterior extensão do novo estilo de pensa-
mento que poderá novamente, em algum momento, mostrar a sua insuficiência,
pois essas fases são intrínsecas à constituição de conhecimento de qualquer campo.
Esse movimento é o que tenho encontrado como ponto articulador da episte-
mologia de Fleck com o processo de pesquisa-ação emancipatória. A busca por
uma epistemologia que contribua para compreender o processo de formação da
espiral autorreflexiva permite compreender o significativo processo de evolução
do pensamento em formação.

4 A pesquisa-ação contribuindo com a articulação entre os círculos


exotéricos e esotéricos

A formação de professores sob a perspectiva da pesquisa-ação é a principal


opção à melhoria da prática curricular e à formação de profissionais autônomos
e reflexivos, pois de acordo com Elliott (2003), “o principal objetivo da forma de
pesquisa-ação [...] é desenvolver mais a prática que o praticante”. Olhar para o
processo de formação de professores a partir de sua prática é reconhecer aspectos
que podem contribuir para efetivas mudanças didáticas.

244 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


A partir dessa perspectiva reconheço que um professor que atua sozinho não
consegue mudar suas práticas da forma como julga necessário e, por essa razão,
o trabalho de formação deve ser compreendido como um processo de mudança
social que requer um trabalho necessariamente coletivo. Sendo assim, compreendo
a pesquisa-ação como uma forma de investigação autorreflexiva, realizada por pro-
fessores para melhorar a compreensão, a racionalidade e a justiça de suas próprias
práticas, bem como das situações sociais nas quais elas ocorrem.
Nos últimos anos vários estudos têm demonstrado o valor formativo do traba-
lho da pesquisa-ação, em especial a de viés emancipatória, a qual incorpora valores
educativos na prática. Ela ocorre quando o grupo de professores assume coletiva-
mente a responsabilidade pelo desenvolvimento e pela transformação da prática,
considerando-a social e historicamente construída. Cabe a eles o debate dos valores
educativos, tanto no campo teórico quanto no prático. Nesse tipo de pesquisa-ação,
o papel do facilitador pode ser exercido por qualquer membro do grupo.
O trabalho de formação de professores do qual participo como formadora
utiliza como referências principais os estudos de Carr e Kemmis (1988), os quais
defendem o processo da pesquisa-ação emancipatória e, para torná-la viável, su-
gerem a necessidade de algumas condições básicas. É preciso que o projeto tenha
como tema uma prática social suscetível de melhoria e se realize de acordo com
espirais de planejamento, ação, observação e reflexão. A pesquisa deve, também,
envolver os responsáveis pela prática em cada um dos momentos da atividade. É
desejável que essa participação seja gradualmente ampliada a outros professores
e que se mantenha o controle colaborativo do processo.
Nesse contexto descrito identifico a importância de uma efetiva articulação
entre formadores e sujeitos em formação, a qual deve ser permeada de caracte-
rísticas como: confiança, responsabilidade, comprometimento, diálogo, trocas de
experiências. Dessa forma, problematiza-se a formação de professores quando
se questiona: “de que forma se articulam os círculos exotéricos e esotéricos na
formação continuada de professores de Ciências da Natureza?”.
Sendo assim, apresento aqui uma proposta de pesquisa em que considero no
processo de formação a necessidade da articulação entre os pesquisadores, pro-
fessores da universidade que realizam pesquisa em formação continuada, os quais
formam o círculo esotérico, com os professores da educação básica, formadores
do círculo exotérico, denominados assim por não produzirem conhecimento, ou
não realizarem pesquisa com status científico.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 245


Nesse sentido, o trabalho apresenta como objetivo principal analisar os
processos de articulação entre os círculos exotéricos e esotéricos na formação
continuada de professores e as contribuições desta para uma maior compreensão
acerca do processo de pesquisa-ação. Para tanto, busco observar e pesquisar as
configurações e os elementos que constituem a circulação intracoletiva de ideias
na formação continuada de professores; identificar no processo de formação
continuada a existência de obstáculos para uma efetiva articulação entre for-
madores e professores da educação básica e investigar ações que promovam nos
professores da educação básica maior confiança e participação nos encontros e
diálogos propostos pelos formadores.
Com esses propósitos acredito que a constituição do grupo de formação
através dos Ciclos Formativos apresenta condições de proporcionar um trabalho
mais efetivo na formação de professores, conforme já constatado por Delizoicov
(2007, p. 87):

Poderíamos interpretar que nós fomos abrindo mão dos nossos estilos
iniciais. Não teríamos mais somente o estilo de pensamento dos biólogos,
dos físicos e dos químicos, para balizar as nossas pesquisas. Mas também
não somente os da Educação. Nessa convivência que vai existindo, a gente
pode criar um outro estilo de pensamento, ou vários outros estilos de
pensamento que são compartilhados.

A ampliação dos estilos de pensamento dos professores em processo de


formação continuada é a intenção maior desse trabalho, porém como toda a ati-
vidade de pesquisa, nesse momento é importante destacar aspectos que possam
trazer limitações ao processo, entre os quais destaco a formação do formador,
pois considero o papel deste como um facilitador e, nesse caso, é importante que
o formador compreenda a importância das reflexões epistemológicas aqui apresen-
tadas para promover um processo efetivo de pesquisa-ação. Para tanto, considero
que os sujeitos constituintes do círculo esotérico devem possibilitar a circulação
intracoletiva de ideias no grupo e promover, com isso, uma significativa extensão
dos estilos de pensamento.
Nessas bases, explicito minhas compreensões acerca da espiral autorreflexiva de
conhecimento e ação (CARR e KEMMIS, 1988) tão significativa no movimento de
formação dos sujeitos. Esse movimento reflexivo e crítico se processa em dimensões
espiraladas de reflexão e ação e inclui: análise e diagnóstico de situações práticas ou

246 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


problemas que se necessite resolver; formulação e desenvolvimento de estratégias
de ação; avaliação das estratégias; ampliação da compreensão da situação criada;
produção de novos passos para a nova ação. É no âmbito dessas espirais que atua
a circulação intracoletiva, pois é nesse processo de instauração, compreensão e
extensão dos estilos de pensamento que ocorre a formação dos professores.

5 Considerações finais

As considerações apresentadas ao final deste texto não têm como intenção


encerrar uma discussão, muito pelo contrário, nesse momento tenho a consciên-
cia de que através desta escrita fatos novos surgiram a partir das reflexões que fiz,
fatos significativos para a constituição desta pesquisa. Algumas certezas foram
construídas ao longo da escrita e, com isso, meu interesse na pesquisa na forma-
ção continuada de professores se intensifica a cada dia. Vejo neste trabalho uma
expectativa na construção de novos caminhos na educação em Ciências.
Através destas reflexões, pude perceber que há muitas variáveis envolvidas no
processo de aprendizagem que podem influenciar a prática de um professor. Por
isso, é imprescindível levar em consideração as concepções científicas e pedagógicas
dos professores, sendo que essas constituem uma autêntica epistemologia sobre o
conhecimento escolar que influi em suas intervenções práticas.
Nesse sentido, convido-te, leitor, a fechar os olhos e imaginar movimentando-
-se sobre a espiral autorreflexiva, descobrindo, assim como eu, aspectos marcantes
desta pesquisa. Cabe lembrar que isso implica participar de um processo de toma-
da de consciência, em que refletir sobre a prática educacional faz-se necessário,
tendo sempre, como inspiração, conhecer a realidade em que se está envolvido e
o ambiente educacional, a fim de melhorá-lo.
Ao longo da construção deste texto, tive a confirmação daquilo que sinto
diariamente nos encontros de formação: nós professores somos seres isolados.
Isolamo-nos pela rotina estabelecida, ou isolam-nos colocando sobre nós a res-
ponsabilidade maior da situação preocupante em que se encontra o ensino. Neste
isolamento, não crescemos, não buscamos evoluir, pois nossos pensamentos ficam
voltados em melhorar e não em modificar. Uma das saídas que buscamos para
esse sentimento de solidão é procurar realizar momentos de trocas de experiências
entre os colegas. O que se caracterizam muito mais por momentos de trocas de
atividades do que de construções coletivas de ações para a prática.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 247


A título de síntese final, entendo que as ideias apresentadas aqui podem con-
tribuir de forma significativa para reflexões acerca da formação continuada de
professores de Ciências, em especial na constituição de um trabalho de pesquisa
que possibilite qualificar e potencializar processos de pesquisa-ação emancipatória.

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EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 249


14 REFLEXÕES EPISTEMOLÓGICAS
ACERCA DA RACIONALIDADE TÉCNICA
NA DOCÊNCIA E NO DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL DE FORMADORES DE
PROFESSORES DE CIÊNCIAS DA NATUREZA

Carolina dos Santos Fernandes


Fábio Peres Gonçalves

1 Introdução

Há algum tempo a racionalidade técnica tem sido objeto de discussão na lite-


ratura acerca da formação de professores. Por exemplo, são conhecidas as críticas
ao fomento de resolução de problemas práticos através somente da aplicação de
teorias e instrumentos técnicos ou à separação de propostas educacionais entre
seus produtores e executores. De outra parte, interpreta-se que essas discussões
estão mais direcionadas à formação de professores para a educação básica. Aos
docentes na educação superior, inclusive mais escassas, parecem ser as possibilida-
des de formação pedagógica, conforme ressalta Bazzo (2007). A autora acrescenta
que quando tal formação acontece encontra dificuldades, como a oposição de
professores atuantes nesse nível de ensino. Explicar essa oposição é um processo
relativamente complexo, uma vez que envolve aspectos como as compreensões

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 251


docentes a respeito do que é formação pedagógica e a própria natureza do processo
formativo. Não se pode afirmar que a racionalidade técnica não mais oriente a
formação pedagógica a qual os docentes da educação superior são submetidos ou
que não tenha orientado em décadas passadas1.
Ante o exposto, busca-se discutir com base em reflexões de natureza episte-
mológica, a racionalidade técnica na docência e no desenvolvimento profissional2
de formadores de professores de ciências da natureza. Desse modo, o trabalho
apresenta características da racionalidade técnica difundidas na literatura de
formação docente e em seguida argumenta-se sobre sua presença no desenvol-
vimento profissional de formadores de professores de ciências da natureza, bem
como acerca de modos de enfrentar a racionalidade técnica.

2 A racionalidade técnica na formação docente

Pimenta e Lima (2004) destacam que o exercício de uma profissão requer um


conhecimento técnico, no sentido de que é necessária a utilização de técnicas para
a execução de determinadas atividades. Para as autoras, médicos e dentistas, por
exemplo, precisam apropriar-se de técnicas específicas para a utilização de ins-
trumentos. Os professores, da mesma forma, necessitam apropriar-se de técnicas
associadas ao processo de ensino e aprendizagem. Entretanto, o conhecimento
técnico é insuficiente para resolver problemas com os quais esses profissionais se
deparam cotidianamente, ao contrário do que se pressupõe a partir de um enten-
dimento de prática como instrumentalização técnica. Ou seja, reduzir as profissões
a tarefas técnicas implica em uma não exigência do domínio de conhecimentos
científicos (PIMENTA; LIMA, 2004). Em sintonia com o exposto, Schön (2000), ao
discutir um contexto mais amplo do que o da formação docente, exemplifica duas
situações em que apenas o domínio de técnicas não dá conta de resolver problemas:

[...] Engenheiros civis, por exemplo, sabem como construir estradas


adequadas para as condições de certos locais e especificações. Eles ser-
vem de seus conhecimentos de solo, materiais, e técnicas de construção

1  Na década de 1970, por exemplo, instituições de educação superior já explicitavam inquietação com prática
pedagógica dos seus professores (VASCONCELOS, 2000). Naquele momento predominava a compreensão de de
que os problemas de ensino e aprendizagem podiam ser resolvidos a partir de uma instrumentalização técnica.
2  Compartilha-se do conceito de desenvolvimento profissional de docentes da educação superior de Pimenta e
Anastasiou (2002), pois este envolve ações e programas da formação inicial e da formação em serviço.

252 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


para definir declividades, superfícies e dimensões. Quando é necessário
decidir qual estrada construir, no entanto, ou se ela deve ser construída,
seu problema não é possível de solução pela aplicação de conhecimento
técnico, nem mesmo pelas técnicas sofisticadas das teorias da decisão.
Eles enfrentam uma mistura complexa e mal-definida de fatores to-
pográficos, financeiros, econômicos, ambientais e políticos. Se quiser
obter um problema bem-formado, adequado às teorias e às técnicas
que lhes são familiares, eles devem construí-lo a partir dos materiais de
uma situação que é [...] “problemática”. E o problema da definição de
problemas não é bem-definido.
[...] Uma professora de aritmética, ao escutar a pergunta de uma criança,
conscientiza-se de um tipo de confusão e, ao mesmo tempo, de um tipo
de compreensão intuitiva para a qual ela não tem qualquer resposta
(SCHÖN, 2000, p. 16-17).

Os casos apresentados por Schön (2000) relacionam-se com conhecimentos


que transcendem aqueles de ordem puramente instrumental. Como destaca o
autor, os aspectos indeterminados da prática, como a incerteza, a singularidade de
cada caso e o conflito de valores escapam aos preceitos da racionalidade técnica.
A instrumentação técnica, apesar das críticas que recebe, perdura na orienta-
ção de processos de formação de professores. Rosa (2004), por exemplo, expõe e
critica processos em que se propõem “aulas de reforço” e “programas de reciclagem”
para professores de Biologia, Física e Química da educação básica, como modo de
enfrentar o problema da qualidade do ensino desses componentes curriculares no
referido nível de ensino. A disseminação de propostas de formação docente como
essas colabora para desvalorizar a docência na educação básica e para o que Schön
(2000) denomina de crise na confiança profissional.
Pimenta e Lima (2004) mencionam ainda as chamadas e difundidas oficinas
pedagógicas como atividades que geralmente estão em harmonia com os princípios
da instrumentalização técnica. As oficinas pedagógicas são amiúde realizadas com
o intuito de melhorar o desempenho profissional dos professores a partir de ativi-
dades voltadas à confecção de recursos didáticos para serem utilizados em sala de
aula. De modo geral, as atividades realizadas nas oficinas valorizam “habilidades”
instrumentais, em que a atividade docente é reduzida ao aspecto prático.
É plausível que tal compreensão de oficinas pedagógicas possa estar mais
presente do que poderíamos imaginar no atual cenário de formação de professo-
res, uma vez que há o incentivo explícito por meio de projetos governamentais

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 253


à realização de oficinas. Um exemplo é o projeto denominado Novos Talentos,
apoiado pelo Ministério da Educação (MEC) e financiado pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em que se recomenda
a promoção de atividades junto a professores e estudantes da educação básica
pública com o objetivo de “fomentar a realização de atividades extracurriculares,
tais como cursos, oficinas ou atividades equivalentes no período de férias das es-
colas públicas e/ou em horários que não interfira na frequência escolar” (BRASIL,
2010). Cabe ressaltar a ênfase dada na não interferência na “frequência escolar”,
isto é, interpreta-se que os professores que têm interesse em participar do projeto
precisam estar disponíveis em horários extras.
Subjacente ao discutido pode estar a crença em técnicas e metodologias uni-
versais como formas de resolver as “deficiências” do ensino. Pimenta e Lima (2004)
destacam que o “mito das técnicas e metodologias” está presente no ideário tanto
dos estudantes como dos professores e, sobretudo, quiçá mais preocupante, nas
políticas governamentais – aspecto já sinalizado. A didática instrumental “gera a
ilusão de que as situações de ensino são iguais e poderão ser resolvidas com téc-
nicas” (PIMENTA; LIMA, 2004, p. 40), ou seja, se tem um modelo de resolução
de problemas que pretensamente pode ser aplicado em distintas situações a fim
de solucioná-los.
O discutido até então se mostra em consonância com a acepção de raciona-
lidade técnica apresentada por Schön (2000):

A racionalidade técnica é uma epistemologia da prática derivada da


epistemologia positivista, construída nas próprias fundações da univer-
sidade moderna, dedicada à pesquisa. A racionalidade técnica diz que
os profissionais são aqueles que solucionam problemas instrucionais,
selecionando os meios técnicos mais apropriados para propósitos especí-
ficos. Profissionais rigorosos solucionam problemas instrumentais claros,
através da aplicação da teoria e da técnica derivadas de conhecimento
sistemático, de preferência científico (SCHÖN, 2000, p. 15)3.

Assim como Schön (2000), Ghedin (2006) faz referência ao positivismo:


“constata-se um certo tecnicismo na formação de professores, orientada por um
positivismo pragmático, o qual impõe uma razão técnica e um modelo epistemo-
lógico de conhecimento prático [...]” (GHEDIN, 2006, p. 129). Ambos os autores

3  Para uma compreensão inicial de críticas a ideias de Donald Schön ver, por exemplo, Pimenta (2006). A autora
fundamenta-se em referências que auxiliam no aprofundamento a tais críticas.

254 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


não ampliam a discussão associada ao positivismo, em especial ao positivismo de
Auguste Comte4 e/ou ao positivismo do Círculo de Viena5 e as respectivas articu-
lações com a racionalidade técnica.
De acordo com Cupani (1985), a ciência positivista atribui ao conhecimento
características que o tornam: objetivo; válido; confiável e submetido a controle;
metódico em que apresenta procedimentos definidos; perceptível, progressivo
e cumulativo; desinteressado e impessoal; útil e necessário, com possibilidade
de aplicar os resultados; relaciona raciocínio e experiência. Essas características
apresentam aproximações com os pressupostos da racionalidade técnica, espe-
cialmente por condicionar o sujeito ao papel de aplicador de teorias e técnicas
em situações concretas.
A racionalidade técnica também parece ter aproximações com a vertente
epistemológica denominada de pragmatismo. Segundo Hessen (2003), o sujeito
para o pragmatismo é um “[...] ser prático dotado de vontade, ativo, e não um ser
pensante, teórico. [...] O intelecto não foi dado ao homem para investigar e conhe-
cer, mas para que possa orientar-se na realidade” (HESSEN, 2003, p. 40). Nesse
sentido, o pragmatismo defende que o intelecto não foi dado ao sujeito para que
ele conheça a verdade, mas para que aja, sendo a verdade útil, valiosa e promotora
da vida (HESSEN, 2003).
É sabido que a epistemologia contemporânea da ciência há muito colocou em
xeque as interpretações do positivismo e do pragmatismo. Bachelard (1996), por
exemplo, ressalta o conhecimento pragmático como um obstáculo epistemológico6
ao conhecimento científico.
A noção de obstáculo epistemológico, de acordo com o epistemólogo, também
pode ser estudada na prática educativa, a qual recebe a denominação de obstáculo

4  Auguste Comte (1798-1857) elaborou a corrente filosófica denominada de positivismo que marcou pro-
fundamente a cultura do século XIX. O positivismo comteano caracterizou-se pela negação da metafísica e a
valorização de procedimentos científicos, isto é, os positivistas possuem afinidades com as ciências empíricas e
seus procedimentos são baseados especialmente na observação e experimentação (DUTRA, 2005). Com base no
exposto, o positivismo de Comte possuía quatro objetivos principais: evidenciar as leis lógicas do espírito humano;
promover uma reforma geral na educação; promover o progresso nas diversas ciências e por fim a reorganização
da sociedade em bases sólidas (DUTRA, 2005). De modo geral, o positivismo de Comte considerava as ciências
sociais e as ciências naturais semelhantes, ambas neutras.
5  O positivismo lógico surge com o Círculo de Viena e era formado no início do século XX por um grupo
de estudiosos. O positivismo lógico caracterizava-se como uma forma extrema do empirismo que enfatizava
o aspecto lógico do conhecimento científico. Para os positivistas é considerado um problema o que pode ser
verificado pelos sentidos.
6  A noção de obstáculo epistemológico pode ser sinteticamente interpretada como as causas de estagnação,
regressão, lentidões e inércia do conhecimento científico (BACHELARD, 1996).

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 255


pedagógico. Avalia-se que as ideias associadas à racionalidade técnica na formação
de docentes podem se constituir em uma espécie de obstáculo pedagógico. E se
um perfil epistemológico7 “guarda as marcas dos obstáculos que uma cultura teve
que superar” (BACHELARD, 1976, p. 68), por que não supor que a história da
formação docente possa igualmente ser marcada pelos obstáculos pedagógicos – a
exemplo da racionalidade técnica – que necessitou enfrentar?
Por último, apresenta-se uma discussão relacionada à dicotomia imaginária
entre teoria e prática, dicotomia fortemente valorizada no âmbito da racionalidade
técnica. Nas palavras de Pimenta e Lima (2004, p. 37), “a prática pela prática e
o emprego de técnicas sem a devida reflexão podem reforçar a ilusão de que há
uma prática sem teoria ou de uma teoria desvinculada da prática”. Nesse contexto,
a atividade de estágio nos cursos de formação de professores, por exemplo, tem
sido alvo de discussões na tentativa de superar a suposta dicotomia entre teoria
e prática. Ou seja, “[...] o estágio, ao contrário do que se propugnava, não é uma
atividade prática, mas teórica, instrumentalizadora da práxis docente, entendida
esta como atividade de transformação da realidade” (PIMENTA; LIMA, 2004, p.
45). O entendimento da prática como indissociável da teoria se distancia de pres-
supostos de caráter empirista para os quais a experiência sensível é a fonte segura
de conhecimento. De outra parte, também é pouco apropriada a compreensão que
reduz a função dos conhecimentos teóricos a uma “aplicação na prática”.
A racionalidade técnica fomenta a apropriação de um conhecimento que estaria
acabado para ser aplicado em atividades práticas. No entanto, esse aspecto extrai
o caráter histórico da construção do conhecimento de fundamental importância
para uma compreensão da realidade.
Em harmonia com o exposto, a racionalidade pressupõe uma hierarquia entre
conhecimentos ligados aos denominados componentes curriculares de conteúdo
específico (Química Orgânica, Química Inorgânica e Química Analítica, por exem-
plo) e componentes curriculares da área de ensino (Prática de Ensino de Química
e Metodologia do Ensino de Química) nos cursos de licenciatura. Nesses cursos
foi muito frequente o chamado modelo 3+1, isto é, três anos de componentes
curriculares de conteúdo específico e no último ano os componentes curriculares
pedagógicos e integradores. Assim, uma das lacunas em determinados cursos de

7  A noção de perfil epistemológico desenvolvida por Bachelard (1996) expõe que a explicação de um conceito
científico está condicionada pela influência de diferentes doutrinas filosóficas. A noção de perfil epistemológico é
particularmente relevante para desenvolver a argumentação de que a noção de ruptura do referido autor envolve
o binômio continuidade-descontinuidade.

256 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


formação inicial de professores é compreender que há conteúdos relacionados ao
“o que”, ao “como” e “por que” ensinar, igualmente importantes para a formação
de docentes. Ou seja, os conteúdos dos componentes curriculares de conteúdo
específico são tão relevantes quanto os conteúdos relacionados à docência.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da
Educação básica (BRASIL, 2002) já sinalizaram, ainda que, com controvérsia,
a urgência de superar os pressupostos da racionalidade técnica nos cursos de
formação de professores. Soma-se a isto o incentivo dessa orientação oficial a
reformas curriculares nos cursos de licenciatura, de modo a se distanciarem do
modelo 3+1. No entanto, ainda que esse distanciamento possa ser promovido,
não implica um imediato abandono dos pressupostos da racionalidade técnica
nos cursos de formação docente. De qualquer modo, advoga-se aqui em favor do
enfrentamento dos pressupostos da racionalidade técnica com base em reflexões
de cunho epistemológico e pedagógico e que contemplem não somente a forma-
ção inicial de professores – como feito até aqui neste trabalho –, mas o próprio
desenvolvimento profissional dos seus formadores.
Interpreta-se que as discussões na literatura em torno da racionalidade técnica
articulada à formação de professores se direcionam de maneira mais pujante à
formação de docentes para a educação básica e não ao desenvolvimento profis-
sional dos formadores de professores da educação básica, em especial daqueles
que atuam em componentes curriculares das chamadas áreas específicas como
Biologia, Física e Química. Em outros termos, pouco se refere às influências da
racionalidade técnica no desenvolvimento profissional daqueles docentes que, em
geral, vivenciam minimamente processos formativos que tem a docência como
objeto de estudo. É exatamente no que concerne a esse aspecto aparentemente
menos enfatizado na literatura que se discutirá a seguir a partir de uma inspiração
em ideias da epistemologia contemporânea da Ciência.

3 Em foco a racionalidade na docência e no desenvolvimento


profissional dos formadores

Anteriormente foram expostas características da racionalidade técnica em


processos de formação de professores e seria esperado que também fossem intro-
duzidas características associadas ao desenvolvimento profissional de formadores

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 257


de professores da área de ciências da natureza. No entanto, se partirá de conheci-
mentos já divulgados na literatura que trata do assunto (ODA, 2012, GONÇALVES;
MARQUES; DELIZOICOV, 2007; BAZZO, 2007; SILVA; SCHNTZLER, 2005;
ZABALZA, 2004; PACHANE, 2003; CAMPANARIO, 2003, 2002; PIMENTA,
ANASTASIOU, 2002). Ao referir-se aqui aos formadores de professores de ciên-
cias da natureza se estará considerando dois “coletivos” já citados: docentes que
atuam componentes curriculares de conteúdos específicos e docentes que atuam
em componentes curriculares integradoras. Seja qual for o “coletivo” é admissível
supor que o seu desenvolvimento profissional foi permeado por características da
racionalidade técnica, a exemplo das explicitadas anteriormente. Mesmo aqueles
profissionais que se tornaram formadores sem jamais terem participado de proces-
sos formais que se dedicam a estudar a docência8 explicitamente – como é o caso
dos que realizaram cursos de bacharelado, mestrado e doutorado que não na área
de ensino –, as influências da racionalidade técnica em sua formação podem ter
sido pujantes. Essa é uma afirmação que se sustenta nas contribuições de Schön
(2000) ao discutir a racionalidade técnica em um contexto mais amplo que o da
formação docente.
Ao tomar como referência que pressupostos da racionalidade técnica po-
dem influenciar na docência no desenvolvimento profissional dos formadores de
professores de ciências da natureza, procura-se defender de forma mais explícita
que a “circulação intercoletiva” entre docentes de componentes curriculares de
conteúdo específico e docentes das integradoras pode ser uma forma de favorecer
o enfrentamento de premissas da racionalidade técnica no próprio desenvolvi-
mento profissional desses professores – e não somente nos processos de formação
inicial de professores, conforme argumentação original de Gonçalves, Marques e
Delizoicov (2007). Esses autores desenvolvem reflexões apoiadas na epistemologia
de Fleck (1986), especialmente nas categorias circulação inter e intracoletiva. A

8  Ainda que no Brasil os estudantes de pós-graduação que dispõem de bolsa da CAPES, por exemplo, necessitem
realizar o estágio de docência, de modo geral não se constitui em um estudo sistematizado da docência, senão em
um processo de reprodução de modelos. A compreensão que parece predominar nesses modelos de estágios de
docência é que o mais importante é o “domínio”, por parte dos estagiários, de conhecimentos das componentes
curriculares de conteúdos específicos que estão a lecionar, de tal sorte que precisam ser ensinados a partir de
técnicas aprendidas por imitação ao longo da vida escolar e com o supervisor do estágio – docente responsável
pela componente curricular de conteúdos específicos que, geralmente, também pouco teve a oportunidade
de estudar, de forma sistematizada, a docência em sua área de formação. Em outras palavras, tal situação está
relacionada com a valorização de uma hierarquia de conhecimentos apreciada pela racionalidade técnica, como
já mencionado anteriormente.

258 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


compreensão dessas categorias epistemológicas está associada a outras centrais na
tese de Fleck, quais sejam, estilo de pensamento e coletivo de pensamento.
O estilo de pensamento pode ser resumidamente definido como “um perceber
dirigido com a correspondente elaboração intelectiva e objetiva do percebido”
(FLECK, 1986, p. 145) [tradução dos autores]. Em outros termos, o estilo de
pensamento pode ser caracterizado por práticas e conhecimentos compartilha-
dos. Já o coletivo de pensamento é classificado por um grupo de indivíduos que
compartilha determinado estilo de pensamento, sendo que um mesmo indivíduo
pode pertencer, simultaneamente, a distintos coletivos de pensamento.
O coletivo de pensamento, por sua vez, estratifica-se em círculos: esotérico
(especialistas) e exotérico (não-especialistas). Desse modo, os formadores atuantes
nas componentes curriculares de conteúdos específicos, enquanto especialistas
em uma área – normalmente pesquisadores em Biologia, Física ou Química –,
pertencem a um círculo esotérico e aqueles das componentes curriculares inte-
gradoras, na qualidade de especialistas em outra área – sobretudo quando desen-
volvem investigações na área de ensino de ciências –, constituem outro círculo
esotérico. Em outros termos, pode-se afirmar que tanto os formadores atuantes
nos componentes curriculares de conteúdos específicos quanto aqueles que lecio-
nam em componentes curriculares integradores pertencem a círculos esotéricos
e relativamente exotéricos. Com o exposto, identifica-se que a noção de círculo
esotérico e exotérico depende da presença de mais de um coletivo de pensamento.
Além disso, registra-se que não obrigatoriamente o círculo exotérico é formado
por “não-especialistas”.
A interação entre o círculo esotérico e o exotérico baseia-se na dinâmica
de circulação intercoletiva. Cumpre notar que a aproximação entre coletivos de
pensamento contribui para a circulação intercoletiva. É admissível que o coletivo
de pensamento dos formadores de componentes curriculares de conteúdo espe-
cífico – reiteram-se pesquisadores em Biologia, Física ou Química – compartilha
um conjunto de conhecimentos teóricos e práticos (teorias, modelos e mani-
pulação de equipamentos, por exemplo) com os formadores das componentes
curriculares integradoras – pesquisadores em ensino de ciências. Tal aproxima-
ção colabora para a disseminação do estilo de pensamento dos especialistas aos
não-especialistas. Para Fleck (1986, p. 156): “[...] toda circulação intercoletiva de
ideias tem por consequência um deslocamento ou transformação dos valores dos
pensamentos” [tradução dos autores]. De outra parte, destaca-se que não menos

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 259


relevante é a dinâmica de circulação intracoletiva, imperativa à extensão do estilo
pensamento. Um exemplo de circulação intracoletiva é aquela que ocorre entre
os pesquisadores em ensino de ciências ou entre os pesquisadores em Química.
A circulação intracoletiva desempenha um papel na aceitação efetiva do estilo de
pensamento, assim como na formação dos membros do coletivo de pensamento
(DELIZOICOV et al., 2002).
Sem a finalidade de expandir a discussão aqui em torno de abordagens já
realizadas na literatura, seja em torno da epistemologia de Fleck (1986), seja sobre
as articulações dessa epistemologia com o ensino de ciências ou com a formação
de professores de ciências da natureza, mais detalhamentos podem ser encontra-
dos tanto em Gonçalves, Marques e Delizoicov (2007), como em Delizoicov et al.
(2002) e Delizoicov (2004). Chama-se a atenção, em especial, para a compreensão
da categoria complicações na epistemologia de Fleck (1986) que, por sua vez,
guarda semelhanças com o que posteriormente Thomas Kuhn (1975) chamou de
anomalias. Além do fato de Fleck (1986) ter reconhecido a potencialidade da sua
epistemologia para interpretar o processo de construção de conhecimento em áreas
que não se restringem às ciências da natureza, a inadequação da epistemologia
de Kuhn para as ciências sociais (ASSIS, 1993) justifica em parte a opção pela
epistemologia de Fleck em detrimento da de Kuhn para a análise exposta neste
artigo. Sinteticamente, ressalta-se que as complicações estão associadas a limita-
ções do estilo de pensamento para enfrentar um problema. Em suma, destaca-se
que a tomada de “consciência” das complicações é imperativa para potencializar
a circulação inter e intracoletiva, assim como tal circulação pode colaborar no
enfrentamento das complicações associadas a um estilo de pensamento. Admite-se
que a racionalidade técnica pode ser um dos constituintes da complicação relativa
não somente ao processo de formação inicial de professores, mas ao desenvolvi-
mento profissional dos próprios formadores.
Portanto, retoma-se o argumento inicial de que a circulação intercoletiva entre
formadores de componentes curriculares de conteúdo específico e formadores dos
integradores pode ser um modo de colaborar com o enfrentamento de premissas
da racionalidade técnica no desenvolvimento profissional desses professores,
principalmente dos primeiros. Apresentam-se, em parte sustentados no já referido
trabalho de Gonçalves, Marques e Delizoicov (2007), exemplos de processos pre-
sentes no desenvolvimento profissional desses formadores que podem contribuir
para a circulação intercoletiva envolvendo os distintos círculos.

260 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Uma das possibilidades retratadas na literatura é a promoção de atividades de
forma colaborativa entre pesquisadores em ensino de ciências da natureza e for-
madores de componentes curriculares de conteúdo específico. Entre os trabalhos
com tal característica pode estar a pesquisa, como princípio formativo, em que
aspectos relativos à docência podem ser investigados. A pesquisa em parceria entre
investigadores em ensino de ciências da natureza e formadores de componentes
curriculares de conteúdos específicos precisam considerar um aspecto fundamental
da circulação intercoletiva, qual seja, os membros do círculo exotérico precisam
estar confiantes nos constituintes do círculo esotérico (FLECK, 1996). Essa confiança
é fundamental, pois a interação entre os círculos se sustenta nas necessidades do
círculo exotérico. Portanto, por meio da promoção da pesquisa de forma colabora-
tiva, os investigadores em ensino de ciências caracterizam-se como mediadores de
aprendizagens relativas à docência. Ressalta-se que fomentar a pesquisa colaborativa
no desenvolvimento profissional dos referidos docentes é um modo de enfrentar
pressupostos da racionalidade, porque não reduz a docência ao domínio por parte
dos professores de um conjunto de técnicas e nem as atribui um poder que não tem
de universalização. Nesse sentido, o conhecimento apropriado pelo professor não
é uma prescrição externa a ser seguida de maneira descontextualizada.
Outra possibilidade para a interação entre os formadores dos componentes
curriculares de conteúdo específico e aqueles atuantes nos componentes curricu-
lares integradores é a produção por esses profissionais de materiais didáticos em
parceria. A literatura dá indicativos de que mesmo na produção textual divulgada
em periódicos, às vezes, há uma morosidade na incorporação dos resultados das
investigações em ensino de ciências nas sugestões de atividades ou na socialização
de experiências educativas (GONÇALVES; MARQUES, 2012; GONÇALVES;
MARQUES, 2011). Essa é uma característica de produções em que os principais
autores e destinatários são formadores atuantes em componentes curriculares
de conteúdo específico (GONÇALVES, 2009). Interpreta-se isso como alusivo à
necessidade de haver maior interlocução entre formadores de componentes cur-
riculares de conteúdos específicos e de componentes curriculares integradores,
ainda que tal interação tenha uma história que nem sempre seja de cooperação.
Argumenta-se que os materiais didáticos produzidos na interlocução entre os
docentes em questão podem ser utilizados em suas próprias práticas pedagógicas.
Acrescente-se que o fruto da colaboração também pode ser disseminado por meio

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 261


de periódicos ou outras produções textuais (livros, etc.)9. Para Fleck (1986), as
revistas desempenham importante papel na dinâmica da circulação inter e intra-
coletiva. Dentre outras funções, os periódicos favorecem a divulgação de conheci-
mentos novos que auxiliam na compreensão de problemas e no encaminhamento
de propostas de solução. Em outros termos, os periódicos podem contribuir na
disseminação de conhecimentos novos do círculo esotérico ao círculo exotérico.
De acordo com Fleck (1986), os textos com a incumbência de promover a intera-
ção entre os círculos esotérico e exotérico precisam ter características diferentes
daqueles utilizados para promover a interação entre os constituintes do círculo
esotérico, isto é, necessitam ser menos “eruditos”.
Avalia-se que a elaboração de materiais didáticos em parceria entre os forma-
dores de componentes curriculares de conteúdos específicos e de componentes
curriculares integradores é uma forma de romper com pressupostos da raciona-
lidade técnica no desenvolvimento profissional desses formadores, pois se afasta
da compreensão de que os docentes devam ser apenas executores, por meio de
técnicas de ensino, de propostas inovadoras apresentadas verticalmente. Isso não
significa, em absoluto, afirmar que pesquisadores em ensino de ciências da na-
tureza não possam ter como principais destinatários de suas produções textuais
os formadores atuantes em componentes curriculares de conteúdo específico que
não se caracterizam como pesquisadores em ensino de ciências da natureza. Pelo
contrário, pois essa é uma ação que também pode favorecer a circulação intercole-
tiva em discussão aqui. Aliás, a aprendizagem de escrever para não pesquisadores
precisa ser aprimorada pelos investigadores em ensino de ciências da natureza, bem
como o incremento consistente de novos espaços para divulgação das produções
textuais com as referidas características.
Nessa direção, os eventos científicos podem igualmente colaborar para a
circulação intercoletiva entre formadores de componentes curriculares de conteú-
dos específicos e de componentes curriculares integradoras. Já são conhecidos os
eventos que auxiliam nessa circulação intercoletiva, uma vez que possuem uma
programação que atrai a participação simultânea de pesquisadores em ensino de
ciências da natureza, pesquisadores de áreas das ciências da natureza, e forma-
dores de componentes curriculares de conteúdos específicos e integradores. De

9  Como exemplo recente de produção elaborada com as características exposta citamos a obra A experimentação
na educação em química: fundamentos, propostas e reflexões de Gonçalves e Brito (2014). Este é um dos projetos
e pesquisas desenvolvidos pelos autores do artigo relacionados ao desenvolvimento profissional de formadores
de professores de ciências da natureza.

262 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


outra parte, nada impede – e inclusive é salutar –, a participação de formadores de
componentes curriculares de conteúdo específico em eventos exclusivos da área
de ensino de ciências da natureza.
Enfim, sem a pretensão de exaurir a discussão sobre as possibilidades de cir-
culação intercoletiva entre formadores de componentes curriculares de conteúdos
específicos e de componentes curriculares integradores, aponta-se o processo de
circulação inter e intracoletiva de conhecimentos teóricos e práticas como relevante
no enfrentamento da racionalidade técnica – possivelmente um dos elementos da
complicação relativa ao desenvolvimento profissional dos formadores de profes-
sores de ciências da natureza. Argumenta-se que os exemplos citados, somados a
outros, podem ser insuficientes e pouco profícuos no referido enfrentamento, em
especial quando estiverem desarticulados.

4 Considerações finais

Compreender os aspectos epistemológicos que norteiam os pressupostos da


racionalidade técnica pode ser uma possibilidade de reflexão nos cursos de forma-
ção de professores e no próprio desenvolvimento profissional dos formadores, a
fim de superar a ideia de ensino pautada na aplicação de teorias e técnicas. Como
destacam Pimenta e Lima (2004), a redução da atividade docente à aplicação de
técnicas – como pressupõe a racionalidade técnica – não dá conta da complexi-
dade do fenômeno educativo, tampouco é suficiente para entender a realidade em
dimensões mais amplas. Além disso, a racionalidade técnica parece menosprezar
o papel do problema como gênese do conhecimento.
Cumpre notar que superar a razão instrumental no processo de ensino e
aprendizagem não significa eliminá-la desse, mas sim transcendê-la. Assim, a
racionalidade técnica pode assemelhar-se a um obstáculo pedagógico a ser supe-
rado no desenvolvimento profissional de formadores de professores de ciências
da natureza, especialmente entre aqueles que raramente vivenciam oportunidades
de processos sistematizados em que a docência em suas áreas se configura em um
objeto de estudo.
A dinâmica de interação entre pesquisadores em ensino de ciências e forma-
dores de componentes curriculares de conteúdo específico parece ser um terreno
fértil para a investigação sobre a temática do desenvolvimento profissional de for-

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 263


madores de professores de ciências da natureza. O andamento dessa investigação
pode ser catalisado por políticas públicas educacionais associadas ao desenvolvi-
mento profissional de docentes da educação superior. Aliás, o enfrentamento da
racionalidade técnica na formação inicial de professores de ciências da natureza,
tão reivindicado na literatura, está intimamente articulado com o seu enfrenta-
mento no desenvolvimento profissional dos formadores atuantes nas licenciaturas.

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266 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


15 ASPECTOS DO PENSAMENTO QUÍMICO E AS SUAS
IMPLICAÇÕES PARA O APRENDIZADO EM QUÍMICA

Judite Scherer Wenzel

1 Introdução

No presente capítulo apresento uma discussão acerca de alguns aspectos


que condicionam a formação do pensamento químico. Atenção especial para a
importância da relação dos três níveis de representação: o simbólico, o submicros-
cópico e o macroscópico, que constituem o conhecimento químico e possibilitam
a sua compreensão. Nessa direção, argumento para a importância da significação
desses níveis ao ensinar e aprender química. Destaca-se, ainda, que o processo de
formação do pensamento químico está vinculado à capacidade de imaginação e
implica a apropriação e a significação da linguagem química pelos estudantes em
contexto pedagogicamente mediado.
Apresento indícios da formação ou da ausência de pensamento químico dos
estudantes mediante os resultados construídos pela análise de representações e de
argumentações sobre a organização da água nos três estados físicos: sólido, líquido
e gasoso. Tal atividade foi desenvolvida num processo de reescrita orientada com
estudantes de Ensino Superior nas aulas de Química I. Essa disciplina foi ofertada
no primeiro semestre de um Curso de Licenciatura em Ciências: Biologia, Física

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 267


e Química1 da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Cerro
Largo-RS. Assim, o contexto empírico consistiu no acompanhamento das próprias
aulas de Química I. Em tal prática de ensino foi priorizado o processo de escrita e
reescrita orientada, apostando-se na sua importância no processo de significação
conceitual e, consequentemente, na formação do pensamento químico. Segue
uma breve explicitação da referida prática de ensino vivenciada/acompanhada.
No decorrer do semestre, cada estudante matriculado em Química I tinha o
seu “caderno de anotação”. Esse não era o mesmo caderno costumeiramente utili-
zado em aula para fazer anotações. Era um caderno com outra finalidade no qual
os estudantes respondiam a questões encaminhadas nas aulas, escreviam sobre as
aulas experimentais e/ou escreviam sobre leituras realizadas. A escrita no “caderno
de anotação” perpassou todo o semestre, totalizando cinco entregas para a leitura
e a análise da professora. Após cada entrega, eram dadas orientações por escrito
para cada estudante para que realizasse a reescrita, que consistiu na correção do
texto pelo estudante. As orientações encaminhadas pela professora eram em forma
de textos e/ou de símbolos que indicavam as limitações conceituais na escrita dos
estudantes e, assim, se caracterizavam como pistas, cujo objetivo foi auxiliar o estu-
dante indicando os necessários (re) dimensionamentos do seu texto ou a ampliação
do mesmo (WENZEL, 2014). No presente capítulo, apresento alguns resultados
construídos pela análise das respostas e das orientações encaminhadas para uma
questão/atividade que solicitava aos estudantes que realizassem representação da
água nos três estados físicos e que argumentassem e explicassem a representação
escolhida. A escolha desse recorte justifica-se por permitir a discussão sobre os
aspectos dos diferentes níveis de conhecimento químico e as suas implicações no
processo da formação do pensamento químico dos estudantes.
Parto da problemática de que, na maioria das vezes, o início da formação
em química apenas possibilita, aos estudantes, habilidades técnicas, priorizando
aspectos quantitativos e classificatórios, os quais são insuficientes para a identi-
ficação precisa do objeto do conhecimento químico, não possibilitando, assim, a
formação do pensamento químico inicial pelos estudantes. Isso exige do professor
uma especial atenção nas suas aulas num processo pedagógico que requer múl-
tiplas interações e uso de diferentes recursos pedagógicos. Segue uma discussão

1  Curso reestruturado no ano de 2012: resultando em Licenciatura em Ciências Biológicas, Física e Química
Licenciaturas.

268 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


teórica sobre a formação do pensamento químico em sala de aula e a necessidade
da significação dos três níveis de conhecimento para oportunizar essa formação.

2 A formação do pensamento químico em sala de aula

Para compreender a química é necessário ter um pensamento integrado de


conhecimentos químicos sobre o mundo material numa relação que implica di-
ferentes níveis de compreensão desse conhecimento. Nakhleh (1992) enfatiza que
a criação de uma estrutura cognitiva de um campo complexo de conhecimento,
como a química, não é fácil, e, segundo o autor, não é de se admirar que os estu-
dantes do Ensino Médio, ao chegarem ao nível superior, encontrem dificuldades,
que, muitas vezes, transcendem à pós-graduação.
Conforme Rosa e Schnetzler (1998), a compreensão química de um determi-
nado fenômeno vem sendo discutida há muitos anos e, inicialmente, argumentava-
-se que a dificuldade dos estudantes para entender química estava associada à
dificuldade da articulação de dois mundos/níveis diferentes: o microscópico e o
macroscópico. Posteriormente, além desses, foi explicitado, com a contribuição
de Jonhstone (1993) e de outros autores, mais um aspecto: o nível simbólico, que
contempla a linguagem específica da química com equações, fórmulas, símbolos e
outros aspectos particulares da linguagem científica, como a nominalização, o grau
de abstração, a tecnicidade e a impessoalidade (FANG, 2004), que caracterizam o
discurso científico, constitutivo do discurso pedagógico estabelecido nas aulas de
química (LEMKE, 1997). Todas essas particularidades da linguagem científica, as
diferentes representações e a necessidade de relacioná-las configuram um obstáculo
no processo de ensinar e aprender química.
Ao considerar o nível simbólico, importante resgatar alguns aspectos da teoria
histórico-cultural e apontar para o fato de que o uso da linguagem química pelos
estudantes é condição para o seu aprendizado e para a formação do seu pensamento
químico. Halliday apud Fang (2004, p. 337) compreende que “a linguagem é a con-
dição essencial para a aprendizagem, o processo pelo qual a experiência torna-se
conhecimento”. Diz Vigotski (2000) que, para o sujeito, ao fazer uso da palavra pela
primeira vez, o significado necessário está apenas iniciando, assim, o estudante, para
aprender, precisa primeiramente ter espaços que permitam o uso da palavra, seja pela
fala, seja pela escrita, e que esse uso seja acompanhado pelo professor num processo

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 269


pedagogicamente mediado. Vale ressaltar que, para a mesma palavra, múltiplos
sentidos podem ser atribuídos, e esses precisam ser mediados para um significado
mais preciso, ou mais próximo da compreensão da química, por exemplo.
Nessa direção, Nakhleh (1992) destaca a importância da instrução e da aju-
da do professor em sala de aula, de ele perceber e dialogar sobre o uso de algum
conceito, sobre a interpretação dada pelos estudantes. O autor exemplifica as
suas argumentações com a definição de dois termos: oxidação e redução. A defi-
nição desses conceitos, por exemplo, pode ser realizada pelo uso do número de
oxidação, pela quantidade de oxigênio, ou ainda, em termos de ganho ou perda
de elétrons. Cada definição vai depender do contexto da aula e da finalidade do
professor, mas ambas precisam ser compreendidas pelos estudantes. O processo
de significação de um conceito requer saber usá-lo em diferentes contextos, mas
com um significado coerente.
Ainda Nakhleh (1992) destaca a necessidade de o professor discutir com os
estudantes a diferença entre o entendimento científico de algum termo e o seu
uso cotidiano, como as diferenças entre os termos calor e temperatura. No enten-
dimento desse autor, é importante o professor perceber os equívocos conceituais
dos estudantes e trabalhar para oportunizar o seu redirecionamento. Para isso,
ressalta o autor, é preciso também que o estudante esteja envolvido, que assuma o
seu posicionamento e a sua condição de estudante de participar de todo o processo.
Daí o uso da fala, da leitura e da escrita em sala de aula tornam-se indispensáveis.
Nas aulas de química, é comum predominar o discurso do professor em detri-
mento ao do estudante. Em relação à escrita, seu emprego fica reduzido, na maioria das
vezes, ao processo de avaliação/provas. E a prática de leitura se reduz a um processo
de simples cópia e transcrição do que foi lido. Assim, ao estudante não é oportunizado
o processo de significação conceitual, o que dificulta a formação do seu pensamento
químico. No entendimento de Vigotski (2000, p. 479), “o significado medeia o pen-
samento em sua caminhada rumo à expressão verbal”. Nessa direção, Lemke (1997)
destaca que, se os alunos não conseguem demonstrar seu domínio da ciência ao falar
ou escrever, deve-se duvidar de que suas respostas e soluções a problemas representem
realmente habilidades de raciocinar cientificamente. Ou seja, é fundamental que o
estudante faça uso da palavra em sala de aula em diferentes contextos.
Considerando os símbolos e as especificidades da linguagem química que
perpassam as aulas de química, chamo a atenção para o destaque que os autores
Gilbert e Treagust (2009) dão para a importância da relação entre ambos os níveis

270 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


de conhecimento. Os autores afirmam que o estabelecimento de relações é a chave
para aprender química. Nesse contexto, é fundamental que o professor esteja mais
atento, por exemplo, ao escrever uma fórmula química, ou, ainda, ao representar
uma ligação química no quadro, para a interpretação dada pelo estudante. Deve
ter a clareza de que precisa ajudar os estudantes a realizarem relações entre o que
está escrito/representado pela fórmula ou símbolo e o pensar/imaginar a sua or-
ganização em nível atômico – molecular. Nesse sentido,

os enunciados que produzimos para atribuir sentido e significado às


realidades macroscópicas e submicroscópicas são constituídos por ele-
mentos semióticos específicos, de natureza semiótica distinta da palavra,
do gesto e da imagem. Nesta dimensão representacional, as formas de
referência aos objetos, às ferramentas, aos sistemas, combinam elemen-
tos peculiares que tornam o processo de significação muito complexo
(GIORDAN, 2008, p. 179).

Assim, em qualquer nível de escolarização, é fundamental a mediação quali-


ficada do professor em todo o processo. No Ensino Superior, contexto em que foi
realizada a pesquisa, talvez um dos problemas para o estudante aprender química
esteja no fato de o professor partir do pressuposto de que ele sabe química em
decorrência dos anos anteriores de ensino, e não dá atenção necessária para a signi-
ficação de alguns conceitos que são estruturantes para a formação do pensamento
químico. No entendimento de Chagas (1997), a base do pensamento químico requer
a compreensão da teoria molecular, e essa, por sua vez, implica a compreensão de
diferentes conceitos, como átomos, moléculas, substâncias que requerem um alto
grau de abstração e de compreensão química que supera a memorização de uma
simples definição, por exemplo.
O uso desses conceitos por estudantes foi objeto de estudo de Nakhleh (1992).
Na sua abordagem, ele retrata os equívocos dos estudantes ao fazerem uso desses
termos em diferentes contextos. Ressalta que o professor, em sala de aula, precisa
ajudar os estudantes na compreensão da diferença entre átomos, moléculas e íons,
por exemplo. Isso remete ao posicionamento de Lemke (1997, p. 28):

Es posible que um alunmo conozca las definiciones de las seguintes pa-


lavras: electron, elemento y orbital, pero eso não significa que sea capaz
de utilizar las três palabras correctamente dentro de uma oración o de
explicar cómo sus significados se relacionam.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 271


O mesmo autor (1997, p. 46) ressalta que “são poucos os professores que
dispensam atenção suficiente para a maneira como se expressam os alunos acerca
de um tema, da semântica e dos termos que utilizam”, ou seja, é preciso que o pro-
fessor saiba como o estudante faz uso da linguagem específica que está ensinando,
para, então, compreender as suas limitações e atuar como mediador no processo
de significação conceitual. Isso exige outro posicionamento; não se trata apenas de
dizer ao estudante que a sua resposta está certa ou errada, mas é preciso conduzi-lo
a novas respostas por meio das orientações encaminhadas. Daí ressalto a impor-
tância de fazer uso, nas aulas de química, dos diferentes instrumentos culturais
de pesquisa, a fala, a leitura e a escrita num processo pedagogicamente orientado.
Desse modo, os estudantes terão a oportunidade de fazer uso da linguagem química
em diferentes contextos, e o professor tem a possibilidade de acompanhar as reais
dificuldades, para, assim, atuar com mais qualidade no processo de significação
conceitual, que vai muito além do que a simples repetição da palavra, por exemplo.
Ainda, em relação à formação do pensamento químico, Chagas (1997) ressalta
que é um processo que requer uma constante relação teórica e prática. Por exem-
plo, o termo ligação química implica a compreensão das interações eletrostáticas
do núcleo de um átomo pelos elétrons de valência de outro átomo, que remete
para a formação de uma nova condição de um novo orbital que deixa ser atômico
e passa a ser molecular ou, ainda, pensando nas ligações iônicas, nas interações
eletrostáticas entre íons e na compreensão da representação da fórmula unitária.
Esse processo, por sua vez, exige um alto grau de capacidade de imaginação dos
estudantes, implicando elevados níveis de desenvolvimento cognitivo para aprender
química. Diz Chassot (2003) que aprender Ciências/Química é saber fazer imagens
de um mundo quase inimaginável, ou seja, é preciso que o estudante compreenda
a importância e a dimensão de um modelo, de uma simulação, que saiba a real
dimensão de um mol, de uma molécula, ou, ainda, que compreenda o uso de um
traço quando se faz a representação de uma ligação química.
Importante ressaltar que a representação realizada no papel, seja ela pela escrita
de uma fórmula, seja de uma reação química ou de uma ligação química, precisa
desencadear, no estudante, a capacidade de imaginar as diferentes interações, os
movimentos das partículas de maneira coerente com o entendimento químico his-
toricamente estabelecido e de argumentar sobre ela com uso das palavras corretas.
Nas palavras de Justi (2011, p. 218), os estudantes “devem desenvolver habilidades
de transitar entre diferentes modos de representação e compreender as vantagens

272 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


e limitações de cada um deles em contextos diferentes”. Para tanto, é importante,
em sala de aula, fazer uso de diferentes recursos pedagógicos, como audiovisual,
concreto, experimental, mas, aliado a isso, defendo o uso qualificado da linguagem
química em sala de aula, seja pelo professor, seja pelo estudante, num movimento
que potencialize o diálogo entre os diferentes níveis do conhecimento químico e
que consiga aperfeiçoar a capacidade de visualização dos estudantes.
Segue a análise de uma atividade proposta aos estudantes ingressantes no En-
sino Superior após a sua primeira aula de Química I. Atenção para todo o processo
de orientação desencadeado e as mudanças nas representações apresentadas pelos
estudantes e indícios da formação do pensamento químico.

3 A representação macro e microscópica de um fenômeno e a


importância da mediação pedagógica em tal processo

A discussão que segue tem como base empírica uma atividade encaminha-
da aos estudantes matriculados em Química I e que consistiu na solicitação da
representação da água nos três estados físicos. Essa atividade foi repassada aos
estudantes, após a realização da aula teórica na qual se discutiu os estados físicos
da matéria com uso de simulador disponível em: <http://phet.colorado.edu/>. O
uso de tal simulador teve como objetivo possibilitar uma maior compreensão da
organização em nível atômico molecular da matéria nos diferentes estados físicos:
sólido, líquido e gasoso, bem como nas modificações que ocorrem nos processos de
mudanças de estado físico pelo aumento da temperatura e da pressão no sistema.
Nas palavras de Giordan (2008, p. 190), “a simulação é uma mediação distinta
que serve para relacionar os fenômenos macroscópicos e submicroscópicos [...],
é no ambiente de simulações que podem se formar cenários estimuladores para a
criação de representações mentais por parte do sujeito” e, ainda segundo o autor,
“nessas situações, o sujeito se percebe diante de uma nova dimensão da realidade
obrigando-se a formular a sua própria representação, que venha a se ajustar àquela
em simulação”. Ou seja, o uso de simulações, no ensino da química, possibilita ao
estudante visualizar o processo que está em discussão e, assim, construir a sua própria
imagem com base no modelo teórico abordado. Importante destacar que o profes-
sor precisa sempre reforçar a ideia de que a simulação está ancorada em modelos
teóricos que possibilitam a explicação de um determinado fenômeno, por exemplo.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 273


Passo a discutir sobre as representações dos estudantes que foram apresen-
tadas para a seguinte questão a ser respondida no “caderno de anotações”: “Faça
uma representação (desenho) que melhor caracterize os três estados físicos da água.
Explique o seu desenho, ou seja, descreva o seu entendimento em relação aos três
estados físicos da água justificando a escolha da sua representação”. Nesse primei-
ro momento, a escolha do nível de representação foi dos estudantes, apenas foi
solicitado que justificassem a escolha da sua representação com a pretensão de
verificar se a explicação descrita estaria de acordo com a representação/desenho.
Para a discussão e a construção dos resultados, apresento uma análise das respos-
tas de duas estudantes, identificadas por letras C e D. A escolha dessas respostas
justifica-se por serem representativas das respostas da maioria dos estudantes e
por contemplarem a temática do presente capítulo numa perspectiva qualitativa.
Mesmo com o uso da simulação em aula, na sua primeira representação, as
estudantes C e D reproduziram em seus desenhos o nível macroscópico. Retrataram
aspectos visuais da água nos três estados físicos, sólido, líquido e gasoso, conforme
é possível de ser verificado na figura que segue:
Figura 1: Representação da água nos três estados físicos – aluna D

Fonte: Caderno de estudante D, 2012.

Figura 2: Representação da água nos três estados físicos – aluna C

Fonte: Caderno de estudante C, 2012.

274 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Mortimer (1998) chama a atenção para a dificuldade de os estudantes reali-
zarem a representação em outros níveis, mais próximos da química, e ressalta a
importância da mediação do professor para isso. Nessa direção, Giordan (2008)
destaca o fato de que os níveis submicroscópico e simbólico são invisíveis e abstratos
e, nessas condições, para a sua compreensão, requerem um alto grau de cognição
do sujeito. Com isso, segundo o autor, os estudantes, em suas explicações, tendem
a permanecer no nível macroscópico, fazem uso de imagens ou modelos mentais
que são mais próximos da sua realidade, como ocorreu na representação da água
em diferentes estados físicos.
Os desenhos que foram representados remetem para a discussão de estados
físicos da matéria apresentada num nível de Ensino Fundamental. As figuras que
foram desenhadas, em sua maioria, representam a água nos diferentes estados
físicos que aparecem em livros didáticos de tal nível de ensino. Giordan (2008)
aponta que há indícios de que a compreensão conceitual está relacionada às re-
presentações visuais com as quais os estudantes tiveram contato durante o seu
aprendizado. Nessa direção, é possível apontar para a dificuldade de romper com
imagens anteriormente abordadas, ou ainda, de que transpor o entendimento do
nível macroscópico para o nível submicroscópico requer a constante atenção do
professor em sala de aula.
Na argumentação sobre a escolha de sua representação, as estudantes apresen-
taram uma discussão geral dos três estados físicos, apontando, entre outros, para:
“sólido: forma definida, as moléculas de água estão juntas umas das outras ocupando
posições fixas; líquido: não possui forma própria as moléculas estão próximas e de
forma desorganizada; gasoso: as partículas ficam muito afastadas, não apresenta
forma definida”. (Estudante D).
Essa argumentação sobre os três estados físicos, apesar de contemplar as
palavras partículas e moléculas, ainda não apresenta uma discussão em nível
atômico molecular para a água, pois as interações intermoleculares, por exemplo,
não estão contempladas. A explicação descrita caracteriza-se, conforme aponta
Mortimer (2000), como uma definição realista e sensorialista ao explicitar a
forma dos sólidos e líquidos, mas, ao fazer referência às moléculas, partículas, já
há indícios de aspectos da teoria atomista clássica. Porém, em nenhum dos casos
houve uma explicitação sobre o volume. O entendimento desse e da sua variação
requer um maior nível de abstração, pois implica compreender as estruturas
intermoleculares, a geometria molecular, as ligações intermoleculares e outros

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 275


conceitos relacionados. Importante destacar que, na descrição da estudante D,
há uma indicação de espaço vazio na matéria ao escrever que as partículas, no
estado gasoso, ficam muito afastadas. Essa compreensão de espaço vazio, segundo
Mortimer (2000), é um desafio quando se aborda os diferentes estados físicos
da matéria.
Nas figuras 1 e 2, como já foi mencionado, ficou explícita apenas a visão realista
empirista dos três estados físicos. Isso talvez seja decorrência do fato de eu não
ter especificado no enunciado do problema qual a representação pretendida. Na
orientação para a reescrita, com o objetivo de avançar numa compreensão mais
específica, foi solicitada uma representação em nível atômico-molecular. Para
tanto encaminhei a seguinte orientação: “Refaça a sua representação consideran-
do as interações intermoleculares entre as moléculas de água nos diferentes estados
físicos”. Após essa orientação, as estudantes C e D apresentaram as representações
indicadas na Figura 3.
Figura 3: Representação da água a nível atômico-molecular – aluna D

Fonte: Caderno de estudante D, 2012.

276 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Figura 4: Representação da água a nível atômico-molecular – aluna C

Fonte: Caderno de estudante C, 2012.

Essas representações, assim como as primeiras descrições, refletem a organi-


zação de sólidos, líquidos e gases de uma maneira geral, apontando para a maior
organização no estado sólido, como bem descreveu a estudante D: “estado sólido,
moléculas bem agregadas e bem organizadas”; e a estudante C afirmou: “os átomos
de uma substância no estado sólido estão muito próximos, uns dos outros, ligados
por forças de interação muito intensas que os mantém em posições determinadas”.
O que as estudantes escreveram sobre as partículas no estado sólido estarem mais
próximas é possível também de ser percebido em ambas as representações, pois
as moléculas no estado sólido estão desenhadas mais próximas, o que, por sua
vez, não está coerente com o modelo que estava sendo solicitado, qual seja, para a
água nos três estados físicos, e retrata ainda a limitação da compreensão do vazio
entre as moléculas.
A estudante C, na sua escrita, explicita o entendimento de uma compressão
intramolecular ao descrever a organização do estado sólido, afirmando que “os
átomos estão mais próximos uns dos outros”. Isso, por sua vez, reflete uma visão
substancialista da matéria, na qual, segundo Mortimer (1995, p. 23), “o comporta-
mento de seres vivos e/ou as propriedades da substância são atribuídos a átomos e
moléculas”, nessa compreensão substancialista, o autor destaca que, “há uma forte
tendência em negar a existência de espaços vazios entre as partículas”. E uma ideia
relacionada a isso, que é muito comum no ensino de Ciências, conforme aponta
Mortimer (2000), consiste no entendimento de que as moléculas dilatam ao serem
aquecidas. Assim, no primeiro caso, da compressão, há um entendimento equivo-
cado de que o que diminui no estado sólido é o espaçamento intramolecular e, no
segundo, da dilatação, de que o volume ocupado no estado gasoso aumenta devido
ao aumento do tamanho da molécula. Em ambos, não é considerado o espaço
intermolecular e as novas conformações espaciais estabelecidas na mudança de

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 277


estado físico devido ao estabelecimento ou rompimento de ligações intermolecu-
lares, ou seja, de fato não há a consideração do espaço vazio entre as partículas.
É importante destacar também que, ao realizarem essas representações e suas
descrições, as estudantes C e D não consideraram a particularidade da água, no
estado sólido, de que, devido às novas ligações hidrogênio formadas em sua estrutura
cristalina, a água apresenta maior espaçamento entre as moléculas no estado sólido,
ocupando maior volume que, por sua vez, explica a menor densidade do gelo em
relação à água líquida, por exemplo. Considerando tais limitações e a ausência da
representação das forças intermoleculares e da referência delas nas argumentações,
foi encaminhada a seguinte orientação: “Atenção ao especificar que no estado sólido
as partículas estão mais próximas, lembre-se que estamos tratando da água, e que há
uma diferença de densidade da água no estado líquido e no estado sólido. Também
as interações intermoleculares ainda não estão contempladas. Pense a nível atômico
molecular, considerando a fórmula da água, e faça uma nova representação.” Ainda,
para a estudante C, foi destacada (sublinhada), na sua resposta, a afirmação de que
os átomos estariam mais próximos. Com isso, na terceira entrega do “caderno de
anotações”, novas representações foram apresentadas.
Figura 5: Representação das interações intermoleculares – aluna D

Fonte: Caderno de estudante D, 2012.

Figura 6: Representação das interações intermoleculares – aluna C

Fonte: Caderno de estudante C, 2012.

278 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Apesar dessas representações ainda indicarem algumas limitações, é possível
visualizar avanços no processo como um todo. As estudantes passaram de uma
representação apenas macroscópica (figuras 1 e 2) e genérica (figuras 3 e 4) para
uma compreensão mais próxima de um nível atômico – molecular, considerando
as especificidades da água. A estudante C, na sua representação, indicou um maior
espaçamento entre as moléculas no estado sólido, com uma organização que retrata
a estrutura cristalina do gelo, diferente da representação para o estado líquido,
que apresenta um aspecto de movimento e de desordem. E nessa representação
as ligações hidrogênio já estão contempladas.
Na sua explicação sobre o estado sólido, a estudante C assim escreveu: “as
moléculas se encontram bem mais organizadas, mas com um maior espaçamento
entre elas e com um grau de movimentação bem reduzido”. Nessa escrita, teve um
avanço em relação ao entendimento de que o espaço é intermolecular e não intra-
molecular, como bem está representado em seu desenho. A estudante D, na sua
representação, não diferenciou as interações intramoleculares das intermoleculares,
o que indica ainda limitações sobre a representação das forças intermoleculares
e, na sua escrita, apenas mencionou as ligações hidrogênio no estado sólido. Ou
seja, a argumentação sobre a representação ainda mostrou limitações teórico-
-conceituais. Todo esse processo vivenciado denota que a significação em química,
que a formação do pensamento químico é um processo lento e requer a constante
mediação do professor.
Reitero, assim, a importância do professor de Química, por exemplo, estar
mais atento à linguagem química, às imagens/representações que perpassam as
aulas e às possíveis visualizações que emergem dessas situações. É preciso saber
ouvir o estudante e, ao pensar na sua dúvida, propor mecanismos que o auxiliem
no processo da significação conceitual. Foi possível perceber que a argumentação
descrita pelas estudantes nem sempre refletiu a sua representação. Nas figuras 1
e 2, por exemplo, as estudantes explicitaram a composição da água em termos de
partículas, moléculas, mas não se apropriaram disso para a sua representação. Isso
indicou que a imagem desses estados físicos estava associada apenas a um nível
macroscópico e, portanto, foi necessária uma nova orientação mais específica
para conseguir um desenho que passasse a representar essas partículas descritas
em seu primeiro texto, por exemplo, e para ampliar a sua compreensão a nível
atômico-molecular.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 279


4 Considerações finais

Pela análise de todo o processo das representações e das argumentações


realizadas, foi possível perceber a importância do acompanhamento pedagógico
em aulas de Química, de o professor possibilitar espaços para o estudante expor a
sua compreensão sobre determinado fenômeno e de mediá-la para um significado
químico historicamente estabelecido. Considerando o contexto e os sujeitos par-
ticipantes da pesquisa (Ensino Superior e estudantes de um curso de licenciatura
em Ciências da Natureza), vale ressaltar a importância de o professor perceber
que, apesar de o estudante já ter visto um conjunto de conteúdos de química nos
anos anteriores, ele ainda não consegue formar o pensamento químico inicial, tem
dificuldade em considerar as diferentes dimensões dos níveis de conhecimento e
em relacioná-las. É preciso estar atento a essas particularidades que, muitas vezes,
podem até parecer simples, mas, se o estudante não compreender a estrutura e
as transformações da matéria num nível atômico-molecular, por exemplo, outras
questões relacionadas a elas e que exijam uma maior capacidade de abstração se
tornam, para ele, mais complexas e, talvez, incompreensíveis. O pensamento por
conceitos, que possibilita a formação do pensamento químico, requer, segundo
Vigotski (2000), o estabelecimento de múltiplas relações conceituais.
Nessa direção, considerando a importância da significação conceitual, reitero
que é fundamental retomar, em sala de aula, a palavra em distintos contextos, com
diferentes níveis de exigência, desafiando o estudante a fazer uso dela Vigostki
(2000) nos diz que, ao fazer uso da palavra pela primeira vez, o seu significado
está apenas iniciando. É o seu uso em diferentes situações, num processo peda-
gogicamente mediado, que permite ao sujeito a sua compreensão e significação.
Assim, importante perceber que há uma diferença entre usar/reproduzir uma
palavra, repetindo-a, e saber usá-la fazendo as necessárias relações conceituais para
o entendimento de um texto ou de um fenômeno, por exemplo. Pela prática de
ensino vivenciada/acompanhada, foi possível constatar que o estudante ingressante
no Ensino Superior traz consigo diferentes palavras da química, mas ainda não
consegue usá-las para descrever um fenômeno, para explicar uma representação/
desenho, considerando as especificidades químicas envolvidas. Nessa direção,
devido à complexidade e às particularidades da linguagem química e, aliado a isso,
à necessidade da compreensão dos diferentes níveis de conhecimento de maneira
inter-relacionada, é importante que o professor faça uso de diferentes recursos

280 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


pedagógicos, atuando como mediador na construção de significados químicos
mais precisos pelos estudantes.
Reitero a hipótese de que um dos obstáculos que impede o aprender química
e a formação do pensamento químico é a falta de uma compreensão dos três níveis
do conhecimento pelos estudantes. O professor, ao partir do princípio de que o
estudante sabe um conceito apenas pela repetição mecânica da palavra, pode,
muitas vezes, não retomar as necessárias discussões em aula. Assim, há uma ilusão
de que o estudante aprendeu química porque repetiu, na prova, o que o professor
disse em aula. Ou, partindo da mesma concepção simplista, ainda há professores
que dizem, ao se referirem aos estudantes e a sua aprendizagem: “Como não sabem!
Eu disse isso muitas vezes em aula! Ou ainda, mas eu desenhei isso no quadro!”
Nessas considerações, não levam em conta que a palavra ou a representação foram
usadas apenas por eles e não pelos estudantes. É necessário que o estudante use
as palavras, que ele faça as representações de acordo com o seu entendimento,
para que o professor consiga, de fato, atingir as reais necessidades dos estudantes,
auxiliando-os no processo de significação e da formação do pensamento químico.
Vigotski (2000) nos diz que o pensamento se dá na e pela linguagem e, assim,
para que o estudante construa o seu pensamento químico, é necessário que ele faça
uso da linguagem específica da química em diferentes espaços formativos. Mas é
importante que o uso dessa linguagem seja mediado, acompanhado pelo professor.
Não adianta o estudante apenas repetir as palavras, se não conseguir formular uma
explicação para um determinado fenômeno, ou ainda, se não conseguir fazer a
visualização de um processo químico em nível atômico-molecular, por exemplo.
No Componente Curricular de Química I, que foi o contexto empírico acom-
panhado, os conceitos abordados são caracterizados como sendo estruturantes
para o pensamento químico. Por isso o professor não pode partir do pressuposto
simplista de que o estudante já possui a necessária significação dos mesmos. É
preciso que, pela interação discursiva estabelecida em sala de aula, pelo acompa-
nhamento sistemático das produções, seja pelo uso das falas, seja pelas escritas,
seja pelos desenhos dos estudantes, que o professor perceba as limitações deles e
os auxilie na significação conceitual e na formação do pensamento químico inicial,
atuando como mediador do processo.
Ao finalizar, argumento que é importante ampliar as investigações sobre o
ensinar química em diferentes níveis de ensino, com especial atenção para a sig-
nificação de conceitos e da apropriação da linguagem específica da química pelo

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 281


estudante, num processo que possibilite uma interação e uma compreensão dos
diferentes níveis de conhecimento químico. O desafio consiste em ampliar as dis-
cussões acerca do ensinar e aprender química, num movimento de compartilhar
as práticas de ensino, de tornar a sala de aula um espaço/tempo de pesquisa e de
(re) construção de conhecimentos num movimento de (re)significação da prática
e da docência.

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EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 283


16 A INVESTIGAÇÃO-AÇÃO COMO
PROPULSORA DA FORMAÇÃO E DA
INICIAÇÃO A DOCÊNCIA EM CIÊNCIAS E
BIOLOGIA1

Tamini Wyzykowski
Roque Ismael da Costa Güllich
Camila Boszko

1 Introdução

Este capítulo tem como objetivo desenvolver reflexões com relação à ação
docente e à constituição de professores de Ciências Biológicas em formação inicial.
A partir dessas reflexões, pretendemos levantar a problematização a respeito do
potencial do desenvolvimento de narrativas durante o processo constitutivo da
docência, especialmente impulsionada no componente curricular de Prática de
Ensino em Ciências/Biologia II: Currículo e Ensino de Ciências e Biologia através
do registro de memórias de aula. Tematizamos a investigação-ação na formação
inicial por tratar-se da metodologia que o componente curricular adota/intenciona
como modelo de trabalho na graduação.

1  Este texto está parcialmente divulgado no ENACED – Encontro Nacional de Educação e no ENDIPE – Encontro
Nacional de Didática e Prática de Ensino ano de 2014.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 285


Acreditamos que falar sobre a importância da qualidade da formação inicial
remete a destacar as potencialidades e a refletir a respeito das limitações presentes
no processo constitutivo da docência. Gauthier (2006) aponta a formação inicial
como determinante da constituição dos sujeitos professores, por isso se torna
importante tentar compreender os elementos que norteiam essa etapa formativa
a fim de formar bons profissionais de educação em Ciências.
Cabe à formação inicial, especialmente aos componentes da prática de ensino,
a responsabilidade de propiciar aos futuros professores a aquisição de habilidades,
saberes e competências docentes. É preciso ofertar subsídios que sirvam de alicerce
para a construção de um conhecimento pedagógico, que

representa uma combinação entre o conhecimento da matéria e o co-


nhecimento do modo de a ensinar […] a importância dada a este tipo de
conhecimento deve-se ao facto de não ser o conhecimento que possa ser
adquirido de forma mecânica ou linear; nem sequer pode ser ensinado
nas instituições de formação de professores, uma vez que representa
uma elaboração pessoal do professor ao confrontar-se como processo
de transformar em ensino o conteúdo aprendido durante o seu percurso
formativo (GARCÍA, 1995, p. 57).

Acreditamos que uma das alternativas para qualificar essa etapa constitutiva
é oportunizar aos licenciandos o desenvolvimento de atividades de iniciação à
docência, que tenham o intuito de apresentar aos futuros professores a carreira, o
contexto escolar, e levá-los à experiência docente desde o início de sua formação.
Ademais, é necessário destacar aos licenciandos a necessidade do próprio professor
se reconhecer num constante processo de pesquisa e aprendizagem sobre o seu
fazer (ALARCÃO, 2011).
Chaves e Aragão (2001, p. 15) destacam que “os processos de formação docente
devem privilegiar reflexões em contextos práticos, de onde emergirão novas teorias
pedagógicas que serão postas à prova novamente em situações concretas”. Nesse
sentido, acreditamos que uma estratégia formativa eficaz para estimular o hábito
reflexivo nos professores em formação inicial é a proposição do registro narrativo
das situações vivenciadas nos contextos formativos. A literatura nos aponta que
“durante as últimas décadas, também a educação passou a reconhecer, de forma
crescente, a importância da narrativa como metodologia de investigação e de
desenvolvimento pessoal e profissional de professores” (REIS, 2008, p. 1).

286 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


As narrativas são um instrumento de reflexão e investigação sobre o ser pro-
fessor que impulsionam o sujeito a (re) significar as próprias concepções durante
o processo constitutivo e tem como função, segundo o processo de Investigação-
-Ação (IA), ser uma “ação legítima para ressignificar práticas educativas” e “se
apresenta como elemento mobilizador da reflexão crítica” (DOMINGUES, 2007,
p. 37). Ao narrar suas experiências vivenciadas nos contextos formativos, os licen-
ciandos imbricam nas entrelinhas indícios de sua constituição docente e guardam
a memória desse processo. Registrar a memória do percurso na docência trata-se
de um movimento formativo, pois “toda memória constrói identidade e constitui
referência para um projeto de futuro, ao mesmo tempo em que toda identidade é
construída tendo por base memórias e está orientada a ultrapassar-se e todo projeto
se alimenta tendo-se presente memórias e identidade” (CANDAU, 2008, p. 175).
Com o tempo a escrita narrativa tende a se tornar gradativamente mais reflexiva
e possibilita aos sujeitos realizar uma investigação da própria prática, permitindo
ao autor da história narrada interferir de um modo mais autônomo e crítico du-
rante o processo constitutivo para a melhoria da formação. Assim, as narrativas

criam possibilidades de análise e compreensão da profissão docente,


permitindo que a reflexão crítica desencadeie uma reação contra o assu-
jeitamento e a resignação que marcaram a condição psicossocial do ser
professor. Esses elementos e a possibilidade de compreender o percurso
de vida pessoal e profissional do docente faze das histórias narradas
momentos de autoformação (IBIAPINA, 2008, p. 86).

Também é importante o professor em formação inicial refletir a fim de conhe-


cer a si mesmo, o que lhe permitirá construir o saber necessário para o ofício da
docência (ALMEIDA; BLAJONE, 2007). Nesse sentido, a proposição do registro
narrativo pode ter um papel significativo na formação inicial, pois é “impossível
compreender a questão da identidade dos professores sem inseri-la imediatamente
na história dos próprios atores, de suas ações, projetos e desenvolvimento profis-
sional” (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 238).
Quando o sujeito narra a própria história da sua formação na docência, ele
tende a manifestar na escrita os fatos que considera importante, acontecimentos
que lhe marcam, episódios de vida que lhe impulsionam a refletir e ressignificar
os rumos da própria constituição, ou seja, da própria docência. As narrativas são
constitutivas dos sujeitos professores, pois guardam os avanços e retrocessos de um

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 287


movimento formativo, impulsionado pela reflexão crítica sobre e para a melhoria
das ações experienciadas que vão constitui o autor da história narrada e permitir
a outras pessoas tomar conhecimento desse enredo formativo (IBIAPINA, 2008).

O que importa é que vidas não servem como modelos. Histórias apenas
servem. Nós só podemos viver as histórias que lemos ou ouvimos. Nós
vivemos nossas vidas através dos textos. O texto pode ser lido, cantado,
vivido por via eletrônica [...]. independente da sua forma ou meio, essas
histórias formam a todos nós, e são as que usamos para criar novas fic-
ções, novas narrativas (HEILBRUN apud LARROSA et. al., 1995, p. 11).

Apostamos que o hábito de desenvolver narrativas e com isso refletir sobre e


para a melhoria da constituição docente, aliado ao desenvolvimento de atividades
de iniciação à docência durante a formação inicial, podem trazer significativas
contribuições no que remete à constituição de bons profissionais. É preciso lembrar
que “a profissionalização da docência compõe-se de três ingredientes fundamen-
tais, mas não suficientes: de saber, de saber-fazer e de saber-se, apresentados na
forma de saberes, de conhecimentos” (PUENTES; AQUINO; NETO, 2009 p.182).
Ao contextualizar o campo de atuação profissional, os licenciandos podem
melhor compreender o papel social do professor e a partir da reflexão que recai
sobre e para a significação desse processo constitutivo, impulsionada a partir da
escrita narrativa, os sujeitos podem transformar suas concepções de ensino e ideários
de docência, atribuindo, assim, novos significados no que remete à construção e
reconstrução dos próprios saberes e fazeres docentes correlatos ao conhecimento
escolar. “O objetivo da formação prática em estabelecimento é justamente colocar
os estudantes em contato com esse saber de experiência e sua fonte: a prática profis-
sional” (TARDIF, 2008, p. 25). Isso vai contribuir para construir um conhecimento
pedagógico a respeito da ação docente e também permitirá definir a identidade
do ser professor, que será o fator determinante para a condução apropriada do
currículo escolar em Ciências, pois o percurso reflete o pensamento e a ação do
professor: suas concepções de ensino, referenciais teóricos, modelos didáticos e
ideários de docência.
Esse trabalho busca discutir as primeiras experiências docentes em sala de
aula de professores de Ciências Biológicas que ainda estão no início da formação,
a partir do registro de suas narrativas. Buscamos compreender e apreender, das

288 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


narrativas dos sujeitos investigados, alguns sentidos atribuídos ao ensino e à do-
cência em Ciências durante a formação inicial (CARNIATTO, 2002).
Queremos perceber a importância do hábito de desenvolver narrativas durante
o processo de formação inicial, mediado pelo componente curricular de Prática
de Ensino em Ciências/Biologia II: Currículo e Ensino de Ciências e Biologia,
como meio de impulsionar nos sujeitos o hábito de refletir sobre e para a forma-
ção e realizar o movimento de investigação-ação na formação inicial em Ciências
Biológicas. Defendemos que a utilização de memórias de aulas e as narrativas de
professores de ciências em formação são um instrumento investigativo, servindo
de referência metodológica para a pesquisa e para a compreensão do processo
constitutivo inicial na docência em Ciências. Apostamos que a formação acadêmica
de professores pode decorrer de processos de pesquisa, assim queremos encontrar
indícios que possibilitem identificar que a investigação em Ciências se constitui
um tempo e espaço de formação de licenciandos do Curso de Licenciatura em
Ciências Biológicas.

2 O contexto investigativo e os procedimentos metodológicos

A metodologia seguiu a abordagem qualitativa de pesquisa em educação e


está caracterizada como sendo do tipo descritiva e narrativa (CHAVES, 2000;
CARNIATTO, 2002; REIS, 2008). Os resultados foram obtidos através da análise
de histórias descritas por 30 licenciandos do Curso de Graduação em Ciências
Biológicas – Licenciatura, da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS,
Campus Cerro Largo-RS. A construção dos dados ocorreu com base no relato
narrativo de uma turma do 5º semestre da Graduação, no ano de 2013, a partir
do desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar envolvendo as disciplinas
ofertadas naquele semestre.
Primeiramente os licenciandos foram orientados a reunir-se em grupos e a
construir um plano de aula abordando um conteúdo estudado na disciplina de
Embriologia, para, posteriormente, desenvolvê-lo com uma turma de alunos de
alguma escola da Educação Básica. Individualmente, eles também deveriam registrar
uma memória escrita de todas as etapas da atividade realizada, descrevendo em
narrativa a experiência vivenciada e o valor atribuído para sua formação.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 289


A proposta do trabalho interdisciplinar foi realizar uma interação entre as
disciplinas pedagógicas e específicas do Curso e inserir os licenciandos no contexto
escolar durante a formação inicial e não somente ao término da Graduação, a partir
dos estágios de regência de classe. Além disso, neste contexto a ação também teve o
intuito de compreender o referencial da IA na formação inicial; por isso eles foram
orientados pelos formadores de Prática de Ensino a construir um plano de aula, ir
à escola desenvolver um conteúdo, contextualizar a carreira, descrever o processo
vivenciado nas narrativas e, assim, refletir sobre o ensino e a docência em Ciências.
O componente curricular de Prática de Ensino em Ciências/Biologia II: Cur-
rículo e Ensino de Ciências e Biologia tem como objetivo problematizar o papel
do currículo na escola básica e a inserção do ensino de Ciências e Biologia no
currículo, reconhecendo sua historicidade e sua dinâmica no contexto escolar a
partir do referencial da área e da análise de propostas curriculares. A ementa do
componente traz os seguintes temas: Currículo do Ensino de Ciências e Biologia;
O currículo e suas dinâmicas na escola; Livro didático; Parâmetros Curriculares
Nacionais; Conteúdos do Ensino de Ciências e Biologia; Propostas curriculares e
contexto escolar; Análise de planos de estudos, planos de trabalho e conteúdos do
ensino; Contextualização dos processos de ensino e currículo. A produção con-
ceitual sobre a temática da disciplina exige leituras e escritas de caráter coletivo e
individual. Os princípios do educar pela pesquisa (questionamento, argumentação,
elaboração própria, autonomia), da investigação-formação-ação tendo a reflexão
como categoria formativa e da abordagem histórico-cultural como referenciais
teóricos de fundamentação à prática buscada são primados no processo pedagógico.
O processo ocorre pela via da investigação-ação, uma vez que tem a produção e
o desenvolvimento de aula em contexto escolar para análise e contextualização
do ensino e da realidade escolar. A produção escrita de diários de bordo é pro-
movida como forma de refletir e resgatar as memórias do processo de ensino e
aprendizagem (UFFS, 2013.)
No decorrer da pesquisa procedemos a leitura das memórias, digitação e
categorização de trechos selecionados, conforme análise de conteúdos (LÜDKE;
ANDRÉ, 2001). Para a divulgação dos resultados fizemos o uso do termo de
consentimento livre e esclarecido e também mantivemos o sigilo e anonimato
dos sujeitos envolvidos. Os sujeitos foram nominados como Licenciando (a) 1,
Licenciando (a) 2, ..., sucessivamente, até o Licenciando(a) 30.

290 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


3 Análise e discussão dos resultados

Nas histórias narradas os licenciandos descreveram suas expectativas e refle-


xões quanto ao planejamento da aula, à execução e aos resultados alcançados em
relação à aprendizagem dos alunos. O Quadro 1 apresenta o resumo de algumas
categorias que emergiram a partir da análise dos dados: iniciação à docência; me-
todologias de ensino; significação de livro didático; importância do planejamento;
mediação na formação e reconstrução da prática; e investigação-ação e reflexão.
Quadro1: Categorias de discussão e excertos de narrativas

Categorias Excertos de narrativas docentes Frequência


Iniciação à “Saí dessa aula com a certeza de que estou no caminho certo e foi (30/30)
docência muito válido para colocar em prática algumas coisas que discutimos
nas aulas de prática de ensino. Acredito que essa intervenção agre-
ga a nossa formação de licenciandos um pouco da realidade do
professor; desde o planejar, a busca de um bom material e de que
maneira vai usar em sala” (Licenciando 2, 2013)
Metodologias “Não é de costume desfrutar de aulas abordadas dessa maneira, (08/30)
de ensino com imagens e vídeos, que facilitam o entendimento, deixando,
assim, com que a aula não se torne monótona e livresca” (Licen-
cianda 6).
Significação de Na montagem do texto [para trabalhar com os alunos] pesquisa- (7/30)
livro didático mos em livros, para saber o nível que podia ser trabalhado o as-
sunto de embriologia com os alunos da 7ª série. Utilizamos prin-
cipalmente dois livros na montagem do texto […] pesquisamos
figuras e anexamos no texto, para orientar melhor os alunos”
(Licencianda 8, 2013)
Importân- “Nunca tínhamos elaborado um plano de aula. [...] Não tínhamos (09/30)
cia do ideia de como começar, de como planejar a nossa aula, só sabíamos
Planejamento o assunto que iríamos abordar: embriologia” (Licencianda 9, 2013)
Mediação na “Quando ele [formador 2] olhou nosso plano de aula, pediu para (10/30)
formação e mudar alguns detalhes [...] mas ao meu ver essa foi uma crítica
reconstrução construtiva com intenção de melhorar ainda mais” (Licencian-
da prática da 11, 2013)
Investiga- “essa inserção na escola foi o momento de ação do Curso, de (30/30)
ção-ação e formação-investigação-ação. Conversei com outros colegas e
Reflexão conseguimos chegar a conclusão de que esse momento foi deci-
sivo para todos nós. […] saí da sala de aula com o sentimento de
missão cumprida, ou melhor, uma missão recém começada a ser
cumprida...” (Licencianda 13, 2013)
Fonte: Wyzykowski; Güllich, 2014.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 291


Nas narrativas dos licenciandos podemos observar que a realização da ativi-
dade interdisciplinar permitiu contextualizar a carreira e identificar seus ideários
de docência nos contextos escolares, “a intervenção em sala de aula foi uma forma
de reafirmação para afinidade com a docência” (Licencianda 1, 2013). Além dis-
so, foi um momento de iniciação à docência que lhes possibilitou fazer o uso das
teorias de ensino e conhecimentos específicos abordados na licenciatura. Podemos
depreender nossas afirmações a partir do excerto: “saí dessa aula com a certeza
de que estou no caminho certo e foi muito válido para colocar em prática algumas
coisas que discutimos nas aulas de prática de ensino. Acredito que essa intervenção
agrega a nossa formação de licenciandos um pouco da realidade do professor;
desde o planejar, a busca de um bom material e de que maneira vai usar em sala”
(Licenciando 2, 2013).
A literatura aponta que iniciação à docência é uma estratégia formativa que
qualifica a formação inicial de professores. Gonçalves (2011, p. 55) destaca que
se trata de “um momento de o estudante imergir numa experiência inovadora de
ensino, formando novos referenciais acerca das relações de imbricação de ensino-
-aprendizagem-conhecimento, vivendo, de fato uma experiência de formação
profissional”. A iniciação à docência permite aos licenciandos aliar a teoria com a
prática e possibilita uma reflexão crítica sobre os desafios e as potencialidades que
permeiam o universo da carreira, como pode ser depreendido das narrativas da
licencianda 3 e 4, respectivamente: “posso dizer que considerei positiva essa minha
primeira experiência. Ela me proporcionou reflexões próprias acerca do que é ser
professor e me fez avaliar o tamanho da responsabilidade” (Licencianda 3, 2013);
“é um momento de avaliar e pensar em tudo o que eu não quero fazer em sala de
aula, ou de pensar se posso fazer e se vai dar certo ou não” (Licencianda 4, 2013).
Ademais, também é importante que os futuros professores tenham a oportu-
nidade de contextualizar e refletir sobre a carreira desde o início da formação para
que não recaia somente nos Componentes de Estágios Curriculares Supervisio-
nados, geralmente ofertados nos últimos semestres da Graduação, a responsabi-
lidade de fazer a mediação pedagógica e epistemológica, necessárias para levar os
licenciandos a compreender o sentido da ação docente. A licencianda 5 corrobora
nossas considerações ao relatar: “foi uma experiência incrível, pois foi a primeira
vez que entrei em uma sala de aula realmente para dar aula […] me senti como
uma professora formada” (Licencianda 5, 2013). Isso nos leva a inferir que propor
a iniciação à docência durante os primeiros semestres da formação inicial pode

292 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


ser um significativo diferencial na constituição dos sujeitos professores, em vista
de que “os cursos de formação de professores, na sua maioria, continuam organi-
zados por formas tradicionais de ensino e por lógicas profissionais” (ALMEIDA;
BLAJONE, 2007, p. 293). Ao encontro disso, às vezes, os cursos de licenciatura
fazem a dissociação entre os componentes curriculares de prática de ensino e os
componentes específicos e apresentam aos licenciandos uma visão muito sim-
plista da carreira docente, que nem sempre condiz com a realidade dos contextos
escolares, “tratam de um aluno ideal, de um professor ideal, de uma escola ideal”
(SCHNETZLER, 2000, p. 22).
Também podemos depreender que os licenciandos tiveram a oportunidade de
ressignificar e contextualizar algumas metodologias de ensino. Acreditamos que
para o processo de ensino e aprendizagem tornar-se mais significativo nos contextos
escolares, é necessário desenvolvê-lo a partir de uma abordagem cultural e social
dos conteúdos. É preciso superar o ensino tradicional, que trata da reprodução de
verdades absolutas e comprovação de teorias preestabelecidas. O professor tam-
bém precisa deixar de ser mero transmissor de conteúdos e deve reconhecer-se
como o mediador da construção da aprendizagem junto aos alunos. Para tanto,
faz-se necessário o uso de uma prática pedagógica contextualizada, o que implica
o professor ter o domínio do conteúdo que pretende abordar, realizar a mediação
do conhecimento cotidiano do aluno para levar a construção de um conhecimento
escolar, planejar as aulas reconhecendo o papel das teorias de ensino e a partir de
metodologias diversificadas, e por fim, refletir sobre e para a melhoria da própria
ação docente a fim de transformar seus saberes e fazeres docentes e conduzir o
currículo em ação de um modo mais crítico.

É preciso também que os professores saibam construir atividades


inovadoras que levem os alunos a evoluírem, em seus conceitos,
habilidades e atitudes, mas é preciso também que eles saibam dirigir
os trabalhos dos alunos para que estes realmente alcancem os objetivos
propostos. O saber fazer nesses casos é, muitas vezes, bem mais difícil
do que o fazer (planejar a atividade) e merece todo um trabalho de
assistência e de análise crítica dessas aulas (CARVALHO, 2006, p. 9).

Destacamos que é muito importante oportunizar durante a formação inicial


de professores a aprendizagem e a contextualização de alguns métodos de ensino e
induzi-los a uma reflexão crítica a respeito do modo apropriado de fazer uso desses
recursos, pois se os licenciandos não tiverem contato durante a formação inicial

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 293


dificilmente farão o uso adequado dessas estratégias didáticas na futura prática
docente. Os professores em formação inicial de nosso contexto investigativo des-
crevem em seus relatos que algumas modalidades didáticas como experimentação,
jogos didáticos e vídeos motivam os alunos e tornam as aulas de Ciências mais
atrativas, principalmente porque esses meios são pouco utilizados na Educação
Básica em decorrência do contínuo uso do livro didático, como pode ser eviden-
ciado na narrativa da Licencianda 6: “ao final pedimos para eles [alunos da escola]
um relatório sobre a aula. […] nos escreveram que não é de costume desfrutar de
aulas abordadas dessa maneira, com imagens e vídeos, que facilitam o entendimento,
deixando, assim, que a aula não se torne monótona e livresca” (Licencianda 6, 2013).
Também identificamos que alguns dos sujeitos investigados tiveram pouco
contato com algumas modalidades didáticas durante a trajetória escolar e essas
“experiências escolares anteriores e as relações determinantes com professores
contribuem também para modelar a identidade pessoal dos professores e seu
conhecimento prático” (TARDIF; RAYMOND, 2000 p 219). As narrativas in-
dicam que os licenciandos não chegam “em branco” na Graduação, pois trazem
consigo marcas formativas construídas no período em que foram estudantes da
Educação Básica, como pode ser evidenciado no relato do Licenciando 7 (2013):
“não será uma aula interessante apenas para os alunos da escola, mas para nós
também, pois dificilmente teremos uma experiência como essa novamente. Durante
minha passagem pelo Ensino Fundamental dificilmente tive acesso a laboratórios e
no Ensino Médio nunca”.
Com base no referencial da perspectiva histórico-cultural (VIGOTSKI, 2001;
SILVA, 2013) podemos afirmar que a bagagem de conhecimentos construídos e as
situações experienciadas ao longo da formação escolar e acadêmica vai determi-
nar a construção de ideários de docência que vão conduzir a prática dos futuros
professores. É preciso reconhecer que:

O aprendizado [na docência] passa obrigatoriamente pelo fato de levar


em conta a subjetividade dos futuros docentes e seus conceitos sobre
ensino. Ensinar futuros docentes é, obrigatoriamente, partir dessas
crenças e submetê-las a um trabalho de transformação, principalmente
por uma prática dita reflexiva (TARDIF, 2008, p. 27).

Então, cabe ao processo de formação inicial buscar meios para desmistificar


e reconstruir as possíveis concepções simplistas atribuídas ao ensino e à docência

294 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


em Ciências, que os licenciandos podem trazer consigo no início da formação
(CARNIATTO, 2002).
A produção dos resultados também indicia que o livro didático é recurso
muito utilizado no currículo em Ciências e muitas vezes influencia a prática do
professor. Alguns licenciandos também utilizaram o livro didático para planejar
suas aulas. “Na montagem do texto [para trabalhar com os alunos] pesquisamos
em livros, para saber o nível que podia ser trabalhado o assunto de embriologia com
os alunos da 7ª série. Utilizamos principalmente dois livros na montagem do texto
[…] pesquisamos figuras e anexamos no texto, para orientar melhor os alunos”.
(Licencianda 8, 2013).
A partir da narrativa da licencianda 8 podemos depreender que o livro didático
pode auxiliar o professor na sua conduta profissional, porém deve haver um cuidado
quanto ao uso exagerado desse recurso, principalmente devido às defasagens e aos
erros conceituais que eles podem apresentar (NETO; FRACALANZA, 2003). O fato
de a licencianda mencionar que utilizou mais de um livro didático para planejar
a aula pode ser um indício de que nenhum dos dois livros citados era contextual
o suficiente e por isso a necessidade de utilizar ambos. E, especialmente, quando
expressa que: “pesquisamos figuras e anexamos no texto, para orientar melhor os
alunos” (Licencianda 8, 2013), pode estar demonstrando um uso mais mediado e
contextual, em que vai em busca de outras alternativas de imagens para melhorar
o texto que montou a partir do livro em questão.
O ponto primordial não é condenar o uso do livro didático nos contextos
escolares, porém defendemos a necessidade de o professor fazer uma reflexão
antes de utilizar esse recurso para promover o ensino em Ciências. A literatura
indica que os professores devem buscar nos livros e em outras fontes recursos para
dinamizar as aulas e tornar a abordagem dos conteúdos mais atrativa e também
mais significativa para os alunos (MORAES; RAMOS, 1988). Porém, especialmente
no que se refere ao livro didático, Krasilchik (2011) ressalta a importância de o
professor não o aceitar como uma verdade indiscutível, o que nos leva a reafirmar
que a sua utilização não deve ser abolida, mas sim melhor refletida. Destaca-se,
também, a importância e a necessidade do estudo do livro didático desde a forma-
ção inicial – já que cabe a ela o papel de “familiarizar os licenciandos, bem como
estabelecer pontes entre contextos, conteúdo escolar e a crítica necessária ao seu
uso” (GÜLLICH, 2013, p. 33), especialmente para fugirmos da ideia de que o livro

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 295


se torne o próprio currículo em ação que determina os conteúdos, o planejamento
e a prática do professor em sala de aula (GERALDI, 1994).
Percebemos nas narrativas que os licenciandos refletiram sobre algumas
concepções de ensino equivocadas que professores da educação básica atribuem
à utilização do livro didático, possivelmente por deficiências formativas oriundas
do processo constitutivo inicial e/ou pela falta de uma consistente formação con-
tinuada, como pode ser melhor evidenciado pelo excerto: “o livro didático é muito
usado pelas professoras, e por exemplo esse conteúdo do desenvolvimento embrionário
é abordado superficialmente pela professora. As falas das professoras indicam isso: ‘é
só vocês usarem o livro [para dar aula] e pronto’” (Licencianda 4, 2013).
Güllich (2013, p. 39) destaca que “ao pesquisar o livro, o professor em forma-
ção pode ir se constituindo crítico e reflexivo, ir percebendo perspectivas de uso
mais adequadas e ir (re)descobrindo a ferramenta como uma possibilidade e não
como a única via de produção da aula em Ciências”. Acreditamos que a reflexão
durante o processo, bem como a problematização do uso do livro didático na
disciplina de prática de ensino permite aos licenciandos atribuir significados mais
autônomos quanto ao uso desse recurso, o que implica maiores possibilidades de
aprender e promover uma prática mais contextualizada a partir do livro didático,
ressignificando também o conceito de currículo em ação.
Também ficou destacado nas narrativas que o planejamento das atividades foi
um fator muito importante para que os licenciandos conseguissem desenvolver de
modo adequado as ações nos contextos escolares e refletir o reflexo disso para a
própria formação, como aponta o excerto: “nunca tínhamos elaborado um plano
de aula. [...] Não tínhamos ideia de como começar, de como planejar a nossa aula,
só sabíamos o assunto que iríamos abordar: embriologia” (Licencianda 9, 2013).
Para tanto, os professores formadores tiveram um papel muito importante nesse
processo, na mediação da formação desses licenciandos, através de orientações
para a reconstrução das práticas, como é descrito: “no início não foi muito fácil,
pois cada formador queria [o plano de aula] de um jeito: um [formador 1] mandava
incluir e outro[formador 2] mandava retirar alguma parte” (Licencianda 10, 2013).
Ao consultar mais de um professor formador, os licenciandos tiveram a oportuni-
dade de construir um planejamento mais dinâmico, interdisciplinar e contextual e
refletir durante todo o processo, como também pode ser apreendido da narrativa:
“quando ele [formador 2] olhou nosso plano de aula, pediu para mudar alguns

296 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


detalhes [...] mas ao meu ver essa foi uma crítica construtiva com intenção de
melhorar ainda mais” (Licencianda 11, 2013).
Encontramos indícios que nos levam a afirmar que as ações desenvolvidas
e as reflexões que imergiram durante o processo permitiram aos licenciandos a
construção de saberes docentes, que são fatores constituintes da identidade pro-
fissional do ser professor. Isso fica evidente nas narrativas: “o meu ser professor foi
ao encontro com a ‘minha’ docência, que eu não havia encontrado. Me parecia algo
distante, sem compreender os motivos, ou por não conhecê-los. O motivo apareceu
na prática de ensino, desde o começo com o projeto […] ‘o professor’, como fui cha-
mado, foi a completa realização da aula, e aquele motivo que eu estava procurando
acabei de encontrar” Licenciando 12 (2013); “Essa aula possibilitou não apenas a
experiência de ser professor, ter o poder da turma em minhas mãos, mas também
me trouxe uma experiência fora das aulas da Graduação. […] Meus colegas e eu
nos doamos muito para que essa aula acontecesse. E no dia fiquei observando
como eles davam aula [os colegas], não pareciam os mesmos da universidade,
se transformaram” (Licenciando 7, 2013).
Além de ressignificar seus ideários de docência, os licenciandos também
puderam praticar e compreender alguns modelos de referência abordados nas
disciplinas de Prática de Ensino, como a investigação-ação e a reflexão, conforme
destacam os seguintes excertos: “a experiência em sala de aula foi bastante produtiva,
no sentido de observar e refletir sobre o contexto escolar” (Licencianda 4, 2013);
“essa inserção na escola foi o momento de ação do Curso, de formação-investigação-
-ação. Conversei com outros colegas e conseguimos chegar a conclusão de que esse
momento foi decisivo para todos nós. […] saí da sala de aula com o sentimento de
missão cumprida, ou melhor, uma missão recém começada a ser cumprida...” (Li-
cencianda 13, 2013).
Ao utilizar o modelo de investigação-ação, os licenciandos ficam mais pro-
pensos a realizar uma transformação no seu percurso constitutivo, a partir de um
processo reflexivo sobre as indagações que emergem dos contextos formativos,
o que também os estimula a analisar e ressignificar o sentido da docência, possi-
bilitando também a percepção da necessidade de buscar estratégias para melhor
qualificar o processo formativo, bem como o processo de ensino.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque,


requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos
tempos que correm: requer parar para pensar, [narrar] parar para olhar,

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 297


parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar
mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade,
suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza,
abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a
lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter
paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p. 24).

Por fim, percebemos que, ao escrever as narrativas, os licenciandos atribuíram


sentidos críticos ao processo vivenciado, pois direcionaram uma reflexão sobre a
prática e sua formação, que, nesse sentido se trata de uma reflexão formativa que
vai implicar no desenvolvimento da investigação-formação-ação no que se refere
à formação inicial (ZEICHNER, 2008; GÜLLICH, 2013). A partir da interven-
ção e reflexão, os licenciandos tomaram o processo de formação em suas mãos e
puderam melhor compreender e confirmar a escolha profissional. Acreditamos
que, desse modo, os sujeitos do processo – os licenciandos – reconstruíram suas
ações de formação, crenças, teorias e intervenções a partir do referencial estudado/
mediado/almejado, o que nos parece importante do ponto de vista dos objetivos
do projeto de curso e de componentes vivenciados.

4 Considerações finais

Os resultados apontam que a atividade realizada permitiu aos licenciandos


compreender melhor a carreira e realizar o movimento de investigação-ação, a partir
de uma reflexão sobre e para a melhoria da formação na docência, mediada pelos
componentes de Prática de Ensino e impulsionada através do registro narrativo
das vivências experienciadas. Os indícios demonstram que o desenvolvimento de
atividades de iniciação à docência durante a formação inicial, aliado ao hábito de
escrever narrativas, estimulam nos sujeitos uma reflexão formativa, que permite
a ressignificação de ideários de docência e traz significativas contribuições no que
remete à constituição de professores.
Assim, indicamos a possibilidade de a formação inicial buscar meios para
oportunizar aos licenciandos atividades de iniciação à docência desde o início do
processo constitutivo, de modo que permitam aos futuros professores a refletir
e melhor compreender a carreira, vivenciando a integração dos conhecimentos
específicos com as teorias pedagógicas. Também indicamos que professores em

298 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


formação inicial adquiram o hábito de escrever narrativas, a fim de guardar a me-
mória do processo formativo na docência e realizar o movimento de investigação
da própria prática, que deve perdurar por toda a carreira docente.

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EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 301


EDUCAÇÃO EM SAÚDE
17 A BIOLOGIA CELULAR NO ENSINO DE
CIÊNCIAS E DE BIOLOGIA: OS MODELOS
DIDÁTICOS

Erica do Espirito Santo Hermel


Kelly Callegaro
Carine Kupske

1 Uma breve história da biologia celular

A célula é considerada a menor unidade estrutural e funcional básica dos


organismos vivos. Ela é definida como a “peça” chave para a formação dos seres
vivos e a essência da vida. As células compõem todo o nosso corpo e estão presentes
tanto em bactérias, quanto em fungos, animais e vegetais. A estrutura de uma célula
é fascinante e, ao mesmo tempo, complexa. Nós, seres humanos, somos compostos
por um emaranhado de células, cem bilhões delas apenas no sistema nervoso.
O fato de a célula ser essencial para a vida dos seres vivos exige que sejam
realizados estudos desta unidade. A área que realiza estes estudos é denominada
Biologia Celular, também referida como Citologia, que se configura em um campo
científico que estuda as células, sendo fundamental para se entender os seres vivos,
as suas funções e complexidades.
O estudo das células teve início com a sua descoberta, devido à invenção do
microscópio, no final do século XVI e seu aperfeiçoamento no século seguinte,

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 305


que possibilitou as suas primeiras observações, antes impossível em razão de suas
dimensões microscópicas. Um novo mundo descortinou-se para a humanidade, pois
agora a vida não se limita somente ao mundo macroscópico percebido pelo olho
nu, sendo então acrescida por uma infinidade de seres microscópicos observados
por meio da lente de um microscópio. Essa façanha foi, primeiramente, realizada
por Anton van Leeuwenhoek (1632-1723), um holandês comerciante de tecidos,
construtor e aperfeiçoador de microscópios, que, durante 50 anos, por meio de um
microscópio simples, observou uma gota de água, identificando seres em constante
movimento, os quais foram denominados por ele de “animálculos”. Suas descobertas
foram divulgadas em cartas para a Royal Society de Londres. Em 1665, Robert Hooke
(1635-1703), um microscopista inglês, fazendo uso de um microscópio composto,
examinou a cortiça, comumente utilizada para vedação de garrafas e proveniente da
casca de árvores, realizando uma fascinante descoberta, a qual nominou com o termo
“célula”, devido à semelhança que a estrutura tinha com os quartos ocupados pelos
monges no monastério, conhecidos como celas. Essas estruturas assemelhavam-se
a favos de mel e, hoje em dia, é reconhecidamente sabido tratarem-se das paredes
celulares das células vegetais preservadas (KARP, 2005).
A importância da invenção do microscópio à luz dessas novas descobertas
foi percebida por Hooke (1665):

Por meio de Telescópios, não há nada até agora tão distante que não possa
ser representado às nossas vistas; e pela ajuda de microscópios não há
nada tão pequeno, que escape da nossa investigação, por conseguinte
há um novo mundo visível descoberto para o entendimento. (apud
BATISTETI; ARAÚJO; CALUZI, 2009, p. 22).

Contudo, os estudos sobre a célula, sua estrutura e função avançaram realmente


a partir do século XIX. Em 1831, o botânico escocês Robert Brown (1773-1858),
estudando células vegetais, identificou o núcleo celular, a primeira estrutura celular
a ser observada após a parede celular por Hooke no século XVII, descrevendo e
diferenciando as formas características dessa estrutura, de acordo com o tipo ce-
lular ou o tecido em que se encontrava (BATISTETI; ARAÚJO; CALUZI, 2009). Já
em 1887, surge pela primeira vez o conceito de “membrana biológica”, designado
pelo botânico alemão Wilhelm Friedrich Philipp Pfeffer (1845-1920), enquanto
realizava estudos a respeito das propriedades osmóticas pelas células vegetais
(JOGLAR et al., 2011).

306 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


De fundamental importância para a biologia celular foram as descobertas
realizadas em 1838 pelo botânico Mathias Jakob Schleiden (1804-1881) e pelo
zoólogo Theodor Schwann (1810-1882) que, após analisarem trabalhos de diversos
pesquisadores e também baseados em seus estudos microscópios desenvolvidos em
tecidos animais e vegetais, propuseram a teoria celular para todos os organismos,
segundo a qual a totalidade dos seres vivos é formada por células, que devem ser
consideradas como unidades morfológicas e fisiológicas desses seres (KARP, 2005).
A teoria celular foi completada em 1855 quando o médico russo Rudolf
Ludwig Karl Virchow (1821-1902) sugeriu que a continuidade dos seres vivos
dependia da reprodução de células, ou seja, as “células podem surgir somente
por divisão de uma preexistente” (KARP, 2005, p. 2). Assim, deu-se a formulação
da Teoria Celular: todos os organismos são constituídos por células, que são as
unidades morfofuncionais dos seres vivos e originam-se somente de outra célula
preexistente. Isso foi um importante achado para o desenvolvimento da Biologia
Celular porque permitiu reconhecer que seres diversos compartilham estruturas
em comum a nível microscópio.
Com o aperfeiçoamento das técnicas e das ferramentas e o consequente avanço
nos estudos na área da Biologia Celular, muitas descobertas têm sido realizadas e
pesquisas aprofundadas. Hoje, tais pesquisas nos auxiliam muito, principalmente
na medicina, área em que foi possível descobrir os mecanismos e tratamentos para
uma série de doenças relacionadas às células do nosso corpo, sendo exemplos disso
o tratamento de células cancerígenas e a aplicação de terapias com células-tronco
(PEREIRA, 2005). Isso é um grande avanço para a medicina porque, dessa forma,
muitas doenças poderão ter tratamento e, possivelmente, até a cura. As pesquisas
na área de Biologia Celular continuam muito promissoras.

2 Ensino de Biologia Celular

Segundo os PCN+ Ensino Médio, no mundo atual o estudante necessita de


uma aprendizagem para a vida, ou seja, precisa saber informar-se, comunicar-se,
argumentar, compreender e agir; ser capaz de enfrentar problemas de diferentes
naturezas; conviver socialmente de forma prática e solidária, tornando-se cidadão;
ser capaz de elaborar críticas, fazendo escolhas e proposições; e, principalmente,
estimular a busca por novos conhecimentos, por meio de uma atitude de apren-

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 307


dizado permanente (BRASIL, 2002). Estamos na era da informação. Cada vez
mais somos sobrecarregados com novas descobertas científicas e releituras das
antigas. Como aprender a selecionar o que realmente é importante para a nossa
vida cotidiana? Como adquirir os conhecimentos necessários para avaliá-las de
forma crítica e responsável? Isso exige uma série de habilidades e competências
que nos permitem compreender, avaliar, criticar e utilizar o que realmente nos
interessa. E essas habilidades e competências são adquiridas predominantemente
na escola.
Em relação à Biologia Celular, o ensino em sala de aula privilegia a nomen-
clatura das estruturas e dos fenômenos celulares no lugar dos seus significados,
da sua contextualização. O ensino se dá de forma fragmentada, ou seja, a partir
das partes busca-se entender o todo, mas, geralmente, o todo não costuma ser
apresentado no final, com o objetivo de demonstrar a integração dessas partes e
como isso é extremamente complexo. As membranas celulares, o citoesqueleto e
as organelas com suas respectivas funções são estudados isoladamente e, no fim,
quando o aluno necessita entender que a célula é a unidade morfofuncional da vida
com todas as características necessárias para mantê-la, geralmente, não consegue.
Além disso, a célula costuma ser apresentada de maneira estereotipada, a célula
arquetípica, como se todas apresentassem o mesmo conjunto de estruturas, apesar
de existirem uma série de particularidades comuns a cada uma delas.
As dificuldades na aplicação dos conhecimentos científicos pelos alunos po-
dem ser consideradas como um indicativo da situação ainda defasada em que se
encontra o ensino de Ciências nas escolas. Um dos principais motivos pode estar
relacionado à própria compressão científica em si. Diante disso, acredita-se ser ne-
cessário um olhar sobre o modo como se tem buscado ou realizado a incorporação
da ciência no contexto escolar e, nesse sentido, averiguar as possíveis barreiras que
podem estar impedindo a eficácia do processo de ensino e aprendizagem. Afinal,
não é desejável abrir mão da alfabetização científica, de extrema relevância para a
atuação e intervenção crítica em meio à sociedade contemporânea.
Célula é um dos conceitos científicos presentes no currículo das disciplinas
de Ciências do Ensino Fundamental e Biologia do Ensino Médio, dado o seu papel
condicionante e articulador à compreensão biológica impulsionada desde 1665,
quando foi nomeada por Hooke, em consequência da invenção do microscópio
óptico no século XVII (BASTOS, 1992). Os conteúdos referentes à Biologia Celular
são trabalhados com graus crescentes de complexidade, atendendo aos diferentes

308 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


níveis de ensino. Por isso, espera-se que até o ano concluinte da Educação Básica,
o aluno minimamente compreenda a célula como um sistema organizado onde
ocorrem reações químicas vitais e que está em constante interação com o ambiente
(LEGEY et al., 2012).
Por outro lado, as dificuldades no processo de apreensão desse conceito e te-
mas afins aparecem amplamente na literatura específica, representando um desafio
aos professores e pesquisadores da área tanto do Ensino Básico como do Ensino
Superior no Brasil e em outros países (PALMERO; MOREIRA, 2002; NIGRO;
CAMPOS; DESSEN, 2007). Devido às dimensões microscópicas, a presença e a
observação da célula não são tão evidentes (TEIXEIRA; LIMA; FAVETTA, 2006),
exigindo certo grau de abstração, tanto por parte dos alunos, quanto dos profes-
sores. Logo, de acordo com Palmero e Moreira (2002), os alunos não possuem
uma representação mental clara de célula, tampouco correlacionam as funções
exercidas pela célula com as funções de organismos pluricelulares, de modo que
se assumem as funções vitais exercidas pela célula, porém não se relaciona, por
exemplo, o crescimento com a reprodução de células. Em vista disso, uma série
de alternativas didáticas para seu ensino é necessária, a exemplo da construção de
maquetes que parecem influenciar positivamente a motivação e do rendimento
escolar dos alunos (PEREIRA et al., 2011).
Paralelamente, os próprios professores apontam, às vezes, a complexidade da
aprendizagem do funcionamento celular, que inclui muitos e complexos concei-
tos, como fotossíntese, respiração celular, transporte ativo, síntese de substâncias,
movimento celular, contração muscular, mitose e meiose, induzindo uma reflexão
sobre a possibilidade da inconsistência no ensino e na aprendizagem da Biologia
Celular estar atrelada à própria concepção que os professores possuem sobre esse
conteúdo, a qual converge no modo como o trabalham em sala de aula.
De acordo com Zuanon, Diniz e Nascimento (2010, p. 50), o ensino de Biologia
ainda hoje privilegia uma prática “comumente considerada descontextualizada e
desmotivadora pelo aluno, gerando a necessidade de novos encaminhamentos
metodológicos pelo professor. Em muitos casos, o professor não apresenta os
recursos necessários para explicar os fenômenos não visíveis a olho”.
Pensando nisso, recorre-se à constatação de Legey et al. (2012, p. 205) de que
“é importante que se investigue se as estratégias e os processos de aprendizado
pelo aluno percorrem caminhos corretos para a construção de modelos mentais
e conceituais científicos, os quais permanecerão arraigados nos alunos pelo resto

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 309


de suas vidas”. Nesse sentido, sugerem-se estratégias de ensino pautadas na con-
fecção e aplicabilidade de recursos didáticos como possibilidades de mostrar aos
aprendizes as distorções, limitações e deformações das apresentações bidimensio-
nais de estruturas biológicas ilustradas nos livros didáticos (ZUANON; DINIZ;
NASCIMENTO, 2010).
Dentre as possibilidades de estratégias para o ensino de Biologia Celular
encontra-se a construção de modelos celulares, os quais podem ser vistos como
formas didáticas de representar estruturalmente as células a partir de materiais
alternativos, visando facilitar o processo de ensino e aprendizagem de estruturas
biológicas, cuja conceituação apresenta um caráter essencialmente abstrato. Justina
e Ferla (2006) descrevem o modelo didático como um sistema figurativo capaz de
reproduzir a realidade de forma especializada, tornando-a mais assimilável ao aluno.
Portanto, a criação de um modelo didático torna-se uma referência materializada
de um dado conceito ou ideia o mais próximo da realidade.
Desse modo, considerando a célula como um conceito complexo e alta-
mente estruturante na concepção biológica, o presente capítulo tem por objetivo
constatar como se tem pensado o ensino de Biologia Celular a partir do uso de
modelos didáticos celulares. Para tanto, realizou-se a revisão e análise desse tipo
de abordagem em trabalhos publicados em quatro edições do Encontro Nacional
de Ensino de Biologia (ENEBIO, 2005-2012), um importante evento de discussão
e atualização de estudantes e professores de Ciências e de Biologia. Os dados
obtidos permitirão obter uma maior compreensão sobre o uso de modelos no
ensino de Biologia Celular e potencializar discussões e reflexões acerca dessa
proposta didática no Ensino de Ciências e de Biologia. Mas antes introduzire-
mos um pequeno histórico da biologia celular e como se tem dado seu ensino
na Formação Superior.

3 Modelos didáticos no ensino de biologia Celular

O estudo baseou-se numa pesquisa qualitativa, do tipo documental (LÜDKE;


ANDRÉ, 2001), na qual se realizou, inicialmente, um levantamento nos Anais e/
ou Revistas dos quatro ENEBIO (2005-2012) realizados, buscando trabalhos que
abordassem o uso de modelos didáticos de células, seguido, então, da análise dos
dados obtidos (BARDIN, 2011).

310 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Tal levantamento se justifica frente à importância da Biologia Celular no En-
sino de Biologia, e a escolha pelos trabalhos apresentados nas edições do ENEBIO
deve-se à amplitude de contextos educacionais que esse evento permite abranger,
apresentando sistematizações de práticas e pesquisas de grande pertinência a
qualificação dos processos de ensinar e aprender em Ciências e Biologia, visto que,
após serem submetidas à crítica, podem ser refletidas e reconstruídas, tomando
novas dimensões.
Detalha-se que para a constituição do corpus da pesquisa realizou-se, ini-
cialmente, uma leitura exploratória (BARDIN, 2011) sobre o sumário dos Anais
e Revistas, identificando, a partir dos títulos, os trabalhos relacionados à Biologia
Celular ou ainda, de forma genérica, referentes à produção e ao uso de algum
material ou estratégia didática no ensino. Isso possibilitou uma pré-seleção de
trabalhos, os quais foram submetidos a uma leitura mais aprofundada a fim de
certificar-se da correspondência com o tema de interesse. Assim, distinguiu-se
um conjunto de trabalhos que, de alguma forma, contemplam a Biologia Celular,
principal objeto desta investigação. Para tanto, como forma de contextualização,
foram realizadas leituras de referenciais teóricos que possibilitaram subsidiar a
proposta de investigação, que consistiu na compreensão e reflexão acerca das
potencialidades e limitações do uso de modelos didáticos de células no processo
de ensino e aprendizagem de Ciências/Biologia.
Foi analisado um total de 15 trabalhos (denominados T1, T2 ... T15 com o
respectivo ano da edição do evento). A análise, sem parâmetros definidos, refle-
tiu as impressões e as interpretações decorrentes de um olhar sobre os discursos
em que se identificaram algumas convergências entre os trabalhos, que pareciam
direcionar as abordagens de ensino via uso de modelos didáticos de célula. A fim
de proporcionar um melhor entendimento em relação à análise, apresentam-se
no decorrer do texto excertos destacados dos trabalhos.
A leitura exploratória sobre os trabalhos permitiu constatar que, em um
total de 1242 trabalhos publicados nos Encontros Nacionais de Ensino de Biolo-
gia (ENEBIO, 2005-2012), aproximadamente 3,86% referiam-se ao tema célula
(Figura 1). A sua distribuição por edição do evento encontra-se na Tabela 1.
Por sua vez, os títulos desses trabalhos por edição e tema do evento podem ser
averiguados na Tabela 2.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 311


Figura 1 – Porcentagem de trabalhos referentes ao tema célula nos Encontros Nacionais de
Ensino de Biologia (ENEBIO, 2005-2012)

Fonte: Hermel, Callegaro e Kupske (2014).

Tabela 1 – Total de trabalhos x tema célula por edição do ENEBIO (2005-2012)

Tema ENEBIO I ENEBIO II ENEBIO III ENEBIO IV Total


Total de 283 trabalhos 214 trabalhos 414 trabalhos 331 trabalhos 1242 trabalhos
trabalhos
Célula 8 8 24 8 48
Fonte: Hermel, Callegaro e Kupske (2014).

Tabela 2 – Títulos dos trabalhos publicados no ENEBIO (2005-2012) pré-selecionados refe-


rentes à temática célula

ENEBIO I/2005
“Ensino de Biologia: conhecimentos e valores em disputa”
Abordagem Prática para o Ensino de Ciências e Biologia.
Uso de um Módulo no Ensino de Biologia Celular: uma proposta pedagógica.
A Importância das Atividades Práticas de Laboratório no Aprendizado de Ciências.
Brincando com a Vida.
Novas Perspectivas para o Ensino de Biologia Celular.
Implementação da Modelagem Computacional no Ensino de Biologia.
Célula – como os alunos definem esse conceito?
A Biologia sob a Perspectiva dos Estudantes de Ensino Médio de Ijuí e Três de Maio: objeto de
estudo, dificuldades encontradas e áreas mais difíceis de aprender.
ENEBIO II/2007
“Os dez anos da SBEnBio e o ensino de Biologia no Brasil: histórias entrelaçadas”
Jogos Didáticos no Ensino Fundamental – uma proposta para ensino de Biologia Celular.
Descobrindo a Célula Através das Mãos.
O Uso de Recursos Didáticos no Ensino de Biologia.
A Presença da Temática Célula nos Anais dos Principais Encontros da Área de Ensino de Ciên-
cias e Biologia.

312 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


O Ensino de Biologia Molecular no Ensino Superior e a Pesquisa na Formação Inicial de Pro-
fessores de Biologia.
Testando uma Proposta para Ensinar Membrana Plasmática.
Produzindo Materiais para Aulas Experimentais de Ciências: um exercício de colaboração entre
universidade e escola.
Plantão Pedagógico: um trabalho realizado antes, durante e depois da visita ao museu da vida.
ENEBIO III/2010
“Temas polêmicos e o Ensino de Biologia”
A Interação Professor-aluno nas Atividades Experimentais de Biologia e a Construção do Co-
nhecimento Escolar.
Dificuldades de Aprendizagem na Construção do Conceito de Ciclo Celular.
A Via Glicolítica: investigando a formação de conceitos abstratos no ensino de biologia.
Análise dos Temas Clonagem, Transgênicos e Células-tronco em Livros Didáticos de Biologia
do Ensino Médio e Proposição de uma Sequência Didática Complementar.
Conceitos Abstratos: um estudo no ensino da Biologia.
Diferentes Células de um Mesmo Indivíduo Apresentam a Mesma Informação Genética? A
compreensão de estudantes do ensino médio e universitário.
Ensino de Biologia no Agreste Sergipano: resultados de uma proposta de ensino pela pesqui-
sa na formação de professores. Influência de Projetos de Pesquisa de Iniciação Científica na
Aprendizagem de Conceitos Biológicos entre Alunos de Ensino Médio.
O que eles sabem sobre as Células?
O Trabalho com Modelos Didáticos no Ensino de Ciências: análise de uma experiência de for-
mação continuada de professores.
Analisando o Uso de Atividades Práticas em Aulas de Biologia no Ensino Médio.
Aplicação de um Kit Didático de Biologia Celular e Histologia em Espaços Formais e Não-
-Formais de Ensino: uma experiência na popularização científica.
Assuntos Emergentes e Polêmicos no Ensino de Biologia: uma sequência didática para o tema
clonagem, células-tronco e genoma humano no ensino médio.
Atuação do Monitor na Construção de Recurso Didático para o Ensino-aprendizagem em
Histologia.
“Descobrindo o Mundo Microscópico”: programa para o novo laboratório de microscopia da
estação ciência (USP).
Desenvolvimento de Atividade Lúdica para o Auxilio na Aprendizagem de Citologia: baralho
das organelas citoplasmáticas.
Desenvolvimento de Modelos Didáticos para a Aprendizagem de Biologia Celular no Ensino Médio.
Experimentos Biológicos: a prática do cotidiano.
Material Apostilado de Biologia “Pense”: ideias formuladas para um pré-vestibular inclusivo.
O Uso de Alternativas Pedagógicas Visando à Melhoria do Ensino de Biologia no Ensino Médio
em Escolas Públicas do Estado de Alagoas.
O Uso de Modelo Didático para o Ensino de Célula Vegetal.
A Importância da Experimentação no Ensino de Ciências.
Inclusão de Atividades Experimentais para a Compreensão de Temas Abstratos.
O Uso de Analogias e Modelos Didáticos no Processo de Ensino-aprendizagem para o Estudo
de Citologia no Ensino Médio.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 313


ENEBIO IV/2012
“Repensando a experiência e os novos contextos formativos para o Ensino de Biologia”
Produção de Jogos e Modelos Didáticos para o Ensino de Ciências: a oficina pedagógica como
ferramenta facilitadora.
Concepção de Célula por Alunos Egressos do Ensino Fundamental: exercício 03 indivíduos
unicelulares.
Descobrindo um Mundo Invisível: microscopia na escola.
O Processo de Sinalização Celular em uma Perspectiva Sistêmica: um olhar nas relações ho-
mem e ambiente.
O Estudo da Célula e a Motivação.
Modelos Didáticos no Ensino de Biologia Celular: uma experiência com a “célula-gel”.
Fantoches na Praça: o relato de uma atividade do PIBID sobre o ensino das organelas celulares
em espaços não formais.
Jogo Didático: instrumento interativo para o ensino de biologia.
Fonte: Hermel, Callegaro e Kupske (2014).

Após a leitura dos 48 trabalhos pré-selecionados foram contabilizados 15


trabalhos (Tabela 3) que retratam o uso de modelos didáticos celulares. A maioria
dos trabalhos refere-se à abordagem do modelo no contexto da sala de aula, seja
no Ensino Básico, seja no Ensino Superior em Cursos de Formação de Professores.
Constatam-se, também, casos cujos relatos do uso de modelos de célula provêm
da visita a espaços museológicos, destacando-se as exposições temporárias e itine-
rantes, atividades culturais, multimídias, teatros, jogos – por exemplo, e o Museu
da Vida, na Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro.
Tabela 3 – Títulos dos trabalhos selecionados referentes ao uso de modelos didáticos de
célula

ENEBIO I/2005
“Ensino de Biologia: conhecimentos e valores em disputa”
Abordagem Prática para o Ensino de Ciências e Biologia.
Uso de um Módulo no Ensino de Biologia Celular: uma proposta pedagógica.
A Importância das Atividades Práticas de Laboratório no Aprendizado de Ciências.
Brincando com a Vida.
Implementação da Modelagem Computacional no Ensino de Biologia.
ENEBIO II/2007
“Os 10 anos da SBEnBio e o ensino de Biologia no Brasil: histórias entrelaçadas”
Descobrindo a Célula Através das Mãos.
O Uso de Recursos Didáticos no Ensino de Biologia.
O Ensino de Biologia Molecular no Ensino Superior e a Pesquisa na Formação Inicial de Pro-
fessores de Biologia.
Plantão Pedagógico: um trabalho realizado antes, durante e depois da visita ao museu da vida.

314 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


ENEBIO III/2010
“Temas polêmicos e o Ensino de Biologia”
O Trabalho com Modelos Didáticos no Ensino de Ciências: análise de uma experiência de for-
mação continuada de professores.
Desenvolvimento de Modelos Didáticos para a Aprendizagem de Biologia Celular no Ensino
Médio.
O Uso de Modelo Didático para o Ensino de Célula Vegetal.
O Uso de Analogias e Modelos Didáticos no Processo de Ensino-aprendizagem para o Estudo
de Citologia no Ensino Médio.
ENEBIO IV/2012
“Repensando a experiência e os novos contextos formativos para o Ensino de Biologia”
O Estudo da Célula e a Motivação.
Modelos Didáticos no Ensino de Biologia Celular: uma experiência com a “célula-gel”.
Fonte: Hermel, Callegaro e Kupske (2014).

Identificaram-se como modelos didáticos no ensino da Biologia Celular


algumas das seguintes expressões: “maquete”, “modelo tridimensional”, “modelo
bidimensional”, “modelo comestível”, “célula alternativa”, “cards”, “célula animal
gigante”, “célula-gel” e “kits célula”. A confecção dos modelos didáticos de células
eucarióticas e procarióticas, embora semelhantes em alguns casos, permitiu o
diagnóstico de um número diverso de materiais utilizados. Para a confecção dos
“cards” usados no ensino especial, por exemplo, utilizou-se papel vegetal, nos quais
os modelos estruturais das células animal e vegetal e seus principais componentes
foram desenhados com auxílio de lápis, canetas para estêncil (boleadores) e fu-
radores. No caso dos modelos comestíveis, verificou-se a opção pelo incremento
de ingredientes da culinária, tais como pasta americana, macarrão, corante, entre
outros indicados como “guloseimas”. Outros modelos incluem o uso de porcelana
fria, isopor, massa de modelar, gel de cabelo, cartolina, lápis de cor, papel sulfite ou
etil vinil acetado (E.V.A.), fita de velcro, tinta, tampinha de garrafa, vidro, palito
dental, CD, algodão, parafina, miçanga, papel alumínio, estojo escolar, elástico,
argila, cadarço, prancha metálica, desenhos imantados em papel, etc.
Diante da diversidade de materiais citados, pode-se inferir um dos motivos
pelos quais a grande parte dos trabalhos analisados defende o emprego dos modelos
de célula em sala de aula, especialmente no Ensino Básico, em que os recursos nem
sempre são bem direcionados e gestados. Isso também fica evidente ao longo dos
trabalhos, quando os autores fazem referências às expressões “material alternativo”
e material de “baixo custo”, conforme se observa a seguir:

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 315


construção de ‘célula alternativa’ a partir de material de baixo custo
(T4, 2005).
com materiais de fácil acesso... metodologias simples e baratas (T7, 2007).
confeccionaram modelos biológicos com materiais de baixo custo e/
ou fácil acesso [...] fácil confecção, de custo bastante baixo (T10, 2010).
a elaboração do modelo didático proposto é fácil, de baixo custo [...]
demonstrar que, com criatividade e uso de material alternativo, pode-se
fazer grande diferença nas aulas de Biologia (T11, 2010).

Souza et al. (2008) apontam para o desenvolvimento de aulas mais atraentes


a partir da utilização de materiais de baixo custo e fácil obtenção, considerando
ainda a possibilidade de um maior envolvimento dos alunos na construção do
conhecimento.
Atrelado à possibilidade de melhor visualização, alguns trabalhos sugerem que
os modelos permitem ao estudante manipular o material, favorecendo um olhar
tridimensional das estruturas estudadas, bem como a capacidade de estabelecer
relações e interpretações de informações apresentadas de diferentes formas:

O uso de modelos que trabalhem a visão tridimensional pode auxiliar os


alunos no entendimento de fenômenos que ocorrem a nível microscópico,
promovendo uma visão mais dinâmica do fenômeno, o que não é possível
apenas com o uso de ilustrações ou desenhos (T2, 2005).
Os alunos montaram o modelo utilizando sua capacidade de associa-
ção entre as formas das estruturas celulares e os materiais alternativos
utilizados por eles (T4, 2005).
Os instrumentos que professores e alunos dispõem, na maioria das vezes,
são os livros texto, dotado de ilustrações, e a lousa, que não favorecem
uma visão tridimensional das estruturas estudadas, uma fidelidade entre
a cor apresentada e a cor real, a textura, o tamanho e posicionamento
dessas estruturas nas cavidades do corpo [...] com o desenvolvimento de
modelos, estimula-se o aluno a refletir sobre as estruturas de forma a se
aprofundar na sua compreensão tridimensional (T10, 2010).

Bastos (1992) considera a abstração do conceito de célula como um dos en-


traves para o pleno desenvolvimento da ideia de célula viva por parte dos alunos:

A célula como objeto concreto, observável através do microscópio,


aparenta constituir apenas uma unidade estrutural, o bloco construtivo

316 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


dos seres vivos. A célula que transporta materiais através da membrana,
transforma energia, sintetiza substâncias, etc., determinando as proprie-
dades diretamente observáveis dos organismos, corresponde, contudo,
a um conceito abstrato (p. 66).

Assim como na literatura da área, o caráter abstrato dos conteúdos da Biologia


Celular também aparece nos trabalhos analisados, de modo que o uso dos modelos
didáticos de célula é indicado por contribuir na compreensão desse tema considerado
de difícil concretização, complexo e com muitos termos específicos. No entanto,
alguns dos trabalhos não permitem atribuir esse mesmo papel aos modelos:

Esse estudo pauta-se sobre estruturas que não podem ser vistas a olho
nu, assim, os recursos bidimensionais e tridimensionais puderam atuar
como importante objeto nesta interação (T11, 2010).
Forte caráter motivador para os estudantes, mas não melhoraram, ne-
cessariamente, o aprendizado do conteúdo sobre célula, que se trata de
um tema complexo e abstrato (T14, 2012).
Apresentaram um forte caráter motivador para os estudantes, mas não
melhoraram, necessariamente, o aprendizado do conteúdo sobre célula,
que se trata de um tema complexo e abstrato (T15, 2012).

A partir desses dois últimos relatos, também é possível diagnosticar que ativi-
dades envolvendo diferentes recursos didáticos apresentam-se como motivadoras
e dinâmicas, porém nem sempre revertem em aprendizagem. Isso se considerado
que a maioria das escolas brasileiras apresenta um cenário educacional fortemente
baseado no livro didático e voltado para a memorização de conceitos, tal como se
observa em um dos objetivos dos trabalhos analisados: “facilitar a memorização
das funções das organelas citoplasmáticas” (T1, 2005).
Ainda assim, percebe-se que o uso de recursos didáticos visa, essencialmente,
promover a motivação e o envolvimento dos alunos na construção do conhecimen-
to a partir da participação direta nesse processo, não sendo meros expectadores.
Nesse sentido, alguns trabalhos apontam um envolvimento efetivo dos alunos
na produção dos modelos, servindo até mesmo como mecanismo canalizador
da energia de agitação deles, muito comum nas classes escolares. Prova disso são
alguns relatos selecionados que demonstram o papel do uso de modelos didáticos
de célula no incentivo à busca de materiais e o desenvolvimento de habilidades
artísticas e da criatividade dos alunos:

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 317


Os modelos foram confeccionados segundo a criatividade dos alunos
[...] foi notável o envolvimento deles na confecção dos modelos, na busca
dos materiais adequados para cada tipo celular [...] estimula o interesse
do aluno, uma vez que ele passa a ser atuante na construção do conhe-
cimento e incentiva também o professor a buscar mais alternativas para
aperfeiçoar as suas aulas (T7, 2007).
Aplicabilidade de modelos didáticos que podem favorecer o desenvol-
vimento de uma aula menos expositiva e mais atrativa para os alunos
(T10, 2010).
A própria construção dos modelos faz com que os estudantes se preocupem
com os detalhes intrínsecos dos modelos e a melhor forma de representá-
-los, revisando o conteúdo, além de desenvolver suas habilidades artísticas
[...] momentos de reflexão e também de criação, visto que os mesmos
produziram seu próprio material de trabalho, além de contribuir para
a melhoria da qualidade da aprendizagem [...] puderam ser reveladas
sensações de entusiasmo e empenho por parte dos alunos (T11, 2010).
Ao construir modelos exercita-se a capacidade criativa com objetivos
que transcendem o próprio meio escolar (T12, 2010).
se empenharam na montagem da célula (T14, 2012).

Conforme mencionado, o uso do modelo representa também para o profes-


sor um incentivo ao seu aperfeiçoamento profissional, tendo em vista a busca de
outros recursos didáticos a serem utilizados no ensino de diferentes conteúdos.
Ademais, o entusiasmo com o incremento de novidades nas propostas de ensino
parece atingir a grande parcela dos estudantes:

Ao utilizar somente instrumentos básicos como o giz e a lousa, o professor


torna a aula completamente expositiva, fraca em recursos didáticos e
desinteressante para o aluno, favorecendo apenas a transmissão passiva
de conhecimentos (T10, 2010).
Os estudantes ficam empolgados, quando são informados que na aula
vão ser utilizados materiais didáticos diferentes daqueles rotineiros,
este motivo, desperta curiosidade e o interesse, fazendo com que os
mesmos participem ativamente da atividade proposta, resultando em
uma aprendizagem significativa [...] mesmo na universidade os alunos
sentem falta de metodologias diferenciadas por parte dos professores,
principalmente no curso de licenciatura (T12, 2010).
Alunos alegaram que esse tipo de atividade sai da rotina de quadro-negro
e giz além de ser dinâmica e divertida (T14, 2012).

318 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Todavia, cabe enfatizar que as interações propiciadas por meio de diferentes
estratégias, em especial o uso de modelos didáticos de células, necessitam ser
aprofundadas em relações pedagógicas que promovam espaços de reflexões e
problematizações a respeito, por exemplo, das diferenças entre a representação e
o real, intervenções dificilmente estabelecidas no ensino, dificultando a distinção
entre modelo e realidade e comprometendo as aprendizagens conceituais. Isso se
focalizado que “nenhum recurso instrucional reduz a complexidade da compressão
conceitual dos conteúdos escolares, nem do ato pedagógico nem da formação dos
educadores” (SANGIOGO; ZANON, 2012, p. 33).
Nesse sentido, torna-se visível o importante papel do professor no desenvol-
vimento de um trabalho adequado com modelos didáticos que possam contribuir
para a construção significativa de conceitos científicos, sem a mecanização da
aprendizagem que, muitas vezes, ocorre com a aplicação dos modelos.
Para isso, é fundamental que o professor tenha uma formação qualificada
para usufruir de estratégias didáticas de modo a maximizar o estabelecimento de
relações com os conhecimentos escolares, abrangendo seus limites e possibilidades
em Ciências e em Biologia. A seguir apresentam-se excertos dos trabalhos, nos
quais se observaram indícios de reflexões e olhares nesta perspectiva mais crítica.

O professor passa para a posição de mediador e aprendiz. O profissional


deve estar atento à abordagem dos conteúdos de forma integrada ao uso
de recursos no ensino de Biologia (T7, 2007).
Procurar aproveitar a maioria das possibilidades didáticas e estar atento
às limitações que o material possa apresentar (T11, 2010).
A utilização de modelos didáticos em sala de aula torna-se uma alter-
nativa viável e importante, quando bem administrada [...] O modelo
didático deverá ser avaliado. Fazer uma autorreflexão da sua prática,
analisando os aspectos positivos e negativos da aplicação, procurando
assim aprimorar-se sempre para conseguir cada vez mais uma maior
aceitação e motivação da ação dos recursos didáticos (T12, 2010).
Possuir um conhecimento didático para mediar e reconhecer como
cada um destes recursos pode ser adotado, para poder assim contribuir
e ajudá-lo no ensino, despertando um interesse no aluno pelo conteúdo
e nas mudanças conceituais que se quer gerar nos mesmos” (T13, 2010).
É necessário situar que o modelo celular explorado revela-se por si só
como sendo pouco expressivo, necessitando-se incrementar nesta aula

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 319


a sua devida problematização, principalmente, pelo fato de tratar-se de
uma representação (T15, 2012).

Logo, se a finalidade da construção de um dado modelo é compreender a


organização celular e as funções de cada estrutura presente na célula vegetal, por
exemplo, é esperado um repertório da abordagem do funcionamento conjunto
das unidades funcionais, contemplando os processos bioquímicos e fisiológicos
que ocorrem nas células e nos tecidos de acordo com a complexidade viável ao
nível de ensino da turma. Isso significa que a aplicação do modelo didático precisa
ser pensada – ou mesmo repensada –, de forma a enriquecer o conteúdo teórico,
servindo de ponte entre a teoria e a prática, a realidade e o abstrato.
Por fim, identificou-se um trabalho, cuja abordagem mostrou-se um tanto
quanto interessante. Trata-se de um método de ação que privilegia a pesquisa e o
diálogo reflexivo, numa perspectiva de construção conjunta, em que as concepções
prévias dos alunos são constituintes do processo. Para tanto, através de análises
e esquematizações de modelos de células a proposta consistiu em, inicialmente,
detectar as concepções de um grupo de estudantes de Ciências Biológicas, as quais
podem ser verificadas no seguinte excerto extraído do trabalho:

Os alunos tendem a apresentar uma representação característica dos


livros didáticos, ou seja, de células que apresentam todas as organelas.
Quando inquiridos sobre em qual órgão se encontraria a célula montada,
os alunos deparavam-se com o fato dela produzir tanto lipídios (presença
de retículo endoplasmático liso), quanto proteínas (presença de retículo
endoplasmático rugoso), e com isso, não conseguiam vislumbrar um
órgão com essas duas funções (T8, 2007).

Em seguida, para confrontar as concepções dos alunos com a realidade, nas


aulas de microscopia subsequentes usaram-se células de esfregaço de sangue ou
da mucosa bucal coradas com Azul de Toluidina. Nessa perspectiva, um estudo
realizado por Legey et al. (2012, p. 216) sugere que “a observação de células e tecidos
animais e vegetais ao microscópio, realizada em aulas práticas, poderia facilitar a
construção de um conceito operativo (funcional) de célula”.
Como resultado dessas observações ao microscópio, de acordo com o traba-
lho analisado, surgiram questionamentos em detrimento da impossibilidade de
se visualizarem todos os componentes celulares da “célula ideal” modelada por
muitos dos alunos. Nesse ponto, se enfatiza o papel da explicação do professor ao

320 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


esclarecer as limitações do microscópio óptico em relação ao microscópio eletrô-
nico de transmissão, responsável pela elucidação estrutural de muitas organelas.
As reflexões conduzidas pelo professor em relato levaram os alunos a reconhe-
cerem que os desenhos de células normalmente difundidos nos materiais escolares
são fruto de um conjunto de pesquisas que vem sendo desenvolvido há séculos,
cujas representações gráficas são criadas sob o pretexto de facilitar a compreensão
dos conceitos. Desse modo, os autores destacam:

É a partir do diálogo aberto sobre os modelos celulares construídos que


se explicitam os conhecimentos prévios e podem ser questionadas as
relações com os novos conhecimentos (diferenciação e morte celular,
funções das organelas e correlação com o metabolismo, relação de técnicas
de coloração e funções), a partir dos quais, uma vez problematizados,
podem se produzir novos conhecimentos (T8, 2007).

Como se percebe, nesse trabalho há uma preocupação com diversos aspec-


tos inerentes à construção do conhecimento. É essa intencionalidade que precisa
permear o uso de modelos didáticos de célula nas aulas de Ciências e de Biologia,
incluindo atividades de problematização quanto à diferenciação entre a represen-
tação (modelo) e a realidade, e, nessa perspectiva, o acompanhamento contínuo
do professor ao longo do processo de aprendizagem.
Questiona-se, por sua vez, o recorrente entendimento de que após simplesmente
os alunos receberem um conjunto de informações possivelmente fragmentadas,
eles estejam aptos a construir as relações conceituais necessárias. É conveniente
que o aluno seja instigado a realizar pesquisas e reflexões sobre o conteúdo, cons-
truindo suposições e argumentos.

4 Considerações finais

Abordagens e explicações apresentadas ao longo dos trabalhos analisados


denotam que o uso dos modelos didáticos de célula no ensino da Biologia Celular
perpassa diferentes enfoques de ensino, por vezes numa perspectiva mais tradicional
ou mesmo atingindo aspectos mais críticos e reflexivos do ensino.
De modo geral, há uma impressão positiva acerca da contribuição dos mo-
delos de célula como recursos didáticos, sendo a motivação um dos principais
atributos pedagógicos aliados à escolha pelo seu uso no ensino, ao passo em que

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 321


os alunos se sentem mais estimulados a aprender. Ao mesmo tempo, a maio-
ria dos trabalhos fornece indícios em relação à necessidade de atentar para os
obstáculos e as limitações associados ao uso dos modelos didáticos no ensino,
tendo em vista as abordagens que recaem numa visão ideal da representação
do objeto de estudo.
Como sugerem Sangiogo e Zanon (2012, p. 2), “o modelo ou a representa-
ção não são a realidade, muito embora possibilitem interagir e compreendê-la”,
evidenciando o risco de distorções na aprendizagem quando não se tem a clareza
dos limites da aplicação de um recurso didático como um modelo. Desse modo,
sob o pretexto da facilitação da aprendizagem, por vezes, o uso de modelos tende
também a limitar-se a um caráter ilustrativo.
Embora se saiba da importância da diversão, do entretenimento e mesmo da
motivação que necessitam também incidir sobre a ação docente, vale enfatizar
o papel da intenção pedagógica daquele que conduz a aprendizagem e, nesse
sentido, a necessidade de o professor indagar-se e refletir sobre as pretensões de
suas propostas de ensino. Não basta desenvolver atividades diferenciadas, senão
estabelecer formas de avaliá-las e reconstruí-las.
Nesse sentido, conclui-se que o uso adequado desse recurso didático implica
sua inserção planejada a uma proposta de ensino intencional e bem direcionada,
que considere as características da turma e demais aspectos que possam influenciar
na efetivação de uma aprendizagem devidamente mediada pelo professor, apesar
de, muitas vezes, o uso de modelos didáticos ser bem acolhido pelos alunos, por
si só não esclarecem o conteúdo.
Espera-se que os resultados deste estudo possam servir de base e incentivo
para que outras pesquisas sejam realizadas neste âmbito, tendo em vista o (re)
dimensionamento do uso de modelos didáticos de células aliado às práticas pe-
dagógicas cada vez mais reflexivas e abrangentes.

REFERÊNCIAS

BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.


BASTOS, F. O conceito de célula viva entre os alunos de segundo grau. Em Aberto,
Brasília, v. 11, n. 55, p. 63-69, jul./set., 1992.

322 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


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324 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


18 DA CÉLULA À MENTE: COMO A
NEUROCIÊNCIA É ENSINADA NOS CURSOS
DAS ÁREAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE

Simone Marcuzzo
Lucas de Oliveira Alvares

Tenhamos as cabeças abertas, mas não tão abertas ao ponto de nossos cérebros se
desprenderem delas
Richard Dawkins

A Ciência, tal como a arte, não é uma cópia da natureza, mas uma recriação da mesma
Jacob Bronowski

1 Relevância da neurociência

O encéfalo de um ser humano – uma massa esponjosa que pesa menos de 2


quilogramas – é a estrutura viva mais complexa conhecida no Universo. Nosso
sistema nervoso nos permite perceber os estímulos do ambiente externo, bem
como armazená-los e integrá-los com outras informações que residem em nossas
memórias, fruto de experiências vividas durante nossa existência. Essa capacidade
de reter os episódios de nossa vida garante a individualidade de cada um. Além
de perceber o mundo, nosso tecido nervoso também controla nosso corpo, desde

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 325


movimentos elaborados para executar um salto ornamental até o controle da nossa
frequência cardíaca.
A complexidade do encéfalo humano permitiu fazer que ele pudesse com-
preender o funcionamento das coisas do mundo ao seu redor. Devido à curiosidade
intrínseca do ser humano, aliada à tecnologia desenvolvida por ele, foi possível
compreendermos a estrutura de partículas subatômicas, bem como explorar corpos
celestiais fora do nosso planeta. Hoje em dia, milhares de cientistas de todo mundo
estão voltados para tentar compreender o funcionamento do encéfalo, o órgão que
nos torna “humanos”. Existem boas razões para encarar esse desafio: primeiro, para
saciar nosso anseio de entendermos a natureza; segundo, porque existem centenas de
patologias associadas ao sistema nervoso central. Ou seja, o entendimento de estados
fisiológicos e patológicos garantirá uma melhor qualidade de vida para a população.
Neste capítulo, abordaremos a forma pela qual o sistema nervoso é ensinado
nas instituições de ensino no Brasil.

2 Introdução ao sistema nervoso

Dentre todos os tecidos que compõem nosso organismo, o mais complexo,


e talvez por isto o mais fascinante, é, sem dúvida, o tecido nervoso, que é consti-
tuído essencialmente por dois tipos de células – os neurônios e as células gliais.
Os neurônios são células altamente especializadas, que formam verdadeiras redes
interligadas entre si, capazes de receber, processar e transmitir informações. Essa
transferência de informações é mediada por moléculas neurotransmissoras libe-
radas pelos próprios neurônios, que são percebidas por outras células. A área de
contato de comunicação entre os neurônios é chamada de sinapse. O encéfalo de
um ser humano possui dezenas de bilhões de neurônios.
Estima-se que, em média, cada neurônio comunica-se com outros dez mil
neurônios. O número vertiginosamente alto de sinapses em nosso sistema nervoso
central, formando redes interligadas altamente complexas, está diretamente rela-
cionado a nossa fantástica capacidade cognitiva e às funções mentais superiores,
como linguagem, memória, consciência e emoções. Portanto, diferentemente do que
se acreditava há alguns séculos, nossa mente é formada pela atividade das nossas
células neurais. Ou seja, não podemos separar a mente do encéfalo, não havendo
mais, na atualidade, espaço para a dualidade espírito-matéria, corpo-mente.

326 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Devido à estrutura do sistema nervoso, podemos detectar informações de di-
ferentes naturezas, como energia eletromagnética, mecânica e química do ambiente
externo e interno através de nossos sentidos. Essas informações são processadas
e interpretadas na forma de pensamentos conscientes (ou inconscientes) e uma
resposta motora adequada pode ser a resultante. Além disso, essas informações
podem ser retidas em nossas memórias para serem utilizadas posteriormente.
Até o final do século XIX, o estudo da mente era um campo de estudo da
filosofia, através de indagações introspectivas. Durante o século XX, a introspec-
ção deu lugar à experimentação. Na primeira metade do século XX, uma escola
de pensamento chamada Behaviorismo foi a primeira escola empírica da psico-
logia experimental relacionada aos processos mentais superiores. Essa ciência
era restrita a aspectos comportamentais observados, que eram quantificados de
maneira objetiva. Entretanto, os processos mentais que estavam por trás desses
comportamentos não eram objeto de estudo. Na segunda metade do século XX,
com o desenvolvimento de métodos de análise mais refinados para o estudo do
sistema nervoso, a escola “cognitivista” passou a investigar os mecanismos neurais
responsáveis pelas funções mentais que resultam nos nossos comportamentos.
Atualmente, essa abordagem norteia a base da pesquisa do sistema nervoso.

3 Neurociência e neurocientistas

Apesar de já termos avançado bastante no entendimento do funcionamento


do sistema nervoso, o compreendimento biológico da mente humana ainda é um
grande desafio para os cientistas. Os pesquisadores que estudam o sistema nervoso
são denominados neurocientistas. Portanto, a neurociência pode ser definida de
forma ampla como o conjunto de disciplinas que estuda, entre outras coisas, o
sistema nervoso. Entre essas disciplinas, estão a biologia celular, histologia, anato-
mia, fisiologia, embriologia, genética, biologia molecular, farmacologia, psicologia,
psiquiatria, neurologia e farmacologia.

4 A navalha de Occan: como a neurociência é estudada?

Tudo deve ser tão simples quanto possa ser, mas não mais do que isso.
Albert Eistein

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 327


O que é verdadeiro na lógica é verdadeiro no método científico.
Karl Popper

Devido à grande complexidade do sistema nervoso, tornando demasiadamente


complicado o seu estudo por inteiro, utiliza-se frequentemente uma abordagem
reducionista. Nessa abordagem, tenta-se reduzir ao máximo os elementos de um
determinado sistema para estudar o seu funcionamento. Dessa forma, é possível
desenvolver modelos simplificados para processos complexos que são complica-
dos demais para serem estudados de maneira integral. O sistema nervoso pode,
portanto, ser estudado em diferentes níveis de análise, como em nível molecular,
celular, de sistemas, comportamentais e cognitivos. A seguir uma breve descrição
destes diferentes níveis de análise através dos quais podemos estudar neurociências:
a. Nível molecular – Esse é o mais elementar dos níveis de análise. Estuda
as moléculas importantes para o funcionamento do sistema nervoso. É
estudado pela biofísica, bioquímica e biologia molecular.
b. Nível celular – A neurociência celular estuda as diferentes células que
constituem o tecido nervoso, suas características morfológicas e funcionais.
Esse nível é estudado pela biologia celular e histologia.
c. Nível de sistemas – Esse nível aborda populações neuronais que atuam em
conjunto para desempenhar determinadas funções. Pode ser exemplifica-
do com o estudo do sistema visual, que começa pelo olho, chegando ao
tronco encefálico, córtex visual e áreas associativas. O conjunto de células
desses diferentes órgãos participa desde a captação de fótons na retina até
a percepção da imagem no neocórtex. Esse nível de análise é estudado pela
anatomia e neurofisiologia.
d. Nível comportamental – Esse nível tem como objeto de estudo as bases neu-
rais dos comportamentos, como a motivação para a busca de comida, sexo,
drogas entre outros. Pode ser abordado pela psicobiologia e farmacologia.
e. Nível cognitivo – A neurociência cognitiva aborda as funções mentais
superiores, como a consciência, aprendizagem e a linguagem. Esse nível
se propõe a estudar como a mente emerge a partir da atividade neural.
f. É importante ressaltar que as divisões descritas não possuem fronteiras
bem delimitadas; foram separadas essencialmente para fins didáticos. Na
verdade, para responder-se a uma pergunta de um determinado tema em
neurociências, são utilizadas ferramentas de diferentes níveis de análise

328 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


para respondê-la de forma satisfatória. É muito frequente (e essencial),
portanto, a transição de um nível para outro dentro de um mesmo estudo.
É muito comum que a interferência em uma única molécula numa região
delimitada do encéfalo, num tipo específico de neurônio, cause uma mu-
dança drástica no comportamento.

5 Como a neurociência é ensinada nos cursos de graduação?

Via de regra, não existe uma disciplina que trabalhe especificamente neuro-
ciência. Portanto, o assunto é abordado dentro de diversas disciplinas. Abaixo estão
listados os conteúdos relacionados com o estudo do sistema nervoso em diferentes
disciplinas dos cursos de graduação das áreas biológicas e da saúde:
a. Biofísica: conceitos básicos de físico-química e biofísica molecular; mem-
branas biológicas: estrutura e composição, transporte passivo e ativo de
íons e pequenas moléculas, transporte de macromoléculas e partículas
(endo e exocitose); canais iônicos e biopotenciais: natureza do potencial
elétrico da célula, canais protéicos transmembrana e origem do potencial
de repouso, potencial de ação e suas fases, estimulação e propagação do
potencial de ação; técnicas de diagnóstico por imagem como tomografia
computadorizada e ressonância magnética nuclear.
b. Biologia celular/citologia: funcionamento e estrutura das organelas e do
núcleo; citoesqueleto de neurônios e células gliais; ciclo celular; sinalização
e morte celular; matriz extracelular e seus componentes.
c. Histologia: tipos e características morfológicas das células do tecido nervoso;
organização histológica de regiões do encéfalo, medula espinhal, gânglios
nervosos, nervos; plasticidade neuro-glial; barreiras do sistema nervoso;
métodos histológicos de estudo do tecido nervoso e quantificação.
d. Anatomia: divisões morfofuncionais do sistema nervoso central e periférico;
vias; revestimentos; vascularização do sistema nervoso.
e. Bioquímica: metabolismo energético no sistema nervoso; sistemas de neu-
rotransmissão; transmissão sináptica; mecanismos de transdução de sinais,
proteínas G, sistemas enzimáticos efetores, mensageiros intracelulares.
f. Embriologia: desenvolvimento do sistema nervoso, desde a formação dos
folhetos embrionários, neurulação, diferenciação do encéfalo e medula

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 329


espinhal, formação do sistema nervoso periférico; diferenciação de células
neurais, migração, formação de circuitos neuronais e de sinapses.
g. Farmacologia: farmacocinética e farmacodinâmica; ação de agentes de-
pressores e excitantes do sistema nervoso; fármacos com ação no sistema
nervoso central: ansiolíticos e hipnóticos, antipsicóticos, estabilizadores
do humor, antiparkinsonianos e anticonvulsivantes; farmacologia da dor:
anestésicos gerais, anestésicos locais, analgésicos opióides e não-opióides.
h. Fisiologia: potenciais de membrana e de ação; transmissão sináptica; siste-
mas sensoriais: somatossensorial, propriocepção, audição, visão, gustação,
olfação; sistemas motores: controle espinhal e supraespinhal do movimento,
cerebelo, núcleos da base; sistemas neurovegetativos; mecanismo do sono,
vigília e atenção; bases neurofisiológicas do comportamento instintivo e
das emoções; controle neuroendócrino.
i. Biologia molecular: estrutura dos ácidos nucléicos e dos genes; replicação
do DNA; transcrição e processamento de RNA; código genético e síntese
de proteínas; controle da expressão gênica.
j. Genética: conhecimentos básicos de biologia molecular; papel dos genes e
cromossomos nas doenças humanas; genética do comportamento.

Também existem disciplinas específicas de neurociências em diversos cursos


de graduação e especialmente da pós-graduação. Na maior parte dos casos, trata-se
de cadeiras eletivas, em que diversos aspectos são abordados com maior ou menor
aprofundamento, dependendo do curso em questão. Por exemplo, no curso de
psicologia, existe um foco maior no estudo das funções mentais superiores, como
aprendizagem e memória, em detrimento do sistema motor. Na Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul (UFRGS), são oferecidas essas disciplinas para diversos
cursos, como biologia, biomedicina, psicologia, pedagogia e fonoaudiologia. Em
regra, essas disciplinas são de 4 horas por semana, com duração de um semestre.
Na sequência encontra-se um exemplo do conteúdo abordado em uma disciplina
oferecida ao curso de Psicologia da UFRGS pelo Departamento de Fisiologia:
− Revisão anátomo-funcional do sistema nervoso central e periférico, sis-
tema nervoso sensorial e motor e sistema nervoso somático e vegetativo;
− Neurônio e glia, sinapse e neurotransmissores;
− Potenciais de repouso, sinápticos e de ação;
− Introdução ao sistema nervoso sensorial – estímulos e receptores sensoriais;

330 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


− Somestesia: tato, prurido, dor e temperatura;
− Visão;
− Audição;
− Olfato e paladar;
− Introdução ao sistema nervoso motor;
− Reflexos medulares;
− Locomoção;
− Propriocepção;
− Regulação do equilíbrio, do tônus e da postura;
− Córtex motor e pré-motor;
− Cerebelo e núcleos da base;
− Inervação e contração muscular;
− Sistema nervoso autônomo;
− Visão geral das funções neurais superiores;
− Comportamentos motivados: sexual, alimentar e de sede e termorregulação;
− Neurobiologia das emoções;
− Ciclo sono e vigília, eletroencefalograma;
− Linguagem e especializações hemisféricas;
− Atenção e percepção;
− Aprendizagem e memória;
− Transtornos psiquiátricos: drogadição, esquizofrenia, transtornos do hu-
mor e ansiedade;
− Transtornos neurológicos: epilepsia, AVC e Parkinson, autismo, Síndrome
de Down e retardo mental.
Apesar de existir muitos cursos de graduação em neurociências no exterior,
no Brasil contamos apenas com um (bastante recente), na Universidade Federal
do ABC. Além disso, na Universidade Federal Fluminense: o curso de ciências
biológicas com ênfase em neurociências.
Em contraste, existem muitos cursos de pós-graduação em neurociências e
psicobiologia no Brasil: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Universidade
Federal de Santa Catarina; Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Neuro-
ciências e Psicobiologia); Universidade Federal do ABC; Universidade Federal do
Pará; Universidade Federal de Minas Gerais; Universidade Federal de São Paulo
(Neurologia e Neurociências, e Psicobiologia); Universidade Federal de Pernam-

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 331


buco; Universidade Federal Fluminense; Universidade de São Paulo; Universidade
de São Paulo-Ribeirão Preto; Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Além disso, existem muitos programas de pós-graduação em outras áreas
biomédicas com linhas de pesquisa em neurociências. No site da Sociedade Brasi-
leira de Neurociências e Comportamento, é possível verificar as linhas de pesquisa
em neurociências em diferentes instituições de diferentes estados no Brasil: www.
sbnec.org.br.
Atualmente, os neurocientistas brasileiros são representados pela Sociedade
Brasileira de Neurociência e Comportamento (SBNeC), originalmente chamada
de Sociedade Brasileira de Psicobiologia. Ela já conta com mais de 3.000 sócios
em 36 anos de existência. No mundo, a principal sociedade de neurociências é
a Society for Neuroscience, que conta com mais de 40.000 sócios em 40 anos de
existência. Essa última realiza congressos anuais nos Estados Unidos com cerca
de 30.000 participantes de todo mundo.

6 Pesquisa em neurociência

A grande quantidade de programas de pós-graduação em neurociências e


tantos outros programas com linhas de pesquisa nessa área, assim como o número
expressivo de sócios em sociedades de neurociências no Brasil e no mundo reflete o
fato de que existe grande interesse em pesquisar o funcionamento (e as disfunções)
do sistema nervoso. Por conta disso, muitos estudantes de graduação integram-se
em grupos de pesquisa relacionados com neurociências durante sua formação.
Essa experiência em laboratórios de pesquisa durante a graduação proporciona
um excelente aprendizado para o aluno. Além de aprender técnicas, procedimentos
utilizados no laboratório e a própria vivência da rotina de um pesquisador, acabam
despertando maior interesse e melhorando o aproveitamento do aluno para o que
está sendo ensinado na graduação.
No Brasil, existe um estímulo muito grande para que acadêmicos de diversos
cursos iniciem sua carreira científica em laboratórios de pesquisa. Bolsas de inicia-
ção científica e bolsas para estágios em outros países são disponibilizados através
do financiamento de órgãos federais, como o Ministério da Educação (MEC) e
Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Além disso, fundações de amparo à
pesquisa de diversos estados também oferecem esse tipo de incentivo. Nos cursos

332 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


de ciências biológicas e biomédicas, essa situação ocorre de modo destacado. Trata-
-se de iniciativa extremamente positiva para a formação de futuros cientistas, pois
ele ingressa em programas de pós-graduação com um importante conhecimento
teórico e experiência técnica para desenvolver projetos de mestrado ou doutorado.
Muitos cursos de graduação preparam os acadêmicos para serem pesquisado-
res/professores. Cursos como biomedicina, ciências biológicas e farmácia possuem
opções de bacharelado com ênfases em distintas áreas do conhecimento. Portanto,
o estudante pode escolher as disciplinas específicas que irá cursar e direcionar a
formação de acordo com seu interesse, aprofundando-se nesses assuntos.
Apesar de a utilização de animais no ensino ter sido drasticamente reduzida
nas aulas práticas dos cursos de graduação das ciências biomédicas e da saúde nos
últimos anos, o mesmo não aconteceu na pesquisa.
Boa parte dos sujeitos experimentais de estudo em pesquisas de neurociências
(tanto em pesquisa básica como pré-clínica) é feita com animais de experimentação.
Hoje em dia, os animais mais utilizados são ratos e camundongos. O conhecimento
gerado com estudos em animais levou a importantes descobertas no entendimento
do funcionamento do sistema nervoso. Pesquisas com animais exercem um papel
vital para o avanço do conhecimento, que é traduzido com o aumento significativo
da qualidade de vida dos seres humanos (e dos próprios animais). A ciência é feita
por perguntas e pela utilização do método científico para a obtenção de respostas.
Um dos pilares do método científico é a experimentação (coletando dados, anali-
zando-os e interpretando-os). Nas áreas das ciências biomédicas e da saúde, essa
experimentação é muitas vezes realizada com animais vivos. Por motivos óbvios,
muitos procedimentos não podem ser realizados com seres humanos. Portanto, o
uso de animais é absolutamente necessário. Na neurociência, dependendo do que
está sendo estudado, é possível realizar experimentos utilizando culturas de teci-
dos ou de células. Entretanto, na maior parte das vezes, essa abordagem responde
apenas parcialmente às perguntas, requerendo ser confirmadas (ou refutadas)
com experimentação em animais vivos, mantendo as conexões neuronais íntegras.
É importante notar que, muitas vezes, o sistema nervoso da espécie utilizada no
experimento neurocientífico é muito menos complexo do que o de um ser humano.
À primeira vista pode parecer um empecilho a utilização de animais mais simples
para o entendimento de sistemas complexos. Entretanto, essa abordagem pode ser
extremamente útil para chegar ao entendimento de sistemas mais complexos. A
compreensão dos mecanismos moleculares e celulares da formação da memória

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 333


ilustra muito bem essa situação. Como e onde procurar o substrato neuroanatômico
da memória num encéfalo com bilhões de neurônios? O pesquisador (e ganhador
do Prêmio Nobel de fisiologia/medicina no ano 2000) Eric Kandel contribuiu de
maneira importante na compreensão das bases biológicas da formação da memó-
ria utilizando o molusco marinho Aplysia Californica. Esse molusco possui um
sistema nervoso extremamente simples. Portanto, facilitou muito a identificação
das modificações neuronais subjacentes à aprendizagem e memória.
Devido ao fato de que muitos mecanismos foram filogeneticamente conservados
durante a evolução das espécies, muitos resultados encontrados em animais mais
simples podem ser extrapolados para os seres humanos. Portanto, essa abordagem
reducionista tem se demonstrado até o momento uma excelente ferramenta para
o entendimento de sistemas complexos.
É importante ressaltar alguns aspectos essenciais à adequação da pesquisa
em animais: (a) utiliza-se sempre o menor número possível de animais; (b) evita-
se ao máximo a dor e o sofrimento, oferecendo um tratamento humanitário; (c)
todos os projetos necessitam ser aprovados por uma Comissão de Ética no Uso
de Animais (CEUA) em pesquisa. (BRASIL, Lei 11.794/2008).

7 Como o uso de animais pode ser útil à neurociência?

O uso de animais contribui para vários estudos de neurociências, como lesões


e manipulações farmacológicas.
Estudos com lesões foram os pioneiros para o entendimento da função de
diferentes estruturas do encéfalo. A ideia de que diferentes estruturas encefálicas
possuem funções distintas ganhou popularidade ainda no início do século XIX
com Franz Gall na Europa. Entretanto, a ideia “localizacionista” (de atrelar local
com função específica) das funções encefálicas só foi demonstrada de maneira
cientificamente adequada em 1861 pelo francês Pierre Broca. Broca percebeu que
pacientes afásicos (com disfunções de linguagem) tinham lesões no lobo frontal
do hemisfério esquerdo do cérebro. Se uma lesão numa determinada estrutura
afeta uma função específica, é razoável concluir que essa estrutura possui um
papel importante para tal função. Essa predição lógica foi amplamente utilizada
para determinar a função de muitas outras estruturas encefálicas. Embora existam
muitas formas de estudo mais refinadas do que uma lesão (como a inativação far-

334 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


macológica transitória, por exemplo), ela ainda é utilizada em muitos casos onde
recursos mais sofisticados não estão disponíveis.
O uso de animais em estudos contribui para a caracterização e manipulação
farmacológicas de drogas que atuam sobre receptores de membrana de células
neurais, enzimas intracelulares ou canais iônicos em diversas condições fisiológicas
ou patológicas.
A partir da década de 90, devido aos grandes avanços biotecnológicos, foi
possível desenvolver animais geneticamente modificados, em que a expressão de
um gene pode ser suprimida ou aumentada em determinadas situações. O grupo
de pesquisa do também ganhador do Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina em
1987, Sussumu Tonegawa, foi o primeiro a desenvolver essa tecnonogia em neu-
rociências (apesar de estar trabalhando nas últimas décadas com neurociências,
o Prêmio Nobel foi devido aos estudos anteriores com sistema imune). Pesquisas
com a utilização de animais transgênicos têm revolucionado o entendimento do
sistema nervoso central, bem como o desenvolvimento de modelos animais de
diversas doenças
Todas as abordagens descritas são testadas em modelos animais padronizados
que são de fundamental importância para o entendimento do funcionamento e das
disfunções do sistema nervoso. Modelos animais são muito utlizados tanto para
descobrir a etiologia das doenças como para mimetizar as doenças, para, então,
buscar algum tratamento. Por exemplo, a Doença de Alzheimer é caracterizada pela
formação de placas amilóides e emaranhados neurofibrilares. Acredita-se que essas
características sejam importantes no déficit cognitivo apresentado nessa doença.
Existem modelos com animais geneticamente modificados que apresentam um
aumento das placas amilóides e nos emaranhados neurofibrilares. Além disso, esses
animais também apresentam profundos déficits de memória. Portanto, mimetizam
as condições da doença a ser estudada e, por conta disso, são bons modelos para
testar possíveis fármacos que possam atenuar os sintomas da Doença de Alzheimer.
Existem modelos animais para quase tudo que se deseja estudar nas áreas bio-
médicas. Mesmo transtornos mais “humanos” como os transtornos psiquiátricos,
incluindo depressão, esquizofrenia, transtorno obsessivo compulsivo, transtorno
de estresse pós-traumático, autismo e abuso de substâncias podem ser estudados
através de modelos animais. Existem também bons modelos para doenças neu-
rológicas como epilepsia, doença de Alzheimer, doença de Parkinson, doença de
Huntington, paralisia cerebral, entre muitas outras.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 335


8 Considerações finais

A busca obsessiva pelo conhecimento e pelas novas tecnologias é uma carac-


terística intrínseca do ser humano. O patamar de desenvolvimento que a huma-
nidade alcançou está intimamente atrelado a tais particularidades. A neurociência
alcançou níveis surpreendentes de desenvolvimento nos últimos anos no que diz
respeito ao entendimento dos complexos processos fisiológicos de seu funciona-
mento. Além disso, está sendo possível utilizar esse conhecimento adquirido para
desenvolver estratégias terapêuticas para minimizar o sofrimento de pacientes que
sofrem com patologias relacionadas ao sistema nervoso, bem como mudar alguns
hábitos e comportamentos com o objetivo de previnir ou retardar o aparecimento
de transtornos psiquiátricos ou neurológicos. O Brasil está acompanhando esse
processo de desbravamento dos mistérios da mente e participando dele. Atual-
mente existem muitos neurocientistas fazendo pesquisa no nosso país. Apesar de
termos crescido de maneira significativa em número de artigos publicados em
periódicos internacionais, a relevância e o número de citações não acompanharam
esse crescimento. Esse é o próximo desafio para os neurocientistas brasileiros.
O incremento do investimento em pesquisa nos últimos dez anos e a adoção de
políticas públicas acertadas (como o incentivo para alunos e pesquisadores rea-
lizarem estágios em universidades estrangeiras) trazem um horizonte promissor
para a ciência brasileira.
Neste capítulo, procuramos mostrar um panorama geral da neurociência no
Brasil, mostrando a forma com que ela é abordada tanto na graduação – em sala de
aula e em estágios em laboratórios de pesquisa – como na pós-graduação. Apesar
de ainda existirem poucos cursos específicos de neurociências no Brasil, se um
estudante das áreas biomédicas ou da saúde almejar seguir o caminho de tornar-se
um neurocientista, contará com muitas oportunidades para atingir esse objetivo.
Existem muitos docentes que atuam nas mais diversas áreas da neurociência espa-
lhados pelo Brasil. Esse fato é muito importante, pois (a) esses professores muitas
vezes oferecem disciplinas eletivas específicas de neurociências e (b) possuem grupos
de pesquisa, nos quais é possível (e recomendado) ingressar para integrar-se com a
rotina de um laboratório e aprimorar os conhecimentos teóricos e técnicos. Além
disso, o estudante poderá absorver o conhecimento fragmentado relacionado com
o sistema nervoso em diversas disciplinas básicas, como biofísica, biologia celular,
embriologia, genética, histologia, anatomia, farmacologia, bioquímica, biologia

336 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


molecular e fisiologia. É importante ressaltar que o aluno ainda pode atuar como
monitor de disciplinas que abordem o tema, bem como aderir aos programas de
mobilidade acadêmica onde será possível complementar a sua formação em outras
instituições de ensino.
Depois de graduado, o aluno encontrará muitos programas de pós-graduação
(níveis mestrado e doutorado) para continuar sua formação neurocientífica. O
estudante deve informar-se a respeito do conceito do programa (avaliado pela
CAPES), das linhas de pesquisa oferecidas, do corpo docente e das condições de
infraestrutura. Nessa empreitada é fundamental participar desde cedo de encon-
tros, seminários e congressos de neurociências. Essa iniciativa é extremamente
importante para conhecer os trabalhos que estão sendo realizados no Brasil e no
mundo, bem como para conhecer outros pesquisadores a fim de estabelecer redes
de discussão e colaboração.
Dessa forma, os jovens neurocientistas poderão contribuir para o entendi-
mento dos processos fisiológicos e patológicos relacionados com o complexo e
fascinante sistema nervoso.

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338 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


19 PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM SAÚDE:
COMPREENSÕES DE ESTUDANTES
UNIVERSITÁRIOS SOBRE TABAGISMO
COMO TEMA1

Maria Cristina Pansera de Araújo


Vidica Bianchi
Daiane Faber

1 Introdução

A Educação em Saúde, segundo Candeias (1997), combina experiências de


aprendizagem com vistas a facilitar ações voluntárias, que mesclam os múltiplos
determinantes da saúde com intervenções ou fontes de apoio. Já para a Organização
Mundial da Saúde, saúde significa estado de completo bem-estar físico, mental e
social e não somente a carência de doença ou enfermidade. Portanto, o estado de
saúde ou doença origina-se, na maioria das vezes, em questões relacionadas aos
hábitos e comportamentos das pessoas, aliados a fatores genéticos e ambientais.
Carvalho e Carvalho apontam que:

1  Este texto resulta dos estudos do mestrado em Educação nas Ciências, da Unijuí, de autoria de Daiane Faber,
sob orientação da Dra. Maria Cristina Pansera de Araújo e colaboração da Dra. Vidica Bianchi.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 339


Tanto a saúde como a doença é influenciada consideravelmente pelos fac-
tores sociais e ambientais. Esta visão dinâmica da saúde é fundamental na
Educação para a Saúde, uma vez que, actualmente, nos países desenvolvidos
a perda de saúde e as mortes prematuras estão estreitamente ligadas ao estilo
de vida, ou seja, à adopção por parte de indivíduos, grupos e comunidades
de comportamentos saudáveis. (CARVALHO e CARVALHO, 2006, p. 8).

Gaspar (2006) considera que o conceito de saúde tem evoluído ao longo dos
tempos e, atualmente, “implica a capacitação dos indivíduos para que possam
desenvolver-se e influenciar positivamente o meio que os envolve, tomando de-
cisões saudáveis e adaptando-se continuamente às exigências do meio” (p. 19).
Nesse sentido, a pesquisa científica no campo da educação procura pontuar
e evidenciar situações para que a sociedade se aproprie desse conhecimento de
modo a subsidiar ações educativas que possibilitem mudanças de hábitos e de
estilo de vida, como no caso do tabagismo, que representa um dos mais graves
problemas de saúde pública. O indivíduo pode tornar-se tabagista passivo ou ativo,
em qualquer idade, além de contribuir com a poluição ambiental e o consumo
passivo de tabaco por outros sujeitos com quem convivem, uma vez que o efeito
do tabagismo é individual e coletivo. Por isso, compreender a formação do hábito
tabagista desde a adolescência e as possibilidades de mudança é uma ação relevante
de pesquisa em educação em saúde.
A adolescência é a faixa etária mais suscetível à influência da família, dos
amigos, da mídia e da sociedade em geral, para que os jovens experimentem e
usem tabaco. Portanto, nesta fase, a prevenção ao tabagismo é prioritária. Nesse
contexto, a educação constitui um dos meios para estimular o cuidado ao corpo
e a promoção da saúde. Pressupõe-se que o estudante, ao conhecer melhor as
consequências do uso de determinadas substâncias para o desenvolvimento de
seu corpo, a exemplo do tabaco, pode modificar o comportamento de usuário e
constituir um hábito, que diminua os riscos à saúde.
Para alguns autores, fumar é uma drogadição ou vício; já para outros, é uma
questão de direito de escolha e liberdade em ser ou não tabagista com todos os
riscos decorrentes (SILVA et al., 2007). O uso ativo do tabaco não deixa a pessoa
violenta, mas reduz sua saúde, e a comercialização legal torna-o aceito socialmente,
sem que as pessoas se preocupem com seus danos diretos e indiretos.
Entre as principais substâncias contidas no tabaco está a nicotina, que, ao causar
dependência física e psíquica, é considerada uma droga. Para o Instituto Nacional do

340 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Câncer (INCA, 2010) e o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotró-
picas (CEBRID), droga é toda e qualquer substância química, natural ou sintetizada,
capaz de produzir efeitos sobre o funcionamento do corpo, tendo como consequência
mudanças fisiológicas ou comportamentais no sujeito que a consome. A temática
droga consiste num fenômeno complexo que relaciona o sujeito, a droga consumida
e seus efeitos e o contexto sociocultural do sujeito (CAMPOS, 2005).
Infelizmente, a sociedade disponibiliza aos adolescentes um ambiente com
várias substâncias socialmente aceitas (lícitas), seja pelo uso em rituais religiosos
ou em eventos festivos.

O álcool, por intermédio da figura do vinho, integra os cerimoniais


religiosos judaicos, cristãos e alguns rituais do candomblé. Da mesma
forma, observa-se o uso das bebidas fermentadas em quase todas as civili-
zações. Em rituais religiosos de vários grupos, as drogas alucinógenas são
utilizadas como forma de obter experiências místicas, curar as doenças
das pessoas e pedir proteção aos deuses (ROEHRS et al, 2008, p. 355).

Outros exemplos de uso de substâncias referem-se àquelas consumidas pelas


pessoas para permanecerem acordadas, ficarem calmas, ou esquecerem os problemas
do dia-a-dia. Logo, “o tabaco e as outras drogas estão continuamente presentes na
vida diária dos sujeitos” (GONÇALVES, 2008, p. 37), ou ainda,

[...] brinda-se com álcool na maioria das celebrações de nossa sociedade


assim como se fuma maconha em muitas festinhas de jovens e cheira-
-se cocaína em reuniões promovidas por pessoas de diferentes camadas
sócio-econômicas. As drogas apresentam, ainda, significados outros em
nossa cultura. A mídia nos apresenta diariamente, através das pessoas
consideradas as mais belas e, portanto, com forte apelo, a elegância de
fumar cigarros e a alegria de beber cerveja, propagandeando estas ati-
vidades como essenciais para o sucesso social (OLIVEIRA, 2003, p. 29).

Portanto, o uso excessivo de drogas observado nos últimos anos e seus efeitos
na vida do indivíduo e da sociedade é considerado, hoje, “um problema de saúde
pública. A situação vem se tornando cada vez mais alarmante e com grande im-
pacto social”. (CALDEIRA, 1999, p. 150).
Quando se fala em drogas lícitas, não se pode esquecer o malefício que trazem
à humanidade. O tabaco, que nem sempre é considerado uma droga e, muitas
vezes, tem seu consumo estimulado, ocupa o primeiro lugar entre as drogadições.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 341


Contribuem, ainda, com esta concepção o baixo custo e o fácil acesso tanto por
parte de adultos quanto de crianças e adolescentes, ou seja, não é proibido o seu
consumo, e nem restrita a sua comercialização. Cavalcante (2000, p. 20) afirma
que “são exatamente as drogas admissíveis as que causam mais prejuízos médicos
e sociais. Até mesmo a publicidade dessas substâncias é largamente permitida”.
Sabe-se que uma vez dependente, o fumante não tem livre escolha sobre
fumar ou não. A liberdade de fumar é falsa. A nicotina, principal composto ativo
do tabaco, possui alto potencial de dependência química.

Como muitas outras drogas, o cigarro é um prazer para quem fuma,


mas o preço que as pessoas pagam por este prazer é muito alto: doenças,
sofrimento, perdas. Isto porque, o que um dia foi encarado como um
“hábito prazeroso” e uma liberdade de escolha pessoal associada a um
estilo de vida é um hábito que provoca dependência e, sendo assim, o
oposto da liberdade. Na maioria dos casos fuma-se não porque se quer,
mas porque não se consegue ficar sem fumar (KRANZ et al, 2002, p. 10).

Entretanto, como o tabagismo é uma desordem comportamental multifatorial,


os estudos relacionados a ele buscam identificar: (1) as causas (fatores comporta-
mentais e fisiológicos que levam à iniciação ao tabagismo); (2) a manutenção da
adicção (fatores comportamentais e fisiológicos associados ao fracasso no aban-
dono ao tabagismo); (3) as consequências metabólicas que geram suscetibilidade
as doenças crônicas não transmissíveis.
O dano causado deixa consequências enormes, com morte lenta das pessoas,
o que dificulta associar a causa da morte ao hábito tabagista. Por isso, é um grande
desafio abordar um tema tão presente no cotidiano das pessoas e ao mesmo tempo
tão complexo. É difícil encontrar alguém que não tenha uma opinião sobre esse
assunto, seja a favor ou contra, mas com poucas atitudes e poucos conhecimentos
para mudar esse quadro.
Se o tabaco afeta a saúde como um todo e a biologia reprodutiva em particular,
o reconhecimento do corpo pelos indivíduos adquire um significado novo, como
possibilidade de prevenção e educação em saúde? Será que os jovens conhecem
adequadamente o seu próprio corpo? Que significado e importância têm para o
indivíduo conhecê-lo? Será que conhecer o corpo e os problemas acarretados pelo
tabagismo melhora seus critérios de escolha ou não do hábito de fumar? A escola
auxilia esta formação? Portanto, é importante ajudá-los a perceberem a relevância
do conhecimento para suas próprias vidas e o cuidado de si, promovendo a au-

342 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


toestima. Por isso, apresentamos neste texto a pesquisa realizada com estudantes
universitários dos cursos da área de saúde, recém-egressos da educação básica. A
expectativa é analisar os dados para compreender as opções dos estudantes quanto ao
tabagismo e a relação com o seu corpo, na busca de novas estratégias de prevenção.

2 Conhecimento dos estudantes universitários da área de saúde, recém-


egressos do ensino médio sobre tabagismo e suas consequências

Através de uma pesquisa quali-quantitativa em que os estudantes responde-


ram a um questionário semiestruturado e submetido à análise textual discursiva
(MORAES; GALIAZZI, 2007), foi possível identificar os conhecimentos, as con-
vergências e divergências de estudantes universitários sobre a relação do tabagismo
com a biologia reprodutiva. Eram recém-egressos da educação básica, estavam
matriculados no segundo semestre de 2008, nos cursos de Farmácia, Fisioterapia,
Medicina e Odontologia da Universidade Federal de Santa Maria-RS, e aceitaram
participar da pesquisa. Foram analisadas 60 respostas de estudantes (39 mulheres
e 21 homens). O maior número de respondentes foi do curso de Farmácia (29); 4
de Fisioterapia; 10 de Medicina; e 17 de Odontologia.
Em relação ao tabagismo, 39 nunca experimentaram o tabaco; 2 são tabagis-
tas; 14 já experimentaram; 4 usam de forma esporádica; e 1 abandonou o vício há
menos de 10 anos. Observa-se a influência familiar na adoção do hábito tabagista,
já que os 2 estudantes tabagistas, 2 fumantes esporádicos e 11 que experimentaram
têm familiares tabagistas.
Quanto à relação biologia reprodutiva / tabaco, 98% dos estudantes acreditam
que exista, e a maioria deles demonstrou preocupação quanto ao desempenho sexual
e à impotência. A importância de conhecer o corpo humano e suas funções bioló-
gicas e químicas para 25 estudantes foi do tipo instrumental-individualista, pois é
para seu uso pessoal. E, ainda, quanto a quem auxiliou na compreensão do corpo
e da sexualidade, 40 (66,66%) estudantes responderam que a primeira pessoa com
quem falaram sobre sexo foi algum familiar. No gênero feminino, de 39 estudantes,
22 (56,41 %) citaram a família e, no masculino, de 21 estudantes, apenas 18 (85,71%)
o fizeram. Logo, a expectativa de que a família é a base das informações que a criança
recebe neste caso também foi observada. Já para 9 deles, o papel da escola é propiciar
aprendizagens de forma planejada e sistemática, como aquelas que podem facilitar
a compreensão do corpo e de suas relações com as diferentes drogadições.
EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 343
Os resultados obtidos nesta pesquisa podem ajudar a elaborar estratégias
educacionais que auxiliem no questionamento, no esclarecimento e provoquem
mudanças de hábitos. Possibilitou ainda verificar a prevalência do uso do tabaco
entre os estudantes e, ao mesmo tempo, identificar os fatores que contribuem para
a adoção dos hábitos de fumar ou não.
Conhecer para prevenir é uma questão de educação em saúde. Assim, na
fase da adolescência, a prevenção ao uso do tabaco precisa ser considerada como
uma prioridade, pois a maioria dos fumantes começa nessa fase da vida. Para Ro-
semberg, “a dependência da nicotina processa-se mais rapidamente e é mais forte
naqueles, que ingressam no tabagismo em torno dos 14 anos, sendo mais difícil
de superá-la” (2003, p. 42). Nesse sentido, há de considerar-se

[...] a infância, juventude e adolescência como fases desenvolvimentais


privilegiadas para a aquisição de muitos hábitos de vida saudáveis (ou
não), representando por isso, momentos fundamentais/determinantes
para se intervir/actuar no sentido preventivo, visando a promoção e
construção da saúde pelos próprios sujeitos não só nestas fases, mas
durante toda a vida (GONÇALVES, 2008, p. 37).

O hábito de fumar é mais facilmente controlado quando ainda se encontra no


início da dependência. Desse modo, a ajuda da família, os hábitos saudáveis e a
atuação da escola com vistas a promover a saúde constituem elementos essenciais
para que o jovem ingresse ou não no círculo vicioso do tabaco. Dessa forma, fica
evidente a importância da educação em saúde, pois os adolescentes vivem um
momento de transformações nos seus corpos, nas emoções, nas relações com seus
familiares, um momento de rupturas e reconstruções.
As escolas ensinam aos alunos não apenas “ler, escrever, calcular, entre outros
conteúdos”, mas são também espaços de socialização e inserção num mundo de
conhecimentos que lhes permitirá fazer escolhas conscientes e qualificadas. Mui-
tos dos temas ensinados e aprendidos nas escolas estão distantes dos currículos
tradicionais e nem por isso deixam de ser fundamentais neste espaço.

Cabe destacar que a palavra currículo tem sido também utilizada para
indicar efeitos alcançados na escola, que não estão explicitados nos planos
e nas propostas, não sendo sempre, por isso, claramente percebidos pela
comunidade escolar. Trata-se do chamado currículo oculto, que envolve,
dominantemente, atitudes e valores transmitidos, subliminarmente,

344 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


pelas relações sociais e pelas rotinas do cotidiano escolar. (MOREIRA;
CANDAU, 2007, p. 18).

Assim entendido, denomina-se de currículo “oculto” aos conhecimentos que


os estudantes aprendem na escola pelo modo como o trabalho é organizado, mas
que não são visivelmente incluídos no planejamento. Representa tudo o que os
alunos aprendem diariamente em meio às várias práticas, atitudes, comportamen-
tos, gestos, enfim, um currículo oculto que está presente no cotidiano escolar sob
a forma de aprendizagens não planejadas.

3 Fatores e Comportamentos de Risco das Pessoas que Repercutem


no Bem-Estar Físico e Social

Se o estado de saúde ou doença está relacionado com o comportamento das


pessoas, são necessários meios mais eficazes para que elas adotem hábitos saudáveis
ou mudem comportamentos de riscos. Porém, é fundamental que compreendam
os fatores determinantes dos estilos de vida, uma vez que o sujeito é o produto da
atividade histórica, social e cultural do meio (VIGOTSKI, 2001). Por isso, é na
interação com os outros sujeitos que se transforma e muda a sua história.
Alguns comportamentos de risco das pessoas influenciam seu bem-estar
físico e social, que pode ser questionado pelas instituições, como a família e a
escola, de modo que o processo de educação em saúde repercuta nas mudanças
de hábitos e atitudes.
A Figura 1 apresenta um esquema-síntese dos aspectos relacionados à educa-
ção em saúde, que consideram o sujeito, suas relações familiares e escolares, numa
interação entre conhecimento socioambiental e cultural, para desenvolver hábitos
saudáveis e não saudáveis. Os itens família, escola e saúde – hábitos saudáveis e
não saudáveis – foram descritos a seguir, de modo a contribuir para a compreensão
das relações a serem consideradas na promoção da saúde.
a. Família: é a primeira instituição social responsável pela educação dos
sujeitos. Local onde muitos conhecimentos, crenças, regras e valores são
construídos e compartilhados. As práticas familiares estão entre os fatores
que mais influenciam os jovens; por isso, é necessária uma atitude fami-
liar no sentido da alteração de hábitos nocivos, uma vez que a família é o
modelo para os adolescentes.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 345


b. Escola: local em que os estudantes passam boa parte de sua vida. Proporciona
a oportunidade de interação e construção de novos conhecimentos, tanto
aqueles referentes às disciplinas curriculares quanto à formação pessoal do
sujeito. Espaço em que é possível, a partir dos conhecimentos trabalhados
nas aulas, provocar uma mudança no modo de viver do sujeito, visando à
incorporação de um estilo de vida saudável, longe dos comportamentos de
risco. Para Precioso (2009, p. 85), a “escola é um dos locais (embora longe
de ser o único) e a Educação para a Saúde o meio que muito pode contri-
buir para a promoção de comportamentos saudáveis nos futuros cidadãos”.
c. Saúde – Hábitos Saudáveis e Não Saudáveis: o estilo de vida é condição
fundamental quando se pensa em saúde. A prática de atividades físicas, há-
bitos alimentares saudáveis, como evitar as drogas, no caso aqui abordado
o tabagismo, evitar comportamentos sexuais de risco que contribuam para
uma gravidez indesejada e as doenças sexualmente transmissíveis são fatores
determinantes para uma vida com mais qualidade. Os adolescentes estão mais
sujeitos ao contato com as drogas devido ao ambiente em que estão inseridos.
Na adolescência, ocorrem novas descobertas, transformações no corpo, que
contribuem para o surgimento de problemas de maior ou menor gravidade,
que suscitam dos jovens a busca das drogas como uma saída para solucioná-los.
Figura 1 – Focos inter-relacionados na formação de hábitos saudáveis e não saudáveis arti-
culados a pesquisa em educação em saúde

346 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


A Educação em Saúde perpassa várias áreas, em que as relações entre o co-
nhecimento, os valores, as atitudes e as práticas precisam ser considerados para
que as mudanças de hábitos e atitudes dos sujeitos reduzam os fatores de risco,
melhorando a sua qualidade de vida (CARVALHO et al., 2008).
Somente com prevenção e mudanças no estilo de vida, ancoradas no conheci-
mento específico, mas não exclusivamente, será possível contribuir para uma vida
mais saudável. A família é o espaço no qual se desenvolvem as primeiras relações
do sujeito com outros indivíduos e com o ambiente. Por sua vez, a drogadição se
estabelece a partir da relação entre o sujeito, a droga e o contexto, criando um ciclo
que exige, para seu rompimento, a compreensão das relações sociais estabelecidas,
levando-se em consideração a história de vida do indivíduo e o lugar que a droga
ocupa na vida do sujeito e na sociedade. A educação para a saúde na escola não
se limita, portanto, a “transmitir informações”; significa a formação de atitudes
e valores que permitam aos estudantes fazer escolhas em benefício da sua saúde.
Fazendo um resgate do uso do tabaco pela humanidade, percebe-se que esse
hábito remonta aos rituais religiosos primitivos, depois passou a ser usado como
remédio, e então como uma forma de prazer. Esta última maneira tomou espaço,
uma vez que o tabaco contém a nicotina, substância altamente viciante, que atua
no cérebro no centro do prazer, liberando a serotonina que proporciona sensação
de bem-estar. Já com a influência da mídia, associou-se o tabaco ao glamour, ao
sucesso, ao status e à sexualidade. Com o uso contínuo e exagerado, constatou-
-se que o tabaco causa câncer e é responsável por um grande número de mortes.
O tabaco hoje é a droga mais utilizada e difundida, apresentando-se como
causa de prejuízos na qualidade de vida e na saúde das pessoas. Sabe-se que o
hábito de fumar está relacionado a uma série de doenças que não só comprome-
tem a economia do país, a qualidade de vida do fumante, mas, sobretudo, a saúde
física e mental da população, visto que suas consequências acabam atingindo as
pessoas não fumantes que, por algum motivo, acabam expostas involuntariamente
à fumaça. Apesar disso, o tabaco é uma droga lícita, adquirida por qualquer pessoa
em diferentes pontos comerciais, com custo relativamente baixo, além de ser uma
fonte de prazer, devido às substâncias que causam a dependência.
Os estudantes caracterizam-se por conhecer os malefícios ocasionados pelo
tabaco e por subestimar sua dependência. Assim, os resultados obtidos nesta pes-
quisa possibilitaram verificar a prevalência do uso do tabaco entre os estudantes
e, dessa forma, as informações permitem ajudar na elaboração de estratégias que

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 347


permitam sensibilizar as pessoas para que mudem seus hábitos, ou seja, deixem
de fumar ou nem comecem a fazê-lo.
Apesar da existência de programas de promoção de saúde, que se propõem
a prevenir fatores comportamentais de riscos, de informações disponíveis nos
meios de comunicação e do currículo da educação básica, muitos dos aspectos
do estilo de vida que afetam negativamente a longevidade e a saúde continuam
prevalecendo nos indivíduos. Esse é o caso do tabagismo.
A maioria dos fumantes parece ter pouca consciência dessa questão e de suas
implicações, pois, mesmo estando informados, subestimam os malefícios do uso
do fumo, a médio e longo prazo. Muitos iniciam o hábito na adolescência, quando
a capacidade de tomar decisões com criticidade está em construção, de maneira
que, quando conseguem perceber as consequências do tabaco, já se tornaram
dependentes para toda a vida. As mudanças necessárias implicam atitudes cons-
cientes e, ao mesmo tempo, livrar-se dos fatores que os colocam em risco, como
apresentado na Figura 1.
Pode-se perceber que informações isoladas não contribuem na formação dos
estudantes. “O que fica de todos aqueles anos, daquelas infinidades de cadernos e
livros, dos quilômetros de linhas lidas e escritas? Para que serve tudo aquilo? Se
não nos restam muitos conceitos, definições, formulas [...] O que está errado no
processo escolar?” (MOHR, 2002, p. 30).

O que realmente se aprende ao aprender conteúdos não são os dados


brutos que fornecem ou de que informam, mas, sim, as relações vigentes
entre os fenômenos, ou melhor, é o sistema, a rede de relações em que
se inserem ao serem incluídos nas malhas da interpretação tecidas pela
vida inteira dos sujeitos que conhecem. Os conteúdos a serem assimila-
dos não existem, ademais, de forma isolada, reificada, imutável; devem
ser inseridos nas totalidades de que participam, ao mesmo passo que
no todo do processo intelectual e em função do crescimento cultural e
social global (MARQUES, 2006, p. 194).

O papel da escola, bem como o da família, parece ser fundamental para a


prevenção do tabaco. Na escola, deve ser levado em conta o sujeito, as suas carac-
terísticas e o seu contexto sociocultural. Assim, a compreensão que os estudantes
têm sobre o tabagismo pode auxiliar nas escolhas feitas para a elaboração de
propostas e/ou intervenções significativas para educar em saúde e modificar este
hábito não saudável.

348 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Esta é a missão de cidadania que a escola tem a cumprir, permitindo
aos indivíduos se apropriarem, compreenderem e agirem no mundo em
que vivem. Quando consideramos o nosso tempo, verificamos o quanto
cabe à escola no ensino de conhecimentos basilares e no preparo para
que a busca de novos conhecimentos possa ser feita quando o indivíduo
assim o desejar (MOHR, 2002, p. 25).

Os adolescentes apresentam maior vulnerabilidade ao tabagismo, visto que


estão em uma fase de transição, passam por situações de insegurança, sentem-se
estranhos pelas modificações que ocorrem em seu corpo e temem ser incom-
preendidos. Em razão dessa insegurança, o adolescente pode ver o tabaco como
algo mágico que traga solução para os seus problemas, aliviando o sofrimento e a
angústia, proporcionando, também, força e prazer. O adolescente tem a sensação
de poder desafiar a morte, por isso professores e pais encontram dificuldade em
falar sobre os efeitos nocivos do tabaco. Falar que o tabaco causa câncer e morte
pode não surtir efeito algum para os adolescentes, pois se sentem excitados ao
desafiar. O prazer imediato que o tabaco proporciona é mais interessante do que
qualquer malefício que possa trazer.
Primeiro as pessoas fazem uso social, só nos finais de semana, em festas, com
os amigos, esporadicamente, depois o uso habitual. Não se pode negar que o tabaco
proporciona uma sensação agradável por um período de tempo, porém é capaz
de levar à dependência química e possivelmente à morte.
Na adolescência, a sexualidade atinge seu ponto máximo de preocupação, pois
é a fase em que o corpo evolui e os caracteres sexuais começam a desenvolver-se,
bem como a capacidade de reprodução. Isso indica uma possibilidade de traba-
lhar de forma integrada as questões relativas ao tabagismo (ativo ou passivo) e a
sexualidade.
Dessa forma, o conhecimento sobre os efeitos do cigarro na saúde humana e
reprodutiva é uma proposta para a implantação de programas de controle e preven-
ção. Tornam-se necessárias estratégias diferenciadas que podem ser mais eficientes
para sensibilizar os jovens para questões como o fato do tabaco contribuir para o
envelhecimento precoce, a infertilidade, a impotência e o escurecimento dos dentes.

Não obstante a necessidade da Educação para a Saúde ser feita primor-


dialmente no ensino básico e secundário (pelos motivos já apontados)
pensamos que deve continuar na universidade principalmente pela
seguinte ordem de razões. Em primeiro lugar para prevenir a adopção

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 349


de comportamentos perniciosos e promover a adopção de comporta-
mentos saudáveis nos estudantes universitários. Contrariamente à crença
(muito generalizada) de que a maioria das pessoas adquire os hábitos
(p. ex: fumar) até à adolescência, sabe-se que muitos comportamentos
perniciosos são adquiridos já na idade adulta e na própria universidade
(PRECIOSO, 2009, p. 88).

4 Considerações finais

A pesquisa em educação em saúde pode auxiliar na problematização da


questão do tabagismo. Da mesma forma, na transformação do sujeito diante desse
problema de saúde individual e coletivo. Entretanto, uma educação em saúde que
atenue os problemas do tabagismo necessita que o professor conheça e respeite a
maneira como os estudantes pensam, a fim de que sejam construídas propostas
educativas que os capacitem a refletir criticamente sobre a realidade.
Portanto, o papel de educadores é imprescindível nas ações que possam
evitar que o adolescente inicie o uso do tabaco no âmbito escolar. Já no período
universitário podem ser promovidas medidas de intervenção que auxiliem na
interrupção desse hábito com base em outros conhecimentos, que já poderiam
ter sido construídos anteriormente. A universidade tem um papel fundamental
na preparação das novas gerações, uma vez que tem um efeito multiplicador, pois
cada estudante com nova postura diante da questão passa a influenciar o conjunto
de pessoas com quem convive diretamente, quanto à sociedade, em geral, nas mais
variadas áreas de atuação.
O desenvolvimento de pesquisas com vista à elaboração de propostas de
ensino e aprendizagem, constitutivas do currículo sobre temas relevantes à saúde
humana, auxiliará na construção de espaços-tempos efetivos na escola, voltados
à promoção de saúde por meio da educação. Isso ocorre, principalmente, quando
conseguirmos colocar as questões de saúde como essenciais à organização do
currículo escolar, possibilitando ampliar a compreensão dos conceitos científicos.
Por conseguinte, a escola, em parceria com a família, precisa intensificar ações
de alerta aos riscos do uso ativo e passivo do tabaco e divulgar os seus danos para
a qualidade de vida dos sujeitos e da sociedade. Assim, ao invés de estimular os
adolescentes à experimentação do tabaco, tanto a família quanto a escola preci-
sam criar novas atividades para promoção da saúde e da qualidade de vida dos

350 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


adolescentes, que desloquem o foco do problema em questão considerando o
conhecimento, as práticas e os valores da comunidade.
Perceber que 65% dos estudantes entrevistados têm algum fumante na família,
seja o pai, a mãe ou avós, reforça a questão do papel do exemplo na determinação
do hábito de fumar. E, mesmo os não-fumantes são afetados pelos males que o
tabaco causa. Desde muito cedo, alguns 86% dos pais submetem seus filhos ao
fumo de forma passiva, o que muitas vezes pode ser até mais nocivo que o próprio
ato de fumar.
O conhecimento acerca das percepções desses estudantes poderá ser importante
para planejar medidas que possam reduzir e desencorajar o consumo de tabaco na
escola e contribuir, desse modo, para a criação de atividades de prevenção e promo-
ção da saúde que tenham maior eficácia, credibilidade e influência sobre os jovens.
Por fim, os resultados obtidos com a pesquisa podem ajudar a elaborar novas
estratégias para discutir drogadição e tomar atitudes saudáveis em favor da saúde
e da vida com qualidade.

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EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 353


20 A VIVÊNCIA DOCENTE NO CURSO DE
BIOMEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL
DO RIO GRANDE DO SUL: APRENDIZADOS
E CONCEPÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO
SUPERIOR

João Henrique Corrêa Kanan

1 Introdução

O curso de Bacharelado em Biomedicina da Universidade Federal do Rio


Grande do Sul (UFRGS) foi criado no ano de 2003 por decisão do Conselho
Universitário, tendo a sua primeira turma iniciado as suas atividades no primeiro
semestre de 2004. Embora os primeiros cursos de Biomedicina criados no Brasil
remontem a meados da década de 1960, somente em 2000 iniciou o primeiro
curso no Rio Grande do Sul. No Estado, 12 anos depois, já existem 15 cursos em
funcionamento, distribuídos em 13 Instituições de Ensino Superior (IES).
Historicamente, a graduação em Biomedicina inicia-se a partir da constatação
de que não seria necessário um longo processo de formação em um curso de Me-
dicina para aqueles que desejassem, tão somente, exercer atividade docente ou de
pesquisa nas áreas básicas da saúde humana. Após mais de 15 anos de discussão,
a primeira experiência nesse sentido ocorreu em 1966, simultaneamente na antiga

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 355


Escola Paulista de Medicina, atualmente Universidade Federal de São Paulo (UNI-
FESP), sob a denominação de Bacharelado em Ciências Biológicas – Modalidade
Médica (SEIFFERT, 2011) e na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. No ano
seguinte, foram implantados cursos semelhantes na Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e na Faculdade de Ciências
Médicas e Biológicas de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Contudo, a expansão procedeu de forma tímida em função de um mercado de
trabalho restrito. Somente em 1979, com a regulamentação profissional, é que
se amplia o campo de trabalho e a necessidade de criação de novos cursos para
atender a demanda de formação de biomédicos.
Nas duas décadas subsequentes à regulamentação, houve uma crescente aceita-
ção deste profissional na região sudeste do Brasil, fato que estimulou um aumento
significativo no número de cursos de graduação em Biomedicina nessa parte do
país. Contudo, durante esse período, a região sul manteve-se alheia a essa realidade,
não tomando conhecimento da existência do biomédico e, como consequência, da
sua área de atuação. É nesse contexto que foi criado em 2000 o primeiro curso de
Bacharelado em Biomedicina no Rio Grande do Sul, na Universidade FEEVALE
e, quatro anos depois, o da UFRGS.
Neste capítulo será abordado, inicialmente, o contexto histórico na Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul e elementos teóricos que foram considerados
na concepção do projeto pedagógico do curso de Biomedicina. A seguir, fruto da
vivência como coordenador e professor do curso de Biomedicina, apresentarei a
minha opinião sobre o que é o ensino de graduação e pressupostos na concepção de
projeto pedagógico de curso no âmbito de uma instituição de ensino superior pública.

2 Contexto e vocação institucional

Quais as circunstâncias que levam uma Instituição de Ensino Superior a


criar um novo curso de graduação? Certamente a demanda local e regional pelo
profissional é o grande motivador, mas outros aspectos tais como a vocação insti-
tucional, a existência de uma infraestrutura adequada e a contratação de recursos
humanos qualificados são decisivos para que se concretize o objetivo. No caso
específico da UFRGS, há que se considerar a situação histórica que prevalecia no
início da década de 2000 nas Instituições Federais de Ensino Superior. Naquela

356 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


época, os recursos financeiros disponíveis para as Universidades Federais eram
escassos e a contratação de novos professores para o quadro docente permanente
era fato raro. Essa situação dificultava enormemente a criação de novos cursos de
graduação nas Instituições de Ensino Federais. Nesse contexto adverso o curso de
Biomedicina da UFRGS foi criado.
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul, de forma similar à maioria das
Universidades Federais, é estruturada em Institutos, Faculdades ou Escolas. Esses,
por sua vez, são formados por um ou mais Departamentos, que se constituem na
menor fração da estrutura universitária. Em 1997, por ocasião da divisão do Ins-
tituto de Biociências (IB), criou-se na UFRGS o Instituto de Ciências Básicas da
Saúde (ICBS), formado por cinco Departamentos Acadêmicos, a saber: Bioquímica,
Ciências Morfológicas, Farmacologia, Fisiologia e Microbiologia, Imunologia e
Parasitologia. Há muito tempo, esses Departamentos ou as estruturas acadêmicas
que os precederam participam intensamente na formação de estudantes de gradua-
ção de todos os cursos da área biológica e da saúde oferecidos pela Universidade.
Importante salientar que essa atuação nunca se limitou aos espaços de sala de
aula, mas já se estendia extracurricularmente aos inúmeros grupos de pesquisa
estabelecidos em cinco programas de pós-graduação nas áreas de Bioquímica,
Fisiologia, Neurociências, Microbiologia e Educação em Ciências. Sem dúvida,
encontrava-se no ICBS o contexto ideal e a vocação acadêmica imprescindível
para a criação do curso de Biomedicina.

3 Projeto pedagógico e perfil do egresso

Como discutido anteriormente, muitos são os fatores que determinam o sucesso


de um curso de graduação, entre eles a existência de um corpo docente e técnico-
-administrativo qualificado, infraestrutura adequada e alunos preparados para as
exigências do curso. Olhando retrospectivamente para os dias em que se formou
a comissão responsável pela criação do curso de Biomedicina, torna-se evidente
que, embora presentes, esses elementos não seriam suficientes para a formação de
um profissional de excelência se não fosse a elaboração de um projeto pedagógico
consistente e bem estruturado, coerente com o perfil de egresso desejado. Para
quem trabalha em educação, não há nada de novo nessa constatação, mas para
os integrantes da comissão, na sua maioria inexperientes no assunto e graduados

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 357


em outros cursos, que não a Biomedicina, não era tão óbvio o que deveria constar
em um bom projeto pedagógico de curso. O mesmo olhar retrospectivo nos diz
hoje, baseados no desempenho dos egressos do curso nas avaliações do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), que houve
acerto da comissão na proposta de curso que foi apresentada à Universidade.
A Biomedicina é, provavelmente, o curso de maior formação interdisciplinar
na área da saúde, possibilitando o egresso a atuar em uma gama ampla e variada de
atividades profissionais de suporte à área médica e saúde humana. Por outro lado,
por tratar-se de uma área onde se observam rápidos avanços no conhecimento e na
geração de novas tecnologias aplicadas à saúde humana, torna-se obrigatório que
este profissional possua grande capacidade de atualização na sua área de trabalho
ou de flexibilidade para ingressar em novas áreas de atuação que vão se abrindo.
Assim, no cerne do projeto pedagógico do curso havia o entendimento que tal
perfil de egresso não seria garantido unicamente pelas experiências de aprendizado
na sala de aula, mas, também, pela ativa participação dos alunos em grupos de
pesquisa, possibilitando que fosse estabelecida de forma mais clara a relação entre
a teoria e a prática, a capacidade de problematizar e encontrar soluções. O projeto
pedagógico do curso de Biomedicina da UFRGS, desde que foi implantado em
2004, é fundamentado nesta concepção.

4 Estrutura curricular e conteúdos curriculares

A Estrutura Curricular foi concebida, como na maioria dos cursos, a partir


do que estabelecem as Diretrizes Curriculares Nacionais para cursos de Biome-
dicina. Como já salientado anteriormente, há uma ampla gama de atividades
profissionais permitidas ao biomédico, resultado de 35 habilitações reconhecidas
pelo Conselho Profissional. Naturalmente, não há como oferecer em um tempo
razoável uma formação aprofundada em todas as habilitações. Por outro lado, as
Diretrizes Curriculares estabelecem que os egressos do curso devem ser biomé-
dicos generalistas. A resposta dada a essa situação, aparentemente conflitante, foi
estabelecer uma grade curricular que se detivesse mais longamente na formação
nas áreas básicas das ciências biológicas e da saúde, se comparado com a formação
profissionalizante. De certa forma, na contramão daquilo que vem ocorrendo nos
cursos da área da saúde, que tem diminuído consideravelmente a carga horária na

358 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


formação básica estendendo o tempo na formação profissionalizante. No bojo da
orientação dada ao nosso curso está o entendimento de que a plena compreensão
dos fenômenos biológicos observados, seja na saúde ou na doença, somente se dá
com um profundo conhecimento das áreas básicas da Biologia e sua relação com a
Química e a Física. Como entender a manifestação de uma doença, um câncer, por
exemplo, sem conhecer em detalhe citologia, bioquímica, fisiologia, imunologia,
ou as complexas interações celulares e moleculares que são as bases da vida? Nessa
concepção reside um dos maiores obstáculos enfrentados no ensino de cursos
da área da saúde, incluindo-se aqui o de Biomedicina. Como convencer o aluno,
ávido por iniciar suas atividades em áreas de caráter mais prático e profissionali-
zante, da necessidade de atravessar o que parece ser um campo árido e estéril de
conhecimentos básicos por dois longos anos, metade do curso? Sem dúvida é um
dos grandes desafios do projeto pedagógico.
Já na metade final do curso ocorre um aprofundamento natural de conheci-
mentos em temáticas mais profissionalizantes, seja em disciplinas ou no estágio
obrigatório supervisionado, sendo o principal diferencial do projeto pedagógico o
estágio em pesquisa, com duração de seis meses em tempo integral. Nesse estágio
o aluno pode se engajar de forma plena em um projeto de pesquisa sem enfrentar
os inconvenientes da iniciação científica desenvolvida, até então, nos horários li-
vres de aula. Essa é uma situação bastante diferente da maioria dos cursos na área
biológica e da saúde em que o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) é baseado
em estágios não obrigatórios desenvolvidos nos horários livres ou obrigatórios
de curta duração.

5 Metodologias de ensino

Uma das grandes vantagens de um curso interdisciplinar como a Biomedicina


em uma universidade estruturada em Departamentos, como a UFRGS, é a possibi-
lidade de o aluno ser exposto a um variado repertório de metodologias de ensino.
A pluralidade é inerente à universidade e, pelo seu projeto pedagógico institucional,
cabe aos professores, em consonância com seus departamentos, estabelecer o plano
de ensino das disciplinas. Se por um lado essa situação pode criar conflitos com
a coordenação de um curso de graduação, pois as metodologias utilizadas pelos
docentes podem não estar em consonância com o projeto pedagógico do curso,

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 359


por outro, cria a oportunidade de os alunos viverem experiências de aprendizado
muito variadas, ampliando, assim, o repertório de metodologias disponíveis para
construir o seu conhecimento. A própria interdisciplinaridade, inerente ao curso
de Biomedicina, traz em si um corpo docente de formação muito diversificada, o
que contribui positivamente na formação transdisciplinar do aluno. Essa é, talvez,
uma peculiaridade que torna a Biomedicina diferenciada dos outros cursos da
área da saúde.

6 A experiência docente no Curso de Biomedicina


6.1 A visão do coordenador de curso

É importante lembrar que todo relato de alguma experiência docente na


educação superior reflete pelo menos dois aspectos: 1) a opinião pessoal, que não
é necessariamente compartilhada por outros membros da IES; 2) o fazer em um
contexto particular, que obedece a regras e parâmetros muitas vezes inexistentes
na maioria das IES. A UFRGS, como a maioria das universidades públicas federais,
provavelmente, possui um conjunto de critérios bem estabelecidos no que se refere
ao processo seletivo para a contratação de professores do seu quadro permanente.
Salvo situações excepcionais, os postos que se abrem devem ser preenchidos por
candidatos detentores do título de doutor e, preferencialmente, já engajados na
pesquisa científica. Há, naturalmente, exceções a isso, dependendo da área do
conhecimento; entretanto, esse viés se aplica perfeitamente às áreas das ciências
biológicas e saúde. Assim, o professor que ingressa na carreira do magistério su-
perior é selecionado prioritariamente por suas habilidades na área de pesquisa do
que pedagógicas. Por sua vez, esse docente, frequentemente, se vê muito mais como
pesquisador do que como professor. Morosini e Morosini (2006) captam muito
bem essa questão quando expressam em seu artigo sobre pedagogia universitária
que a profissão docente está marcada hoje pela

[...] solidão pedagógica, conceituada como o sentimento de desamparo


dos professores diante da ausência de interlocução e de conhecimentos
pedagógicos compartilhados para o enfrentamento do ato educativo.
Os professores ingressam no ensino superior, passando a exercer a
docência respaldados apenas em pendores naturais, saberes advindos
do senso comum da prática educativa e na experiência passada com
alunos do ensino superior. Assumem, desde o início da carreira, inteira

360 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


responsabilidade de cátedra, sem contar com o apoio de professores mais
experientes e espaços institucionais voltados para a construção conjunta
dos conhecimentos relativos a ser professor.

Sinto-me incluído nessa visão na medida em que toda a minha formação,


tanto na graduação como pós-graduação, foi direcionada exclusivamente à atuação
na pesquisa. Assim, o exercício da docência, no âmbito do ensino, tornou-se um
desafio para o qual não possuía parâmetros de referência. Isaia (2006) entende que:

Quando se parte do pressuposto de que não existe preparação prévia


para ser professor do ensino superior, a docência é entendida como um
processo complexo que se instaura ao longo de um percurso que engloba,
de forma integrada, as ideias de trajetória e de formação, consubstanciadas
no que se costuma denominar de trajetórias de formação.

Ainda que se considere que a minha atuação como professor do curso de


Biomedicina tenha iniciado sete anos após o meu ingresso na carreira do magis-
tério superior, os referenciais de atuação docente continuavam embasados nas
experiências pessoais na academia e não a um processo sistemático e contínuo
de capacitação docente ligado a um projeto político-pedagógico institucional.
Segundo Isaia (2006), vários pesquisadores observaram situação semelhante, a
qual a autora descreve da seguinte forma:

Chama atenção a ausência de compreensão de professores e de instituições


sobre a necessidade de preparação específica para exercer a docência.
Assim, os docentes, mesmo estando cientes de sua função formativa, não
consideram a necessidade de uma preparação específica para exercê-la.
Como se o conhecimento específico desenvolvido nos anos de forma-
ção inicial e/ou ao longo da carreira e também o exercício profissional
bastassem para assegurar um bom desempenho docente.

A UFRGS não foge muito dessa descrição, pois à exceção de uma capacitação
pedagógica obrigatória para os docentes em estágio probatório, nenhuma exigência
adicional dessa natureza é estabelecida pela instituição.
Outro obstáculo comum à atividade docente, em especial o ensino, é relacio-
nado às diferenças entre curso de formação e curso(s) no qual o professor ensina.
Novamente, encontramos em Isaia (2006) uma reflexão sobre o assunto quando
a autora nos diz:

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 361


Assim, quando um mesmo professor desenvolve uma mesma disciplina
para diferentes cursos, para os quais não tem formação específica, a ques-
tão que se coloca é como fazer a transposição didática do conhecimento
científico para o acadêmico e deste para o profissional, quando ele não
conhece o campo para o qual pretensamente forma.

Embora haja uma origem comum entre o curso de minha graduação, Ciências
Biológicas, e o curso de atuação docente, Biomedicina, é inegável que o conjunto de
conhecimentos, habilidades e, especialmente, competências diverge entre os dois.
Enquanto no primeiro a preocupação é formar profissionais capazes de entender
as relações entre os seres vivos e os seus ambientes naturais, o biomédico deve ser
preparado para entender profundamente um único organismo, o ser humano, na
saúde e na doença, assim como a sua relação com o ambiente natural.
O curso de Biomedicina, como a maioria dos cursos de graduação da UFRGS,
é estruturado em uma matriz curricular formada principalmente por disciplinas
oferecidas pelos diversos Departamentos que colaboram com o curso. A participação
de cada Departamento se dá essencialmente em função da sua área de concentração
de conhecimento e não a uma vinculação à área formativa do curso. Assim, muitas
vezes, os Departamentos funcionam como meros prestadores de serviço na forma
de transmissores de conhecimento, sem que haja uma participação mais efetiva no
processo de criação e consolidação do projeto pedagógico do curso. Como conse-
quência, observa-se frequentemente a disseminação de conteúdos fragmentados que
são vistos pelos alunos como um conjunto de informações desconexo e dissociado
das suas expectativas, gerando profundas dúvidas quanto à real importância na
sua formação profissional. Essa situação se manifesta mais claramente nos anos
iniciais do curso por tratar-se do período focado nos conhecimentos de caráter
básico e, não raramente, é fator preponderante na desmotivação do aluno com o
curso, levando-o, inclusive, ao seu abandono.
A experiência adquirida no processo de criação do projeto pedagógico do
curso de Biomedicina e, posteriormente, a sua coordenação nos anos de implan-
tação, foi fundamental, sob o aspecto pessoal, para o desenvolvimento de um novo
olhar sobre a realidade da docência e a consequente formação discente. Hoje é
muito clara para mim a impossibilidade do exercício pleno da docência quando
ela é desenvolvida de forma desarticulada do projeto político-pedagógico do
curso e da IES na o docente atua. Essa é uma problemática cuja responsabilidade
é compartilhada tanto por professores que não se interessam na sua própria ca-

362 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


pacitação pedagógica como pela IES que falha em conscientizar esse docente para
tal necessidade ao não implantar e desenvolver políticas institucionais em prol da
capacitação. Nas universidades públicas federais essa situação tende a agravar-se,
pois a valorização institucional do docente é voltada prioritariamente para a sua
produtividade em pesquisa e não para o ensino de graduação. Essa realidade,
voltada para a afirmação do professor pesquisador em detrimento do professor
formador, aquele envolvido igualmente nas diversas atividades docentes, tem
motivado professores a delegar aos seus estudantes de pós-graduação atividades
tanto em sala de aula como extraclasse, tais como orientação de TCC e Iniciação
Científica. Esse comportamento tem fragilizado a formação do graduando que,
dessa maneira, não tem acesso à longa experiência e aos conhecimentos do pro-
fessor e, por outro lado, tenderá a reproduzir esse comportamento quando, mais
tarde, assumir a docência.
O curso de Biomedicina não foge a essa tônica, permeado que é pelo viés da
pesquisa científica. Tem a grande maioria de seus docentes associados a grupos de
pesquisa em um cenário extremamente competitivo que predispõe o professor a
abster-se do processo formativo vinculado ao ensino de graduação, direcionando
a sua atuação preferencialmente à pós-graduação. Por outro lado, essa maior va-
lorização da pesquisa comparada com o ensino é percebida pelo aluno, levando-o
a acreditar que aprenderá mais no ambiente do laboratório de pesquisa do que
na sala de aula ou em outras atividades relacionadas à grade curricular. A própria
orientação pregressa do aluno, que optou pelo curso de Biomedicina da UFRGS
porque ambiciona atuar como pesquisador, fortalece esse comportamento.
O aluno de Biomedicina, como qualquer aluno de um curso da área da saú-
de, vê, especialmente na prática, o caminho para desenvolver suas habilidades e
competências, uma forma de estar mais perto da atividade-fim da sua profissão. A
sua falta de experiência e o desconhecimento do que é indispensável à sua forma-
ção dificulta sobremaneira o entendimento de que o embasamento da prática se
encontra na teoria e esta, fundamentalmente, nas disciplinas da matriz curricular.
Como, então, convencer o aluno de que as atividades relacionadas às disciplinas
não são menos importantes na sua formação que as práticas laboratoriais e de
campo vinculadas aos seus estágios de iniciação científica? Talvez não haja uma
forma clara e eficaz de solucionar essa situação, e o convencimento dependeria
mais do aluno acreditar no que o corpo docente lhe diz, como um ato de fé, do
que o resultado de um processo analítico-reflexivo, após o qual passa a entender

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 363


o propósito daquele conhecimento na sua formação. A atuação docente pode
ser bastante efetiva neste sentido quando consegue estabelecer, ao longo da dis-
ciplina, a relação dos conhecimentos estudados não apenas com outros já vistos
ou a serem vistos pelo aluno, mas, especialmente, com as atividades de iniciação
científica que esteja desenvolvendo, bem como com as possibilidades de prática
profissional. Assim, a disciplina torna-se fonte inspiradora para novos experimentos
e desenvolvimento de novas tecnologias ou de explicação a resultados observados
e problemas enfrentados tanto no laboratório de pesquisa como nos ambientes de
estágio profissionalizante.
Por outro lado, não devemos encarar essa “ânsia” do aluno por experiência no
laboratório de pesquisa como algo negativo. Ao contrário, a possibilidade de desen-
volver atividades em grupos de pesquisa consolidados e produtivos, como ocorre
na UFRGS, é um dos diferenciais que tem garantido o excelente desempenho dos
estudantes no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE). Hoje, a
evolução do conhecimento e, em consequência, das tecnologias utilizadas na área
da saúde é extremamente rápida. Não há como, sob o ponto de vista da atividade
profissional, o egresso atuar por um longo tempo com os conhecimentos práticos
absorvidos somente no período da graduação. A continuidade da competência
e da excelência dependerá da capacidade do egresso em manter-se atualizado
dentro de um processo contínuo de aprendizado. Para alcançar isso precisará ter
desenvolvido, durante a graduação, a habilidade de entender o mundo da ciência,
das metodologias associadas à investigação científica e, assim, entender como se
dá o desenvolvimento do conhecimento e das perspectivas que esse avanço trará
em tecnologias e intervenções na saúde humana. Não há como desenvolver esse
tipo de competência apenas no campo teórico das disciplinas; é necessário ir além,
através das experiências acumuladas em pesquisa.
Saber dosar entre as atividades da matriz curricular e aquelas de pesquisa é
um grande desafio para o aluno, pois a tendência é achar mais recompensador os
resultados oriundos do seu trabalho de investigação do que o esforço de absorver e
entender conhecimentos teóricos, muitas vezes desinteressantes ou desnecessários
na sua visão. Cabe ao docente a responsabilidade de orientar o aluno nesse processo,
demonstrando-lhe como a miríade de conhecimentos teóricos discutidos na sala
de aula se interconecta com a pesquisa, sendo não apenas o resultado desta, mas
a fonte inspiradora de novos questionamentos.

364 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Ainda, no que tange à temática do que seria indispensável ou não para a
formação do biomédico, há significativa divergência entre alunos e professores.
O principal ponto de conflito relaciona-se às disciplinas da área das exatas, mais
especificamente Matemática e Química. No entendimento do corpo discente não
há justificativa para a inserção de disciplinas de Cálculo ou Química Inorgânica
na grade curricular. Não é necessariamente óbvio visualizar a importância desses
conhecimentos na formação de um biomédico, como não é, talvez, de conteúdos
da área de humanas para um engenheiro. Ainda assim, quando se observa um
fenômeno biológico, em realidade estamos presenciando processos que são na
sua essência o resultado de interações físico-químicas e que podem ser expressas
matematicamente. Não é uma visão reducionista dos complexos processos orgâni-
cos, os quais associamos com a vida. Estamos, de fato, falando da base física desses
processos e muito do que conhecemos deles é explicado por equações matemá-
ticas. Acrescente-se aqui a importância da Matemática no desenvolvimento da
abstração e do raciocínio lógico, elementos tão importantes para o entendimento
e o aprofundamento do conhecimento. Assim, o domínio de conhecimentos de
Matemática e Química é fundamental para entendimento das áreas básicas das
Ciências Biológicas como Bioquímica, Biologia Molecular, Biofísica e Fisiologia.
Áreas do conhecimento que dão sustentação científica aos fenômenos biológicos
estudados nos cursos das áreas das Ciências Biológicas e da Saúde. Infelizmente,
mesmo argumentando com o aluno as premissas que justificam a presença desses
conteúdos na grade curricular, sou da opinião de que muito raramente o aluno de
início de curso se convence da importância das ciências exatas na sua formação;
apenas se resignam a realizar essas disciplinas por não ter outra opção. Acredito
que poucos alterem a sua opinião a esse respeito até a conclusão do curso.

6.2 A visão do professor do curso

Como professor do curso de Biomedicina, sou responsável pela disciplina de


Imunologia, área do conhecimento que poderia ser definida como intermediária
entre os conteúdos básicos e aplicados. Situa-se na quarta etapa da atual grade
curricular, portanto ao final da primeira metade do curso. A Imunologia trata de
conhecimentos complexos e é abordada com um viés forte em elementos, me-
canismos e processos moleculares e celulares. Por esse motivo, embora seja um

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 365


assunto percebido pelo aluno como muito importante na sua formação e, portanto,
de grande interesse, é de difícil entendimento e assimilação. Do meu ponto de
vista a grande dificuldade encontrada pelos alunos reside em sua capacidade de
visualizar a dinâmica do comportamento do sistema imune a partir dos conceitos
teóricos discutidos na disciplina. Não é uma situação única restrita à imunologia,
mas a tantas outras áreas do conhecimento, como Bioquímica, Biologia Molecular,
Biofísica e Fisiologia. Todas têm em comum o fato de tratarem de fenômenos em
nível microscópico, para os quais há a necessidade de uma boa dose de abstração
e “imaginação” a fim de que ocorra o seu entendimento.
Recentemente, arguidos a informar em uma escala de 1 a 10 sobre a importância
da Imunologia na sua formação profissional, os alunos no primeiro dia de aula da
disciplina responderam apontando valores que variaram entre 7 e 10, com uma
média de 8,8, indicando uma percepção de alta importância desse conhecimento
na sua formação. Por outro lado, quando questionados sobre a importância de
determinados conhecimentos da área biológica para o entendimento de imuno-
logia foi interessante observar que alguns assuntos associados com a imunologia
aplicada, tais como microbiologia, parasitologia ou patologia, são avaliados como
mais importantes do que alguns associados aos fundamentos do funcionamento
do sistema imune exemplificados por Bioquímica, Biofísica e Anatomia. Contudo,
não se pode afirmar que isso se constitui em uma regra. Ainda assim, é possível
especular que essa percepção seja influenciada por uma visão de que conteúdos
mais aplicados sejam mais importantes na formação do biomédico do que aqueles
de caráter mais básico. Em outras palavras, de que o fenômeno biológico em si
é mais importante que os mecanismos responsáveis por essa manifestação. Esse
comportamento é patente quando se observa que o aluno demonstra muito mais
interesse em discutir sobre exemplos de manifestações clínicas, que são a con-
sequência, do que sobre os mecanismos e as reações biológicas que explicam as
situações discutidas, ou seja, interessa mais o efeito do que a causa.
Esse é um tema central e preocupante no processo formativo dos estudantes
de cursos da área da saúde, sendo que os de Biomedicina não fogem à regra. O
ensino de Imunologia é um bom exemplo dessa situação. Na formação de um
biomédico a Imunologia é dividida didaticamente em um bloco de conhecimen-
tos básicos e outro de aplicados, este último também denominado de Imunologia
Clínica. O adequado entendimento desses conteúdos pressupõe que o aluno já
tenha assimilado conhecimentos de Ciências Morfológicas, Bioquímica, Biologia

366 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Molecular e Fisiologia. Nesse aspecto encontramos um dos problemas recorrentes,
a tendência de o aluno “esquecer” conteúdos vistos anteriormente. Infelizmente,
isso é consequência de um processo educativo, iniciado no ensino básico, que
estimula o indivíduo a estudar para a avaliação e não para a sua formação. Assim,
a disciplina é vista como um obstáculo a ser transposto para que se possa concluir
o curso e obter o diploma, e não uma etapa de assimilação de conhecimentos es-
pecíficos que, em conjunto com outros, darão sentido à formação desejada. Muito
disso está vinculado a uma metodologia de aprendizado baseada puramente em
um processo passivo de recepção e memorização de informações geradas pelo
professor em sala de aula ou outros meios de transmissão desses conhecimentos.
Uma vez ultrapassada a barreira da avaliação, a manutenção desses conhecimen-
tos torna-se “desnecessária” porque de fato eles não representam algo realmente
significativo na sua visão.
Muito tem se discutido na comunidade acadêmica sobre a importância da
utilização de novas tecnologias aplicadas à educação como forma de tornar o
processo ensino-aprendizado mais eficiente, a partir da estimulação de uma
participação mais ativa do aluno na sua própria educação. Assim, nos últimos
dez anos uma ampla gama de novos recursos tem sido utilizada e testada na
educação superior. O uso do quadro-negro, do projetor de transparências ou dia-
positivos foi gradualmente sendo substituído pelo computador e seus apêndices
de transmissão audiovisual, como os projetores multimídia, quadros interativos
e a internet. Desse modo, o ambiente físico e restrito da sala de aula expandiu-se
para ambientes virtuais disponíveis 24 horas por dia, todos os dias da semana, ou
seja, é onipresente. Nesse ambiente digitalizado até as redes sociais passaram a
ser palco de transmissão e discussão de assuntos relacionados a disciplinas. Essa
situação não é, certamente, uma realidade para qualquer parte do Brasil, mas se
aplica ao quotidiano do ensino na UFRGS.
A disciplina de Imunologia da Biomedicina tem acompanhado essa mudança,
tendo sido agregado às formas tradicionais de metodologias de ensino o uso de
projetor multimídia nas apresentações de aula e a utilização de plataformas na in-
ternet voltadas para a educação a distância. No caso da UFRGS são disponibilizadas
aos docentes três plataformas, duas criadas na própria universidade denominadas
ROODA e Navi e uma terceira denominada Moodle. Cada uma das plataformas
apresenta características específicas, sendo que atualmente utilizamos o sistema
Moodle na disciplina. Através dessa plataforma o aluno tem acesso às informações

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 367


da disciplina, às apresentações utilizadas em sala de aula, aos recursos bibliográ-
ficos digitalizados diversos, aos links para páginas na internet com informações
ou recursos de interesse, às atividades extraclasse programadas, etc. Sem dúvida,
a disponibilidade de uma plataforma voltada para a educação a distância facilitou
enormemente a realização de atividades com o aluno, a interatividade professor-
-aluno e aluno-aluno e o acesso do aluno à informação previamente selecionada
e certificada pelo professor. Entretanto, como não foi feita nenhuma avaliação
sistematizada quanto ao efeito do uso desses novos recursos no aprendizado do
aluno, não é possível dizer se trouxeram real ganho ao entendimento dos conheci-
mentos discutidos. Analisando de uma forma muito simplista, quando se compara
à média global obtida em cada turma ao longo de sete edições da disciplina, não
se observa uma melhora cronológica gradual entre 2005 e 2011, mas flutuações
ora para cima, ora para baixo, entre os valores 7,9 e 8,4. A boa notícia é que as
médias indicam uma razoável constância de aproveitamento global muito bom.
Embora não se tenha feito, ainda, uma validação do uso dessas novas tecnologias
no âmbito da disciplina de Imunologia, elas têm sido de grande valia ao facilitar o
acesso tanto do aluno como do professor a uma infinidade de produções, voltadas
à área de Imunologia, publicadas na internet ou em mídia digitalizada. Destacam-
-se as animações e os vídeos que, como discutido anteriormente, são importantes
ferramentas na compreensão de um assunto que trata de fenômenos microscópicos,
os quais, de outra maneira, necessitariam de um razoável nível de abstração para
serem compreendidos. Nesse sentido, a Secretaria de Educação a Distância da
UFRGS vem nos últimos 10 anos propiciando aos docentes apoio pedagógico e
instrumental para a produção de objetos de aprendizagem de diversas naturezas.
Em sintonia com essa política institucional, um grupo de professores dos setores
de imunologia e parasitologia vem desenvolvendo objetos de aprendizagem, como
animações e Role-playing Game (RPG), entre outros recursos na internet. Embora
grande parte do material produzido seja de pouca complexidade, fruto da pouca
experiência na sua produção, observa-se que o aluno vê esses objetos de apren-
dizagem como mais uma importante fonte de informação para os seus estudos.
Behrens (2010), ao investigar a formação pedagógica de professores na educação
superior quanto ao uso de tecnologias disponíveis, entre outros aspectos, sugere que:

Os recursos informacionais são ferramentas, mas não a solução para a


inovação da prática pedagógica do professor, pois ela depende da mu-
dança de visão paradigmática. Nesse contexto, mesmo os professores

368 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


que tiveram sucesso no paradigma newtoniano-cartesiano e ensinaram
a repetir e memorizar com destreza, são agora desafiados a enfrentar um
processo de mudança necessário em sua prática docente.

Novos recursos que auxiliem no processo ensino-aprendizagem devem ser


bem-vindos; contudo, não devemos assumir que por serem mais novos sejam,
necessariamente, melhores que os antigos. Sou da opinião que o velho e bom
quadro-negro não é menos eficaz que uma apresentação impecável produzida em
PowerPoint; tudo depende da dinâmica proposta pelo docente para a realização
da aula. Assim, o uso de um novo recurso no processo educativo tem que ser ade-
quadamente avaliado, devendo ser utilizado apenas quando é capaz de acrescentar
algo de novo à metodologia de ensino e não porque se tornou um modismo. Além
disso, não devemos esquecer que um modelo de ensino baseado ou dependente de
muita tecnologia pode ser fortemente excludente, pois o seu acesso ainda depende
de razoável poder aquisitivo. Considerando que um número significativo de alu-
nos ainda enfrenta dificuldades financeiras, esse é um problema a ser enfrentado
pelas universidades públicas federais especialmente em função da exigência da
implantação de cotas, fato que já ocorre na UFRGS desde o vestibular de 2008.

7 Considerações Finais

Na Biomedicina, assim como nos demais cursos da área da saúde, o corpo


docente é majoritariamente composto por egressos de cursos de bacharelado que,
salvo raríssimas exceções, não receberam formação pedagógica. Hoje, de forma
incipiente, os programas de pós-graduação têm tentado suprir essa deficiência
exigindo que os mestrandos e doutorandos realizem o estágio docência. Contudo,
essas ações não são acompanhadas normalmente de uma formação teórica na área
pedagógica e o pós-graduando, muitas vezes, não recebe supervisão adequada pelo
responsável da disciplina. Essa situação é convalidada nas universidades públicas
federais pela predominância de uma política que seleciona, para o seu quadro
docente permanente, preferencialmente doutores e que os incentiva a manter o
interesse principalmente na pesquisa e pós-graduação e não no ensino de gra-
duação. O reflexo dessa visão de ensino superior foi sentido quando estávamos
iniciando o processo de concepção do curso de Biomedicina no âmbito do ICBS.
Havia já naquela época, no início dos anos 2000, o entendimento de boa parte

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 369


da comunidade acadêmica do nosso Instituto de que necessitávamos criar novos
programas de pós-graduação em áreas ainda não contempladas como Parasitologia,
Imunologia e Farmacologia, mas não um curso de graduação. A nossa vocação
seria o pós-graduação e a pesquisa. Acreditava-se que o que a nação necessitava
era formar uma massa crítica de mestres e doutores nos diversos campos de co-
nhecimento das Ciências Biológicas e Saúde e aquelas eram áreas deficientes na
UFRGS. Não há dúvida que há essa necessidade e que ainda estamos muito longe
de atingirmos um patamar de excelência na quantidade e qualidade de mestres e
doutores. Contudo, o que essa concepção de ensino superior não percebe é que
não é possível formar pós-graduandos de excelência se a sua formação em nível
de graduação é fraca e inconsistente. Não podemos esquecer que há um elo indis-
sociável para a boa formação em educação entre o ensino básico, o de graduação e
o de pós-graduação. Uma das mais frequentes observações que ouço de docentes
diz respeito à qualidade da formação de seus alunos e como esses parâmetros vêm
decaindo ao longo dos anos. Estudos e avaliações têm sido feitos e é de domínio
público que o Brasil não tem se saído bem no aspecto educação, principalmente
na educação básica. Entre as duas correntes de pensamentos existentes, prevaleceu
a de que deveríamos criar um curso de graduação, centrado em parâmetros de
qualidade de excelência que pudesse gerar uma massa crítica de graduados extre-
mamente qualificada e apta a ingressar nos diversos programas de pós-graduação
existentes nas áreas afins ao curso de Biomedicina. Embora cercado de algum
ceticismo inicialmente, o projeto pedagógico implantado mostrou-se acertado e,
desde a primeira turma de formandos, um significativo número tem ingressado
em programas de pós-graduação em todo Brasil.
Quando colocado à prova através de avaliações externas, novamente o curso
se mostrou bem-sucedido como formador de profissionais qualificados. Em sua
primeira avaliação externa, recebeu conceito máximo por ocasião da visita de Co-
missão de Avaliação do INEP para fins de reconhecimento em 2006. Nas avaliações
realizadas nos anos de 2007 e 2010, os alunos obtiveram conceito 5 no ENADE
enquanto que o Conceito Preliminar de Curso foi respectivamente 4 e 5. Esses
resultados estão em sintonia com o que se observa para a UFRGS nas avaliações
realizadas pelo INEP. O Índice Geral de Cursos (IGC) publicado pelo Ministério
da Educação em dezembro de 2012 e referente ao triênio 2009-2011 posiciona
a UFRGS em primeiro lugar entre todas as universidades avaliadas no Brasil e a
quarta no que se refere ao componente Conceito Médio da Graduação. Esses dados

370 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


demonstram a excelente qualidade alcançada pela Instituição na formação de seus
alunos de uma forma geral. Não há dúvida de que esse excelente desempenho da
universidade como um todo tem o seu impacto no curso de Biomedicina, espe-
cialmente em função de seu alto grau de interdisciplinaridade.
Foram discutidas até aqui, neste texto, as fragilidades e qualidades que per-
meiam o cenário acadêmico da UFRGS e que têm o seu efeito no curso de Biome-
dicina. Se por um lado temos uma instituição centenária, com um corpo docente
extremamente qualificado e infraestrutura excelente para o desenvolvimento de
pesquisa, por outro lado não há políticas institucionais voltadas para a capacita-
ção pedagógica desse corpo docente, que não é estimulado a ver as atividades de
ensino na graduação como atraentes. Então, o que explica o grande sucesso do
curso desde a sua primeira avaliação externa? Acredito que o principal compo-
nente é o projeto pedagógico centrado em uma formação sólida nas áreas básicas
do conhecimento. Quando o curso foi criado, um dos assuntos mais discutidos
no meio acadêmico e profissional dizia respeito à nova concepção do Conselho
Nacional de Educação (CNE) de que os cursos da área da saúde deveriam prever
a formação de um profissional generalista. Muito criticada à época, sou da opinião
de que esta foi uma decisão acertada. Previamente a essa concepção, os cursos
de graduação eram muito engessados e, frequentemente, possuíam uma matriz
curricular direcionada a uma linha de formação específica, fato que implicava em
uma maior dificuldade ao egresso de seguir outros caminhos dentro da profissão.
Em um conceito generalista, o projeto pedagógico deve ser fundamentado em
dar uma formação sólida nas áreas básicas de conhecimento, possibilitando ao
egresso ter uma formação flexível que lhe permita mais facilmente, através de uma
educação continuada, seguir novos rumos na profissão. Entendo que o curso de
Biomedicina é um caso clássico dessa situação, pois em função das 35 habilitações
profissionais há uma impossibilidade técnica de formar os alunos em todas, em
quatro ou cinco anos de graduação.
Outro fator que reputo – o número pequeno de vagas oferecidas – tem sido
fundamental para o sucesso do curso. Embora possa ser visto como um elemento
excludente, pois limita o acesso à universidade pública, garante um nível adequado
de acompanhamento discente e, principalmente, de oferecimento de ambientes de
atividade prática como os laboratórios de aula prática, laboratórios de pesquisa e
estágios profissionalizantes, tão necessários à formação do biomédico. O resultado
dessa política, associada à procura pelo curso de aproximadamente 15 candidatos

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 371


por vaga, é de que o nível de formação dos ingressantes é muito bom. Um dado
que corrobora essa afirmação é o fato de os ingressantes do curso terem obtido,
no componente específico da prova do ENADE de 2010, média superior à média
nacional obtida por concluintes de cursos de Biomedicina. Se por um lado esse
dado reforça a posição do curso em oferecer um número pequeno de vagas anual-
mente, por outro traz preocupação quanto ao nível de formação dos ingressantes
em cursos de Biomedicina no país.

REFERÊNCIAS

BEHRENS, Marilda Aparecida. Formação pedagógica on-line: caminhos para a


qualificação da docência universitária. Em Aberto, Brasília, v. 23, n. 84, p. 47-66,
nov. 2010.
ISAIA, Silvia Maria de Aguiar. Desafios à Docência Superior: Pressupostos a Con-
siderar. In: RISTOFF, D.; SEVEGNANI, P. (Org.). Coleção Educação Superior
em Debate. Brasília: INEP, 2006. p. 63-84. v. 5, Docência na Educação Superior.
MOROSINI, Marília Costa; MOROSINI, Lúcio. Pedagogia Universitária: Entre a
Convergência e a Divergência na Busca do Alomorfismo Universitário. In: RISTO-
FF, D.; SEVEGNANI, P. (Org.). Coleção Educação Superior em Debate. Brasília:
INEP, 2006. p. 47-62. v. 5, Docência na Educação Superior.
SEIFFERT, Otilia Maria Lúcia Barbosa. Unifesp: De uma Escola Livre de Medicina
à Universidade da Saúde. In: MOROSINI, M. (Org.). A Universidade no Brasil:
concepções e modelos. 2. ed. Brasília: INEP, 2011. p. 155-169.

372 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


21 EDUCAÇÃO SUPERIOR EM SAÚDE:
UMA ANÁLISE DO ENSINO E DO ATUAL
PANORAMA CURRICULAR DAS DISCIPLINAS
DE ANATOMIA, FISIOLOGIA E BIOQUÍMICA
DOS CURSOS DE NUTRIÇÃO

Juliana de Castilhos

“[...] nada justifica que se ignore quase tudo sobre quase tudo. A tendência a afunilar a cultura
individual a um campo muito restrito reduz mais e mais o que cada um sabe, especialmente o de cada
geração subsequente. O conhecimento da massa é imenso, porém o conhecimento de cada um é muito
limitado. Por isso, cada campo restrito está sendo mais e mais reduzido, produzindo microcampos
científicos que obnubilam a visão de quem a eles se dedica e deixando, sem dúvida, muito espaço livre
para estudar outros campos da ciência e da chamada cultura. [...] Parcialmente devido a essa catástro-
fe cultural, os super-especialistas das chamadas humanidades geralmente ignoram e até desprezam o
culto à ciência. Os super-especialistas da chamada ciência, por seu lado, frequentemente também consi-
deram as humanidades como algo desprezível e irrelevante. Essas posições adotadas por uns e por ou-
tros são desastrosas para o conhecimento e, a meu ver, muito humilhantes para quem as esposa. Como
admirador da civilização grega, a mais importante de toda a História, adoto o critério helênico de que
todo o saber deve ser unificado, no que os gregos chamavam “filosofia” (isto é, afim do saber, amigo do
saber) ou no que hoje chamamos “ciência” (isto é, conhecimento, em latim). Acercando-me do fim de
minha vida, não posso deixar de apelar para os novos acadêmicos, bem mais jovens do que eu, para
que almejem tornar-se “linces”, como eram considerados os membros da primeira academia do mundo.
Que enxerguem muito longe, abrangendo um ângulo acadêmico de saber muito amplo e passando essa
atitude para seus alunos. Precisamos deixar de formar formiguinhas, treinadas para carregar pedaci-
nhos de folhas de um lugar a outro quase que cegamente, e voltar a formar linces.”
Professor Cesar Timo-Iaria (Discurso proferido na cerimônia de posse dos novos acadêmicos de
2002, Academia Brasileira de Ciências)

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 373


1 Introdução

O ensino superior em saúde, de uma maneira geral, vem sendo alvo de muitas
críticas e isso se deve ao fato do surgimento de um crescente questionamento por
parte da sociedade sobre a capacidade das instituições de ensino superior cum-
prirem as finalidades de seus currículos, que deveriam ser as de desenvolver as
potencialidades intelectuais dos estudantes, incentivar sua capacidade de análise,
julgamento, avaliação crítica e de construir a habilidade para resolver problemas.
Além disso, as falhas na formação, no desempenho e no desenvolvimento profis-
sional do professor universitário, podem comprometer a construção adequada do
conhecimento. No entanto, embora ainda exista uma formação fragmentada de
profissionais da área da saúde, voltada apenas para o desempenho técnico especí-
fico da sua área, o novo paradigma que emerge na educação é que as instituições
de ensino superior se voltem para a formação de um profissional com uma ampla
visão da realidade, técnica e cientificamente.

2 O novo paradigma do ensino

Nas últimas décadas, tem sido notável o crescimento do processo de globali-


zação, principalmente no que diz respeito à forma como as pessoas interagem e se
inter-relacionam com o mundo. Em decorrência de novas e importantes descobertas
científicas que surgiram durante o século XX, surgiu uma nova visão de mundo
muito mais ampla e com profundas implicações sobre o processo da construção
de conhecimento. Passamos a olhar os indivíduos como seres multidimensionais,
em que não apenas os cinco sentidos participam do processo de geração do co-
nhecimento, mas a intuição, as experiências e os sentimentos também fazem parte
ativamente desse processo. Segundo Capra (1996, p. 16),

O novo paradigma pode ser chamado de uma visão de mundo holística,


que concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção
de partes dissociadas. Pode também ser denominado visão ecológica, se o
termo “ecológica” for empregado num sentido muito mais amplo e mais
profundo que o usual. A percepção ecológica profunda reconhece a interde-
pendência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto
indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos
da natureza (e, em última análise, somos dependentes desses processos).

374 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Diferentemente do paradigma tradicional, que se baseava no conhecimento
objetivo obtido pela experimentação e na observação controlada, o novo paradigma
atual, que podemos denominar paradigma da complexidade, busca a criação de
um pensamento mais crítico, amplo e abrangente, em que cada ser humano passa a
perceber-se como uma parte do todo. A antiga visão, estabelecida pelo paradigma
cartesiano-newtoniano, em que o homem era um ser separado da natureza, já não
se sustenta mais. Portanto, cresce a necessidade de compreender o mundo como
um todo indiviso e em constante movimento, no qual a existência de interconexões,
inter-relações, teias, movimentos e fluxo de energia, em redes interconectadas e
em constante processo de mudança e de transformação entre sujeitos e objetos,
facilita e promove a abertura a novos diálogos.
Analisando esse cenário atual, percebe-se a necessidade de novas estratégias
curriculares e pedagógicas que enfoquem o desenvolvimento de processos participa-
tivos na construção do saber. De acordo com Moraes (1997, p. 15), “reconhecemos
a importância de se focalizar e valorizar mais o processo de aprendizagem do que
a instrução e transmissão de conteúdos, lembrando que hoje é mais relevante o
como você sabe do que o que e o quanto você sabe”.
Em relatório encaminhado à UNESCO, a Comissão Internacional de Estudos
sobre a Educação para o século XXI afirma que a educação ao longo da vida se
baseia em quatro pilares: 1) Aprender a conhecer, ou seja, aprender a aprender,
adquirindo cultura geral ampla e domínio aprofundado de um reduzido número
de assuntos, mostrando a necessidade de educação contínua e permanente; 2)
Aprender a fazer, oferecendo-se oportunidades de desenvolvimento de compe-
tências amplas para enfrentar o mundo do trabalho; 3) Aprender a conviver, ou
seja, compreender o outro e perceber as suas relações de interdependência; e, 4)
Aprender a ser, criando-se condições que favoreçam ao indivíduo adquirir auto-
nomia, discernimento e responsabilidade pessoal. Diante disso, o aprendiz, antes
um mero receptor passivo, passa a ser um indivíduo reflexivo, que constrói seu
conhecimento através de observações, análises, hipóteses e estratégias, tornando-se
sujeito participativo do seu próprio processo de aprendizagem.
A compreensão desse paradigma construtivista, que nos leva a entender que
o conhecimento está sempre em processo de transformação e que se modifica
mediante as interações dos indivíduos com o mundo, pode provocar profundas
mudanças em termos de nossas percepções e valores, pois o conhecimento deixa
de ser visto em uma perspectiva estática e passa a ser enfocado como estando em

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 375


processo de “vir a ser”. Infelizmente, embora seja bastante perceptível o quanto
o mundo e a educação estão se transformando, a maioria dos professores ainda
insiste na antiga maneira como foram ensinados, passando adiante a metodologia
cartesiana e mecanicista, separando o aprendiz do seu próprio processo de cons-
trução de conhecimento, cultivando um modelo de sociedade que produz seres
sem competência, incapazes de criar, pensar e construir conhecimento.
Desde o final do século passado, amplas discussões têm surgido em torno
dessa nova Educação Transformadora, que deve ser feita em profunda interação
educador-educando e, sobretudo, voltada para a produção de novos conheci-
mentos a partir das habilidades aprendidas. Para tanto, é preciso induzir o aluno
a desenvolver a investigação, a reflexão crítica e a curiosidade científica, dentro
de sua realidade, tendo o professor a responsabilidade de articular adequadas
metodologias de ensino capazes de estimular a criatividade dos alunos. Nesse
sentido, a mera transmissão de conhecimentos e a aprendizagem mecânica, que
fora até então exaustivamente empregada, é superada, cedendo lugar à valorização
da construção de competências e saberes (ser, fazer, aprender e conviver) para o
alcance de uma educação de qualidade, em que já não é mais suficiente que os
conteúdos de ensino sejam apenas “ensinados”, sendo necessário uni-los de forma
indissociável à sua significação humana e à realidade social concreta.
A palavra competência é quase sempre relacionada com o saber, o conheci-
mento e a ação de qualidade e foi um termo inicialmente incorporado pelo mundo
do trabalho. Hoje em dia, o termo vem sendo cada vez mais utilizado também
no campo educacional. Conforme Tanguy (1997), competência é o conjunto de
conhecimentos, qualidades, capacidades e aptidões que habilitam o sujeito para
a discussão, a consulta, a decisão de tudo o que concerne a um ofício, supondo
conhecimentos teóricos fundamentados, acompanhados das qualidades e da
capacidade que permitem executar as decisões sugeridas. A educação do século
XXI preconiza a necessidade de que todos os profissionais de saúde sejam dotados
de competências (conhecimentos e atitudes), possibilitando a sua participação e
atuação multiprofissional, beneficiando os indivíduos e a comunidade.

Para desenvolver competências é preciso, antes de tudo, trabalhar por


problemas e projetos, propor tarefas complexas e desafios que incitem os
alunos a mobilizar seus conhecimentos e, em certa medida, completá-los.
Isso pressupõe uma pedagogia ativa, cooperativa [...]. Os professores
devem parar de pensar que dar aulas é o cerne da profissão. Ensinar,

376 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


hoje, deveria consistir em conceber, encaixar e regular situações de
aprendizagem seguindo os princípios pedagógicos ativos e construtivistas
(PERRENOUD, 2000).

O atual paradigma de ensino implica em intensas modificações na formação de


professores, o que consequentemente leva a um novo redimensionamento do seu
papel dentro da universidade. Neste novo modelo de formação de professores, é
muito importante que o professor tenha uma visão de todo o processo da educação,
considerando sempre a continuidade que se estabelece a partir da construção de
qualquer saber. Sendo assim, é incontestável que a inovação pedagógica necessária
para o estabelecimento desse novo paradigma requer profundas mudanças na nossa
maneira de pensar e agir, o que se torna muito difícil, principalmente para os pro-
fissionais da área da educação, quando se leva em consideração a maneira ortodoxa
como fomos formados. Ao invés de perpetuarmos a nossa perspectiva behaviorista,
em que a aprendizagem é um comportamento observável, adquirido de forma mecâ-
nica e automática através de estímulos e respostas, devemos criar uma nova situação
educacional que tenha em sua base a construção do conhecimento realizada pelo
próprio indivíduo, através de uma pedagogia ativa, dinâmica, adaptável às demandas
do mundo do trabalho, apoiada na descoberta, na investigação e no diálogo.

3 O ensino superior em saúde: Curso de Nutrição

A formação em Nutrição no Brasil é relativamente recente. O primeiro curso


de Nutrição no país surgiu na década de 30, no período do governo de Getúlio
Vargas, em 1939, em São Paulo, na Faculdade de Saúde Pública, por iniciativa do
médico Geraldo de Paulo Souza, na Universidade de São Paulo. Durante a década
de 40, a região Sudeste concentrava a oferta de cursos, sendo 1 em São Paulo e 3
no Rio de Janeiro. Os primeiros cursos na região Nordeste surgem na década de
50, sendo 1 na Bahia e 1 em Pernambuco. Até o ano de 1964, os Cursos de Nutri-
ção tinham a duração de 1 ano, em tempo integral. Nesse mesmo ano, a Portaria
nº 514/64/MEC fixou o primeiro currículo mínimo de matérias e determinou a
duração mínima de 3 anos para todos os cursos do país, através do Parecer CFE nº
265/62. O curso de Nutrição foi reconhecido como de nível superior pelo Conselho
Federal de Educação – CFE, pelo Parecer nº 265 DOU de 5/11/62, Documento nº 10
(Processo nº 42.620/54). No Brasil, a regulamentação da profissão de nutricionista

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 377


ocorreu em 24 de abril de 1967, quando foi sancionada pelo então Presidente da
República, General Artur da Costa e Silva, a Lei n° 5.276, de 24 de abril de 1967,
que dispõe sobre a profissão de nutricionista e regula o seu exercício.
A partir da década de 70 é que tem início a expansão dos cursos em quase todas
as regiões do país, sendo criados mais 21 novos cursos. Esse aumento na década de
70 foi devido ao explosivo aumento de vagas no ensino superior no país, a partir
da Reforma Universitária instituída pela Lei nº 5.540 de 1968. Coincide também
com a criação do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição – INAN em 1972,
no qual uma das linhas de ação incentivava a formação de recursos humanos
para desenvolvimento dos seus programas e projetos, promovendo e apoiando a
formação de cursos de Nutrição no país. A partir daí, observa-se a implantação
de cursos de Nutrição em quase todas as regiões (7 na região Sudeste; 5 na região
Sul; 5 na região Nordeste; 3 na região Centro-Oeste; e 2 na região Norte).
Na década de 80 foram criados apenas 12 novos cursos, em virtude do Decreto
nº 86.000 de 13/5/1981, que dispõe sobre a suspensão temporária de criação de
novos cursos de graduação e dá outras providências. Nessa mesma década, o Con-
selho Federal de Educação, através do Parecer nº 185/83, aprovado em 8/4/1983,
aprova a mudança de nomenclatura, passando do Curso de Nutricionistas para
Curso de Nutrição, atendendo ao Relatório “Diagnóstico Nacional dos Cursos de
Nutrição”, discutido e aprovado no Seminário Nacional de Avaliação do Ensino
de Nutrição, realizado em Brasília, em agosto de 1982, sob a responsabilidade da
FEBRAN e apoio do INAN.
Na década de 90, surgem mais 5 cursos novos até 1996, ano da promulgação
da Lei nº 9.394 de 20/12/1996 – Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Na-
cional. Em 1991 é aprovada a Lei nº 8.234/91 de 17/9/1991 (DOU de 19/9/1991)
que regulamenta o exercício profissional do Nutricionista e dá outras providências,
ficando revogada a Lei nº 5.276/67.
Estando em vigor a nova LDB, partir de janeiro de 1997 a agosto de 2009,
surgiram mais 346 novos Cursos de Nutrição, além dos 45 já existentes, sendo 67
públicos – federal, estadual ou municipal – e 324 privados. Essa expansão dos
cursos de Nutrição pós-LDB deu-se em todas as regiões e caracterizou um processo
de interiorização, ou seja, aumento no número de cursos em cidades do interior,
sobretudo a partir de 2003.
Em 2005, a Resolução CFN nº 380, estabeleceu as áreas de atuação do nu-
tricionista, que são: 1) Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN): alimentação

378 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


escolar e alimentação do trabalhador; 2) Nutrição Clínica: hospitais, clínicas em
geral, clínicas em hemodiálises, instituições de longa permanência para idosos
e spa; ambulatórios; banco de leite humano (BLH); lactários/centrais de terapia
nutricional; atendimento domiciliar; 3) Saúde Coletiva: políticas e programas
institucionais; atenção básica em saúde; vigilância em saúde; 4) Docência: ensino,
pesquisa e extensão (graduação e pós-graduação) e coordenação de cursos; 5)
Indústria de Alimentos: desenvolvimento de produtos; 6) Nutrição em Esportes:
clubes esportivos; academias e similares; e, 7) Marketing de Alimentos e Nutrição.
Em abril de 2009, a Resolução n° 4 do Conselho Nacional de Educação, dispôs
sobre carga horária mínima e procedimentos relativos à integralização e duração
de vários cursos de área da saúde, sendo estabelecida uma carga mínima de 3.200
horas para o curso de Nutrição. Desde 2008, o Conselho Federal de Nutricionistas
vem apresentando recursos para contestar o a resolução da Câmara de Educação
Superior do Conselho Nacional de Educação, defendendo o aumento da carga
horária mínima para 4 mil horas, tendo como principal argumento que a redução
de carga horária que se configura hoje implicará na queda da qualidade da for-
mação profissional, prejudicando a incorporação de competências e habilidades
necessárias ao exercício da profissão.
De acordo com o Ministério da Educação, até 2012, os Cursos de Nutrição,
em atividade, totalizam 391 em todo o país.
A homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), em 2001,
contribuiu para impulsionar mudanças no ensino em saúde, incluindo-se um
perfil do ensino de Nutrição, aliado à noção de equipe de saúde, demonstrando
a preocupação com a consolidação, em leis e decretos, das mudanças necessárias
nas ações e na formação de trabalhadores para este setor. De acordo com o Artigo
3°, parágrafo I das DCN (2001, p. 1),

O Curso de Graduação em Nutrição tem como perfil do formando egres-


so/profissional o profissional nutricionista, com formação generalista,
humanista e crítica, capacitado a atuar, visando à segurança alimentar e à
atenção dietética, em todas as áreas do conhecimento em que alimentação
e nutrição se apresentem fundamentais para a promoção, manutenção
e recuperação da saúde e para a prevenção de doenças de indivíduos
ou grupos populacionais, contribuindo para a melhoria da qualidade
de vida, pautado em princípios éticos, com reflexão sobre a realidade
econômica, política, social e cultural.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 379


Além disso, o Artigo 6º das DCN prevê que os conteúdos essenciais para o
Curso de Graduação em Nutrição devem estar relacionados com todo o processo
saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrado à realidade epi-
demiológica e profissional, proporcionando a integralidade das ações do cuidar em
nutrição. Dentro desse contexto, na formação inicial desses profissionais, os conteú-
dos abordados devem contemplar as Ciências Biológicas e da Saúde (incluindo os
conteúdos teóricos e práticos de base molecular e celular dos processos normais e
alterados, da estrutura e função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos); as Ciên-
cias Sociais, Humanas e Econômicas (incluindo a compreensão dos determinantes
sociais, culturais, econômicos, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e
legais, a comunicação nos níveis individual e coletivo, do processo saúde-doença);
as Ciências da Alimentação e Nutrição (incluindo, dentre outros, o conhecimento
dos processos fisiológicos e nutricionais dos seres humanos – gestação, nascimento,
crescimento e desenvolvimento, envelhecimento, atividades físicas e desportivas,
relacionando o meio econômico, social e ambiental); e as Ciências dos Alimentos
(incluindo os conteúdos sobre a composição, propriedades e transformações dos
alimentos, higiene, vigilância sanitária e controle de qualidade dos alimentos).
Nesse processo de aprendizado, o aluno do curso de Nutrição deve sempre buscar a
construção de uma sociedade mais justa e igualitária, aperfeiçoando o conhecimento
em nutrição para melhorar a qualidade de vida para si e para seus semelhantes.
As DCN trazem, também, novos papéis e contextualizam novos cenários de
ensino, no que diz respeito tanto aos docentes universitários quanto à estrutura
curricular. O artigo 9° das DCN esclarece que o Curso de Graduação em Nutrição
deve ter um projeto pedagógico construído coletivamente, centrado no aluno
como sujeito da aprendizagem e apoiado no professor como facilitador e mediador
do processo ensino-aprendizagem, buscando a formação integral e adequada do
estudante por meio de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/
assistência. E ainda, conforme o Artigo 14°, parágrafo I das DCN (2001, p. 5),

A estrutura do Curso de Graduação em Nutrição deverá assegurar a ar-


ticulação entre o ensino, pesquisa e extensão/assistência, garantindo um
ensino crítico, reflexivo e criativo, que leve à construção do perfil almejado,
estimulando a realização de experimentos e/ou de projetos de pesquisa;
socializando o conhecimento produzido, levando em conta a evolução
epistemológica dos modelos explicativos do processo saúde-doença.

380 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Contudo, um primeiro fator a ser considerado quando se discute as lacunas
que existem na formação inicial básica de qualquer profissional da área da Saúde,
é que a maior parte dos cursos de Graduação das universidades públicas, mas
principalmente das universidades particulares, e, especificamente, do Curso de
Nutrição, vêm reduzindo significativamente o número de horas-aula dedicado às
disciplinas que compõem o início do curso, ou seja, das disciplinas consideradas
básicas para o início da formação de um profissional da área da Saúde. Isso pode
ser claramente percebido quando observamos a redução da carga horária de dis-
ciplinas como Anatomia, Fisiologia e Bioquímica, quando se compara o currículo
de um curso de Nutrição ou Enfermagem ao currículo de um curso de Medicina,
por exemplo. O estudo de Anatomia, Fisiologia e Bioquímica se faz imprescindível
para o conhecimento e a compreensão do corpo humano como um todo. A im-
portância de se entender a interação e o funcionamento de todas suas estruturas
e seus órgãos ou partes e que fazem dele um ser vivo, é um meio essencial para
promover a vida e a cura dos males, intenção primária no ato de cuidar, tanto na
atuação do profissional médico, enfermeiro ou nutricionista. Sobre o ensino de
Fisiologia no curso de Nutrição,

A visão dinâmica baseada na Ciência, necessária para compreender a


Nutrição moderna, exige uma fundamentação sólida em Fisiologia. A
Nutrição inclui em si mesma a ideia fisiológica, porque o próprio estado
nutricional é consequência do estabelecimento de uma condição fisio-
lógica promovida especificamente pela ação do alimento no organismo.
Desse modo, pretender desvincular a Fisiologia da Nutrição seria uma
aberração científica e normativa (DOUGLAS, 2006).

Ao mencionar especificamente o Curso de Nutrição, creio que não existe a


possibilidade do entendimento da Ciência da Nutrição sem o conhecimento pré-
vio dessas disciplinas, pois é inconcebível a recomendação de um determinado
nutriente para um paciente sem saber precisamente de que é formado e como
funciona o organismo, seus mecanismos moleculares e seus fluxos metabólicos.
Para contemplar todos os conteúdos relacionados à Anatomia, à Fisiologia e à
Bioquímica, já que são disciplinas que detêm um conteúdo extenso e complexo, e
oferecer ao aluno uma base sólida de conhecimento sobre o funcionamento básico
do corpo humano, seria necessário um mínimo de 60h para Anatomia, 150h para
Fisiologia (Básica e Especial) e 150h para Bioquímica (Básica e Especial), conforme
preconiza o Conselho Federal de Nutricionistas e de acordo com recurso apresen-

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 381


tado por esse ao Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação, em 19 de
novembro de 2008. A Tabela 1 apresenta as cargas horárias totais (CH total) dessas
disciplinas oferecidas atualmente aos alunos do curso de Nutrição nas Instituições
de Ensino Superior (IES) do Estado do Rio Grande do Sul. As IES que oferecem
o curso de Nutrição no Estado totalizam 23 instituições.
Se pensarmos, então, que Anatomia, Fisiologia e Bioquímica são a base de
conhecimento para todos os estudantes das Ciências da Saúde (Medicina, Odon-
tologia, Nutrição, Enfermagem, Fisioterapia, Psicologia, Farmácia, Educação
Física, Biomedicina, dentre outros) e que acompanham o aluno universitário
desde o primeiro ano até a plena formação acadêmica, torna-se de fundamental
importância refletir a respeito da mudança de carga horária e a aproximação de
metodologias de ensino adequadas, que atendam às necessidades dos estudantes
que vão atuar em um mundo de transformações complexas e, o mais importante,
que considerem o ser humano do ponto de vista integral.
Tabela 1 – Carga horária total das disciplinas de Anatomia, Fisiologia e Bioquímica dos cur-
sos de Nutrição do Estado do Rio Grande do Sul

Instituição de Ensino Superior (IES) Disciplinas


Anatomia Fisiologia Bioquímica*
CH total CH total CH total
UNIFRA (Centro Universitário Franciscano) 102 153 102
UNILASALLE (Centro Universitário La Salle) 60 60 120
IPA (Centro Universitário Metodista) 72 180 108
UniRitter (Centro Universitário Ritter dos Reis) 57 152 152
UNIVATES (Centro Universitário UNIVATES) 60 120 120
FACEBG (Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves) 80 160 80
FSG (Faculdade da Serra Gaúcha) 72 72 144
Faculdade Fátima (Faculdade Nossa Senhora de 72** 72** 72
Fátima)
UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde 90 120 120
de Porto Alegre)
UNIPAMPA (Universidade Federal do Pampa) 60 90 120
PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Gran- 60 90 120
de do Sul)
URCAMP (Universidade da Região da Campanha) 72 126 198
UCS (Universidade de Caxias do Sul) 60 120 150
UNICRUZ (Universidade de Cruz Alta) 60 90 90
UPF (Universidade de Passo Fundo) 60 120 120

382 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


UNISC (Universidade de Santa Cruz do Sul) 60 60 60

UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) 60 120 120


UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) 75 90 60
UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) 60 105 180
Universidade FEEVALE 50 50 100
UNIJUÍ (Universidade Regional do Nordeste do Estado 90 120 120
do Rio Grande do Sul)
URI (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai 90 60 150
e das Missões)
* As disciplinas de Química não contam na carga horária.
** Anatomofisiologia Humana I e Anatomofisiologia Humana II
Fonte: Elaborado pelo autor.

A Anatomia é o ramo da Biologia no qual se estuda a estrutura e organiza-


ção dos seres vivos, tanto externa quanto internamente, sendo considerada uma
disciplina essencial para a formação dos profissionais da área da saúde. Como a
Anatomia é uma disciplina oferecida logo no início da graduação, ela representa
um grande desafio para seu estudo e compreensão, pois os alunos devem apreender
uma grande quantidade de nomes e de informações. Tradicionalmente, a anato-
mia humana é estudada de três maneiras distintas: textos, atlas e cadáveres. Aulas
práticas com uso de peças anatômicas manipuláveis são fundamentais ao ensino e
à aprendizagem, porém apresentam grandes problemas no que se refere à adequada
conservação e ao local de acondicionamento, além de serem de difícil obtenção.
Além disso, geralmente a quantidade de cadáveres disponíveis é numericamente
insuficiente se for considerada a real necessidade do corpo discente das universi-
dades. Ademais, outra maneira de se estudar anatomia é a utilização de materiais
como software 3D, porém, as inovações tecnológicas, como o uso de multimídia,
não devem excluir a prática com cadáveres. Portanto, algumas mudanças signifi-
cativas precisariam ser viabilizadas, como a disponibilidade de peças cadavéricas
em melhor estado de conservação, a associação de peças anatômicas com uso de
bonecos, dentre outros.
A Fisiologia busca explicar as características e os mecanismos específicos de
funcionamento do corpo que fazem dele um ser vivo complexo. Portanto, é uma
disciplina tradicional dos cursos da área da Saúde, básica para a formação de todo
profissional da saúde. O processo de ensino-aprendizagem dessa ciência básica pode
ser conduzido por métodos tradicionais e não tradicionais. Os métodos tradicionais
incluem aulas expositivas, grupos de discussão e ensino individual, sendo todos
EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 383
controlados pelo professor. Por outro lado, os métodos não tradicionais inserem o
professor como facilitador e, entre eles, estão os jogos, a simulação, a dramatização,
a atividade de autoinstrução, a instrução assistida pelo computador e a educação
à distância. Outra maneira essencial para o ensino de Fisiologia é a realização de
aulas práticas utilizando-se cobaias de laboratório, pois é possível simular reações
fisiológicas e/ou patológicas semelhantes às humanas. A utilização de animais de
experimentação, tanto na investigação quanto no ensino, acompanha a história da
Ciência, porém essa prática tem sido progressivamente abandonada, em função de
dificuldades inerentes à manutenção de laboratórios e do rigor ético sobre o uso de
animais e os cuidados necessários para a condução adequada destas atividades. A
lacuna resultante desse abandono pode ser parcialmente preenchida por modelos
e simuladores mecânicos, filmes e vídeos interativos, simulação computadorizada
e realidade virtual, que já são alternativas disponíveis no mercado para auxiliar
professores em aulas práticas de Fisiologia.
A Bioquímica é a ciência que estuda os processos químicos que ocorrem nos
organismos vivos. De maneira geral, ela consiste do estudo da estrutura e função
metabólica de componentes celulares e virais, como proteínas (proteômica), enzi-
mas (enzimologia), carboidratos, lipídios, ácidos nucleicos (biologia molecular),
entre outros. A disciplina de Bioquímica é de fundamental importância a todos
os cursos da área de saúde e um indicativo disso é sua aplicação nos mais diversos
campos de atuação profissional, como na indústria farmacêutica, médica, agrícola,
alimentícia, cosmética e até tecnológica. Sabe-se que o estudo da Bioquímica é
apenas uma das etapas na formação de um profissional de saúde qualificado e,
sendo uma ciência com alta dificuldade de compreensão e desinteresse por boa
parte dos discentes dos diferentes cursos de saúde, muitas estratégias têm sido
propostas para melhorar o ensino dessa disciplina. Alguns autores sugerem associar
o conhecimento de Bioquímica com o ensino, a pesquisa e a extensão como uma
alternativa para provocar discussões contextualizadas, por meio dos resultados
obtidos em aulas práticas e motivar os alunos, introduzindo-os ao ciclo profissio-
nalizante. Portanto, a estratégia de ensino de uma matéria tão complexa deve ser
elaborada de maneira dinâmica, a ponto de instigar os alunos a pensar por que e
como funciona determinada reação, molécula e mecanismo em vez de simplesmente
decorá-los. Existem várias formas de se alcançar isso, como o aprendizado baseado
em problemas, onde se destaca o uso de um contexto clínico (análise de casos), a
revisão de artigos científicos, a manipulação de vídeos interativos, entre outros.

384 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Além disso, existem outros aspectos que podem prejudicar o ensino dessas
disciplinas do ciclo básico e, consequentemente, podem comprometer a adequada
formação do profissional. Um desses problemas, como mencionado, refere-se à
prática docente, em que mesmo os professores titulados com mestrado ou douto-
rado podem não possuir competências suficientes como educadores. Existe uma
constatação de que praticamente não existe preparo pedagógico para os professores
universitários, o que leva a uma deficiência no domínio da área educacional. Além
disso, ainda existe uma grande resistência dos professores em aceitar mudanças em
suas atividades docentes, que perpetuam metodologias de ensino centradas em aulas
expositivas, com predomínio do cumprimento de um programa preestabelecido.
Contribui para esse fato o próprio desenvolvimento do conhecimento científico
específico de cada profissão, que tem se tornado cada vez mais especializado e
fragmentado e, portanto, leva-se tempo para inovar pedagogicamente. Conforme
afirma Moraes (1997, p. 18),

O professor, para assimilar os novos conhecimentos implícitos na nova


abordagem, requer tempo para poder comparar, estabelecer conexões,
compreender diferenças e integrar conhecimentos. É um tempo para
assimilação e para acomodação de novas teorias em suas estruturas
cognitivas/emocionais e para a emergência de novas práticas consoantes
com estas novas teorias.

Outrossim, é necessário o entendimento que ainda existem inúmeras lacunas


durante a formação inicial dos cursos da área da Saúde, como a organização fechada
dos currículos, com disciplinas conteudísticas, que apenas dão ênfase a conteúdos
técnicos e pouca abertura para outras áreas do conhecimento; os critérios de pro-
gressão na carreira dos professores, que têm se fundamentado mais na produção
científica do que no exercício da docência; a inexistência da formação continuada
de professores; as avaliações por meio de provas e outros métodos tradicionais,
que não privilegiam a capacidade crítica e de raciocínio do aluno, entre outras.
Portanto, no processo de ensinar e de aprender, cabe ao professor o papel
central, visto que é ele que mobiliza e produz saberes durante o exercício de sua
profissão. Em vez de enfatizar conteúdos, resultados, noções e conceitos a serem
memorizados e repetidos, existe a necessidade de se criar uma metodologia vol-
tada para a melhoria da qualidade do processo de aprendizagem, que valoriza a
metodologia de pesquisa e os trabalhos em grupo. Para tanto, o professor deve ter

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 385


a habilidade de adequar-se metodologicamente, vendo o ensino não de forma pu-
ramente técnica, mas como uma ferramenta em constante processo de construção,
direcionando o aluno a aprender a aprender, a aprender a pensar. Isto significa
preparar o indivíduo para aprender a investigar, trabalhar em grupo, dominar dife-
rentes formas de acesso às informações, desenvolver capacidade crítica de avaliar,
agrupar, formar e organizar informações mais relevantes. Por fim, é imperativo
que o professor estimule a capacidade crítica dos alunos e que eles se habituem a
elaborar pensamentos estruturados, técnica e cientificamente, para enfrentar os
desafios cotidianos da carreira profissional.

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22 A PRODUÇÃO DO CUIDADO À SAÚDE
SOB A PERSPECTIVA DA INTEGRALIDADE
PELO VIÉS DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Paulo Fábio Pereira

“Fui ficando só, sem cuidados.


Todos os que cuidavam tomavam outros rumos e,
Com eles, foi-se o caminho de que vivia.
De novo voltam a preocupar-se comigo
Não por cuidado, mas por medo.
Porque me tornei um incômodo.
A criança que fui chora na estrada.
Deixei – a ali quando vim ser quem sou...
Quero ir buscar quem fui, onde ficou.
Quero poder imaginar a vida como ela nunca foi,
E assim vivê-la vivida e perdida,
Num sonho que nem dói.”
(Fernando Pessoa)

1 Introdução

Neste ensaio, produzido a partir de reflexões de alguns elementos presentes


em meu dia a dia de enfermeiro e professor de um curso superior de enfermagem,
busco, com apoio no referencial teórico, refletir acerca do cuidado em saúde hoje,
que até a promulgação da Constituição de 1988 e a criação do Sistema Único de

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 395


Saúde (SUS), foi uma prática excludente, dado que a matriz conceitual das signifi-
cações de saúde e de doença foi hegemonicamente a biologia, prevalecendo muitas
desigualdades e injustiças sociais nas suas formas de acesso. É possível afirmar que
o SUS é um claro divisor de águas, qualificando muito a saúde no país.
Entretanto, muito ainda precisa ser feito, pois vários são os desafios preva-
lentes hoje. Paradoxalmente, frente às rupturas epistemológicas e paradigmáticas
operadas pelo novo sistema de saúde, parafraseando Fernando Pessoa, verificamos,
no dia a dia das práticas de cuidados, seu esvaziamento de sentido; o ser humano
aumenta quantitativamente no planeta e, contraditoriamente, sente-se cada vez
mais isolado e solitário, fazendo multiplicar de forma exponencial as estatísticas
dos transtornos da ordem do “psi”. Isso reflete um fenômeno de grande amplitude,
que perpassa toda a organização social, cultural e política dos grupos humanos
hoje, refletindo inclusive na organização dos serviços de saúde, que além de romper
com tal desestruturação cultural, deve oferecer estratégias consistentes frente às
novas formas de sofrimentos percebidas hoje.
Com base nessa realidade, procuro apontar fontes de crises, em nível de produ-
ção do cuidado e de formação profissional, em especial na enfermagem, na busca de
tensionar alguns elementos que possam produzir uma aproximação ética e pragmática
entre a formação e a vivência profissional, bem como o acolhimento dos usuários
dos serviços de saúde com referência nos pressupostos da cidadania, centrada no
eixo das relações entre os sujeitos, para produzir um sistema público de saúde cada
vez mais sólido, garantindo, assim, a manutenção das conquistas já alcançadas.

2 A tessitura dos espaços de cuidado à saúde

O século XXI traz em seu bojo avanços tecnológicos de toda ordem. Na saúde
é possível citar como exemplos o desenvolvimento da nanotecnologia, medicamen-
tos muito sofisticados, transplantes complexos, manipulação genética, clonagem,
métodos de diagnóstico de última geração, hospitais de ponta, equipamentos e
insumos hospitalares para manter a vida. Esses avanços possibilitam aos trabalha-
dores da saúde aquilo que Foucault (1997) chama de “olhar armado”, para encontrar
e solucionar problemas de saúde de ordem orgânico-biológica de forma rápida e
eficaz. Porém, o que penso ser a maior conquista e que quero destacar, refere-se,
sobretudo, às frondosas alterações e conquistas no campo social, que ampliaram a

396 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


democracia e o acesso às riquezas produzidas no país, incluindo-se a ampliação do
acesso aos recursos do serviço de saúde. No entanto, todas essas conquistas ainda
não possuem distribuição e acesso paritativo quando conjugadas as desigualdades
regionais, geográficas e sociais prevalentes no país.
O SUS deve ser lido no plural, devido às disparidades regionais na sua estru-
turação e também devido algumas áreas de cobertura ainda bastante deficitárias.
Contudo, seguramente, mostra-se como um dos melhores sistemas de saúde do
mundo, mas, mesmo assim, ainda não deu plenamente certo.
Com frequência, deparo-me com situações em que as pessoas perdem suas
vidas por causas banais e que poderiam ter sido evitadas, em locais com tecno-
logias de todas as ordens – tornando esses casos inaceitáveis, se considerados
todos os recursos disponíveis para cuidar da vida humana. Causa perplexidade
o fato, por exemplo, de que pessoas, após procurar um serviço de saúde, com
sintomas clássicos e claros de infarto agudo do miocárdio ou apêndice supurado,
sejam atendidas, medicadas para dor e enviadas para casa, para que caminhem
ao destino anunciado de sua patologia. Assim como essas, existem muitas outras
formas banais que acabam levando à morte, em pleno século XXI, dentro de uma
instituição de saúde – esse foi apenas um exemplo ilustrativo.
No exemplo mencionado, refiro-me a uma pessoa que teve acesso ao serviço
de saúde, com uma patologia grave, porém de fácil diagnóstico e de tratamento
com ótimo prognóstico, no entanto, algo falhou. Creio que o principal fator, hoje,
que impede a efetivação do serviço de saúde com suas potencialidades inscrevem-
-se no campo das relações interpessoais, vínculo, empatia, corresponsabilização,
sensibilidade às necessidades e sofrimento, que profissionais de saúde e gestores
estabelecem com usuários. Esse cenário encaminha a investigar os processos de
formação dos agentes sociais aí implicados, para fazer inteligíveis os elementos
que, infelizmente, ainda tem custado muitas vidas.
A produção dos discursos emergentes em relação às orientações sobre a pro-
dução do cuidado em saúde e a formação de profissionais nessa área inscrevem-se,
em sua maior parte, nas bases teóricas e filosóficas do movimento pós-moderno.
Neste movimento, os sujeitos sociais constituem-se basicamente respaldados pela
ética da desconstrução, procurando romper com uma visão orientada por um
determinismo implacável e/ou inelutável, desestabilizando a base sólida e linear
do período intelectual denominado modernidade, pelo qual o conhecimento é
produzido e aplicado de forma objetiva, instalando no seio da comunidade cien-

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 397


tífica um período de crise teórica e espaços lacônicos, dadas as incompatibilidades
tensionadas e as rupturas estabelecidas entre esses dois paradigmas.
O pensamento ocidental moderno, derivado da Revolução Francesa e de seu
movimento iluminista, como sabido, deu origem a concepções empiristas positivistas
acerca da razão, da verdade, do conhecimento, etc. – instalando uma proposta de
estabelecimento de igualdade e justiça no plano social e cultural que não foram
possíveis de ser implantados a todos de forma democrática, operando, justamente
o contrário, que foi a acentuação das desigualdades sociais, construindo conceitos,
aqui, para fins didáticos, tratados como pertencentes a “vertente tradicional e hege-
mônica”, que hoje, interpretados como totalitários, são refutados e reconstruídos.
Essa desestabilização ontológica e paradigmática traz consigo grandes ques-
tionamentos que reverberam no campo social, político, cultural, econômico, e,
sobretudo, na área educacional, nas políticas de formação na saúde, que tradi-
cionalmente são herdeiras dos pressupostos da modernidade, instalando apenas
a compreensão biologicista e hospitalocêntrica nos modelos de formação profis-
sional e produção do cuidado em saúde. Esse cenário passa a solicitar de todos os
agentes sociais envolvidos neste processo um posicionamento adequado frente às
demandas contemporâneas de saúde, rompendo com as carências de uma razão
cognitivo-instrumental construída na modernidade, bem como preencher os
vazios e as grandes insuficiências deixadas e/ou criadas hoje.
Na perspectiva tradicional, a formação em saúde perdeu o horizonte da in-
tegralidade em seus currículos, como bem pontuam Ceccim e Capozzolo (2004):
“o ideário científico em oposição às humanidades tirou a saúde do campo afetivo
para situá-la no campo normativo” (p. 348). Nesse mesmo sentido, como expressa
Teixeira (2004), a saúde foi pensada de forma a opor razão da emoção na moderni-
dade ocidental, fazendo uma dissociação entre ações técnicas e suas singularidades
de sujeito; e com base em Maturana (2001) e Goleman (1995) comenta existir “[...]
um certo analfabetismo emocional no processo de formação dos profissionais em
geral” (TEIXEIRA, 2004, p. 362).
É necessário marcar, contudo, que o horizonte técnico-científico, com ênfase
hospitalar e biológica é muito importante, mas não suficiente. Portanto, não se
busca excluí-los da formação, e sim integrar suas formas de conhecimento, porém
apontando para sua complexidade das múltiplas vivências profissionais.
Acredito que seja muito produtiva a análise das contradições, dos limites e
das possibilidades que, tanto o paradigma tradicional, quanto o pós-moderno,

398 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


possam oferecer ao aprimoramento e/ou deterioração das conquistas já atingidas
para a promoção da cidadania na saúde – sobretudo para a análise do conheci-
mento clínico, biológico – como necessário, porém, insuficiente. Procuro, também,
demonstrar os riscos de se assumir um ou outro paradigma como totalitário ou
suficiente para orientar a formação profissional e a produção de serviços a partir
da perspectiva da integralidade. Obviamente que esses temas são extremamente
amplos e tratá-los em um único escrito seria praticamente impossível, portanto,
aqui é iniciado um processo que cria uma demanda de outras reflexões focadas.
A análise dessas limitações já instaladas remetem às palavras de Hegel (1997),
no prefácio da “filosofia do direito”, quando fala que o conhecimento tem seus
limites temporais, que cada sujeito pensa de acordo com as possibilidades de seu
tempo, afirmando que o conhecimento oferecido pela reflexão é sempre posterior
ao processo de formação da realidade, pois “quando a filosofia chega com a sua
luz crepuscular a um mundo já a anoitecer, é quando uma manifestação de vida
está prestes a findar. Não vem a filosofia para rejuvenescer, mas apenas reconhecê-
-la. Quando as sombras da noite começam a cair, é que levanta voo o pássaro de
Minerva” (HEGEL, 1997, prefácio).
Ao discutir sobre a formação do povo brasileiro, o antropólogo Darcy Ribeiro
dá relevo especial para os fatores sociais e raciais na composição das desigualdades
do país, assinalando que:

subjacente à uniformidade cultural brasileira, esconde‐se uma profunda


distância social, gerada pelo tipo de estratificação que o próprio processo
de formação nacional produziu. O antagonismo classista que corresponde
a toda estratificação social aqui se exacerba, para opor uma estreitíssima
camada privilegiada ao grosso da população, fazendo as distâncias sociais
mais intransponíveis que as diferenças raciais (1995, p. 23).

Fazendo a comparação com o propósito de Hegel, parte-se, neste texto, do


levantamento de algumas questões que impedem a tessitura de um sistema de
saúde cidadão, como é constitucionalmente previsto; na aposta de que é possí-
vel a criação desse serviço que passe a afirmar a vida, como destacam Ceccim e
Capozzolo (2004, p. 349) que busquem o reencontro com o usuário e afirmem a
“autopoiesis da existência”. Tal necessidade passa, obrigatoriamente, pela formação
de trabalhadores sensíveis ao sofrer humano e suas necessidades em todas as di-
mensões. Nas palavras de Gastaldo (2005), ao referir-se às ideologias que percorrem

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 399


a produção das políticas de humanização da saúde, a autora afirma que “a política
de humanização tem diante de si um desafio incomensurável: o de humanizar
numa sociedade em que prevalecem tantas e tão profundas formas de injustiça e
violência no cotidiano, a desumanidade à brasileira” (p. 397). Dessa forma, se faz
necessário problematizar os discursos que orientam a tessitura do cuidado, desde
a academia até as unidades de saúde, nos cenários de encontros com os usuários.

3 Desigualdades sociais e a indiferença com o sofrimento humano


– marcas sociais dos serviços de saúde

Existe, hoje, no Planeta Terra, cerca de sete bilhões de pessoas, e destas, 870
milhões perecem com a fome, considerando que produzimos alimento suficiente
para sustentar aproximadamente vinte bilhões de pessoas, conforme Organização
das Nações Unidas – ONU (2012). Essa realidade desvela as profundas desigual-
dades sociais na distribuição de bens e riquezas. Da mesma forma, a cobertura dos
serviços sanitários no planeta é bastante insuficiente. Conforme a Organização
Mundial da Saúde (OMS) (2010), no informe sobre a saúde no mundo, os índices
de assistência materna em alguns países, por exemplo, com elevadas taxas de
mortalidade é de 10%, e, em outros, com taxas de mortalidade bastante reduzidas,
a cobertura chega a 100%; mesmo em países com os piores índices de cobertura,
as mulheres mais ricas têm bons índices de cobertura. “Eliminar esta diferencia
de cobertura entre ricos y pobres en 49 países de ingresos bajos salvaría la vida
de más de 700 000  mujeres desde este momento hasta el año 2015” (OMS, 2010,
p. 08). Também ganha destaque a expectativa de vida de crianças pobres e ricas,
de países com índices bons e ruins de cobertura sanitária. “[...] si se superara esta
diferencia de cobertura en los diversos servicios para niños menores de cinco años,
en concreto, la vacunación sistemática, salvaría más de 16 millones de vidas” (p.
08). Esse cenário só consegue êxito se contar com a indiferença das pessoas umas
com as outras, falta de sentido e significado que o outro tem em relação ao “eu”.
Feita essa breve panorâmica, remetemo-nos ao Brasil. Os indicadores men-
cionados dão conta da tarefa de relembrar que as conquistas do campo social, ao
qual se inscreve a saúde, perpassam muitas décadas de lutas. As realidades expostas
anteriormente, que deflagram extremas desigualdades de acesso à saúde, em vários
lugares no mundo, que custam muitas vidas, foi realidade no Brasil em um passado

400 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


bem próximo. Alterar essa realidade foi possível somente a partir da articulação de
inúmeros segmentos da sociedade para que hoje se tenha a garantia constitucional
de que saúde é um direito de todos e dever do Estado. Fica evidenciado que as
sociedades e os governos não são inclusivos e democráticos por natureza – tais
características são construídas, conquistadas. Sua manutenção depende de uma
agenda permanente de vigilância contra ações antidemocráticas.
No Brasil, as discussões acerca da ampliação do conceito de saúde, para além
da existência de doenças, e as respostas pensadas a nível individual, biológico e
hospitalocêntrico, assim como a democratização desses serviços ganham ênfase
na década de 1988, com a promulgação da atual Constituição e, com ela, a criação
do Sistema Único de Saúde, apregoando princípios e diretrizes, tais como controle
social, universalidade, integralidade e equidade, resolutividade, descentralização
administrativa, etc. Passados 25 anos, volumosas conquistas foram alcançadas e,
hoje, um grande imperativo posto é a formação de recursos humanos capazes de
efetivar as diretrizes e os princípios anteriormente elencados, bem como produzir
práticas também adequadas para tal propósito.
É possível evidenciar que a organização social de grupos humanos se dá em
bases que fazem repercutir privilégios, desigualdades e, sobretudo, a indiferença
com o outro, com seu sofrimento, com suas necessidades mais básicas e o assustador
silêncio e apatia no que se refere a injustiças e violências das mais distintas ordens,
tão corriqueiras. Portanto, muitos são os desafios postos à ampliação da oferta do
sistema de saúde e muitos são os caminhos apontados para solucioná-los. Acredito
que a principal necessidade esteja além das necessidades de maiores financiamentos
e de ações estabelecidas em leis e decretos, pois “o fazer saúde” está inscrito em
pequenos espaços de poder e de decisões dos trabalhadores, e não há lei ou decreto
vertical que possa dar conta desses espaços quando eles não funcionam. É necessário
algo que possa penetrar nessa esfera e transformar as relações aí existentes entre
os sujeitos. Ou seja, é necessário transformar os sujeitos das práticas para então
se atingir transformações consistentes nas práticas dos sujeitos.

4 Educação como forma de humanização dos sujeitos: formação ética


“Não nos move o amor, mas o espanto”1.

1  Frase de Borges, s.a., citado por Miguel Arroio na obra “imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e
mestres” (2005, p. 09).

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 401


Muito em voga na formação de profissionais da saúde está o discurso da hu-
manização. A impressão que se tem, em parte dos casos, é a de que este humano
de que se fala e se espera já exista em algum lugar, pronto, de forma natural, dado
a falta de definição de que tipo de humano se quer desenvolver nas práticas, e
que isso se daria sem qualquer tipo de conflitos. Como defende Gastaldo (2005),
o processo de humanização da saúde é tão prescritivo quanto qualquer outro
modelo que se proponha a não o ser, sendo que o cenário de práticas de saúde é,
inclusive, o local de criação de subjetividades que se opõe aquilo que é instituído
como humanização.

Infelizmente, receio que se fizéssemos prevalecer o pensamento dos (as)


profissionais que trabalham para o SUS hoje, além de uma óbvia diversidade
de opiniões, talvez nos deparássemos com muitos que pensam que sistema
público é “assim mesmo”, que com as atuais condições de trabalho e os
limites educacionais e financeiros da população “a gente faz o que pode”.
Esta é uma subjetividade, a de vítima do sistema ou da situação. Outra
é a subjetivação de privilégios, na qual alguns médicos(as) se percebem
menos responsáveis por cumprir horário que outros profissionais, pois
eles “precisam” ter um melhor salário. Ou seja, o SUS, desde sua criação,
colabora na produção de formas de pensar e praticar cuidados e tratamen-
tos de doenças e, neste processo, se produzem subjetividades individuais
que têm muitas características compartilhadas no coletivo (2005, p. 396).

Humanizar, portanto, implica atuar com base em critérios claros de que hu-
mano se quer produzir e, sobretudo, daquele que se quer desconstruir. Trata-se de
processos de formação de conceitos, cuja intencionalidade esteja explícita. Trata-se
de ampliar os conceitos de saúde para além das concepções negativas, cujo foco é a
presença da doença, introduzindo a noção de qualidade de vida na sua formulação,
encaminhando para atuação em distintas dimensões, tais como “prevenir, cuidar,
proteger, tratar, recuperar, promover, enfim, produzir saúde” (BRASIL, 2006, p. 15).
Também faz parte dessa agenda a valorização de gestores e usuários de saúde,
por estarem implicados no seu processo de produção. “Os valores que norteiam
essa política são a autonomia e o protagonismo dos sujeitos, a corresponsabilidade
entre eles, o estabelecimento de vínculos solidários, a construção de redes de coo-
peração e a participação coletiva no processo de gestão” (BRASIL, 2006, p. 15-6).
Rego, Palácios e Schramm (2004), ao discutirem questões relativas à formação
ética e técnica de profissionais de saúde, advertiram que “[...] tais projetos focalizam

402 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


ora as condições físicas das unidades assistenciais, ora o comportamento individual
dos profissionais, não reconhecendo o caráter multifacetado do problema” (p.
165). Todo o processo de formação profissional, a partir de sua função crítica, tem
inocultáveis desdobramentos morais. Nesse sentido, para uma formação ética é um
subsídio valioso, capaz de romper as limitações e insuficiências de um currículo
com ênfase puramente em aspectos técnicos e objetivos, que treina sujeitos acríti-
cos, passivos e distantes das necessidades e das formas de sofrimento das pessoas.
Portanto, pensar em um processo educacional voltado para a humanização
e com firmes ações éticas, implica aceitá-lo como um processo de subjetivação,
remetendo à reflexão inicial, que encaminha a necessidade de explicitarmos as
intencionalidades sobre as subjetividades que se quer estabelecer, tratando a sub-
jetividade como categoria epistêmica. A maior parte dos problemas encontrados
na saúde hoje diz respeito ao fato de que as relações estabelecidas neste local se
dão com base em uma essência positivista de ver a saúde, a doença e o usuário.
Essas são práticas carentes da dimensão humana, do significado e do valor da
vida, tornando-as bastante insuficientes. Foi subtraído da racionalidade clínica
hegemônica o “[...] processo de singularização, que ressalta também a dimensão
desejante que põe a vida em movimento”. (FIGUEIREDO, 2012, p. 44).
Essa singularização e aproximação com o outro está encapsulada em muitos
momentos e realidades hoje. Cunha (2004), acerca das relações de poder instituídas
no ambiente hospitalar, lembra-se dos escritos de Foucault, para dizer que esta
instituição é herdeira do autoritarismo militar nas relações que aí são instituídas,
fazendo menção aos dados de uma pesquisa realizada no estado de São Paulo em
1997, cujos resultados apontam que “[...] 30% das regras que regulavam a vida dos
pacientes hospitalares, não tinham justificativa terapêutica e serviam unicamente
para reafirmar as relações de poder da instituição com o paciente” (p. 41).
Minhas experiências profissionais corroboradas pelos relatos dos estudantes
durante as aulas em que abordamos esses temas polêmicos remetem a pensar que
essa imposição de regras infundadas se dá com prevalência muito superior nas alas
de internação do SUS, quando comparados aos setores de internações privados.
Também é comum alguns profissionais (de enfermagem) de alas de internação
privada não verem com bons olhos usuários do SUS internados em seus setores.
Nas unidades de Estratégia de Saúde da Família as relações de poder são mais
equitativas, e os usuários têm mais poder de decisão sobre suas necessidades; no
entanto, ainda prevalecem muitos preconceitos. Certa vez, em uma unidade, na

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 403


entrada, percebi a recepção cheia de pessoas esperando atendimento, boa parte
da equipe na sala de lanches. Neste momento entra a faxineira e diz aos trabalha-
dores: – a “o pessoal lá fora tá reclamando da demora no atendimento, essa gente
está mal acostumada, isso aqui é SUS, tem mais é que esperar, tão recebendo tudo
de graça e ainda reclamam”.
As desigualdades sociais e a indiferença com o sofrimento, somados ao discurso
registrado no parágrafo anterior, justificam falar que “não nos move o amor, mas
o espanto”. Na análise do discurso o enunciado não é reduzido ao sujeito como
se pertencesse a uma única pessoa apenas; ele é tratado como uma produção his-
tórica, presente de forma capilar no híbrido cultural, o que amplifica seus efeitos.
Muito se pode discutir com a fala trazida, no entanto foco nas concepções de SUS
que estão estampadas, e que implica, de forma direta, o insucesso da efetivação
do serviço com qualidade, impossibilita a produção de relações de vínculo entre
profissionais e usuários. É espantoso verificarmos que tal discurso, que revela o
desconhecimento total do que seja o sistema de saúde, e pelo qual operam inúmeras
formas de violências, ainda respire hoje, em pleno século XXI.

5 A política na formação profissional

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2001, 2004, 2011), em suas reconhe-


cidas obras “modernidade líquida”, “amor líquido” e “vida em fragmentos: sobre a
ética pós-moderna”, problematiza as profundas mudanças que as sociedades mo-
dernas e pós-modernas vêm passando. A pretensa derrubada das metanarrativas
abriu espaços à intensa transitoriedade, pela desestabilização de certezas a partir
dos volumosos questionamentos a concepções absolutistas. Trata-se de um amplo
movimento que repercute em todas as esferas da vida humana e nas suas formas
de organização individual, bem como seus arranjos sociais e culturais. Bauman
dedica-se à análise de conceitos importantes para pensarmos a educação enquanto
elemento significativo na formação de recursos humanos voltados ao SUS, ou seja,
sujeitos capazes de efetivar os serviços à cidadania.
De forma geral, o autor aborda o esgarçamento da estrutura social, marcada
pela provisoriedade intensa, a partir da metáfora da liquidez. Tornam-se líquidos
e, portanto, superficiais os relacionamentos humanos, cuja marca é a sua cres-
cente individualização, em que o outro perde seu sentido, seu significado, pois

404 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


as relações estabelecidas, então, são meramente de interesse, esvaziadas de afeto
e comprometimento, e com isso tornam-se facilmente transitórias e rompíveis.
Este arranjo social encaminha para algo, que inspirados em Bauman, podemos
classificar como processo de tribalização. Sinteticamente, na elaboração desse con-
ceito é possível sustentar a ideia de que pelas fáceis e rápidas perdas de identidade
e lugares de pertencimento aos quais nos vinculamos hoje, a forma encontrada
para superar tal problema, na esfera pública, como maneira de reivindicar alguns
direitos de cidadania, seja a formação de grupos cujos interesses são os mesmos.
Esse apontamento é facilmente verificado hoje, por exemplo, nas formulações
de leis. Partimos na modernidade de um momento que se tinham legislações
cujo propósito consistia, basicamente, em garantir a dignidade humana sem ser
necessária a diferenciação de estratos culturais e sociais de humano que se deve
resguardar. Hoje, após “descobrirmos” que nem todos são iguais perante a lei,
que as oportunidades de acesso não são igualitárias, que são levados em conta os
marcadores sociais para estabelecer níveis de cidadania diferenciados, optamos
pela tribalização para resolvermos o problema.
Como exemplo emblemático, podemos citar o caso dos idosos, das mulheres e
das crianças. Tivemos que criar leis especiais, nomeadamente o Estatuto do Idoso,
a Lei Maria da Penha e o Estatuto da Criança e do Adolescente, pois esses grupos,
a título de exemplo, haviam ficado à margem dos princípios de justiça e de direitos
estabelecidos até então, dados os marcadores sociais que se articulam a produção
de suas identidades de sujeitos que os tornam vulneráveis a injustiças, a profundas
desigualdades sociais e, sobretudo, violências de toda ordem, em especial a física.
Com isso, passamos a fazer uma ação curiosa, que é de incluir pela vulnerabilidade
e/ou risco – e sempre depois dos sujeitos pertencentes a esses grupos vulneráveis
terem sofrido muito.
Opera-se aí uma espécie de fragmentação epistemológica do sujeito (no sentido
próximo daquele dado por Ayres (2004), na medida em que se distinguem grupos
“privilegiados” para a garantia e manutenção de direitos inerentes ao ser humano,
que deveriam ser independentes do fato de a pessoa ser homem ou mulher, jovem
ou idoso, criança ou adulto. Tal situação deflagra o quanto ainda temos a conquis-
tar nesse sentido, o quanto ainda é frágil a nossa democracia social e o quanto de
responsabilidade ética e moral está sobre nossos ombros.
Esse processo de inclusão pela tribalização opera a partir de um dispositivo
perigoso de exclusão, à medida que não basta estar inscrito na humanidade para ter

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 405


acesso à dignidade e à cidadania, pois esta é seletiva; é necessário estar vinculado
a algum grupo de pertencimento “privilegiado” para então ter suas necessidades
atendidas de forma mais eficaz; ser um cidadão comum significa, pois, estar sob
a regência de códigos comuns, que são pouco efetivos, morosos e burocratizados;
deflagrando as inocultáveis desigualdades que ainda persistem na sociedade e que
evidenciam os desafios que são postos à produção de serviços de saúde. Trata-se
da manifestação de uma derivação da especialização disciplinar em nível de acesso
aos direitos vinculados a cidadania.
Neste sentido Ayres (2004), ao analisar a reconstrução das práticas de saúde
a partir das perspectivas ontológica, genealógica e crítica, destaca que o foco das
necessidades de mudança está, basicamente, no comportamento dos trabalhado-
res, indicando a necessidade de “[...] um esforço de reconstrução das práticas de
saúde, um ativo movimento de profissionais e serviços de saúde no sentido de se
voltarem ativamente à presença do outro no espaço assistencial, a otimização e
diversificação das formas e qualidade da interação eu-outro nesses espaços [...]”
(p. 73). Em sua análise ontológica, o autor traz a conhecida alegoria de Higino.

Certa vez, atravessando um rio, Cuidado viu um pedaço de terra argilo-


sa: cogitando, tomou um pedaço e começou a lhe dar forma. Enquanto
refletia sobre o que criara, interveio Júpiter. O Cuidado pediu-lhe que
desse espírito à forma de argila, o que ele fez de bom grado. Como Cui-
dado quis então dar seu nome ao que tinha dado forma, Júpiter proibiu e
exigiu que fosse dado seu nome. Enquanto Cuidado e Júpiter disputavam
sobre o nome, surgiu também a terra (tellus) querendo dar o seu nome,
uma vez que havia fornecido um pedaço do seu corpo. Os disputantes
tomaram Saturno como árbitro. Saturno pronunciou a seguinte decisão,
aparentemente equitativa: ‘Tu, Júpiter, por teres dado o espírito, deves
receber na morte o espírito e tu, terra, por teres dado o corpo, deves
receber o corpo. Como, porém, foi o Cuidado quem primeiro o formou,
ele deve pertencer ao Cuidado enquanto viver. Como, no entanto, sobre
o nome há disputa, ele deve se chamar ‘homo’, pois foi feito de humus
(terra)’. (HEIDEGGER, 1995, citado por AYRES, 2004, p. 75).

A partir dessa passagem Ayres faz um consistente movimento de exploração das


bases ontológicas da tessitura do cuidado a partir da hermenêutica, com a criação
de vários conceitos, dos quais destaco dois: movimento e identidade/alteridade.
No cuidado, enquanto movimento ganha destaque o pragmatismo na tessitura de
nossas identidades, no movimento do mundo é que elas são construídas, a partir

406 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


das interações com outros sujeitos, e nunca de forma intencional, proposital, fu-
gindo de uma concepção que pensa a identidade ser fruto de um destino inelutável.
O cuidado enquanto identidade e alteridade só se estabelecem no espaço aberto
pelas relações dos sujeitos, no “encontro terapêutico”. Esse encontro terapêutico
deve fugir, portanto, da orientação instrumental, pois nem tudo que o ser humano
necessita no processo de cuidado pode ser oferecido pelas tecnologias biomédicas.
A perspectiva da alteridade, anteriormente referida, é muito produtiva para
as mudanças de comportamento, tão necessárias. Com isso, acredito que o filósofo
Emmanuel Levinas, infelizmente, ainda pouco estudado na área da saúde, tenha
valiosas contribuições a oferecer a este espaço terapêutico na medida em que
seus escritos dão conta de subverter uma ordem filosófica que construiu um ser
autônomo com base em sua consciência, com fins individualistas, construtor de
comportamentos e identidades individualizadas.

Através do confronto com a tradição do pensamento ocidental mo-


derno, Levinas pretende destituir o privilegio das formas anteriores de
compreensão das relações intersubjetivas, onde o conhecimento aparece
como anterioridade que se desdobra, segundo ele, em injustiça e violência.
Neste movimento, surge, pouco a pouco, a transposição da ideia do ser-
-egoísta, egocêntrico, a um ser-para-o-outro, onde há o acolhimento do
Outro e a eleição, a responsabilidade pelo Outro (SAYÃO, 2002, p. 101).

A partir disso se tem a alienação do sujeito dentro de conceitos altamente


intelectualizados, pois fazem uso do conhecimento/razão instrumental. Com
esses elementos pode-se chegar ao elaborado conceito de coisificação, de Adorno
e Horkheimer (1947), que é um processo funcional e instrumental. Seu principal
substrato é a indiferença. Esse conceito foi bem sintetizado por Valls (2002, p. 81):

A indiferença às experiências e toda nossa capacidade de conhecer, ela


infecciona o espírito. No mundo, portanto, em que dominam a riqueza
e os tesouros (por que não dizer ‘o capital’?) impera também a lei da in-
diferença: não há diferença essencial entre homens e coisas, entre esta e
aquela mercadoria, entre as horas de trabalho de um trabalhador e de outro.

Onocko Campos et al. (2008) apud Figueiredo (2012, p. 44-45) consideram


que “[...] as conformações sociais têm se pautado pela violência, pela banalização
do outro e pelo empobrecimento dos laços comunitários: uma sociabilidade degra-

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 407


dada”. Esses elementos, uma vez presentes na síntese do cuidado, têm como efeito a
produção ou manutenção de violências institucionais das mais variadas aos usuários
que necessitam dos serviços de saúde. Exemplos disso seriam a medicalização, as
negligências e os descasos dos serviços com as necessidades das pessoas (falta de
leitos, remédios, exames, cirurgias para casos urgência) e a “coisificação do sujeito”.
A partir da necessária ampliação do conceito de saúde, é necessário falar da
coisificação do professor, do processo educacional e, sobretudo, da coisificação da
vida que ameaça a humanidade a partir de guerras infundadas, atos terroristas,
tráfico de pessoas, exploração sexual, em especial de crianças, trabalho escravo,
comercialização de drogas com alto poder destrutivo e a saúde tratada como
comércio. Falar em educação para a saúde implica resgatar o inconformismo e a
indignação em relação às violências, a fome e a miséria, conforme Santos (1996).

6 Produzindo a cidadania na saúde

A Atenção Básica à Saúde tem na Estratégia de Saúde da Família a principal


porta de entrada ao sistema de saúde, e com isso tem ampliado muito os serviços
oferecidos e as populações atendidas. Mesmo assim não é o suficiente para acolher
o quantitativo de pessoas que procuram o serviço, tornando-se necessário o em-
prego de formas de selecionar o acesso, que em geral é a fila. A situação agrava-se
quando se analisa a demanda por algumas especialidades médicas com suas linhas
congestionadas. A partir das histórias de itinerários terapêuticos que nos chegam
(em especial pelos diversos meios de comunicação), é facilmente evidenciado que
existe uma forma de terceirização de algumas frentes de cuidado que está diretamente
vinculado à resolutividade e/ou à falta dela em cada serviço, em suas microrrealidades.
A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB, 2012) estabelece treze pontos
fundamentais dentro de suas funções, e uma que quero destacar é ser resolutiva.
Esta ação implica em

identificar riscos, necessidades e demandas de saúde, utilizando e ar-


ticulando diferentes tecnologias de cuidado individual e coletivo, por
meio de uma clínica ampliada capaz de construir vínculos positivos e
intervenções clínica e sanitariamente efetivas, na perspectiva de amplia-
ção dos graus de autonomia dos indivíduos e grupos sociais (p. 25-26).

408 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


A partir desses elementos entendo que o conceito de resolutividade é uma
estratégia eficaz para dar respostas às necessidades das pessoas por diferentes
formas, e que saúde foge das limitações da interpretação hegemônica que a trata
apenas como um fenômeno positivo2, sendo conceito importante, inclusive na
promoção da paridade em saúde. Contudo, quero destacar que o referido conceito
contempla claramente, como não poderia deixar de ser, aspectos que se remetem
a ações de caráter biomédico. Creio que a terceirização do cuidado reflete um nó
problemático na formação e atuação profissional, pois o excesso de encaminha-
mentos desnecessários a especialistas, e para grandes centros, junto à alta demanda,
indica falta de resolutividade3, em especial no que diz respeito ao domínio das
tecnologias biomédicas para dar conta dos problemas desta ordem.
Na mesma perspectiva está um dos princípios da Atenção Primária à Saúde,
que busca a integralidade do serviço. Este conceito desdobra-se na produção de
ações de cuidado para a coletividade e para o indivíduo, de caráter preventivo
(social) e curativo (individual). Portanto, a formação técnico-científica é um im-
portante componente neste processo, que se ignorado, comprometerá de forma
significativa a noção de integralidade do cuidado. É evidente que perder o foco
do rigor técnico-científico na formação significa perder o foco da resolutividade
e da integralidade dos sujeitos e das ações propostas.
Cabe destacar que uma série de fatores compõe o cenário de superlotação de
alguns serviços, como visto acima. Dentre os principais, ganha destaque a crescente
medicalização à saúde, a burocratização dos serviços, a fragmentação do trabalho,
a mercantilização da saúde como reflexo da perversidade de um regime que vê aí
um excelente mercado, um bom negócio para buscar altos lucros financeiros e,
por fim, os interesses corporativistas que acabam por inverter a ordem da organi-
zação do serviço, que, em vez de buscar atender as necessidades do usuário, passa
a priorizar os seus interesses.
Todo esse complexo cenário dispõe dos benefícios de um pensamento utilita-
rista operado a partir da alienação política dos sujeitos que compõe essa realidade e
produz um “contra-movimento”, como forma de romper com a organização perversa
mencionada anteriormente, que atuam como forças antagônicas solapando todas as
conquistas sociais. Porém, é necessário chamar a atenção para um movimento que

2 Positivo no sentido dado por Ricardo Bruno Mendes Gonçalves (1991), quando faz referência a conhecida frase
de Lériche que se refere a este aspecto como “a vida no silêncio dos órgãos” (p. 91).
3  Os trabalhos de Nogueira e Mioto (s.a) e Turrini; Lebrao; Cesar (2008), dão significativos elementos para
contextualizar este tópico.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 409


não nega explicitamente o uso de tecnologias hospitalares e do referencial biologista,
contudo, não o valoriza, o que de certa forma tem produzido o seu esvaziamento e
pode ser pensado como um dos elementos presentes na organogênese da formação
deficitária de profissionais da saúde, e que tem como preço, em parte dos casos, as
vidas de pessoas que necessitam de tais tecnologias em seu cuidado.
Da mesma forma o ideal político de cidadania não se consolida plenamente
se o Estado for negligente com qualquer aspecto da formação profissional. Como
é notório, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), órgão de inscrição compul-
sória a bacharéis em direito que desejam exercer a profissão de advogado – que
é a atividade que mais mercado de trabalho oferece aos egressos desta forma-
ção – exige deles a aprovação em sua avaliação de conhecimentos e capacidades
profissionais. O assunto tornou-se polêmico quando dois bacharéis conseguiram
liminar na justiça dando-lhes o direito de inscrição sem a realização da referida
avaliação, momento em que o assunto foi parar no Plenário do Supremo Tribunal
Federal (STF), que julgou o exame como sendo benéfico, protegendo a população
de maus advogados, dado que em 2011 apenas 12% dos candidatos conseguiram
aprovação (Folha de São Paulo, 02/06/2011). Tal medida necessita de ponderações
de caráter legal e moral.
Este espaço ao tema é aberto não para defender a realização do exame, muito
pelo contrário. O que observo é uma produtiva forma de problematização de alguns
aspectos da formação superior no país. Do ponto de vista legal, considerando as
funções do Ministério da Educação e das universidades, está claro que a qualidade
da formação passa basicamente por essas duas instâncias, e de maneira alguma,
do ponto de vista legal, faz parte direta, como forma de exame, de um órgão de
inscrição compulsória, cuja essência está em regular o exercício profissional. No
entanto, nenhuma situação é interpretada de forma puramente objetiva.
Nesse aspecto, o componente moral transparece nos efeitos de um espaço
lacônico de negligência nos inúmeros elementos que compõem o conceito de
qualidade da formação. O principal argumento utilizado na Suprema Corte para
manter o exame não foi o de sua legalidade, e sim o fato de que “um mau advo-
gado pode levar o cliente a perder todo seu patrimônio ou pode fazer com que
seu cliente inocente fique preso por anos. Isso tem um custo emocional, social e
financeiro para o cliente e para o país”; conforme noticiado na Folha de São Paulo
(02/06/2011). Tal problemática não se restringe apenas às graduações em direito.

410 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


Nesse sentido, a cidadania na saúde tem um aspecto pragmático muito rele-
vante, dado que não é possível pensarmos na consolidação desse conceito enquanto
houver pessoas morrendo por causas totalmente evitáveis, tal como ainda se observa
hoje. Tal fenômeno demonstra as deficiências na consolidação da vertente científica
em sua gênese. Tratar esse problema com a aplicação de um exame não é efetivo.
O Conselho Estadual de Medicina do estado de São Paulo (CREMESP) tem
realizado ao longo dos últimos sete anos a avaliação do desempenho de estudantes
de medicina do sexto ano, no estado. Para além dos interesses de classe que podem
repercutir a ideologia que nutre a estruturação desses números, eles merecem
atenção a partir das deficiências que desvelam a formação dos estudantes avaliados.
Em 2011, 46% dos estudantes foram reprovados no exame que aborda questões
básicas da vivência profissional, cujo ponto de corte é seis, porém é necessário
considerar que “[...] a situação pode ser pior. Devido ao caráter opcional do exame,
em tese os alunos mais preparados podem demonstrar maior interesse em parti-
cipar da avaliação” (CREMESP, 2011, p. 02). Mais à frente expõe que “muitos dos
participantes desconhecem o diagnóstico ou tratamento adequado de problemas
de saúde como infecção de garganta, meningite, sífilis, atendimento em saúde
mental, dentre outros” (p. 03).
Considerando a medicina como a profissão hegemônica nos serviços de saúde
e com forte matriz biologicista na sua grade formativa, é possível presumir que
se trate de uma das profissões com maior rigor neste quesito dentro das distintas
áreas de formação. A partir daí é quase inevitável pensarmos nos possíveis resul-
tados se esse exame fosse estendido a outras categorias profissionais, a exemplo
da enfermagem. No entanto, este não parece ser o caminho mais adequado, pois
ignora as causas do problema e se dedica a aparar seus efeitos.
Nesse sentido, é valiosa a perspectiva do cientista do campo social e econô-
mico, Atílio Boron (2001), que, ao analisar as relações dadas entre as democracias
da América Latina com o sistema capitalista, afirma que essa relação precisa ser
observada com cuidado, dado o meio intelectual e político da América Latina
estar inserido em um contexto ideológico “[...] dominado pelos sofismas e pelos
desvarios do neoliberalismo e do niilismo pós-moderno” (p. 16), o que é corro-
borado por Bittar (2009, p. 398), com base no pensamento de Haberman (2006),
ao afirmar que a “consciência (social e política) naufraga no mar turbulento da
indiferença moral de nossos tempos”.

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 411


Os autores referem-se mais especificamente aos sistemas democráticos e
aos elementos que o ameaçam – e sobre a formação da subjetividade humana e
a comunicação, respectivamente – porém, suas falas, aqui, não se dão sem con-
texto, dado que a indiferença moral referida é produzida em um caldo cultural,
portanto, todas as demais áreas lhe são permeáveis. A academia não é somente o
reflexo desse fenômeno; é o seu catalisador principal, dado o poder de produção
de cultura e de convencimento que possuem os enunciados produzidos e rotulados
com a chancela científica.
Ganhou destaque, recentemente, o escândalo das redações do Enem, em que
candidatos fizeram “descer de paraquedas” receitas de macarrão instantâneo e hino
de time de futebol em suas redações e, curiosamente, foram bem avaliados em seus
escritos4. Esse fato demonstra que os avaliadores não possuem tempo suficiente
para analisar com profundidade e qualidade as avaliações, devido à sobrecarga
de trabalho a que estão submetidos. Ou, então, faz aparecer uma crise ideológica
sobre discursos divergentes que disputam espaços para legitimar as formas de
avaliação. Sendo essa segunda hipótese verdadeira, confirma-se a crise moral
acima anunciada, devido à perda, de forma despótica, de valores muito caros no
processo de ensino. Em qualquer das possibilidades acima lançadas, observa-se a
desvalorização arbitrária dos construtos sociais-educacionais e também a desva-
lorização e o desrespeito com o empenho e a dedicação dos estudantes que levam
esse processo a sério, cumprindo aquilo que é solicitado, dedicando-se aos estudos
e não encontram o respeito que merecem no momento de serem avaliados – de
serem bem avaliados –, pois, afinal, trata-se de concurso público.
Boufleuer e Fensterseifer (s.a) salientam que o processo de educação tem a
função primeira de dar sentido ao humano, dado que somos seres históricos e
sociais, constituídos na arena cultural. Considerando que temos a característica de
sermos sujeitos inacabados, necessitamos ser construídos, e isso se dá no campo
da educação a partir de um processo disciplinado. Entretanto, falar em disciplina,
para muitos, é, hoje, quase heresia; trata-se da criança mal-amada da pedagogia. No
entanto, qualquer conceito de cidadania, sem disciplina, é no mínimo deficiente,
pois formar cidadãos com base apenas em seus direitos, esvaziados de qualquer
noção de dever e responsabilidade, como parece se pretender hoje, é totalmente

4  Conforme notícia publicada no jornal “O Globo” em 19/03/2013 e 21/03/2013. Matéria disponível em: <http://
g1.globo.com/educacao/noticia/2013/03/candidato-inclui-hino-do-palmeiras-na-redacao-do-enem-e-tira-
-nota-500.html>.

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impossível de ser realizado e seus efeitos são visíveis, constituindo, por exemplo, as
bases de crises na educação, sofrimentos do professor e parte das crises na saúde.

7 Encaminhamentos finais

Aqueles que atuam na área da saúde têm grande compromisso social em suas
mãos, dado que ocupam lugar privilegiado e estão em contato direto com muitas
das formas pelas quais o sofrimento humano se estrutura. Cabe a cada um de
nós, a parcela de contribuição para produzir um sistema de saúde cada vez mais
complexo, cujo resultado final seja afirmar a vida. Os caminhos do cuidado à saúde
são constituídos ou reconstituídos a partir de concepções de distintos paradigmas,
que, de forma geral, considerando seus conceitos, são incompatíveis entre si. Essas
incompatibilidades originam-se dos limites que cada forma de conhecer traz e que
em alguns momentos gera tensões devido à coexistência, nos mesmos espaços,
de distintos discursos que procuram legitimar os processos de ensino na saúde e
também estabelecer os rumos das práticas de cuidado.
A racionalidade ocidental moderna, construtora do Eu autofundante, ou o
conceito de razão absoluta, trazido por Oliveira (2008), perdeu o sentido do hu-
mano solidário, justo, e não o encontrou ainda na pós-modernidade. A “crise” se
dá, dentre outros fatores, por não existir as vinculações necessárias estabelecidas
entre formação profissional, vivência do cuidado em saúde perpassado em suas
dimensões políticas. Isso em parte pela massificação da vida. Baudrillard (1993)
citado por Cruz-Neto e Minayo (1994, p. 201), refere que:

as maiorias silenciosas, as massas, são resistentes a qualquer forma de


organização social e planejada: não hesitam em trocar uma manifestação
política importante por um jogo de futebol na televisão: matam-se como
moscas em guerras cujos objetivos simplesmente não lhes interessam
e ao mesmo tempo se comovem ante o deslocamento de uma família
real (ou uma novela).

Nesse sentido, Soares Filho (2010) traz valiosa contribuição ao discutir a


política do pão e circo no país. O autor faz comparações com a Roma de Otávio
Augusto e suas “políticas” populistas para deslocar a atenção das pessoas das sé-
rias crises que ameaçavam a vida, em especial daqueles mais pobres, fazendo um
paralelo com aquilo que acontece no país hoje. Segundo o autor, o Brasil tem carga

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA | 413


tributária excessiva, prioriza os interesses privados em detrimento dos públicos,
intensa corrupção no cenário político, uma realidade de flagelos na educação
e no que diz respeito à renda que proporcione ao trabalhador uma vida digna,
com a cobertura de suas necessidades básicas, violência urbana descontrolada e
impunidade. Frente a isso, como forma de alienação, implanta-se aqui, também,
e não é de hoje, a política do pão e circo.
Entre as ações citadas está o programa Bolsa Família e os espetáculos de fu-
tebol. Referindo-se ao programa social, o autor faz uma coerente análise, frisando
sua necessidade para aqueles em situação de miséria, que necessitam encontrar
respaldo governamental de forma imediata. Entretanto, essa política tem estimu-
lado a dependência passiva do governo, fato que merece ser discutido. Quanto ao
futebol, de antemão é importante frisar que nada se tem contra esportes, muito
pelo contrário, porém as formas pelas quais se têm usado o futebol, a exemplo
do carnaval e os reality shows no Brasil, me levam a concordar totalmente com
Soares Filho (2010).
Da forma como é tratado hoje, o futebol muito tem a nos ensinar. Comecemos
pela valorização da esperteza, da desonestidade em cavar faltas, pênaltis, expul-
sões de adversários e atitudes violentas dentro de campo; comportamentos que
repercutem em alguns segmentos específicos de torcidas organizadas, que mais se
assemelham a quadrilhas, devido aos seus atos. Frequentar um estádio de futebol
em um clássico, sem presença maciça da polícia, bem armada, é impossível. Tudo
isso acontece bem aos olhos de um Estado omisso e condescendente. Esse para-
digma de moralidade instituído ensina, por que não, a ser esperto com o dinheiro
público, com o dinheiro da merenda de crianças, de medicamentos etc., é algo
legal, que levar vantagens nas perdas dos outros não é moralmente condenável,
mesmo que isso possa custar, em alguns casos, a vida deste outro.
Da mesma forma as pessoas podem pensar que é necessário ser esperto na
saúde para conseguir um medicamento, um exame, uma consulta, recorrer ao
seu contato com influências no sistema para furar a fila, etc. Os profissionais, por
sua vez, em busca de ganhos financeiros, estão legitimados a assumir muito mais
coisas do que têm possibilidades de darem conta. Vários contratos e plantões, que
se somados, são muito superiores às 24 horas de um dia, ou até mesmo terem seus
nomes nas folhas de pagamentos de lugares onde nunca foram trabalhar. Voltemos
mais um pouco ao futebol, vejamos a Lei Geral da Copa, que pretende fechar as
escolas em 2014 durante o evento, que também revoga a lei, que de forma muito

414 | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA


feliz, proíbe o consumo de bebidas alcoólicas em estádios de futebol. Isso tudo
passa a sublime mensagem de que, no Brasil, as coisas mais essenciais não são
sérias. Isso tudo conta com vultosas somas de dinheiro público injetado (alguns
bilhões de reais somente para a copa de 2014), desde a construção de estádios
monumentais até a sua segurança interna, realizada pelas polícias militares, que
deveria ser responsabilidade de cada clube. Daí pode-se constatar, facilmente, quais
são as prioridades governamentais (circo) que ditam as aplicações dos quantitativos
dos volumosos tributos do país.
Esta forma de organização ou desorganização institui a inércia social, a apatia,
tratando a vida como uma coisa funcional, o que redunda em banalizá-la. A partir
dessa inércia brotam discursos fatalistas e, portanto, frágeis, que mais servem para
desfocar a omissão dos governos em relação as suas responsabilidades, geralmente
resultando na desculpa de escassez de recursos.
O discurso da falta de dinheiro não deve ser aceito como verdadeiro para
legitimar algumas realidades catastróficas, em que os “cidadãos”, quando conse-
guem o necessário atendimento em saúde, são amontoados nos corredores dos
hospitais, dormindo no chão. Essa justificativa é conveniente para camuflar o mau
uso do dinheiro público, seus desvios, assim como revela a falta de prioridades de
governos/governantes com as pessoas, com suas necessidades e com suas vidas.
Como afirma Chan, na apresentação dos resultados da pesquisa que investigou a
situação da saúde no mundo da OMS,

Tal como muestran los datos, los países necesitan fondos estables y sufi-
cientes para la sanidad, pero la riqueza nacional no es un requisito previo
para avanzar hacia la cobertura uni versal. Países con niveles similares
de gasto sanitario alcanzan unos resultados de salud sorprendentemente
dispares en comparación con sus inversiones. Las decisiones políticas
ayudan a explicar en gran medida esta diferencia (CHAN, 2010, p. 05).

Reconhecer as inextrincáveis relações entre a saúde e o social é um potente


catalisador de mudanças na produção do cuidado em si. Em relação a isso, a OMS
traz o pensamento de Rudolf Virchow (1821-1902): “não é verdade que sempre
acabamos descobrindo que as doenças da população podem ser ligadas a defeitos
da sociedade?” Mais à frente encontram-se referências a McKeown, pois seus
estudos demonstraram que a maior “[...] redução na mortalidade por doenças
infecciosas (tais como a tuberculose) ocorreu antes do surgimento de terapias

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clínicas. Pelo contrário, o que impulsionava a redução na mortalidade foram as
mudanças ocorridas no fornecimento de alimentos e nas condições de moradia”
(OMS, 2005, p. 07).
Se quisermos integralidade no cuidado, temos de produzi-la no processo de
formação, e a academia não pode dar as costas aos aspectos pragmáticos que lhe
constituem, pois, como afirma Morin (2005), a ciência deve reatar com a cons-
ciência política e ética, pois a ciência tem a necessidade de aplicar a seus conceitos
as reflexões filosóficas, assim como a filosofia deve aplicar em seu fazer os conhe-
cimentos empíricos, pois “seus moinhos giram vazios sem os grãos do empírico”.

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DIRETORIA DE COMUNICAÇÃO
EDITORA UFFS

Revisão: Marlei Maria Diedrich


Capa: Felipe Stanque Machado Junior
Projeto gráfico e diagramação: Mariah Carraro Smaniotto

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