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Genética Aplicada

à Atividade Motora
Autora: Profa. Andréa Somolanji Vanzelli
Professora conteudista: Andréa Somolanji Vanzelli

Formada em Educação Física pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Fez especialização em Treinamento
Físico Personalizado pela UniFMU, mestrado em Educação Física pela Escola de Educação Física da Universidade de São
Paulo (USP) e doutorado em Ciências pela Faculdade de Medicina da mesma instituição.

Seus estudos durante o mestrado e o doutorado focaram nos efeitos do treinamento físico em parâmetros
moleculares associados ao funcionamento do coração de camundongos com doença cardíaca, dando início ao seu
interesse pelo campo da Genética e Biologia Molecular.

Leciona as disciplinas de Fisiologia do Exercício e Atividade Motora aplicada a Populações Especiais na Universidade
Paulista – UNIP, onde está desde 2013. Nessas disciplinas, é possível estabelecer relações com a genética e associá‑la
à prática de exercícios físicos.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Z13 Zacariotto, William Antonio

?
Informática: Tecnologias Aplicadas à Educação. / William
Antonio Zacariotto - São Paulo: Editora Sol.

il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-006/11, ISSN 1517-9230.

1.Informática e tecnologia educacional 2.Informática I.Título

681.3

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Apoio:
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Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Carla Moro
Sumário
Genética Aplicada à Atividade Motora
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7
Unidade I
1 ORGANIZAÇÃO DO GENOMA HUMANO....................................................................................................9
1.1 Ácidos nucleicos.................................................................................................................................... 10
1.2 Os cromossomos.................................................................................................................................... 10
1.2.1 Funcionamento dos Genes.................................................................................................................. 12
1.3 Divisão celular........................................................................................................................................ 14
1.3.1 Mitose........................................................................................................................................................... 14
1.3.2 Meiose.......................................................................................................................................................... 14
1.4 Replicação do DNA............................................................................................................................... 15
1.5 Mecanismos de regulação da expressão gênica e proteica................................................. 16
1.5.1 O RNA........................................................................................................................................................... 17
1.5.2 Síntese da proteína................................................................................................................................. 20
1.5.3 Proteoma..................................................................................................................................................... 24
1.6 Conceito de genótipo e fenótipo.................................................................................................... 24
2 HERANÇA GENÉTICA....................................................................................................................................... 25
2.1 Predisposição genética........................................................................................................................ 28
2.1.1 Genética de populações e variabilidade genética...................................................................... 28
2.1.2 Polimorfismos e mutações................................................................................................................... 29
2.1.3 Pool gênico................................................................................................................................................. 34
2.1.4 Fatores raciais e sua relação com o alto rendimento esportivo........................................... 34
3 RELAÇÃO ENTRE HERANÇA GENÉTICA NA OBESIDADE E DIABETES........................................... 35
3.1 Obesidade................................................................................................................................................. 36
3.1.1 Determinantes da obesidade.............................................................................................................. 37
3.1.2 Controle do peso corporal.................................................................................................................... 38
3.1.3 Fatores genéticos..................................................................................................................................... 39
3.2 Hereditariedade e diabetes................................................................................................................ 44
4 RELAÇÃO ENTRE HERANÇA GENÉTICA E DOENÇAS CARDIOVASCULARES.............................. 48
4.1 Hipertensão arterial............................................................................................................................. 49
4.1.1 Sistema renina angiotensina aldosterona..................................................................................... 51
Unidade II
5 CAPACIDADES MOTORAS E GENÉTICA E FORÇA MUSCULAR........................................................ 57
5.1 Adaptações neurais e morfológicas (hipertrofia muscular)................................................. 57
6 CAPACIDADES MOTORAS E GENÉTICA; CAPACIDADE AERÓBIA................................................... 63
6.1 Conceitos iniciais................................................................................................................................... 63
6.2 atores genéticos..................................................................................................................................... 65
7 FATORES GENÉTICOS RELACIONADOS AO DESEMPENHO ESPORTIVO....................................... 65
7.1 Relação entre treinamento e genética......................................................................................... 66
7.2 Perfis poligênicos favoráveis ao desempenho esportivo...................................................... 68
7.3 Uso de informações genéticas para prescrição de exercício, detecção e promoção de
atletas................................................................................................................................................................ 72
8 DOPING GENÉTICO E ÉTICA.......................................................................................................................... 73
APRESENTAÇÃO

A disciplina Genética Aplicada à Atividade Motora visa discutir aspectos básicos de organização,
estrutura, funcionamento e regulação do genoma humano, assim como conceitos básicos em genética
humana. Discute mecanismos de mutação que originam a variabilidade genética humana e a aplicação
de conceitos evolutivos que sustentam teorias sobre como o sedentarismo causa doenças crônicas. Além
disso, debateremos a hereditariedade e as principais variantes genéticas associadas à susceptibilidade de
doenças crônicas relacionadas à inatividade física, de componentes da aptidão física e do desempenho
esportivo, assim como, limitações metodológicas de estudos e perspectivas para o futuro da área de
Educação Física.

Apresentaremos, portanto, alguns conceitos básicos em genética humana, bem como sua aplicação
à área de Educação Física e Esporte, discutindo, com isso, a influência da genética humana sobre o
desempenho físico e esportivo, aptidão física e saúde. A interação dessas áreas tem ganhado cada vez
mais importância e é fundamental para o profissional de Educação Física na atualidade.

INTRODUÇÃO

Alguns conceitos de biologia e até mesmo de genética podem ser lembrados nas primeiras disciplinas
do curso de Educação Física ou, adentrando em um passado próximo, no Ensino Médio. Nesta disciplina,
vamos relembrar como se organiza o genoma humano, como os genes funcionam e são regulados e
discutir o significado de herança genética. A partir desses conceitos, ficará mais fácil entender a relação
da genética com o sedentarismo e o aparecimento de doenças crônicas, assim como do diabetes, da
obesidade e das doenças cardiovasculares.

No que diz respeito ao rendimento esportivo, após estudarmos os conceitos básicos em genética,
teremos elementos para nos aprofundar e discutir como a genética pode afetar a capacidade aeróbia, a
força e outras capacidades físicas. Por fim, debateremos sobre o doping genético e a ética envolvida nas
ferramentas genéticas associadas ao esporte.

7
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Unidade I
1 ORGANIZAÇÃO DO GENOMA HUMANO

A maior parte da informação genética eucariótica está armazenada no DNA encontrado no núcleo
da célula e compactada nos cromossomos. Nos seres humanos, existe também uma pequena quantidade
nas mitocôndrias.

Observação

A célula eucariótica, como podemos ver na figura a seguir, é mais


complexa e surgiu depois da procariótica. Possui membrana ao redor do
núcleo e núcleo bem definido, além de várias organelas.
Célula eucariótica

Núcleo

Figura 1 – Estrutura básica da célula eucariótica

Um gene é uma parte da molécula do DNA que carrega uma informação específica e serve
como molde para fazer uma molécula de RNA. Os seres humanos possuem dezenas de milhares
de genes dentro do núcleo. Esses genes, como dito acima, são partes do DNA, que, por sua vez,
atua como um manual de instruções para todo e qualquer organismo, fornecendo sua história e
criando um projeto para manter, construir células e transmitir as características dessas células
às futuras gerações. As instruções são entendidas em códigos através de sequências repetitivas
de nucleotídeos identificados por suas bases nitrogenadas (adenina, citosina, guanina e timina)
(STRACHAN; READ, 2013). Cada conjunto funcional de informações é chamado de gene e codifica
9
Unidade I

essas sequências designando a transcrição do RNA e, depois, a tradução para proteína que nos dá
nossas características físicas (fenótipo).

1.1 Ácidos nucleicos

DNA e RNA são ácidos nucleicos muito parecidos quanto à sua estrutura. Ambos são moléculas
grandes, com cadeias principais bem longas e repletas de complexos de fosfato e açúcar de
carbono de maneira alternada. Presa a cada açúcar se encontra uma base nitrogenada, como
na figura a seguir. O açúcar é uma desoxirribose contida no ácido desoxirribonucleico (DNA)
e uma ribose contida no ácido ribonucleico (RNA). Diferentemente dos resíduos de açúcar e
fosfato, as bases de uma molécula de ácido nucleico variam. A sequência de bases identifica o
ácido nucleico e determina sua função. No DNA encontramos: Adenina (A), Citosina (C), Guanina
(G) e Timina (T). No RNA também existem quatro tipos de bases nitrogenadas, mas a Timina é
substituída pela Uracila (U).
Bases nitrogenadas
P

5’ 0
4’ 2’ 3’
1’ A T
Fosfato
1’ 4’
3’ 2’
0 5’
P P
5’ 0
4’ 2’ 3’
1’ G C

1’ 4’
3’ 2’
Ligações de hidrogênio 0 5’
P
P
5’ 0
4’ 2’ 3’
1’ T A

1’ 4’
3’ 2’
0 5’
P
Açúcar (Desoxirribose)

Figura 2 – Representação químico‑estrutural das bases nitrogenadas no DNA

1.2 Os cromossomos

O genoma humano representa todo o complemento do material genético em uma célula humana.
Ainda há discordâncias sobre o sequenciamento completo do genoma, mas os estudiosos concordam
que o número total de pares de bases determina o tamanho do genoma.

10
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Nos seres humanos, o DNA está complexado em uma variedade de proteínas estruturais e
regulatórias, estruturadas em cromossomos. Vários tipos de proteínas ajudam a comprimir o
DNA sem danificá‑lo. O DNA se enrola em formato de hélice (helicoidiza) ao redor de proteínas
chamadas histonas, formando uma estrutura de “contas em um colar” (LEWIS, 2004). A conta é
chamada de nucleossomo, que representa a unidade fundamental para empacotamento do DNA
dentro do cromossomo.

Figura 3 – Representação esquemática do DNA enrolado em proteínas chamadas histonas

Os cromossomos contêm, portanto, em sua estrutura, um terço de DNA, um terço de proteínas


histonas e um terço de outros tipos de proteína de ligação ao DNA. Ao conjunto de material cromossômico
dá‑se o nome de cromatina.

O genoma distribuído entre os 23 pares de cromossomos, cada um deles repetidos indefinidamente,


confere nossas diferenças individuais e únicas. Cada organismo possui a sua sequência de DNA
organizadas de maneira individual e específica, por isso, cada ser humano é diferente um do outro. Na
concepção, um conjunto completo proveniente da mãe (22 cromossomos mais um cromossomo sexual)
une‑se a um conjunto completo do pai (22 cromossomos mais um cromossomo sexual), resultando em
um descendente com 46 cromossomos.

As estruturas em forma de hélice do DNA possuem cópia fiel das instruções para quase todos os
aspectos do nosso ser. Esses aspectos representam como nossos genes refletem no nosso corpo físico,
textura, cor etc. (COOPER, 2001). Essas características representam genótipo e fenótipo, que serão vistos
mais adiante.

11
Unidade I

1 2 3 4 5

6 7 8 9 10 11 12

13 14 15 16 17 18

19 20 21 22 XX

Figura 4 – Cromossomos humanos em pares numerados, ordenados do maior (cromossomo 1) ao menor.


Os cromossomos mostrados são de uma mulher, de modo que há 22 pares de autossomos e dois cromossomos X

1.2.1 Funcionamento dos genes

Um gene é a unidade fundamental da hereditariedade, ou seja, um par de fatores herdado de


nossos pais. Uma cópia de um gene (chamada alelo) especificando cada característica é herdada
de cada um dos pais, como se vê na figura a seguir. Já os cromossomos são carregadores de genes.
A maioria das plantas e animais superiores são diplóides, ou seja, possuem duas cópias de cada
cromossomo. Na formação das células germinativas (o espermatozoide e o óvulo) existe apenas um
tipo de divisão celular; assim, somente um membro de cada par de cromossomos é transmitido para
cada célula‑filha.

Muitos dos princípios da hereditariedade genética foram deduzidos por Gregor Mendel.
Observando resultados do cruzamento de ervilhas, Mendel estudou a herdabilidade de várias
características, como cor das sementes, e conseguiu imaginar como se dava a transmissão entre
as gerações.

12
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Células diploides contêm


duas cópias de cada
cromossomo

Meiose
A meiose dá origem
a gametas haploides
contendo somente um
membro de cada par
cromossômico.
Espermatozoide Óvulo
Fertilização

Haploide

A fertilização resulta na
Embrião formação de um embrião
diploide, contendo
cromossoomos originados
de ambos os pais.

Diploide

Figura 5 – Cromossomos em meiose e fertilização

Saiba mais

O livro a seguir discute genética de maneira bem ilustrada e lúdica:

SCHULTZ, M. Genética e DNA em quadrinhos. São Paulo: Blucher, 2011.

13
Unidade I

1.3 Divisão celular

1.3.1 Mitose

Na divisão celular chamada mitose que ocorre na maioria das células, uma célula genitora se divide
em duas células‑filhas para criar novas células. Ambas carregam o mesmo conjunto de informações
genéticas que é dado pela estrutura detalhada do DNA dentro de cada célula. A replicação dessas
moléculas e a sua distribuição para cada célula‑filha garantem a continuidade das características
celulares a cada divisão. Os processos envolvidos no ciclo celular se dão em três fases (KAPIT; MACEY;
MEISAMI, 2016):

• Interfase

Nesta fase, a célula aumenta em massa por meio da síntese de várias substâncias, incluindo a
cópia exata do DNA. A parte da interfase na qual é feita a cópia do DNA é a fase S, precedido por
dois intervalos, chamados G1 e G2 respectivamente. Durante a fase S, os centrossomos também
duplicam.

• Mitose: o DNA é replicado e movido

Após a fase G2, a célula entra em mitose, quando os conjuntos replicados de DNA migram para
extremidades opostas da célula até seu estágio final, no qual ocorre a divisão em duas células. A
mitose começa quando as moléculas de DNA que foram desenoveladas na Interfase se enovelam
novamente na forma de cromossomos. Cada cromossomo se divide em duas partes iguais chamadas
de cromátides. Cada cromátide contém uma cópia do DNA duplicado. Enquanto isso, o envoltório
nuclear começa a degenerar e os centrossomos migram para extremidades opostas para formar a
estrutura de microtúbulos chamada fuso. Cada cromossomo alinha‑se com o equador da célula.
Os microtúbulos puxam as cromátides para direções opostas. Finalmente, as cromátides, em ambas
as extremidades da célula, começam a se desenrolar e se tornarem indistintas, enquanto um novo
envoltório nuclear se forma em torno de cada um dos conjuntos de cromátides.

• Citocinese: a célula se divide

Este é o estágio final. A divisão do citoplasma se dá à proporção que se desenvolve um sulco,


tornando‑se mais e mais profundo, até a célula original ser partida em duas e os núcleos das
filhas, formados durante a mitose, englobados por células separadas. Nesse ponto, as células‑filhas
entram no estágio G1 da interfase, completando o ciclo.

1.3.2 Meiose

Outro tipo de divisão celular é a chamada meiose, que origina quatro células haploides a partir de
uma célula diploide. Existe, portanto, uma redução do número cromossômico da célula, o que é um
importante fator para a conservação cromossômica das espécies. Quando ocorre a fecundação, ou seja,
o encontro de dois gametas, o número de cromossomos da espécie se restabelece.
14
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

A meiose ocorre em duas etapas separadas por um curto intervalo, chamado intercinese. Em cada
etapa, encontramos as fases estudadas na mitose.

1.4 Replicação do DNA

A replicação do DNA tem como objetivo transmitir a informação genética idêntica para uma
nova célula formada. A replicação ocorre de maneira semiconservativa, ou seja, cada uma das
moléculas formadas conserva uma das cadeias a qual teve origem. Além disso, é iniciada em
alguns locais específicos, as chamadas bolhas ou forquilhas de replicação, onde as duplas fitas
de DNA se desenrolam, o que, geralmente, ocorre de forma bidirecional, a partir de cada origem
de replicação. A fidelidade da replicação é muito grande, com uma média de apenas um erro por
bilhão de nucleotídeos incorporados após a síntese e correção de erros durante e imediatamente
após a replicação.

A replicação do DNA envolve três fases diferentes:

• iniciação;

• ampliação ou alongamento;

• término.

O DNA começa a ser sintetizado pela extensão de extremidade 3’ do RNA primer ou iniciador,
uma cadeia curta de nucleotídeos que se liga ao filamento molde para formar um segmento de ácido
nucleico duplex. A partir daí, a fita molde irá orientar qual dos quatro nucleosídeos trifosfatados
será adicionado. As duas fitas possuem uma orientação antiparalela, o que significa que a fita
molde para a síntese de DNA tem orientação oposta à fita de DNA que está sendo sintetizada
(GRIFFITHS et al., 2016).

A síntese do DNA é catalisada pela enzima DNA‑polimerase. Ela utiliza um único sítio ativo para
catalisar a síntese do DNA. O pareamento correto das bases é necessário para que a DNA‑polimerase
catalise a adição do nucleotídeo. Ambas as fitas do DNA são sintetizadas juntas na forquilha de replicação,
com orientação antiparalela.

Durante o processo de replicação, as pontes de hidrogênio são catalizadas e os nucleosídeos livres


unem‑se a elas, respeitando sempre a regra do emparelhamento: Adenina‑Timina, Citosina‑Guanina. À
medida que se encaixam nas cadeias do DNA, vão formando duas novas cadeias, obedecendo a regra da
replicação semiconservativa.

15
Unidade I

e 3’
íntes
das 5’
tido
Filamentos Sen
moldes

5’

3’ 3’

Sen
tido 3’
da
sínt
ese 5’

Figura 6 – Replicação do DNA

1.5 Mecanismos de regulação da expressão gênica e proteica

A replicação do DNA conserva a informação e faz com que cada nova célula tenha várias informações
importantes para seu funcionamento. A célula, então, usa parte dessa informação recebida para
produzir proteínas. Nesse processo, inicialmente, ocorre à transcrição, em que uma determinada parte
da sequência de DNA é copiada de um cromossomo em uma molécula de RNA complementar a um
filamento da dupla hélice de DNA, como vemos na figura a seguir. Posteriormente, ocorre o processo de
tradução, no qual se usa a informação copiada em um RNA para produzir uma proteína especifica através
da organização e da junção dos aminoácidos especificados. A associação dos eventos de transcrição e
tradução é chamada de expressão gênica.

Lembrete

A transcrição é o processo no qual o DNA é utilizado por uma RNA


polimerase como molde para formar o RNA.

A tradução é o processo no qual o RNA mensageiro é utilizado para


produzir uma proteína.

16
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

DNA
5’ 3’

5’ RNA

3’ 5’

Figura 7 – Síntese de RNA a partir de DNA

1.5.1 O RNA

Apesar da sequência de nucleotídeos no DNA especificar a ordem de aminoácidos nas


proteínas, isso não indica que o próprio DNA direcione a síntese de proteínas. De fato, isso
não ocorre, uma vez que o DNA está contido no núcleo das células eucarióticas e a síntese de
proteínas acontece no citoplasma. Portanto, o RNA é necessário para transportar a informação
genética do DNA para sítios de síntese de proteínas (os ribossomos), como é possível notar na
figura a seguir (COOPER, 2001).
17
Unidade I

Célula animal
Peroxissomo
Centríolo
Mitocôndria Retículo
endoplasmático
rugoso

Retículo
endoplasmático
liso
Núcleo

Nucléolo Lisossomo
Membrana Citoesqueleto
plasmática
Complexo
de Golgi

Ribossomos

Figura 8 – Estrutura das células animais

O RNA é diferente do DNA por se apresentar com uma única fita, por seu componente de açúcar ser uma
ribose e não desoxirribose e também por apresentar uma base pirimídica Uracila (U) em vez de timina (T).

Purinas

Adenina (A) Guanina (G)


Pirimidinas

Citosina (C) Timina (T) Uracil (U)


Açúcares

Ribose 2’-Desoxirribose
Nucleosídeo Nucleotídeo

Uridina Uridina 5’-monofosfato (UMP)

Figura 9 – Componentes dos ácidos nucleicos. Os ácidos nucleicos


contêm bases purina e pirimidina ligadas a açucares fosforilados

18
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Entretanto, nem a mudança do açúcar nem a substituição de U por T altera o pareamento


de bases. Assim, a síntese de RNA pode ser facilmente direcionada por um molde de DNA.
Adicionalmente, uma vez que o RNA se localiza primariamente no citoplasma, ele aparecia como um
lógico intermediário para transportar informações do DNA para os ribossomos. Essas características
do RNA sugeriram uma via para o fluxo de informação genética, que é conhecido como dogma
central da biologia molecular:

DNA → RNA → Proteína

Transferência de informação entre moléculas biológicas

Replicação
A) DNA RNA Proteína

Proteína

DNA mRNA Ribossomo

Ribossomo Transição Tradução


B) (síntese do DNA) (síntese do RNA) (síntese proteica)

Figura 10 – A) Dogma central demonstrando fluxo de informações entre moléculas biológicas.


Seta circular representa a replicação do DNA; a seta reta central representa a transcrição do DNA em RNA;
e a seta à direita, a tradução do RNA em proteína. B) Esboço mais detalhado, demonstrando como os dois
filamentos da dupla‑hélice de DNA são replicados de modo independente, como são desassociados
para a transcrição e como o RNA mensageiro (RNAm) é traduzido em uma proteína no ribossomo

Assim, sabe‑se que o RNA é sintetizado a partir de moldes de DNA, e a proteína é sintetizada a partir
de moldes de RNA.

Devido a sua função de transferir informações, o RNA que serve como molde para codificar
proteínas e chamado de RNA mensageiro. Eles são transcritos a partir de uma enzima chamada RNA
polimerase, que estimula a síntese de RNA a partir do DNA (COOPER, 2001). Depois de transcrito todo
o gene, o RNA polimerase chega a uma sequência de bases terminal que estimula sua interrupção
e seu desligamento do molde de DNA. Porém, existem sequências de bases transcritas que não
codificam proteínas e que devem ser removidas. Essas sequências são chamadas de íntrons. Uma
enzima chamada spliceossomo reconhece esses íntrons e os remove; em seguida, emenda o restante
das sequências de éxons.

Além do RNA mensageiro, existem mais dois tipos; o RNA ribossomal, componente dos
ribossomos, e o RNA transportador, que serve como adaptadores que alinham os aminoácidos no
molde de DNA.

19
Unidade I

Exemplo de aplicação

O ser humano tem aproximadamente 26.000 genes.

Reflita sobre como o ser humano, com seu cérebro complexo e sistema imunológico bem desenvolvido,
pode apresentar apenas o dobro de genes dos vermes cilíndricos, por exemplo. A resposta tem relação
com os mecanismos que permitem a codificação de mais de 100.000 proteínas no organismo humano.

1.5.2 Síntese da proteína

Nossas proteínas, mais do que qualquer outra macromolécula, determinam quem e o que somos.
Elas são as enzimas responsáveis pelo metabolismo celular, incluindo a síntese de DNA e RNA e são os
fatores reguladores necessários para a expressão do programa genético. A versatilidade das proteínas
como moléculas biológicas é manifestada na diversidade de formas que elas podem assumir. Além disso,
mesmo após a síntese, as proteínas podem ser modificadas em uma diversidade de modos por meio da
adição de moléculas que conseguem alterar sua função.

As proteínas são sintetizadas de moldes de RNA. Os RNAs mensageiros (RNAm) são lidos na direção
de 5´ para 3´e se movimentam até que o códon de início seja reconhecido; as cadeias de peptídeos são
sintetizadas da extremidade amina para a carboxila terminal. Cada aminoácido contém 3 bases (um
códon) no RNAm. Os mecanismos básicos da síntese proteica são os mesmos em todas as células; a
tradução é realizada nos ribossomos, com os RNA transportadores (RNAt) servindo como adaptadores
entre o molde de RNAm e os aminoácidos que estão sendo incorporados à proteína. A síntese proteica,
dessa forma, envolve interações entre três tipos de moléculas (moldes de RNAm, RNAt e RNA ribossomais),
além de várias proteínas que são necessárias para a tradução (COOPER, 2001).

O processo de tradução se inicia com o aminoácido metionina, usualmente codificado por AUG, e se
divide em três estágios: iniciação, alongamento e terminação.

Iniciação Alongamento Terminação

5’ 3’

Direção do movimento do ribossomo


Ribossomo liga–se ao Cadeia polipeptídica alonga pela Quando o códon de
mRNA no códon de adição sucessiva de aminoácidos parada é encontrado,
iniciação o polipeptídeo
é liberado e
o ribossomo
dissocia‑se

Figura 11 – Visão geral da tradução

20
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Passo 1: iniciação

• função – posicionamento do primeiro RNAt no sítio P do ribossomo;

• ligação de RNAt especial denominado iniciador;

• primeiro peptídeo é a metionina;

• subunidade ribossomal grande liga o complexo, formando ribossomo funcional;

• processo requer no mínimo dez proteínas.


Iniciação da tradução em eucariotos
5’ AUG
Cap
Fatores de
Met iniciação + GTP
Met-tRNAi
Subunidades 40S

AUG
ATP
Subunidade 40S
com componentes ADP+Pi
da iniciação Met

AUG

Subunidade 60S

Fatores de iniciação

Met

AUG

Complexo de iniciação 80S

Figura 12 – O complexo de iniciação se forma na extremidade 5´do RNAm, a seguir,


faz uma varredura no sentido da extremidade 3´ à procura de um códon de início.
O reconhecimento do códon de início aciona a montagem do ribossomo completo e
a dissociação dos fatores de iniciação (não mostrados na figura).
A quebra de ATP fornece energia para direcionar o processo de varredura

21
Unidade I

Passo 2: alongamento

• ligação de RNA transportador associado a um fator proteico e aminoácido em sítio ativo específico
no ribossomo (sítio A);

• translocação entre sítios ativos permite que ribossomo se mova três nucleotídeos ao longo do
RNAm, deixando outro sítio ativo pronto para adição de um novo aminoácido.
Complexo ternário EF-Tu

EF-Tu

E P A O aminoacil‑tRNA A ligação
se liga ao sítio A peptídica
se forma GTP
EF‑G
Translocação
Pi

O GTP
aminoacil‑tRNA
se liga ao sítio A
O tRNA sai
do sítio E

Figura 13 – Etapas no alongamento da tradução. Um complexo ternário (RNAt, aminoácido e EF‑Tu) composto por um
aminoacil‑RNAt ligado a um fator EF‑Tu se liga ao sítio A, quando o seu aminoácido se une à cadeia de polipeptídeos em
crescimento, um fator EF‑G se liga ao sítio A enquanto “empurra” os RNAt e seus códons do RNAm para os sítios E e P

Passo 3: terminação

• alongamento continua até que um códon de parada (UAA, UAG ou UGA) seja inserido em sítio
ativo (sítio A) do ribossomo.

22
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Término da tradução

5’ 3’
E P A

RF1

5’ 3’
E P A

Clivagem do
peptidil‑tRNA RF1

Figura 14 – A tradução é encerrada quando fatores de liberação


reconhecem os códons de parada no sítio A do ribossomo

Regulação da tradução

Um dos mecanismos de regulação da tradução é a ligação de proteínas repressoras que


bloqueiam a tradução para as sequências específicas do RNAm. Por exemplo, a regulação da síntese
de ferritina, uma proteína que guarda o ferro dentro da célula. A tradução do RNAm da ferritina
é regulada pela quantidade de ferro: haverá maior síntese da ferritina se a quantidade de ferro
disponível também for maior. Essa regulação acontece por uma proteína, que, na ausência de
ferro, se liga a uma sequência não traduzida do RNAm da ferritina, bloqueando sua tradução.
Na presença de ferro, o repressor deixa de se ligar ao elemento de resposta ao ferro no RNA e a
tradução da ferritina é capaz de prosseguir.

A atividade geral de tradução pode ser regulada pela modificação de fatores de iniciação.

23
Unidade I

1.5.3 Proteoma

O proteoma é definido como o conjunto completo de proteínas de um organismo, órgão, tecido ou


célula. Proteoma é enriquecido por dois processos celulares: recomposição alternativa do pré‑RNAm e
modificação pós‑tradução das proteínas.

A recomposição alternativa do RNAm possibilita que um gene codifique mais de uma proteína.
As proteínas são compostas com domínios funcionais e frequentemente codificadas por diferentes
éxons. Portanto, a recomposição alternativa do RNAm pode levar à síntese de diversas proteínas
(denominadas isoformas).

Outros eventos pós‑tradução também são importantes para a formação do proteoma. Todas as
proteínas sintetizadas, antes de se tornarem, de fato, funcionais, necessitam se dobrar adequadamente,
e os aminoácidos de algumas proteínas precisam ser quimicamente modificados.

O dobramento correto da proteína permite sua atividade enzimática, sua capacidade de se ligar ao
DNA e seus papeis estruturais dentro da célula. A questão, portanto, é entender como as proteínas se
dobram corretamente na célula.

A resposta parece estar relacionada ao auxílio das chaperonas, uma classe de proteínas encontrada
em todos os organismos. O mecanismo, embora não compreendido complemente, parece se dar pela
entrada das proteínas recém‑sintetizadas em uma câmara na máquina de dobramento, o que proporciona
um ambiente eletricamente neutro, dentro do qual a proteína consegue se dobrar.

Observação

Éxons são regiões codificantes do RNAm e íntrons são regiões não


codificantes. Estão relacionados a uma etapa muito importante do processo
de transcrição dos eucariontes, denominada splicing. Nesse processo, os
íntrons são recortados e eliminados.

1.6 Conceito de genótipo e fenótipo

Na primeira década do século XX, havia uma preocupação em relação às variações presentes entre
os indivíduos de uma população e o papel delas nos processos evolutivos (MARTINS, 2007).

A partir dos resultados de seus experimentos de seleção em linhagens puras de feijão, Wilhelm
Ludvig Johannsen (1857‑1927) compreendeu que as características de qualquer indivíduo eram
influenciadas por dois motivos: hereditariedade e ambiente (WANSCHER, 1975 apud DELLA JUSTINA et
al., 2010). Com os resultados dos experimentos e de seus estudos, Johannsen sentiu a necessidade de
propor novos termos e conceitos relacionados aos fatores que promovem a variação.

24
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Figura 15 – Johannsen em uma palestra, mostrando a distribuição de tamanho de feijões

O pesquisador recomendou que o termo gene deveria ser usado como uma unidade de cálculo, uma
unidade funcional, e não como uma estrutura morfológica como o cromossomo. Já o genótipo é a soma de
todos os genes. Todas as características de organismos, distinguíveis por análise e observação direta da aparência
ou através de medidas, são caracterizadas como fenótipo (DELLA JUSTINA et al., 2010). Dois indivíduos podem
ter o mesmo genótipo, mas desenvolver fenótipos diferentes, o que dificulta a afirmação de que ambos têm o
mesmo genótipo. Um exemplo poderia ser dois irmãos gêmeos que fossem criados em ambientes diferentes.
Um poderia ter a pele mais escura pelo efeito da radiação ou outras diferenças devido à influência ambiental.

Portanto, chamamos de genótipo a composição genética de um organismo, e fenótipo o conjunto


de características desenvolvidas que estão codificadas no conjunto de nossos genes.

2 HERANÇA GENÉTICA

Os padrões de herança genética são regulares e previsíveis, mas esse conhecimento só foi possível
com os experimentos iniciais feitos com ervilhas por Gregor Mendel em 1865, que introduziu o conceito
inicial que temos atualmente sobre gene.

Até então, acreditava‑se que os espermatozoides e os ovócitos continham amostra das essências dos
pais. Na concepção, isso se misturava e passava para seus filhos. Essa ideia fazia algum sentido, uma vez
que os filhos apresentavam características de ambos os genitores. Entretanto, sabe‑se que os filhos nem
sempre são uma mistura exata e intermediária dos seus pais.
25
Unidade I

Os experimentos de Mendel mostraram justamente essas ideias. Ele usou ervilhas com características
diferentes, cultivando‑as por dois anos para ter certeza de que eram de linhagem pura. Estabeleceu,
então, duas linhagens puras para cor de flor: plantas com flores púrpuras e plantas com flores brancas.
Todas que nasceram do cruzamento das linhagens puras com flores púrpuras apresentavam, portanto,
flores púrpuras, e das linhagens puras com flores brancas apresentavam somente flores brancas.

Cada par das linhagens de plantas de Mendel podia apresentar diferenças de característica, uma
diferença contrastante entre duas linhagens de organismos (ou dois organismos) (GRIFFITHS et al., 2016).

Figura 16 – Características escolhidas por Mendel para seus estudos sobre hereditariedade em ervilhas

Os fenótipos contrastantes para uma determinada característica são os pontos de partida para
qualquer análise genética.

As linhagens (ou indivíduos) diferentes representam formas diferentes que a característica pode ter,
chamadas fenótipos.

Lembrete

Fenótipo, derivado do grego, significa “a forma que é apresentada”.

Nos primeiros experimentos depois de obter as linhagens puras, Mendel polinizou a planta de flores
púrpuras com pólen de plantas de flores brancas, que eram, portanto, chamadas de geração parental.
Surpreendentemente, todas as plantas resultantes do cruzamento tinham flores de cor púrpura. Essa
geração foi chamada de primeira geração filial (F1). Outras gerações advindas do cruzamento das
gerações anteriores foram criadas e chamadas, portanto, de F2, F3 e assim por diante.

Na geração F1, todos os cruzamentos produziram plantas com flores púrpura, independente de
como era feito o cruzamento. Nesse caso, a herança não era a mistura de cores.
26
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Na segunda geração (F2), algumas das plantas apresentaram flores brancas, ressurgindo, portanto,
essa cor de flor no cruzamento. Mendel resolveu contar quantas plantas para cada fenótipo (cor da flor)
apareceram nessa geração, o que resultou em:

• 705 plantas de flor púrpura;

• 224 plantas de flor branca.

Notou, então, que 705 púrpuras para 224 brancas era quase exatamente a proporção 3:1, o que
obteve também como resultados de todos os outros pares de diferenças.

Para definir os resultados, Mendel usou o termo dominante e recessivo para descrever esse fenômeno.
O fenótipo púrpuro é dominante em relação ao branco, e o fenótipo branco é recessivo em relação ao
púrpuro. Do cruzamento das duas linhagens puras (púrpuras e brancas), toda a geração F1 apresentou a
mesma característica (flores púrpuras), portanto, o fenótipo parental que é expresso em tais indivíduos
da F1 é, por definição, o fenótipo dominante.

A comprovação da hipótese de dominância e recessividade nos vários experimentos efetuados por


Mendel levou, mais tarde à formulação da sua primeira lei: “cada característica é determinada por dois
fatores que se separam na formação dos gametas, onde ocorrem em dose simples””, isto é, para cada
gameta masculino ou feminino, encaminha‑se apenas um fator.

Mendel continuou seus cruzamentos e estudou também a transmissão combinada de duas ou mais
características. Em um de seus experimentos, por exemplo, foram considerados ao mesmo tempo cor da
semente, que pode ser amarela ou verde, e a textura da casca da semente, que pode ser lisa ou rugosa.
Com base nesse e em outros experimentos, Mendel sugeriu a hipótese de que, na formação dos gametas,
os alelos para a cor da semente (Vv) segregam‑se independentemente dos alelos que condicionam a forma
da semente (Rr). De acordo com isso, um gameta portador do alelo V pode conter tanto o alelo R como o
alelo r, com igual chance, e o mesmo ocorre com os gametas portadores do alelo v (GRIFFITHS et al., 2016).

Observação

Alelo representa cada uma das formas que um gene pode apresentar e
que determina características diferentes, ou seja, são as formas alternativas
de um mesmo gene.

Uma planta duplo‑heterozigota VvRr formaria, de acordo com a hipótese da segregação independente,
quatro tipos de gameta em igual proporção: 1 VR; 1 Vr; 1 vR; 1 vr.

Mendel concluiu que a segregação independente dos fatores para duas ou mais características era um
princípio geral, constituindo uma segunda lei da herança, ou lei da segregação independente, posteriormente
chamada segunda lei de Mendel: “os fatores para duas ou mais características segregam‑se no híbrido,
distribuindo‑se independentemente para os gametas, onde se combinam ao acaso”.
27
Unidade I

2.1 Predisposição genética

A predisposição genética é uma propriedade genética que influencia o fenótipo de um indivíduo


dentro de uma espécie ou população sob a influência de condições ambientais. A seguir discutiremos
conceitos sobre a genética de populações e a variabilidade genética.

2.1.1 Genética de populações e variabilidade genética

A genética de populações é uma parte da genética que estuda a distribuição de genes em um grupo
de indivíduos da mesma espécie (chamado população), portanto, analisa a quantidade e a distribuição
da variação genética nas populações e as forças que controlam essa variação.

Para entendermos melhor a utilização desse campo da genética, devemos lembrar que ela envolve
muitas questões relacionadas ao que a sociedade vive atualmente. Por exemplo, a análise do risco de
um casal ter um filho com uma doença genética ou a análise do DNA de suspeitos de um crime. Além
disso, questões históricas, como a relação de espécies umas com as outras, são muito relevantes nesse
campo (GRIFFITHS et al., 2016).

A genética tem suas origens no início do século XX quando geneticistas começaram a


estudar como as leis de Mendel poderiam ser estendidas para compreender as variações dentro
de populações inteiras de organismos. Embora as leis de Mendel expliquem como os genes são
transmitidos dos pais para a descendência nos casos de cruzamentos controlados, essas leis não
explicam por completo como acontece a transmissão de genes de uma geração para a próxima
em populações naturais, nas quais nem todos os indivíduos produzem descendência e nem toda a
descendência sobrevive.

Atualmente, por meio de ferramentas e métodos apropriados, é possível observar diretamente


as diferenças entre as sequências de DNA dos indivíduos em todo seu genoma, além de medir essas
diferenças em grandes amostras de indivíduos em muitas espécies.

Na genética de populações, um locus é simplesmente um local no genoma; ele pode ser um sítio
de nucleotídeo único ou um segmento de muitos nucleotídeos. O tipo mais comum de variação que se
pode observar entre os indivíduos em um locus é uma diferença no nucleotídeo presente em um sítio de
nucleotídeo único, seja adenina, citosina, guanina ou timina. Esses tipos de variantes são denominados
polimorfismos de nucleotídeo único (SNP).

Lembrete

Polimorfismo de nucleotídeo único (SNP) é um tipo de variação que se


observa em um sítio de nucleotídeo único.

28
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Filamento 1

Cópia 1

Filamento 2

Filamento 1

Cópia 2

Filamento 2

Figura 17 – Exemplo de polimorfismo de nucleotídeo único

2.1.2 Polimorfismos e mutações

Mutações e polimorfismos são duas alterações genéticas frequentes. As mutações são


representadas pela substituição de bases, alterações na organização ou no tamanho das sequências,
dentre outros processos. Essas alterações estão associadas à frequência de alelos heterozigotos
presentes em menos de 2% da população. Os polimorfismos genéticos são variações na sequência de
DNA que podem criar ou destruir sítios de reconhecimento de enzimas de restrição e parecem estar
associados a apenas uma base. A frequência de alelos heterozigotos para o polimorfismo genético
ocorre em mais de 2% da população. Algumas dessas alterações ocorrerão em sequências não
codificadoras do gene, que na maioria dos casos não terão efeito em suas funções; outras ocorrerão
em sequências codificadoras, levando à produção de proteínas defeituosas (BRASILEIRO‑FILHO;
GUIMARÃES; BOGLIOLO, 1998).

Sem essas alterações, todos os genes ocorreriam apenas em uma forma, pois não existiriam
alelos. Portanto, os organismos não seriam capazes de evoluir e adaptar‑se às mudanças ambientais.
Tradicionalmente, as mutações envolvem alterações na molécula de DNA, podendo ocasionar
mudanças no fenótipo. No entanto, as alterações cromossômicas numéricas e estruturais também
podem induzir alterações fenotípicas herdáveis. Simplificadamente, uma mutação gênica ocorre
em decorrência de substituições em pares de bases. Tais substituições originam mutações pontuais.
Como consequência da substituição de um par de bases, a sequência de aminoácidos de uma
proteína pode ser alterada.

29
Unidade I

Lembrete

Qualquer alteração no DNA pode representar também uma alteração


na expressão da proteína.

Caso essa mudança altere a atividade bioquímica da proteína, poderá também interferir no
fenótipo. Este é o caso da hemoglobina na anemia falciforme e da insulina na diabetes, em
que um aminoácido da proteína foi trocado devido à substituição de um par de bases de um
gene. Além disso, a substituição do par de bases pode mudar o códon original para um códon
finalizador, resultando em término precoce da síntese de uma proteína. Sempre que bases forem
adicionadas ou deletadas, ocorre uma mudança de matriz de leitura, alterando a composição
dos aminoácidos de toda a proteína. Por outro lado, devido à redundância do código genético,
nem todas as alterações de pares de leitura da fita bases levam a um aminoácido alterado
na proteína. Logo, quando as mutações não promovem efeitos no fenótipo, são chamadas de
mutações silenciosas. Elas podem ser identificadas através da comparação de sequências de
pares de bases entre genes normais e mutantes.

Observação

Um exemplo de mutação pontual é a anemia falciforme, ou siclemia,


causada por uma alteração na cadeia β da hemoglobina, decorrente
da substituição de uma adenina por uma timina (transversão) no
sexto códon do gene. Através dessa mutação pontual, o códon GAA
transforma‑se em GTA, provocando substituição do ácido glutâmico
pela valina na cadeia polipeptídica.

2.1.2.1 Polimorfismos de nucleotídeo único

Os polimorfismos de nucleotídeo único (SNP) são os mais comuns encontrados no genoma.


A maioria dos SNP normalmente apresenta apenas dois alelos, por exemplo A e C. Os SNP são
considerados SNP comuns em uma população se o alelo menos comum ocorre a uma frequência de
aproximadamente 5% ou superior. Os SNPs em relação aos quais os alelos menos comuns ocorrem
a uma frequência inferior a 5% são considerados raros. Nos seres humanos, existe um SNP comum
aproximadamente a cada 300 a 1000 pares de bases no genoma. É claro que existe um número muito
maior de SNP raros.

Os SNPs ocorrem dentro de genes, incluindo éxons, íntrons e regiões reguladoras. Veja os
quadros abaixo:

30
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Quadro 1

SNP em regiões codificadoras de proteínas


Sinônimos Se os diferentes alelos codificam o mesmo aminoácido
Não sinônimos Se os dois alelos codificam aminoácidos diferentes
Sem sentido Se um alelo codifica um códon de fim, e o outro, um aminoácido

Portanto, por vezes é possível associar um SNP a uma variação funcional nas proteínas e a uma
alteração associada ao fenótipo. Os SNP localizados fora de sequências codificadoras são denominados
SNP não codificadores (ncSNP). Veja quadro a seguir:

Quadro 2

SNP não codificadores


Silenciosos Não apresentam efeitos sobre função gênica e fenótipo
ncSNP podem ser úteis quando utilizados como marcadores fluxo gênicos entre populações

Após descoberta dos SNP, pode ser determinado o genótipo (composição alélica) de diferentes
indivíduos na população para cada SNP. Os microarranjos de DNA são uma tecnologia amplamente
utilizada para essa finalidade.

Ao longo da última década, geneticistas evolutivos descreveram em detalhes extraordinários como


as alterações genéticas possibilitaram que as populações humanas se adaptassem às condições de vida
em diferentes partes do globo. Esse trabalho revelou que três fatores foram importantes na moldagem
de variantes gênicas que ocorrem em diferentes populações humanas. São eles:

• patógenos, tais como malária ou varíola;

• condições climáticas locais, incluindo radiação solar, temperatura e altitude;

• dieta, como as quantidades relativas de carne, cereais ou laticínios ingeridos.

Vejam o caso de uma adaptação à altitude: com o objetivo de colonizar a cordilheira dos Andes,
alguns espanhóis se estabeleceram no alto de algumas montanhas, formando cidades nos lugares mais
remotos. Logo perceberam que havia algum problema que os impedia de gerar filhos, o que não ocorria
com os índios que estavam adaptados a essas condições.

Diferentemente dos índios, os espanhóis estavam apresentando a doença crônica da montanha (DCM),
uma condição causada pela incapacidade em obter oxigênio suficiente do ar rarefeito das montanhas.

Condição muito semelhante ocorreu no Tibete, colonizado há mais de 3000 anos. Os tibetanos eram
muito mais adaptados às altitudes do que outra população chamada de chineses Han.

31
Unidade I

Para compreender essa adaptação, uma equipe de geneticistas comparou os tibetanos aos chineses
em mais de 500.000 SNP (polimorfismo de nucleotídeo único) ao longo do genoma. Uma vez que
eles são relacionados de maneira próxima, espera‑se que cada variante ocorra aproximadamente na
mesma frequência em ambos os grupos. Se a variante estiver associada à melhora da saúde em altas
elevações, a sua frequência teria aumentado entre os tibetanos ao longo das muitas gerações, visto que
os tibetanos tiveram mais filhos sobreviventes dos que aqueles sem a variante. A seleção natural de
Charles Darwin estaria atuando.

Quando analisadas as variações, o SNP em um gene especifico (EPAS1) chamou a atenção por ocorrer
em 87% dos tibetanos e em 9% dos chineses.

Lembrete

Segundo Darwin, os organismos mais bem adaptados ao meio têm


maiores chances de sobrevivência do que os menos adaptados, deixando
um número maior de descendentes.

Os tibetanos são geneticamente


adaptados à vida em atitudes elevadas

Figura 18 – Uma jovem mulher tibetana. A inserção


demonstra a localização do Tibete na Ásia

32
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Tibetanos apresentam uma variante especial do gene EPAS1


9
EPAS1
8

7
Valor do teste estatístico

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22
Cromossomo

Figura 19 – Os 22 cromossomos humanos são arranjados da esquerda para a direita. O eixo Y (vertical) demonstra os resultados
de um teste estatístico sobre a possibilidade de existir uma diferença significativa na frequência de SNP entre os tibetanos e
chineses Han. Cada pequeno ponto representa um dos SNP que foram testados. Os SNP acima da linha vermelha horizontal são
significativamente diferentes. Apenas os SNP no gene EPAS1 demonstram diferença significativa

Tais resultados sugerem que essa variação genética no gene EPAS1 está envolvida com a melhor
adaptação dos tibetanos à altitude.

Vale ressaltar que esse gene regula a quantidade de eritrócitos que nossos corpos produzem. Regula
também a quantidade de eritrócitos em resposta ao nível de oxigênio em nossos tecidos.

Quando temos uma anemia, por exemplo, baixamos a contagem de eritrócitos; o EPAS1 pode sinalizar
para o corpo a necessidade de produzir mais eritrócitos. Situação similar ocorre quando um indivíduo
que mora em um ambiente de baixa altitude se desloca para outro de alta altitude: há a sinalização e
o consequente aumento na produção de eritrócitos. Nesse caso, o sangue fica sobrecarregado com o
aumento de eritrócitos, que pode levar à hipertensão pulmonar e formação de coágulos sanguíneos,
condições subjacentes a DCM.

No caso dos tibetanos, a hipótese é que a variação no gene EPAS1 pode ter deixado de
sinalizar o aumento dos eritrócitos e, ao mesmo tempo, proporcionado outro mecanismo
de adaptação ao ar rarefeito, pois os níveis de eritrócitos desses indivíduos mantêm‑se
relativamente normais.

33
Unidade I

Observação

A genética evolutiva fornece ferramentas para documentar como


variações gênicas que proporcionam um efeito benéfico podem aumentar
em frequência em uma população e tornar a população mais bem‑adaptada
ao ambiente em que vivem.

2.1.3 Pool gênico

Pool gênico é um conceito fundamental para o estudo da variação genética nas populações: ele é
a soma de todos os alelos nos membros reprodutivos de uma população em uma determinada ocasião.
Podemos descrever a variação em uma população em termos das frequências genotípicas e alélicas.

Frequência genotípica é calculada simplesmente dividindo o número de vezes que determinado


genótipo aparece pelo total de indivíduos na população. Por exemplo, imaginemos que temos uma
população de rãs, cada uma das quais carregando dois alelos no locus autossômico A. Apenas contando,
determinamos que existem 5 homozigotos A/A, oito heterozigotos A/a e três homozigotos a/a. o
tamanho da amostra é 16. Nesse caso, para determinar a frequência do genótipo A/A, dividimos 5 por
16, assim teremos 0,31.

De maneira mais simples, nas frequências alélicas contamos o total de alelos A e dividimos pelo total.

2.1.4 Fatores raciais e sua relação com o alto rendimento esportivo

As diferenças raciais no somatótipo podem afetar o desempenho nos esportes. Os velocistas


e os saltadores em altura da raça negra, por exemplo, possuem membros mais longos e quadris
mais estreitos que seus congêneres brancos. De uma perspectiva mecânica, um velocista negro
com o tamanho das pernas e braços idêntico a um velocista branco possui um corpo mais leve,
mais baixo e mais esbelto para a corrida. Isso poderia conferir mais potência para esse atleta
(MCARDLE; KATCH; KATCH, 2008). Outras diferenças no fenótipo de atletas entre raças podem
estar envolvidas no desempenho esportivo. Mais adiante, discutiremos cada uma das variáveis
genéticas que podem interferir no fenótipo e, consequentemente, no desempenho esportivo
dos atletas.

Observação

Somatótipo é uma teoria que dividiu a estrutura do ser humano em:


endomorfia (adiposidade), mesomorfia (muscularidade) e ectomorfia
(magreza), definindo determinadas características físicas que diferenciam
essas estruturas.

34
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

3 RELAÇÃO ENTRE HERANÇA GENÉTICA NA OBESIDADE E DIABETES

Já é conhecido que o estilo de vida ativo tem uma relação positiva com o estado de saúde da maioria
dos indivíduos de uma população (AKBARTABARTOORI; LEAN; HANKEY, 2008). Além disso, observa‑se
que a prática de atividades físicas regularmente (em níveis moderados ou altos) está associada a
menores riscos de doenças crônicas, especialmente, síndrome metabólica, obesidade, diabetes tipo 2
e doenças cardiovasculares (CHURILLA; FITZHUGH, 2009). Ao contrário dessas observações, indivíduos
na população geral tendem a adotar cada vez mais estilos de vida menos ativos ou sedentários. Uma
pesquisa recente mostrou que aproximadamente 31,1% dos adultos do mundo são fisicamente inativos,
com variações de 17% na Ásia e até 43% na América, por exemplo. Além disso, aproximadamente 80%
dos adolescentes entre 13‑15 anos não alcançam os valores recomendados de atividade física diária
(HALLAL et al., 2012).
2.0

inactive BMI>=30
1.5
active BMI>=30
Predicted CHD risk over 10 yr (log)

x inactive BMI<25

1.0 active BMI<25

0.5

0.0
20 30 40 50 60 70 80
Age (years)

Figura 20 – Relação do risco de desenvolvimento de doença cardíaca em 10 anos com a idade


em indivíduos sedentários e ativos, obesos ou magros (eixo y: doença cardiovascular
predita em 10 anos (log); eixo x: idade (anos)

A atividade física pode ser historicamente definida como “qualquer movimento corporal produzido
pelos músculos esqueléticos que resultam em gasto de energia” (CASPERSEN, 1985 apud SANTOS et al.,
2012). Essa definição, porém, pode ser simplista para definir os modelos de movimento corporal humano
que estão relacionados à saúde.

35
Unidade I

A relação que se faz recentemente é que a inatividade física associada ao comportamento sedentário
pode envolver uma predisposição genética (BRAY et al., 2009). Porém, embora significativa, a influência
familiar sugere muitos questionamentos quanto aos possíveis efeitos genéticos e/ou culturalmente
transmitidos, além das diferentes exposições a esses efeitos entre as gerações.

Embora pesquisas no domínio da epidemiologia genética tenham apresentado influência


genética baixa a moderada na variância total dos diferentes fenótipos da atividade física,
envolvendo, também, o comportamento sedentário, esses resultados são amplamente divergentes
e, em sua maioria, baseados na transmissão de características entre duas gerações, no mesmo
núcleo familiar. Esses dados não conseguem representar isoladamente a contribuição de fatores
genéticos associados ao comportamento sedentário e inatividade física, pois outros vários fatores
podem interferir, assim como a influência do ambiente e comportamento (RANKINEN et al., 2009
apud CHAVES et al., 2010). Os fatores ambientais partilhados no seio de cada família, quando não
controlados, podem se tornar fatores de interferência da influência genética na variabilidade dos
níveis de AF e sedentarismo.

Em pesquisa recente, Chaves et al. (2010) analisaram a relação da transmissão genética dos níveis
de atividade física em três gerações e chegaram à conclusão de que fatores genéticos podem contribuir
entre 15 a 40% para a variabilidade total dos fenótipos da atividade física e comportamento sedentário,
considerada influência baixa a moderada. Fatores ambientais não transmitidos correspondem à maior
contribuição na determinação desses fenótipos.

Lembrete

Grande parte dos estudos tem mostrado baixa correlação entre a prática
de atividade física e variáveis genéticas.

Portanto, parece plausível considerar que a maior influência para o comportamento sedentário tem
relação com fatores ambientais e comportamentais.

3.1 Obesidade

A obesidade é definida como uma doença multicausal associada aos efeitos do acúmulo excessivo
de gordura corporal (WHO, 1998).

Sua prevalência vem crescendo em níveis alarmantes tanto em países desenvolvidos, quanto
em desenvolvimento, sendo considerado um problema de saúde pública. Isso se deve, dentre outras
coisas, ao fato de a obesidade estar relacionada a múltiplos fatores e causas. Além disso, associa‑se a
várias outras comorbidades, tais como alterações metabólicas, dificuldades respiratórias e no aparelho
locomotor (MONTEIRO; CONDE, 1999; DIAS et al., 2007). A obesidade também é considerada um fator
de risco para enfermidades como dislipidemias, doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e alguns tipos
de câncer (KAC; VELÁSQUEZ‑MELÉNDEZ, 2003; ANJOS, 2006).

36
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Doenças articulares Apneia do sono

Dislipidemias Diabetes

Câncer
Hipertensão
Obesidade mórbida

Colecistite Infarto

Incontinência urinária Insuficiência cardíaca

Figura 21 – Relação da obesidade com outras doenças ou comorbidades

O diagnóstico da obesidade é realizado a partir do parâmetro estipulado pela Organização Mundial


de Saúde (WHO, 1999): o body mass index (BMI), ou índice de massa corporal (IMC), obtido a partir
da relação entre peso corpóreo (kg) e estatura (m²) dos indivíduos. A partir desse parâmetro, são
considerados obesos os indivíduos cujo IMC encontra‑se num valor igual ou superior a 30 kg/m².

Tabela 1 – Diagnóstico de obesidade através do IMC e sua associação com os riscos à saúde

IMC Classificação Risco


18,5 – 24,99 Eutrofia Médio
25,00 – 29,99 Sobrepeso Aumentado
30,00 – 34,99 Obesidade classe I Moderado
35,00 – 39,99 Obesidade classe II Severo
> 40,00 Obesidade classe III Muito severo

Adaptada de: World... (2005).

3.1.1 Determinantes da obesidade

De maneira bem simplificada, podemos dizer que a obesidade resulta de um desequilíbrio entre o
gasto e a ingestão de energia. No entanto, os mecanismos que levam a esse fenótipo são bem mais
complexos. Fatores genéticos desempenham papel importante de ação permissiva para os fatores
ambientais e, em alguns casos, podem ser decisivos para o desenvolvimento da obesidade (NEGRÃO;
PEREIRA‑BARRETO, 2005).

Outros fatores também podem influenciar o surgimento da doença, como idade, sexo, metabolismo
de repouso, oxidação lipídica, metabolismo do tecido adiposo e do músculo esquelético, atividade
nervosa simpática, dentre outros (PERUSSE, 2002).
37
Unidade I

Saiba mais

A obesidade vem crescendo em níveis alarmantes. A projeção é que, em


2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso; e mais de 700
milhões, obesos:

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA OBESIDADE E DA


SÍNDROME METABÓLICA (ABESO). Mapa da obesidade. São Paulo,
[s.d.]. Disponível em: <http://www.abeso.org.br/atitude‑saudavel/
mapa‑obesidade>. Acesso em: 12 jan. 2017.

De maneira geral, as pessoas têm se alimentado mal e gasto cada vez menos energia com atividades
físicas. A má alimentação inclui a ingestão de alimentos mais gordurosos e mais energéticos (BRAY;
POPKIN, 1998) e se deve a vários fatores, incluindo o aumento no tamanho das porções e o marketing
da indústria alimentícia.

3.1.2 Controle do peso corporal

Antes de nos ater aos fatores genéticos, é importante entender como se dá o controle do padrão
alimentar normal, que vão depender de interações neurais e hormonais.

Algumas regiões do hipotálamo podem ser consideradas importantes para o controle do balanço
energético. Nessas regiões há importantes peptídeos, como NPY (neuropeptídio Y) e outros, que são
liberados para aumentar ou diminuir a ingestão de alimentos e manter a homeostase; seus sinalizadores
são a insulina e a leptina.

Uma das consequências da má alimentação associada à obesidade é um aumento da glicemia, que


inicialmente pode levar à hiperinsulinemia; com o quadro crônico, isso poderá resultar em resistência à
insulina e, possivelmente, diabetes tipo 2.

Observação

Hiperinsulinemia se caracteriza pelo aumento da concentração da


insulina na corrente sanguínea.

38
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Homeostasia glicêmica

Resistência à ação
da insulina

Diabetes

Figura 22 – A quebra da homeostasia (equilíbrio) glicêmica,


de maneira crônica, resulta em resistência à ação da insulina e possivelmente Diabetes

3.1.3 Fatores genéticos

Devido ao crescente quadro da obesidade mundial, cada vez mais pesquisadores têm tentado
entender os mecanismos da obesidade e, com isso, vários trabalhos são desenvolvidos, incluindo aqueles
que tentam entender a relação dos fatores genéticos.

Nessa direção, a teoria da economia energética vem sendo apontada como possível contribuinte para
o desenvolvimento da obesidade. Segundo a teoria, em situações de déficit de energia, como ocorreu
com nossos antepassados, o organismo aciona uma série de mecanismos metabólicos adaptativos que
buscam promover a redução no gasto energético como estratégia de sobrevivência. Essa adaptação leva
o organismo a um novo ponto de equilíbrio, em que o gasto e a ingestão energética são inferiores ao
normal. Esse novo equilíbrio, contudo, revela‑se frágil, e um aumento na ingestão de alimentos ricos em
energia química pode levar a um ganho de peso, principalmente na forma de gordura, consequência do
aumento da eficiência metabólica adquirida (ANJOS, 2006).

Carboidratos Proteínas

Gorduras

Figura 23 – Tipos de transformação entre moléculas que são possíveis.


Seres humanos são capazes de transformar proteínas e carboidratos em lipídeos,
e proteínas em carboidratos. Não somos capazes de transformar carboidratos ou
lipídeos em proteínas nem de fabricar carboidratos a partir de lipídeos

Estima‑se que a herança genética possa responder por 24 a 40% da variância no IMC por
determinar diferenças em fatores como taxa de metabolismo basal, resposta à superalimentação e
outros. Acredita‑se que as mudanças de comportamento alimentar e os hábitos de vida sedentários
atuando sobre genes que predispõem os indivíduos à obesidade sejam o determinante principal do
crescimento da obesidade no mundo.

39
Unidade I

É bem possível, portanto, que a obesidade surja como a resultante de fatores que envolvam múltiplas
respostas genéticas complexas (fatores poligênicos) e um ambiente obesogênico. O chamado mapa
gênico da obesidade humana (SNYDER et al., 2004) está em processo constante de evolução, à medida
que se identificam novos genes associados com a obesidade.

A maior sobrevivência dos indivíduos obesos e a influência das reservas de gordura na fertilidade
em situações de falta de alimentos podem ter sido, em parte, responsáveis por uma seleção natural de
pessoas com tendência à obesidade.

A importância genética na identificação das causas da obesidade tem sido foco de pesquisa em todo
o mundo. A identificação e sequenciamento do gene ob, que codifica a proteína leptina, e a descoberta
de que o defeito nesse gene parece ser a simples causa da obesidade em camundongos ob/ob têm
gerado considerável interesse no estudo da genética da obesidade (ZHANG et al. 1994 apud PEREIRA;
FRANCISCHI; LANCHA‑JUNIOR, 2003).

Figura 24 – Camundongo homozigoto para a mutação no gene que codifica a


leptina (camundongo ob/ob). Camundongos ob/ob, assim como os animais com
mutação no receptor de leptina (camundongos db/db), apresentam obesidade extrema,
por sentirem muita fome e redução do gasto de energia, também apresentam diabetes,
hipotireoidismo e hipogonadismo hipogonadotrofico. Essas mesmas disfunções são
observadas em humanos deficientes em leptina e em seu receptor

A leptina (do grego leptos, ou magro) é uma proteína composta por 167 aminoácidos e possui
uma estrutura semelhante às citocinas, do tipo interleucina 2 (IL‑2); é produzida principalmente
no tecido adiposo e seu pico de liberação ocorre durante a noite e nas primeiras horas da manhã.
Atua no controle da ingestão alimentar, aumentando a saciedade e estimulando os neurônios do
hipotálamo no sistema nervoso central. A ação da leptina no sistema nervoso central (hipotálamo)
em mamíferos promove a redução da ingestão alimentar e o aumento do gasto energético, além
de regular a função neuroendócrina e o metabolismo da glicose e de gorduras. Ela é sintetizada
também na glândula mamária, músculo esquelético, epitélio gástrico e trofoblasto placentário
(FRIEDMANN; HALAAS, 1998).

40
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

A expressão da leptina pode aumentar em resposta à ação da insulina ou por glicocorticoides (como
o cortisol, por exemplo). Além disso, citocinas pró‑inflamatórias ou quadros infecciosos também podem
influenciar o aumento da expressão da leptina. Opostamente, o hormônio testosterona, a exposição ao
frio e as catecolaminas reduzem a síntese de leptina. Associadamente, situações de estresse impostas ao
corpo, como jejum prolongado e exercícios físicos intensos, provocam a diminuição dos níveis circulantes
de leptina.

A quantidade de leptina liberada no plasma está relacionada parcialmente à quantidade de tecido


adiposo no organismo. Indivíduos obesos apresentam um aumento do número de células adiposas, o
que significa uma maior quantidade de RNAm ob encontrada em seus adipócitos do que em sujeitos
com peso considerado normal (MAFFEI et al., 1995 apud ROMERO; ZANESCO, 2006). Entretanto, a
concentração sérica de leptina não é dependente somente do tamanho do tecido adiposo, uma vez
que a redução de 10% do peso corporal provoca diminuição de cerca de 53% de leptina plasmática,
sugerindo que outros fatores, além da adiposidade tecidual, estão envolvidos na regulação de sua
produção (SANDOVAL; DAVIS, 2003 apud ROMERO; ZANESCO, 2006).

Quadro 3 – Influência de fatores orgânicos


e ambientais nos níveis de leptina

Níveis de
Situações leptina
Ganho de peso Aumentados
Insulina Aumentados
Glicocorticoides Aumentados
Infecções agudas Aumentados
Citocinas inflamatórias Aumentados
Perda de peso Diminuídos
Jejum Diminuídos
Estimulação adrenérgica Diminuídos
Hormônio do crescimento (GH) Diminuídos
Hormônio tireoidiano Diminuídos
Melatonina Diminuídos
Fumo Diminuídos

Fonte: Friedmann; Halaas (1998) apud Romero; Zanesco (2006, p. 87).

Como já foi mencionado, a leptina aumenta a saciedade. Isso acontece através da inibição da
formação de neuropeptídios relacionados ao apetite, como o neuropeptídio Y e também o aumento
de peptídeos anorexígenos. Mesmo assim, os indivíduos obesos apresentam níveis aumentados de
leptina (cerca de 5 vezes mais que os indivíduos magros), o que indica que a ação da leptina pode estar
diminuída no obeso, podendo indicar resistência à ação da leptina, semelhante ao que acontece com os
indivíduos diabéticos em relação à insulina.

41
Unidade I

Leptina Problema nos


receptores

Tecido adiposo
Hipotálamo

Neuropeptideo y
Peptídeos anorexigenos

Figura 25 – Gênese da obesidade em humanos

Apesar do crescente número de estudos, existem poucas evidências sugerindo que algumas
populações são mais susceptíveis à obesidade somente por atribuições genéticas. Portanto, as causas
da obesidade parecem ter muito mais relação com fatores ambientais do que genéticos (JEBB, 1999).

Fatores
Genética ambientais e
comportamentais

Figura 26 – Causas da obesidade

Apesar disso, algumas pesquisas com filhos adotados e gêmeos (CHAGNON; PÉRUSSE; BOUCHARD,
1997), assim como de associação genética, confirmam que existe uma influência genética para o risco
de obesidade.

Avanços científicos recentes têm tentado realizar um mapeamento genético para identificar genes
que se correlacionem com a obesidade. Em uma das últimas atualizações, em 2005, identificou‑se 425
genes ou biomarcadores que possuem relação direta ou indireta com a obesidade (RANKINEN et al.,
2006). Alguns genes, assim como aqueles que regulam a expressão de proteínas desacopladoras, leptina
(como já mencionado), receptores de leptina, receptores adrenérgicos, proteínas ligadoras de ácidos
graxos e receptores ativados por proliferador de peroxissoma, modulam o controle do metabolismo
energético e podem ser afetados por dieta e atividade física (DWIVEDI; SAHAI; MIRKIN, 2007).
42
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Em paralelo, em alguns outros estudos, por exemplo, tenta‑se explicar porque alguns indivíduos não
conseguem perder peso adequadamente quando submetidos a programas de exercícios físicos. Alguns
deles, embora ainda controversos, relacionam os polimorfismos de genes associados à lipólise com a
perda de peso desses indivíduos (CORELLA et al., 2005; DERAM et al., 2008; KIM et al., 2004).

Observação

Lipólise refere‑se ao processo de degradação das gorduras. Nesse


processo, triglicérides são degradados em ácidos graxos e glicerol.

Segundo Luglio (2016), em uma revisão publicada recentemente, a relação da obesidade com
aspectos genéticos, no que se associa às diferenças individuais na oxidação de gordura, não somente
contribui para o desenvolvimento da obesidade, como também complica o tratamento de perda de peso.

Esses estudos mostram, tanto em humanos quanto em animais, que modificações genéticas
relacionadas à oxidação de ácidos graxos têm impacto na perda de peso e no risco de obesidade. Alguns
polimorfismos nos genes que codificam CD36, CPT, ACS e FABP podem se relacionar com a obesidade
por regular a atividade enzimática ou influenciar diretamente a oxidação de gordura. Porém, apesar
das especulações, ainda existem controvérsias e pontos a esclarecer. Alguns estudos ainda precisam ser
reproduzidos. No quadro a seguir estão as principais funções das proteínas citadas.

Quadro 4 – Exemplo de polimorfismos em proteínas associadas


à oxidação de gordura que podem estar relacionadas à obesidade

Acil‑CoA Sintetase, enzima importante que parece estar envolvida tanto na


ACS lipogênese quanto no processo de oxidação da gordura. Também pode alterar
secreção de insulina e transporte de glicose (Coleman et al, 2002 apud Luglio, 2016).
É uma proteína transportadora de lipídeos que está envolvida em muitos processos
celulares incluindo a oxidação de gorduras. É expressa em vários tecidos, como
CD36 tecido adiposo, intestinal e no endotélio vascular. Estudos se mostram em relação a
influência do polimormismo na obesidade.
Proteína ligadora de ácido graxo. Vários estudos genéticos relacionam‑se ao ganho
FABP de peso, mas existe ainda baixa correlação entre a variação genética dessa proteína
e obesidade. Necessidade de mais estudos.
Carnitina Palmitoil transferase. Auxilia a entrada de lipídeos na mitocôndria da
CPT célula. Vários estudos mostram associação das variações genéticas com a obesidade.

Aceita‑se atualmente que os genes desempenham um papel colaborativo e permissivo no


desenvolvimento da obesidade e que os fatores ambientais interagem para levar à obesidade. Como diz
George Bray, “a genética carrega a arma e o ambiente aperta o gatilho”. Vale lembrar também que uma
variação genética que predisponha a um fenótipo de maior risco pode associar‑se a maior probabilidade
de complicações metabólicas. A tendência a depositar gordura na região abdominal visceral, por exemplo,
pode ser geneticamente determinada, conforme demonstrado em estudos com gêmeos monozigóticos
(PERUSSE; BOUCHARD, 2000).

43
Unidade I

3.2 Hereditariedade e diabetes

Diabetes mellitus não é uma única doença, mas um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos
que apresenta em comum a hiperglicemia, resultante de defeitos na ação da insulina, na secreção
de insulina ou em ambas. A classificação atual do diabetes mellitus baseia‑se na etiologia e não no
tipo de tratamento, portanto, os termos “DM insulinodependente” e “DM insulinoindependente” não
devem ser utilizados na classificação do diabetes. A classificação proposta pela Organização Mundial
da Saúde (OMS) e pela Associação Americana de Diabetes (ADA) engloba quatro classes: DM tipo 1
(DM1), DM tipo 2 (DM2), outros tipos específicos de DM e DM gestacional. Há ainda duas categorias,
referidas como pré‑diabetes, que são a glicemia de jejum alterada e a tolerância à glicose diminuída.
Essas categorias não são entidades clínicas, mas fatores de risco para o desenvolvimento de DM e
doenças cardiovasculares (DCV) (SBD, 2016).

Classificação etiológica do diabetes mellitus

• DM1

— autoimune

— idiopático

• DM2

— outros tipos específicos de DM

• DM gestacional

No diabetes mellitus tipo 1, os indivíduos têm destruição das células beta do pâncreas que levam
a uma deficiência de insulina, classe subdivida em tipos 1A e 1B. Quanto ao subtipo 1A, resultado da
destruição autoimune de células beta pancreáticas com consequente deficiência de insulina, estima‑se
que seja encontrado de 5 a 10% dos casos de DM.

Observação

As células beta‑pancreáticas são células endócrinas nas ilhotas de


Langherans do pâncreas. Elas são responsáveis por sintetizar e secretar o
hormônio insulina, que regula os níveis de glicose no sangue.

O desenvolvimento do DM tipo 1A envolve fatores genéticos e ambientais. É uma condição


poligênica, na maioria dos casos, e os principais genes envolvidos estão no sistema do antígeno
leucocitário humano (HLA) classe II. Esses alelos podem promover o desenvolvimento da doença
ou proteger o organismo contra ela (ERLICH; VALDES, NOBLE, 2008). Alguns fatores do ambiente
que interagem com os fatores genéticos podem colaborar para essa destruição autoimune, dentre
44
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

eles estão: algumas infecções virais, fatores nutricionais (por exemplo, introdução precoce de leite
bovino), deficiência de vitamina D e outros. A taxa de destruição das células beta é variável e, em
geral, mais rápida entre as crianças. A forma lentamente progressiva ocorre em adultos, conhecida
como diabetes autoimune latente do adulto (Lada, acrônimo em inglês de latent autoimune
diabetes in adults).

No Diabetes tipo IB ou idiopático, como o nome sugere, não se sabe exatamente a causa para seu
desenvolvimento. Os indivíduos com esse tipo de DM podem desenvolver cetoacidose e apresentar
graus variáveis de deficiência de insulina.

Lembrete

Cetoacidose é um estado de acidose metabólica causada por altas


concentrações de cetoácidos, um produto do metabolismo de lipídeos. É
mais apresentado por diabéticos tipo 1, quando o fígado quebra a gordura
em resposta a uma necessidade percebida pela dificuldade da quebra de
glicose. Pode ocorrer também após um jejum prolongado.

O Diabetes tipo 2 é a forma verificada em 90 a 95% dos casos de diabetes. Esse subtipo se caracteriza,
principalmente, por defeitos na ação e secreção da insulina (ação nos receptores, por exemplo). A
resistência à insulina e o defeito na função das células beta estão presentes já na fase inicial da doença.
É causada por uma interação de fatores genéticos e ambientais. Nas últimas décadas, foi possível a
identificação de uma série de fatores genéticos associados ao DM2, mas há ainda grandes dúvidas
e falta de explicações em vários sentidos. Entre os fatores ambientais estão fenótipos associados ao
sedentarismo e à obesidade, além de dietas ricas em gorduras e envelhecimento, que interagem com
alguns genes que podem ser responsáveis por uma maior susceptibilidade para o desenvolvimento do
DM2 (OLIVEIRA; ALVES; BARAUNA, 2003).

Outro tipo diferenciado de diabetes, o diabetes gestacional, é apresentado durante a gravidez e se


associa a qualquer intolerância à glicose, de magnitude variável, que pode ser desenvolvida no início ou
no decorrer da gestação.

Qualquer um dos tipos de diabetes, se não tratado adequadamente, pode evoluir e ocasionar doenças
cardiovasculares, retinopatias, neuropatias autonômicas e periféricas, nefropatias, doença vascular
periférica, aterosclerose, doença cerebrovascular, hipertensão e susceptibilidade a infecções.

Atualmente, são conhecidos alguns genes específicos causadores do diabetes tipo 2, mas na maioria
dos casos a hiperglicemia ocorre devido à ação de vários genes.

As formas monogênicas do diabetes representam de 5 a 10% dos casos. Elas aparecem muito
rapidamente, por isso, são conhecidas como Maturity Onset Diabetes of Young – MODY. Nelas, se
observam mutações do gene do receptor da insulina e do gene da insulina (casos raros), diabetes
de origem mitocondrial transmitida por herança materna, que, em geral, evolui também com perda
45
Unidade I

auditiva, ou a chamada síndrome de Wolfram (diabetes mellitus, diabetes insípidus, atrofia óptica,
surdez neurossensorial).

Já na forma poligênica do diabetes, temos mutações de vários genes que atuam nas células a fim
de manter o controle glicêmico, como fígado, musculatura esquelética e tecido adiposo. Assim, as
interações das mutações em genes pequenos associadas a possíveis defeitos em genes maiores atuam em
fenótipos intermediários do diabetes que irão influenciar no equilíbrio glicêmico como massa gordurosa,
sensibilidade à insulina, padrão secretório da insulina (REIS; VELHO, 2002). Essas combinações favoráveis
podem ser raras, ter alguma prevalência ou estar presente na maioria da população; podem ser ativadas
quando há interação com o estilo de vida. Portanto, várias pessoas poderiam ser mais suscetíveis à
doença quando adotam maus hábitos de vida. A seguir, temos um quadro com alguns genes candidatos
mais investigados evidenciando suas ações:

Quadro 5 – Alguns genes possivelmente envolvidos


no desenvolvimento do diabetes

Genes Ações
SUR1 é o sensor de ATP/ADP do canal de potássio nas células
betapancreáticas. Kir6.2 é a outra subunidade e forma o poro do
Genes SUR1 e Kir6.2 canal. Especula‑se mutações silenciosas ou polimorfismos nos
íntrons, além de outros genes nas proximidades destes.
Este fator de transcrição é implicado na diferenciação adipocitária
PPAR‑y e no metabolismo lipídico. Mutações neste gene resultam em um
quadro de resistência a insulina e diabetes.
Trata‑se de uma proteína com efeito ainda não definido que parece
estar implicada na predisposição ao DM2 em algumas populações.
Calpaína10 A calpaína 10 é expressa em vários tecidos, incluindo coração,
fígado, músculos esqueléticos e pâncreas.

Adaptado de: Reis; Velho (2002).

Além dos genes demonstrados no quadro, o gene da enzima conversora de angiotensina – ECA
tem sido considerado um candidato que pode estar envolvido nas respostas metabólicas diferenciadas
entre os indivíduos. Seus polimorfismos apresentados são de deleção (alelo D) ou inserção (alelo I), que
resultam em alta ou baixa atividade da ECA, respectivamente. A ECA atua no sistema renina‑angiotensina,
convertendo a angiotensina I (Ang I) em angiotensina II (Ang II), o que causa vasoconstrição e, por isso,
pode também elevar a pressão arterial.

46
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Estímulo Inibição
Pressão sanguínea Pressão sanguínea
Volume de líquidos Volume de líquidos
β1simpático β1simpático
ANP
Angiotensinogênio Angiotensinogênio

Renina Renina

Angiotesina I Angiotesina I

ECA ECA

Angiotesina II H2O Angiotesina II H 2O


NaCI NaCI
Reabsorção Reabsorção
NaCI/H2O NaCI/H2O

Vasoconstrição
Vasoconstrição
Aldosterona Aldosterona

Mecanismos da liberação de Renina

Células
justaglomerulares (JG)
Mácua densa

Arteríola aferente NaCI Arteríola eferente

NaCI NaCI
NaCI

Mecanismo barorreceptor: Mecanismo nervoso simpático: Mecanismo da mácua densa:


O aumento da pressão na arteriola aferente Os nervos β1 adrenérgicos estimulam O aumento do NaCI na parte cistal
inibe a liberação de renina pela células JG a liberação de renina (setas verdes) do néfron inibe a liberção de renina
(setas vermelhas); a diminuição da pressão (setas vemelhas); a diminuição da
promove a liberação de renina (setas verdes) carga promove a liberação da reina

Figura 27 – O sistema renina angiotensina aldosterona

Níveis aumentados de ECA na corrente sanguínea, que estão associados à presença do alelo
D, resultam em elevação da pressão arterial quando comparados a indivíduos que apresentam o
alelo I4; resultam também em menor biodisponibilidade da enzima bradicinina (BK), responsável
por promover vasodilatação e diminuição da resistência à insulina nas células musculares
(OLIVEIRA; ALVES; BARAUNA, 2003). Diabéticos tipo 2 apresentam 1,77 mais vezes o polimorfismo
de deleção nos dois alelos – homozigotos DD – quando comparados a pessoas saudáveis (48%
em diabéticos e 27% em não diabéticos), o que pode resultar em respostas diferenciadas ao
exercício físico, considerando que 52% desses diabéticos podem ser homozigotos para inserção
(II) ou heterozigotos (ID). Ainda assim, o controle do DM2 pode ser feito por meio da associação
de uma dieta alimentar adequada de baixo índice glicêmico, prática de exercício físico e uso de
medicamentos hipoglicemiantes.

47
Unidade I

Saiba mais

O capítulo 6 do livro indicado a seguir apresenta uma revisão interessante


sobre o sistema renal, importante para entender o funcionamento do
sistema renina angiotensina:

HANSEN, J. T.; KOEPPEN, B. M. Netter – Atlas de Fisiologia Humana. Rio


de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 119‑137.

4 RELAÇÃO ENTRE HERANÇA GENÉTICA E DOENÇAS CARDIOVASCULARES

Hipertensão arterial, idade, sexo, tabagismo, níveis elevados de colesterol LDL, níveis diminuídos
de HDL, diabetes, sedentarismo, obesidade e história familiar prematura para doenças cardíacas são os
principais fatores de risco para as doenças cardiovasculares.

A aterosclerose é a principal causa de morte em todo o mundo (MURRAY; LOPES, 1997). As


doenças isquêmicas do coração são causadas por uma grande variedade de fatores. Dentre eles,
os mais amplamente relacionados com o referido grupo de patologias são os níveis séricos de
lipídeos e lipoproteínas. Níveis elevados de LDL e triglicerídeos representam um fator de risco,
enquanto um grande número de estudos epidemiológicos relaciona baixos níveis de HDL como
preditores, e altos níveis dessa lipoproteína como protetores para as cardiopatias (GOLDBOURT;
YAARI; MEDALIE, 1997). Foi estimado que um decréscimo de 10% nos níveis de colesterol total
em uma população pode resultar em redução de 30% na incidência de cardiopatias (SMITH
JUNIOR et al., 2001).

Um perfil lipídico de risco parece ser uma característica extremamente comum em nossa população
(ANDRADE; HUTZ, 2002).

A variação da concentração lipídica no sangue pode ser causada por vários fatores, incluindo
comportamentais, ambientais e genéticos. Variações em um grande número de genes envolvidos
na síntese de proteínas estruturais e enzimas relacionadas no metabolismo de lipídeos poderiam,
a princípio, responder por variações do perfil lipídico de cada indivíduo. Dessa maneira, qualquer
gene que seja responsável pela produção de uma proteína envolvida na rota metabólica poderia
ser um “gene candidato” na investigação de determinantes genéticos dos níveis lipídicos. Assim, o
somatório de variações com pequeno efeito em cada um desses genes poderia levar à deterioração
do perfil lipídico de um indivíduo, predispondo à cardiopatia. Como as variantes genéticas são
bastante frequentes na população em geral (de 1% a 80% dos indivíduos), seu impacto é muito
maior na saúde pública quando comparadas com mutações de grande efeito, mas que são muito
mais raras.

48
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Diabetes Hipertensão
Sexo

Obesidade Sedentarismo

Dislipidemia Tabagismo

Histórico familiar Consumo


para doenças Idade excessivo de álcool
cardiovasculares

Figura 28 – Principais fatores de risco para doenças cardiovasculares

Dados epidemiológicos, como os de Framingham (CHEN; LEVI, 2016), mostram que a probabilidade
de um indivíduo de 50 anos, sem fatores de risco conhecidos, desenvolver um evento coronariano, é de
6%, em 10 anos. Já um indivíduo de 60 anos passa a ter a probabilidade de 9% de desenvolver o mesmo
evento. Isso sugere que outros fatores estejam implicados, de alguma maneira, na susceptibilidade de
um indivíduo a desenvolver o evento cardiovascular. Entre esses fatores, existe a possibilidade de algum
fator genético estar envolvido no desenvolvimento das doenças cardiovasculares. Tal possibilidade está
baseada, principalmente, no fato de que indivíduos que têm histórico familiar de doença cardiovascular
correm um maior risco de desenvolvê‑las em relação à população geral. Por causa disso, investimentos
substanciais têm sido aplicados no campo genético molecular nas duas últimas décadas.

4.1 Hipertensão arterial

Vários fatores implicados no aumento da pressão arterial já foram claramente identificados. São
exemplos deles: obesidade, resistência à insulina, consumo aumentado de álcool, consumo aumentado
de sal (pelo menos em indivíduos sal‑sensíveis), idade, sedentarismo, estresse, baixo consumo de potássio
e cálcio, entre outros (CARRETERO; OPARIL, 2000).

Acredita‑se, ainda, como já demonstrado em inúmeros estudos científicos, que variações genéticas
podem contribuir para a determinação dos níveis de pressão arterial de um indivíduo. Esse conceito não
se deve apenas à herança genética associada aos valores da pressão arterial ou à distribuição desses
valores na população, mas aos trabalhos com modelos animais que conseguiram isolar os componentes
genéticos e impulsionar outros estudos nessa área. Não se deve subestimar a contribuição desses fatores
genéticos para a própria definição dos outros fatores de risco, ditos ambientais, como diabetes, obesidade
ou mesmo consumo de álcool (HARRAP, 1994).

A identificação de determinantes genéticos associados à hipertensão ainda é complicada porque a


hipertensão está relacionada a inúmeras causas (fenótipos intermediários). Para que fique mais claro,
a hipertensão arterial de um indivíduo acontece devido à soma de inúmeras alterações fisiológicas que
visam manter a homeostase do organismo e que respondem a inúmeros estímulos crônicos. Assim,
fatores como o sistema nervoso autônomo, hormônios vasopressores/ vasodilatadores, estrutura e
49
Unidade I

função cardíaca e dos vasos, além de outros fatores, podem colaborar juntamente com determinantes
genéticos para o fenótipo da pressão arterial aumentada.

Observação

Vasopressores são substâncias que estimulam os vasos sanguíneos a


contrair, enquanto vasodilatadores estimulam os vasos a relaxar.

Diversos estudos em familiares têm tentado estabelecer uma relação entre fatores genéticos e o
desenvolvimento da hipertensão, tanto em irmãos quanto em pais e filhos. Alguns estudos, por exemplo,
encontraram valores maiores de correlação entre irmãos biológicos do que em irmãos adotivos (cujos
valores pressóricos podem ser influenciados pelo estilo de vida). Ainda, estudos com gêmeos mostram
uma concordância maior entre gêmeos monozigóticos que com gêmeos dizigóticos, outra evidência de
que os níveis de pressão arterial são, em parte, geneticamente determinados. Importante lembrar que
outros fatores como a obesidade ou uso abusivo de álcool podem influenciar os valores pressóricos e
que, adicionalmente, também podem ser influenciados por fatores genéticos.

Vários modelos animais em inúmeros estudos científicos oferecem algumas das bases das afirmações
de que os valores pressóricos podem ser influenciados geneticamente. Estudos com ratos SHR ou Dahl
são clássicos, no quais a hipertensão está ligada a características genéticas (FAZAN JR.; SILVA; SALGADO,
2001). Importantes avanços no entendimento da fisiopatologia e dos determinantes dos níveis pressóricos
têm se devido a investimentos em estudos com abordagens de localização e isolamento gênico nesses
modelos animais.

Ainda nesses modelos, inúmeros estudos mostram o efeito do treinamento físico para reduzir
a pressão arterial, o que evidencia sua ação positiva mesmo com a influência de fatores genéticos.
Nesse sentido, alguns estudos também apontam que alguns indivíduos não respondem bem à
terapia não medicamentosa com exercícios físicos, o que também pode sofrer influência genética
(HAGBERG et al., 1999).

Observação

A hipertensão de ratos SHR é desenvolvida fazendo o cruzamento de


animais com valores pressóricos aumentados por várias gerações.

No entanto, talvez, a maior evidência de que variantes genéticas podem influenciar os níveis
pressóricos de um indivíduo advenha do estudo de famílias que apresentam segregação clássica (nos
padrões mendelianos) dos valores de pressão arterial. Uma série de mutações em diferentes genes
participantes do sistema de homeostase de sal e água já foram caracterizadas em famílias com formas
monogênicas de hipertensão arterial (isto é, famílias que apresentavam padrão de herança mendeliano
para o valor de pressão arterial de seus membros).

50
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

4.1.1 Sistema renina angiotensina aldosterona

Vários estudos têm mostrado a participação do sistema renina angiotensina no desenvolvimento de


grande parte das doenças cardiovasculares.

O polimorfismo do gene da ECA, por exemplo, proporciona aumento das concentrações


da enzima e um consequente aumento na formação da angiotensina II circulante, que se
correlaciona positivamente com o desenvolvimento da hipertrofia cardíaca e hipertensão.
Como o sistema renina angiotensina é considerado um importante regulador do crescimento
miocárdico, indivíduos com mais altas concentrações de ECA podem apresentar maiores respostas
de hipertrofia no músculo cardíaco.
2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24

1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23

– 287 bp

Figura 29 – Representação da organização do gene da ECA. Retângulos representam os éxons,


e as linhas, os íntrons. No íntron 16 pode ocorrer a ausência de 287 pares de bases nucleicas determinando o genótipo D

Outro polimorfismo envolvendo o sistema renina angiotensina, o polimorfismo do gene


do angiotensinogênio (AGT), também parece estar correlacionado com o aumento das
concentrações de angiotensina II e a hipertensão (JEUNEMAITRE et al ., 1992 apud NEGRÃO;
PEREIRA‑BARRETO, 2005).
Ex 1 Ex 2 Ex 3 Ex 4 Ex 5

7 8 9 10 11 12 13 14 15

T M (174) M T (235)

Figura 30 – Representação da organização do gene do angiotensinogênio. Retângulos representam os éxons e as linhas os íntrons.
Existem 15 polimorfismos conhecidos para o gene do angiotensinogênio, o 7 troca um aminoácido treonina (T) por um metionina (M)
na posição 174 e o 9 faz a troca inversa na posição 235

Lembrete

Angiotensinogênio é produzido pelo fígado e dá origem à angiotensina.

51
Unidade I

Resumo

A maior parte da informação genética eucariótica está armazenada no


DNA encontrado no núcleo da célula e compactado nos cromossomos.

O genoma está distribuído entre os 23 pares de cromossomos, cada um


deles repetidos indefinidamente e nos conferindo as diferenças individuais
e únicas. Cada organismo possui a sua sequência de DNA organizada de
maneira individual e específica, por isso, cada ser humano é diferente um
do outro.

As estruturas em forma de hélice do DNA contêm cópia fiel das


instruções para quase todos os aspectos do nosso ser (fenótipo). O fenótipo
representa como nossos genes refletem no nosso corpo físico, textura, cor
etc.

Um gene é a unidade fundamental da hereditariedade, ou seja, um par


de fatores herdado de nossos pais. Uma cópia de um gene (chamada alelo)
especificando cada característica é herdada de cada um dos pais. Já os
cromossomos, como já mencionado, são carregadores de genes.

A replicação do DNA tem como objetivo transmitir a informação


genética idêntica para uma nova célula formada. A célula, então, usa
parte dessa informação recebida para produzir proteínas. Nesse processo,
inicialmente, ocorre a transcrição, em que uma determinada parte da
sequência de DNA é copiada de um cromossomo em uma molécula de RNA
complementar a um filamento da dupla hélice de DNA. Posteriormente,
ocorre o processo de tradução, no qual se usa a informação copiada em um
RNA para produzir uma proteína especifica através da organização e junção
dos aminoácidos especificados. A associação dos eventos de transcrição e
tradução é chamada de expressão gênica.

Devido a sua função de transferir informações, o RNA que serve como


molde para codificar proteínas é chamado de RNA mensageiro, já as proteínas
são compostas de domínios funcionais que frequentemente são codificados
por diferentes éxons. Portanto, a recomposição alternativa do RNAm pode
levar à síntese de diversas proteínas (denominadas isoformas) que, após
sua tradução, necessitam se dobrar adequadamente, e os aminoácidos de
algumas proteínas precisam ser quimicamente modificados.

Como essas informações genéticas passam para nossos descendentes?


Os padrões de herança genética são regulares e previsíveis. Mendel

52
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

identificou esses padrões e nomeou o que chamamos de “cada característica


é determinada por dois fatores que se separam na formação dos gametas,
onde ocorrem em dose simples”, isto é, para cada gameta masculino ou
feminino, encaminha‑se apenas um fator. Mendel também chegou à
conclusão de que as características poderiam ser passadas para outras
gerações de forma autônoma, distribuindo‑se independentemente para os
gametas, onde se combinam ao acaso. Esse processo permite a variabilidade
genética e a diferença entre os indivíduos.

Dentro de uma mesma população podemos identificar variantes


genéticas. Mutações e polimorfismos, por exemplo, são duas alterações
genéticas frequentes. As mutações são representadas pela substituição de
bases, alterações na organização ou no tamanho das sequências, dentre
outros processos. Essas alterações estão presentes em menos de 2% da
população. Os polimorfismos genéticos são variações na sequência de
DNA que podem criar ou destruir sítios de reconhecimento de enzimas
de restrição e parecem estar associados a apenas uma base. A frequência
ocorre em mais de 2% da população. Algumas dessas alterações ocorrerão
em sequências não codificadoras do gene, que, na maioria dos casos,
não terão efeito em suas funções. Caso essa mudança altere a atividade
bioquímica da proteína, poderá interferir no fenótipo. Essas variações, de
maneira geral, ocorrem por três fatores principais, são eles: patógenos,
como malária ou varíola, condições climáticas locais, incluindo radiação
solar, temperatura e altitude, e dieta, como as quantidades relativas de
carne, cereais ou laticínios ingeridos.

Como já mencionado, essas variações genéticas são importantes para a


continuidade da espécie e para a adaptação ao ambiente, e muitas dessas
características são transmitidas geneticamente.

Muitos estudos têm tentado relacionar nossas características físicas,


comportamentais, dentre outras, a fatores genéticos. Podemos destacar,
por exemplo, a obesidade e o diabetes. Nesse sentido, a teoria da economia
energética vem sendo apontada como possível contribuinte para o
desenvolvimento da obesidade. Segundo a teoria, em situações de déficit
de energia, como ocorreu com nossos antepassados, o organismo aciona
uma série de mecanismos metabólicos adaptativos que visa promover a
redução no gasto energético como estratégia de sobrevivência.

Alguns genes, assim como aqueles que regulam a expressão da leptina,


receptores adrenérgicos, proteínas ligadoras de ácidos graxos e receptores
ativados por proliferador de peroxissoma que modulam o controle do
metabolismo energético e podem ser afetados por dieta e atividade física
e outros polimorfismos nos genes que codificam CD36, CPT, ACS e FABP
53
Unidade I

podem se relacionar com a obesidade. Já o diabetes tipo 2, que é a forma


verificada em 90 a 95% dos casos de diabetes, é causada por uma interação
de fatores genéticos e ambientais. O gene da ECA parece estar envolvido no
seu desenvolvimento.

Fatores genéticos também podem influenciar o desenvolvimento de


doenças cardiovasculares, uma vez que estão associadas à dislipidemia,
por exemplo. Dessa maneira, qualquer gene que seja responsável pela
produção de uma proteína envolvida na rota metabólica poderia ser um
“gene candidato” na investigação de determinantes genéticos dos níveis
lipídicos. Assim, o somatório de variações com pequeno efeito em cada um
destes genes poderia levar à deterioração do perfil lipídico de um indivíduo,
predispondo à cardiopatia.

Exercícios

Questão 1. (Enade 2008) O trabalho de Mendel com hibridação de ervilhas, publicado em 1866,
forneceu subsídios para a compreensão das observações citológicas sobre o comportamento dos
cromossomos na formação dos gametas. Em seu trabalho, Mendel afirmava que os fatores, que
hoje chamamos de genes, separavam‑se na formação dos gametas e se uniam na formação do
zigoto. Além disso, argumentava que diferentes fatores se separavam nesse processo de maneira
independente entre si.

Essas duas afirmações correspondem a observações citológicas da meiose, tal como ela ocorre na
maioria das espécies, as quais mostram, respectivamente, que:

A) Os cromossomos homólogos se separam na fase II e a segregação de um par de cromossomos


homólogos é independente da dos demais.

B) Os cromossomos homólogos se separam na fase I e a segregação de um par de cromossomos


homólogos é independente da dos demais.

C) Os cromossomos homólogos se separam na fase II e a segregação de um par de cromossomos


homólogos é dependente da dos demais.

D) As cromátides‑irmãs se separam na fase I e a segregação de um par de cromossomos homólogos


é independente da dos demais.

E) As cromátides‑irmãs se separam na fase II e a segregação de um par de cromossomos homólogos


é dependente da dos demais.

Resposta correta: alternativa B.

54
GENÉTICA APLICADA ATIVIDADE MOTORA

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: o erro dessa alternativa é afirmar que os cromossomos homólogos se separam na fase
II da meiose. A segregação dos homólogos ocorre durante a fase I, mais especificamente na anáfase I.

B) Alternativa correta.

Justificativa: a meiose é uma divisão que ocorre em duas etapas ou fases: meiose I e meiose II. Do
ponto de vista genético, a principal característica da meiose I é a segregação dos pares de cromossomos
homólogos. A separação de cada elemento de um par ocorre devido à ligação de fusos acromáticos
situados em polos opostos da célula. É importante ressaltar que a separação de um determinado par de
homólogos ocorre de modo independente dos demais pares. Já a meiose II caracteriza‑se pela segregação
das cromátides‑irmãs que constituem cada cromossomo homólogo.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: a alternativa erra ao afirmar que os pares de homólogos se separam na fase II da meiose,
uma vez que essa separação, como já dito anteriormente, ocorre na fase I. Outro erro da alternativa está
em afirmar que a segregação de um par de homólogos é dependente da segregação dos demais, e, na
verdade, a segregação se dá de modo independente. O que ocorre durante a separação dos elementos
de um par de homólogos não interfere no processo de separação dos demais pares.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: como já mencionado nos comentários da alternativa B, a separação das cromátides


é um evento meiótico que ocorre durante a fase II da meiose, e não na fase I, como afirmado na
alternativa.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: ao contrário do que a alternativa afirma, a segregação de um par de homólogos ocorre


de modo independente da segregação dos demais pares.

Questão 2. (Enade 2011) A figura a seguir representa variações na quantidade de DNA ao longo do
ciclo de vida de uma célula (X = unidade arbitrária de DNA por célula).

55
Unidade I

3
4x
Quantidade 2 4
de DNA 1 5
2x
6
7
x

Tempo

Figura 31

A análise do gráfico revela que:

A) As fases 1, 2 e 3 representam os períodos G1, S e G2, que resumem todo o ciclo vital de uma célula.

B) As fases 1, 2 e 3 representam o período em que a célula se encontra em interfase, e as fases 4,


5, 6 e 7, subsequentes, são características da célula em divisão mitótica, quando, ao final, ocorre
redução à metade da quantidade de DNA na célula.

C) As fases de 1 a 5 representam a meiose I, enquanto a meiose II está representada pelas fases 6 e 7.

D) A célula representada no gráfico é uma célula diploide, que teve a quantidade de seu DNA
duplicada no período S da interfase (fase 2) e, posteriormente, passou pelas fases da meiose,
originando células‑filhas com metade da quantidade de DNA (fase 7, células haploides).

E) A fase 3 é caracterizada por um período em que não há variação na quantidade de DNA na


célula, portanto, essa fase representa uma célula durante os períodos da mitose: prófase,
metáfase e anáfase.

Resolução desta questão na plataforma.

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