Você está na página 1de 107

Conselho Editorial Internacional

Presidente: Professor Doutor Rodrigo Horochovski (UFPR – Brasil)


Professora Doutora Anita Leocadia Prestes (ILCP – Brasil)
Professora Doutora Claudia Maria Elisa Romero Vivas (UN – Colômbia)
Professora Doutora Fabiana Queiroz (Ufla – Brasil)
Professora Doutora Hsin-Ying Li (NTU – China)
Professor Doutor Ingo Wolfgang Sarlet (PUC/RS – Brasil)
Professor Doutor José Antonio González Lavaut (UH – Cuba)
Professor Doutor José Eduardo Souza de Miranda (UniMB – Brasil)
Professora Doutora Marilia Murata (UFPR – Brasil)
Professor Doutor Milton Luiz Horn Vieira (Ufsc – Brasil)
Professor Doutor Ruben Sílvio Varela Santos Martins (UÉ – Portugal)

Comitê Científico da área Ciências Humanas


Presidente: Professor Doutor Fabrício R. L. Tomio (UFPR – Sociologia)
Professor Doutor Nilo Ribeiro Júnior (Faje – Filosofia)
Professor Doutor Renee Volpato Viaro (PUC/PR – Psicologia)
Professor Doutor Daniel Delgado Queissada (Ages – Serviço Social)
Professor Doutor Jorge Luiz Bezerra Nóvoa (Ufba – Sociologia)
Professora Doutora Marlene Tamanini (UFPR – Sociologia)
Professora Doutora Luciana Ferreira (UFPR – Geografia)
Professora Doutora Marlucy Alves Paraíso (UFMG – Educação)
Professor Doutor Cezar Honorato (UFF – História)
Professor Doutor Clóvis Ecco (PUC/GO – Ciências da Religião)
Professor Doutor Fauston Negreiros (UFPI – Psicologia)
Professor Doutor Luiz Antônio Bogo Chies (UCPel – Sociologia)
Professor Doutor Mario Jorge da Motta Bastos (UFF – História)
Professor Doutor Israel Kujawa (Imed – Psicologia)
Professor Doutor Luiz Fernando Saraiva (UFF – História)
Professora Doutora Maristela Walker (UTFPR – Educação)
Professora Doutora Maria Paula Prates Machado (Ufcspa – Antropologia Social)
Professor Doutor Francisco José Figueiredo Coelho (UFRJ – Ensino de Biociências e Saúde)
Professora Doutora Maria de Lourdes Silva (UERJ – História)
Professora Ivonete Barreto de Amorim (Uneb – Educação, Formação de Professor e Família)
Professor César Costa Vitorino (Uneb – Educação/Linguística)
Professor Marcelo Máximo Purificação (Uneb – Educação, Religião, Matemática e Tecnologia)
Professora Elisângela Maura Catarino (Unifimes – Educação/Religião)
Professora Sandra Célia Coelho G. da Silva (Uneb – Sociologia, Gênero, Religião, Saúde, Família e
Internacionalização)
Crisbelli Domingos

A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS:


ASPECTOS TRADUTÓRIOS
© Brazil Publishing Autores e Editores Associados Associação Brasileira de Editores Científicos
Rua Padre Germano Mayer, 407 Rua Azaleia, 399 - Edifício 3 Office, 7º Andar,
Cristo Rei - Curitiba, PR - 80050-270 Sala 75
+55 (41) 3022-6005 Botucatu, SP - 18603-550
+55 (14) 3815-5095

Comitê Editorial
Editora-Chefe: Sandra Heck
Editor Superintendente: Valdemir Paiva
Editor Coordenador: Everson Ciriaco
Diagramação e Projeto Gráfico: Brenner Silva
Arte da Capa: Paula Zettel
Revisão de Texto: Ana Cláudia Fagundes da Cunha

DOI: 10.31012/978-65-5861-063-2

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária: Maria Isabel Schiavon Kinasz, CRB9 / 626
Domingos, Crisbelli Djamilli
D671l A linguagem dos quadrinhos: aspectos tradutórios [recurso
eletrônico] / Crisbelli Djamilli Domingos – 1.ed. - Curitiba: Brazil
Publishing, 2020.
103p.: il.; 23cm

ISBN 978-65-5861-063-2

1. Histórias em quadrinhos – Crítica e interpretação.


2. Histórias em quadrinhos – Tradução. 3. Histórias em
quadrinhos – Linguagem. I. Título.

CDD 741.5 (22.ed)


CDU 741.5

[2ª edição – Ano 2020]


www.aeditora.com.br
Apresentação

A pragmática é uma área que encanta pesquisadores


pela interdisciplinaridade que carrega. É uma ciência ampla
que dialoga com os mais diversos campos do conhecimento: a
linguística, a tradução, a comunicação social, a sociologia, a
antropologia, o direito, a psicologia, a biologia, a psiquiatria, as
neurociências, dentre tantos outros interessados que se debru-
çam sob o fenômeno da interpretação humana.
Neste ano de 2020, lançamento da segunda edição des-
te livro, estou com a tese de doutoramento em andamento na
área da pragmática na Universidade Federal do Paraná. Sou
professora de Ensino Superior em diferentes segmentos da edu-
cação mas fui, e ainda sou, apaixonada pelos estudos da tra-
dução, por ter sido tradutora e intérprete no início da minha
carreira nas Letras.
Desenvolvo pesquisas sobre pragmática desde a gradu-
ação. Cursei Letras Português/Espanhol na Universidade Tuiuti
do Paraná, ocasião em que fui aluna e orientanda do Prof.
Dr. Sebastião Santos, um dos cientistas pioneiros no Brasil a
desenvolver, em 2010, estudos sobre cognição, interpretação
e humor. Depois disso, continuei a minha pesquisa durante a
Especialização em Tradução e Ensino de Língua e Literatura
Espanhola, na mesma instituição, momento em que comecei a
escrever as primeiras páginas deste livro.
No mestrado, na Universidade Federal do Paraná, sob
orientação da Profª. Dra. Elena Godoy, desenvolvi o estudo
Metarrepresentação Ad Extremum: a tradução do humor como
superposição interpretativa, presente no livro O desafio cogni-
tivo da tradução do humor, o qual também os convido à leitura
Prefâcio

Traduzir não é uma tarefa muito fácil, pois requer do


tradutor um conhecimento para além da língua. A produção e
a compreensão do humor também é uma competência humana
de difícil explicação. Ambos os conceitos envolvem processos
cognitivos de criação e recriação das ideias de quem os pro-
duziu. A Crisbelli é uma investigadora perspicaz que, movida
pela curiosidade do “como” e do “porquê”, não se cansa de in-
vestigar e não desiste tão facilmente das coisas. Neste livro A
linguagem dos quadrinhos: aspectos tratutórios ela conseguiu
reunir os principais estudos e autores da tradução, bem como os
principais teóricos e pesquisadores do humor. O texto é um rico
compêndio que engloba tradução e humor de um dos gêneros
textuais, por vezes, emblemático: os quadrinhos.
O trabalho do tradutor é encantar o leitor, tanto quanto
o autor do texto fonte almejou. Tendo a personagem Mafalda
como objeto de estudo, a autora não procura explicar as técni-
cas de tradução nem a produção do humor em si, mas trata de
demonstrar que a tradução do humor envolve mais que língua
e linguagem; envolve cultura, história, geografia, religião, polí-
tica, além dos valores e costumes de um povo. Ela demonstra
que caso o tradutor desconheça ou ignore um desses aspectos,
a tradução empobrece e perde o encanto.
Então, traduzir o humor é um processo cognitivo criativo
dos mais complexos, uma vez que exige do tradutor a reconstru-
ção de um estado de mundo que seja capaz de sensibilizar e des-
pertar emoções e sentimentos no leitor do texto traduzido. E a
Crisbelli, de modo sutil, elegante e inteligente, faz isso neste livro.

Prof. Dr. Sebastião Lourenço dos Santos (UEPG).


Abstract

The aim of this book was to seek and offer arguments about
two questions that certainly concern the entire community of
translators: What happens in our minds as we translate? What
types of cognitive processes are involved in the translation of
humorous texts since they are usually so difficult to work with?
This study shows how cognitive theories of translation, in line
with cognitive theories of interpretation of humor, can support
an understanding of inferential, and therefore mental, proces-
ses involved in translating humorous texts.

Palavras-chave

Capítulo 1: ESTUDOS DA TRADUÇÃO: DOS PROCEDIMENTOS


TÉCNICOS À ABORDAGEM COGNITIVA
Palavras: Tradução, Teorias, Técnicas, Tradução no Brasil, Teoria
da Relevância.

Capítulo 2: TRADUÇÃO DO HUMOR


Palavras: Tradução, Teorias, Cognição, Humor, Ironia.

Capítulo 3: A TRADUÇÃO DO HUMOR EM QUADRINHOS


SOB A PERSPECTIVA DA PRAGMÁTICA COGNITIVA
Palavras: Tradução, Cognição, Humor, Teoria da Relevância,
Pragmática.
SUMÁRIO

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Capítulo I
ESTUDOS DA TRADUÇÃO: DOS PROCEDIMENTOS TÉCNICOS À
ABORDAGEM COGNITIVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.1 OS ESTUDOS DA TRADUÇÃO NO BRASIL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13
2.2 TRADUÇÃO LITERAL VS. TRADUÇÃO LIVRE. . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.3 PRAGMÁTICA E TRADUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.3.1 A Teoria da Relevância: uma proposta cognitiva para a comunicação. . . . . 28
2.3.2 Os estudos pioneiros de Ernest August-Gutt . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31

Capítulo II
TRADUÇÃO DE HUMOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .38
3.1 TRADUÇÃO DO HUMOR: TRADUZIR, TRANSCREVER OU RECRIAR PIADAS?.40
3.2 HUMOR: SIM. É POSSIVEL TRADUZI-LO E ENSINAR A TRADUZI-LO. . . 44
3.3 TRADUÇÃO DE TIRAS EM QUADRINHOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
3.4 A PERSPECTIVA COGNITIVISTA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

Capítulo III
TRADUÇÃO DO HUMOR E TEORIA DA RELEVÂNCIA . . . . . . . . .64
4.1 CONCEITOS INTRODUTÓRIOS SOBRE TRADUÇÃO, HUMOR E TEORIA DA
RELEVÂNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
4.2 PRERROGATIVAS DE ANÁLISE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
4.2.1 Adaptações inescapáveis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
4.2.2. Conceitos indispensáveis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

Capítulo IV
CONSIDERAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
Índice Remissivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
Sobre a Autora. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
Introdução

Quando nos encontramos entre tradutores nos cafés da


vida, não são incomuns os comentários sobre o desafio de tra-
duzir trechos ou textos humorísticos, pelas particularidades lin-
guísticas e culturais que carregam. Alguns colegas intrigados, e
as vezes desesperados, chegam a levar seus blocos de anotações
para arrecadar saídas tradutórias para os problemas que en-
contraram. Quando saídas interessantes são dadas por alguns,
torna-se motivo de comemoração para todos.
Existem tradutores para todos os gostos científicos: os
que se interessam pelos aspectos literários em seus diversos
gêneros e categorias, os que gostam de teorias da tradução,
os que leem assiduamente sobre crítica literária, os que se di-
vertem com os estudos das arapucas linguísticas, e, também,
existem aqueles – geralmente os excessivamente curiosos – que
buscam uma explicação cognitiva sobre a tarefa tradutória.
Fazendo parte dos curiosos, meu objetivo neste livro foi
buscar e oferecer argumentos sobre dois questionamentos que,
certamente, inquietam a comunidade de tradutores: O que acon-
tece em nossas mentes enquanto traduzimos? Que tipos de pro-
cessos cognitivos estão envolvidos na tradução de textos humo-
rísticos, já que, geralmente, são tão difíceis para se trabalhar?
Neste estudo mostrei como as teorias cognitivas de tra-
dução, em consonância com as teorias cognitivas de interpre-
tação do humor, podem subsidiar um entendimento sobre os
processos inferenciais, e por isso mentais, envolvidos no ato tra-
dutório de textos humorísticos.
No primeiro capítulo apresentei, com o suporte de Frota
(2007), uma síntese sobre os estudos da tradução realizados
no Brasil. Em seguida, apresentei também algumas ideias so-
bre a antiga discussão entre tradução literal e não literal, com
base nas investigações de Barbosa (1990), Santos (2011) e na

9
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

abordagem do desconstrutivismo exposta por Arrojo (1992).


Entendidos os conceitos básicos presentes nos estudos de tra-
dução nacionais, parti para uma breve introdução dos desen-
volvimentos da pragmática cognitiva no âmbito da tradução,
uma vez que essa foi uma proposta completamente inovadora,
inclusive dentro da linguística de modo geral.
No capítulo dois apresentei teorias sobre tradução do
humor. Trouxe os estudos de Rosas (2002), Brezolin (1997),
Queiroz (2007), Lessa (2008) e Silva (2010), dando ênfase es-
pecificamente à tradução de tiras em quadrinhos, meu objeto de
estudo. Com base nessas construções teóricas, discuti os estudos
de Santos (2009) mencionei análises de um estudo anterior (cf.
Domingos, 2010), para um entendimento sobre a interpretação
de textos humorísticos em uma perspectiva cognitivista.
No último capítulo, com todos os estudos e informações
estruturais construídas sobre os temas, propus uma interface
de teorias em busca de entender “como” o mecanismo cognitivo
humano processa a tradução de tiras em quadrinhos, tendo em
vista que essa é uma prática que atribui ao tradutor a dispen-
diosa função de mediador cultural.
É importante destacar que, atualmente, os estudos sobre
Teoria da Relevância estão muito além das aplicações que
realizávamos anos atrás. Novas perspectivas teóricas dentro da
pragmática cognitiva despontaram a partir da teoria geral de
comunicação humana, proposta por Sperber e Wilson (1995), e
ainda não deixam de surgir. No entanto, para que essa propa-
gação da pragmática acontecesse, se desenvolvesse e evoluís-
se, não podemos deixar de considerar pesquisas seminais como
essa, tanto do ponto de vista científico dos estudos da tradução,
como das investigações da língua em seu contexto e uso.

10
Capítulo I

ESTUDOS DA TRADUÇÃO:
DOS PROCEDIMENTOS TÉCNICOS À
ABORDAGEM COGNITIVA

Fonte: Quino. Toda Mafalda (2008, p. 171).

Há uma forte tendência à crença de que traduzir resume-


se a um simples ato de substituição de códigos linguísticos. No
senso comum, traduzir significa apenas compor um texto de
uma para outra língua, no máximo fazer com que algo escrito
em um idioma seja compreendido em outro. Seria mesmo a prá-
tica tradutória esse algo ingênuo e objetivo?
Encontra-se na literatura específica que a palavra tra-
dução é originária do latim traductione, que significa conduzir,
levar, transferir (SILVA, 2002, p. 442). Em definição, o dicio-
nário Aulete (2004, p.449) atribui à tradução “a versão de um
texto oral ou escrito de uma língua para a outra”. De forma
pouco menos modesta, no Larousse (2004, p. 748) define-se que
a tradução é o ato de “transpor a significação de um termo ou
de um discurso de uma língua para o seu correspondente em
outra língua”.

11
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Parece fácil encontrar respostas para o que é a tradução,


mas, afinal, o que acontece com o texto e com as possibilidades
de interpretação quando o traduzimos?
Em uma das entrevistas da coletânea Conversa com tra-
dutores (BENEDETTI & SOBRAL, 2003) Claudia Berliner1, ao
expor opinião sobre a tradução como ofício, afirmou que “tradu-
zir não é um bico – e não é bico” (p. 75). Ao dar-se conta do que
disse, complementou ainda que “imaginem só o que seria tradu-
zir esta última frase” (p.75). Pela experiência no ramo, Berliner
(2003) esclareceu que “não bastaria tentar encontrar um jogo
de palavras equivalente, haveria também que procurar trans-
mitir o efeito que ela possa produzir nos mais variados leitores
- a começar pelo tradutor (...)” (p. 75).
O enunciado de Berliner é exemplo capaz de colocar em
xeque a ideia, muitas vezes generalizada, de tradução literal.
A definição de tradução não reside nas suposições sobre que
pode ou não ser, mas em como é feita, considerando que as
línguas estão em constante transformação e mantêm uma in-
finidade de significados a serem considerados dentro dos mais
diversos contextos, sejam eles quais forem.
Ao levarmos em conta a realidade contextual da lingua-
gem e ao concordarmos que cada língua possui suas especifici-
dades, como fica essa noção inescapável de “fidelidade” na tra-
dução difundida no senso comum? Teóricos ocuparam-se dessa
indagação por um período de longos anos e apresentei neste
capítulo, portanto, um breve panorama dos estudos da tradu-
ção desenvolvidos no Brasil, dando enfoque a vieses acadêmi-
cos que se destacaram ao propósito desta pesquisa.

1 Psicanalista e tradutora que concentra seus trabalhos em textos de ciências hu-


manas. Entre os autores que traduziu para o português inclui-se Lacan, Vygotsky,
Todorov, Confúcio entre outros.

12
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

2.1 OS ESTUDOS DA TRADUÇÃO NO BRASIL

Maria Paula Frota (2007) publicou nos Cadernos de


Tradução2 o artigo Um balanço dos Estudos da Tradução no
Brasil, mostrando que a trajetória das pesquisas no país foi
inicialmente marcada por um largo hiato entre os estudos de
Paulo Ronái (1952), autor de Escola de Tradutores - primeiro
livro nacional sobre tradução - e Paulo Paes, autor de A tradu-
ção literária no Brasil (1990).
Isso se deveu ao fato de que o intervalo entre as duas
obras foi preenchido por apenas treze livros e uma quantida-
de pequena de coletâneas e periódicos. Porém, isso não signifi-
cou a isenção de obras importantes. A Oficina de Tradução, de
Rosemary Arrojo (1985), por exemplo, é desta época e reconheci-
da como leitura obrigatória para os pesquisadores de tradução.
No entanto, Frota classificou esses trinta e oito anos como o
período embrionário dos estudos tradutórios, inclusive porque foi
naquele momento histórico que a Lei das Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira, instituída em 1968, incluiu a tradução como
disciplina em área específica nas Universidades Brasileiras.
O surgimento do reconhecimento federal e a tomada de
iniciativa dos professores acadêmicos com a criação de fóruns
de reflexão sobre tradutologia, implantou o marco inicial da
consolidação da tradução enquanto campo de pesquisa. O lan-
çamento do Encontro Nacional de Tradutores (1975) e do Grupo
de Trabalho de Tradução da ANPOLL (1986), feita por estes do-
centes, originou e fortaleceu a expansão da produção brasileira
no ramo. Desde então, cursos, palestras e boletins passaram
a ser promovidos e divulgados em parceria com a Associação
Brasileira de Tradutores (ABRATES), e pelo Sindicato Nacional
dos Tradutores (SINTRA). A formalização destas instituições, o

2  Cadernos de Tradução é a revista eletrônica do setor de pós-graduação da Uni-


versidade Federal de Santa Catarina. Possui periodicidade semestral e pode ser
conferida com mais detalhes em www.cadernosdetraducao.com.br.

13
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

reconhecimento do ofício e a divulgação dos trabalhos cientí-


ficos acresceram interesse e maior busca por novos desenvolvi-
mentos teóricos, desencadeando um consequentemente “boom”
na década de 90.
Além da obra de Paes em 1990, foi também publicado
Procedimentos Técnicos da Tradução, de Heloísa Barbosa. Esse
trabalho elencou e confrontou – como se vê mais adiante - as
teorias de tradução desenvolvidas por pesquisadores nacionais
e estrangeiros de destaque. A partir da década de 90, todos os
anos subsequentes tiveram publicações de livros, artigos e co-
letâneas resultantes de trabalhos realizados nas Universidades
Federais da Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e ainda outras de âmbito estadual. Os Estudos
de Tradução também se multiplicaram na modalidade de li-
nha de pesquisa em programas de pós-graduação. Pagano &
Vasconcelos (2003, apud FROTA, 2007, p. 145) mencionaram um
aumento gradual entre as décadas de 1980 e 1990 das pesquisas
brasileiras, tanto em nível de mestrado como de doutorado.
Da virada dos anos 2000 em diante, o ritmo de publi-
cações permaneceu crescente. Registraram-se, de 1999 a 2003,
onze publicações de livros e entre 1996 e 2004 a organização
de quinze coletâneas, denotando considerável abertura do le-
que da tradução na interface com os mais variados temas, por-
que além da concepção clássica de teoria e prática, os estudos
passaram a abordar também aspectos característicos como a
contextualização, multidisciplinaridade, discursividade, autono-
mia, metodologia de pesquisa, análise de discurso e - dentre
outras - a Teoria da Relevância, que corresponde ao embasa-
mento teórico deste livro.
Para Frota (2007, p.150), a atividade tradutora acom-
panha a produção humana “em praticamente todas as suas
esferas – científica, tecnológica, midiática, política, etc.”. Assim,
as pesquisas atingiram um nível de diversidade abrangente o
suficiente para que os objetos de estudo e suas perspectivas

14
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

fossem divididas em áreas e subáreas, correspondendo aos inte-


resses de vários campos do saber como a filosofia, a literatura,
a psicologia, a antropologia, a etnografia e a linguística3.
No que diz respeito a linguística4, Frota demonstrou no-
tável interesse à área da cognição - originária no Setor de Pós-
graduação de Estudos da Tradução da Universidade Federal
de Minas Gerais – que, segundo ela, tomou uma iniciativa de
estudos que “merecem ser adotadas por outras universidades
(...)” (p. 159). A proposta central dos pesquisadores mineiros -
de propor uma solução consensual que aplique as diferentes
abordagens teóricas de maneira conjunta – corroborou com a
concepção de Frota de que “não há como tratar da tradução,
em qualquer de suas esferas, sem que se esteja informado por
algum paradigma ou mesmo por uma série deles” (p. 153).
Na tentativa de promover um diálogo entre as investiga-
ções contemporâneas e acompanhar as tendências científicas
internacionais, esses docentes voltaram suas atenções para os
processos cognitivos atrelados ao ato tradutório. Esse interesse
demandou que a UFMG formasse uma linha de pesquisa es-
pecífica que, fomentada pelo pesquisador Fábio Alves, gerou
frutos e resultou na publicação de Teoria da Relevância e tra-
dução: conceituações e aplicações (2001), um compêndio dos
trabalhos de alunos e professores, com o objetivo de desvendar
os elementos mentais (ou computacionais5) envolvidos no pro-
cesso tradutório, e como os tradutores acionam esses elementos
e cumprem uma trajetória cognitiva.

3  Frota (2007) desenvolveu suas argumentações com base numa premissa básica de
que não há teorias da tradução, mas estudos da tradução. Esse olhar da autora para
a relação entre os conceitos de teoria e estudo permitiu entender a tradução como
uma prática interdisciplinar, e por isso, disciplina autônoma que em seu universo
abrange categorias e subcategorias variadas.
4  Como a proposta de Frota (2007) é ampla por ter como objetivo a realização de
um balanço histórico, decidi seguir mais detidamente nas relações da tradução com
a cognição, a fim de apresentar neste tópico introdutório o início desta área origi-
nária da linguística.
5  O autor considera também os processos de inteligência artificial do programa
Translog.

15
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Além dos estudos de Alves - em detalhes adiante - Frota


mencionou a investigação de Marta Rosas na obra Tradução
de Humor: transcriando piadas (2002), juntamente a uma re-
lação de teses e dissertações que foram publicadas em livro.
Diferentemente do efeito acadêmico desenvolvido por Alves,
os estudos da tradução do humor permaneceram escassos no
balanço histórico realizado pela autora, sequer categorizado
como uma subárea da disciplina.
No entanto, um assunto que não só foi discutido no desfe-
cho do artigo de Frota, mas que ocupou posição de destaque nos
desenvolvimentos da linguística aplicada à tradução, foi o reco-
nhecimento dos aspectos pragmáticos nesses processos. A pers-
pectiva que ganhou espaço6 foi a de que não há como pensar em
linguagem sem considerar o contexto, o momento histórico, os indi-
víduos envolvidos, a cognição no âmbito das crenças, convenções e
valores sociais. Quando se pensa em tradução, é preciso entender
que a língua é indissociável a estes fatores e, por isso, cada uma
detém uma infinidade de comportamentos comunicativos que cor-
rem o risco de não serem considerados ou satisfatoriamente inter-
pretados por um indivíduo de outra língua qualquer.
Esta é uma questão que foi o calcanhar de Aquiles da
Tradução, justamente por esta ser, segundo Frota (2007) “tal-
vez a única atividade da linguagem que opera na diferença
entre as línguas, culturas, momentos históricos, subjetividades
etc.” (p. 149 – negrito da autora). Por essa razão, antes de en-
trarmos nos estudos da pragmática cognitiva e nos estudos
do humor, torna-se indispensável à apresentação de alguns
pontos de vista sobre a tradução literal e a tradução livre, a
fim de identificar a importância do elemento pragmático na
compreensão dos enunciados, já que os vieses cognitivistas e
humorísticos partem, logo em primeira instância, dos estudos
da pragmática.
6  Segundo as propostas de Arrojo (1992), Martins (1999), Alves & Magalhães (2000),
Gohn (2001); Rosas (2002) e demais citados no artigo de Frota (2007

16
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

2.2 TRADUÇÃO LITERAL VS. TRADUÇÃO LIVRE.

Com o propósito de realizar uma comparação entre os


modelos teóricos disponíveis, Eloisa Gonçalves Barbosa propôs
uma nova recaracterização dos métodos tradutórios em sua
obra Procedimentos Técnicos da Tradução (1990). Suas argu-
mentações propuseram que a questão central entre as teorias
fosse a oposição da tradução livre em relação à literal, visto
que o que entra em jogo neste tipo de investigação é como a
tradução deve ser feita e os modos de traduzir.
A autora observou que a relação divergente entre os dois
extremos é decorre de um senso comum de que fidelidade na
tradução é sinônimo de literalidade, pois “todos – leigos, clien-
tes, consumidores, críticos e tradutores – têm uma noção instin-
tiva, uma expectativa, daquilo que uma tradução é ou deve ser:
fiel ao original” (AUBERT, 1987, apud BARBOSA, 1990, p. 12).
Assim, as relações com a fidelidade tendem a gerar, consequen-
temente, uma certa tensão entre conteúdo e forma, e o desafio
do tradutor passa a ser a tomada de decisão entre tradução
literal, aquela palavra por palavra e fiel estritamente à forma,
ou se ele não deverá preocupar-se com a forma mantendo fide-
lidade somente ao conteúdo.
Aderindo à concepção de Bordenave (1987), Barbosa
considerou que a tradução seria “um fazer intelectual que re-
quer um domínio de operações mentais” (1990, p.13). Em outras
palavras, uma prática humana realizada por meio de estraté-
gias lógicas, dispensadas no exercício de transferir significados
de um código linguístico a outro.
Tendo essa definição como base, a autora descreveu que
a aplicação de procedimentos técnicos na tradução serviria
como uma solução possível para lidar com a oposição entre
as práticas livre e literal. Para a proposta, Barbosa utilizou os
estudos de Vinay e Dalbernet (1977) em conjunto com as produ-

17
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

ções teóricas de Nida (1964/66), Catford (1965), Vásquez-Ayora


(1977) e Newmark (1981), realizando um comparativo entre as
investigações disponíveis até aquele momento, acrescentando,
reagrupando e eliminando alguns procedimentos para uma
nova definição técnica.
Na reorganização dessas estratégias, Barbosa (1990)
considerou os procedimentos de tradução palavra por palavra,
tradução literal, transposição, modulação, equivalência, omis-
são vs. explicitação, compensação, reconstrução de períodos,
melhorias, transferência, explicação, decalque e adaptação,
conforme se verá nos parágrafos subsequentes.
A tradução palavra por palavra seria aquela que cor-
responde à expectativa consensual da coincidência formal, es-
trutural e estilística. Segundo Albert (1987, apud BARBOSA,
1990, p. 64) acontece quando se mantém o mesmo número de
palavras e ordem sintática idêntica na sentença. Ex7: Voy al
cine/ Vou ao cinema. Porém o uso é restrito, pois nem sempre
há esta convergência entre as línguas.
O segundo procedimento é a tradução literal, que de
acordo com Barbosa é entendido de igual forma por Catford
(1965), Albert (1987:15) e Newmark (1988). Para eles, este tipo
de tradução seria aquela que mantém, estritamente, a fidelida-
de semântica adaptando-se somente as regras morfossintáti-
cas. Ex: Siempre he confiado en ti/ Sempre confiei em você. Esta
é uma prática que pode ser obrigatória na tradução de certos
documentos e também em edições bilíngues. Para Newmark
(1988 apud BARBOSA 1990, p. 66) “é o procedimento recomen-
dável sempre que for possível”.
O terceiro procedimento é a transposição, que incide na
mudança de categoria gramatical sem que se altere o conteúdo
original. Um exemplo desta estratégia pode ser observado nas

7  Os exemplos foram adaptados para a língua espanhola por ter como objetivo a
contextualização dos procedimentos de Barbosa com a proposta desta pesquisa.

18
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

frases utilizadas por Santos8 (2011): “La situación está complica-


da”, “A situação complicou-se” (p. 04). Dessa forma, uma trans-
posição do advérbio em espanhol para verbo em português.
O quarto procedimento é reconhecido por Catford (1965),
Vinay e Dalbernet (1977), Vásquez-Ayora (1977) e Newmark
(1988) como modulação. Esta técnica incide em mudar o ponto
de vista, categoria de pensamento ou enfoque, levando-se em
conta a diferença no modo como determinada língua interpre-
ta. Um exemplo em espanhol seria “Pedro ha llegado a las cinco
de la mañana” com relação a “Pedro chegou altas horas da
madrugada” em português (SANTOS, 2011, p. 04).
A quinta estratégia é a equivalência. Defendida por
Vinay e Dalbernet (1977), Vásquez-Ayora (1977) e Newmark
(1988), é entendida como a substituição de um termo por outro,
que não o traduz de forma literal, porém equivale a funcionali-
dade em questão. Tal técnica é comumente aplicada a provér-
bios, expressões idiomáticas, ditos populares ou outras do gêne-
ro. Um exemplo do espanhol ao português seria: “Buscar cinco
pies al gado” e “Procurar chifre em cabeça de cavalo” (idem, p.
05). Neste procedimento, o tradutor necessita conhecer de for-
ma mais próxima a cultura da língua a ser traduzida, para que
seu trabalho seja realizado com sucesso.
O sexto procedimento é o da omissão vs. a explicitação.
Para Barbosa, a estratégia da omissão consiste em desconside-
rar os elementos que possam parecer repetitivos na língua de
chegada. Um caso tipicamente comum do espanhol ao portu-
guês é a aplicação dos pronomes pessoais. Por exemplo: “Me he
cortado la mano” e “cortei a mão” ou “a mí me gusta naranja” e
“eu gosto de laranja” (ibidem, p. 05).

8 São exemplos que o professor Sebastião Santos utilizou em seus ensaios sobre
teorias da tradução, que - também embasados nos autores elencados por Barbosa
- foram apresentados na disciplina de Novos Modelos de Tradução, do curso de es-
pecialização em Língua Espanhola da UTP. Foram adaptados tais exemplos devido
ao fato de Barbosa utilizar a língua inglesa como referência.

19
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

A sétima estratégia, a compensação, pratica-se ao des-


locar certo recurso estilístico de uma língua para outra. Isso é
decorrente da inexistência de algum elemento ou expressão da
língua de origem em relação à língua de chegada. Dessa forma,
para que a tradução não pareça empobrecida, o efeito perdido
em dado enunciado é compensado de outra maneira em outro
momento do texto, com o objetivo de equilibrá-lo estilisticamente.
Como oitava estratégia, Barbosa apresenta a recons-
trução de períodos. Assim como a compensação, esta é uma
estratégia aplicada ao longo de um texto. Sua prática ocorre
quando é necessário reorganizar os enunciados em busca de al-
cançar a maior coerência textual possível, inclusive em relação
a períodos mais complexos, subjetivos, ou aqueles que possam
ser considerados insuficientes.
Elencadas como nona estratégia, as melhorias são as
correções de erros gramaticais presentes no texto original que
o tradutor inclui no texto traduzido.
A décima estratégia, a transferência, consiste em intro-
duzir o mesmo material do texto de origem (texto de partida)
para o texto traduzido (texto de chegada), assim como uma có-
pia. Essa é uma prática que pode ocorrer na inserção de estran-
geirismos capazes de serem interpretados de maneira comum
às duas línguas; ou na aclimatação, que seria o uso de deno-
minações ou expressões cristalizadas compartilháveis universal-
mente; e também na prática da transferência com explicação,
que é aquela que, devido à falta elementos linguísticos compa-
tíveis, mantêm-se a expressão original não traduzida e então se
coloca uma nota de rodapé com a definição em questão.
A décima primeira estratégia é a explicação. Aplica-se
esta técnica quando certas expressões contextuais de determi-
nada língua correm o risco de não serem interpretadas em ou-
tra. Por este motivo, são substituídas no próprio corpo do texto
pela sua definição.

20
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Semelhante ao fenômeno da explicação, e inserido como


décima segunda estratégia, o decalque refere-se especifica-
mente aos enunciados transformados em siglas ou outras abre-
viações, que na maioria das vezes são aplicadas a instituições
nacionais de destaque. Por exemplo: “La RAE rechaza las crí-
ticas del PSOE” traduzido para “A Real Academia Espanhola,
órgão responsável pelo controle da língua espanhola em todo
o mundo, rebate as críticas do Partido Socialista Espanhol”
(SANTOS, 2011, p. 05)9 .
A última técnica, a adaptação, é considerada o limite
máximo (ou a ausência deste) no traduzir. Este procedimento
acontece quando determinada realidade extralinguística é in-
compatível entre os falantes da língua de chegada. Isso faz com
que, obrigatoriamente, o tradutor use seus conhecimentos para
uma reformulação ou recriação do enunciado. Um caso típico
da aplicação dessa técnica possivelmente seria:

(…) imagina que alguien te llama para una charla


en su despacho y, tras la convenciones de saludos,
la persona te dice: “Pon tu culo ahí”, apuntado para
la silla que está delante de ti. Esta variante de
la lengua española sería adaptada para el portu-
gués, según las estrategias de cortesía linguística
de Brown & Levinson (1986), para algo como “puxe
a cadeira” o “senta” o en otro extremo para “senta,
por favor” (SANTOS, 2011, p. 04).

Para Barbosa, a aplicação destas treze estratégias dis-


solveria a divergência entre a tradução literal e livre, pois a
prática tradutória teria como diretriz a aplicação de procedi-
mentos técnicos específicos em cada caso em detrimento às
teorias que defendem pontos de vista sobre a aplicação de uma
ou de outra estratégia ou procedimento. Assim, “todos os proce-

9  Seguindo os procedimentos técnicos de Vásquez-Ayora (1977), Santos (2011) utiliza


este exemplo para ilustrar a amplificación, que para a proposta de Barbosa, é equi-
valente ao decalque.

21
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

dimentos são igualmente válidos, independentemente de serem


literais ou não” (BARBOSA, 1990, p. 101). Além disso, a autora
ressalta que o tradutor deve se curvar às necessidades do
leitor e isso elimina, de certa maneira, a ideia de tradução irre-
dutivelmente fiel ao original.
O fato de Barbosa ter realizado um levantamento entre as
teorias existentes, se debruçado em busca de uma nova proposta
de classificação destes estudos e, desta maneira, ter encontrado
soluções para esse emaranhado teórico, não a isentou de ter dei-
xado lacunas. Ela observa que nenhum dos autores investigados
foi capaz de construir uma chave para a compreensão das ope-
rações mentais envolvidas no processo tradutório, admitindo que
“até hoje, não foi desvendado o mistério sobre o que se passa na
cabeça do tradutor no ato da tradução” (p. 106).
Observa-se que a concepção teórica de traçar procedi-
mentos técnicos na tentativa de fusionar tradução literal e não
literal, ganhou, desde os pioneiros estudos de Vinay e Dalbernet
em 1958, posição de importância para a compreensão da práti-
ca tradutória. Porém, houve quem pensasse de outra maneira.
Rosemary Arrojo em seu livro Oficina de Tradução
(1992) declarou que se o ato de traduzir dependesse somente
10

da memorização de algumas regras, e do simples conhecimen-


to de uma língua estrangeira, as máquinas de traduzir há mui-
to tempo já teriam conseguido substituir o homem. Assim, “ao
invés de prescrever fórmulas infalíveis ou de revelar macetes
secretos que garantam uma boa tradução” (ARROJO, 1992,
p. 78) sua obra tenta mostrar que traduzir é uma atividade
estritamente complexa.
Arrojo defendeu alguns argumentos até chegar a essa
conclusão. A primeira questão levantada por ela foi o fato de a
tradução incidir na capacidade humana de produção de signi-
ficados, já que o significado de uma palavra ou texto, na língua

10  Segunda edição. A primeira foi lançada em 1986.

22
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

de partida, só é determinado através de uma leitura própria


daquele que leu e interpretou. Nesta perspectiva, o texto origi-
nal torna-se obrigatoriamente redefinido, pois:

(...) ainda que um tradutor conseguisse chegar a


uma repetição total de um determinado texto, sua
tradução não recuperaria nunca a totalidade do
“original”; revelaria, inevitavelmente, uma leitura,
uma interpretação desse texto que, por sua vez,
será, sempre, apenas lido e interpretado, e nun-
ca totalmente decifrado ou controlado (ARROJO,
1992, p. 22).

Assim, percebe-se que não há possibilidade de se alcan-


çar uma verdade única e absoluta, que expressada na (e pela)
linguagem, neutralize igualitariamente as ambiguidades, varia-
ções de interpretação e as mudanças de sentido e significado
decorrentes do tempo ou contexto. Logo, as relações de fide-
lidade ou aquilo que consideramos verdadeiro em relação ao
texto original, são interferidas pela gama de fatores que cons-
tituem nossa história pessoal, social e coletiva como tradutores.
Portanto, mesmo que se pretenda buscar uma literalidade, se-
ria “impossível resgatar integralmente as intenções e o universo
do autor, exatamente porque estas intenções e esse universo
serão sempre, inevitavelmente, nossa visão daquilo que possa
ter sido” (p. 40).
Esse resgate do “eu” como tradutor e autor na proposta
de Arrojo considera, de maneira fundamental, o fator tempo
e o fator aceitabilidade. Tanto a escrita como a leitura e a
tradução desta leitura são produtos de um determinado tem-
po, que possui suas necessidades e, estas, moldam as relações
de interesse e aceitação. Jaques Derrida (1978, apud ARROJO,
1992, p. 42) afirma que traduzir é “uma transformação: uma
transformação de uma língua em outra, de um texto em outro”.
Portanto, o ato de traduzir seria um processo de recriação de

23
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

um texto que, traduzido, seria reinserido em outro contexto his-


tórico, social e interpretativo.
Mesmo que Arrojo tenha como diretriz a visão que rompe
os paradigmas da literalidade, originalidade e todos os outros
termos que remetem a ideia de tradução como prática rígida,
imutável e controlada por regras, ela deixou claro que é dever
do tradutor o cumprimento de três tarefas fundamentais: (1) re-
produzir o texto em sua totalidade; (2) manter o mesmo estilo e
(3) manter a fluência e a naturalidade do texto original (p. 13).
Além disso, para obter sucesso na tradução um texto literário11,
por exemplo, torna-se essencial ter sensibilidade semelhante
àquela que se exige dos poetas.
Na continuidade de suas concepções teóricas, Arrojo
lançou em 1992 a obra O Signo Desconstruído, uma coletânea
de artigos sobre a reflexão desconstrutivista da linguagem,
leitura, tradução e ensino. O objetivo central nas investigações
foi argumentar a favor do abandono do logocentrismo, que
assim como fazem as teorias tradicionalistas de linguagem,
é caracterizado pela obsessão ao racional, ao lógico, e pela
necessidade de rejeição daquilo que seja subjetivo e depen-
dente do contexto. Para Arrojo, o pensamento pós-moderno
não comporta mais essa tendência histórica ultrapassada, e
os “inocentes”, que ainda se apoiam nestes modelos, precisam
buscar novas perspectivas.
No que se refere especificamente à tradução, as con-
vergências logocentristas podem ser identificadas naqueles es-
tudos que (1) ainda creem na noção de uma tradução literal
que não sofra interferência ou julgamentos do tradutor; (2)
entendem a recuperação dos significados do autor pelo tradu-
tor como um processo neutro, capaz de reproduzir uma “cópia”
estável e imutável do original, e (3) atribuem ao significado a
condição de “acondicionado”, praticado como objeto indepen-

11  Que é o objeto de estudo de Arrojo na proposta desta obra.

24
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

dente do sujeito e da história. Sendo assim, o que deve ser


compreendido é que:

Qualquer tradução, por mais simples e despreten-


siosa que seja, traz consigo as marcas de sua reali-
zação: o tempo, a história, as circunstâncias, os ob-
jetivos a e perspectiva de seu realizador. Qualquer
tradução denuncia sua origem numa interpreta-
ção, ainda que seu realizador não a assuma como
tal. Nenhuma tradução será, portanto, “neutra” ou
“literal”; será, sempre e inescapavelmente, uma lei-
tura (ARROJO, 1992 p. 78).

Nesta perspectiva, chegou-se à conclusão que os moldes


logocêntricos só seriam possíveis e aceitáveis na linguagem se
“um leitor, no exato momento da leitura, pudesse se esquecer
de tudo que o constitui como sujeito: seu inconsciente, sua his-
tória, sua cultura, sua ideologia” (ARROJO e RAJAGOPALAN,
1992, p. 88).
Entendendo, portanto, o desconstrutivismo como uma
proposta que rompe os paradigmas da visão tradicionalista da
linguagem como uma prática engessada, Arrojo defende que
se leve em conta o autor, tradutor e leitor como indivíduos, que
inseridos em um contexto, são possuidores de uma cultura e
interagem com seus pares segundo suas necessidades, interes-
ses e valores sociais pertencentes a um dado momento histórico.
Além disso, é uma vertente teórica que reconhece os indivídu-
os como detentores de uma “realidade mental” formada por
sentimentos, emoções e ideologias próprias. Assim, essa nova
reflexão propôs o resgate do humano, do individual e do con-
textual na prática tradutória que, entendidos como elementos
pragmáticos, serão vistos com mais detalhes a seguir.

25
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

2.3 PRAGMÁTICA E TRADUÇÃO

Mesmo que seja óbvia a importância do contexto no tra-


balho do tradutor, a relação do contexto com a tradução nem
sempre é tão estreita quanto parece. Não apenas pelo fato
de que, incrivelmente, alguns profissionais ainda adotem uma
visão arcaica - conforme discutido anteriormente - mas porque
nem sempre o contexto está, em tempo real, à disposição do
tradutor. Isso pode acontecer de várias formas, sejam elas por
razões históricas, geográficas, temporais, culturais etc. O que o
tradutor tem como garantia é o seu próprio contexto, aquele
para o qual a tradução será produzida, segundo as necessida-
des de seu público alvo.
Mas e o contexto em que foi escrito o texto original?
O que acontece, em termos de competência e processamen-
to textual, quando o tradutor precisa lidar com uma situação
comunicativa distanciada histórica, temporal, geográfica e cul-
turalmente da qual se encontra inserido? Pesquisadores como
Alves e Carvalho Neto (2006) e Gonçalves (2003) buscaram
respostas para estes (e outros) questionamentos.
Para Alves e Carvalho Neto (2006), o contexto é
entendido, numa perspectiva funcionalista, como a soma das
informações de natureza enciclopédica que abrangem os mais
diversos domínios do conhecimento humano, e que configuram
os traços socioculturais de uma situação comunicativa da lín-
gua de partida, na qual estão inseridas as respectivas língua e
cultura. (REISS e VERMEER, 1984, apud ALVES e CARVALHO
NETO, 2006, p. 13-14).
Nesse viés teórico, o contexto funcionaria como elemento
central na produção de uma tradução tendo em vista que, natu-
ralmente, ela é dirigida a uma outra situação de chegada. Assim,
se o caráter enciclopédico do contexto não for domínio do tradu-
tor, certamente surgirão problemas na tarefa tradutória.

26
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

No entanto, segundo esses mesmos pesquisadores, o


desenvolvimento teórico sobre um caráter contextual, de na-
tureza enciclopédico-mental assumido por estudos funcionalis-
tas dentro da linguística, e consequentemente nos estudos da
tradução da época, foram insatisfatórios porque não explica-
vam suficientemente as questões do processamento inferencial
relacionado às situações comunicativas, e que muito interes-
savam enquanto se tomava um rumo cognitivista no entendi-
mento sobre comunicação.
Movidos por esta insatisfação dentro dos estudos da lin-
guística e da antropologia, Sperber e Wilson (2001) passaram
a argumentar, por meio da Teoria da Relevância12 (de aqui em
diante TR), que a comunicação não se resume somente pelo
modelo de Grice (1975), no qual as relações comunicativas são
regidas por uma cooperação mútua entre interlocutores, que
geram implicaturas resolvidas via inferência. Para eles, este é
somente um dos fatores cognitivos envolvidos na interpretação
de enunciados. Além disso, no arcabouço teórico da TR o con-
texto é apresentado como:

(...) uma instância mental, definida por meio do


conceito que denominam ambiente cognitivo, isto
é, o conjunto de informações disponíveis e poten-
cialmente disponíveis a um determinado indivíduo
no âmbito de uma dada situação de comunicação.
(...) emerge a partir das informações conscientes
de um indivíduo, mas pode ser enriquecido por in-
formações das quais esse mesmo indivíduo venha
a se conscientizar (ALVES e CARVALHO NETO,
2006, p. 14).

Para Alves e Carvalho Neto (2006) a perspectiva mental


de contexto, levantada por Sperber e Wilson (1986), não apenas
redireciona o leme dos estudos dos processos inferenciais huma-

12  Teoria apresentada pelos autores na obra Relevance: communication and cogni-
tion. Oxford: Blackwell, 1986/1995.

27
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

nos, como serve de aporte para solucionar problemas relacio-


nados à tomada de decisão em contextos de tradução.13 Nesse
sentido, surgiu o interesse de recorrer aos conceitos da Teoria da
Relevância em busca de desvendar o “mistério sobre o que se
passa na cabeça do tradutor no ato da tradução”, desafio este
inicialmente aceito por Gutt (1991) e que será apresentado logo
depois da síntese da teoria, já que os estudos deste autor fazem,
de forma correlata, analogia aos procedimentos da TR.

2.3.1 A Teoria da Relevância14: uma proposta cognitiva para a


comunicação.

Sperber e Wilson (2001) definem que a relevância é uma


propriedade que se atém, de maneira potencial, não somente
aos enunciados, mas aos pensamentos, recordações e conclu-
sões de outras inferências já realizadas. Dessa maneira, qual-
quer estímulo ou representação que sirva como input, pode ser
considerado relevante. Para Rauen (2005, p. 35), “a relevância
é uma propriedade dos inputs (enunciados, pensamentos, me-
mórias, percepções sensoriais, etc.) direcionados aos processos
cognitivos”. Assim, um input torna-se relevante para um indiví-
duo quando pode aprimorar o conhecimento sobre aquilo que
lhe interessa, ou seja, quando seu processamento, no contexto
prévio de supostos da mente, produz um efeito cognitivo.
Mas o fato é que nem sempre os inputs somam ou for-
talecem o contexto cognitivo produzindo efeito. Um input pode
enfraquecer ou entrar em contradição com suposições já exis-
tentes, podendo acarretar revisão ou abandono dessas suposi-
ções. Dessa maneira, são estabelecidas a um input relações de

13  Questionamento já levantado por Barbosa (1990), apresentado na página 17 des-


ta pesquisa.
14  Como, de aqui em diante, abordaremos a TR em conjunto com cada perspectiva
teórica, realizaremos uma breve apresentação dos conceitos centrais da teoria e
aprofundaremos conforme necessidade de cada tema no decorrer do texto, com o
objetivo de que não ocorra redundância ou desgaste na leitura.

28
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

grau: um estímulo pode ser de maior ou menor importância, os


supostos contextuais (suposições levantadas pelo contexto cog-
nitivo) podem ser de maior ou menor acessibilidade e os efeitos
cognitivos mais fáceis ou mais difíceis de se derivar.
Considerando estes elementos, na TR segue-se um princí-
pio cognitivo econômico-produtivo: quanto maiores os efeitos
(ou efeitos contextuais mentais) ao processar um input, com
o menor esforço de processamento, maior será a relevância, e
quanto maior for o esforço de processamento (esforço de aces-
sibilidade), menor será a relevância do input para o indivíduo.
Logo, para que uma suposição seja tida como relevante, são
necessários vários efeitos contextuais com o mínimo de esforço
para processá-los.
Nesta perspectiva, considera-se a existência de um prin-
cípio cognitivo em que a tendência cognitiva universal é ma-
ximizar a relevância e, se temos consciência dos estímulos que
maximizam a relevância do outro, somos capazes de produzir
estímulos que atraiam a atenção e incitem a ativação de de-
terminados supostos contextuais, capazes de conduzir o outro à
conclusão que pretendemos que chegue. A este percurso inten-
cionado e intuitivo, Sperber e Wilson denominaram comunica-
ção ostensivo-inferencial.
Essa relação de reconhecimento de estímulos entre os
interlocutores recai no “Princípio Comunicativo de Relevância”,
que nomeia o estímulo ostensivo como responsável por criar
uma expectativa de relevância ótima. Segundo a TR, um
enunciado é otimamente relevante quando é atrativo o sufi-
ciente para que valha a pena ser processado. Assim, o emissor/
falante/autor (aqui autor), com o interesse tornar seu signifi-
cado manifesto ao receptor, vai fazer do seu estímulo o mais
ostensivo possível para que seja compreendido (inferido), pro-
porcionando ao receptor/ouvinte/leitor (aqui leitor) evidências
que possibilitem atingir o objetivo da comunicação. Por outro
lado, num jogo interativo, a meta do leitor é a de alcançar uma

29
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

interpretação que atinja a expectativa de relevância ótima re-


alizada pelo autor.
Para que isso ocorra, demanda-se do leitor, embasado
na codificação linguística e seguindo um percurso de esforço
mínimo, que enriqueça esses inputs, de forma a obter o sig-
nificado explícito e preenchê-lo em nível implícito, até que a
interpretação se dê por cumprida, conforme a expectativa de
relevância (SPERBER e WILSON, 2001, p. 12-13).
Tendo em vista esta relação entre explícito e implícito na
produção dos enunciados, o procedimento de interpretação é
defendido na TR sob a premissa de que o objetivo do leitor é
elaborar hipóteses mediante a decodificação, desambiguação
e outros processos pragmáticos de enriquecimento através dos
mecanismos inferenciais em busca de se obter a explicatura.
Como todo conteúdo proposicional, segundo a TR, é
entendido como uma forma lógica, a “forma lógica não pro-
posicional” é aquela cuja explicatura ainda não foi realizada,
estando restrita ao código a ou forma puramente linguística. A
“forma lógica proposicional”, ou forma proposicional, respecti-
vamente, é a forma linguística enriquecida ao nível de explica-
tura que, por sua vez, compõe uma premissa implicada, geran-
do uma conclusão implicada, que acarreta uma implicatura.
Diferentemente da concepção griceriana, na TR apre-
senta-se que a interpretação do implícito não se dá, necessa-
riamente, de forma ordenada (forma lógica, explicatura e im-
plicatura), mas simultaneamente por ordem de acessibilidade
mental. Desse modo, para Sperber e Wilson “as explicaturas
e as implicaturas (que são premissas implícitas e conclusões)
acontecem mediante um processo de ajuste paralelo mútuo,
com hipóteses sobre ambas, consideradas por ordem de acessi-
bilidade” (2004, p. 254).
Frente aos conceitos postulados pela TR, posso dizer,
em síntese, que o percurso cognitivo-interpretativo entre au-
tor e leitor ocorre da seguinte maneira: o leitor identifica o

30
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

conceito codificado linguisticamente através de uma pista (hi-


pótese) do significado do autor. Guiado por suas expectati-
vas de relevância, e diante do uso dos supostos contextuais
acessados pela entrada enciclopédica do conceito que fora
linguisticamente codificado, começa então a derivar efeitos
cognitivos. Estes efeitos dissolvem as explicaturas e implicatu-
ras. Quando o ouvinte obtém os efeitos suficientes para satis-
fazer sua expectativa de relevância, detém o processo. Assim
sendo, o grau de relevância (maior ou menor) do indivíduo
determina a compreensão dos enunciados.
A partir dessa base teórica e buscando entender os pro-
cessos mentais envolvidos na atividade tradutória, Gutt de-
senvolve suas considerações à tradução em uma abordagem
cognitivista.

2.3.2 Os estudos pioneiros de Ernest August-Gutt

Ernest-August Gutt, membro do Summer Institute of


Linguistics (SIL) e reconhecido tradutor de textos bíblicos
inaugurou, em 1991, uma nova abordagem científica para os
estudos de tradução em sua obra Translation and Relevance:
Cognition and Context. Supervisionado por Deirdre Wilson15,
Gutt aplicou pela primeira vez a Teoria da Relevância nos
desenvolvimentos tradutórios, superando limitações de várias
teorias fundamentadas nos conceitos de fidelidade, equivalên-
cia ou funcionalidade16.
Segundo o princípio da Relevância de Sperber e Wilson
(1995), a mente humana processa a comunicação (manipulando
ou operando com representações mentais) por meio de dois ti-

15  Em sua tese de doutorado, que resultou a publicação mencionada. Mais detalhes
sobre esta informação, ver Alves e Carvalho Neto, 2006.
16 Por ser de vertente cognitivista, as aplicações teóricas de Gutt (1991) oferecem
explicações para os processos inferenciais envolvidos no ato tradutório, cujas teorias
mencionadas, por mais que tentem, não possuem arcabouço teórico suficiente para
explicar. Devido ao enfoque desta pesquisa, não nos aprofundaremos em comparar do
trabalho de Gutt em relação a elas. Para contemplar com mais detalhes, consultar os
estudos de Gonçalves, 2003, cujos dados se encontram nas referências bibliográficas.

31
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

pos de uso linguístico: o uso descritivo e o uso interpretativo. O


uso descritivo é a relação entre uma configuração mental (que
é uma representação mental ou um conjunto delas) e seu valor
de verdade num estado de coisas do mundo físico ou fictício.
Já o uso interpretativo é a relação entre duas representações
mentais que compartilham de alguma maneira, propriedades
lógicas e efeitos contextuais entre si.
A partir destes termos originários da TR, Gutt (2000)
traçou um paralelo entre o conceito de uso interpretativo e tra-
dução direta - que para ele seria a que “supõe se assemelhar
interpretativamente ao original e completamente no contexto
imaginado para o original” (p. 24) – de modo que esta, de igual
maneira, gerasse formas proposicionais distintas que comparti-
lham propriedades lógicas entre si. Nessa concatenação entre
o processo cognitivo e o fazer tradutório, Gutt desenvolveu o
conceito de semelhança interpretativa pois, segundo ele

Uma característica essencial das formas proposi-


cionais é que elas têm propriedades lógicas: e é
uma virtude dessas propriedades lógicas que po-
dem se contradizer, implicar uma na outra e apre-
sentarem outras relações lógicas entre si. Uma vez
que todas as formas proposicionais têm proprie-
dades lógicas, duas formas proposicionais podem
ter algumas dessas propriedades em comum. Da
mesma forma, podemos dizer que as representa-
ções mentais cujas formas proposicionais compar-
tilham propriedades assemelham-se em virtude
dessas propriedades lógicas compartilhadas. Esta
semelhança entre formas proposicionais é chama-
da de semelhança interpretativa (GUTT, 1991, apud
GONÇALVES, 2003, p. 40).

Como vimos no tópico anterior, quando realizamos o pro-


cessamento de um enunciado qualquer, este passa a configu-
rar em nossa mente uma determinada representação mental.

32
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Esta representação mental de propriedades lógicas é entendi-


da pela TR como forma proposicional. Porém, até que se atinja
esta forma (lógica) proposicional, nossa mente, em resposta a
um estímulo ostensivo inferencial, realiza uma trajetória cogni-
tiva com o objetivo de enriquecer os inputs de forma a obter o
significado explícito, e preenchê-lo a nível implícito, até que a
interpretação se dê por cumprida.
Atendendo, portanto, a necessidade de satisfação inter-
pretativa desencadeada pelo estímulo ostensivo, o objetivo do
leitor é então elaborar suposições que sustentem, explicita e
implicitamente, a presunção de relevância ótima transmitida no
enunciado. Logo, são subtarefas do processo global de interpre-
tação elaborar hipóteses mediante a decodificação, desambi-
guação e outros processos a nível pragmático de enriquecimen-
to, até que os níveis de forma lógica, explicatura e implicatura
sejam alcançados17. Com base nisso, Gutt ampliou o conceito de
semelhança interpretativa,

Considerando, mais além, que a função principal


de um enunciado é expressar um conjunto de su-
posições que o emissor pretende transmitir, parece
razoável definir semelhança interpretativa entre
enunciados em termos de suposições comparti-
lhadas pelas interpretações pretendidas desses
enunciados. Uma vez que o conjunto de suposições
que se espera que um enunciado expresse consiste
em explicaturas/e ou implicaturas, podemos dizer
que dois enunciados ou, ainda mais genericamen-
te, que dois estímulos ostensivos assemelham-se
interpretativamente à medida que compartilhem
suas explicaturas e/ou implicaturas.Esta noção de
semelhança interpretativa é independente de os
enunciados em questão terem ou não uma forma
proposicional, mas, ao mesmo tempo, é dependen-

17  Não necessariamente nessa sequência, pois Segundo Sperber e Wilson (2004, p.
254) estas etapas interpretativas ocorrem mediante a um ajuste paralelo mútuo por
ordem de acessibilidade.

33
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

te do contexto, uma vez que as explicaturas e im-


plicaturas de enunciados o são (GUTT, 1991, p. 40).

Em termos específicos de tradução, os conceitos da TR em


conjunto com a noção de semelhança interpretativa, direcionam
tanto a configuração do contexto quanto a produção de implica-
turas. Assim, para Gutt, se substituirmos o conceito de enunciado
pelo de “unidade de tradução (UT)”, o ato tradutório seria um
processo de comunicação interlinguistica (ou uso interpretativo
interlingual), cujo fundamento é a semelhança interpretativa en-
tre enunciados convergentes nas duas línguas de tradução. Em
outras palavras, o processo tradutório se fundamenta na “busca
e atribuição de semelhança interpretativa entre duas unidades
de tradução derivadas de dois sistemas linguísticos distintos”
(ALVES e CARVALHO NETO, 2006, p. 16).
Amparado neste ponto de vista cognitivo, Gonçalves
(2003/2005) ilustra os conceitos de Gutt no seguinte diagrama:

Fonte: Gonçalves (2005 p. 144).

A pretensão de Gonçalves (2003/2005) com este esque-


ma, foi demonstrar que o processo tradutório é caracterizado
pela atribuição e avaliação da semelhança interpretativa óti-
ma, entre pares de efeitos contextuais originários do proces-
samento inferencial de unidades de tradução mútuas: uma na
língua-fonte (LF) outra na língua-alvo (LA).

34
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Outro conceito postulado por Gutt (2000) e fundamen-


tal para o empenho do tradutor na busca de semelhança in-
terpretativa entre um texto de partida (TP) e um texto de che-
gada (TC), é o de contexto artificial. Para Gutt, são contextos
artificiais aqueles que estão distanciados espacial, temporal e
culturalmente de um determinado TP em relação a um TC. Isso
ocorre quando o público-alvo do TC não possui, devido a estes
afastamentos, acesso ao contexto de produção do TP. Essa difi-
culdade contextual pode ser observada, por exemplo, em textos
informativos que são atuais em relação ao texto de partida,
que abordam questões culturais, políticas, religiosas e outras
que o tradutor pode desconhecer.
Um desafio mencionado por Alves e Carvalho Neto
(2006) são os textos bíblicos, em que o contexto de produ-
ção possui uma grande distância dos leitores atuais e a falta
de um “cuidado especial” com esse contexto pode comprome-
ter, significativamente, o grau de semelhança interpretativa
requerido na tradução. Nesse sentido, esse tipo de texto foi
caracterizado pelos autores como um tipo de tradução que
demanda do tradutor um esforço de processamento capaz de
expandir o seu ambiente cognitivo e incorporar a gama de
sutilezas pertencentes ao gênero. A estas possíveis dificulda-
des acarretadas pelos contextos artificiais do TP, o tradutor
torna-se propenso à realização de dois tipos de trabalho, o in-
tuitivo e o analítico. Porém, a aplicação destas práticas incita
os seguintes questionamentos:

Supondo-se que tenhamos, normalmente, intuições


“naturais” com respeito à relevância, o que acon-
tece em nossas mentes quando estamos lidando,
não com nosso contexto existente “naturalmente”,
mas com um artificial? Podemos de alguma ma-
neira imergir nós mesmos naquele contexto e ain-
da assim proceder intuitivamente? Ou temos que
trabalhar “refletidamente” ou “analiticamente”

35
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

mais do que “intuitivamente”? Há uma diferença?


E se houver qual? (GUTT, 2000 apud ALVES e
GONÇALVES, 2006, p. 17).

Conforme mostram os conceitos da Teoria da Relevância


em relação à tradução, é percurso cognitivo do tradutor buscar
a semelhança interpretativa de forma a preencher os níveis ex-
plícitos e implícitos do texto de partida. No que se refere a con-
textos artificiais, esta tarefa torna-se ainda mais delicada, pois
ao contrário do que aconteceria normalmente, o tradutor (que
também é leitor) não está inferindo a partir de um ambiente
cognitivo que seja, de forma mútua, manifesto ao seu.
Neste caso, a falta de congruência com o ambiente cog-
nitivo partilhado com o público do TP, fará, naturalmente, com
que o tradutor tenha que desprender esforços extras para su-
prir esta demanda. Em outras palavras, o tradutor terá que,
de alguma maneira “reconstruir18 o ambiente cognitivo mutua-
mente manifesto entre o comunicador original e sua audiência”
(GUTT, 2000, apud ALVES e GONÇALVES, 2006, p. 17).
A tomada de consciência do tradutor, em relação ao es-
treito vínculo entre semelhança interpretativa e contexto arti-
ficial, é fundamental para compreender a prática tradutória
e antecipar as necessidades de adequação que os contextos
distantes exigem da tradução, uma vez que não fazem parte
da realidade do tradutor e de sua audiência. Assim, o trabalho
do tradutor demanda três etapas indispensáveis: (1) o tradutor,
munido de ferramentas apropriadas, deverá disponibilizar-se
a interpretar o contexto de produção do texto de partida; (2)
deverá verificar a acessibilidade de tal interpretação em re-
lação ao público (audiência) do texto de partida levando-se
em conta os efeitos contextuais produzidos, e (3) utilizando-se

18  Nota-se aqui uma compatibilidade com as reflexões de Arrojo (1992). Isso se dá
pelo fato de que ambas as perspectivas adotam o contexto como fator determinante
a tradução.

36
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

da semelhança interpretativa, prover condições, por meio das


explicaturas e implicaturas do texto de chegada, para que seu
público-alvo alcance uma interpretação semelhante e de igual
maneira acessível aquela imaginada (e planejada) para o texto
de partida.
Desta forma, Gutt lança as bases para um entendimento
do processo tradutório, abrindo precedentes para que as diver-
sas teorias sobre tradução até aquela época fossem repensa-
das. Assim, tendo como arcabouço teórico a abordagem cogni-
tiva de Gutt, realizei aqui um caminho em busca de entender
“como” é processada a tradução humorística, e quais aspectos
cognitivos estão envolvidos na trajetória inferencial percorrida
para que ela ocorra com sucesso.
Para possibilitar essa proposta, apresento no próximo ca-
pítulo algumas abordagens teóricas sobre tradução, humor e
teoria da relevância.

37
Capítulo II

TRADUÇÃO DE HUMOR

Fonte: Quino, Toda Mafalda (2008, p. 383)

Refletir sobre o fenômeno do riso demanda uma série


de questionamentos, sobretudo se for analisado sob a ótica da
linguística. O fato é que o humor e a tradução humorística são
áreas ainda carentes de investigações científicas no meio aca-
dêmico brasileiro, mesmo sabendo-se que esses temas são um
objeto de estudo promissor para o entendimento das relações
entre linguagem, significação, contexto e cultura. Marta Rosas
(2002), cujos trabalhos fundamentam-se na relação entre essas
áreas, afirma que:
Infelizmente, tratam-se ambos os campos de uma
espécie de “patinhos feios” da Academia. No caso
da tradução a investigação linguística até hoje
não prosseguiu senão de forma que deixa muito a
desejar (...) Assim, tendo a princípio relegado a úl-
timo plano aquilo que representava a chave para
uma melhor compreensão do seu objeto de estudo,
a ciência da linguagem se fez por muitos anos a
despeito de um ponto cego: a hesitação em abor-
dar o tema da significação – crucial para uma te-
oria tanto da tradução quanto do humor verbal –
dentro da própria linguagem (ROSAS, 2002 p. 16)

38
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Embora seja esta a realidade existente nesses estudos,


além de Rosas (2002) outros pesquisadores como Brezolin
(1997), Queiroz (2007), Lessa (2008), Silva (2010), Santos
(2009)19 (e um estudo ainda incipiente de minha autoria em
2010), não hesitamos em construir argumentos a fim de mostrar
que o humor é um gênero sério e promissor para os desenvolvi-
mentos e aplicações das teorias linguísticas modernas, e estas,
úteis para se compreender o fenômeno da tradução. Como afir-
ma Santos (2009), o texto humorístico - especificamente pia-
das – pode oferecer uma infinidade de elementos para análise,
justamente por ser

(...) relativamente breve – mas nem por isso me-


nos complexo que os textos longos -, um gênero de
caráter anônimo, de domínio público, por abordar
temas politicamente não-corretos, por não reivin-
dicar nenhuma autoria, por fazer parte do imagi-
nário coletivo, do folclore brasileiro, por pertencer
à cultura popular, a piada pode e deve ser anali-
sada não só textualmente e psicologicamente, mas
filosoficamente, sociologicamente, literariamente,
estilisticamente e, é claro, linguística e pragmati-
camente, pois se revela como rico e abundante ma-
terial de pesquisa, porque já vem com uma certa
garantia de humor (SANTOS, 2009, p. 5).

Santos (2009) chamou a atenção para que o humor


fosse considerado como uma área interdisciplinar, porque
abrange em sua produção os mais diversos desenvolvimentos
comunicativos, atrelados a elementos linguísticos, comporta-
mentais, sociais e, principalmente, cognitivos e culturais. Este é
o principal momento em que as duas áreas, tradução e humor,

19  Aporte teórico desta pesquisa em relação à linguagem humorística sob a ótica
cognitivista. Os anteriores tratam, especificamente, da tradução do humor. Existem
outras publicações e investigações acadêmicas nacionais disponíveis, como Schmitz
(1996), Possenti (1998), Tagnin (2005) e outros, porém, para a proposta deste traba-
lho, concentrei nos que foram mencionados.

39
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

assemelham-se em seu conteúdo. Ambas as áreas dependem,


indissociavelmente, do contexto individual, social e cultural
daqueles que estão envolvidos na produção e recepção de
seus processos comunicativos.
Tendo em vista essa semelhança, envolvimento - ou cum-
plicidade por assim dizer - entre os campos e reconhecendo
que eles podem formar uma unidade, a questão se coloca neste
capítulo é como se dá, portanto, a tradução de textos humo-
rísticos revestidos predominantemente de estereótipos e outros
domínios discursivos polêmicos, construídos e adquiridos por
meio de valores inerentes a cada cultura? Em outras palavras,
como fazer o humor funcionar em outra língua? Traduzir humor
é traduzir cultura? Isso é possível?
Para apresentar abordagens sobre a tradução do hu-
mor, adotei as perspectivas teóricas de Rosas (2002), Brezolin
(1997), Queiroz (2007), Lessa (2008) e Silva (2010). Sobre a
interpretação humorística do ponto de vista cognitivo, utilizei
como referencial teórico os estudos de Santos (2009) utilizado
em uma pesquisa minha de 2010.

3.1 TRADUÇÃO DO HUMOR: TRADUZIR,


TRANSCREVER OU RECRIAR PIADAS?

Em seu livro Tradução de humor: transcriando piadas,


Rosas (2002) partiu do princípio de que a valorização das re-
lações entre as palavras é intrínseca à valorização do contexto
em que elas são empregadas, sendo o elemento linguístico in-
separável do cultural.
Valendo-se do constructo de língua-cultura, a autora es-
tabeleceu que os estudos da tradução e do humor são centra-
dos na linguagem e que esta “não possui um valor em si, mas
“em mim” (...) e na relação que “eu” estabeleço com o “outro””
(ROSAS, 2002, p. 20), sendo texto e contexto uma unidade

40
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

interpretativa no plano das significações individuais, sociais e


culturais. Nessa linha teórica, Rosas corroborou ainda com as
ideias de Niedzielski (1989) quando ele afirmou que

O senso de humor depende de vários fatores so-


ciais e mesmo individuais. Vez que cada comuni-
dade cultural organiza seu próprio sistema de va-
lores, costumes, comportamentos de modo distinto
do de qualquer outra comunidade, as normas e
incongruências variam de cultura para cultura. Na
verdade, a percepção e a expressão do humor são
determinadas pela lógica coletiva de uma dada
comunidade e pela lógica particular, dela deriva-
da, que possui cada membro dessa comunidade
(NIEDZIELSKI, 1989, apud ROSAS, 2002, p. 23).

A partir deste ponto de vista, nota-se que, de igual ma-


neira, o fenômeno tradutório é também dependente desses fa-
tores, especialmente quando se trata da tradução humorística,
por ser um processo que demanda o desafio de transferir um
discurso próprio, de um contexto particular, para um ambiente
diferente e até discrepante em termos linguísticos e culturais.
Além disso, torna-se um processo bem sucedido se, e somente
se, a reformulação do enunciado manifestar um efeito seme-
lhante ao da mensagem humorística original, proporcionando
ao leitor uma sensação de prazer.
Reconhecendo a complexidade da tarefa, Rosas (2002)
aborda a tradução do humor sob a ótica funcionalista20, de-
senvolvida por Reiss e Vermeer (1996). Esses pesquisadores for-
mularam a teoria do escopo, cuja ideia central é que “o princí-
pio dominante de toda translação é sua finalidade” (REISS e
VERMEER, 1996, apud ROSAS, 2002, p. 46). Assim, a finalida-
de da tradução para eles determinaria “o que” e “como” fazer
uma tradução:

20  Rosas (2002) considera a abordagem funcionalista como uma concepção prag-
mática. “(...) é uma abordagem funcionalista – e, portanto, - pragmática (...)” (p. 45).

41
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

(...) suponhamos que se queira traduzir o Gênese


(sic) com a função de texto ritual (...). É importan-
te reproduzir o texto o mais literalmente possível;
seu sentido é secundário. Suponhamos que se quei-
ra traduzir a Bíblia com uma função estética. Será
mais importante alcançar um valor estético, de
acordo com as expectativas da cultura final (!), que
reproduzir o texto literalmente. Suponhamos que se
queira traduzir a Bíblia com a função de texto infor-
mativo. O importante será que fique claro o sentido
do texto (na medida do possível); nesse caso, exis-
tem objetivos subordinados: para os teólogos, para
os leigos na matéria etc. (...). Portanto, não existe
a (única forma de realizar uma) tradução de um
texto; os textos-meta variam dependendo do escopo
que se pretende alcançar (REISS e VERMEER,
1996, apud ROSAS, 2002, p. 47).

Em síntese, é uma teoria na qual se propõe que a ação


tradutória é regida por sua finalidade, sendo o escopo um ob-
jetivo comunicativo variável, contudo dependente dos interlocu-
tores em relação ao texto-meta.
Tendo como pontual a importância público, desde o
cliente editor a audiência final, outro elemento indispensável à
teoria são as relações culturais. Para Reiss e Vermeer (1996), um
dos motivos que fazem com que o escopo do texto final se dife-
rencie do texto de partida é o fato de a tradução requerer uma
transferência cultural e linguística, de forma que a transposi-
ção de uma estrutura para outra implique, necessariamente, na
adequação desses elementos já que passam a fazer parte de
um novo contexto de inter-relações. Assim sendo, a tradução é,
para esses pesquisadores, uma operação transvalorativa, em
que seus diferentes valores são, inevitavelmente, substituídos e
alocados no texto traduzido.
Partindo dessas relações de escopo, transferência cultural
e linguística, e ainda, do estabelecimento de um novo contexto
para o texto traduzido, Rosas (2002) afirma que a aplicação

42
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

da abordagem funcionalista na tradução do humor organiza-se


no cumprimento de três etapas.
Segundo ela, primeiramente determina-se na tradução
(1) o escopo, ou seja, identifica-se o público alvo, seu possível co-
nhecimento linguístico, o saber enciclopédico e a abertura ide-
ológica a domínios discursivos “politicamente incorretos”. Feito
isso, define-se como escopo principal a finalidade do que ela
chama de “translação”, neste caso, o riso. Após o estabelecimen-
to do escopo, (2) são atribuídos os novos valores, procurando
analisar os elementos linguísticos e culturais a serem modifica-
dos no texto de chegada. Definidos o escopo e imputados (se
necessário) esses novos valores, (3) busca-se, então, estratégias
para a obtenção de um efeito análogo àquele manifesto na lín-
gua-cultura de partida, privilegiando o que mais se assemelha
a oferta informativa do texto original.
A partir da perspectiva21 funcionalista e a descrição e
observação dessas etapas essenciais, Rosas realiza na segunda
parte de sua obra algumas análises tradutórias de piadas (do
inglês para o português), com o objetivo de fazê-las funcionar
em outra língua e, com isso, concluiu que uma abordagem de
viés pragmático multiplica as possibilidades da tradução do
humor. Sírio Possenti22 (2003) ao opinar sobre o trabalho de
Rosas (2002), afirmou que

O exemplo é excelente (...). Quando se obtém uma


boa solução do ponto de vista das alusões da pia-
da, pode-se ver que ela não decorre da homofonia
de duas expressões, mas da polissemia – digamos
assim (...). A meu ver, trata-se de boas soluções,
certamente criativas. A pergunta é: qual o limite
que a teoria pode impor, que não pode ser ultra-
passado, para distinguir uma tradução criativa da

21  Rosas também utiliza como aporte teórico a Teoria Geral do Humor Verbal de
Victor Raskin (1985), porém não a apresento aqui devido ao recorte do livro.
22  Autor de Humores da Língua: análises linguísticas de piadas. Campinas: SP.
Mercado das Letras, 1998.

43
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

substituição de uma piada por outra, que tem o


mesmo efeito porque é engraçada e incide sobre
o mesmo tema? Em outras palavras: se é verdade
que traduzir não é transportar um sentido intoca-
do de uma língua para a outra, qual é o critério
que garante que outra versão ainda é tradução?
(POSSENTI, 2003, p. 233).

O primeiro questionamento de Possenti (2003) é perti-


nente, embora o segundo já tenha sido respondido ao longo do
capítulo um desta pesquisa23. Adauri Brezolin (1997) ofereceu
uma explicação bastante clara em relação ao que ele chama de
“tradução criativa”, e como os mecanismos linguísticos, pragmá-
ticos e culturais se articulam na recriação do humor na tarefa
de recuperar o efeito humorístico no texto traduzido, conforme
a seguir.

3.2 HUMOR: SIM. É POSSIVEL TRADUZI-LO E


ENSINAR A TRADUZI-LO

Reconhecendo a tradução do humor como uma discussão


complexa, e até mesmo controvertida, Adauri Brezolin (1997)
expos em seu artigo Humor: sim. É possível traduzi-lo e ensinar
a traduzi-lo, importantes considerações sobre a tarefa do tra-
dutor e do professor de tradução frente ao desafio inescapavel-
mente proposto pela linguagem humorística.
O que motivou o autor a construir argumentos sobre o
assunto não foi apenas a demanda de um tema pouco abor-
dado, mas também, e inclusive, a concepção teórica postulada
anteriormente por Schmitz24 (1996) quando este afirmou que

A resposta para a pergunta se é possível traduzir o


humor é: em termos. Quando o humor depende do

23  Ver os argumentos de Rosemary Arrojo a partir da página 23.


24  Autor do artigo Humor: é possível traduzi-lo e ensinar a traduzi-lo? Tradterm,
vol. 03, 1996.

44
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

contexto ou da situação, não existe problema na


tradução de piadas ou chistes. Todavia, quando se
trata de humor que envolva ambiguidade fonoló-
gica, semântica ou sintática, é mais difícil traduzir,
devido às diferenças estruturais entre a língua de
partida e a língua de chegada (...). Cumpre obser-
var que o critério para a tradução de piadas de
uma determinada língua para a outra não deve
ser baseado na reconstrução de um determinado
texto humorístico original (SCHMITZ, 1996, p. 87-
88 apud BREZOLIN, 1997, p. 16).

Com base nas declarações de Schmitz (1996), que até


então havia sido um dos poucos teóricos da tradução no Brasil
a se manifestar sobre o tema, Brezolin (1997) apresentou uma
nova concepção sobre tradução humorística, oferecendo res-
postas menos resistentes para questões como: (i) são mesmo
intraduzíveis as piadas cujo humor opera, estritamente, com
mecanismos linguísticos? (ii) Existe, de fato, humor que não de-
penda do contexto? (iii) A tradução do humor é, em alguma
circunstância, impraticável?
Para Brezolin, mais do que qualquer outro tipo de tradu-
ção, a que envolve textos humorísticos será sempre uma tarefa
difícil, independentemente de o humor estar ou não atrelado a
uma função específica de algum elemento fonológico, sintático
ou semântico. Contudo, isso não quer dizer que a dificuldade
requeira, obrigatoriamente, a impraticabilidade tradutória por-
que a tradução é, segundo às vertentes teóricas25, um processo
que não deve se limitar a “compreender o original somente por
intermédio dos significantes que nossos olhos perscrutam na
hora da leitura” (BREZOLIN, 1997, p. 17).
Brezolin (1997) afirmou também que a viabilidade da
tradução depende da perspectiva de trabalho de cada tradu-
tor e, corroborando o que anteriormente foi apresentado na

25  Ver a partir de Arrojo (1992).

45
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

abordagem de Arrojo (1992), defendeu que é fundamental que


o fazer tradutório sobreponha os paradigmas tradicionalistas,
prevendo as interpretações daquele que lê e aceitando o re-
curso de recriação como solução para algumas situações. No
entanto, para que esta concepção seja colocada em prática, fa-
z-se necessário – e indispensável – que sejam considerados e sa-
lientados os elementos responsáveis pela construção do humor
e analisados os aspectos culturais e linguísticos envolvidos na
língua de partida, a serem explicitados na língua de chegada.
Por ter experiência como professor de tradução, Brezolin
(1997) ressaltou que a primeira tarefa de um tradutor é cons-
truir o leitor da sua produção. Segundo ele, para que um texto
faça sentido em outra língua, é necessário que seja produzido
de forma que corresponda com a realidade da audiência. Em
outras palavras, é um processo que enfoca o perfil do leitor a fim
de satisfazer as necessidades do contexto no qual está inserido.
Assim, torna-se indispensável que o tradutor considere em sua
estratégia componentes como (1) o cliente difusor, portanto, a
editora; (2) a nacionalidade e a faixa etária prevista do público
alvo; (3) o prazo requerido para a realização da tradução; (4)
o registro: situações cotidianas como cultura, costumes, crenças,
valores sociais; (5) o gênero, que neste caso, é o humorístico; e
o (6) estilo, que nas piadas é o coloquial.
A partir dessas diretrizes, Brezolin analisou um corpus
formado por piadas, traduzindo-as do inglês para o português
demonstrando que “não existem interpretações únicas e, con-
sequentemente, não existe uma única tradução válida” (p. 24).
Além disso, ele destacou que

A tradução de texto humorístico ou não humorís-


tico é, assim, vista como uma atividade intelectual
interligada à compreensão, conhecimento geral,
língua e re-expressão. Uma atividade que não ape-
nas admita as várias interpretações de seus leito-
res, mas que também aceite que o texto traduzido

46
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

exista em função dos objetivos a que se propõe,


considerando o texto original apenas um ponto de
partida (BREZOLIN, 1997, p. 28).

As observações deste autor acabaram, coincidentemente,


proporcionando um ambiente propício não só para oferecer res-
postas a Schmitz, mas como também a Possenti (2003) quando
perguntou, em nota ao trabalho de Rosas26, “qual o limite que a
teoria pode impor?” em relação à tradução do humor.
Acreditando na importância dessa pergunta, e se consi-
derarmos a concepção de Brezolin, não é difícil concluir que
não existem limites pré-estabelecidos na tradução do humor ou
fórmulas mágicas que sustentem a realização da tarefa. Isso
se deve ao fato de a tradução humorística não se basear em
teorias que tentam, a todo custo, recuperar o significado do
original, mas no reconhecimento da significação do tradutor
que é, antes de tudo, um leitor do próprio texto a ser traduzido.
Possenti (2003) perguntou ainda “Como distinguir uma
tradução criativa da substituição de uma piada por outra, que
tem o mesmo efeito porque é engraçada e incide sobre o mes-
mo tema?”
Entendendo-se, portanto, que o ato tradutório é realiza-
do em função dos objetivos a que este se propõe, seria uma tra-
dução criativa aquela que corresponde aos padrões da língua
de chegada e supre as necessidades do público alvo. Logo, não
há distinção efetiva entre uma tradução “criativa”, “bem sucedi-
da” de uma “substituição”, nem sequer a necessidade desta dis-
tinção, uma vez que o texto original assume, irremediavelmente,
a posição de texto de partida, tendo em vista que cada língua
possui seus próprios elementos e mecanismos linguísticos, prag-
máticos e culturais.
A proposta de Brezolin (1997) fornece elementos para
responder esses e outros questionamentos, porque ele conclui

26  Ver página 48.

47
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

que é possível traduzir o humor e ensinar a traduzi-lo desde


que a visão do tradutor vá além das teorias tradicionais de
tradução. Essa perspectiva faz com que se desmistifique o pro-
cesso, principalmente quando são observados de três princípios
básicos na tradução:

(i) conhecer as línguas de maneira suficiente para que


se tenha a percepção da regra que está sendo rom-
pida na criação do humor (reconhecimento da incon-
gruência);
(ii) interpretar e compreender a piada fazendo uso do
seu conteúdo com inteligência e bom senso e;
(iii) se expressar de forma a atender aos padrões da língua
de chegada e necessidades do público-alvo (BREZOLIN,
1997, p. 29).

Em síntese, se forem considerados esses três critérios


essenciais na tradução humorística, os problemas serão natu-
ralmente dissolvidos. Basta uni-los com certa dose de esforço,
imaginação e criatividade, assim como os exemplos dados por
Lessa (2008) e Silva (2010), que veremos a seguir.

3.3 TRADUÇÃO DE TIRAS EM QUADRINHOS

Tendo como ponto de partida a indissociabilidade entre


língua e cultura, Lessa (2008), em seu artigo Notas para um es-
tudo da tradução do humor, demonstrou que a tradução é uma
espécie de negociação entre duas línguas, sendo o tradutor um
mediador cultural. Observou a autora que a comicidade pos-
sui a ambiguidade como fator determinante de forma que as
“enunciações humorísticas carregam boa carga de significação”
(p. 2686). Neste sentido, a tarefa do tradutor, segundo ela, tor-
na-se eficaz quando ele consegue manter no texto de chegada

48
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

um nível de ambiguidade semelhante ao do contexto cultural


de partida, isto é, a contingência da produção do humor.
Com a proposta de analisar a tradução de tiras em qua-
drinhos de Mulheres Alteradas 5, da autora argentina Maitena,
Lessa ressaltou que “a tradução entre línguas próximas como
o espanhol e o português engana quanto à suposta facilida-
de e esconde muitas armadilhas” (CASTILLO [s.d], p. 01, apud
LESSA, 2008, p. 2687). Para discorrer sobre as relações entre
tradução, humor, crítica, cultura e ironia envolvidas no gênero
quadrinhos, Lessa lançou os seguintes questionamentos: como
os elementos culturais influenciam ou interferem na tradução
do humor e da ironia? Que tipo de conhecimento o tradutor
precisar ter para suprir essa tarefa? Que estratégias o tradutor
deve utilizar na língua de chegada para produzir o objetivo
humorístico do texto de partida?
Antes buscar as respostas, Lessa (2008) traçou o per-
fil dos leitores de Maitena observando que o público alvo era
composto, basicamente, por mulheres heterossexuais de classe
média dos grandes centros urbanos; que se identificam com te-
mas como relacionamentos, moda, maternidade, falta de tempo
e outros conflitos notáveis nas falas femininas contemporâneas;
tendo como linguagem a coloquial repleta de expressões e gí-
rias típicas de Buenos Aires dos anos 2000.
A partir dessas informações, Lessa afirmou que as tare-
fas do tradutor de Maitena não são apenas reconhecer, inter-
pretar e transcrever as expressões porteñas empregadas nas
tiras, mas também buscar outras equivalentes à linguagem co-
loquial dos centros urbanos do Brasil, a fim adequar-se ao ob-
jetivo principal, que é produzir o riso.
Lessa (2008) assinalou dois tipos de humor: um de cará-
ter universal e, portanto, mais fácil de traduzir, e outro de cunho
específico, qual exige maior adaptação ao contexto cultural da
língua de chegada. Para ela, os aspectos que desencadeiam o
riso (sejam universais ou específicos) devem se equiparar em

49
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

cumplicidade interpretativa e partilha dos significados comuns


entre o grupo em que são produzidos.
Na análise corpus, Lessa (2008) esclareceu que a esco-
lha das tiras partiu da ideia de sujeito condicionado a sua pró-
pria sócio história e que por isso suas opções não foram neutras.
Por este motivo, a pesquisadora justificou que a análise que fez
“não é e nem pode ser a única possível” (p. 2690). Neste princí-
pio, foram investigados os seguintes quadrinhos:

Fonte: BURUNDARENA, Maitena. 2002. Citada em Lessa 2008, p. 2693.

Segundo Lessa (2008), na tradução acima houve duas


adaptações: “fumé como un murciélago” por “fumei como uma
chaminé” e “bebí como un cosaco” por “bebi como uma esponja”.
A primeira adaptação, para a autora, é um acerto porque a
expressão corresponde com a realidade comunicativa dos fa-
lantes brasileiros. Já a segunda é uma metáfora existente, mas
pouco utilizada. Do ponto de vista da pragmática, “bebi como
uma esponja” seria uma expressão que para dar conta do sig-
nificado manifesto pelo personagem, poderia, facilmente, ser
substituída por “enchi a cara” ou “bebi pra cacete”. Assim, além
de proporcionar mais fluidez ao texto, não causaria ruptura na
produção do riso.

50
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Fonte: BURUNDARENA, Maitena. 2002. Citada em Lessa 2008, p. 2694.

Para traduzir este quadrinho é indispensável conhecer


que Mecha Finoli Decuna é um jogo de palavras típico de Buenos
Aires para se referir às mulheres da alta sociedade, ironizando
sobrenomes tradicionais. Na tradução para o português, esse
nome foi adaptado para “Fernandinha”, o que subtraiu a carga
de ironia e humor. Para Lessa, uma estratégia possível seria um
nome que se equiparasse melhor, como “Carmen Finíssima do
Berço d’ouro Veiga” fazendo alusão a socialite Carmen Mairink
Veiga, por exemplo.
Entre outras análises, Lessa (2008) concluiu que é tênue
a linha que separa o texto humorístico de outro que não tenha
esse efeito. A ironia e o inesperado - elementos fundamentais
do humor de Maitena - podem ser facilmente rompidos se o
tradutor como sujeito socio histórico tentar interpretar o texto
a partir dos seus próprios significantes culturais. É essencial
que o profissional que traduz Maitena tenha conhecimento das
expressões porteñas na comparação com as expressões dos cen-
tros urbanos brasileiros. Se essas expressões são desconhecidas,
ou se a adaptação for feita por metáforas fora de uso, ocorrerá,
certamente, a ruptura do humor e o descumprimento do objeti-
vo que é o riso. Para Lessa, o diálogo da tradução

51
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

(...) nem sempre se dá harmonicamente e ocorre


na tensão entre culturas, épocas, lugares e entre
muitos significados possíveis. A tradução ora nos
afasta e ora nos aproxima daquilo que nos é co-
mum, das nossas referências culturais, do nosso
imaginário. A boa tradução será aquela disposta a
negociar significados, e a conjugar estruturas lin-
guísticas e signos não verbais, produzindo o riso
(LESSA, 2008, p. 2693).

Com essas considerações constata-se que Lessa (2008)


deixou evidente a importância da adaptação do humor nas
tiras em quadrinhos. A produção da ambiguidade e ironia é
moldada nas relações culturais que cada língua dissemina e
compartilha entre os seus próprios falantes. Portanto, sem co-
nhecimento linguístico e cultural, capacidade de adaptação e
liberdade de recriação, não há estratégia capaz de dar conta
da meta principal do humor que é o riso.
Outro estudo de base para o desenvolvimento deste livro
é a análise da tradução das tiras de Mafalda realizada por
Silva (2010). Para Silva, a obra de Joaquin Salvado Lavado
- conhecido como Quino - é caracterizada fundamentalmente
“por seu caráter atemporal, por temáticas atuais com as quais
o leitor se identifica” (p. 4).
Utilizar Mafalda como corpus significa reconhecer que o
humor de Quino põe em xeque até mesmo um cidadão argen-
tino se ele não souber (ou conseguir) estabelecer conexão da
mensagem humorística ao contexto de sua produção, já que a
obra mantém a crítica político-social como pano de fundo.
Neste sentido, Silva (2010) propõe investigar como esse
tipo de humor é reproduzido na tradução de forma que sig-
nifique e provoque o riso em indivíduos de outras sociedades,
com características culturais diferentes. Para a proposta, a pes-
quisadora utilizou como embasamento teórico as perspectivas
de Reiss e Wemeer (1996) e o estudo de Rosas (2002), com a

52
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

finalidade de analisar “como foram feitas as traduções, os resul-


tados finais e se existem mecanismos especiais para a tradução
do humor crítico-social27” (p.20). Desse modo, foram analisadas
e contrastadas algumas tiras, dentre elas as seguintes:

Fonte: Quino, 10 Años con Mafalda. Ediciones de La Flor, 2004, p. 73 apud


Silva, 2010, p. 20.

Fonte: Quino, Toda Mafalda: Martins Fontes, 2009, p. 170 apud Silva, 2010,
p. 20.

A tradução desta tira é um exemplo eficaz de como man-


ter o humor. Isso se deve ao fato de o tradutor ter conseguido
estabelecer uma relação de compatibilidade entre o sobrenome
argentino Pérez ao sobrenome brasileiro Silva, ambos larga-
mente comuns em suas respectivas línguas. Outra adaptação
que se nesse caso se destaca é a expressão ¡Y hay más! ¡Dios
mío! que foi ajustada para E ainda tem mais! Minha nossa!...
A ênfase dada pela palavra “ainda” e a aplicação de “Minha
nossa!...” ao invés de “Meu Deus” agregou mais sentido ao pe-

27  O conceito de humor “crítico-social” utilizado por Silva é relativo para o nosso
estudo, uma vez que entendemos que todo humor é crítico de alguma maneira.

53
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

núltimo quadrinho estreitando a linguagem da tradução a rea-


lidade linguística do leitor.

Fonte: Quino, 10 Años con Mafalda: Ediciones de La Flor, 2004, p. 139 apud
Silva, 2010, p. 21.

Fonte: Quino, Toda Mafalda: Martins Fontes, 2009, p. 37 apud Silva, 2010,
p. 21.

Nesta tira o humor é decorrente da mudança de emo-


ção inesperada de Felipe, um amigo especial de Mafalda que
inicialmente se apresenta como sendo tímido e feliz, e, em se-
guida, pela quebra de suas expectativas se torna indignado
e frustrado. Segundo Silva (2010), a imagem das flores é o
primeiro indício de frustração do personagem que se confirma
com a frase “Foi como dar um torrão de açúcar ao Fidel Castro”.
Porém, para que o humor desta tira funcione, é necessário que
o leitor tenha conhecimento que Fidel Castro foi líder do gover-
no cubano durante muito tempo e que Cuba na época era uma
grande produtora de açúcar.
Constata-se que a estratégia que o tradutor utilizou foi
a tradução literal, que nesse caso coloca em risco o humor es-

54
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

perado. Ao se pensar nas condições atuais de Fidel Castro e da


produção açucareira de Cuba, o enunciado poderia ser facil-
mente adaptado para “Foi como dar petróleo a Hugo Chávez”
(p. 23), por exemplo, já que esse era um dos assuntos mundiais
da atualidade na época da tradução e corresponderia, com
maior força, às expectativas de humor do leitor brasileiro - na
condição de sul americano - maximizando, consequentemente,
o efeito contextual político e cultural.

Fonte: Quino, 10 años con Mafalda. Ediciones de La Flor, 2004 p. 58 apud


Silva, 2010, p. 25.

Fonte: Quino, Toda Mafalda: Martins Fontes, 2009 p. 146 apud Silva, 2010,
p. 25.

Esta tira está repleta de adaptações em que se desta-


cam as onomatopeias e a adequação de uma marca de carros
mais antiga por uma mais nova, para tornar o texto humorístico
mais próximo do contexto cultural de chegada. Nessa produção
é que o humor assume uma constante cômica, conferida pela
quebra de expectativas proporcionada ao leitor, que a todo

55
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

momento é levado a crer em uma situação que é imediatamen-


te alterada.
A essência do humor de Quino conseguiu ser mantida
do início ao fim, mesmo com uma quantidade significativa de
modificações, a começar por ¡Pues me rio! ¿Ves? e Eu não estou
nem aí!; da ofensiva papanatas por boboca; da descrição dos
sons das onomatopéias como ¡Mchuiiik! por Smaaaac! para
emitir o beijo, e principalmente, a conversão do automóvel
Ford Lotus, carro famoso também utilizado nas corridas da
década de 60, pela marca McLaren da atualidade. Para Silva
(2010), esses são todos fatores que se assemelham de forma
eficaz ao humor manifesto pelo autor no texto original, sem
ser uma reprodução literal, assumindo o caráter de uma re-
criação bem sucedida.
A partir dessas e outras análises, Silva (2010) pontuou
que existem quadrinhos que podem ser traduzidos do espanhol
ao português sem maiores dificuldades, utilizando-se de uma
simples tradução linguística concentrada na mensagem original.
Entretanto, na maioria das vezes não há essa possibilidade e,
por isso, o caráter linguístico se torna secundário no processo
tradutório, já que a interpretação sensível das histórias é funda-
mental para o desfecho desejado, o riso (p. 28). Com essa con-
cepção, a pesquisadora conclui no fim de sua investigação que

(...) mais do que mecanismos ideais para uma per-


feita tradução humorística, o tradutor deve criar a
consciência global e multidisciplinar de que para
provocar o riso no leitor do texto final ele próprio
deve compreender amplamente o que leva o lei-
tor do original a rir, podendo assim, como dito
por Reiss e Vermeer, ser o autor de um novo texto
(SILVA, 2010, p. 29).

Existem inúmeras possibilidades a partir do momento


que se leva em conta os fenômenos da adaptação e recriação.

56
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Ao analisar as críticas de Silva é possível imaginar ainda ou-


tras sugestões de tradução capazes de dar conta de expressar
o significado do humor de Mafalda. Mas quando levamos em
conta as diversas possibilidades interpretativas que cada tra-
dutor pode realizar em relação a esse gênero de texto, levanto
ainda algumas indagações:
Como se organiza mentalmente o processo de adequa-
ção tradutória? Até onde vai à importância do papel do indiví-
duo na interpretação e tradução de tiras em quadrinhos? Como
se dá a interpretação desse tipo de humor para que ocorra a
manifestação do significado mediante a prova do riso?
Sobre essas relações de interpretação e cognição envol-
vidas na linguagem humorística, destaco a seguir uma proposta
de interpretação de tiras em quadrinhos sob a perspectiva da
Teoria da Relevância.

3.4 A PERSPECTIVA COGNITIVISTA

Com base na proposta teórica de Santos (2009) - que


tem como objetivo analisar piadas sob a ótica da TR – parti 28
do princípio que os processos cognitivos relacionados à inter-
pretação das tiras em quadrinhos (assim como outros textos
do gênero) devem alcançar um nível interpretativo superior em
comparação ao padrão comum. Trata-se de uma tarefa mental
incumbida de dissolver não apenas a mensagem explicita pro-
movida pelo significado aparente, mas também outras de ca-
ráter implícito e que atuam na intenção comunicativa do autor
para o leitor.

28  Este tópico é uma síntese do artigo Interpretação e Relevância: uma análise
pragmática das tiras de Mafalda (2010) que desenvolvi a partir da investigação O
humor de Mafalda sob a perspectiva da Relevância (2010), ambos sob orientação
do prof. Dr. Sebastião Lourenço dos Santos, mencionado nesta pesquisa por Santos
(2009/10).

57
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Nesse sentido, a linguagem humorística pode ser enten-


dida como uma prática que vai além da mera codificação e
decodificação de enunciados, sendo também intrínseca à sua
interpretação os valores, a ideologia, os desejos, as crenças,
convenções sociais e vários outros elementos que constituem
o contexto mental dos interlocutores, que envolvidos num jogo
interativo de comunicação, buscam constantemente construir
sentido e significado acerca de suas percepções.
Buscar entender os processos da linguagem humorística
não é uma tarefa simples. Contudo, o humor e sua relação com
a (e na) adversidade das culturas despertou (e tem desper-
tado) o interesse de alguns teóricos das ciências humanas. O
filósofo francês Henri Bergson (200429), por exemplo, defendeu
a tese de que faz parte do instinto humano rir daquilo que
foge aos padrões da sociedade. Segundo ele, o humor é uma
prática social porque é inerente ao homem rir de situações que
parecem ridículas, pitorescas, deformáveis. Um dos processos
humorísticos destacados pelo autor é o “mundo às avessas”, em
que se percebe na construção do humor a necessidade coleti-
va de inverter e perverter relacionamentos sociais organizados
hierarquicamente.
Em contrapartida, Freud (1977) descentraliza o plano so-
cial e apresenta um modelo que enfatiza o papel do indivíduo
na compreensão da causa e do efeito do humor. Para ele, o
homem ao interagir com a sociedade é algumas vezes levado a
reprimir determinados impulsos que acabam sendo externados
através de lapsos de linguagem. O psicanalista vienense define
esses lapsos como “chistes”, uma espécie de juízo lúdico em que
seu efeito humorístico é derivado de um desconcerto seguido
de seu esclarecimento, obedecendo, geralmente, a um princípio
econômico e a um jogo de palavras de duplo sentido. Assim,
os chistes para Freud (1977) podem conter traços de impulsos

29  A primeira edição desta obra foi publicada no ano de 1900.

58
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

reprimidos, pensamentos ou desejos coibidos pelas práticas so-


ciais manifestadas pelo indivíduo em forma de humor.
A partir desses conceitos e afinidades do humor com as
ideias de “inversão de papéis”, “mundo às avessas”, “desconcer-
to seguido de esclarecimento”, “palavras de duplo sentido”, o
linguista Victor Raskin (1985) concentrou suas investigações no
fator da incongruência.
Para Raskin (1985), um enunciado incongruente é aque-
le que oferece uma expectativa consistente no desenvolvimen-
to do texto sendo o desfecho em desacordo com o esperado.
Assim, a causa do humor se deve a uma sobreposição de scripts,
que acontece quando uma porção organizada de conhecimento
(script) se sobrepõe a uma outra diferente ou oposta, responsá-
vel por provocar uma nova interpretação que desencadeará o
riso. Raskin (1985) define que a maneira com que o humor vai
se construindo, o ouvinte aciona automaticamente uma espécie
de gatilho, responsável por introduzir esse novo script e realizar
a transferência de uma interpretação literal (bona fide) para
uma não literal (non bona fide).
Também sobre as relações do humor com o inesperado,
Sírio Possenti (1998) ressaltou que estudar piadas significa lidar
com domínios discursivos quentes, que se manifestam os mais
diversos temas proibidos, reprimidos e não convencionais. Uma
das técnicas destacadas pelo autor é o “humor de criança”, em
que num discurso infantil é vinculada uma mensagem politi-
camente incorreta e esta se torna facilmente perdoada pelo
pressuposto de que crianças são inocentes e, por isso, sinceras
demais. Para Possenti (1998) essa é uma estratégia humorís-
tica em que se pode considerar a relação do esperado com o
inesperado mais importante para o humor do que a própria
ambiguidade a que este naturalmente se dispõe.
Os teóricos apresentados realizam diferentes olhares para
a incongruência no desenvolvimento do humor. Considerando-a
como peça fundamental, porém não como única explicação para

59
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

o fenômeno da interpretação humorística, Santos (2009/10) de-


fende que são os atributos cognitivos previstos pela Teoria da
Relevância que permitem analisar, de maneira mais ampla, a
resolução da incongruência comunicada na piada. No desenvol-
vimento de sua proposta, o autor apresenta uma abordagem
explanatório-cognitiva de interpretação humorística explican-
do, em síntese, que:

(...) primeiramente há, por parte do interlocutor,


uma especulação mental sobre o desenvolvimento
psicológico e informativo na narrativa, ou seja, a
mente do interlocutor vai construindo expectativas
e fazendo previsões lógicas à medida que a pia-
da vai sendo narrada. Essas expectativas são, em
princípio, naturalmente direcionadas a um final ló-
gico, um final possível dentro do mundo conhecido.
Porém, o suposto final lógico é, repentinamente,
substituído por um desfecho inesperado, aparente-
mente absurdo, ilógico, que parece não se encaixar
nas expectativas (...). Sua mente, numa espécie de
viagem explanatória e criativa, tenta então encon-
trar uma solução ao problema: abandona o ponto
de vista inicial que tendia a um final lógico e busca
uma adequação plausível, na qual o final desco-
nexo se encaixe ao restante da história inicial. Em
efeito, a mente salta para uma nova perspectiva
e descobre que uma outra representação de mun-
do também é possível. O significado (...) pode não
ser tão óbvio, mas o interlocutor o interpreta como
sendo plausível e lógico. A descoberta e aceite
pelo interlocutor do novo significado são conver-
tidos em recompensa psicológica – uma espécie
de alívio das tensões geradas na interpretação da
piada – que a mente converte em entretenimento
humorístico (SANTOS, 2010, p.06).

Nota-se que o percurso cognitivo de resolução da in-


congruência desenvolvido por Santos em relação à interpre-
tação humorística compreende os conceitos de expectativa de
relevância, inferências lógico-dedutivas, memória enciclopédica,

60
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

acessibilidade mental em busca da forma lógica proposicional


e outros aspectos que pertencem à proposta da TR. Para mos-
trar como a mente humana interpreta enunciados humorísticos,
o autor dimensiona o seguinte esquema:

Fonte: Proposta de representação da piada na perspectiva da TR. Santos


(2009, p. 303)

Santos (2009) propõe no diagrama que os processos in-


ferenciais na interpretação da piada atuam de forma que: (1)
os sistemas mentais de entrada captam o estímulo verbal e o
remetem aos mecanismos de percepção de mundo (ver, ouvir,
sentir etc.) que convertem o conteúdo do estímulo em uma re-
presentação conceitual; (2) a representação conceitual do estí-
mulo que fora realizado alcança o módulo de decodificação lin-
guística para o surgimento da forma lógica (que é a linguagem
mental); (3) a forma lógica remete-se a memória conceitual e
combina-se com as suposições armazenadas como conhecimen-
to enciclopédico; (4) o resultado da combinação se transforma
em forma lógica proposicional.
De maneira simultânea, Santos reconhece e insere a in-
fluência de um módulo psicológico que orientado pelo princí-
pio de relevância: (1) origina expectativas sobre as hipóteses
levantadas; (2) se a expectativa for relevantemente favorável

61
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

é submetida às regras dedutivo-inferenciais; (3) essas regras


combinam-se com o conhecimento enciclopédico somado às
crenças, convenções e valores sociais; que (4) derivam a im-
plicação contextual; (5) a implicação origina a forma lógica
proposicional (que atribui valor de verdade); (6) a forma lógica
é então avaliada pelo módulo psicológico que, pelas crenças,
valores e interesses do interlocutor (ouvinte), cria expectativas
de força à proposição.
Além dessa atuação, o módulo psicológico (de aqui em
diante MP) avalia também a força da forma proposicional em
termos de efeito cognitivo. (1) Se o efeito for nulo, de estímulo
avaliado como não relevante, o MP instantaneamente inter-
rompe o processo; (2) se o efeito for pequeno, porém o estímulo
relevante, a proposição poderá ser enriquecida de maneira que
as informações novas possam aumentar ou reduzir o efeito cog-
nitivo; (3) se o efeito for grande, o MP confirma a hipótese ini-
cial e então é atingida a forma proposicional (atitudinal plena).
Dando sequência ao processo, a forma proposicional
promove a contextualização mental do estímulo, interpreta o
significado, e como informação nova, integra-se à memória
conceitual sendo armazenada como conhecimento enciclopé-
dico. Ao mesmo tempo em que a forma proposicional comple-
ta estes segmentos, o MP desacelera, sinalizando um alívio à
excitação que fora promovida pela computação das regras
dedutivo-inferenciais e converte, por sua vez, o efeito cognitivo
em entretenimento humorístico, cujo prazer o ouvinte explicita
por meio do riso.
Dessa maneira, a contextualização reflete o ajuste cog-
nitivo, linguístico e psicológico que o ouvinte realiza em rela-
ção à representação da piada quanto aos seus domínios de
conhecimento. Portanto, “o humor associado ao riso na piada,
se dá, além da resolução da incongruência, em função da in-
terpretação semântico-pragmática cujo efeito é sentido pelo

62
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

ouvinte como entretenimento humorístico que ele externa no


riso” (SANTOS, 2009, p. 305).
A partir da proposta de Santos (2009), e tendo em vista
que quando o leitor entra em contato com uma tira em qua-
drinhos desenvolve expectativas de interpretação e entra em
um jogo humorístico até o desfecho da tira, a pergunta para
o capítulo seguinte é: o que se passa na mente do tradutor ao
interpretar e traduzir textos de humor?

63
Capítulo III

TRADUÇÃO DO HUMOR
E TEORIA DA RELEVÂNCIA

Fonte: Quino.Toda Mafalda (2008, p.444)

Os estudos da tradução e as investigações sobre in-


terpretação de tiras em quadrinhos assemelham-se em vários
aspectos. O primeiro deles é que ambos os temas já foram,
pelo menos em parte, atribuídos a proposta da pragmática
cognitiva apresentada na Teoria da Relevância de Sperber &
Wilson (1995/2001). Além disso, as investigações sobre tradu-
ção, tradução do humor e interpretação de textos humorísticos
partem de um princípio comum que é o de valorizar o contexto
e o homem em sua condição de indivíduo, de forma a compre-
ender que este interage com o mundo a partir de sua cogni-
ção, cultura, crenças, interesses, convicções, valores sociais e
outros elementos que constituem seu universo de significação.
Outro fator pontual é que os olhares teóricos apresentados so-
bre os temas rompem a ideia de linguagem como uma prática
inerte, imutável, inflexível, posicionando-se a favor de paradig-
mas contemporâneos.

64
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Em razão dos pontos de encontro entre essas aborda-


gens, a proposta a ser desenvolvida neste capítulo ofereceu
uma nova perspectiva: a tradução do humor de tiras em qua-
drinhos à luz da Teoria da Relevância. O corpus selecionado
foi composto por três quadrinhos da personagem Mafalda,
do cartunista argentino Quino. Entretanto, antes de realizar
o trabalho analítico, considerei importante destacar algumas
informações sobre a obra, tradução, público e outros fatores
contemplados a seguir.

4.1 CONCEITOS INTRODUTÓRIOS SOBRE


TRADUÇÃO, HUMOR E TEORIA DA RELEVÂNCIA

As histórias em quadrinhos caracterizam-se por possuir


duas esferas interpretativas: a da linguagem verbal e a não ver-
bal. A consonância entre texto e imagem permite que o leitor
interaja com as mensagens comunicadas em cada quadrinho,
inferindo por meio dos balões, formato das letras, onomato-
péias, expressões faciais e corporais, metáforas visuais, e outros
vários elementos.
Por seu estilo crítico e irreverente, as tiras em quadri-
nhos possuem maior adesão nas publicações de jornais. Na
Argentina, por exemplo, as historietas são inseridas no jornal
La Nación desde 1920 e tornou-se parte do contexto jornalístico
do país publicar e apreciar esse tipo de humor. As histórias de
Mafalda, do cartunista Joaquín Salvador Lavado Tejón - conhe-
cido como Quino - foram criadas em 1963 e em 1965 passaram
a fazer parte do jornal El Mundo. Desde então, a personagem
alcançou um sucesso implacável, sendo considerada como um
ícone da cultura Argentina (SILVA, 2010).
As tiras de Mafalda já foram traduzidas para 26 idiomas
e ainda possuem audiência mesmo depois do término de suas
publicações em 1973 (SILVA, 2010, p. 12). Isso acontece porque

65
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

são histórias que versam sobre política, burocracia, economia,


guerras, conflitos mundiais, movimentos pacifistas, questões am-
bientais, pobreza, educação e vários outros temas que até hoje
compõem as capas e manchetes de jornais. O fato é que assim
como as charges, as tiras em quadrinhos - por mais genéricas
que pareçam - comumente ilustram uma situação momentânea.
Por este motivo, é que passei a me perguntar como o humor
de Quino permanece vivo provocando reflexão e riso para as
pessoas que o leem?
Ao perpassar pelas tiras do compêndio Toda Mafalda
(2008) publicado em língua espanhola, e ao realizar um com-
parativo com a obra traduzida para o português (2009), elen-
quei algumas situações tradutórias dignas de alguns breves
comentários. Devido à extensão do compêndio, a tradução foi
realizada por sete tradutores, e entre os resultados, notei dife-
rentes perspectivas. Vejamos alguns modelos:

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2008 p. 143.

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2009 p. 84.

66
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

O contador da piada chama-se Manolito e, na obra


Mafalda, assume a caricatura do amigo dinheirista. Filho de
comerciantes, o personagem não perde a chance de fazer mer-
chandising do Armazén Don Manolo, estabelecimento da famí-
lia no qual trabalha. Partindo desse conhecimento e realizando
a interpretação da tira, porque não substituir a figura do japo-
nês pela do português?
Levando-se em conta os referentes culturais do Brasileiro,
o estereótipo que se têm do japonês não é assim tão comum
quanto ao do português. Até porque o estereótipo comumente
inferido na cultura brasileira sobre japoneses do sexo masculino,
o de terem pinto pequeno, não corresponderia com a essência
do humor de Mafalda.
Para rir desta tira é necessário que antes existam ex-
pectativas de relevância humorística e, como se sabe, “o por-
tuguês funciona, nas piadas de brasileiros, como protótipo do
ignorante” (POSSENTI, 1998, p. 73). Portanto, se esta substitui-
ção tivesse sido feita, as possibilidades de resposta ao estimulo
ostensivo do autor, sem dúvida, aumentariam. Além disso, a
troca do japonês pelo português seria mais satisfatória para o
cumprimento da semelhança interpretativa.

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2008 p. 94

67
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2009 p. 43.

Entre as décadas de 60 e 70 - época de produção dos


quadrinhos de Mafalda - a Argentina compreendeu um período
histórico marcado por uma série de conflitos, golpes e ditaduras
militares (RAVONI, 1992). Era muito comum, devido a opressão
militar, que estudantes, contestadores e outros protestantes se
organizassem para discutir ou promover manifestações contra o
regime econômico. Por isso, a atribuição, o valor, e até mesmo a
abrangência dos grêmios (não somente os estudantis) era outra.
Ao analisar a tradução da tira, nota-se que o tradutor
realizou uma tentativa de considerar o contexto atual, substi-
tuindo grêmios por “categorias profissionais”. Aparentemente,
constata-se pela interpretação da tira traduzida a decorrência
da ironia e o comentário inesperado, características fundamen-
tais da personagem e do seu tipo de humor. Porém, é inegável
que o efeito global se tornou menos incisivo.
Ao imaginar o contexto de produção da tira original
(contexto artificial) e transpô-lo via semelhança interpretativa,
uma das saídas possíveis seria conferir a este último enunciado
de Mafalda uma carga de significação mais próxima, e talvez
mais assertiva, do leitor brasileiro atual. Se a expressão fosse
adaptada para “Puxa! Então os políticos devem morrer dor de
dente por aí!” ou de maneira ainda mais específica “Coitados!
Os deputados devem estar morrendo de dor de dente...” seria
ainda mais condizente. A última sugestão promoveria força
a mensagem implicita tornando-se um input relevante, pois é

68
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

um assunto que gera, certamente, efeito no contexto cognitivo


dos leitores, uma vez que os deputados têm “o estereótipo de
alguém que não tem compromisso com atividades ou eventos
que exijam responsabilidade ao cumprimento de hora marca-
da, sujeição às normas das instituições (...)” (SANTOS, 2009,
p. 143). É também do conhecimento público que, muitos deles,
comparecem com mais frequencia à câmara somente em época
de eleições.

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2008 p. 157.

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2009 p. 96.

A personagem que aparece junto à Mafalda e Manolito


chama-se Susanita. Na obra de Quino, ela representa a carica-
tura da mulher criada e educada para se ater, exclusivamente,
às atividades do lar. Sendo reclusa à ambição familiar, o sonho
de Susanita é casar com um homem rico e ter filhos bem su-
cedidos. Devido também a um traço de caráter ligeiramente
soberbo da personagem, é muito comum que ocorram episódios
de conflito entre ela e Manolito, já que ambos competem o me-

69
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

lhor no futuro, proferindo provocações recíprocas com doses de


ironia e humor.
Na tradução dessa tira, a expressão americana “Full
Time” foi literalmente traduzida ao português para “tempo
integral”. Sem entrar nos méritos das discussões linguísticas30,
é comum que a lingua portuguesa abarque extrangeirismos
em seu vocabulário devido ao fato de certas expressões esta-
rem cristalizadas no idioma brasileiro. Nos estudos tradutórios,
como apontado por Barbosa (1990), esse é um tipo de fenôme-
no (ou método) que deva ser compreendido como empréstimo
da língua e que pode ser comum entre ambas.
No caso dessa tira, o humor se dá, especificamente, na
menção da expressão Full Time, que ao ser traduzido perdeu
grande parte de seu efeito humorístico. A força dessa expres-
são, somada a representação (advinda da memória enciclopé-
dica do leitor) de uma personagem que gosta de se colocar em
uma posição de status, e que quer, por meio do interdito, pro-
vocar seu oponente, confere a essência do humor da tira. Além
disso, o que promove a incongruência e dissolve as expectativas
de relevância no desfecho dos quadrinhos, é justamente a ines-
perada percepção do ato de uma criança proferir esse tipo de
comentário que, diga-se de passagem, implica em um juízo de
valor ou opinião aprimorada demais para a idade que possui.

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2008 p. 112.

30  Para mais detalhes sobre o assunto, ver FARACO, Carlos Alberto. Estrangeiris-
mos: guerras em torno da língua. São Paulo: Parábola, 2001.

70
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2009 p. 57.

Dentre os modelos de tradução brevemente analisados,


observa-se, até o momento, a existência de duas situações dis-
tintas: traduções que deixam a desejar em decorrência dos tra-
dutores não terem realizado o conjunto de adaptações necessá-
rias, e, também, um exemplo de tradução literal que neutraliza
ou reduz significativamente o efeito do humor.
O que ocorre na interpretação da tira acima remete a
um outro caso: se a tradução não corresponder ao contexto do
texto de chegada, ou seja, se não provocar um efeito contextual
na memória enciclopédica do leitor, ela não será interpretada.
Esse é um caso que não acarreta em situação de risco, mas de
certeza, uma vez que comunica um tipo de constructo cultural
específico. No final da leitura e interpretação da tira, a pergun-
ta que se faz é: como assim os reis magos?
Ao entrar em contato com os inputs “ganhar” e “Reis
Magos”, há uma possibilidade de se deduzir, na condição de bra-
sileiros, que a mensagem do enunciado refere-se ao Natal, já que
nesta data ganha-se presentes e os Reis Magos são de alguma
forma relacionados ao nascimento de Cristo. Contudo, atribuir
aos Reis Magos a tarefa de trazer os presentes no dia do Natal
é uma tradição argentina, oriunda da colonização espanhola.
No Brasil, essa tarefa é do Papai Noel, um imaginário também
europeu difundido pela cultura portuguesa e que foi, ao longo
do tempo, sendo influenciado pela cultura americana (BARROS,
1992) e reforçada pelos interesses comerciais nacionais.

71
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Tendo esse conjunto de informações, é fundamental à in-


terpretação humorística que o processo inferencial seja o mais
econômico possível em termos de esforço cognitivo, afinal um
input torna-se relevante para um indivíduo quando seu proces-
samento, no contexto prévio de supostos da mente, produz um
efeito cognitivo e este deve ser positivo. Neste caso, o que não
pode acontecer é que a dúvida sobre os Reis Magos prevaleça
à interpretação da intenção comunicativa do autor em relação
ao inesperado, ou a resolução da incongruência do quadrinho
final. Portanto, se a relação dos Reis Magos com a comemora-
ção natalina argentina da época não fizer parte da memória
enciclopédica do leitor, o efeito (esperado) do humor da tira,
certamente, não ocorrerá.
Ao realizar o processo de semelhança interpretativa no
ato tradutório, esta é uma situação que pode ser facilmen-
te resolvida. A maneira possível é substituir Reis Magos por
outro referente de significação similar ao do público brasileiro
atual, que é o Papai Noel. Assim, os diálogos entre Mafalda e
Manolito poderiam ser adaptados para: Que caminhão bonito!
Você ganhou do Papai Noel? / Ganhei / Ele cumpriu a missão
de bom velhinho, não é? / Pois é. Pena que eu também já cumpri
minha missão de piá...
Sem dúvida, essa é uma tomada de decisão que o tra-
dutor precisa realizar. O objetivo principal é não colocar em
risco a compreensão do leitor, uma vez que existam referentes
linguisticos disponíveis e acessíveis que facilitam o processo de
interpretação do humor. Por isso a necessidade da criação do
contexto artificial em que foi produzido o texto de partida, elen-
cando-se informações sobre o público (audiência), as condições
culturais envolvidas, o momento histórico e outros elementos do
gênero, a fim de pensar a tradução de maneira que o resultado
seja relevante ao leitor. A substituição para Papai Noel satisfaz
a expectativa de relevância do leitor; a troca de “cometido de
reyes” pela interrogativa “Ele cumpriu com a missão de bom

72
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

velhinho, não é?”, impõe ênfase a afirmação de Mafalda, asse-


gurando uma resposta menos objetiva do que a primeira dada
por Manolito; e, por fim, a adaptação de “chico” por “piá”, realça
a ideia de travessura com mais evidência do que a figura da
“criança” sugerida pelo tradutor. Outro modelo que se aproxima
a esse tipo de situação tradutória, pode ser observado na tira
a seguir:

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2008 p. 119.

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2009 p. 63.

O amigo que Mafalda encontrou na praia chama-se


Miguelito que, assim como ela, odeia sopa. É o típico persona-
gem que ilustra a caricatira daqueles que não conseguem de-
senvolver raciocínios úteis e nem compreender mensagens críti-
cas, irônicas ou ambiguas (DOMINGOS-BRUNET, 2010, p. 76).
Ao entrar em contato com o input enjôo, é possivel de-
duzir, para aqueles que não sabem, que Alka-Seltzer é um
medicamento que combate esse tipo de indisposição fisiológica.

73
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Entretanto, diferentemente de outros remédios mais conhecidos


no Brasil, como Dipirona, Vick Vaporub, Benegrip, Neosaldina,
e até mesmo os próprios Sonrisal e Eno, que contém princípios
ativos similares, o Alka-Seltzer não possui apelo publicitário tão
difundido em nosso país, o quanto tinha nas décadas de 60 e
70 na Argentina, época de publicação da tira.
Retomando a metodologia da análise anterior, nota-se
e que a dúvida do que seria Alka-Seltzer tem grandes chan-
ces de prevalecer à intenção comunicativa do autor em rela-
ção ao inesperado, e desviar a resolução da incongruência no
desfecho da tira. Se Alka-seltzer não fizer parte da memória
enciclopédica do leitor, o humor não ocorrerá. Deste modo, uma
das maneiras possíveis para resolver este impasse é substituir
Alka-Seltzer por outro remédio de igual eficácia, e de similar
popularidade, ao público brasileiro atual. Sonrisal ou Eno se en-
caixariam nesses moldes, por exemplo, “Coitado do Miguelito...”
/ “O que aconteceu?” / Desde o dia que imaginou que o mar era
sopa, ele não pode ver a praia que fica enjoado.” / Mas... Olha
ele! No mar! / Muito bem Miguelito! Tomou coragem?! / Não!
Tomei Sonrisal mesmo... / ou Não! Tomei Eno... Ainda que o
tradutor, por um motivo ou outro, não quiser mencionar marcas
específicas, ele ainda tem a possibilidade de utilizar na respos-
ta de Miguelito, “Não.Tomei sal de frutas mesmo...”
Considerando esses casos é importante destacar que
nem todas as tiras traduzidas na obra seguem essa linha de
raciocínio apresentada até agora. Muitas delas, e para a satis-
fação dos leitores e apreciadores do humor de Mafalda, passa-
ram por transferências linguísticas de sucesso. Um modelo efi-
caz que assemelha-se ao que foi almejado nessas duas últimas
análises é:

74
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2008 p. 119.

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2009 p. 32.

Na tradução para o português, a antiga marca alemã


de equipamentos eletrônicos Grundig foi substituida por outra
mais atual, a Gradiente. Neste modelo, o tradutor considerou
vários aspectos: que o enunciado “(...) El señor Grundig”, se fos-
se traduzido em sua forma literal não seria inferido pelo leitor
contemporâneo; que a marca Gradiente é bastante difundida
no Brasil, inclusive em aparelhos de som; e que, se a adaptação
fosse realizada, o humor da tira corresponderia ao contexto do
leitor. Para esse tradutor não houveram barreiras na aplicação
da semelhança interpretativa, nem oposição à realização de
transformações em favor da equivalência do efeito humorístico,
originalmente intencionado por Mafalda. Sua tomada de deci-
são conseguiu manter a essencia do humor de Quino.

75
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2008 p. 82.

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2009 p. 32.

Na obra Mafalda, Felipe cumpre o papel do personagem


que é, verdadeiramente, inocente e um dos únicos que se com-
porta mais como criança e menos como adulto. É o melhor ami-
go de Mafalda, pois, na maioria das vezes, demonstra paciên-
cia aos questionamentos, irônia e sarcasmo da sua parceira de
brincadeiras. São raras as vezes em que ele apresenta compor-
tamento perspicaz. É justamente essa característica específica
de Felipe que incita o humor no último quadrinho, quando se
percebe a reação de Mafalda a justificativa astuta do colega.
Conhecendo esses elementos, o tradutor da tira realizou
uma série de adequações, desde níveis de sintaxe até adapta-
ções mais dispendiosas, como é o caso do Meccano, um brin-
quedo comum à época, similar ao Lego. Além disso o tradutor
considerou que, diferente da maneira antiga, os cofrinhos não
são mais somente em forma de porquinhos. Existem atualmente
outros protótipos infantis com essa mesma função, possuindo
uma infinidade de temas, inclusive em formato próprio de cofre

76
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

com tecnologia de senhas digitais e outras maneiras modernas


de fechamento. Assim, o trabalho tradutório observado corro-
bora as novas propostas de tradução, nos quais são salienta-
dos os conceitos de semelhança interpretativa, criação de um
contexto artificial para a previsão e comparação ao atual e,
principalmente, a consideração com os processos interpretati-
vos atrelados à linguagem humorística.
Para uma discussão um pouco mais complexa, vejamos a
seguinte sequência de histórias:

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2008 p. 143.

77
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2009 p. 85.

Comparando o original em espanhol com a tradução


para o português, constata-se que as adequações no texto tra-
duzido atingem algum nível de recriação, de forma que adapta
o conteúdo à realidade contextual do leitor brasileiro. O tradu-
tor desempenhou, no ato tradutório desta tira, o papel de autor
de um novo texto, preservando referentes semelhantes sintática
e semânticamente a que podia. Por outro lado, o tradutor se
valeu da linguagem em uso para reconstruir o humor na lingua
portuguesa brasileira, tendo sensibilidade e percepção apura-
da na linguagem humorística, realizando seu trabalho com in-
teligência, criatividade e bom senso.
As análises das tiras apresentadas nesse tópico nos le-
vam a percepção de dois extremos na tradução de uma única

78
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

obra: desde à pratica de tradução literal que rompe o efeito


comunicativo do autor, até a prática da reconstrução do humor
em busca de amplicar o nível de significação do leitor. Porém,
como ressalta Brezolin (1997), o recurso da recriação é a única
solução para alguns casos. E o que verdadeiramente ocorre é
que existem adequações mais simples e outras mais complexas,
que demandam maior atividade cognitiva por parte do tradu-
tor, já que a forma e o conteúdo da mensagem não funciona-
riam em outra língua.
Na dimensão desses casos mais delicados, selecionamos
outras duas tiras em busca de traçar um modelo que possibilite
entender como o tradutor processa cognitivamente a tradução
humorística, e quais os elementos mentais, previstos nos estudos
da pragmática cognitiva, são dispendidos na tarefa de inter-
pretação e tradução do humor.

4.2 PRERROGATIVAS DE ANÁLISE

O fato de a obra Toda Mafalda (2009) possuir tradu-


ções que aderiram a possibilidade de recriação, nesse tópico
pretendo apresentar uma tentativa de percurso cognitivo da
interpretação humorística, com base nos conceitos da teoria da
relevância aplicada à tradução. O objetivo não é realizar críti-
ca tradutória, mas, sim, discutir saídas possíveis para situações
tradutórias sensíveis, que veremos a seguir.

4.2.1 Adaptações inescapáveis

Como visto no capítulo anterior, quando um leitor se de-


para com uma tira em quadrinhos e aceita lê-la, ele cria expec-
tativas de interpretação. Essa incitação ocorre porque o conhe-
cimento enciclopédico ou conhecimento de mundo do leitor
traz à tona na mente (por meio dos processos inferenciais), que

79
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

este é um tipo de texto que geralmente proporciona o prazer


do riso. Ao se sentir atraído pela ideia de que é uma leitura
agradável e breve, existe a resposta ao estímulo ostensivo co-
municado pelo autor.
Para Santos (2009), a interação entre autor e leitor
constitui um tipo de jogo humorístico, em que os interlocutores
estabelecem uma espécie de contrato de humor que comanda-
rá esse jogo até o desfecho da tira. No entanto, esse contrato
é “assinado” por ambos sob a premissa de uma pressuposição
pragmática, em que o autor tem a intenção de tornar mani-
festo ao leitor a informação do seu texto, esperando que sua
intenção seja reconhecida e que o desfecho – neste caso – da
tira, provoque um efeito humorístico. O leitor, por sua vez, mes-
mo reconhecendo a priori que será conduzido a um labirinto
de interpretações, no qual se interpõem expectativas de incon-
gruências com possibilidades humorísticas, aceita a proposta
do jogo. Cognitivamente, o acordo comunicativo entre autor e
leitor prevê também, e inclusive, a expectativa do efeito surpre-
sa em um desfecho inusitado. Para estabelecer essa conexão,
examinemos a tira:

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2008 p. 118.

Mais conhecido como Papá, o pai de Mafalda atua como


corretor de seguros e se demonstra assíduo ao trabalho, hones-
to, econômico e paciente com a irreverência da filha. Um de
seus prazeres é ir à praia nas férias, mas, devido às limitações
do seu salário, esses dias não são tantos quanto ele gostaria.

80
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

Seguindo os procedimentos da Teoria da Relevância,


no decorrer da leitura da tira, pode-se observar, por meio dos
inputs visuais que:

1. O pai de Mafalda está na praia, deitado na areia


tomando sol;
2. Mafalda e a mãe estão ao fundo. Nota-se que ele
buscou privacidade, sossêgo e talvez silêncio;
3. ele gosta da situação, seu corpo está relaxado, sua
face demostra um sorriso de satisfação e o formato
do balão indica que ele está a refletir;
4. no segundo quadro, ainda refletindo, o pai de Mafalda
levanta e uma reação de susto é percebida na expres-
são de seus olhos;
5. em seguida, um personagem desconhecido aparece
em foco, deitado, tomando sol, assim como o pai de
Mafalda no início;
6. o desconhecido está em um local próximo, ainda mais
vontade sobre uma toalha, relaxado, satisfeito, e por
estar fumando, gera fumaça ao ambiente;
7. no quarto e último quadrinho, nota-se no pai de
Mafalda a continuidade da expressão de susto, po-
rém somada a de decepção.

Em consonância interpretativa, os inputs linguísticos re-


velam que, em pensamento, ele se coloca em uma posição de
conforto, ostentando sobre sua situação atual em comparação
com a de outros que naquele momento não possuiam os mes-
mos benefícios de descanso e prazer; a onomatopéia ¡Ji-Ji! cono-
ta certa dose de sarcasmo; ele se arrepende imediatamente de
sua inclinação egoísta; e, por fim, percebe que existem pessoas
ainda mais egoístas do que ele.
As informações geradas pelos inputs acima permitem o
constructo de uma forma lógica, ou inferências dedutivas tri-

81
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

viais, produto da realização do processo de decodificação visu-


al e linguística. Os inputs visuais atrelados interpretativamente
aos inputs linguísticos, abrem precendentes para que o leitor
resgate, em sua memória enciclopédica, algumas informações
do contexto cognitivo que passam a desenvolver, possivelmen-
te, as seguintes premissas implicadas31:

(i) Por questões de sobreviência as pessoas precisam


trabalhar, e por isso, elas têm pouco tempo para des-
cansar;
(ii) As férias são um momento especial em que se pode
passar mais tempo com a familia e fazer outras coi-
sas que propiciam prazer;
(iii) É comum que as pessoas viagem nas férias em busca
de sair da rotina e esquecer os problemas;
(iv) Viajar à praia é geralmente a escolha mais acessível,
ainda mais na Argentina, devido à localização geo-
gráfica;
(v) Como a praia é pública, e no verão é muito frequen-
tada, lá encontra-se toda sorte de pessoas, com os
mais diversos comportamentos;

Estas informações implicadas no processo interpretativo


possibilitaram alcançar o nível pragmático, ou seja, a inferir
informações não ditas mas que são consideradas em busca da
compreensão dos enunciados. O enriquecimento a nível prag-
mático serve de base para que, a partir destas informações,
outras novas possam ser derivadas. Assim, os processos deduti-
vo-inferenciais promovem as seguintes suposições contextuais:

31  Devido à proposta desta pesquisa, toma-se como base a mesma metodologia de
Silveira e Feltes (2002) para a apresentação dos inputs, premissas e suposições con-
textuais envolvidas na interpretação de charges. É importante destacar que Santos
(2009) utilizou a metodologia do modus ponens em suas análises de piadas.

82
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

S1 O pai de Mafalda considera que estar sempre ocupa-


do com as obrigações do emprego é como estar vivendo numa
escravidão;
S2 Milhões de pessoas trabalham como “escravas” para
que outras só desfrutem os prazeres da vida;
S3 Preocupar-se mais com conforto próprio, sem se preo-
cupar com bem estar do outro, é ser egoista;
S4 O pai de Mafalda pensa que nem para egoista serve,
pois até para isso, outras pessoas têm performance melhor que
a dele.
Implicatura: Ser desapontado consigo mesmo é sinôni-
mo de fracasso.
Acessados pela entrada lexical, lógica e enciclopédica, as
derivações dos processos cognitivos resultaram suposições que
permitiram alcançar o nível de explicatura, ou seja, a forma lógi-
ca foi desenvolvida através de processos de natureza pragmática
e os raciocínios lógico-dedutivos fizeram com que o conteúdo da
tira fosse dissolvido. Porém, o leitor que é perspicaz e sabe que
na obra de Quino há sempre, por tráz do riso, uma mensagem
crítica, este consegue identificar na tira uma outra implicatura: a
de que fumar na praia é um ato genuinamente egoísta.
Um dos indicativos mais evidentes dessa implicatura é
que o quadrinho no qual aparece o indivíduo fumando na praia
é o que tem maior tamanho. Se Quino quisesse enfatizar so-
mente o fato do pai de Mafalda se sentir um fracassado, ele
teria criado recursos extras para que o último quadrinho ficasse
em destaque. Além disso, quem conhece a obra já percebeu,
em leituras anteriores, que é um traço de caráter do pai de
Mafalda se sentir inferior e, por isso, esse fator não é nenhuma
novidade (por mais que também seja eficaz ao leitor que não é
familiarizado com as tiras da personagem). Outro aspecto que
deve ser considerado é que o autor é bastante engajado com
questões ambientais e, como é sabido, a fumaça do cigarro é
um poluente de ar.

83
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

A partir dessas considerações, percebe-se que o surgi-


mento das premissas e suposições proporciona - por meio da
combinação dos inputs com o contexto cognitivo – a derivação
de uma conclusão. Assim, a conclusão à que se chega com a
leitura da tira, de que ser desapontado consigo mesmo é sinôni-
mo de fracasso, e que, fumar na praia é um ato genuinamente
egoísta, encontra-se, segundo aos termos da TR, a implicatura
contextual. Quando esse nível da implicatura é alcançado, ob-
tém-se a forma lógica proposicional que permite que se atri-
bua valor de verdade à mensagem não-dita, porém implicada
ou comunicada pelo autor.
Durante este percurso até a implicatura contextual, a
tendência do conhecimento enciclopédico é a de serem soma-
das as crenças, convenções e valores do leitor. Portanto, segundo
Santos (2009), a implicação contextual é submetida simultâne-
amente a um módulo psicológico (como vimos anteriormente,
abreviado por MP), que pela sujeição dos nossos próprios in-
teresses, gera expectativas de uma possível força de verdade.
Assim, se o efeito cognitivo for relevante, ou seja, se o máximo
de informações foi atingido, com o mínimo de esforço mental, a
forma atitudinal plena foi alcançada e o significado interpre-
tado (idem, p. 243).
O fato é que este percurso da interpretação do humor
ainda não para neste momento. Segundo Santos, no interím do
alcance da forma atitudinal plena, a forma lógica proposicional
é convertida em entretenimento humorístico que o leitor, por
sua vez, explicita no riso. Contudo, a conclusão irreverente que
o pai de Mafalda faz de sua própria situação é, ainda, a res-
ponsável pelo humor da tira. Nessa inversão entre os conceitos
e referentes é que reside a incongruência, afinal não se espera
que o personagem mencione um juízo de valor sobre si mesmo.
Assim, as regras dedutivo-inferenciais que vão conduzir o leitor
ao significado (próximo) daquele que o autor teve a intenção
de comunicar, se convencionam e se ajustam, cognitiva e psico-

84
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

logicamente, aos conceitos e as expectativas de significado que


o leitor veio construindo. Nesse momento é que elas entram
em choque com os novos referentes, revelados no desfecho dos
quadrinhos.
A descoberta do inesperado, do engano em relação
àquilo que se esperava, reflete no alívio de esforços que a men-
te faz para processar a discordância cognitiva, e converter o
significado do desfecho em “entretenimento humorístico” que o
leitor, por sua vez, interpreta como humor e exterioriza através
do riso. Em síntese, são esses os recursos cognitivos que a men-
te humana precisa despender a fim de interpretar enunciados
como as tiras em quadrinhos.
A partir desses desenvolvimentos, chega-se o momento
de levantar outra questão: na condição de tradutor, os proces-
sos cognitivos envolvidos na interpretação da tira se dariam
desta mesma maneira?
Levando-se em conta que o tradutor, ao entrar em con-
tato com sua encomenda já lê pensando como vai desempe-
nhar a tradução, a minha resposta para isso é que não. Mas os
princípios cognitivos podem ser basicamente os mesmos.
É inegável que o primeiro quadrinho da tira, em que
possui o enunciado “¡Pensar que en este mismo instante hay
millones de personas trabajando como negros, y uno aquí, de
vacaciones!...” incita, garantidamente, a reflexão de como a pa-
lavra negro será substituida na tradução, vez que, se traduzida
de forma literal, além de promover um choque de significados
seria uma armadilha que anularia qualquer chance de humor,
prejudicando, inclusive, a reputação do próprio tradutor. Por
este motivo, pode-se dizer que o conceito de semelhança in-
terpretativa é posto em prática, neste caso, já na leitura do
primeiro ato da tira ganhando força no efeito global após a
interpretação.
A partir da análise da tira, é possivel identificar que a
teoria de Gutt (1991/2000) torna-se ainda mais estreita, e apli-

85
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

cável, à proposta de trajeto cognitivo da interpretação do hu-


mor. Estas afinidades começam já no momento em que o leitor,
quando aceita ler os quadrinhos, cria expectativas de interpre-
tação respondendo, portanto, ao estímulo ostensivo promovido
pelo autor. No caso do tradutor, que é, antes de tudo, leitor,
pode se dizer que além da expectativa interpretativa, ele cria
expectativas de tradução. Essa ideia é possivel porque Gutt
(1991, apud GONÇALVES, 2003, p. 40) explica que a semelhan-
ça interpretativa, uma vez que compartilha suas propriedades
lógicas, explicaturas, implicaturas, compartilha também dois
estímulos ostensivos que se assemelham interpretativamente.
Assim, quando o tradutor inicia a leitura da tira, ele imagina
possibilidades de comunicar em sua tradução um estímulo os-
tensivo semelhante àquele que recebeu em sua própria leitura.
Neste trabalho, destaco que as expectativas de interpretação e
de tradução ocorrem concomitantemente. É importante para o
tradutor captar as particularidades do texto que vai traduzir e
esse interesse natural maximizam suas expectativas de relevân-
cia mais do que as do próprio leitor convencional.
O procedimento de analisar o envolvimento dos inputs
visuais e linguísticos pode também ocorrer dessa mesma manei-
ra. Na interpretação humorística, ao passo que os inputs visuais
e linguísticos correspondentes ao texto fonte (TF) vão sendo
processados, o tradutor os avalia conforme a realidade inter-
pretativa do texto alvo (TA), a fim de identificar se eles irão
se contradizer, implicar um no outro, ou apresentarem outras
relações lógicas entre si. No caso desta tira, se o enunciado “(...)
personas trabajando como negros, y uno aqui, de vacaciones...”
atrelado à imagem de um homem branco, descansando, toman-
do sol, quando inferido em português é entendido na condição
de input (ou vários deles), porque se fosse traduzido literalmen-
te o contexto cognitivo do tradutor assinalaria obtenção mental
preconceituosa. Logo, o efeito cognitivo promovido por este (ou
estes) input(s) no contexto da lingua portuguesa chocaria-se

86
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

ao contexto da língua espanhola, isto é, provocaria uma contra-


dição entre os referentes, estabelecendo relações discrepantes
entre eles. Neste interim, o tradutor buscaria outras proprieda-
des lógicas às formas proposicionais, implicaturas e explicatiras
que o autor teve a intenção de comunicar. Vejamos a estratégia
do tradutor em relação a tradução desta tira para o português:

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2008 p. 62.

Por meio dessas relações do conceito de semelhança in-


terpretativa de Gutt (1991/2000) com a expectativa de interpre-
tação, estímulo ostensivo, combinação e semelhança de inputs,
nota-se a importância do desempenho do contexto cognitivo e
efeito contextual do tradutor. Ao analisar esta tradução, perce-
be-se que a adaptação de “(...) trabajando como negros”, por
“trabalhando que nem burros” não apenas resolve o problema
tradutório como corresponde ao contexto do leitor do TA, já que
a expressão “trabalhei como burro” ou até “trabalhei feito burro
de carga”, faz parte da variedade de ditos populares do brasilei-
ro. Além disso, é um tipo de enunciado ainda mais utilizado do
que seria a tradução “trabalhando como escravos”, por exemplo.
Nota-se que o tradutor se preocupou com o efeito humorístico,
não se contentando em cumprir uma semelhança mais próxima,
que seria a adequação de “negros” por “escravos”, escolhendo
outra palavra próxima à realidade linguística do leitor.
Nesse sentido, na tradução humorística o objetivo prin-
cipal é que a satisfação interpretativa do leitor do TF seja se-

87
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

melhante no TA, ou seja, promova o riso. O desafio cognitivo do


tradutor é encontrar equivalentes linguistico-cognitivos que sus-
tentem, explicita e implicitamente, a presunção de relevância
ótima transmitida no enunciado original (ou TF), de forma que
possua efeito contextual semelhante. Do mesmo modo, é pos-
sivel estabelecer que as peculiaridades da tradução do texto
humorístico, não são apenas relacionadas ao fato de o tradutor
ter que transmitir informações análogas, que é o que geralmen-
te acontece no processo tradutório dos textos convencionais,
mas também (e sobretudo), que a mensagem da sua tradução
provoque, no leitor do TA, entretenimento humorístico equiva-
lente em termos de contexto e efeito, que pode ser conferido
mediante a prova do riso.

4.2.2. Conceitos indispensáveis

Como demonstrado nas análises anteriores, a emissão dos


enunciados desperta o cumprimento da relevância: quando se é
atraído por um estimulo ostensivo, cria-se expectativas de inter-
pretação. Na linguagem humorística, essas relações interpreta-
tivas são, segundo Santos (2009), atribuídas a uma espécie de
jogo humorístico, em que os interlocutores realizam um acordo
mútuo de entendimento, sendo autor com a intenção de tornar
manifesta a sua mensagem e, o leitor, em resposta a esse estí-
mulo ostensivo, espera uma fonte de prazer gerada pelo humor
e aceita jogar o jogo proposto. A esta tendência à realização de
um percurso cognitivo intuitivo e intencionado, Sperber e Wilson
(2001) denominaram comunicação ostensivo-inferencial.
Para esses teóricos, as relações recíprocas de interesse
compõem o Princípio Comunicativo de Relevância, que desig-
na o estímulo ostensivo como o responsável pela criação de
uma expectativa de relevância ótima. Assim, o autor procura
tornar o seu estímulo mas fácil possível para que seja inferi-
do, proporcionando ao leitor evidências que possibilitem-no a

88
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

atingir o seu objetivo. Por outro lado, participando desse jogo


comunicativo, ou jogo humorístico, a meta do leitor será a de
alcançar uma interpretação que corresponde à expectativa de
relevância ótima intencionada pelo autor. O fato é que, para a
realização de tal jogo, é necessário que o leitor, embasado na
codificação linguistica, deva enriquecer os inputs de maneira a
obter o significado explícito e preenchê-lo a nível de implicito,
até que a forma proposicional – ou, segundo Santos (2009),
forma atitudinal plena – seja alcançada. Vejamos:

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2008 p. 172.

O pequeno garoto chama-se Guille. É irmão de Mafalda


e, nesta tira, está em sua fase inicial de criança. Aprendendo a
falar e ainda descobrindo o nome das coisas, uma das marcas
de seu personagem é fazer confusões com os significados que
absorve em sua interação com o mundo.
Dessa maneira, a leitura da tira nos remete a decodifi-
cação dos seguintes inputs visuais: (1) Guille e sua família estão
na praia; (2) ele observa um personagem desconhecido, de bar-
riga grande, tomando sol; (3) a ausência do desenho da boca
de Guille remete a uma ideia de pensamento, reflexão; (4) ao
fundo, sentados na areia, os pais observam o filho. O pai, com
as mãos na cabeça, anuncia fisicamente à reação de uma situ-
ação de enrascada, e a mãe, pelo desenho côncavo da boca,
demonstra apreensividade; ao mesmo tempo, Guille, (4) em sua
naturalidade de criança, pronuncia um comentário (ou inter-
rogativa) que deixa o desconhecido altamente envergonhado,

89
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

perceptívelmente notével pela mudança de cor do rosto; (5) No


desfecho, a familia de Mafalda retorna, com todos os acessórios
de praia, ao local à que possivelmente estão hospedados. Pai e
mãe envergonhados e Mafalda demonstrando reprovação.
Simultâneamente, os inputs linguisticos revelam que: (1)
Guille comunica ao desconhecido o que sabe sobre barrigas
grandes; (2) A placa destaca que a familia está hospedada em
um hotel; (3) O recepcionista percebe a vermelhidão do rosto dos
pais de Guille e Mafalda, fazendo um comentário sobre a inten-
sidade do sol; (4) O pai de Mafalda, responde brevemente ao
recepcionista que “é quase isso”, com tom de fala envergonhado.
Originária do processo de decodificação, a consonância
interpretativa dos inputs linguísticos e visuais fazem com que
se atinja – cognitivamente - a forma lógica não proposicional
(ou somente forma lógica). Nesse momento, consegue-se obter
a comprovação de que, se os inputs não forem enriquecidos
pragmaticamente pelas inferências não-demonstrativas32, a in-
tenção comunicativa do autor não seria interpretada e com-
preendida por completo ou de forma suficiente, uma vez que o
significado estararia restrito somente a sua forma linguística.
Diante disso, é importante destacar que a decodificação
é apenas um dos artifícios cognitivos envolvidos no input, em
outras palavras, o trabalho primeiro que os processos inferen-
ciais realizam em busca da interpretação. Todavia, é necessário
considerar que é a partir dessa decodificação, ou obtenção da
forma lógica, que a mente abre precedentes para que o leitor
elabore hipóteses que sustentem, explícita e implicitamente, a
presunção de relevância transmitida pelo enunciado. Assim, o
continuum interpretativo recorre ao contexto cognitivo com o
objetivo de levantar as seguintes premissas contextuais:

32  Inferências realizadas através dos elementos que não estão explicitados na locu-
ção verbal, devido ao fato de serem resgatadas da memória enciclopédica em busca
da interpretação do enunciado.

90
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

(i) Guille tem um conceito formado em relação ao fato


de pessoas terem barrigas grandes;
(ii) Os pais conhecem os filhos, e por isso, sabem do que
eles são capazes;
(iii) Os pais de Guille preocupam-se com a sinceridade
do filho e diante da situação, já previam o que pode-
ria acontecer;
(iv) Guille, assim como qualquer criança, fala com facili-
dade que pensa, uma vez que ainda está aprenden-
do a ponderar consequências;
(v) O conhecimento de Guille sobre a cegonha, atrelado
a barrigas grandes, é originário da lenda popular
utilizada para ludibriar crianças a respeiro do surgi-
mento e concepção dos bebês;
(vi) Na maioria das vezes, os homens que são barrigudos
não gostam de serem chamados assim;
(vii) Quando os filhos promovem situações embaraçosas
ou ofensivas, os pais, comumente, costumam tomar
atitudes. A atitude tomada pelos pais de Guille foi a
de ir embora.

Essa seleção de hipóteses, ou premissas contextuais, pos-


sibilita que os processos inferenciais atinjam o nível pragmático,
pois através delas, traz-se á tona pensamentos, recordações e
outras conclusões de inferências já realizadas e que compõe
o conhecimento de mundo do leitor. Assim, as derivações dos
processos cognitivos acessados pela entrada lexical, lógica e
enciclopédica, permite que seja atingido o nível de explicatura,
em que a forma lógica é desenvolvida por meio dos processos
inferenciais de natureza pragmática, alcançando raciocínios ló-
gico-dedutivos que fazem com que o leitor dissolva o conteúdo
da tira a nível explícito.
Dessa maneira, explicatura torna-se então uma espécie
de combinação entre os traços conceituais definidos na memó-

91
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

ria enciclopédica, linguisticamente decodificados e contextual-


mente inferidos. Enriquecidas essas bases contextuais, a mente
opera de modo a derivá-las em busca de informações novas.
Conduzidos por estes processos, pode-se chegar as seguintes
suposições contextuais:
S1 Guille é comunicativo e desinibido, pois não sente difi-
culdades para falar com estranhos;
S2 Guille é curioso, pois o fato de mencionar sua crença
na lenda popular da cegonha, é um indicativo de que já per-
guntou aos pais, como são concebidos os bebês;
S3 Os pais de Guille e Mafalda tem dificuldades de ex-
plicar tal assunto aos filhos;
S4 Os pais falaram tão pouco sobre o assunto à Guille
que deixaram até de explicar que somente as mulheres ficam
grávidas. Isso fez com que o garoto atribuísse gravidez à todos
aqueles que possuem barriga sobressalente.
S5 O comentário de Guille envergonha o desconhecido,
e a sua reação de vergonha, nos leva a crer que ele mesmo se
imputa o estereótipo do “barrigudinho”.
Implicatura: Os homens que são barrigudos (e não acei-
tam isso bem), não gostam de salientar essa característica. Do
mesmo modo com que outras pessoas não gostam de serem
atribuídas à algum outro estereótipo qualquer.
A partir desses encadeamentos, nota-se que a implicatura
é uma premissa implicada que, oriunda da combinação do conjun-
to das premissas dedutivas, gera uma conclusão implicada. Desse
modo, quando se alcança a conclusão atinge-se a implicatura, fina-
lizando a dissolução do conteúdo explícito e implicito comunicado
pelo autor. A este nível, obtém-se a forma lógica proposicional,
em que agora, pode-se atribuir um valor de verdade. Portanto, é
então verdade que os homens que são barrigudos não gostam de
serem salientados por essa característica?
De acordo com Santos (2009), nesse momento mobiliza-
-se novamente (e cognitivamente) o módulo psicológico – que

92
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

também participou na formulação das suposições contextuais


– de forma que o leitor, para responder a essa pergunta, se dis-
põe a compatibilizar suas inferências dedutivas segundo suas
crenças, convenções e valores sociais. Por isso é tão importante
destacar que o humor é cultural, pois dados interesses, pensa-
mentos, crenças, convicções, juízos de valor, e inclusive, estere-
ótipos, são constituídos e inevitavelmente julgados de acordo
com os valores culturais do indivíduo.
Outro fator que merece destaque, é que segundo Sperber
e Wilson (2001), a interpretação do implicito não ocorre de ma-
neira ordenada: forma lógica/explicatura/implicatura, mas sim,
mediante a um ajuste paralelo mútuo, por ordem de acessibi-
lidade mental. Quanto mais acessível o contexto cognitivo da
informação, e quanto menor a complexidade linguística, menor
será o esforço de processamento e maior será a compreensão.
Os inputs também podem ser entendidos com essa mes-
ma perspectiva. Quando os níveis de premissas, suposições e
implicaturas são atingidos, o input é considerado relevante, pois
a relevância do indivíduo é medida quanto ao poder que ele
tem de aumentar o conhecimento sobre aquilo que lhe interes-
sa, ou seja, quando seu processamento, no contexto prévio de
supostos da mente, produz um efeito cognitivo. Neste aspecto
deve-se considerar que, ao entrarmos em conexão com deter-
minado input, podemos enfraquecer, ou até mesmo contrariar,
as suposições já existentes armazenadas na memória enciclo-
pédica. Por isso, um input é relevante se, e somente se, o efeito
cognitivo é positivo. Dessa maneira quanto maiores os efeitos
cognitivos ao processar um input, maior será a relevância, e
quanto maior o esforço de processamento, menor será a rele-
vância para o indivíduo.
A partir destes desenvolvimentos, pode-se concluir, de
maneira geral, que os processos inferenciais mentais operam
de modo produtivo e econômico, buscando alcançar o máximo
de efeitos cognitivos, com o mínimo de esforço possível. Se esse

93
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

raciocínio for seguido, é plausível estabelecer que se na leitu-


ra da tira o leitor falhar quanto o contexto, ou aos processos
dedutivos inferenciais constituintes das premissas, suposições e
implicatura, não se atingirá o nível, ou efeito, do humor inten-
cionado pelo autor, e logo, a expectativa de relevância não será
cumprida e o contrato humorístico será rompido.
Para abordar a especificidade desse tipo de humor em
confronto com a sua tradução, analisemos a tira na sua versão
em língua portuguesa:

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2009 p. 277.

No início da análise interpretativo-humorística da tira


em sua língua original, contemplamos que as relações recí-
procas de interesse entre autor e leitor compõem o Princípio
Comunicativo de Relevância. Ao observar os enunciados acima,
nota-se que a intenção do tradutor foi a de tornar o estímulo
de sua tradução o mais fácil possivel para que seja inferido, ao
ponto de proporcionar ao leitor evidências que o possibilitem
atingir seu objetivo.
Tendo o postulado da TR como base, pode-se identificar
a existência de outra dimensão interpretativa, em relação a
criação de expectativas de relevância ótima, que é a do tradu-
tor em relação ao leitor. Portanto, é possível estabelecer que, ao
passo que o autor do TF tem expectativas de relevância ótima
em relação ao leitor TF, o tradutor, também na condição de lei-
tor, precisa corresponder a essas expectativas, ficando satisfeito

94
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

com a interpretação e compreensão que fez do TF. Além disso,


o tradutor precisa captá-las a ponto de transpo-las equivalen-
temente em termos de contexto e efeito para o leitor do TA.
Dessa maneira, na dimensão da tradução, não existem
apenas as expectativas de relevância ótima entre autor e leitor
do TF. Existe também, e inclusive, expectativas de relevância óti-
ma entre o tradutor do TF em relação ao leitor do TA. Por isso,
o princípio comunicativo de relevância em tradução atua, simul-
tâneamente, em duas esferas: a do autor em relação ao leitor de
sua mesma língua, ou / leitor que domina a sua língua / e leitor
que é tradutor; e a segunda, que é a do tradutor do texto fonte
(ou original) em relação ao leitor do texto alvo (ou texto tradu-
zido). Portanto, é inegável que o trabalho do tradutor atinja, em
relação ao princípio comunicativo e expectativas de relevância
ótima, um nível ainda mais complexo de interpretação.
Outro fator de suma importância para o cumprimento
do princípio comunicativo de relevância em tradução, é a atu-
ação do contexto artificial. Como visto anteriormente, Gutt
(2000) postulou que o tradutor em contato com TF não infere
a partir de um ambiente cognitivo que seja, de forma mútua,
manifesto ao seu. Por isso, a possível falta de congruência com
o ambiente cognitivo compartilhado com o público do TF, fará,
naturalmente, com que o tradutor tenha que desprender esfor-
ços extras para suprir a demanda. Dessa maneira, tendo-se em
vista a tira em seu formato original e traduzido, faz parte do
processo de tradução elencar as seguintes informações: (1) Ir a
praia é também uma realidade comum ao público do TA? (2) A
lenda da cegonha também pertence a cultura dessas pessoas?
(3) O estereótipo do “Barrigudinho” também veicula nas intera-
ções piadísticas dos brasileiros?
Essas são perguntas fundamentais, cujo tradutor precisa
buscar respostas em seu contexto cognitivo. Se não há dispo-
nível em sua memória encliclopédica informações que susten-
tem a aplicação desses elementos, há que se recorrer a outras

95
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

fontes de pesquisa. O fato é que, se for dado continuidade a


este raciocínio, esse enriquecimento pragmático (assim como
os inputs, explicaturas e implicaturas) também é avaliado, ou
seja, ao promovermos em nosso ambiente cognitivo tais pergun-
tas, quando buscamos em nosso contexto cognitivo informações
para gerarmos respostas, podemos encontrar suposições que
sustentem, enfraqueçam, ou entrem em contradição na formu-
lação dessas respostas.
O efeito cognitivo do tradutor é originário também de
uma avaliação do processo de enriquecimento pragmático. Em
outras palavras, enquando a relação do leitor convencional em
relação às suas informações do contexto cognitivo é de ter, ou
não, informações que sustentem a decodificação dos inputs a
nível pragmático, o trabalho mental do tradutor envolve ava-
liar e confrontar esses elementos em cada cultura, para então
continuar seu processo de tradução. A partir dessas observa-
ções, pode-se prever que os processos inferenciais do tradutor
operam de modo mais produtivo do que econômico, em busca
de alcançar o máximo de efeitos cognitivos em relação as possi-
bilidades de tradução, e que esses quando manifestados no TA,
promovam o mínimo de esforço interpretativo ao leitor.
Para facilitar a compreensão de todo esse envolvimen-
to entre inputs, explicaturas e implicaturas, com a necessidade
de semelhança destes, e entre estes, no produto do TA, Gutt
(2000) propõe a substituição do conceito de enunciado pelo
de unidade de tradução (UT), uma vez que o ato tradutório
é, para ele, um processo de comunicação interlinguistica, cujo
fundamento é a semelhança interpretativa entre enunciados
convergentes nas duas línguas de tradução.
A partir desses preceitos e voltando a análise do conte-
údo da tradução da tira, percebe-se que a UT que demanda
maior atenção na comparação é “¿Tigueña nenito? ¿Ti?” tra-
duzida para “ti ganha nenê, ti?”. Neste momento, aciona-se a
resposta possível para a pergunta anterior: a lenda da cegonha

96
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

pertence ou não a cultura dos brasileiros? Para embasar essa


afirmação, encontra-se, em outro momento da obra, o seguinte
quadrinho:

Fonte: Quino. Toda Mafalda, 2009 p. 324.

É muito possível que a tradução das duas tiras tenha


sido realizada por tradutores diferentes. O tradutor, responsá-
vel por estas UTs, acredita que a lenda da cegonha ainda pode
ser inferida pela audiência do contexto atual. Essa informação
leva a crer que o tradutor da tira da UT “ti ganha nenê, ti?”, te-
nha, através dos processos cognitivos apresentados, chegado a
conclusão que o efeito contextual de sua tradução suprisse me-
lhor, ou com maior ênfase, o recurso da incongruência. Ou ain-
da que esta substituição seria um equivalente linguístico-cogni-
tivo que sustentasse, explicita e implicitamente, a presunção de
relevância ótima transmitida na UT do texto fonte, objetivando
entretenimento humorístico equivalente.
Como apresentaram os teóricos da tradução, como
Arrojo (1992), Brezolin (1997) e outros contemplados no capítulo
um, cada tradutor possui seus referentes de tradução, uma vez
que na condição de indivíduo, sua tradução é produto da sig-
nificação de sua própria leitura. Portanto, não há somente uma
possibilidade de tradução, e além disso, é dever do tradutor
escolher estratégias – ou inputs semelhantes – que confiram ao
texto o efeito desejado. Assim como “ti ganha nenê, ti?” pode ser
compreendido pelo leitor, outras sugestões como “A xegonha tá
xegando, né?”, “Aqui tem nenê, né?”, ou ainda considerando que

97
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

o personagem está tomando sol: “Caloi pala o nenê, né?”, “Pala


o nenê ficá quentinhu, né?” seriam aplicáveis.
O que importa neste caso, é que o leitor, a partir de
sua implicatura, possa estabelecer um valor de verdade e que
essa força de verdade seja compatível a influência do Módulo
Psicológico - previsto por Santos (2009) -, de forma que a lei-
tura seja capaz de gerar inferências que possam ser avaliadas
segundo as crenças, convenções, e valores sociais do indivíduo.
Nesse interím, outro fator que se percebe, é que assim como o
princípio de relevância constitui uma outra dimensão interpre-
tativa em relação ao tradutor, o MP também, pois autor, leitor
do TF, tradutor e leitor do TA, sofrem interferências à este nível.
Assim, o tradutor expressa eficácia em sua tradução quando
consegue estabelecer semelhança ao nível contextual social,
cognitivo e psicológico dos indivíduos. E a chave para isso é ser
conhecedor dos elementos culturais de sua audiência.
Por fim, cabe destacar que o comentário inadequado de
Guille é ainda o responsável pelo humor da tira. Nessa dis-
crepância entre o conceito de criança inocente, em relação ao
domínio (ou desejo de domínio) de um assunto adulto, é que
reside a incongruência. Afinal não se espera que Guille faça um
comentário desses e o alvo do comentário recaia em um juízo
de valor sobre si mesmo, sentindo-se envergonhado. Assim, as
regras dedutivo- inferenciais entre os interlocutores se conven-
cionam e se ajustam, cognitiva e psicológicamente, aos con-
ceitos e às expectativas que o leitor de ambas as audiências
construíram. Por sua vez, a descoberta do inesperado reflete no
alívio de esforços que a mente faz para converter a discordân-
cia em entretenimento humorístico, externado através do maior
dos objetivos do autor e do tradutor: o riso.

98
Capítulo IV

CONSIDERAÇÕES

Para chegar a uma resposta que desse conta de demons-


trar quais ou que tipo de mecanismos cognitivos são envolvidos
na tradução de enunciados humorísticos foi necessário, primeira-
mente, entender que o processo tradutório não é um fenômeno tão
simples quanto se pensa, porque as línguas estão em constante
transformação e mantêm uma infinidade de significados a serem
analisados dentro dos mais diversos contextos.
A tradução é a atividade da linguagem que atua na
diferença entre as línguas, culturas, momentos históricos e nos
aspectos intrínsecos a um determinado público. Assim, discorri
em defesa de que o ato de traduzir é um processo de recriação
de um texto que se reinsere em outro contexto histórico, social e
interpretativo. Isso levou a considerar também que autor, tradu-
tor e leitor são indivíduos que possuem sua própria cognição e,
dentro dela, suas crenças, convicções, valores sociais e culturais
particulares que não apenas influenciam como regem os pro-
cessos interpretativos.
Nesse cenário de construção sócio cognitiva da signifi-
cação humana, Gutt (1991/2000) insere a sua teoria, definindo
que para realizar uma tradução eficaz, o tradutor precisa dis-
ponibilizar-se a interpretar o contexto de produção do texto de
partida, verificar a acessibilidade da interpretação envolvida,
seus efeitos contextuais e, principalmente, prover condições (via
semelhança interpretativa) para que seu público-alvo alcan-
ce uma interpretação análoga, e de maneira acessível àquela
imaginada para o texto de partida.
A base teórica criada por Gutt (2000) abriu precedentes,
portanto, para a investigação dos processos de interpretação

99
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

envolvidos na tradução de textos humorísticos que, por serem


calcados no fator cultural, operam irremediavelmente de modo
particular. Os estudos de Santos (2010), aqui em consonância
com a teoria de Gutt (2000), possibilitaram o entendimento de
que interpretar uma tira em quadrinhos - constituída além de
inputs linguísticos, também por inputs visuais – torna-se uma
atividade complexa à medida em que precisa ser dissolvida em
termos de crítica e incongruência.
Essa atividade interpretativa humorística, quando reali-
zada no âmbito tradutório e submetida ao princípio de rele-
vância, - que consiste no fato de que a mente opera de forma
produtiva e econômica, a fim de alcançar o máximo de efeitos
cognitivos com o mínimo de esforço possível –, possibilitou tam-
bém compreender que quando o tradutor e o seu leitor dissol-
vem as hipóteses interpretativas (desambiguações, atribuições
inferenciais, suposições contextuais, implicaturas, etc.), alcan-
ça-se o objetivo da comunicação que, no texto alvo, deve ser
transposto cumprindo-se um nível de efeito equivalente.
Nesse sentido estabeleci, durante o desenvolvimento dos
capítulos, que na tradução humorística o objetivo principal é
que a satisfação interpretativa do leitor do TF seja semelhante
no TA, ou seja, promova o riso. O desafio cognitivo do tradutor
é, portanto, encontrar equivalentes linguístico-cognitivos que
sustentem, explicita e implicitamente, a presunção de relevân-
cia ótima transmitida no enunciado original (ou TF), de forma
que possua efeito contextual semelhante.
Nessa perspectiva de efeito contextual, estabeleci tam-
bém que as peculiaridades da tradução do texto humorístico
se relacionam ao fato de o tradutor ter que transmitir informa-
ções análogas, assim como acontece no processo tradutório dos
textos convencionais. No entanto, ressaltei que a mensagem da
tradução deva provocar, no leitor do TA, entretenimento humo-
rístico equivalente em termos de contexto e efeito, conferido
mediante a prova do riso.

100
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

A partir dessas considerações, espero ter alcançado no


leitor relevância com essa pesquisa introdutória e que de aqui
em diante novas propostas sobre o tema possam ser articu-
ladas, já que são variadas as possibilidades de investigação
sobre os funcionamentos da cognição humana.

101
Referências

ALVES, F; CARVALHO NETO, G. O princípio de relevância e a tradução de contex-


tos artificiais: aspectos intuitivos, analíticos e reflexivos no desempenho de tradutores
novatos e experientes. In: Tradução e Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores
n. 15, p. 15-25, 2006.
ALVES, F; GONÇALVES. J. L. A Relevance Theory approach to the investigation of
inferential processes in translation. In: ALVES, F. (Ed.). Triangulating Translation:
perspectives in process oriented research. Amsterdã: John Benjamins, 2003.
ARROJO, R. Oficina de Tradução: a teoria na prática. 2.ed. São Paulo: Ática, 1992.
ARROJO, R; RAJAGOPALAN, K. O ensino da leitura e a escamoteação da ideologia.
p. 87-91. In: ARROJO, R. (org.). O Signo Desconstruído: implicações para a tradução,
leitura e ensino. 2. ed. Campinas: Pontes, 1992.
BARBOSA, H. G. Procedimentos Técnicos da Tradução: uma nova proposta. Cam-
pinas: Pontes, 1990.
BENEDETTI, I; SOBRAL, A. U. (orgs.). Conversas com tradutores: balanços e pers-
pectivas da tradução. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.
BREZOLIN, A. Humor: sim. É possível traduzi-lo e ensinar a traduzi-lo. Tradterm,
1997, v. 4, n. 1, p. 15-30.
DOMINGOS-BRUNET, C. D. Interpretação e Relevância: Uma análise pragmática
das tiras de Mafalda. Anais do 1° Simpósio de Estudos Linguísticos e Literários da
Universidade Tuiuti do Paraná. Eletras, vol. 20, n. 20, 2010.
___. O humor em Mafalda sob a perspectiva da Teoria da Relevância. 2010. Traba-
lho de conclusão de curso. Universidade Tuiuti do Paraná.
FREUD, S. Os chistes e sua relação com o inconsciente. Tradução de Margarida
Salomão. Vol. 8. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
FROTA, M. P. Um balanço dos estudos da tradução no Brasil. Cadernos de Tradução
V.1, n. 19, 2007. Disponível no Portal de Periódicos da UFSC em: http://journal.ufsc.br/
index.php/traducao/article/view/6996. Acessado em 22/03/2011.
GONÇALVES, J. L. V. R. O desenvolvimento da competência do tradutor: inves-
tigando o processo através de um estudo exploratório experimental. 152 f. Tese
(Doutorado em Linguística Aplicada). UFMG, Belo Horizonte: 2003.
___. Desenvolvimentos da pragmática e a teoria da relevância aplicada à tradução.
In: RAUEN, F; SILVEIRA, J. R. C. (orgs.) Linguagem e Discurso: Teoria da Relevância.
V. 5, n. 5. Tubarão: Ed. Unisul, 2000.
LESSA, G. S. M. Notas para um estudo da tradução do humor. Anais do V Congres-
so Brasileiro de Hispanistas. UFMG. Belo Horizonte, 2008.
LINS, M. P. P. O tópico discursivo em textos de quadrinhos. Vitória: Edufes, 2008.
QUINO. Toda Mafalda. 23ed. Buenos Aires: Ediciones de la Flor, 2008.

102
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

___. Toda Mafalda. Tradução de Andréa Stahel M. da Silva et. al. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 2009.
RAUEN, F. J. Inferências em resumo com consulta ao texto base: estudo de caso com
base na teoria da relevância. In: RAUEN, F. J; SILVEIRA, J. R. C. (orgs.). Linguagem
em Discurso: teoria da relevância. Vol.5, número especial 2005. Tubarão: Unisul,
2005.
RAVONI, M. El mundo de Mafalda. Barcelona: Editorial Lumen, 1992.
BERGSON, H. O riso. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
RODRIGUES, N. et. al. Dicionário Larousse Escolar da Língua Portuguesa. São
Paulo: Larousse do Brasil, 2004.
ROSAS, M. Tradução de Humor: transcriando piadas. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
SANTOS, S. L. A interpretação de piadas sob a perspectiva da teoria da relevân-
cia. 329 f. Tese (Doutorado em Letras), Curitiba: Setor de Ciências Humanas, Letras
e Artes. UFPR. 2009.
SANTOS, S; GODOI, E. Por falar em humor... A relevância da cognição na interpreta-
ção da piada. Anais do IX encontro do CELSUL. Unisul. Palhoça, 2010.
SANTOS, S. L. Estratégias de traducción. Eletras, vol. 21, n. 21, 2011. Curitiba: UTP,
2011.
SILVA. A. F. A tradução do humor crítico-social nas histórias em quadrinhos da
Mafalda. Brasília: Universidade Gama Filho, 2010.
SILVEIRA, J. R. C; FELTES, H. P. M. Pragmática e cognição: a textualidade pela
relevância. 3ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
POSSENTI, S. Os humores da língua: análise linguística de piadas. Campinas: Mer-
cado das Letras, 1998.
___. Tradução d(e) piadas. Delta, 2003, v. 19, n. 01, p. 231-233.
SILVA, D. A vida íntima das palavras: origens e curiosidades da língua portuguesa.
São Paulo: Arx, 2002.
SPERBER; D; WILSON, D. Relevância: comunicação e cognição. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2001. Tradução de Helen Santos Alves.

103
Índice Remissivo

A
ambiguidade 45, 48, 49, 52, 59

C
cognição 5, 15, 16, 57, 64, 99, 101, 103, 106
comunicação 5, 10, 27, 28, 29, 31, 34, 58, 88, 96, 100, 103, 106
contexto 10, 16, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 32, 34, 35, 36, 38, 40, 41, 42, 45, 46, 49, 52, 55,
58, 64, 65, 68, 69, 71, 72, 75, 77, 82, 84, 86, 87, 88, 90, 93, 94, 95, 96, 97, 99, 100
crenças 16, 46, 58, 62, 64, 84, 93, 98, 99
cultura 6, 19, 25, 26, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 46, 48, 49, 64, 65, 67, 71, 95, 96, 97

E
efeito 12, 16, 20, 28, 41, 43, 44, 47, 51, 55, 58, 60, 62, 68, 69, 70, 71, 72, 75, 79, 80, 84, 85,
86, 87, 88, 93, 94, 95, 96, 97, 100
emoções 6, 25

H
humor 5, 6, 7, 9, 10, 16, 37, 38, 39, 40, 41, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56,
57, 58, 59, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 70, 71, 72, 74, 75, 76, 78, 79, 80, 84, 85, 86, 88,
93, 94, 98, 102, 103

I
implicaturas 27, 30, 31, 33, 34, 37, 86, 87, 93, 96, 100
inferências 28, 60, 81, 90, 91, 93, 98
intenções 23
interação 80, 89
interpretação 4, 5, 9, 10, 12, 23, 25, 27, 30, 33, 36, 37, 40, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63,
64, 67, 68, 71, 72, 79, 82, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 93, 95, 99, 103

L
linguagem 4, 6, 12, 16, 23, 24, 25, 38, 39, 40, 44, 49, 54, 57, 58, 61, 64, 65, 77, 78, 88, 99,
106
linguística 5, 10, 15, 16, 21, 27, 30, 38, 39, 42, 54, 56, 61, 82, 87, 90, 93, 103

M
metáfora 50

104
CRISBELLI DOMINGOS
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS: ASPECTOS TRADUTÓRIOS

P
pragmática 5, 10, 16, 41, 50, 57, 62, 64, 79, 80, 83, 91, 102, 106

Q
quadrinhos 4, 6, 10, 49, 50, 52, 56, 57, 63, 64, 65, 66, 68, 70, 79, 85, 86, 100, 102, 103

S
significado 22, 23, 24, 29, 30, 31, 33, 47, 50, 57, 58, 60, 62, 84, 85, 89, 90

T
Teoria da Relevância 7, 10, 14, 15, 27, 28, 31, 36, 57, 60, 64, 65, 81, 102
tradução 5, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 31,
32, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55,
56, 57, 64, 65, 66, 68, 70, 71, 72, 75, 77, 78, 79, 85, 86, 87, 88, 94, 95, 96, 97, 98, 99,
100, 102, 103
Tradução 4, 5, 7, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 22, 40, 102, 103

105
Sobre a Autora

CRISBELLI DOMINGOS

Doutoranda e mestre em
Estudos Linguísticos pela
Universidade Federal do
Paraná (UFPR), na linha de
pesquisa de Linguagem e
Práticas Sociais, com ênfa-
se em Pragmática e Ciências
Cognitivas. É especialista em
Ensino de Língua Espanhola
e suas Literaturas (UTP) e
graduada em licenciatura
plena de Letras Português e
Espanhol, pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Membro
do Grupo de Pesquisa Linguagem & Cultura UFPR/CNPq, ago-
ra nomeado Linguagem, Cognição e Comunicação CNPq, e
membro da diretoria da Associação Brasileira de Pragmática,
ABRAP, biênios 2014/2016 e 2016/2018. Atualmente é profes-
sora de Ensino Superior (graduação e pós-graduação) em di-
ferentes segmentos da Educação. São áreas de interesse na
pesquisa científica: comunicação e cognição, pragmática cog-
nitiva e sociocultural, aquisição de linguagem e neurociências.

Você também pode gostar