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Educação Física

na Terceira Idade
Autora: Profa. Telma Fátima da Cunha Moraes
Colaboradores: Profa. Vanessa Santhiago
Prof. Marcel da Rocha Chehuen
Professor conteudista: Telma Fátima da Cunha Moraes

Natural de Jundiaí‑SP, fez graduação em Esporte (2005), mestrado (2010), doutorado (2015) e pós‑doutorado (em
andamento) na área de Ciências (mestrado e doutorado em Fisiologia do Exercício e pós‑doutorado em Treinamento
de Força) pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE‑USP). Durante a graduação,
realizou um intercâmbio estudantil (2005) na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, em Portugal.

Iniciou sua carreira acadêmica através de sua iniciação científica (2004), dando continuidade com os trabalhos
de mestrado e doutorado com populações especiais. Durante esse período, ganhou prêmios como primeira autora
no Congresso Brasileiro de Metabolismo, Nutrição e Exercício: Gerar‑Med Destaque Científico, em Londrina, e no
Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo: Prêmio Interdisciplinar, em São Paulo, ambos em 2012.

Trabalhou em colaboração em diversos estudos nas áreas de envelhecimento, doenças crônico‑degenerativas, tais
como insuficiência cardíca e Parkinson, treinamento físico e regulação de massa muscular.

Atualmente, é professora da Universidade Paulista (UNIP) no curso de Educação Física, ministrando aulas também
para os cursos de Biomedicina e Fisioterapia. Em 2017, foi professora substituta da disciplina Genética da Atividade
Motora na EEFE‑USP.

Na pós‑graduação, é professora colaboradora desde 2013 da disciplina Sistema Nervoso Autônomo, no Programa
de Aprimoramento Profissional em Condicionamento Físico Aplicado à Prevenção Cardiológica Primária e Secundária
da Escola de Educação Permanente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Foi professora convidada
também de cursos de pós‑graduação stricto sensu (Unifesp e Unicamp) e lato sensu (Estácio, Unicid e USP). Em 2017,
foi professora colaboradora da disciplina Metodologia da Pesquisa Quantitativa na EEFE‑USP.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P827e Moraes, Telma Fátima da Cunha.

Educação Física na Terceira Idade. / Telma Fátima da Cunha


Moraes. – São Paulo: Editora Sol, 2018.

120 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIV, n. 2-078/18, ISSN 1517-9230.

1. Desenvolvimento. 2. Comportamento motor. 3. Envelhecimento.


I. Título.

CDU 796.4-053.89

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Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


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Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Lucas Ricardi
Kleber Souza
Sumário
Educação Física na Terceira Idade

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 DESENVOLVIMENTO E ENVELHECIMENTO.................................................................................................9
1.1 Transição demográfica........................................................................................................................ 10
1.2 Classificações e conceitos.................................................................................................................. 12
1.2.1 O processo de envelhecimento.......................................................................................................... 13
1.2.2 Teorias do envelhecimento.................................................................................................................. 15
1.3 Desenvolvimento de atitudes positivas frente à velhice...................................................... 18
1.3.1 Redescobrindo o envelhecimento..................................................................................................... 21
2 DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO, SOCIAL, COGNITIVO E MOTOR: IMPLICAÇÕES
PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA............................................................................................................................... 24
2.1 Desenvolvimento psicológico e implicações para a Educação Física............................... 24
2.2 Desenvolvimento social e implicações para a Educação Física.......................................... 28
2.3 Desenvolvimento cognitivo e as implicações para a Educação Física............................. 31
2.3.1 Declínio cognitivo anormal: doenças neurodegenerativas.................................................... 34
2.4 Desenvolvimento motor e as implicações para a Educação Física................................... 36
3 ENVELHECIMENTO: SAÚDE E DOENÇA.................................................................................................... 38
3.1 Aumento da população idosa e as doenças crônicas não transmissíveis...................... 39
3.2 Conceito e promoção de saúde....................................................................................................... 41
3.2.1 Alimentação saudável............................................................................................................................ 43
3.2.2 Prática de atividades físicas................................................................................................................ 44
3.3 Modelos e o processo saúde‑doença............................................................................................ 46
4 CAPACIDADES MOTORAS, TREINAMENTO E ENVELHECIMENTO................................................... 48
4.1 A influência do envelhecimento no desempenho das capacidades motoras............... 52
4.2 Treinamento físico e as capacidades motoras........................................................................... 53

Unidade II
5 COMPORTAMENTO MOTOR DURANTE O ENVELHECIMENTO......................................................... 59
5.1 Comportamento motor e os sistemas sensorial e perceptivo............................................ 60
5.1.1 Desenvolvimento motor: modelo das restrições........................................................................ 62
5.2 Comportamento motor e as fases do desenvolvimento motor......................................... 63
6 PROCESSO ENSINO‑APRENDIZAGEM DE HABILIDADES MOTORAS DE INDIVÍDUOS
IDOSOS..................................................................................................................................................................... 66
6.1 Processo ensino‑aprendizagem e o idoso................................................................................... 69
6.2 Modelos de intervenção em Educação Física para populações idosas............................ 72
6.2.1 Treinamento aeróbio.............................................................................................................................. 72
6.2.2 Treinamento resistido............................................................................................................................. 74
6.2.3 Treinamento de flexibilidade............................................................................................................... 76
6.2.4 Treinamento com exercícios coordenativos (elevada complexidade motora)................ 76
6.2.5 Treinamento de força com instabilidade....................................................................................... 77
6.2.6 Treinamento com restrição de fluxo sanguíneo.......................................................................... 78
6.2.7 Exergames................................................................................................................................................... 78
7 EDUCAÇÃO FÍSICA PARA IDOSOS EM RELAÇÃO À RESISTÊNCIA AERÓBIA, FORÇA,
FLEXIBILIDADE, AGILIDADE E EQUILÍBRIO.................................................................................................. 79
7.1 Controle de variáveis........................................................................................................................... 80
7.2 Estabelecendo critérios....................................................................................................................... 81
7.3 Prescrição de exercícios físicos........................................................................................................ 84
7.3.1 Resistência aeróbia ou aptidão cardiorrespiratória................................................................... 84
7.3.2 Força.............................................................................................................................................................. 85
7.3.3 Flexibilidade................................................................................................................................................ 86
7.3.4 Agilidade...................................................................................................................................................... 86
7.3.5 Equilíbrio..................................................................................................................................................... 87
8 AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE FUNCIONAL............................................................................................ 87
APRESENTAÇÃO

O envelhecimento da população, com projeções de um número cada vez maior de idosos no futuro,
tem chamado a atenção de governos, instituições como a Organização Mundial da Saúde e profissionais
de diversas áreas. A preocupação dos governos e das instituições é criar políticas públicas que assegurem
os direitos desses indivíduos; já os profissionais dos diferentes segmentos buscam estratégias para
melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. Isso porque o processo de envelhecimento é uma fase
diferente do desenvolvimento, na qual não se observa melhora ou aprimoramento de funções; pelo
contrário, se observam reduções e perdas, que acarretam a necessidade de adaptação do indivíduo às
mudanças inerentes dessa fase da vida. Além das transformações fisiológicas, bioquímicas e cognitivas,
verificam‑se alterações psicológicas e sociais decorrentes de um novo posicionamento na sociedade,
geralmente relacionado à aposentadoria e ao surgimento do “tempo livre”.

Dessa forma, ao considerarmos o processo de envelhecimento e as mudanças na vida das pessoas


idosas, verificamos que o profissional de Educação Física tem um vasto campo de atuação, podendo
trabalhar em diversos aspectos relacionados a esse processo, principalmente porque a atividade física
pode auxiliar na melhora da qualidade de vida do idoso. Nesse sentido, o estudo e a compreensão do
processo de envelhecimento poderão contribuir com a formação sólida do educador físico, capacitando‑o
para atuar de maneira adequada, considerando as características e necessidades dessa população.

Portanto, ao final dessa disciplina e com o auxílio deste livro‑texto, você será capaz de:

• conhecer as principais características do desenvolvimento do idoso, discutindo os aspectos


socioafetivo, cognitivo e motor e as respectivas implicações para a educação física;

• compreender as necessidades, objetivos e significados de se trabalhar as tarefas adequadas ao


idoso e sua relação com a atividade cognitivo‑motora;

• dominar os conhecimentos que dão suporte à escolha de tarefas motoras adequadas à


população idosa;

• refletir criticamente sobre os fundamentos da educação física na terceira idade, bem como o
papel do profissional que atua com essa população.

INTRODUÇÃO

Uma enfermeira recém‑formada tinha sido contratada para trabalhar em uma clínica que atende
muitos idosos. Antes de iniciar a atividade, ela teria que fazer um curso para entender a forma de
trabalho do local.

No dia do curso, essa enfermeira e outras pessoas contratadas se sentaram em uma sala à espera
da professora que daria o curso. A professora, ao chegar, pediu ajuda aos enfermeiros, pois carregava
muitos materiais. Ao separar esses objetos, a professora pediu que cada pessoa pegasse um par de
óculos, duas caneleiras (musculação), bexigas, uma calça, fones de ouvido e um protetor bucal. Solicitou
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que colocassem os óculos, vestissem a calça (que era bem grande), colocassem as caneleiras por cima da
calça e as bexigas por dentro, até que a região da cintura ficasse completamente preenchida. Em seguida,
pediu para que utilizassem o protetor bucal. Por último, solicitou que os alunos do curso passassem um
determinado creme nas mãos, mas que antes disso, colocassem os fones de ouvido.

Com os alunos preparados, a professora pediu para eles fizessem alguns movimentos. O problema é
que os alunos apresentavam muita dificuldade em entender o que ela dizia e, também, em se movimentar
com aqueles materiais. Um dos alunos tentou reclamar dos óculos que deixavam a visão embaçada, mas
era muito difícil falar com aquele protetor bucal. Outra aluna tentou amarrar os cadarços do tênis, mas
as bexigas não permitiam, pois elas estavam muito cheias. Alguns perceberam que as mãos perderam
um pouco de sensibilidade após o creme, o que dificultava a percepção.

Após essa vivência, a professora pediu para que eles tirassem os materiais e respondessem o que
achavam que ela pretendia com aquela experiência. Os alunos se entreolharam e mantiveram o silêncio.
Sem respostas, a professora explicou: “Essa vivência teve o objetivo de fazer vocês se sentirem como os
idosos se sentem. Com o envelhecimento, a visão fica embaçada; os ouvidos já não interpretam bem os
sons; as pernas ficam pesadas e a cintura fica maior com o ganho de peso, o que dificulta o movimento;
as mãos perdem sensibilidade e força; e a fala também é modificada”.

Os alunos, a partir da explicação da professora, perceberam que o trabalho deles teria que ser
diferenciado, especial, pois o indivíduo ao envelhecer vivencia diversas mudanças em seu corpo, o que
não permite que ele desempenhe suas funções da mesma forma. Nesse sentido, o trabalho daquelas
pessoas teria que ser adaptado para atender às necessidades dos idosos.

Você pode estar se perguntando nesse momento: “Mas eu não sou enfermeiro! Serei professor de
Educação Física! O que o conhecimento dessas mudanças causadas pelo envelhecimento pode agregar
em minha formação?”

O conhecimento das mudanças decorrentes do envelhecimento é muito importante para os


profissionais de Educação Física, pois a prática de atividades físicas contribui para minimizar os efeitos
da velhice e melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. Dessa forma, assim como os enfermeiros, os
educadores físicos devem estar preparados para trabalhar com essa população, desenvolvendo atividades
apropriadas que estimulem os aspectos psicológicos, sociais, cognitivos e motores. Além disso, a prática
de atividades físicas pode proporcionar uma vida mais independente e autônoma, fazendo da velhice
um período de novas experiências e expectativas.

Nessa disciplina, então, abordaremos diversos aspectos do envelhecimento, desde os fatores


relacionados ao aumento da população idosa; as atitudes frente à velhice; o desenvolvimento psicológico,
social, cognitivo e motor e as implicações para a Educação Física; até a elaboração de programas de
Educação Física para idosos.

Começamos agora essa viagem do conhecimento pelo universo do envelhecimento!

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EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

Unidade I
1 DESENVOLVIMENTO E ENVELHECIMENTO

As pessoas, do nascimento até a morte, passam por inúmeras transformações, as quais determinam,
ao longo do tempo, suas características.

Essas transformações podem se referir ao aumento progressivo das dimensões do corpo, como o
aumento da estatura, ou definir o aprimoramento/declínio de alguma função do organismo, como
ocorre com a marcha (andar/caminhar). Nesse sentido, o aumento progressivo das dimensões corporais,
tais como o tamanho dos braços e das pernas, tem sido associado ao processo de crescimento, que é
caracterizado pela crescente multiplicação e diferenciação celular, sendo definido como um processo
quantitativo que ocorre do nascimento até se alcançar a maturação biológica, geralmente no início da
idade adulta (por volta dos 20 anos de idade). Já as transformações que alteram as funções do organismo
se relacionam ao processo de desenvolvimento, o qual resulta de uma sequência de modificações
que aprimoram ou limitam tais funções. Esse processo ocorre de maneira simultânea ao crescimento,
determinando características quantitativas e qualitativas ao desenvolvimento. Contudo, o processo de
desenvolvimento, diferente do crescimento, ocorre por toda a vida de um indivíduo, cessando apenas
com a morte (GUEDES, 2011).

Considerando a marcha e o desenvolvimento, podemos observar que para que uma criança consiga
andar, é preciso aprender o movimento, mas também é preciso desenvolver certas características do
corpo, como o fortalecimento da musculatura esquelética. Com o crescimento e o desenvolvimento,
essa criança conseguirá aprimorar sua marcha, alcançando, na idade adulta, um padrão mais complexo
desse movimento. Já com o envelhecimento, caminhar fica mais difícil, pois ocorrem diversas perdas
no organismo, como a perda de massa óssea, de massa muscular e de força, prejudicando a realização
da prática. Dessa forma, o desenvolvimento não se relaciona apenas ao aumento da qualidade
das funções do organismo, tais como motora, cognitiva ou comportamental, observado durante o
crescimento do indivíduo, mas reflete ainda a perda ou declínio dessas funções, como ocorre no
envelhecimento (veja a figura a seguir), o qual tem ganhado destaque em decorrência do aumento
da expectativa de vida da população mundial no final do século XX e da importância de se manter a
qualidade de vida dessas pessoas.

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Unidade I

Figura 1 – Fases do desenvolvimento: da infância à velhice

1.1 Transição demográfica

As melhorias nas condições de vida e a redução da mortalidade associada aos avanços tecnológicos e
ao desenvolvimento de medicamentos mais eficientes no combate a muitas enfermidades, tais como as
doenças cardiovasculares, têm sido determinantes para esse aumento da população mundial de idosos,
o que começou a ser observado por volta dos anos 1970. A expectativa, segundo a Organização Mundial
de Saúde, é que em 2020 o número de pessoas com mais de 60 anos seja maior que o de crianças
de até cinco anos de idade. Um aspecto interessante é que 80% desses idosos viverão em países em
desenvolvimento como o Brasil (MATHERS et al., 2015).

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) têm mostrado o aumento tanto da
expectativa de vida como do número de idosos no Brasil nas últimas décadas. A expectativa de vida era
de 62,7 anos em 1980, de 72,8 anos em 2008, chegando a 74,6 anos em 2012 (IBGE, 2008, 2010, 2013).
Entre 2012 e 2016, a população idosa cresceu 16%, totalizando 29,6 milhões de pessoas, e a projeção da
expectativa de vida em 2020 é de 76,7 anos em média. Contudo, o número de crianças com até 9 anos
de idade caiu de 14,1% para 12,9% da população nesse período (IBGE, 2013). Esses dados confirmam a
transição demográfica observada no Brasil nos últimos anos.

A transição demográfica se refere às modificações observadas na fecundidade e na mortalidade


de uma determinada população. Segundo Nasri (2008), uma população se torna mais idosa à
medida que aumenta a proporção de indivíduos idosos e diminui a parcela de pessoas mais jovens,
ou seja, para que uma determinada população envelheça, é necessário haver também uma menor
taxa de fecundidade.

No Brasil, os parâmetros que favoreceram o aumento do número de idosos ocorreram entre os


anos de 1940 e 1960. Nesse período, com a incorporação dos avanços da medicina às políticas públicas
de saúde, houve uma redução na taxa de mortalidade e um aumento da fecundidade, aumentando
o número de jovens. No entanto, a partir de 1960, a redução da fecundidade, que começou nos

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EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

grupos populacionais mais favorecidos e nas regiões mais desenvolvidas, tais como o Sul e o Sudeste,
generalizou‑se rapidamente e desencadeou o processo de transição da estrutura etária (NASRI, 2008).
Associados à redução da fecundidade, estratégias como a criação de campanhas de vacinação em
massa e de programas de nutrição infantil, de incentivo ao pré‑natal e à amamentação, assim como a
contratação de agentes de saúde, refletiram no aumento da expectativa de vida anos mais tarde.

Para ilustrar essa transição demográfica, podemos observar na figura a seguir as taxas brutas
de natalidade e mortalidade desde 1872 até 2010. Esse gráfico ilustra em laranja a evolução da
natalidade e os fatores que contribuíram para sua redução e, em azul, a taxa de mortalidade e a
influência dos antibióticos.
%
50
Taxa bruta de natalidade
45
40
Crescimento vegetativo
35
30 Taxa bruta de mortalidade
25
20 Esterelização feminina
Antibióticos
15 Pílula
10
5
0
1881 1890 1900 1910 1920 1930 1945 1955 1965 1975 1985 1995 2000 2010

Figura 2 – Evolução das taxas de natalidade e mortalidade no Brasil entre os anos de 1872 e 2010

Ao considerarmos esses dados da transição demográfica no Brasil, podemos observar que ela
aconteceu de forma rápida, assim como em outros países em desenvolvimento, tais como os que
compõem a América Latina. Enquanto os países em desenvolvimento demoraram cerca de 30 a 40 anos
para aumentar a população de idosos, os países desenvolvidos, como o Japão e a Suíça, demoraram 100
anos (LITVOC; BRITO, 2004). Além disso, as causas do envelhecimento também foram diferentes. Enquanto
no Brasil intervenções na infância, em um certo período, culminaram no aumento da longevidade, nos
países desenvolvidos o aumento da expectativa de vida foi desencadeado pela redução das mortes por
doenças cardiovasculares, como o infarto do miocárdio e o acidente vascular cerebral (MATHERS et al.,
2015). Essa redução na mortalidade estaria associada à criação de campanhas e intervenções de baixo
custo para reduzir o consumo de sal (cloreto de sódio) e o uso do tabaco.

Diante desse cenário, estima‑se que nas próximas décadas a taxa de crescimento será muito baixa
ou até negativa, acarretando um aumento ainda maior do número de idosos (NASRI, 2008). Nesse
sentido, as projeções da Organização Mundial da Saúde em 2017 apontam que em 2050 a população
mundial de idosos será de 2 bilhões de pessoas. No Brasil, estima‑se que 28% dos idosos terão 80 anos
ou mais, sendo a maioria dessa população do gênero feminino. No ano de 2000, para cada cem mulheres
idosas, havia 81 homens idosos; em 2050, haverá provavelmente cerca de 76 idosos para cem idosas
(NASRI, 2008), conforme a figura a seguir:

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Unidade I

Homens Mulheres
2050
2040
2030
2020
2010
2005
2000
1990
1980
9.000.000 7.000.000 5.000.000 3.000.000 1.000.000 1.000.000 3.000.000 5.000.000 7.000.000 9.000.000
População

Figura 3 – Aumento da população idosa com mais de 80 anos (homens e mulheres) e as projeções para 2050

Dessa forma, iniciativas que favoreçam um envelhecimento mais saudável e autônomo tornam‑se
cada vez mais importantes (MARANHÃO‑NETO; LEON; FARINATTI, 2011). Mas quem é o idoso? Como
ocorre esse processo de envelhecimento?

Saiba mais

Um artigo do Professor Berlindes Küchemann: Envelhecimento


populacional, cuidado e cidadania: velhos dilemas e novos desafios, apresenta
os diversos aspectos envolvidos com o crescimento da população idosa.

KÜCHEMANN, B. A. Envelhecimento populacional, cuidado e cidadania:


velhos dilemas e novos desafios. Revista Sociedade e Estado, v. 27, n. 1,
p. 165‑180, jan./abr., 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/se/
v27n1/09.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2018.

1.2 Classificações e conceitos

A definição de idoso a partir da idade cronológica de um indivíduo ainda não apresenta um consenso
na literatura devido à variabilidade biológica observada no processo de envelhecimento. Cada pessoa
envelhece em um ritmo diferente, que depende de diversos fatores, tais como os sociais, os econômicos,
os ambientais, a presença de doenças, entre outros. A Organização Mundial da Saúde, por exemplo,
considera as condições socioeconômicas de cada nação para estabelecer a idade cronológica de um
idoso. Em países em desenvolvimento, é considerado idoso aquele indivíduo que tem 60 anos de idade
ou mais. Já nos países desenvolvidos, a idade se estende para 65 anos (WHO, 2002).

De acordo com Schneider e Irigaray (2008), uma das classificações mais utilizadas estabelece como
idoso o indivíduo a partir de 65 anos de idade, definindo três grupos: os idosos jovens, os idosos velhos
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EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

e os idosos mais velhos. Os idosos jovens são indivíduos com idade entre 65 a 74 anos, que geralmente
se apresentam ativos. Os idosos velhos, de 75 a 84 anos, e os idosos mais velhos, de 85 anos ou mais,
são aqueles que têm maior tendência para a fraqueza e para a enfermidade, e podem ter dificuldade
para desempenhar algumas atividades da vida diária. No entanto, como o processo de envelhecimento
apresenta grande variabilidade entre os indivíduos, alguns podem se manter ativos e independentes,
mesmo em idades mais avançadas. Em contrapartida, indivíduos com menos de 65 anos podem precisar
de ajuda para realizar atividades simples da vida diária. Nesse sentido, pode‑se utilizar a classificação
por idade funcional (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).

Outra denominação bastante utilizada para determinar essa fase da vida consiste no termo terceira
idade. Ele foi criado pelo gerontólogo francês Huet (especialista em envelhecimento) no início do século
XX para designar pessoas com mais de 60 anos de idade (FARINATTI, 2008a). Mais recentemente, a
expressão quarta idade foi criada também na França para designar pessoas com mais de 80 anos. Esses
indivíduos podem ser chamados também de senescentes, já que a fase mais tardia do envelhecimento
é denominada senescência.

Outros termos comuns são: melhor idade, adulto maduro, adulto mais velho, meia‑idade, maturidade,
idade maior e idade madura (NERI; FREIRE, 2000).

Com a definição de quem é o idoso, é preciso entender como ocorre esse processo que determina
ou torna um indivíduo idoso.

Lembrete

Não há uma idade biológica que determine o início do envelhecimento.


Essa fase é estabelecida, geralmente, através de fatores socioeconômicos,
que variam entre os países.

1.2.1 O processo de envelhecimento

O envelhecimento é um fenômeno natural e contínuo dos seres vivos, incluindo o ser humano, e
pode ser evidenciado de maneira diferente para cada indivíduo, pois não ocorre necessariamente de
forma simultânea à idade cronológica, sendo influenciado pelo modo como o indivíduo vive (o que pode
desencadear doenças, por exemplo) e pelas relações que ele estabelece (MOTA, 2002).

Uma característica importante do envelhecimento é o declínio progressivo de todos os processos


bioquímicos e fisiológicos do organismo (NÓBREGA et al., 1999). Podemos apresentar como exemplos
a perda de massa muscular, da densidade mineral óssea, da elasticidade da pele e da quantidade de
colágeno e o aumento de tecido adiposo na região abdominal, que alteram o equilíbrio, a capacidade de
absorção de choques e o controle da perda de calor corporal (HAYFLICK, 1996). Além disso, esse aumento
do tecido adiposo está relacionado ao aumento no risco de desenvolvimento de doenças crônicas
(HUAYLLAS et al., 2001; MATSUDO; MATSUDO; BARROS NETO, 2000). Outra mudança importante se
refere à redução no percentual de água no organismo, passando de 60% para 52%, o que acarreta maior
13
Unidade I

rigidez nos tendões, ligamentos e cartilagens articulares (MARTEL et al., 2006; BASSET; SCHNEIDER;
HUNTINGTON, 2004).

A função cognitiva também é prejudicada. Nessa fase da vida, muitos idosos apresentam quadros
de demência ou perda de memória, desencadeando problemas na execução das tarefas da vida diária
(BLONDELL; HAMMERSLEY‑MATHER; VEERMAN, 2014).

O metabolismo é alterado e a concentração de hormônios é reduzida com o envelhecimento. Por


volta dos 60 anos, verifica‑se uma menor produção de ACTH (hormônio adrenocorticotrófico), que
estimula a produção e a liberação de cortisol e de testosterona nos homens. Já as mulheres apresentam
uma redução nas concentrações de estrógeno desencadeada pelo processo de menopausa, o qual se
inicia antes da terceira idade, entre os 45 e 50 anos de idade (POLI; SCHWANKE; CRUZ, 2010). A redução
das concentrações hormonais prejudica a produção de tecido ósseo, principalmente nas mulheres,
diminuindo a densidade mineral óssea em cerca de 1% a 3% a cada ano, o que desencadeia uma redução
da estatura, fragilidade óssea, osteopenia e até osteoporose (HIRSCHFELD; KINSELLA; DUQUE, 2017).
Esse quadro de fragilidade óssea é agravado devido às alterações que também ocorrem na musculatura
esquelética, que protege e move os ossos durante o movimento. Observa‑se atrofia muscular (redução
da massa muscular), acompanhada de diminuição da força e da potência dos músculos (DOHERTY,
2003), conforme a figura a seguir:

Sobrecarga

Ganho de massa
Hipertrofia

Hipotrofia Homeostase

AST muscular

Atrofia
Doenças
Resultante de jejum, desnervação,
caqueixa, envelhecimento

Figura 4 – Processo de regulação do ganho e da perda de massa muscular. Entre os fatores que reduzem a massa muscular está o
envelhecimento. AST = Área de secção transversa (tamanho do músculo)

Ao considerarmos o sistema imune, verificamos uma redução tanto nas respostas do sistema imune
inato como do sistema imune adquirido, resultantes das alterações nas células de defesa do organismo
como os leucócitos e os linfócitos. Essas alterações prejudicam a resposta contra organismos invasores,
tais como vírus e bactérias, piorando o combate às inflamações e às infecções (ESQUENAZI, 2008) e
aumentando a susceptibilidade a doenças.

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EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

Dentre os diversos processos fisiológicos que são alterados com o avanço da idade, destaca‑se a
diminuição na capacidade de execução das atividades de vida diárias (AVDs), aumentando o grau de
dependência dos idosos (INOUYE et al., 2007). Uma das consequências é o crescimento no número de
quedas, que comumente resultam em fraturas e são consideradas causa frequente de dependência
e morbidade na terceira idade (MORELAND et al., 2004). De fato, Cabrera e colaboradores (2007), em
um estudo de coorte prospectivo com tempo médio de seguimento de 9 anos, observaram que de 840
idosos estudados, 36% vieram a óbito, sendo 8,6% devido, exclusivamente, a quedas.

Esse processo, o qual envolve as mudanças observadas no envelhecimento, pode ser categorizado
considerando a presença de doenças e de fatores intervenientes (veja o quadro a seguir). O envelhecimento
pode ser classificado como envelhecimento primário, secundário e terciário (BIRREN; SCHROOTS,
1996). O envelhecimento primário corresponde ao processo de envelhecimento natural, inevitável e
determinado geneticamente, o qual não está associado à presença de doenças. Já o envelhecimento
secundário resulta da interação entre o estilo de vida e as influências do ambiente, como a poluição,
desencadeando doenças. O envelhecimento terciário, por sua vez, caracteriza‑se por profundas perdas
físicas e cognitivas, ocasionadas pelo acúmulo dos efeitos do envelhecimento, assim como pela presença
de doenças relacionadas à idade.

Quadro 1 – Classificação dos tipos de envelhecimento

Tipos Características
• Processo natural.
Primário
• Sem a presença de doenças.
• Interação entre estilo de vida e meio ambiente.
Secundário
• Presença de doenças.
• Grandes perdas físicas e cognitivas associadas ao acúmulo de efeitos do envelhecimento.
Terciário
• Presença de doenças.

Fonte: Birren e Schroots (1996).

Portanto, o envelhecimento é um processo inerente dos seres vivos e, devido às melhores condições
de vida, mais pessoas têm vivenciado essa fase. Nesse sentido, diversas teorias têm sido desenvolvidas
na tentativa de explicar e entender os fatores que desencadeiam o envelhecimento. Essas teorias se
relacionam a duas correntes de pensamento: a biológica e a social, que serão discutidas a seguir.

1.2.2 Teorias do envelhecimento

O aumento do número de idosos é um fenômeno mundial que tem despertado o interesse de diversos
pesquisadores. Esses cientistas buscam respostas para compreender os mecanismos envolvidos com o
processo de envelhecimento a partir da visão biológica, que está atrelada ao declínio e degeneração
de estruturas e funções do organismo (FRIES; PEREIRA, 2011; CUNHA; JECKEL‑NETO, 2002) e da visão
social, que enfatiza o papel do comportamento e das relações sociais nesse processo (FARINATTI, 2008b;
HAVIGHURST, 1961).

15
Unidade I

As teorias biológicas correspondem à Teoria genética, à Imunológica, à do Acúmulo de danos, à


das Mutações, à do Uso e desgaste e à dos Radicais livres. Já as teorias sociais consistem na Teoria do
Desengajamento social, na Teoria da atividade e na Teoria da subcultura do envelhecimento.

1.2.2.1 Teorias biológicas

São teorias biológicas:

• Teoria genética: essa teoria relaciona o envelhecimento a uma programação preestabelecida pelo
próprio genoma, que definiria as alterações que ocorreriam no organismo ao longo do tempo,
regulando a expectativa de vida através da ação dos genes.

Outro mecanismo que poderia influenciar as alterações e o ritmo do envelhecimento estaria


relacionado ao encurtamento dos telômeros, estruturas localizadas no final dos cromossomos
das células eucarióticas, que protegem as pontas dos cromossomos após a replicação do DNA.
Com o encurtamento progressivo dos telômeros poderia ocorrer perdas de informações genéticas,
estimulando o processo de envelhecimento.

• Teoria imunológica: essa teoria defende que a diminuição da resposta imune estaria relacionada
ao envelhecimento do timo, glândula responsável pelo desenvolvimento e pela diferenciação dos
linfócitos T, células importantes que comandam a ação do sistema imune. Com a imunidade mais
baixa, o corpo ficaria mais vulnerável a alterações do organismo e a doenças.

• Teoria do acúmulo de danos: segundo essa teoria, o envelhecimento seria causado pelo acúmulo
de moléculas defeituosas provenientes de falhas nos processos de produção e reparo dessas
moléculas e associadas a erros nos mecanismos moleculares de replicação do DNA, transcrição do
RNA e tradução de proteínas, desencadeando uma perda progressiva de função.

• Teoria das mutações: essa teoria defende que, a partir das divisões celulares e da exposição
às influências do meio (externo), ocorreriam alterações celulares que poderiam desencadear
mutações, prejudicando as funções do organismo.

• Teoria do uso e desgaste: essa teoria pressupõe que o envelhecimento seria causado pelo
excesso de exposição ao meio (externo), causando doenças e lesões. Com o tempo, o corpo
perderia a capacidade de recuperação dessas agressões (doenças e lesões), provocando alterações
nas estruturas e funções do organismo.

• Teoria dos radicais livres: essa teoria é a mais aceita atualmente. Ela propõe que o envelhecimento
normal seria resultado de danos intracelulares causados pela ação dos radicais livres. Esses
radicais são moléculas instáveis e reativas, derivadas do oxigênio e do nitrogênio, que atacam
diferentes moléculas do organismo em busca de estabilidade. Eles podem causar danos reversíveis
e irreversíveis às moléculas. Nessa teoria, as moléculas modificadas perderiam sua função e
favoreceriam alterações maiores no organismo.

16
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

Para facilitar o entendimento dessas teorias, segue um resumo com as características de cada uma:

Quadro 2 – Teorias biológicas sobre o envelhecimento

Teoria Conceitos
Genética Programação preestabelecida pelo genoma
Imunológica Envelhecimento do timo, imunidade baixa e vulnerabilidade a doenças
Acúmulo de danos Acúmulo de falhas no processo de produção e reparo das moléculas
Mutações Interferências do meio que causam mutações, prejudicando as funções do organismo
Uso e desgaste Perda de capacidade de recuperação total do organismo ao longo do tempo
Radicais livres Danos celulares causados pela ação dos radicais livres

Observação

Grande parte dos radicais livres de oxigênio é produzida na respiração


celular que ocorre dentro da mitocôndria. O oxigênio pode receber um
elétron a mais nesse processo, tornando‑se reativo.

1.2.2.2 Teorias sociais

São teorias sociais:

• Teoria do desengajamento social: essa teoria considera o distanciamento gradual do indivíduo


das pessoas e de suas relações sociais como um processo inevitável ao longo do tempo, e uma
forma de preparação para a morte.

• Teoria da atividade: nessa teoria, o foco é o envelhecimento bem‑sucedido e a satisfação do


idoso. Para isso, seria necessário manter, pelo maior tempo possível, as atividades iniciadas na
meia‑idade, e estas, quando essencial, seriam substituídas por outras práticas.

• Teoria da subcultura do envelhecimento: essa teoria defende um padrão de comportamento


comum aos idosos de forma geral. Essa repetição formaria uma subcultura.

Após conhecermos as diversas teorias sobre o envelhecimento, podemos verificar que


trata-se de um processo complexo. A compreensão das alterações desencadeadas nessa fase
pode auxiliar no desenvolvimento e aprimoramento de estratégias para manter ou melhorar
a qualidade de vida dos idosos. A primeira estratégia pode ser encarar o passar dos anos de
forma positiva.

17
Unidade I

O quadro a seguir resume os principais conceitos dessas teorias:

Quadro 3 – Teorias do envelhecimento: visão social

Teoria Conceitos
Desengajamento social Distanciamento gradual das pessoas como preparar para a morte
Atividade Manutenção das atividades da meia‑idade
Subcultura do envelhecimento Padrão comum de comportamento entre os idosos

1.3 Desenvolvimento de atitudes positivas frente à velhice

Como já abordado anteriormente, o envelhecimento é um processo natural da vida, caracterizado


por diversas alterações e declínios de funções do organismo, sendo considerado a última fase do
desenvolvimento humano. Para compensar tais alterações e perdas, ele sempre foi associado a valores
como a maturidade, a experiência e a sabedoria. No entanto, o idoso foi considerado, por muito
tempo, uma pessoa a ser cuidada, que não poderia contribuir mais com a sociedade, que não teria
mais participação social, vivendo isolado dentro da família. Tais conceitos estabeleceram estereótipos
aos idosos, como o de doentes e dependentes de outros para realizarem qualquer tarefa ou viverem
plenamente, impedindo a participação ativa dessas pessoas na sociedade. Porém, o crescimento no
número de idosos no mundo despertou um olhar diferenciado para essa população, desencadeando
o desenvolvimento de pesquisas científicas, mudanças sociais e culturais e políticas públicas, as quais
estão permitindo dissociar a imagem do idoso do declínio, da doença e da incapacidade.

Para tentar garantir uma melhor qualidade de vida aos idosos, os governos têm criado políticas
públicas direcionadas a essa população. A Organização das Nações Unidas, por exemplo, desenvolveu
alguns princípios para tentar assegurar os direitos dos idosos em todos os países, e a Organização
Mundial da Saúde elaborou estratégias para a promoção de um envelhecimento ativo. No Brasil, foram
criadas a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso. Mas o que essas políticas determinam? Para
que se possa compreender melhor essas políticas públicas, segue descrição breve de cada uma:

Princípios da ONU para as pessoas idosas

“Acrescentar vida aos anos que foram acrescentados à vida”.

Os princípios da ONU buscam estabelecer regras ou recomendações para que os idosos sejam tratados
com respeito e tenham seus direitos garantidos em todos os países do mundo, independentemente das
características sociais e culturais de cada nação. Esses princípios se apoiam no Plano Internacional de
Ação para o Envelhecimento (2003) e em pesquisas científicas que mostraram que muitos estereótipos
do envelhecimento eram falsos ou reversíveis.

Os princípios se referem a cinco temas:

• Independência: as pessoas idosas devem ter sua acessibilidade garantida (a lugares, a


oportunidades), possibilidade de trabalhar, participação em decisões etc.
18
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

• Participação: os idosos devem ser integrados à sociedade, e ter a oportunidade de serem úteis e
construírem movimentos ou associações de idosos.

• Cuidados: os idosos devem ter a possibilidade de serem cuidados e protegidos, ter acesso a
serviços de saúde, sociais e jurídicos, e usufruir de seus direitos e liberdade.

• Realização pessoal: as pessoas idosas devem ter oportunidades para desenvolver seu potencial
e ter acesso aos recursos educativos, culturais, espirituais e recreativos da sociedade.

• Dignidade: os idosos devem poder viver com dignidade e segurança, sem serem explorados
ou submetidos a maus‑tratos físicos ou mentais, independentemente de raça, etnia, gênero,
incapacidade ou contribuição econômica.

Active ageing (envelhecimento ativo) – Organização Mundial da Saúde

Em 2002, a Organização Mundial da Saúde elaborou planos de ação para criar oportunidades para a
saúde e favorecer a participação e a segurança de idosos, contribuindo para a melhora de sua qualidade
de vida. Essas ações buscam auxiliar o idoso a perceber seu potencial físico, social e mental e a participar
da sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades enquanto recebem proteção,
segurança e cuidados.

Saiba mais

Para mais informações sobre esses documentos, é só acessar:

ONU Brasil:

A ONU e as pessoas idosas. ONUBR, 2017. Disponível em: <https://


nacoesunidas.org/acao/pessoas‑idosas/>. Acesso em: 13 mar. 2018.

Active Ageing–Organização Mundial da Saúde:

WHO. Active ageing: a police framework. A contribution of the World


Health Organization to the second United Nations World Assembly on
Aging. Madri: World Health Organization, 2002. Disponível em: <http://
apps.who.int/iris/bitstream/10665/67215/1/WHO_NMH_NPH_02.8.pdf>.
Acesso em: 13 mar. 2018.

Vale a pena conferir!

19
Unidade I

Política Nacional do Idoso – Lei nº 8.842/94

A Lei Federal nº 8.842 (BRASIL, 1994), estabeleceu a Política Nacional do Idoso com o intuito de
“assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover autonomia, integração e
participação efetiva na sociedade” das pessoas com mais de 60 anos. Além disso, ela determina que:
“a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania,
garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem‑estar e o direito à vida”.

Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741/2003

A Lei nº 10.741 (BRASIL, 2003), estabeleceu o Estatuto do Idoso para regulamentar os direitos das
pessoas com mais de 60 anos.

Essa lei trata de muitos aspectos, tais como o direito à liberdade, ao respeito, à dignidade, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer e ao trabalho. Determina também a forma de realização
de serviços aos idosos, como previdência social, assistência social, transporte, medidas de proteção e
atendimento, e estipula ainda quais são os crimes contra os idosos e a pena para cada um.

O Estatuto do Idoso foi criado para fortalecer e complementar a Política Nacional do Idoso,
determinando de forma mais clara e específica todos os aspectos relacionados ao bem‑estar e à
qualidade de vida do idoso.

Saiba mais

Para saber mais sobre a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso,


acesse o link e leia o livro a seguir:

BRASIL. Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Brasília, 1994. Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8842.htm>. Acesso em: 13
mar. 2018.

BRASIL. Estatuto do idoso. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

Porém, nem sempre essas políticas são respeitadas ou exercidas de forma a realmente garantir
uma vida digna ao idoso. Além de programas específicos, falta fiscalização para que essas leis
possam ser cumpridas.

A sociedade tem que se conscientizar da importância de cada pessoa, respeitando a igualdade entre
os indivíduos. Além disso, as crianças, os jovens e os adultos devem se lembrar que um dia serão idosos
também e terão certas dificuldades, e que, se respeitados, poderão desenvolver suas potencialidades. Há
muito a ser feito, mas os primeiros passos foram dados.

20
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

1.3.1 Redescobrindo o envelhecimento

Viver mais e com qualidade de vida têm sido o novo enfoque da sociedade contemporânea. Isso envolve
principalmente os idosos, os profissionais que trabalham com essa população e as instituições públicas. Isso
porque indivíduos doentes acarretam mais gastos com consultas, medicamentos, internações e cuidados
pós‑hospitalares, sobrecarregando o próprio indivíduo, a família e o sistema público de saúde. Já pessoas
saudáveis, além de auxiliarem na minimização dos custos com tratamentos de doenças, contribuem com
diversos setores da sociedade, incluindo a economia do país (veja a figura a seguir).

A B
+ Consultas ‑ Consultas
+ Medicamentos ‑ Medicamentos
+ Internações ‑ Internações
+ Cuidados ‑ Cuidados
+ Custos + Participação na sociedade

Figura 5 – Custos do envelhecimento: idoso doente (A) X idoso saudável (B)

O envelhecimento pode ser atualmente considerado um período de possibilidades e de


desenvolvimento como as outras fases da vida. Dados do Ministério da Saúde (1994) mostram que em
1980 o Brasil tinha 10 idosos para cada 100 jovens. A estimativa para 2050 é de 172 idosos para cada 100
jovens. Dessa forma, para envelhecer bem é preciso investir na saúde, na autonomia física e cognitiva
e na participação constante em atividades sociais e produtivas (FERRARI, 1999). Em outras palavras,
seria a busca do equilíbrio entre as limitações e as potencialidades do indivíduo, o que permitiria o
desenvolvimento de mecanismos para transformar perdas e desvantagens em novas possibilidades
(RESENDE, 2006).

Nesse sentido, atitudes positivas contribuem para a adaptação às incapacidades e às perdas presentes
na velhice, funcionando como um recurso de enfrentamento que possibilita um senso de ajustamento
pessoal ou bem‑estar psicológico positivo (NERI; CACHIONI; RESENDE, 2002). Esse bem‑estar psicológico
seria a percepção do idoso frente à velhice.

De acordo com o modelo de Ryff (1989), o bem‑estar psicológico é composto de seis dimensões: 1)
autoaceitação; 2) relação positiva com outros; 3) autonomia; 4) domínio sobre o ambiente (habilidade
de escolher ambientes apropriados à condição física); 5) propósito na vida (significado da vida, meta,
21
Unidade I

sonho); e 6) crescimento pessoal (desenvolvimento do próprio potencial) (RABELO; NERI, 2006). Manter
essas dimensões ativas, mesmo com mudanças inerentes ao envelhecimento, faz com que o idoso não
apenas se enxergue, mas se perceba e acredite que ele é uma pessoa capaz de realizações. Essas atitudes
de enfrentamento das limitações também contribuem para que os outros vejam o idoso com mais
respeito e admiração.

Algumas estratégias têm contribuído para a prática de atitudes mais positivas frente à velhice, tanto
em indivíduos mais jovens como nos próprios idosos. A educação na velhice, por exemplo, propicia o
aprendizado de novos conteúdos e tarefas, o que favorece para um envelhecimento saudável.

Apesar de a educação para idosos ser algo relativamente novo, já existem universidades abertas
para a terceira idade, assim como é possível se engajar em cursos variados que não estejam diretamente
ligados à educação formal, mas que permitem a experimentação de diferentes vivências. De fato, o
Serviço Social do Comércio (Sesc), no início dos anos 1970, começou a desenvolver cursos de preparação
para a aposentadoria, de cuidados à saúde no envelhecimento e de atividades educacionais, de lazer e
esportivas nas unidades de São Paulo e de Campinas. O Sesc se inspirou nas Universidades do Tempo
Livre, da França, as quais foram criadas para propiciar novas oportunidades sociais à população idosa. Já
o primeiro programa de educação para idosos foi fundado na Universidade Estadual de Santa Catarina,
em Florianópolis, em 1982. Em 1990, a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas criou um curso
de educação não formaI para idosos, o qual foi bastante divulgado e favoreceu a rápida disseminação
desse tipo de curso no Brasil (GUARIENTO et al., 2013).

Outra estratégia que tem sido muito procurada e utilizada para a melhora e manutenção da qualidade
de vida dos idosos é a atividade física. Ela pode contribuir para estimular várias funções essenciais do
organismo, tais como as psicológicas, as cognitivas e as motoras. Além disso, auxilia na prevenção e
tratamento de muitas doenças, como diabetes, hipertensão, osteoporose e depressão.

A atividade física representa um novo tipo de mudança que vai além das relacionadas à qualidade de
vida, aptidão física, saúde, capacidade funcional ou preenchimento de tempo livre (OKUMA, 1998). Ela
desencadeia a ressignificação do próprio indivíduo como ser atuante, capaz e modificador da sociedade.
A atividade física desperta potencialidades que superam ou ajudam a minimizar as limitações e as
dificuldades impostas pela idade. Além disso, permite a criação de um novo ciclo social e de possibilidades
de novas experiências com pessoas que também estão se redescobrindo.

A mudança de olhar frente à velhice através da atividade física contribui para a percepção que esse
período da vida pode ser como os outros: um período de descobertas e desenvolvimento. Considerando
as seis dimensões de Ryff (1989), verificamos que a atividade física trabalha: 1) o autoconceito, ajudando
no autoconhecimento, na aceitação das limitações e no desenvolvimento das potencialidades; 2)
a relação com os outros, permitindo com que o idoso se abra para conhecer outras pessoas, outras
histórias, outros medos e sonhos, retirando‑o do isolamento e da solidão; 3) promove a autonomia,
física e psicológica, permitindo que o idoso realize suas tarefas e os cuidados com si próprio; 4) auxilia a
explorar os ambientes com mais confiança; 5) encoraja o idoso a buscar novos ideais e perspectivas; 6)
a atividade física promove o crescimento pessoal a cada exercício trabalhado, a cada desafio superado
(veja a figura a seguir).
22
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

Atividade física
Autoconceito
Relação com as outras pessoas
Autonomia
Confiança
Busca de ideais e objetivos
Crescimento pessoal

Figura 6 – Contribuição da atividade física para uma mudança de olhar frente à velhice

Portanto, a prática de atividade física deixa a capacidade mais evidente que a limitação,
encorajando o idoso para a vida, que pode ser nova e melhor. De fato, a atividade física tem grande
relevância na manutenção ou melhora da saúde, bem‑estar e qualidade de vida, tanto que a
Organização Mundial de Saúde criou recomendações para a promoção da sua prática entre pessoas
idosas (WHO, 1997). Essas orientações enfatizam os benefícios fisiológicos, psicológicos e sociais da
prática regular de atividades físicas ao idoso e à sociedade, apontando como a atividade física pode
ser implementada (por exemplo, não há necessidade de equipamentos), as normas de segurança, os
fatores motivacionais e as barreiras a serem superadas. Além disso, incentiva o desenvolvimento de
novas pesquisas científicas com o objetivo de melhorar o acesso, a prescrição e a adesão dos idosos
à prática de atividades físicas.

Ao observarmos o conteúdo discutido nesse tópico, podemos compreender que as atitudes


positivas frente à velhice são determinantes para que a vida continue apresentando possibilidades
e permitindo o desenvolvimento do indivíduo. Se isolar e deixar que as limitações predominem
e que a motivação para viver se acabe apenas fortalecem os declínios naturais das funções do
organismo. Se cuidar, acreditar e buscar uma vida ativa permitem continuar em busca de metas
e sonhos, que podem ser velhos ou novos. Nesse sentido, a atividade física contribui fazendo com
que a pessoa perceba suas próprias qualidades e que a vida ainda tem muitas oportunidades a
serem aproveitadas.

Observação

O apoio da família é fundamental para o idoso, pois esse suporte pode


motivá‑lo a realizar novas atividades e a encarar os desafios da velhice de
forma mais positiva.

23
Unidade I

2 DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO, SOCIAL, COGNITIVO E MOTOR:


IMPLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA

O desenvolvimento psicológico, social, cognitivo e motor ocorre ao longo da vida e engloba tanto
o aprimoramento como o declínio dessas funções. Inicialmente, o desenvolvimento relaciona‑se com o
aperfeiçoamento das funções do organismo, melhorando as capacidades do indivíduo em realizar tarefas
mais complexas. Isso decorre do aumento, por exemplo, do controle neuromuscular e das habilidades
motoras e cognitivas. Nesse sentido, o conhecimento do processo de desenvolvimento pode colaborar para a
detecção precoce de características e/ou desvios que podem prejudicar esse processo. Já no envelhecimento,
o desenvolvimento é caracterizado pela diminuição ou perda de funções que ocorrem progressivamente ao
longo do tempo. Para compreender melhor os processos que desencadeiam o envelhecimento, apresentaremos
as alterações relacionadas aos aspectos psicológico, social, cognitivo e motor.

2.1 Desenvolvimento psicológico e implicações para a Educação Física

O desenvolvimento psicológico é caracterizado não apenas por aspectos genéticos ou biológicos, mas
é marcado pelas experiências vividas pelo indivíduo durante toda a vida. A imitação, a interação familiar
e social e a linguagem auxiliam no estabelecimento de uma relação mais próxima com a realidade,
contribuindo para o desenvolvimento da personalidade, da afetividade, da inteligência, da confiança e
das emoções da pessoa.

Dessa forma, as experiências vividas auxiliam na construção de valores. No entanto, ao longo da


vida, marcas (sentimentos e lembranças) psicológicas vão sendo construídas através das experiências
vivenciadas, influenciando, por exemplo, a personalidade e a confiança. Contudo, essas marcas podem
ser superadas ou substituídas por outras vivências, tanto positivas como negativas. Nesse sentido,
experiências ruins na infância podem, por exemplo, ser superadas por acontecimentos mais positivos na
idade adulta e vice‑versa, mostrando que o desenvolvimento é contínuo. Assim, estabelecer características
fixas, como os estereótipos, pode não refletir o desenvolvimento geral, tampouco o psicológico, já que
a vida proporciona com frequência diferentes e novos estímulos. Esses estímulos exigem respostas que
poderão incentivar o indivíduo a aprender ou experimentar coisas novas, que podem ou não acrescentar
ou transformar aspectos de sua vida. Portanto, definir os idosos como ranzinzas, implicantes, dependentes
ou sábios pode não refletir o que eles realmente são ou querem ser.

Para compreender melhor os aspectos psicológicos do desenvolvimento, podemos caracterizá‑los,


de forma geral, como:

• contínuo: mudanças ocorrem em qualquer período ao longo de toda a vida;

• cumulativo: construído a partir de experiências anteriores;

• direcionado: aumento gradual da complexidade psicológica;

• diferenciador: ao longo da vida as diferenças entre as pessoas tendem a se acentuar;

24
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

• organizado: as competências decorrentes das mudanças são integradas no funcionamento


individual de forma coordenada entre si;

• holístico: o desenvolvimento psicológico ocorre simultaneamente ao desenvolvimento do


restante das funções do organismo (HOFFMAN; PARIS; HALL, 1994).

Ao observarmos a primeira característica descrita sobre o desenvolvimento (nesse caso, o


psicológico), verificamos que ele é realmente um processo contínuo, como dito anteriormente, que
acontecerá com todas as pessoas, se elas se mantiverem vivas. Esse conceito de desenvolvimento
contínuo foi estabelecido por meio de diversas teorias, sendo a de Erikson (1959) a primeira
a considerar que o desenvolvimento se dá durante toda a vida, a partir de sequências de crises
psicossociais e de tarefas evolutivas que se desdobram. Em outras palavras, o desenvolvimento ocorre
a partir da resolução de desafios ou de problemas que ocorrem durante toda a vida de um indivíduo,
estimulando‑o a desenvolver todos os seus aspectos (psicológicos, sociais, cognitivos e motores), ou
seja, todo seu potencial.

O quadro a seguir apresenta as crises vividas nas diferentes fases da vida, as tarefas evolutivas para
superá‑las e as qualidades construídas:

Quadro 4 – O processo contínuo do desenvolvimento: as oito idades do ser humano

Crise Qualidade
Fase da vida Tarefas evolutivas
psicossocial do ego
Formação de vínculo com a figura materna, confiança
Confiança nessa figura e em si mesmo.
Fase bebê X Esperança
Desconfiança Confiança na própria capacidade de fazer com que as
coisas aconteçam.
Autonomia
X Desenvolvimento da liberdade de escolha; controle Vontade/
Infância inicial Vergonha e sobre o próprio corpo. domínio
dúvida
Iniciativa
Idade do X Atividades orientadas à meta; autoafirmação. Propósito
brinquedo Culpa
Trabalho Aquisição de repertórios escolares e sociais básicos
Idade escolar X Competência
exigidos pela cultura.
Inferioridade
Criação de um projeto de vida; senso de identidade;
Identidade capacidade crítica.
X
Adolescência Fidelidade
Difusão da
identidade
Aquisição de novos valores.
Desenvolvimento de relações amorosas estáveis que
Intimidade implicam em conhecimento, respeito, responsabilidade
Idade adulta X e doação. Amor
Isolamento Capacidade de revelar‑se sem medo da perda da
identidade.

25
Unidade I

Geratividade Geração de filhos, ideias e valores; transmissão de


Maturidade X Cuidado
conhecimentos e valores à geração seguinte.
Estagnação
Integridade do Integração dos temas anteriores do desenvolvimento;
ego autoaceitação.
Velhice Sabedoria
X Formação de um ponto de vista sobre a morte.
Desespero Preocupação em deixar um legado espiritual e cultural.

Adaptado de: Neri (2013) e Erikson (1950).

Essa ideia de continuidade deu origem a diversas linhas de pensamento, sendo a do desenvolvimento
e envelhecimento bem‑sucedidos uma delas. Ela é considerada uma teoria psicológica geral do
desenvolvimento comportamental que descreve como os indivíduos podem efetivamente realizar, através
de estratégias de seleção, otimização e compensação, as mudanças biológicas, psicológicas e sociais que
se apresentam como oportunidades e restrições para os seus níveis e trajetórias de desenvolvimento
(NERI, 2013). Dessa forma, um desenvolvimento e um envelhecimento bem‑sucedidos estariam
relacionados à superação de um desafio, para o qual o indivíduo deveria buscar estratégias específicas,
usando suas habilidades e experiências para vencer as limitações e estabelecer novas possibilidades.

Apesar de as teorias e diretrizes apontarem que indivíduos fisica e mentalmente ativos, como na
teoria do desenvolvimento e envelhecimento bem‑sucedidos, podem ter longevidade com qualidade
de vida (superando desafios), geralmente os indivíduos, conforme envelhecem, tendem a diminuir o
entusiasmo e a motivação pela vida, apresentando uma acomodação à sua condição e maior apego
pela conservação de pertences e de espaço, como se assim fosse possível preservar a própria história.
Ao mesmo tempo, surge uma grande preocupação com a saúde física e mental, principalmente porque
esses aspectos interferem de modo direto na manutenção da autonomia e da independência. Também
é possível observar uma busca por ambientes mais estáveis para se viver, sem surpresas ou mudanças
súbitas. Contudo, são comuns a perda de contatos sociais e a dificuldade em criar novos relacionamentos
e realizar novas atividades (o indivíduo se torna mais seletivo), acarretando um sentimento de isolamento
e solidão (LAPENTA, 1996; RAUCHBACH, 1990). Outro aspecto se refere à valorização do passado,
principalmente a partir da perda de familiares e amigos (SILVEIRA, 2000). Por outro lado, muitos idosos
se tornam mais espiritualizados, mais religiosos e mais solidários, o que fortalece os valores morais e os
faz priorizar a família. No entanto, a maioria das pessoas tem dificuldade em aceitar que envelheceu ou
que está envelhecendo, considerando apenas os aspectos negativos desse processo.

Saiba mais

Os aspectos da aceitação, perdas e mudanças do envelhecimento


são tratados no filme a seguir, o qual conta a história de dois idosos que
redescobrem a vida:

ELSA e Fred: um amor de paixão. Dir. Marcos Carnevale. Argentina/


Espanha: Columbia TriStar, 2005. 108 minutos.

26
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo em parceria com o Sesc Nacional e o Sesc São Paulo
(NERI, 2007) ouviu 3.759 brasileiros (homens e mulheres) e avaliou a percepção de idosos sobre sua idade
e sua inserção na sociedade e de não idosos sobre suas expectativas em relação ao envelhecimento e
ao seu comportamento frente aos idosos de hoje. Foi verificado que 88% dos idosos e 90% dos não
idosos encaram o envelhecimento de forma negativa, sendo que 58% dos idosos relataram presença
de doenças ou dificuldades físicas. Quanto a se sentir velho, a maioria (53%) acredita que isso ocorra
apenas após os 70 anos de idade. Porém, muitos idosos relataram haver discriminação social, terem
dependência física e apresentarem desânimo com o envelhecimento. Já os não idosos admitiram que
há preconceito ou discriminação social (85%) com os indivíduos mais velhos. Apesar disso, os idosos
disseram acreditar que ser idoso atualmente é mais fácil que em décadas anteriores.

Essa percepção negativa do envelhecimento, muitas vezes por falta de informações, fortalece os
estereótipos e desencadeia dificuldades de adaptação às alterações naturais dessa fase da vida, as quais
podem se relacionar a problemas acarretados por situações mal resolvidas anteriormente.

O envelhecimento associado a essa percepção negativa reduz a autoestima do indivíduo, criando


limites à sua capacidade pessoal. A autoimagem também fica prejudicada, o que aproxima ainda mais a
velhice de uma fase de perdas. Nesse sentido, um aspecto interessante se refere à percepção do indivíduo
a respeito de sua idade, do seu processo de envelhecimento. Isso se reflete na idade psicológica, definida
como a forma que cada pessoa avalia a presença de marcadores biológicos, sociais e psicológicos do
envelhecimento, comparando‑se com outros indivíduos de mesma idade. Para preservar a autoestima e
a imagem social, muitos idosos tentam demonstrar que são mais jovens do que realmente são, indicando
uma percepção diferente entre idade cronológica e psicológica. No entanto, se utilizarmos a autoimagem
como exemplo, verificamos que essa característica está sempre em mudança, conforme o indivíduo
adquire experiências na vida (MOSQUERA, 1976). Dessa forma, desenvolver atitudes positivas frente à
velhice poderá proporcionar boas experiências, melhorando assim a autoimagem e a autoestima.

Lembrete

Como observado no tópico anterior, atitudes positivas frente à velhice


podem trazer diversos benefícios para o idoso, contribuindo para um
envelhecimento com mais qualidade de vida.

Outro importante aspecto psíquico e que pode ser alterado com o envelhecimento é o bem‑estar,
físico e mental. O bem‑estar também está diretamente relacionado com a manutenção da autonomia
e da independência do indivíduo, pois representa o nível de satisfação e qualidade de vida, parâmetros
fundamentais para determinar a saúde do idoso. A pessoa que mantém o vigor físico e suas capacidades
mentais e intelectuais consegue realizar suas atividades diárias e tomar suas próprias decisões. Uma
redução do bem‑estar pode tornar o indivíduo dependente de outras pessoas, como membros da família
ou amigos próximos, para a realização de muitas tarefas ou atividades do dia a dia, o que prejudica a
liberdade, a autonomia e a capacidade de escolha (BALTES; SILVERBERG, 1994).

27
Unidade I

Vale ressaltar que as alterações psicológicas também estão associadas às mudanças cognitivas
observadas na velhice. Transformações na estrutura e função de partes do cérebro podem comprometer
também o desenvolvimento psicológico, desencadeando atitudes que desfavoreçam o processo de
envelhecimento. Esse aspecto será melhor discutido neste material adiante.

Portanto, compreender as alterações psicológicas relacionadas à velhice pode ajudar na busca de


novas possibilidades e experiências de vida, superando as limitações impostas pelo tempo. Nesse sentido, a
Educação Física é capaz de auxiliar no redescobrimento do indivíduo, melhorando seu aspecto psicológico.

A prática de atividades físicas restabelece a autoestima e contribui para a melhora da autoimagem


do idoso por meio da percepção das possibilidades e potencialidades que ele já não enxergava mais.
A interação com outras pessoas renova as expectativas sobre a vida e sobre si mesmo, promovendo
novas experiências e estabelecendo novos laços. Abre‑se espaço para uma velhice bem‑sucedida com
aceitação, adaptação, renovação, superação de desafios, mas sem acomodação ou medo.

2.2 Desenvolvimento social e implicações para a Educação Física

O desenvolvimento social se refere à interação entre as pessoas e o meio ambiente onde se vive.
Ele se mistura ao desenvolvimento psicológico, pois os dois aspectos interagem, criando uma relação
muito próxima entre o estado mental e a interação com o mundo, o que influencia na definição dos
comportamentos, das emoções e das sensações que se percebe sozinho ou em grupo. Dessa forma,
aspectos abordados no desenvolvimento psicológico interferirão na forma com que o idoso se relaciona
com as outras pessoas e nas escolhas para vivenciar essa fase.

A socialização é um comportamento inerente ao ser humano e consiste em um processo no


qual as pessoas se agrupam para satisfazer seus próprios desejos, incorporando seus impulsos e
interesses e transformando o isolamento individual em modos de ser e estar com o outro (SIMMEL,
1983). Nesse sentido, o aumento da expectativa de vida pode ser considerado um ganho social,
permitindo uma maior interação ao longo do tempo. No entanto, a velhice é marcada por uma
série de eventos negativos influenciados por vários fatores, tais como a restrição em papéis sociais
e o afastamento social.

O envelhecimento, ao desencadear mudanças psicológicas, também altera padrões comportamentais


e de relações sociais do indivíduo. A aposentadoria, nesse sentido, pode ser um marco na vida do idoso,
dependendo da forma como ela é vista e sentida, já que o trabalho é geralmente o elo entre o indivíduo
e a sociedade. A aposentadoria é um direito e não um benefício, o qual deveria garantir a manutenção
do padrão de vida da pessoa, bem como o atendimento de suas necessidades. Quando isso não ocorre,
a aposentadoria pode se transformar em um castigo (VIEIRA, 1996).

A aposentadoria, sem a substituição das tarefas do trabalho por outras também estimulantes, pode
causar angústia e um sentimento de inutilidade e de exclusão pela falta de ocupação. Além disso,
consegue alterar de forma negativa a maneira como a sociedade, a família e o próprio indivíduo se
vê, causando marginalização e isolamento. Essa marginalização e isolamento podem começar dentro
da própria família, ao considerar o aposentado inútil ou culpado por alterações na rotina doméstica,
28
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

da qual ele não costumava participar. Em outras situações, passa a ser ajudante dos filhos ou babá dos
netos, o que nem sempre atende às suas necessidades e interesses (VIEIRA, 1996).

Um aspecto a ser considerado é o preparo psicológico, social e financeiro para a aposentadoria. Um


planejamento prévio a esse período pode auxiliar na tomada de decisões e na organização de atividades
e tarefas que possam lhe dar satisfação. Muitas empresas têm aderido a esse tipo de serviço, chamado
de Programa de Preparação para a Aposentadoria (PPA), oferecendo a seus funcionários de mais idade a
oportunidade de realizarem uma transição mais tranquila entre o trabalho, a menor atividade profissional
e a inatividade, o que melhora a adaptação à condição de aposentado.

Saiba mais

Assista ao filme:

UM SENHOR estagiário. Dir. Nancy Meyers. EUA: RatPac‑Dune


Entertainment, 2015. 121 minutos.

Com Robert De Niro e Anne Hathaway no elenco, o filme conta a estória


de um aposentado que participa de um programa de incentivo ao trabalho
para idosos, se tornando estagiário.

Outro fator importante se refere à participação da família nesse processo, ajudando na adaptação
e no ajustamento do idoso, não apenas à aposentadoria, mas também às limitações desencadeadas
pelo tempo. Dessa forma, ela tem um papel fundamental no amparo social e no cuidado com o idoso,
pois pode propiciar segurança e incentivo. De fato, muitos idosos se sentem mais seguros e confiantes
perto de um familiar, que os auxilia no ajustamento à nova realidade da vida. Contudo, as mudanças
na configuração das famílias, principalmente considerando o novo papel da mulher na sociedade como
provedora de muitos lares (aquela que sustenta os gastos da casa), têm alterado as formas de cuidado
com o idoso. Historicamente, a mulher sempre teve a responsabilidade de cuidar dos mais velhos, das
crianças e dos doentes, proporcionando segurança e bem‑estar a eles. No entanto, atualmente, o papel
da mulher não se restringe apenas às atribuições familiares, mas se estende ao crescente trabalho fora
de casa, o que dificulta e às vezes até inviabiliza a sua ação de cuidar (DOMINGUES; QUEIROZ, 2000).

Não podemos ignorar ainda que, em muitas famílias, o idoso é extorquido e tratado com desrespeito,
negligência e, até, violência. Isso mostra que a responsabilidade pelo cuidado do idoso deve ser
compartilhada entre a família, o Estado (governo) e a sociedade, os quais devem dar suporte para uma
velhice saudável e feliz. Dessa forma, o Estado deve implementar mais políticas públicas e estimular o
cumprimento das já existentes, atuando de forma diferente da observada em diversos asilos públicos,
onde, muitas vezes, os idosos não são tratados de forma digna. Já a sociedade precisa tratar as pessoas
de mais idade com mais respeito e carinho, proporcionando oportunidades de participação nas diversas
áreas, como as relacionadas ao trabalho, lazer e saúde. Nesse contexto, respeitar, acolher e cuidar do
idoso é um dever de todos: da família, do Estado e da sociedade.

29
Unidade I

A família, portanto, apesar das mudanças de sua estrutura e dos problemas já discutidos, deve manter
seus valores, sendo o lugar de cuidados, proteção, afetividade, socialização e formação da personalidade
(MAZO; LOPES; BENEDETTI, 2009). O amor, o respeito e o acolhimento devem sempre ser incentivados
na família e na sociedade, as quais devem ser ajudadas pelo Estado no cuidado com o idoso, através de
inciativas adequadas às suas necessidades.

É preciso lembrar que alguns indivíduos, além de se aposentarem, perdem pessoas muito próximas,
como o marido ou a esposa, e ficam ainda mais distantes das relações sociais, já que, em muitos casos,
os filhos não vivem mais na mesma casa. Além disso, muitos idosos simplesmente não se casaram ou
não tiveram filhos, e isso reforça a necessidade de alternativas de apoio e cuidado fora da família.

Para melhorar a interação social, diversas atividades têm sido estimuladas ou utilizadas para mudar
esse panorama social do envelhecimento. Dentre elas, destaca‑se a atividade física.

A prática de atividades físicas pode ajudar na aceitação e na adaptação às mudanças e na ocupação


do tempo livre. Ela pode contribuir com o estabelecimento de novos vínculos, reiniciando o processo de
socialização do indivíduo.

Ao participar de uma equipe de atividades físicas, o idoso terá um espaço para falar, expor ideias,
interagir, fazer novas amizades, estabelecer planos e, claro, se exercitar, contribuindo para seu ajustamento
e a sensação de pertencimento a um grupo. O interessante é que o idoso encontrará outros idosos com
histórias parecidas, o que despertará também a sensação de identidade e de ter um lugar na sociedade,
já que ele não é o único a viver tais mudanças.

Ter um espaço como o da atividade física pode auxiliá‑lo a se fortalecer social e psicologicamente
para buscar um reconhecimento familiar e o reestabelecimento dos valores (veja a figura).

Figura 7 – Atividade física e a descoberta de novas possibilidades

Dessa forma, a prática de atividades físicas pode dar o suporte para que o idoso se reinsira socialmente
e reestabeleça seu papel social.
30
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

É interessante também o incentivo a atividades educacionais, culturais ou religiosas, ajudando o


idoso a ser mais ativo e independente.

2.3 Desenvolvimento cognitivo e as implicações para a Educação Física

O cérebro é um órgão complexo formado por bilhões de neurônios que se comunicam entre si
para assegurar a realização de muitas funções, tais como a memória, a linguagem, o pensamento e a
coordenação dos movimentos. Veja as figuras a seguir:

A B

Figura 8 – O cérebro (A) e sua rede de neurônios (B)

O corpo percebe sinais, como o calor, o frio, os sons, os cheiros, os sabores, que são transmitidos ao
cérebro através das conexões entre os prolongamentos de neurônios que estão fora do sistema nervoso
central e os neurônios que estão no cérebro. Esses estímulos são decodificados em regiões específicas
do sistema nervoso central, as quais estabelecem as respostas apropriadas aos estímulos recebidos. Esse
processo de percepção (veja a figura a seguir), transmissão, decodificação e resposta a um estímulo
ou informação é chamado de cognição, a qual pode ser definida como a capacidade global de pensar,
racionar, agir propositadamente e lidar com o meio ambiente de forma efetiva (WECHSLER, 1944).

Figura 9 – Percepção dos estímulos – região primária do cérebro: córtex associativo

31
Unidade I

Nesse sentido, a cognição é um processo que abrange desde a detecção de estímulos e o processamento
de informações até a aquisição de novos conhecimentos que, para serem estabelecidos, são confrontados
com aqueles já armazenados na memória. Ela envolve a atenção, o raciocínio, a imaginação, a linguagem,
o pensamento, o comportamento, as sensações e as emoções. Outra importante função da cognição é
a função executiva, que se refere à capacidade de agir, planejar, organizar, prever e resolver problemas,
de forma independente, apropriada e intencional.

O sistema nervoso, assim como as outras partes de nosso corpo, também envelhece, o que ocorre
lentamente, após ele atingir sua maturidade.

O cérebro de um idoso é menor e, geralmente, tem menor peso, quando comparado ao de um


indivíduo jovem. Veja a figura:

Perda da substância cinzenta


em virtude da morte celular
neuronal e/ou da atrofia cortical

Aumento dos ventrículos

Perda da substância branca em


virtude de perda axônica ou da
diminuição da mielinização

Cérebro adulto normal Cérebro envelhecido

Figura 10 – Comparação entre um cérebro de um adulto e um cérebro de um idoso

O número de neurônios também diminui, acarretando uma redução no número de sinapses.


Além disso, há um decréscimo do número de receptores que permitem a percepção de sinais do meio
ambiente. Essas alterações interferem diretamente na cognição, prejudicando a atenção, a memória e
a capacidade intelectual do indivíduo, e são denominadas de declínio cognitivo. Esse declínio cognitivo
pode se manifestar de duas formas:

• declínio cognitivo normal, relacionado às alterações do envelhecimento;

• declínio cognitivo anormal, relacionado a doenças neurológicas como o comprometimento


cognitivo leve, o Parkinson e o Alzheimer (BLONDELL; HAMMERSLEY‑MATHER; VEERMAN, 2014).

O envelhecimento normal se caracteriza por uma redução gradual das funções cognitivas. Uma
boa capacidade intelectual pode ser mantida até cerca dos 80 anos de idade. Contudo, dificuldades no
aprendizado e alguns esquecimentos podem ocorrer em idosos com até 70 anos (CANÇADO; HORTA, 2002).

O declínio cognitivo normal pode ser agravado por atitudes negativas frente ao envelhecimento,
como distanciar‑se do convívio social e familiar, deprimir‑se, usar medicamentos indevidamente e/ou
não se alimentar de forma adequada.
32
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

A cognição ainda está relacionada à realização de movimentos como o da marcha (andar, caminhar).
Com o declínio cognitivo normal, observamos alterações na marcha, as quais estão associadas à
diminuição dos níveis de atenção tanto durante a marcha em tarefa simples (apenas andar) como em
tarefa dupla (andar fazendo algum cálculo matemático). Além da redução na atenção, prejuízos na
memória, na função executiva e na velocidade de processamento de informações também contribuem
para mudanças no padrão da marcha, acarretando menor velocidade de deslocamento e maior
variabilidade na forma de andar.

A figura a seguir ilustra a maneira como conjuntos de músculos são controlados pelas diferentes
partes da medula, a qual estabelece a “conversa” com o sistema nervoso central. Vale destacar que as
alterações da marcha são importantes, pois deixam o idoso mais suscetível a quedas, que está relacionada
diretamente ao aumento da morbidade e mortalidade nessa população.

A
Medula cervical

Intumescência cervival

Intumescência lombar

Figura 11 – Controle do movimento e a medula: representação esquemática da medula (A) e substância cinzenta (porção
médio‑lateral) (B)

Diante dessas alterações, a busca por estratégias que ajudem a diminuir a velocidade do processo de
envelhecimento do cérebro e na manutenção da capacidade cognitiva são de grande relevância. Uma
dessas estratégias é o exercício físico, que tem demonstrado efeitos positivos no controle ou até na
melhora do declínio cognitivo normal. Dessa forma, os profissionais de Educação Física podem contribuir
desenvolvendo e aplicando exercícios e atividades que proporcionem estímulos novos ao cérebro.

Tem sido demonstrado que o exercício físico aeróbico é capaz de melhorar a capacidade cognitiva,
acarretando efeitos positivos na memória, no aprendizado e na atenção (SMITH et al., 1988).

33
Unidade I

Os exercícios de força também parecem contribuir para a melhora do declínio cognitivo, aumentando
a capacidade de raciocínio (KELLY et al., 2014). Essas respostas parecem estar associadas à possibilidade
de plasticidade do cérebro. Isso significa que o cérebro pode melhorar parte de sua estrutura e função
a partir da prática de exercícios físicos. A melhora da memória e da atenção, por exemplo, parecem
acontecer devido à plasticidade do hipocampo, região que regula essas duas funções (KNAEPEN et al.,
2010; STRANAHAN; KHALIL; GOULD, 2006; VAN PRAAG et al., 2005, 1999). Além disso, o exercício físico
parece contribuir para o aumento do tamanho e da densidade de certas partes do cérebro.

Exercícios físicos coordenativos também parecem desencadear melhorias na cognição de idosos


(VOELCKER‑REHAGE; GODDE; STAUDINGER, 2011; VOELCKER‑REHAGE; NIEMANN, 2013; NIEMANN;
GODDE; VOELCKER‑REHAGE, 2014). Acredita‑se que o aumento da demanda cognitiva através do
crescimento progressivo da complexidade da tarefa motora traria maiores benefícios à cognição.
Estudos estão sendo desenvolvidos para tentar verificar tais efeitos. Contudo, aqueles realizados até o
momento apresentam resultados promissores, sugerindo efeitos positivos dos exercícios coordenativos
para a cognição.

Dessa forma, a realização de exercícios e atividades físicas pode acarretar diversos benefícios
cognitivos, minimizando os efeitos do envelhecimento. É importante salientar que a prática de exercícios
e atividades físicas durante toda a vida pode prevenir ou adiar o aparecimento das alterações naturais
da velhice. Nesse sentido, a prática de atividades físicas deve ser incentivada desde os primeiros anos
de vida, sempre adequando os parâmetros relacionados à prescrição de atividades à faixa etária do
indivíduo.

2.3.1 Declínio cognitivo anormal: doenças neurodegenerativas

Envelhecer não significa ficar doente ou adoecer. No entanto, muitos indivíduos desenvolvem doenças
durante esse processo. No envelhecimento anormal do cérebro, as perdas naturais são acentuadas,
caracterizando a condição de senilidade. A seguir, descreveremos brevemente três doenças causadas
pelo envelhecimento anormal do cérebro: demência, doença de Alzheimer e doença de Parkinson.

Observação

Realizar exames regularmente pode auxiliar na prevenção e na detecção


precoce das doenças neurodegenerativas. O diagnóstico precoce maximiza
as chances de eficiência do tratamento.

• Demência: a demência se relaciona a diversas doenças que ocasionam um declínio progressivo


da capacidade cognitiva e a perda de memória, de capacidade intelectual, de raciocínio, de
competências sociais e de alterações emocionais.

Algumas doenças têm sintomas parecidos com o da demência, como a doença de Alzheimer, sendo
importante realizar o diagnóstico diferencial.

34
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

A demência não tem cura, mas o diagnóstico precoce pode ajudar a diminuir o ritmo de evolução
da doença.

• Doença de Alzheimer: a doença de Alzheimer se apresenta como uma forma de demência,


com perda de funções cognitivas, tais como memória, orientação espacial, atenção e linguagem,
causada pela morte de neurônios e acúmulo de proteínas entre os neurônios sobreviventes,
impedindo as sinapses (veja a figura a seguir).

A doença de Alzheimer não tem cura, mas pode ser tratada, principalmente se diagnosticada no
início. Esse diagnóstico precoce possibilita retardar o avanço da doença e ter mais controle sobre os
sintomas, auxiliando em uma melhor qualidade de vida ao paciente e à família.

A B

Figura 12 – Cérebro de um idoso com doença de Alzheimer (A) e cérebro de um idoso saudável (B)

Saiba mais

O site da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz) tem um link


muito interessante com diversas informações sobre a doença de Alzheimer,
trazendo orientações e formas de cuidado. Confira!

O QUE É Alzheimer. ABRAz, [s.d.]. Disponível em: <http://abraz.org.br/


sobre‑alzheimer/o‑que‑e‑alzheimer>. Acesso em: 14 mar. 2018.

• Doença de Parkinson: a doença de Parkinson é uma doença causada por alterações nos
mecanismos cerebrais, desencadeando a perda de neurônios dopaminérgicos, os quais
estão relacionados com a realização de movimentos. A redução dos níveis de dopamina
(neurotransmissor) acarreta diversos distúrbios motores, tais como tremor, rigidez, instabilidade
postural e alterações na marcha.

35
Unidade I

A doença de Parkinson não tem cura, mas também pode ser tratada com medicamentos que tentam
minimizar a perda de dopamina. Esses medicamentos perdem a eficiência com o passar do tempo e, por isso,
outras estratégias têm sido associadas a esse tipo de tratamento. Uma delas é a realização de exercícios de
força com instabilidade, os quais melhoram muito os sintomas motores e parecem desencadear respostas
positivas no cérebro. Estudos estão sendo desenvolvidos para descobrir quais os mecanismos cerebrais
associados à melhora dos pacientes que realizam os exercícios de força com instabilidade.

Saiba mais

A Associação Brasil Parkinson atende pessoas com a Doença de Parkinson


disponibilizando tratamento com uma equipe multidisciplinar. No site da
Associação é possível encontrar mais informações:

<http://www.parkinson.org.br/>.

2.4 Desenvolvimento motor e as implicações para a Educação Física

O desenvolvimento motor se refere às mudanças progressivas do comportamento motor, que


ocorrem ao longo da vida. Essas alterações estão associadas ao desenvolvimento do sistema nervoso
central e do aparelho locomotor (ossos, articulações e musculatura esquelética) e à interação entre
fatores genéticos, ambientais e culturais. Nesse sentido, é preciso que o cérebro, o aparelho locomotor
e mesmo o restante do corpo estejam preparados para iniciar a aprendizagem e o desenvolvimento dos
movimentos. Veja a figura:

Figura 13 – O aparelho locomotor e o movimento

A interação entre o cérebro e a musculatura esquelética consiste no ponto principal da realização


do movimento. A partir de conexões entre neurônios do sistema nervoso central e neurônios periféricos
situados no músculo esquelético é possível estabelecer uma conversa entre o cérebro e o músculo. Essa
conversa apresenta, geralmente, quatro etapas: o planejamento, o controle, a ordenação e a realização
36
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

do movimento. O planejamento é realizado pelo córtex cerebral, o qual idealiza e planeja o movimento
detalhadamente para os ordenadores. Antes que a ordem seja transmitida aos ordenadores, os
controladores (estruturas presentes no tronco encefálico, nos núcleos da base, no tálamo e no cerebelo)
conferem rapidamente se o sistema está funcionando como deveria. Os ordenadores (córtex motor,
motoneurônios e estruturas presentes no mesencéfalo e no tronco encefálico), por sua vez, transmitem
para o músculo o comando para a ação (conforme a figura a seguir). Com a chegada do comando, os
músculos realizam a contração muscular (LENT, 2001).

Córtex cerebral Córtex motor Córtex cerebral

Tálamo
Ventro anterior/ Denteado
Núcleos da base

Cauda do Globo pálido Globo pálido Ventro lateral


pulomen (extermp) (intermp)

Cerebelo
Córtex
Interposto

Substância Núcleo Fastigial


negra subtalâmico
Mesencéfalo

Núcleos
Tronco encefálico

pontinos
Colicula superior Núcleo rubro

Vias oscordentes
Formação
retivular

Oliva inferior

Núcleos
vestibulares

Vias descendentes Labirinto

Médula
Motoneurônios
Músculos

de Clarke
Coluna

Efetores Ordenadores Controladores Receptores e Planejadores


aferentes

Figura 14 – Controle motor: o papel dos planejadores, controladores, ordenadores e efetores

Na velhice, as alterações estruturais do cérebro, o declínio da cognição, as modificações sensoriais


(visual, proprioceptiva e vestibular) e a perda de massa e força muscular dificultam a realização dos
movimentos de forma controlada e ágil (SHUMWAY‑COOK, WOOLLACOTT, 2000).

A perda de massa muscular ou sarcopenia acarreta redução da força, da potência e da resistência


muscular, prejudicando também a manutenção da densidade e da função óssea por diminuição da
tensão muscular. Com músculos e ossos mais fracos, o idoso se torna mais frágil, mais suscetível a
quedas e menos autônomo. Além disso, como o musculoesquelético tem outras funções importantes no
organismo, tais como a produção e utilização de substratos energéticos, a redução desse tecido também
agrava sintomas de doenças crônicas como o diabetes, a insuficiência cardíaca e o câncer.
37
Unidade I

Saiba mais

Para saber mais sobre a perda de massa muscular no envelhecimento,


denominada de sarcopenia, leia o artigo a seguir:

PIERINE, D. T.; NICOLA, M.; OLIVEIRA, É. P. Sarcopenia: alterações


metabólicas e consequências no envelhecimento. Revista Brasileira
Ciência e Movimento, n. 17(3), p. 96‑103, 2009. Disponível em: <https://
portalrevistas.ucb.br/index.php/RBCM/article/download/999/1409>. Acesso
em: 14 mar. 2018.

A associação entre o declínio cognitivo e a diminuição da massa e força muscular prejudicam o


controle motor, alterando o padrão dos movimentos aprendidos e aprimorados em fases anteriores do
desenvolvimento motor.

Nesse contexto, a Educação Física tem um papel primordial na redução da perda ou no restabelecimento
da massa muscular e óssea e da força dos idosos, a partir da prática de exercícios físicos. Os exercícios
resistidos realizados de forma isolada ou associados ao treinamento físico aeróbio têm proporcionado
diversos benefícios a esses tecidos, estimulando o ganho de massa muscular e força. Os exercícios
aeróbios (terrestres), por sua vez, através do impacto com o solo, auxiliam no ganho de massa óssea.
Como os exercícios físicos também podem promover benefícios à cognição, os idosos ativos geralmente
apresentam melhora no padrão dos movimentos. Se considerarmos a marcha, verificaremos que
músculos e ossos mais fortes associados a um aumento da atenção e do processamento de informações
permitem um deslocamento mais seguro e controlado, diminuindo a fragilidade e o risco de quedas.

Portanto, apesar das alterações naturais do envelhecimento, é possível manter a qualidade de vida a
partir da prática de atividades físicas, de atitudes positivas, de hábitos saudáveis e da interação com outras
pessoas. Encarar o envelhecimento como uma fase natural da vida, em que é preciso se cuidar e se adaptar
em alguns momentos, auxilia em uma vida mais autônoma, independente e feliz. A Educação Física, então,
tem um papel fundamental, pois o exercício físico promove benefícios a todos os aspectos do organismo,
ajudando no restabelecimento e no redescobrimento completo de um novo ser ou de um ser que já existia e
ficou esquecido.

3 ENVELHECIMENTO: SAÚDE E DOENÇA

O envelhecimento, como já descrito anteriormente, desencadeia diversas alterações nas estruturas e


funções do organismo, geralmente causando declínios nesses parâmetros. Contudo, o envelhecimento
propriamente dito não é um estado de doença, mas por causa das alterações que ele ocasiona, o corpo
fica mais vulnerável a essa condição. Ainda é preciso considerar o histórico e o estilo de vida que podem
determinar se o envelhecimento será acompanhado de saúde ou doença.

38
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

Para compreender melhor as relações entre saúde e doença nos dias atuais, é preciso considerar as
mudanças demográficas da população, ou seja, o aumento do número de idosos e de sua expectativa de
vida e a alteração no tipo de doenças que afetam essa população.

3.1 Aumento da população idosa e as doenças crônicas não transmissíveis

A queda da mortalidade e da fecundidade aumentou o número de idosos na população


brasileira. Até a década de 1980, os maiores índices de morbidade (causa ou acometimento
por doenças) e mortalidade estavam relacionados à alta incidência de doenças infecciosas e
parasitárias. No entanto, mudanças nas condições de saneamento básico, higiene e educação
desencadearam uma transição epidemiológica, ou seja, uma evolução gradual dos problemas
de saúde que propiciaram um aumento da expectativa média de vida e o envelhecimento da
população, aumentando a probabilidade de acometimento por doenças crônicas não transmissíveis
(DCNT). Mas o que são as DCNT?

As DCNT são doenças que apresentam diversas causas (multifatoriais), que se desenvolvem ao longo
da vida, de forma lenta e progressiva, e são a principal causa de mortalidade e incapacidade prematura
em muitos países do mundo, incluindo o Brasil.

Em 2004, as DCNT foram responsáveis por 62% do total de mortes no Brasil, sendo que a maioria
desses óbitos ocorreu nas regiões Sul e Sudeste. As DCNT podem ser classificadas em:

• doenças cardiovasculares;

• câncer (cérvico‑uterino e de mama nas mulheres; de estômago e pulmão nos homens);

• diabetes;

• doenças respiratórias crônicas.

Essas doenças se relacionam diretamente ao estilo de vida de cada indivíduo, o que pode determinar
o desenvolvimento ou não delas. Os maus hábitos geralmente são denominados de fatores de risco,
tais como o sedentarismo ou a inatividade física, a obesidade, a hipertensão e o tabagismo (MANDIC et
al., 2012), os quais têm apresentado elevada incidência nos últimos anos. Com o aumento dos fatores
de risco, a mortalidade decorrente dessas doenças também tem se mantido muito alta. As doenças
cardiovasculares são as que mais matam no mundo (veja a figura a seguir). A insuficiência cardíaca,
por sua vez, é uma DCNT e a via final comum da maioria das doenças cardiovasculares, tendo sido
responsável por cerca de 30% das mortes associadas ao aparelho circulatório no Brasil no ano de 2007
(BRASIL, 2011).

39
Unidade I

360000
310000

260000
Número de óbitos

210000
160000

110000

60000
10000
2004 2005 2006 2007

Algumas doenças infecciosas e parasitárias Neoplasias


Doenças endócrinas nutricionais e metabólicas Doenças do aparelho circulatório
Doenças do aparelho respiratório

Figura 15 – Prevalência de mortalidade por doenças do aparelho circulatório. Dessas mortes, 30% foram causadas pela insuficiência
cardíaca

O elevado índice de morbidade e mortalidade por DCNT tem prejudicado o desenvolvimento


social e econômico de vários países, interferindo na qualidade de vida de grande parte da população
(ORGANIZAÇÃO PAN‑AMERICANA DE SAÚDE, 2007).

As transformações econômicas, sociais, demográficas e sanitárias determinaram também mudanças


sequências no padrão de consumo, nutrição e atividade física da sociedade. Trabalhando cada vez
mais, homens e mulheres têm tido pouco tempo para preparar a comida e fazer as refeições, buscando
alternativas rápidas e baratas de alimentação. Da mesma forma, o tempo ficou reduzido para a prática
de atividades físicas, fazendo com que as pessoas deem prioridades para outras atividades. Contudo, tais
hábitos acentuam o desenvolvimento das DCNT, as quais vão se manifestar, principalmente, na terceira
idade. De fato, a inatividade física tem sido considerada, atualmente, uma causa importante de reduzida
qualidade de vida nas sociedades contemporâneas, particularmente nos países industrializados, devido
à rotina extenuante das pessoas (NAHAS, 2003). Considerando, por exemplo, as doenças do coração, o
risco de ocorrência de um infarto é duas vezes maior em indivíduos sedentários quando comparados
com aqueles regularmente ativos.

Outro aspecto importante se refere à identificação das DCNT. Como elas geralmente são silenciosas,
as pessoas só procuram ajuda quando elas estão em estágio avançado, provocando dor e prejuízos nas
funções do organismo. Além disso, muitos idosos apresentam mais de uma doença crônica, piorando
ainda mais o quadro geral e a qualidade de vida do indivíduo.

Apesar do desenvolvimento tecnológico e de medicamentos cada vez mais eficazes no combate às


DCNT, ainda não existem tratamentos farmacológicos que promovam qualidade de vida e não impeçam
a perda de autonomia e independência do indivíduo com a progressão da doença. Os medicamentos,
na verdade, promovem um prolongamento da vida através do controle dos sintomas e do avanço da
doença, proporcionando uma sobrevida a essas pessoas.

40
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

Estratégias têm sido criadas para reduzir a morbidade e a mortalidade das DCNT. Em 2007, a
Organização Pan‑Americana da Saúde criou uma abordagem de prevenção e controle das DCNT
intitulada Estratégia Regional e Plano de Ação para um enfoque integrado da prevenção e controle de
doenças crônicas. Essa estratégia busca desenvolver medidas de prevenção e controle para as principais
DCNT e fatores de risco mais frequentes, tais como a nutrição inadequada, o sedentarismo, o tabagismo
e o consumo de álcool, através da ação de todas as áreas da sociedade, como o setor de saúde, educação,
agricultura, desenvolvimento urbano, entre outros.

Para essa estratégia, foram estabelecidas quatro linhas de ação:

• vigilância;

• política e promoção da causa;

• promoção da saúde e prevenção;

• cuidado integrado das DCNT e seus fatores de risco.

Essa estratégia da Organização Pan‑Americana da Saúde mostra que medidas têm sido tomadas para
conter o avanço das DCNT. Porém, muito mais ações, incluindo as de conscientização, são necessárias
para conter essas doenças.

Como as pessoas têm vivido mais, os custos gerados ao sistema público de saúde com medicamentos,
consultas e internações hospitalares têm sobrecarregado esse sistema, refletindo em outros setores da
sociedade.

Dessa forma, mais estratégias que auxiliem na melhora ou na manutenção da saúde dos indivíduos
são fundamentais para uma vida com mais qualidade. É preciso considerar também que quem financia
a saúde pública é a sociedade através do pagamento de impostos. Com uma redução dos custos, esse
dinheiro poderia ser investido em outras áreas que também precisam de apoio. Porém, como é possível
promover mais saúde? O que deve ser feito?

3.2 Conceito e promoção de saúde

Em primeiro lugar, é preciso conceituar o que é saúde, antes de definir estratégias para alcançá‑la.
De acordo com a OMS (1948 apud DONNANGELO; PEREIRA, 1979), “saúde é um estado de completo
bem‑estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Nesse sentido,
se o organismo responder de forma satisfatória ou adequada a um determinado estímulo, ele poderá
ser considerado saudável. Segundo a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080), para se ter saúde, alguns
fatores são determinantes, tais como a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente,
o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços
essenciais. Além disso, a lei estabelece que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo
o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”.

41
Unidade I

De acordo com esses conceitos, a saúde pode ser considerada como um valor da comunidade e não
apenas do indivíduo. Ela deve ser assegurada sem distinção de raça, religião, ideologia ou condição
socioeconômica. A saúde é, portanto, um bem de todos, tendo cada cidadão a possibilidade de cuidar e
usufruir de sua própria saúde sem causar prejuízos a outras pessoas e, ao mesmo tempo, compartilhá‑la
com todos solidariamente.

A saúde é, então, um direito, mas depende do estilo e das condições de vida de cada indivíduo, de
seu bem‑estar e de como seu corpo reage a um estímulo.

Há dois determinantes que influenciam a saúde:

• determinantes biológicos: referem‑se ao estilo de vida e à forma como o indivíduo se relaciona


com os fatores de risco;

• determinantes sociais: são as condições sociais, econômicas de vida e trabalho, influências


culturais e comportamentais.

A promoção de saúde ocorre com o estabelecimento de ferramentas e estratégias para atuar sobre
esses determinantes.

Para garantir esse direito e promover a saúde, políticas públicas e programas que incentivam a
melhora no estilo de vida têm sido criados.

A Carta de Ottawa, por exemplo, é um documento que foi apresentado na Primeira Conferência
Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada na cidade de Ottawa, no Canadá, em novembro
de 1986. Essa carta estabelece princípios e defende a promoção de saúde como uma ferramenta
fundamental para a melhoria da qualidade de vida. Ela determina que:

• a velhice não é uma doença, mas uma etapa evolutiva da vida;

• é preciso melhorar a capacidade funcional dos idosos através de capacitação e estímulos,


prevenindo agravos à saúde;

• a promoção de saúde deve enfatizar o bom funcionamento físico, mental e social, assim como a
prevenção das enfermidades e incapacidades.

A Política Nacional do Idoso também incentiva a promoção de saúde e a prevenção de doenças,


apontando as seguintes diretrizes:

• promoção do envelhecimento saudável;

• manutenção da capacidade funcional;

• assistência às necessidades de saúde do idoso;


42
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

• reabilitação da capacidade funcional comprometida;

• capacitação de recursos humanos especializados;

• apoio ao desenvolvimento de cuidados informais;

• apoio a estudos e pesquisas.

A promoção de saúde envolve também a educação para a saúde, como campanhas nas mídias
para toda a população, nos postos de saúde e nos hospitais, programas nas escolas, nos grupos e nas
comunidades; interação entre governo, profissionais de saúde e a população; implantação de políticas
públicas, com mudanças na legislação, medidas fiscais e transformações organizacionais; criação de
ambientes favoráveis, onde as pessoas se ajudem; reforço à ação comunitária; desenvolvimento de
habilidades pessoais; reorientação de serviços de saúde; incentivo ao autocuidado e à autoajuda.

Quanto às políticas públicas, vale ressaltar que o direito à água, ao saneamento básico, à energia
elétrica, ao atendimento digno nos hospitais, à educação, ao emprego e à moradia devem ser parâmetros
a serem contemplados pelas políticas públicas de promoção de saúde, já que esses aspectos estão
diretamente ligados ao bem‑estar físico, mental e social do indivíduo. Do mesmo modo, programas
que incentivem a alimentação adequada, a prática de atividades físicas, a higiene e o lazer também
são fundamentais. Para compreender melhor a contribuição desses fatores para a promoção de saúde,
destacaremos a alimentação e a prática de atividades físicas.

3.2.1 Alimentação saudável

A alimentação tem um papel fundamental no controle dos fatores de risco e no desenvolvimento das
DCNT. A alimentação saudável associada à prática de atividades físicas tem se mostrado uma ferramenta
eficaz para se alcançar qualidade de vida. Para conscientizar as pessoas da importância da alimentação
saudável, é preciso estabelecer ações que propiciem um maior conhecimento sobre o assunto. Sonati
e Vilarta (2011) sugerem, considerando a Política Nacional de Promoção da Saúde, as seguintes ações:

• Promover ações para uma alimentação saudável, considerando a segurança alimentar e nutricional,
o que contribui para reduzir a pobreza e aumentar a inclusão social.

• Incentivar a atuação dos diversos setores da sociedade para o estabelecimento da Política


Nacional de Promoção da Saúde, considerando as diretrizes da Política Nacional de Alimentação
e Nutrição, para:

— garantir o acesso à alimentação adequada, respeitando as características culturais e regionais


dos cidadãos;

— combater a fome e permitir o acesso da população mais pobre à alimentação;

— incentivar a agricultura familiar para favorecer o consume de frutas e legumes;


43
Unidade I

— firmar compromissos com os diversos setores da sociedade para garantir que essas ações
sejam cumpridas;

— criar espaços que favoreçam a alimentação saudável;

— regulamentar a propaganda e a publicidade de alimentos.

• Disseminar a cultura da alimentação saudável, por meio de:

— distribuição de material educativo;

— realização de campanhas de conscientização;

— estímulo a ações para a escolha de alimentos saudáveis;

— ênfase nos benefícios de um armazenamento adequado de alimentos.

• Promover ações para a alimentação saudável no ambiente escolar.

• Realizar ações de vigilância alimentar e nutricional para prevenir doenças relacionadas ao preparo
e conservação dos alimentos.

• Orientar os profissionais do serviço de saúde, principalmente os da atenção básica, quanto à


necessidade de divulgar e estimular a alimentação saudável.

3.2.2 Prática de atividades físicas

A prática de atividades físicas, como tem sido discutida neste livro‑texto, é essencial para ter
qualidade de vida e ajuda na prevenção e tratamento das DCNT. Para o desenvolvimento de ações
referentes à atividade física, Sonati e Vilarta (2011) sugerem, considerando também a Política Nacional
de Promoção da Saúde:

• Ações na rede básica de saúde e na comunidade, como:

— estimular ações de prática de atividades físicas nos serviços de atenção básica;

— oferecer práticas esportivas, lúdicas e de lazer na rede básica de saúde;

— capacitar os profissionais da saúde em conteúdos de promoção de saúde, incluindo a prática


de atividades físicas;

— estimular a participação de pessoas com deficiência na prática de atividades físicas;

44
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

— determinar mecanismos para que o trabalho com atividades físicas seja sustentado e continuado
(espaço e equipamentos adequados, equipe capacitada).

• Ações de orientação e divulgação, como:

— desenvolver ações de orientação sobre os benefícios de um estilo de vida saudável;

— realizar campanhas de divulgação incentivando a prática de atividades físicas.

• Parcerias para sustentar ações e programas direcionados à prática de atividades físicas e adoção
de um estilo de vida saudável com os órgãos públicos e privados.

• Realizar ações de monitoramento e avaliação, como:

— desenvolver pesquisa científica;

— estabelecer parcerias com instituições de ensino e pesquisa para o monitoramento e avaliação


das ações de promoção da atividade física;

— realizar pesquisas com crianças e adolescentes como forma de monitoramento da prática de


atividades físicas.

O incentivo ao estilo de vida saudável também auxilia na prevenção de enfermidades, incapacidades e


doenças. Conscientizar as pessoas que ter hábitos saudáveis pode promover uma velhice com maior bem‑estar,
autonomia e melhor capacidade funcional pode contribuir para a redução da morbidade, da incapacidade e
da mortalidade, principalmente por DCNT (veja a figura a seguir). Grande parte das doenças crônicas, como
o diabetes tipo 2, a doença arterial coronariana, o acidente vascular cerebral e o câncer de cólon, poderia
ser potencialmente evitada apenas com mudanças no estilo de vida. Portanto, estratégias de prevenção são
extremamente importantes para reduzir a incidência dessas doenças. Além disso, compreender como ocorre
o processo saúde‑doença pode favorecer a construção de estratégias mais eficientes.

Figura 16 – O idoso ativo

45
Unidade I

3.3 Modelos e o processo saúde‑doença

Após o final da Segunda Guerra Mundial, muitos países começam a vivenciar a transição
epidemiológica, o que desencadeou o aumento da morbidade e mortalidade por DCNT. Até então,
acreditava‑se em uma causa única para o desenvolvimento de doenças, já que a maioria das mortes era
ocasionada por doenças infecto‑parasitárias.

Lembrete

A transição epidemiológica é a evolução gradual dos problemas de


saúde que acarretam aumentada morbidade e mortalidade. Anteriormente,
esses problemas estavam relacionados às doenças infecto‑parasitárias;
atualmente, decorrem das DCNT.

Leavell e Clark propuseram, em 1976, um modelo multicausal para entender o processo saúde‑doença.
Esse modelo considera a interação, o relacionamento e o condicionamento de três elementos
fundamentais: o ambiente, o agente e o hospedeiro (tríade ecológica). A doença, nesse caso, resultaria
de um desequilíbrio entre os três elementos desse sistema, conforme a figura a seguir:

Ambiente

Idade, sexo,
raça, hábitos,
costumes etc.

Agente Hospedeiro

Figura 17 – Modelo multicausal: a tríade ecológica

O aspecto interessante, no entanto, se refere à proposição de estratégias de prevenção à evolução da


doença mesmo antes de os sintomas aparecerem. Essas estratégias se relacionam à prevenção primária
(promoção de saúde e proteção específica), secundária (diagnóstico precoce e tratamento imediato)
e terciária (limitação do dano e reabilitação). Essas fases são associadas também a ações da medicina

46
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

preventiva (prevenção primária) e da medicina curativa (prevenção secundária e terciária). Quanto mais
próximo se trabalhar da prevenção primária, mais benefícios e menos problemas de saúde atingirão a
população. Na figura a seguir é apresentado o modelo da História Natural da Doença, que aborda esses
aspectos de prevenção.

Posição das barreiras que podem opor à progressão da doença


1º Nível 2º Nível 3º Nível 4º Nível 5º Nível
• Promoção • Proteção • Diagnóstico • Limitação do • Reabilitação
da saúde específica precoce e dano
(alimentação, (vacinas, tratamento • Prevenção
ações educativas, fluoretação das imediato terciária
saneamento etc.) águas etc.)

Prevenção primária Prevenção secundária Prevenção terciária

Figura 18 – Modelos de prevenção a partir da história natural da doença

Como mencionado anteriormente, alguns fatores, como os determinantes biológicos e sociais de


saúde, podem se relacionar diretamente ao desenvolvimento de doenças. No caso dos determinantes
sociais, eles são associados a maior ou menor susceptibilidade de ter uma doença, apenas pelas
condições sociais – por exemplo, nascer em uma determinada região. Esses motivadores podem se
referir a condições sociais mais gerais da sociedade, tais como socioeconômicas, culturais e ambientais,
e às condições de vida e trabalho, como moradia, saneamento básico, ambiente de trabalho, serviços de
saúde e educação. O modelo de Dahlgren e Whitehead: influência em camadas busca demonstrar essa
influência dos determinantes sociais (veja a figura a seguir).

Condições socioeconômicas, culturais e ambientais gerais

Produção Condições Serviços


Ambiente de de vida e de Água e
agrícola e de Educação Desemprego sociais e Habitação
trabalho trabalho esgoto
alimentos saúde

Redes sociais dos indivíduos


Estilo de vida dos indivíduos
Idade, sexo e fatores hereditários

Figura 19 – Modelo da influência em camadas

Para os idosos de hoje é preciso investir no incentivo à adoção de hábitos saudáveis para otimizar
os tratamentos e prevenir o aparecimento de mais doenças, trabalhando nos três níveis de prevenção
(primária, secundária e terciária), considerando os determinantes de saúde. Nesse sentido é necessário
estimular também a realização de exames periódicos, minimizando a piora súbita do estado de saúde
47
Unidade I

do indivíduo e controlando fatores de risco. Quanto mais fatores de risco, maior a possibilidade de
acometimento por DCNT e piores o quadro geral e o prognóstico do indivíduo.

Portanto, o importante é viver mais para viver bem. Envelhecer para aproveitar o que foi construído
com muito trabalho e dedicação e para realizar sonhos que ainda não foram sonhados.

Saiba mais

Para saber mais sobre processo saúde‑doença, leia:

VILARTA, R. Saúde coletiva e atividade física: conceitos e aplicações


dirigidas à graduação em Educação Física. Campinas: Ipes Editorial, 2007.

BATISTELLA, C. O território e o processo saúde‑doença. [s.d.]. Disponível


em: <http://www.epsjv.fiocruz.br/pdtsp/index.php?livro_id=6&area_id=2&
autor_id=&capitulo_id=13&arquivo=ver_conteudo_2>. Acesso em: 15
mar. 2018.

4 CAPACIDADES MOTORAS, TREINAMENTO E ENVELHECIMENTO

As capacidades motoras são qualidades físicas de uma pessoa que possibilitam a realização de uma
variedade de tarefas ou habilidades motoras. Essas capacidades representam um potencial definido
geneticamente, que pode ser atingido ou não (MAGILL, 2000).

Uma das formas de estimular esse potencial é através do treinamento físico, o qual é capaz de
modificar essas capacidades, contribuindo para o desenvolvimento de seu potencial máximo.

As capacidades motoras podem ser classificadas como capacidades motoras condicionantes e


capacidades motoras coordenativas.

As capacidades motoras condicionantes são capacidades ligadas aos processos energético e


metabólico, ou seja, dependem ou são determinadas pela obtenção e transformação de energia. Elas
são divididas em: força, velocidade, resistência e flexibilidade.

A força é a capacidade dos músculos de gerarem tensão contra uma determinada carga ou resistência
externa (veja a figura a seguir). Ela pode se apresentar de várias formas: força máxima; potência ou
força rápida (forma explosiva – muito rápida – de produzir força); força resistente ou resistência de
força (capacidade de realizar movimentos de força por um tempo prolongado – muitas repetições)
(BARBANTI, 2002).

48
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

Figura 20 – Força: capacidade dos músculos de gerarem tensão contra uma determinada carga ou resistência externa

A velocidade é a capacidade de realizar movimentos sucessivos e rápidos, de um mesmo padrão,


no menor tempo possível (veja a figura a seguir). Ela pode se apresentar de duas formas: velocidade de
reação (capacidade de responder a um estímulo o mais rápido possível) e velocidade de deslocamento
(capacidade de se deslocar de um ponto a outro, no menor tempo possível, realizando movimentos de
um mesmo padrão).

Figura 21 – Velocidade: capacidade de realizar movimentos sucessivos e rápidos, de um mesmo padrão, no menor tempo possível

A resistência é a capacidade motora relacionada à realização de esforços em uma determinada


intensidade por um dado tempo (veja a figura a seguir). Também se caracteriza pela tolerância
à fadiga e pode ser classificada como aeróbia (resistência a exercícios de baixa ou moderada
intensidade e tempo prologado) e anaeróbia (resistência a exercícios de alta intensidade em um
curto intervalo de tempo).

49
Unidade I

Figura 22 – Resistência: capacidade motora relacionada à realização de esforços


em uma determinada intensidade por um dado tempo

Já a flexibilidade está relacionada com a amplitude máxima de movimento que uma articulação pode
realizar (ARAÚJO, 2003) (veja a figura a seguir). Ela pode se manifestar na forma ativa (a maior amplitude
de movimento possível, que se pode realizar devido à contração da musculatura esquelética – agonista)
ou passiva (a maior amplitude de movimento possível que se pode alcançar sob ação de forças externas).

Figura 23 – Flexibilidade: relaciona‑se com a amplitude de movimento que uma articulação pode realizar

As capacidades coordenativas se referem ao aspecto qualitativo do movimento. Dependem


fundamentalmente de processos de controle e de coordenação de movimento entre o sistema
muscular e o sistema nervoso. O equilíbrio, o ritmo, a coordenação motora e a reação são exemplos
de capacidades coordenativas.

Apesar dessa classificação tradicional das capacidades motoras, onde o desempenho motor é
observado como um componente geral, outra abordagem considera a especificidade de cada uma das
capacidades motoras para realizar sua classificação. Esse modelo se baseia no conceito de aptidão física,
o qual está relacionado tanto à saúde como ao esporte. E o que é aptidão física?

50
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

Aptidão física consiste nos conjuntos de características que um indivíduo possui ou adquire, as quais
possibilitam a realização de atividades físicas. Como a atividade física é caracterizada pela realização de
todo e qualquer tipo de movimento corporal produzido pela musculatura esquelética de forma voluntária
que resulta em gasto energético acima daquele associado ao repouso, a aptidão física envolve tanto
movimentos da vida diária, do trabalho, de lazer, como de desempenho físico em modalidades esportivas
(CASPERSEN; POWELL; CHRISTENSON, 1985). Desse modo, essa classificação propõe a existência de oito
componentes relacionados à aptidão física: resistência aeróbia ou cardiorrespiratória, força/resistência
muscular, flexibilidade, velocidade, potência, agilidade, coordenação e equilíbrio (CORBIN; LINDSEY, 1997).

Considerando esses componentes, eles podem ser relacionados à saúde, quando auxiliam na
prevenção ou proteção a alguma condição debilitante ou doença induzida pela inatividade física. Assim,
a resistência aeróbia ou cardiorrespiratória, a força/resistência muscular e a flexibilidade podem ser
consideradas componentes da aptidão física relacionada à saúde. Já os componentes mais específicos
da aptidão física associada ao esporte são velocidade, potência, agilidade, coordenação e equilíbrio,
conforme o quadro a seguir:

Quadro 5 – Os componentes da aptidão física e a relação com as capacidades motoras

Aptidão física
Componentes Capacidades motoras
Resistência aeróbia Condicionante
Força muscular Condicionante
Flexibilidade Condicionante
Velocidade Condicionante
Potência Condicionante
Agilidade Coordenativa
Coordenação Coordenativa
Equilíbrio Coordenativa

Fonte: Guedes (2011).

No entanto, os componentes relacionados à saúde também podem influenciar no desempenho


esportivo e vice‑versa. O estabelecimento de aptidão física associada mais à saúde ou ao esporte, então,
se refere à especificidade do componente da aptidão física, mas vai depender do movimento ou conjunto
de movimentos a serem executados.

Dentre os componentes da aptidão física, a resistência aeróbia ou cardiorrespiratória, a força/


resistência muscular, a flexibilidade, a velocidade, a potência e a agilidade se relacionam com
as capacidades condicionantes; a coordenação e o equilíbrio, por outro lado, fazem parte das
capacidades coordenativas.

As pessoas desenvolvem e desempenham as capacidades motoras e/ou os componentes da aptidão


física em diferentes níveis, pois elas sofrem influência da idade, do gênero, do repertório motor e da raça.

51
Unidade I

Considerando a idade, podemos observar que pessoas mais velhas apresentam piora no desempenho
dessas capacidades, pois elas dependem de funcionamento dos órgãos e tecidos do organismo.

4.1 A influência do envelhecimento no desempenho das capacidades motoras

As capacidades motoras sofrem influência negativa do envelhecimento. A produção de força


muscular está diretamente relacionada à área de secção transversa do músculo esquelético. Com o
envelhecimento, o corpo perde massa muscular (sarcopenia) e unidades motoras das fibras rápidas
(motoneurônios) (veja a figura a seguir). A redução desses fatores acarreta a transformação das fibras
rápidas (tipo II) em fibras lentas (tipo I), desencadeando um remodelamento das unidades motoras e
uma redução da atividade contrátil. Além disso, com a perda de unidades motoras, mais fibras passam a
ser inervadas por um mesmo motoneurônio, diminuindo o controle e precisão dos movimentos, ou seja,
interferindo na agilidade e na coordenação motora. Essas alterações também prejudicam a produção de
velocidade, a qual, para o deslocamento, também depende da massa muscular, das fibras do tipo II e das
unidades motoras. É importante ressaltar que a estrutura de ossos e articulações também é modificada
com a velhice: os ossos perdem densidade mineral e as articulações ficam desgastadas. Dessa forma, o
aparelho locomotor fica enfraquecido.

Neurônio motor

Junção neuromuscular
Fibra muscular

Figura 24 – Unidade motora: perda de motoneurônios com o envelhecimento

A resistência também é reduzida na terceira idade. As alterações do aparelho locomotor


associadas às mudanças cardiovasculares e metabólicas prejudicam a realização de esforços por
tempo prolongado ou em alta intensidade. No sistema cardiovascular, observamos uma redução da
captação máxima de oxigênio, da frequência cardíaca máxima, do volume de ejeção, da ventilação
pulmonar e da força de contração cardíaca. Já o metabolismo fica mais lento, o que é influenciado
pela alteração da composição corporal: menos músculo esquelético e maior deposição de gordura. No
músculo observamos uma redução no número de enzimas oxidativas e um aumento do metabolismo
glicolítico, desencadeando uma fadiga precoce e uma menor capacidade de tolerância aos esforços
(MAZO; LOPES; BENEDETTI, 2009).

A flexibilidade é mais uma capacidade motora prejudicada pelo avanço da idade, pois além do
desgaste do aparelho locomotor, as pessoas tendem a fazer movimentos menos amplos com o decorrer

52
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

do tempo. Esse prejuízo na flexibilidade pode trazer implicações para a saúde, aumentando problemas
posturais e as tensões musculares.

As capacidades coordenativas, assim como as condicionantes, também apresentam declínio com o


envelhecimento. As alterações musculares, sensoriais e do sistema nervoso contribuem para a diminuição
do equilíbrio, do ritmo e da coordenação motora, o que aumenta a suscetibilidade de quedas.

Observação

É interessante observar que o declínio cognitivo realmente interfere


na realização de movimentos do idoso, prejudicando o desempenho das
capacidades motoras e, em especial, das capacidades coordenativas.

O grande problema dessas modificações é que elas interferem diretamente na qualidade de vida
dos idosos, principalmente na autonomia e independência, pois prejudicam a realização das tarefas
do dia a dia.

Apesar de tantas alterações e prejuízos para as capacidades motoras e para a vida dos idosos, como
essas capacidades são treináveis, é possível minimizar os efeitos delas e melhorar a qualidade de vida
através do treinamento físico. Mas como o treinamento físico faz isso?

4.2 Treinamento físico e as capacidades motoras

O treinamento físico contribui para o desenvolvimento das capacidades motoras, mesmo em idosos.

O treinamento resistido, por exemplo, promove a manutenção e até o aumento da massa muscular,
favorecendo o crescimento do número de fibras tipo II e a melhora da inervação (quantidade de
unidades motoras). Ele aumenta a força muscular e o controle dos movimentos, aprimorando o padrão
de marcha e facilitando a realização das tarefas da vida diária. Com músculos mais fortes, observa‑se
maior proteção das articulações, minimizando os desgastes e o risco de lesões.

O treinamento físico aeróbio promove aumento da capacidade cardiovascular, diminuindo a


frequência cardíaca de repouso, controlando a pressão arterial e melhorando a estrutura e a função
cardíacas, as quais, associadas às melhorias da musculatura esquelética, contribuem para o aumento
da captação e da utilização do oxigênio. Com isso, verifica‑se uma melhora da resistência dos idosos,
principalmente da aeróbia, aumentando a tolerância à fadiga. Os ossos também são beneficiados pelo
impacto produzido pelas atividades aeróbias como a corrida, contribuindo para o fortalecimento do
aparelho locomotor.

A flexibilidade, trabalhada através de alongamentos, promove a melhora da amplitude de movimentos


e da mobilidade articular, beneficiando a postura e as articulações.

53
Unidade I

Para que se consiga desenvolver a velocidade, é preciso ter um certo nível de força. O aumento da
massa muscular e da força contribuem para o crescimento da velocidade de realização dos movimentos.
Como o controle neural é estimulado pelo treinamento físico, a velocidade de reação também melhora.
A coordenação motora, o ritmo e o equilíbrio ainda são favorecidos, refletindo em uma marcha mais
segura, coordenada e controlada, minimizando a possibilidade de quedas e lesões.

Dessa forma, o treinamento físico se mostra uma ferramenta importante para a manutenção ou
melhora dessas capacidades motoras (veja a figura a seguir). Atualmente, recomenda‑se a associação
do treinamento aeróbio, resistido e de flexibilidade numa mesma sessão de treinamento, de acordo com
as necessidades de cada indivíduo. Contudo, a prescrição de treinamento para idosos será abordada em
um tópico específico adiante em que discutiremos em quais momentos ou condições deve‑se priorizar
ou agrupar os tipos de treinamento.

Figura 25 – Idosos ativos e a melhora das capacidades motoras

Resumo

As melhorias nas condições de vida e a redução da mortalidade associada


aos avanços tecnológicos e ao desenvolvimento de medicamentos mais
eficientes no combate a muitas doenças têm sido determinantes para o
aumento da população mundial de idosos. A expectativa é que em 2050
essa população seja de cerca de 2 bilhões de pessoas. No Brasil, estima‑se
que 28% dos idosos terão 80 anos ou mais.

O envelhecimento é um processo muito heterogêneo. Cada indivíduo


envelhece em um ritmo diferente, que depende de diversos fatores, tais como
os sociais, os econômicos, os ambientais, a presença de doenças, entre outros.
A Organização Mundial da Saúde, por exemplo, considera as condições
socioeconômicas de cada nação para estabelecer a idade cronológica de um

54
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

idoso. Em países em desenvolvimento, é considerado idoso alguém que tem


60 anos ou mais de idade. Já nos países desenvolvidos, a idade se estende para
65 anos. Uma das denominações relacionadas ao idoso e ao envelhecimento
é a terceira idade, que se refere a idosos até 80 anos.

O desenvolvimento é um processo contínuo que começa na gestação


e vai até a morte da pessoa. Esse processo desencadeia, quando alcança
a terceira idade, diversas alterações e perdas de estruturas e funções do
organismo. Essas perdas se referem, por exemplo, a aspectos psicológicos,
sociais, cognitivos e motores. O idoso, além das alterações da cor dos
cabelos e da textura da pele, geralmente apresenta uma autoestima baixa,
uma redução de seu bem‑estar físico e mental, se afastando das pessoas
e, muitas vezes, até se isolando em sua casa. Observa‑se também uma
diminuição no tamanho e na função de certas estruturas cerebrais, assim
como perda de massa óssea e muscular, o que contribui para limitações na
realização dos movimentos.

Essas perdas inerentes ao envelhecimento deixam o idoso mais


vulnerável ao acometimento por doenças, como as doenças crônicas não
transmissíveis, e a condições debilitantes, como a fragilidade e as quedas.
Iniciativas e ações de promoção de saúde e de prevenção são muito
importantes para minimizar tais diminuições desencadeadas pelo passar do
tempo. Incentivos a mudanças no estilo de vida associados a estratégias de
prevenção primária de doenças são fundamentais para reduzir a morbidade
e a mortalidade dessa população, principalmente por doenças crônicas.

Uma ferramenta que tem sido bastante utilizada e tem se mostrado


muito eficiente na melhora ou na reversão dessas alterações é a prática
de atividades e exercícios físicos, a qual está diretamente associada ao
estilo de vida saudável. As atividades físicas contribuem para a recuperação
da autoestima e do bem‑estar, possibilitando a criação de novas relações
sociais. Além disso, acarreta benefícios para as estruturas e funções do
organismo. Observa‑se restabelecimento da cognição, do equilíbrio, da
atenção e da coordenação motora. Verifica‑se também uma manutenção
ou aumento da massa muscular e óssea, proporcionando uma melhora na
mobilidade e no padrão de movimento do idoso. Dessa forma, a atividade
física auxilia no crescimento da qualidade de vida, contribuindo para que o
idoso seja autônomo e independente para realizar não apenas suas tarefas
diárias, bem como explorar suas potencialidades.

Outro aspecto relevante da prática de atividades físicas é que ela


desencadeia uma postura mais positiva frente à velhice, auxiliando na
adaptação e na aceitação dessa nova etapa de vida.

55
Unidade I

O importante é viver mais para viver bem. Envelhecer para aproveitar o


que foi construído com muito trabalho e dedicação e para realizar sonhos
que ainda não foram sonhados.

Portanto, se exercitar é fundamental para se envelhecer bem e com saúde.

Exercícios

Questão 1 (Enade 2016). O envelhecimento, caracterizado por um processo dinâmico, contínuo,


progressivo e pelo declínio das funcionalidades dos sistemas corporais, tem como umas de suas
consequências a redução da massa muscular, que leva ao declínio da força muscular. O conjunto dessas
manifestações foi denominado de fragilidade física do idoso. Os programas de exercícios físicos para
idosos podem colaborar na redução ou inibição da evolução desse quadro clínico.
FRIED, L. P.; TANGEN, C. M.; WALTSON, J. et al. Frailty in Older Adults: Evidence for a phenotype. Journal of Gerontology, v. 56A, n. 3,
p. 146‑156, 2001 (adaptado).

Considerando os programas de exercícios físicos para idosos como uma das alternativas para a
melhora do quadro de fragilidade desse público, avalie as afirmativas a seguir.

I – Dada a complexidade clínica do quadro de fragilidade do idoso, é muito importante que cada
caso seja discutido e tratado por uma equipe multidisciplinar composta de médico, nutricionista,
fisioterapeuta e profissional de educação física.

II – Exames complementares solicitados pelo médico como, por exemplo, dosagens hormonais e
densitometria óssea, auxiliam o profissional de educação física a determinar a intensidade e o volume
do treinamento.

III – Avaliações da composição corporal e da força muscular são determinantes e suficientes para o
sucesso de programas de exercícios físicos para idosos frágeis.

É correto o que se afirma em:

A) I, apenas.

B) II, apenas.

C) I e III, apenas.

D) II e III, apenas

E) I, II e III.

Resposta correta: alternativa A.

56
EDUCAÇÃO FÍSICA NA TERCEIRA IDADE

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: o trabalho multidisciplinar é importante, pois cada profissional expõe sua opinião
baseando‑se na sua formação em decorrência de caso com uma ampla complexidade.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: os exames solicitados irão complementar o entendimento sobre o quadro clínico, mas
não irão determinar a prescrição do treinamento físico (volume e intensidade).

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a composição corporal e a força são alguns tipos de avaliações que podem ser feitas
pelos profissionais durante programas de exercícios físicos, mas estes não podem ser considerados
determinantes e suficientes para o sucesso.

Questão 2 (Enade 2016, adaptada). Uma equipe multiprofissional (profissional de Educação Física,
enfermeiro, nutricionista, médicos, fisioterapeutas e uma terapeuta ocupacional) trabalha em um asilo com
idosos institucionalizados. Na reunião semanal da equipe, os integrantes discutem sobre a mobilidade e a
aptidão física dos idosos, e a profissional de Educação Física explica que, ao longo da vida, o organismo
humano apresenta um nível de aptidão física que, normalmente, aumenta até a metade da quarta década
de vida e, depois, segue em declínio. Ela apresenta, então, o gráfico a seguir, que mostra o resultado de uma
coleta de dados sobre o nível de força muscular ao longo da vida como um dos componentes da aptidão física,
aferido por meio de dinamômetro de pressão manual, em pessoas fisicamente ativas de ambos os gêneros.
50
45
40
Força isométrica de pressão

35
Masculino
30
manual (kgf)

25 Feminino
20
15
10
5
0
10 20 30 40 50 60 70
Idade (anos)

Figura 26

GOBBI, S.; VILLAR, R.; ZAGO, A. S. Bases teórico‑práticas do condicionamento físico. Rio de Janeiro: Guanabara‑Koogan, 2005
(adaptado).

57
Unidade I

Considerando as informações apresentadas e a perspectiva básica de trabalho do profissional de


Educação Física que atua com idosos e integra a equipe multiprofissional, avalie as afirmativas a seguir
e a relação proposta entre elas.

I – Com o avanço da idade, o declínio do nível de força muscular ocorre de forma mais acentuada
após os 30 anos.

porque

II – Ao envelhecer, as pessoas deixam de praticar exercícios físicos com volumes e intensidades


eficazes para impedir o declínio da força muscular.

A respeito dessas afirmativas, assinale a opção correta.

A) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I.

B) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I.

C) A afirmativa I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.

D) A afirmativa I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira.

E) As afirmativas I e II são proposições falsas.

Resolução desta questão na plataforma.

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