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Fisioterapia

Neurofuncional
Autora: Profa. Kelly Cristina Sanches
Colaboradores: Prof. Cristiano Schiavinato Baldan
Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão
Professora conteudista: Kelly Cristina Sanches

Graduada em Fisioterapia pela Universidade de São Paulo (USP), possui mestrado em Psicologia na área de
Neurociências e Comportamento pela mesma instituição (2003), bem como aprimoramento profissional em Fisioterapia
Neurológica pelo Hospital das Clínicas da USP, em 2005.

É docente da Universidade Paulista (UNIP) desde 2007, onde ministra as disciplinas de Fisioterapia Neurofuncional,
Pediatria e Neurociências e Controle Motor. Exerce ainda a função de coordenadora auxiliar do curso de Fisioterapia
no campus norte-UNIP desde 2009, onde também atua como professora responsável pelo estágio curricular na área
de Fisioterapia Neurológica na Clínica de Saúde.

Membro do Comitê de Ética e Pesquisa da UNIP, desde 2009, e coordenadora do curso de pós-graduação de
Fisioterapia Neurofuncional pelo Instituto Imparare, desde 2016.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S211f Sanches, Kelly Cristina.

Fisioterapia Neurofuncional / Kelly Cristina Sanches. – São


Paulo: Editora Sol, 2021.

244 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Patologia. 2. Anatomia. 3. Fisioterapia. I. Título.

CDU 615.8

U512.94 – 21

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor

Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez


Vice-Reitora de Graduação
Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa

Prof. Fábio Romeu de Carvalho


Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

Profa. Melânia Dalla Torre


Vice-Reitora de Unidades Universitárias

Unip Interativa

Profa. Dra. Cláudia Andreatini


Profa. Elisabete Brihy
Prof. Marcelo Vannini
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático

Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Angélica L. Carlini
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. Deise Alcantara Carreiro

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Jacinara Albuquerque
Kleber Souza
Sumário
Fisioterapia Neurofuncional

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO......................................................................................................................................................... 10

Unidade I
1 AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA.......................................................................................................................... 11
1.1 Dados gerais e anamnese.................................................................................................................. 12
1.2 Exame físico............................................................................................................................................. 13
1.3 Nível de consciência............................................................................................................................. 14
1.4 Exame do estado mental e das funções corticais superiores.............................................. 15
1.5 Linguagem................................................................................................................................................ 16
1.6 Gnosias...................................................................................................................................................... 19
1.7 Tônus muscular...................................................................................................................................... 20
1.8 Reflexos profundos e superficiais................................................................................................... 23
1.9 Motricidade voluntária e força muscular.................................................................................... 27
1.10 Sensibilidade......................................................................................................................................... 29
1.11 Coordenação motora......................................................................................................................... 30
1.12 Exame das funções neurovegetativas (autonômicas)......................................................... 33
1.13 Exame dos nervos cranianos.......................................................................................................... 34
1.14 Exame do equilíbrio e da marcha................................................................................................. 37
1.15 Características clínicas do paciente neurológico.................................................................. 40
1.16 Planejamento do tratamento fisioterápico: identificação dos
objetivos terapêuticos................................................................................................................................. 44
2 MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO NEUROFUNCIONAL................ 46
2.1 Método Rood.......................................................................................................................................... 47
2.2 Conceito neuroevolutivo (Bobath)................................................................................................. 48
2.3 Facilitação neuromuscular proprioceptiva (Kabat).................................................................. 51
2.4 Método Brunnstrom............................................................................................................................ 54
3 PATOLOGIAS NEUROLÓGICAS VASCULARES......................................................................................... 57
3.1 Acidente vascular cerebral (AVC).................................................................................................... 57
3.1.1 Epidemiologia............................................................................................................................................ 59
3.1.2 Fatores de risco......................................................................................................................................... 59
3.1.3 Fisiopatologia............................................................................................................................................ 60
3.1.4 Anatomia vascular cerebral (AVC)..................................................................................................... 61
4 TUMORES CEREBRAIS.................................................................................................................................... 70
4.1 Clínica........................................................................................................................................................ 71
4.2 Classificação............................................................................................................................................ 73
4.3 Tumores de crânio................................................................................................................................. 80
4.4 Tumores medulares............................................................................................................................... 81

Unidade II
5 PATOLOGIAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL................................................................................... 86
5.1 Traumatismo cranioencefálico (TCE)............................................................................................. 86
5.1.1 Definição..................................................................................................................................................... 86
5.1.2 Fisiopatologia............................................................................................................................................ 87
5.1.3 Avaliação neurológica inicial.............................................................................................................. 94
5.1.4 Classificação do TCE pelo nível de consciência........................................................................... 98
5.1.5 Tratamento................................................................................................................................................. 99
5.1.6 Coma e morte encefálica....................................................................................................................100
5.2 Lesão medular.......................................................................................................................................101
5.2.1 Anatomia da medula espinal............................................................................................................101
5.2.2 Trauma raquimedular...........................................................................................................................104
5.2.3 Classificação da lesão medular........................................................................................................109
5.2.4 ASIA (American Spine Injury Association)....................................................................................111
5.2.5 Avaliação diagnóstica..........................................................................................................................114
5.2.6 Tratamento...............................................................................................................................................115
5.3 Afecções dos gânglios da base (núcleos da base)..................................................................117
5.3.1 Anatomia e fisiologia dos gânglios da base................................................................................118
5.3.2 Aspectos fisiopatológicos dos gânglios da base.......................................................................119
5.3.3 Síndrome parkinsoniana.................................................................................................................... 120
5.3.4 Hipercinesias........................................................................................................................................... 130
5.4 Doenças desmielinizantes e esclerose lateral amiotrófica (ELA)......................................135
5.4.1 Esclerose múltipla (EM)...................................................................................................................... 135
5.4.2 Esclerose lateral amiotrófica (ELA)................................................................................................ 144
6 PATOLOGIAS DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO............................................................................150
6.1 Neuropatias periféricas.....................................................................................................................150
6.1.1 Classificação das neuropatias periféricas (NP)..........................................................................151
6.1.2 Sintomas e sinais clínicos.................................................................................................................. 152
6.1.3 Diagnóstico............................................................................................................................................. 155
6.1.4 Polirradiculoneurite aguda ou síndrome de Guillain-Barré (SGB)................................... 156
6.1.5 Neuropatia diftérica............................................................................................................................ 158
6.1.6 Neuropatia alcoólica........................................................................................................................... 159
6.1.7 Neuropatia por deficiência da vitamina B12............................................................................ 160
6.1.8 Neuropatia diabética........................................................................................................................... 160
6.2 Lesões nervosas periféricas.............................................................................................................163
6.2.1 Lesões dos plexos nervosos............................................................................................................... 163
6.2.2 Lesões dos troncos nervosos............................................................................................................ 165
6.2.3 Lesões traumáticas dos nervos periféricos................................................................................. 166
Unidade III
7 ASPECTOS PRÁTICOS DA FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL (PARTE I).....................................174
7.1 Fisioterapia no acidente vascular cerebral................................................................................174
7.1.1 Evolução clínica..................................................................................................................................... 175
7.2 Fisioterapia no traumatismo cranioencefálico........................................................................185
7.2.1 Fase aguda (hospitalar)...................................................................................................................... 186
7.2.2 Fase crônica (ambulatorial).............................................................................................................. 189
7.3 Fisioterapia no trauma raquimedular (TRM)............................................................................192
7.3.1 Evolução clínica do trauma raquimedular................................................................................. 193
7.3.2 Complicações clínicas......................................................................................................................... 196
8 ASPECTOS PRÁTICOS DA FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL (PARTE II)...................................205
8.1 Fisioterapia nas doenças dos gânglios da base.......................................................................205
8.1.1 Caracterização clínica e principais escalas................................................................................. 206
8.1.2 Intervenção fisioterapêutica............................................................................................................ 208
8.2 Fisioterapia nas doenças desmielinizantes e esclerose lateral amiotrófica (ELA)...............214
8.2.1 Fisioterapia e esclerose múltipla (EM)...........................................................................................214
8.2.2 Fisioterapia e esclerose lateral amiotrófica (ELA).....................................................................217
8.3 Intervenção fisioterapêutica nos tumores cerebrais.............................................................224
8.4 Fisioterapia nas polineuropatias e lesões periféricas............................................................227
APRESENTAÇÃO

O livro-texto Fisioterapia Neurofuncional possui como objetivo apresentar a você, estudante, os


principais tópicos da área da neurologia que contribuirão para a aquisição de seu conhecimento básico
sobre esse importante campo de atuação da fisioterapia.

Na unidade I, focaremos na semiologia neurológica, em que descreveremos os procedimentos de


avaliação fisioterapêutica neurológica, os principais déficits neurológicos e sua correlação com as áreas
e estruturas anatômicas envolvidas.

O paciente neurológico é caracterizado de maneira geral, sendo apontadas as repercussões funcionais


e psicológicas que a lesão neurológica frequentemente ocasiona no indivíduo adulto.

Além dos tópicos da avaliação neurológica, os métodos e recursos fisioterapêuticos utilizados


nos pacientes neurológicos são mencionados. Através da avaliação fisioterapêutica neurológica, será
possível identificar os fatores que explicam a queixa funcional do paciente e, consequentemente, adotar
as ferramentas terapêuticas adequadas para a obtenção de seus objetivos funcionais.

Ainda na unidade I, serão abordadas algumas das principais formas de acometimento neurológico
de natureza vascular no paciente adulto: o acidente vascular cerebral e os tumores cerebrais.
O acidente vascular cerebral é grave e pode levar ao óbito ou gerar sequelas que comprometem as
atividades funcionais do paciente. Na prática clínica, é muito comum a necessidade de intervenção
do fisioterapeuta neurofuncional em pacientes com sequelas de acidente vascular cerebral. Menos
frequentes que o acidente vascular cerebral, os tumores cerebrais são condições clínicas que podem
gerar comprometimento da função motora, sendo necessária a fisioterapia motora.

Já na unidade II, serão descritas as fisiopatologias de outras formas de acometimento do sistema


nervoso central e periférico, com evolução direta ou indireta de comprometimento motor. Serão
apontados os princípios dos tratamentos médico e medicamentoso, importante para o fisioterapeuta
que precisa acompanhar indiretamente essas condutas para compreender a evolução do paciente,
podendo, assim, adequar os seus objetivos terapêuticos.

Uma vez após o conhecimento das patologias, na unidade III, será possível a discussão sobre as
formas de intervenções fisioterapêuticas e seus recursos. Os objetivos terapêuticos apontados para
as patologias abordadas servem como referência ao fisioterapeuta diante de pacientes portadores dessas
condições clínicas.

Vale ressaltar que os temas serão abordados de maneira sucinta, e que uma leitura complementar
sempre se faz necessária para o crescimento de seu conhecimento.

9
INTRODUÇÃO

A compreensão funcional do sistema nervoso ainda é um enigma que instiga os pesquisadores do


mundo inteiro.

Simultaneamente a sua complexidade estrutural e funcional, o sistema nervoso demonstra sua


fragilidade, principalmente diante de lesões, que uma vez confirmadas, rapidamente realizam-se
questionamentos sobre as prováveis consequências funcionais das sequelas resultantes.

Nesse contexto, a intervenção fisioterapêutica é um dos principais elementos do processo de


reabilitação a que o paciente deverá ser submetido, uma vez que é muito comum o envolvimento
direto ou indireto da função motora que acarretará perdas complexas na capacidade de realização das
atividades de vida diária.

O processo de reabilitação para o paciente neurológico é multidisciplinar, envolvendo diferentes


profissionais, como médico neurologista, fisiatra, neurocirurgião, fisioterapeuta, fonoaudiólogo,
nutricionista, psicólogo, terapeuta ocupacional, assistente social, entre outros.

O envolvimento de diferentes profissionais é justificado pelo complexo quadro clínico gerado após
uma lesão neurológica, que muitas vezes compromete várias funções: a motora, a cognitiva (linguagem,
memória, atenção, comportamento) e a sensitiva.

Assim, é importante concluir que o paciente neurológico é um indivíduo único, com limitações
funcionais e psicológicas específicas.

Para que a intervenção fisioterapêutica atinja suas metas, é necessário o conhecimento prévio sobre
as particularidades estruturais e funcionais do sistema nervoso.

E outra característica importante do fisioterapeuta neurofuncional é a manutenção de seu espírito


científico e pesquisador, uma vez que a cada dia são desvendados novos conceitos, e novas informações
são obtidas sobre esse sistema tão instigante e fascinante.

Bons estudos!

10
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Unidade I
Nesta unidade vamos iniciar a discussão sobre a semiologia neurológica, que para o neurologista é o
ponto inicial de sua investigação diagnóstica, e para o fisioterapeuta é a referência para a identificação
do diagnóstico cinético-funcional.

É através da avaliação neurológica que será possível identificar os fatores que explicam a queixa
funcional do paciente, e assim elaborar as estratégias adequadas para a intervenção fisioterapêutica.

O grande objetivo desta unidade é descrever os tópicos que compõem a avaliação neurológica.

Também refletiremos sobre as características gerais de um indivíduo que possui acometimento no


sistema nervoso, bem como seus prejuízos funcionais e psicológicos.

A fisioterapia neurofuncional é baseada em métodos e técnicas de tratamento fisioterapêutico que


irão auxiliar o profissional na obtenção dos objetivos terapêuticos para cada paciente. Serão descritos
os principais métodos e técnicas de tratamento utilizados na área da neurologia.

Ainda nesta primeira unidade de nosso livro, descreveremos uma das situações clínicas mais
frequentes no paciente neurológico adulto: o acidente vascular cerebral.

Os tumores cerebrais também serão abordados; embora menos frequentes que o acidente
vascular cerebral, podem gerar comprometimento da função motora, sendo necessária a atuação do
fisioterapeuta neurofuncional.

Porém, para o aprimoramento de seu conhecimento e mais detalhes do conteúdo abordado, será
importante procurar pelas referências bibliográficas citadas.

1 AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA

A avaliação neurológica é o ponto inicial da investigação clínica quando um paciente apresenta uma
queixa que possa ser decorrente de lesão ou envolvimento do sistema nervoso central ou periférico.

Para o médico, essa avaliação inicial deve ser detalhada e completa a fim de que possa fornecer uma
hipótese diagnóstica baseada nos achados clínicos durante o procedimento da avaliação.

Já para o fisioterapeuta, a observação de determinados sinais clínicos ajudará o profissional a


compreender os fatores diretos e indiretos que justificam a queixa funcional apresentada pelo paciente
ou pelo acompanhante.

11
Unidade I

De maneira geral, as funções neurológicas a serem verificadas durante a avaliação realizada pelo
médico não diferem muito daquelas que serão observadas também pelo fisioterapeuta. Porém é
importante ressaltar que o fisioterapeuta estará focado na determinação dos fatores responsáveis pelas
limitações funcionais geradas pelo diagnóstico clínico determinado pelo médico.

Vamos agora apresentar um modelo geral dos tópicos que constam em uma avaliação neurológica
para pacientes adultos.

1.1 Dados gerais e anamnese

Como em qualquer área da clínica médica, a avaliação neurológica é iniciada através da coleta dos
dados gerais de identificação, como nome, idade, gênero, endereço, naturalidade, profissão, nome do
médico responsável, data de avaliação e diagnóstico clínico. Essas informações iniciais são importantes
ao fisioterapeuta, uma vez que podem auxiliar na compreensão sobre a queixa funcional.

Vamos dar um exemplo: um paciente chega à clínica de fisioterapia com diagnóstico médico de
acidente vascular cerebral (AVC) e quadro clínico de hemiparesia espástica de predomínio distal. Ao ser
questionado pelo fisioterapeuta a respeito da queixa funcional, o paciente refere apresentar dificuldade
em abrir e fechar a mão do lado parético. Nos dados de identificação, o fisioterapeuta verifica que a
atividade ocupacional do paciente, anteriormente ao AVC, era consertar aparelhos eletrônicos e relógios.
Assim é possível observar uma relação direta entre a queixa e a atividade ocupacional do paciente.

Uma vez coletados os dados iniciais, o fisioterapeuta deverá questionar sobre a anamnese
propriamente dita e perguntas sobre a queixa funcional, história da moléstia atual e pregressa, hábitos
de vida, investigação sobre outros sistemas (cardíaco, gastrointestinal, respiratório), história familiar e
medicamentos em uso.

A identificação da queixa funcional é um dos pontos mais importantes da avaliação fisioterápica


neurológica. É ela que corresponde à razão da avaliação do fisioterapeuta. Muitas vezes, este é
encaminhado à fisioterapia sem o diagnóstico médico concluído, mas já apresentando limitações na
sua capacidade de realizar atividades básicas do dia a dia, como as transferências, as atividades manuais
e a marcha, o que justifica a intervenção fisioterapêutica.

É importante ressaltar que todo o processo da avaliação neurológica deve ser adaptado ao
paciente, já a partir do momento do relato da história da moléstia atual (HMA). Assim, em princípio, será
o próprio paciente que relatará sua história e queixa, a não ser que apresente distúrbios cognitivos e de
linguagem. Nessa situação, a descrição será feita pelo acompanhante ou familiar do paciente.

Será também importante para o fisioterapeuta verificar com atenção o relato da HMA, que deverá
constar todos os detalhes possíveis sobre a situação que favoreceu a instalação do acometimento ou
lesão do sistema nervoso.

12
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Vamos dar mais um exemplo: um paciente com diagnóstico clínico de acidente vascular cerebral
hemorrágico (AVCH). Quais as perguntas pertinentes que o fisioterapeuta poderia fazer durante a
coleta da HMA?

Ele apresentou no dia do AVCH? Chegou a desmaiar? Houve muita demora no socorro ou até a
chegada ao hospital? Foi submetido a cirurgia? Chegou a perder totalmente os movimentos do lado
acometido? Quando começou a fazer a fisioterapia?

Veja a importância prévia do conhecimento do fisioterapeuta sobre a condição clínica do paciente


(AVCH) que o auxiliará a realizar as perguntas associadas diretamente ao problema dele.

O mesmo deverá ocorrer durante a história da moléstia pregressa (HMP), dos hábitos e vícios,
antecedência pessoal e familiar. Nesses dois últimos é interessante o fisioterapeuta observar a relação da
lesão atual do paciente com sua antecedência pessoal e até mesmo familiar. É muito comum a associação
direta com determinadas patologias e a lesão apresentada pelo paciente. No caso do exemplo citado,
a ocorrência do acidente vascular cerebral do tipo hemorrágico está muito associada com hipertensão
arterial, cardiopatias e diabetes.

Outro tópico interessante a ser questionado pelo profissional diz respeito aos medicamentos
utilizados pelo paciente. Embora o fisioterapeuta não esteja habilitado à prescrição de medicamentos,
é importante saber quais estão sendo utilizados, seus mecanismos de ação e efeitos colaterais.
É comum o paciente e o familiar questionarem se o surgimento de determinados sintomas está
relacionado ao remédio. Ou também, o fisioterapeuta pode ter a percepção de que a dosagem utilizada
do medicamento necessita de adequação médica, e assim ele poderá comunicar paciente ou familiar,
e até mesmo o médico.

1.2 Exame físico

O exame físico deve englobar uma observação geral do paciente em relação a pele e anexos, estado físico
global, bem como a aferição dos sinais vitais como pressão arterial e frequências cardíaca e respiratória.

Na observação de pele e anexos, o fisioterapeuta deve verificar os aspectos gerais, como grau de
hidratação, presença de cicatrizes, varizes, edemas e úlceras, em especial nas extremidades distais dos
membros inferiores, bem como a temperatura. Essa verificação pode oferecer ao fisioterapeuta indícios
do funcionamento do sistema nervoso autônomo, que frequentemente está envolvido em diferentes
patologias do sistema nervoso central e periférico.

Outro procedimento importante nesse início do exame físico do paciente é a aferição dos sinais
vitais. Esse deve ser um procedimento inicial do fisioterapeuta a cada começo de sessão do paciente
neurológico, uma vez que a maioria das patologias neurológicas possui uma relação com pressão
arterial, frequência cardíaca e até mesmo respiratória. O acompanhamento contínuo possibilita ao
fisioterapeuta conhecer, indiretamente, a condição sistêmica geral do paciente e como ele tenderá a
responder diante dos esforços e exercícios a serem solicitados durante a terapia. Assim, baseado nessas

13
Unidade I

respostas fisiológicas, o fisioterapeuta poderá adequar de forma segura os exercícios de acordo com a
condição sistêmica do paciente.

Não há um modelo predeterminado de sequência de itens e funções neurológicas que devam conter
uma avaliação neurológica. A sequência das funções a serem avaliadas deverá ser adaptada tanto pelo
médico e fisioterapeuta, mas também de acordo com as necessidades clínicas do próprio paciente.

Vamos citar um exemplo: em um centro de reabilitação para pacientes com trauma raquimedular, na
ficha de avaliação fisioterapêutica, o tópico que verifica a HMP não seria tão relevante.

A seguir, abordamos as principais funções neurológicas que devem incluir uma avaliação neurológica:

• nível de consciência;

• exame do estado mental e funções corticais superiores;

• tônus muscular;

• reflexos superficiais e profundos (tendíneos);

• motricidade voluntária e força muscular;

• sensibilidade;

• coordenação motora;

• exame das funções neurovegetativas;

• exame dos nervos cranianos;

• exame de equilíbrio e marcha.

1.3 Nível de consciência

A consciência apresenta dois componentes que devem ser observados na avaliação: o conteúdo da
consciência, associado às funções corticais superiores e o nível da consciência, relacionado ao nível de
alerta em que o indivíduo se encontra e como reage a estímulos externos.

Há diferentes causas que podem ocasionar distúrbios da consciência, como os de origem metabólica
ou estrutural envolvendo o sistema ativador reticular ascendente (SARA), localizado no mesencéfalo e
das áreas corticais.

14
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Embora haja escalas específicas para a avaliação do nível de consciência (veja o item sobre traumatismo
cranioencefálico), no dia a dia, o fisioterapeuta pode observar essa função de forma indireta, como,
por exemplo, quando estiver coletando as informações sobre a história da moléstia atual (HMA), em
que deve verificar se durante o relato, o paciente apresenta-se consciente, crítico e com orientação no
tempo e no espaço.

1.4 Exame do estado mental e das funções corticais superiores

Há escalas e questionários padronizados que objetivam a avaliação do estado mental e principalmente


das funções corticais superiores. Estas incluem a atenção, o humor, a iniciativa, a capacidade de crítica
e de julgamento, a memória, a coordenação de ideias e a capacidade de comunicação verbal. Uma
das escalas mais utilizadas para essa avaliação é o miniexame do estado mental (MEEM), de Folstein,
Folstein e McHugh (1975).

O MEEM avalia as funções cognitivas diante de pacientes com suspeita de acometimento


degenerativo do sistema nervoso, como as demências. A pontuação máxima é 30, devendo ser verificado
inicialmente o grau de escolaridade do paciente. Através do exame é possível avaliar o pensamento
abstrato e a capacidade de percepção e juízo crítico em relação ao próprio estado de saúde, além das
condutas diante de determinadas situações do dia a dia.

É importante ressaltar que a utilização desse exame não é específica para a realização de diagnóstico
clínico. Diante da obtenção de escores que indiquem rebaixamento das funções avaliadas, será necessária
uma investigação clínica especializada. Fatores como grau de escolaridade e idade avançada devem ser
considerados para a interpretação adequada dos resultados do MEEM.

Uma limitação apontada por especialistas em funções cognitivas é que no miniexame do estado
mental, as denominadas funções executivas não são avaliadas. Sob essa denominação, inclui-se os
processos cognitivos de iniciativa e planejamento de uma ação, controle de sua realização, bem como
suas correções, flexibilidade mental para adequar a ação ao ambiente e inibição diante de estímulos
irrelevantes. Presença de lesões nos lobos frontais são responsáveis, em grande parte, pela origem
desses distúrbios.

Na avaliação fisioterapêutica do paciente neurológico, as funções cognitivas podem ser


indiretamente avaliadas através da anamnese, da história clínica, em que por meio do relato do
paciente, o fisioterapeuta consegue verificar a presença de alguma disfunção cognitiva, e então,
diante da necessidade do quadro do paciente, o MEEM poderá ser utilizado.

O MEEM é um dos testes empregados diante da hipótese de acometimento da função cognitiva,


em especial na população idosa. Embora seja de fácil aplicabilidade e rápido, ele não substitui a
necessidade de uma avaliação clínica mais detalhada e específica de um neurologista.

15
Unidade I

São avaliados os seguintes domínios:

• orientação espacial;

• orientação temporal;

• memória imediata;

• memória de evocação;

• cálculo;

• linguagem-nomeação;

• repetição;

• compreensão;

• escrita e cópia de desenho.

Ainda fazem parte do exame do estado mental a avaliação da linguagem, as gnosias e as praxias.

Saiba mais

Para maior detalhamento de aplicabilidade e interpretação do


MEEM, consulte:

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.


Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa
idosa. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento
de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em:
https://bit.ly/3kExgMK. Acesso em: 31 ago. 2021.

1.5 Linguagem

Devem ser observadas as alterações na comunicação verbal, incluindo a fala espontânea, a


compreensão oral, a repetição de palavras e frases, a nomeação, a leitura e a escrita.

Na avaliação da linguagem, o fisioterapeuta, de maneira geral, poderá notar esses aspectos durante
a coleta da anamnese, observando a fluência, a articulação de fonemas e de dificuldades no encontro de
palavras. Ainda pode ser verificada a dificuldade em discriminar fonemas ou para compreender frases.

16
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Outro aspecto da linguagem diz respeito à repetição de fonemas e palavras, que possibilita a avaliação
da discriminação auditiva e da articulação.

Uma das alterações mais frequentes da linguagem é a dificuldade de nomeação de objetos.


Solicita‑se ao paciente nomear utensílios presentes na clínica. Porém é importante verificar se os
objetos são previamente reconhecidos, para que não haja associação inadequada à agnosia visual.

Na avaliação de leitura e escrita, pode ser solicitado ao paciente que obedeça a ordens escritas como
“abra a boca”, e que faça a leitura de uma frase em voz alta.

Durante a avaliação fisioterapêutica, a presença de distúrbios envolvendo a linguagem pode ser


verificada durante a coleta da anamnese e da história clínica. Ao detectá-los, o fisioterapeuta deverá
comunicar e orientar o paciente e o acompanhante a buscar por avaliação e orientação de especialista
na área, ou seja, um fonoaudiólogo.

Embora não seja o fisioterapeuta que aborde terapeuticamente os distúrbios de linguagem, uma vez
observados na avaliação, eles poderão dificultar a própria intervenção fisioterapêutica. Sendo assim, é
importante um conhecimento prévio a respeito dos distúrbios de linguagem pelo profissional.

Vamos descrever, de maneira geral, os principais distúrbios referentes à linguagem e associá-los a


suas prováveis áreas de lesão. Abordaremos as disfonias, as disartrias e as afasias.

A fonação pode ser definida como a produção de sons pela vibração das cordas vocais. As disfonias
são, portanto, alterações da fonação que podem ser decorrentes de afecções primitivas da laringe ou
de lesões nervosas que afetam a motricidade das cordas vocais. São caracterizadas por alteração do
volume, da qualidade e do timbre da voz.

Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), é o nervo vago (X par craniano) o responsável pela inervação das
cordas vocais. Lesões unilaterais desse nervo causam disfonia; lesões supranucleares causam afonias.

As disartrias são distúrbios de articulação e podem resultar de lesões nervosas periféricas e centrais.
No processo da articulação, há uma interação entre os elementos que atuam na linguagem, como laringe,
faringe, mandíbula, língua e palato mole, dentes e lábios, para a emissão de fonemas, possibilitando a
formação das palavras.

Entre as causas neurológicas das disartrias, vale destacar as resultantes de lesões cerebelares
e extrapiramidais.

As decorrentes de lesões cerebelares são caracterizadas pela fala lenta, de emissão trabalhosa, com
variações de altura e de intensidade. As palavras ou sílabas são escandidas, isto é, pronunciadas de
forma destacada.

Nas lesões extrapiramidais, como na doença de Parkinson, os movimentos involuntários, como


atetose, distonia e tremor, tornam a fala lenta, de baixo volume e monótona.
17
Unidade I

As dislalias são também distúrbios articulatórios decorrentes de causas não neurológicas, como,
por exemplo, de lesões dos órgãos fonoarticulatórios, na surdez, em estados de deficiência mental e de
doenças psiquiátricas. A criança possui uma dislalia considerada fisiológica durante seu desenvolvimento.

As afasias são distúrbios da linguagem verbal. Englobam a perda total ou parcial da capacidade
de utilização de símbolos verbais ou de regras gramaticais que tornam possível sua integração em
frases para expressão ou compreensão de ideias e sentimentos. Independem de distúrbios de articulação
ou intelectuais.

Há diferentes tipos clínicos de afasia, sendo mais frequentes as de expressão (ou motora) e as de
compreensão (ou sensorial).

O paciente com afasia de expressão apresenta pobreza na expressão verbal, sendo difícil e trabalhosa.
Frequentemente é capaz de falar apenas sílabas ou apenas duas ou três palavras. A escrita também é
comumente comprometida, embora a compreensão oral e a capacidade de leitura estejam mantidas.
É denominada ainda de afasia de Broca, uma vez que é resultado da lesão da área de Broca, localizada
no lobo frontal dominante (esquerdo), demonstrada na figura 1.

Já na afasia de compreensão, o paciente apresenta grande dificuldade na compreensão verbal (oral e


escrita). É menos frequente que a afasia motora, sendo resultado de lesão na área de Wernicke, localizada
no córtex auditivo de associação no lobo temporal esquerdo e se estendendo posteriormente pelo lobo
parietal esquerdo (figura 1).

Dependendo da extensão da lesão, a afasia pode ser global, quando há comprometimento da


expressão e da compreensão verbais, envolvendo lesão extensa de áreas de Broca e de Wernicke.

Broca Wernicke

Figura 1 – Representação anatômica das áreas de Broca e de Wernicke

Fonte: Lage (2013, p. 161).

Do ponto de vista terapêutico, é importante o profissional distinguir clinicamente os diferentes


tipos de distúrbios de linguagem, como as disartrias das afasias, bem como os distúrbios da audição
das demências.

18
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Para o fisioterapeuta, o conhecimento sobre os distúrbios de linguagem auxilia a identificação no


paciente neurológico, uma vez que são frequentes as associações dos distúrbios de linguagem com as
diferentes disfunções motoras.

1.6 Gnosias

Gnosia pode ser definida como a capacidade de reconhecer estímulos sensoriais. Agnosia é a perda
dessa capacidade, na ausência de alteração de sensibilidade ou de atenção.

Dependendo do estímulo sensorial, as agnosias podem ser classificadas em visuais, visuoespaciais,


táteis, auditivas e somatoagnosias.

Para Nitrini e Bacheschi (2015), na agnosia visual, o paciente pode ter dificuldade para reconhecer
um objeto tendo integridade da visão. Frequentemente resulta de lesões bilaterais nas áreas de
associação visual occipitotemporais, relacionadas com a identificação do estímulo. Pode ser avaliada ao
se apresentar figuras geométricas simples, objetos ou fotografias. Na prosopagnosia (do grego prosopon
= face), o paciente não consegue identificar faces conhecidas, sendo decorrente, em geral, de lesões
bilaterais das regiões occipitotemporais.

Na agnosia tátil, o objeto que não é identificado pelo tato, pode ser facilmente reconhecido quando
visto ou colocado na outra mão do paciente. Ocorre, geralmente, após lesões parietais contralaterais, e
esse quadro tende a ser unilateral.

Na agnosia visuoespacial, o paciente apresenta dificuldade de localizar objetos posicionados em seu


campo visual, além de reconhecer e nomear quando o objeto é colocado em sua mão. Trata-se de um
acometimento relacionado a lesões situadas na porção superior à área visual primária (lobo occipital),
que estimulam as áreas de associação multimodal do córtex parietal e do córtex da convexidade frontal.
Essa região é associada à localização espacial dos estímulos, sendo capaz de recrutar uma ação como o
desvio conjugado rápido dos olhos e de cabeça em direção ao estímulo.

A heminegligência também pode ser considerada um tipo de agnosia visuoespacial, resultado


de lesões no lobo parietal direito. Nessa situação, o paciente não presta atenção e ignora a metade
esquerda do campo visual. O fisioterapeuta deve ficar atento a esse tipo de distúrbio, uma vez que
implicará consequências no dia a dia do paciente, como ao passar por passagens estreitas, ao vestir,
ao se alimentar, em que o paciente não reconhecerá o lado acometido para a realização de tais
atividades funcionais.

Lesões nos lobos temporais podem ainda originar as agnosias auditivas, em que o paciente apresenta
dificuldade no reconhecimento de ruídos ou sons musicais.

Outro tipo de distúrbio que pode estar presente junto às afasias e agnosias é a apraxia. O termo
grego praxis significa ação, e dessa forma, a apraxia seria a incapacidade em realizar atos motores na
ausência de comprometimento de força muscular, sensibilidade ou alteração do tônus muscular.

19
Unidade I

A dificuldade em realizar atos motores aprendidos pode englobar desde atos simples, como, por
exemplo, fazer o sinal de adeus, a atos motores complexos, como o uso funcional de um objeto como
caneta, escova e pasta de dentes, e até a marcha. Essa limitação costuma ser resultado de lesões
localizadas no córtex parietal.

No quadro a seguir é possível observar tipos específicos de apraxias.

Quadro 1 – Tipos de apraxia

Apraxia Caracterização
Cinética Dificuldade em executar movimentos finos
Ideomotora Dificuldade em realizar atos motores complexos, como escovar os dentes
Bucolingual Restrição a uma parte do corpo em atividades específicas, como assoviar
Construtiva Dificuldade em copiar desenhos, como figuras geométricas

Embora os diferentes tipos de apraxias não sejam muito frequentes no dia a dia da intervenção
fisioterapêutica de pacientes neurológicos, é importante ressaltar que sua presença pode interferir na
interpretação adequada dos distúrbios da função motora.

Saiba mais

O neurologista Oliver Sacks descreveu alguns casos de seus pacientes;


conheça exemplos de histórias de pessoas com distúrbios das funções
corticais superiores lendo a seguinte obra:

SACKS, O. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. São


Paulo: Companhia das Letras, 1985.

1.7 Tônus muscular

Um dos tópicos mais importantes da avaliação neurológica para o fisioterapeuta é o do tônus muscular.

É através da avaliação do tônus muscular que o fisioterapeuta pode compreender as disfunções


motoras presentes no paciente que justificam sua queixa funcional. A alteração do tônus irá repercutir
diretamente na capacidade de o paciente realizar movimento voluntário, bem como apresentar ajustes
posturais adequados para a manutenção do equilíbrio.

O tônus muscular pode ser definido como o estado de contração basal do músculo, sendo que
mesmo em repouso, apresenta um grau mínimo de contração.

20
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Dessa forma, há duas situações fisiológicas de tônus: o de repouso (basal) e o postural. O tônus de
repouso é explicado pelas propriedades elásticas das fibras musculares e pela ação do proprioceptor
fuso muscular, cujo circuito neural está localizado na medula, sendo responsável pelo reflexo de
estiramento (miotático).

O tônus postural é aquele que será recrutado para a motricidade voluntária e os ajustes posturais.
O controle do tônus postural depende da ação equilibrada de vias suprassegmentares descendentes
excitatórias e inibitórias para a medula espinal. Essas vias suprassegmentares se originam em diferentes
regiões do encéfalo e terminam fazendo sinapses excitatórias e inibitórias com os neurônios medulares.
O quadro 2 mostra, de forma geral, algumas dessas vias descendentes.

Quadro 2 – Vias descendentes medulares


excitatórias e inibitórias

Vias excitatórias Vias inibitórias


Trato vestibuloespinal lateral Trato corticoespinal lateral
Trato reticuloespinal pontino Trato rubroespinal
Trato tectoespinal Trato reticuloespinal bulbar

Diante de lesão no sistema nervoso central poderá ocorrer o comprometimento no controle do


tônus, resultando em hipertonia ou hipotonia muscular.

Antes de explicar as alterações de tônus muscular, vamos descrever como é realizada a sua avaliação.

O tônus muscular pode ser avaliado através da inspeção, da palpação e do alongamento passivo
rápido do músculo. Tanto a inspeção como a palpação não oferecem uma avaliação fidedigna do
tônus muscular, mas podem auxiliar a interpretação do fisioterapeuta após a mobilização passiva
do músculo.

Pela inspeção, através da comparação entre os dois hemicorpos, é possível observar o posicionamento
dos segmentos quando é solicitada ao paciente a manutenção na postura deitada (decúbito dorsal). Um
hemicorpo na posição de flexão do membro superior pode sugerir a presença de hipertonia espástica
nesse membro.

Na palpação, o critério de avaliação também é a comparação entre os grupos musculares dos


membros superiores e inferiores, sendo ainda realizada com o paciente posicionado em decúbito
dorsal. O fisioterapeuta, ao palpar o ventre muscular, deverá observar o seu grau de consistência. Essa
consistência está mais relacionada ao grau de elasticidade do músculo, responsável pelo denominado
tônus muscular de repouso.

Esse procedimento de avaliação do tônus não substitui a necessidade do alongamento passivo rápido
do músculo, uma vez que será o alongamento rápido que possibilitará uma observação real da alteração

21
Unidade I

da sensibilidade do fuso muscular, proprioceptor responsável pela resposta reflexa de contração que
será verificada após o alongamento.

Ou seja, o fisioterapeuta pode até realizar a inspeção e a palpação, mas será o alongamento passivo
rápido que o ajudará a definir se o músculo está hipertônico ou hipotônico.

Assim, através da mobilização passiva rápida das articulações, o fisioterapeuta detectará as alterações de
tônus muscular. Inicialmente deve ser realizado um movimento lento de alongamento para verificação
de presença de limitações articulares, para em seguida aplicar o alongamento passivo rápido. Nesse
momento, tem de ser observado o grau de resistência oferecido pelo músculo.

Essa resistência observada ao alongar rapidamente o músculo nada mais é do que a resposta reflexa
de contração do músculo gerada pela ativação do fuso muscular.

Nitrini e Bacheschi (2015) afirmam que na hipertonia muscular, ao se realizar o alongamento passivo
rápido, o fuso muscular é estimulado através de seu arco reflexo, o músculo reflexamente contrai.
A contração muscular reflexa é percebida pelo fisioterapeuta como uma resistência brusca que logo
em seguida desaparece. Clinicamente, esse comportamento é denominado sinal do canivete, uma vez
que essa resistência lembra aquela encontrada ao se abrir ou fechar um canivete. A redução brusca
da resistência deve-se à ativação do receptor OTG (órgão neurotendíneo de Golgi), que promove o
relaxamento reflexo do músculo.

Essa hipertonia também é chamada elástica ou espástica. Corresponde à alteração de tônus muscular
mais frequente após lesões do neurônio motor superior, ou trato piramidal. Mas a hipertonia ainda pode
ser do tipo plástica ou rigidez. Trata-se de uma condição específica de tônus presente em pacientes
portadores de doença de Parkinson. Nessa forma de hipertonia, o aumento da resistência durante o
alongamento passivo do músculo é intermitente e independe da velocidade do alongamento, sendo
que esse comportamento lembra o movimento de uma roda de engrenagem. Por tal motivo, esse sinal
é conhecido como roda denteada.

Quando há redução da resistência muscular ao alongamento passivo, têm-se a situação de tônus


chamada hipotonia. Frequentemente é resultado de lesões localizadas no próprio músculo, como as
miopatias, ou no neurônio motor inferior. No que se refere ao sistema nervoso central, a hipotonia pode
ocorrer em fase aguda das lesões ou então após acometimento cerebelar.

O domínio do fisioterapeuta durante o procedimento da avaliação do tônus é de extrema


importância, uma vez que as alterações de tônus comprometem diretamente a capacidade de realização
dos movimentos ativos e o controle do equilíbrio do paciente. As queixas funcionais apresentadas pelos
pacientes geralmente estão associadas a dificuldades motoras e de equilíbrio.

22
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

1.8 Reflexos profundos e superficiais

A pesquisa sobre os reflexos profundos inclui, principalmente, a observação das respostas dos reflexos
tendíneos ou miotáticos.

Para testar os reflexos tendíneos, o terapeuta deverá posicionar o músculo em estado de


pré‑alongamento. Em seguida, com a utilização do martelo de reflexo, ele percutirá o tendão desse
músculo pré-alongado.

A percussão do tendão irá gerar reflexamente a contração do músculo, promovendo o movimento


articular. O receptor muscular a ser estimulado com a percussão do tendão é novamente o fuso
muscular. Daí a importância de se posicionar o músculo em situação de pré-alongamento, uma
vez que o estímulo para ativar esse proprioceptor, localizado no ventre muscular, é o alongamento
rápido. Será a comparação entre as respostas obtidas bilateralmente que possibilitará ao terapeuta
interpretá-las adequadamente.

Para Bertolucci et al. (2016), entre as principais características que se deve atentar durante a pesquisa
dos reflexos tendíneos estão a presença ou ausência do reflexo, simetria entre os hemicorpos, aumento
da área reflexógena e velocidade-amplitude da reposta. Uma graduação que pode ser feita diante das
respostas obtidas é apontada no quadro a seguir.

Quadro 3 – Graduação dos reflexos tendíneos

Graduação Resposta
0 Abolido ou ausente
+1 Hipoativo
+2 Normativo
+3 Vivo ou hiperativo
+4 Exaltado

Embora todos os músculos esqueléticos apresentem o reflexo miotático, na avaliação são


testados alguns cuja resposta tende a ser mais evidente. Além disso, os grupos musculares devem
ser testados bilateralmente, e o terapeuta, através da comparação entre as respostas, deverá interpretá‑las.
O paciente deve ser posicionado de maneira que o músculo a ser testado esteja relaxado.

O reflexo aquileu depende do nervo tibial e é integrado nos segmentos de L5 a S2. Em seu teste, o
paciente estará em decúbito dorsal, a perna a ser testada será posicionada em ligeira flexão e rotação
externa e cruzada sobre a outra. O terapeuta manterá o tornozelo em pequeno grau de flexão dorsal e
então, ao percutir o tendão aquileu, será observado o movimento de flexão plantar.

Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), quando o reflexo aquileu está exaltado, pode ser obtido já ao
percutir estruturas como os maléolos e a face anterior da tíbia. Isso ocorre devido à transmissão de
vibração, sinalizando a situação de hiper-reflexia.

23
Unidade I

O reflexo patelar depende do nervo femoral e é integrado nos segmentos L2 a L4. Nele, o paciente
sentado com as pernas pendentes ou em decúbito dorsal, com os joelhos em semiflexão apoiados
pelo examinador, é percutido o ligamento patelar (entre a patela e a epífise da tíbia), observando-se o
movimento de extensão do joelho.

Quando a resposta está exaltada, já é possível a observação do reflexo ao se percutir a crista da tíbia.

O padrão de resposta dos reflexos tendíneos varia entre os indivíduos sem lesão neurológica. Para
facilitar a obtenção do reflexo, pode-se solicitar as manobras de reforço. Na manobra de Jendrassik,
solicita-se ao paciente que mantenha os dedos das duas mãos semifletidos e enganche as duas mãos,
mantendo as superfícies palmares em contato e as puxando em sentido contrário, sem permitir sua
separação (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Além disso, o fisioterapeuta deve certificar-se se o paciente realmente está com o músculo relaxado,
pois caso contrário, a análise do reflexo será dificultada, o que poderá ocasionar uma interpretação
inadequada da resposta reflexa.

Observação

Procure nesse momento da avaliação distrair a atenção do paciente,


para que não fique atento ao seu procedimento com o martelo de reflexo.

Para verificar o reflexo dos músculos adutores da coxa, o paciente deve estar em decúbito dorsal
com os membros inferiores semifletidos, em pequeno grau de adução do quadril, com os pés apoiados
na cama ou sentado com as pernas pendentes. A percussão se dá na região do côndilo medial do
fêmur, na inserção dos tendões. Com a interposição do dedo do terapeuta, através da percussão,
observa‑se uma pequena adução da coxa.

A integração do reflexo dos adutores da coxa ocorre nos mesmos segmentos que o reflexo patelar,
mas depende do nervo obturador.

Outro reflexo tendíneo que pode ser verificado é o estilorradial, cuja integração ocorre nos
segmentos C5 e C6 e é dependente do nervo radial. O antebraço é semifletido e apoiado sobre a mão
do terapeuta, em pequeno grau de pronação. A percussão acontece sobre o processo estiloide do rádio,
que determinará a contração do músculo braquiorradial, produzindo flexão e pequena pronação.
Na hiper‑reflexia, a contração reflexa é mais vigorosa, uma vez que ocorrem contrações associadas dos
músculos bíceps e flexores dos dedos.

O reflexo bicipital pode ser testado através do antebraço em posição de semiflexão e com a mão
em supinação, sendo apoiado sobre o antebraço do terapeuta. Ao se percutir o tendão bicipital, ocorrerá
a flexão do cotovelo e supinação do antebraço. Sua integração ocorre nos segmentos C5 e C6 e é
dependente do nervo musculocutâneo.

24
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Já quanto ao reflexo tricipital, a inervação é feita pelo nervo radial e sua integração se dá nos
segmentos C7 e C8. Sua verificação ocorre com o braço abduzido e sustentado pelo terapeuta, de
modo que o antebraço fique pendente em semiflexão. Ao se percutir a porção distal do tendão tricipital
ocorrerá a extensão do cotovelo.

O quadro a seguir mostra os reflexos tendíneos mais frequentemente pesquisados e seus respectivos
segmentos medulares.

Quadro 4 – Reflexos tendíneos e seus segmentos medulares

Reflexo tendíneo Segmento medular


Bicipital C5-C6 (nervo musculocutâneo)
Tricipital C7 (nervo radial)
Estilorradial C5-C6 (nervo radial)
Quadríceps (patelar) L3-L4 (nervo femoral)
Aquileu S1 (nervo ciático)

A análise do terapeuta sobre os reflexos tendíneos será baseada na comparação das respostas
obtidas entre os dois hemicorpos, sendo que as assimetrias deverão chamar a atenção do examinador.
Há variáveis que interferem na resposta do reflexo tendíneo em indivíduos sem história de
lesão neurológica.

No início da prática clínica, é comum encontrar dificuldades para testar os reflexos tendíneos e
interpretar adequadamente os achados sobre o tônus.

Uma dica valiosa que você não pode esquecer é que a avaliação do tônus muscular possui uma
relação direta com a dos reflexos tendíneos, uma vez que nos procedimentos o receptor muscular a ser
estimulado é o fuso muscular. Assim, na dúvida sobre o tônus de um grupo muscular, verifique como se
encontra a resposta do reflexo tendíneo do respectivo grupo muscular.

Vamos dar um exemplo prático. Ao testar o tônus do músculo bíceps braquial, você realizará de
forma passiva e rápida o movimento de extensão do cotovelo. Vamos supor que tenha ficado com
dúvida se há aumento de tônus do bíceps ou se o paciente realizou de forma ativa o movimento.
Para solucionar a dúvida, verifique a resposta do reflexo bicipital. Se houver hipertonia espástica, o
reflexo estará aumentado. Assim, diante de hipertonia espástica, a resposta do reflexo tendíneo estará
aumentada ou exaltada (na espasticidade). Da mesma forma, na hipotonia muscular, a resposta tendínea
estará diminuída (hiporreflexia).

A hiper-reflexia ocorre quando há aumento da amplitude da resposta do reflexo tendíneo e


crescimento da área da resposta reflexógena. A presença da hiper-reflexia sugere a existência de uma
hipersensibilidade do fuso muscular, ou seja, o fuso está muito sensível e, assim, se o músculo sofrer um
mínimo alongamento, como a percussão do tendão ou diante de uma saliência óssea próxima à inserção
tendínea do músculo, será capaz de contrair reflexamente o músculo. Esse é um dos sinais clínicos
presentes na síndrome da espasticidade.
25
Unidade I

Além da hiper-reflexia, no paciente com espasticidade são encontrados os reflexos policinéticos,


como o clônus muscular.

Para Nitrini e Bacheschi (2015), o reflexo policinético consiste em contrações musculares repetidas
em resposta a uma única percussão. Pode ser observado à pesquisa de qualquer reflexo profundo.
Um dos mais observados durante a avaliação de pacientes espásticos é o clônus observado diante do
alongamento brusco e mantido dos músculos tríceps sural, flexores de punho e dedos e reto-femoral (ao
se deslocar a patela para baixo de forma rápida).

Figura 2 – Representação do reflexo policinético clônus muscular

Fonte: Clonus: clinical examination… (2016).

Com relação aos reflexos superficiais, suas respostas se esgotam diante de estimulação repetitiva. De
maneira geral, compõem contrações breves dos músculos superficiais após estimulação cutânea.

Um dos superficiais mais importantes do ponto de vista clínico é o reflexo cutâneo plantar. Com o
paciente deitado e relaxado, a estimulação cutânea deve ser realizada através da ponta de um lápis ou
caneta sobre a superfície plantar na forma da letra “C” invertida, isto é, partindo o estímulo da região
do calcâneo direcionando o lápis para a borda lateral do pé em direção ao hálux. Como resposta, haverá
uma flexão global dos dedos. Durante o primeiro ano de vida, a resposta encontrada é a de extensão do
hálux associada à abertura (abdução dos dedos) na forma de leque.

A persistência do padrão de resposta presente no período de 1 ano é considerada patológica, e esse


sinal é chamado Babinski. O sinal de Babinski também é um achado clínico presente na espasticidade,
sendo sua presença indicativa de lesão do neurônio motor superior.

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FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

O reflexo cutâneo abdominal é aquele em que uma leve estimulação na parede abdominal no
sentido lateromedial provoca a contração dos músculos abdominais homolaterais à estimulação,
gerando o desvio da cicatriz umbilical para o lado estimulado. Esse reflexo é integrado nos segmentos
medulares de T9 a T11 e está ausente na síndrome piramidal. É importante ressaltar que fatores como
obesidade, flacidez e processo cicatricial podem dificultar a pesquisa desse reflexo.

Precisamos considerar que a observação dos reflexos profundos e superficiais deve ser somada aos
demais tópicos da avaliação neurológica. Em especial, na avaliação fisioterapêutica, os achados dos
reflexos tendíneos não têm de ser interpretados de forma isolada daqueles observados na avaliação do
tônus muscular. Nenhum profissional fará um diagnóstico clínico do paciente baseado somente nas
respostas desses reflexos.

1.9 Motricidade voluntária e força muscular

Para avaliar a motricidade voluntária, é necessário solicitar ao paciente que realize movimentos
analíticos dos membros superiores e inferiores. Os movimentos de flexão, extensão e rotação do tronco
também devem ser observados.

O terapeuta deverá observar se o paciente é capaz de vencer a ação da gravidade, se há presença de


oscilações e principalmente se é capaz de completar totalmente a amplitude de movimento. O paciente
pode estar deitado em decúbito dorsal ou sentado. A avaliação deve ser realizada em todos os grupos
musculares e de forma bilateral.

Uma vez verificada a presença de movimentos ativos contra a ação da força de gravidade, faz‑se
necessária a avaliação da força muscular. Para isso, além da ação da gravidade, o paciente deverá
realizar o movimento contra uma resistência extra oferecida pelo terapeuta.

No quadro a seguir é possível verificar a graduação da força muscular, segundo Kendall, Kendall e
Wadsworth (1979).

Quadro 5 – Graduação da força muscular

Escore Caracterização
0 Sem evidência de contração muscular
1 Evidência de contração muscular sem movimento articular
2 Amplitude de movimento incompleta
3 Amplitude de movimento completa contra a gravidade
4 Amplitude de movimento completa contra a gravidade e resistência submáxima
5 Amplitude de movimento completa contra a gravidade e resistência máxima

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Unidade I

Nem sempre é possível a graduação da força muscular em pacientes neurológicos com alteração
de tônus, em especial naqueles que possuem espasticidade, que dificultará o recrutamento do músculo
antagonista ao espástico. Sendo assim, é esperado que tanto o músculo espástico como seu antagonista
sejam fracos. Diante da hipotonia, a graduação da força muscular já é mais possível.

Outro aspecto importante a se lembrar é que existem variáveis que interferem na distribuição da
força muscular entre os diferentes grupos musculares. A idade do paciente, a prática de atividades
físicas assimétricas em relação aos membros e hemicorpos e o lado dominante são alguns fatores que
influenciarão a força muscular entre os dois hemicorpos. Assim, o fisioterapeuta deve considerá-los para
que possa realizar uma interpretação adequada dessa importante função motora.

Os distúrbios da motricidade voluntária são denominados plegia ou paresia. A plegia é equivalente


à situação clínica em que o movimento voluntário está ausente, sendo equivalente à paralisia. Quando
o movimento voluntário está presente, porém de forma parcial, ocorre a paresia. A instalação da plegia
após uma lesão neurológica possui um significado clínico de maior gravidade.

Dependendo da distribuição topográfica do distúrbio de motricidade, pode-se encontrar as situações


apontadas no quadro a seguir. São termos importantes utilizados no dia a dia da clínica neurológica,
que auxiliam o fisioterapeuta a interpretar o quadro motor do paciente.

No quadro, a primeira forma de acometimento é a monoplegia. Essa é uma condição clínica


comum nas lesões de sistema nervoso periférico. Nela há perda total do movimento voluntário em um
membro que pode ser superior ou inferior, a monoparesia, respectivamente, vem a ser a perda parcial do
movimento voluntário em um membro.

Outra forma frequente de acometimento motor após lesões encefálicas é a hemiplegia, caracterizada
pela perda total do movimento em um hemicorpo, que pode ser o direito ou esquerdo. Pode também
ocorrer o acometimento da hemiface.

Na diplegia, o comprometimento motor está presente nos quatro membros, porém os membros
inferiores são mais afetados e o comprometimento dos membros superiores é mais leve e distal, se
encontrando na região de punho e dedos. Esse quadro é observado em crianças com diagnóstico clínico
de paralisia cerebral.

Observação

A paraplegia não é equivalente à diplegia. Ela é um tipo de


comprometimento motor decorrente de lesões da medula espinal (abaixo
do segmento medular T1), em que o paciente perde os movimentos do
tronco em direção aos membros inferiores. Na paraplegia, a função motora
dos membros superiores está preservada.

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FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Quadro 6 – Distúrbios da motricidade voluntária,


segundo distribuição topográfica

Classificação Distribuição topográfica


Monoplegia Ausência de movimento em um membro
Hemiplegia Ausência de movimento em um hemicorpo
Tetraplegia Ausência de movimento nos quatro membros
Paraplegia Ausência de movimento abaixo de T2, presença de lesão medular
Acometimento dos quatro membros, porém com predomínio dos
Diplegia membros inferiores; comum na paralisia cerebral

A tetraplegia (ou quadriplegia) é a condição clínica em que a perda do movimento voluntário é


simétrica e envolve os quatro membros, ocorrendo em lesões encefálicas extensas, ou então, lesões
medulares altas, como aquelas localizadas na região cervical ou início da medula torácica.

1.10 Sensibilidade

Outro item importante da avaliação neurológica é a observação da sensibilidade. Vale lembrar que
há três categorias de sensibilidade: a exteroceptiva, a proprioceptiva e a interoceptiva.

A sensibilidade exteroceptiva é aquela que inclui os sistemas que recebem os estímulos externos,
como visão, audição, gustação, olfato e pele (cutânea). A proprioceptiva está relacionada com a noção
de posicionamento dos segmentos do corpo em relação ao espaço e ao próprio corpo, enquanto que a
interoceptiva está associada com as informações sensoriais originadas nos órgãos internos e vísceras.

Na avaliação fisioterapêutica são focadas as modalidades de sensibilidade extero e proprioceptiva.

Diante da suspeita de alterações nos sistemas de visão, audição, olfato e paladar, o fisioterapeuta
deverá orientar o paciente a procurar por um especialista para uma avaliação mais detalhada.

Com relação à sensibilidade cutânea (superficial), serão observados a dor, a temperatura e o tato
protopático (grosseiro). Já a proprioceptiva engloba a sensibilidade cinética-postural, vibratória e o
tato epicrítico (discriminativo).

Além disso, o terapeuta deverá verificar, de forma geral, a presença de queixas como dores
espontâneas, formigamentos e adormecimentos. Todas essas sensações não específicas são chamadas
de parestesias, uma das mais frequentes alterações de sensibilidade.

Antes de iniciar a observação da sensibilidade propriamente dita, é interessante que seja demonstrado
ao paciente o que será utilizado como estímulo: alfinetes descartáveis, uma porção de algodão, tubos de
ensaio com água gelada e morna. Essa estratégia é válida para se evitar uma interpretação inadequada
de distúrbios reais de sensibilidade dos de origem cognitiva, que também podem estar presentes.

29
Unidade I

Uma vez demonstrados os objetos, o paciente deverá permanecer deitado, relaxado e de olhos
fechados. Então o terapeuta deve oferecer os estímulos ao longo dos membros superiores e inferiores.
O paciente deverá ser capaz de identificar o estímulo e localizar o segmento de seu corpo que foi estimulado.

No quadro a seguir são apontadas as modalidades sensoriais superficiais e objetos que podem ser
utilizados na avaliação.

Quadro 7 – Sensibilidade cutânea

Sensibilidade Avaliação
Dor Utilização de alfinetes descartáveis
Tato protopático (grosseiro) Utilização de uma porção de algodão
Temperatura Utilização de tubos de ensaios com água morna e gelada

Na sensibilidade profunda, devem ser investigadas a modalidade cinética-postural, a vibratória e o


tato epicrítico (discriminativo).

O tato epicrítico pode ser avaliado solicitando ao paciente que indique o local exato do ponto
estimulado ou da discriminação de dois pontos.

A sensibilidade cinético-postural é aquela em que o paciente demonstra capacidade de identificar a


posição dos segmentos do corpo em relação ao próprio corpo. Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), uma
forma simples de avaliação é solicitar que o paciente, de olhos fechados, acuse a posição assumida pelos
segmentos deslocados passivamente pelo terapeuta.

Com a utilização de um diapasão posicionado sobre as saliências ósseas, como, por exemplo, a crista
do osso tíbia, a sensibilidade vibratória pode ser observada.

Vale lembrar que a capacidade de reconhecimento de objetos ou formas através do tato requer a
integridade da área de associação tátil, localizada no lobo parietal. Lesões dessa região podem ocasionar
a agnosia tátil.

Dependendo do tipo de acometimento sensorial, os distúrbios de sensibilidade podem ser do tipo


hiperestesia, hipoestesia e anestesia.

1.11 Coordenação motora

Para a observação da coordenação motora, o fisioterapeuta deve estar atento, uma vez que a queixa
funcional do paciente pode ser explicada devido ao seu comprometimento. Ela pode ser verificada
através de testes específicos como índex-índex, índex-nariz e calcanhar-joelho, entretanto também
deve ser observada a coordenação motora envolvida na realização de atividades funcionais, como para
abotoar e desabotoar uma camisa, calçar uma meia e amarrar o cadarço de sapatos, bem como aquela
necessária para a escrita.

30
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Com relação à coordenação da região do tronco, é possível verificar, sobretudo, o equilíbrio e seu
controle durante a manutenção de posturas como sedestação (sentada) e bipedestação (ortostática).

Através da solicitação dos testes específicos, é possível verificar a coordenação dos membros
superiores e inferiores. Antes de descrevê-los, será necessário demonstrar o teste ao paciente, que em
seguida deverá realizar de forma lenta e de olhos abertos, para depois com os olhos fechados, aumentar
a velocidade do movimento.

Outra forma de coordenação motora envolve a diadococinesia, que é a capacidade de realizar


movimentos rítmicos e alternados dos membros. Para sua avaliação, estando o paciente sentado
e com os antebraços apoiados sobre os joelhos, poderá ser solicitada a realização alternada
dos movimentos de pronação e supinação dos antebraços. Nos membros inferiores, podem ser
realizados movimentos alternados de flexão e extensão do tornozelo. As orientações a serem dadas
ao paciente são as mesmas para os testes específicos.

Na prova índex-nariz, é solicitado ao paciente que, partindo da posição de abdução do ombro


a 90° e extensão de cotovelo, leve a ponta do dedo de encontro à ponta do nariz. No índex-índex, a
solicitação é para que haja o encontro bilateral da ponta do dedo à linha média do corpo. Para os
membros inferiores, a prova calcanhar-joelho (figura a seguir), o paciente deitado em decúbito dorsal
deverá tocar o calcâneo no joelho contralateral e depois deslizá-lo sobre a tíbia, em linha reta até o
dorso do pé.

Figura 3 – Representação do teste de coordenação calcanhar-joelho

Fonte: Greve (2017, p. 60).

Distúrbios de coordenação podem ser observados através da presença de oscilações, dificuldade


para o controle da velocidade do movimento e para atingir o alvo. A incapacidade para atingir o alvo
do movimento pode ser denominada dismetria, em que o paciente no teste pode não completar
o movimento (hipometria) ou ultrapassar o alvo, tocando, por exemplo, a ponta do dedo sobre a
fronte ou boca (hipermetria). A dificuldade na realização de movimentos alternados e rítmicos é
denominada disdiadococinesia.

31
Unidade I

Os distúrbios de equilíbrio e de coordenação envolvem as ataxias, que podem ser de origem cerebelar,
vestibular e sensitivas.

A ataxia sensitiva é resultado de acometimento nas vias de sensibilidade cinético-postural, onde as


informações sobre o posicionamento das partes do corpo não são conduzidas de maneira adequada,
gerando limitações no recrutamento de ajustes posturais. Nessa ataxia, a visão pode agir como
compensação para o déficit sensorial, e um teste que pode ser observado é o sinal de Romberg. Ao
solicitar o fechamento dos olhos com o paciente na postura ortostática, é possível observar oscilações
sem tendência para um dos lados. Quando esse padrão de resposta está presente, é dito sinal de
Romberg positivo.

A marcha na ataxia sensitiva é denominada talonante ou calcaneante, uma vez que pelo déficit
proprioceptivo, o paciente toca o calcanhar fortemente no chão, além de manter a visão durante cada
passo, que é irregular e curto. Diante do fechamento dos olhos, essas alterações pioram e podem até
impossibilitar a marcha. Polirradiculoneurites ou lesões dos gânglios espinais e nas raízes dorsais (tabes),
esclerose múltipla no funículo posterior da medula espinal, podem resultar na ataxia sensitiva.

As lesões cerebelares também podem gerar ataxia. Outro sinal presente nessas lesões é a dança de
tendões. Para a manutenção da postura ortostática, é necessária a ação coordenada entre os músculos
tibial anterior e tríceps sural. Essa coordenação está comprometida na lesão cerebelar, contribuindo
para a presença de oscilações entre esses dois tendões. A marcha atáxica cerebelar, também chamada
ebriosa, é caracterizada por passos irregulares, que alternam a largura e a velocidade, as pernas são
mantidas afastadas, sendo difícil andar em linha reta, e o fechar dos olhos não interfere no desequilíbrio.

O sistema vestibular é especializado por detectar constantemente a posição e os movimentos da


cabeça. Essas informações são importantes para a elaboração de ajustes posturais. Diante das disfunções
vestibulares, o controle do equilíbrio fica comprometido. Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), alguns dos
principais sintomas de disfunção vestibular são a vertigem e a sensação de rotação do ambiente ou do
corpo. Na avaliação do equilíbrio estático, o paciente apresenta tendência de queda, principalmente
diante do fechamento dos olhos, caracterizando o sinal de Romberg vestibular. A marcha dessa
pessoa é caracterizada por aumento da base de sustentação e há tendência de deslocamento para
um dos lados.

Nas lesões periféricas do sistema vestibular, como nas labirintopatias, ao solicitar que o paciente
caminhe quatro ou cinco metros para frente e para trás com os olhos fechados, observa-se que os
desvios presentes permitem o desenho de uma estrela no chão.

Quando a lesão no sistema vestibular ocorre no âmbito central, isto é, nos núcleos vestibulares (entre
a ponte e o bulbo), há tendência de queda preferencial que não será influenciada pela movimentação
da cabeça. Lesões unilaterais provocam tendência de queda para o lado em que o labirinto se
encontra acometido.

Ainda no exame do sistema vestibular, é possível observar o nistagmo, que é um desvio


relativamente lento dos olhos num sentido, seguido de um abalo rápido no sentido oposto.
32
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Para finalizar o tema das ataxias, ainda é possível o comprometimento do equilíbrio ser resultante de
lesão no lobo frontal. Nele, há presença de vias descendentes para cerebelo e núcleos da base. Na ataxia
frontal, o equilíbrio estático não é comprometido, porém a disfunção é observada durante a marcha,
caracterizada pelo aumento da base de sustentação combinado com a flexão do tronco, os passos são
hesitantes e seu início pode parecer difícil (os pés parecem “colados ao chão”), e o desequilíbrio aumenta
ao mudar de direção. Essa ataxia, para alguns autores, é chamada de apraxia da marcha.

Um aspecto interessante na apraxia é que a coordenação nos membros inferiores está, geralmente,
preservada, e nos membros superiores poderá ocorrer a perseveração motora, que corresponde à
dificuldade de realizar movimentos alternados ou em sequência, sendo o paciente incapaz de passar de
um movimento a outro, havendo a persistência do movimento anterior.

Quadro 8 – Tipos de ataxias e suas respectivas áreas de lesão

Ataxia Áreas de lesão


Vias de sensibilidade cinético-postural, lesão no funículo
Sensitiva posterior da medula espinal e raízes dorsais
Vestibular Sistema vestibular
Cerebelar Cerebelo
Frontal Lobo frontal

1.12 Exame das funções neurovegetativas (autonômicas)

É comum esquecer que além das funções motoras, cognitivas e perceptuais, o sistema nervoso é
responsável pelo controle das funções neurovegetativas ou autonômicas.

Para o fisioterapeuta, a observação do controle autonômico é importante, uma vez que seus
distúrbios podem estar presentes durante a terapia, como, por exemplo, a hipotensão ortostática ou o
aumento súbito de pressão arterial que poderão até mesmo necessitar da interrupção da terapia.

Os distúrbios nas respostas neurovegetativas podem resultar de lesões centrais e periféricas do


sistema nervoso.

Alterações vasomotoras localizadas nas extremidades dos membros, de salivação e sudorese,


hipotensão postural, além de comprometimento no controle de esfíncter e sexual devem ser questionadas
durante a própria anamnese do paciente. A inspeção da pele e anexos contribui, em grande parte, para
a detecção de alguns desses distúrbios, como o grau de hidratação, temperatura, presença de ulcerações
e processos cicatriciais e coloração.

O termo “autônomo” é explicado pelo fato que esse sistema não está sob controle voluntário e
depende da ação de diferentes estruturas, como córtex cerebral, núcleos hipotalâmicos e formação
reticular do tronco encefálico. O estado emocional, a motivação e o movimento voluntários influenciam
o sistema autônomo.

33
Unidade I

Vale lembrar que é composto de três componentes: o simpático, o parassimpático e o visceral. O


componente visceral apresenta grande autonomia em relação aos demais sistemas, sendo constituído
por neurônios sensitivos e motores do trato gastrointestinal, com poucas conexões com outras partes
do sistema nervoso.

Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), o componente simpático é responsável por mudanças rápidas
que permitem ao organismo adaptação a súbitas alterações dos meios externo (exemplo: temperatura)
e interno (hemorragia). Já o parassimpático, de maneira geral, é responsável pela manutenção
das condições basais no repouso, como frequência cardíaca, pressão arterial e metabolismo em
condições normais.

O controle esfincteriano deve ser pesquisado, cujo acometimento é comum após lesões nervosas
centrais e periféricas, que acarreta sérias consequências clínicas e psicossociais. A bexiga neurogênica é
um dos mais frequentes distúrbios autonômicos. A infecção urinária de repetição é uma das principais
consequências clínicas da bexiga neurogênica, cujo agravamento pode inclusive comprometer a
função renal.

De maneira geral, há dois tipos de bexiga neurogênica: a arreflexa (ou flácida) e a hiper-reflexa
(espástica). Na arreflexa (flácida), a lesão pode ter ocorrido nos nervos pélvicos, das raízes da cauda
equina. Dependendo da ação do músculo detrusor, a urina é eliminada em pequenas quantidades e
manobras que aumentam a pressão abdominal auxiliando no esvaziamento da bexiga.

A bexiga hiper-reflexa ou espástica é aquela em que a lesão resultou de segmentos medulares acima
de S2. Nessa forma de bexiga neurogênica, sua capacidade é menor e seu volume residual é variável,
além disso, há associação com a espasticidade dos músculos dos membros inferiores.

A incontinência urinária é um termo amplo que envolve disfunções de causas variadas no


controle esfincteriano.

Na avaliação neurológica, o fisioterapeuta deve questionar o paciente ou seu acompanhante sobre


sua presença e deverá orientar sobre a necessidade de consulta de um especialista e sobretudo alertar
sobre a possibilidade de infecção urinária e seus principais sintomas.

1.13 Exame dos nervos cranianos

A observação dos nervos cranianos pode revelar aspectos importantes sobre o diagnóstico clínico do
paciente, porém para o fisioterapeuta essa avaliação é focada para alguns pares de nervos, geralmente
aqueles que possuem maior frequência de acometimento em lesões periféricas e centrais.

Vale lembrar que a função dos nervos cranianos está relacionada com a inervação de músculos da
região do pescoço e da cabeça, e diferente dos nervos espinais que são mistos, alguns são formados
somente de fibras nervosas sensitivas, fibras motoras ou mistas. Esse detalhe anatômico contribui para
a compreensão do fisioterapeuta do quadro clínico do paciente. Por exemplo, o nervo facial é composto

34
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

de fibras motoras, na paralisia facial de natureza periférica, também conhecida como paralisia de Bell, a
perda predominante será motora dos músculos da hemiface homolateral à lesão.

O exame do nervo olfatório (I nervo) deve ser realizado quando o paciente apresenta queixas
específicas de alteração do olfato. Sua avaliação pode ser realizada através da apresentação de estímulos
olfativos, como chocolate, café e hortelã. Lesões localizadas na base da fossa anterior do crânio, como
traumas ou tumores, podem alterar sua função.

A anosmia é um tipo de disfunção de olfato. Importante apontar que alterações de olfato podem
ser um dos primeiros sintomas de doenças como Parkinson e demência de Alzheimer.

A observação do nervo óptico (II nervo) pode evidenciar distúrbios de acuidade visual, do campo
visual e do fundo de olho. Geralmente, para uma avaliação específica da acuidade visual, é possível utilizar
cartões posicionados a uma certa distância do paciente; também pode ser verificada ao se solicitar a
leitura de um texto ou uma frase colocada a 35 cm de distância do paciente. De maneira geral, o campo
visual pode ser observado pela reação de piscamento à ameaça, em que a aproximação rápida do dedo
do examinador em direção ao globo ocular provoca o piscar do olho. O fundo do olho não é verificado na
avaliação fisioterapêutica, mas para o neurologista, seu exame é importante, uma vez que sua alteração
pode sugerir determinadas doenças neurológicas e sistêmicas.

Os nervos motores oculares, o oculomotor (III nervo), o troclear (IV nervo) e o abducente (VI nervo)
podem ser avaliados conjuntamente ao se solicitar a motricidade ocular. A observação das pupilas
compõe também um ponto importante dessa avaliação, devendo estar simétricas quanto a diâmetro e
forma, além de estar íntegra a resposta do reflexo fotomotor.

O exame detalhado das pupilas se faz necessário sobretudo diante de lesões encefálicas traumáticas,
em que são frequentes assimetria no diâmetro (anisocoria ou isocoria) e ausência da resposta
fotomotora, que sugerem acometimento no trajeto do nervo óptico e até lesões de tronco encefálico.

A diplopia é um distúrbio neurológico frequente, cuja visão do paciente é dupla. Esse acometimento
ocorre, geralmente, devido à paresia ou plegia dos músculos extrínsecos oculares, causando a perda do
paralelismo entre os eixos dos dois olhos.

A anatomia do nervo óptico ao longo da base inferior dos hemisférios cerebrais permite a possibilidade
de diferentes tipos de disfunções, como, por exemplo, os escotomas, que são áreas de falha parcial ou
completa da visão. A lesão total do nervo óptico ocasiona a denominada amaurose (perda total da visão).

A sensibilidade superficial da face é verificada da mesma forma daquela descrita para membros
e tronco.

Através da inspeção do reflexo corneopalpebral é possível verificar a integridade das fibras aferentes
do nervo trigêmeo (V nervo). Nesse reflexo, a leve estimulação da córnea, com uma mecha de algodão,
provoca o fechamento rápido das duas pálpebras. As fibras aferentes do nervo trigêmeo chegam ao

35
Unidade I

núcleo do nervo, localizado na ponte, onde fará sinapse com os neurônios dos núcleos do nervo facial
homo e contralateral. As fibras dos nervos faciais são as vias eferentes desse reflexo.

Na lesão unilateral do nervo trigêmeo não haverá resposta na córnea do lado acometido, porém a
estimulação do globo ocular contralateral provocará o fechamento de ambas as pálpebras.

Outra forma de se verificar o nervo trigêmeo é solicitar o fechamento da boca com força, uma vez
que os músculos da mastigação são inervados por esse nervo.

Entre os nervos cranianos, um de maior importância para a fisioterapia é o facial (VII nervo). A
inspeção do nervo facial consiste na solicitação de movimentos da face, como franzir a testa, fechar os
olhos contra resistência e sorrir.

A paralisia facial pode ser de origem central, como num acidente vascular cerebral, ou periférica
devido à lesão na origem ou no trajeto do nervo. Na paralisia facial periférica haverá o acometimento de
toda a hemiface e desvio da rima para o lado sadio. O olho é mantido aberto devido a ação do músculo
elevador da pálpebra, dependente do III nervo.

Uma das formas frequentes de paralisia facial periférica é a de Bell, cuja causa é ação viral que
provocará um processo inflamatório do nervo. Além do comprometimento da motricidade da hemiface,
o paciente poderá perder a sensibilidade gustativa dos 2/3 anteriores da língua e da secreção lacrimal.

Na paralisia facial de origem central, apenas a motricidade da parte inferior da hemiface contralateral
é comprometida. As causas podem incluir presença de tumores, edemas cerebrais e acidente vascular
cerebral, que são capazes de afetar o trato corticonuclear, principal aferência cortical para o núcleo do
nervo facial, localizado na ponte.

Embora a extensão e a gravidade do acometimento da musculatura facial sejam maiores na


paralisia facial periférica, seu prognóstico de recuperação funcional é melhor quando comparado
à paralisia facial central.

O VIII nervo craniano é o vestibulococlear e sua avaliação pode ser realizada através da observação
do equilíbrio. Queixas de vertigem e desequilíbrio muitas vezes podem ser as principais do paciente ao
fisioterapeuta, devendo ser avaliadas de maneira mais detalhada.

Com relação à audição, durante a coleta da história clínica, o fisioterapeuta pode suspeitar
de maneira geral, sua disfunção (hipoacusia), e, assim, orientar o paciente a procurar por um
médico especialista.

O nervo glossofaríngeo (IX nervo) e o vago (X nervo), pela localização anatômica, podem
ser observados de forma simultânea, uma vez que são responsáveis pela inervação sensitiva e
motora da faringe, sendo possível a disfagia alta e a disfonia pelo acometimento do nervo vago,
e perda da gustação do terço posterior da língua à lesão do glossofaríngeo. A avaliação consiste

36
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

em solicitar ao paciente que pronuncie a vogal “a”, o examinador deverá observar a simetria na
elevação do palato e da úvula na linha média.

O XI nervo craniano, acessório, é motor e responsável pela inervação dos músculos


esternocleidomastóideo e porção superior do trapézio. Esses músculos são verificados na respectiva
prova de função muscular, em que o fisioterapeuta deverá colocar resistência contra os respectivos
movimentos de rotação da cervical e elevação dos ombros.

Finalmente, o XII nervo, hipoglosso, é responsável pela inervação dos músculos da língua, sendo sua
avaliação baseada na observação geral da motricidade da língua dentro e fora da boca.

No dia a dia, a observação dos nervos cranianos pelo fisioterapeuta ocorre quando o paciente possui
uma queixa específica que possa ter relação clínica com eles. Geralmente, essa avaliação é realizada
com mais frequência por profissionais especializados na área da deglutição e linguagem, como é o caso
dos fonoaudiólogos.

1.14 Exame do equilíbrio e da marcha

O exame do equilíbrio e da marcha corresponde a um dos pontos mais importantes da avaliação


fisioterapêutica de pacientes neurológicos. Embora seja também realizado pelo médico neurologista,
a avaliação fisioterapêutica deve ser detalhada, uma vez que tanto o equilíbrio como a marcha estão
relacionados diretamente com atividades funcionais, sendo a própria marcha, uma das principais queixas
apontadas por esses pacientes.

De maneira geral, o exame do equilíbrio realizado pelo neurologista consiste em observar a


bipedestação, que irá provocar desequilíbrios súbitos no sentido lateral e anteroposterior, estando o
paciente descalço, com os pés juntos e olhos abertos e depois fechados. Deverá observar a capacidade
do paciente em reagir aos desequilíbrios propostos e se manter estável na postura.

Além da postura bípede, o fisioterapeuta deverá observar o equilíbrio estático e dinâmico do paciente
em diferentes posturas, cuja exigência da ação da gravidade é progressivamente maior, sendo assim,
maior o controle do equilíbrio. A sequência das posturas é aquela observada na evolução motora da
criança em seu desenvolvimento.

Seguem as posturas a serem avaliadas no equilíbrio estático e dinâmico:

• decúbito dorsal;

• decúbito lateral direito e esquerdo;

• decúbito ventral;

• quadrupedia;

37
Unidade I

• sedestação;

• ajoelhada;

• semiajoelhada;

• bipedestação.

Para cada postura solicitada, o fisioterapeuta deverá responder às questões apontadas a seguir:

• O paciente consegue adotar a postura?

• Como adota a postura?

• Como mantém-se na postura?

• Consegue realizar movimentos na postura?

Para a primeira pergunta, o fisioterapeuta deverá observar se o paciente é capaz de adotar a postura
solicitada. É importante verificar se há necessidade de apoio ou ajuda. Com relação ao “como adota”,
é importante verificar a estratégia motora escolhida pelo paciente para assumir a postura: inicia o
movimento pelo tronco superior, inferior, ou utiliza o hemicorpo acometido para a transferência?

Uma vez na postura, o próximo passo deverá ser a observação do alinhamento dos segmentos como
membros e tronco, a extensão da base de sustentação e a presença de oscilações e instabilidade. Através
dessa observação, é possível verificar, principalmente, o equilíbrio estático do paciente. Será também
importante solicitar ao paciente que feche os olhos e que seja verificada a presença de desequilíbrios
e oscilações. É fundamental o posicionamento do fisioterapeuta nessa parte da avaliação. Ele deverá
permanecer próximo do paciente para garantir a segurança e integridade dele, caso ocorra desequilíbrio
em alguma postura.

O equilíbrio dinâmico consiste na capacidade de manutenção do equilíbrio em uma determinada


postura, enquanto o paciente realiza movimentos dos membros. Essa capacidade é extremamente
importante e necessária para que o paciente possa ser independente para suas atividades funcionais.

Você deve estar se perguntando: mas será que o paciente conseguirá adotar e manter-se em todas
essas posturas durante a avaliação?

A maioria, devido às limitações motoras, não consegue responder às solicitações impostas pelo
fisioterapeuta nessa parte da avaliação. Mas o profissional precisa ter bom senso para solicitar aquelas
que possibilitam uma análise inicial do quadro motor do paciente.

Durante a observação da marcha, também é possível observar o equilíbrio dinâmico do paciente,


principalmente através da extensão da base de sustentação, dissociação entre as cinturas escapular e
38
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

pélvica, alteração na velocidade e solicitação de mudança de direção. Porém para o fisioterapeuta


é interessante uma avaliação mais detalhada, sendo necessária a observação não somente dessas
características, mas também de cada fase, que compõe os ciclos da marcha.
Fase de apoio Fase de balanço
Duplo apoio Apoio simples Duplo apoio

Contato Resposta Apoio Apoio Pré- Balanço Balanço Balanço


inicial à carga médio final balanço inicial médio final

Figura 4 – Representação dos ciclos da marcha humana

Adaptado de: Vaughan, Davis e O’Connor (1992, p. 11).

A marcha é um dos padrões motores mais complexos da nossa espécie. É resultado da interação do
sistema nervoso periférico e central, sendo dependente da integridade de estruturas como do sistema
motor (vias centrais e periféricas, músculos e articulações), do sistema sensitivo (proprioceptiva),
do cerebelo e núcleos da base. Lesões nessas diferentes áreas podem comprometer ou alterar o
padrão de marcha.

Há diferentes tipos de alterações no padrão de marcha em pacientes neurológicos. Embora seja


possível identificá-los em grande parte das doenças neurológicas, é fundamental a avaliação da marcha
individual, para que o fisioterapeuta possa identificar os déficits específicos que justificam a alteração
da marcha do paciente.

Vamos caracterizar alguns padrões frequentes de marcha nos pacientes neurológicos.

Na síndrome piramidal (lesão do neurônio motor superior), um padrão comum é chamado ceifante,
em que ao tentar realizar a flexão do membro parético durante a fase de oscilação ou balanço, há
abdução excessiva desse membro, descrevendo um arco semelhante ao movimento de uma foice.

A marcha escarvante ocorre pela limitação do movimento de flexão dorsal do tornozelo, e o paciente
tende a tocar a ponta do pé no chão, e para conseguir andar, como compensação, inclina o corpo para
o lado oposto. É presente diante da lesão dos nervos fibular ou ciático ou da raiz L5.

A marcha talonante ou calcaneante está presente em pacientes com ataxia sensitiva. Nesse padrão,
o andar é inseguro e os passos irregulares. A base de sustentação é larga, com as pernas afastadas entre
si e ao pisar, devido ao déficit sensitivo, os pés batem fortemente contra o chão; o fechamento dos olhos
piora a instabilidade da marcha.

39
Unidade I

Na marcha ebriosa, devido à lesão cerebelar, as pernas são mantidas afastadas, os passos são
irregulares, amplos e curtos, associados à abdução excessiva do quadril. Nessa marcha, o fechamento
dos olhos não influencia significativamente no aumento do desequilíbrio do paciente.

A marcha em tesoura é caracterizada pela presença de passos curtos e cruzamento alternado dos
joelhos devido à espasticidade dos membros inferiores por causa do comprometimento do sistema
nervoso central, como na criança com paralisia cerebral do tipo diplégica (síndrome de Little).

A marcha anserina, também denominada andar miopático, é resultado da fraqueza dos músculos
proximais da cintura pélvica, que provoca um movimento oscilatório do quadril (báscula da pelve). Esse
quadro é comum em pacientes com miopatias.

O padrão de marcha nos portadores de doença de Parkinson é característica e nomeada festinante.


Ele é caracterizado pelos passos curtos, atitude em bloco e anteriorização de tronco e cabeça. Em
alguns momentos pode ocorrer a aceleração involuntária, denominada festinação. Ainda ocorre
hesitação para iniciar os passos ou mudar de direção. Todas essas alterações na marcha parkinsoniana
são explicadas pelos sintomas clássicos da doença, como rigidez muscular, bradicinesia e perda dos
movimentos associados.

Observação

Com a descrição dos tópicos gerais que compõem a avaliação neurológica,


você pode concluir que trata de um processo longo e demorado no dia a
dia da clínica. Mas com a aquisição da prática, você adequará esse processo
de acordo com a queixa funcional e as necessidades clínicas do paciente.

1.15 Características clínicas do paciente neurológico

Segundo Bertolucci et al. (2016), durante muito tempo a neurologia foi considerada uma
especialidade de diagnóstico caracterizada por apresentar um exame detalhado do paciente, porém
sem possibilidade de tratamento eficiente.

Atualmente, a neurologia conta com avanços tecnológicos que permitem uma investigação
diagnóstica mais adequada, mas também com abordagens terapêuticas mais adequadas e com
resultados mais positivos em relação ao tratamento e até para a cura.

Com relação aos avanços tecnológicos, hoje é possível contar com exames de imagem de elevada
definição, como a ressonância magnética funcional, o PET-Scan e até mesmo o auxílio da biologia
molecular na identificação de doenças como a de Huntington e alguns tipos de demência.

40
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Figura 5 – Representação de uma ressonância magnética funcional de crânio

Fonte: Estudo avalia relação… (s.d.).

Num período relativamente curto, houve avanço no conhecimento da genética de muitas doenças
neurológicas, o qual contribuiu para a identificação de condutas terapêuticas mais eficientes.

A neurologia evoluiu nesses últimos anos tanto em relação ao conhecimento científico sobre
métodos de investigação diagnóstica e abordagens terapêuticas como para as especialidades
relacionadas à reabilitação.

No que se refere à fisioterapia, durante um período longo, os próprios neurologistas não creditavam
importância à intervenção fisioterapêutica nos pacientes neurológicos. A realização de estudos clínicos
com utilização de diferentes tipos de abordagens e técnicas fisioterapêuticas contribuiu de maneira
determinante para a mudança dessa visão.

Hoje não somente a fisioterapia, mas outras áreas da reabilitação estão como primeiras indicações
terapêuticas em determinadas doenças neurológicas associadas ao tratamento medicamentoso
solicitado pelo neurologista, em especial nas doenças que acarretam perdas ou acometimento da
função motora.

Porém é importante ressaltar que embora os recursos tecnológicos, em especial os exames de


imagem, tenham contribuído para uma investigação diagnóstica mais detalhada e eficiente, eles não
eliminam a necessidade de propedêutica e avaliação clínica neurológica do paciente. O conhecimento
técnico do profissional permite a elaboração de hipóteses diagnósticas que serão confirmadas pelos
exames neurológicos específicos e gerais.

A compreensão clínica da propedêutica neurológica, além do auxílio para a hipótese diagnóstica,


possibilita a associação de sinais clínicos observados na avaliação à topografia da lesão e sua
respectiva etiologia.

41
Unidade I

Para o fisioterapeuta, o domínio sobre os procedimentos da avaliação neurológica possibilita a


identificação dos sinais clínicos, que explicam a queixa funcional do paciente e assim torna-se possível
a elaboração de objetivos e condutas terapêuticas adequadas.

A avaliação clínica do paciente neurológico é um processo que requer muita atenção do profissional
devido à complexidade estrutural e funcional do sistema nervoso.

Embora algumas funções neurológicas dependam da ação de uma região anatômica específica do
sistema nervoso, a maioria resulta da interação de diferentes estruturas centrais e periféricas, o que
reforça a complexidade desse sistema e a compreensão das limitações funcionais encontradas durante
a avaliação, e consequentemente no processo de reabilitação de pacientes com história de lesão do
sistema nervoso.

As lesões que acometem o sistema nervoso podem apresentar diferentes causas, podendo ser
congênitas ou adquiridas, progressivas ou degenerativas e até traumáticas.

Alguns fatores importantes que irão influenciar o efeito da lesão sobre o sistema nervoso incluem a
localização, a sua natureza, e também a extensão e a idade do paciente.

Embora as consequências da lesão neurológica sejam determinadas pela ação combinada de


diferentes fatores, torna-se necessário recordar o conceito de uma fundamental propriedade do sistema
nervoso, a plasticidade neural, que justifica a necessidade de aplicação de programas de reabilitação em
pacientes neurológicos.

A plasticidade neuronal é a capacidade do sistema nervoso de alterar, mudar, adaptar sua estrutura
e função durante o período de desenvolvimento, diante da necessidade de aprendizado e lesões. Se
considerarmos que o sistema é formado por neurônios e células da glia, a plasticidade confirma a
possibilidade de adaptações dessas células diante de mecanismos de lesão (não fisiológicos) e de
aprendizado (fisiológicos).

Nossa capacidade de aprendizado durante a vida é o principal comprovante da existência da


plasticidade. Através da necessidade constante de adaptação ao ambiente em que nos encontramos,
somos submetidos a estímulos externos e internos que são capazes de ativar os mecanismos plásticos de
neurônios e células da glia, possibilitando a construção de novos circuitos neurais que permitirão novas
habilidades motoras, cognitivas e perceptuais.

Diante das lesões neurológicas também é possível o recrutamento de processos celulares


e moleculares pertencentes ao processo de plasticidade neural. Entre estes, merecem destaque o
brotamento de axônios (figura a seguir), alterações nas sinapses e até mesmo a ativação de neurônios
inativos presentes em todo o sistema nervoso.

42
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Antes da lesão

Brotamento colateral após morte de um neurônio


pré-sináptico

Figura 6 – Representação do brotamento de axônios após uma lesão axonal

Fonte: Sousa (2008, p. 31).

Boa parte do conhecimento científico dos mecanismos celulares que caracterizam a plasticidade do
sistema nervoso foi obtido através de estudos experimentais com animais.

Em humanos, através da observação de alguns exames de imagem como a ressonância magnética


funcional, é possível verificar os efeitos da plasticidade neural presente em um paciente neurológico
após a intervenção de um programa de reabilitação.

Na prática clínica, uma forma de observar o efeito da plasticidade neural é a evolução do quadro
clínico do paciente, em especial durante a recuperação funcional, que pode ser obtida através dos
estímulos oferecidos pelo fisioterapeuta.

É importante ressaltar que apesar da capacidade de adaptação das células nervosas demonstrada
nos diferentes mecanismos plásticos, a recuperação funcional nem sempre é possível. Mesmo com o
conhecimento científico e recursos tecnológicos disponíveis pela medicina, ainda o sistema nervoso
mantém-se como um enigma a ser desvendado do ponto de vista fisiológico, e principalmente após
mecanismos de lesão.

Sendo assim, a ocorrência da lesão no sistema nervoso e suas respectivas perdas funcionais geram
muitas consequências para o paciente e todos aqueles que direta ou indiretamente estão vinculados a ele.

A lesão neurológica costuma ser complexa, uma vez que frequentemente acarreta comprometimento
de múltiplas funções, como percepção motora, cognitiva e comportamental, o que contribui para a
dificuldade no processo de reabilitação.

Assim, embora a principal característica do paciente neurológico que procura pela fisioterapia seja um
comprometimento da função motora, é muito frequente que também apresente outros déficits, como,
por exemplo, da cognição e percepção. O fisioterapeuta irá identificar esse quadro clínico complexo e
utilizará técnicas e abordagens terapêuticas específicas que o auxiliará no tratamento fisioterapêutico
do paciente.

43
Unidade I

A depressão é uma das principais repercussões geradas pela limitação funcional e pela necessidade
de auxílio para suas atividades diárias no paciente neurológico adulto. Esse quadro depressivo poderá
interferir de maneira importante na evolução do paciente durante a fisioterapia. Assim, o fisioterapeuta
precisa ficar atento a sinais que possam sugerir a depressão, como desmotivação, desânimo, tendência
ao choro e até mesmo irritação ou agressividade durante as sessões.

Dependo do grau de interferência desses sinais durante a fisioterapia, deve ser comunicado aos
familiares que talvez seja necessária a procura por ajuda de profissional especializado, que poderá
prescrever medicamentos para minimizar a depressão.

Se compararmos a situação de instalação de uma lesão neurológica no adulto com a criança, de


maneira geral, as consequências dessa lesão se farão observáveis principalmente durante o processo
de desenvolvimento motor da criança. Assim, a queixa funcional, geralmente, está vinculada ao atraso
em uma das etapas de aquisição motora da criança, como, por exemplo, no controle da cervical, na
sedestação e até na aquisição da marcha. Essa queixa será referida pelos pais ou responsáveis da
criança. A repercussão emocional estará presente nos pais, sendo frequentes quadros de ansiedade
sobre a evolução da criança na fisioterapia e negação diante do quadro neurológico do filho. Assim, para
a criança com lesão neurológica será fundamental o envolvimento familiar no programa de reabilitação.

Todos esses aspectos nos auxiliam na conclusão de como é complexo o processo de reabilitação
de pacientes neurológicos, sendo esse um processo desafiador para todos os envolvidos, como
fisioterapeuta, paciente e seus familiares

Lembrete
Pelo envolvimento de diferentes funções diante da lesão neurológica, o
paciente necessitará de intervenção terapêutica de diversos profissionais,
como fisioterapeuta, neurologista, ortopedista, fisiatra, fonoaudiólogo,
psicólogo, terapeuta ocupacional, dentista, assistente social, entre outros.
A prática do conceito de equipe multidisciplinar é muito importante
e é um fator decisivo para o sucesso do programa de reabilitação do
paciente neurológico.

1.16 Planejamento do tratamento fisioterápico: identificação dos


objetivos terapêuticos

A neurologia é uma das áreas médicas de maior complexidade dado ao grande interesse científico
sobre sistema nervoso, que embora muito tenha sido descoberto e compreendido sobre sua fisiologia,
ainda existem muitas questões abertas que necessitam de respostas.

O fisioterapeuta deve estar capacitado para avaliar, observar, prescrever e tratar os distúrbios
neurológicos presentes no paciente, e com embasamento científico e recursos apropriados, elaborará
estratégias terapêuticas adequadas que permitam a obtenção dos objetivos terapêuticos funcionais
(RUH, 2018).
44
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Segundo a Resolução n. 414/12 (COFFITO, 2012), o plano terapêutico pode ser definido como a
descrição dos procedimentos fisioterapêuticos propostos apontando os recursos, métodos e técnicas
a serem utilizados para a obtenção dos objetivos terapêuticos. Além disso, o planejamento terapêutico
auxilia o profissional a definir o ponto de partida, bem como os métodos a serem adotados.

O prognóstico da fisioterapia é a hipótese da evolução do caso, é o ponto de vista dos profissionais


sobre o melhor desempenho físico que o paciente é capaz de atingir após receber um determinado
atendimento no plano de tratamento durante o período de avaliação inicial. De maneira geral, a
intervenção fisioterapêutica em pacientes neurológicos não difere da sequência de procedimentos que
compõem o processo terapêutico diante de outras situações clínicas.

O ponto de partida para essa intervenção é a avaliação neurológica, em que o fisioterapeuta


deverá identificar a queixa funcional que o paciente ou seu cuidador irá relatar. Seguindo à avaliação,
conseguirá elaborar o diagnóstico cinético-funcional, bem como selecionar os recursos terapêuticos
que possibilitarão a obtenção dos respectivos objetivos terapêuticos.

É importante destacar que o início da abordagem fisioterapêutica neurológica não necessita


obrigatoriamente de um diagnóstico clínico definido pelo neurologista, pois em muitas situações, o
paciente com limitações funcionais ainda não possui um diagnóstico médico definido. Sendo assim,
a necessidade da fisioterapia neurofuncional está fundamentada nas consequências funcionais que o
estado patológico oferece ao indivíduo.

Será durante os procedimentos terapêuticos da avaliação neurológica que o fisioterapeuta deverá


identificar os fatores clínicos que justificam a existência da queixa funcional. Frequentemente, além de
fatores relacionados diretamente à patologia do paciente, fatores indiretos poderão contribuir para a
limitação funcional.

Exemplo de aplicação

Vamos refletir sobre a situação descrita: um paciente com diagnóstico clínico de acidente vascular
cerebral (AVC) foi encaminhado à fisioterapia. O quadro clínico observado foi uma hemiparesia espástica
à direita, a queixa funcional relatada foi dificuldade no equilíbrio durante a postura bípede e durante
a marcha. Na avaliação foi observada espasticidade nos músculos adutores, rotadores mediais, flexores
de quadril e tríceps sural à direita. Ainda se verificou redução da sensibilidade proprioceptiva nesse
membro. Durante o período da avaliação, o paciente esteve muito ansioso e relatou que ganhou peso
após o episódio do AVC.

No final da avaliação, o fisioterapeuta concluirá que o desequilíbrio do paciente está associado à


espasticidade dos músculos citados e à redução da propriocepção. A ansiedade e o excesso de peso
também podem interferir na instabilidade postural.

Portanto o fisioterapeuta deve identificar todos os fatores que justificam a queixa funcional, e assim
pontuará os objetivos e as estratégias específicas de tratamento para eliminar ou minimizar essa queixa.

45
Unidade I

Na elaboração do plano de tratamento fisioterapêutico, uma vez que os déficits neurológicos tenham
sido identificados com causa da queixa funcional, haverá o sequenciamento dos objetivos terapêuticos
a serem obtidos com a intervenção, em curto, médio e longo prazo.

Objetivos terapêuticos que precisam ser obtidos em curto prazo são aqueles que estão diretamente
relacionados à queixa funcional. No caso clínico citado, o controle da espasticidade, assim como a
estimulação da propriocepção no membro parético são objetivos que devem dar início ao tratamento,
que precisam ser abordados nas primeiras terapias. Assim como exercícios de alongamento e de
fortalecimento muscular.

Com a evolução do paciente em relação a esses objetivos, passa a haver a necessidade de exercícios
específicos para os objetivos de médio prazo, que poderiam incluir treino das transferências, treino do
equilíbrio nas posturas e principalmente na bipedestação. Os objetivos inclusos em longo prazo são
associados às atividades funcionais, que no caso clínico envolve a melhora do equilíbrio durante a marcha.

O sequenciamento dos objetivos de tratamento é extremamente importante para que o


fisioterapeuta, ao longo do processo terapêutico, consiga planejar adequadamente as terapias com
exercícios específicos que atinjam as metas terapêuticas estabelecidas para o paciente avaliado.

Talvez esse seja um dos principais aspectos que diferencie a abordagem fisioterapêutica em pacientes
neurológicos daquela realizada em outras áreas, como, por exemplo, na ortopedia. Em muitas situações
a fisioterapia realizada em pacientes ortopédicos é baseada na utilização de protocolos de tratamento
comprovados cientificamente. Na fisioterapia neurofuncional é difícil a utilização de protocolos
preestabelecidos, devido à complexidade presente no quadro de cada paciente neurológico, que é único.

2 MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO NEUROFUNCIONAL

Os métodos e técnicas utilizadas na fisioterapia neurofuncional se fundamentam, principalmente,


em abordagens teóricas sobre o controle motor, que engloba a postura e o controle dos movimentos.
A maioria dos métodos utilizados foi desenvolvido por pesquisadores como Rood, Kabat e Knott,
Brunnstrom e Bobath, que praticamente são os responsáveis pelo surgimento da fisioterapia
neurofuncional no final da década de 1940 (LOBO et al., 2020). Atualmente, com a aquisição de recursos
tecnológicos e principalmente resultados de estudos científicos, a fisioterapia neurofuncional têm se
baseado cada vez mais em evidência científica e nas estratégias de tratamento.

Vamos passar a descrever, de maneira geral, os princípios de alguns dos métodos e técnicas
fisioterapêuticas utilizados no tratamento de pacientes neurológicos. É importante ressaltar
que, para um maior detalhamento prático dessas abordagens, o fisioterapeuta deverá procurar
por cursos especializados nos respectivos métodos, sendo estes oferecidos ao profissional após a
graduação em fisioterapia.

46
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

2.1 Método Rood

Na década de 1950, a fisioterapeuta e terapeuta ocupacional Margaret Rood desenvolveu os


princípios do método que recebeu seu nome. Trata-se de uma técnica utilizada na fisioterapia
neurofuncional baseada na oferta de estímulos sensoriais, em especial da propriocepção, com o objetivo
principal de normalizar o tônus muscular e facilitar o desenvolvimento neuromotor da criança.

Margaret Rood delineou os princípios do método em crianças diagnosticadas com paralisia cerebral
na década de 1950, porém foram Goff e Stock Meyer os responsáveis pelo seu aprimoramento na
década de 1960.

De maneira geral, através de estímulos cutâneos, procura-se aumentar o grau de sensibilidade


dos receptores fusos musculares e demais proprioceptores para facilitar a contração voluntária do
músculo. A estimulação cutânea pode ser oferecida através de escovação rápida (tapping), crioterapia,
alongamento lento e rápido, além de massagem lenta.

A) B)

C) D)

Figura 7 – Representação de objetos e práticas que podem ser utilizados


para a estimulação cutânea no método de Rood

Disponível em: A) https://bit.ly/2WuLiYD; B) https://bit.ly/3mBgtMV;


C) https://bit.ly/2WufOSP; D) https://bit.ly/3jktRmP. Acesso em: 26 ago. 2021.

O objetivo é inibir o tônus muscular mediante à estimulação sensitiva, evitando atividades reflexas
patológicas e facilitar a contração voluntária do músculo.

Há também a utilização das posturas neuroevolutivas e suas respectivas trocas, como, por exemplo,
decúbito dorsal para ventral, sedestação, quadrupedia, bipedestação e marcha.

47
Unidade I

O método Rood pode ser combinado com outras técnicas, como a facilitação neuromuscular (Kabat),
o método neuroevolutivo (Bobath) e os de Brunnstrom e a educação condutiva.

2.2 Conceito neuroevolutivo (Bobath)

Segundo Raine, Meadows e Lynch-Ellerington (2009), o conceito neuroevolutivo Bobath é uma


abordagem para a solução de problemas, para avaliação e tratamento de indivíduos com distúrbios da
função, do movimento e do controle postural.

Sobretudo na neuropediatria, o conceito Bobath e suas técnicas é um dos mais utilizados, uma
vez que oferece embasamento teórico e clínico. O termo neuroevolutivo diz respeito à utilização das
sequências motoras presentes no desenvolvimento neuromotor normal, sendo referências tanto para o
planejamento do tratamento como durante a terapia.

Saiba mais

Berta (fisioterapeuta) e Karel Bobath (neurologista e psiquiatra), o


casal Bobath, deram início aos princípios do conceito em 1942, quando
Berta, ao acompanhar um paciente hemiplégico espástico adulto, observou
que era possível modificar a espasticidade através de posicionamentos e
movimentos específicos.

Nos anos 1950, foi fundado o Centro Bobath, em Londres (Inglaterra),


onde até hoje profissionais promovem sua evolução, justificando a
substituição do termo método pelo termo conceito. Para conhecer mais
sobre o conceito neuroevolutivo, sugerimos a leitura do seguinte livro:

BOBATH, B. Hemiplegia no adulto. Avaliação e tratamento. Barueri:


Manole, 1994.

A utilização de posturas estáticas para inibição das alterações do tônus e padrões anormais
de movimento era o fundamento inicial do conceito. Com o tempo, observou-se a necessidade de
associação das reações posturais automáticas como base de movimentos normais. Assim, houve a
inclusão dos padrões de movimento influenciando o tônus (PIT).

Esses padrões, ao mesmo tempo que inibem as reações anormais, facilitam o movimento ativo o mais
próximo do normal. Inicialmente eram utilizados os padrões de inibição reflexa (PIR). Com a evolução
das técnicas, houve então a substituição dos PIR pelos PIT.

Ainda hoje, o conceito Bobath adicionou o treino das reações de balance, que são as reações de
equilíbrio, proteção e retificação, além de atividades funcionais como forma de promoção do aprendizado.

48
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Um dos principais alicerces científicos do conceito neuroevolutivo Bobath é a comprovação da


plasticidade do sistema nervoso que possibilita a ocorrência de modificações neuronais diante de
estímulos externos e internos.

O conceito Bobath pode ser utilizado em indivíduos de todas as idades, que de maneira geral,
possuam disfunção no controle do movimento e postura. Um dos objetivos é possibilitar, de acordo com
as potencialidades, que o indivíduo seja capaz de ser independente para suas atividades funcionais.

Para Gusman e Torre (2010), o objetivo do conceito Bobath envolve manuseios que permitem
inibição, facilitação e estimulação de padrões de movimentos normais para a obtenção da
funcionalidade dos pacientes. Para esse fim, inibe padrões de tônus anormal e facilita o surgimento
de padrões motores normais.

A utilização dos pontos-chave durante o manuseio possibilita tanto a inibição quanto a facilitação.
O importante é saber o momento adequado para utilizá-los durante a terapia e adaptá-los de acordo
com as características individuais do paciente.

As articulações correspondem aos principais pontos-chave, os quais o fisioterapeuta irá


gradativamente retirar à medida que o paciente adquire o aprendizado e o controle do movimento.
Orienta-se que o toque do fisioterapeuta sobre o paciente seja mínimo, apenas o suficiente para inibir/
facilitar o padrão do movimento realizado.

Ao longo da evolução do tratamento, ocorrerá a variação de pontos-chave de proximais para distais


e vice-versa.

O quadro a seguir demonstra os pontos-chave proximais e distais pelo conceito Bobath.

Quadro 9 – Pontos-chave proximais e distais do conceito Bobath

Proximais Distais
Cabeça Cotovelo
Esterno Punho
Ombro Joelho
Quadril Tornozelo

E qual a relação entre os pontos-chave e os PIT?

Para Mayston (1995), quando se aplica os PIT pelos pontos-chave, haverá mudanças no tônus
postural e no desempenho das atividades funcionais. A combinação adequada entre os PIT e os
pontos-chave favorece o alinhamento biomecânico e os mecanismos de realimentação (feedback) e
antecipação (feedforward).

49
Unidade I

Pelo manuseio do fisioterapeuta, ao guiar movimentos funcionais através do comando verbal ou


demonstração de uma atividade funcional, os PIT são recrutados e assim é possível a combinação entre
inibição e facilitação.

Na figura a seguir são demonstradas algumas manobras de inibição e facilitação que podem ser
utilizadas durante a terapia utilizando o conceito Bobath.

A) B)

C)

Figura 8 – Manobras de inibição e facilitação do conceito Bobath: (A) inibição do padrão de rotação
interna e flexão do membro superior; (B) facilitação da extensão do quadril e do tronco em pé; (C)
inibição da rotação interna e da adução do membro inferior

Fonte: Castilho-Weinert e Forti-Bellani (2011, p. 52).

De maneira geral, as técnicas de estimulação incluem a oferta de estímulos táteis e proprioceptivos


que aumentam o tônus postural e regulam a ação conjunta dos músculos agonistas, sinergistas e
antagonistas. São indicadas em crianças com ataxia, atetose e hipotonia. Na espasticidade, podem ser
utilizadas desde que o tônus postural esteja diminuído e na ausência de atividade reflexa tônica (reflexos
tônicos cervicais e labirínticos).

São consideradas técnicas de estimulação a transferência de peso, o tapping, o placing e o holding.


Com a transferência de peso é possível recrutar unidades motoras, ofertar pressão e liberar segmentos
para movimentação que não estão sustentando peso. Para a realização de movimentos, é fundamental
a capacidade de transferência de peso. No tratamento, essa capacidade pode ser incentivada através da
utilização dos pontos-chave nas diferentes posturas neuroevolutivas.

50
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Os termos placing e holding significam, respectivamente, colocação e manutenção e são técnicas


que envolvem a habilidade em controlar e manter os movimentos e as posições de forma automática
e voluntária.

No placing, o paciente possui habilidade de interromper um movimento em qualquer amplitude,


sendo um autoajuste postural que requer resposta muscular diante da oscilação do centro de gravidade
na postura, sendo, portanto, um mecanismo postural normal.

O holding envolve a capacidade de manutenção de um segmento cujo movimento foi interrompido,


na maneira em que se posicionou o segmento diante da realização do placing.

O tapping é a técnica em que são dadas pequenas batidas sobre a pele de um segmento,
oferecendo‑se, assim, estímulos táteis e proprioceptivos, com objetivos como aumento do tônus
postural, inibição recíproca de músculos paréticos e a própria cocontração para estabilização de
segmentos. Através do tapping é possível a estimulação do placing.

Assim, o conceito neuroevolutivo Bobath é um dos mais utilizados em crianças e adultos com
acometimento neurológico, iniciando sua intervenção com a sequência do desenvolvimento neuromotor,
recrutando posturas mais simples e evoluindo para as mais complexas e com manuseio baseado em
técnicas de inibição, facilitação e estimulação dos movimentos funcionais, respeitando a individualidade
de cada paciente.

2.3 Facilitação neuromuscular proprioceptiva (Kabat)

A facilitação neuromuscular proprioceptiva (FNP) foi desenvolvida inicialmente pelo Dr. Herman
Kabat (figura a seguir) e aprimorada por Margaret Knott, Dorothy Voss e outros.

Figura 9 – Neurofisiologista Herman Kabat

Fonte: Sandel (2013, p. 459).

51
Unidade I

Ao analisar as palavras isoladamente, temos:

• Facilitação: tornar fácil.

• Neuromuscular: envolvimento de nervos e músculos.

• Proprioceptiva: relacionado à sensibilidade profunda, como os receptores fuso muscular, OTG


(órgão neurotendíneo de Golgi) e proprioceptores localizados nas articulações.

Segundo Kabat (1950), a FNP é mais que uma técnica, sendo uma filosofia de tratamento, cuja base
filosófica afirma que todo ser humano, incluindo aqueles portadores de lesão neurológica, possuem um
potencial ainda não explorado. Assim, há três princípios básicos do método:

• A ênfase do tratamento é sempre positiva, havendo reforço da capacidade física e psicológica


do paciente.

• O tratamento precisa objetivar atingir, através da facilitação, o mais elevado nível funcional
do paciente.

• Cada tratamento é direcionado para o ser humano como um todo e não para um problema
específico ou segmento corporal.

Para a obtenção de uma função motora eficiente, o fisioterapeuta deverá utilizar os procedimentos
informados a seguir:

• Aumentar a habilidade de mover-se e manter a estabilidade.

• Guiar o movimento do paciente através de contatos manuais adequados e resistidos.

• Auxiliar o ganho de coordenação motora.

• Evitar a fadiga.

Segundo o método, esses procedimentos podem ser utilizados em qualquer condição patológica,
porém adaptações serão necessárias para as condições de cada paciente.

Algumas contraindicações devem ser ressaltadas, como a presença de dor, fadiga, instabilidade
articular e fraturas não consolidadas.

Para a obtenção da facilitação da resposta muscular, o terapeuta poderá utilizar durante os exercícios:

• Resistência: auxilia a contração muscular e o controle motor, além de favorecer o ganho de força.

• Irradiação e reforço: efeitos neurofisiológicos baseados na ativação da resposta muscular


ao estímulo.

52
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

• Contato manual: favorece o ganho de força através de toque e pressão. Além disso, o contato
manual do terapeuta deve informar ao paciente a correta direção do movimento a ser realizado.

• Posição corporal e biomecânica: guiam e controlam o movimento através do contato manual


do terapeuta.

• Comando verbal: através da utilização adequada de palavras e da entonação de voz do


terapeuta, é possível recrutar maior empenho do paciente ao exercício.

• Visão: o estímulo visual auxilia na realização e na direção adequada do movimento, uma vez que
o paciente consegue corrigir sua posição e movimento.

• Tração e aproximação: o alongamento ou a compressão das superfícies articulares estimulam os


proprioceptores e, assim, facilita a contração muscular.

• Reflexo de estiramento: o alongamento muscular rápido produz contração muscular e facilita


o movimento.

• Sincronização de movimentos: o sincronismo facilita o ganho de força muscular e a coordenação


motora.

• Padrões de facilitação: os movimentos sinérgicos em massa (padrões de movimento em


diagonais) são componentes do movimento funcional. Os padrões de facilitação são considerados
alguns dos procedimentos básicos do Kabat.

A base científica dos princípios do método Kabat está em grande parte fundamentada nos trabalhos
de Sir Sherrington (1947), dos quais citam importantes mecanismos neurofisiológicos:

• Efeito pós-descarga: há persistência do efeito de um estímulo após sua interrupção. À medida


que aumenta a intensidade e duração do estímulo também eleva o efeito pós-descarga. Exemplo:
sensação de aumento de força muscular após uma contração estática mantida.

• Somação temporal: a repetição (somação) de estímulos de baixa intensidade mantida durante


um tempo, gera excitação.

• Somação espacial: a oferta simultânea (somação) de estímulos diferentes também provoca excitação.

• Irradiação: é recrutada diante de aumento e quantidade de estímulo que produz crescimento da


resposta e sua disseminação. A resposta pode ser tanto de excitação como de inibição.

• Indução sucessiva: há aumento na excitação dos músculos agonistas e em seguida do seu


antagonista.

• Inibição recíproca: a contração dos músculos agonistas é acompanhada pela inibição de seus
antagonistas. Facilita a coordenação motora.

53
Unidade I

Observação

As somações temporal e espacial podem ser recrutadas ao mesmo


tempo, provocando maior grau de excitação.

A maioria das técnicas da FNP baseia-se nos benefícios obtidos com a realização de movimentos
resistidos. Entre eles, podemos apontar a capacidade de facilitação da contração muscular, a melhora do
controle motor, a consciência do paciente em relação ao movimento, além do ganho de força muscular.

A resistência a ser utilizada deve ser adaptada às condições do paciente. Outra orientação
importante é que durante a realização dos movimentos resistidos, a respiração do paciente deverá
ocorrer normalmente e períodos de inspirações mantidas devem ser evitados.

Segundo Adler, Beckers e Buck (1999), as técnicas do Kabat objetivam o movimento funcional
através de facilitação, inibição, fortalecimento e relaxamento de grupos musculares, além disso, utilizam
contrações excêntricas e concêntricas combinadas com resistência graduada e procedimentos de
facilitação adequados, ajustados à necessidade do paciente.

Observação

Uma das principais ferramentas terapêuticas do método Kabat é a


solicitação de movimentos em padrões diagonais de membros e tronco.
Durante a realização desses padrões, o terapeuta, através das técnicas de
tração, resistência e contato manual adequados ao paciente, consegue
obter objetivos funcionais como coordenação motora, força muscular e
resistência. Uma das justificativas desses padrões diagonais é a disposição
fisiológica das fibras musculares e das forças de tensão dos ossos.

2.4 Método Brunnstrom

Signe Brunnstrom (1898-1988) foi uma fisioterapeuta, cientista e educadora sueco-americana


que descreveu a sequência de estágios de recuperação da hemiplegia, quadro motor resultante de um
acidente vascular cerebral (AVC) e que foi denominado como abordagem de Brunnstrom.

Ela elaborou as bases de seu método de tratamento em estudos na neurofisiologia, filogenia,


ontogenia e observação clínica de seus pacientes hemiplégicos.

Embora entre os pacientes que sofreram um AVC existam causas e lesões diferentes, Brunnstrom
observou que após essa condição clínica, há uma evolução comum do comportamento motor. Foi
essa compreensão que permitiu a caracterização desses estágios e a elaboração de estratégias de
tratamento específicas.

54
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Para Brunnstrom, esses padrões de respostas são influenciados pela atividade reflexa primitiva
devido a um processo de involução do sistema nervoso central (SNC), que favorece a ocorrência de
movimentos estereotipados que refletem uma regressão motora a estágios de maturação presentes no
SNC de uma criança.

Para compreender a filosofia do método, você precisa lembrar que as primeiras respostas do SNC de
uma criança são de natureza reflexa. Com o processo de maturação, essas respostas são modificadas
tornando-se voluntárias e automáticas. Além disso, através da maturação de áreas sensoriais é adquirida
a coordenação motora.

Inicialmente, o predomínio dos reflexos está associado à ação de circuitos neurais localizados na
medula espinal e tronco encefálico. Com o desenvolvimento, as respostas reflexas passam a ser inibidas
pela ação de áreas corticais.

A ocorrência de uma lesão neurológica irá interromper essa relação equilibrada de estruturas
corticais e subcorticais, o que justifica o retorno de padrões primitivos e estereotipados.

Entre esses padrões estão as sinergias musculares. Uma sinergia pode ser definida como sendo um
grupo de músculos que agem em conjunto, como uma unidade funcional, porém apresentam natureza
primitiva e reflexa, sendo controlada pelos neurônios medulares. A ativação de um dos músculos da
sinergia promove a ativação dos demais, gerando os padrões flexor e extensor.

Os quadros a seguir mostram as principais sinergias musculares flexora e extensora para membros
superior e inferior, respectivamente, segundo Brunnstrom.

Quadro 10 – Sinergias musculares de membro superior

Segmento Sinergia flexora Sinergia extensora


Cintura escapular Elevação/retração Depressão/pronação
Ombro Abdução 90°/rotação externa Adução/rotação interna
Cotovelo Flexão Extensão
Antebraço Supinação Pronação

Quadro 11 – Sinergias musculares de membro inferior

Segmento Sinergia flexora Sinergia extensora


Quadril Flexão/abdução/rotação externa Extensão/adução/rotação interna
Joelho Flexão Extensão
Tornozelo Dorsiflexão/inversão Flexão plantar/inversão

Em relação ao comportamento de punho e dedos, embora seja variável de acordo com o grau de
lesão do paciente, um padrão frequente é a combinação de flexão de punho e dedos na sinergia flexora
e extensão de punho com flexão de dedos na sinergia extensora.

55
Unidade I

De maneira geral, a sinergia flexora é frequente na extremidade superior e a extensora no membro


inferior. Diante da sinergia, o paciente não consegue realizar movimentos ou contração muscular isolada.

Além das sinergias musculares, uma característica em pacientes hemiplégicos é a interferência de


atividade reflexa primitiva, que poderá facilitar ou inibir os movimentos voluntários e ajustes posturais.

As reações associadas são atividades automáticas que fixam ou alteram a postura de parte do corpo,
quando outra parte está em ação, por efeito voluntário ou estimulação reflexa. Um exemplo para facilitar
sua compreensão é aquele na criança quando, ao iniciar um movimento complexo como manusear uma
tesoura, é possível observar ao mesmo tempo movimentos da boca e da testa.

No paciente hemiplégico, as reações associadas homolaterais ocorrem com maior frequência diante
do aumento do tônus no lado comprometido, como, por exemplo, ao se realizar movimentos resistidos
para a flexão no membro superior será observada também a mesma resposta de aumento do tônus no
membro inferior. Mas as reações associadas podem ser heterolaterais, como, por exemplo, diante de
movimentos resistidos para a flexão no membro não acometido, que acarretará crescimento do tônus
flexor no membro acometido.

As fases de recuperação funcional após um AVC, para Brunnstrom, são:

• Fase I: presença de flacidez muscular. Não há atividade voluntária e reflexa no hemicorpo


acometido, bem como as reações associadas.

• Fase II: instalação inicial da espasticidade, com grau leve e apresentação de algumas sinergias
básicas, como a flexão do cotovelo e a extensão do joelho.

• Fase III: estabilização do grau de espasticidade, com combinação de aumento dos reflexos
tendíneos, as sinergias básicas são controladas de forma voluntária, porém incompleta.

• Fase IV: a espasticidade começa a perder sua intensidade.

• Fase V: espasticidade esboçada. As sinergias não predominam mais e surgem os movimentos


combinados.

• Fase VI: espasticidade praticamente ausente e pode ocorrer contração muscular isolada.

• Fase VII: restauração completa da função e coordenação motora.

Atenção, algumas observações importantes sobre essa evolução são necessárias:

• O retorno funcional nem sempre é total, uma vez que dependerá diretamente do grau da
lesão cerebral.

56
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

• A sequência da evolução das fases é a mesma para todos os pacientes. Nos casos mais leves, pode
ser rápida e até não observada.

• Em algumas situações rotineiras, como espreguiçar-se ou espirrar, poderá ocorrer a sinergia.

• As aquisições funcionais ocorridas com a evolução das fases seguem o processo de maturação
do SNC.

Determinar como será a evolução de cada fase é um processo difícil para o terapeuta, uma vez que
a evolução funcional de cada paciente dependerá das características de sua lesão, como a extensão e a
localização. De maneira geral, a persistência da fase aguda em que o paciente está flácido é indício de
um prognóstico restrito de recuperação funcional.

Aqueles que evoluírem num período em torno de semanas para as fases IV e V, são os que, em geral,
possuirão recuperação total da função motora. Em outras situações, o paciente poderá apresentar uma
evolução estacionária.

Observação

Na época da elaboração do método de Brunnstrom, devido ao pouco


conhecimento sobre a plasticidade neural, a visão sobre a reabilitação
para o paciente era restrita. Assim acreditava-se num período máximo de
6 meses de recuperação funcional após o AVC. Após esse período, o paciente
era considerado como em “quadro estacionado” de evolução.

Hoje a plasticidade neural e exames como a ressonância magnética


funcional mostram que restringir um período para a recuperação funcional
é um processo complexo e arriscado. Mas há um consenso de que a
possibilidade de recuperação funcional é maior quando a reabilitação é
iniciada na fase aguda.

Importante ressaltar que o método de Brunnstrom baseia-se na reabilitação motora de pacientes


hemiplégicos adultos com história clínica de AVC.

3 PATOLOGIAS NEUROLÓGICAS VASCULARES

3.1 Acidente vascular cerebral (AVC)

O termo doença cerebrovascular (DCV) é amplo e envolve um conjunto de situações de natureza


vascular que incluem o acidente vascular isquêmico (AVCI), o acidente vascular hemorrágico (AVCH),
como as hemorragias intraparenquimatosa e a subaracnoide, o ataque isquêmico transitório (AIT) e a
trombose venosa cerebral (TVC). Abordaremos as condições do AVCI, do AVCH e do AIT.

57
Unidade I

As doenças cerebrovasculares correspondem a um grupo heterogêneo de afecções, que apresenta


uma variabilidade no grau de acometimento, com situações graves como o infarto da artéria cerebral
(80% de mortalidade) ou AIT, em que não há sequelas. Em ambas as situações, é consenso que a
abordagem médica é urgente e muitas vezes define o grau de sequelas (BERTOLUCCI et al., 2016).

Assim, através dos avanços tecnológicos e intervenções médicas de emergência, tem sido cada vez
mais frequente maior sobrevida e qualidade de vida aos pacientes. É a prevenção das DCV e sobretudo
a identificação e controle dos fatores de risco que devem ser valorizados diante da propensão de
ocorrência dessa condição clínica.

A observação do grau de vascularização presente em todas as áreas do encéfalo permite que seja
possível concluir o quanto os neurônios e as células da glia são dependentes de um fluxo sanguíneo
contínuo. Assim, também é possível compreender a rapidez da instalação de sinais neurológicos quando
essa circulação se encontra comprometida, favorecendo a ocorrência do acidente vascular cerebral.

Observação

Mas qual é a terminologia correta: AVC ou AVE?

Nitrini e Bacheschi (2015) relatam que a condição clínica do AVC não é


restrita à área dos hemisférios cerebrais, sendo comum ocorrer em regiões
como o tronco encefálico e o cerebelo. Daí a origem do termo acidente
vascular encefálico (AVE), que é mais abrangente e próximo à condição real
do acidente vascular. Mas ambos os termos são utilizados. AVC é o termo
mais usual e comum na população, inclusive há também o termo derrame.
Veremos adiante, que esse último pode ser utilizado quando o acidente
vascular for do tipo hemorrágico.

Na área da reabilitação, nos últimos anos, também são observados avanços na utilização de novos
métodos de tratamento e exames radiológicos de imagem, como a ressonância magnética funcional,
que auxilia na identificação das conexões das áreas afetadas após um AVC, bem como a utilização
da robótica e da realidade virtual, que têm contribuído para uma visão mais otimista a respeito da
recuperação funcional dos pacientes que sofreram um AVC. Esses recursos e a reabilitação motora de
pacientes após AVC serão apresentados mais a seguir.

É importante para o profissional estar habituado a visualizar as imagens radiológicas de tomografia


computadorizada e ressonância magnética dos pacientes, pois essa prática o auxiliará a identificar a
localização da lesão neurológica e sua gravidade, e também a compreender a evolução do paciente ao
programa de fisioterapia.

58
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

3.1.1 Epidemiologia

As DCV compõem a segunda causa de morte no mundo, sendo que no Brasil, no período de 2006 a
2010, foi a primeira causa de mortalidade, equivalendo a aproximadamente quase meio milhão de casos
(NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Entretanto, há uma distribuição global heterogênea, com 85% das mortes ocorridas em países em
desenvolvimento e um terço das pessoas em idade economicamente ativa. Atualmente, parece haver
uma mudança nessa tendência, com maior envolvimento de pessoas mais jovens (próximo dos 30 anos),
sobretudo nos países da América Latina e na Ásia (FILHO-OLIVEIRA; FREITAS, 2012).

Em 2005, foram observados no Brasil 10% das mortes ocorridas relacionadas ao acidente vascular
cerebral, e 10% das admissões nos hospitais públicos foram associados ao AVC. Além disso, o país gastou
2,7 bilhões de dólares em cuidados relacionados a doenças cardíacas, diabetes e acidente vascular
cerebral (FILHO-OLIVEIRA, FREITAS, 2012).

Um fato que chama a atenção é que além dos impactos pessoais e sociais gerados no indivíduo que
sofre o AVC, haverá as consequências na economia do país, uma vez que a faixa etária atual envolve
pessoas em momento ativo e produtivo para a sociedade. Com a ocorrência do AVC, muito provavelmente
essa pessoa será afastada do trabalho temporariamente ou até de forma definitiva, devido às prováveis
sequelas do episódio vascular.

3.1.2 Fatores de risco

Um dos fatores que influenciam na gravidade do quadro e na mortalidade é a prontidão no


reconhecimento dos sinais clínicos que sugerem sua instalação e o início da abordagem médica. Diante
disso e principalmente nos riscos de sequelas ou até de evolução ao óbito, vários estudos sugerem a
importância de campanhas educativas para que seja possível o reconhecimento imediato dos sinais
clínicos e uma abordagem terapêutica mais precoce e eficaz. Mas sem dúvida, a prevenção de sua
ocorrência é um dos principais métodos com significado eficaz de tratamento.

Assim, reconhecer os fatores de risco para o AVC é essencial para sua prevenção, uma vez que auxilia
na redução de custos hospitalares e de reabilitação (BRASIL, 2013).

De maneira geral, os fatores de risco para o AVC podem ser classificados em fatores modificáveis
(quando é possível o controle ou sua eliminação) e não modificáveis (aqueles em que não há
possibilidade de eliminação ou alteração). No quadro a seguir são apresentados os fatores de risco para
AVC modificáveis e não modificáveis, respectivamente.

Quadro 12 – Fatores de risco modificáveis e não modificáveis para o AVC

Fatores modificáveis Fatores não modificáveis


Hipertensão arterial sistêmica (HAS) Idosos
Tabagismo Sexo masculino
Diabetes mellitus Negros (associação com HAS)

59
Unidade I

Fatores modificáveis Fatores não modificáveis


Dislipidemia Anemia falciforme
Fibrilação arterial História familiar de AVC
Outras doenças cardiovasculares História pregressa de AIT

Adaptado de: Brasil (2013, p. 11-12).

Seguem os fatores de risco potencial para a ocorrência do AVC, apontados pelo Ministério da Saúde
(BRASIL, 2013, p. 12):

• sedentarismo;

• obesidade;

• uso de anticoncepcional oral;

• terapia de reposição hormonal pós-menopausa;

• alcoolismo;

• síndrome metabólica por aumento de gordura abdominal;

• uso de cocaína e anfetaminas.

3.1.3 Fisiopatologia

Para a compreensão da gravidade do acidente vascular cerebral e suas consequências, é necessário


relembrar duas ferramentas básicas: a anatomia vascular cerebral e a fisiologia do tecido cerebral.

O conhecimento sobre o sistema vascular cerebral auxilia o fisioterapeuta a compreender o quadro


clínico apresentado pelo paciente, uma vez que os achados clínicos estarão diretamente relacionados à
artéria envolvida no acidente vascular cerebral.

Lembrete

A observação do grau de vascularização presente em todas as áreas


do encéfalo permite que você conclua o quanto os neurônios e as células
da glia são dependentes de um fluxo sanguíneo contínuo. Assim, também
é possível compreender a rapidez da instalação de sinais neurológicos
quando essa circulação se encontra comprometida, favorecendo assim a
ocorrência do acidente vascular cerebral.

60
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

3.1.4 Anatomia vascular cerebral (AVC)

A circulação encefálica é dependente de duas artérias carótidas internas e duas vertebrais, localizadas
internamente ao espaço subaracnoide, e através de suas ramificações formam anastomoses responsáveis
pelo círculo arterial do cérebro, ou também denominado polígono de Willis.

O início da artéria carótida interna é na bifurcação da carótida comum, na dilatação conhecida


como seio carotídeo. A partir daí ela ascende em direção ao pescoço e penetra na base do crânio pelo
osso temporal. No espaço subaracnóideo se ramifica nas artérias cerebrais anterior e média.

A artéria oftálmica é responsável pela vascularização do olho e estruturas orbitais, sendo formada
quando a artéria carótida interna deixa o seio cavernoso.

A artéria comunicante posterior é uma das artérias que compõem o polígono de Willis. Ela se origina
da artéria carótida interna e segue acima do nervo oculomotor para se unir à artéria cerebral posterior.

A artéria cerebral anterior também possui origem na artéria carótida interna. Em seu trajeto, dirige-se
para frente e nas porções medial e superior ao nervo óptico, atingindo a fissura longitudinal do cérebro.
Une-se à artéria cerebral anterior do lado oposto pela artéria comunicante anterior. Ramos corticais irão
suprir a região medial do córtex cerebral até o sulco parietoccipital. Assim, irá suprir a região cortical,
cujos neurônios representam a área da perna. Seus ramos centrais irão irrigar as estruturas dos núcleos
lentiforme e caudado, bem como a cápsula interna.

A artéria cerebral é um dos principais ramos da carótida interna, seus ramos corticais irrigam a face
lateral do hemisfério, ou seja, toda a área motora, exceto a área cortical da perna. Os seus ramos centrais
suprem os núcleos lentiforme e caudado, além da cápsula interna.

A artéria vertebral inicia na primeira porção da artéria subclávia, ascende no pescoço pelos forames
dos processos transversos das seis vértebras cervicais superiores. No crânio, através do forame magno,
atravessa as meninges, atingindo o espaço subaracnóideo. Ascende sobre o bulbo na região anterior. Na
região inferior da ponte, ao unir-se com o vaso do lado oposto, origina a artéria basilar.

A artéria cerebelar inferior-posterior, um dos ramos da parte intracraniana da artéria vertebral,


corresponde ao maior ramo que irá irrigar o bulbo, a face inferior do verme do cerebelo, núcleos
cerebelares e o plexo corióideo do quarto ventrículo.

A artéria basilar se forma a partir da união das artérias vertebrais, e ao preencher o sulco da face
anterior da ponte, na região superior, ramifica-se nas duas artérias cerebrais posteriores. De seus
ramos, merece destaque a artéria cerebelar inferior-anterior (irriga as partes anterior e inferior de
cerebelo), a artéria cerebelar superior (irriga a parte superior do cerebelo) e a artéria cerebral posterior
(ramos corticais responsáveis pela irrigação do córtex occipital, e os centrais pelo tálamo, núcleo
lentiforme e mesencéfalo).

61
Unidade I

O polígono de Willis está localizado na base inferior do cérebro. É composto de anastomoses entre
as duas artérias carótidas internas e as duas artérias vertebrais. Há também colaboração das artérias
comunicante anterior, cerebrais anteriores, carótidas internas, comunicantes posteriores, cerebrais
posteriores e basilar. A importância da configuração do polígono de Willis está na possibilidade de oferta
de sangue para qualquer parte dos dois hemisférios cerebrais, além disso, seus ramos corticais irrigam
a parte central do cérebro. É possível observar variação entre indivíduos com relação ao tamanho das
artérias, e inclusive haver ausência de uma ou duas artérias comunicantes posteriores.

O quadro a seguir demonstra, de maneira geral, as principais artérias cerebrais e seus respectivos
territórios de irrigação.

Quadro 13 – Ramos arteriais e suas áreas específicas de irrigação

Áreas específicas Ramos arteriais


cerebrais
Corpo estriado e Ramos centrais estriados mediais e laterais da artéria cerebral média
cápsula interna
Tálamo Ramos das artérias comunicante anterior, basilar e cerebral posterior
Mesencéfalo Artérias cerebral posterior, cerebelar superior e basilar
Ponte Artérias basilar e cerebelares inferior-anterior e superior
Bulbo Artérias vertebral, espinais anterior e posterior, cerebelar inferior-posterior e basilar
Cerebelo Artérias cerebelares superior, inferior-anterior e inferior-posterior

Com relação ao sistema venoso, as veias são desprovidas de tecido muscular e válvulas. De maneira
geral, saem do encéfalo e percorrem o espaço subaracnóideo e acabam drenando para os seios venosos
da dura-máter.

É possível observar pelo grau de vascularização que o suprimento sanguíneo capilar é maior na
região de substância cinzenta, devido à localização dos corpos de neurônios e alta taxa metabólica.

Importante lembrar que pela circulação arterial chegam nutrientes, oxigênio e glicose, enquanto
dióxido de carbono e ácido lático são removidos pela circulação venosa. O sangue arterial é transportado
pelas duas artérias carótidas internas e duas artérias vertebrais. A metade do encéfalo é irrigado pelas
artérias carótida interna e vertebral e suas respectivas ramificações se encontram na artéria comunicante
posterior. Porém, se houver uma oclusão em uma delas, o sangue prossegue ou recua desse ponto para
que haja compensação da redução no fluxo sanguíneo.

O polígono de Willis possibilita que o sangue circule pela linha média, mas uma vez no tecido
cerebral, não são mais observadas anastomoses entre as artérias cerebrais.

No quadro a seguir é possível observar algumas manifestações clínicas relacionadas ao acometimento


específico de algumas artérias cerebrais.

62
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Quadro 14 – Associação entre as artérias cerebrais


acometidas e manifestações clínicas

Artéria Manifestação clínica


Oftálmica Amaurose
Hemiparesia (plegia) contralateral, déficit de sensibilidade contralateral, afasia ou
Artéria cerebral média heminegligência
Artéria cerebral anterior Déficit crural contralateral, alteração da marcha e incontinência urinária
Artéria cerebral posterior Hemianopsia homônima contralateral
Artéria vertebral Vertigem, paresia ipsilateral de nervos cranianos
Artéria basilar Rebaixamento do nível de consciência, tetraparesia (plegia) e síndrome do cativeiro

Fonte: Nitrini e Bacheschi (2015, p. 134).

Observação

Para o fisioterapeuta, o conhecimento prévio da estrutura anatômica


e fisiológica do sistema vascular cerebral é importante no dia a dia da
prática clínica para sua compreensão do quadro clínico do paciente e suas
respostas diante da reabilitação motora.

Acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI)

O acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI), 80-85% das DCV, é referido como um episódio agudo
de disfunção neurológica, com sintomas persistentes por mais que 24 horas, causada por infarto e
dependente da distribuição territorial vascular definido (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

A elevada dependência de nutrientes e oxigênio do tecido cerebral resulta em sensibilidade reduzida


diante de períodos curtos de isquemia. Outro fator que também contribui para a gravidade da isquemia
é a presença de circulação colateral. Estudos com animais apontam que a interrupção da circulação
sanguínea de 2 a 8 segundos pode ser suficiente para o surgimento irreversível de necrose tecidual
(BERTOLUCCI et al., 2016).

A etiologia da isquemia cerebral é extremamente variada, sendo decorrente do comprometimento da


fisiologia do tecido cerebral. O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é de 50 mL de sangue por 100 g de tecido
cerebral por minuto, sendo o consumo cerebral de O2 de 3,5 mL/100 g por minuto. Assim, a isquemia
ocorre quando o FSC é reduzido a um nível não adequado para o suprimento sanguíneo tecidual.

O grau da isquemia causada pela alteração do FSC em uma determinada artéria varia de acordo
com as regiões dependentes dessa artéria. Será mais intensa no centro (core) e menos intensa na área
denominada de penumbra. Uma retomada rápida da perfusão na área de penumbra pode impedir a
evolução de lesão irreversível, ou seja, ao infarto. Com o retorno da perfusão sanguínea, os sintomas
neurológicos desaparecem, caracterizando assim o denominado ataque isquêmico transitório (AIT), que
geralmente precede um AVCI em 20% dos casos.
63
Unidade I

O diagnóstico do AIT é extremamente importante para a prevenção de novos episódios isquêmicos.


Ele pode ser definido como uma instalação aguda e súbita de sinais neurológicos vasculares, sem
gerar lesão tecidual, detectável em exames de imagem, independentemente da duração dos sintomas
(BERTOLUCCI et al., 2016).

Houve uma alteração no conceito do AIT; devido à possibilidade de até 1/3 dos eventos com duração
inferior a 24 horas (definição anterior do AIT), apresentam infarto cerebral quando utilizados exames
como a RM. Assim, a definição atual considera a possibilidade de lesão tecidual, e não a duração dos
sintomas (BERTOLUCCI et al., 2016).

Os infartos lacunares são lesões com diâmetro de 3 mm a 20 mm, resultado da obstrução de pequenos
ramos arteriais das artérias cerebrais médias, vertebrais, basilar ou do polígono de Willis. Para esse tipo
de infarto, a hipertensão arterial e o diabetes mellitus são considerados os principais fatores de risco.

Figura 10 – Representação de infartos lacunares

Disponível em: https://bit.ly/38hgpcP. Acesso em: 27 ago. 2021.

Outras situações clínicas que favorecem a ocorrência do acidente vascular incluem as vasculites
autoimunes relacionadas a outras doenças sistêmicas e vasculites primárias do SNC. Conforme Nitrini e
Bacheschi (2015, p. 143), é possível observar alguns fatores etiológicos para o AVCI:

• trombose (grandes, médias e pequenas artérias);

• embolia (cardíaca ou arterial);

• hipotensão arterial grave;

• redução do fluxo sanguíneo devido à estenose ou à oclusão arterial;


64
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

• fibrilação atrial;

• aterosclerose de grandes artérias.

De maneira geral, os sinais e sintomas clínicos dependerão diretamente da extensão da lesão e da


artéria comprometida.

Conforme caracterização clínica do AVC, a instalação dos sinais clínicos é súbita e são comuns a
hemiparesia, hemi-hipoestesia, afasia, ataxia, diplopia e hemianopsia. A cefaleia pode estar presente,
porém é mais frequente no AVCH.

A avaliação neurológica do paciente não somente auxilia o médico na determinação da


hipótese diagnóstica, mas também pode sugerir o provável sistema arterial envolvido (o carotídeo
ou vertebrobasilar). A avaliação não substitui a necessidade dos exames como a tomografia
computadorizada (TC) de crânio e pescoço e a ressonância magnética, que confirmarão o acidente
vascular cerebral.

Todavia, é importante ressaltar que a imagem da TC durante as primeiras horas após um processo
isquêmico não mostrará alterações, ou, se houver, serão sutis, como apagamento de sulcos corticais
ou perda da diferenciação entre as substâncias branca e cinzenta. A principal alteração na TC será
uma hipoatenuação na área encefálica com infarto, que será observável, geralmente, após 24 horas do
evento vascular (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

A RM é mais significativa quando comparada à TC, mesmo durante as primeiras horas após o AVCI.

Figura 11 – Ressonância magnética de crânio de uma AVCI

Fonte: Bastianetto e Pinto (2014, p. 139).

65
Unidade I

Observe na figura 11 que a definição da área de isquemia é extensa. Entretanto, devido às condições
financeiras exigidas para um exame de ressonância magnética, geralmente é solicitada em um primeiro
momento a TC diante da suspeita do AVC. Além disso, a TC possibilita a identificação imediata de um
processo hemorrágico, que como veremos, é o que está mais relacionado com a evolução de óbito após
o acidente vascular cerebral.
Com relação ao diagnóstico diferencial, é necessário a inclusão de situações como próprio AVCH,
tumores, crises epilépticas e distúrbios metabólicos.
Segundo Nitrini e Bacheschi (2015, p. 139), seguem outros exames clínicos, complementares, que
poderão colaborar com os de imagem para o diagnóstico e a causa do AVCI:
• Exames de sangue: bioquímico, hemograma, coagulograma, sorologia para lúpus, sorologia para
doença de Chagas.
• Investigação de embolia cardíaca: eletrocardiograma, ecocardiograma transtorácico, Holter.
• Investigação de trombose arterial ou embolia: angiotomografia, angiorressonância, doppler
de artérias carótidas.
Para o tratamento e o prognóstico do AVCI, fatores como idade e extensão da lesão devem ser
considerados. Um dos principais objetivos do tratamento será manter a integridade do tecido cerebral da
área de penumbra, que possibilitará a redução do comprometimento neurológico e, assim, a qualidade
de vida do paciente.
O conceito de que “tempo é cérebro” é fundamental para a abordagem médica do AVCI, pois
conforme vimos tratar-se de uma emergência, é necessária a existência de unidades especializadas de
AVC nos grandes centros hospitalares, onde uma equipe multidisciplinar deverá atuar para a redução
de mortalidade e risco de incapacidade.
São fatores que colaboram para uma evolução favorável: monitorização e tratamento de pressão
arterial, glicemia e oxigenação sanguínea, proteção de via aérea e prevenção de complicações como
pneumonia, trombose venosa profunda e embolia pulmonar (NITRINI; BACHESCHI, 2015).
A alteplase (rt-PA endovenoso) é uma droga endovenosa utilizada para a terapia trombolítica com
objetivo de restaurar o fluxo sanguíneo cerebral, sua utilização produz efeitos positivos para a redução
de incapacidade, porém o paciente precisa apresentar indicações específicas para o procedimento
(BERTOLUCCI et al., 2016).

Lembrete

É importante estar habituado a visualizar as imagens radiológicas de


tomografia computadorizada e ressonância magnética dos pacientes, pois
essa prática auxiliará você a identificar a localização da lesão neurológica
e sua gravidade, e também a compreender a evolução do paciente ao
programa de fisioterapia.
66
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Acidente vascular cerebral hemorrágico (AVCH)

Segundo Bertolucci et al. (2016), a hemorragia intracerebral espontânea geralmente está relacionada
à ruptura de um vaso intracraniano que resulta no extravasamento de sangue para o tecido cerebral. O
AVCH possui uma incidência de 15 a 33 por 100.000 habitantes/ano, podendo chegar a 145 por 100.000
em pacientes acima de 75 anos.

Pode ser profundo quando localizado próximo aos núcleos da base, tálamo, ponte e cerebelo, ou
lobar quando ocorrer nos lobos cerebrais.

O AVCH pode ser classificado em intraparenquimatoso ou subaracnóideo, dependente da artéria


envolvida.

Na hemorragia intraparenquimatosa (HIP), a localização do foco hemorrágico está no parênquima


encefálico e resulta do sangramento de uma artéria profunda do encéfalo. Equivale a 10% dos acidentes
vasculares cerebrais, segundo estudos americanos e europeus. No Brasil, por estar diretamente
relacionada à hipertensão arterial, acredita-se em uma porcentagem elevada.

De acordo com Nitrini e Bacheschi (2015, p. 135), a seguir apontamos alguns fatores etiológicos
associados à hemorragia intraparenquimatosa (HIP):

• hipertensão arterial;

• angiopatia amiloide;

• malformações vasculares (aneurismas, malformações arteriovenosas, angiomas cavernosos);

• anticoagulantes fibrinolíticos;

• fármacos simpatomiméticos (fenilpropanolamina, isometépteno, anfetaminas, cocaína, crack).

Você sabe o que é um aneurisma?

Um aneurisma é uma dilatação vascular que geralmente possui forma sacular. Na região do vaso
em que ele se encontra, as paredes são mais delgadas, o que favorece o sangramento ou até mesmo
sua ruptura. Os aneurismas arteriais intracranianos podem ocorrer em qualquer artéria, apesar de
haver preferência nas regiões de bifurcações arteriais e, em especial, da circulação anterior do cérebro
(figura a seguir).

Quanto à etiologia, pode ser congênito, incorporando um tipo de malformação arteriovenosa (MAV),
ou adquirido, sendo a hipertensão arterial a sua principal causa. Um dos principais exames de imagem
que auxiliam na sua identificação e no seu diagnóstico é a angiografia cerebral.

67
Unidade I

A abordagem médica dependerá não somente do seu tamanho, mas também de sua localização, que
poderá inviabilizar a intervenção cirúrgica de ressecção ou clipagem, devido ao risco de sangramento
ou ruptura durante o procedimento.

Artéria cerebral
anterior

Artéria cerebral
média

Figura 12 – Representação de um aneurisma cerebral

Fonte: Queiroz (2010, p. 17).

As manifestações clínicas do AVCH são caracterizadas, em grande parte, pelos efeitos súbitos do
aumento da pressão intracraniana (HIC), que incluem cefaleia, vômitos e alteração do nível de consciência,
além dos sinais focais associados à área de lesão. Assim, o hematoma e a gravidade do quadro clínico
são fatores importantes para a morbimortalidade.

O principal exame de imagem para a confirmação da HIP é a tomografia computadorizada, em que


pode ser evidenciada a extensão da hemorragia e a ocorrência da hidrocefalia.

Com relação à RM, não há grandes diferenças na imagem quando comparada à TC. Vale lembrar que
enquanto a lesão isquêmica é hipoatenuante na TC, o sangue, por conter elevada densidade, semelhante
ao osso, se apresentará como uma “mancha” branca, hiperatenuante, conforme pode ser observado na
figura a seguir.

68
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Figura 13 – Imagem de tomografia computadorizada de um AVCH

Fonte: Machado et al. (2010, p. 603).

Além do efeito compressivo do sangue, responsável pela elevação da pressão intracraniana, observado
na figura 13, pelo desvio da linha média entre os dois hemisférios, a presença do sangue no parênquima
cerebral é considerada tóxica devido às alterações bioquímicas e celulares no local do sangramento (área
branca da figura). Note que ao redor da área esbranquiçada (sangue) há um contorno escuro ao longo de
toda a área de lesão. Esse contorno nada mais é que a área de penumbra de um processo hemorrágico,
evidenciando sofrimento isquêmico dos neurônios localizados no entorno da área do sangramento.

Para Nitrini e Bacheschi (2015), o prognóstico não é favorável diante da HIP, uma vez que metade
dos pacientes possui tendência de evolução para o óbito, em média de 30 dias e apenas em 1/5 haverá
a recuperação funcional após 6 meses.

O tratamento médico da HIP, de maneira geral, envolve cuidados amplos (controle hemodinâmico),
manejo da hipertensão intracraniana (HIC) e intervenção cirúrgica.

Já a hemorragia subaracnoide (HSA) é resultado do sangramento de uma artéria situada no espaço


subaracnóideo, podendo ser de natureza espontânea ou traumática. Em relação aos outros tipos de AVC,
corresponde a 5-10% dos casos. A principal causa é a presença de aneurismas (80%), sendo elevada sua
taxa de morbidade e mortalidade (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Mulheres e pessoas negras em geral possuem maior risco a esse tipo de AVC. Outros fatores de risco
a serem apontados são: tabagismo, hipertensão arterial (HAS), etilismo e história familiar.

69
Unidade I

Como sintomas da HSA, são frequentes intensa cefaleia súbita associada a dor cervical e nucal, além
de vômitos, fotofobia e perda do nível de consciência.

A TC de crânio é a imagem eletiva que evidenciará presença de sangue no espaço subaracnoide nas
primeiras horas após o início dos sintomas. A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) pode auxiliar o
diagnóstico quando a TC não for conclusiva.

Comprometimento do nível de consciência, idade avançada e grande volume de sangue na TC são


fatores que não favorecem uma evolução positiva para esse tipo de acidente vascular cerebral.

Embora as diferentes condições clínicas envolvidas no acidente vascular cerebral possam contribuir
para o óbito do paciente, a maioria sobrevive, mas com limitações motoras, sensoriais, cognitivas e até
psíquicas que, com frequência, limitam sua independência funcional.

O programa de reabilitação do paciente após um AVC é complexo e engloba a ação de profissionais


de diferentes áreas. A intervenção fisioterapêutica se faz necessária a partir do momento em que houver
estabilização e controle das causas do AVC, e se inicia ainda na fase hospitalar. Esse tema será abordado
mais a seguir.

4 TUMORES CEREBRAIS

Os tumores que acometem o sistema nervoso são originados a partir das diferentes células que
compõem o sistema nervoso central e periférico. É uma condição que pode afetar indivíduos de faixas
etárias variadas, e embora haja alguns fatores que estejam mais envolvidos em seu desenvolvimento,
ainda não há um consenso com relação à etiologia.

Destacam-se para o desenvolvimento dos tumores cerebrais (TC) fatores genéticos, hormonais e
ambientais. História de algumas situações patológicas, como traumatismo craniano, epilepsia, infecções
cerebrais, contato com animais e exposição a substâncias tóxicas como pesticidas, podem estar
relacionadas ao risco de seu desenvolvimento.

De maneira geral, os TC são raros, porém nas últimas décadas tem sido relatado um aumento em
pessoas idosas, que pode ser descrito tanto em relação à incidência como à mortalidade. Associa-se
essa tendência a alguns fatores como o avanço tecnológico nas medidas de diagnóstico e exames
(tomografia computadorizada, ressonância magnética), e mais cuidados à população idosa. Não são
descartadas situações ambientais favoráveis e redução de exposição a fatores de proteção.

Um desses fatores, que merece destaque para a origem das neoplasias do sistema nervoso, é a
ocorrência de mutações gênicas que inativam determinados genes supressores de tumores, como, por
exemplo, o gene TP53. Mas ainda não são conhecidos os agentes causadores dessas mutações, que
podem ser de natureza física, química e até infecciosa. Em 5% dos casos é encontrada uma associação
genética e familial.

70
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Uma referência na epidemiologia dos tumores cerebrais é aquela observada nos Estados Unidos (EUA),
em que são descritos 7 a 19 casos por 100.000 habitantes, sendo o número de óbitos esperados por
ano em torno de 100.000 por ano, decorrentes de metástases cerebrais.

Em relação Brasil e demais países, acredita-se que seja semelhante à descrita nos EUA.

4.1 Clínica

De maneira geral, não é observado um padrão específico para as manifestações clínicas que faça
o médico pensar em um primeiro momento no diagnóstico de tumor cerebral. Os sintomas incluem
cefaleia, convulsões, déficits neurológicos focais e até alterações cognitivas e de personalidade. Observe
que esses sintomas também podem ser encontrados em outras patologias neurológicas.

As manifestações clínicas são resultado do efeito compressivo que o tumor exercerá sobre o tecido
neural, sendo influenciadas pela velocidade de crescimento da massa tumoral.

Existem tumores que crescem de forma lenta, e, assim, ao serem diagnosticados, já apresentam
um grande volume. Mas, como ocorre o seu crescimento sem que sejam observados sintomas
clínicos evidentes?

Devido ao efeito de acomodação do próprio tecido cerebral. São exemplos desses tumores: os
meningiomas e alguns gliomas.

Há aqueles que durante o crescimento provocam edema tecidual e assim surgem sintomas focais,
isto é, dependentes diretamente do local em que estão, e pelo efeito do edema causam sintomas, mas
que não chegam a assumir grandes volumes.

A cefaleia é um dos principais sintomas. De maneira geral, é resultado da compressão de estruturas


nervosas ricas em terminações nervosas dolorosas, como o periósteo, a dura-máter e a parede arterial.

Além disso, fatores como aumento da pressão intracraniana devido ao efeito de massa causado pelo
tumor, hidrocefalia e edema próximo ao tumor podem causar a cefaleia, presente em 1/3 dos pacientes.
É caracterizada como inespecífica, sendo em 77% do tipo tensional e em 8% de enxaqueca.

Algumas situações podem estar associadas ao seu surgimento, tais como: piora da dor ao
tossir, despertar noturno devido à dor, associação a quadros como náuseas, vômitos e déficits
neurológicos focais.

Comprometimento ao nível do córtex cerebral pode se refletir na forma de alterações de


comportamento, memória e até redução do nível de consciência. O mesmo pode ser mencionado a
respeito das convulsões, que podem ser parciais ou generalizadas.

Vamos citar a associação de alguns sintomas clínicos com a localização do tumor cerebral.

71
Unidade I

• Lobo frontal:

— apraxia;

— afasia;

— alterações de personalidade (desinibição, afeto inapropriado);

— crises convulsivas;

— hemiparesia.

• Lobo temporal:

— crises convulsivas;

— redução de memória;

— afasia;

— alucinações olfativas e auditivas.

• Lobo parietal:

— alterações de sensibilidade contralateral;

— afasia;

— negligência do hemicorpo contralateral;

— apraxia ideomotora.

• Lobo occipital:

— hemianopsia homônima;

— alexia.

• Tronco cerebral:

— vertigem, náuseas e vômitos;

— neuropatia dos nervos cranianos;

72
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

— hemiparesia, hemiplegia;

— alterações sensibilidade;

— hidrocefalia.

• Cerebelo:

— cefaleia occipital, vertigem;

— ataxia, dismetria, tremor de intenção;

— hemiparesia, hemiplegia;

— hidrocefalia.

4.2 Classificação

Os tumores cerebrais podem ser classificados em primários, secundários ou metastáticos.

Em decorrência de suas características específicas, ainda podem ser descritos aqueles que acometem
diretamente a coluna vertebral e a medula espinal.

A seguir são citados os principais tumores cerebrais primários de acordo com a sua origem celular:

• Origem glial:

— astrocitoma:

- astrocitoma benigno;

- astrocitoma pilocítico;

- astrocitoma anaplásico;

- gliobastoma multiforme;

- oligodendroglioma.

— tumor ependimal:

- ependioma celular;

73
Unidade I

- ependioma anaplásico;

- epindioma mixopapilar.

— tumor do plexo coroide:

- papiloma do plexo coroide;

- carcinoma do plexo coroide.

• Origem não glial:

— origem neural progenitor:

- gaglioneuroma;

- neuroblastoma;

- tumor primitivo do neuroectoderma.

— tumor mesenquimal ou meníngeo:

- meningioma;

- hemangioblastoma;

- hemangiopericitoma.

— adenoma pituitário:

- microadenoma;

- macroadenoma.

Com relação às principais localizações dos tumores cerebrais, podemos apontar:

• Cerebral (supratentorial):

— astrocitoma;

— meningiomas;

— oligodendroglioma;

74
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

— lesão metastásica;

— linfoma.

• Cerebelo e tronco cerebral (infratentorial):

— schwanoma;

— meningiomas;

— astrocitoma;

— cisto pineal.

• Ventrículos laterais:

— astrocitoma;

— ependioma;

— neurocitoma central.

• Terceiro ventrículo:

— astrocitoma;

— cisto coloide;

— neurocitoma central.

Vamos descrever algumas características dos principais tumores cerebrais.

Astrocitoma

Os astrocitomas são uns dos mais frequentes tumores cerebrais primários (60%). Podem ser
classificados de acordo com a histologia, em graus I a IV. Porém outro critério utilizado é o grau
de malignidade.

Os astrocitomas I e II são considerados de baixo grau de malignidade, enquanto os de III e IV são de


alto grau de malignidade, com evolução rápida. O astrocitoma anaplásico e o glioblastoma multiforme
(GBM) são exemplos desse grupo.

75
Unidade I

Os astrocitomas possuem características diferentes, sendo que podem se manter estáveis durante
anos ou apresentarem evolução rápida para os graus III e IV. Aqueles com um grau baixo de malignidade
são mais frequentes em crianças e adultos jovens, e os de malignidade maior afetam mais os idosos.

Com relação aos exames de imagem, em tomografia computadorizada (TC) e ressonância nuclear
magnética (RNM), figura a seguir, os de baixo grau se apresentam hipodensos. Não é comum a
associação de edema cerebral, e em 10-20% dos casos há calcificações.

Em contrapartida, os astrocitomas de maior grau de malignidade possuem uma área central


hipodensa na TC, que geralmente é equivalente à necrose, e o edema ao redor da área tumoral
é mais comum.

De maneira geral, o tratamento irá variar de acordo com o grau de malignidade do astrocitoma.
Àqueles de maior malignidade são indicadas a ressecção combinada à radioterapia e quimioterapia.

Fatores como grau de malignidade, idade do paciente (menor que 40 anos), tratamento cirúrgico,
bem como estado geral do indivíduo influenciam no prognóstico final.

T2 Flair

T1 T1 c/cte

Figura 14 – RM de astrocitoma pilocítico

Fonte: Docampo et al. (2014, p. 77).

Oligodendroglioma

Esse tumor equivale a 2-4% dos tumores cerebrais primários, sendo as crises convulsivas um achado
clínico comum.

São classificados em baixo grau e anaplásicos, com diferenças observadas nos exames de imagem,
como a presença de calcificações na TC no de baixo grau e a possibilidade de impregnação por contraste
no caso dos anaplásicos.
76
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

A) B) C)

D) E) F)

Figura 15 – RM de oligodendroglioma anaplásico

Fonte: Illescas (2020, p. 14).

O tratamento geral envolve cirurgia e quimioterapia. O prognóstico de vida para os casos de


oligodendroglioma de baixo grau varia em torno de 5 anos.

Ependimoma

As células ependimárias estão presentes no revestimento interno dos ventrículos e do canal central
da medula espinal; 70% ocorrem na região do IV ventrículo. A metástase ocorre através do liquor em
11% dos casos, sendo a medula espinal a área mais acometida; hidrocefalia é um sinal clínico comum.

A abordagem terapêutica envolve a ressecção cirúrgica associada à radioterapia.

Meduloblastoma

Também conhecido como neuroectodérmico primitivo, é o segundo tumor cerebral mais comum em
crianças, após os astrocitomas, sendo encontrado principalmente na região do IV ventrículo.

Um sintoma clínico inicial é a hidrocefalia, e um achado radiológico na RNM com contraste é uma
lesão mediana ou paramediana na fossa posterior.

O tratamento geralmente consiste em cirurgia combinada à radioterapia.

A introdução de derivação ventrículo-peritoneal pode ser necessária em 30-40% dos pacientes e a


sobrevida varia em média de 5 anos.

77
Unidade I

Meningioma

Equivale a 20% dos tumores cerebrais, sendo uma forma benigna de tumor que acomete o SNC,
uma vez que raramente invade o parênquima cerebral, sendo originado a partir das células aracnoides.

Possui crescimento lento e pode surgir após radioterapia intensa em tratamento de câncer de cabeça
e pescoço. Costuma ser observado na região da foice do cérebro, convexidade cerebral, fossa anterior da
base do crânio e osso esfenoide.

Em termos de imagem radiológica, na TC há lesões bem delimitadas e impregnadas por contraste, e


calcificações podem estar presentes.

O tratamento é cirúrgico e a ressecção total deve ser objetivada. A radioterapia é a combinação mais
frequente juntamente à intervenção cirúrgica.

A taxa de recidiva após a ressecção total é de 7% em média durante 5 anos, sendo essa porcentagem
maior quando a ressecção tiver sido incompleta.

Linfoma

O linfoma no SNC pode ser classificado em primário ou secundário, sendo este resultado de estados
avançados de linfomas sistêmicos.

A forma primária está associada a situações clínicas de imunodeficiência e imunossupressão, como,


por exemplo, pacientes com diagnóstico de HIV e transplantados.

Os sintomas clínicos dependerão da localização do tumor, sendo muito variável, mas merecem
destaque a compressão epidural da medula espinal e meningite carcinomatosa.

As características radiológicas (ver figura) incluem múltiplas lesões, que são realçadas com contraste
e combinação de edema.

A) B) C)

Figura 16 – RM linfoma no SNC

Fonte: Reis, Schwingel e Nascimento (2013, p. 112).

78
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Essa combinação de radioterapia e quimioterapia é a abordagem de tratamento utilizada, sendo


estimada uma sobrevida média de 13 meses para a maioria dos pacientes.

No caso do linfoma secundário, a sobrevida dependerá diretamente do estado geral sistêmico


do paciente.

Schwanoma

O mais frequente dessa categoria possui origem na porção vestibular do VIII nervo, recebe o nome
de schwanoma do acústico. Em menor frequência pode ocorrer o acometimento do V, IX, X ou XII
nervo. Outra nomenclatura para esse tumor é neurinoma do acústico, que corresponde a 10% de todos
os tumores cerebrais.

Algumas características clínicas incluem que 95% deles são unilaterais e geralmente podem
causar redução da acuidade auditiva, vertigem, zumbido, paresia facial, ou dormência decorrente da
compressão do VIII ou V nervo craniano também é citada.

Dependendo do tamanho do tumor, o tronco cerebral e o cerebelo podem sofrer compressão e gerar
hidrocefalia, hemiparesia, ataxia e comprometimento do nível de consciência.

Esses tumores são altamente impregnados por contraste, e exames audiológicos podem auxiliar no
diagnóstico. Na audiometria pode ocorrer perda auditiva neurossensorial e redução na discriminação
de voz, e a compressão do nervo auditivo pode ser observada através do potencial evocado auditivo do
tronco cerebral.

O tratamento eletivo é a ressecção cirúrgica, sendo curativa para a maioria dos pacientes. Uma
complicação comum é a paralisia facial.

Tumores da região pineal

Embora tumores nessa região equivalham a 1% de todos os tumores primários cerebrais, as


manifestações clínicas incluem hidrocefalia e compressão do tronco cerebral, ataxia e rebaixamento do
nível de consciência. Porém a maioria é benigna.

Geralmente, crescem a partir de células do parênquima pineal dando origem a pineocitomas


ou pineoblastomas.

Neuroimagens como TC e RNM são essenciais para o diagnóstico, além da análise histológica, porque
diferentes tipos de tumores podem se desenvolver nessa região.

O tratamento requer a ressecção, uma vez que um terço são benignos. A combinação da cirurgia de
ressecção com a radioterapia pode ser necessária, o que favorece uma sobrevida de 5 anos, em média,
para os pacientes com tumores malignos.

79
Unidade I

Metástases cerebrais

Aproximadamente 20-30% dos casos de câncer sistêmico evoluem para metástase cerebral.

Duas estruturas que merecem destaque nessa evolução são o pulmão (40%) e a mama (20%).
Melanoma, câncer gastrointestinal e renal também podem apresentar essas metástases.

As lesões, no geral, são supratentoriais (80%), no cerebelo (10-15%) e no tronco cerebral (3-5%).
Em crianças, as metástases cerebrais são raras, sendo mais frequentes em adultos com mais de 40 anos.

As manifestações clínicas são semelhantes àquelas encontradas nos tumores cerebrais primários,
sendo dependentes da localização e do tamanho do tumor. Entre elas, a cefaleia é frequente, bem como
a alteração do estado mental e déficits neurológicos focais, que incluem hemiparesia, ataxia, afasia e
distúrbios sensoriais. As convulsões estão presentes em 10% dos pacientes.

Lesões múltiplas, principalmente entre a junção das substâncias branca e cinzenta, são observadas
tanto na tomografia computadorizada como na ressonância magnética.

Como abordagem de tratamento, a cirurgia será uma opção, dependendo do tamanho e da


localização das lesões. Outro fator a ser verificado é a situação clínica do câncer sistêmico. No geral,
a apresentação de metástase cerebral é um indicativo de mau prognóstico.

4.3 Tumores de crânio

Alguns dos principais efeitos dos tumores de crânio, sejam benignos ou malignos, são a compressão
e destruição do tecido cerebral.

Seguem os principais tumores de crânio e suas respectivas localizações no quadro a seguir.

Quadro 15 – Representação dos tumores de crânio e sua localização

Tumor Localização
Osteoma Seio paranasal, órbita
Condroma Base do crânio, sino paranasal
Hemangioma Coluna vertebral, calvária
Condrosarcoma Base do crânio
Osteossarcoma Base do crânio
Fibrossarcoma Todas as regiões do crânio

Os achados radiológicos observados na tomografia computadorizada e na ressonância magnética


contribuem para o diagnóstico.

A cirurgia de ressecção é uma das principais opções de tratamento.

80
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

4.4 Tumores medulares

Os tumores medulares ocorrem principalmente em jovens e adultos de meia-idade. A medula espinal


pode ser acometida em toda sua extensão.

Podem ser classificados em intramedulares (gliomas e ependimomas), extramedular intradural


(neurofibromas e meningiomas) e extramedulares extradurais, sendo esses mais comuns em metástases.

Os sítios mais frequentes de metástases são os corpos vertebrais e no espaço epidural, decorrentes
de câncer primário do pulmão e da mama.

Com relação às manifestações clínicas, os tumores extramedulares resultam diretamente da compressão


do tecido nervoso, enquanto os intramedulares acometem diretamente o parênquima neuronal.

História clínica associada ao exame físico e análise radiológica são determinantes para a confirmação
do diagnóstico.

No caso dos tumores extramedulares, ao acometerem um segmento focal da medula espinal, estão
associadas às raízes nervosas, produzindo sintomas como dores radiculares, parestesias, dormência e
fraqueza distribuída pelas raízes nervosas afetadas. Ainda são possíveis paresia espástica, dormência
abaixo da lesão, hiper-reflexia e disfunção vesical e intestinal.

Já nos tumores intramedulares, a manifestação clínica é variável, pois pode envolver apenas um
pequeno segmento ou estender para toda medula espinal.

Saiba mais

A craniotomia descompressiva é um procedimento cirúrgico utilizado em


várias situações neurológicas graves, como traumatismos cranioencefálicos,
acidente vascular cerebral e tumores cerebrais. Devido ao aumento da
pressão intracraniana, uma parte de um dos ossos do crânio é retirada no
lado acometido, o que permite a liberação do tecido cerebral edemaciado.
Como consequência, o paciente fica com uma aparência estranha, dando a
impressão de que uma parte da cabeça foi retirada.

Segundo Maricevich e Campolina (2017), a reconstrução da calota


craniana (cranioplastia) pode ser realizada com osso autólogo ou com
materiais aloplásticos. Conheça mais sobre a técnica, na leitura do artigo:

MARICEVICH, P; CAMPOLINA, A. C. Reconstrução de calota craniana com


prótese customizada de PMMA após craniectomias descompressivas. Revista
Brasileira de Cirurgia Plástica, v. 32, n. 1, p. 46-55, 2017. Disponível em:
https://bit.ly/3hjIg1c. Acesso em: 8 set. 2021.

81
Unidade I

Resumo

Nesta primeira unidade, foi possível abordar os tópicos principais que


compõem uma avaliação neurológica e seus respectivos procedimentos
técnicos.

A interpretação clínica realizada pelo neurologista e pelo fisioterapeuta


difere em relação ao objetivo da avaliação neurológica. Para o neurologista,
essa avaliação busca a identificação de um diagnóstico clínico. Já o
fisioterapeuta espera a obtenção do diagnóstico cinético-funcional, ou
seja, é necessário identificar os sinais clínicos que justificam a queixa
funcional do paciente.

A avaliação neurológica é complexa e composta de diferentes tópicos


que refletem a integridade de importantes funções neurológicas, como
nível de consciência, estado mental e funções corticais superiores, tônus
muscular, reflexos superficiais e profundos, motricidade voluntária e força
muscular, sensibilidade, coordenação motora, funções neurovegetativas,
nervos cranianos, equilíbrio e marcha.

A complexidade funcional do sistema nervoso colabora com as


dificuldades de compreensão do perfil do paciente neurológico. Para
a elaboração de um plano de tratamento fisioterapêutico adequado, é
fundamental a compreensão dessa complexidade e de suas consequências
funcionais.

Assim, as repercussões de uma lesão neurológica em um indivíduo


adulto não são restritas somente a essa pessoa, mas também se fazem
presentes em todos aqueles que possuem relação direta ou indireta com
o paciente. Essas repercussões ainda poderão influenciar o programa de
reabilitação, que necessitará do envolvimento de todos: fisioterapeuta,
paciente e seus familiares.

Embora diferentes estudos clínicos comprovem a validade de muitas


técnicas e métodos de tratamento para pacientes neurológicos adultos, o
melhor método ou técnica será aquele que mais se adaptar às necessidades
do paciente e, principalmente, que auxiliará o fisioterapeuta na obtenção
dos objetivos terapêuticos propostos após a avaliação neurológica.

O acidente vascular cerebral (AVC) é uma das principais formas de


acometimento do sistema nervoso central do paciente adulto, com elevada
incidência de óbito ou no mínimo de instalação de sequelas permanentes

82
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

que comprometem suas atividades funcionais. Será provável que durante


sua vida profissional irá se deparar com uma pessoa nessa condição e que
necessitará de sua atuação profissional.

Os tumores cerebrais foram abordados e foi possível verificar


a necessidade frequente de intervenção fisioterapêutica devido às
repercussões clínicas nas atividades de vida diária do paciente.

Exercícios

Questão 1. A estimativa da força de contração muscular é uma importante etapa da avaliação do


paciente com distúrbios neurológicos. Ela consiste na observação do movimento realizado contra uma
resistência extra oferecida pelo terapeuta.

Com relação à avaliação da força muscular, avalie as afirmativas a seguir e a relação proposta
entre elas.

I – Nem sempre é possível avaliar a força muscular de pacientes neurológicos que apresentam
paralisia cerebral ou lesão medular.

porque

II – Esses quadros estão relacionados com a ocorrência de espasticidade muscular, caracterizada pelo
aumento desproporcional da força de contração do músculo espástico e de seu antagonista frente ao
estímulo do terapeuta.

A respeito dessas afirmativas, assinale a alternativa correta.

A) As afirmativas I e II são verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I.

B) As afirmativas I e II são verdadeiras, e a II não é uma justificativa correta da I.

C) A afirmativa I é verdadeira, e a II é falsa.

D) A afirmativa I é falsa, e a II é verdadeira.

E) As afirmativas I e II são falsas.

Resposta correta: alternativa C.

83
Unidade I

Análise da questão

A espasticidade muscular é uma alteração do tônus muscular decorrente da paralisia cerebral, do


acidente vascular encefálico, do traumatismo cranioencefálico, da lesão medular, da esclerose múltipla
ou da esclerose lateral amiotrófica.

Essa condição é caracterizada por:

• contração involuntária dos músculos;


• dificuldade em dobrar as pernas e/ou os braços;
• cruzamento involuntário das pernas;
• dor nos músculos afetados;
• deformação das articulações;
• espasmos musculares.

Nem sempre é possível classificar a força muscular em pacientes neurológicos com alteração do
tônus muscular, em especial naqueles que apresentam espasticidade, pois o recrutamento do músculo
antagonista ao espástico é dificultado. Assim, é esperado que tanto o músculo espástico quanto
o seu antagonista sejam fracos, e não fortes, como cita a afirmativa II. Portanto, diante da hipotonia
muscular, a graduação da força já não é mais possível.

Assim, a primeira afirmativa é verdadeira, e a segunda afirmativa é falsa.

Questão 2. O método de Brunnstrom baseia-se na reabilitação motora de pacientes hemiplégicos


adultos com história clínica de acidente vascular encefálico (AVE). Ele é constituído de uma série de
exercícios que envolvem os membros afetados, a fim de restabelecer sua atividade. Com relação a esse
método, assinale a alternativa incorreta.

A) Considera que os pacientes que sofreram AVE apresentam movimentos estereotipados que
refletem a regressão do sistema motor a estágios observados em crianças.
B) Propõe exercícios que visam ao restabelecimento do controle do sistema nervoso central sobre os
movimentos de natureza reflexa.
C) Visa à diminuição das sinergias musculares que podem ser observadas após o AVE.
D) Visa ao restabelecimento da contração de grupos musculares isolados, de modo que o movimento
seja realizado de maneira voluntária e coordenada.
E) Considera que a recuperação funcional do paciente com AVE possa ocorrer em longo prazo, em
até três anos após o acidente.

Resposta correta: alternativa E.

84
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: Brunnstrom observou que, após um AVE, a evolução do comportamento motor


obedece a um padrão. Esse padrão é resultado do processo de involução do sistema nervoso central,
com ocorrência de movimentos estereotipados que refletem a regressão do sistema motor a estágios
de maturação caracterizados por respostas reflexas. As respostas reflexas envolvem vários grupos
musculares e são comuns em crianças.

B) e D) Alternativas incorretas.

Justificativa: os exercícios propostos por Brusnnstrom objetivam o retorno à atividade voluntária


e automática dos grupos musculares afetados pelo AVE, de modo que os grupos musculares possam
contrair isoladamente, ou seja, sem a ocorrência de respostas reflexas em outros grupos musculares. Isso
é possível a partir do restabelecimento do controle do sistema nervoso central sobre esses movimentos.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: as sinergias são movimentos de natureza primitiva e reflexa, realizados por um grupo
de músculos em resposta à estimulação pelos neurônios medulares. A ativação de um dos músculos da
sinergia promove a ativação dos demais, o que resulta em padrões de flexão e de extensão muscular.

E) Alternativa correta.

Justificativa: na época da elaboração do método de Brunnstrom, os mecanismos da plasticidade


neuronal não eram conhecidos. Acreditava-se que a recuperação funcional ocorreria, no máximo, em
até 6 meses após o AVC. Hoje, sabe-se que, em muitos casos, não é possível restringir o período para
a recuperação funcional, embora haja consenso de que ela é maior quando a reabilitação é iniciada
na fase aguda.

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