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Microbiologia, Imunologia

e Parasitologia
Autora: Profa. Maria Eleonora Feracin da Silva Picoli
Colaboradores: Nome Nome Nome Nome Nome
Nome Nome Nome Nome Nome
Nome Nome Nome Nome Nome
Nome Nome Nome Nome Nome
Professora conteudista: Maria Eleonora Feracin da Silva Picoli

Graduou-se em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 1999, concluiu o
mestrado em Biologia Funcional e Molecular na área de Bioquímica, pela mesma universidade, no ano de 2002 e
obteve o título de doutora em Biologia Funcional e Molecular, em 2004, também pela Unicamp. Foi docente no curso
de Ciências Biológica e tutora no curso de Bioquímica da Nutrição, oferecido na modalidade de educação a distância
(EaD) pelo departamento de Bioquímica do Instituto de Biologia da Unicamp. Ingressou na Universidade Paulista –
UNIP/Campinas no ano de 2002, na qual atua até hoje como docente titular da disciplina de Microbiologia, Imunologia
e Parasitologia dos cursos de Enfermagem, Farmácia, Nutrição, Odontologia e Medicina Veterinária.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Z13 Zacariotto, William Antonio

?
Informática: Tecnologias Aplicadas à Educação. / William
Antonio Zacariotto - São Paulo: Editora Sol.

il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-006/11, ISSN 1517-9230.

1.Informática e tecnologia educacional 2.Informática I.Título

681.3

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Unip Interativa – EaD

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Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Ana Luiza Fazzio
Sumário
Microbiologia, Imunologia e Parasitologia
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS MICRORGANISMOS............................................................................9
1.1 Como os microrganismos são estudados.................................................................................... 11
1.2 Conceitos importantes em Microbiologia................................................................................... 14
1.3 Fungos........................................................................................................................................................ 15
1.4 Vírus............................................................................................................................................................ 19
2 BACTERIOLOGIA................................................................................................................................................ 24
2.1 A célula procarionte............................................................................................................................. 24
2.2 Estruturas e apêndices bacterianos............................................................................................... 25
2.2.1 Parede celular............................................................................................................................................ 25
2.2.2 Fímbrias........................................................................................................................................................ 28
2.2.3 Flagelos........................................................................................................................................................ 29
2.2.4 Cápsula......................................................................................................................................................... 30
2.2.5 Esporos......................................................................................................................................................... 31

Unidade II
3 CRESCIMENTO E REPRODUÇÃO BACTERIANA..................................................................................... 35
3.1 Metabolismo bacteriano.................................................................................................................... 36
3.2 Genética e reprodução bacteriana................................................................................................. 40
3.2.1 Fissão binária transversal...................................................................................................................... 41
3.3 Aquisição da variabilidade genética.............................................................................................. 42
3.3.1 Conjugação................................................................................................................................................ 43
3.3.2 Transformação.......................................................................................................................................... 45
3.3.3 Transdução.................................................................................................................................................. 46
3.4 Resistência bacteriana........................................................................................................................ 47
4 FATORES QUE INTERFEREM NO CRESCIMENTO BACTERIANO....................................................... 48
4.1 Nutrientes................................................................................................................................................. 48
4.2 Temperatura ........................................................................................................................................... 48
4.3 Oxigênio.................................................................................................................................................... 50
4.4 Pressão osmótica................................................................................................................................... 51
4.5 pH................................................................................................................................................................ 51
4.6 Métodos de controle do crescimento bacteriano.................................................................... 52
Unidade III
5 O SISTEMA IMUNOLÓGICO E SEUS CONSTITUINTES.......................................................................... 55
5.1 Conceitos gerais..................................................................................................................................... 55
5.2 Órgãos e tecidos linfoides.................................................................................................................. 58
5.2.1 Órgãos linfoides centrais...................................................................................................................... 59
5.2.2 Órgãos linfoides periféricos................................................................................................................. 61
5.3 Células que participam da resposta imune................................................................................ 62
5.3.1 Células apresentadoras de antígeno................................................................................................ 63
5.3.2 Linfócitos..................................................................................................................................................... 64
5.4 Granulócitos............................................................................................................................................ 67
6 TIPOS DE RESPOSTAS IMUNOLÓGICAS................................................................................................... 70
6.1 Resposta imune inata.......................................................................................................................... 70
6.1.1 Elementos e mecanismos de ação.................................................................................................... 70
6.2 Resposta imune adaptativa.............................................................................................................. 74
6.2.1 Elementos e mecanismos de ação.................................................................................................... 75
6.2.2 Resposta imune celular......................................................................................................................... 77
6.2.3 Resposta imune humoral..................................................................................................................... 80
6.3 Reações de hipersensibilidade......................................................................................................... 83

Unidade IV
7 INTRODUÇÃO À PARASITOLOGIA............................................................................................................... 88
7.1 Tipos de parasitas.................................................................................................................................. 89
7.2 Vetores....................................................................................................................................................... 90
8 PRINCIPAIS PARASITAS CAUSADORES DE DOENÇAS EM HUMANOS........................................ 90
8.1 Protozoa.................................................................................................................................................... 90
8.1.1 Trypanosoma cruzi.................................................................................................................................. 91
8.1.2 Entamoeba histolytica........................................................................................................................... 94
8.1.3 Giardia lamblia (duodenalis) .............................................................................................................. 96
8.1.4 Plasmodium sp.......................................................................................................................................... 98
8.2 Helmintos...............................................................................................................................................100
8.2.1 Nematoda.................................................................................................................................................101
8.3 Filo Platyhelminthes .........................................................................................................................106
8.3.1 Cestoides...................................................................................................................................................106
8.3.2 Trematoda.................................................................................................................................................109
8.4 Artrópodes.............................................................................................................................................112
APRESENTAÇÃO

A Microbiologia, a Imunologia e a Parasitologia são áreas intimamente ligadas. Partindo deste


princípio, elaboramos este material para que os alunos de Enfermagem possam não apenas aprender
sobre a forma como os patógenos atacam (Microbiologia e Parasitologia) e os hospedeiros se defendem
(Imunologia), mas também correlacionar esses conhecimentos nas etapas subsequentes do curso e
aplicá-los no mercado de trabalho.

Além disto, esta disciplina tem como objetivo a aquisição de conceitos básicos dessas áreas a fim de
capacitar o aluno a compreender e a relacionar os conhecimentos específicos em sua área de atuação,
bem como desenvolver o raciocínio clínico e crítico adequadamente.

Na área da Enfermagem, o domínio desses três tópicos é essencial por diferentes motivos. Pensando
na área de Microbiologia, podemos falar que a importância de saber quais fatores são capazes de
inibir o crescimento bacteriano é essencial para impedir o desenvolvimento de bactérias em material
hospitalar. Outro exemplo está relacionado à resistência bacteriana aos medicamentos, pois, ao
reconhecer os mecanismos de reprodução bacteriana e os fatores que podem levar ao desenvolvimento
de superbactérias, permite ao profissional da Enfermagem o desenvolvimento de estratégias que coíbam
o surgimento de infecções hospitalares.

Pensando nas viroses, como dengue e febre zika, que aterrorizaram o Brasil em 2015 e ainda perdura
por 2016, o conhecimento do profissional de Enfermagem sobre esses vírus consente sua atuação tanto
no desenvolvimento de estratégias educativas, para inibir a proliferação do agente transmissor da
doença, como no desenvolvimento de vacinas que imunizem a população.

Seguindo essa mesma linha, o conhecimento em Imunologia permite ao enfermeiro avaliar os


progressos do seu paciente durante o tratamento de determinada patologia. Finalmente, ao dominar o
ciclo de vida dos diversos parasitas que podem causar doenças nos seres humanos, o enfermeiro pode
atuar não apenas como um educador, mostrando a importância de medidas profiláticas simples para
se evitar a transmissão dessas doenças, mas junto ao poder público em busca de melhorias para as
condições sanitárias de uma determinada comunidade.

Ou seja, o conhecimento nessa área é de suma importância para o dia a dia do profissional da
Enfermagem, independentemente da sua área de atuação.

INTRODUÇÃO

“Menino, tire essa mão suja da boca! Ela está cheia de germes!”

Quem nunca escutou essa frase quando era criança? Pois bem, sua mãe não estava errada. Os
microrganismos – vírus, fungos, bactérias ou parasitas – estão por toda parte e tentam, de diversas
maneiras, colonizar um organismo vivo. A fim de evitar essa invasão indesejada, temos o nosso
sistema imune que, por sua vez, tentará defender o hospedeiro e barrar a ocupação dos patógenos.
Sendo assim, este livro-texto tem como objetivo apresentar as principais estratégias desenvolvidas
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pelos patógenos para causar uma doença e as formas como nosso sistema imunológico neutraliza
essas ações.

Para isso, iniciaremos nossos estudos pelas bactérias, fungos e vírus – os três principais patógenos
causadores de doenças no ser humano. Estudaremos as principais características de cada grupo, as
estratégias desenvolvidas para se reproduzir e colonizar o nosso organismo e como podemos controlar
o seu crescimento. Aprenderemos sobre o nosso sistema imunológico e a maneira como ele neutraliza
a ação dos patógenos. Analisaremos as células envolvidas na resposta imune e o modo como elas,
também, neutralizam os patógenos. Finalmente, estudaremos os parasitas, os protozoários e os vermes,
além de suas principais características e doenças causadas.

Esperamos que após o término não apenas do livro-texto, mas da disciplina como um todo, se
perceba a importância de conhecer esses microrganismos para o dia a dia do enfermeiro e seja aplicado
esse conhecimento de modo a melhorar a qualidade de vida do seu paciente.

Boa leitura!

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MICROBIOLOGIA, IMUNOLOGIA E PARASITOLOGIA

Unidade I
1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS MICRORGANISMOS

A Microbiologia, como o próprio nome já diz, é a ciência responsável pelo estudo dos organismos
microscópicos, ou seja, aqueles que só podem ser estudados através dos microscópios.

Dois tipos de microrganismos são explorados pela Microbiologia: as partículas infecciosas ou


microrganismos acelulares – que incluem os vírus e os príons – e os microrganismos celulares pelos quais
encontramos os procariontes (arqueanas e bactérias) e os eucariontes (algas, protozoários e fungos).

Apesar de sempre se desconfiar da existência desses seres diminutos, que estão espalhados por
toda parte, somente em 1674, quando o alemão Antony van Leeuwenhoek desenvolveu o primeiro
microscópio do mundo, é que a presença desses pequenos seres foi comprovada. A figura a seguir
mostra como era o artefato desenvolvido por Leeuwenhoek.

Figura 1 – Leeuwenhoek e seu primeiro microscópio

Saiba mais
Para um estudo mais aprofundado acerca de Antony van Leeuwenhoek
e a invenção do microscópio, leia:
ANTONY van Leeuwenhoek: inventor do microscópio. Jornal
Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, Rio de Janeiro, v. 45, n.
2, abr. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1676-24442009000200001&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:
13 jul. 2016.

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Unidade I

Porém, o “pai” da Microbiologia é o francês Louis Pasteur que, por intermédio de diversos trabalhos,
explicou a presença dos microrganismos no ar e atribuiu a eles o papel de contaminação de diferentes
meios. Graças aos experimentos desenvolvidos por Pasteur, é que outros médicos e pesquisadores
puderam alertar a população sobre o desempenho dos microrganismos no desenvolvimento das doenças.

Em meados de 1860, outro médico, que também concordava com os conceitos de Pasteur sobre a
presença dos microrganismos no ambiente e o seu papel na contaminação, desenvolveu um método
de desinfecção para campo operatório com o objetivo de reduzir os processos infecciosos. As ideias do
Dr. Joseph Lister, embora excêntricas para a época, ajudaram a salvar muitas vidas, e seus princípios são
utilizados até hoje em ambientes hospitalares.

No entanto, a comprovação de que os microrganismos eram os grandes responsáveis pelos processos


infecciosos só veio em 1876 com os Postulados de Koch. O médico alemão Robert Koch afirmou, em seu
primeiro postulado, que existia uma interação entre o patógeno e o seu hospedeiro doente. No segundo
postulado, Koch afirmava que esse patógeno poderia ser isolado em meio de cultura nutritiva para ter
todas as suas características estudadas. Já no terceiro postulado, o médico declarava que o patógeno
isolado em meio de cultura causaria a reprodução dos sintomas se fosse inoculado em uma planta sadia.
Finalmente, no quarto e último postulado, Koch confirmava que, ao ser isolado novamente, o patógeno
manteria as mesmas características de quando foi isolado anteriormente.

Não poderíamos deixar de citar Alexander Fleming ─ médico escocês responsável pela descoberta do
primeiro antibiótico, a penicilina. Fleming era muito preocupado com o estudo das defesas do organismo
contra as infecções microbianas quando, em 1928, ao analisar colônias de Staphylococcus, percebeu
que essas bactérias tinham o seu crescimento inibido pela presença do fungo do gênero Penicillium.
Estava iniciada a era dos antibióticos.

Figura 2 – Acima, Alexander Fleming em seu laboratório; abaixo, meio de cultura com colônias bacterianas e fúngicas

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MICROBIOLOGIA, IMUNOLOGIA E PARASITOLOGIA

Saiba mais

A fim de saber mais sobre a vida e as contribuições de Alexandre Fleming


para a ciência, leia:

ALEXANDER Fleming e a descoberta da penicilina. Jornal Brasileiro de


Patologia e Medicina Laboratorial, v. 45, n. 5, Rio de Janeiro, out. 2009.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1676-24442009000500001&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:
13 jul. 2016.

De lá para cá, muita coisa mudou. Novas formas de estudos dos microrganismos foram desenvolvidas,
outras estratégias de desinfecção foram aplicadas em diferentes áreas da saúde e a batalha contra
esses pequenos seres se tornou cada vez mais acirrada devido ao desenvolvimento da resistência aos
antimicrobianos.

1.1 Como os microrganismos são estudados

Apesar de a presença dos microrganismos no corpo humano como agentes causadores de doenças
sempre despertar o interesse de muitos estudiosos, não se deve esquecer que esses seres são encontrados
em praticamente todos os ambientes chamados de naturais em populações mistas, ou seja, diferentes
grupos de microrganismos coabitam determinado nicho.

Embora, em termos ecológicos, essa interação seja de extrema relevância para a manutenção
do ambiente, em laboratório é preciso que esses microrganismos sejam separados e isolados para o
estudo. Sendo assim, em laboratórios eles são colocados em culturas puras, isto é, uma única espécie de
microrganismo (fungo, bactéria ou partícula viral) é colocada em um meio nutritivo apropriado para que
seu crescimento seja estimulado.

Mas o que é o meio de cultura?

São preparações feitas de um material nutritivo que permite o cultivo artificial de microrganismos
em laboratórios. Para que cada microrganismo seja cultivado, prepara-se um meio de cultura específico
que atenda a todos os requisitos nutricionais desse microrganismo. Chamamos de meios enriquecidos
aqueles meios que favorecem o crescimento e a reprodução de um ou mais microrganismo de interesse,
por isso são os mais utilizados em laboratórios de microbiologia médica e de alimentos.

Observação

Algumas vezes é necessário o isolamento de um tipo específico de


microrganismo encontrado em uma população mista. Neste caso, se faz
11
Unidade I

uso dos chamados meios seletivos capazes de estimular o crescimento de


um tipo de microrganismo e inibir o crescimento de outros por meio do uso
de antibióticos específicos, corante e sais biliares.

Assim, o meio de cultura nos permite conseguir, de forma artificial, uma


grande concentração de microrganismos e, desta forma, a realização de
estudos bioquímicos, morfológicos e farmacológicos desses seres vivos.

A caracterização morfológica ainda é a principal forma de identificação de vários seres vivos. Por
serem organismos de dimensões reduzidas, os microrganismos não são detectados individualmente pelo
olho humano, logo, para o estudo desses seres se utiliza obrigatoriamente o microscópio.

Os microscópios são um conjunto de lentes e condensadores que aumentam em até 1,2 mil vezes o
tamanho de uma célula de forma a permitir a distinção dos detalhes de determinadas estruturas. Para o
estudo de microrganismos, são utilizados os microscópios de campo claro, mas ainda é necessário o uso
de corantes que permitem a diferenciação de grupos químicos isolados e/ou associados.

Figura 3 – Representação esquemática de um microscópio óptico de luz

O primeiro passo para esse estudo é o preparo de um esfregaço, ou seja, os microrganismos da amostra
de interesse são colocados de forma concentrada em uma lâmina. Essa amostra pode ser proveniente
tanto de um meio de cultura como do ambiente. Antes de se iniciar o processo de coloração, deve-se fixar
o microrganismo na lâmina para evitar que ele seja perdido durante o processo de coloração. Embora
existam diferentes técnicas de fixação, a realizada pelo calor ainda é a mais utilizada em laboratórios.
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MICROBIOLOGIA, IMUNOLOGIA E PARASITOLOGIA

O passo seguinte é a coloração. Chamamos de coloração simples aquela que usa um único tipo de
corante e permite apenas a constatação da presença do microrganismo. Neste sentido, muitas vezes
utiliza-se a coloração diferencial cujo uso de corantes contrastantes (dois ou mais) permite não apenas
a identificação qualitativa do microrganismo, mas também a diferenciação de grupos distintos de
microrganismos, em especial de bactérias. A coloração diferencial também possibilita a visualização de
estruturas particulares de grupos de bactérias.

No estudo das bactérias, a principal técnica utilizada é a coloração de Gram. Desenvolvida em 1884
pelo médico Hans Christian Gram, a técnica de Gram – como ficou conhecida – permite a identificação
e a diferenciação de dois grupos de bactérias: as Gram+ (Gram positivas) e as Gram- (Gram negativas).
Esses grupos se diferenciam pela composição de sua parede celular, que será discutida mais adiante.
Ademais, a técnica viabiliza a identificação morfológica da bactéria e o acompanhamento do isolamento
de uma amostra, além de auxiliar na escolha do melhor tipo de antibiótico a ser prescrito no tratamento.
A figura a seguir mostra de forma esquemática os passos para a coloração de Gram.

Figura 4 – Representação esquemática mostrando os passos para a coloração de Gram. O lugol (iodo) faz o papel de mordente, a
descoloração é feita com álcool e acetona, e a fucsina ou safranina exerce o papel de contracorante. Micrografia comparando uma
bactéria Gram positiva e Gram negativa. Em roxo/azul temos as bactérias Gram positivas e em rosa/magenta as bactérias Gram negativas

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Unidade I

Outras técnicas de coloração permitem, ainda, identificar estruturas específicas do microrganismo,


como a presença de flagelos, cápsulas e endósporo, e são aplicadas conforme a necessidade do estudo.

Os testes bioquímicos também são amplamente utilizados na identificação de microrganismos ─


em especial as bactérias ─ e aplicados em associação às colorações simples ou diferenciais para a prova
definitiva na identificação de microrganismos devido ao fato de que as propriedades metabólicas são
específicas para cada grupo. Os testes bioquímicos são divididos em dois grupos: tipos de metabolismo
e atividade enzimática. Esses testes são expressos, na maioria das vezes, como positivo ou negativo, e o
resultado gerado será comparado às características já descritas na literatura.

1.2 Conceitos importantes em Microbiologia

Embora existam muitos microrganismos benéficos para o homem, o estudo desses seres vivos – em
especial das bactérias, fungos e vírus – tem como objetivo entender as doenças que eles provocam, suas
formas de disseminação e controle.

Com a intensificação desses estudos e o desenvolvimento de técnicas laboratoriais mais precisas e


eficientes, observou-se que, na verdade, esse mecanismo é mais complexo do que se pensava, já que um
mesmo microrganismo pode ocasionar mais de um tipo de doença (exemplo: Staphylococcus auerus –
provoca amidalite, endocardite e piodermite) e muitos microrganismos podem causar o mesmo tipo de
doença (exemplo: pneumonias virais, bacterianas e fúngicas).

A relação entre um microrganismo e seu hospedeiro nem sempre resulta em desenvolvimento da


doença, pode ser que ocorra uma interação temporária ou ainda uma relação simbiótica de longo prazo,
já que o corpo humano se adaptou ao longo do tempo à presença de microrganismo em determinados
tecidos, e as infecções só acontecerão quando um desses microrganismos se deslocar para um ambiente
até então estéril, como o pulmão e o coração.

Chamamos de microbiota comensal (microbiota normal ou ainda microbiota endógena) um grupo de


microrganismos que coloniza diversas regiões do corpo humano, como a pele e os tratos genito-uretral
e intestinal de um hospedeiro. Essa microbiota pode colonizar temporariamente ou permanentemente
seu hospedeiro sem interferir no funcionamento normal desse organismo, aliás, tais microrganismos
têm um papel importante na sobrevivência do seu hospedeiro por contribuírem no metabolismo de
alguns produtos alimentícios, auxiliarem na produção de vitaminas e fatores de crescimento, além de
defenderem seu hospedeiro de outros microrganismos de alta virulência.

Observação
Comensalismo é uma relação biológica em que um organismo é
beneficiado e o outro não é afetado pela relação.

Porém, alguns desses microrganismos interagem com seu hospedeiro de forma a alterar a fisiologia
normal do organismo, desencadeando um processo patológico que causa danos teciduais por
consequência da ação direta de fatores microbianos e/ou da própria resposta imune do hospedeiro.
14
MICROBIOLOGIA, IMUNOLOGIA E PARASITOLOGIA

Chamamos de patógeno aquele microrganismo causador de doença, enquanto os não patogênicos


são incapazes de desencadear a doença, pelo contrário, a maioria deles é benéfico para o seu hospedeiro.

Poucos microrganismos são considerados patógenos estritos, ou seja, obrigatoriamente acarretam


doença ao seu hospedeiro. Dentre eles, podemos citar:

• Mycobacterium tuberculosis: agente causador da tuberculose.

• Neisseria meningitides e Neisseria gonorrhoeae: causadoras, respectivamente, da meningite


meningocócica e da gonorreia.

• Vírus da dengue, febre zika e febre chikungunya.

• Trypanosoma cruzi: responsável pela doença de Chagas.

A maioria dos patógenos é considerada patógeno oportunista. São os microrganismos que


colonizam o organismo humano e, geralmente, não causam nenhuma doença, mas têm potencial de
desencadear infecções ao colonizarem determinadas regiões do nosso corpo nas quais, normalmente,
não são encontrados ou, ainda, se o hospedeiro tiver seu sistema imunológico comprometido. Grande
parte das infecções humanas é considerada oportunista justamente por causa desses microrganismos
constituintes da microbiota endógena.

Lembrete

A infeção ocorrerá quando a presença de um microrganismo provocar


alterações na fisiologia normal do organismo com diferentes graus de
gravidade.

1.3 Fungos

Os fungos são microrganismos eucariontes pertencentes ao Reino Fungi. Devido à sua natureza
eucarionte, possui uma organização celular mais complexa do que as bactérias que, como visto
anteriormente, são organismos procariontes. A principal característica dos fungos é o fato de o seu
material genético não estar em contato direto com o citoplasma, mas envolto por uma membrana
nuclear. Também são encontradas no meio intracelular organelas citoplasmáticas e um citoesqueleto
organizado, que são delimitados por uma membrana plasmática típica cujo componente esteroide
recebe o nome de ergosterol. Sua parede celular é composta majoritariamente por quitina – nunca
por proteoglicanos –, o que a diferencia grandemente da parede celular bacteriana. De acordo com a
morfologia, os fungos podem ser classificados em unicelulares e filamentosos.

Os fungos unicelulares recebem o nome de leveduras ─ fungos esféricos. Já os fungos filamentosos


são comumente chamados de bolores e podem ser multicelulares e, ainda, macroscópicos. A figura a
seguir mostra a comparação entre fungos filamentosos e unicelulares.
15
Unidade I

Figura 5 – Comparação morfológica entre os fungos. (A) Fungos unicelulares (*leveduras); (B) fungos pluricelulares
(filamentosos); as hifas estão sinalizadas pela seta

Todos os fungos são heterotróficos e podem se reproduzir de forma sexuada e assexuada,


independentemente da sua morfologia. A reprodução sexuada é mais comum nos fungos de vida
livre, ou seja, naqueles encontrados no solo ou associados ao sedimento e a dejetos fecais. Os fungos
patogênicos, que vivem associados aos seres humanos, a outros animais e às plantas, tendem a se
reproduzir de forma assexuada por ser uma estratégia reprodutiva mais rápida, contribuindo para a
disseminação.

As infecções causadas por fungos recebem o nome de micoses e são classificadas de acordo com
a sua profundidade. Ao contrário das infecções bacterianas e virais, que já têm sua patogênese bem
descrita e estudada, as doenças fúngicas ainda não possuem seu mecanismo de patogenicidade bem
estabelecido na literatura médica.

Pouco fungos são virulentos o suficiente para tornarem-se os agentes primários de uma infecção.
Chamamos de patógenos fúngicos primários aquelas espécies fúngicas capazes de desencadear quadro
infeccioso. Mesmo que o hospedeiro esteja imunocompetente, basta que ele encontre nesse organismo
um microambiente rico em substratos nutricionais suficientes para a sua multiplicação e permita a
neutralização das respostas imunológicas. Enquadram-se na categoria de patógenos fúngicos primários,
as espécies:

• Blastomyces dermatitidis: infecção respiratória.


• Coccidioides immitis: infecção pulmonar, cutânea, oftálmica, meningite.
• Histoplasma capsulatum: doença pulmonar, pericardite.
• Paracoccidioides brasiliensis: doença crônica em órgão único ou multifocal, linfonodos.

A maioria dos patógenos fúngicos anteriormente citados apresenta dimorfismo, ou seja, alteram sua
morfologia conforme o microambiente que coloniza. Assim, esses fungos podem ser encontrados no
ambiente, em especial no solo ou associado à vegetação em decomposição, na forma de hifas septadas.
Essa fase é chamada de saprofítica e, durante esse período, são produzidas as células infecciosas que
serão disseminadas principalmente pelo ar. Por outro lado, quando encontrar um microambiente
16
MICROBIOLOGIA, IMUNOLOGIA E PARASITOLOGIA

adequado em um hospedeiro “vivo” – onde a temperatura é em torno de 37º C – sua forma passará a ser
esférica e sua reprodução assexuada. Esse é um comportamento típico da fase parasitaria.

Uma característica desses fungos é capacidade de sobreviver dentro de macrófagos. Para tanto, eles
desenvolvem várias estratégias que são capazes de neutralizar a ação da célula. Os quadros seguintes
resumem algumas das estratégias mais utilizadas pelas espécies citadas:

Quadro 1 – Fatores de virulência e suas consequências para o organismo


de alguns fungos considerados patógenos primários

Espécie Fator de virulência Consequência


Escapam do reconhecimento de neutrófilos e
macrófagos.
Blastomyces dermatitidis Dimorfismo térmico
Colonização tecidual e disseminação hematogência.
Aumento da concentração de íon amônia/amônio.

Coccidioides immitis Produção de uréase Alcalinização da superfície celular do fungo.

Permite sobrevivência dentro do fagossomo.


Disseminação entre os tecidos.

Coccidioides immitis Protease extracelular Penetração por barreiras cutâneas e mucosas.

Neutralização das defesas imunológicas.


Modulação do pH do
Histoplasma capsulatum fagolisossomo Inativação das enzimas lisossomais.

Histoplasma capsulatum Sideróforo hidroxâmico Sobrevivência dentro do fagolisossomo.


Imunomoduladores – intensa resposta inflamatória.
Paracoccidioides Composição da parede
brasiliensis celular Aumento da virulência – persistência dentro da célula.

Quadro 2 – Mecanismo de ação de alguns fatores de virulência encontrados


em fungos considerados patógenos primário

Espécie Mecanismo de ação


Mudança da forma de conídio para leveduriforme.
Blastomyces dermatitidis
Mudança na composição da parede celular.
Metaloenzima citoplasmática.
Coccidioides immitis
Hidrólise da ureia gerando carbamato e amônia.
Clivagem de moléculas importantes para integridade tecidual: colágeno e elastina.
Coccidioides immitis
Quebra de imunoglobulinas: IgA e IgG.
Histoplasma capsulatum pH do fagolisossomo é alterado para 6,0 – 6,5.
Histoplasma capsulatum Captação de ferro e cálcio.
Presença de galactomanana (α1,3 - glucana; β1,3 - glucana; quitina).
Paracoccidioides
brasiliensis Expresso na forma leveduriforme.

17
Unidade I

Porém, a maioria dos fungos é considerado patógeno oportunista e/ou patógeno fúngico
secundário, ou seja, só é capaz de causar doenças quando o hospedeiro estiver imunocomprometido,
isto é, as barreiras inatas e/ou adaptativas não atuarem de forma eficiente. Isso ocorre porque
muitos desses fungos, considerados oportunistas, fazem parte da microbiota endógena. No caso
dos patógenos fúngicos exógenos – aqueles encontrados no ambiente –, a infecção acontecerá
quando a exposição à partícula infeciosa for precedida de danos nas barreiras cutâneas e mucosas
que permitirão a penetração do fungo.

As principais espécies fúngicas oportunistas são:

Candida albicans: colonização mucocutânea, endofalmite.

Cryptococcus neoformans: pneumonia, meningite, infecção mucocutânea.

Aspergillus: aspergilose broncopulmonar, sinusite, aspegilose invasiva.

O quadro a seguir resume os principais fatores de virulência encontrados nessas espécies e que
contribuem para sua capacidade de invasão.

Quadro 3 – Principais fatores de virulência e mecanismo de ação encontrados em fungos


patógenos secundários

Espécie Fator de virulência Mecanismo de ação Consequência


Específicos: interação ligante Aderência em diversos tecidos e
receptor superfícies inanimadas.
Candida Adesão
Inespecíficos: forças Importantes nos estágios iniciais
eletrostáticas do processo infeccioso.
Crescimento ao longo de
Dimorfismo (pseudo- Conversão forma depressões e poros
Candida
hifas) leveduriforme para hifas
Auxilia na penetração.
Aspartil proteinases Auxiliam na invasão tecidual.
Hidrolisam proteínas do
(Proteases)
Candida hospedeiro
Alteração da integridade do tecido
Lise celular
Fosfolipases conjuntivo.
Impede a fagocitose e a ação
de citocinas Inibe as respostas imunes celulares
Cryptococcus
Cápsula Prova repulsão eletrostática e humorais.
neoformans
Impede a produção de óxido Impede a opsonização.
nítrico
Facilita a adesão.
Elastase, proteases e Ligação ao fibrinogênio e à
Aspergillus Auxilia a invasão à célula
fosfolipases laminina (membrana basal)
hospedeira.

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MICROBIOLOGIA, IMUNOLOGIA E PARASITOLOGIA

Observação

As micotoxinas são produtos do metabolismo secundário de diversos


fungos que podem causar prejuízos à saúde.

1.4 Vírus

Embora seja comum nos referirmos aos vírus como microrganismos, não se deve esquecer de que
os vírus não possuem estrutura celular definida como os fungos e as bactérias, de modo que não são
considerados células. De acordo como muitos autores, vírus não podem ser considerados seres vivos
porque, além da ausência de uma estrutura celular composta por membrana, citoplasma e material
genético, não possuem independência metabólica, ou seja, necessitam da maquinaria molecular da
célula hospedeira para manterem suas reações vitais. Por isso, nos referimos à estrutura viral como
partícula viral.

Figura 6 – Comparação entre o tamanho de um vírus com uma célula procarionte (bactéria) e uma célula eucarionte (hemácia)

Os vírus são seres de estrutura muito simples, sendo formados basicamente por um material genético
que é protegido por um complexo proteico chamado capsídeo. Alguns vírus possuem por cima do
capsídeo um envelope lipídico, sendo assim, denominados de vírus envelopados.

19
Unidade I

O capsídeo viral é formado pela associação de diversas proteínas que recebem o nome de capsômero.
O tipo de proteína do capsômero e a forma como elas se organizam ao redor do material genético
são característicos de cada família viral. Porém, existem vírus que ao saírem da sua célula hospedeira
carregam consigo fragmentos da membrana plasmática. São os chamados vírus envelopados. Neles,
junto com o envelope lipídico existem fragmentos de glicoproteínas chamados de espículas. Essas
estruturas vão auxiliar os vírus na infecção de uma nova célula hospedeira ou ainda na capacidade de
agregar células durante um processo infeccioso.

Enquanto a maioria das células possui apenas o DNA como material genético, os vírus podem ter
o DNA ou o RNA como material genético. Além disso, o ácido nucleico (DNA ou RNA) pode ser de fita
dupla ou fita simples. O tipo de material genético e a forma como ele se apresenta são utilizados para
classificar as diferentes famílias virais.

Figura 7 – Representação esquemática dos vírus nus, que só apresentam o capsídeo protegendo o material genético (A),
e de um vírus envelopado, que além do capsídeo possui um envelope lipídico (B)

Uma vez que os vírus não são considerados seres vivos, não se pode dizer que eles se reproduzem – o
correto é utilizar o termo multiplicação ou replicação viral. No ser humano esse processo é dividido em

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MICROBIOLOGIA, IMUNOLOGIA E PARASITOLOGIA

cinco etapas, como mostra o quadro a seguir.

Quadro 4 – Características gerais de cada estágio da multiplicação viral

Estágio Característica
Interação das proteínas virais com receptores da célula hospedeira.
Adsorção Vírus envelopados – interação mediada pelas espículas.
Entrada do vírus na célula.
Penetração Vírus nus – endocitose.
Vírus envelopados – endocitose ou fusão.
Desnudamento Separação das proteínas do capsídeo e do material genético.
Transcrição do material genético.
Biossíntese Síntese de proteínas virais.
Replicação do DNA viral.
Montagem do vírus.
Eliminação do vírus da célula hospedeira.
Liberação Vírus nus – eliminação provoca a lise celular.
Vírus envelopado – eliminação por brotamento.

A primeira delas recebe o nome de adsorção e se refere à ligação do vírus em receptores específicos,
normalmente glicoproteínas, localizados na superfície da membrana plasmática da célula hospedeira.
No caso dos vírus envelopados, é comum que esses receptores interajam com as espículas presentes no
envelope lipídico. O segundo passo é a penetração que, como o próprio nome está dizendo, se refere à
entrada do vírus na célula. Os vírus penetram na célula através por meio da endocitose, normalmente
utilizada pelos vírus nus ou por fusão, mais comum em vírus envelopados.

Lembrete

Um vírus nu nunca penetrará na célula por fusão, mas um vírus


envelopado pode penetrar na célula por fusão ou endocitose.

Assim que o vírus chega ao citoplasma da célula, ocorrerá o desnudamento cujo capsídeo e envelope
se fragmentarão por ação de enzimas citoplasmáticas e o material genético será liberado no citoplasma.
Até esse ponto, o processo é o mesmo para os vírus de DNA e RNA.

O passo seguinte é a biossíntese do ácido nucleico. Caso o vírus seja de DNA viral liberado, alcançará
o núcleo celular e sofrerá o processo de transcrição para que o RNA viral seja sintetizado e as proteínas
virais possam ser produzidas. Paralelamente, o DNA viral também será replicado. Todos esses processos
serão realizados utilizando a maquinaria molecular da célula hospedeira.

21
Unidade I

Figura 8 – Mecanismo de multiplicação de um vírus de DNA

No caso dos vírus de RNA, antes que o material genético do vírus se integre ao DNA da célula
hospedeira, é necessária a ação da enzima transcriptase reversa. Como o próprio nome está sinalizando,
essa enzima tem a função de converter o RNA viral em DNA viral, com o propósito de migrar para o
núcleo da célula hospedeira e ser replicado, possibilitando a geração de novos vírus.

Observação

Nem todo vírus de RNA precisa da transcriptase reversa para se replicar.


Essa estratégia só é necessária quando o material genético do vírus tiver de
interagir com o DNA da célula.

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MICROBIOLOGIA, IMUNOLOGIA E PARASITOLOGIA

Figura 9 – Mecanismo de multiplicação de um vírus de RNA. Os dsRNA vírus e os (+)RNA vírus não precisam
da tranacriptase reversa para realizar seu ciclo de multiplicação

Observação
O AZT® (azitotimidina) é um antiviral que tem como alvo a inibição da
enzima transcriptase reversa. Seu uso no tratamento da aids é eficiente
porque, ao inibir a enzima, o vírus não conseguirá converter seu material
genético em DNA e a replicação ficará comprometida.

Independentemente do tipo de material genético do vírus, o objetivo dos processos ocorridos até
então é a formação de novas unidades de ácidos nucleicos e proteínas do capsídeo viral para possibilitar a
montagem de uma nova progênie viral. Sendo assim, o último passo do processo é a liberação dos novos
vírus. Antes da liberação em si, o vírus precisa ser montado ─ interagir todos os elementos sintetizados
durante a fase de biossíntese ─, ou seja, as proteínas do capsídeo se unem e envolvem o material genético.
Os vírus nus normalmente deixam a célula por um processo de ruptura que ocasiona a lise celular. Já
os vírus envelopados são liberados da célula por brotamento ao adquirem o seu envelope lipídico. O
processo de brotamento não leva à lise celular.

Nem sempre a presença do vírus no organismo vai causar a doença imediatamente. Alguns são
conhecidos pela sua capacidade de latência, permanecendo em equilíbrio com o hospedeiro por vários
anos até que ocorra um evento de imunossupressão permitindo o reinício do seu ciclo.
23
Unidade I

2 BACTERIOLOGIA

2.1 A célula procarionte

Acredita-se que a primeira célula a surgir na Terra tenha sido uma célula procarionte heterotrófica,
em que um agregado de RNA, DNA e proteínas teria sido envolvido por uma bicamada de fosfolipídios.
Porém essas células, por serem incapazes de sintetizar compostos ricos em energia, esgotaram as reservas
de carbono do ambiente, levando a pressão para o surgimento dos organismos procariontes autotróficos,
que desenvolveram um sistema capaz de utilizar energia solar para a produção de compostos ricos em
energia e, como consequência, liberaram O2 para o meio alterando a atmosfera, que se tornou menos
agressiva e tóxica, bem como permitiu a evolução das células e dos seres vivos, hoje, existentes no
planeta.

Com os avanços da microscopia, foi possível observar que ainda temos no ambiente dois tipos
de celular: um tipo simples, que remete ao antepassado evolutivo, chamado procarionte; e um mais
complexo, que teria se originado das modificações provocadas pelos procariontes, denominado
eucarionte.

As células procariontes são, portanto, menos complexas e menores do que as eucariontes. Atribui-se
a essas limitações a ausência de estruturas membranosas intracelulares ─ as organelas características
dos eucariontes.

Figura 10 – Esquema mostrando as estruturas típicas de uma célula procarionte

As bactérias possuem uma membrana plasmática que, assim como nos eucariontes, é formada de
fosfolipídios e proteínas com funções de transporte, comunicação celular e uma cadeia respiratória
semelhante àquela existente nas mitocôndrias dos eucariontes. No entanto, essa é envolta por uma
estrutura rígida – a parede celular –, que está presente (com exceção dos micoplasmas) em todas as
bactérias. A função da parede celular está relacionada ao controle da pressão osmótica, permitindo
a sobrevivência das bactérias em meios hipotônicos, além de garantir a manutenção da forma e a
proteção contra os bacteriófagos.

24
MICROBIOLOGIA, IMUNOLOGIA E PARASITOLOGIA

A principal característica das células procariontes é a ausência de estruturas membranosas, de


maneira que seu citoplasma é formado essencialmente pelo citosol, no qual encontramos os ribossomos
livres, ou na forma de polirribossomos e grânulos de reservas osmoticamente inertes e não envolvidos
por membranas. O citoesqueleto também está ausente, sendo a forma celular mantida unicamente pela
parede celular.

As bactérias podem ser diferenciadas uma das outras pela sua morfologia – incluindo não apenas o
tamanho, mas a forma e as características da parede – e por suas características metabólicas, antigênicas
e genéticas.

Em relação à forma, as bactérias podem ser classificadas em:

cocos: forma esférica;

bacilos: forma de bastão (exemplo: Escherichia coli, Salmonella);

espiroqueta: forma parecida com a de uma cobra (exemplo: Treponema).

Algumas bactérias se agrupam em cachos, como os Staphylococcus aureus; outras em arranjos


lineares, os Streptococcus pneumoniae, e há, ainda, as que se organizam aos pares, como as Neisserias.

2.2 Estruturas e apêndices bacterianos

2.2.1 Parede celular

A parede celular bacteriana é formada de subunidades poliméricas sintetizadas no meio intracelular


e transportadas para o meio externo em que sofreram a polimerização. O principal peptidoglicano
encontrado é formado por uma cadeia linear de dissacarídeos repetidos de ácido N-acetilglicosamina
e ácido N-acetilmurâmico unidos entre si por uma ligação glicosídica do tipo β 1-4, que é alvo da ação
das lisozimas – enzima encontrada na lágrima, na saliva e no suor –, além de ser o sítio de ação dos
antibióticos β-lactâmicos.

25
Unidade I

Figura 11 – Representação esquemática dos principais arranjos bacterianos encontrados na natureza

26
MICROBIOLOGIA, IMUNOLOGIA E PARASITOLOGIA

Unido ao ácido N-acetilglicosamina, existe um tetrapeptídeo que realiza ligações cruzadas com
outros peptidoglicanos para criar camadas entrecruzadas em três dimensões. Quanto maior o número
de camadas, mais forte e rígida será a parede celular. Esses componentes e a sua forma de organização
são exclusivos da parede celular bacteriana, e sua estrutura repetitiva é a grande responsável por ativar
respostas imunes inatas aos seres humanos.

Embora essa organização de peptidoglicanos seja comum a todas as bactérias, existem peculiaridades
entre as paredes que podem ser utilizadas como critérios de classificação bacteriana. Conforme a
composição da parede, as bactérias podem ser classificadas em Gram positivas (Gram+) e Gram negativas
(Gram-).

As bactérias consideras Gram+ possuem múltiplas camadas de peptidoglicano entrecruzadas, criando


uma malha rígida e espessa, no entanto porosa o suficiente para permitir a difusão de elementos do meio
externo para a membrana plasmática. Além do ácido N-acetilglicosamina e do ácido N-acetilmurâmica,
são encontrados nessa parede celular dois polímeros aniônicos: o ácido teicoico e o ácido lipoteicoico.
Esses elementos atuam como antígenos que, além de diferenciarem sorotipos bacterianos, promovem a
adesão bacteriana às superfícies celulares e à agregação com outras bactérias, bem como interferem na
fagocitose e estimulam a resposta imune inata.

No entanto, algumas bactérias têm uma organização mais complexa da membrana, as chamadas
Gram-. Nessas bactérias existem duas camadas externas de membranas citoplasmáticas, acima das quais
há uma única camada de peptidoglicanos desprovida de ácidos teicoico e lipoteicoico. Fora dessa fina
camada de peptidoglicano tem-se uma membrana externa, separada na membrana citoplasmática pelo
espaço periplasmático.

A membrana externa das bactérias Gram-, além de manter a estrutura bacteriana, possui capacidade
seletiva para moléculas maiores e/ou hidrofóbicas, o que as torna mais resistentes a diferentes reações
adversas, como as características do trato digestório e a resistência a antimicrobianos. A composição
dessa estrutura é de uma camada externa formada por lipopolissacarídeos (LPS), dividida em três regiões:

lipídio A: com função de endotoxina pela indução de células de defesa e liberação de mediadores
de resposta inflamatória;

cerne granular: de origem polissacarídica e responsável pela viabilidade bacteriana;

antígeno O: responsável pela distinção de cepas bacterianas.

A figura a seguir mostra a comparação entre as paredes das bactérias Gram+ e Gram-.

27
Unidade I

Figura 12 – Representação esquemática da parede celular das bactérias Gram positivas e Gram negativas

2.2.2 Fímbrias

Localizadas externamente à parede celular bacteriana, as fímbrias são estruturas proteicas – também
chamadas de pili. A proteína que forma a fímbria recebe o nome de pilina.

As fímbrias têm origem citoplasmática e se estendem por meio da membrana plasmática e da


parede celular. Podem ser encontradas em diferentes espécies de bactérias, porém são mais comuns em
bactérias Gram-.
28
MICROBIOLOGIA, IMUNOLOGIA E PARASITOLOGIA

Existem dois tipos de fímbrias que se diferem quanto à função. Aquelas fímbrias curtas e numerosas
que estão dispostas ao redor de toda superfície bacteriana têm a função de adesão e estão presentes em
bactérias que normalmente colonizam regiões cujo fluxo de substância é grande, como a luz intestinal
e o canal da uretra. Porém, algumas espécies de bactérias possuem uma fímbria única e mais longa
chamada fímbria sexual (pili sexual ou pelo F). Graças a essa fímbria especial, uma bactéria é capaz de
se ligar a outra por meio dessa estrutura, e uma porção do material genético, normalmente o plasmídio,
é transferido de uma bactéria a outra. Esse processo recebe o nome de conjugação e sua importância
será abordada mais adiante.

Figura 13 – Fotomicrografia das fímbrias de adesão e do pelo F

2.2.3 Flagelos

Os flagelos também são apêndices bacterianos e, assim como em células eucariontes, sua função
é associada à locomoção. Do mesmo modo que as fímbrias, a estrutura do flagelo é constituída de
filamentos proteicos ─ a proteína que constitui esses filamentos recebe o nome de flagelina. O flagelo
bacteriano tem origem membranar e se projeta através da parede.

29
Unidade I

A quantidade e a localização dos flagelos variam conforme a espécie. As bactérias do gênero


Salmonella são consideradas peritríquias, uma vez que possuem flagelos distribuídos na superfície
celular, ao passo que bactérias, como as do gênero Escherichia, são consideradas monotríquias por
terem um único flagelo polar.

As bactérias espiroquetas, como as treponemas, apresentam dois filamentos semelhantes aos


flagelos, chamados de filamentos axiais, que se entrelaçam e são ligados aos dois polos celulares. Essa
organização permite o peculiar movimento dessas bactérias de forma helicoidal, semelhante ao de uma
lagarta.

Figura 14 – Diferentes arranjos dos flagelos bacterianos

2.2.4 Cápsula

Conhecida também como glicocálice, a cápsula bacteriana é uma camada gelatinosa localizada
externamente à parede celular e firmemente aderida a ela. Sua constituição química é de polissacarídeos,
que podem estar associados a lipídios e proteínas. Uma vez que a composição da cápsula pode variar,
essa estrutura é utilizada na classificação sorológica de bactérias dentro de uma determinada espécie e
no grau de sua patogenicidade.

A cápsula é conhecida por sua função antifagocítica, ou seja, as bactérias encapsuladas não são
englobadas por células de defesa com poder de fagocitose, como os macrófagos e os neutrófilos. Essa
capacidade permite que tais bactérias neutralizem a ação do sistema imunológico e consigam sobreviver
mais tempo no hospedeiro.

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MICROBIOLOGIA, IMUNOLOGIA E PARASITOLOGIA

Figura 15 – Cápsulas bacterianas (A) – destaque da cápsula em uma bactéria, nota-se seu posicionamento acima da parede celular;
(B) coloração negativa da cápsula – a cápsula permanece como um halo ao redor das células. Na foto (A), a cápsula da bactéria
Acinetobacter em coloração negativa com tinta nanquim

2.2.5 Esporos

Algumas bactérias Gram+ são capazes de formar esporos – considerados estruturas de resistência –,
pois são constituídos em condições adversas do meio, como a presença de oxigênio para uma bactéria
anaeróbica ou, ainda, a perda de um requisito nutricional, como o aminoácido alanina.

Quando uma bactéria formar o esporo, ela entrará em um estado vegetativo, ou seja, sua taxa
metabólica reduzirá drasticamente e ficará incapaz de se reproduzir.

Assim que a bactéria identifica a característica adversa do meio, uma sequência de eventos
bioquímicos é iniciada por meio da ativação de diferentes genes e da secreção de alguns elementos
do metabolismo bacteriano. Além disto, também ocorre a duplicação do cromossomo. Uma das cópias
desse cromossomo bacteriano e uma parte do conteúdo citoplasmático ─ com proteínas essenciais e
ribossomos ─ são envolvidas pela membrana plasmática e por uma série de envoltórios formados por
peptoglicanos ricos em cálcio e ácido dipicolínico, que conferem a resistência da estrutura.

O esporo confere proteção ao DNA bacteriano contra temperatura alta, ação de enzimas, radiação e
desinfetantes, além de ser uma estrutura desidratada e capaz de se manter viável por muitos anos, até
que as condições do meio voltem a ser favoráveis.

31
Unidade I

Figura 16 – Diferentes estágios de formação de um esporo

Conforme o meio volta a apresentar os requisitos necessários para o desenvolvimento


da bactéria, ocorre a germinação do esporo. Para que esse processo seja iniciado, é preciso o
rompimento da capa externa do esporo por eventos físicos ou mecânicos e a presença de água
e alanina no meio. Durante o processo, o esporo absorve a água, acarretando seu inchaço e
rompimento dos outros envoltórios, permitindo, assim, que a bactéria termine seu ciclo de divisão.
Todo esse processo leva de 60 minutos a 90 minutos, de acordo com a espécie. Nesse período, o
esporo está vulnerável.

Apenas as bactérias Gram+ (nunca as Gram-) são capazes de produzir esporos, e a localização desse
esporo dentro da célula é de grande utilidade na hora de identificar a bactéria.

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MICROBIOLOGIA, IMUNOLOGIA E PARASITOLOGIA

Leitura obrigatória

Leia o livros a seguir na Biblioteca Virtual:

TORTORA, G. J. et al. Microbiologia. 10. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012.


Disponível em: <https://online.minhabiblioteca.com.br/books/9788536326986/
pageid/0>. Acesso em: 15 jul. 2016.

MADIGAN, M. T. et al. Microbiologia de Brock. 12 ed. Porto Alegre:


Artmed, 2010. Disponível em: <https://online.minhabiblioteca.com.br/
books/9788536323305/pageid/0>. Acesso em: 15 jul. 2016.

MORAES, R. G. et al. Parasitologia e micologia humana. 5. ed. Rio


de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. Disponível em: <https://online.
minhabiblioteca.com.br/books/978-85-700-6498-1/pageid/0>. Acesso em:
25 jul. 2016.

Resumo

Desde as épocas mais remotas, os microrganismos sempre despertaram


grande interesse nos mais diversos estudiosos. Porém, pelo seu diminuto
tamanho, o estudo destes seres e a sua associação com os processos de
doença era quase impossível!

Graças ao desenvolvimento dos microscópios e das técnicas de


coloração, a visualização destes organismos, o conhecimento da sua
fisiologia e o estudo das doenças por eles causadas se tornou possível.
Hoje já sabemos que embora muitos destes organismos sejam agentes
causadores de doenças, existem alguns que podem ser benéficos para o ser
humano.

Chamamos de microbiota endógena (ou comensal) de um indivíduo


todos os microrganismos que residem no interior ou na superfície corporal
dessa pessoa. Eles se localizam principalmente na pele, em aberturas
corporais e mucosas dos tratos digestório e gastrointestinal. Dentre os
microrganismos que compõem a microbiota endógena, temos aqueles
chamados patógenos oportunistas. Esses microrganismos, em geral,
não causam problema algum ao hospedeiro, mas, quando as defesas do
organismo não estiverem funcionando como deveriam, eles acharão uma
brecha para se manifestarem.

33
Unidade I

As bactérias são os principais elementos da nossa microbiota endógena.


De acordo com sua morfologia, as bactérias são classificadas, como:
cocos (esféricas); bacilos (forma cilíndrica); e espiroquetas (espiraladas).
Possuem também estruturas chamadas apêndices, que auxiliam na sua
sobrevivência, na colonização do hospedeiro e na neutralização da resposta
imune: flagelos ─ responsáveis pela locomoção; fímbrias ─ atuam na troca
de material genético durante a conjugação e na adesão da bactéria em uma
superfície mucosa; cápsulas ─ evitam a fagocitose da bactéria por células
do sistema imunológico; esporos ─ permitem que a bactéria sobrevivam em
condições adversas ao meio.

A parede celular consente que a bactéria resista às alterações bruscas


do ambiente, como variação da pressão osmótica e temperaturas muito
baixas. Conforme a composição da parede, as bactérias são divididas
em Gram+, quando tiverem ácido teicoico e lipoteico na composição, e
Gram-, quando possuírem uma maior concentração de lipídios formando
um lipopolissacarídeo (LPS), que ficará posicionado externamente à camada
de peptídeoglicano.

Além das bactéria, os fungos e os vírus também são agentes comuns


causadores de infecções. Os fungos são organismos eucariontes que podem
apresentar dimorfismo sexual conforme as características do meio – comum
em fungos patogênicos. Raramente os fungos são os patógenos primários
em uma infecção.

Os vírus, por sua vez, não são considerados organismos vivos, mas seres
acelulares. São estruturalmente mais simples e menores que fungos e
bactérias, além de serem formados por um capsídeo viral que pode ou não
ser envolvido por um envelope lipídico. Ademais, existem vírus de DNA e
vírus de RNA. Essa diferença no seu material genético implica alteração na
sua forma de multiplicação.

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