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Psicologia Aplicada

à Fisioterapia
Autores: Profa. Ronilda Iyakemi Ribeiro
Prof. Eduardo Ribeiro Frias
Colaboradora: Profa. Roberta Pasqualucci Ronca
Professores conteudistas: Ronilda Iyakemi Ribeiro / Eduardo Ribeiro Frias

Ronilda Iyakemi Ribeiro

Etnopsicóloga. Doutora em Psicologia e em Antropologia da África Negra pela Universidade de São Paulo (USP).
Pesquisadora e Membro da Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos da Universidade Paulista (UNIP),
importante núcleo que produz material pedagógico destinado a alunos e professores de todos os cursos e campi
dessa universidade. Professora Sênior da USP. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Estudos Transdisciplinares da
Herança Africana (CNPq‑UNIP). Membro do Grupo de Trabalho Psicologia e Religião (Associação Nacional de Pesquisa
e Pós‑Graduação em Psicologia – ANPEPP) e do Coletivo Coalizão Inter-Fé em Saúde e Espiritualidade. Representante
da UNIP no Fórum Inter-religioso para uma Cultura de Paz e Liberdade de Crença (Secretaria de Justiça e Cidadania do
Estado de São Paulo). Patronesse do Egbé Omó Oduduwa no Brasil.

Endereço para acessar o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4048242930372248.

Eduardo Ribeiro Frias

Etnopsicólogo. Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador e Membro
da Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos da Universidade Paulista (UNIP), importante núcleo que produz
material pedagógico destinado a alunos e professores de todos os cursos e campi dessa universidade. Pesquisador
do Grupo de Pesquisa Estudos Transdisciplinares da Herança Africana (CNPq-UNIP). Idealizador e coordenador de
projetos de intervenção socioeducacional e socioambiental, com larga experiência em ações do terceiro setor, muitas
das quais realizadas na Serra da Cantareira, Mata Atlântica de São Paulo. Realiza pesquisas de cunho ecopsicológico
e etnopsicológico, privilegiando estudos relativos à etnia iorubá em seu continente de origem (África Ocidental) e em
sua diáspora nas Américas, particularmente no Brasil.

Endereço para acessar o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8594865588582832.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

R484p Ribeiro, Ronilda Iyakemi.

Psicologia Aplicada à Fisioterapia / Ronilda Iyakemi Ribeiro,


Eduardo Ribeiro Frias. – São Paulo: Editora Sol, 2021.

180 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Psicologia geral. 2. Psicologia do desenvolvimento. 3. Psicologia


social. I. Frias, Eduardo Ribeiro. II. Título.

CDU 159.9

U510.63 - 21

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Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcello Vannini
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Willians Calazans
Ricardo Duarte
Sumário
Psicologia Aplicada à Fisioterapia

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO......................................................................................................................................................... 11

Unidade I
1 PSICOLOGIA E FISIOTERAPIA........................................................................................................................ 17
1.1 Ciências da saúde e a prática de fisioterapeutas..................................................................... 17
2 IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA PARA O FISIOTERAPEUTA.............................................................. 20
3 PANORAMA HISTÓRICO DA PSICOLOGIA E PRINCIPAIS ÁREAS DE ATUAÇÃO
DOS PSICÓLOGOS................................................................................................................................................ 22
3.1 Panorama histórico da psicologia.................................................................................................. 22
3.2 Áreas de atuação do psicólogo........................................................................................................ 24
4 TÓPICOS DE PSICOLOGIA ÚTEIS A FISIOTERAPEUTAS........................................................................ 27
4.1 Principais funções psíquicas............................................................................................................. 27
4.1.1 Inteligência................................................................................................................................................. 27
4.1.2 Pensamento e linguagem..................................................................................................................... 29
4.1.3 Atenção e concentração....................................................................................................................... 29
4.1.4 Sensação e percepção............................................................................................................................ 31
4.1.5 Memória...................................................................................................................................................... 33
4.1.6 Motivação................................................................................................................................................... 37
4.1.7 Emoções....................................................................................................................................................... 38

Unidade II
5 PSICOLOGIA DA PERSONALIDADE............................................................................................................. 46
5.1 Tópicos de psicologia da personalidade....................................................................................... 46
5.1.1 Psicologia da personalidade: introdução....................................................................................... 47
5.1.2 Noções de psicanálise............................................................................................................................ 49
5.1.3 Corpo e temperamento: concepções ocidentais e orientais.................................................. 54
5.1.4 Identidade pessoal................................................................................................................................... 66
5.1.5 Noções de psicopatologia.................................................................................................................... 78
6 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM........................................................ 82
6.1 Tópicos de psicologia do desenvolvimento................................................................................ 82
6.1.1 Fatores hereditários e ambientais do desenvolvimento.......................................................... 84
6.1.2 Algumas das principais contribuições teóricas à psicologia do desenvolvimento....... 86
6.1.3 Envelhecimento: etapa final do desenvolvimento..................................................................... 93
6.1.4 Término da jornada: o paciente terminal, a morte e o luto................................................... 97
6.2 Tópicos de psicologia da aprendizagem....................................................................................100
6.2.1 Aprendizagem: a abordagem comportamental........................................................................103
6.2.2 Aprendizagem: a abordagem comportamental-cognitiva...................................................105
6.2.3 Aprendizagem: uma perspectiva psicanalítica..........................................................................108

Unidade III
7 INTERAÇÃO FISIOTERAPEUTA-CLIENTE..................................................................................................113
7.1 Tópicos de psicologia social............................................................................................................113
7.1.1 Psicologia social psicológica e psicologia social sociológica...............................................113
7.1.2 Noções de estrutura e dinâmica de grupos................................................................................ 114
7.1.3 O grupo operativo de Pichon-Rivière............................................................................................ 115
7.1.4 Etapas do desenvolvimento dos grupos de trabalho.............................................................. 118
8 TÓPICOS RELATIVOS À QUALIDADE DE VIDA E À INSERÇÃO DA FISIOTERAPIA
NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)........................................................................................................119
8.1 Qualidade de vida................................................................................................................................119
8.2 Sistema Único de Saúde (SUS) e a promoção de qualidade de vida..............................120
8.3 Inserção do fisioterapeuta no SUS...............................................................................................122
8.4 O fisioterapeuta, a Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) do SUS e o binômio espiritualidade-saúde.................................123
8.5 Relação fisioterapeuta-cliente e relação corpo-mente: dois
importantes binômios...............................................................................................................................128
8.6 Abordagens corporais em psicoterapia e possíveis articulações
com a fisioterapia.......................................................................................................................................130
8.7 Importância do diálogo na interação fisioterapeuta-cliente............................................136
8.8 Acolhida e dádiva: condições indispensáveis para o diálogo............................................139
8.9 Desafios da prática e preparo do fisioterapeuta....................................................................140
APRESENTAÇÃO

Nenhuma obra é de autoria exclusiva daqueles que assinam como autores. Toda obra escrita resulta
sempre de um esforço coletivo do qual muitas pessoas participam, a maioria das quais transitando na
invisibilidade, embora estejam sempre de plantão, sempre atuantes em produções dessa natureza. Este
livro-texto não escapa à regra: ele não existiria se não houvesse na Universidade Paulista (UNIP) e fora
dela pessoas disponíveis para dialogar e para pôr a mão na massa. Impossível mencionar todos os que
participam da produção de nossos livros-textos – os docentes que preparam textos e o amplo suporte
técnico para sua efetiva produção gráfica e distribuição. Nós, autores deste livro-texto que você têm agora
em mãos, queremos expressar nossa especial gratidão à Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez, Vice‑Reitora de
Graduação da UNIP; a todos os docentes da Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos (CQA-UNIP),
na pessoa da Profa. Dra. Christiane Mazur; a todos os demais integrantes da CQA-UNIP, na pessoa de
Gladys Pierrobon e de Elaine Silva de Almeida Rodrigues; ao corpo técnico da produção material e virtual
das obras, na pessoa de Cláudia Meucci Andreatini, Betisa Malaman, Cláudia Regina Baptista e Alexandre
Ponzetto; e, finalmente, a todos os alunos, nossos grandes motivadores e nossa esperança no futuro.

Ao tratarmos do tema psicologia aplicada à fisioterapia, a primeira questão a ser colocada é a


seguinte: por que é recomendável a graduandos de Fisioterapia o aprendizado de noções de psicologia?

A profissão de fisioterapeuta, incluída entre profissões da área da saúde, possui caráter terapêutico
e exige, por isso, o conhecimento de fatores subjetivos presentes na interação fisioterapeuta-cliente e
favorece o desenvolvimento de habilidades pessoais que contribuem para a obtenção de bons resultados.

Grecchi e Castro (2008) realizaram junto a alunos de uma universidade do ABC Paulista uma pesquisa
que resultou num artigo intitulado “O sentido de aprender psicologia para alunos de graduação em
Fisioterapia”. Identificaram que alguns temas da psicologia são particularmente relevantes na formação
de fisioterapeutas:

• compreensão de si;

• compreensão do outro;

• relação com o outro;

• exercício da profissão;

• ética na prática profissional.

A prática cotidiana da fisioterapia apresenta desafios aos fisioterapeutas, e todos aqueles que
realizam seus primeiros contatos com clientes percebem a si mesmos despreparados para lidar com a
dimensão humana de si e das pessoas colocadas sob seus cuidados.

De modo geral, em todas as profissões do cuidado, a interação com clientes inevitavelmente mobiliza
questões existenciais, além de conhecimentos teóricos e de preparo técnico. Dos profissionais incumbidos
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de cuidar de pessoas é exigida a capacidade de escuta – escuta de si e escuta do outro – e, mobilizados
emocionalmente, os cuidadores, como se sabe, também passam a requerer cuidados.

O fisioterapeuta acessa o corpo de seu cliente, e essa aproximação exige, muitas vezes, a renúncia
de si em favor da singularidade do outro. A construção teórico-técnica da psicologia pode ser posta a
serviço de práticas profissionais que privilegiam a interação humana, assim como pode indicar caminhos
para a reintegração pessoal de profissionais do cuidado, continuamente mobilizados pelo contato
com seus semelhantes. Todo profissional da educação e da saúde é convidado a compreender cada
ser humano em seu modo particular de existir, reconhecendo que a organização do psiquismo resulta
da ação de agentes externos e resulta, simultaneamente, de um processo de atribuição de sentidos e
significados por parte da pessoa.

Não podemos ignorar o fato de que em nosso país convivem distintas concepções de universo, de
tempo e de pessoa. Na área da saúde, por exemplo, vemos práticas médicas e paramédicas inspiradas
no chamado paradigma vitalista, de caráter holístico, convivendo com práticas médicas e paramédicas
próprias da medicina ocidental contemporânea, que se inspira no paradigma cartesiano da mecânica
clássica e é crescentemente estimulada por avanços tecnológicos que priorizam o diagnóstico em
detrimento da terapêutica.

No encontro de um fisioterapeuta com seu cliente, ocorre um encontro de universos de experiências


pessoais, pois cada qual carrega consigo um mundo de vivências no qual está submerso e, inevitavelmente,
durante esse encontro humano, haverá influência mútua. Como veremos, a psicologia é múltipla
e diversa e, quando aplicada à fisioterapia, demanda a abordagem de temas que possam auxiliar o
fisioterapeuta em sua relação com os clientes e com os contextos de atendimento. A perspectiva adotada
neste livro‑texto é, pois, apenas uma das perspectivas possíveis e, certamente, outras visões poderão
mostrar‑se úteis, caso haja o propósito de expandir e aprofundar conhecimentos a respeito da interface
dessas duas disciplinas do cuidado humano.

Enlace

Na fronteira
Os limites
Se encontram.
€_FR!@s
Fonte: Frias, E. R. (2016).

A aproximação entre pessoas do corpo docente (professores) e pessoas do corpo discente (alunos)
proporcionada pela Universidade Paulista cria oportunidade para a formação de vínculos, mesmo
quando alguns cursos são ministrados a distância e os vínculos estabelecidos entre educadores e
educandos são fundamentados no respeito mútuo.

O respeito que um aluno manifesta por um mestre, no qual reconhece a autoridade daquele que
sabe e ensina com humildade, produz ressonância amorosa, e o vínculo estabelecido entre ambos se

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faz vigoroso o suficiente para sustentar por muito tempo essa relação humana. Talvez por toda a vida.
O bom mestre favorece a formação de vínculos fraternos entre seus discípulos, de modo que a força de
cada um possa se mostrar e se ampliar no trabalho grupal. Desejando o bom mestre que seus discípulos o
superem, cultiva neles o anseio de o ultrapassarem. O escritor e educador português Agostinho da Silva
se refere a Platão dizendo:

O mestre vulgar é como os passarinheiros que cortam as asas das pombas


para que elas não voem até onde ele não possa alcançá-las. Mas Platão só
deseja que as pombas se banhem no azul dos céus e tão alto subam que
toda a terra se desdobre e se revele a seus olhos (SILVA, 1996, p. 52).

Recorremos a essa metáfora porque ela se mostra útil também para descrever relações estabelecidas
entre fisioterapeutas e seus clientes: o respeito experimentado por um cliente em relação ao fisioterapeuta
que se dedica a cuidar dele, respeito de quem reconhece a autoridade profissional daquele que sabe e utiliza
seus saberes com humildade ao se esforçar para promover o alívio de sofrimentos, produz ressonância
amorosa. E o vínculo assim estabelecido se faz vigoroso o suficiente para sustentar-se por muito tempo
na interioridade dos envolvidos nessa relação terapêutica. Talvez por toda a vida. O bom agente de saúde,
quando em atendimento grupal, favorecerá a formação de vínculos fraternos entre seus assistidos, de
modo que a força de cada um dos clientes ali presentes possa se mostrar e se ampliar no trabalho coletivo.

A produção deste livro-texto encontra apoio e inspiração nos quatro pilares da educação para a paz, tal
como descritos no Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI
(DELORS et al., 2010). Segundo esse relatório, a educação, processo que perdura por toda a vida, deve estar
apoiada em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.

Figura 1 – Quatro pilares

Aprender a conhecer inclui aprender a aprender, descobrir prazer no ato de compreender, construir
conhecimentos, valorizar a curiosidade, refletir sobre o novo e reconstruir o antigo.
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Aprender a fazer implica adquirir qualificação profissional, sim. Mas não apenas isso: implica
desenvolver competências para enfrentar todo tipo de situação e para trabalhar em grupo, de modo
cooperativo. Estar preparado para ingressar e se manter no mercado de trabalho é necessário, porém
não suficiente, porque as profissões, sujeitas a rápidas e inesperadas mudanças, exigem flexibilidade
para adaptar-se a novas circunstâncias de trabalho.

Aprender a conviver é aprender a compreender, a dialogar, a perceber o quanto somos


interdependentes. É aprender a apreciar a diversidade e o pluralismo, mediar conflitos e perseguir ideais
da solidariedade e da paz.

Aprender a ser é processo de desenvolvimento pessoal com responsabilidade, de busca de


autonomia, de ampliação da capacidade de discernir para julgar com sabedoria. Para isso é preciso
desenvolver sensibilidade, sentido ético e estético, imaginação, criatividade.

Da educação apoiada sobre quatro pilares decorrem importantes consequências individuais e


sociais. É preciso que o ensino-aprendizagem que privilegia a aquisição de informações e que tem
sido o principal objetivo dos professores seja substituído por outro, que privilegie o desenvolvimento
do raciocínio lógico, do pensar crítico, da capacidade de pesquisar, processar e sintetizar informações,
elaborar teorias, se comunicar, de obter autonomia e ser socialmente atuante. Educar com base nos
quatro pilares implica não privilegiar a aquisição de um enorme volume de informações em detrimento
de outras aquisições. Segundo o Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação
para o Século XXI (DELORS et al., 2010), essa concepção ampla de educação deve inspirar e orientar
reformas educacionais na elaboração de programas e planos de ensino e na definição de políticas e
estratégias pedagógicas.

Pois bem. Você verá que, inspirados nos princípios da educação para a paz, organizamos este
livro‑texto de tal modo que todas as unidades e todas as seções estão apoiadas nos referidos quatro
pilares: aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser permeiam e impregnam o livro-texto todo.

Pode a psicologia oferecer aos fisioterapeutas melhor compreensão de si e do outro com


quem entra em relação durante sua prática profissional? Convencidos de que isso é possível, neste
livro‑texto reunimos alguns conceitos básicos de psicologia úteis para a reflexão de fisioterapeutas.
Com o intuito de que compreendam melhor os clientes entregues a seus cuidados e compreendam
melhor a si mesmos nessa e em outras interações humanas, colocamos este livro-texto a serviço da
sua formação, aluno de Fisioterapia da Universidade Paulista (UNIP). E o convidamos a viajar conosco
nesse universo de infinitas possibilidades!

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INTRODUÇÃO

A fisioterapia, segmento da área de saúde que contribui com seu conteúdo específico para o
restabelecimento, preservação e promoção da saúde, é profissão cujo início ocorreu por volta de 1880,
quando um grupo de enfermeiras inglesas se mobilizou para aprender uma nova técnica de massagem
em benefício de mulheres neurastênicas. Pouco a pouco, a massagem deixou de ser apenas uma técnica
de enfermagem para se tornar uma profissão independente. Em meados de 1884, surgiram as primeiras
escolas de ensino científico de massagem em cursos com duração variável entre quatro e seis meses. Tais
cursos incluíam aulas de anatomia e treinamento em hospitais.

Durante todo o século XIX, na Europa e nos Estados Unidos, técnicas de fisioterapia foram sendo
aprimoradas para atender à necessidade de tratar um grande contingente de trabalhadores que haviam
sofrido lesões e mutilações acarretadas por práticas profissionais trazidas pela Revolução Industrial.
Também se mostrava necessário atender soldados que haviam participado da Primeira e da Segunda
Guerras Mundiais. O tratamento físico, associado a intervenções provenientes de outras áreas das
ciências médicas, foi gradativamente conquistando o reconhecimento público (OLIVEIRA, 2005 apud
GRECCHI; CASTRO, 2008).

O fisioterapeuta possui conhecimentos sobre disfunções orgânicas e recursos fisioterápicos, sendo


capaz de estabelecer objetivos gerais e específicos a serem atingidos por meio de intervenções de tipo
educativo, terapêutico ou reabilitacional. Seu trabalho pode ser desenvolvido em hospitais (atendimento
ambulatorial, de leito e terapia intensiva), em centros de reabilitação, clínicas particulares, clubes
desportivos, centros de saúde, escolas, indústrias, faculdades e centros de pesquisa.

No mercado de trabalho, o fisioterapeuta tem sido solicitado a integrar equipes na área de


atendimento hospitalar para realizar terapias intensivas nos setores de traumatologia e ortopedia, entre
outros; na área esportiva, esse profissional vem atuando em clubes e academias; e na área clínica, tem
sido chamado a integrar equipes de cirurgia plástica e de estética.

Atualmente, seus principais campos de atividade são os seguintes:

• na área clínica, atua junto a setores de medicina clínica e cirúrgica, em ortopedia, traumatologia,
neurologia, pediatria, cardiologia, reumatologia, ginecologia, dermatologia e cirurgia plástica, entre
outros, e, com base no diagnóstico clínico, avalia o cliente e planeja o tratamento a ser desenvolvido;

• na área preventiva, atua em equipes multi e interdisciplinares, em ambientes funcionais, como


fábricas, consultórios e escolas, entre outros, com o objetivo de prevenir diversos problemas, entre
os quais, problemas musculoesqueléticos e respiratórios;

• atua também como pesquisador, visando contribuir para o aperfeiçoamento de métodos e técnicas.

A atenção à saúde, realizada com base nas Leis Orgânicas da Saúde, inclui políticas, programas e serviços
desenvolvidos em conformidade com princípios e diretrizes que estruturam o Sistema Único de Saúde (SUS),
instituído na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis n. 8.080/90 e 8.142/90.
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Nesse contexto, a saúde é considerada resultante de boas condições de habitação, alimentação,
educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra
e acesso a serviços de saúde. Ou seja, ela é considerada também em sua dimensão ético-política, sujeita,
pois, a uma perspectiva múltipla, transdisciplinar e participativa.

Como a psicologia e a fisioterapia compartilham espaços e propósitos nos sistemas de atenção à


saúde, vale a pena introduzirmos o tema central deste livro-texto abordando questões relativas ao
relacionamento fisioterapeuta-cliente, de importância fundamental para o sucesso das intervenções.
Veremos que a abordagem desse aspecto nos remeterá a outros temas igualmente importantes. Nos
parágrafos seguintes, estão sublinhados temas que serão cuidadosamente abordados posteriormente.
No momento, partimos do fato de ser a relação estabelecida entre fisioterapeuta e cliente um aspecto
fundamental do processo de adesão ao tratamento.

Com o objetivo de verificar se o relacionamento estabelecido entre fisioterapeutas e seus clientes


interfere na adesão ao tratamento, a psicóloga Marina Subtil e alguns colaboradores (SUBTIL et al.,
2011) realizaram um estudo do qual participaram quatro fisioterapeutas e 11 clientes com distintos
diagnósticos clínicos e idade variando entre 25 e 73 anos. Os dados dessa pesquisa, inicialmente
organizados em dois conjuntos – relatos dos fisioterapeutas e relatos dos clientes –, foram
posteriormente reunidos em subconjuntos.

Dos relatos dos quatro fisioterapeutas resultaram três subconjuntos de temas:

• capacidades e habilidades do fisioterapeuta;

• adesão à fisioterapia;

• relacionamento fisioterapeuta-cliente.

Dos relatos dos 11 clientes resultaram dois subconjuntos de temas:

• caracterização da fisioterapia e do bom profissional;

• continuidade versus interrupção do tratamento.

Os dados para compreensão do fenômeno adesão ao tratamento na fisioterapia foram organizados


em torno dos seguintes temas:

• necessidade de cuidado integral;

• dificuldade na comunicação cliente-terapeuta;

• contingências socioeconômicas do cliente.

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Nesse estudo, foi possível concluir que a adesão ao tratamento na fisioterapia é multifatorial, ou
seja, a adesão depende de muitos fatores e, entre esses fatores, o relacionamento entre fisioterapeuta
e cliente é fundamental para o sucesso da reabilitação.

Segundo a percepção dos fisioterapeutas que participaram dessa pesquisa, às capacidades


e habilidades técnicas devem se associar posturas pessoais e capacidade de se comunicar bem. Ou
seja, além de competência técnica, o fisioterapeuta reconhece que ele precisa ser capaz de escutar e
compreender o cliente que se encontra em estado de sofrimento, oferecer-lhe atenção e cuidado
sob a forma de contato físico (terapia manual) e de afeto (amor, respeito, solidariedade, apoio, carinho,
atenção). E, caso perceba que há algum comprometimento psíquico mais grave, deverá encaminhar o
cliente para atendimento psicológico.

De modo geral, nos serviços de saúde, o relacionamento estabelecido entre os profissionais e seus
clientes é fundamental. Considerando que a compreensão dos clientes por parte desses profissionais
é indispensável para a efetiva promoção da saúde, a habilidade de escutar o cliente contribui
significativamente para a criação de um espaço que favoreça sua expressão e sua participação no
processo de cura. Se o cliente não estiver se sentindo aceito, acolhido, compreendido e amado, o processo
de cura ficará comprometido. A eficácia terapêutica depende, pois, em grande parte, da qualidade do
encontro humano entre fisioterapeuta e cliente.

Até aqui, nos detivemos sobre os dados obtidos por Subtil et al. (2011) por meio de entrevistas
realizadas com os quatro fisioterapeutas. Vejamos agora o que esses pesquisadores obtiveram por meio
de entrevistas realizadas com os 11 clientes.

Segundo a percepção dos clientes que participaram da pesquisa mencionada, o que se pode
esperar de um bom fisioterapeuta? Os clientes entrevistados disseram que se espera de um
fisioterapeuta conhecimentos, competência técnica para alívio ou supressão de dores e habilidade
para estabelecer com seu cliente um relacionamento carregado de atenção, cuidado, empatia,
reciprocidade, confiança e afeto.

Observação

Serão realizadas referências à empatia adiante.

Consideraram que a adesão ao tratamento depende tanto do fisioterapeuta quanto do cliente,


porque um tratamento completo requer compromisso das duas partes. Ao cliente compete ser
disciplinado, assíduo, comprometido, disposto a realizar os exercícios domiciliares recomendados, desejar
melhorar e depositar confiança no profissional e na técnica por ele adotada.

No estudo de Subtil et al. (2011), foram identificadas as seguintes causas de abandono do


tratamento por parte de clientes:

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• dificuldades financeiras;

• exigência de retornar ao trabalho;

• desinteresse;

• desvalorização do tratamento;

• insatisfação com as técnicas utilizadas e insatisfação com o relacionamento estabelecido com


o fisioterapeuta.

Na pesquisa aqui relatada, os pesquisadores chegaram à conclusão de que a não adesão ao tratamento
fisioterapêutico por parte dos clientes esteve associada a seis causas principais:

• condições socioeconômicas desfavoráveis, que dificultaram o acesso ao local de tratamento;

• busca por aposentadoria precoce e auxílio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS);

• espera prolongada pelo início do tratamento;

• resistência a aceitar o fato de estar sofrendo uma doença crônica;

• melhora inexpressiva devido à falta de persistência;

• necessidade de voltar às atividades laborais para sustento da família.

Vemos, pois, que a adesão à fisioterapia esteve relacionada tanto a contingências gerais quanto a
características pessoais dos clientes, de fato, os principais interessados e principais responsáveis pela
própria reabilitação.

A interação fisioterapeuta-cliente esteve incluída entre os principais fatores de adesão e sucesso


do tratamento.

Também foram identificados outros elementos importantes dessa adesão, estes de responsabilidade
do fisioterapeuta:

• oferta de cuidado integral, que inclui considerar o cliente em todas as suas dimensões de ser –
física, psicológica (pensamento, sentimento e comportamento), socioeconômica;

Observação

Este conjunto de elementos tradicionalmente reconhecidos por autores


da psicologia vem sendo enriquecido pelos debates sobre espiritualidade,
religiosidade e religião do cliente.

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• estabelecimento de boa comunicação;

• reconhecimento dos temores, angústias e frustrações experienciados pelo cliente por estar doente;

• reconhecimento de suas contingências socioeconômicas.

Se partimos do pressuposto de que todas as doenças são psicossomáticas, já que corpo e mente são
inseparáveis tanto anatômica quanto funcionalmente, não podemos dissociar transtornos orgânicos
de questões psicológicas. Para identificar fatores psicossociais imbricados no adoecimento de clientes,
é preciso que a formação profissional de um fisioterapeuta inclua conhecimentos que favoreçam o
reconhecimento de fatores psicossociais e de fatores relativos à interação fisioterapeuta-cliente, para
que o atendimento propicie estados emocionais favoráveis à reabilitação. Quanto mais um fisioterapeuta
reconhece as necessidades, potencialidades e desejos de seu cliente, maiores serão suas chances de
ser bem-sucedido em seu trabalho.

Observação

Posteriormente serão retomados os temas adesão ao tratamento e


psicossomática.

Nem sempre é fácil para um fisioterapeuta lidar com as angústias, temores, frustrações, carências,
entre outros tantos estados emocionais trazidos pelos clientes à sessão de fisioterapia.

Qualquer pessoa que tenha tido a experiência de estar numa sala de atendimento fisioterapêutico,
seja na condição de terapeuta, seja na condição de cliente, sabe que a ocorrência de uma interação
significativa é favorecida por se tratar de uma convivência prolongada, com estímulos táteis e
comunicação verbal durante boa parte da sessão.

Os autores da pesquisa aqui relatada assinalam que a produção de estudos sobre essa relação no
âmbito da fisioterapia é ainda escassa, e os poucos trabalhos realizados sugerem que a eficácia do
processo de reabilitação depende muito da qualidade dessa interação humana.

Tomando conhecimento das conclusões a que chegaram Subtil et al. (2011), logo percebemos diversos
elementos que caracterizam o bom diálogo. Esse assunto é tão importante que merece especial atenção,
e por isso a ele nos dedicaremos neste livro-texto.

Consideramos de extrema importância a inclusão de noções de psicologia na formação de


fisioterapeutas. No entanto, essas noções nem sempre estão incluídas entre as prioridades dessa
formação profissional. Por quê? Para responder a essa pergunta, Canto e Simão (2009) tecem algumas
considerações: são muitas e diversas as abordagens psicológicas das relações eu-outro, assim como é
numeroso e diversificado o conjunto de conceitos teóricos envolvidos. Soma-se a isso o fato de que
escolhas teórico-metodológicas no campo da psicologia, que contribuam para a prática profissional
de agentes da saúde, demandam prolongados esforços para conhecê-las e para escolher dentre elas
15
uma que seja considerada apropriada às convicções pessoais e profissionais desses cuidadores. Por isso,
segundo essas autoras, a perspectiva psicológica é pouco presente, ou totalmente ausente, na formação
de fisioterapeutas.

De uma perspectiva humanizadora do processo saúde-doença, é preciso estimular no graduando de


Fisioterapia o conhecimento de noções de psicologia e o apreço por uma prática reflexiva, dado que o
exercício dessa profissão tem lugar na zona fronteiriça das ciências médicas com as ciências humanas.

Desejamos a você uma leitura agradável e elucidativa!

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PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Unidade I
1 PSICOLOGIA E FISIOTERAPIA

1.1 Ciências da saúde e a prática de fisioterapeutas

Figura 2

Retornando ao passado da fisioterapia, surgida entre 1945 e 1959 (GAVA, 2004 apud GRECCHI;
CASTRO, 2008), vemos que fisioterapia e medicina têm caminhado lado a lado, compartilhando muitas
vezes a mesma concepção reducionista e mecanicista de pessoa. Temos um bom exemplo disso em
disciplinas de anatomia, nas quais partes de corpos humanos são manuseadas como se fossem peças
de uma máquina.

Mas, perguntamos, haveria outras concepções de pessoa diferentes dessa concepção mecanicista?
Por que razão o conhecimento científico ocidental seria a única possibilidade de compreensão dos
fenômenos envolvidos na prática do fisioterapeuta? Por que motivo outros sistemas do saber não podem
ter sua importância reconhecida?

Bem, de fato, nossa experiência de clientes da fisioterapia nos dá a conhecer que diversas práticas
integrantes da medicina tradicional chinesa vêm sendo utilizadas em atendimentos clínicos:

• a acupuntura chinesa, que consiste na aplicação de agulhas bem finas em pontos específicos
do corpo;
• a moxabustão, espécie de acupuntura térmica, realizada por meio de combustão da erva Artemisia
sinensis e Artemisia vulgaris, cujo nome em chinês significa “longo tempo de aplicação do fogo”.

17
Unidade I

Figura 3

Práticas integrantes da medicina tradicional japonesa também vêm sendo utilizadas. Entre elas,
a acupuntura japonesa, que utiliza uma única agulha bem fina, e o shiatsu, técnica de massagem
terapêutica que pode prevenir doenças e amenizar problemas, como estresse e ansiedade.

Quando perguntamos se há outras concepções de pessoa distintas da concepção mecanicista própria


da medicina ocidental, se há alguma razão para o conhecimento científico ocidental ser apresentado
como a única possibilidade de cura e se outros sistemas do saber podem ter sua importância reconhecida,
encontramos bons elementos para responder a essas perguntas.

Respostas a essas e a outras perguntas são encontradas, por exemplo, nos trabalhos realizados
nos últimos 20 anos pelo Grupo de Pesquisa Racionalidades Médicas e Práticas de Saúde, liderado por
Madel Therezinha Luz. E o que são racionalidades médicas?

O termo racionalidades médicas diz respeito aos sistemas médicos construídos com base nas
seguintes dimensões:

• morfologia humana;

• dinâmica vital;

• doutrina médica (noção de saúde e doença);

• sistema diagnóstico;

18
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

• cosmologia;

• sistema terapêutico.

Figura 4

Essa simples formulação, que reúne seis dimensões próprias de todo e qualquer sistema médico,
tem favorecido o desenvolvimento de estudos comparativos entre as medicinas tradicionais chinesa,
japonesa, aiurvédica, africana; homeopatia; medicina ocidental contemporânea; medicinas populares –
que coexistem, muitas vezes, no mesmo contexto sócio-histórico, ou seja, ao mesmo tempo e no mesmo
lugar. O operador conceitual racionalidades médicas foi criado para “analisar ou comparar sistemas
médicos complexos em perspectiva teórica, analítico-descritiva, ou empírica, seja globalmente, como
um todo, seja dimensão a dimensão” (LUZ; BARROS, 2012, p. 219).

Ao se referirem à medicina ocidental contemporânea, Luz e Barros (2012, p. 235) dizem: “trata-se
de uma medicina de máquinas para (preservação de) máquinas”. Identificar relações entre distintos
sistemas de cura, fundamentados em distintas noções de pessoa e distintas concepções de universo e
tempo, certamente contribui para o aprimoramento dos serviços de atendimento à saúde.

Lembrete

Retornando ao que dissemos no início deste livro-texto, não podemos


ignorar o fato de que em nosso país convivem distintas concepções de
universo, de tempo e de pessoa. Na área da saúde, por exemplo, vemos
práticas médicas e paramédicas inspiradas no chamado paradigma
vitalista, de caráter holístico, convivendo com práticas médicas e
paramédicas próprias da medicina ocidental contemporânea, que se
inspira no paradigma cartesiano da mecânica clássica e é crescentemente
estimulada por avanços tecnológicos que priorizam o diagnóstico em
detrimento da terapêutica.

19
Unidade I

Segundo esses autores, na antiga (e falsa) oposição entre ciência e religião e entre ciência e
saberes tradicionais, a ciência, considerada “racional”, foi tida como oposta aos demais saberes,
considerados “irracionais”. Classificar como “racionalidades” saberes advindos de países do Oriente,
por exemplo, é reconhecer, qualificar e legitimar tanto os saberes de sociedades tradicionais quanto os
saberes de sociedades modernas. De fato, todos esses saberes, sejam tradicionais ou modernos, estão
impregnados de crenças, mitos e ideologias. O que precisamos fazer é olhar criticamente os diversos
modelos das ciências de cuidado e cura para podermos eliminar preconceitos e aceitar hábitos e
costumes distintos dos considerados racionais. É preciso que façamos isso sem perda de nosso bom
senso e de nosso senso crítico.

Observação

É de grande relevância para o profissional o (re)conhecimento de que


toda escolha de intervenção – preventiva ou terapêutica – tem fundamentos
teóricos específicos.

2 IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA PARA O FISIOTERAPEUTA

Figura 5

A fisioterapia, ciência da saúde focada no movimento humano, da biomecânica à funcionalidade,


tem por finalidade a promoção da saúde, a prevenção de agravos e a reabilitação de distúrbios
cinético-funcionais decorrentes de alterações em órgãos e sistemas do corpo. Atuando em todas as
fases da vida humana, minimiza fatores de risco associados à evolução de doenças e interfere em
situações nas quais o movimento e/ou a função estão comprometidos por causas genéticas, lesões,
doenças adquiridas ou condições biológicas, entre as quais o envelhecimento.

Ao realizar seu planejamento terapêutico, o fisioterapeuta, respeitando a integridade física,


psíquica e social do cliente, utiliza conhecimentos relativos a órgãos e sistemas do corpo
humano. Tais conhecimentos advêm de ciências morfológicas, fisiológicas, bioquímicas, biofísicas,
biomecânicas, patológicas e psicossociais.
20
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

O fisioterapeuta, profissional da saúde com formação acadêmica superior, acha-se habilitado a


realizar o diagnóstico de distúrbios funcionais, prescrever condutas fisioterapêuticas, acompanhar
a evolução de quadros clínicos funcionais e avaliar as condições para alta do tratamento.

Capacitado para atuar nos níveis primário, secundário e terciário de atenção à saúde, em várias
áreas da fisioterapia – ortopedia, cardiologia, respiratória, neurologia, pediatria, gerontologia,
dermatofuncional e saúde da mulher, entre outras –, o fisioterapeuta mostra-se apto a integrar
equipes interdisciplinares, como as existentes nos núcleos de saúde da família, em ambulatórios,
enfermarias e unidades de terapia intensiva (UTIs).

Toda e qualquer prática profissional, seja na área da educação, seja na área da saúde, tem
fundamentos teóricos próprios. É indispensável alinhar a própria ação profissional ao quadro
teórico que lhe oferece sustentação e, ao mesmo tempo, alinhá-la com o quadro de convicções,
crenças e valores pessoais. Isso para que as intervenções realizadas sejam mais efetivas e eficazes.

Em outras palavras, é preciso que a teoria, a prática e as convicções pessoais do fisioterapeuta


sejam congruentes, sejam convergentes. Daí a necessidade de (re)conhecermos o território em que
pisamos e o tempo histórico em que vivemos para melhor avaliação do modo e da medida pelos
quais cada um de nós contribuirá para o bem-estar de indivíduos e de coletividades.

Quando nós, autores deste livro-texto, nos propusemos a refletir sobre possíveis aplicações da
psicologia na prática de fisioterapeutas e a colaborar para que seu exercício profissional alcance
níveis de excelência, nos vimos diante da necessidade de mapear esse território, revisitando sua
história e suas áreas de atuação, para poder identificar suas potencialidades e limitações.

Para atingir esses objetivos, optamos por iniciar nossa viagem de conhecimentos com o mapeamento
do panorama histórico da psicologia como ciência. Veremos que formidável construção coletiva de
saberes foi realizada ao longo de cerca de dois séculos. Se a leitura atenta dessa história for acompanhada
de um processo de observação contínua dos pensamentos e sentimentos que esta leitura mobiliza em
nós, estaremos dando um passo importante para a identificação do que pretendemos eleger como
fundamento teórico de nosso agir profissional, coerente com nossas convicções e valores pessoais;
um agir profissional que, não estando alienado de nosso ser, possibilite uma intervenção que não seja
alienante para nossos clientes. Nesse sentido, insistimos que você, leitor, esteja sempre atento ao que
esta leitura mobiliza em você de sentimentos e emoções. É sábia a recomendação que o grande poeta
e filósofo Gaston Bachelard (1993, p. 126) nos faz, em A poética do espaço: “Escuta bem, no entanto.
Não minhas palavras, mas o tumulto que se eleva em teu corpo enquanto escutas”. Vamos tratar de ler
os textos aqui contidos, observando, simultaneamente, que pensamentos, sentimentos e emoções são
estimulados pela leitura. Ainda é Bachelard (1993, p. 32) que diz: “Eu me ouvia fechando e reabrindo
os olhos”. Façamos isso. Vamos nos ouvir, fechando e reabrindo os olhos, lendo um trecho e em seguida
silenciando, refletindo, para que a leitura realize em nós sua função transformadora.

Vamos revisitar, então, a história da psicologia, suas áreas de atuação e seus principais temas,
para posteriormente identificarmos as potencialidades e limitações dessa ciência humana e social,
quando se trata de sua aplicação à fisioterapia.
21
Unidade I

3 PANORAMA HISTÓRICO DA PSICOLOGIA E PRINCIPAIS ÁREAS DE ATUAÇÃO


DOS PSICÓLOGOS

Figura 6

3.1 Panorama histórico da psicologia

Ao nos interessarmos pelo panorama histórico da psicologia, frequentemente ouvimos dizer que
em lugar de nos referirmos a essa área do saber como “psicologia”, mais correto seria falarmos em
“psicologias”, tamanha é a diversidade de escolas, tendências e concepções construídas ao longo de sua
história. No geral, se pode dizer que várias tendências teóricas foram se desenvolvendo e sucedendo,
por vezes de modo paralelo, por vezes se ignorando mutuamente ou, ainda, se colocando em conflito
umas com as outras.

Quando a psicologia se afastou da filosofia, sua matriz, à qual estivera atrelada desde Sócrates
(469-399 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), havia a preocupação de torná-la uma ciência e, para isso, os
teóricos adotaram princípios, métodos e técnicas das ciências naturais da época, especialmente da física
e da fisiologia. Isso a tal ponto que a psicologia foi inicialmente denominada psicofisiologia: a ênfase dos
estudos recaía sobre as sensações, a memória e os processos de aprendizagem, e os métodos utilizados
eram de cunho experimental, quantitativo e estatístico, ou seja, métodos próprios de uma concepção
mecanicista da atividade psíquica.

O estadunidense William James (1842-1910), filósofo e psicólogo, é considerado um dos fundadores


da psicologia, cujo nascimento como disciplina autônoma e como ciência ocorreu no ano de 1879, em
Leipzig (Alemanha), onde foi criado o primeiro laboratório de psicologia experimental por iniciativa dos
alemães Wilhelm Maximilian Wundt (1832-1920), filósofo, médico e psicólogo, Ernst Heinrich Weber
(1795-1878) e Gustav Theodor Fechner (1801-1887).

No Brasil, o nascimento da psicologia como disciplina autônoma e como ciência ocorreu somente
em 1906 e teve por marco histórico a inauguração de laboratórios de psicologia experimental voltados
para a educação.

Para melhor situar o tema, vamos recorrer a Maslow (1962 apud SCHULTZ; SCHULTZ, 2016), que
agrupou as psicologias em quatro categorias, por ele denominadas forças:

22
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

• Primeira força da psicologia: o behaviorismo, ou psicologia comportamental, propõe o


comportamento observável como objeto de estudo da psicologia. Desenvolvido inicialmente pelos
estadunidenses John Broadus Watson (1878-1958) e Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), foi
sendo fortalecido por seguidores.

• Segunda força da psicologia: a psicanálise. Estudos de psicopatologia estimularam o desenvolvimento


da psicologia clínica. Entre os pioneiros dessa abordagem incluem-se os franceses Jean-Martin Charcot
(1825-1893), médico e pesquisador, e Pierre-Marie-Félix Janet (1859-1947), psicólogo, psiquiatra
e médico neurologista, que foram seguidos pelo austríaco Sigmund Freud (1856‑1939), médico
neurologista e psiquiatra criador da psicanálise. Esta enfatizou aspectos inconscientes e instintivos da
natureza humana e negligenciou aspectos saudáveis e de ordem superior.

• Terceira força da psicologia: a humanista-existencial. O suíço Carl Gustav Jung (1875-1961),


psiquiatra dissidente de Freud, fundou a psicologia analítica e desenvolveu, entre outros, os
conceitos de arquétipos e de inconsciente coletivo. Considerou a existência de níveis psíquicos
superiores, afirmando a importância das experiências religiosas e dos valores espirituais. Entre
os integrantes da terceira força estão incluídos Rollo May (1909-1994), psicólogo existencialista,
Carl Rogers (1902-1987), psicólogo criador da abordagem centrada na pessoa, Gordon Willard
Allport (1897-1967), psicólogo, o alemão Erich Fromm (1900-1980), psicanalista, filósofo e
sociólogo, e o austríaco Viktor Emil Frankl (1905-1997), neuropsiquiatra fundador da terceira
escola vienense de psicoterapia, da logoterapia e da análise existencial.

• Quarta força da psicologia: a psicologia transpessoal. Com base em abordagens que constituíram
a psicologia humanista-existencial, foram desenvolvidos estudos voltados ao conhecimento de
aspectos superiores do ser humano – sua natureza e sua vida espiritual. Sua proposta é estudar,
empírica e cientificamente, tudo o que se refere aos caminhos espirituais, às necessidades
transcendentes (metanecessidades) individuais e da espécie humana, às experiências de pico
(peak experiences), aos valores do ser, às experiências místicas e aos fenômenos transcendentes.

Observação

As forças da psicologia não conflitam entre si: todas são válidas, cada
qual em seu campo de ação.

Ao realizarmos essa viagem, obtemos uma ampla visão da história da psicologia como ciência. Vamos
percorrer, agora, o território da atuação profissional de psicólogos, o que favorecerá a identificação de
possíveis interfaces a serem estabelecidas entre a psicologia e a fisioterapia.

O que pretendemos ao reunir essas informações é que o aluno perceba a complexidade da ciência
psicológica e possa estar mais bem situado nesse contexto teórico-técnico quando avançarmos na leitura
deste livro-texto, em busca de conhecimentos de psicologia. Com base nesses quadros de referência,
mais fácil se torna a realização de opções teóricas e metodológicas.

23
Unidade I

Saiba mais

Para conhecer detalhes do início da história da psicologia é interessante


consultar a seguinte obra:

MASSIMI, M. História da psicologia brasileira: da época colonial até


1934. São Paulo: EPU, 1990.

3.2 Áreas de atuação do psicólogo

Tendo realizado esse trajeto histórico, que nos dá a conhecer a evolução dessa ciência no tempo,
convém, agora, olharmos para o mapa de áreas de atuação dos psicólogos que são legalmente
reconhecidas pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2007):

• neuropsicologia;

• psicologia clínica;

• psicologia de trânsito;

• psicologia do esporte;

• psicologia escolar/educacional;

• psicologia hospitalar;

• psicologia jurídica;

• psicologia organizacional e do trabalho;

• psicologia social;

• psicomotricidade;

• psicopedagogia.

Lembrete

Antes de apresentarmos as áreas de ação do psicólogo, lembramos que


elas encontram suporte em algum ou alguns dos quadros teóricos que compõem
as forças da psicologia.

24
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Diversas podem ser as modalidades de ação profissional conjunta de psicólogos e fisioterapeutas,


ou seja, esses profissionais podem intervir em equipes multi ou interdisciplinares, atuando em parceria.
Daí a importância para os fisioterapeutas do reconhecimento das possibilidades de ação dos psicólogos.
Veremos a seguir um pouco de cada uma dessas áreas.

Saiba mais

A descrição completa das atribuições do psicólogo nas diversas áreas de


atuação pode ser consultada em:

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução CFP n. 013/2007.


Institui a Consolidação das Resoluções relativas ao Título Profissional de
Especialista em Psicologia e dispõe sobre normas e procedimentos para seu
registro. Anexo II. Brasília, 2007. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-
content/uploads/2008/08/Resolucao_CFP_nx_013-2007.pdf. Acesso em:
18 mar. 2020.

O psicólogo especialista em neuropsicologia atua no diagnóstico, acompanhamento e


tratamento de distúrbios neurológicos. Participa de pesquisas sobre condições neurológicas e aspectos
do psiquismo.

O psicólogo especialista em psicologia clínica atua na área específica da saúde, em diferentes contextos,
realizando intervenções que visam reduzir o sofrimento das pessoas, levando em conta a complexidade
humana. Essas intervenções podem ocorrer em nível individual, grupal, institucional ou comunitário e
implicam uma variada gama de dispositivos clínicos com finalidade diagnóstica e terapêutica.

O psicólogo especialista em psicologia de trânsito procede ao estudo de processos psicofísicos e


psicossociais relacionados aos problemas de trânsito. Colabora na elaboração e implantação de ações de
engenharia e operação de tráfego; desenvolve ações socioeducativas com pedestres, ciclistas, condutores
infratores e outros usuários das vias de transporte.

O psicólogo especialista em psicologia do esporte procura identificar princípios e padrões


de comportamento de crianças, adolescentes e adultos participantes de atividades físicas. No esporte de
alto rendimento, tem por função ajudar atletas, técnicos e comissões técnicas a utilizarem recursos
psicológicos para atingirem um nível ótimo de saúde mental, para maximizar o rendimento de atletas e
otimizar sua performance.

O psicólogo especialista em psicologia escolar/educacional atua no âmbito da educação formal,


realizando pesquisa, diagnóstico e intervenção preventiva ou corretiva em grupo e individualmente. No
âmbito administrativo, contribui para a análise do clima educacional, buscando melhor funcionamento
do sistema, que resultará na realização dos objetivos educacionais. Realiza seu trabalho em equipe
interdisciplinar, integrando seus conhecimentos aos dos demais profissionais da educação.
25
Unidade I

O psicólogo especialista em psicologia hospitalar atua em instituições de saúde, participando da


prestação de serviços de nível secundário ou terciário de atenção à saúde. Atua também em instituições
de ensino superior e/ou centros de estudo e pesquisa, visando ao aperfeiçoamento ou à especialização de
profissionais nessa área de competência ou colaborando para o aprimoramento de outros profissionais
de saúde que estejam cursando ou tenham concluído o ensino médio ou superior.

O psicólogo especialista em psicologia jurídica atua no âmbito da justiça, colaborando no planejamento


e execução de políticas de cidadania, de direitos humanos e de prevenção da violência; sua ação é centrada
na avaliação e orientação psicológica de juristas que demandam suporte para o andamento de processos
judiciais. Também contribui para a formulação, revisão e interpretação de leis.

O psicólogo especialista em psicologia organizacional e do trabalho realiza atividades relacionadas


à análise e ao desenvolvimento organizacional, à ação humana nas organizações, ao desenvolvimento
de equipes, à consultoria organizacional, à seleção e acompanhamento de pessoal. Tem por principais
objetivos subsidiar as decisões na área de recursos humanos (promoção, movimentação de pessoal,
incentivo, remuneração de carreira, capacitação e integração funcional) e promover a autorrealização
de trabalhadores e a eficácia do trabalho em equipe.

O psicólogo especialista em psicologia social atua fundamentado na compreensão da dimensão


subjetiva dos fenômenos coletivos, sob diferentes enfoques teóricos e metodológicos, com o objetivo de
problematizar e propor ações no âmbito social. Desenvolve atividades em diversos espaços institucionais
e comunitários, no âmbito da saúde, da educação, do trabalho e do lazer.

O psicólogo especialista em psicomotricidade atua nas áreas de educação, reeducação e terapia


psicomotora, utilizando recursos para desenvolvimento, prevenção e reabilitação humana. Participa de
atividades interdisciplinares em clínicas de reabilitação, serviços de assistência escolar, escolas especiais,
hospitais, associações e cooperativas. Presta auditoria, consultoria, assessoria, assistência e tratamento
especializado para o preparo de pessoas que praticam atividades esportivas, escolares e clínicas.

O psicólogo especialista em psicopedagogia atua na investigação e intervenção em processos de


aprendizagem de habilidades e conteúdos acadêmicos. Busca compreender os processos cognitivos,
emocionais e motivacionais, integrados e contextualizados na dimensão social e cultural em que
ocorrem. Trabalha para articular o significado dos conteúdos veiculados no processo de ensino com o
sujeito que aprende.

As áreas de atuação de psicólogos que podem se beneficiar de parcerias com a fisioterapia são
a psicologia clínica, a psicologia escolar/educacional, a psicologia do esporte, a neuropsicologia, a
psicomotricidade e a psicopedagogia.

Lembrete

Na área da psicologia do esporte, o psicólogo tem sido requisitado a


sugerir atividades que auxiliem o desportista a administrar seu estresse
quando em preparo para competições e durante elas.

26
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

4 TÓPICOS DE PSICOLOGIA ÚTEIS A FISIOTERAPEUTAS

Observação

Nesta seção do livro-texto, foram adotadas como principais fontes


de informações: M. Ancona-Lopez e R. I. Ribeiro (2006, 2009, 2012);
M. Ancona-Lopez, R. I. Ribeiro e E. R. Frias (2015); M. Ancona-Lopez e
E. R. Frias (2018); e R. I. Ribeiro, E. R. Frias e R. W. Muotri (2020).

4.1 Principais funções psíquicas

Nesta seção discorremos sobre algumas das principais funções psíquicas – inteligência;
pensamento e linguagem; atenção e concentração; sensação e percepção; memória; motivação –
e sobre as emoções, por reconhecer que esse conhecimento é útil ao fisioterapeuta, tanto para
sua ação junto a clientes quanto para sua participação em equipes interdisciplinares. Quando o
fisioterapeuta recebe um cliente com alguma disfunção psicológica mais séria, a ética profissional
exige o encaminhamento desse cliente a um profissional da psicologia ou da psiquiatria.

4.1.1 Inteligência

O conceito de inteligência geral proposto por Spearman (1904) postula a existência de um fator
geral de inteligência – fator “g” –, que influencia todo e qualquer desempenho cognitivo e se faz
acompanhar de fatores específicos (“s”), que influenciam performances específicas, como memória e
capacidade de cálculo. Seu conceito inclui a noção de que diferentes tipos de desempenho cognitivo
– atenção, memória, funções executivas, raciocínio abstrato, habilidade de cálculo, linguagem etc. –
são positivamente correlacionados entre si. O que significa isso? Significa que o bom desempenho em
determinada área, como cálculo, por exemplo, se faz acompanhar da tendência a um bom desempenho
em outras áreas – atenção, memória etc.

Guilford, na década de 1960, propôs o modelo denominado estrutura do intelecto, que considera
três dimensões de traços intelectuais: operações, conteúdos e produtos. A dimensão de operações se
refere ao processo cognitivo implicado nas tarefas (aquilo que a pessoa faz); a dimensão de conteúdo
se refere ao processo cognitivo implicado no tipo de informação veiculada (natureza dos materiais); e
a dimensão de produto se refere ao processo cognitivo implicado no resultado obtido pela atividade
mental de processamento da informação.

Posteriormente, o psicólogo americano James McKeen Cattell incluiu novas competências da


inteligência a serem medidas por meio de testes psicológicos:

• força muscular;

• velocidade do movimento;

27
Unidade I

• sensibilidade à dor;

• acuidade visual e auditiva;

• discriminação de peso;

• tempo de reação;

• memória.

Sternberg (1985) utilizou a expressão teoria triárquica da inteligência humana, por considerar a
inteligência constituída de três aspectos:

• Criativo: possibilita solucionar problemas novos.

• Analítico: possibilita solucionar problemas já conhecidos e favorece a tomada de decisões.

• Prático: possibilita recorrer a teorias para atender a demandas de ordem prática.

Os estudos de Gardner (1994) viriam a substituir o paradigma unidimensional da inteligência pelo


multidimensional, a partir do reconhecimento de que a inteligência é composta de diversas “inteligências”
interdependentes. As primeiras inteligências mapeadas por ele foram as seguintes:

• lógico-matemática;

• linguística;

• naturalista;

• interpessoal;

• intrapessoal;

• espacial;

• corporal-cinestésica;

• musical;

• existencialista.

Considerando a inteligência como habilidade de aprender a partir da experiência, de solucionar


problemas e de usar o conhecimento para se adaptar a novas situações, imediatamente reconhecemos
que essa habilidade envolve diversas capacidades. Por inteligência fluida, por exemplo, se entende a
28
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

capacidade de resolver problemas novos, relacionar ideias, induzir conceitos abstratos, compreender
implicações, extrapolar e reorganizar informações. Associada a componentes não verbais, a inteligência
fluida depende pouco de conhecimentos prévios. Depende, sim, de conhecimentos específicos relativos
à condição sociocultural dos indivíduos.

Muitos estudos foram realizados para verificar se há correlações entre zonas cerebrais e inteligência
e se há determinantes genéticos para a inteligência.

Observação

O conhecimento de tantas peculiaridades da função da inteligência foi


incluído neste livro-texto para favorecer o diálogo de fisioterapeutas com
psicólogos e com outros profissionais. A mesma observação é válida para a
descrição de particularidades de outras funções psíquicas.

4.1.2 Pensamento e linguagem

Por meio de avaliação das condições do pensamento, são verificadas a velocidade e fluência do
pensamento e de seu conteúdo, bem como sua organização e coerência. Essa avaliação exige um exame
da linguagem, durante o qual se busca verificar se a fala do paciente é compreensível e se ele entende
o que ouve. Entre as alterações psiquiátricas da linguagem incluem-se a inibição da linguagem, o
aumento do fluxo verbal sem incoerência, o aumento do fluxo verbal com incoerência, o mutismo e
o uso de neologismos. Alterações da linguagem podem indicar a presença de um quadro de esquizofrenia,
uma vez que a formação e o uso de conceitos, bem como o raciocínio e a capacidade de julgar podem
estar afetados por desestruturação da personalidade. Havendo dúvida, o fisioterapeuta encaminhará o
cliente para atendimento psiquiátrico.

4.1.3 Atenção e concentração

A atenção é um processo psíquico que permite focalizar estímulos, selecioná-los e estabelecer


relações entre eles. Corresponde à função cognitiva que possibilita dirigir o pensamento para um único
foco e realizar distintas ações com precisão. Ao dirigirmos um carro, por exemplo, nosso foco principal é
colocá-lo em movimento, o que exige acelerar, mudar de marcha, olhar para a frente, observar os sinais
de trânsito e os pedestres, e assim por diante. Ou seja, é preciso selecionar, triar e organizar as tarefas,
processo cognitivo que pouco a pouco vai se automatizando, e a automatização propicia economia de
energia neuromotora, o que, por sua vez, reduz os níveis de atenção.

A atenção exige muita atividade cerebral: milhões de neurônios são recrutados para que tenhamos
êxito na aprendizagem e na execução de ações. Disso se conclui que quanto maior e mais prolongada
for a exigência de atenção, mais energia será exigida. Logo, estar bem alimentado e com as horas de
sono em dia, estar descansado e, principalmente, interessado pela tarefa a ser realizada são condições
de aumento das chances de poder contar com uma atenção efetiva, realizada com sucesso.

29
Unidade I

Nenhuma pessoa é capaz de realizar duas tarefas ao mesmo tempo com o mesmo nível de atenção.
Não é possível, por exemplo, falar ao telefone celular e simultaneamente dirigir o carro, pois uma dessas
duas tarefas será prejudicada. O que chamamos de prejuízo é a perda de velocidade na execução de
tarefas ou, simplesmente, a elevação do número de erros durante a ação, pois a atenção é limitada em
termos de capacidade e de duração.

Há fatores internos e externos que interferem diretamente nos níveis de atenção. Quando lemos um
livro, por exemplo, estamos sujeitos à interferência desses fatores. Algumas pessoas conseguem ler e se
concentrar em ambientes altamente agitados, outras, porém, necessitam de ambientes calmos e tranquilos
para manter o nível de atenção necessário à realização da leitura. O nível de atenção é treinável: podemos
aprender a ter mais foco em nossas ações, e quanto mais foco, maiores são as chances de ser bem-sucedido.

Ao nos concentrarmos em algo específico presente em nosso meio, a atenção aos detalhes irrelevantes
do objeto de nosso interesse pode reduzir a capacidade de perceber outros objetos igualmente
presentes; desse modo, a atenção focada em determinada tarefa pode nos levar a ignorar outras. Ou seja,
de nossa concentração sobre um alvo primário pode resultar a incapacidade de perceber outro alvo.

A atenção é um processo presente e atuante desde o nascimento. Recém-nascidos dispõem de


reflexos importantes para a sobrevivência: respostas a estímulos de alimentação, medo, evitação e
fuga. Esses reflexos naturais, embora inibidos com o passar do tempo, deixam memórias motoras que
continuam a nos beneficiar ao longo da vida. O cérebro humano dispõe da capacidade de suprimir
sinais para evitar distração, e esse sistema “antidistração” pode ajudar a entender distúrbios psicológicos
relacionados à atenção, como o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).

Os níveis de atenção são influenciados por emoções. Distrações podem ser determinadas pela
necessidade de evitar erros e por insegurança, dois sentimentos sabotadores de qualquer progresso. Por
exemplo, pessoas movidas por culpa ou intolerantes com os próprios erros involuntariamente sabotam
a si mesmas. Daí a necessidade de autoconhecimento e de saber lidar com as próprias emoções.

Vejamos algumas peculiaridades dessa função cognitiva denominada atenção:

• Atenção concentrada: a atenção concentrada, processo cognitivo que possibilita escolher um


estímulo específico em detrimento de qualquer outro, é o tipo de atenção demandada nos processos
de aprendizagem – assistir a uma aula, ler um livro, aprender e reproduzir exercícios ensinados
pelo fisioterapeuta. Durante o período em que a atenção está concentrada em algo, todo o ser fica
envolvido pela tarefa a ser realizada e muitas preocupações desaparecem do campo mental.

• Atenção seletiva: ao escolhermos manter o foco da atenção em determinado objeto, fazemos uso
consciente e deliberado da atenção seletiva. No entanto, a seletividade ocorre continuamente de
modo inconsciente, porque, estando sempre expostos a múltiplos estímulos intra e interpsíquicos,
seria absolutamente insuportável perceber tudo o que está presente simultaneamente em nossa
subjetividade e em nosso entorno. O sistema nervoso central se incumbe de nos fazer ficar atentos
ao que é mais importante em cada momento, e o entendimento desse dinamismo é importante
para a ação do fisioterapeuta.
30
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

• Atenção alternada (ou flutuante): temos capacidade para deslocar o foco de nossa atenção
de um objeto para outro, seja no ambiente externo, seja em nossa interioridade. Podemos eleger
nosso principal foco de atenção. Por exemplo: durante uma conversa com alguém, podemos
alternar nosso foco de atenção de modo que ora atentamos ao que está sendo dito por nosso
interlocutor, ora atentamos aos efeitos de suas palavras em nossos sentimentos. A atenção
alternada (ou flutuante) é utilizada a todo momento, todos os dias, porque mudanças repentinas
em nossas atividades exigem alternância do foco de atenção.

• Atenção sustentada: a atenção sustentada garante a manutenção do foco de interesse durante


uma atividade contínua e repetitiva que se prolongue por longo período. Como essa modalidade
de atenção demanda motivação (extrínseca ou intrínseca), é recomendável que se estimule a
motivação de tempos em tempos. Temos muitos exemplos disso no cinema e na literatura: as
narrativas são construídas de modo a manter atento o receptor da mensagem. No caso de um
tratamento fisioterápico, é preciso considerar particularidades da individualidade de cada cliente
para definir meios de renovar estímulos durante o processo de aprendizagem ocorrido nas sessões
de atendimento.

• Concentração: é a capacidade de manter a atenção focada em um único objeto, um único


objetivo, uma determinada atividade. Para haver concentração é preciso haver atenção seletiva.
A concentração, processo cognitivo que envolve um único foco e uma única ação, possibilita
avaliar uma situação e eleger uma estratégia eficiente de ação. Diversos fatores podem interferir
nos níveis de concentração: distrações visuais e auditivas, provocações recebidas, pensamentos
negativos, diálogo intrassubjetivo etc. A concentração exige treino e controle consciente, ou
seja, exige um processo de aprendizagem que conduz à mudança de paradigmas e de hábitos.
O relaxamento e a meditação são práticas que têm demonstrado bons resultados para quem
pretende atingir altos níveis de concentração.

Quando as funções de atenção e concentração de uma pessoa apresentam funcionamento normal,


isso é denominado normoprosexia, e, havendo redução global ou parcial da atenção e da concentração,
dizemos que a pessoa apresenta um quadro de hipoprosexia. Alterações da atenção são comuns em
distúrbios neurológicos e neuropsicológicos, bem como em transtornos mentais, como demências
e transtornos do humor. Pode ocorrer que um fisioterapeuta receba um cliente com alguma dessas
disfunções. Se observar que a disfunção está comprometida a ponto de dificultar seriamente ou
impossibilitar a comunicação entre ambos, terá que encaminhar o cliente para atendimento
especializado.

4.1.4 Sensação e percepção

Percepção é a função por meio da qual são atribuídos significados a estímulos sensoriais com base
em vivências passadas. Ou seja, por meio da percepção organizamos e interpretamos nossas impressões
sensoriais e atribuímos significados às informações que chegam a nós por meio de sensações. A percepção
nos possibilita antecipar ocorrências. Ao longo dos anos, as percepções vão sendo apuradas e utilizadas
com grau de precisão crescente. Como as experiências passadas interferem na percepção, papel importante
fica reservado à memória, que enfraquece durante o envelhecimento.
31
Unidade I

Particularmente útil a fisioterapeutas é a perspectiva teórica oferecida pela antroposofia (Rudolf


Steiner), corrente teórica que fundamenta a educação Waldorf, a medicina antroposófica e a euritmia,
entre outras iniciativas sociais. Ao tratar do tema percepção, a antroposofia nos surpreende ao reconhecer
um total de 12 sentidos, que incluem sete sentidos além dos cinco sentidos com os quais já estamos
familiarizados – visão, audição, olfato, paladar e tato. Segundo essa perspectiva teórica, a realidade
– externa e interna – é apreendida por meio de 12 sentidos, organizados em três sistemas orgânicos
inter-relacionados:

• Sistema neurossensorial: corresponde às atividades cognitivas e tem lugar no sistema nervoso.


É relacionado às atividades do pensamento – nervos periféricos conduzem ao cérebro os estímulos
recebidos por meio da visão, audição, olfato, paladar e tato. O processo cognitivo é responsável
pela atenção, concentração, memória e organização das representações que temos da realidade.

• Sistema rítmico: corresponde à circulação do sangue e à respiração e tem lugar na área do tórax.
É relacionado aos sentimentos – muitos estímulos advêm da dimensão emocional para somente
depois passarem por processos de cognição.

• Sistema metabólico-motor: corresponde às funções metabólicas e motoras e tem lugar em


diversas regiões do corpo, especialmente na área do abdome e nos membros (pernas e braços),
principais recursos de ação no mundo.

Dos 12 sentidos organizados nesses três sistemas orgânicos, quatro são considerados básicos; quatro,
médios; e quatro, superiores. Vejamos.

Os quatro sentidos básicos (internos) – volitivos:

• Sentido do tato: propicia a noção de si mesmo. O tato não nos informa sobre o mundo e sim
sobre os limites entre o eu e seu entorno.

• Sentido da vida: nos informa sobre o estado atual do corpo – bem-estar, mal-estar – por meio
do sistema nervoso simpático e parassimpático. Por meio desse sentido identificamos as fronteiras
de nosso corpo físico, somos informados sobre o estado de nossos processos metabólicos.

• Sentido do movimento: nos informa sobre as condições de movimento e repouso de nosso


corpo por meio do relaxamento e contração de grupos musculares.

• Sentido de equilíbrio: canais semicirculares do ouvido interno nos informam sobre o equilíbrio
do corpo.

Os quatro sentidos médios (exteriores):

• Olfato: somente é possível porque o ar carrega substâncias que atuam sobre o nariz, havendo
mais de quatro mil odores.

32
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

• Paladar: nos informa sobre características das substâncias quando dissolvidas em água. Os quatro
tipos básicos de sabor – salgado, amargo, ácido e doce.

• Visão: nos informa sobre formas, cores, movimentos e relações.

• Sentido térmico: nos informa sobre o equilíbrio entre calor interno e externo.

Os quatro sentidos superiores (cognitivos):

• Audição: nos informa sobre a origem dos sons de nosso entorno – um metal soa diferente de um
pedaço de madeira; a voz humana soa diferente do canto de um pássaro.

• Sentido da palavra: nos informa sobre a concreta essência conceitual do pensamento humano.

• Sentido do pensar: nos permite diferenciar nosso pensamento do pensamento de outra pessoa e
isso nos possibilita reconhecer a qualidade humana de sermos dotados da capacidade de formar
conceitos a respeito do que nos rodeia e vivenciá-los em nossa interioridade.

• Sentido do eu: permite que nos reconheçamos como seres humanos, conscientes da própria
existência e capazes de criar.

Saiba mais

Para maior compreensão dessa abordagem teórica, consulte a obra a seguir:

STEINER, R. Os doze sentidos e os sete processos vitais. São Paulo:


Antroposófica, 2016.

A percepção em seu funcionamento normal não apresenta nem ilusões (percepção deformada de
objetos reais), nem alucinações. As alucinações visuais geralmente indicam comprometimento orgânico,
enquanto ilusões e alucinações auditivas indicam psicoses funcionais – esquizofrenia, mania, depressão
psicótica. Ao receber um cliente que apresenta alguma dessas disfunções da sensopercepção, será
preciso encaminhá-lo para atendimento especializado.

4.1.5 Memória

A memória, processo psicológico envolvido na maioria das atividades humanas, faz parte do
complexo cognitivo. Poderíamos, ingenuamente, sermos levados a julgar que a única função da memória é
o mero registro de informações, porque, afinal de contas, reconhecemos a toda hora que há uma
relação entre a situação vivida e a lembrança que permanece dela. Mas não é bem assim.

33
Unidade I

Alertamos ao fato de que o processo de memorização ocorre em três etapas: codificação,


armazenamento e recuperação de informações. A codificação envolve a transformação de um estímulo
físico em código a ser armazenado – som, imagem, estimulação tátil, por exemplo. O armazenamento
é a retenção desse código por períodos breves ou longos. A recuperação é o resgate de informações
armazenadas. Em outras palavras, a primeira etapa – codificação – se refere à transformação da
informação ambiental em um código capaz de ser acondicionado em determinada instância do
psiquismo; a segunda etapa – armazenamento – se refere à retenção e preservação da informação; e a
terceira etapa – recuperação – se refere ao acesso e resgate da informação armazenada.

As etapas de codificação, armazenamento e recuperação envolvem intermediações bioquímicas, via


neurotransmissores, e intermediação elétrica, via neurônios.

Há evidências de que as emoções interferem no processo de memorização. Toda memória é adquirida


quando estamos em certo estado emocional. As emoções estimulam a liberação de substâncias no
cérebro, como a noradrenalina, a dopamina, a serotonina, a acetilcolina ou a betaendorfina, que agem
como moduladores da atividade cerebral. Essas substâncias aumentam ou diminuem a ocorrência de
algumas ligações nervosas (sinapses), inclusive de ligações responsáveis pela memória. Inúmeros estudos
clínicos e experimentais sobre a relação entre estados emocionais e memória permitem afirmar que a
memória é mais favorecida por certos níveis de emoção do que pela repetição dos eventos e frequência
de evocação. Quando armazenamos memórias de alto conteúdo emocional, mais facilidade teremos
para recuperar as informações.

Além disso, há um fenômeno denominado dependência de estado, em função do qual a memória


é melhor quando o contexto, no momento da recuperação de dados, equivale ao contexto existente no
momento da codificação. Em termos neuro-humorais, essa relação pode ser explicada pela repetição,
no momento da evocação, do “ambiente” neuro-humoral específico presente no momento da formação
da memória. Vejamos um exemplo: Joãozinho está pondo a mesa para almoço da família na sala de sua
casa. Corre o olhar por tudo o que já fez e identifica que esqueceu de trazer os guardanapos. Vai até a
cozinha para buscá-los, mas chegando lá para e se pergunta: “o que é mesmo que eu vim buscar?”. Força
a memória, mas cadê imagem? Não vem nenhuma. Então Joãozinho volta para junto da mesa da sala,
olha para o que já fez, e pronto! Imediatamente se lembra do que tinha ido buscar: os guardanapos!

Como tendemos a relembrar situações emocionalmente desagradáveis, poderíamos supor que a


memória dessas situações prevalece. No entanto, não é isso o que as pesquisas têm demonstrado:
situações emocionalmente carregadas, sejam agradáveis ou desagradáveis, são igualmente lembradas e
sua memória prevalece sobre a de situações emocionalmente neutras.

Quanto ao esquecimento, sabemos que ele pode ser atribuído a diversas causas. Uma dessas causas
pode ser a ocorrência de uma falha em alguma das três etapas do processo de memorização: ou por
que a pessoa não estava suficientemente atenta ou por não ter feito esforço suficiente para reter
as informações do ambiente. Em casos de amnésia por lesão cerebral decorrente do abuso de bebida
alcoólica, é possível que um indivíduo não consiga recordar o nome de pessoas que acabou de conhecer,
mas possa aprender e realizar novas atividades.

34
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Esquecemos a maior parte das informações que chegam até nós, e várias teorias já foram propostas
para explicar porque isso acontece. Entre elas, as mais conhecidas são a teoria da interferência e a teoria
da deterioração. A interferência ocorre quando informações concorrentes fazem com que esqueçamos
algo, e a deterioração ocorre quando a simples passagem do tempo faz com que esqueçamos.

Em qualquer fase do processo de memorização – codificação, armazenamento e recuperação –


pode ocorrer falseamento. Em outras palavras, nem sempre nos lembramos das situações tal como
elas ocorreram e nem sempre somos capazes de lembrar todos os detalhes percebidos no momento
em que vivenciamos determinada experiência. É possível dizer que o ato de lembrar envolve trabalho
construtivo, sendo mais que um simples registro.

Entre as muitas variáveis que impedem a memória de ser um mero registro de ocorrências, incluem‑se
as seguintes:

• o contexto ambiental em que ocorrem a recepção, a codificação, o armazenamento e a recuperação;

• aspectos referentes à organização das informações a serem memorizadas;

• a interação entre o processo de memorização e outros processos psicológicos básicos (como


percepção, atenção e emoção);

• fatores próprios da química cerebral (conjunto de neurotransmissores que modulam a


atividade cerebral).

Fenômeno particularmente interessante é o das falsas memórias, recordação de eventos que não
ocorreram ou lembranças significativamente distorcidas de eventos ocorridos. As falsas memórias vêm
sendo tema de discussão em diferentes áreas do conhecimento. A partir da década de 1990, houve um
aumento significativo do número de publicações sobre o tema. Na área jurídica, por exemplo, estudos
foram realizados para averiguar a precisão dos relatos de testemunhas. Na área da psicologia clínica,
alguns teóricos passaram a discutir a capacidade de crianças ou adultos relatarem fidedignamente
ocorrências do passado em suas sessões de psicoterapia.

De modo geral, os estudos experimentais realizados para investigar a geração de falsas memórias
utilizam um procedimento que consiste na memorização de listas de palavras associadas (por exemplo,
cigarro, cinza, charuto, nicotina etc.) para posterior teste de reconhecimento. Evidências empíricas e
experimentais permitem afirmar também que, embora haja uma tendência a lembrar melhor situações
emocionalmente carregadas do que outras, desprovidas de emoção, a possibilidade de falseamento
ocorre em ambos os casos.

Considera-se como memória explícita ou descritiva a que abarca conteúdos que podem
ser descritos por meio da fala; e como memória implícita ou processual a que abarca conteúdos
próprios de atividades cognitivas e motoras simples, como, por exemplo, trançar o cabelo. Enquanto
a memória explícita está prioritariamente associada à aprendizagem verbal, a memória implícita está
prioritariamente associada à aprendizagem motora.
35
Unidade I

Entre as questões do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) 2012: Psicologia, há
um exemplo ilustrativo disso. Pode ocorrer que saibamos fazer algo muito bem, mas não sejamos
capazes de verbalizar sobre isso. Vejamos o relato que integra a referida questão do Enade e que
exemplifica o fato de haver diferença entre aprendizagem verbal e aprendizagem motora, relacionadas,
respectivamente, à memória explícita e à memória implícita:

Henry (19 anos de idade) terminou seu trabalho na cozinha e foi para o
convés. Havia um velho marinheiro sentado em uma escotilha, trançando um
longo cabo. Cada um de seus dedos parecia uma inteligência ágil enquanto
trabalhava, pois, seu dono não os olhava. Em vez de olhá-los, tinha os olhinhos
azuis fixos, ao estilo dos marinheiros, cravados além dos confins da costa.

– Então, queres conhecer o segredo das cordas? disse-lhe, sem afastar o olhar do
horizonte. – Pois só tens que prestar atenção. Faço há tanto tempo que minha
velha cabeça se esqueceu de como se faz; só meus dedos se lembram. Se penso
no que estou fazendo, me confundo (STEIBECK, 2002 apud INEP, 2012, p. 12).

Em estado normal, as funções da memória se mostram preservadas – memória imediata, recente e


remota; memória de fixação e de evocação. Disfunções da memória incluem amnésia e casos de retenção
de lembranças que insistem em permanecer na consciência por mais que o paciente se esforce por se
livrar delas. Esse tipo de fixação e recorrência de lembranças, muitas vezes indesejáveis, sugere tratar‑se de
um paciente com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Havendo dúvida, o fisioterapeuta encaminhará
o cliente para atendimento neurológico.

Evidentemente, todas as funções psíquicas têm suporte neurológico. Algumas correspondências


psiconeurológicas são estabelecidas entre o córtex pré-frontal e as funções executivas. Um exemplo
clássico disso é o caso do paciente Phineas Gage, apresentado a seguir.

Na tarde de 13 de setembro de 1848, nos Estados Unidos, durante a execução de uma tarefa
cotidiana, o operário Phineas Gage, com 25 anos de idade, provocou uma explosão que impulsionou
violentamente uma barra de ferro que segurava, a qual penetrou sua face esquerda e saiu pelo topo do
crânio, produzindo lesão da área pré-frontal do córtex cerebral.

Antes do acidente, Gage era sério, competente, inteligente e persistente na execução de seus planos
de ação, sendo muito respeitado pelos colegas. Logo depois do acidente, ele permaneceu consciente
e lúcido e pôde responder às perguntas do médico e dos colegas. Sobreviveu à intervenção cirúrgica e
foi dado como plenamente recuperado dois meses depois, sem apresentar qualquer prejuízo em seu
quociente de inteligência (QI) nem em suas habilidades motoras, sua visão e audição e sua memória.

Mas, fato interessante, Gage apresentou grande alteração de personalidade: se tornou inconsequente,
inconveniente, incapaz de planejar e direcionar a própria vida. Perdeu o emprego, os laços de amizade e
nunca mais conseguiu estabelecer vínculos afetivos e sociais duradouros.

36
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

Esse caso clássico da história da neurociência, descrito e discutido pelo neurocientista António
Damásio, em seu livro O erro de Descartes (1996), serviu de base para a compreensão do envolvimento
do cérebro em funções da razão, da emoção e da personalidade, ao evidenciar o envolvimento do córtex
pré-frontal nas funções cognitivas.

A partir do caso Gage, a neurociência aprofundou os estudos sobre o córtex pré-frontal, responsável
por um conjunto de funções cognitivas denominadas funções executivas, que englobam processos
que nos permitem planejar, tomar decisões e executar tarefas de forma organizada e planejada. Esses
processos incluem a memória de trabalho, o planejamento e organização, a atenção e concentração, o
manejo do tempo, a metacognição, as respostas inibitórias, a regulação do afeto, a iniciação de tarefas
e os conceitos morais.

As relações entre lesões neurológicas e funções psíquicas têm se tornado compreensíveis graças
aos estudos desenvolvidos na área de neurociências, que tem por objeto de investigação o sistema
nervoso e suas relações com a fisiologia do organismo, o que inclui a relação entre cérebro e
funções psíquicas. Toda ação psíquica depende de uma rede neurofuncional que compreende um
conjunto dinâmico e interconectado de componentes psicológicos e cerebrais. Isso significa que, no
cérebro humano, há regiões neuroanatômicas específicas, associadas às funções psíquicas, fisiológicas
e motoras. No entanto, nem todas as operações ou mecanismos básicos do psiquismo encontram
correspondência precisa em determinadas regiões cerebrais, havendo, nesse sentido, certa plasticidade
neuronal para a preservação das funções psíquicas nos casos de lesão.

Avanços recentes das neurociências, especialmente os apoiados em recursos da neuroimagem


funcional, vêm confirmando a hipótese de que as funções psíquicas encontram correspondência em
regiões cerebrais, embora não possam ser totalmente explicáveis em função dessa localização, dada a
ação multifatorial à qual estão sujeitos os organismos vivos.

Narramos esse episódio clássico da neurociência para chamar a atenção dos fisioterapeutas para
a importante relação do cérebro com funções psíquicas, pensando na possibilidade de chegada para o
atendimento de fisioterapia. Isso para evitar que sua compreensão dos clientes fique reduzida a aspectos do
psiquismo em detrimento de aspectos neurológicos que demandam encaminhamento para neurologistas.

4.1.6 Motivação

A motivação é fator de grande relevância em qualquer atividade. Segundo Murray (1986, p. 20),
motivação é o “fator interno que dá início, dirige e integra o comportamento de uma pessoa”. Essa noção
que vincula a motivação a uma energia interna é compartilhada por diversos teóricos. Interessante
observar que a palavra motivação é originária do latim movere, o que lhe confere o sentido de “colocar
em movimento”. Interessante porque, de fato, é a motivação que leva alguém a realizar algo, a se manter
realizando e a concluir o que iniciou.

Evidentemente, distintas pessoas são movidas por distintos impulsos e distintos interesses. Há um
provérbio chileno que expressa bem esse fato: “Lo que uno no come, otro se pierde por ello”: uma comida

37
Unidade I

não apreciada por determinada pessoa é motivo de perdição para outra. Por exemplo, hoje, enquanto
há pessoas se deliciando diante da televisão ou em redes sociais, nós, autores deste livro-texto, estamos
nos deliciando em sua elaboração: dedicamos tempo, esforços e esperanças, movidos pelo ideal e pelo
desejo de participar da formação e aprimoramento profissional das novas gerações, o que não significa
que nunca sejamos movidos por outros motivos em outros lugares e outras circunstâncias. Isso porque
o processo motivacional varia de intensidade e de duração de acordo com diversas variáveis internas
e externas, entre as quais se incluem o tipo de atividade e as características pessoais. Isso nos leva a
perguntar: por que um indivíduo se comporta do modo como se comporta? O que o leva a se comportar
desse ou daquele modo?

Observação

Na relação ensino-aprendizagem, seja qual for o ambiente, o conteúdo


ou o momento, a motivação constitui um dos elementos centrais para
o sucesso da execução. Pode-se afirmar que sem motivação não há
comportamento humano ou animal (GOUVÊA, 1997).

Vemos, pois, que há dois tipos básicos de motivação: motivação intrínseca, gerada por necessidades
e motivos pessoais; e motivação extrínseca, gerada pelo condicionamento de comportamentos por meio
de recompensa ou punição. Sendo assim, é possível despertar o interesse de uma pessoa por algo que ela
desconhece? Obviamente sim, se soubermos motivá-la para isso. A motivação extrínseca, produzida por
recompensa ou punição, pode vir a despertar uma motivação intrínseca, ou seja, a partir de influências
externas o indivíduo pode “aprender a gostar” de algo que não o interessava. A intensidade e duração
do interesse dependem, extrinsecamente, como já dito anteriormente, de circunstâncias ambientais, do
estilo de liderança, das atitudes de nossos interlocutores. E dependem, intrinsecamente, de fatores da
personalidade: necessidades, interesses, objetivos, valores atribuídos a fatos e fenômenos. Há princípios
norteadores da motivação intrínseca e alguns teóricos da psicologia trataram de explicitá-los.

4.1.7 Emoções

O desenvolvimento recente de técnicas de pesquisa em neurofisiologia, entre as quais a


neuroimagem, tornou possível a realização de estudos mais acurados de aspectos relativos às bases
neurais das emoções.

Diferentes estímulos térmicos, táteis, visuais, auditivos, olfativos e de natureza visceral (como
as alterações da pressão arterial) partem de receptores e atingem diferentes regiões do encéfalo,
por vias neuronais aferentes. Respostas adequadas a esses estímulos são, por sua vez, disparadas de
determinadas áreas corticais e seguem por vias eferentes para diferentes partes do corpo, através de um
refinado complexo funcional.

Pesquisas recentes têm procurado detalhar os diferentes elementos do processamento emocional,


investigando as várias etapas desse processo:
38
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

• o reconhecimento do significado emocional de um estímulo;

• a emergência do estado afetivo propriamente dito;

• as alterações neurovegetativas associadas a esse significado;

• a modulação da resposta comportamental apropriada.

A significativa massa de conhecimentos acumulados sobre o assunto mostra que uma intrincada rede
de sistemas neurais, ativada em processos de modulação mútua, gera comportamentos, mecanismos
cognitivos e emoções.

A emoção pode ser definida como uma condição que surge em resposta a determinadas
experiências que envolvem estados afetivos ou sentimentos. Estudos e pesquisas vêm demonstrando
que, funcionalmente, as emoções podem ser entendidas como mecanismos adaptativos que regulam
os objetivos de mais alto nível do cérebro, mobilizando a mente e o corpo para enfrentar desafios.
Há diversos modelos teórico-metodológicos da psicologia que explicam o fenômeno emocional pela
ativação e sequência dos componentes que o envolvem.

A ilustração apresentada a seguir reúne graficamente alguns dos modelos teóricos clássicos mais
divulgados. Observemos que ela apresenta quatro figuras representativas de emoções.

a) Medo
“Tremo porque
sinto medo” Estimulação
Estímulo Sentimento consciente autônoma

b) Medo
“Sinto medo Atividade
porque tremo” cerebral Sentimento
Estímulo subcortical consciente

c) Medo

“O cão me faz tremer Sentimento


e sentir medo” Subcortical consciente
Estimulação
Estímulo autônoma

d) Medo

“Classifico meu tremor Sentimento


como medo, pois avalio a consciente
situação como perigosa” Estimulação
Estímulo autônoma Avaliação

Figura 7

39
Unidade I

Na letra a), está representada a emoção como um estado associado ao sentimento. Um estado
intermediário entre o estímulo que provocou a emoção e a reação corporal correspondente. Vemos um
estímulo amedrontador, um grande felino, que pode disparar a emoção de medo e, consequentemente,
a reação motora de tremor.

Essa interpretação, própria do senso comum, foi contestada já em 1890 por William James e
também por Carl Lange, seu contemporâneo. Dessa constatação nasceu o modelo conhecido como
James-Lange, que propõe o seguinte: a estimulação provoca uma resposta fisiológica, ou excitação
corporal, que antecede o reconhecimento da emoção. Ou seja, a emoção é experienciada somente
depois da resposta física, como ilustra a letra b).

Nas décadas de 1920 e 1930, Walter Cannon e Philip Bard desenvolveram uma teoria defendendo
que a estimulação da emoção e de seus correspondentes corporais ocorre simultaneamente. Ou seja,
enquanto o modelo de James-Lange defende que a excitação fisiológica não causa a emoção, o
modelo Cannon-Bard defende que a estimulação ocorre em nível subcortical do cérebro, acionando
concomitantemente os processos fisiológicos e a experiência consciente da emoção, conforme ilustra
a letra c). Esta representa, pois, o modelo teórico de Cannon-Bard, segundo o qual a emoção ocorre
quando o tálamo envia, ao mesmo tempo, sinais para o sistema nervoso autônomo e para o córtex
cerebral, produzindo simultaneamente a experiência da emoção e as alterações corporais.

Anos depois, já nas décadas de 1960 e 1970, Stanley Schachter propôs uma teoria das emoções
denominada teoria dos dois fatores, que, ao reconhecer a importância de um componente cognitivo
fundamental no processo emocional, pôde conciliar os modelos de James-Lange e de Cannon-Bard.
Para Schachter, um estímulo pode disparar imediatamente certas reações fisiológicas, mas o sentimento
consciente da emoção ocorre somente após a avaliação cognitiva dessa ativação corporal e da situação
(ou do ambiente) em si, conforme ilustra a letra d), que representa a teoria dos dois fatores de Schachter,
segundo a qual a experiência da emoção depende da estimulação autônoma e da interpretação cognitiva
dessa estimulação.

Vemos, pois, que, em relação ao estudo das emoções, há vários modelos teóricos conflitantes, e os
modelos teóricos científicos se distanciam do modo pelo qual o senso comum entende as relações entre
os eventos ocorridos e as emoções e reações das pessoas.

E o que dizer das expressões faciais? As emoções, relacionadas a pensamentos, sensações e


sentimentos associados a lembranças do passado, a projetos desenvolvidos no presente ou a planos de
realização futura, frequentemente se manifestam por meio de expressões faciais. Além de manifestarem
emoções, as expressões faciais servem de estímulo emocional nas relações interpessoais.

Expressões faciais também encontram correspondência neurológica em determinadas zonas


cerebrais. As sensações de prazer, alegria, felicidade, medo e raiva, por exemplo, uma vez distinguidas
pelas expressões faciais daqueles que as vivenciam, induzem sentimentos em quem as observa. Por
exemplo, a alegria pode surgir como resposta à identificação de expressões faciais de felicidade,
enquanto o reconhecimento de expressões faciais de medo pode estimular respostas apropriadas à
ameaça e ao perigo.
40
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

A percepção de tons da voz, de movimentos e de expressões faciais estimula o sistema nervoso


autônomo, diretamente envolvido em situações de enfrentamento e esquiva, e este, por sua vez, estimula
comportamentos que visam à obtenção de segurança.

O desenvolvimento das neurociências possibilitou conhecer que a emoção, a percepção e a ação


acham-se relacionadas a circuitos cerebrais distintos. As emoções geralmente se fazem acompanhar
de reações autônomas do sistema nervoso, de alterações endócrinas, relativas ao funcionamento
das glândulas, e manifestações motoras que, dependentes de áreas subcorticais do sistema nervoso,
preparam o corpo para a ação.

O sistema nervoso autônomo está diretamente envolvido nas denominadas situações de luta e/ou
esquiva e/ou fuga e situações de imobilização. Tais ocorrências estão intrinsecamente relacionadas
a um mecanismo de neurocepção, que se caracteriza pela capacidade que os indivíduos têm de agir
conforme sua percepção de segurança ou de ameaça no meio em que se encontram. Essa percepção
pode ser dada, por exemplo, por um tom de voz ou por movimentos e expressões faciais da pessoa ou
do animal com quem o indivíduo está interagindo.

A neurociência das emoções permite afirmar que as emoções podem desencadear mudanças
endócrinas e autonômicas significativas, como, por exemplo, sudorese, aumento dos batimentos
cardíacos e da respiração, rubor facial, incontinência urinária e intestinal e espasmos.

Observação

A psicologia vem estendendo seu interesse sobre funções cognitivas e


emocionais para incluir fenômenos considerados paranormais, o que deu
origem à chamada psicologia anomalística.

Saiba mais

A quem queira conhecer ou ampliar conhecimentos sobre a psicologia


anomalística, área atual de pesquisas sobre fenômenos considerados
paranormais, sugerimos que visite o site do Laboratório de Estudos
Psicossociais do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
(InterPsi/IP-USP) e o canal Cientista de chinelo:

interpsi.org

MARTINS, L. Cientista de chinelo. [s.d.]. Disponível em: https://www.youtube.


com/channel/UCk2EtV9WNFWZl0zo9g_hKmw. Acesso em: 18 mar. 2020.

41
Unidade I

Figura 8 Figura 9

Resumo

Nesta unidade, são abordados diversos temas, organizados em seções,


conforme descrito a seguir.

Na seção 1 – Psicologia e fisioterapia, é abordado o tema da concepção


de pessoa que norteia as profissões da saúde. Sabendo que, apesar de haver
práticas integrantes da medicina tradicional chinesa, como a acupuntura
e a moxabustão, e da medicina tradicional japonesa, como o shiatsu, por
exemplo, a fisioterapia compartilha com a medicina a mesma concepção
reducionista e mecanicista de pessoa. Perguntamos: por que motivo outros
sistemas de saber não podem ter sua importância reconhecida? Para
responder a essa pergunta e contribuir para a valorização de outros sistemas
de saúde, é mencionado o trabalho do Grupo de Pesquisa Racionalidades
Médicas e Práticas de Saúde, liderado por Madel Therezinha Luz. Ao se
referirem à medicina ocidental contemporânea, Luz e Barros (2012, p. 235)
dizem: “trata-se de uma medicina de máquinas para (preservação de)
máquinas”, e afirmam a necessidade de adoção de outros sistemas de
saúde, fundamentados em distintas concepções de pessoa e de universo.
Recomenda-se a adoção de uma postura que possibilite olhar criticamente
os diversos modelos das ciências do cuidado para eliminar preconceitos e
adotar modelos complementares.

Na seção 2 – Importância da psicologia para o fisioterapeuta, ao


buscarmos razões para ensinar noções de psicologia ao graduando de
Fisioterapia, são realizadas algumas considerações: para que a teoria, a
prática e as convicções pessoais do fisioterapeuta sejam convergentes, é
preciso (re)conhecimento do território de atuação e do tempo histórico
em que vivemos. Sugere-se ao aluno que a leitura atenta dos textos seja

42
PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

acompanhada de um processo de observação contínua dos pensamentos,


sentimentos e emoções mobilizados por essa leitura.

A seção 3 – Panorama histórico da psicologia e principais áreas de


atuação dos psicólogos foi criada para futuros fisioterapeutas identificarem
possibilidades de interação profissional psicologia-fisioterapia. Para isso,
foram reunidas informações sobre as chamadas forças da psicologia, nas
quais se nota a presença marcante do behaviorismo, na primeira força;
da psicanálise, na segunda força; da psicologia existencial-humanista,
na terceira; e da psicologia transpessoal, na quarta. Concluída a viagem
pela história da psicologia, é percorrido o território da atuação profissional
de psicólogos para que o fisioterapeuta possa identificar possibilidades de
ação interdisciplinar conjunta. Nesse passeio, são dadas a conhecer distintas
áreas de atuação dos psicólogos para que o fisioterapeuta possa
identificar possibilidades de ação interdisciplinar psicologia-fisioterapia:
neuropsicologia; psicologia clínica; psicologia de trânsito; psicologia do
esporte; psicologia escolar/educacional; psicologia hospitalar; psicologia
jurídica; psicologia organizacional e do trabalho; psicologia social;
psicomotricidade; e psicopedagogia.

Na seção 4 – Tópicos de psicologia úteis a fisioterapeutas, estão


reunidas informações sobre as seguintes funções psíquicas: inteligência;
pensamento e linguagem; atenção e concentração; sensação e percepção;
memória; motivação; e emoções.

Exercícios

Questão 1. (Enade 2015, adaptada) No âmbito da psicologia, há tensão entre uma abordagem
que privilegia fenômenos objetivos e uma abordagem que privilegia fenômenos subjetivos do
comportamento humano. Dessa tensão decorrem duas grandes vertentes, uma mais objetivista e
outra mais subjetivista. Portanto, decorrem diferentes propostas de como realizar pesquisas e como
produzir conhecimento. Ao longo do tempo, várias tentativas foram realizadas na intenção de articular
esses dois modelos explicativos.

Considerando esse contexto, avalie as afirmativas a seguir.

I – Atualmente, é consenso na psicologia a meta de conhecer para dominar os meandros da subjetividade.

II – O objetivismo valoriza a experimentação e estabelece como objeto de estudo o comportamento


manifesto, fundamentado na ideia de que todo conhecimento provém da experiência.

III – O subjetivismo apoia-se na autonomia do ser humano e sustenta a tese de que o conhecimento
é anterior à experiência.
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Unidade I

Está correto o afirmado em:

A) I, apenas.

B) II, apenas.

C) I e III, apenas.

D) II e III, apenas.

E) I, II e III.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: primeiramente, é incorreto afirmar que a meta da psicologia esteja restrita a conhecer
os meandros da subjetividade. Além disso, é incorreto afirmar que haja consenso na psicologia quanto
à meta de dominar esses meandros.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: o objetivismo, fundamentado na ideia de que todo conhecimento provém da experiência,


estabelece como objeto de estudo o comportamento manifesto e utiliza como método de pesquisa a
observação e o controle de variáveis, característicos dos métodos experimentais.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: o subjetivismo se fundamenta nos pressupostos de que o conhecimento é anterior à


experiência do ser humano e que o ser humano é dotado de autonomia e livre-arbítrio.

Questão 2. (Enade 2015, adaptada) Em 2012, na cidade do Rio de Janeiro, um vergalhão de ferro
penetrou a região entre os olhos de um operário da construção civil, de 24 anos de idade, e atravessou
seu cérebro. O moço foi submetido a uma cirurgia para remoção da barra de ferro. Antes e depois da
cirurgia, ele esteve consciente e lúcido, apresentando quadros convulsivos que foram controlados por
medicação. Na ocasião, não foi observada nenhuma mudança comportamental.

Disponível em: http://uenfciencia.blogspot.com.br. Acesso em: 26 jul. 2015. Adaptado.

Com base em seus conhecimentos, avalie as afirmativas a seguir e a relação proposta entre elas.

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PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA

I – O cérebro apresenta estratégias para preservar funções, ou algum tipo de configuração na qual
determinadas lesões não afetam o funcionamento psíquico.

PORQUE

II – Apesar de haver, no cérebro humano, regiões neuroanatômicas associadas a funções fisiológicas


e motoras específicas, este órgão apresenta expressiva plasticidade em relação ao funcionamento
psíquico, sem funções psicológicas localizadas.

A respeito dessas afirmativas, assinale a alternativa que apresenta a opção correta.

A) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras e a II é uma justificativa correta da I.

B) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I.

C) A afirmativa I é uma proposição verdadeira e a II é uma proposição falsa.

D) A afirmativa I é uma proposição falsa e a II é uma proposição verdadeira.

E) As afirmativas I e II são proposições falsas.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: embora haja no cérebro humano regiões neuroanatômicas associadas às funções


psíquicas, fisiológicas e motoras específicas, em alguns casos de lesões corticais, o órgão apresenta
plasticidade neuronal suficiente para a preservação das funções psíquicas, estando por esse motivo
correta a afirmativa I.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: embora seja verdadeiro afirmar que há regiões neuroanatômicas associadas a funções
fisiológicas e motoras específicas, bem como que há certa plasticidade do cérebro para a manutenção
do funcionamento psíquico no caso de algumas lesões, é falso afirmar que haja expressiva plasticidade
em relação ao funcionamento psíquico, visto haver correspondências entre as funções psíquicas e
determinadas regiões cerebrais. Além de incorreta em sua formulação, a afirmativa II não apresenta
uma justificativa pertinente em relação à afirmativa I.

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