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Biotecnologia Farmacêutica

Autores: Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro


Profa. Enny Fernandes Silva
Colaborador: Prof. Luiz Henrique Cruz de Mello
Professores conteudistas: Juliano Rodrigo Guerreiro / Enny Fernandes Silva

Juliano Rodrigo Guerreiro

Graduado em Farmácia-Bioquímica pela Universidade de São Paulo (FCF/USP – 2004) e Doutor em Bioquímica
pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ/USP – 2009). Realizou pós-doutorado com ênfase em
Bioquímica de Plantas pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP)
entre 2009 e 2012. Tem formação de especialista em Mariologia pela Universidade Dehoniana (2017). É coordenador
do curso de Farmácia desde 2008 e professor titular da UNIP desde 2009.

Enny Fernandes Silva

Graduada em Ciências Biológicas – modalidade médica (bacharel em Biomedicina) – pela Universidade Santo
Amaro (Unisa – 1981), possui especialização em Clonagem em Bacillus subtilis pelo Public Health Department of
the City of New York (1982), mestrado em Bioquímica, na área de Biologia Celular e Molecular (1989) e doutorado
em Bioquímica, na área de Biologia Celular e Molecular (2003), ambos pela Universidade de São Paulo (USP). Tem
pós-doutorado na Faculdade de Medicina da USP com Dr. Roger Chammas, na área de Adesão Celular. Atualmente, é
docente titular da Universidade Paulista (UNIP).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

G934b Guerreiro, Juliano Rodrigo.

Biotecnologia Farmacêutica / Juliano Rodrigo Guerreiro, Enny


Fernandes Silva. – São Paulo: Editora Sol, 2022.

140 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Fermentação. 2. Cultura. 3. Nanotecnologia. I. Guerreiro,


Juliano Rodrigo. II. Silva, Enny Fernandes. III. Título.

CDU 663.1

U514.76 – 22

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Vice-Reitora de Unidades do Interior

Unip Interativa

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Vannini
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático

Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Angélica L. Carlini
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. Deise Alcantara Carreiro

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Larissa Wostog
Kleber Souza
Sumário
Biotecnologia Farmacêutica

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 INSUMOS E PRODUTOS OBTIDOS POR PROCESSOS BIOTECNOLÓGICOS.................................. 13
1.1 Ingrediente farmacêutico ativo (IFA)............................................................................................ 13
1.2 Insumos para antibióticos β-lactâmicos: penicilina e cefalosporina.............................. 14
1.3 Insumos para proteínas terapêuticas recombinantes............................................................ 19
1.4 Insumos para fatores de coagulação sanguínea recombinantes
e anticoagulantes (heparinas)................................................................................................................. 22
1.5 Insumos para anticorpos.................................................................................................................... 24
1.6 Insumos para eritropoetina (EPO) – fator de crescimento hematopoiético................. 27
1.7 Insumos para vacinas.......................................................................................................................... 29
1.7.1 IFAs para vacinas contra covid-19.................................................................................................... 31
2 TIPOS DE PROCESSOS FERMENTATIVOS.................................................................................................. 32
2.1 Início do processo................................................................................................................................. 34
2.1.1 Meios de culturas e seus suplementos (mosto), temperatura e pH.................................... 34
2.1.2 Microrganismo selecionado – microrganismos de importância
para a indústria farmacêutica....................................................................................................................... 35
2.1.3 Presença ou ausência de oxigênio estéril (ar comprimido).................................................... 35
2.1.4 Método de esterilização da dorna.................................................................................................... 35
2.1.5 Agitadores................................................................................................................................................... 36
2.2 Durante o processo............................................................................................................................... 38
2.3 Final do processo................................................................................................................................... 38
3 EXEMPLOS DE PROCESSOS FERMENTATIVOS....................................................................................... 39
3.1 Fermentação alcoólica – cana-de-açúcar................................................................................... 39
3.2 Fermentação alcoólica – cerveja..................................................................................................... 40
3.3 Fermentação alcoólica – vinho........................................................................................................ 41
3.4 Fermentação lática – iogurte........................................................................................................... 43
3.5 Fermentação do pão............................................................................................................................ 44
3.6 Fermentação para a produção de vitaminas.............................................................................. 44
3.7 Fermentação para a produção de soros e vacinas................................................................... 45
3.8 Fermentação para a produção de antibióticos......................................................................... 46
3.9 Fermentação para a produção de esteroides............................................................................. 46
4 MÉTODOS DE EXTRAÇÃO E PURIFICAÇÃO DE DNA E RNA: TÉCNICAS E APLICAÇÕES......... 47
4.1 Métodos de extração e purificação de DNA e RNA................................................................. 47
4.2 Técnicas de DNA recombinante, clonagem molecular, construção
de vetores e enzimas de restrição ......................................................................................................... 48
4.3 Sequenciamento de DNA................................................................................................................... 53
4.4 Aplicações................................................................................................................................................. 57

Unidade II
5 DESENVOLVIMENTO FARMACÊUTICO DE MEDICAMENTOS BIOLÓGICOS (BIOFÁRMACOS)........65
5.1 Técnica de produção de proteínas recombinantes.................................................................. 66
5.2 Medicamentos fabricados por DNA recombinante................................................................. 68
5.3 Biossimilares............................................................................................................................................ 71
5.4 Comercialização..................................................................................................................................... 71
5.5 Produção de biofármacos em cultura de células animais (hibridomas)......................... 72
5.5.1 Cultura celular.......................................................................................................................................... 72
5.5.2 Cultura de células primárias................................................................................................................ 73
5.5.3 Células tumorais....................................................................................................................................... 76
5.5.4 Linhagens celulares................................................................................................................................. 78
5.6 Produção de fármacos........................................................................................................................ 80
6 NANOTECNOLOGIA: FUNDAMENTOS E APLICAÇÕES......................................................................... 81
6.1 Aplicação da nanotecnologia no desenvolvimento de vacinas......................................... 85
6.1.1 O que é vacina?........................................................................................................................................ 86
6.1.2 Tipos de imunização............................................................................................................................... 88
6.1.3 Tipos de vacina......................................................................................................................................... 89
6.1.4 Desenvolvimento de vacinas............................................................................................................... 92
6.1.5 Aplicação da nanotecnologia no desenvolvimento de novas vacinas............................... 95
7 TECNOLOGIAS DE PREPARAÇÃO DE SISTEMAS ORAIS DE LIBERAÇÃO MODIFICADA.......... 96
7.1 Projeto racional de sistemas de liberação modificada........................................................... 97
7.2 Formas de dosagem oral de dispersão rápida........................................................................... 99
7.3 Liberação entérica modificada......................................................................................................... 99
7.4 Liberação pulsátil.................................................................................................................................100
7.5 Técnicas de formação de floss.......................................................................................................100
7.6 Tecnologia de impressão tridimensional (3D) na preparação de sistemas
de liberação oral..........................................................................................................................................100
7.7 Tecnologia de deposição eletrostática para revestimento
farmacêutico em pó..................................................................................................................................101
7.8 Vantagens e desvantagens da liberação modificada............................................................101
7.9 Nanotecnologia aplicada aos cosméticos inteligentes........................................................102
7.9.1 Lipossomas...............................................................................................................................................104
7.9.2 Niossomas.................................................................................................................................................107
7.9.3 Nanocristais.............................................................................................................................................108
7.9.4 Nanopartículas lipídicas sólidas (SLN)...........................................................................................108
7.9.5 Nanopartículas superparamagnéticas e magnéticas..............................................................109
7.9.6 Nanopartículas metálicas................................................................................................................... 110
7.9.7 Nanoesferas............................................................................................................................................. 110
7.9.8 Dendrímeros..............................................................................................................................................111
7.9.9 Nanotubos de carbono.........................................................................................................................111
7.9.10 Cubossomos...........................................................................................................................................112
8 NANOTECNOLOGIA NA ÁREA FARMACÊUTICA: APLICAÇÕES......................................................113
8.1 Medicamentos biológicos no tratamento do diabetes........................................................113
8.1.1 Vias de administração da insulina.................................................................................................. 116
8.2 O microambiente tumoral como estratégia de direcionamento
de nanopartículas.......................................................................................................................................122
8.3 Medicamentos biológicos para o tratamento de doenças raras......................................125
APRESENTAÇÃO

Este livro-texto possui linguagem didática dirigida primordialmente para a fundamentação básica
do aluno, com o objetivo de proporcionar o uso racional de horas de estudo e a consolidação dos
conhecimentos teóricos que servirão de subsídio a outras disciplinas durante o curso.

A organização do presente material segue uma estrutura de apresentação de conceitos de forma


a facilitar o aprendizado, obedecendo também aquela utilizada nas aulas presenciais. Os tópicos
contemplam os aspectos que envolvem conceitos fundamentais em bioengenharia.

Dessa forma, primeiramente, falaremos sobre o histórico e a definição de bioengenharia. Depois,


abordaremos aspectos básicos sobre engenharia genética, cultivo de células e transgenia. Adiante,
o estudo estará mais voltado para as células-tronco e os aspectos de biossegurança relacionados à
utilização de ferramentas de bioengenharia. Além disso, exibiremos os conceitos e os métodos de
fabricação de soros e vacinas. Por fim, trataremos de temas como sequenciamento genético, aplicações
dessa técnica na saúde, técnicas de nanotecnologia e produção de biomateriais.

Assim, ao final da leitura deste livro-texto, você, aluno, deverá ser capaz de compreender os
principais conceitos que envolvem DNA recombinante, cultura celular, técnicas de transgenia, vacinas e
sequenciamento. Além disso, você deverá estar a par dos principais aspectos referentes à biossegurança
e à produção de biomateriais, assim como desenvolver habilidades dentro do campo da bioinformática,
uma vez que esta vem sendo utilizada como ferramenta valiosa dentro da biotecnologia.

Boa leitura!

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), ““biotecnologia” significa qualquer aplicação
tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou
modificar produtos ou processos para utilização específica” (ONU, 1992, p. 9).

Podemos sugerir que a biotecnologia se iniciou há muito tempo, talvez milhares de anos atrás, com
processos de fermentação, que utilizava seres vivos como bactérias e leveduras para produzir bebidas ou
alimentos como pão ou queijo, e que, após muitos anos, foram aprimorados para obtenção de proteínas de
diferentes funções, antibióticos ou outros medicamentos, aminoácidos, vitaminas, solventes industriais,
pigmentos, pesticidas, entre outros produtos.

Há alguns anos, estamos acompanhando um aprimoramento na área da biotecnologia, principalmente


nas ciências ômicas (epigenômica, genômica, proteômica, transcriptômica e metabolômica) e no estudo
de dados epidemiológicos, levando-nos ao melhor entendimento do funcionamento das células isoladas,
dos tecidos e dos órgãos, chegando a relacionar vários mecanismos que levam a doenças, bem como
identificar potenciais alvos terapêuticos.

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Caso, em uma via metabólica, ocorra deficiência de determinada enzima ou proteína, elas poderão
ser produzidas em diferentes sistemas de expressão, por exemplo, bactérias, leveduras, células de plantas,
insetos e mamíferos, sendo posteriormente purificadas e comercializadas. Quando administradas, essas
proteínas aumentam a expectativa de vida do paciente.

Após a primeira aprovação do biofármaco insulina humana recombinante (Humulin®) para o uso em
seres humanos, em 1982, produzida pela indústria farmacêutica Eli Lilly, novos biofármacos entraram no
mercado farmacêutico e impulsionaram a tecnologia.

No que se refere a medicamentos produzidos por biologia molecular, podemos citar aqueles que
usam bactérias (por exemplo, Escherichia coli) ou leveduras (por exemplo, Saccharomyces cerevisiae
e Pichia pastoris) como hospedeiros de vetores construídos para a produção de produtos biológicos
que não necessitam de modificações pós-traducionais mais complexas. Caso haja necessidade dessas
modificações para se ter estabilidade proteica e atividade biológica completa, são necessárias outras
células eucarióticas como hospedeiros que tenham condições de inserir, por exemplo, cadeias de
carboidratos em regiões específicas da cadeia de aminoácidos de determinada proteína, no processo
chamado glicosilação. Como exemplo podemos citar diversas linhagens celulares que são empregadas
na expressão de proteínas recombinantes, como as células de mamíferos HEK 293 (células de rim
humano embrionário), CHO (Chinese hamster ovary ou células de ovário de hamster chinês) e BHK
(baby hamster kidney ou células de rim de filhotes de hamster). Atualmente, já existem estudos com
uso de coelhos e cabras transgênicas como biorreatores industriais cujo produto de interesse, a proteína
recombinante, é produzida pelo tecido das glândulas mamárias geneticamente modificadas desses
animais e liberada solúvel no leite. Como exemplo de medicamento produzido dessa maneira destaca‑se
o Atryn (antitrombina alfa recombinante).

A biotecnologia, como é muito abrangente, pode ser relacionada e classificada em cores, mediante
o setor de atuação:

• Biotecnologia verde: aplicada na agricultura, especialmente na criação de sementes e plantas


geneticamente modificadas, para obter plantações mais resistentes às pragas e substâncias
químicas (pesticidas e agrotóxicos, por exemplo), além de poder melhorar o teor vitamínico e
levar a produção mais sustentável de baixa agressão ao meio ambiente.

• Biotecnologia vermelha: associada à cor do sangue, está relacionada com o desenvolvimento de


novos tratamentos, diagnósticos ou medicamentos.

• Biotecnologia azul: visa procurar moléculas em plantas ou animais marinhos, como algas, para
o tratamento de doenças.

• Biotecnologia marrom: analisa plantas, solo, animais e clima de ambientes desérticos.

• Biotecnologia branca: ligada a processos industriais com substâncias menos poluentes,


matérias-primas reaproveitáveis, processos enzimáticos e fermentativos, biorreatores para
microrganismos, plantas, animais e células modificadas geneticamente ou não. São exemplos
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a produção de imunobiológicos, alimentos, biocombustíveis, compostos bioquímicos, vacinas,
fármacos, cosméticos, tratamento de efluentes e águas.

• Biotecnologia laranja: voltada aos campos de informação, divulgação científica e ensino, para
disseminar os conhecimentos da área que envolvam materiais e estratégias educacionais para que,
ao ser ensinada nas escolas, possa angariar novos discípulos para seu desenvolvimento.

• Biotecnologia roxa: relacionada com questões legais e de regulamentação abordadas em


biodireito, bioética, proteção intelectual e industrial, regulamentações e bioempreendedorismo.

• Biotecnologia dourada: relacionada com as chamadas “ciências ômicas” e bioinformática.


Envolve a compreensão do funcionamento molecular dos seres vivos, com o estudo de genômica,
proteômica, transcriptômica, metabolômica, sequenciamentos e mapeamento de relações entre
moléculas e funções biológicas.

• Biotecnologia cinza: ligada à preservação do meio ambiente e da biodiversidade,


principalmente da biodiversidade genética. Como exemplos podemos citar a construção de
banco de materiais genéticos, banco de células e organismos, monitoramento da biodiversidade
e do meio ambiente, caracterização genética e biomolecular(ômicas), manejo e conservação da
biodiversidade e de ecossistemas, hábitats e biomas brasileiros, evolução, cuidados com solos e
águas, biorremediação etc.

• Biotecnologia preta: ligada ao malefício do saber, usa o conhecimento para o mal, como no
bioterrorismo, que tem como lema desenvolver armas biológicas com toxinas e microrganismos
desenvolvidos em laboratórios que podem causar doenças em seres humanos, animais e
vegetações, na intenção de “escravizar” uma parte da população.

Se adicionarmos à área da biologia a área de exatas, como engenharia (mecânica, biofísica,


eletroeletrônica e de materiais), chegamos à produção de próteses, biomateriais para enxertos,
biossensores e equipamentos inovadores de diagnóstico médico.

Gregor Mendel, em um trabalho publicado em 1866, discutiu mecanismos da hereditariedade ou


herança biológica com estudos de cor e forma das ervilhas e, desde então, o conhecimento nessa área
não parou mais.

Observação

A área da genética como alvo da biotecnologia também será contemplada


neste livro-texto.

O melhoramento genético de plantas e animais pode trazer vários benefícios, como o aumento na
produção de proteína animal, entre outras qualidades. Em relação às plantas, podemos citar mudanças
no tempo de amadurecimento, o que ampliaria o tempo de prateleira, e, em relação aos seres humanos,
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podemos citar experiências enfocando a terapia gênica, que permitiria identificar a predisposição a
algumas doenças genéticas e intervir nos genes responsáveis ainda na fase de gestação, como em
síndrome de Hunter, atrofia muscular espinhal (AME) e outras.

Contudo, é importante ter em mente que a edição de genes em plantas e animais racionais ou
irracionais deve seguir conceitos éticos que nunca devem beirar a discriminação ou o benefício de uns
em detrimento de outros.

Saiba mais

Para saber mais a respeito do uso da genética no tratamento de doenças


raras, leia o artigo a seguir.

GIUGLIANI, R. Terapia gênica: uma esperança para as pessoas com


doenças raras. Veja Saúde, 20 maio 2021. Disponível em: https://cutt.ly/SUndHtS.
Acesso em: 28 dez. 2021.

Como a genética se complementa com a bioquímica, podem ser observados neste livro-texto a
biologia molecular e o uso da bioinformática para a análise de dados. O avanço do conhecimento
modificou completamente o mundo atual, tornando possível, por exemplo, criar clones, alimentos
transgênicos resistentes às pragas, realizar testes de paternidade e solucionar crimes, mapear doenças e
realizar aconselhamento genético.

Em nosso livro-texto, enfocaremos mais as biotecnologias vermelha, dourada e branca, que


estão relacionadas aos processos médicos e de saúde-doença, tanto humana quanto veterinária,
principalmente na área de reprodução artificial, que nos leva ao cultivo celular in vitro de órgãos e
tecidos animais, inseminação artificial, fertilização in vitro, novas terapias e métodos de diagnóstico.
Técnicas usadas em genética, imunologia, fisiologia, biofísica, biologia molecular, células-tronco,
oncobiologia, neurobiologia, entre outras, são estudadas e adaptadas para terapia celular, terapia gênica
e manipulação cromossômica, fabricação de anticorpos, análise citogenética e diagnóstico molecular –
conforme veremos a seguir.

12
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Unidade I
1 INSUMOS E PRODUTOS OBTIDOS POR PROCESSOS BIOTECNOLÓGICOS

Matérias-primas, também conhecidas como insumos, são as substâncias que serão transformadas
nos produtos ou no próprio produto final, caso elas sejam o elemento importante do medicamento,
o princípio ativo, como antibióticos, proteínas terapêuticas recombinantes, anticorpos, eritropoetina e
vacinas. Os insumos biológicos (ou bioinsumos) podem ser provenientes de microrganismos, materiais
vegetais, orgânicos ou naturais, essenciais para a produção de determinado produto farmacêutico ativo
ou ingrediente farmacêutico ativo (IFA).

1.1 Ingrediente farmacêutico ativo (IFA)

Ingrediente ou insumo farmacêutico ativo (IFA), também chamado de princípio ativo, é a substância
que possui efeito terapêutico ou ação farmacológica, por exemplo, o vírus inativado, no caso de vacina.
Em alguns casos, o IFA é o nome da molécula usada nos medicamentos genéricos (por exemplo, ácido
acetilsalicílico ou AAS, associado com a concentração correspondente no medicamento: 10 mg, 40 mg),
que pode ser comercializada com o nome comercial ou “fantasia” Aspirina®.

O Brasil não fabrica mais IFAs para diversos medicamentos, pois as indústrias farmacêuticas
transferiram a produção para outras filiais. Cerca de três décadas atrás, o Brasil fabricava metade de todo
o IFA usado no país, mas atualmente somente 5% é feito no território brasileiro; o restante é importado.
No início dos anos 1990, houve a transferência da fabricação de penicilina e de outros medicamentos
como heparina para outros países, fato que nos leva ao aumento de dependência em relação à China e
à Índia (países que concentram a produção de insumos e IFAs mundiais).

Lembrete

A empresa farmacêutica deve comprovar que o nível de risco dos IFAs é


baixo ou está controlado, sendo necessário o gerenciamento de riscos e de
boas práticas de fabricação dos medicamentos (ANVISA, 2019), inclusive a
validação da limpeza, levando-se em consideração que a exposição diária
permitida (PDE, do inglês, permitted daily exposure) dos funcionários
é uma importante ferramenta de análise toxicológica e do sistema de
qualidade farmacêutica.

Com esse tipo de dependência, qualquer problema nos países fabricantes irá impactar em nossa
produção interna, como foi possível perceber no caso da produção das vacinas CoronaVac e Covishield
(AstraZeneca/Oxford), que são purificadas e envasadas nos laboratórios do Instituto Butantan, em São
13
Unidade I

Paulo, e da Fiocruz, no Rio de Janeiro, a partir dos IFAs provenientes da China e da Índia. Pensando em se
precaver, o Brasil realizou acordos de transferência de tecnologia, respectivamente, com os laboratórios
Sinovac e AstraZeneca.

Sofrendo com a submissão aos países mais desenvolvidos em termos farmacológicos, em 1996, foi
aprovada a Lei de Patentes (Lei n. 9.279/1996), a qual estabelece que um fármaco só pode ser produzido
no país pela empresa detentora da patente, ou seja, a que detém a propriedade intelectual. Geralmente, o
prazo de uma patente farmacêutica é de 20 anos para que seu titular possa explorar economicamente
o ativo. Quando chega a data de expiração da patente de um medicamento, sua fórmula entra em
domínio público, ou seja, todos terão acesso aos detalhes técnicos daquela invenção e qualquer
laboratório poderá produzir aquele medicamento sem ter que pagar algo para o titular da patente.

É nessa fase que surgem os medicamentos genéricos, cujas fórmulas já são de domínio público.
O fato de qualquer laboratório poder produzir os medicamentos de domínio público justifica o fato de
os medicamentos genéricos serem mais baratos.

Entretanto, nem sempre o percurso da patente até sua expiração segue esse caminho. A legislação
que trata de patente – Lei n. 9.279/1996 – permite algumas flexibilizações, e uma delas se chama licença
compulsória. A licença compulsória é uma antecipação da expiração da patente, ou seja, a patente entra
em domínio público antes do prazo comum. Da mesma forma que ocorre em qualquer processo de
expiração de patente, o titular não deixa de ter lucros com o ativo, e sim uma queda deles, caso outros
laboratórios queiram produzir o medicamento.

A primeira quebra de patente na América Latina ocorreu no Brasil em 2007 com o medicamento
Efavirenz, utilizado no tratamento de síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids), tornando o acesso
ao fármaco mais facilitado, pois seu custo diminuiu e, consequentemente, sua oferta aumentou. Em
alguns casos, a indústria farmacêutica reduz o preço do medicamento no período próximo à expiração
da patente, na tentativa de deixá-lo mais popular.

1.2 Insumos para antibióticos β-lactâmicos: penicilina e cefalosporina

Podemos conceituar antibiótico como uma substância capaz de matar bactérias (bactericidas) ou
inibir o crescimento de bactérias (bacteriostáticos), não afetando nossas células da mesma forma que
afeta os microrganismos.

Observação

Caso ocorra alguma manifestação de bactérias, ou seja, se formos


afetados de alguma maneira, esses sinais são chamados efeitos adversos.

Os antibióticos naturais são produzidos por microrganismos, cada um com necessidades diferentes,
o que leva ao uso de matérias-primas ou meios de cultura diferentes. Esse medicamento natural
produzido por um ser vivo (bactéria, fungo ou planta) pode ser modificado na indústria, recebendo,
14
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

então, a denominação semissintético. Os medicamentos sintéticos diferem dos semissintéticos por serem
sintetizados totalmente em laboratório/indústria com o auxílio de técnicas de química farmacêutica.

Para fabricar, por exemplo, penicilina G ou V, tipos de antibiótico natural, necessitamos de inóculo
(microrganismo), meio de cultura, agitação, bem como condições de pH e temperaturas controlados,
dorna ou tanque de fermentação e métodos físico-químicos de purificação.

O microrganismo inicial para produção de penicilina é um fungo filamentoso (chamado inóculo), que
pode ser Penicillium chrysogenum, Penicillium notatum ou Aspergillus nidulans. Estes serão inoculados
em dornas, biorreatores ou tanques de fermentação de aço inoxidável com meio de cultura microbiológico
(“sopa” de nutrientes) devidamente esterilizados, ou seja, sem contaminação com outros microrganismos.
O meio de cultura pode ter, por exemplo, água de milho, arroz ou trigo como fonte de nitrogênio,
glicose ou melaço como fontes de carbono e substâncias especiais, como aminoácidos essenciais ácido
α-aminoadípico, valina e cisteína, que são fundamentais para o crescimento desses fungos.

Para o processo de esterilização, a dorna e o meio de cultura são expostos ao calor úmido (vapor)
por determinado tempo. Nessa dorna ocorrerá o processo chamado fermentação, que modifica o meio
de cultura, chamado mosto, por conta das reações provenientes do metabolismo do microrganismo,
mudando o nome de mosto para vinho. O tema fermentações será abordado mais adiante.

A penicilina foi o primeiro antibiótico descrito em literatura. Apesar de ter sido descoberta por
Alexander Fleming em 1928, foi usada em seres humanos para tratar tuberculose apenas em 1940,
sendo o primeiro de muitos outros antibióticos descobertos provenientes de diversos microrganismos
e de diferentes ecossistemas aquáticos ou terrestres, como a estreptromicina (a partir de colônias
de Streptomyces griseus), descoberta em 1944; a cefalosporina (proveniente de Cephalosporium
acremonium), em 1945; o cloranfenicol (proveniente de Streptomyces venezuelae), em 1947; o
antibiótico vancomicina, em 1956; e a gentamicina (proveniente de Streptomyces orientalis), em 1963,
entre outros.

Observação

Em bioquímica, caracterizamos como fermentação um processo que


ocorre nas células quando não há ou há pouco oxigênio. Na indústria, o
termo é usado por ser um processo que utiliza microrganismos.

Apesar de o processo para obtenção de antibióticos ser chamado fermentação, necessita de ar


estéril, pois não é possível contaminar o crescimento de determinada cepa, bem como de seu produto,
com ar que contenha milhões de bactérias, esporos, sólidos e líquidos indesejáveis, além de necessitar
de agitação e temperatura controlada, quase sempre entre 25 °C e 27 °C, e pH em torno de 6,5.

No caso específico da produção de penicilina, o vinho (ou meio de cultura modificado) será filtrado
para retirar o micélio (hifas do fungo) e serão iniciadas várias extrações com diferentes solventes
orgânicos, como acetato de butila ou amila em pH baixo e temperatura baixa, adsorção em resinas,
15
Unidade I

filtração e precipitação da penicilina com acetona. Em seguida, a partir da fração líquida, faz-se a
cristalização por meio de isopropanol, centrifugação e secagem.

Pelo processo de fermentação do fungo Penicillium chrysogenum, é possível produzir formas


diferentes de penicilinas, como F, G, K, O, X e V. Na prática clínica, são usadas somente as penicilinas
G e V, produzidas mediante os percursores adicionados ao meio de cultura (que ficarão ligados na
cadeia lateral), os quais determinam características antibacterianas e farmacológicas distintas.
Se adicionar à dorna sais de ácido fenilacético (AFA), será produzida a penicilina G (ou benzilpenicilina); se
forem adicionados sais de ácido fenoxiacético (AFNA), obtém-se penicilina V (ou fenoximetilpenicilina)
e, a partir destes, obtém-se o 6-APA (constituído de um anel com quatro carbonos chamado de
β-lactâmico e um anel de cinco carbonos chamado tiazolídinico) ligado a AFA ou a AFNA. O ácido
6-aminopenicilânico (6-APA) é precursor para a família de penicilinas, conforme mostrado na figura
a seguir. Caso sejam adicionados outros radicais ao 6-APA, teremos outras penicilinas chamadas
semissintéticas (uma parte natural e outra fabricada em laboratório), de acordo com o quadro a seguir.
Cadeia lateral Anel tiazolidina

O H H
S
R C N CH3

C CH3
N
O
COOH
Anel betalactâmico

Figura 1 – Estrutura geral das penicilinas no R (radical) do 6-APA, onde serão adicionados os radicais

Quadro 1 – Penicilinas e seus radicais mais comuns

Radical R Penicilina correspondente (nome usual)

CH2 Benzilpenicilina (penicilina G)

CH3CH2CH = CHCH2 2 pentenilpenicilina (penicilina F)


CH3CH2= CHCH2CH2 3 pentenilpenicilina
CH3(CH2)4 N amilpenicilina (di hidropenicilina F)
CH3(CH2)6 N heptilpenicilina (penicilina K)

HO CH2 P hidroximetilpenicilina (penicilina X)

OCH2 Fenoximetilpenicilina (penicilina V)

Fonte: Campbell et al. (2001, p. 78).

16
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

As penicilinas naturais são penicilina G cristalina, penicilina G procaína, penicilina G benzatina ou


benzilpenicilina e penicilina V. As penicilinas semissintéticas atualmente disponíveis para uso clínico no
Brasil são as aminopenicilinas: ampicilina e amoxacilina. Como algumas bactérias patogênicas possuem
a enzima β-lactamase, que pode clivar o anel penicilânico (anel 6-APA), a indústria farmacêutica pode
associar as penicilinas com inibidores de betalactamases como o ácido clavulânico, que também possui
ação bactericida.

O uso descontrolado dos antibióticos pela população sem prescrição médica e em posologia errada,
chamado automedicação, juntamente com a facilidade de compra nas farmácias, levou à resistência
bacteriana, ou seja, a adaptação a esses medicamentos sem que haja morte dos microrganismos,
refletindo no aumento do tempo de internação e da piora do estado do paciente, que só se recuperará
com o auxílio de outros antibióticos.

Essa foi uma das causas que levou à necessidade de produção de outras penicilinas, com cadeias
laterais diferentes e os grupos funcionais adicionados à sua estrutura, mudando a ação biológica.

Observação

Desde 24 de outubro de 2010, foi determinado pela Agência


Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio da Resolução da
Diretoria Colegiada n. 44, que os antibióticos vendidos nas farmácias
e drogarias do país só poderão ser entregues ao consumidor mediante
receita de controle especial em duas vias. A primeira deve ficar retida
no estabelecimento farmacêutico, e a segunda deve ser devolvida ao
paciente com carimbo para comprovar o atendimento (ANVISA, 2009).

No caso da produção da cefalosporina, outro antibiótico betalactâmico, é usado o fungo


Acremonium, anteriormente conhecido como Cephalosporium. O antibiótico é obtido como produto
da fermentação do ácido 7-aminocefalosporânico (7-ACA) (figura a seguir) e, da mesma forma que
acontece na produção das penicilinas, pode ter radicais incorporados em R1, R2 e R3, o que gera as
cefalosporinas de 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª gerações, cada uma com o espectro de ação e resistência à degradação
enzimática diferenciadas.
O
COH
O
3 R2
N
B A
R1 NH 7
S
R3 H

Figura 2 – Estrutura de 7-ACA. Observe a presença de R1, R2 e R3,


que podem ser substituídos por vários ligantes

17
Unidade I

A descoberta da cefalosporina se deu com o pesquisador italiano Giuseppe Brotzu. Ele não
compreendia por que a febre tifoide era menos virulenta em sua cidade e por que muitos jovens que
nadavam no mar, perto de onde era liberado esgoto, não eram acometidos pela doença. Esse fato
intrigante o levou, em 1945, a analisar uma amostra de água dos esgotos que eram liberados no mar.
Ele isolou um fungo produtor de uma substância que atacava bactérias Gram-negativas (como a
Enterobacteriaceae, a Salmonella spp. e a Salmonella typhi), que recebeu o nome de Cephalosporium
acremonium (atualmente, Acremonium chrysogenum). Para estudos complementares, Brotzu enviou
uma amostra para Oxford, e tão logo relatado à comunidade científica, em 1960, a indústria farmacêutica
norte-americana Eli Lilly, fundada em 1876, lançou as primeiras cefalosporinas no mercado.

Para a produção de cefalosporina, as matérias-primas (insumos), em termos de fonte de carboidratos,


são glicose, usada na primeira parte da fabricação para o crescimento celular, chamado metabolismo
primário, e sacarose, para o chamado metabolismo secundário, que tem a função de produzir a
cefalosporina C, encontradas em água de maceração de milho ou adicionadas separadamente. O meio de
fermentação deve conter metionina, ácido α-aminoadípico, valina e cisteína, que podem estar contidos
em extrato de carne ou serem adicionados separadamente, além de ácido oleico, fosforo e acetato de
amônio como maior fonte de nitrogênio, em pH 7,0, com temperatura de 25 °C a 28 °C e oxigênio.

Na estrutura do 7-ACA, podemos observar R1, R2 e R3 no 7-ACA (cefalosporina C), ao qual pode
se ligar vários radicais que permitem o aparecimento de muitas combinações, levando a diferentes
propriedades farmacocinéticas e espectros de atividade. Em geral, o radical R1 leva a mudanças no
espectro de atividade antibacteriana, e no R2, altera propriedades farmacocinéticas, até mesmo
possibilitando o uso por via oral ou via parentérica.

As cefalosprinas podem ser sintetizadas das seguintes maneiras:

• Primeiras cefalosprinas (cefalotina, cefaloridina, cefradina, cefadroxil, cefazolina, cefalexina


e cefatrizina): a partir da união do 7-ACA com acilo do cloreto de ácido.

• Cefalosporinas de segunda geração (cefamandol, cefaclor, cefuroxima, cefonicida, cefoxitina


e cefotetan): pela união 7-ACA com o grupo metoximino na posição 7.

• Cefalosporinas de terceira geração (cefotaxima, cefsulodina, ceftazidima, cefoperazona,


ceftriaxona e cefixima): com o radical acetil.

• Cefalosporinas de quarta geração (cefepime e cefpiroma): com a adição de grupos acídicos


na posição 7.

• Cefalosporinas de quinta geração: muito usadas contra estafilococos meticilinorresistentes,


como MRSA, VISA e VRSA, e como opção para alérgicos a oxacilina ou glicopeptídeos (ceftaroline
e ceftobiprole) com o anel 1,3-tiazol ligado ao núcleo na posição 3 e ao grupo oximino em C7.

18
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Da mesma maneira que ocorre na purificação da penicilina, ocorrerão centrifugação e filtrações,


extrações com solventes orgânicos e adsorção, e, por fim, cromatografia de troca iônica para
posterior cristalização.

Saiba mais

Além de agir em microrganismos, existem antibióticos que agem em


células tumorais. Seu mecanismo de ação não é exatamente o mesmo dos
antimicrobianos, pois, em sua maioria, são agentes intercalantes do DNA,
como as antraciclinas doxorrubicina e daunorrubicina. No tratamento do
câncer, podem ser feitas associações entre medicamentos quimioterápicos
para tentar interromper o desenvolvimento das células cancerígenas,
levando-as à citotoxicidade.

Para saber mais, leia o seguinte artigo:

ALMEIDA, V. L. et al. Câncer e agentes antineoplásicos ciclo-celular


específicos e ciclo-celular não específicos que interagem com o DNA: uma
introdução. Química Nova, v. 28, n. 1, p. 118-129, 2005. Disponível em:
https://cutt.ly/dUnMfdX. Acesso em: 28 dez. 2021.

1.3 Insumos para proteínas terapêuticas recombinantes

De forma geral, sabemos que a expressão gênica ocorre quando o DNA gera um RNA mensageiro
que será traduzido pelos ribossomos em proteínas. Ao utilizar DNA recombinante inserido em células de
bactérias, fungos ou mamíferos, podemos utilizar a maquinaria de tradução de tais células e obter essas
proteínas de estudo, cuja origem é o DNA manipulado. Em 1978, a empresa Genentech desenvolveu o
primeiro biofármaco a partir de bactérias, a insulina recombinante humana. Em 1982, a empresa fez
parceria com a Eli Lilly and Company e iniciou sua produção após obter aprovação para uso humano pela
Food and Drug Administration (FDA). Atualmente, utiliza-se Saccharomyces cerevisiae para a produção
em larga escala.

Podemos classificar as várias proteínas terapêuticas conforme sua função em: anticorpos monoclonais
usados como biofármacos, peptídeos, anticorpos e vacinas. A produção de medicamentos biológicos
(biofármacos) e biossimilares (produtos biológicos semelhantes aos biofármacos de referência)
geralmente são destinados ao tratamento de enfermidades complexas como câncer, artrite reumatoide
e outras doenças autoimunes.

Desde 1980, com os primeiros biofármacos obtidos a partir da utilização de células geneticamente
modificadas que produzem proteínas terapêuticas, o uso da tecnologia do DNA recombinante, bem
como os avanços biotecnológicos, foram determinantes para produzir os medicamentos biológicos
de alta complexidade, impossíveis de serem produzidos por via sintética pelo fato de as reações de

19
Unidade I

síntese serem extremamente complicadas em larga escala e via fermentação, cujos princípios ativos são
extraídos e purificados para serem usados pelos pacientes.

O exemplo mais comum é o dos anticorpos monoclonais recombinantes, muito importantes no


tratamento de doenças como câncer, pois têm como alvo específico uma via metabólica ou uma célula
transformada, e não as células sadias, porque tais células possuem receptores de membrana expressos de
maneira diferente, levando ao menor comprometimento da estrutura e funcionalidade das células sadias.

Esses biofármacos podem ser classificados como de primeira ou de segunda geração, mediante
a sequência de aminoácidos: se for semelhante à das proteínas naturais, são chamados de
primeira geração; caso as proteínas tenham sequência alterada para aumentar o tempo de vida ou
imunogenicidade, são chamados de segunda geração.

Um dos exemplos de proteínas recombinantes mais famoso é o hormônio insulina, cuja estrutura
pode ser visualizada na figura a seguir. Anteriormente, esse hormônio era extraído de bovinos e suínos,
mas havia problemas quanto à sua imunogenicidade. Dessa forma, a primeira proteína produzida
por meio da técnica de DNA recombinante foi esse hormônio hipoglicemiante, recebendo, inclusive,
alterações na molécula para se obter ação prolongada ou ação rápida.

Figura 3 – Estrutura da insulina glargina (nome dado à insulina produzida pela metodologia do DNA
recombinante, que difere da insulina humana pela substituição da asparagina da posição 21 pela
glicina, e pela adição de duas argininas no final, que prolongam a duração da ação)

Fonte: Campbell et al. (2001, p. 224).

Após esse feito, em três anos a indústria farmacêutica colocou à disposição o primeiro hormônio
de crescimento humano recombinante, cuja estrutura é apresentada na figura a seguir, por meio da
mesma técnica, mas produzido em culturas de E. coli. Foi um grande benefício, pois o hormônio do
crescimento era extraído de cadáveres, que, além de encarecer o produto, poderia ser contaminado com
20
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

príon, transmissor da doença degenerativa cerebral conhecida como doença de Creutzfeldt-Jakob –


descoberta em 1982 como a versão humana da “doença da vaca louca”.

Figura 4 – Estrutura do hormônio do crescimento humano

Fonte: Guyton e Hall (1997, p. 177).

O terceiro fármaco a ser produzido com a técnica do DNA recombinante foi o grupo de medicamentos
que congrega os interferons α utilizados no tratamento de hepatites B e C, linfoma não Hodgkin,
algumas formas de leucemia e carcinoma renal. As citocinas, como os interferons e as interleucinas, são
produzidas em células da bactéria E. coli ou em células CHO. Já os interferons β, usados em tratamento
de esclerose múltipla, podem ser produzidos em E. coli, pois não precisam ser glicosilados, levando à ação
rápida no corpo humano. Caso a proteína seja produzida a partir de células CHO, recebe modificações
pós-traducionais como a glicosilação, que, no caso do interferon, reflete em ação farmacêutica lenta.
Para cultivo dessas células, o insumo sintético ou matéria-prima que é o meio mínimo essencial de
cultivo (MEM) é constituído de muitos sais minerais, como cloreto de cálcio, cloreto de potássio, cloreto
de sódio e sulfato de magnésio, bem como vitaminas, podendo ser acrescidos soro bovino fetal ou
outros aminoácidos.

21
Unidade I

Observação
Originadas em 1956, as células CHO são hospedeiras seguras, utilizadas
há muito tempo e aceitas pelas agências reguladoras na obtenção de
biofármacos, sendo uma linhagem de células responsável por 70%
da produção de proteínas ou glicoproteínas recombinantes com fins
terapêuticos ou diagnósticos. Pelo fato de serem provenientes de mamíferos,
podem fazer modificações pós-traducionais em proteínas, que somente
os mamíferos conseguem realizar, como a glicosilação (ou glicação),
assemelhando-se às moléculas que produzimos em nosso organismo
– fato que não ocorre com as proteínas expressas por bactérias como
E. coli, que são procariotos e não possuem as enzimas necessárias para essa
modificação pós-traducional, apesar de serem muito mais fáceis de cultivar.
Outros pesquisadores obtiveram linhagens derivadas da primeira, ao
implantar deleções de genes para melhor controle do crescimento e da
produção de proteínas. Entre as várias proteínas produzidas nessa linhagem
celular, podemos citar os ativadores de plasminogênio (tPA) – potente
antiagregante plaquetário, proteína que ativa o plasminogênio à plasmina e
degrada a fibrina, diminuindo os efeitos da trombose, da embolia pulmonar
e do infarto agudo do miocárdio –, bem como a molécula da eritropoetina
humana recombinante (EPOhr), proteína que estimula a medula óssea a
produzir mais glóbulos vermelhos.
Os interferons γ e α, usados no tratamento da doença granulomatosa crônica, são obtidos em
E. coli K12, que são bactérias derivadas da E. coli, modificadas por mutação para não serem capazes
de crescer em qualquer meio de cultura. Geralmente, usa-se meio Luria Bertani (LB), que fornece as
necessidades nutricionais de cepas recombinantes de E. coli, como triptona ou peptona (que fornece
nitrogênio e carbono), vitaminas e alguns oligoelementos provenientes do extrato de levedura crescido
de cloreto de sódio, com pH final = 7,0 ± 0,2.
Entre as interleucinas recombinantes, podemos citar a IL2, proteína que regula as atividades dos
leucócitos, frequentemente linfócitos, em resposta a infecções microbianas e a fatores externos,
induzindo a maturação de linfócitos B e de células T. Também são utilizadas na quimioterapia do
controle do câncer, principalmente o renal, com o intuito de fortalecer o sistema imunológico das
células e induzir a produção de mais citocinas, além de serem responsáveis pela imunidade produzida
por biologia molecular usada no tratamento do carcinoma renal e do melanoma metastático.
1.4 Insumos para fatores de coagulação sanguínea recombinantes e
anticoagulantes (heparinas)

Neste momento, estudaremos a importância da obtenção de proteínas recombinantes que levam


à falta de coagulação (por exemplo, na doença hemofilia) ou ao excesso de coagulação (trombose).
A hemostasia mantém o sangue fluindo em nossos vasos sanguíneos corretamente e impede a

22
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

hemorragia, que é contida pela coagulação, bem como a destruição desses trombos ou coágulos. O
esquema da cascata de coagulação pode ser observado na figura a seguir.

Via intrínseca

Ativação
por contato

CAPM
PK
XII XIIa

XI XIa Via extrínseca

IX
X
IX IXa Fator tecidual
VIIIa
Xa
Va

II IIa

Fibrinogênio Fibrina

Figura 5 – Esquema da cascata de coagulação

Fonte: Macfarlane (1964, p. 325).

A hemofilia é um distúrbio hemorrágico hereditário causado pela deficiência de fator VIII ou de


fator IX e é classificada em dos tipos: A e B. A hemofilia do tipo A é caracterizada pela deficiência
de fator VIII e, na hemofilia do tipo B, os pacientes são deficientes de fator IX. As pessoas com essas
deficiências têm sangramentos relacionados à quantidade menor do fator presente no plasma.

Anteriormente, isolavam-se os fatores de coagulação obtidos a partir do sangue de doadores


(chamados pdFVIII e pdFIX, que são derivados de plasma) para o tratamento da hemofilia, fato que
provocou vários casos de contaminação por Aids e hepatite C, o que foi sanado quando houve a produção
de fatores VIII e IX pela técnica de DNA recombinante (chamados rFVIII e rFIX, que são recombinantes),
com risco mínimo de transmissão por agentes infecciosos. Clonado desde 1984, o gene do FVIII, proteína
altamente glicosilada, pode ser expresso em cultivo de células CHO e em linhagem de fibroblastos
BHK-21 isolada de cinco hamsters de um dia de idade.

Os insumos ou as matérias-primas para o cultivo dessas células se baseiam na necessidade de serem


semelhantes ao fluido biológico que as permeia, que contém açúcares, sais, vitaminas, lipídios, proteínas,
ácidos orgânicos, aminoácidos, com ou não suplementação de soro bovino fetal, sempre com controle
das condições de temperatura, pH, osmolaridade, concentração de oxigênio e concentração de dióxido

23
Unidade I

de carbono. Os meios comerciais, ou seja, vendidos comercialmente são GMEM-S, BD Animal Component
Free, BD Cell Quantum Yield, DMEM e F12.

Na trombose, há o impedimento do fluxo sanguíneo normal nas veias e artérias por trombos que
podem se soltar do local em que foram criados e ir para o cérebro, os pulmões, o coração ou outros
órgãos, semelhante ao que ocorre na trombose venosa profunda (TVP). Extraída anteriormente da mucosa
intestinal do porco, a heparina, agora purificada via DNA recombinante, previne o tromboembolismo
venoso ou arterial e a embolia pulmonar, pois esse carboidrato da família dos glicosaminoglicanos tem
forte função anticoagulante.

Outros trombolíticos ou fibrinolíticos (“destruidores” de trombos ou coágulos) produzidos pela


técnica de DNA recombinante, como o r-tPA (fator ativador do plasminogênio tecidual recombinante),
são usados principalmente na fase aguda do infarto de miocárdio (IAM) e do acidente vascular encefálico
(AVE, antigamente chamado de AVC – acidente vascular cerebral), podendo, inclusive, ser inseridas
algumas mutações no DNA original para prolongar seus efeitos farmacológicos.

1.5 Insumos para anticorpos

Os anticorpos ou imunoglobulinas são glicoproteínas produzidas pelos linfócitos B capazes de


reconhecer e inativar moléculas estranhas ao organismo, chamadas antígenos, como bactérias e vírus.
Com formato de Y, apresentam quatro cadeias polipeptídicas: duas cadeias pesadas, chamadas H (com
5 tipos: α, µ, γ, δ e ε), e duas cadeias leves, chamadas L (com 2 tipos: κκe λ), idênticas entre si e ligadas
por ligações não covalentes e pontes dissulfeto. Tais combinações entre as cadeias resultam em vários
tipos de imunoglobulinas, classificadas em: IgA, IgM, IgG, IgD e IgE.

NH
NH 2 2 NH
NH 2 2

Cadeia leve (L)


SS
SS
H COO
COO SS H

SS
Cadeia pesada (P)

COOH COOH

Figura 6 – Esquema da estrutura da imunoglobulina humana

Fonte: Abbas e Lichtman (2013, p. 88).

As regiões amino das cadeias L e H se ligam ao antígeno pelas chamadas regiões determinantes
da complementaridade (CDR), uma zona variável, pois modifica seus aminoácidos para melhor ligação
ao antígeno.
24
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Existem dois tipos de anticorpos: os policlonais e os monoclonais. Os anticorpos policlonais são


produzidos em mamíferos como coelhos, camundongos, equinos, bovinos, ovinos ou aves, normalmente
galinhas, como resposta a diferentes porções do antígeno, enquanto o animal imunizado fabrica
anticorpos diferentes, a chamada resposta policlonal, a partir do linfócito B. Caso esses anticorpos sejam
produzidos em laboratório, o processo é simples e de baixo custo.

Os anticorpos policlonais recebem esse nome, pois há formação de muitos clones (células-filhas) ou
cópias de células linfócito B, cada uma reconhecendo uma porção diferente de determinado antígeno
presente em um vírus ou bactéria, obtendo-se, assim, centenas de linfócitos B, que reconhecem centenas
de diferentes “pedaços” de diversos antígenos de um mesmo patógeno.

Ao utilizar o princípio de que o antígeno é aplicado e gera um anticorpo neutralizante, um anticorpo


pode ser produzido em laboratório por biotecnologia e neutralizar ou “atacar” qualquer tipo de alvo
molecular, como uma enzima ou receptor de alguma via metabólica, que faria papel de determinante
antigênico ou epítopo. O anticorpo produzido, por sua vez, agiria nesses alvos, atacando e interrompendo
doenças cardiovasculares, autoimunes, câncer e a rejeição a transplantes. Por serem muito específicos,
vão direto para a célula que possui essa enzima ou receptor, não atacando células não transformadas ou
sadias, diminuindo os efeitos adversos. Esses anticorpos podem sinalizar a quantidade de determinado
receptor ou proteína, o que possibilita sua utilização em kits diagnóstico de laboratório clínico.

Observação

O fator de crescimento epidermal (EGF) se liga ao receptor do fator de


crescimento epidérmico (EGFR; em inglês, epitelial growth factor receptor),
que se dimeriza e se fosforila, ativando as proteínas citoplasmáticas GRB2
e SOS, que, por sua vez, ativam as proteínas RAS, RAF, MEK, ERK e MAPK,
as quais se dirigem ao núcleo e estimulam o DNA e a proliferação celular.

Essa via é normal, mas caso alguma dessas proteínas esteja mutada
ocorre proliferação descontrolada, culminando no câncer. O princípio ativo
cetuximabe (Erbitux®), fabricado pela Merck, é um anticorpo monoclonal
quimérico que inativa o receptor do fator EGFR porque se conecta em seu
domínio extracelular de ligação do EGF, sendo um antagonista competitivo
que bloqueia a regulação do crescimento e da proliferação celular.

Produzidos a partir de células de camundongos (por isso são chamados murinos), os primeiros
anticorpos monoclonais (mAb; em inglês, monoclonal antibodies) foram obtidos por volta de 1986 e
tinham por objetivo diminuir a rejeição a transplantes, mas, por serem murinos e não humanos, foram
observadas reações adversas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu regras para a nomenclatura dos anticorpos
monoclonais, elencadas a seguir:

25
Unidade I

• Anticorpos monoclonais: terminação com o sufixo -mabe (de monoclonal antibodies).

• Restante dos anticorpos:

— Provenientes de murinos: o-. Exemplo: omabe.

— Quiméricos: xi- (ximabe: fragmentos murinos unidos a humanos).

— Humanizados: zu- (maior parte humana e com o componente murino minimizado). Exemplo:
zumabe = anticorpo monoclonal humanizado.

— Humanos: u- (umabe anticorpo monoclonal humano, gerado em ratos).

— Oncológicos: tu-. Exemplo: tumabe.

— Imunológicos: li- ou lim-. Exemplo: limabe.

Caso a proteína esteja ligada por biotecnologia a uma parte do receptor, são chamadas proteínas de
fusão e receberão o sufixo -cepte, por exemplo, etanercepte (segmento de um anticorpo + receptor do
fator de necrose tumoral). Entre outros exemplos podemos citar:

• Infliximabe: Inf + li (imunológico) + xi (quimérico) + mabe (mAb imunológico) – usado para


artrite reumatoide e doença de Crohn.

• Adalimumabe: ada + lim (imunológico) + u(humano) + mabe – usado para artrite reumatoide.

• Imunoconjugados para uso oncológico:

— Ibritumomabe: ibri + tum (oncológico) + o (murino) + mabe.

— Rituximabe: ri + tu (oncológico) + xi (quimérico) + mabe.

— Trastuzumabe: tras + tu (oncológico) + zu (humanizado) + mabe.

Observação

Em 2019, o primeiro biossimilar Vivaxxia® foi produzido pela


farmacêutica Libbs (empresa farmacêutica 100% brasileira), na fábrica
de biossimilares Biotec, primeira fábrica de anticorpos monoclonais em
escala industrial do país, localizada em Embu das Artes (SP). O fármaco
original, anticorpo monoclonal rituximabe, foi desenvolvido pela empresa
norte-americana Genentech e comercializado no Brasil com o nome de
MabThera®, indicado para o tratamento de linfoma não Hodgkin, artrite
reumatoide e outras doenças autoimunes.

26
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Para a produção do insumo farmacêutico ativo (IFA) final que será o anticorpo monoclonal (mais
usado que o policlonal), deverá ser estudado qual é o melhor animal a receber o antígeno (em geral,
camundongo, pela facilidade). Uma vez escolhido o animal produtor de anticorpos, inocula-se o
antígeno e verifica-se a produção dos anticorpos. Se tudo estiver correto, isolam-se células B do baço
desse animal e é feita uma cocultura (cultura conjunta) com células de mieloma (tipo de câncer), que se
fundem e se tornam uma colônia ou hibridoma. Essas colônias são isoladas e estudadas para a escolha
do melhor anticorpo, visto que serão vários hibridomas a produzir diversos tipos de anticorpos, cada
um específico para uma região do antígeno. Os hibridomas que produzem o anticorpo desejado são
colocados em cultura, isolados e purificados.

Observação

A produção industrial in vitro é um método caro, pois é realizado em


biorreator de uso único equipado com saco de plástico especial descartável.
Nesse método, ocorre pouco crescimento celular e há grande chance
de ocorrer contaminação, mas, por outro lado, o saco plástico usado é
incinerado, respeitando o meio ambiente.

O processo industrial in vivo é mais econômico e rápido, pois utiliza


líquido retirado de ascite de ratos, sendo necessário maior treino de
funcionários e muito controle em relação aos animais (idade, espécie e
gênero). Contudo, há restrições em alguns países quanto ao uso de animais
para produção em larga escala de anticorpos.

Para obter o insumo purificado, ou seja, o anticorpo monoclonal produzido a partir de células crescidas
em meio de cultura, foram desenvolvidas estratégias de purificação com alta taxa de recuperação e
com elevado grau de pureza do produto, mas como a complexidade do processo de purificação é alta,
eleva-se o custo final. Vários processos físico-químicos serão usados, como centrifugação, cromatografia
de filtração molecular (separação por tamanho), precipitação por sulfato de amônio (separação por
solubilidade), cromatografia de troca iônica (separação por carga) e cromatografia de afinidade (coluna
de cromatografia com a proteína escolhida como antígeno imobilizada na coluna, levando o anticorpo
a se ligar a ele).

1.6 Insumos para eritropoetina (EPO) – fator de crescimento hematopoiético

Os rins (mais especificamente, o córtex renal) produzem um hormônio da classe das glicoproteínas
chamado eritropoetina (EPO), com peso molecular de 34 kDa, que é liberado devido à hipóxia ou a
grandes altitudes, estimulando a eritropoiese, ou seja, estimulando a medula óssea a produzir mais
glóbulos vermelhos, o que promove a diferenciação de células-tronco precursoras de glóbulos vermelhos
nesse local que expressam os receptores de EPO (EpoR), pois quando os eritrócitos estão maduros não
apresentam mais os EpoR.

27
Unidade I

Cadeias glicídicas

Figura 7 – Estrutura da EPO humana. Observe as pontes dissulfeto e as glicosilações

Fonte: Lai et al. (1986, p. 35).

Observação

Fígado, cérebro e útero também produzem uma fração pequena de EPO


e podem estar relacionados com outras funções, como redução do estresse
oxidativo, modulação da inflamação e diminuição da apoptose das células
epiteliais tubulares. No sistema nervoso central, a EPO está envolvida na
neuroproteção e na angiogênese, ligadas à neurovascularização de uma
zona isquêmica e ao aumento da chegada do oxigênio.

Situações como anemias graves causadas por quimioterapia e problemas renais graves levam ao
uso de EPO, pois esta é responsável por manter a concentração de hemoglobina (Hb) constante e
evitar a transfusão de sangue no tratamento de anemia (por esse motivo é chamado de medicamento
antianêmico) e em situações em que pode ocorrer diminuição na fabricação da eritropoetina pelos rins,
como, por exemplo, na insuficiência renal crônica ou na necessidade de diálise.

A expressão da eritropoetina humana recombinante (rhEPO) foi testada em plantas, insetos,


bactérias, leveduras, e em células COS-1, CHO e BHK, mas o melhor resultado foi obtido a partir das
células CHO e BHK.

Existem cinco isoformas de rHuEPOs (EPO recombinante humano) que diferem entre si pela
glicosilação: alfa, beta, gama, episilon e ômega. As terapêuticas são alfa e beta epoetina α, epoetina β,
epoetina Ω2. A glicosilação pode ter até 14 ácidos siálicos (carboidrato de 9 carbonos) na EPO, que
terá como resultados direcionamento do hormônio aos sítios-alvo, influência na semivida plasmática,

28
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

diminuindo a metabolização rápida pelo fígado, fato que afeta a eficácia clínica, e mudanças nas
propriedades biológicas e farmacocinéticas.

Para se obter o insumo farmacêutico ativo EPO, deve-se ter controle das condições de cultivo de
células, pois é a partir desse ambiente (nutrientes, oxigênio, temperatura, pH) que se obtém crescimento
satisfatório e biofármaco uniforme e com qualidade técnica. Recentemente, o Centro de Engenharia
Genética e Biotecnologia (CIGB) entrou em processo de transferência parcial ou total da produção do
IFA – a eritropoetina humana recombinante (EPOhr) – para o Instituto de Tecnologia em Imunológicos
Bio-Manguinhos/Fiocruz, culminando na fabricação nacional.

Após crescimento das células, a purificação ou processamento downstream do sobrenadante do


cultivo pode ser realizada por métodos físico-químicos, como precipitação diferencial, cromatografia de
interação hidrofóbica, iônica de exclusão molecular ou líquida de alta pressão e concentração e filtração.

1.7 Insumos para vacinas

Pode-se dizer que a história das vacinas se inicia com Edward Jenner (1749-1823), que se atentou
quando as ordenhadoras de vacas acometidas por cowpox (doença parecida com a varíola humana)
tinham imunidade contra a varíola humana ou uma versão mais suave da doença. Fazendo uma analogia
com o acontecido, Jenner inoculou o pus extraído de feridas de vacas contaminadas em um menino de
8 anos com arranhões no braço e, após certo tempo, a criança teve o líquido da ferida de um paciente
com varíola inoculado. Como resultado, não desenvolveu a doença, demonstrando a imunização por uma
vacina antivariólica (“vacina” provém do latim vaccinae; vacca significa vaca). Esse fato, juntamente
com o processo de vacinação anual, levou ao sucesso na erradicação da varíola em 1980. No Brasil, a
vacinação foi responsável pela erradicação não só dessa doença infecciosa, mas também da poliomielite
(paralisia infantil).

Quanto ao IFA das vacinas, em primeiro lugar, devemos analisar contra qual patógeno ele será
usado: bactéria ou vírus. Deve-se fazer crescer esses microrganismos, no caso de bactérias ou célula de
eucarioto, em meio de cultura; e os vírus, em outro organismo, como embriões de galinha, e purificá-los.
Em algumas situações, um IFA eficaz não precisa ser o microrganismo, pode ser uma proteína ou toxina;
se for vírus ou bactéria inteira, pode estar morta ou atenuada.

As vacinas para bactérias e vírus podem ser produzidas com:

• bactérias inteiras mortas (ou inativadas), usando formalina, óxido de etileno ou radiação (raios X
ou gama) para neutralização. Exemplos: vacina inativada meningocócicas B, C e ACWY, hepatite A,
hepatite B, HPV e dTpa – difteria, tétano e coqueluche;

• bactérias vivas atenuadas ou enfraquecidas com calor, produtos químicos ou radiação. Exemplos:
BCG, rotavírus, febre amarela, tríplice viral, tetraviral, varicela, herpes-zóster e dengue;

• com polissacarídeos, proteínas nativas que estimulam a resposta imune;

29
Unidade I

• com toxoides diftérico e tetânico e componentes da cápsula da bactéria da coqueluche


(Bordetella pertussis);

• ácido nucleico, que usa DNA ou RNAm do patógeno como hepatite A. São encontradas em
algumas vacinas de RNAm contra covid-19, expressas em diferentes vetores. São as chamadas
vacinas inovadoras.

Para as vacinas contra vírus, usa-se como célula hospedeira o embrião da galinha contido no ovo
para proliferação dos vírus (são necessários cerca de 120-140 mil ovos para a produção de 1L de vacina,
de forma que cada mL equivale a, aproximadamente, 400 doses, e todo o processo de produção leva
entre 20 e 28 semanas). Retirados dos embriões, os vírus passam por algumas etapas de purificação,
como câmara trituradora, centrifugação e liofilização. Entre os exemplos de doenças que são alvo de
vacinas e que são causadas por vírus podemos citar: gripe (influenza), catapora (varicela), sarampo,
rubéola, caxumba, poliomielite, hepatite B, hepatite A, Aids, herpes-zóster, raiva, febre amarela e dengue.

Muitas vacinas, bem como o antígeno, utilizam o sal de alumínio como adjuvante, uma vez que
este potencializa a resposta imunológica; o fenoxietanol como conservante, pois impede que a vacina
seja contaminada depois de aberto o frasco; açúcares, aminoácidos (glicina), gelatina ou proteínas
como estabilizadores, visto que impedem reações químicas entre componentes e a adesão de moléculas
no frasco; cloreto de sódio para se assemelhar ao conteúdo de sal do sangue; e água esterilizada
como diluente.

Observação

O Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) comunicou a comunidade


científica a respeito da realização de testes clínicos em seres humanos
com a vacina antiparasitária Sm14, nome da proteína do verme
Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose (doença também
conhecida como barriga d’água). Muitos estudos realizados para uma
vacina contra malária foram comunicados e, recentemente, a fabricante
indiana de medicamentos Serum Institute, juntamente com a empresa
norte-americana de desenvolvimento de vacinas Novavax, comunicaram
estudos sobre a vacina R21/Matrix-M contra a malária, que é uma das
principais causas de mortalidade infantil na África.

Depois de isolado o IFA, podem ser agregados água estéril, soro fisiológico, conservantes e
estabilizantes (por exemplo, albumina, fenóis e glicina), além dos chamados adjuvantes, que
potencializam a resposta imune, ou seja, melhoram a eficácia da proteção da vacina. Algumas vezes,
o IFA pode conter quantidades pequenas de proteína do ovo de galinha, empregada para crescimento
do vírus patogênico, algum antibiótico usado no processo de produção com o meio de cultura ou no
armazenamento do produto para evitar contaminação ou timerosal (conservante com mercúrio), com a
finalidade de evitar a contaminação e o crescimento de bactérias potencialmente prejudiciais.

30
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

A pesquisa clínica demonstra que, para uma vacina ser comercializada, deve-se respeitar as fases:

• Fase laboratorial: na qual se estuda o tipo de resposta imunológica in vitro e in vivo, e são
escolhidos o melhor antígeno e a melhor composição ou desenvolvimento da formulação (mortos
ou atenuados, por exemplo).

• Fase clínica: na qual se estuda a resposta imunológica em seres humanos, que culmina na
fase seguinte.

• Fase de vigilância farmacêutica: na qual haverá avaliação dos pacientes após vários anos de uso.

Geralmente, um lote de vacina demora entre 6 e 22 meses para o produto final estar pronto para uso.
Podem ser utilizados os seguintes sistemas celulares de expressão: procariotos (Escherichia coli e Bacillus
subtilis), leveduras (Saccharomyces cerevisiae e Pichia pastoris), fungos (Aspergillus e Trichoderma),
células de mamíferos CHO e células de insetos (Autographa californica).

No Brasil, a primeira vacinação ocorreu no ano de 1804, contra a varíola. Em torno de 1830, muitas
pessoas pararam de se vacinar quando descobriram que o IFA era obtido de vacas doentes, fato que
culminou na Revolta da Vacina de 1904, no Rio de Janeiro. Esse levante da população teve como fato
preponderante o decreto imperial que determinava a vacinação obrigatória, na tentativa de diminuir o
número de internações, mas muitas pessoas se negavam a se vacinar, então o governo as perseguiu e as
prendeu, sendo algumas até mortas. Após análise dos fatos, houve a revogação desse decreto.

1.7.1 IFAs para vacinas contra covid-19

Para produzir o IFA das vacinas contra covid-19, é necessário selecionar o tipo de vacina a ser usada:
algumas utilizam o vírus inteiro, partes do vírus ou o RNA mensageiro (RNAm). Apesar da etapa inicial
ter sido a proliferação do vírus em células vivas, geralmente embriões de galinha, seja para obter o vírus
inteiro ou para obter partes ou material genético, o vírus deverá ser isolado e, nos casos de vacinas
que tenham somente a proteína spike ou o RNAm dessa proteína, deverá ser isolado o adenovírus
de chimpanzé, que receberá, via técnica de biologia molecular, essas informações e se proliferará
em biorreatores.

Uma vez realizado o cultivo, o IFA (vírus da covid-19 ou o manipulado geneticamente em hospedeiro
como adenovírus) deve ser purificado a fim de remover restos celulares ou outras proteínas que não são
de interesse e podem ocasionar reações na população. Os IFAs importados são embarcados em aviões
em câmaras frigoríficas controladas para armazenamento dentro dos parâmetros de qualidade e, após
receber a licença de exportação, chegam ao Brasil para serem envasados.

Para se chegar à imunidade de rebanho ou imunidade coletiva, que ocorre quando aproximadamente
70% da população está vacinada e a cadeia de transmissão é interrompida, deve ser realizada a vacinação
(ou recuperação da doença). As vacinas mais usadas contra a covid-19 são:

31
Unidade I

• CoronaVac (Butantan/Sinovac): vacina de vírus vivo inativado com duas injeções com intervalo
de 2 a 4 semanas, desenvolvida pela empresa farmacêutica chinesa Sinovac, parceira do Instituto
Butantan, que envasa as doses no Brasil.

• Pfizer e BioNTech: proveniente da empresa farmacêutica alemã BioNTech, é administrada em


duas doses com intervalo maior ou igual a 21 dias. Utiliza RNAm com o trecho do código genético
da espícula ou proteína spike do Sars-CoV-2.

• Covishield (AstraZeneca/Oxford): fabricada pela empresa inglesa parceira da Fundação Oswaldo


Cruz (Fiocruz) unidade Bio-Manguinhos, que envasa as doses no Brasil. Produzida por meio de um
vetor viral não replicante com a proteína spike do coronavírus, deve ser usada em duas doses, com
intervalo entre 4 e 12 semanas.

• Moderna: também utiliza a tecnologia de RNAm da proteína spike específica do vírus Sars-CoV-2,
que tem a função de auxiliar na invasão das células humanas.

• Janssen: fabricada pela companhia Johnson & Johnson, é administrada em dose única. Possui
adenovírus não replicante com parte da proteína spike, semelhante à Covishield.

• Sputnik V: usada em duas doses diferentes. É fabricada pela empresa russa Instituto Gamaleya e
foi construída com adenovírus que carrega a proteína spike.

Saiba mais

Para mais explicações sobre as vacinas contra covid-19, sugerimos a


consulta ao seguinte artigo:

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Os diferentes tipos de


vacinas COVID-19. Genebra, 2021. Disponível em: https://cutt.ly/UUWWFPo.
Acesso em: 29 dez. 2021.

2 TIPOS DE PROCESSOS FERMENTATIVOS

Desde 6.000 a.C., bebidas alcoólicas são fabricadas por fermentação. Em 2.000 a.C., já se tem
conhecimento da fabricação de pães e, em 1875 d.C., Louis Pasteur demonstrou que o vinho azedava
por causa de microrganismos que o contaminaram e fermentavam o açúcar existente, transformando-o
em vinagre; assim, foi desenvolvido o processo de pasteurização para eliminar os contaminantes. Por
volta de 1950, os processos fermentativos para obtenção de antibióticos já estavam sendo aprimorados
e, em 1982, ocorreu a produção de insulina humana por biologia molecular.

Em bioquímica, quando falamos a palavra “fermentação”, rapidamente pensamos em um processo


metabólico em que há pouco ou nenhum oxigênio, cujo início se dá a partir da glicose (figura a seguir),
resultando em produtos como ácido lático (fermentação lática), etanol (fermentação alcoólica) e ácido
32
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

acético (fermentação acética). Em termos industriais, podemos citar como exemplos dessas fermentações
citadas os produtos: iogurte, pão, cerveja ou outras bebidas alcoólicas e vinagre.
CO2

Etanol

Glicose Ácido pirúvico Ácido acético


Glicólise
Ácido lático

Figura 8 – Esquema das fermentações alcoólica, lática e acética

Contudo, na prática industrial, não é esse o significado da palavra “fermentação”. Usa-se esse
nome para indicar que são utilizados microrganismos como protagonistas do processo industrial.
A fermentação passa por várias escalas, iniciando na bancada, aumentando para piloto e terminando
na escala industrial.

Neste momento, estudaremos várias etapas que levarão à obtenção de vacinas ou medicamentos
como antibióticos em larga escala. Após o estudo em laboratório ou planta piloto, é utilizado um
sistema de fermentação dessas culturas, e o produto será purificado de alguma forma, como por meio
da cromatografia.

Na figura a seguir, podemos observar um resumo de um processo fermentativo genérico.

Microrganismo Meio de cultura


selecionado Matérias-primas selecionado

Preparo do inóculo: Esterilização


etapa de laboratório

Células
Preparo do inóculo:
etapa industrial
(germinadores) Separação das
células

Ar Caldo fermentado

Biorreator
Compressor Esterilização do ar industrial Recuperação do
produto

Produto Tratamento de
efluentes

Figura 9 – Esquema geral de uma fermentação

Fonte: Schimidell at al. (2001, p. 81).

33
Unidade I

Analisando-se o esquema genérico de fermentação, podemos dividi-lo em partes, que serão estudadas
posteriormente:

• Início do processo: quando analisamos os meios de cultura (matéria-prima ou insumos) e seus


suplementos (mosto), o microrganismo selecionado, a presença ou a ausência de oxigênio estéril,
o material da dorna ou do tanque fermentador, a temperatura e o pH ideais.

• Durante o processo: quando o mosto se transforma em vinho (mosto modificado) a partir de reações
metabólicas que se realizam nas células dos microrganismos para que sobrevivam.

• Depois do processo: também chamado downstreaming. Ocorre quando serão retiradas substâncias,
restos celulares e ocorrerá a separação e a purificação do produto.

Lembrete

A fermentação é um processo de obtenção de energia que ocorre sem


a presença de gás oxigênio, portanto, trata-se de uma via de produção
de energia anaeróbia. Nesse processo, o aceptor final de elétrons é uma
molécula orgânica. Essa via é muito utilizada por fungos, bactérias e células
musculares esqueléticas de nosso corpo que estão em contração vigorosa.

2.1 Início do processo

2.1.1 Meios de culturas e seus suplementos (mosto), temperatura e pH

O meio de cultura escolhido deve levar em consideração o preço dessas matérias-primas, além de
como e por quanto tempo será realizada a armazenagem. Também se deve pensar na facilidade da
separação e no tratamento de efluentes.

Os meios de cultura podem ser naturais e artificiais ou sintéticos. Entre os naturais podemos
citar: melaço, farinhas, caldo de cana e água de maceração de milho, mas tenhamos em mente que
a composição química dessas substâncias será desconhecida e, possivelmente, variável, pois depende
de solo, safra, clima etc. Os meios de cultura sintéticos são aqueles vendidos comercialmente e que
apresentam composição fixa e definida, como extrato de levedura, extrato de carne e peptona. Deve-se
lembrar que a composição do meio reflete no pH e na formação de espuma, características que podem
complicar a condução da fermentação.

A temperatura varia conforme o organismo utilizado: leveduras mesófilas geralmente se mantêm


entre 25 °C e 35 °C, a maioria das linhagens celulares humanas, de mamíferos e de bactérias são
mantidas entre 36 °C e 37 °C, enquanto as células de insetos são cultivadas a 27 °C.

O pH do meio varia com o organismo e deve ser tamponado. Se forem usadas células de mamíferos,
estas geralmente são tamponadas para ficarem semelhantes ao sangue, com o sistema bicarbonato-CO2.
34
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

2.1.2 Microrganismo selecionado – microrganismos de importância para a indústria


farmacêutica

A fermentação é empregada para a obtenção de alimentos, bebidas e medicamentos, vitaminas


etc. Lactobacillus, Saccharomyces cerevisiae, por exemplo, são responsáveis, por si só, pela produção
de iogurte, bebidas, pães, entre outros produtos. Com o uso de técnicas de biologia molecular, várias
proteínas podem ser clonadas em diversos veículos de clonagem e expressas pelos hospedeiros, também
chamados sistema celular de expressão, que podem ser: procariotos (Escherichia coli e Bacillus subtilis),
leveduras (Saccharomyces cerevisiae e Pichia pastoris), fungos (Aspergillus e Trichoderma), células de
mamíferos CHO e células de insetos (Autographa californica).

2.1.3 Presença ou ausência de oxigênio estéril (ar comprimido)

Na indústria, o conceito de fermentação é diferente do conceito bioquímico em si, pois o processo


fermentativo pode ser classificado quanto à presença ou não de oxigênio em:

• Anaeróbicos: sem utilização de oxigênio. Exemplo: fermentação alcoólica.

• Aeróbicos: necessitam de oxigênio. Exemplo: fermentação acética.

• Sem aeração forçada: não necessitam de anaerobiose estrita, como a produção de etanol por
Saccharomyces cerevisiae.

• Com aeração forçada: o ar deve ser estéril, sem umidade, sem óleo etc.

Para inserir ar estéril dentro dos fermentadores, deve-se retirar esporos, fungos, bactérias e vírus
superiores a 0,01 µm de tamanho, que podem contaminar o produto. Para isso, usam-se filtros especiais
que retêm 99,9999% dos contaminantes.

Antes de passar pelos filtros, a esterilização de ar começa com calor ou por radiações, pois
produtos químicos podem contaminar o ar. O ar é enviado por um compressor, o qual passa por um
filtro industrial que utiliza calor (cerca de 218 °C, por pelo menos em 24 segundos), por radiações,
principalmente ultravioleta (raios gama não são usados, pois os custos de investimento inviabilizam o
uso) ou por energia sônica, que são raios catódicos de alta energia, podendo depois desse tratamento
passar por membranas que retêm 99,99% das bactérias (uma vez que algumas bactérias e esporos são
resistentes ao calor seco ou outra modalidade de esterilização escolhida).

2.1.4 Método de esterilização da dorna

O fluxo de vapor d’água é liberado na linha, que funciona como canos, os quais levam o meio
de cultura ao biorreator, geralmente em aço inoxidável. O vapor (agente esterilizante) segue para o
biorreator e o mosto, se for em grande quantidade, ou autoclave, se for em pequena quantidade. Após
esfriar, coloca-se o inóculo.

35
Unidade I

Na esterilização em batelada ou descontínuo (uma só operação ou “tudo junto”), o tempo de


esterilização é maior em comparação à esterilização contínua (meio e equipamentos esterilizados
separadamente). A vantagem da esterilização em batelada é que evita contaminações nas diferentes
etapas, mas há prejuízo na composição do meio de cultura, pois os nutrientes podem se degradar em
altas temperaturas por longos períodos.

A esterilização contínua por injeção direta de vapor ou aquecimento indireto com vapor tem como
vantagem a preservação da integridade dos constituintes do meio, em que os ciclos de esterilização são
mais curtos; usa-se menos energia elétrica e reduz-se a perda de nutrientes.

2.1.5 Agitadores

Os agitadores, geralmente produzidos em material inoxidável e acoplados ao tanque, não serão


usados apenas para misturar as substâncias com as células, mas apresentam outras finalidades, como
proporcionar maior fluxo de ar e dissipar gases e calor. Entre os agitadores usados na indústria há vários
tipos, como hélice, turbina, âncora, serra e roda dentada – cada um priorizando um tipo de movimento
ou fluxo.

Os tipos de fluxos adotados podem ser os seguintes:

• Fluxo tangencial: atua na direção da tangente e gera fluxo circular em torno do eixo que impulsiona
o meio de cultura líquido para a parede, formando vórtex de superfície. Apresenta alto consumo
de potência e elevado investimento inicial. Tem como principais funções homogeneizar resinas,
misturar fluidos viscosos e dissolver materiais sólidos. Não mistura o líquido longitudinalmente.

• Fluxo radial: apresenta fluxos perpendiculares ao eixo do agitador e às paredes do fermentador,


impulsionando as partículas contra a parede. Com alto consumo de potência, é usado para
dispersão de gases, transferência de massa e dissolução de materiais sólidos. Tem como exemplos
turbina, pás, âncora e grade.

• Fluxo axial: fornece fluxo paralelo ao eixo do agitador e impulsiona as partículas contra o fundo
do tanque. Com baixo consumo de potência, é usado para misturar produtos líquidos, deixar
sólidos em suspensão e transferência de calor. Como exemplos, destacam-se hélice e turbina de
pás inclinadas.

Axial Radial Tangencial

Figura 10 – Fluxo dos diferentes tipos de agitadores

Adaptada de: Joaquim Jr. et al. (2012, p. 28).

36
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Hélice propeler (naval) Hélice turbina (rushton) Hélice caules

Hélice pbt Hélice pbtd Hélice retrátil


(palhetas inclinadas)

Figura 11 – Exemplos de agitadores ou impelidores

Fonte: Joaquim Jr. et al. (2012, p. 45).

Observação
Há três tipos de fermentação: alcoólica, lática e acética. A fermentação
alcoólica, comumente utilizada na produção de cervejas e vinhos, recebe
essa denominação devido à produção de etanol + CO2 em seu produto,
possibilitada inicialmente pela descarboxilação do ácido pirúvico; é
realizada principalmente pela levedura Saccharomyces cerevisiae.
A fermentação lática é realizada de maneira exclusiva por bactérias,
especificamente por lactobacilos, e ocorre quando a glicólise tem como
principal mediador a glicose ou a galactose, obtida a partir da quebra de
uma molécula de lactose (açúcar presente no leite). Na glicólise com os
derivados da lactose, temos a formação de ácido pirúvico, ATP e NADH2, em
vez de NADH. Usa-se esse tipo fermentativo na produção de leites e iogurtes.
A fermentação acética caracteriza-se pelo ácido acético (principal
composto do vinagre) como seu componente final e ocorre quando
o etanol entra em contato com espécies específicas de bactérias
(Pseudomonadaceae, Acetobacter ou Gluconobacter), transformando-o
em ácido acético por oxidação.
Esses processos biológicos para obtenção de energia são comumente
observados no estudo bioquímico para a compreensão do funcionamento
de diversos organismos e seu papel no meio ambiente, bem como para nos
auxiliar no dia a dia nas atividades industriais. Assim, podemos concluir que
a ciência está sempre mais perto do que imaginamos!
37
Unidade I

2.2 Durante o processo

A fermentação pode ocorrer mediante a entrada do meio de cultura na dorna. O processo de


fermentação pode ser classificado em:

• descontínuo ou em batelada;

• descontínuo alimentado;

• semicontínuo;

• contínuo.

O método mais empregado é o descontínuo ou em batelada, em que o inóculo (microrganismo


inicial) é colocado na fase log junto à dorna já completamente cheia de meio de cultura e, depois de
certo tempo, o processo é finalizado com a retirada do produto. Classificamos o processo como fechado,
ou seja, nada é adicionado durante a fermentação, o que faz que o volume seja constante, diminuindo
muito a chance de contaminação.

Na fermentação descontínua alimentada, ocorre a alimentação do meio na dorna de forma


intermitente até chegar ao volume final destinado ao processo, o que aumenta a massa celular e evita
o fenômeno de repressão catabólica, em que alguns subprodutos podem inibir enzimas importantes,
dificultando o crescimento celular.

A fermentação semicontínua é mais lenta. O meio e o inóculo são colocados (como na fermentação
descontínua ou em batelada), retira-se uma parte (geralmente a metade do mosto fermentado, chamado
agora de vinho), que é colocada em outra dorna limpa, e completa-se o volume com meio. Assim, esse
processo se torna descontinuo do tipo em batelada.

A fermentação continua inicia-se como descontínua e, após certo tempo, começa a ser retirado o
vinho e ser colocado mosto ou meio de cultura na mesma vazão, geralmente por transbordamento –
por isso é chamado processo aberto. Nesse procedimento, ficou demonstrada a diminuição do uso de
funcionários (mão de obra), tempos mortos (no que se refere a esvaziamento, limpeza e enchimento
de dorna); contudo, a desvantagem é o aumento da possibilidade de contaminações e mutações das
cepas de microrganismos usados.

2.3 Final do processo

Uma vez terminada a fermentação, os componentes encontrados no vinho (mosto modificado)


devem ser separados e alguns subprodutos, por exemplo, restos celulares, células vivas e substâncias
do meio de cultura, como extrato de carne, extrato de levedura, glicose, ácidos graxos, aminoácidos e
proteínas, podem ou não ser aproveitados. O produto esperado, por sua vez, será isolado e purificado.

38
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Em primeiro lugar, devemos retirar as células, em geral, por um processo unitário chamado
centrifugação, por meio de centrífugas industriais. O líquido é separado, passa por tratamentos com
diversos solventes e até colunas com resinas de troca iônica. Verificada a pureza do produto (geralmente
por HPLC-cromatografia líquida de alta performance), haverá um encaminhamento a depender de
sua finalidade, podendo ser desidratado e comprimido – como o que ocorre com os produtos das
fermentações de antibióticos.

A seguir, veremos as fermentações com grande importância nas áreas alimentícia e econômica.

3 EXEMPLOS DE PROCESSOS FERMENTATIVOS

3.1 Fermentação alcoólica – cana-de-açúcar

No processo de fermentação alcóolica da cana-de-açúcar, esta é colhida na plantação, lavada e


moída. O bagaço é queimado e gera energia, e o caldo de cana (garapa) vai para a dorna, onde pode ou
não ser diluído. O inóculo (levedura Saccharomyces cerevisiae em fase log) é acrescentado ao mosto,
sem a necessidade de injeção de ar. Depois de certo tempo, o mosto se transforma em vinho de cana,
pois as leveduras se “alimentam” de alguns dos componentes e secretam os produtos da fermentação,
entre eles o etanol. Para purificar esse produto, deve-se separar as células (que poderão se tornar ração
para gado). O líquido, por sua vez, será submetido à destilação, que gera álcool hidratado ou anidro.
O processo de produção do etanol pode ser visualizado na figura a seguir.

Bagaço Moagem

Outras utilizações Queima Filtração

Decantação

Produção de açúcar
Diluição do caldo mascavo e/ou
10% a 20% rapadura

Fermentação

Vinho

Cachaça Destilação Vinhoto

Padronizadora Comercialização Ração Adubo


Engarrafadora
Envelhecedora
Distribuição

Figura 12 – Fluxograma da produção de etanol

39
Unidade I

Caso o etanol proveniente da garapa seja usado como bebida alcoólica, é chamado cachaça ou
pinga, sendo caracterizado como aguardente de cana-de-açúcar. Os produtores de álcool podem usar a
garapa, cozinhá-la e, após a centrifugação, obter o mel e o açúcar de primeira linha. Em uma segunda
centrifugação, agora do mel, a garapa pode ser novamente cozida e centrifugada, produzindo melaço e
açúcar de segunda linha.

Observação

Aguardente é qualquer bebida obtida a partir da fermentação de


vegetais doces.

3.2 Fermentação alcoólica – cerveja

Com as matérias-primas água, levedura, lúpulo e uma fonte de amido, que pode ser malte (cevada
germinada), trigo ou milho, colocados juntos em uma dorna, chegaremos ao produto final cerveja.

A primeira etapa, chamada maltagem ou malteação, é dividida em molha ou maceração, que dura,
no mínimo, 2 dias; germinação, de, no mínimo, 5 dias; e secagem. A cevada é colhida e molhada para
que ocorra a germinação, transformando-se em malte. Na fase de germinação, as enzimas, como
amilases e proteases, são parcialmente ativadas e digerem açúcares fermentescíveis, como o amido,
em açúcares mais simples, como maltose, e, posteriormente, frutose e glicose. Logo após o malte sofrer
secagem, passa pela moagem – no processo que se chama brassagem – e expõe o interior do grão, onde
está o amido (processo também chamado de sacarificação, em que ocorre a ativação das enzimas do
malte, digerindo todo amido em outros açúcares). Depois, ocorre a torrefação. O malte mais torrado
deixa a cerveja escura e o menos torrado deixa a cerveja mais clara, fato que confere características
aromáticas à cerveja.

Em seguida, inicia-se a etapa de filtração e clarificação, na qual ocorre a separação do líquido (mosto)
e do bagaço do grão – fase em que se usa muita água para lavar os grãos. O mosto filtrado sofrerá o
processo de ebulição junto ao lúpulo. Esse cozimento tem várias funções: esterilizar o líquido, coagular
as proteínas, extrair e solubilizar os alfa-ácidos e os beta-ácidos do lúpulo, e eliminar substâncias
voláteis indesejáveis.

O lúpulo (Humulus lupulus) é uma planta trepadeira encontrada em locais frios da Europa, de cuja
planta se retira a flor que contém lupulina e vários óleos essenciais responsáveis pelo sabor amargo e
pelo aroma, além de proteger a cerveja contra contaminações microbiológicas.

Posteriormente, inicia-se o resfriamento, em que o mosto lupulado é resfriado até aproximadamente


25 °C e colocado na dorna. As leveduras são inoculadas e, em um primeiro momento que dura cerca
de 12 horas, elas absorvem o oxigênio e se multiplicam; e, em um segundo momento que dura cerca de
7 dias, agora com pouco oxigênio, realizam a fermentação, ou seja, os açúcares do mosto são transformados
em etanol e dióxido de carbono. A fermentação para obtenção da cerveja é um processo descontínuo

40
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

com dornas de fermentação fechadas para evitar a perda de CO2 e ter controle de temperatura. Durante
a fermentação, são produzidos outros metabólitos, tais como aldeídos, álcoois superiores e ésteres.

Finalizada a fermentação, a cerveja passará por um processo chamado maturação, no qual, em


temperatura adequada, ocorre a liberação dos componentes voláteis indesejáveis ao aroma e ao sabor.
Após a estabilização ao frio (0 °C - 10 °C), será submetida à clarificação (decantação das leveduras, que
auxilia a remoção de outros compostos turvadores, como polifenóis e proteínas) e ao processo mecânico
de retenção de sólidos, chamado filtração, deixando a cerveja clara e brilhante.

Nesse momento, a cerveja pode ser acondicionada em barris, em garrafas e/ou em latas por
enchimento asséptico com pasteurização ou filtração estéril prévia. O chope não passa por pasteurização,
e a cerveja, sim. Outra diferença é que a cerveja contém conservantes, antioxidantes e estabilizantes,
enquanto o chope não os tem.

As leveduras para a produção de cerveja podem ser de fermentação alta, pois as leveduras
S. cerevisiae são encontradas na parte superior da dorna em temperatura entre 18 °C e 24 °C, resultando
em cervejas do tipo Ale, que passam por uma fermentação mais rápida, de poucos dias ou semanas de
duração, atribuindo a elas a característica de serem mais alcoólicas. Na fermentação baixa, em que as
leveduras ficam no fundo da dorna (S. uvarum) em temperaturas de 9 °C a 13 °C, a fermentação é mais
lenta, resultando em cervejas tipo Lager, mais carbonatadas e mais consumidas no Brasil.

A água tem um importante papel nessa fermentação, pois as cervejas apresentam, em média, de
90% a 95% de água potável e filtrada, com pH em torno de 6,5 a 7. A água deve ser livre de sais, pois
magnésio, sódio, bicarbonatos, cálcio, cloretos e sulfatos influenciam diretamente o gosto da cerveja.
Para cada litro de cerveja produzida, são necessários de 5 a 7 litros de água.

Lembrete

A produção de cerveja se inicia na preparação dos ingredientes e se


estende até a embalagem. O conceito da fabricação da bebida é a conversão
da fonte de amido em mosto (líquido em que se coloca a levedura). As
etapas são as seguintes: maltagem, brassagem, fervura, resfriamento,
fermentação, condicionamento e embalagem.

3.3 Fermentação alcoólica – vinho

Alguns dizem que Noé plantou um vinhedo e produziu o primeiro vinho do mundo, apesar de haver
indícios de que sua origem remonta a 7.000 anos, no Oriente Médio, próximo a Síria, Líbano e Jordânia.
Algumas pinturas e registros egípcios também mostram o vinho em celebrações e rituais datados de
3000 a.C. Do Egito, em 2000 a.C., a viticultura propagou-se para o norte da África, Grécia, Itália, França e
Espanha. A partir de 2500 a.C., os vinhos egípcios já eram exportados para Europa, África Central e Ásia.
Os gregos, por volta de 700 a.C. provavelmente introduziram as primeiras plantações de uvas na França,
chegando logo após na Itália.
41
Unidade I

O vinho é resultante da fermentação por leveduras do mosto, que é o suco de uvas frescas. No Brasil,
pode ser encontrado na Serra Gaúcha (Bento Gonçalves, Garibaldi, Caxias do Sul e outros municípios),
no Nordeste (Vale do Rio São Francisco), em Santa Maria da Boa Vista (PE), e nos estados de Minas
Gerais, Paraná, Santa Catarina e São Paulo (municípios de Jundiaí e São Roque).

A colheita da uva madura se faz manualmente, com muito cuidado, para não romper a casca e
dar início à fermentação, pois as leveduras são encontradas na casca. Logo depois, são retirados os
engaços (cabos), em um processo de nome desengace. Logo após, a uva é esmagada, formando um suco
que, ainda na presença das cascas, além de liberar as leveduras Saccharomyces cerevisiae e S. uvarum,
responsáveis pela fermentação alcoólica, também libera substâncias que se agregam ao mosto, o que
resulta em sabor e cor.

Para a produção de vinhos branco e rosê, a temperatura de fermentação é mais baixa que para
produção de vinhos tintos. O vinho branco é preparado com uvas claras, e o tinto, com uvas mais
escuras, por essa razão possui maior quantidade de polifenóis que o branco. O rosê pode ser produzido
por mistura de vinho tinto com vinho branco ou por uma leve maceração das uvas escuras.

Na verdade, o vinho não passa apenas por um, mas por dois processos (tipos) de fermentação.
A primeira fermentação é chamada tumultuosa, pois libera muito gás carbônico enquanto ocorre a
digestão dos açúcares por vários tipos de fermentação, gerando diversos produtos, como etanal ou
aldeído acético (descarboxilação do ácido pirúvico), ácido acético (constituinte essencial da acidez
volátil), ácido succínico e ácido lático.

Após a separação do bagaço (descuba) pela gravidade, pois fica na parte de baixo do tanque, e
a transferência (trasfega) do vinho para outro tanque, a fermentação tumultuosa ainda persiste por
alguns dias, apesar de diminuir a intensidade pelo fato de a maioria dos açúcares já ter sido consumida,
iniciando a chamada fermentação lenta.

A última fase de obtenção do vinho de uva é a fermentação malolática, em que bactérias láticas
(Oenococcus oeni e Lactobacillus sp) fermentam e transformam o ácido málico em ácido lático,
suavizando a acidez com a liberação de gás carbônico. Os cocos usam o ácido málico em pH de,
aproximadamente, 3,23; e os bacilos, em pH de, aproximadamente, 3,38 para transformação em ácido
lático e gás carbônico.

A maturação ou o envelhecimento do vinho acontece, geralmente, em tanques de aço inoxidável


ou barris de carvalho e podem levar muitos anos. Nessa fase, ocorre a estabilização da cor e do sabor,
a diminuição da acidez, e a adição dos aromas e sabores provenientes da madeira (baunilha, coco,
nozes, frutas vermelhas, entre outros). Finalmente, a pasteurização (com temperatura de cerca de 80 °C)
elimina as bactérias restantes e neutraliza as enzimas indesejáveis, além de auxiliar na precipitação das
proteínas que porventura estiverem no vinho.

42
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

3.4 Fermentação lática – iogurte

O iogurte é o resultado da fermentação do leite pelas bactérias Streptococcus thermophilus e


Lactobacillus bulgaricus. Na primeira fase, chamada pré-aquecimento, o leite é aquecido a uma
temperatura de 50 °C a 60 °C para otimizar homogeneização, consistência, cremosidade, sabor
e digestibilidade do iogurte. A próxima fase será a pasteurização, na qual haverá destruição dos
microrganismos, para que somente os que sejam colocados junto ao leite sejam responsáveis pela
mudança das características dele.

Saiba mais
O iogurte é um produto lácteo obtido através da fermentação lática
do leite por meio da ação de duas bactérias ácido-láticas específicas:
Lactobacillus bulgaricus e Streptococcus thermophilus. As etapas de
fabricação do iogurte são: recepção do leite, mistura, pasteurização,
homogeneização, fermentação, resfriamento e embalagem.
Para saber mais sobre o processo fabricação do iogurte, recomendamos
a leitura do seguinte artigo:
SILVA, A. M. T. da et al. Elaboração de iogurte com propriedades
funcionais utilizando Bifidobacterium lactis e fibra solúvel. Revista Brasileira
de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v. 16, n. 3, p. 291-298, 2014.
Disponível em: https://cutt.ly/3PSU5Iz. Acesso em: 29 dez. 2021.

Para a fermentação ocorrer, deve-se resfriar o leite entre 42 °C e 43 °C, temperatura que será ideal
para a inoculação das bactérias. O início do processo ocorre com S. thermophilus em acidez maior que
20 °D (graus Dornic), chegando até 46 °D, quando o S. thermophilus para de crescer e é dado início ao
crescimento de L. bulgaricus, que produz acetaldeído, responsável pelo aroma do iogurte. Quando a
acidez aumenta, por volta de pH = 4,6, ocorre a precipitação da caseína, mas a fermentação continua
até acidez de 85 °D a 90 °D. Após a coagulação, o iogurte é colocado em embalagens individuais e
acondicionado em câmaras de fermentação (geralmente a 42 °C), onde permanece por 2 a 3 horas até
que a acidez atinja de 90 °D a 95 °D. A consistência e a viscosidade do iogurte estão relacionadas com
o teor de proteínas.

Observação

Grau Dornic (ºD): é a unidade de valor do índice de acidez, quando a


solução de hidróxido de sódio utilizada tem normalidade igual a N/9. 3.3.

Índice de acidez: é o número de mililitros de hidróxido de sódio


necessários para neutralizar o ácido lático presente em 1 mL de amostra.

43
Unidade I

3.5 Fermentação do pão

Para a fermentação do pão, os ingredientes essenciais são farinha de trigo, água, fermento biológico
(Saccharomyces cerevisiae) e sal, enquanto os ingredientes não essenciais são açúcar, gordura, leite,
enzimas e outros. Quando ocorre a mistura dos ingredientes e é formada uma massa, esta deverá
permanecer em repouso para que ocorra a mudança da estrutura do glúten e a fermentação dos
açúcares, cujo produto é o CO2, que infla a massa, ou seja, é responsável pelo crescimento dela.

A fermentação anaeróbica principal resulta em produção de álcool e gás carbônico, responsáveis


pelo sabor e pelo aroma do pão. A fermentação secundária faz com que a massa fique mais maleável
para o boleamento e, depois, de a massa descansar por 5 a 20 minutos, vai para a câmara de fermentação
a uma temperatura mais alta, onde ocorre a fermentação final, por cerca de 40 a 120 minutos, bem
como a destruição das leveduras e a evaporação do álcool. A massa fica mais um período descansando
(descanso final) para finalizar sua textura.

Lembrete

No processo de fabricação do pão ocorrem outras fermentações, como


a lática, a butírica e a acética.

3.6 Fermentação para a produção de vitaminas

As vitaminas são classificadas em lipossolúveis (vitaminas A, D, E e K), que são solúveis em lipídios e
absorvidas quando a bile é liberada no intestino, e hidrossolúveis (vitaminas do complexo B e C), solúveis
em água e liberadas pela urina. Como nosso corpo não produz vitaminas e necessita delas para fazer
reações básicas, se não forem ingeridas na alimentação devem ser suplementadas por intermédio de
fórmulas farmacêuticas. Caso contrário, podem ocorrer doenças carenciais, como anemia, bem como
problemas neurológicos e oculares.

Geralmente, o mosto pode ter água de maceração de milho, sorbitol, glicose, glicerol e amido
de milho, e entre os microrganismos usados em várias fermentações submersas podemos citar
Propionibacterium freudenreichii, Propionibacterium shermanii, Pseudomonas denitrificans, Bacillus
megaterium, Streptomyces olivaceus, Acetobacter suboxidans e Saccharomyces cerevisiae.

Para a produção industrial via fermentação em anaerobiose de vitamina B12, são usados os
microrganismos Propionobacterium freudereichii, P. shermanii e Pseudomonas denitrificans. Na
fermentação industrial para produção de riboflavina (vitamina B2), usa-se Ashbya gossypii, que
transforma a glicose em D-ribose, e esta pentose em riboflavina.

O betacaroteno tem como precursor a vitamina A e seu inóculo é Blakeslea trispora.

Fusarium sp., Saccharomyces cerevisiae e Candida podem ser usados na produção de ergosterol ou
provitamina D2. O ergosterol é transformado em vitamina D sob ação da luz (raios ultravioletas).
44
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Para produzir vitamina C, utiliza-se Saccharomyces cerevisiae e Zygosaccharomyces bailii em


fermentação submersa. O ácido L-ascórbico (vitamina C) é produzido industrialmente a partir de glicose,
que é reduzida a sorbitol e oxidado a L-sorbose pelo Acetobacter suboxydans, que posteriormente
resulta em um composto chamado ácido 2-ceto-gulônico. Este é oxidado a ácido 2-L-oxogulônico, que
após a remoção dos grupos isopropilidênicos, obtém-se o ácido L-ascórbico. Foi estudada a bactéria
geneticamente modificada de Erwinia herbícola, que pode converter diretamente a D-glicose em ácido
L-oxogulônico, precursor da vitamina C.

A produção industrial de α-tocoferol (vitamina E) tem como microrganismo responsável a alga


verde Euglena gracilis.

A forma de isolamento das vitaminas, em geral, se baseia em separação da biomassa de bactérias ou


fungos por centrifugação ou filtração, enquanto a fase líquida é enviada a cromatografias com vários
solventes diferentes para que sejam cristalizadas.

3.7 Fermentação para a produção de soros e vacinas

A primeira vacina descoberta foi a de varíola, em 1796, por Edward Jenner. Em 1885, Louis Pasteur
descobriu a vacina de raiva; em 1888, Roux e Yersin descobriram a vacina da difteria; em 1898, Dr. Vital
Brazil descobriu a vacina da peste bubônica.

Os soros contêm anticorpos já prontos para o uso, necessários para combater determinada doença ou
intoxicação, e as vacinas contêm antígenos que induzem o sistema imunológico a produzir anticorpos.
Entre os soros, podemos citar os destinados a veneno de animais peçonhentos ou a toxinas de agentes
infecciosos, como os causadores de difteria, botulismo e tétano.

Os soros, geralmente, são de origem equina por hiperimunização de cavalos por cerca de 40 dias.
Na produção de soros antipeçonhentos, é retirada a peçonha (veneno) de animais peçonhentos, como
serpentes, aranhas, escorpiões e taturanas. O veneno é liofilizado (antígeno) e, quando for usado, deve
ser reconstituído com soro fisiológico, diluindo-o e injetando-o no cavalo até que, depois de certo
tempo, o animal fique imune ao veneno, período em que se irá fazer a sangria. Nessa fase, ocorre a
sangria exploratória, com a qual se mede a quantidade de anticorpos, e, quando se chega na quantidade
desejada, é feita a sangria final, com a retirada de cerca de quinze litros de sangue de um cavalo de
500 kg em três etapas, com um intervalo de 48 horas.

Para a fabricação de soros contra difteria, botulismo e tétano, usa-se toxoide (toxina atenuada)
como antígeno, enquanto no soro antirrábico é utilizado vírus rábico inativado como inóculo no
cavalo. A sangria final é feita depois de certo tempo, sendo necessários 15 litros de sangue em um
animal de 500 kg, para purificação e concentração do plasma, que é o soro repleto de anticorpos. Esse
soro é submetido a testes físico-químicos de controle de qualidade, e as hemácias são devolvidas ao
cavalo (plasmaferese).

Como explicado anteriormente, as vacinas possuem diversas origens, entre elas, viral e bacteriana.
Quando é necessário obter vírus para seu isolamento, ocorre replicação em alguma célula, por exemplo,
45
Unidade I

em ovos (embrião de galinha). Já se a vacina é bacteriana, deve crescer em caldo de fermentação para
se obter a bactéria e proceder à fabricação e ao posterior processamento final.

3.8 Fermentação para a produção de antibióticos

Conforme anteriormente explicado, os antibióticos, em sua maioria, têm origem biológica e são
subprodutos do crescimento de microrganismos, ou seja, do metabolismo secundário de fungos e
bactérias com capacidade de impedir o crescimento ou levar à morte outros microrganismos, podendo
ser sintéticos ou naturais.

3.9 Fermentação para a produção de esteroides

As glândulas suprarrenais e as glândulas sexuais produzem os hormônios esteroides que têm como
estrutura principal o núcleo esteroide também chamado de ciclo pentanoperidrofenentreno, obtido a partir
do colesterol. Podem ser classificados em glicocorticoides, por exemplo, a cortisona; mineralocorticoides, por
exemplo, a aldosterona; e hormônios sexuais, por exemplo, a testosterona, a progesterona e o estrógeno –
cada um com função orgânica determinada, fundamental para o bom funcionamento do corpo humano. Por
isso, se houver deficiência de algum deles, algumas doenças surgirão.

Em 1937, Mamoli e Vercellone isolaram a cortisona de uma fermentação com determinadas leveduras;
e, em 1949, Hench percebeu que poderia usar essa substância para aliviar a dor de pacientes com
artrite reumatoide. Já em 1952, Peterson e Murray, usando Rhizopus arrhizus, obtiveram progesterona.
A biotransformação ou fermentação para obtenção de esteroides, como as demais, necessita de mosto,
microrganismos e condições adequadas de temperatura e pH.

O mosto pode conter estigmasterol (encontrado no feijão de soja), que é o substrato que
resulta na progesterona, além do β-sitosterol e do campesterol, intermediários da androstenediona,
androstadienediona ou diosgenina, encontrada no barbasco (Dioscorea mexicana, planta herbácea
encontrada nas Américas e na Europa) e o colesterol, que pode ser obtido a partir da lanolina (cera de
lã), o qual é transformado nos intermediários androstenediona e androstadienediona.

O processo se inicia com o crescimento do microrganismo e, depois, adiciona-se o esteroide à cultura,


que terá sua estrutura modificada por transformações químicas produzidas durante a cultura. Logo
após, remove-se os microrganismos a fim de extrair o esteroide.

As transformações bioquímicas mais importantes são: hidroxilação, epoxidação e desidrogenação,


realizadas geralmente pelos fungos filamentosos Rhizopus arrhizus e Rhizopus nigricans, obtendo‑se
progesterona; Septomyxa affinis, que produz prednisolona e prednisona; e Septomyxa affinis e
Arthrobacter simplex, que produzem hidrocortisona.

A fermentação pode ser direta quando se tem o crescimento do microrganismo em meios sólidos
juntamente com o esteroide como substrato, que é adicionado diretamente ao meio de cultura. Também
pode ocorrer fermentação dupla, na qual primeiramente, há o crescimento microbiano e, depois,
muda-se o meio de cultura utilizado.
46
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Lembrete

Esteroides são hormônios produzidos pelo córtex da glândula suprarrenal


ou pelas gônadas, os quais são responsáveis por diversas funções no
organismo, como controle metabólico ou de características sexuais.

4 MÉTODOS DE EXTRAÇÃO E PURIFICAÇÃO DE DNA E RNA: TÉCNICAS E


APLICAÇÕES

A biologia molecular, antigamente chamada de engenharia genética, analisa, estuda e manipula


DNA, RNA e proteínas. A história se inicia em 1866, com Gregor Mendel, que analisou a herança genética
em ervilhas. Johann Friedrich Miescher, em 1869, descobriu os ácidos nucleicos quando estudava o
núcleo de glóbulos brancos do pus de feridas. Rosalind Franklin, desde 1946, estudava difração dos
raios X de DNA até que, em 1953, James Watson e Francis Crick mostraram para a comunidade científica
a estrutura de dupla hélice do DNA.

Graças ao estudo dos genes no Projeto Genoma, que mapeou o código genético de diversos tipos de
organismos, temos agora a Genômica Funcional, que pode ser classificada em Transcriptoma (estudo do
conjunto de RNAs mensageiros), Proteoma (estudo das proteínas produzidas por parte de um genoma),
Epigenoma (que estuda, por exemplo, o perfil de metilação de indivíduos com quadros sindrômicos sem
variantes genéticas detectadas) e Metaboloma (estudo dos metabólicos: aminoácidos, nucleotídeos,
carboidratos, proteínas etc. de um organismo).

4.1 Métodos de extração e purificação de DNA e RNA

Para se obter DNA retirado das células (procariotas – bactérias; ou eucariotas – sangue, plantas,
fungos, insetos etc.), deve-se lisar (“quebrar”) a membrana plasmática e separar ou precipitar tudo que
não é material genético, como restos celulares, organelas, proteínas e só depois precipitar o material
genético para suspendê-lo em volume pequeno de solução tampão. Para isso, existem muitos protocolos
ou kits comerciais, mas, de maneira geral, usa-se lisozima para clivar a membrana juntamente com uma
grande concentração de sal e detergente SDS (dodecil sulfato de sódio). Após essa ruptura, deve-se
centrifugar a mistura e submeter o sobrenadante ao tratamento com fenol/clorofórmio para extração
das proteínas. O material resultante deve ser precipitado com álcool absoluto e ressuspenso em tampão
e, se não for usado no mesmo momento, deve ser estocado em geladeira.

Vários são os cuidados que se deve ter durante a extração de DNA, por exemplo, utilizar material esterilizado
para diminuir a contaminação, luvas e bancada limpa. Para se saber a pureza e a concentração do DNA,
podemos usar gel de agarose ou análise em espectrofotômetro. Em gel de agarose, compara-se a amostra
com um DNA padrão do bacteriófago Lambda que corre no mesmo gel em concentrações conhecidas.

Podemos avaliar por análise da densidade óptica (DO) a quantidade de DNA presente na amostra,
pois o DNA absorve luz no comprimento de onda de 260 nm, e as proteínas, em 280 nm. Mediante a

47
Unidade I

relação: 1 DO260 = 50 µg de DNA de dupla hélice, a concentração de DNA na amostra pode ser obtida
pelo seguinte cálculo:

• Concentração de DNA = leitura da DO260 × 50 × fator de diluição usado na leitura. Caso se faça a
relação DO260/DO280 e resulte em valores menores que 1,8, significa que há contaminação com
proteínas e a amostra deve ser purificada novamente.

Na extração do RNA, deve-se tomar mais cuidados que na extração do DNA, pois o RNA é muito
instável e pode ser degradado por enzimas chamadas RNAses, encontradas na saliva, na mão etc.

Há kits que usam um método muito rápido de extração, por meio da solução de TRIZOL (solução
pronta produzida na indústria que contém fenol, isotiocianato de guanidina e outros componentes).
Após a mistura das células com TRIZOL, deve-se fazer extração com clorofórmio e álcool isopropílico, e
precipitar com álcool etílico. O precipitado é ressuspenso em solução tampão estéril e pode ser analisado
em espectrofotômetro 260 nm e 280 nm para se conhecer sua concentração e pureza. Preparações
puras de RNA têm uma relação A260/A280 de entre 1,8 e 2,0. Se houver contaminação com proteínas
ou fenol, a relação A260/A280 é menor, devendo ser reprecipitado e purificado novamente.

As aplicações práticas após a extração desses ácidos nucleicos são várias e vão desde o estudo
de identificação de doenças genéticas, o estudo de vírus e bactérias, testes de paternidade até a
modificação de plantas ou animais (OGM-organismos geneticamente modificados) que se adaptam
melhor ao ambiente ou nos causam benefícios variados, como produção de antibióticos ou hormônios.
O sequenciamento do DNA pode ser usado para vários fins, até mesmo para validar matérias-primas e
insumos, bem como para a validação da higienização.

4.2 Técnicas de DNA recombinante, clonagem molecular, construção de vetores


e enzimas de restrição

Após purificação do DNA, deve-se fazer a digestão da amostra e, dependendo do que se deseja
fazer, deve-se analisar o DNA, fazendo um mapa de restrição – que consiste em submetê-lo à digestão
de enzimas de restrição, correr um gel e verificar o tamanho dos fragmentos de DNA, e, a partir desses
fragmentos, construir um mapa com os locais onde determinada enzima faz o “corte”.

Observação

As enzimas de restrição são exemplos de endonucleases, ou seja,


clivam DNA internamente (caso clivassem nas extremidades, se chamariam
exonucleases). Em meados do século XX, cientistas descobriram que algumas
enzimas produzidas por bactérias eram capazes de “cortar” moléculas de
DNA em pontos específicos, na mesma sequência de nucleotídeos. Elas
foram denominadas enzimas de restrição ou endonucleases de restrição.
Acredita-se que é uma forma de proteção das bactérias contra patógenos
que queiram parasitá-las.
48
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

As enzimas de restrição funcionam como uma espécie de “tesoura molecular”: elas identificam
sequências de pares de bases nitrogenadas específicas nas moléculas de DNA e as cortam
nessas regiões. Cada tipo de endonuclease de restrição identifica e corta somente dada série de
nucleotídeos, geralmente composta de quatro ou seis pares de bases. O local onde a molécula
de DNA é clivada pela enzima recebe o nome de sítio de restrição, cujos exemplos podem ser
observados no quadro a seguir.

Quadro 2 – Sítio de clivagem de algumas enzimas de restrição

Tipo de extremidade gerada


Enzima Bactéria cuja enzima é isolada Sequência reconhecida após clivagem

5′…G↓GATCC …3' Extremidades coesivas


BamHI Bacillus amyloliquefaciens (extensão 5’ fosfato)
3′…CCTAG↑G…5'

5′…G↓ AATTC …3' Extremidades coesivas


EcoRI Escherichia coli (extensão 5’ fosfato)
3′…CTTAA ↑G…5'

5′…GG↓CC …3'
HaeIII Haemophilus aegyptius Extremidades cegas
3′…CC↑GG…5'

5′… A ↓ AGCTT …3' Extremidades coesivas


HindIII Haemophilus influenzae (extensão 5’ fosfato)
3′… TTCGA ↑ A …5'

5′…GC↓GGCCGC …3' Extremidades coesivas


NotI Nocardia otitidiscaviarum (extensão 5’ fosfato)
3′…CGCCGG↑CG…5'

5′…CTGCA ↓G…3' Extremidades coesivas


PstI Providencia stuartii (extensão 3’ hidroxila)
3′…G↑ ACGTC …5'

5′…C↓ TCGAG…3' Extremidades coesivas


XhoI Xanthomonas holcicola (extensão 5’ fosfato)
3′…GAGCT↑C …5'

É muito provável que as enzimas de restrição tenham sido desenvolvidas pelas bactérias ao longo de
seu processo evolutivo, com uma forma de proteção contra os ataques de bacteriófagos. Assim, quando
uma molécula de DNA do vírus é introduzida na bactéria, rapidamente é clivada nos sítios de restrição,
deixando de funcionar. Isso não acontece com as moléculas de DNA da própria bactéria, pois existem
enzimas protetoras que evitam a ação das endonucleases de restrição no genoma bacteriano.

Os fragmentos de DNA obtidos a partir do corte da molécula com uma enzima de restrição podem ser
isolados uns dos outros por meio de uma técnica chamada eletroforese. Após a corrida de eletroforese,
os fragmentos das moléculas de DNA são analisados, permitindo, por exemplo, o reconhecimento preciso
de uma pessoa. A análise do padrão eletroforético de fragmentos de DNA é, hoje, largamente utilizada
em investigações policiais e em processos judiciais, como os de comprovação de paternidade.

49
Unidade I

Para se obter determinada proteína, em grandes quantidades por fermentação, deve-se fazer
uma clonagem molecular, de preferência por meio da técnica do DNA recombinante. Para isso,
necessitamos de um enxerto ou DNA-alvo, um veículo de clonagem e um hospedeiro. Em primeiro
lugar, devemos escolher o chamado enxerto do DNA do organismo doador, que é o gene que tem a
informação da proteína. Esse fragmento que contém o gene de estudo deve ser isolado em gel de
agarose e purificado.

Classes de risco

A OMS define a classe de risco mediante o microrganismo a ser estudado em classe de


risco (classes 1, 2, 3 e 4) da seguinte maneira:

• Classe de risco 1: organismos que oferecem baixo risco individual e baixo risco para
a comunidade, e que não causam doença ao homem ou aos animais.

• Classe de risco 2: organismos que oferecem risco individual moderado e risco


limitado para a comunidade, ou seja, não oferecem risco a quem os manipula.
Podem ser provenientes de pessoas com doenças, como o Staphylococcus aureus e
o Vibrio spp.

• Classe de risco 3: organismos que oferecem elevado risco individual e risco limitado
para a comunidade. Apresentam risco para quem os manipula e para pessoas ou
animais. Causam sérias doenças, como Bacillus anthracis, Mycobacterium spp.,
Salmonella paratyphi e Shigella typhi.

• Classe de risco 4: organismos que oferecem elevado risco individual e elevado risco
para a comunidade, por exemplo, o vírus ebola e o vírus da varíola.

O veículo pode ser um fago, cosmídeo ou plasmídeo, que deve ter seu DNA purificado e clivado
com a mesma enzima com a qual se obteve o gene enxerto. Logo após, são ligados em enzima DNA
ligase, e o conjunto (vetor de clonagem + enxerto), colocado em um hospedeiro que pode ser bactéria,
fungo, planta ou animal, em um processo chamado transformação. Os organismos que têm o material
construído são identificados e selecionados. O próximo passo é analisar a proteína que é produzida e
purificá-la para que seja usada, conforme a figura a seguir.

50
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Bactéria 1 Um vetor, como um 2 O DNA é clivado em DNA contendo o gene


plasmídeo, é isolado fragmentos por uma enzima de interesse

3 O gene é inserido
no plasmídeo
Cromossomo Plasmídeo
bacteriano
DNA recombinante Gene de
(plasmídeo) interesse

4 O plasmídeo é incorporado por uma


célula, como a de uma bactéria

Bactéria
transformada

5 As células com o gene de


interesse são clonadas
ou
O objetivo pode ser a O objetivo pode ser a obtenção do
produção de cópias do gene produto proteico do gene
Plasmídeo
RNA 6B As células
Produto proteico produzem
a proteína

6A As cópias do gene são purificadas 7 As proteínas desejadas


são purificadas

Um gene para resistência a uma Um gene altera bactérias, de modo que elas Amilase, celulase e outras
peste é inserido em plantas possam fazer a limpeza de resíduos tóxicos enzimas preparam os tecidos O hormônio do crescimento humano
para a fabricação de roupas é utilizado no tratamento de casos de
deficiência do crescimento

Figura 13 – Visão geral da tecnologia do DNA recombinante. Etapas envolvidas na construção de uma
célula recombinante e alguns exemplos de aplicação

Fonte: Tortora, Funke e Case (2012, p. 248).

Os plasmídeos são pequenas moléculas de DNA com pelo menos um gene que confere resistência
a um antibiótico. Essas moléculas são inseridas em bactérias e podem receber um enxerto de DNA
pequeno, o fago ou bacteriófago λ, funcionando como um vírus da E. coli e aceitando enxertos maiores,
de até 15 kb. Já os cosmídeos, uma mistura de plasmídeo e fago, aceitam sequências para clonagens
maiores, entre 35 kb a 40 kb, como mostra a figura a seguir.

51
Unidade I

DNA plasmideal DNA de interesse (inserto)


Quebra mediada por Quebra mediada por
enzima de restrição enzima de restrição
Tratamento com
fosfatase alcalina
HO OH P OH
HO OH OH P

DNA ligase de T4

O
-O Ligação fosfodiéster
P
O O

OH
OH
Incisão

O
O-
P
OH O O
HO Ligação fosfodiéster
Incisão

Transformação

Célula hospedeira

Figura 14 – Esquema de clonagem de um fragmento de DNA de interesse em um plasmídeo. Note


a necessidade de digestão com enzima de restrição no vetor e no enxerto. Em um mesmo tubo é
colocado tampão, nucleotídeos e DNA ligase, que ligará o conjunto

Fonte: Glick, Pasternack e Patten (2010, p. 61).

Atualmente podemos dizer que as principais técnicas usadas nos estudos de biologia molecular são
Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), utilizada para ampliar cópias do DNA e aprimorar a análise de
suas mutações, clonagem e manipulação de genes; eletroforese em gel de agarose ou acrilamida, usada
para separar proteínas, DNA e RNA, através da diferença entre suas massas; Southern Blot, que usa a
transferência da corrida do gel para um papel específico que permite a hibridização do DNA com uma
pequena sequência de DNA (“sonda”) marcada com material radioativo ou fluorescência, demonstrando
ser homólogo; Northern Blot, que é semelhante à Southern Blot, mas utiliza o material RNA; e Western
Blot, semelhante à Southern Blot, mas é usada para analisar proteínas.
52
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

4.3 Sequenciamento de DNA

Em 2003, o genoma humano foi totalmente sequenciado com a ajuda de muitos pesquisadores. Ao
conhecer a sequência dos nucleotídeos (que contêm as bases nitrogenadas A, T, C e G) do DNA, podemos saber
qual seria a sequência do RNA mensageiro e, por consequência, da proteína. Conhecendo a sequência correta,
podemos entender como as mutações (sequências incorretas) podem, por exemplo, levar a doenças genéticas.
Essa técnica é chamada cDNA (complementary DNA), pois é a sequência que complementa a do molde de RNA
onde o DNA é sintetizado a partir de um molde de RNAm maduro (do qual já houve a retirada dos íntrons)
extraído pelas técnicas de extração de RNA discutidas anteriormente, no qual as enzimas, transcriptase reversa
e DNA polimerase são usadas. Esse procedimento é empregado para criar bibliotecas de cDNA, nas quais as
sequências dos RNAsm de determinada célula ou organismos são armazenadas para estudos futuros.

Lembrete

Íntrons e éxons são sequências de nucleotídeos de um gene, porém os


íntrons são removidos do RNAm pelo processo chamado splicing, sobrando
apenas os éxons no RNAm maduro, que serão efetivamente expressos.
Procariotos não têm maturação do RNA, somente os eucariotos.É

DNA de Éxon Íntron Éxon Íntron Éxon Núcleo


um gene
eucariótico
1 Um gene composto de éxons
e íntrons é transcrito em RNA
pela RNA-polimerase
RNA

2 Enzimas processadoras no núcleo


renovam o RNA derivado dos
íntrons e unem o RNA derivado dos
éxons para formar o RNAm

RNAm

3 Isolamento de RNAm
da célula e adição de
transcriptase reversa
4 A primeira
fita de DNA é
sintetizada
Fita de DNA sendo 5 O RNAm é digerido pela
sintetizada transcriptase reversa

Adição de DNA-polimerase
para sintetizar a segunda
fita de DNA
cDNA: DNA
do gene
sem íntrons Citoplasma

Figura 15 – Síntese do cDNA. A figura ilustra as etapas envolvidas na síntese de cDNA a partir de um gene eucarioto

Fonte: Tortora, Funke e Case (2012, p. 255).

53
Unidade I

Uma vez com o fragmento de DNA ou gene separado, podemos descobrir sua sequência; analisando-a
podemos descobrir sequências diferentes que ocasionam doenças genéticas. Há várias metodologias
para sequenciamento, desde a primeira, chamada de sequenciamento capilar por Sanger, até os novos
métodos ou “nova geração” de sequenciamento.

Para a análise de pequenas regiões genômicas ou microssatélites, são empregadas as seguintes


técnicas:

• SNP (em inglês, single nucleotide polymorphism): variações pontuais encontradas ao longo
do DNA, isto é, são diferenças em um único nucleotídeo em uma população.

• SNV (em inglês, single nucleotide variant): substituição de um único nucleotídeo por outro,
em um único indivíduo da população.

• InDel (em inglês, insertion-deletion): variações de comprimento por inserção ou deleção de


um ou mais nucleotídeos e pequenas duplicações de um único paciente.

Para esses métodos, utiliza-se o sequenciador capilar ou método de Sanger, que, apesar de caro, é a
melhor opção.

Apesar de SNP e SNV estarem relacionadas com a mudança em um só nucleotídeo, as SNPs estão
diretamente relacionadas com a predisposição a certas doenças genéticas, como câncer, e são observadas
em uma frequência maior na população, enquanto as SNVs, não.

Observação

A série de TV CSI (Criminal Scientific Investigation) apresenta um


grupo de policiais que desvendam crimes a partir de várias técnicas
laboratoriais de biologia molecular, extraindo DNA de fios de cabelo,
gotas de sangue ou sêmen em roupas. Com a técnica de fenotipagem
por DNA forense (FDP; em inglês, forensic DNA phenotyping),
utilizam-se análises dos SNPs para desvendar características do dono da
amostra, como a cor dos olhos, da pele e do cabelo, ou, ainda, informações
sobre sua ancestralidade.

Para sequenciar grande número de regiões ou fragmentos de mais de um paciente de uma vez
só em um mesmo experimento, adota-se a técnica NGS (next-generation sequencing), que possibilita
construir “painéis” (estudo de mais de um gene) oncológicos, de doenças raras, de distrofinopatias, de
epilepsias etc.

54
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

No sequenciamento capilar (método de Sanger), também chamado método de terminação de cadeia


enzimática, são colocados no mesmo tubo de reação nucleotídeos que não permitem a continuidade da
polimerização ou o crescimento da cadeia de DNA.

O procedimento se inicia com o DNA-alvo que será sequenciado submetido a aquecimento para que
ocorra a desnaturação (separação das fitas do DNA molde) e, depois, resfriamento. No mesmo tubo de
reação, são colocados primers ou iniciadores (chamada etapa de PCR) que se ligam a uma pequena parte
da fita do alvo, que agora está simples, e não dupla, enzima e nucleotídeos. Esse tubo de reação tem
sua temperatura elevada para que a enzima DNA polimerase sintetize um novo DNA começando pelo
primer com os quatro nucleotídeos do DNA (dATP, dTTP, dCTP e dGTP) até que um dideoxinucleotídeo
(ddATP, ddTTP, ddCTP e ddGTP marcados com fluoróforos) entre na fita. Quando isso ocorre, nenhum
outro nucleotídeo se unirá, pois não possuem um grupo hidroxila no carbono 3 e a fita para de crescer,
gerando fragmentos de diferentes comprimentos.

P P P OCH2 O Base

H H
H H

H H

Dideoxinucleotídeo (ddNTP)

P P P OCH2 O Base

H H
H H

OH H
Deoxinucleotídeo (dNTP)

Figura 16 – Estrutura de dNTP e ddNTP. Note que o ddNTP não possui um


grupo hidroxila no terceiro carbono da desoxirribose

Fonte: Rye et al. (2016).

O aparelho de sequenciamento é programado para fazer vários ciclos de “aquece/esfria” para que no
aquecimento as fitas se separem e outro primer se ligue a outra fita e comece a crescer, amplificando
várias vezes a quantidade de DNA. Após a eletroforese, observamos diferentes bandas de DNA marcadas
com cores quando iluminadas com laser, permitindo uma leitura do menor fragmento para o maior,
conforme mostrado na figura a seguir.

55
Unidade I

Extensão do primer com ddNTPs Eletroforese e leitura

Sequência-alvo
3’ TACGATGTCAACGGTT... 5’
5’ ATGCTACA 3’ Primer
ATGCTACAG —
ATGCTACAGT —
Produtos de amplificação

Produtos de amplificação
ATGCTACAGTT —
ATGCTACAGTTG —
ATGCTACAGTTGC —
ATGCTACAGTTGCC —
ATGCTACAGTTGCCA —
ATGCTACAGTTGCCAA —

Figura 17 – Esquema de sequenciamento de primeira geração desenvolvido por Fred Sanger (1977), em que cada um
dos dideoxinucleotídeos (A, T, C, G) é marcado com uma fluorescência diferente, cuja leitura é feita pelas cores

Fonte: Garrido-Cardenas et al. (2017, p. 4).

Há plataformas de sequenciamento que foram se aprimorando para segunda, terceira e quarta


gerações de sequenciadores. Os sequenciamentos genéticos de segunda geração chamada de
“técnica de Shotgun” podem decifrar por reações de Sanger, grande número de pequenos fragmentos
resultantes de digestão ou sonicação de um fragmento maior de DNA e os resultados são montados
como um quebra-cabeça.

Observação

Usando a tecnologia de Shotgun, Craig Venter fundou: a Celera


Genomics, o The Institute for Genomic Research e o J. Craig Venter Institute,
que desvendou e sequenciou o genoma humano em 2001.

Podem ser usadas várias plataformas ou equipamentos de diversas indústrias de biotecnologia.


O sequenciamento de nova geração (NGS) e de segunda geração pulam a etapa de PCR. Como exemplos
dessas plataformas, podemos citar 454-Roche, Illumina Genome Analyser (SOLEXA) e ABI-SOLID
(sequencing by oligonuclotide ligation and detection), que podem sequenciar DNA em algumas horas ou
vários dias, dependendo da capacidade dos equipamentos, criando painéis completos (sequenciamento
de alguns genes) em exomas, transcriptomas e metilomas.

• A técnica de pirosequenciamento, como na plataforma 454-Roche, permite que, a cada nucleotídeo


colocado, seja emitida fluorescência (que gera um pico referente ao nucleotídeo adicionado em
tempo real e, com isso, um rápido sequenciamento).
56
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

• No sequenciamento baseado em cores (Illumina Genome Analyser), no qual os fragmentos são


amplificados e se ligam a primers que estão presos em uma matriz, crescendo e se dobrando para
alcançar o outro primer, formam uma ponte e, após a polimerização, têm sua sequência analisada
pela emissão de cores.

• No sistema ABI-SOLID, o DNA fragmentado é ligado a esferas e é combinado com primers


universais de sequenciamento, enzima ligase e a sondas marcadas. O sequenciamento ocorre
por hibridização de sondas fluorescentes com o alvo. O sequenciamento genético de transição
entre a segunda e a terceira gerações são mais sofisticados e tem as plataformas Ion Torrent
(Thermo Fisher Scientific) e PacBio-RS como exemplos.

• O sequenciamento Ion Torrent ou sequenciamento com semicondutor é semelhante ao SOLid,


mas o fragmento de DNA é ligado a uma matriz (beads), sendo oferecido um nucleotídeo por
vez a esse local, que será lavado. Se houver a ligação, o pH é mudado e um sinal na tela aparece
(Thermo Fisher Scientific).

• PacBio, da Pacific Biosciences, conhecida pela sigla SMRT (single-molecule real time), tem DNA
polimerase ligada a nanotubos, enquanto o DNA se liga a enzimas. Quando ocorre a adição de
nucleotídeos fosfoligados com fluorescência, ocorre a liberação de fluorescência.

A 3ª geração usa sequenciadores portáteis, chamada tecnologia de MinION, da Oxford Nanopore


(sequenciador em forma de uma espécie de pendrive), que possui um chip chamado flow cell (membranas
com vários poros) por onde o DNA entra e são emitidas variações na corrente elétrica da flow cell que
identificam o nucleotídeo que está passando.

A partir do ano de 2016, a Fiocruz iniciou o Projeto ZIBRA, que pretende sequenciar o genoma do
zika vírus, obtendo amostras de pessoas infectadas no Brasil para serem sequenciadas com o MinION,
sendo expandidas para análises de arboviroses emergentes, como o vírus da chikungunya e o vírus da
febre amarela.

Em 2020, fomos surpreendidos com a pandemia de Sars-CoV-2, também conhecido como novo
coronavírus, um vírus de RNA que interferiu na vida de todas as pessoas do mundo. O genoma desse
vírus, desde os primeiros casos confirmados no Brasil, foi sequenciado e identificado no início da
pandemia por meio da tecnologia Nanopore com o software MinKNOW, que permite a aquisição de
dados e sua análise em tempo real, viabilizando o gerenciamento de protocolos de qualidade. Com esse
conhecimento, as informações foram cruzadas com bancos de dados internacionais e os estudos de
origem e disseminação do vírus foram iniciados em nosso país.

4.4 Aplicações

Identificação de pessoas por perfil genético de regiões denominadas variable number of tandem
repeats (VNTRs) e de regiões compostas chamadas short tandem repeats (STRs) têm relação com os
polimorfismos, que são variações nas sequências de bases que compõem o gene. Caso haja troca de

57
Unidade I

uma única base, será chamada single nucleotide polymorphism (SNP); se houver repetição em série de
número variado de bases, será chamado VNTR.

Os STR são repetições curtas em sequência, chamadas também marcadores microssatélite (MMS),
que auxiliam na identificação genética individual humana, como usados em medicina forense na análise
de restos cadavéricos e em testes de paternidade.

Para uso cotidiano, há vários kits comerciais, como o Minifile (Applied Biosystems), formado por nove
marcadores de STRs que, após a ligação no DNA, são amplificados e separados em um sequenciador para
a análise dos perfis de STRs em um software, usando-se para isso o estudo de MMS do DNA do pai, da
mãe e do filho.

Outra aplicação, entre várias, está relacionada com o estudo genético de pacientes com tumores e sua
predisposição. O câncer é uma neoplasia maligna, de origem genética, que acomete aproximadamente
uma em cada quatro pessoas em todo o mundo. Pode ter origem hereditária (5% a 10% dos casos)
ou esporádica (90% a 95% dos casos), e seu desenvolvimento está ligado a SNPs. Essas mutações
SNPs podem ser do tipo missense e nonsense, e, caso a proteína produzida seja mutada, sua função
também pode ser mudada, até mesmo levando ao aumento ou à diminuição da expressão de proteínas
que controlam a proliferação e o reparo do DNA; ou pode ser uma mutação silenciosa, quando não
interfere na produção de proteínas. Contudo, não são só as mutações que irão iniciar o câncer, mas são
necessários fatores externos, como o tabagismo, que irão colaborar para seu desenvolvimento.

Há várias técnicas usadas para esse tipo de estudo, entre elas, sequenciamento genético baseado na
metodologia de NGS (focado em SNPs e InDels em diferentes painéis poligênicos), FISH (fluorescence
in situ hybridization), que procura em biópsias de tecidos algum gene relacionado com câncer, MLPA
(multiplex ligation-dependent probe amplification), que detecta microdeleções/duplicações nos genes
relacionados com determinados tipos de câncer, microarrays ou chips de DNA, que consistem em um
suporte com vários fragmentos de DNA presentes em diferentes tipos de câncer, servem como sondas e,
quando colocados com o DNA da amostra, ligam-se a seus semelhantes.

Saiba mais

Para complementar as técnicas citadas, os alunos poderão assistir aos


seguintes vídeos:

FLUORESCENT in situ hybridization (FISH) assay. 2018. 1 vídeo (4 min).


Publicado pelo canal Creative Bioarray. Disponível em: https://cutt.ly/JIr98kt.
Acesso em: 11 jan. 2022.

HOW does MLPA work? 2017. 1 vídeo (7 min). Publicado pelo canal MRC
Holland. Disponível em: https://cutt.ly/vPHXfjq. Acesso em: 11 jan. 2022.

58
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

NEXT generation sequencing (NGS): an introduction. 2015. 1 vídeo


(9 min). Publicado pelo canal Applied Biological Materials.. Disponível em:
https://cutt.ly/pIr3Yh1. Acesso em: 11 jan. 2022.
MICROARRAYS. 2008. 1 vídeo (2 min). Publicado pelo canal Genome BC.
Disponível em: https://cutt.ly/kIr8XRa. Acesso em: 11 jan. 2022.

Resumo
Nesta unidade, estudamos primeiramente os principais insumos
farmacêuticos utilizados e como eles são obtidos ou produzidos. Eles
representam o início da cadeia produtiva da indústria farmacêutica. Para
assegurar a qualidade na produção de medicamentos, a Anvisa é responsável
pela autorização de funcionamento das empresas e pelo controle sanitário
dos insumos farmacêuticos, mediante a realização de inspeções sanitárias e
a elaboração de normas. A Anvisa também implementou o cadastramento
dos insumos farmacêuticos ativos para as empresas que exerçam as
atividades de fabricação, importação, exportação, fracionamento,
armazenamento, expedição, embalagem e distribuição. As notificações de
insumos farmacêuticos com desvios de qualidade comprovados também
são avaliadas pela Anvisa.
Posteriormente, foram estudados os processos fermentativos, os
equipamentos e as estratégias utilizadas para que a fermentação ocorra,
bem como tipos ou exemplos de aplicação. Inicialmente, os processos
fermentativos são caracterizados pela ausência de oxigênio em seu processo
bioquímico em meio a fungos e bactérias como forma de obtenção de energia
para manutenção de sua sobrevivência no meio. Independentemente do
que esteja realizando a fermentação, ela sempre ocorre no citosol da célula
com ajuda de enzimas catalizadoras com a finalidade de obtenção de ATP
(molécula responsável pelo fornecimento de “moeda” de troca energética
da célula). Pode-se dizer, então, que a fermentação é uma via de produção
energética que ocorre após a glicólise. A glicólise, por sua vez, é um processo
químico no qual fosfatos (P) são incorporados à molécula de glicose para
obtenção de energia após a quebra da mesma molécula.
Finalmente, foram estudados e apresentados princípios da biologia
molecular, da manipulação genética e da produção de proteínas
recombinantes. A biologia molecular tem como campo de estudo as interações
bioquímicas celulares envolvidas na duplicação do material genético e na
síntese proteica. É uma área intimamente ligada à genética e à bioquímica. A
biologia molecular consiste principalmente em estudar as interações entre os
vários sistemas da célula, partindo da relação entre o DNA, o RNA e a síntese
de proteínas, e o modo como essas interações são reguladas.

59
Unidade I

Exercícios

Questão 1. Leia o texto a seguir.

Indubitavelmente, as estratégias de garantir qualidade dos medicamentos disponibilizados no


mercado nacional são altamente desejáveis, tanto para os segmentos dos medicamentos industrializados
e magistrais quanto para o usuário final desses produtos. Nesse contexto, parece evidente que o foco
principal está centrado na qualidade do medicamento final direcionada fundamentalmente para
a garantia do efeito terapêutico isento de efeitos colaterais provocados por interferências externas,
derivadas de sistemas e processos envolvidos na produção dos IFA ou de insumos inertes.

Por outro lado, a certificação em torno da importação de IFA traz à tona a discussão do problema da
dependência externa do país em torno da importação dos IFAs. Uma avaliação da história da indústria
farmacêutica e de química fina brasileira em termos dessa dependência externa torna evidente que
nunca houve esforços nem políticas de Estado no sentido de, pelo menos, minimizar esse problema.

Adaptado de: Oliveira e Silveira (2021).

Conforme destacado no texto, a produção de IFA é um processo que exige tecnologia e muito cuidado
para que seja criado um produto de qualidade e seguro para os profissionais da saúde e seus usuários,
com altos índices de eficácia e pouco ou nenhum efeito colateral. Diante de todas essas exigências, não
são todos os países que têm capacidade de produzir tal insumo, ficando dependentes de importações,
que são processos demorados e custosos.

Considerando a importância do IFA e as exigências de alta qualidade em sua produção, avalie


as afirmativas.

I – Quando o tema é vacina, apenas os IFAs de vacinas contra bactérias podem ser produzidos, já
que os vírus apresentam uma estrutura muito complexa para serem trabalhados, além de termos de
considerar as frequentes mutações que afetam esses patógenos.

II – O procedimento padrão para a produção do IFA envolve o crescimento de bactérias em meios de


cultura, enquanto os vírus são colocados para crescer em outro organismo, como embriões de galinha.

III – Após o processo de crescimento dos patógenos, a amostra deve passar pelo processo de
purificação para que sobrem apenas os materiais necessários à estimulação da resposta imune.

IV – O IFA não é composto apenas de patógenos ou moléculas derivadas deles. A esse material podem ser
acrescentadas substâncias (por exemplo, água estéril, soro fisiológico, conservantes, albumina, fenóis e glicina)
que irão facilitar o transporte e o armazenamento e, principalmente, irão aumentar a resposta imune e
a proteção gerada pela vacina.

60
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

É correto o que se afirma em:

A) II, III e IV, apenas.

B) II e III, apenas.

C) I, III e IV, apenas.

D) III e IV, apenas.

E) I, II, III e IV.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a tecnologia envolvida na produção de IFA permite o desenvolvimento desses insumos


para vacinas contra bactérias, vírus e, até mesmo, parasitas eucariontes, como o Schistosoma mansoni.
O processo de produção sofre alterações para cada um desses patógenos.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: a produção do IFA necessita de grandes quantidades do patógeno antes da purificação.


Esse crescimento é realizado em condições específicas e controladas, respeitando-se as exigências de
cada patógeno, ou seja, meios de cultura para bactérias e células eucariontes/seres vivos para vírus.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: a etapa da purificação do IFA envolve, por exemplo, câmara trituradora e equipamentos
para centrifugação e liofilização. Trata-se de uma fase importante para retirar da amostra eventuais
substâncias que poderão diminuir a eficácia da vacina e/ou causar efeitos colaterais mais graves.

IV – Afirmativa correta.

Justificativa: de fato, parte do IFA corresponde a água estéril, soro fisiológico, conservantes e
estabilizantes, que estão ali para garantir que o insumo tenha alta qualidade e possa gerar vacinas
eficientes e seguras para a população.

Vale destacar que, para a composição do IFA, deve-se optar pelo material que for mais adequado
à estimulação da resposta imune e que apresentar o menor grau de efeitos colaterais. Assim, podem
ser usados patógenos inteiros mortos (ou inativados), inteiros vivos, porém atenuados (enfraquecidos),
proteínas ou ácidos nucleicos.
61
Unidade I

Cabe notar que o IFA


é fundamental na formulação de um fármaco porque está nele a
substância capaz de produzir o efeito desejado. Nas vacinas, é o IFA que
tem a informação que faz com que o organismo comece a preparar suas
defesas contra um microrganismo invasor. No caso de imunizantes como a
CoronaVac, chamados de vacinas de vírus inativado, o IFA é o ingrediente
que contém o corpo do microrganismo “morto”, incapaz de se replicar e
provocar uma infecção. Ao receber a vacina, o corpo da pessoa vacinada
passa a conhecer a estrutura do coronavírus e produz defesas específicas
contra suas formas de ataque.

Outras vacinas usam plataformas tecnológicas diferentes, como as vacinas


genéticas da Pfizer/BioNTech e da Moderna, que utilizam o RNA mensageiro
do coronavírus para que o corpo humano conheça a proteína S, chamada
de spike. Nesse caso, o IFA contém tal RNA, que é produzido sinteticamente.

Já vacinas como a Oxford/AstraZeneca e Sputnik V têm a tecnologia de vetor


viral, em que um vírus inofensivo é modificado para transportar informações
do coronavírus. A vacina de Oxford usa adenovírus de chimpanzé como
vetor de informações da proteína spike, que é inserida dentro do antígeno.
O IFA, então, é um concentrado viral que contém esses vírus modificados
geneticamente (LISBOA, 2021).

Questão 2. Leia o texto a seguir.

A biologia sintética é a tentativa de criar sistemas vivos a partir do início e dotá-los de novas funções.
Esses novos organismos criados podem ter diferentes funções de que a humanidade necessita para sua
sobrevivência. Portanto, a biologia sintética é um ramo da ciência que está avançando exponencialmente,
devido às descobertas com que os pesquisadores e estudantes da área estão deparando. No entanto,
com o foco em sintetizar novos remédios, bactérias antipoluentes, novos tecidos biológicos e demais
outras possibilidades, ela está se tornando uma área atraente, pela qual vários pesquisadores de outras
linhas de pesquisa estão se interessando e ingressando nesse grupo.

Adaptado de: Souza et al. (2018).

O texto faz considerações acerca dos esforços realizados na chamada biologia sintética para o
desenvolvimento de novos seres vivos que colaborem em diferentes situações de sobrevivência do
ser humano. Sobre a biologia sintética e os procedimentos envolvidos nesse ramo da ciência, avalie
as afirmativas.

I – O sequenciamento do DNA é uma importante etapa que permite a observação da sequência


inteira de nucleotídeos que formam o DNA das espécies. De posse dessa informação, pode-se estabelecer
a sequência correspondente ao RNA mensageiro e quais proteínas serão produzidas a partir dele, bem
como eventuais mutações que podem levar a doenças genéticas.
62
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

II – Outra técnica importante no âmbito da biologia sintética é o DNA recombinante (ou clonagem
molecular). Nesse procedimento, um trecho de DNA escolhido é adicionado ao DNA de outra espécie
(isto é, plasmídio) para que, então, seja inserido em um hospedeiro (por exemplo, bactéria, fungo, planta
ou animal). Assim, pode-se controlar a produção de proteínas específicas e que tenham alguma função
para os seres humanos ou outros animais.

III – Um dos processos envolvidos é o que faz a extração e a purificação de DNA/RNA. A partir dessas
moléculas extraídas, é possível fazer a identificação de doenças genéticas, o estudo de patógenos (por
exemplo, vírus e bactérias) e a modificação de plantas ou animais podem ser benéficos ao ser humanos,
produzindo antibióticos ou hormônios.

Assinale a alternativa correta.

A) Apenas a afirmativa I é correta.

B) Apenas a afirmativa II é correta.

C) Apenas as afirmativas II e III são corretas.

D) Todas as afirmativas são corretas.

E) Nenhuma afirmativa é correta.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: de fato, o sequenciamento genético (ou do DNA) é um procedimento fundamental


para a biologia sintética porque, ao revelar a sequência de monômeros dessa molécula (nucleotídeos),
fornece a chave para que sejam identificados os trechos do DNA ligados a determinadas características
físicas, fisiológicas e até doenças genéticas. Em muitos casos, essas sequências específicas podem
ser editadas ou alteradas no âmbito da biologia molecular (por exemplo, DNA recombinante e
clonagem molecular).

II – Afirmativa correta.

Justificativa: a clonagem molecular é, no campo da biologia molecular, um importante ramo que


tem ajudado diferentes áreas, como a medicina humana, a medicina veterinária, o setor agropecuário, o
mapeamento genético e o meio ambiente. São muitas as suas aplicações e, em farmacologia, destacam‑se
a produção de insulina humana em escala comercial, fatores de coagulação, hormônio do crescimento
e, mais recentemente, medicamentos para o tratamento de câncer e Aids. As etapas fundamentais são
aquelas indicadas na afirmativa.
63
Unidade I

III – Afirmativa correta.

Justificativa: a extração e a purificação de ácidos nucleicos são procedimentos básicos dentro da


chamada biologia sintética. Isso ocorre porque a criação de novos seres vivos capazes de nos auxiliar
está fundamentada no uso e na manipulação do material genético. O conhecimento dessa molécula
e do código genético a ela associado permite uma variedade de aplicações, algumas delas citadas na
própria afirmativa.

64
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Unidade II
5 DESENVOLVIMENTO FARMACÊUTICO DE MEDICAMENTOS BIOLÓGICOS
(BIOFÁRMACOS)

Um biofármaco é qualquer medicamento farmacêutico fabricado, extraído ou semissintetizado de


fontes biológicas. Diferentes dos produtos farmacêuticos totalmente sintetizados, eles incluem vacinas,
sangue total, componentes do sangue, alergênicos, células somáticas, terapias genéticas, tecidos,
proteínas terapêuticas recombinantes e medicamentos vivos usados na terapia celular. Os produtos
biológicos podem ser compostos de açúcares, proteínas, ácidos nucleicos ou combinações complexas
dessas substâncias, ou podem ser células ou tecidos vivos. Eles, seus precursores ou componentes são
isolados de fontes vivas – humana, animal, vegetal, fúngica ou microbiana.

A terminologia em torno dos biofármacos varia entre grupos e entidades, com diferentes termos
que se referem a distintos subconjuntos de terapêuticas dentro da categoria biofarmacêutica geral.
Algumas agências reguladoras usam os termos medicamentos biológicos ou produto biológico
terapêutico para se referirem especificamente a produtos macromoleculares projetados como drogas
baseadas em proteínas e ácidos nucleicos, distinguindo-os de produtos como sangue, componentes do
sangue ou vacinas, que geralmente são extraídos diretamente de um fonte biológica. Os medicamentos
especiais, uma classificação recente de produtos farmacêuticos, são medicamentos de alto custo que,
em geral, são biológicos. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) usa o termo medicamentos de
terapia avançada (ATMPs) para medicamentos para uso humano que têm como base genes, células
ou engenharia de tecidos, incluindo medicamentos de terapia genética, medicamentos de terapia com
células somáticas, engenharia de tecidos medicamentos e suas combinações.

Lembrete

Biofármaco é a designação dada a medicamentos originados a partir


de um processo biológico. Entre eles destacam-se aqueles obtidos por
meio de rotas biotecnológicas, em que o princípio ativo é extraído de
microrganismos ou células animais modificadas geneticamente.

Os medicamentos biológicos baseados em genes e células, por exemplo, frequentemente estão na


vanguarda da biomedicina e da pesquisa biomédica e podem ser usados para tratar uma variedade de
condições médicas para as quais nenhum outro tratamento está disponível. Em algumas jurisdições,
os produtos biológicos são regulados por órgãos diferentes de outras drogas de moléculas pequenas
e dispositivos médicos. Biofarmacêutica é a indústria farmacêutica que trabalha com biofármacos.
Biofarmacologia é o ramo da farmacologia que estuda biofármacos.

65
Unidade II

Algumas das formas mais antigas de produtos biológicos são extraídas de corpos de animais,
especialmente de outros humanos. Alguns desses produtos biológicos importantes incluem:

• sangue total e outros componentes do sangue;

• transplantes de órgãos e de tecidos;

• terapia com células-tronco;

• anticorpos para imunidade passiva (por exemplo, para tratar uma infecção viral);

• células reprodutivas humanas;

• leite materno;

• microbiota fecal.

Alguns produtos biológicos que antes eram extraídos de animais, como a insulina, são agora mais
comumente produzidos por DNA recombinante.

5.1 Técnica de produção de proteínas recombinantes

A necessidade de medicamentos eficientes e complexos que não são possíveis de serem fabricados de
maneira sintética e em grande quantidade levou a comunidade científica a trabalhar em uma tecnologia
que culminasse em uma “fábrica biológica” de produção de hormônios, vacinas, testes de diagnósticos
ou outros biofármacos com elevado grau de pureza a um custo relativamente baixo.

A bioinformática levou a avanços significativos na escolha da proteína e do fragmento do gene que


irá gerar tal proteína, pois essa nova ciência reúne conhecimentos de informática, biologia, estatística e
matemática, que auxiliam no sequenciamento do genoma e de mutações, além de analisar a expressão
e a regulação de genes e suas respectivas proteínas. A partir desses resultados, o foco será o material
genético: RNAm e/ou DNA, cujas sequências nucleotídicas desejadas serão adicionadas a um vetor,
expressas em determinado sistema biológico, purificadas para uso humano. Por meio de técnicas de
biotecnologia, várias empresas estão focadas no desenvolvimento e no aprimoramento de organismos
que nos ajudarão a enfrentar doenças, entre outras finalidades.

Será possível um sistema de expressão como a bactéria E. coli, ou a levedura Saccharomyces cerevisiae
produzir uma proteína humana? A resposta é sim! Como explicado anteriormente, as principais etapas
para se obter um microrganismo que expressa uma proteína heteróloga (que não pertença a ele) são:

• escolher e isolar o gene de interesse, por meio da bioinformática, para desenhar o primer;

• amplificar o fragmento de DNA usando a técnica de PCR;

66
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

• isolar o fragmento de interesse no gel de agarose;

• usar enzima de restrição e “cortar” o DNA;

• ligar o fragmento com o vetor usando DNA ligase;

• escolher o sistema de expressão, que pode ser procarioto ou eucarioto;

• inserir o DNA recombinante no hospedeiro;

• selecionar as células que contêm o DNA de interesse;

• sequenciar o DNA;

• expressar o gene no sistema escolhido, com a vantagem de se reproduzirem muito rapidamente.

As proteínas chamadas recombinantes, uma vez analisadas e vistoriadas, serão produzidas em


grande escala em biorreatores nas indústrias de biotecnologia, mas já existem centros de pesquisas
que pretendem utilizar plantas e animais geneticamente modificados para a produção em larga escala
de proteínas com papel biológico de fármacos, por exemplo, vacas leiteiras que possuem em seu leite
fármacos para câncer ou sementes de sojas com fator IX de coagulação.

A levedura S. cerevisiae é muito utilizada, pois como é um eucarioto, tal qual os seres humanos,
consegue fazer as modificações pós-traducionais necessárias para que seja reconhecida corretamente,
além de ser um microrganismo GRAS (generally recognized as safe) para produção de biofármacos –
fato que não ocorre com o uso da bactéria E. coli. Como alternativa, outra levedura vem sendo utilizada
em biotecnologia, Pichia pastoris, a qual apresenta uma região promotora muito forte que transcreve
genes heterólogos.

Mas o que determina a pesquisa e o desenvolvimento de clonagem de genes? A necessidade faz com
que haja a procura de uma saída melhor para a resolução do problema: doença, método diagnóstico,
agricultura etc. Para melhorar a qualidade de vida do diabético, foi criada a insulina recombinante e,
depois dela, outros hormônios, como o hormônio do crescimento (GH) para pessoas com ausência ou
pequena produção; para proteger as plantas do uso de inseticidas, é possível utilizar, por exemplo, a
toxina Bt, da bactéria Bacillus thuringiensis, letal para muitos insetos, que se degrada rapidamente
no ambiente e é atóxica para humanos e outros animais; para aumentar a produção de leite no gado
leiteiro, é administrada somatotrofina bovina recombinante; nos Estados Unidos, para pacientes com
doenças genéticas e fibrose cística, a terapia genética é usada fornecendo uma cópia normal do gene
para as células do corpo; para o tratamento de derrames, a prevenção de coágulos sanguíneos e ataques
cardíacos, há anticoagulantes recombinantes. Existem muitos outros exemplos além dos citados.

Acredita-se que, durante o desenvolvimento das técnicas, outros problemas, além dos citados,
serão sanados, como a preservação dos animais em extinção e o fim do tráfico clandestino de órgãos
pela utilização de células-tronco. No último caso, obviamente, esbarramos na parte ética, filosófica
67
Unidade II

e religiosa, pois, após pesquisas sobre a clonagem de animais, como foi observado com o primeiro
mamífero clonado, a ovelha Dolly, que nasceu em 5 de julho de 1996, percebeu-se que os cientistas
quiseram “dar um passo à frente”, querendo clonar seres humanos (a chamada clonagem reprodutiva)
– fato ocorrido na China com a criação de crianças geneticamente modificadas. A comunidade
científica condenou o experimento porque não se sabe como as modificações irão afetar os órgãos,
pois na ovelha Dolly perceberam-se erros no DNA, e ela morreu após seis anos, em virtude de diversos
problemas de saúde.

Saiba mais

Para conhecer mais sobre a clonagem, sugerimos a leitura da


seguinte matéria:

OS CLONES estão entre nós. Estamos preparados? Pesquisa Fapesp,


2002. Disponível em: https://cutt.ly/lUKZqpl. Acesso em: 4 jan. 2022.

5.2 Medicamentos fabricados por DNA recombinante

Conforme já elucidado, o termo “biológicos” pode ser usado para se referir a uma ampla gama de
produtos biológicos na medicina. No entanto, na maioria dos casos, o termo “biológicos” é usado de forma
mais restritiva para uma classe de terapêuticas (aprovadas ou em desenvolvimento) que são produzidas
por meio de processos biológicos envolvendo tecnologia de DNA recombinante. Esses medicamentos são,
geralmente, de três tipos:

• Substâncias que são (quase) idênticas às proteínas-chave de sinalização do próprio


corpo. Exemplos são a proteína eritropoetina estimuladora da produção de sangue, o hormônio
estimulador do crescimento denominado (simplesmente) hormônio do crescimento e a insulina
humana biossintética e seus análogos.

• Anticorpos monoclonais. Estes são semelhantes aos anticorpos que o sistema imunológico
humano usa para combater bactérias e vírus, mas são “projetados sob medida” (usando
tecnologia de hibridoma ou outros métodos) e podem, portanto, ser feitos especificamente para
neutralizar ou bloquear qualquer substância no corpo, ou para atingir qualquer tipo específico
de célula. Exemplos de tais anticorpos monoclonais para uso em várias doenças são apresentados
no Quadro 3.

• Construções de receptor (proteínas de fusão), geralmente baseadas em um receptor de


ocorrência natural ligado à estrutura da imunoglobulina. Nesse caso, o receptor fornece a
construção com especificidade detalhada, enquanto a estrutura da imunoglobulina transmite
estabilidade e outras características úteis em termos de farmacologia.

68
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Os produtos biológicos, como uma classe de medicamentos nesse sentido mais restrito, tiveram
um impacto profundo em muitos campos médicos, principalmente reumatologia e oncologia,
mas também cardiologia, dermatologia, gastroenterologia, neurologia e outros. Na maioria dessas
disciplinas, os biológicos adicionaram opções terapêuticas importantes para o tratamento de muitas
doenças, incluindo algumas para as quais não havia terapias eficazes disponíveis e outras cujas terapias
anteriormente existentes eram claramente inadequadas. No entanto, o advento da terapêutica
biológica também levantou questões regulatórias complexas e preocupações farmacoeconômicas
significativas porque o custo das terapias biológicas é dramaticamente mais alto do que os
medicamentos convencionais (farmacológicos). Esse fator tem sido particularmente relevante, uma
vez que muitos medicamentos biológicos são usados para o tratamento de doenças crônicas, como
artrite reumatoide ou doença inflamatória intestinal, ou para o tratamento de câncer não tratável
durante o resto da vida.

Pacientes idosos que recebem terapia biológica para doenças como artrite reumatoide, artrite
psoriática ou espondilite anquilosante apresentam risco aumentado de infecção com risco de morte,
eventos cardiovasculares adversos e malignidade.

A primeira dessas substâncias aprovadas para uso terapêutico foi a insulina biossintética “humana”
produzida por meio de DNA recombinante. Às vezes referida como rHI, sob o nome comercial de
Humulin®, foi desenvolvida pela Genentech, mas licenciada para a Eli Lilly and Company, que a fabricou
e comercializou a partir de 1982. Os principais tipos de biofármacos incluem:

• fatores sanguíneos (fator VIII e fator IX);

• agentes trombolíticos (ativador do plasminogênio tecidual);

• hormônios (insulina, glucagon, hormônio do crescimento e gonadotrofinas);

• fatores de crescimento hematopoiéticos (eritropoetina fatores estimuladores de colônias);

• interferons (interferons-α, -β, -γ);

• produtos à base de interleucina (interleucina-2);

• vacinas (antígenos de superfície da hepatite B);

• anticorpos monoclonais (vários);

• produtos adicionais (fator de necrose tumoral, enzimas terapêuticas).

69
Unidade II

Quadro 3 – Medicamentos obtidos por meio da biotecnologia

Metodologia de
Medicamento Aplicação Material biológico
produção
Penicillium notatum (penicilina),
Antibióticos Fermentação Tratamento de infecções
Streptomyces venezuelae
(cloranfenicol), Streptomyces griseus
(estreptomicina), entre outros
Técnica do DNA
Fatores de coagulação sanguínea Tratamento de hemofilia Células CHO
recombinante
Antitrombina (Atryn® foi
o primeiro medicamento Utilizado em pacientes com
Purificada do leite de
produzido com o uso de animais alteração hereditária da Cabra transgênica
animais transgênicos
geneticamente modificados produção de antitrombina
aprovado pelo FDA)
Insulina (Humulin® foi o primeiro
Técnica do DNA Tratamento do diabetes Escherichia coli
fármaco biotecnológico aprovado mellitus
recombinante
pelo FDA)
Tratamento de anemia
Eritropoetina (Procrit®, Epogen®, Técnica do DNA decorrente de doenças renais Células CHO
Eprex® e NeoRecormon®) recombinante crônicas, infecções por HIV e
câncer
Técnica do DNA Tratamento de câncer de Escherichia coli
IL-2 recombinante células renais
Tratamento de sarcoma
Interferon-α (Intron-A®, Técnica do DNA
Roferon-A® e Actimmume®) recombinante de Kaposi, hepatites B e C, Escherichia coli e Pichia pastoris
câncer de células renais
Tratamento de esclerose
Interferon-β (Avonex®, Rebif® e Técnica do DNA
Betaseron®) recombinante múltipla secundária Escherichia coli
progressiva
Técnica do DNA
Alfadornase (Pulmozyme®) Tratamento de fibrose cística Células CHO
recombinante
Dissolução de coágulos
Ativador de plasminogênio Técnica do DNA sanguíneos que podem
(Activase®) recombinante causar ataque cardíaco,
embolia pulmonar e derrame
OKT3 (primeiro anticorpo Tratamento contra rejeição
monoclonal a se tornar disponível Técnica do hibridoma Linfócito B e mieloma
de órgãos transplantados
para terapia em humanos)

Observação

Algumas fontes de medicamentos não eram consideradas


particularmente adequadas: os hormônios foliculoestimulante (FSH),
luteinizante (LH) e gonadotrofina coriônica humana (hCG) eram coletados
da urina de mulheres na menopausa ou grávidas; e o ancrodo, uma enzima
com atividade anticoagulante, era extraído do veneno da jararaca da Malásia
(Agkistrodon rhodostoma). Atualmente, essas substâncias são produzidas
principalmente a partir da tecnologia do DNA recombinante, minimizando
os impasses relacionados com a variabilidade entre lotes, disponibilidade de
doadores e periculosidade relativos ao processo de purificação.
70
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

5.3 Biossimilares

Com a expiração de várias patentes de produtos biológicos de sucesso entre 2012 e 2019, o interesse
pela produção de biossimilares, ou seja, produtos biológicos de continuação, aumentou. Em comparação
com pequenas moléculas que consistem em ingredientes ativos quimicamente idênticos, os produtos
biológicos são muito mais complexos e consistem em uma infinidade de subespécies. Devido à sua
heterogeneidade e à alta sensibilidade do processo, os originadores e biossimilares de acompanhamento
exibem diversidade em variantes específicas ao longo do tempo; no entanto, a segurança e o desempenho
clínico dos biofármacos originadores e biossimilares devem permanecer equivalentes ao longo de seu
ciclo de vida. As variações do processo são monitoradas por ferramentas analíticas modernas (por
exemplo, cromatografia líquida, imunoensaios, espectrometria de massa etc.) e descrevem um espaço
de design exclusivo para cada produto biológico.

Assim, os biossimilares requerem uma estrutura regulatória diferente em comparação com os


genéricos de pequenas moléculas. A legislação do século XXI tratou disso, reconhecendo uma base
intermediária de testes para biossimilares. A via de arquivamento requer mais testes do que os genéricos
de pequenas moléculas, mas menos testes do que o registro de terapêuticas completamente novas.

Em 2003, a EMA introduziu uma via adaptada para biossimilares, denominados medicamentos
biológicos semelhantes. Esse caminho é baseado em uma demonstração completa de comparabilidade
do produto semelhante a um produto aprovado existente. Nos Estados Unidos, a Lei de Proteção do
Paciente e Cuidados Acessíveis de 2010 criou uma via de aprovação abreviada para produtos biológicos
que comprovadamente são biossimilares ou intercambiáveis com um produto biológico de referência
licenciado pela FDA. Uma grande esperança ligada à introdução de biossimilares é a redução de custos
para os pacientes e o sistema de saúde.

Lembrete

Biossimilares são produtos biológicos altamente semelhantes aos


medicamentos inovadores.

Produtos biológicos são aqueles produzidos a partir de um organismo


vivo, como células de bactérias.

5.4 Comercialização

Quando um novo biofármaco é desenvolvido, a empresa normalmente solicita uma patente, que é
uma concessão de direitos exclusivos de fabricação. Esse é o principal meio pelo qual o desenvolvedor
do medicamento pode recuperar o custo de investimento para o desenvolvimento do biofármaco.
As leis de patentes nos Estados Unidos e na Europa diferem um pouco quanto aos requisitos para
uma patente, sendo os requisitos europeus considerados mais difíceis de satisfazer. O número total de
patentes concedidas para biofármacos aumentou significativamente desde a década de 1970. Em 1978,
o total de patentes concedidas era de 30. Esse número subiu para 15.600 em 1995 e, em 2001, havia
71
Unidade II

34.527 pedidos de patentes. Em 2012, os Estados Unidos tiveram a maior geração de IP (Propriedade
Intelectual) na indústria biofarmacêutica, gerando 37% do número total de patentes concedidas em
todo o mundo; no entanto, ainda há uma grande margem para crescimento e inovação no setor.
As revisões do sistema de IP atual para garantir maior confiabilidade para investimentos em P&D
(pesquisa e desenvolvimento) também é um tópico proeminente de debate nos Estados Unidos.

Os produtos derivados do sangue e outros produtos biológicos de origem humana, como o


leite materno, têm mercados altamente regulamentados ou de difícil acesso; portanto, os clientes
geralmente enfrentam uma escassez de fornecimento deles. As instituições que abrigam esses
produtos biológicos, designadas como “bancos”, muitas vezes não podem distribuir seus produtos aos
clientes de forma eficaz. Por outro lado, os bancos de células reprodutivas são muito mais difundidos
e disponíveis devido à facilidade com que os espermatozoides e os óvulos podem ser usados para o
tratamento de fertilidade.

5.5 Produção de biofármacos em cultura de células animais (hibridomas)

5.5.1 Cultura celular

A cultura de células envolve processos complexos de isolamento de células de seu ambiente


natural (in vivo) e subsequente crescimento em condição artificial em um ambiente controlado
(in vitro). Na primeira década do século XX, Ross Harrison desenvolveu as técnicas iniciais de cultura
de células in vitro.

Na verdade, no final do século XIX, Wilhelm Roux (1850-1924) demonstrou ser possível manter
células vivas (da placa neural de embriões de galinha) fora do corpo, em tampão salino, por alguns dias.
Ao mesmo tempo, Leo Loeb (1869-1959) conseguiu colocar em prática uma técnica que era conhecida
como “cultura de tecidos no corpo”. Ele colocou fragmentos de pele de embrião de cobaia em ágar e
soro coagulado, depois, os enxertou em animais adultos. Usando esse procedimento, Loeb obteve células
epiteliais em mitose. No entanto, a metodologia não foi considerada uma cultura clássica, pois envolvia
enxerto de tecidos e fluidos de animais vivos.

Em 1910, Montrose Burrows (1884-1947) visitou Harrison em Yale e adaptou o método de cultura
de células em uma gota em suspensão de forma a suprir as necessidades de seus próprios experimentos.
Burrows utilizou o plasma extraído de galinhas como meio de cultura. Este era muito mais fácil de
ser obtido e mais homogêneo em qualidade e, portanto, o processo de preparo acabava sendo mais
confiável. Então, com Alexis Carrel (1873-1944), no Rockefeller Institute for Medical Research, em Nova
York, eles estabeleceram culturas de células de tecidos embrionários e adultos (conjuntivo, periósteo,
cartilagem, osso, medula óssea, pele, rins e glândula tireoide) de muitas espécies (por exemplo, cão,
gato, galinha, porquinho-da-índia, rato) que podiam ser mantidas in vitro, devido ao “meio de cultura
de plasma” – plasma fresco oriundo da mesma fonte dos tecidos cultivados.

72
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Durante seus estudos, Burrows e Carrel avaliaram outros meios de cultura compostos de plasma
diluído com diferentes soluções de sal e soro. Usando meios complexos, eles foram capazes de
subcultivar e manter culturas por vários meses. Eles trabalharam não apenas com tecidos normais
de mamíferos adultos, mas com tecidos de células tumorais. Essas mudanças distinguiram as culturas de
Burrows e Carrel das de Harrison e lhes deram a ideia de uma cultura contínua. Dessa forma, eles
começaram novas culturas a partir das antigas, sem a necessidade de estabelecer culturas primárias
a partir dos tecidos. Os resultados obtidos por Carrel e Burrows foram publicados no Journal of the
American Medical Association em 1910, e o termo “cultura de tecidos” foi definido pela primeira vez
em 1911 como um meio plasmático inoculado com pequenos fragmentos de tecidos vivos. O termo
introduzido, “cultura de tecidos”, descreveu também o crescimento e a reprodução fora do corpo.

Atualmente, as culturas de células animais e humanas são ferramentas amplamente utilizadas


em muitos ramos da ciência. Diferentes variantes encontram aplicação como modelo de estudo de
doenças, na tecnologia da reprodução assistida, em pesquisa de células-tronco e câncer, na produção
de anticorpos monoclonais e proteínas terapêuticas e na medicina regenerativa.

Normalmente, o processo se inicia com uma cultura primária com o objetivo de atingir a confluência,
ou seja, a formação de uma monocamada de células em uma placa/frasco de cultura suplementado
com os nutrientes e fatores de crescimento necessários. Com a obtenção da confluência, as células são,
então, passadas ou subcultivadas da cultura primária para a secundária e, subsequentemente, para a
terciária, até que, em alguns casos, uma linhagem celular contínua seja estabelecida.

5.5.2 Cultura de células primárias

As células que foram retiradas diretamente de um corpo ou tecido são conhecidas como células
primárias. Elas podem ser obtidas por biópsia, cirurgia ou autópsia e cultivadas por um período finito
como culturas de células primárias.

Suponha que você tenha dado permissão para que uma amostra de suas próprias células fosse
coletada e cultivada em laboratório para fins de pesquisa. Seu médico faz a biópsia de determinado
tecido de seu corpo e estabelece uma cultura via explante. O explante corresponde ao fragmento
de tecido usado para iniciar a cultura de células. As células do explante devem ser separadas da matriz
extracelular, o que pode ser feito de maneira mecânica, macerando-as com auxílio de um almofariz e
pistilo ou por meio químico, digerindo-as com enzimas proteolíticas como a papaína, ou, ainda, pela
combinação das duas abordagens. Após a maceração/digestão, o tecido processado é colocado sobre
uma superfície de crescimento apropriada, coberto com meio de cultivo e incubado sem perturbações
por vários dias. Algumas células se desprendem dos amontoados de tecido, se aderem à superfície da
placa e começam a proliferar, conforme mostrado na figura a seguir.

73
Unidade II

Células primárias

Biópsia a partir do rim Seleção Células renais - cultura primária

Figura 18 – Estabelecimento de cultura primária. As células primárias extraídas de um órgão/tecido são utilizadas para
estabelecer uma cultura primária. Um explante, removido, por exemplo, de uma biópsia, é macerado e digerido com enzimas
para liberação das células de sua associação com os componentes da matriz extracelular (MEC). O tecido processado é
colocado em uma placa com meio de cultura para a proliferação celular. Quando o número de células se torna razoável, é
possível utilizar meios específicos para seleção das células desejadas. Na figura, é mostrado como uma cultura primária de
células renais pode ser estabelecida

Fonte: Kengla, Kidiyoor e Murphy (2017, p. 965).

Para acompanhar o desenvolvimento da cultura, utiliza-se um microscópio de luz ou contraste de


fase. As pilhas de tecido que ficam na vizinhança das células em crescimento devem ser gentilmente
removidas para evitar os efeitos adversos da degradação tecidual ou do produto da morte celular.
Quando o número de células se torna razoável, meios seletivos podem ser empregados para prevenir
o crescimento de tipos celulares indesejáveis. Lembre-se que o explante contém uma população
heterogênea de células representativas da área do tecido original.

À medida que a cultura se expande, esta pode ser transferida para novas placas. A passagem de
uma cultura significa que as células foram removidas (por meios químicos ou mecânicos) de um
recipiente de cultura e colocadas em um novo. Quando uma cultura primária é transferida uma vez,
a nova resultante é chamada de secundária, e esta representa a segunda passagem (p2).

74
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Tripsinização
(passagem das células de uma placa
confluente para uma nova placa)

Cultura secundária
(p2)

Cultura primária
(confluente)
Durante a tripsinização, interações das células
em cultura com a MEC, com a placa e com outras
células são desestabilizadas. Assim, partes delas
podem ser transferidas para outra placa
Crescimento até
atingir confluência 2
Tripsinização

Cultura terciária
(p3)

Cultura secundária
(confluente)
Ciclos de tripsinização finitos
Crescimento até
atingir confluência 5
4

Cultura terniária Depois de múltiplas


(confluente) passagens sequenciais,
a cultura entra em
senescência

Figura 19 – Subcultivo. A cultura primária pode ser subcultivada, por exemplo, quando, em dado momento, as células se
expandirem por toda a área de uma placa (confluência). Para isso, é necessário desestabilizar as interações das células
aderidas com a MEC, com a placa e, ainda, com outras células. Proteases como a tripsina podem ser usadas para esse
fim. A tripsinização permite a desadesão das células, que acabam se desprendendo do substrato e perdendo seu formato
característico em cultura (ficam circulares). Parte das células são replaqueadas, configurando a cultura secundária (ou
cultura de segunda passagem). As interações entre as células e a nova placa começam a ser reestabelecidas à medida
que a célula se adere ao substrato. Tal procedimento pode ser repetido um número limitado de vezes, pois essas células
apresentam capacidade de proliferação em cultura limitada (as células entram em senescência)

Fonte: Williams (2009, p. 5901).

O tempo de vida finito é a principal limitação do uso de células primárias, pois impede que um número
suficiente delas seja alcançado para aplicações práticas, dificultando a funcionalidade de longo prazo

75
Unidade II

dessas culturas. Algumas abordagens para resolver esse problema envolvem a imortalização das células
primárias – processo que acontece quando a célula é capaz de se proliferar em um número ilimitado
de vezes. In vivo, esse fenômeno favorece a transformação maligna das células normais, corroborando
o desenvolvimento do câncer. No entanto, nos laboratórios, serve como ferramenta para aumentar o
tempo de vida útil da célula em cultura.

Células imortalizadas, como células cancerosas ou algumas linhagens estabelecidas, muitas


vezes, têm um agente chamado telomerase. A telomerase é uma enzima que adiciona sequências
teloméricas nas extremidades dos cromossomos cada vez que a célula se divide. No entanto,
nem todas as células imortalizadas expressam telomerase. Algumas contornam o problema de
encurtamento dos telômeros por uma via independente da telomerase conhecida como alongamento
alternativo dos telômeros (ALT). Tem sido mostrado que o mecanismo de alongamento dos telômeros
pode ser alternado entre um mediado pela telomerase (telomerase-positivo), e outro, em que a enzima
não esteja presente (telomerase-negativo). No entanto, uma regra geral normalmente é utilizada:
células somáticas, que possuem capacidade de replicação limitada, não apresentam telomerase,
enquanto células imortalizadas têm essas enzimas ativas.

O assunto do encurtamento do telômero foi bastante relevante para o caso da ovelha Dolly.
A despeito de ter sido o primeiro grande animal resultante de uma clonagem bem-sucedida, ela
viveu apenas seis anos. Ao nascimento aparentava ser uma ovelha comum, mas Dolly envelheceu
rapidamente. A razão para isso foi que o DNA da célula somática usada para clonar Dolly já tinha
passado pelo encurtamento dos telômeros. É como se aquele relógio celular já marcasse certo
número de divisões. Nas células reprodutivas, em contrapartida, esse relógio marca zero, e só começa
a contar a partir das replicações do zigoto. Assim, sabemos que as células diferenciadas apontam
horas tardias. Quando o DNA da célula somática usado para clonagem nuclear foi transferido para o
ovócito anucleado, embora o ovócito possa ser considerado uma célula “nova”, o material genético
nele transplantado já havia sofrido algum envelhecimento. Quando Dolly começou a crescer e se
desenvolver e suas células continuaram a se dividir, no entanto, elas continuaram a envelhecer do
ponto em que a célula somática original fora coletada.

5.5.3 Células tumorais

Existem dois fatores principais que determinam se uma célula é considerada somática “normal” ou
tumoral: mortalidade e inibição de contato. Acabamos de discutir que a mortalidade nessas células
consideradas “normais” pode ser induzida quando estas atingem um número máximo de divisão, que
ainda permite estabilidade genômica. As células tumorais, que, por sua vez, apresentam telomerase
ou alguma via alternativa ativada que permite a conservação do tamanho dos telômeros, assumem
potencial de imortalidade. No entanto, é preciso avaliar com cautela essa informação. Por exemplo, as
células-tronco embrionárias, que veremos em mais detalhes posteriormente, podem se proliferar por
períodos mais longos em cultura, porém essa característica não as qualifica como células tumorais.

76
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Células normais

Telômero

Cromossomo

Apoptose
Células tumorais

Telomerase
alongando a
extremidade do
cromossomo

Figura 20 – Imortalidade replicativa. As células tumorais geralmente exibem um aumento na atividade


da telomerase, o que as ajuda a se tornarem imortais, isto é, exibem a capacidade para se dividir
indefinidamente, desde que os requisitos nutricionais e de concentração de O2 sejam cumpridos. Nas
células “normais”, os telômeros não são restaurados a cada divisão e, por isso, apresentam-se números
finitos de replicações

Fonte: Mouche e Pedeux (s.d., p. 5).

Esclarecido que as células-tronco são distintas das tumorais, vamos entender agora o que seria o
segundo fator, a inibição de contato. Uma célula somática típica, em condições de cultura adequadas,
irá crescer, se dividir, e, eventualmente, migrar até que faça contato com outra célula ou com as bordas
da própria placa de cultura. À medida que mais células ocupam a placa, aumenta a probabilidade de
estas fazerem contato umas com as outras. Eventualmente, a célula ficará circundada por todos os
lados com outras células e/ou com as bordas, formando uma monocamada. Nesse momento, estas
param de migrar e de proliferar, mantendo a organização da monocamada. Se fôssemos avaliar a curva
de crescimento das células em monocamada, a cultura teria atingido a fase de platô, não por falta de
nutrientes, mas por falta de espaço. Circunstâncias semelhantes ocorrem em culturas tridimensionais (3D)
e no próprio corpo, e ajudam a explicar o porquê de normalmente não apresentarmos grandes massas
de tecido que crescem continuamente fora de nós.

Em contrapartida, uma célula tumoral é imortal e não é inibida por contato. Em uma cultura
bidimensional, após formar uma monocamada, e às vezes antes disso, as células tumorais começam
a crescer umas sobre as outras. Elas podem formar uma segunda camada ou crescer verticalmente,
ramificando-se e adquirindo uma estrutura que se parece com um cogumelo, uma bola ou uma
77
Unidade II

corrente. Essas estruturas podem se quebrar e liberar pequenos agregados de células vivas, que podem,
por sua vez, ser realocadas para outra área a fim de estabelecer uma nova colônia de células. Essa é uma
característica bastante comum entre culturas de células tumorais metastáticas.

O crescimento das células normais Várias camadas são formadas após


é inibido pelo contato, o que leva à proliferação de células tumorais em
formação da monocamada cultura. A proliferação não é inibida
pelo contato

Figura 21 – Padrão de crescimento das células tumorais em cultura. As culturas primárias formam
monocamadas nas placas, pois a proliferação celular é inibida pelo contato entre as células. As
culturas de células tumorais podem formar várias camadas. As células podem crescer verticalmente
e formar estruturas semelhantes a cogumelo, bola ou corrente. Células tumorais são capazes de
proliferar indefinidamente, e o crescimento não é inibido pelo contato

Fonte: Mouche e Pedeux (s.d., p. 9).

5.5.4 Linhagens celulares

As linhagens celulares são criadas no laboratório para exibir as principais características de uma
célula tecido-específica e, ao mesmo tempo, serem imortalizadas. As linhas celulares são de grande
valor porque permitem o estudo de células específicas sem a necessidade de retornar ao mesmo doador
repetidamente, conforme atingem a senescência. Elas também funcionam como uma fonte inesgotável
de células que podem ser usadas em vários laboratórios em todo o mundo, com pouca variação
entre culturas.

Elas podem ser produzidas de várias maneiras. Uma cultura primária que foi submetida a diversas
passagens pode espontaneamente passar por mudanças decorrentes desse cultivo. Eventualmente,
uma ou mais das células em cultura passarão por transformação, que consiste na mudança de uma
célula mortal para uma imortal. A transformação de uma célula no corpo pode significar câncer para
o indivíduo, mas a transformação de uma célula em cultura pode refletir o estabelecimento de uma
linhagem celular imortalizada. Como as células de uma cultura primária possuem limitação em relação
ao número de vezes que podem se replicar, é relativamente fácil identificar as células transformadas
conforme o número das passagens aumenta. As células que não se transformaram acabam se tornando
senescentes ou sofrem apoptose, enquanto aquelas transformadas sobrevivem.

Assim, em culturas de células, a transformação pode ocorrer espontaneamente, e o estabelecimento


de populações imortais foram observadas em muitos laboratórios desde o início dos anos 1940 até

78
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

o início dos anos 1960. Células imortais surgem espontaneamente de células normais, e culturas de
células murinas são especialmente propensas a esse processo.

Outra forma de estabelecer uma linhagem celular é por explante de uma biópsia de um câncer.
Nesses casos, as células já foram transformadas in vivo e são apropriadamente chamadas linhagens
celulares tumorais. A primeira linhagem de células humanas é conhecida como HeLa. Ela foi derivada de
um câncer de colo de útero de uma paciente conhecida como Henrietta Lacks.

Uma linhagem celular também pode ser estabelecida por meio da fusão de uma célula primária
com uma célula tumoral. A fusão pode ser realizada, por exemplo, colocando as células em contato
umas com as outras em polietilenoglicol e administrando corrente elétrica para causar perturbação
da membrana (hibridoma). Quando a corrente é interrompida, ocorre a fusão permanente de suas
membranas plasmáticas. Muitas células irão morrer como resultado desse protocolo, mas, em teoria,
é necessário que apenas uma delas sobreviva para se iniciar uma nova linhagem celular. Tal protocolo
tem como objetivo conseguir manter as características específicas de uma célula primária e a
imortalidade das células tumorais. No entanto, a formação do hibridoma leva à formação de células
com quantidade de cromossomos bastante variável, o que pode ter implicações consideráveis em
um estudo. Assim, a maioria das tentativas de fundir duas células não produz uma célula híbrida
viável. Quando uma célula viável é produzida, não carregará consigo todas as propriedades da
célula somática-mãe. Essa é uma grande desvantagem de usar essa estratégia para a criação de
linhagens de células.

O tempo de vida finito é a principal limitação do uso de células primárias. Algumas abordagens para
resolver esse problema envolvem a introdução de genes virais ou de pequenas moléculas para induzir a
proliferação celular e prevenir a senescência. Por exemplo, a linhagem celular HK-2 (human kidney 2),
tão popular quanto a HeLa, é derivada de células renais adultas normais. Foi estabelecida a partir da
cultura de células do túbulo proximal modificadas pela inserção dos genes E6/E7 do papilomavírus
humano (HPV 15). Os produtos proteicos desses genes são capazes de interagir com proteínas que
regulam o ciclo celular, como a p53 e a pRb, que atuam como supressoras de tumores, estimulando a
divisão. A linhagem HK-2 mantém algumas características do fenótipo das células do túbulo proximal,
como a produção de adenilato ciclase em resposta ao hormônio da paratireoide ao mesmo tempo em
que são irresponsivas ao hormônio antidiurético.

Então, as culturas de células podem ser seres transformados por vírus oncogênicos, como HPV e SV40,
mas outros mecanismos, como por radiação e carcinógenos químicos, também são bastante usados.
Para aplicarmos o que aprendemos sobre o limite de Hayflick, este mesmo pesquisador definiu o termo
imortalidade como uma forma de vida capaz de sobrevivência indefinida em condições em que nenhuma
mudança ocorreu na composição molecular de algum começo arbitrário. No quadro a seguir estão
destacadas as primeiras linhagens celulares estabelecidas, bem como os autores responsáveis por elas.

Embora as linhas de células sejam uma ótima ferramenta para pesquisa, os dados obtidos com elas
devem ser considerados com cautela, uma vez que não são capazes de mimetizar muitas das interações
complexas que acontecem dentro de um organismo.

79
Unidade II

Quadro 4 – Linhagens celulares comumente usadas

Nome Espécie e tecido Morfologia Autor e origem


Tecido conjuntivo de
L929 Fibroblasto Earle (1948)
camundongo
HeLa Colo uterino humano Epitelial Gay (1951)
CHO Ovário de hamster chinês Semelhantes a células epiteliais Puck (1957)
MDCK Rim canino Epitelial Madin e Darby (1958)
WI‐38 Pulmão humano Fibroblasto Hayflick (1961)
BHK‐21 Rim de hamster da Síria Fibroblasto Macpherson e Stoker (1961)
Vero Rim de macaco verde africano Epitelial Yasumura e Kawakita (1962)
NIH 3T3 Embrião de camundongo Fibroblasto Todaro e Green (1962)
MCR‐5 Pulmão humano Fibroblasto Jacobs (1966)
SH‐SY5Y Neuroblastoma humano Neuroblasto Biedler (1970)

5.6 Produção de fármacos

Um exemplo de biofármacos são os hibridomas. Hibridomas são linhagens celulares que foram
construídas para produzir determinado anticorpo (imunoglobulina) em quantidades infinitas.

Algum animal, possivelmente camundongos (principalmente da linhagem Balb/c), é inoculado com


determinado antígeno de duas a três vezes com intervalos de 14 dias. Após cerca de 45 dias da primeira
inoculação, ocorre sangria para analisar a mistura de anticorpos monoclonais (monoclonais, pois
foi inoculado apenas um antígeno) presentes no soro, cada um dos anticorpos reconhecendo uma parte
(chamada epítopo) desse antígeno. A diferença em relação ao anticorpo policlonal é que, no último,
seriam diferentes epítopos de uma mistura de diferentes antígenos.

Se o procedimento tiver sucesso, células B produtoras de linfócitos, que são produtores de anticorpos,
são isoladas do baço, colocadas no mesmo local (placa de Petri), onde crescem células de mieloma da
linhagem Sp2/0-Ag14 (ATCC CRL 1581 – desenvolvidos por Köhler e Milstein, em 1976), que são tumores
de linfócitos B ativados, com plasmócitos que crescem continuadamente.

Essas células de mieloma não secretam uma enzima HGPRT (do inglês, Hypoxanthine-guanine
phosphoribosyltransferase) nem anticorpos. Com a adição de polietilenoglicol ao meio de cultura, essas
células se fundem e formam o hibridoma, reproduzindo-se em cultura indefinidamente.

O meio de cultura que se coloca para o crescimento do hibridoma é o meio de cultura HAT (contém
hipoxantina, aminopterina e timidina – substâncias usadas para a fabricação de DNA pelas células).
Como as células de mieloma não têm a enzima HGPRT, não poderão fazer seu DNA e morrem nesse
meio. Os linfócitos B normais não conseguem sobreviver em meio de cultura além de uma a duas
semanas e morrem, mas, caso se unam, as células híbridas seguem imortais, pois apresentam o gene
para HGPRT do linfócito B. Após essa etapa, haverá a seleção dos hibridomas, pois cada um irá produzir
um tipo de anticorpo contra determinado epítopo do antígeno, sendo escolhido aquele que possui

80
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

melhor especificidade e avidez (força de ligação entre o antígeno e o anticorpo), podendo ser separados
por ensaios de radioimunoensaio (RIA) ou ensaio enzimático de imunoabsorção (ELISA).

6 NANOTECNOLOGIA: FUNDAMENTOS E APLICAÇÕES

O físico norte-americano Richard Feynman, em 1959, apresentou uma palestra com o título “There is
plenty of room down there – an invitation for a new field of Physics” (Há mais espaços lá embaixo – um
convite para um novo campo da física), onde usou a palavra “nanotecnologia” pela primeira vez e, por
isso, é chamado o pai da nanotecnologia. Nessa palestra, explicou que, com a ajuda da engenharia na
escala atômica, seria possível manipular os átomos para construir novos materiais. Feynman recebeu o
Prêmio Nobel de Física em 1965, pelos seus estudos sobre eletrodinâmica quântica.

O termo “nanotecnologia” ficou mais popular com a apresentação de Eric Dexler (1986) no livro Engines
of creation – the new era of nanotechnology (Máquinas de criação – a nova era da nanotecnologia).
A nanociência se relaciona com o estudo, em escala nanométrica, do comportamento de átomos,
moléculas e estruturas. Junto a ela, há a nanotecnologia (N&N = nanociência e nanotecnologia),
que se baseia no uso da nanociência para a produção de sistemas que trabalham com objetos entre
1 e 100 nanômetros, englobando física (instrumentação e física quântica), química (estrutura atômica
dos materiais), ciências da computação e nanossistemas) e biologia (processos biológicos e fármacos).

Escala
nanométrica

DNA

Anticorpo Célula
humana
Ouro
coloidal

1Å 5 nm 20 nm 1 µm

1 nm 10 nm 100 nm 10 µm

Molécula
de água
Proteína Vírus

Bactéria

Figura 22 – Esquema mostrando as substâncias e seus tamanhos, todas na escala nanométrica

Fonte: Apolinário et al. (2020, p. 213).

81
Unidade II

Saiba mais

Em 1989, o físico norte-americano Donald Eigler e seus colaboradores


chocaram o mundo quando apresentaram o logotipo da empresa de
computadores IBM (International Business Machines) sobre uma superfície
de níquel utilizando 35 átomos de xenônio. A letra I da sigla era formada por
9 átomos e possuía aproximadamente 5 nm, mostrando o desenvolvimento
da nova tecnologia de ponta: a nanotecnologia.

Para saber mais, leia MARQUES, E. F. Da nanociência à nanotecnologia.


Revista de Ciência Elementar, v. 2, n. 3, p. 58, 2014. Disponível em:
https://cutt.ly/0PSO41C. Acesso em: 4 jan. 2022.
Nanotecnologia é assim chamada por ter como base o uso do nanômetro, unidade de medida
que equivale a um bilionésimo do metro, ou seja, 1 nanômetro (nm) equivale a 0,000000001 m. Para
trabalhar nessa escala tão pequena, são necessários equipamentos e pessoas altamente treinadas
para esse grau de precisão. Com seu uso, aprimora-se cada vez mais a habilidade de manipular átomos,
criando materiais inovadores, como o grafeno.

Observação

O grafeno é a camada extremamente fina de grafite produzida por


nanotecnologia, 200 vezes mais resistente do que o aço, porém mais leve,
extremamente fino, transparente, elástico, com alta condutividade térmica
e elétrica que será usado no campo do agronegócio (impermeabilização e
vedação de telhados e silos de armazenagem de grãos), na indústria
têxtil (roupas inteligentes, conforto e isolamento térmico, resistência
e impermeabilidade), no meio ambiente (desintoxicação de água), em
eletrônicos (potencializar baterias de celular, energia solar e carros) e
alimentos (papel antibactérias).
O Brasil, até o momento, tem uma das maiores reservas do mineral
grafite e a maior fábrica de produção de grafeno em escala industrial da
América do Sul, UCSGRAPHENE, localizada em Caxias do Sul (RS), com
capacidade de produzir até cinco mil quilos com alta qualidade por ano.

A nanociência envolve a nanotecnologia que pode trabalhar com nanorobôs (processadores


extremamente pequenos) guiados para células mais profundas, que provavelmente não seriam atingidas
por substâncias presentes em uma injeção endovenosa e muito menos por medicamentos via oral,
otimizando a função do medicamento com menores efeitos colaterais para o paciente. É o que acontece
com os nanorobôs de DNA, que podem chegar às células doentes na medula óssea (leucemia) e com
sinais específicos podem induzi-las à autodestruição, sem que as sadias sejam afetadas.
82
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Saiba mais

No filme de ficção Bloodshot, Vin Diesel possui nanorobôs regenerativos


por todo o corpo, tornando-o praticamente imortal quando leva tiros ou
cai de prédios.

BLOODSHOT. Direção: Dave Wilson. Estados Unidos: Sony Pictures,


2020. 110 min.

O tratamento do câncer tem sido um dos alvos mais estudados pela nanotecnologia, pois acredita-se
que mudará o conceito de quimioterapia, tornando-a menos invasiva e evitando que o paciente fique
tão debilitado. Um exemplo são as nanostars, nano partículas com formato de estrela produzidas em
ouro que são direcionadas às células cancerígenas.

A nanofarmacologia ou nanotecnologia farmacêutica tem como alvo o uso da nanotecnologia


para melhoria do aproveitamento dos medicamentos pelo corpo humano. A drug delivery (entrega
de medicamentos) é um dos pontos mais importantes da nanofarmacologia, pois, além de tornar o
medicamento sítio específico, o transporta pelo corpo, mantendo a estabilidade e os níveis plasmáticos
constantes, previne a degradação do corpo e aumenta sua eficácia terapêutica. Além disso, a possibilidade
de formular a liberação controlada leva à diminuição da dose terapêutica e da toxicidade, por diminuir
a concentração máxima plasmática.

Os tipos de nanoestruturas mais utilizadas pela indústria farmacêutica são apresentados na figura
a seguir.

Lipossoma Nanocápsulas
Micelas
Nanopartículas NLS
metálicas CLN
1943 1978 1993 1994 1999

1857 1965 1990 1993 1996 2002

Dendrímero Nanoesfera
Microemulsão Polimerossoma
Nanoemulsão

Figura 23 – Principais tipos de nanocarreadores organizados por ordem cronológica de desenvolvimento.


NLS = nanocarreador lipídico sólido; CLN = carreador lipídico nanoestruturado

Fonte: Apolinário et al. (2020, p. 215).

Esta tecnologia pode ser usada na desobstrução de coágulos sanguíneos no cérebro de forma menos
invasiva, na reconstrução de tecidos humanos, a fim de minimizar a rejeição pelo organismo, e na
83
Unidade II

área de diagnóstico ultrassensível, com a ajuda de novos equipamentos que prometem a detecção
de metabólitos ou vírus específicos em questão de segundos, resultando em rapidez e eficácia dos
procedimentos, além de aprimorar a qualidade de exames de imagem e – como já explicado – de
tratamentos menos invasivos e mais precisos.
Quanto aos equipamentos que usam nanopartículas (NPs) como matéria-prima de fabricação,
podemos citar seringas, bisturis, produtos de linha têxtil e equipamentos hospitalares que usam óxido
de zinco e prata (nanoprata) em sua produção. Além de vários benefícios, já foi demonstrado que o
crescimento de contaminantes não ocorre, sendo por isso usadas em processos de descontaminação de
ambientes hospitalares, de materiais médicos e cirúrgicos.
Como as nanopartículas insolúveis podem se locomover sem problemas entre as células e se
acumular no cérebro ou no interior de outros órgãos, como os pulmões e o fígado, não importando
a forma farmacêutica (caso sejam inaladas como aerossóis ou ingeridas como cápsulas), a área da
nanotoxicologia estuda os riscos dos efeitos nocivos ao meio ambiente e à saúde, tentando resolver esse
impasse da decorrência da exposição aguda ou crônica de forma segura.

Nanopartículas internalizadas Cérebro (doenças neurológicas:


nas células Parkinson, Alzheimer)

Mitocôndria Nanopartículas inaladas


Núcleo
Citoplasma
Pulmão (asma, bronquite,
Membrana enfisema, câncer)
Vesículas
lipídicas
Sistema (aterosclerose, vasoconstrição,
circulatório trombos, hipertensão)
Ingestão de
nanopartículas

Coração (arritmia, doença cardíaca,


morte)
Sistema
gastrointestinal
(doença de Crohn,
câncer de cólon) (doença de etiologia
Outros orgãos desconhecida em rins, fígado)

Implante ortopédico e Sistema (podoconiose,


desgaste por partículas linfático sarcoma de Kaposi)

(doença autoimune,
dermatite, urticária, vasculite) (doença autoimune,
Pele dermatite)

Figura 24 – Possíveis locais de penetração das nanopartículas,


órgãos afetados e possíveis doenças associadas

Fonte: Buzea, Blandino e Robbie (2007, p. 223).

84
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

No primeiro workshop internacional em nanomedicina organizado pela EMA, em 2010, o FDA


discutiu a garantia e a qualidade desses nanoprodutos, no que diz respeito à sua potência e segurança,
enquanto a EMA discutiu riscos ligados à estabilidade desses produtos.

No Brasil, em 2014, foi instituído o Comitê Interno de Nanotecnologia (CIN), ligado à anvisa, que
coordena análises e avaliação de risco, normas, segurança do produto e processos sobre a área da
nanotecnologia, bem como realiza políticas regulatórias nesse sentido.

Com enfoque nas indústrias automotiva e aeronáutica, as nanopartículas são materiais mais leves
que podem ser usados na fabricação de pneus mais leves, recicláveis e de longa duração, tintas que não
riscam e são autolimpantes, plásticos não inflamáveis e mais baratos, e novos tipos de baterias de longa
duração e fáceis de recarregar.

Biossensores chamados “línguas e narizes eletrônicos”, usados em controle de qualidade de


alimentos e cosmética, são empregados na área da nanocosmecêutica ou nanotecnologia cosmética
e dérmica, cuja tecnologia supera os cosméticos convencionais, principalmente na manufatura de
protetores solares, cremes antirrugas, xampus e condicionadores, bem como de desodorantes com
nanocomponentes que têm maior penetração e espalhamento em pele ou cabelos.

6.1 Aplicação da nanotecnologia no desenvolvimento de vacinas

Milhares de anos atrás, percebeu-se que indivíduos que sobreviviam da infecção pela varíola eram
imunes a infecções subsequentes. A partir dessas observações, na China, no século X, originou-se a
prática de inocular indivíduos com material infeccioso das pústulas de varíola de pessoas infectadas,
técnica que ficou conhecida como variolação. Esse material infeccioso era injetado na pele ou introduzido
pela rota nasal. A infecção que se desenvolvia era geralmente mais branda, mesmo assim, a prática
não era livre de riscos. Algumas vezes, infecções fatais ocorriam, e como a varíola era contagiosa, as
infecções induzidas pela variolação poderiam levar a epidemias. Mesmo assim, a prática da variolação
para prevenção da varíola se disseminou para outras regiões, como Índia, África e Europa.

Como visto anteriormente, apesar de a variolação ter sido praticada por séculos, o médico inglês
Edward Jenner (1749-1823) é geralmente creditado pelo desenvolvimento do processo moderno de
vacinação. Jenner observou que o gado leiteiro desenvolvia uma doença semelhante à varíola, mas
muita mais branda. E, ainda, as camponesas que faziam a ordenha desse gado não desenvolviam a
forma severa da varíola. A partir disso, Jenner hipotetizou que a exposição a um patógeno menos
virulento poderia proporcionar proteção imune contra uma forma mais virulenta, sendo, portanto, uma
alternativa mais segura do que a variolação. Isso levou Jenner a testar sua hipótese pela obtenção de
amostras de uma lesão ativa de uma camponesa, que foi infectada pela varíola bovina, e injetar esse
material em um menino de 8 anos (nessa época, ainda não se discutiam aspectos éticos de pesquisa).
O menino desenvolveu uma infecção branda, com febre baixa, um desconforto na axila e perda de
apetite. Quando o menino foi infectado posteriormente com material infeccioso da varíola humana,
não desenvolveu a doença. Essa nova estratégia foi denominada vacinação, um nome derivado do uso
da varíola bovina (da palavra vacca, em latim).

85
Unidade II

O sucesso da vacinação de Jenner contra a varíola levou outros cientistas a desenvolverem vacinas
para outras doenças. Talvez o mais notável tenha sido Louis Pasteur, que desenvolveu vacinas contra
raiva, cólera e antraz. Nos séculos seguintes, diversas outras vacinas foram desenvolvidas contra doenças
causadas por vírus (caxumba, hepatite, sarampo, poliomielite e febre amarela) e bactérias (difteria,
pneumonia pneumocócica e tétano).

Além disso, é importante enfatizar que muitas vacinas podem prevenir certos cânceres. Por exemplo,
as vacinas contra o papilomavírus humano (HPV) protegem contra carcinoma cervical e a vacina contra
hepatite B tem um enorme impacto na redução do câncer de fígado induzido por esse patógeno.
A primeira vacina contra o HPV se tornou disponível em 2006, e atualmente diversos países a incluem em
sua rotina de vacinações, pelo menos para as meninas. O HPV é praticamente o único agente etiológico
do carcinoma cervical. Obviamente, ao se reduzir o número de infecções por HPV através da vacinação,
também haverá impacto sobre o número de mulheres que desenvolvem esse câncer.

Diferentemente de remédios, vacinas são usadas com a proposta de prevenir doenças. As vacinas são
ótimas ferramentas porque não previnem apenas infecções nas pessoas vacinadas, mas as complicações
que poderiam ser resultantes da doença. Além disso, se uma pessoa não contrai uma doença, não
transmitirá a outros indivíduos.

Dessa forma, as vacinas são capazes de eliminar a transmissão da doença em uma população que
desenvolveu imunidade de rebanho. Para algumas doenças, como a varíola, a imunidade de rebanho é
atingida quando pelo menos 90% a 95% da população é vacinada e a transmissão da doença é parada
em toda a população. Essa porcentagem pode variar dependendo da patogenicidade e da infectividade
de determinado agente etiológico.

Saiba mais

Com o propósito de conhecer com mais detalhes a imunidade de


rebanho, acesse:

INSTITUTO BUTANTAN. Imunidade de rebanho. São Paulo, [s.d.].


Disponível em: https://cutt.ly/1ULXy9k. Acesso em: 9 dez. 2021.

6.1.1 O que é vacina?

Vacina é uma formulação farmacêutica administrada para prevenir doenças causadas por
patógenos infecciosos. Vacinas que tratam doenças também existem, e falaremos um pouco sobre
elas posteriormente.

O objetivo da administração de uma vacina é mimetizar uma infecção, gerando resposta do sistema
imune adaptativo e formação de memória, sem, entretanto, causar doença. Dessa forma, se o agente

86
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

patogênico infectar um indivíduo que foi previamente vacinado, haverá uma resposta rápida e potente
de seu sistema imunológico, eliminando o patógeno antes que ele cause a doença.

Para mimetizar artificialmente a resposta imunológica induzida por uma infecção natural, as vacinas
precisam ativar tanto a imunidade inata quanto a imunidade adaptativa. As respostas inatas iniciarão
o processo, bem como influenciarão a natureza da resposta imune adaptativa induzida. A indução de
memória imunológica específica ao patógeno-alvo é essencial para a eficácia da vacina.

Estudos recentes indicam que as respostas imunes inatas induzidas pela vacinação ou pela infecção
primária possuem características semelhantes à memória, que pode exercer imunidade protetiva contra
infecções subsequentes. Isso ocorre via imunidade treinada, mecanismo que diferente da imunidade de
memória e da imunidade adaptativa.

Uma vacina eficaz é aquela que induz uma resposta imune sem causar doença. Dessa forma, as
vacinas agem induzindo efetores imunes. Os melhores efetores imunes conhecidos são os anticorpos
produzidos pelos linfócitos B.

E por que os anticorpos são tão importantes?

A maioria dos vírus e bactérias percorre a corrente sanguínea antes de atingir seus
tecidos‑alvo. Na circulação sanguínea, eles se replicam, causando viremia ou bacteremia. Nesse
estágio, patógenos extracelulares podem ser neutralizados pelos anticorpos circulantes. Outros
patógenos se replicam na mucosa e podem ser neutralizados pela presença de anticorpos locais.
Esses anticorpos de mucosas podem ser IgA, localmente produzido, ou IgG, que se difundiu a
partir do soro. A resposta imunológica contra o vírus influenza é um exemplo desse mecanismo
de proteção.

Em geral, anticorpos se ligam diretamente ao patógeno. No caso dos vírus, a replicação é


prevenida pelo bloqueio de sua entrada nas células-alvo. Anticorpos podem interferir principalmente
com a ligação do vírion (a forma infecciosa do vírus) ao receptor, na célula. No caso da bactéria, a
ligação do anticorpo pode bloquear diretamente a colonização. Patógenos que exercem seus efeitos
através da produção de toxinas podem ser neutralizados por anticorpos antitoxina. Vários outros
mecanismos aumentam o potencial dos fagócitos para ingestão e destruição de bactérias. Bactérias
extracelulares podem sofrer opsonização ou aglutinação, o que facilita sua eliminação. A ligação de
anticorpos aos patógenos também pode ativar o sistema complemento, o que levará à eliminação
dos patógenos pelos fagócitos. Os anticorpos também podem se ligar a células infectadas. As células
infectadas geralmente expressam proteínas em sua superfície. Os anticorpos circulantes podem se
ligar a essas proteínas. As células NK reconhecem e matam essas células recobertas por anticorpos.
Um resumo sobre o papel dos anticorpos pode ser encontrado na figura a seguir.

87
Unidade II

Neutralização Opsonização

Recrutamento de proteínas do complemento por anticorpos


Vírus Anticorpo
Proteínas do Complexos antígeno
complemento e anticorpo ativam a
via clássica do sistema
Vírus inativado complemento
Bactéria

Bactéria
Célula infectada
por vírus
Fagócitos reconhecem
anticorpos na superfície
Anticorpos se ligam e de bactérias
inativam vírus e toxinas
Fagócito

Figura 25 – Resumo do papel dos anticorpos na resposta imune. Os anticorpos atuam na


neutralização de patógenos e em sua opsonização. A opsonização favorece a fagocitose dos
patógenos pelos fagócitos e é capaz de ativar a via clássica do sistema complemento

6.1.2 Tipos de imunização

A imunização pode ser derivada de meios ativos ou passivos, que, por sua vez, podem ser de fontes
naturais ou artificiais. Fontes naturais são, por exemplo, exposição ao ambiente, humanos e animais. Por
outro lado, fontes artificiais são decorrentes de intervenções médicas.

A imunização passiva ocorre quando há transferência de anticorpos pré-formados para um indivíduo


não imunizado. Esse indivíduo desenvolveria, então, uma imunidade temporária a um organismo
específico ou toxina em decorrência da presença desses anticorpos pré-formados. Uma vez que
esses anticorpos tenham sido destruídos, o indivíduo não terá mais imunidade específica contra esse
microrganismo ou toxina.

A imunização passiva pode ocorrer tanto natural quanto artificialmente. Exemplos de imunização
passiva natural incluem a passagem de anticorpos maternos através da placenta para o feto ou de
anticorpos para o bebê através do leite materno.

Exemplos de imunização passiva artificial incluem a administração de soro antiofídico para neutralizar
a toxina do veneno da cobra. A imunização passiva, portanto, não gera memória imunológica. Falaremos
adiante sobre o processo de produção de soros.

A imunização ativa também pode ocorrer tanto natural quanto artificialmente. Um exemplo
excelente de imunização ativa natural é a exposição ao vírus influenza, após a qual o corpo inicia um
processo de desenvolvimento de uma imunidade de longo prazo ao vírus. Exemplos de imunização ativa
artificial incluem as vacinas.

88
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

6.1.3 Tipos de vacina

Atualmente, existe uma variedade de tipos de vacina em uso ou em desenvolvimento para prevenção
de doenças infecciosas. Sob condições ideais, as vacinas devem estimular o sistema imune inato e os dois
braços do sistema imune adaptativo. Entretanto, cada tipo de vacina possui vantagens e desvantagens
que podem afetar a estimulação do sistema imune e, dessa forma, limitar sua utilização.

Primeiramente, vacinas de patógenos vivos atenuados, como as do sarampo, da caxumba e da


catapora, contêm versões enfraquecidas dos agentes patogênicos originais. Portanto, elas produzem
uma resposta celular forte e tipicamente geram imunidade de longo prazo com uma ou duas
doses da vacina.

Em geral, é menos difícil criar vacinas vivas atenuadas a partir de vírus do que de bactérias, pois vírus
possuem menos genes e, portanto, é mais fácil controlar as características virais. Tipos mais recentes de
vacinas vivas atenuadas são aquelas nas quais as proteínas da membrana externa foram alteradas para
se ajustarem às cepas circulantes do patógeno. Elas são chamadas vacinas vivas remontadas. Entre os
exemplos, temos as vacinas orais, atualmente usadas contra o rotavírus.

Entretanto, uma vez que essas vacinas contêm microrganismos vivos, a refrigeração é necessária
para evitar reversão de virulência, que é uma possibilidade. Dessa forma, vacinas vivas não podem ser
administradas a indivíduos que possuem o sistema imune enfraquecido.

As vacinas inativadas, como as que combatem o vírus influenza, são produzidas pela destruição do
agente patogênico com químicos, calor ou radiação. Essa inativação dos microrganismos faz com que a
vacina seja mais estável. Tais vacinas não requerem refrigeração e podem ser liofilizadas para transporte.
Entretanto, elas produzem respostas imunes mais fracas e, portanto, a administração de doses de reforço
é necessária para manter a imunidade.

89
Unidade II

Recepção e controle
dos ovos embrionados

Inoculação e incubação

Colheita do líquido alantoico

Clarificação e
concentração do vírus

Purificação

Fragmentação e inativação viral

Filtração esterilizante

Suspensão monovalente

Formulação e envase

Vacina influenza trivalente

Figura 26 – Esquematização do processo de produção de vacinas de vírus inativados (por exemplo, a vacina contra
influenza). Os vírus vivos são inoculados em ovos embrionados de galinha. Os ovos são colocados em incubadora até que
a carga viral atinja o desejado. O líquido alantoico é coletado e purificado. Após a purificação, os vírus são inativados
com formaldeído e sofrem fragmentação. São obtidas suspensões para uma única variante do vírus, e essas suspensões
monovalentes são, então, misturadas para a obtenção da vacina influenza trivalente

Conforme sabemos, as vacinas de vírus vivos e inativados podem ser produzidas por dois processos
principais: cultura de células e inoculação em ovos embrionados.

Saiba mais

A vacina contra a gripe é feita de vírus inativados, mas ainda há quem


diga que ela causa a doença. Como uma vacina feita de vírus inativados
poderia fazer isso? Na verdade, ela não o faz! O que acontece é que,
dependendo da época em que a pessoa se vacina, ela pode já ter sido
infectada pelo vírus da gripe antes de se vacinar, e a vacina acaba por não
ter tempo hábil de fazer efeito. Veja mais informações em:

XAVIER, J. Entenda a vacina da gripe. IFF/Fiocruz, [s.d.]. Disponível em:


https://cutt.ly/kULRALW. Acesso em: 9 dez. 2021.

90
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

As vacinas de subunidades, exemplificadas pela vacina de hepatite B, incluem apenas epítopos


(partes específicas de antígenos) que estimulam o sistema imune. Uma vez que elas usam poucos
antígenos específicos, isso reduz a possibilidade de reações adversas. Por outro lado, tal especificidade
aumenta a dificuldade em se determinar quais antígenos deveriam ser incluídos na vacina.

As vacinas conjugadas, como a vacina contra Haemophilus influenzae tipo B, são um tipo
especial de vacinas de subunidades. O polissacarídeo da parede celular da bactéria encapsulada é
acoplado a uma proteína carreadora, que é mais facilmente reconhecida pelo sistema imune quando
comparada ao polissacarídeo sozinho. Todas as vacinas que têm por objetivo induzir proteção contra
bactérias encapsuladas, como pneumococos, meningococos e Haemophilus influenzae tipo B, foram
desenvolvidas como vacinas conjugadas.

As vacinas de toxoides, exemplificadas pelas vacinas contra a difteria e o tétano, são produzidas pela
inativação das toxinas bacterianas com formalina. Esses toxoides estimulam uma resposta imune contra
as toxinas bacterianas.

Saiba mais

O tétano é uma doença que pode ser fatal, mas é prevenível. Conheça
melhor sobre as vacinas contra a doença em:

FERNANDES, G. C.; AFFONSO, K. C.; CASTIÑEIRAS, T. M. P. P. Vacinas


contra o tétano. Centro de Informação em Saúde para Viajantes (Cives),
2006. Disponível em: https://cutt.ly/qULR4d9. Acesso em: 9 dez. 2021.

Já as vacinas de DNA nu (em inglês, naked DNA) ainda estão em fases experimentais de
desenvolvimento. Elas usam DNA de microrganismos específicos para estimular a imunidade. Esse
DNA seria administrado por injeção e as células o captariam, utilizando-o para a síntese de proteínas
(antígeno). O antígeno produzido seria, então, exposto na superfície dessas células, estimulando o sistema
imune. Essas vacinas produziriam uma resposta potente de anticorpos ao antígeno livre e uma resposta
celular potente ao antígeno apresentado na superfície das células. Além disso, elas são consideradas
relativamente fáceis e baratas de criar e produzir.

As vacinas de vetores recombinantes são experimentais e usam vírus atenuados para introduzir
DNA microbiano nas células do organismo. Essas vacinas virais mimetizariam uma infecção natural,
estimulando o sistema imune.

Bactérias atenuadas também poderiam atuar como vetores de DNA. Os antígenos do microrganismo
patogênico poderiam, então, ser exibidos na superfície de um microrganismo não patogênico,
mimetizando o patógeno e estimulando o sistema imune. Vacinas recombinantes que utilizam vírus ou
bactérias para HIV, raiva e sarampo estão em estágios experimentais.

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Unidade II

Além disso, existem estudos que avaliam a possibilidade de melhorar adjuvantes de vacinas, atuando
sobre o sistema imune inato. Esses adjuvantes se enquadram em duas classes, sistemas de entrega (como
micropartículas catiônicas) ou potenciadores imunes (como citocinas). Os sistemas de entrega seriam
possivelmente usados para concentrar e apresentar antígenos em padrões repetidos para ajudar na
localização dos antígenos, enquanto os potenciadores imunes poderiam ser usados para ativar o sistema
imune inato diretamente.

6.1.4 Desenvolvimento de vacinas

Durante o desenvolvimento das vacinas, a escolha do antígeno correto é a etapa mais crucial.
A interação entre o antígeno da vacina e as células do sistema imune é o componente mais importante
da resposta imune. Geralmente, esses antígenos são encontrados na superfície do patógeno, como é o
caso da glicoproteína hemaglutinina do vírus influenza. Esse antígeno de superfície do vírus da gripe
interage com as células imunes humanas, sendo a invasão da célula hospedeira mediada por ele. Após
a vacinação, os anticorpos recobrem o antígeno hemaglutinina do vírus, resultando em sua eliminação
antes que ele invada as células e cause a doença.

Um exemplo interessante para entendermos a importância da escolha do antígeno apropriado


é o vírus da caxumba. Ele possui sete proteínas, das quais três estão em sua superfície externa:
hemaglutinina, proteína de fusão e proteína hidrofóbica pequena. Atualmente, a proteína hidrofóbica
pequena é usada para caracterizar as diferentes linhagens de vírus da caxumba quando há uma
epidemia e é importante em estudos epidemiológicos para rastrear a origem. Entretanto, o corpo
humano não produz anticorpos contra a proteína hidrofóbica pequena, mesmo esta estando na
superfície externa do vírus. Dessa forma, se novas vacinas contra caxumba fossem desenvolvidas, não
haveria por que incluí-las entre os antígenos. A proteína de fusão e a hemaglutinina são importantes
para a entrada no hospedeiro e de vital importância para produzir uma vacina que seja capaz de
neutralizar o vírus da caxumba.

Atualmente, uma análise ainda mais detalhada da estrutura do antígeno tem se tornado cada vez
mais importante. Isso se deve ao fato de um único antígeno conter diferentes epítopos. Estes possuem
propriedades e funções distintas na reação imunológica. Dessa forma, os antígenos são investigados por
análise molecular para a identificação dos epítopos que terão função no desenvolvimento de proteção
contra a doença.

Uma vez que a informação sobre o antígeno correto foi estabelecida, o desenvolvimento da nova
vacina pode continuar. Durante o desenvolvimento de uma vacina, a rota de entrega também precisa
ser estabelecida. Por quê?

A rota de administração tem impacto direto sobre a resposta imune, além de influenciar a
aceitabilidade da vacina ou o fato de poder ser usada em grandes populações.

É claro que todos gostariam de receber as vacinas de forma oral ou intranasal. Entretanto, mesmo
que as vacinas orais de patógenos vivos atenuados funcionem bem para doenças infecciosas do
trato gastrointestinal (TGI), como a poliomielite, a febre tifoide e o rotavírus, essa via não pode ser
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BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

generalizada para todas as vacinas. A rota mais comum de imunização para vacinas, atualmente, é a
intramuscular. Em bebês, as vacinas são dadas na parte anterior da coxa. A partir de um ano de idade,
elas são administradas no músculo deltoide, mas podem ser aplicadas na parte anterolateral da coxa em
adultos. As vacinas vivas são, geralmente, administradas de forma subcutânea no braço, porém podem
ser aplicadas de modo intramuscular. A injeção intradérmica não é muito utilizada, principalmente pela
dificuldade de aplicá-la exatamente abaixo da epiderme. Outra desvantagem é que esse tipo de injeção
promove mais reações locais, como dor, vermelhidão e inchaço, o que impacta sua aceitabilidade. Além
disso, as vacinas que usam adjuvantes não podem ser assim administradas.

As novas vacinas de DNA em desenvolvimento são geralmente administradas de forma intramuscular,


mas também requerem eletroporação para promover a entrada do DNA nas células.

Mas como saber se as vacinas realmente funcionam?

Essa robustez é avaliada por ensaios clínicos que comparam grupos vacinados e não vacinados, e a
porcentagem da redução da incidência da doença é calculada no grupo vacinado.

Durante a concepção da vacina, as etapas iniciais para pesquisa pré-clínica são definidas. Isso envolve
muito trabalho de laboratório e estudos em modelos animais para avaliar a imunogenicidade, bem como
avaliação de aspectos relacionados à segurança antes que sejam realizados estudos com seres humanos.
Os estudos em humanos são divididos em quatro fases:

• Fase I: tem por objetivo avaliar a segurança e, normalmente, envolve apenas poucos voluntários
saudáveis (entre 10 e 15). Caso os resultados obtidos na fase I mostrem que a vacina é segura,
parte-se para a fase II.

• Fase II: nela são avaliadas segurança e eficácia, e um número maior de participantes é necessário.
Se os resultados continuam a mostrar que a vacina é segura e, além disso, eficaz, dá-se início à
fase III, da qual um número ainda maior de pacientes participa.

• Fase III: uma vez que os resultados nesta fase mostrem que a intervenção tem eficácia e é segura
naquela amostra, o produto é registrado e a vacina passa a ser distribuída à população, dando
início à fase IV.

• Fase IV: nesta etapa, é possível avaliar se a vacina, de fato, funciona na população.

Recentemente, vacinas contra três doenças infecciosas se tornaram disponíveis. Elas foram
desenvolvidas contra infecções capsulares meningocócicas do grupo B, dengue e malária. O meningococo
é uma bactéria encapsulada com cinco diferentes tipos capsulares que causam doença em humanos,
denominadas A, B, C, W35 e Y. A doença meningocócica é um problema global, de epidemiologia
altamente variável e influenciada pela transformação natural e política de imunização. Dessa forma,
a doença meningocócica é temida devido à sua rápida progressão entre a ocorrência dos primeiros
sintomas e a doença severa, que pode ocorrer em menos de 24 horas. A taxa de mortalidade gira em

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Unidade II

torno de 10% a 15%. Da mesma forma que outras doenças, o desenvolvimento da vacina é complicado
se a patogênese da doença não foi completamente compreendida.

As duas vacinas meningocócicas tipo B foram desenvolvidas por vacinologia reversa. Em


2000, o primeiro sequenciamento completo do genoma do meningococo foi descrito e usado
para identificação de uma grande quantidade de antígenos candidatos para uso em vacinas. Com
base nessa biblioteca e por meio da tecnologia de proteína recombinante, foram desenvolvidas as
vacinas quadrivalente e bivalente pelas empresas Bexsero e Trumenba, respectivamente. Ambas
as vacinas podem ser usadas em adolescentes, enquanto a quadrivalente também pode ser usada
para proteger crianças.

A dengue é uma doença causada por quatro diferentes tipos de vírus que ocorrem principalmente
em regiões tropicais e subtropicais. O vírus é transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti.
Anualmente, por volta de 1 a 2 milhões de pessoas são hospitalizadas com sintomas severos, e
0,1% a 5% morrem. O desenvolvimento de uma vacina contra a dengue tem se mostrado difícil,
tanto pelo conhecimento incompleto sobre a patogênese da doença quanto pelo fato de a vacina
precisar ser desenvolvida contra os quatro tipos de vírus que cocirculam na mesma área. Ainda,
a possível interferência entre as linhagens quando combinadas em uma mesma vacina complica
seu desenvolvimento. Atualmente, existe uma vacina disponível, a Dengvaxia, que é uma vacina
viva quimérica tetravalente. Esta foi desenvolvida por meio da tecnologia do DNA recombinante,
realizando-se a substituição dos genes estruturais do envelope e da pré-membrana do vírus da
febre amarela atenuado com aqueles das quatro linhagens da dengue. Após a introdução da vacina,
mostrou-se que em vários países onde as pessoas sem anticorpos circulantes contra a dengue foram
vacinadas tiveram uma forma mais severa da doença em comparação aos indivíduos que já tinham
anticorpos circulantes. A partir disso, foi necessário mudar a recomendação para vacinar apenas
pessoas que já tinham sido expostas a pelo menos uma linhagem do vírus da dengue confirmado
por um teste diagnóstico ou por histórico médico. Mesmo assim, isso ajudará no desenvolvimento de
outras vacinas contra dengue.

Por sua vez, a malária é uma doença também transmitida por picadas de mosquito, o Anopheles.
A malária humana é causada por cinco espécies de protozoário plasmodium: P. falciparum, P. vivax,
P. ovale, P. malariae e P. knowlesi. O ciclo de vida e a interação entre parasita e hospedeiro para cada
espécie determinam a severidade e a patogênese da doença. P. falciparum possui a maior taxa de
letalidade, especialmente em crianças, e a capacidade de o P. vivax permanecer dormente nas células
do fígado resulta em recaídas clínicas e contribui para a grande distribuição geográfica. A malária é
uma doença muito difícil de combater, uma vez que todas as suas espécies possuem um ciclo de vida
complexo, no qual o parasita precisa residir tanto em humanos quanto na fêmea do Anopheles, em
diferentes fases do ciclo.

Recentemente, uma estratégia direcionada a diferentes aspectos como controle ambiental,


inseticidas, mosquiteiros e quimioterapia tem permitido a alguns países a redução da incidência da
malária. Dessa forma, vacinas seguras e efetivas contra a doença ainda são necessárias. Atualmente,
uma vacina, chamada Mosquirix, está disponível contra a malária causada pelo P. falciparum. Ela é
baseada na proteína circunsporozoíta do protozoário, a principal proteína da superfície da forma
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BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

esporozoíta. A Mosquirix consiste em uma vacina quimérica de partículas semelhantes a vírus, construída
fundida à superfície do vírus da hepatite B. A vacina entrará em um grande estudo de fase IV em Gana,
Quênia e Malaui.

Há ainda muito trabalho a ser feito com relação ao desenvolvimento de vacinas, principalmente
quando consideramos os surtos de doenças infecciosas com possível alto impacto sobre a morbidade e
a mortalidade. Como exemplos, podemos citar a ocorrência de novos patógenos, como SARS e MERS,
ambos causados pelo coronavírus.

Saiba mais

Um grupo de pesquisa da Unifesp desenvolveu um estudo que utiliza


vacinas de células dendríticas como estratégia terapêutica para HIV e teve
resultados muito animadores. É possível conhecer melhor a respeito em:

COCOLO, A. C. Muito próximo da cura. Entreteses, n. 10, p. 51-53,


jul. 2018. Disponível em: https://cutt.ly/PULDHDs. Acesso em: 9 dez. 2021.

6.1.5 Aplicação da nanotecnologia no desenvolvimento de novas vacinas

Virus like particles (VLPs – partículas semelhantes a vírus) são nanopartículas que mimetizam um
vírus cujo capsídeo proteico guarda em seu interior material genético de algum vírus patogênico,
podendo ser usado como vacina com epítopos reconhecidos pelo sistema imune.

A primeira vacina construída dessa forma foi contra a hepatite B, em 1986, que apresenta HBsAg –
antígeno de superfície que estimula a produção de anticorpos pelas células CD4+ e de células TCD8+; a
segunda vacina foi contra o HPV.

Nanopartículas de peptídeos automontadas (SAPNs; em inglês, self-assembling protein nanoparticles)


são diferentes das VLPs por serem construídas em meio aquoso e formadas por duas bobinas helicoidais
unidas por um peptídeo, e já estão sendo testadas para vacinas contra malária e ebola.

O polietilenoglicol (PEG) é um polímero derivado do petróleo obtido a partir do etilenoglicol, muito


usado na nanotecnologia, pois a reação de PEGuilação das nanopartículas impede que sejam adsorvidas
por opsoninas. Essa característica permite que não sejam detectadas pelo sistema imunológico no início
do tratamento, aumentando o índice terapêutico de nanobiofármacos, mas, em compensação, algumas
pessoas podem produzir o anticorpo anti-PEG, e aumentar a quantidade de IgG e IgM, levando a reações
de hipersensibilidade, como anafilaxia.

95
Unidade II

Saiba mais

Até o momento, as vacinas contra covid-19 produzidas pelas indústrias


farmacêuticas Pfizer e Moderna utilizam o processo de nanopartículas
lipídicas (LNP) à base de polietilenoglicol (PEG) – PEGuilação – e carregam a
fita de RNAm da proteína da espícula (spike protein) do SARS-CoV-2. Quando
ocorre a inserção do RNAm no citoplasma das células dos hospedeiros, ele é
traduzido pelos ribossomos, sem entrar no núcleo nem modificar seu DNA.

Para mais informações, assista a este vídeo sobre vacinas:

THERE are four types of COVID-19 vaccines: here’s how they work. 2020.
1 vídeo (4 min). Publicado pelo canal Gavi, the Vaccine Alliance. Disponível
em: https://cutt.ly/YIr489N. Acesso em: 11 jan. 2022.

Sugere-se que pessoas que já tiveram processos alérgicos com outras vacinas que usam PEG possam
ter sido sensibilizadas por outros compostos que usam essa substância – como algumas pastas de dente,
cosméticos, xampus e amaciantes – e desenvolveram anticorpos que desencadeiam a reação anafilática
contra o polietilenoglicol, produzindo anticorpos anti-PEG, relacionados a reações adversas do tipo
alérgica nessas pessoas. Nos Estados Unidos, a FDA recomenda que apenas as pessoas que já tiveram
reações alérgicas graves a vacinas – ou aos ingredientes delas – devem evitar a imunização que utilizam
PEG, pois uma vez sensibilizadas, as reações subsequentes serão cada vez mais fortes e rápidas.

Para se ter ideia da gravidade das reações, durante o estudo clínico das vacinas da Pfizer e da
Moderna para covid-19, foram excluídas da fase III pessoas com histórico de alergias aos componentes
das vacinas, inclusive PEG, que tem como função principal minimizar interações com as opsoninas
(anticorpos, proteínas do complemento e lectina), aumentando o tempo de circulação no sangue.

7 TECNOLOGIAS DE PREPARAÇÃO DE SISTEMAS ORAIS DE LIBERAÇÃO MODIFICADA

As formas farmacêuticas orais sólidas convencionais, como comprimidos e cápsulas, isto é, de


liberação imediata (IR) apresentam problemas graves devido aos efeitos adversos que podem causar e à
falta de adesão aos pacientes. A fim de minimizar os efeitos colaterais, aumentar a eficácia e tornar os
produtos farmacêuticos mais toleráveis aos pacientes, formas farmacêuticas orais modificadas para a
liberação controlada começaram a ser amplamente desenvolvidas. As diferentes empresas farmacêuticas
investem em desenvolver vários novos medicamentos com estratégias de liberação modificada (MR).
Os produtos de MR são administrados por via oral e utilizam as técnicas mais recentes para modificar
a liberação das drogas. Os diferentes tipos de produtos de MR podem apresentar modos únicos de
liberação de drogas e perfis farmacocinéticos específicos.

Os tipos de medicamento de MR incluem liberação retardada (por exemplo, com revestimento


entérico), liberação estendida (ER), liberação direcionada e cápsulas de desintegração oral (ODT).
O termo “medicamento de liberação modificada” se refere aos produtos que alteram o momento
e/ou a taxa de liberação da substância medicamentosa. A liberação modificada é uma formulação em
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BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

que o medicamento altera características de tempo e/ou localização, escolhidas para cumprir objetivos
terapêuticos ou de conveniência não oferecidos pela dosagem convencional – formas tais como soluções,
pomadas ou de dosagem de dissolução imediata.

Vários tipos de medicamentos orais de liberação modificada foram desenvolvidos:

• Medicamentos de liberação prolongada: visam reduzir significativamente a frequência e a


dosagem para, pelo menos, metade das formas de dosagem convencionais. São exemplificados
por medicamentos de liberação controlada, liberação sustentada e ação prolongada.

• Medicamentos de liberação retardada: forma de dosagem que libera uma parte ou porções do
medicamento de uma só vez, exceto repentinamente, após a administração. Uma porção inicial
pode ser liberada imediatamente após a administração. Os medicamentos de liberação retardada
são mais bem exemplificados por formas de dosagem com revestimento entérico.

• Medicamentos de liberação direcionada: forma de dosagem que se destina a liberar a droga


em locais-alvo. Esses medicamentos podem ter as características do tipo de liberação imediata
ou estendida.

• Comprimidos de desintegração oral (ODT): projetados para se desintegrarem prontamente


na saliva após a administração oral, podendo ser ingeridos sem adição de água. A droga é dispersa
em saliva e engolida com pouca ou nenhuma água.

O termo “medicamento de liberação controlada” é usado para descrever vários tipos de forma de
dosagem oral de taxa de liberação prolongada, incluindo liberação sustentada, ação sustentada, ação
prolongada, ação longa, liberação lenta e administração de medicamento programada. “Liberação
retardada” é um termo mais antigo para um medicamento de liberação lenta. Muitos desses termos
adotados para medicamentos de liberação modificada foram introduzidos por empresas farmacêuticas
a fim de indicar um design especial para um medicamento de liberação prolongada.

Observação

As formas farmacêuticas de liberação prolongada caracterizam-se pela


liberação gradual do fármaco e pela manutenção de sua concentração
plasmática em níveis terapêuticos, durante um período prolongado.
Podem ser desenvolvidas como sistemas monolíticos ou multiparticulados,
empregando-se tecnologias como matrizes poliméricas, sistemas
reservatórios ou bombas osmóticas.

7.1 Projeto racional de sistemas de liberação modificada

A maior parte dos sistemas de liberação de drogas é baseada em polímeros que podem ou não
conter alguma tecnologia de liberação de drogas. A capacidade de um medicamento conseguir um
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Unidade II

desempenho desejável em sua liberação é altamente dependente de vários importantes fatores, como a
dose, as propriedades físico-químicas, biofarmacêuticas, farmacocinéticas e farmacodinâmicas da droga,
bem como as propriedades adequadas de seleção de abordagem de formulação e projeto de formulação.

Cada sistema de liberação possui propriedades inerentes que requerem considerações específicas
para o medicamento e o sistema de administração. Assim, o desenvolvimento bem-sucedido da
forma de dosagem é, de fato, ditado pelas propriedades de um composto no contexto de restrições
fisiológicas/biológicas, em vez da plataforma de tecnologia. Essa conclusão é apoiada pelo fato de que
quase todos os produtos MR com a composição expirada de patentes de matéria foram incapazes de
manter exclusividade de mercado baseada exclusivamente na tecnologia de entrega.

São numerosos os exemplos em que o desempenho dos produtos de marca foi correspondido por suas
contrapartes genéricas com base em tecnologias de liberação controlada semelhantes ou diferentes. Os
principais são: Procardia XL, Cardizem CD, Concerta, Adalat CC, Wellbutrin XL, Ditropan XL, Glucotrol XL,
Glucophage XR, Asacol, e Toprol-XL.

Portanto, no primeiro estágio de concepção de uma liberação MR, o sistema deve conduzir a uma
avaliação de viabilidade técnica que integre uma justificativa clínica definida com as características do
medicamento. O segundo estágio é selecionar uma tecnologia MR apropriada com base nos aspectos
da forma de dosagem desejada e outras considerações de desenvolvimento. Mais especificamente, um
processo de design racional deve incluir os seguintes passos:

• Identificação da necessidade clínica e fixação de desempenho do produto-alvo in vivo.

• Estudo experimental a ser conduzido e analisado para estimar a praticabilidade da absorção


intestinal, os desafios e os riscos associados com entrega MR com base em:

— caracterização físico-química e biofarmacêutica, dose, absorção regional, disposição in vivo e


farmacodinâmica da molécula do fármaco;

— cálculo da taxa teórica de consumo de drogas e sua faixa necessária para produzir a
concentração plasmática desejada – perfil de tempo com base em parâmetros de disposição
in vivo e certas suposições;

— determinação das propriedades físico-químicas e de absorção características do medicamento


em cada segmento do TGI necessárias para a entrada de droga dentro do tempo de permanência
das formas de dosagem.

• Projetar e caracterizar as formulações, selecionando a apropriada tecnologia MR, a forma de


dosagem associada, o processo de fabricação e os métodos de teste in vitro.

A administração oral é a via mais popular devido à facilidade de ingestão, ausência de dor,
versatilidade e, o mais importante, aderência do paciente. Além disso, sistemas de liberação oral sólida
não requerem condições estéreis e são, portanto, mais baratos para manufaturar. Novas tecnologias para
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BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

administração oral estão disponíveis para tentar resolver alguns problemas de aspectos físico‑químico e
farmacocinético, melhorando a adesão do paciente.

7.2 Formas de dosagem oral de dispersão rápida

A nova tecnologia de formas de dosagem oral de dispersão rápida é conhecida como comprimidos
de dissolução rápida, derretimento rápido e desintegração rápida. No entanto, a função e o conceito de
todas essas formas de dosagem são semelhantes. Por definição, uma forma de dosagem sólida que
se dissolve ou desintegra rapidamente na cavidade oral, resultando em solução ou suspensão sem
a necessidade de água para a administração, é conhecida como uma forma de dosagem oral de
dispersão rápida.

A dificuldade em engolir (disfasia) é comum entre todas as faixas etárias, e, especialmente em


idosos, a administração das formas farmacêuticas convencionais torna-se mais árdua. Estima-se que
35% da população em geral e um adicional de 30%-40% dos pacientes idosos institucionalizados e
18%-22% de todas as pessoas em instituições de cuidados de longo prazo sofrem de disfasia. Esse
distúrbio está associado a muitas condições médicas, incluindo acidente vascular cerebral, Parkinson,
Aids, tireoidectomia, terapia de radiação de cabeça e pescoço e outros distúrbios neurológicos, incluindo
paralisia cerebral. Um estudo mostrou que 26% de 1.576 pacientes tiveram dificuldade em engolir
comprimidos. A reclamação mais comum era o tamanho, seguida por superfície, forma e sabor.
O problema de engolir comprimidos foi mais evidente em pacientes geriátricos e pediátricos, bem como
naqueles que podem não ter acesso imediato à água. As vantagens das formas de dosagem de dispersão
rápida orais incluem:

• administração a pacientes que não conseguem engolir, como idosos, vítimas de derrame e
pacientes acamados, pacientes que não devem engolir, como os afetados por insuficiência renal,
e aqueles que se recusam a engolir, como pacientes pediátricos, geriátricos e psiquiátricos;

• intervenção de terapia medicamentosa rápida;

• absorção mais rápida do medicamento;

• novas oportunidades de negócios, diferenciação de produtos, extensão de linha e gestão do ciclo


de vida, exclusividade da promoção do produto e extensão da vida da patente.

7.3 Liberação entérica modificada

Os produtos de liberação entérica são desenvolvidos para prevenir a liberação do medicamento no


estômago, enquanto os sistemas de liberação entérica são projetados para permitir que fração da dose da
droga seja liberada no estômago e o restante ocorra rapidamente após a passagem da forma de dosagem
para o intestino delgado. Esse padrão de liberação é particularmente adequado para drogas que têm
absorção específica do local na parte superior do TGI ou onde a administração de altas doses de drogas é
necessária. Tal padrão de liberação pode ser alcançado por meio de formadores de poros hidrofílicos em
revestimentos entéricos dependentes de pH.
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Unidade II

7.4 Liberação pulsátil

O padrão de liberação pulsátil da droga é projetado para fornecer uma explosão da droga em um
ou mais intervalos predeterminados após um período de latência predeterminado. A liberação pulsátil
pode evitar a degradação da droga no estômago ou no metabolismo de primeira passagem, permitir
a administração de dois medicamentos diferentes ao mesmo tempo (liberados em locais diversos do
trato GI) ou ser adotado para distribuição cronoterapêutica de drogas. Como exemplo, a liberação
pulsátil pode ser alcançada através do revestimento de multipartículas com sistemas de revestimento
de membrana de barreira e/ou dependentes de pH, seguida por mistura das multipartículas para obter
os perfis de liberação desejados. Em geral, tais sistemas controlados por tempo podem ser classificados
como sistema de unidade única (comprimidos e cápsulas) ou unidades múltiplas (pellets).

7.5 Técnicas de formação de floss

A dosagem FLASHDOSE® (Fuisz Technologies) utiliza a tecnologia Shearform™ em associação com


a Ceform Tecnologia TI™ para mascarar o sabor amargo do medicamento. A tecnologia Shearform™ é
empregada na preparação de uma matriz conhecida como “fio dental”, que é feito de uma combinação
de excipientes, sozinho ou em combinação com drogas. O “fio dental” é um material fibroso semelhante
às fibras de algodão doce, comumente feitas de sacarídeos, como sacarose, dextrose, lactose e frutose.
No entanto, outros polissacarídeos, como polimaltodextrinas e polidextrose, podem ser transformados
em fibras em temperaturas 30%-40% mais baixas do que aqueles usados para a produção de fibra de
sacarose. Essa modificação permite a incorporação segura de medicamentos termolábeis na formulação.

7.6 Tecnologia de impressão tridimensional (3D) na preparação de sistemas


de liberação oral

A nova tecnologia de impressão 3D foi desenvolvida para resolver vários problemas associados a
mecanismos de liberação de drogas e taxas de liberação. A taxa de liberação de droga tende a diminuir
em um sistema de matriz em função da natureza e do método de preparação da forma de dosagem.
Vários métodos são empregados para abordar esses problemas por meio de configurações geométricas,
incluindo cilíndricas, método da haste e sistemas de rosca cilíndrica. O método 3D fornece várias
estratégias, além de possuir vantagens como a entrega de medicamentos, a liberação de droga em
gradiente de difusão padronizada por difusão de microestrutura técnica de barreira, e a liberação cíclica
de drogas e outros tipos de liberação de drogas.

A técnica é, muitas vezes, referida como fabricação sólida de forma livre, fabricação automatizada
por computador ou fabricação em camadas. O método 3D utiliza tecnologia de impressão a jato de tinta
para criar um objeto sólido, imprimindo um aglutinante em áreas selecionadas de camadas depositadas
sequencialmente de pó.

Cada peça é construída sobre uma plataforma localizada em um suporte de pistão PIN. O leito de
pó inicialmente espalhado sobre a plataforma por um rolo é impresso seletivamente com a cabeça
de impressão a jato de tinta por um aglutinante para fundir os pós nas áreas desejadas. O pistão
desce para acomodar camadas de impressão adicionais. O processo é repetido até que o design esteja
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BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

completo. As instruções para cada camada são derivadas de representação de desenho auxiliado por
computador (CAD) do componente. O instrumento 3D consiste em uma cabeça de dispersão de pó
acionada reciprocamente ao longo do comprimento do leito de pó. Uma cabeça de impressão a jato
de tinta imprime o aglutinante no leito de pó, produzindo seletivamente jatos de aglutinante líquido
(material para ligar o material em pó em regiões específicas). Esse processo é repetido para construir o
dispositivo camada por camada.

7.7 Tecnologia de deposição eletrostática para revestimento farmacêutico em pó

Quanto à fabricação de formas farmacêuticas sólidas, embora tenha havido muito desenvolvimento
em matérias-primas e processos, o princípio fundamental permanece igual. Novas tecnologias surgiram
envolvendo processos de fabricação a seco para o revestimento em pó de ingredientes farmacêuticos
ativos em várias superfícies por deposição direta eletrostática. Essa abordagem revolucionária elimina
os procedimentos tradicionais de fabricação de pós de mistura, granulação, secagem, lubrificação,
compressão e revestimento no desenvolvimento de produtos farmacêuticos e processos de fabricação.
O processo tem menor dependência do operador, é contínuo e consideravelmente mais rápido.

7.8 Vantagens e desvantagens da liberação modificada

A administração por via oral pode gerar algumas preocupações quanto à absorção. O tempo
de absorção se baseia no tempo total de permanência no TGI. Além disso, certas drogas podem ser
absorvidas apenas em locais específicos dentro do TGI e, portanto, o tempo total de permanência pode
não representar seu tempo correto para absorção. O desenvolvimento de drogas com sistema de liberação
gastrorretentiva é limitado por alguns fatores fisiológicos, como pH gástrico e motilidade gástrica, e seu
desempenho também depende da complacência do paciente e do uso correto. Por exemplo, o ciclo
de motilidade interdigestiva e as taxas de esvaziamento gástrico são interrompidos pela alimentação.
Geralmente, as taxas de esvaziamento gástrico para as formas de dosagem tomadas antes das refeições
são muito mais rápidas do que as tomadas após refeições. Se a absorção da droga ocorrer mais no
estômago e menos no intestino, a retenção gástrica prolongada pode melhorar a biodisponibilidade, a
eficácia, a terapia direcionada e diminuir os efeitos colaterais dentro do cólon, bem como a dose pode
ser reduzida. Drogas que tendem à degradação e possuem pouca solubilidade em soluções alcalinas
poderão alcançar seu benefício terapêutico se formuladas como gastrorretentivas.

Para formulações com alta dosagem, o sistema de liberação entérica modificada aumenta o tempo
de retenção gástrica e pode liberar a droga próximo do momento da próxima administração, resultando
em potencial overdose de pacientes. Para evitar isso, foi desenvolvida a tecnologia multiparticulada na
forma de unidades múltiplas (cápsulas ou comprimidos), que permite a entrega de duas ou mais unidades
de grânulos revestidos, permitindo o ajuste da variabilidade farmacocinética e a melhora na liberação.
Com base na natureza de tais formulações, cada partícula ou grânulo pode possuir diferentes taxas de
liberação. Formulações multiparticuladas para liberação no intestino têm uma grande vantagem sobre a
unidade única convencional, uma vez que são menos suscetíveis de serem afetadas pelos alimentos. Eles
também mostram absorção consistente e capacidade de distribuição uniforme da droga para regiões
específicas do TGI.

101
Unidade II

No entanto, há incerteza sobre a localização específica em que o revestimento pode se dissolver


no TGI. Além disso, um revestimento entérico pode se dissolver de forma imprevisível em diferentes
pacientes com variados estados de doença, levando à liberação prematura do medicamento dentro do
intestino delgado. Alternativamente, algum revestimento entérico pode não se dissolver devido a certos
estados de doença que levam a implicações de eficácia.

Outro sistema MR, o push-pull, consiste em um comprimido de duas camadas: uma camada pull com
a droga misturada e uma camada push. O sistema contém um orifício que é perfurado por meio de um
laser para fornecer liberação de droga. A liberação da droga desse sistema é geralmente independente
de fatores fisiológicos dentro do TGI, como pH, força iônica e agitação. Várias desvantagens dos sistemas
push-pull foram documentadas, incluindo tempos de atraso curtos e taxas de entrega lentas, resultando
em entregas direcionadas abaixo do ideal.

Muitas empresas farmacêuticas têm estudado sobre a otimização de tais sistemas de liberação.
Desenvolvimentos de formulação recentes têm, portanto, como objetivo resolver os problemas de
absorção e melhorar a composição de revestimentos de liberação retardada, bem como a taxa de liberação
da droga no cólon. Uma das maneiras é modificar a composição do revestimento entérico externo via
incorporação de um composto hidrofóbico que poderia impedir o influxo de fluidos, particularmente
durante o trânsito da forma farmacêutica pelo estômago. As fórmulas baseadas em azopolímeros são
relativamente estáveis no TGI superior; no entanto, a degradação de tais polímeros por enterobactérias é
lenta. Além disso, essas formulações não são recomendadas para uso em longo prazo por causa de suas
limitações no que diz respeito à toxicidade.

Lembrete

Os comprimidos de liberação controlada são formas farmacêuticas


que não liberam imediatamente todo o fármaco, fazendo-o de forma
gradual e contínua em diferentes tempos e locais. Representam uma das
fronteiras da ciência, a qual envolve diferentes aspectos multidisciplinares
e pode contribuir muito para o avanço da saúde humana. Os sistemas de
liberação controlada oferecem inúmeras vantagens e desvantagens quando
comparados a outros de dosagem convencional.

7.9 Nanotecnologia aplicada aos cosméticos inteligentes

A nanotecnologia é considerada a tecnologia mais eminente do século XXI e um grande avanço na


indústria cosmética. O termo “nanotecnologia” é a combinação de duas palavras: tecnologia e nano,
numérico grego que significa “anão”. Assim, a nanotecnologia é considerada a ciência e a tecnologia
utilizada para desenvolver ou manipular as partículas na faixa de tamanho de 1 nm a 100 nm. Desde
1959, a nanotecnologia surgiu em diferentes campos, como engenharia, física, química, biologia e
ciência, e já faz quase 40 anos desde que ela entrou no campo dos cosméticos, em produtos para a
saúde e preparações dérmicas. Durante o ano de 4000 a.C., o uso da nanotecnologia foi registrado por
egípcios, gregos e romanos, com o conceito de preparação de tintura para cabelos.
102
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Membro fundador da sociedade norte-americana de químicos cosméticos, Raymond Reed, cunhou


o termo “cosméticos” no ano de 1961. Os cosméticos podem ser definidos como os produtos que
amplificam a aparência, intensificam a limpeza e promovem a beleza da pele. Conforme relatado, o
uso de cosméticos foi atribuído aos egípcios por volta de 4.000 a.C. e, posteriormente, gregos, romanos,
chineses, japoneses e norte-americanos começaram a usá-los. No final do século XIX, o uso de cosméticos
era feito secretamente pelas mulheres e no século XX, eles já eram produzidos sem disfarce. No século
XXI, os cosméticos estão sendo amplamente utilizados, e formulações cosméticas inovadoras estão
sendo desenvolvidas pela incorporação das tecnologias mais recentes.

Os cosmecêuticos são produtos cosméticos que incorporam ingredientes biologicamente ativos com
benefícios terapêuticos na superfície aplicada utilizados como cosméticos, pois pretendem melhorar
a aparência. Os cosmecêuticos são um abismo entre os produtos farmacêuticos e os produtos de
higiene pessoal, têm eficácia terapêutica mensurável na pele, pois os medicamentos e as formulações
se diversificaram em pele, corpo e cabelo, e são usados para o tratamento de várias condições, como
danos nos cabelos, rugas, fotoenvelhecimento, ressecamento da pele, manchas escuras, tez irregular,
hiperpigmentação, e assim por diante.

Os cosméticos são considerados o segmento de crescimento mais rápido da indústria de cuidados


pessoais, cujo mercado está crescendo enormemente. Apesar dos significativos benefícios das
nanopartículas, pouco se sabe sobre os efeitos de curto e longo prazos na saúde, no meio ambiente e
nos organismos. As preocupações em relação à segurança foram levantadas devido à toxicidade relatada
e a possíveis perigos dos nanomateriais.

A seguir, revisaremos as diversas classes de nanocarreadores, como lipossomas, niossomas,


nanopartículas de lipídios sólidos, carreadores de lipídios nanoestruturados, nanoemulsão, e assim por
diante, que estão sendo usados para a entrega de nanocosmecêuticos. Além disso, serão apresentados
os principais produtos comercializados e os aspectos positivos e negativos dos nanocosméticos.

Os nanocosméticos possuem diversas vantagens, entre elas:

• Proporcionam a liberação controlada de substâncias ativas, controlando a liberação do fármaco


dos transportadores por vários fatores, incluindo interação física ou química entre os componentes,
composição do fármaco, polímero e aditivos, proporção e método de preparação.

• São utilizados em preparações capilares, como no tratamento da queda e para evitar que os fios
fiquem grisalhos. Exemplos: Identik Masque Floral Repair, xampu para reciclagem de cabelos e
xampu antiqueda Nirvel.

• Podem fazer com que as fragrâncias durem mais e tornar as formulações de cuidados com a pele
mais eficazes, aumentando a eficácia dos filtros solares e melhorando a proteção contra os raios
ultravioleta. Exemplos: Allure Parfum e Allure Eau Parfum spray, da Chanel.

103
Unidade II

• Pelo fato de as partículas terem tamanho muito pequeno, a área de superfície é aumentada, o
que permite o transporte dos ingredientes ativos para a pele. A oclusão proporciona aumento da
penetração e da hidratação da pele.

• Os cosmecêuticos têm alta eficiência de aprisionamento e boas propriedades sensoriais, além de


serem mais estáveis do que os cosméticos convencionais.

A maioria das nanopartículas é adequada para a administração de drogas lipofílicas e hidrofílicas.


Os nanomateriais são amplamente utilizados na preparação de cremes antirrugas, cremes hidratantes,
cremes clareadores da pele, xampus reparadores, condicionadores e soros para os cabelos.

Como regra da natureza, cada coisa neste universo possui aspectos positivos e negativos. Algumas
das desvantagens associadas aos nanocosméticos são as seguintes:

• Devido à produção de um grande número de espécies de oxigênio, nanopartículas podem causar


estresse de oxidação e inflamações, bem como danos ao DNA, a proteínas e a membranas.

• Alguns nanomateriais ultrafinos, como nanotubos de carbono, fulerenos baseados em carbono,


TiO2, nanopartículas de cobre e nanopartículas de prata podem ser tóxicos para tecidos e
células humanos.

• Foi demonstrado que o dióxido de titânio encontrado nos filtros solares causa danos ao DNA e ao
RNA, bem como produção de gorduras dentro das células.

• Nenhum escrutínio rigoroso foi imposto pelas agências reguladoras para a aprovação e a
regulamentação dos nanocosméticos.

• Os nanocosméticos também podem ser prejudiciais ao meio ambiente.

• Nenhum ensaio clínico foi necessário para a aprovação dos nanocosmecêuticos, levantando uma
preocupação de toxicidade após o uso.

Para a liberação de nanocosméticos, é empregada uma tecnologia de transporte que oferece uma
abordagem inteligente para a entrega de ingredientes ativos, conforme veremos a seguir.

7.9.1 Lipossomas

Quando se coloca fosfolipídios em presença de água, eles se agrupam por suas características
anfipáticas (ou seja, substância com parte polar e parte apolar), formando grupamentos circulares
chamados micelas, como mostrado na figura a seguir. Caso sejam colocadas outras substâncias junto
aos fosfolipídios, por exemplo, fármacos, podem ser encapsulados. Essas estruturas são os primeiros
nanossistemas carreadores, chamados lipossomas, que podem ser administrados por vias intravenosa,
intraperitoneal e subcutânea. Algumas das vantagens do uso dessas nanopartículas são:

104
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

• quando livre, o medicamento que está em seu interior é tóxico; quando no interior da partícula,
o conjunto é biocompatível com as células;

• alguns fármacos são pouco solúveis;

• a liberação é lenta, semelhante à infusão contínua; e

• a penetração nos lipossomas é boa e protege o fármaco contra a degradação.

A Água B Óleo

Água
Óleo Água Óleo

Água Óleo
Óleo

Figura 27 – Estrutura das micelas em meio aquoso e em meio lipídico

Adaptada de: Houshmand et al. (2020, p. 5).

As nanoemulsões (NEs) geram os lipossomas que são usados nas indústrias cosmética, farmacêutica
e de alimentos. Veiculam ativos hidrofílicos e lipofílicos por meio de solubilização ou retenção na
nanopartícula, conjugação ou adsorção, aumentando a biodisponibilidade de fármacos e podendo
vetorizar (indicar o caminho a seguir) para a liberação nas células-alvo, por exemplo, revestindo a
superfície dos lipossomas com antígenos ou anticorpos correspondentes ao local, dirigindo os fármacos
seletivamente a determinada célula.

Entre alguns medicamentos lipossômicos aprovados pela agência sanitária norte-americana FDA,
podemos citar como via de administração:

• Intravenosa (IV): AmBisome® – lipossoma que contém anfotericina B, eficaz para leishmaniose
visceral; DaunoXome® – com daunorrubicina para sarcoma de Kaposi; Definity® – com perfluten,
um agente de contraste; e Marqibo® – com sulfato de vincristina, para leucemia linfoide aguda.

• Intratraqueal: Survanta® – contém beractanto, para síndrome do desconforto respiratório; e


Curosurf® – com alfaporactante, para síndrome do desconforto respiratório (SDR).

105
Unidade II

• Parenteral: DepoDur® – com sulfato de morfina, para tratamento de dor crônica.

• Dermocosméticos: Liporeductyl® – ativo anticelulite; Vanistryl® – ativo antiestrias; e Vecorexin®


– ativo para os cabelos.

Lipossomo convencional Droga Lipossomo para terapia e diagnóstico


hidrofóbica Ligante de
direcionamento
Lipídio positivamente
carregado
Lipídio negativamente
carregado
Droga Substância para
hidrofílica imagem

PEG
PEG
Molécula pequena
Carboidrato
Peptídeo
Anticorpo
Proteína
Lipossomo recoberto com PEG Lipossomo direcionado por ligante

Figura 28 – Diferentes lipossomos e suas aplicações. Observe a bicamada lipídica ao redor do interior
hidrofílico. A adição de polietilenoglicol (PEG) é uma estratégia utilizada para aumentar a meia-vida
do lipossomo na corrente sanguínea

Adaptada de: Houshmand et al. (2020, p. 5).

Os lipossomas são mais amplamente usados para as preparações cosméticas. Eles são estruturas
vesiculares com um núcleo aquoso envolvidas por uma bicamada lipídica hidrofóbica. O principal
componente da bicamada lipídica do lipossoma são os fosfolipídios, que são ingredientes GRAS
(geralmente reconhecidos como seguros), minimizando, portanto, o risco de efeitos adversos. Para
proteger a droga da degradação metabólica, o lipossoma encapsula a droga e libera ingredientes ativos
de maneira controlada. Os lipossomas são adequados para a distribuição de compostos hidrofóbicos e
hidrofílicos. O tamanho deles varia de 20 nm a vários micrômetros, e podem ter estrutura multilamelar
ou unilamelar.

Antioxidantes como carotenoides, CoQ10 e licopeno, além de componentes ativos, como vitaminas
A, E e K, têm sido incorporados aos lipossomas, a fim de amplificar suas estabilidades física e química
quando dispersos em água.

A fosfatidilcolina é o componente-chave dos lipossomas que tem sido usado em várias formulações
de cuidados com a pele, como cremes hidratantes, e produtos para os cabelos, como xampus e
condicionadores, devido às suas propriedades amaciantes e condicionantes. Por causa de sua
106
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

natureza biodegradável, não tóxica e biocompatível, os lipossomas são usados em uma variedade de
cosmecêuticos, pois encapsulam a porção ativa. Os fosfolipídios vegetais são amplamente usados para
aplicações tópicas em cosméticos e dermatologia devido ao seu alto teor de ácidos graxos essenciais
esterificados. Para aplicações tópicas em cosméticos e dermatologia, os fosfolipídios vegetais estão
sendo amplamente utilizados por apresentarem alto teor de ácidos graxos essenciais esterificados. Após
a aplicação do ácido linoleico, em um curto período a função de barreira da pele aumenta e a perda de
água diminui. Fosfolipídios vegetais e fosfolipídios de soja são usados por causa de sua capacidade
de formar lipossomas e de sua atividade de superfície. O transporte do ácido linoleico para a pele é
feito por esses fosfolipídios. Em estudo clínico, foi comprovado que os lipossomas flexíveis auxiliam na
redução das rugas e apresentam efeitos como diminuição das eflorescências no tratamento da acne e
aumento da maciez da pele.

Os lipossomas estão sendo desenvolvidos para a entrega de fragrâncias, vegetais e vitaminas de


formulações anidras, como antitranspirantes, sprays corporais, desodorantes e batons. Eles também
estão sendo usados em cremes anti-idade, cremes hidratantes profundos, protetores solares, cremes de
beleza e tratamentos para queda de cabelo.

7.9.2 Niossomas

Os niossomas são definidos como vesículas com estrutura em bicamada constituídas por
automontagem de tensoativos não iônicos hidratados, com ou sem incorporação de colesterol ou
outros lipídios.

Os niossomas podem ser vesículas multilamelares ou unilamelares nas quais uma solução aquosa de
soluto e componentes lipofílicos é totalmente envolvida por uma membrana que é formada quando as
macromoléculas do surfactante são organizadas em bicamadas. O tamanho varia de 100 nm a 2 nm de
diâmetro. O tamanho de pequenas vesículas unilamelares, vesículas multilamelares e grandes vesículas
unilamelares varia de 0,025 µm a 0,05 µm, ≥ 0,05 µm e 0,10 µm, respectivamente. Os principais
componentes dos niossomas incluem colesterol e surfactantes não iônicos como spans, tweens, brijs,
alquilamidas, éster de sorbitano, éster de coroa, éter alquílico de polioxietileno e surfactantes ligados a
esteroides, que são usados para sua preparação.

Os niossomas são adequados para a distribuição de compostos hidrofóbicos e hidrofílicos. Como


um novo sistema de entrega de drogas, eles podem ser usados como um veículo para drogas pouco
absorvíveis. Fornecem encapsulamento ao medicamento, devido ao qual o medicamento permanece na
circulação sistêmica por período prolongado e a penetração é aumentada no tecido-alvo.

Os niossomas superam os problemas associados aos lipossomas, como questões de estabilidade,


preço alto e suscetibilidade à oxidação. São usados em cosméticos e aplicações de cuidados com a pele,
uma vez que a penetração dos ingredientes nela é aumentada porque possuem a propriedade de reduzir
reversivelmente a resistência da barreira da camada córnea, permitindo que o ingrediente alcance os
tecidos vivos em maior velocidade. Há maior estabilidade dos ingredientes aprisionados e melhora na
biodisponibilidade de ingredientes mal adsorvidos.

107
Unidade II

Existem muitos fatores que afetam a formação e o tamanho dos niossomas, como a natureza e a estrutura
dos surfactantes, a natureza do fármaco encapsulado, a composição da membrana e a temperatura de
hidratação. Os niossomas especializados são chamados proniossomas, que são vesículas de surfactante
de base não iônica, hidratadas imediatamente antes do uso para produzir dispersões de niossoma
aquoso. Para melhorar a administração de drogas, além dos niossomas convencionais, os proniossomas
também são utilizados.

Os niossomas foram desenvolvidos pela L’Oreal no ano de 1970, pela pesquisa e desenvolvimento
de lipossomas sintéticos, e foram patenteados pela L’Oreal no ano de 1987 com o nome comercial de
Lancôme. Atualmente, vários preparados cosméticos niossomas estão disponíveis no mercado, como
cremes antirrugas, cremes hidratantes e branqueadores da pele, xampus reparadores e condicionadores.

7.9.3 Nanocristais

Os nanocristais são produzidos por moagem de alta energia, com poliestireno altamente ramificado
e tensoativo como estabilizador, o qual permite obter partículas de tamanho inferior a 1.000 nm.
Essas estruturas, por apresentarem a área da superfície do fármaco maior, aumentam a solubilidade
e a biodisponibilidade oral de fármacos, permitindo que estes sejam administrados por via oral ou
parenteral, sem necessidade de o paciente estar em jejum ou alimentado. Como exemplos de nanocristais,
podemos citar o medicamento em forma de comprimido sirolimus (o imunossupressor Rapamune®, da
Wyeth Pharmaceuticals), fenofibrato (Tricor®, da Abbott), verapamil (Verelan®, da Alkermes Pharma) e
metilfenidato (Ritalin LA®, da Novartis).

7.9.4 Nanopartículas lipídicas sólidas (SLN)

Um sistema carreador não convencional, nanopartículas lipídicas sólidas (SLN), foi desenvolvido no
início da década de 1990 sobre os carreadores lipoidais convencionais, como emulsões e lipossomas.
A faixa de tamanho das nanopartículas de lipídios sólidos é de 50 nm a 1.000 nm.

O SLN é composto de uma única camada de conchas, e seu núcleo é de natureza oleosa ou lipoidal.
Os lípidios sólidos ou as misturas de lípidios estão presentes no fármaco da matriz, que está disperso
ou dissolvido na matriz do núcleo sólido. As cadeias hidrofóbicas dos fosfolipídios estão embutidas na
matriz de gordura. Esses fosfolipídios são preparados a partir de misturas complexas de glicerídeos,
triglicerídeos purificados e ceras; o lípido líquido é substituído por lípido sólido ou mistura de lípido
sólido, que é sólido em temperatura corporal e ambiente, bem como estabilizado por surfactantes ou
polímeros. Ingredientes ativos lipofílicos, hidrofílicos e pouco solúveis em água podem ser incorporados
em SLNs que consistem em lipídios fisiológicos e biocompatíveis. Com o uso de compostos biocompatíveis
para a preparação de SLN, problemas de toxicidade são evitados. Dois métodos principais para a
preparação de SLNs são o método de homogeneização de alta pressão e o método de precipitação.
A liberação controlada e a liberação sustentada dos ingredientes ativos são possíveis; SLN que tem
núcleo enriquecido com droga leva a uma liberação sustentada, enquanto SLN com casca enriquecida
com droga mostra liberação rápida.

108
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Os SLNs são populares em cosmecêuticos e farmacêuticos, pois são compostos de lipídios


biodegradáveis e fisiológicos que apresentam baixa toxicidade. Seu tamanho pequeno garante que
estejam em contato próximo com o estrato córneo, o que aumenta a penetração dos ingredientes ativos
através da pele.

Os SLNs têm propriedades de resistência aos raios ultravioleta e atuam como filtros solares físicos
por conta própria, portanto, a fotoproteção aprimorada com efeitos colaterais reduzidos pode ser
alcançada quando são combinados com protetor solar molecular. Nanopartículas lipídicas sólidas
como carreadoras para filtro solar de 3,4,5-trimetoxibenzoilquitina e vitamina E são desenvolvidas para
aumentar a proteção ultravioleta (UV). Os SLNs possuem propriedade oclusiva que pode ser utilizada
para aumentar a hidratação da pele, ou seja, o teor de água da pele. As formulações de perfume também
têm SLNs, pois atrasam a liberação da fragrância por um período mais longo. Eles também são ideais
para uso em cremes utilizados durante o dia.

Os SLNs apresentam melhor estabilidade de coalescência quando comparados aos lipossomas,


pois são de natureza sólida e a mobilidade das moléculas ativas é reduzida, o que evita o vazamento
do carreador.

A seguir, apresentamos exemplos de vias de administração e nomes de nanopartículas lipídicas sólidas:

• Via intravenosa (IV): Abraxane® – nanopartículas conjugadas à albumina com paclitacel


encapsulado, para câncer de mama e pulmão; Copaxone® – com acetato de glatirâmer, para
esclerose múltipla.

• Subcutânea: Eligard® – com acetato de leuprolida, indicado para câncer de próstata avançado.

• Via oral (VO): Renagel® – com cloridrato de sevelâmer, para hiperfosfatemia.

• Tópica ou transdérmica: cremes anestésicos de prilocaína e cremes para alopecia com finasterida
já possuem formulações com nanopartículas poliméricas, inclusive para filtros solares, como
Photoprot® (Biolab), Nanoserum® (O Boticário) e Revitalift® (L’Oreal).

7.9.5 Nanopartículas superparamagnéticas e magnéticas

As nanopartículas superparamagnéticas são produzidas com óxido de ferro e muito usadas em


meios de contraste em exames por ressonância magnética (RM). Já as nanopartículas magnéticas são
utilizadas em tratamento de câncer. Nesse caso, as nanopartículas são atraídas ao local em questão
(geralmente, cérebro e próstata), por intermédio de um campo magnético externo que, ao mudar de
frequência, produz hipertermia (cerca de 43 ºC), que leva à morte das células cancerosas, não ocasionando
problemas para as células sadias.

109
Unidade II

Como exemplos de fármacos e vias de administração podemos citar:

• Via intravenosa (IV): partículas de óxido de ferro, como FerahemeTM, para tratamento de anemia
ferropriva; e Feridex®, como agente de contraste fígado.

• Via oral (VO): Fosrenol®, com carbonato de lantânio, para doença renal grave.

7.9.6 Nanopartículas metálicas

As nanopartículas metálicas não reagem em fluidos biológicos e geralmente são produzidas com
ouro e prata. São utilizadas, pincipalmente, na área de diagnóstico, como em testes para gravidez, os
quais detectam a proteína gonadotrofina coriônica humana (hCG) presente na urina, que, com a reação
do hormônio, se liga à nanopartícula revestida por anticorpos anti-hCG, mudando a coloração.

As nanopartículas de prata podem ser usadas como curativos, pois se aderem bem ao local e têm
feito antisséptico, como Acticoat®, Silverlon® e SilvaSorb®. Como exemplos de fármacos e vias de
administração podemos citar:

• Via intravenosa (IV): Sucrofer® – sacarato de hidroxidrodoferrico, usado em deficiência de ferro.

• Via oral (VO): Fosrenol® – carbonato de lantânio, usado em doença renal.

• Parental: NanoTherm®, usado no tratamento de câncer.

Um exemplo de nanopartículas metálicas com aplicação terapêutica que está em fase avançada de
estudo é o Aurimmune®, que é um composto de nanopartículas de ouro revestidas de polietilenoglicol
e de um fator de necrose tumoral (TNF-α). Esse medicamento tem sido investigado no tratamento
de diversos cânceres metastáticos avançados que não respondem mais ao tratamento usual. As
nanopartículas do Aurimmune® são capazes de se acumular ao redor do tumor, e sua ação em outros
tecidos é muito reduzida devido à especificidade do TNF-α.

As nanopartículas de ouro (AuNP), aprovada pela FDA, também podem ser usadas para determinar
a sensibilidade de fármacos e mutações genéticas por screening genético, como no caso de genes
relacionados com trombofilia.

7.9.7 Nanoesferas

Nanoesferas são partículas esféricas que exibem uma estrutura núcleo-casca. O tamanho varia de
10 nm a 200 nm de diâmetro. Nelas o fármaco é aprisionado, dissolvido, ligado ou encapsulado à
matriz do polímero, e o fármaco é protegido da degradação química e enzimática. O fármaco é física
e uniformemente disperso no sistema de matriz do polímero. A natureza das nanoesferas pode ser
cristalina ou amorfa. Esse sistema tem grande potencial e é capaz de converter a substância ativa
biologicamente instável e pouco absorvida e a substância ativa pouco solúvel no fármaco propício para
ser administrado. O núcleo das nanoesferas pode ser delimitado por diversas enzimas, genes e drogas.
110
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

As nanoesferas podem ser divididas em duas categorias: nanoesferas biodegradáveis e nanoesferas


não biodegradáveis. As nanoesferas biodegradáveis incluem nanoesferas de gelatina, nanoesferas de
amido modificado e nanoesferas de albumina, enquanto as nanoesferas não biodegradáveis incluem
ácido polilático, que é o único polímero aprovado.

Em cosméticos, as nanoesferas são usadas em produtos para a pele a fim de fornecer ingredientes
ativos às camadas profundas da pele e proporcionar seus efeitos benéficos à área afetada da pele
de forma mais precisa e eficiente. Esses fragmentos microscópicos desempenham um papel favorável
na proteção contra o envelhecimento actínico. O uso de nanoesferas está aumentando no campo da
cosmética, especialmente em produtos para a pele, como cremes antirrugas, hidratantes e antiacnes.

7.9.8 Dendrímeros

O termo “dendrímero” surge de duas palavras gregas: dendron, que significa árvore, e meros, que
significa parte. Os dendrímeros são altamente ramificados, unimoleculares, globulares, nanoestruturas
micelares e nanopartículas multivalentes cuja síntese, teoricamente, proporciona compostos
monodispersos. Um dendrímero é tipicamente construído a partir de um núcleo no qual uma ou
várias séries sucessivas de ramos são enxertados de forma arborescente e frequentemente adota uma
morfologia tridimensional esférica. A geração do dendrímero é determinada pelo número total de séries
de ramos: se ele tem uma série de ramos, então é o dendrímero de primeira geração; se tiver duas séries,
é a segunda geração; e assim por diante. Eles são extremamente pequenos em tamanho, com diâmetros
na faixa de 2 nm a 20 nm. Suas outras propriedades, como monodispersidade, polivalência e estabilidade,
o tornam um carreador ideal para administração de medicamentos com precisão e seletividade. Para
anexar substâncias biologicamente ativas para fins de direcionamento, grupos terminais são modificados.
Os dendrímeros fornecem liberação controlada do núcleo interno e os medicamentos são incorporados
no interior, além de serem fixados na superfície.

Os dendrímeros são uma nova classe de arquitetura macromolecular e também estão sendo usados
como cosmecêuticos baseados em nanotecnologia para várias aplicações, como em cuidados com o
cabelo, a pele e as unhas. Além disso, têm utilidade em vários produtos cosméticos, como xampus,
protetores solares, géis para modelar o cabelo e produtos antiacinos.

7.9.9 Nanotubos de carbono

No campo da nanotecnologia, os nanotubos de carbono são representados como uma das invenções
mais exclusivas. Nanotubos de carbono (CNTs) podem ser descritos como grafeno laminado com
hibridização SP2. Esses nanotubos são fibras ocas cilíndricas sem costura, compostas de paredes formadas
por grafeno como uma rede hexagonal de carbono, que são enroladas em ângulos “quirais” específicos
e discretos. Nanotubos de carbono individuais se alinham naturalmente em “cordas“ mantidas juntas
por empilhamento π. O diâmetro varia de 0,7 nm a 50 nm com comprimentos na faixa de 10 mícrons.
Os nanotubos de carbono são extremamente leves. Estes são mais de três tipos: CNTs de parede simples,
CNTs de parede dupla e CNTs de paredes múltiplas.

111
Unidade II

Os CNTs de parede única são feitos de folha única de grafeno, que é enrolada sobre si mesma com
diâmetro de 1 nm a 2 nm; os CNTs de parede dupla são compostos de dois nanotubos de carbono
concêntricos; e os CNTs de paredes múltiplas consistem em múltiplas camadas de tubos de grafeno com
diâmetros que variam de 2 nm a 50 nm.

Os principais métodos de produção de nanotubos de carbono consistem em descarga de arco, ablação a


laser, deposição de vapor químico, síntese de chama e solução de silano. Várias patentes de nanopartículas
de carbono foram depositadas no campo de cosmecêuticos, como colorações para cabelo e composições
cosméticas, compreendendo nanotubos de carbono e corantes de cabelo, nanotubos de carbono à base de
peptídeo, e seu uso em composições cosméticas e corantes de cabelo.

7.9.10 Cubossomos

Os cubossomos são partículas nanoestruturadas avançadas que têm como características serem
cristalinas líquidas discretas, submicrônicas e automontadas de surfactantes com proporção adequada
de água, o que as fornece propriedades únicas. São formados por estruturas automontadas de sistemas
aquosos de lipídios e surfactantes quando misturados com água e microestrutura em certa proporção.
Cubossomos são fases líquidas cúbicas bicontínuas, que englobam duas regiões separadas de água –
divididas por bicamadas controladas por surfactante e envolvidas em uma superfície de três dimensões,
periódica e mínima, formando uma estrutura fortemente compactada.

Consistem em uma estrutura em forma de favo de mel (cavernosa) e aparecem como pontos
que são ligeiramente esféricos na estrutura. Eles exibem uma faixa de tamanho de 10 nm a 500 nm
de diâmetro, e têm a capacidade de encapsular substâncias hidrofílicas, hidrofóbicas e anfifílicas.
Os cubossomos têm métodos de preparação relativamente simples; eles processam agentes bioativos
com liberação controlada e direcionada, possuem biodegradabilidade lipídica e possuem alta área de
superfície interna com diferentes modalidades de carregamento de drogas. São uma escolha atraente para
cosmecêuticos, portanto, por esse motivo, vários gigantes da cosmética estão investigando os cubossomos
e diversas patentes foram registradas em relação às suas aplicações cosméticas de cubossomos.

Saiba mais

O filme de ficção científica Viagem fantástica, de 1966, baseado no


livro de Isaac Asimov (1980), apresenta a história de pessoas que foram
miniaturizadas e podiam entrar na corrente circulatória para dissolver um
coágulo. Foi uma história extraordinária para época.

VIAGEM fantástica. Direção: Richard Fleischer. Estados Unidos: 20th


Century Studios, 1966. 100 min.

112
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

8 NANOTECNOLOGIA NA ÁREA FARMACÊUTICA: APLICAÇÕES

8.1 Medicamentos biológicos no tratamento do diabetes

A insulina é um hormônio secretado pelas células β das ilhotas de Langerhans, grupos específicos
de células do pâncreas. Trata-se de uma proteína que consiste em duas cadeias polipeptídicas, uma de
21 resíduos de aminoácidos, e a outra, de 30, unidas por duas pontes dissulfeto. Foi isolada em 1921, e
seu primeiro uso clínico ocorreu em 1922.

A insulina é preparada com diferentes técnicas; em uma delas, o hormônio é isolado de animais, e
em outra, é a preparação biotecnológica por meio de técnicas de DNA recombinante. Ela tem um papel
importante no controle do metabolismo intermediário e causa profundos efeitos no metabolismo de
carboidratos e lipídios. Além disso, tem influência significativa no metabolismo de proteínas e minerais.

O método tradicional e mais previsível de administração de insulina é por meio de injeções


subcutâneas. Esse método é frequentemente doloroso e, portanto, impeditivo para a adesão do paciente,
especialmente para aqueles que requerem injeções de doses múltiplas quatro vezes ao dia. Além disso,
houve relatos de episódios de hipoglicemia após injeções de múltiplas doses de insulina.

Várias novas abordagens para o método foram adotadas para diminuir o sofrimento dos pacientes
diabéticos, incluindo o uso de injetor supersônico, bomba de infusão, agulhas afiadas e canetas. Algumas
vias de entrega de insulina são uma forma problemática, por exemplo, a oral. A administração oral elimina
a dor causada pela injeção e as barreiras psicológicas associadas a várias injeções diárias, mas como
terapia não invasiva para o diabetes mellitus (DM) ainda é um desafio para a tecnologia de entrega de
drogas, pois a insulina é degradada pelas enzimas no ambiente ácido do estômago. A via transdérmica
é uma forma muito popular de administração de insulina, mas existem algumas desvantagens, por
exemplo, tamanho molecular da insulina e problemas de aplicação. Embora alguns desses métodos
aliviem a dor encontrada pelos pacientes diabéticos, oferecem uma conveniência incompleta. Mesmo que
o objetivo final seja eliminar a necessidade de fornecer insulina exogenamente e recuperar a capacidade
dos pacientes de produzir e usar a própria insulina, novos conceitos são explorados atualmente para
fornecer esse hormônio por vias oral, pulmonar, nasal, ocular e retal.

O sucesso da via de administração é avaliado com base em sua capacidade de provocar uma redução
eficaz e previsível do nível de glicose no sangue e, portanto, minimizar o risco de complicações do
diabetes. É óbvio que várias dificuldades têm de ser superadas com o uso da tecnologia de formulação
e aplicação de dispositivos. As várias rotas exploradas serão revisadas mais adiante. Por outro lado, este
item é uma tentativa de ilustrar o uso da administração de insulina e sua rota corporal no tratamento
do diabetes, a fim de beneficiar muitos pacientes diabéticos com adesão promissora do paciente.

Diabetes mellitus é um distúrbio metabólico caracterizado por hiperglicemia crônica (aumento


dos níveis sanguíneos e de glicose hepática) com distúrbios no metabolismo de carboidratos, gorduras
e proteínas resultante da secreção diminuída de insulina, ação prejudicada da insulina ou ambos.
Espera-se que os casos de diabetes mellitus aumentem de 171 milhões em 2000 para 366 milhões
até o ano 2030, conforme previsto pela OMS, de modo que continuará a aumentar em prevalência
113
Unidade II

e se tornará uma séria ameaça à saúde da humanidade. As injeções de insulina continuam a ser a
abordagem preferida para o tratamento de diabetes mellitus insulino-dependente (DMT1) e para muitos
pacientes com diabetes mellitus não insulino-dependentes (DMT2). Pessoas com diabetes mellitus tipo 1
apresentam destruição autoimune mediada pelas células-beta das ilhotas pancreáticas e deficiência
de insulina. O DM1 geralmente ocorre em crianças e adultos jovens, e requer a administração diária de
insulina por injeção ou bomba de insulina para que o indivíduo sobreviva. Por outro lado, a resistência
à insulina (que está associada à produção excessiva de glicose pelo fígado e à utilização prejudicada da
glicose pelos tecidos periféricos, principalmente muscular) é observada no DM2. Portadores de DM2 têm
secreção endógena de insulina prejudicada para lidar com o aumento do nível de glicose no sangue, e
a maioria precisa de medicamentos antidiabéticos orais. Conforme a doença progride, o pâncreas perde
sua capacidade de produzir insulina e a necessidade de terapia com insulina aumenta.

A hiperglicemia, a recorrência de ampla flutuação dos níveis de glicose no sangue e a resistência à


insulina podem levar a complicações de longo prazo, como micro e macrovasculares. É bem conhecido que
o controle metabólico melhorado reduz significativamente as complicações microvasculares (retinopatia,
nefropatia e neuropatia) ou macrovasculares (doença cardiovascular, acidentes cerebrovasculares e
doença vascular periférica) no diabetes. O desenvolvimento de complicações é uma causa de morbidade
considerável e aumenta a incapacidade e a mortalidade para o indivíduo com diabetes.

Observação

O tratamento inicial dos pacientes com diabetes mellitus costuma ser


feito com dieta e exercícios. Se essas medidas não forem suficientes para o
controle glicêmico, pode-se prescrever hipoglicemiantes orais, agonistas do
receptor do peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1) injetáveis, insulina
ou uma combinação desses fármacos.

As farmacoterapias convencionais atualmente disponíveis para o tratamento de diabetes tipo 2


incluem sensibilizadores de insulina (metformina e tiazolidinedionas), secretagogos de insulina
(sulfonilureias e glinidas), inibidores de alfa-glicosidase, insulina e análogos de insulina. Os agonistas do
peptídeo semelhante ao glucagon (GLP-1) e os inibidores da dipeptidil peptidase (DPP-4) são as terapias
que melhoram o controle glicêmico e foram recentemente desenvolvidas. Essas terapias são propostas
para tratar as principais anormalidades metabólicas associadas ao DM1 e ao DM2 e minimizar os efeitos
colaterais observados com as terapias convencionais.

Também em desenvolvimento, existem terapias adicionais que têm efeitos sobre os rins para
promover a excreção de glicose. O túbulo renal proximal (SGLT-2) tem alta capacidade de transporte
para reabsorção de aproximadamente 90% da glicose filtrada, principalmente. Os inibidores de SGLT-2
impedem a reabsorção de glicose no túbulo renal proximal, fazendo com que a glicosúria leve a um
declínio no nível de glicose plasmática. Uma ampla variedade de inibidores do SGLT-2 está atualmente
em desenvolvimento; a dapagliflozina, a canagliflozina e a empagliflozina são as substâncias mais
avançadas. A excreção de aproximadamente 40% da glicose filtrada se traduz em perda de 50 g a
100 g de glicose todos os dias. O consequente declínio da glicose em jejum e pós-prandial leva a uma
114
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

redução da HbA1c de aproximadamente 0,8%. A perda de substrato energético reduz o peso corporal
em aproximadamente 3 kg.

A terapia atual para diabetes mellitus por meio de antidiabéticos orais e administração subcutânea
de insulina apresenta sérias desvantagens, como abandono do paciente e hipoglicemia ocasional. Além
disso, essas abordagens não imitam o destino fisiológico normal da liberação de insulina e não fornecem
melhor homeostase da glicose. Na fisiologia humana normal, quando o nível de glicose no sangue
aumenta, a insulina é liberada do pâncreas, atinge a veia porta hepática e vai para o fígado, que é
seu principal local de ação. A administração subcutânea de insulina move primeiramente os tecidos
periféricos e pode produzir hiperinsulinemia periférica. A fim de superar os problemas associados à
administração parenteral de insulina, um progresso substancial foi feito para a via da insulina, como
ocular, vaginal, retal, oral, pulmonar, transdérmica, intranasal e outras. As barreiras para atingir a corrente
sanguínea são físicas, como má absorção nas superfícies da barreira, ou químicas, como inativação do
pH e degradação enzimática.

A entrega de insulina por via ocular foi testada em modelos animais em combinação com
diferentes intensificadores de absorção, com particular atenção à toxicidade, pois os polímeros
foram adicionados para superar a baixa absorção. As vias vaginal e retal da insulina também foram
avaliadas, mas a taxa de absorção e a biodisponibilidade são fracas devido às espessas camadas
da mucosa nesses tecidos. Muitos intensificadores de absorção (sais biliares, agentes quelantes,
surfactantes, ciclodextrinas e diidrofusidato) foram usados, mas não conseguiram evitar reações
locais com complicações graves.

A administração nasal também foi avaliada devido ao fácil acesso, à alta vascularização e à grande
área de absorção associada a essa via. Infelizmente, a depuração mucociliar altamente ativa no nariz
impediu a ação prolongada do medicamento, resultando em baixa biodisponibilidade. A administração
de insulina por via bucal e sublingual proporciona melhores resultados devido aos baixos níveis de
atividade enzimática proteolítica, à alta vascularização do tecido, à grande área de superfície para
absorção e à facilidade de administração. Ao contrário de outras rotas de entrega, o intestino é a via
natural de absorção de nutrientes na circulação. O fato de o intestino apresentar a maior superfície de
absorção de todas as vias proporciona melhor eficácia. No entanto, as múltiplas camadas de células
epiteliais orais representam uma barreira significativa à penetração do medicamento, o que, juntamente
com o fluxo contínuo de saliva, leva a uma eficácia pobre.

Levando tudo isso em conta, a administração oral é considerada a mais segura e conveniente, pois
leva o fármaco diretamente ao fígado por meio da circulação portal, onde inibe a produção hepática
de glicose. Portanto, por administração oral em maior extensão, a via fisiológica natural da insulina
pode ser imitada. O ambiente altamente ácido no estômago e a presença de enzimas proteolíticas
causam instabilidade estrutural da liberação oral de proteínas e peptídeos, inclusive no ambiente hostil
do sistema gastrointestinal. Esses medicamentos devem superar várias barreiras gastrointestinais, como
químicas, enzimáticas e de absorção, para obter biodisponibilidade adequada. Diferentes formulações
de polímeros para entrega de insulina, como lipossomas, microesferas, microemulsão e nanopartículas,
foram investigadas para contornar essas barreiras do TGI.

115
Unidade II

Entre essas abordagens, os sistemas nanoparticulares têm atraído especial interesse por fornecer
proteção ao meio altamente ácido do estômago – o que evita a degradação enzimática –, prolongando o
tempo de residência intestinal, aumentando a permeabilidade dos fármacos para a circulação sistêmica
(consequentemente, aumentando a absorção) e proporcionando liberação controlada das propriedades
das drogas encapsuladas. Para a medicina convencional, é bem compreendido que o tamanho
nanométrico, juntamente com outras características, desempenha um papel importante, como fica
evidente pela melhoria da biodisponibilidade/disponibilidade farmacológica. Devido à alta relação entre
área de superfície e volume de nanopartículas, a janela de absorção também é alta em comparação
com micropartículas – o que representa uma vantagem adicional para melhorar a biodisponibilidade do
medicamento administrado.

8.1.1 Vias de administração da insulina

8.1.1.1 Via oral

A terapia com insulina é usada com eficácia no tratamento do diabetes mellitus. A insulina é um
elemento-chave na redução dos níveis de glicose no sangue para o diabetes tipo 1 e também necessária
em estágios posteriores em pacientes com diabetes tipo 2. A via amplamente aceita para a entrega de
insulina é por administração parenteral, mas geralmente requer pelo menos três ou quatro injeções
diárias de insulina para um bom controle glicêmico. Consequentemente, diferentes vias de distribuição
de insulina mais aceitáveis têm sido pesquisadas para diminuir o sofrimento por desconforto, dor local,
irritação, infecção, reações imunológicas e lipoatrofia no local da injeção de insulina. A administração
oral de insulina liberaria a droga diretamente no fígado por meio da circulação portal e poderia limitar
o destino fisiológico da insulina secretada endogenamente. No entanto, polipeptídeos, como a insulina,
são degradados no pH do estômago e sofrem proteólise por enzimas no TGI. Além disso, a mucosa
gastrointestinal tem baixa permeabilidade para grandes peptídeos hidrofílicos.

Para superar os problemas associados à administração parenteral de insulina, várias estratégias


baseadas na nanotecnologia foram desenvolvidas para aumentar a absorção intestinal de diferentes
proteínas e peptídeos. Nanopartículas consistem em polímeros biodegradáveis de ocorrência natural e
são amplamente estudados a esse respeito. Eles surgiram como potenciais portadores de vários agentes
terapêuticos para a entrega controlada de drogas, bem como a via oral da insulina. Vários polímeros
hidrofílicos e hidrofóbicos naturais usados como transportadores de insulina oral, como quitosana,
alginato, sulfato de dextrano etc. são comumente usados para preparar nanopartículas.

• Polímeros usados como matrizes para a administração oral de insulina: nas últimas
décadas, cada vez mais atenção tem sido dada ao uso de nanopartículas poliméricas hidrofílicas
ou hidrofóbicas como transportadores para a entrega de insulina. Os polímeros hidrofílicos são
de particular interesse devido aos seus polímeros não tóxicos, biocompatíveis, biodegradáveis e
naturais. Entre eles, a quitosana é amplamente utilizada devido à sua facilidade de modificação
química e propriedades biológicas promissoras.

— Polímeros hidrofílicos – quitosana (CS): CS é um copolímero de ocorrência natural conhecido


por beta ligado a N-acetil glucosamina, geralmente encontrado na casca de crustáceos
116
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

(caranguejos, camarões e lagostas) e em alguns fungos ou leveduras. É um polímero hidrofílico


natural biodegradável, biocompatível, não tóxico, não alérgico, facilmente absorvível, que
resultou em uma ampla gama de aplicações em pesquisas biomédicas e de distribuição de
drogas. Além disso, prolonga o tempo de residência intestinal, o que mostra sua propriedade
mucoadesiva. Também foi mostrado como um intensificador da permeabilidade paracelular
ao interagir com as proteínas TJ que obstruem o ZO-1 e abre as junções estreitas entre as
células epiteliais. Além dessas propriedades, aumenta a estabilidade das nanoesferas e facilita a
encapsulação eficaz de proteínas e drogas que o tornam um material transportador adequado.

CS tem sido amplamente usado para desenvolver novos polímeros derivatizados de quitosana:

- CS combinado com poli (ácido γ-glutâmico) (γ-PGA) nanopartículas de insulina


com base: usados como polímeros hidrofílicos para entrega oral de insulina. Estudos
in vivo dessas formulações com uma dose de 30 UI/kg em modelos de ratos diabéticos
induzidos por estreptozotocina (STZ) mostraram aumento da absorção intestinal
de insulina de nanopartículas γ-PGA. Tem efeito hipoglicêmico de longa duração e 15% de
biodisponibilidade relativa em comparação com a injeção subcutânea. A mesma formulação
em cápsulas com revestimento entérico foi ainda melhor na mesma dose, apresentando
20% de biodisponibilidade oral. Além disso, a insulina aspártica (monomérica, três vezes
mais rápida do que a normal) é encapsulada no mesmo CS-γ-PGA e tem 15,7% de
biodisponibilidade oral.

- Nanopartículas carregadas de insulina com quitosana carboxilada e polimetil


metacrilato (PMMA): desenvolvidas para melhorar a entrega de insulina via oral. Um dos
polímeros mais amplamente investigados para a entrega de peptídeo são os acrilatos, que
têm alto interesse por causa de sua sensibilidade ao pH e grupos carboxila para aumentar
a bioadesividade, alterar a junção apertada e quelar o Ca2+, inibindo a atividade proteolítica
de proteases.

A capacidade de reduzir os níveis de glicose no sangue em ratos diabéticos foi avaliada,


cujos experimentos in vivo resultaram na redução dos níveis de glicose no sangue em 67%
com uma dose de 100 IU/kg, e a biodisponibilidade farmacológica de 25 IU/kg, com uma
dose de nanopartículas de PMMA, foi de 9,7%.

- Quitosana com alginato de sódio: este é outro produto de nanopartículas carregadas de


insulina usado para melhorar a capacidade de carga e manutenção da atividade. É observado
que, quando nanoesferas carregadas de insulina (25, 50 e 100 IU/kg) são administradas via
oral a ratos diabéticos, elas reduzem a glicemia a depender da dose. Suas disponibilidades
farmacológicas são 7,1%, 6,8% e 3,4%, respectivamente.

- Ftalato de hidroxipropilmetilcelulose (HPMCP): polímero sensível ao pH desenvolvido


como um material de revestimento entérico. Ele reduz a liberação do fármaco em
condições ácidas e melhora a estabilidade coloidal das partículas. A liberação de insulina
de nanopartículas de CS/HPMCP foi significativamente reduzida em pH ácido e mesmo
117
Unidade II

após seis horas diminuiu cerca de 25%, apenas. A insulina foi protegida da degradação
enzimática, no caso de CS/HPMCP, em comparação com partículas de quitosana nativa.
A quitosana carregada com insulina e as nanopartículas de HPMCP foram administradas
via oral a ratos wistar diabéticos. A disponibilidade farmacológica foi de 3,02% e 8,47%,
respectivamente, para a quitosana e as nanopartículas modificadas. Em comparação com
a solução de insulina oral, o efeito hipoglicêmico foi aumentado em 2,8 e 9,8 vezes para a
quitosana e as nanopartículas modificadas, respectivamente.

- Sulfato de dextrana: é um polímero diferente, não tóxico e altamente solúvel em água,


usado como matrizes para administração oral de insulina. A vitamina B12 demonstrou ser
um ligante para aumentar a absorção de nanopartículas de dextrana e sua translocação
através do TGI para alta biodisponibilidade. Insulina conjugada a nanopartículas de
dextrana-vitamina B12 para ratos diabéticos que tinham a menor quantidade de reticulação
foi considerada mais eficaz na redução dos níveis de glicose no sangue (70%-75%) em ratos
diabéticos induzidos. Além disso, o efeito hipoglicêmico durou 54 horas. Essa modificação
apresentou o maior efeito hipoglicêmico com disponibilidade farmacológica de 29,4%.

— Polímeros hidrofóbicos – poli (lactídeo-co-glicolídeo) (PLGA): as partículas que


consistem em PLGA têm sido amplamente estudadas como veículos de distribuição
terapêutica devido às suas partículas biodegradáveis e biocompatíveis. A natureza hidrofóbica
das matrizes PLGA geralmente as torna incapazes de aprisionar a insulina solúvel em água.
A administração intragástrica de nanopartículas de PLGA carregadas de insulina (20 UI/kg) a
ratos diabéticos reduziu os níveis de glicose no plasma em jejum para 57,4% nas primeiras
oito horas de administração. A biodisponibilidade relativa da insulina após a administração
oral de nanopartículas foi de 7,7% em comparação com a injeção subcutânea de sua solução.
Nanopartículas de PLGA com ramificação em estrela (β-ciclodextrina-PLGA) são altamente
promissoras para mitigar o efeito de explosão e prolongar a liberação de insulina. Outro
estudo tentou evitar a liberação repentina de insulina no estômago usando um derivado de
celulose (ftalato de hidroxipropilmetilcelulose – HPMCP) para preparar nanopartículas
de PLGA. Essa modificação reduziu a liberação inicial de NPs de PLGA no fluido gástrico
simulado de 50% para 20%, e sua biodisponibilidade relativa em ratos diabéticos foi de
aproximadamente 6,2%.

- Ácido polilactídeo (PLA): PLA exibe uma forte afinidade para o intestino delgado devido
aos seus blocos de óxido de polietileno (PEO) e a alta capacidade de permeação para a
membrana celular devido à sua propriedade anfifílica. Quando tratados por via oral com
nanopartículas de PLA vesiculares carregadas com insulina para camundongos diabéticos
(50 UI/kg), a maior redução de glicose no sangue foi alcançada em 4,5 horas. Embora esse
efeito tenha durado pelo menos 18,5 horas adicionais, o aumento da concentração de
insulina para 100 IU/kg não aumentou esse efeito hipoglicêmico (que durou 23 horas).

- Poli-ε-caprolactona (PCL): nanopartículas preparadas com PCL e uma forma monomérica


de análogo de insulina (insulina aspártica). Seus resultados demonstraram que essa
formulação permite a preservação das atividades biológicas da insulina, o aumento dos
118
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

níveis séricos de insulina e a melhora da resposta glicêmica. O efeito máximo de redução da


hiperglicemia foi encontrado 8 horas após a administração oral, que foi mais pronunciado
com nanopartículas carregadas de insulina aspártica (52%) na dose de 50 UI/kg.

— Polímeros lipídicos (NPs de lipídios sólidos – SLN): estudos anteriores demonstraram que
a nanoencapsulação de proteínas em SLNs prolonga seu tempo de permanência no sangue,
modifica sua biodistribuição e melhora sua biodisponibilidade. Na administração de insulina
oral com SLNs a ratos diabéticos, sua biodisponibilidade farmacológica relativa foi de 5,1%
em comparação com a injeção SC de insulina; um efeito hipoglicêmico considerável também
foi observado durante 24 horas. Para facilitar o transporte de partículas através das barreiras
celulares, em outro estudo a biodisponibilidade relativa aumentou para 7,1%. Esse estudo
também sugeriu que o aumento da eficiência de aprisionamento da droga e a utilização de
inibidores de protease em SLNs podem aumentar ainda mais a biodisponibilidade da insulina.

8.1.1.2 Via nasal

A administração nasal tem atraído muito interesse como uma via altamente eficiente para a
distribuição sistêmica de insulina. É bem conhecido que o perfil farmacocinético da insulina intranasal
se assemelha ao padrão pulsátil da secreção de insulina endógena em voluntários saudáveis durante as
refeições. Além disso, é considerada uma via promissora pelas seguintes razões:

• o nariz possui uma área de superfície relativamente grande (150 cm2) de absorção, por causa
de numerosas microvilosidades e da camada subepitelial altamente vascularizada, que passa
diretamente para a circulação sistêmica, evitando a perda de droga por metabolismo de primeira
passagem no fígado;

• alta permeabilidade da membrana epitelial nasal;

• menor atividade enzimática em relação ao TGI.

Embora a administração nasal de insulina tenha muitas vantagens, também existem algumas
barreiras que limitam a absorção intranasal de insulina, por atuarem como barreiras:

• a depuração macociliar das formulações da cavidade nasal;

• a baixa permeabilidade da mucosa nasal a grandes moléculas; e

• a baixa biodisponibilidade da insulina.

Para superar as várias barreiras pela via nasal, os pesquisadores estudaram uma ampla gama de
intensificadores, como sais biliares e derivados, lauril sulfato de sódio, fosfolipídios, ciclodextrinas,
quitosana e inibidores de enzimas.

119
Unidade II

8.1.1.3 Via pulmonar

A administração pulmonar é uma das vias alternativas mais promissoras de absorção de insulina.
Os pulmões oferecem uma área de superfície grande e altamente vascularizada para a absorção do
fármaco, de aproximadamente 80 a 140 m2. Os alvéolos são recobertos por um epitélio monocamada
muito fino (0,1 a 0,2 mm), que permite a rápida absorção do medicamento. Os alvéolos podem ser
efetivamente direcionados para a absorção de drogas pela administração como um aerossol, com
diâmetro aerodinâmico médio de massa inferior a 5 µm. O metabolismo de primeira passagem não
ocorre nessa via, nem o metabolismo do sistema gastrointestinal. Embora as enzimas metabólicas sejam
encontradas nos pulmões, suas atividades e vias podem ser diferentes daquelas encontradas no TGI, o
que torna a rota pulmonar de diversas proteínas e peptídeos terapêuticos muito promissora.

Existem vários dispositivos de inalação, como inaladores dosimetrados ou inaladores de pó de


drogas, como o AERx® Insulin Diabetes Management System, desenvolvido pela Novo Nordisk, que
fornece aerossol de insulina humana, e o Exubera®, desenvolvido pela Nektar/Pfizer, que usa uma
formulação de pó seco.

Os inaladores de pó seco são atualmente os dispositivos mais comumente usados devido à sua
estabilidade e esterilidade para desenvolver insulina pulmonar. Os surfactantes, sais biliares e ácidos
graxos têm sido avaliados como potencializadores de absorção que aumentam a permeabilidade dos
fármacos através das membranas epiteliais. No entanto, o éter oleílico de polioxietileno (PE) apresentou
uma boa intensificação, e o trioleato de sorbitano exibiu capacidade moderada de intensificação. Os
efeitos intensificadores do trioleato de glicerol, oleato de etila, álcool oleílico, ácido palmítico e ácido
esteárico foram muito baixos. Em contraste, os lipossomas são potenciadores de absorção pulmonar
muito eficazes para drogas peptídicas e proteicas. Eles têm fosfolipídios biogênicos e propriedades
naturais biocompatíveis, biodegradáveis e não imunogênicas.

8.1.1.4 Via bucal

A insulina fornecida por via bucal é por meio de um spray de aerossol na cavidade oral. É absorvido
pela parte interna das bochechas e na parte de trás da boca. A mucosa bucal é perfeitamente acessível
com área de superfície de aproximadamente 100-200 cm2, menor risco de traumatismo e permeabilidade
e perfusão relativamente boas. Várias formulações e fatores sozinhos ou em combinação podem
influenciar as propriedades de liberação do sistema de entrega de insulina bucal. Estas formulações
devem conter potencializadores de absorção (como surfactantes, sais biliares, quelantes, lauril sulfato
de sódio ou ácidos graxos) para aumentar a permeabilidade da membrana, inibidores de enzimas para
proteger a droga da degradação, inibidores de protease (aprotinina e glicocolato de sódio) para funcionar
a permeação da droga através mucosa, modificações de lipofilicidade (conjugação com polímeros),
sistemas de administração com bioadesivos (géis, filmes, adesivos) e formulações lipossomais. O ácido
lisalbínico, que é aplicado como um intensificador da absorção, mostrou aumentar significativamente a
permeabilidade da mucosa bucal à insulina. Este ácido é um produto da hidrólise alcalina da albumina
do ovo e não tem efeito irritante ou sensibilizante no uso bucal. A coadministração de ácido lisalbínico
e proteínas relativamente pequenas, como a insulina, pode aumentar a permeabilidade da insulina da
mucosa da bochecha.
120
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Nos últimos anos, um novo sistema inovador foi desenvolvido pela Generex Biotechnology
Corporation (Toronto, Canadá). É baseado em uma formulação líquida (Oral-Lyn®) de insulina humana
recombinante, intensificadores de absorção (que encapsulam e protegem as moléculas de insulina) e
dispositivo Rapid Mist® (tecnologia avançada de administração oral de drogas). Este dispositivo envia
rapidamente pequenas partículas de um spray aquoso para a cavidade oral. Isso permite uma rápida
absorção de insulina. Oral-Lyn® foi avaliado em pessoas saudáveis ​​e diabetes tipo I. Ela aparece na
circulação em 10 minutos, o tempo para atingir o pico da concentração de insulina é em torno de
25 minutos. Observou início de ação mais rápido e ação hipoglicêmica menos prolongada. Vários
estudos em pacientes com diabetes tipo 1 e 2 demonstraram que essa insulina oral pode ser eficiente
no controle dos níveis de glicose pós-prandial.

8.1.1.5 Via transdérmica

A administração transdérmica de insulina é uma alternativa atraente para a via parenteral invasiva
de administração e outras vias alternativas de insulina, como as vias pulmonar e nasal, porque a pele
oferece as vantagens de um acesso fácil e uma área de superfície muito grande (1-2 m2). Ela melhora
a adesão do paciente e evita o metabolismo de primeira passagem do fígado e a degradação de drogas
no TGI. A pele também representa importante interface indolor para a administração sistêmica de
medicamentos. Apesar dessas vantagens, a pele humana limita a permeação de compostos estranhos,
especialmente moléculas hidrofílicas grandes como a insulina. O estrato córneo; que é a camada
superior causa impermeabilidade da pele por sua matriz rica em lipídios. Várias tentativas foram feitas
para superar a barreira da pele e permitir a transferência de grandes drogas como a insulina. Eles podem
ser divididos em métodos químicos (lipossomas e intensificadores químicos) e físicos (principalmente
iontoforese e sonoforese).

8.1.1.6 Via ocular

A administração ocular é outra promissora e desafiadora via para peptídeos e proteínas


oftalmologicamente ativos para o tratamento de doenças oculares. As vantagens da entrega ocular
são: menos desenvolvimento de reações imunológicas nos tecidos oculares, menos efeitos colaterais,
sem tolerância e evitação do metabolismo hepático de primeira passagem. Embora os intensificadores,
como saponina, dodecilmaltosídeo, tetradecilmaltosídeo, ácido fusídico e glicocolato, aumentem a
absorção sistêmica de insulina em animais, também podem aumentar a toxicidade ocular. Uma série de
alquilglicosídeos, incluindo tetradecil-, tridecil-, dodecilmaltosídeo e dodecilsacarose, foram potentes
estimuladores da absorção de insulina após administração ocular tópica em ratos anestesiados quando
usados em concentrações tão baixas quanto 0,125%. Estes são os reagentes alquilglicosídeos mais
hidrofóbicos e foram os mais eficazes em aumentar a absorção sistêmica de insulina. Além disso, o
cocoato de sacarose, um excipiente farmacológico de preparação cosmética e dermatológica, foi usado
para determinar seu possível intensificador de absorção na administração ocular de drogas. Quando a
insulina foi administrada ocularmente na presença de cocoato de sacarose a 0,5%, os níveis de insulina
no plasma aumentaram significativamente e os níveis de glicose no sangue foram reduzidos. Devido a
essa observação, o lipossoma que contém insulina foi preparado para prolongar o tempo de retenção da
formulação na área pré-córnea e sua formulação carregada positivamente diminuiu os níveis de glicose
no sangue de 65% a 70%.
121
Unidade II

Mais recentemente, Gelfoam®, uma esponja de gelatina absorvível, e dispositivos oculares foram
desenvolvidos como transportadores de insulina para administração sistêmica de insulina. Embora
Gelfoam® com 0,2 mg de insulina tenha demonstrado absorção sistêmica prolongada de insulina
dentro dos níveis terapêuticos desejados, ele também pode causar toxicidade de longo prazo, bem como
diminuir a produção de lágrimas. Devido a essa toxicidade, foram desenvolvidos dispositivos oculares de
insulina de sódio e insulina de zinco. Gelfoam® e esses dispositivos foram suficientes para controlar os
níveis de glicose no sangue (60% do inicial) por mais de 8 horas.

8.1.1.7 Via vaginal

Nos últimos anos, vários estudos provaram que a vagina tem um rico suprimento de sangue e grande
área de superfície, o que significa boa permeabilidade, e pode ser uma rota potencial para entrega
sistêmica a uma ampla gama de compostos. As principais vantagens da via vaginal do medicamento
são: evitar o metabolismo de primeira passagem, facilidade de administração e boa permeabilidade para
medicamentos de baixo peso molecular. Para a distribuição sistêmica de sais biliares, diidrofusidato,
ciclodextrinas, surfactantes e agentes quelantes foram testados como potencializadores para facilitar a
taxa de absorção vaginal, mas às vezes eles induziram várias reações locais.

8.1.1.8 Via retal

A via retal de administração foi testada logo após a descoberta da insulina, mas vários pesquisadores
encontraram problemas de absorção através da mucosa. A vantagem promissora desta administração
é a possibilidade de evitar, até certo ponto, o metabolismo hepático de primeira passagem. Promotores
de absorção e surfactantes foram usados para fornecer o maior efeito hipoglicêmico na aplicação de
insulina retal. O polioxietileno-9-lauril éter (POELE) ou salicilato de sódio mais eficaz para aumentar a
absorção retal foi usado em supositórios de insulina em cães diabéticos. Foi investigado que o efeito
hipoglicêmico pode ser alcançado em cerca de 50% a 55%.

8.2 O microambiente tumoral como estratégia de direcionamento de


nanopartículas

Uma das maiores preocupações em saúde pública é o câncer, que pelo mau funcionamento das
células afetadas leva o órgão afetado a sofrer consequências drásticas, como perda de sua função,
além de prejudicar outros órgãos que dependem do órgão afetado, acarretando um grupo de
doenças interligadas.

Mas como podemos atacar essas células tão maléficas? Um ponto importantíssimo é o estudo do
microambiente tumoral, que propicia a progressão do crescimento e a proteção das células tumorais.

O câncer promove muitas alterações ao seu redor, levando a um “microambiente tumoral” que
envolve a matriz extracelular (MEC) das células tumorais: células endoteliais e seus percursores, células do
músculo liso, pericitos, fibroblastos, miofibroblastos, linfócitos T e B, neutrófilos, eosinófilos, mastócitos,
basófilos, células natural killer (NK), células dendríticas, macrófagos, proteínas, como citocinas (por
exemplo, interleucina-8), peptídeos inflamatórios, como cininas e hormônios, e outros fatores, como
122
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

o vascular endothelial growth factor (VEGF), o fator de crescimento fibroblástico básico (FGF-b), o
fator de crescimento transformante alfa (TGF-α), o fator de necrose tumoral (TNF), enzimas líticas,
como as da família de metaloproteases de matriz, além de causar disfunção linfática no interstício
do tumor, causando hipertensão intersticial e condições físico-químicas como hipóxia e acidificação do
microambiente tumoral (por causa da fermentação lática).

Essas células transformadas são fracamente aderidas à matriz pelas moléculas de adesão, como as
integrinas, o que causa um desprendimento destas e, chegando ao sangue, as chamadas circulating
tumor cells (CTC) podem colonizar outros locais, em um processo que se chama metástase.

Como as células de câncer conseguem resistir a várias formas de eliminação, como na quimioterapia
e na imunoterapia, pois são capazes de bombear fármacos anticancerígenos para seu exterior, a cirurgia e
a radioterapia podem não afetar determinadas neoplasias malignas. A nanotecnologia surgiu como
uma esperança concreta em seu tratamento, por ser biocompatível e poder direcionar ou vetorizar o
medicamento quimioterápico mais efetivo na quantidade e no local correto, resultando na alteração do
microambiente tumoral e sua não sobrevivência.

Essas alterações no microambiente tumoral podem estimular apoptose e desaparecimento do tumor


ou sua proteção, dependendo do estímulo. Um tipo celular que pode ter esse comportamento dúbio é o
dos macrófagos associados a tumores (TAMs), classificados como do tipo I (M1), que, quando ativados,
fagocitam e destroem microrganismos e produzem elevados níveis de citocinas pró-inflamatórias,
eliminando células tumorais, e os macrófagos do tipo 2 (M2) – os quais, quando ativados, induzem a
angiogênese pela liberação de VEGF, estimulando a progressão do tumor.

Para que o tratamento seja eficaz, o diagnóstico precoce é imprescindível, mas métodos tradicionais
detectam o tumor quando já há muitas células. A nanotecnologia vem se destacando nessa área,
colocando-se como método diagnóstico do futuro, fato já observado quando se usa nanopartículas
de óxidos metálicos revestidas com anticorpos específicos como contraste em imagens de RM ou na
tomografia computadorizada (TC), que são direcionadas para células cancerosas a fim de proporcionar
visualização ainda em estágios iniciais.

Um dos alvos terapêuticos para que haja a remissão da doença é a alteração do microambiente
tumoral, que, apesar de diferir de tumor para tumor, pode apresentar características biológicas, físicas
ou químicas em comum que podem ser alvos terapêuticos, diminuindo, dessa forma, a resistência às
drogas e a metástase.

Ligantes como anticorpos monoclonais podem ser adsorvidos na superfície dos nanocarreadores,
que são, então, reconhecidos por células cancerosas-alvo, pois expressam em sua membrana proteínas
específicas que os atraem, o que em células normais não ocorre.

Outros ligantes não imunogênicos são também capazes de ser adsorvidos na superfície das
nanopartículas. Ácido fólico ou ferro podem ser ligados à superfície das nanopartículas para interagir
com os receptores de transferrina e folato, que são superexpressos nos tumores sólidos. Nanopartículas de
sílica revestidas por folato carregadas com fármaco para câncer de próstata não chegam rapidamente
123
Unidade II

a essas células, pois têm cerca de 200 vezes mais receptores de folato em sua superfície do que as
células saudáveis.

Outro exemplo de nanopartículas usadas no tratamento de câncer são as nanopartículas com


PEG (lipossomas PEGuilados). Elas não são captadas pelo sistema mononuclear fagocítico (MPS),
aumentando sua meia-vida. Como a drenagem linfática está lenta, leva medicamentos anticâncer,
por exemplo, de doxorrubicina, vincristina e paclitaxel, que passam a ser acumuladas nesse
ambiente tumoral.

No processo de formulação de sistemas de entrega de fármacos, como os lipossomas e as


nanopartículas poliméricas contendo fármacos antineoplásicos lipofílicos e/ou hidrofílicos, pode-se
programar para que sejam sensíveis a pH. Como sabemos que o microambiente tumoral apresenta pH
ácido, essas nanopartículas são atraídas ao local por apresentarem anticorpos específicos na superfície
para determinado órgão e, após fundir-se com as membranas-alvo, por causa do baixo pH, liberam o
fármaco diretamente na célula, o que deixa a quimioterapia menos agressiva para as células saudáveis
de outros órgãos, melhorando a qualidade de vida e a baixa sobrevida do paciente.

Outra forma de liberação de fármaco pelos lipossomas é deixá-los sensíveis à luz e à temperatura,
caso se utilizem fármacos fotossensibilizadores, como os usados em fototerapias pouco invasivas, por
exemplo, fotodinâmica (PDT) e fototérmica (PTT).

Na PDT, ocorre liberação do fármaco após o local ser irradiado por laser, que absorve
determinado comprimento de onda, enquanto na PTT acontece abertura e liberação do antineoplásico
em temperaturas altas (acima de 42 ºC), que, além de induzir apoptose, estimula a destruição sem
remoção do tecido (coagulação, ablação e até carbonização) por aquecimento no local em virtude
de um campo magnético.

Atualmente, o termo medicina teranóstica está sendo usado para designar um método de
diagnóstico e de tratamento de câncer conjunto, uma vez que nanocarreadores com quimioterápicos
chegam às células-alvo porque são vetorizadas ou encaminhadas ao local estrategicamente estudado.
Ao mesmo tempo, será realizado o diagnóstico por imagem, que será confirmado com a extração
das células para análise do diagnóstico molecular (genótipo e fenótipo), e pode-se liberar o fármaco
diretamente no local de estudo – o que mostra que cada vez mais a medicina será individualizada para
que a terapia seja efetiva, diminuindo a resistência da terapia antineoplásica.

Nanopartículas com perfluorcarbono têm sido estudadas para tratamento de tumores vasculares,
pois agem como contraste para ultrassom e RM, e podem liberar fármacos na região do câncer.

Nanopartículas de óxido de ferro superparamagnéticas têm vantagem em RM nuclear e em


comparação com o gadolínio, pois o ferro é encontrado normalmente em nosso corpo, e o gadolínio,
não. Outra vantagem é que permitem a detecção de tumores com liberação de medicamento, recurso
até então inviável em outras técnicas.

124
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

8.3 Medicamentos biológicos para o tratamento de doenças raras

Produtos biológicos (derivados de vírus, toxinas, soros terapêuticos, proteínas, antitoxinas,


sangue, vacinas, produtos alergênicos e compostos orgânicos de arsênio trivalentes) têm se mostrado
historicamente difíceis de estudar, purificar e fabricar em grande escala. Porém, novos conhecimentos
e avanços tecnológicos nos últimos 25 anos posicionaram os produtos biológicos como importantes
elementos na indústria farmacêutica.

Os produtos biológicos mais populares atualmente são projetados para tratar doenças graves
e crônicas, como diabetes, câncer e artrite reumatoide. Esses produtos incluem o anti-inflamatório
Humira (Adalimumabe), da AbbVie. Esse produto, o biológico mais vendido atualmente, foi lançado
em 2002 e inclui indicações para o tratamento de artrite reumatoide, artrite psoriática, psoríase em
placas, doença de Crohn, colite ulcerosa e espondilite anquilosante. Como resultado dessas múltiplas
indicações, a população de pacientes para esse medicamento é enorme. Só em 2017, o Humira gerou
US$ 18,4 bilhões em vendas globais.

Mas e as doenças raras? Embora muitas vezes igualmente devastadoras, as doenças raras com
pequenas populações de pacientes têm sido tradicionalmente alvos muito menos atraentes do ponto de
vista financeiro para os desenvolvedores de medicamentos do que as doenças comuns.

A população afetada por cada doença rara (DR) é normalmente inferior a 200 mil pessoas.
No entanto, coletivamente, elas afetam cerca de 20 a 30 milhões de pessoas nos Estados Unidos e mais de
350 milhões de pessoas em todo o mundo. A carga significativa de doenças e o impacto social destas
exigem um crescimento contínuo na pesquisa translacional e no desenvolvimento de medicamentos órfãos.
Nas últimas duas décadas, a indústria farmacêutica foi incentivada a desenvolver medicamentos
órfãos. A legislação sobre medicamentos órfãos, a simplificação dos procedimentos de autorização de
comercialização e a extensão da pesquisa de exclusividade de mercado são alguns dos incentivos que
estimularam o crescimento constante no campo. Em 2020, 53 novos medicamentos foram aprovados
pela FDA nos Estados Unidos, a segunda maior contagem em mais de duas décadas.

O progresso nos tratamentos farmacológicos para doenças raras foi aprimorado por desenvolvimentos
nas seguintes áreas principais:

• Terapias de moléculas pequenas: moléculas pequenas são agentes terapêuticos ideais por
várias razões. Eles são estáveis, permitem múltiplas vias de administração e tendem a custar
menos do que outras plataformas terapêuticas. No desenvolvimento de medicamentos órfãos,
pequenas moléculas permitem o uso de telas direcionadas e melhor modelagem de doenças.
Em 2020, várias terapias de pequenas moléculas foram aprovadas pelo FDA:

— Zeposia (ozanimod – Bristol-Myers Squibb), foi aprovado em março de 2020 para o tratamento
da esclerose múltipla.

— Orladeyo (berotralstat – BioCryst Pharmaceuticals), um inibidor da calicreína plasmática, foi


aprovado em abril de 2020 para a prevenção de angioedema hereditário.
125
Unidade II

— Isturisa (osilodrostat – Novartis), um inibidor da síntese de cortisol, foi aprovado em junho de


2020 para o tratamento da doença de Cushing em adultos.

— Evrysdi (risdiplam – Roche), um modificador de splicing SMN2, foi aprovado em agosto de


2020 para o tratamento de atrofia muscular espinhal (AME).

— Zokinvy (lonafarnib – Eiger BioPharmaceuticals), um inibidor da farnesiltransferase, foi aprovado


para o tratamento da síndrome de Hutchinson-Gilford progeria em novembro de 2020.

— Koselugo (selumetinibe – AstraZeneca), foi aprovado em novembro de 2020 para


neurofibromatose tipo 1, uma doença genética que causa o crescimento de tumores nos nervos.

No geral, as moléculas pequenas oferecem uma vantagem sobre as plataformas terapêuticas


emergentes devido à vasta experiência científica e clínica que já existe nesse campo.

• Terapias com anticorpos: desde a aprovação do primeiro anticorpo monoclonal (MAb) em 1986,
esta classe de terapêutica tem crescido continuamente. As terapias baseadas em MAb aprovadas
para doenças raras têm sido, principalmente, no campo da oncologia, embora essa plataforma
terapêutica tenha mostrado potencial na segmentação de proteínas associadas a doenças.

— Eculizumab (soliris – Alexion Pharmaceuticals), uma terapia com anticorpos que foi inicialmente
aprovada para hemoglobinúria paroxística noturna, agora também foi aceita para síndrome
urêmica hemolítica e miastenia gravis. Outra terapia com MAb (canakinumab) (Ilaris – Novartis),
que foi inicialmente aprovada para artrite reumatoide, agora foi reconhecida para síndromes
periódicas associadas à criopirina.

A alta especificidade das terapias baseadas em MAb minimiza os riscos de toxicidade fora do alvo,
o que é frequentemente observado ao usar terapias de moléculas pequenas. Outro ponto forte das
terapias com MAb é sua estabilidade in vivo, o que torna possível ter esquemas de dosagem infrequentes,
como mensais ou bimensais. Algumas das terapias de anticorpos aprovadas para doenças raras em
2020 incluem:

• Uplizna (inebilizumab-cdon – Viela Bio), também foi aprovado para neuromielite óptica em
agosto de 2020.

• Enspryng (satralizumab – Roche), um mediador da interleucina (IL)-6, também foi aprovado para
neuromielite óptica em novembro de 2020.

• Danyelza (naxitamab – Y-mAbs Therapeutics), foi aprovado em novembro de 2020 para o


tratamento de neuroblastoma, um câncer raro que afeta crianças.

126
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Terapias de reposição de proteínas – doenças raras associadas à perda da função de uma proteína
específica têm se beneficiado do uso de terapias de substituição de proteínas. Os avanços nesses tipos
de terapias cresceram significativamente nas últimas décadas.

A terapia de substituição de proteínas mudou de produtos derivados de plasma para proteínas


recombinantes e ainda progrediu para proteínas de engenharia recombinante. Isso levou ao
desenvolvimento de características terapêuticas melhoradas em terapias recentes, como o emicizumabe
(Chugai Pharmaceuticals), para o tratamento da hemofilia.

O foco da maioria das terapias de reposição enzimática tem sido as doenças genéticas ligadas a
enzimas ausentes ou com mau funcionamento. Até o momento, várias terapias de substituição de
proteínas foram aprovadas para doenças raras, incluindo doença de Gaucher, doença de Fabry,
Hurler‑Scheie, síndrome de Hunter, doença de Pompe, doença de Batten, síndrome de Morquio A e
doença de Sly.

As terapias com oligonucleotídeos têm demonstrado eficácia em condições neurológicas raras,


que, com sua força são capazes de atingir alvos que são inacessíveis com as terapias tradicionais.
As terapias com oligonucleotídeos também têm alta especificidade, o que ajuda a reduzir a toxicidade
fora do alvo. Algumas terapias de oligonucleotídeos notáveis aprovadas pelo FDA em 2020 incluem:

• Oxlumo (lumasiran – Alnylam Pharmaceuticals), indicado para o tratamento da hiperoxalúria


primária tipo 1 (aprovado em novembro de 2020).

• Viltepso (viltolarsen – Nippon Shinyaku), uma terapia de salto do éxon 53 para o tratamento da
distrofia muscular de Duchenne (aprovado em dezembro de 2020).

Apesar dos recentes desenvolvimentos em medicamentos órfãos, continua a haver uma grande
lacuna a preencher no tratamento de doenças raras. Um dos principais desafios nessa área continua
a ser uma grande tendência para algumas doenças raras. As indicações oncológicas, por exemplo,
continuam a constituir a maioria das aprovações de medicamentos órfãos. Isso significa que as
doenças raras fora da oncologia ainda não estão recebendo a atenção necessária. Com esse desafio
está uma oportunidade para a indústria farmacêutica colaborar com outras partes interessadas a fim
de buscar terapias com medicamentos órfãos para indicações não oncológicas.

Outra oportunidade no desenvolvimento de medicamentos órfãos está em encontrar características


comuns entre doenças raras específicas ou suas variantes alélicas. Isso envolveria o desenvolvimento
de terapias direcionadas a mecanismos moleculares e fisiopatológicos compartilhados por várias
doenças raras. Isso tem o potencial de facilitar o progresso rápido, permitindo que vários distúrbios
sejam tratados com terapias idênticas ou semelhantes.

127
Unidade II

Resumo

Nesta unidade, foram abordados assuntos relacionados ao desenvolvimento


de medicamentos biológicos, nanotecnologia aplicada a farmácia, cosmética
e medicamentos utilizados para tratamento de doenças raras.

Os medicamentos biológicos são produzidos a partir da purificação


de fluidos biológicos e/ou tecidos de origem animal, ou por processos
biotecnológicos em que células vivas mantidas em laboratório atuam como
fábricas em linha de produção. Ambos os processos requerem cuidados
especiais para garantia da qualidade. Produtos biológicos purificados de
origem animal são produzidos por tecidos e/ou órgãos, sem que exista um
controle restrito no processo de fabricação da substância farmacológica, e,
por isso, devem ser adequadamente purificados. A produção de biológicos
a partir de linhagens celulares é um processo inicialmente complexo mais
bem controlado, e justamente por isso um pouco mais acessível no quesito
de garantia de qualidade. Contudo, não exclui a necessidade de um bom
processo de purificação. Esses processos diferem substancialmente dos
empregados na produção química convencional. São também exclusivos
a cada produção, o que gera por vezes dificuldades e questionamentos de
avaliação de segurança e eficácia.

A nanotecnologia farmacêutica é a área das ciências farmacêuticas


envolvida em desenvolvimento, caracterização e aplicação de sistemas
terapêuticos em escala nanométrica ou micrométrica. Estudos de tais
sistemas têm sido realizados ativamente no mundo com o propósito de
direcionar e controlar a liberação de fármacos. A microencapsulação é
bastante utilizada nas indústrias alimentícia, têxtil, farmacêutica e cosmética
por permitir a proteção de substâncias lábeis e voláteis, o controle da
liberação do fármaco, contribuindo para a melhoria na biodisponibilidade e
a redução da dose terapêutica e toxicidade.

As doenças raras são caracterizadas por uma ampla diversidade de


sinais e sintomas, e variam não só de doença para doença, mas também
de pessoa para pessoa acometida pela mesma condição. O conceito de
doença rara, segundo a OMS, é a doença que afeta até 65 pessoas em
cada 100 mil indivíduos, ou seja, 1,3 para cada 2 mil pessoas. Na União
Europeia, por exemplo, estima-se que 24 a 36 milhões de indivíduos têm
doenças raras. No Brasil, há estimados 13 milhões deles, segundo pesquisa
da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).

128
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Exercícios

Questão 1. Examine a figura e leia o texto a seguir.


Átomo DNA Bactéria Grão de sal Laranja

10-10 10-9 10-8 10-7 10-6 10-5 10-4 10-3 10-2 10-1

Faixa da
nanotecnologia

Figura 29

Disponível em: https://cutt.ly/OUNWJcb. Acesso em: 24 set. 2021.

Partículas de tamanho extremamente pequeno, com dimensão entre 1 nm e 100 nm, estão presentes
na natureza há milhares de anos. Apesar disso, os primórdios da nanociência são referidos à década de
1950. A nanotecnologia nada mais é do que explorar e aprimorar as capacidades que as nanoestruturas
possuem e lhes atribuir novas finalidades. Compreende design, caracterização, produção e aplicação de
estruturas, dispositivos e sistemas por meio do controle da forma e do tamanho em escala manométrica.

Adaptado de: Disner e Cestari (2016, p. 71-76).

As informações dadas fazem referência a uma área da ciência que tem tido, cada vez mais, papel
importante na indústria mundial e nas inovações em diferentes áreas. Mas como é a relação entre a
nanociência e a farmácia? Avalie as afirmativas a seguir sobre esse contexto.

I – A nanociência tem causado uma revolução na indústria farmacêutica ao apresentar alternativas


muito mais precisas de tratamentos do que os medicamentos tradicionais (intravenosos ou orais).
Exemplos disso são os nanorobôs de DNA usados para o tratamento da leucemia.

II – Uma área dos estudos farmacêuticos em que a nanotecnologia é muito aguardada, mas ainda não
consegue se desenvolver, é a de vacinas. Segundo os especialistas, a grande complexidade de bactérias
e vírus impede que nanopartículas sejam usadas para combatê-los.

129
Unidade II

III – Da integração entre os dois ramos da ciência, nasceu a nanofarmacologia focada, com o uso
da nanotecnologia para otimizar o aproveitamento dos medicamentos pelo organismo. Nanoestruturas
estão sendo desenvolvidas para transportar e entregar medicamentos em locais específicos (por exemplo,
células e órgãos), o que torna o tratamento eficiente, de ação rápida e com menos efeitos colaterais.

Assinale a alternativa correta.

A) Apenas a afirmativa I é correta.

B) Apenas a afirmativa II é correta.

C) Apenas as afirmativas I e III são corretas.

D) Todas as afirmativas são corretas.

E) Nenhuma afirmativa é correta.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: de fato, a revolução na indústria e nos laboratórios farmacêuticos já começou.


A nanociência/nanotecnologia desenvolve e utiliza nanorobôs (agentes extremamente pequenos), que
podem ser guiados para células específicas, melhorando a função dos medicamentos e com pouco ou
nenhum efeito colateral.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a afirmativa não é correta porque a nanociência também está sendo empregada na
produção de vacinas. Por exemplo, vacinas contra o papilomavírus humano (HPV) e contra a hepatite B
usam nanopartículas semelhantes a vírus (VLPs). Até vacinas contra covid-19 já estão surgindo com
essa tecnologia, usando nanopartículas lipídicas (LNP).

III – Afirmativa correta.

Justificativa: a integração entre a farmácia e a nanotecnologia tem sido muito auspiciosa,


desenvolvendo tratamentos cada vez mais eficientes. A chamada drug delivery (ou entrega de
medicamentos) torna o medicamento sítio específico, ou seja, ele é transportado pelo corpo e chega
diretamente aos locais onde têm que agir. Com isso, o medicamento se mantém estável, com níveis
constantes no plasma e mais eficaz.

130
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

Questão 2. Leia o infográfico e o cartaz de divulgação a seguir.

Figura 30

Disponível em: https://cutt.ly/9Ir5bBy. Acesso em: 24 set. 2021.

Figura 31

Disponível em: https://cutt.ly/LIqLjvm. Acesso em: 24 set. 2021.

131
Unidade II

Considerando as informações dadas, é possível perceber que o diabetes é uma doença importante
no Brasil e no mundo porque afeta grande parcela da população. Contudo, os cartazes de divulgação
e de conscientização da doença concentram-se nos sintomas, e não no tratamento. Com base nessas
informações e em seus conhecimentos sobre a doença, assinale a alternativa incorreta.

A) Diabetes mellitus caracteriza-se por um distúrbio metabólico que gera hiperglicemia crônica e
afeta o metabolismo de carboidratos, gorduras e proteínas. É causado pela diminuição na produção de
insulina ou por algum tipo de prejuízo na ação desse hormônio.

B) Para um tratamento de sucesso, deve-se levar em conta a via de administração, uma vez que a
via escolhida deve ser capaz de reduzir de maneira eficiente e controlada a glicemia, combatendo o
diabetes. Nesse contexto, o uso da tecnologia de formulação e a aplicação de dispositivos corretos têm
papel fundamental.

C) A insulina é o hormônio envolvido na causa do diabetes, e o tratamento dessa doença baseia‑se


na administração de insulina, que é obtida por diferentes técnicas, como o isolamento a partir de
animais ou a preparação por meio de técnicas de DNA recombinante.

D) Para o tratamento do diabetes, a maneira mais tradicional de administração de insulina é por


injeções subcutâneas. Entretanto, há diferentes alternativas que incluem o injetor supersônico, a bomba
de infusão, a administração oral e canetas.

E) A vacina contra diabetes foi desenvolvida a partir da tecnologia das nanopartículas, em que
nanorobôs se dirigem ao pâncreas e passam a ativar e controlar as células desse órgão, responsáveis
pela produção de insulina.

Resposta incorreta: alternativa E.

Análise das alternativas

Ao avaliarmos as alternativas, devemos ter em mente que o enunciado solicita que seja assinalada
a informação incorreta.

A) Alternativa correta.

Justificativa: de fato, o diabetes mellitus é um distúrbio metabólico que causa aumento dos níveis
sanguíneos de glicose e de glicose hepática, afetando o metabolismo de carboidratos, gorduras e
proteínas. Entre suas causas está a redução da produção de insulina devido ao mau funcionamento
do pâncreas. Alternativamente, pode haver produção de insulina, mas sua ação torna-se prejudicada
por algum motivo. Estimativas dão conta de que a doença aumente de 171 milhões (em 2000) para
366 milhões (em 2030), vindo a se tornar uma séria ameaça à saúde da humanidade. No diabetes tipo 1,
há destruição autoimune mediada das células-beta das ilhotas pancreáticas e deficiência de insulina e,
geralmente, ocorre em crianças e adultos jovens. No diabetes tipo 2, há resistência à insulina associada à
produção excessiva de glicose pelo fígado e à utilização prejudicada da glicose pelos tecidos periféricos,
132
BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA

principalmente musculares. Conforme a doença progride, o pâncreas perde sua capacidade de produzir
insulina, e a necessidade de terapia com insulina aumenta.

B) Alternativa correta.

Justificativa: pensando na via de administração de um medicamento, é possível listar várias opções,


como vias oral, anal, subcutânea e intravenosa. Cada uma tem suas particularidades. No caso do diabetes,
essa via de administração deve ter a capacidade de provocar uma redução eficaz e previsível do nível de
glicose no sangue, diminuindo o risco de complicações da doença. É claro que várias dificuldades têm
de ser superadas com o uso da tecnologia de formulação e aplicação de dispositivos.

C) Alternativa correta.

Justificativa: a insulina é secretada pelas chamadas células β das ilhotas de Langerhans, localizadas
no pâncreas. Quimicamente, é uma proteína que consiste em duas cadeias polipeptídicas, uma de
21 resíduos de aminoácidos, e a outra, de 30, unidas por duas pontes dissulfeto. Foi isolada em 1921
e, no ano seguinte, usada clinicamente. Sua obtenção pode ser feita a partir de animais ou por uma
técnica de biologia molecular chamada DNA recombinante.

D) Alternativa correta.

Justificativa: de fato, o método tradicional e mais previsível de administração de insulina é por meio
de injeções subcutâneas. Contudo, muitos pacientes reclamam por ser muito doloroso, especialmente
para os casos em que são exigidas doses múltiplas várias vezes ao dia. Outro fato associado é de
ocorrência de hipoglicemias após injeções de múltiplas doses de insulina. Para contornar essa situação,
foram criadas aplicações por vias alternativas que acabaram diminuindo o sofrimento dos pacientes
diabéticos, mas que também trouxeram novos desafios aos tratamentos. Entre essas alternativas, está o
uso de injetor supersônico, bomba de infusão, agulhas afiadas e canetas.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: embora haja inúmeros progressos no campo da nanotecnologia que auxiliam


o tratamento de muitas doenças, ainda não existe uma vacina para diabetes que tenha sido criada
seguindo tal metodologia. Além disso, deve-se lembrar que diabetes não é causada por patógeno; é uma
doença originada por mau funcionamento do próprio organismo.

133
REFERÊNCIAS

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Informações:
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