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Nutrição Aplicada

ao Esporte
Autor: Profa. Vitor de Salles Painelli
Colaboradores: Profa. Vanessa Santhiago
Prof. Welliton Donizeti Popolim
Professor conteudista: Vitor de Salles Painelli

Bacharel em Educação Física pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE‑USP)
em 2010, mestre em Ciências em 2013 e doutor em Ciências em 2017. Ministra as disciplinas Medidas e Avaliações e
Produção Técnico‑Científica Interdisciplinar. Atualmente, conduz seu pós‑doutorado no Grupo de Fisiologia Aplicada
e Nutrição, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em
Treinamento de Força da UNIP.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P147n Painelli, Vitor de Salles.

Nutrição Aplicada ao Esporte / Vitor de Salles Painelli. – São


Paulo: Editora Sol, 2019.

212 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2-162/19, ISSN 1517-9230.

1. Macronutrientes. 2. Termorregulação e hidratação. 3.


Recursos ergogênicos. I. Título.

CDU 796:612.39

W502.34 – 19

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Comissão editorial:
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Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
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Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
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Apoio:
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Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Bruno Barros
Elaine Pires
Sumário
Nutrição Aplicada ao Esporte

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 METODOLOGIA DA PESQUISA EM NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE...................................... 11
1.1 Ponto 1 – a amostra estudada......................................................................................................... 11
1.2 Ponto 2 – o desenho experimental................................................................................................ 13
1.2.1 Estudo transversal................................................................................................................................... 13
1.2.2 Estudo/relato de caso............................................................................................................................. 14
1.2.3 Estudo longitudinal crossover............................................................................................................ 15
1.2.4 Estudo longitudinal de grupos paralelos....................................................................................... 16
1.3 Ponto 3 – a qualidade do vendamento........................................................................................ 16
1.4 Ponto 4 – o teste físico....................................................................................................................... 18
1.5 Ponto 5 – a adequação do consumo alimentar....................................................................... 19
1.6 Ponto 6 – a acurácia da interpretação dos resultados.......................................................... 20
1.7 Ponto 7 – a declaração de conflitos de interesse.................................................................... 21
2 BIOENERGÉTICA E INTEGRAÇÃO METABÓLICA.................................................................................... 23
2.1 Sistema anaeróbio alático................................................................................................................. 27
2.2 Sistema anaeróbio lático.................................................................................................................... 30
2.3 Sistema aeróbio..................................................................................................................................... 35
3 MACRONUTRIENTES – CARBOIDRATOS.................................................................................................. 40
3.1 Digestão e absorção dos carboidratos.......................................................................................... 42
3.2 Captação dos carboidratos pelos tecidos periféricos (músculo esquelético)............... 44
3.3 Importância do carboidrato para o exercício físico................................................................ 46
3.4 Suplementação de carboidratos – mecanismos de ação...................................................... 49
3.5 Suplementação de carboidratos – efeitos sobre o desempenho aeróbio...................... 51
3.6 Suplementação de carboidratos – efeitos sobre o desempenho de força..................... 52
3.7 Suplementação de carboidratos – efeitos centrais................................................................. 54
3.8 Suplementação de carboidratos – recomendações................................................................ 54
4 MACRONUTRIENTES – GORDURAS.......................................................................................................... 56
4.1 Digestão e absorção intestinal das gorduras............................................................................. 59
4.2 Mobilização e oxidação das gorduras durante o exercício físico...................................... 61
4.3 Fatores influenciadores da mobilização e oxidação das gorduras durante o
exercício físico................................................................................................................................................ 63
4.4 Estratégias nutricionais para otimizar a mobilização e oxidação de gorduras............ 65
4.4.1 Cafeína......................................................................................................................................................... 66
4.4.2 Carnitina...................................................................................................................................................... 67
4.4.3 Taurina.......................................................................................................................................................... 69
4.4.4 Cromo........................................................................................................................................................... 69
4.4.5 Forscolina.................................................................................................................................................... 70
4.4.6 Fucoxantina................................................................................................................................................ 71
4.4.7 Ácido linoleico conjugado.................................................................................................................... 71
4.4.8 Chá verde.................................................................................................................................................... 72

Unidade II
5 MACRONUTRIENTES – PROTEÍNAS........................................................................................................... 78
5.1 Digestão e absorção intestinal das proteínas............................................................................ 80
5.2 Destino dos aminoácidos e balanço proteico............................................................................ 81
5.3 Necessidades e recomendações proteicas.................................................................................. 84
5.4 Influência da dose proteica............................................................................................................... 87
5.5 Influência da distribuição proteica................................................................................................ 89
5.6 Influência da fonte proteica............................................................................................................. 91
5.7 Influência da combinação de proteínas com carboidratos.................................................. 93
5.8 Influência do timing............................................................................................................................. 93
5.9 Aminoácidos livres versus proteínas inteiras............................................................................. 95
6 MICRONUTRIENTES – VITAMINAS E MINERAIS................................................................................... 96
6.1 Vitaminas.................................................................................................................................................. 97
6.1.1 Vitaminas lipossolúveis......................................................................................................................... 98
6.1.2 Vitaminas hidrossolúveis....................................................................................................................101
6.2 Minerais...................................................................................................................................................106
6.2.1 Cálcio..........................................................................................................................................................107
6.2.2 Potássio......................................................................................................................................................107
6.2.3 Magnésio...................................................................................................................................................107
6.2.4 Fósforo........................................................................................................................................................107
6.2.5 Sódio...........................................................................................................................................................107
6.2.6 Zinco...........................................................................................................................................................108
6.2.7 Iodo..............................................................................................................................................................108
6.2.8 Ferro............................................................................................................................................................108
6.3 Suplementação com vitaminas e minerais...............................................................................108
6.3.1 Suplementação com ferro..................................................................................................................109
6.3.2 Suplementação com vitamina D......................................................................................................111
6.3.3 Suplementação com cálcio................................................................................................................112
6.3.4 Suplementação com vitamina C e/ou E.......................................................................................114

Unidade III
7 TERMORREGULAÇÃO E HIDRATAÇÃO....................................................................................................121
7.1 Produção de calor e aumento da temperatura interna durante o exercício..............124
7.2 Defesas do organismo contra o aumento da temperatura interna
durante o exercício.....................................................................................................................................124
7.3 Influência da desidratação e hiponatremia sobre a performance..................................126
7.4 Estratégias para lidar com a elevação da temperatura interna.......................................127
7.5 Recomendações...................................................................................................................................128
7.6 Temperatura dos repositores hídricos e desempenho..........................................................129
8 RECURSOS ERGOGÊNICOS.........................................................................................................................130
8.1 Suplementação de creatina............................................................................................................132
8.1.1 Classificação............................................................................................................................................ 132
8.1.2 Protocolos de suplementação......................................................................................................... 133
8.1.3 Efeitos sobre o desempenho físico................................................................................................ 135
8.1.4 Efeitos sobre o desempenho esportivo........................................................................................ 136
8.1.5 Efeitos sobre a função renal............................................................................................................. 138
8.2 Suplementação de β‑alanina.........................................................................................................140
8.2.1 Classificação............................................................................................................................................ 140
8.2.2 Protocolos de suplementação......................................................................................................... 143
8.2.3 Efeitos sobre o desempenho físico................................................................................................ 145
8.3 Suplementação de bicarbonato de sódio..................................................................................150
8.3.1 Classificação............................................................................................................................................ 150
8.3.2 Protocolos de suplementação..........................................................................................................151
8.3.3 Efeitos sobre o desempenho físico.................................................................................................151
8.3.4 Efeitos colaterais................................................................................................................................... 152
8.4 Outros recursos potencialmente ergogênicos.........................................................................153
8.4.1 Suplementação de nitrato................................................................................................................ 153
8.4.2 Suplementação de cafeína............................................................................................................... 154
8.4.3 Suplementação de β‑hidroxi‑β–metilbutirato (HMβ).......................................................... 158
8.4.4 Suplementação de glutamina......................................................................................................... 160
APRESENTAÇÃO

A presente disciplina abordará os conceitos de nutrição aplicada ao exercício físico. Por meio do
estudo dos macro e micronutrientes, das suas funções e da sua integração no metabolismo energético,
abordaremos como a nutrição pode otimizar o desempenho físico de atletas, bem como a saúde e o
bem‑estar de praticantes de atividade física.

Ao oferecer embasamento científico e possibilitar discussões sobre nutrição aplicada ao exercício


físico, espera‑se capacitar os alunos a reconhecerem e entenderem as informações vinculadas a este
assunto, as quais são constantemente atualizadas na literatura e na mídia, a fim de oferecer uma
orientação acurada a alunos, clientes e/ou atletas sobre a importância da nutrição antes, durante e após
um exercício físico, visando a melhora da performance e da saúde.

Iniciaremos o livro‑texto dialogando um pouco sobre metodologia da pesquisa em nutrição


aplicada ao esporte. Ainda que este tema não chame a atenção, trata‑se de um dos assuntos mais
interessantes abordados ao longo de todo o livro‑texto. Isso porque serão discutidos os principais
critérios de qualidade de uma nova informação publicada na área de nutrição aplicada ao esporte. Em
seguida, abordaremos a temática de bioenergética e integração metabólica, em que diversos conceitos
bioquímicos e fisiológicos serão apresentados e que, embora, são a base para a compreensão desta
disciplina. Nesse tema, discutiremos a utilização da energia para a contração muscular, bem como os
mecanismos utilizados pela célula muscular para manter o aporte energético durante a contração.
Subsequentemente, serão abordados os macronutrientes, os quais incluem os carboidratos, as gorduras e
as proteínas. Nesse momento, serão apresentados os aspectos relacionados à digestão e absorção desses
nutrientes, bem como a sua importância para o exercício físico. Aspectos relacionados à suplementação
desses nutrientes também serão abordados. Após isso, veremos os micronutrientes, ou seja, vitaminas
e minerais, com ênfase nas suas funções, características e fontes. Em seguida, serão explicados os
mecanismos termorregulatórios do organismo humano durante o exercício físico e a influência da
temperatura interna elevada e da desidratação sobre o desempenho, abrindo espaço para a importância
da hidratação durante a atividade. Por fim, serão abordados os recursos ergogênicos, apresentando
suplementos nutricionais como a creatina, a beta‑alanina e o bicarbonato de sódio, os quais atualmente
estão implicados na melhora do desempenho físico‑esportivo.

INTRODUÇÃO

Apesar do longo caminho a ser percorrido no combate ao sedentarismo, o número de praticantes de


exercício físico cresce gradualmente no mundo e em nosso país. Nesse sentido, a Pesquisa de Vigilância
de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 2017, elaborada
pelo Ministério da Saúde, apontou que a quantidade de praticantes de caminhada e corrida aumentou
194% no Brasil entre 2006 e 2017 (NÚMERO..., 2018). A prática de exercícios físicos é executada por
inúmeros motivos, entre os quais estão: otimização da performance e dos níveis competitivos, melhora
da estética, promoção da saúde e qualidade de vida. No entanto, diversos fatores podem influenciar a
prática de exercícios, como fatores genéticos, mecânicos, hormonais e metabólicos. Dentre os fatores
que mais se destacam está a nutrição. Afinal, o treinamento físico e a competição esportiva envolvem
uma série de atividades com demanda energética variada. O inadequado aporte energético e de certos
9
nutrientes antes, durante e após o exercício físico pode interferir negativamente no desempenho físico,
sendo uma potencial explicação para a fadiga muscular. Além disso, a ausência ou excesso energético
e de nutrientes também pode interferir em adaptações ao treinamento, é aí que a nutrição se encaixa.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) classifica alimento como toda a substância ou
mistura de substâncias, em estado sólido, líquido, pastoso ou qualquer outra forma adequada, destinada a
fornecer ao organismo elementos essenciais a sua formação, manutenção e desenvolvimento. Para tanto,
os alimentos devem sofrer digestão, reduzindo o tamanho físico das moléculas dos alimentos, liberando
seus nutrientes para serem absorvidos em sítios específicos do sistema digestório e subsequentemente
transportados e disponibilizados pela corrente sanguínea a todos os diferentes tecidos do organismo,
onde exercerão sua função em sua forma integral, enquanto outros podem ser convertidos em energia
para a manutenção dos tecidos.

Satisfeitas as necessidades basais do corpo, a energia adicional pode ficar estocada em alguns tecidos,
podendo ser canalizada para a atividade muscular durante o exercício físico. É possível dizer, então,
que a prática de exercícios pode mudar as necessidades energéticas de um indivíduo, influenciadas de
acordo com a frequência, intensidade e duração do exercício. Dependendo das necessidades energéticas
ou nutricionais de cada indivíduo, a alimentação é insuficiente para supri‑las. Para isso há suplementos
nutricionais, definidos pelo Conselho Federal de Nutricionistas (2005) como alimentos que servem para
complementar, com energia e/ou nutrientes, a dieta de uma pessoa. Seu uso não deve ser negligenciado,
entretanto, já que o excesso de alguns suplementos pode culminar em efeitos colaterais.

10
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Unidade I
1 METODOLOGIA DA PESQUISA EM NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Tal como em diversos outros campos da grande área de ciências da saúde e exercício, o campo
da nutrição aplicada ao esporte se atualiza constantemente e rapidamente. Dada a intensidade e
velocidade com que as informações são produzidas, torna‑se fácil compreender a importância de o
profissional da área de saúde se manter constantemente atualizado, a fim de prover a informação mais
acertada a seus alunos, clientes e/ou atletas. Entretanto, analisar a veracidade de uma nova informação
produzida na literatura e distinguir entre uma informação boa ou ruim não é tarefa fácil. Com isso,
o objetivo apresentado aqui é discutir a metodologia de pesquisa em nutrição aplicada ao esporte,
ressaltando alguns dos pontos mais importantes a serem considerados para avaliar a qualidade de uma
nova informação produzida nesse campo.

1.1 Ponto 1 – a amostra estudada

Esse é um ponto comumente negligenciado durante a leitura de um trabalho no campo da


nutrição aplicada ao esporte, sendo facilmente ilustrado pela comparação do estudo de Pedroso
et al. (2014) com o de Verhoeven et al. (2009). Ambos tiveram como objetivo avaliar a eficácia
terapêutica do aminoácido leucina em animais e humanos, respectivamente. Conforme será
discutido neste livro‑texto sobre proteínas e aminoácidos, a leucina vem sendo apontada como um
importante aminoácido sinalizador para a síntese proteica no músculo esquelético, o que, a longo
prazo, pode levar à hipertrofia muscular ou à atenuação da atrofia muscular. Assim, estudos vêm
sendo conduzidos com o intuito de avaliar o efeito da sua suplementação sobre a massa muscular
de diferentes populações.

Durante o estudo conduzido por Pedroso et al. (2014), um primeiro grupo de ratos da linhagem
wistar teve a sua ingestão calórica quantificada e não sofreu qualquer intervenção ao longo de um
período de seis semanas (denominado grupo controle). Depois, um segundo grupo de ratos da mesma
linhagem foi submetido à restrição calórica (denominado restrição calórica), sendo permitido que
o grupo ingerisse apenas 70% das calorias oferecidas ao primeiro grupo, procedimento que pode
induzir alterações no peso e composição corporal. Por fim, um terceiro grupo de ratos também foi
submetido à mesma restrição calórica que o segundo grupo, mas foi suplementado com leucina
ao longo das seis semanas. Como principais resultados, temos que ambos os grupos que sofreram
restrição calórica perderam massa magra se comparados ao grupo controle, ressaltando o efeito
da restrição sobre tais parâmetros. Contudo, essa perda foi atenuada no grupo suplementado com
leucina, sugerindo que a suplementação com esse aminoácido foi uma estratégia eficaz em refrear a
perda de massa magra nesse grupo.

11
Unidade I

500

a
400
c
b
300
(g)
Controle
200
Restrição calórica (RC)

100 RC + leucina

0
Massa magra

Figura 1 – Massa magra de ratos da linhagem wistar submetidos a tratamentos de


restrição calórica (barra amarela), restrição calórica adicionada à suplementação
de leucina (barra verde) ou controle (barra vermelha). As letras se referem a
diferenças estatisticamente significantes (ao nível P < 0.05) entre os grupos

Sem dúvida, tais resultados parecem animadores a princípio e estimulariam uma pessoa a
suplementar leucina a fim de evitar perda de massa muscular, tais como as que ocorrem durante o
processo de envelhecimento. Por outro lado, ao considerarmos o estudo de Verhoeven et al. (2009),
conduzido em humanos, os resultados deixam de ser tão animadores. O estudo tratou especificamente
de homens e mulheres saudáveis e acima de 60 anos, isto é, idosos, aleatoriamente designados
a dois grupos, um que tomaria leucina (grupo intervenção) e outro que tomaria placebo (grupo
controle). Antes e depois de 12 semanas de suplementação, os idosos tiveram a sua composição
corporal avaliada. E, ao contrário do observado nos animais do estudo anterior, não foram observadas
quaisquer modificações significantes na massa magra, massa gorda ou área de secção transversa do
quadríceps em decorrência da suplementação de leucina.

Tabela 1 – Efeitos da suplementação de leucina ou placebo sobre a composição corporal

Placebo (n = 15) Leucina (n = 15)


Antes Após Antes Após
Massa magra (kg) 55.8 ± 0.9 56.2 ± 1.1 54.6 ± 1.0 55.0 ± 1.5
Massa gorda (kg) 19.8 ± 1.7 19.2 ± 2.0 20.0 ± 1.4 20.0 ± 1.3
Gordura corporal (%) 24.5 ± 1.7 23.9 ± 1.9 25.3 ± 1.2 25.4 ± 1.2
Massa magra de perna (kg) 17.6 ± 0.4 18.0 ± 0.4 17.1 ± 0.5 17.6 ± 0.4
Gordura de perna (%) 18.9 ± 1.5 19.4 ± 1.6 19.6 ± 1.2 19.8 ± 1.2
Área de secção transversa do 71 ± 3 71 ± 3 71 ± 2 71 ± 2
quadríceps (cm2)

Adaptado de: Verhoeven et al. 2009.

Todos os dados estão apresentados como média ± desvio padrão. Não foram identificadas diferenças
estatisticamente significantes entre os grupos para qualquer momento de avaliação.
12
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Em linhas gerais, a comparação desses estudos no leva à seguinte conclusão: resultados observados
em modelos animais com uma determinada estratégia nutricional não podem ser, necessariamente,
extrapolados para humanos. Similarmente, resultados observados com determinadas estratégias
nutricionais em indivíduos sedentários não podem ser extrapolados para atletas bem treinados. Ou seja,
embora simples, a amostra de um estudo é algo extremamente importante a ser considerado para avaliar
a aplicação prática de seus achados, e, portanto, sua qualidade.

Lembrete

A amostra diz respeito à população ou conjunto de dados sendo estudado.

1.2 Ponto 2 – o desenho experimental

Outro ponto bastante negligenciado durante a leitura de trabalhos no campo da nutrição aplicada
ao esporte diz respeito ao desenho experimental empregado. Nesse campo, temos quatro desenhos
experimentais mais comumente empregados: o estudo transversal, o estudo/relato de caso e o estudo
longitudinal, o qual pode ainda ser dividido em estudo longitudinal crossover e estudo longitudinal de
grupos paralelos. A seguir, descreveremos cada um desses desenhos experimentais, ressaltando seus
prós e contras quando na sua aplicação.

1.2.1 Estudo transversal

Um estudo transversal consiste em mensurações/medições realizadas num único momento


no tempo, com a finalidade de descrever associações entre duas ou mais variáveis, auxiliando a
caracterizar uma determinada população (por exemplo, a prevalência de uma doença). Como já
descrito, a vantagem desse desenho experimental reside na caracterização de variáveis de uma
população com uma única medição, uma vez que nem sempre é possível acompanhar indivíduos
por longos períodos durante uma pesquisa. Por outro lado, justamente por não acompanhar
os participantes e, assim, não ter acesso aos seus hábitos diários, os resultados do estudo não
necessariamente se remetem a causa e consequência.

Para exemplificar esse tipo de estudo, podemos usar de um tema muito conhecido: até hoje
permanece a crença de que grandes quantidades de proteína são necessárias para otimizar a
hipertrofia muscular, e que quanto maior for o consumo de proteínas na dieta, especialmente se
de origem animal, maior será a massa muscular de um indivíduo. Se este conceito é veraz, estudos
transversais deveriam mostrar uma alta correlação entre o consumo de proteínas e o índice de
massa muscular.

Nesse sentido, Aubertin‑Leheudre e Adlercreutz (2009) recrutaram quarenta indivíduos e testaram


a associação entre o consumo de proteínas de origem animal (em gramas por quilograma de peso
corporal, por dia) e o índice de massa muscular (em kg por m²) destes indivíduos. Interessantemente,
os resultados do estudo corroboraram com tal crença, ao demonstrar uma correlação significante
(P = 0.001) e moderada (r = 0.623) entre o consumo dietético de proteínas dos participantes e
13
Unidade I

seu nível de massa muscular, indicando que quanto maior for o consumo de proteínas de origem
animal de um indivíduo, maior será a sua massa muscular. No entanto, conforme mencionado,
esses resultados não se remetem necessariamente a causa e consequência; em outras palavras, o
que nos garante que o consumo proteico de origem animal elevado desses participantes é fator
exclusivo, influenciando o volume de massa muscular? Como garantimos que os participantes com
maior consumo proteico simplesmente não treinam com mais intensidade e/ou volume? Ou que
simplesmente descansam mais durante a semana, com maior tempo de repouso para a próxima
sessão de treino e uma menor liberação de hormônios catabólicos como o cortisol? Ao contrário do
que se acredita, parece haver uma quantidade máxima de proteínas ingeridas por quilograma de
peso corporal ao dia que favorece a otimização da síntese proteica muscular. Quantidades maiores
que a máxima não resultarão em benefícios adicionais sobre a síntese proteica (TARNOPOLSKY et
al., 1992), limitando a aplicação prática dos achados de alguns estudos transversais, como o de
Aubertin‑Leheudre e Adlercreutz (2009).
4-0

3-5

3-0
fonte animal (g/kg/dia)
Integração proteica de

2-5

2-0

1-5
1-0
0-8
0-5
0
3 6 9 12
Índice de massa muscular (kg/m2)

Figura 2 – Associação entre o consumo proteico de origem animal (em g/kg/dia) e o índice de massa muscular (em kg/m2)
de participantes onívoros ( ) e ovolactovegetarianos ( ). A linha pontilhada faz referência à ingestão diária recomendada
de proteínas (atualmente em 0,8 g/kg/dia). A linha de associação denota uma correlação positiva (r = 0,623) e
significante (P = 0.001) entre o consumo diário de proteínas de origem animal e o índice de massa muscular

1.2.2 Estudo/relato de caso

Ao contrário do estudo transversal, que executa uma única medição no tempo, o estudo de
caso, ou relato de caso, permite uma avaliação longitudinal, isto é, ao longo do tempo. Contudo,
essa avaliação é realizada numa única unidade experimental (ou seja, um único participante).
Geralmente esse desenho é aplicado com o objetivo de compreender e estudar fenômenos muito
específicos, cujo estudo seria inviabilizado se fossem utilizadas grandes amostras.

Como exemplo, temos o estudo de Pritchard e Kalra (1998), um dos estudos de caso mais
famosos no campo da nutrição aplicada ao esporte. Especificamente, um indivíduo de 25 anos
havia apresentado glomeruloesclerose segmentar oito anos antes da publicação do estudo. Nos
últimos cinco anos antes da publicação, o indivíduo passou a ser tratado com ciclosporina e, assim,
14
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

sua função renal normalizou. Contudo, três meses antes de o estudo ser publicado, o indivíduo
passou a utilizar creatina como suplemento nutricional e, ao fazer uso por dois meses, sua função
renal ficou desestabilizada. Seus médicos decidiram suspender a creatina por um mês e observou‑se
a normalização de sua função renal.

Tais observações nos levam a crer que a creatina se mostrou como um fator de prejuízo e até mesmo
um malefício à função renal desse indivíduo. Como esse estudo de caso foi publicado no The Lancet, um
importante periódico internacional na área médica, ele ganhou extremo destaque, e, assim, parte da má
fama da creatina sobre a função renal, que ainda existe, provém de estudos de caso como esse. No entanto,
não é possível generalizar os achados de uma situação tão específica. Em populações saudáveis ou sem
qualquer doença ou acometimento renal prévio, não há qualquer evidência que apoie um efeito colateral
da creatina sobre a função renal.

1.2.3 Estudo longitudinal crossover

De maneira similar ao estudo de caso, o estudo longitudinal visa acompanhar o comportamento ou


as alterações que ocorrem nas unidades experimentais (ou participantes) ao longo do tempo (semanas,
meses ou até mesmo anos), uma vez administrada uma intervenção, facilitando o estabelecimento
de relações causa‑consequência. Contudo, tal acompanhamento é realizado numa população maior,
em vez de em um único indivíduo, como ocorre no estudo de caso. O estudo longitudinal pode
ainda ser crossover, o que significa que todas as unidades experimentais vão participar de todos os
tratamentos, isto é, controle e intervenção. Com isso, se um participante recebeu a intervenção num
primeiro momento, ele receberá o tratamento controle em seguida, e vice‑versa. Para que isso seja
possível, é fornecido um período de washout (ou limpeza), para que a substância estudada retorne
aos níveis basais dentro do corpo entre os tratamentos realizados, para que não haja a influência de
um tratamento sobre outro.
Medida Intervenção

Antes Tratamento Depois Washout Antes Placebo Depois

Antes Placebo Depois Washout Antes Tratamento Depois

Figura 3 – Desenho experimental crossover. Nesse tipo de desenho experimental, o mesmo indivíduo
participa tanto das condições de tratamento quanto de controle (isto é, placebo). No entanto, é necessário um
período de washout entre as condições experimentais. A ordem das condições é aleatória, podendo ser o
tratamento ou o placebo administrados em primeiro ou segundo lugar

Um ponto interessante desse desenho experimental é que ele também minimiza a uma eventual
influência da heterogeneidade biológica, já que o mesmo participante é testado nas condições de controle e
de tratamento e, portanto, ele é controle de si mesmo. Por outro lado, dependendo da estratégia nutricional
a ser estudada, o desenho longitudinal crossover pode não ser o mais adequado. Isso porque algumas
estratégias, tais como a própria creatina, não possuem tempo de washout bem definido, dificultando a
definição de um tempo de limpeza ideal num estudo com determinados suplementos nutricionais.

15
Unidade I

1.2.4 Estudo longitudinal de grupos paralelos

Assim como o estudo longitudinal crossover, o estudo longitudinal de grupos paralelos também
visa acompanhar o comportamento ou as alterações que ocorrem em uma grande população
de participantes ao longo do tempo, uma vez administrada uma intervenção. Entretanto, ao
contrário do crossover, neste desenho experimental cada participante recebe um único tratamento
(intervenção, por exemplo), que ocorrerá paralelamente ao outro tratamento (controle ou placebo).
Esse desenho é a única alternativa a ser adotada quando do estudo de estratégias nutricionais nas
quais o washout não é bem determinado. Por outro lado, ele inviabiliza o estudo das respostas
individuais aos diferentes tratamentos.

Observação

Pelo fato de permitirem o acompanhamento de vários indivíduos em


múltiplos momentos no tempo, os estudos longitudinais são aqueles que
conferem maior qualidade a uma informação.

1.3 Ponto 3 – a qualidade do vendamento

No campo da nutrição aplicada ao esporte, três formas específicas de vendamento são utilizadas:
o vendamento aberto, o uni‑cego e o duplo‑cego. O aberto, como o próprio nome diz, tanto
avaliador quanto avaliado sabem quais são os tratamentos em questão. No vendamento uni‑cego,
apenas avaliador ou avaliado sabem o tratamento em questão. Já no vendamento duplo‑cego, tanto
avaliador quanto avaliado estão vendados aos tratamentos, isto é, o pesquisador não sabe o que
está fornecendo ao participante, e o participante desconhece o tratamento recebido. Essa última
forma de vendamento é a mais eficaz em isolar uma potencial influência do avaliado e do avaliador
sobre os resultados e, assim, analisar acuradamente o efeito da intervenção proposta.

Lembrete

A expectativa de uma pessoa em relação à influência de um tratamento


pode afetar a magnitude da resposta a este tratamento. A isto se dá o
nome de efeito placebo.

Tomemos como exemplo o estudo de Beedie et al. (2006) para ilustrar uma possível influência do
avaliado. Ciclistas treinados tiveram a sua potência média avaliada durante um teste contrarrelógio
na distância de 10 km em três diferentes condições. Em um dia, os pesquisadores mencionaram
diretamente aos ciclistas que eles iriam ingerir uma dose baixa de cafeína (4.5 mg/kg de peso
corporal) antes do contrarrelógio; no dia de pesquisa seguinte, foi dito aos ciclistas que eles
ingeririam uma dose alta de cafeína (9,0 mg/kg de peso corporal) antes do contrarrelógio; e, no
último dia, foi dito aos participantes que ingeririam placebo (substância inerte, que não deveria
alterar o desempenho).
16
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

O ponto interessante do estudo é que os ciclistas foram destituídos da verdadeira natureza do estudo:
em todos os dias, na verdade, foi fornecido placebo, e o objetivo real do teste era avaliar o efeito placebo
da cafeína. Como resultado temos que, quando os ciclistas acreditaram terem recebido a dose baixa de
cafeína, sua potência média no contrarrelógio aumentou em 1.3%. De modo bastante curioso, quando
os ciclistas acharam terem recebido a dose alta, ou seja, o dobro de cafeína, a melhora da potência média
também dobrou, alcançando uma variação de 3.1%. Com isso, é possível perceber a grande influência
que a expectativa acerca da substância recebida pode ter sobre o desempenho de um indivíduo e, assim,
sobre a avaliação da eficácia de uma estratégia nutricional. Inclusive, o contrário também foi verdadeiro
nesse estudo, de tal modo que quando os ciclistas foram informados que receberiam placebo (gerando
uma diminuição de sua expectativa), sua potência média diminuiu 1.4%.

Exemplo de aplicação

Reflita a respeito da potencial contribuição do efeito placebo para inúmeros atletas e praticantes de
exercício físico que consomem suplementos nutricionais no dia a dia. Até onde é possível afirmar que o
efeito resultante do consumo desses suplementos se dá exclusivamente pelo tratamento per se, e não
pelo efeito do tratamento adicionado à expectativa?

Da mesma forma, o vendamento do avaliador também é importante num estudo, e, embora não
seja da área de nutrição aplicada ao esporte, o estudo de Gracely et al. (1985) ressalta a importância da
prática. Nesse estudo, dois grupos de pacientes seriam submetidos à cirurgia do dente do siso, cada qual
com o seu grupo de cirurgiões responsáveis. Como objetivo do estudo, os pesquisadores mencionaram
aos cirurgiões que um grupo receberia uma nova morfina para ser testada em seus pacientes como
analgésico após a cirurgia, enquanto o outro grupo receberia placebo.

O grande ponto do estudo reside no seguinte fato: um dia antes da cirurgia, os pesquisadores
chamaram um dos grupos de cirurgiões dizendo que houve um problema grave no carregamento de
morfina e que eles teriam que, inevitavelmente, administrar placebo aos seus pacientes, mas sem dizer a
eles. No mesmo dia, os pesquisadores chamaram ainda o outro grupo de cirurgiões e não mencionaram
a história. Disseram apenas que o desenho da pesquisa permaneceria e que eles poderiam receber ou
placebo ou morfina para ser administrada aos seus pacientes. Ou seja, um dos grupos de cirurgiões
ainda estava vendado ao tratamento que receberia enquanto o outro acreditava inexoravelmente que
receberia placebo para administrar em seus pacientes.

A figura a seguir nos mostra os resultados deste estudo. É possível observar que no grupo de pacientes
cujos cirurgiões ainda permaneciam vendados aos tratamentos, isto é, que acreditavam que poderia ser
placebo ou morfina, a dor pós‑cirurgia é relativamente amenizada. Já no grupo de pacientes cujos cirurgiões
não estavam vendados e tinham certeza que o tratamento de seus pacientes consistia exclusivamente de
placebo, o nível de dor sobe progressivamente após a cirurgia. Desse modo, o simples fato de o cirurgião
acreditar que seu paciente poderia receber placebo ou morfina foi capaz de amenizar a dor pós‑operatória.
Por outro lado, o fato de o cirurgião saber que administraria placebo em seu paciente, mesmo não podendo
avisá‑lo, fez com que o nível de dor de seu paciente crescesse substancialmente. O mais importante foi que
ambos os grupos de cirurgiões receberam placebo para ser administrado nos pacientes.

17
Unidade I

8 Placebo
(cirurgiões desvendados)

Alteração na dor do paciente


6

0
Placebo
-2 (cirurgiões vendados)

-4
-10 min 10 min 60 min
Minutos após a cirurgia

Figura 4 – Efeitos da expectativa dos cirurgiões‑dentistas sobre a resposta à dor de participantes


submetidos a um procedimento de remoção do dente do siso e à ingestão de um placebo

Com isso temos que, assim como a expectativa do avaliado pode influenciar os resultados do
estudo, a expectativa por parte do avaliador também pode influenciar os resultados. Dessa maneira,
os estudos que provêm dos resultados mais acurados e de qualidade na área de nutrição aplicada ao
esporte são os de vendamento duplo‑cego.

Saiba mais

Para compreender o efeito placebo e se aprofundar no tema, leia:

BEEDIE, C. J.; FOAD, A. J. The placebo effect in sports performance: a


brief review. Sports Medicine, v. 39, n. 4, p. 313‑329, 2009. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/24230632_The_Placebo_Effect_
in_Sports_Performance_A_Brief_Review>. Acesso em: 28 mar. 2019.

1.4 Ponto 4 – o teste físico

A acurácia e a especificidade de um teste físico também são pontos importantes a serem considerados
durante uma pesquisa conduzida para avaliar a eficácia ergogênica de uma estratégia nutricional.
Tomemos como exemplo o estudo conduzido por Hill et al. (2007b), no qual os autores tiveram por
objetivo avaliar os efeitos de quatro semanas de suplementação com β‑alanina no tempo de exercício
até a exaustão em um teste feito no cicloergômetro a 110% da potência máxima. A saber, a β‑alanina
é um aminoácido não proteogênico e não essencial, cuja disponibilidade é apontada como o fator
limitante para a síntese muscular de carnosina. A carnosina, por sua vez, é um dipeptídeo cuja função
mais bem atribuída é a de tamponante, atuando na regulação do equilíbrio ácido‑base, diminuindo o
acúmulo de íons H+ dentro da célula muscular para, dessa maneira, atrasar o início da fadiga muscular.
Em conformidade com a ação fisiológica da β‑alanina e carnosina, Hill et al. (2007b) observaram um
aumento de 13% no tempo até a exaustão muscular, com a suplementação de β‑alanina. A princípio,
18
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

13% de melhora parece um resultado ótimo para um atleta ou indivíduo buscando melhorar o seu
desempenho físico. Por outro lado, é preciso lembrar que em nenhuma modalidade esportiva o indivíduo
se exercita até a exaustão; logo, a aplicabilidade de tais resultados acaba por ficar limitada.

Já Van Thienen et al. (2009) tiveram objetivos similares aos de Hill et al. (2007b) e avaliaram os
efeitos ergogênicos da suplementação de β‑alanina. Mas, desta vez, visavam aumentar a validade
externa dos achados, o quanto eles representam o mundo real. Ciclistas treinados foram submetidos a
um contrarrelógio de 2 horas, e, ao término da atividade, os ciclistas pedalaram o mais rápido possível
durante 30 segundos. Tal conduta foi adotada para simular o sprint final que geralmente ocorre nas
provas de ciclismo, em que há disputa de posições. Ainda assim, os autores observaram uma melhora
da potência média avaliada durante esse sprint final com a suplementação de β‑alanina. Entretanto,
diferentemente dos resultados de Hill et al. (2007b), a melhora observada foi de apenas 5%.

Considerando a avaliação em cicloergômetro em ambos os estudos, a diferença entre os resultados se


deve principalmente ao tipo de teste físico utilizado. Testes até a exaustão possuem grande variabilidade,
ao passo que testes fechados possuem variabilidade menor e são melhor representativos do que ocorre
em modalidades esportivas. Logo, a magnitude de melhora é relativamente baixa, proveniente do uso
de uma estratégia nutricional em um teste contrarrelógio. Com isso, temos que o teste físico utilizado
durante uma pesquisa determinará a magnitude de melhora observada com um suplemento nutricional
e, portanto, as conclusões e diretrizes acerca do emprego de determinado suplemento.

1.5 Ponto 5 – a adequação do consumo alimentar

Por definição, suplementos alimentares são alimentos que complementam, com calorias e/ou nutrientes,
a dieta de uma pessoa, em casos em que a ingestão, a partir da alimentação, seja insuficiente; de forma que
só faria sentido buscar um suplemento nutricional no advento de uma deficiência alimentar de um nutriente
específico, pois apenas em situações de deficiência ele exibiria os seus potenciais efeitos ergogênicos.

A importância desse ponto é muito bem ilustrada pelo elegante e clássico estudo conduzido por
Harris, Soderlund e Hultman (1992). Nele, os participantes foram suplementados com 20 gramas de
creatina por dia, durante quatro a cinco dias, e tiveram o seu conteúdo total de creatina muscular
avaliado. Como resultados, os pesquisadores observaram (neste caso, pela primeira vez na literatura) que
a suplementação de creatina de fato aumentou o conteúdo muscular do aminoácido. Esse aumento pode
apresentar efeitos ergogênicos em modalidades esportivas em que há a predominância do fornecimento
de energia do sistema anaeróbio alático. Porém, um dos pontos que chamam a atenção nesse estudo
é que aqueles indivíduos que possuíam um alto consumo de creatina na dieta, por meio da ingestão
elevada de carnes, por exemplo, já tinham um conteúdo muscular do aminoácido inicialmente maior
que aqueles com baixos níveis de consumo dietético de creatina.

Um outro ponto que igualmente chama a atenção é que os indivíduos com conteúdo muscular de
creatina inicialmente maior responderam minimamente à suplementação se comparados aos indivíduos
com menor conteúdo inicial de creatina muscular. Apesar desses resultados estarem relacionados à
suplementação e à resposta da molécula de creatina no músculo esquelético, observações similares podem
ser feitas com a suplementação de proteínas. Com base nisso, pode‑se concluir que, se o consumo alimentar
19
Unidade I

de determinado nutriente já é adequado, seria esperado pouco ou nenhum efeito da sua suplementação,
influenciando diretamente nos resultados de um estudo e, portanto, nas conclusões e qualidade do mesmo.
156
150
Conteúdo total de creatina
(mmol.kg-1 músculo seco)
144
138
132
126
120
114

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17
Número do participante

Figura 5 – Efeitos da suplementação de creatina (20 gramas por dia, por sete dias) sobre o conteúdo total de creatina muscular
(em mmol/kg de músculo seco) de indivíduos jovens e sedentários. Cada linha representa um participante; o ponto mais baixo da
linha representa o conteúdo total de creatina muscular pré‑suplementação; enquanto o ponto mais alto representa o conteúdo
total de creatina muscular pós‑suplementação. É perceptível a grande variação na magnitude da resposta do
conteúdo muscular de creatina entre os participantes: os participantes à esquerda tinham um baixo conteúdo muscular
de creatina pré‑suplementação e obtiveram um grande aumento. Já os participantes à direita já tinham um grande conteúdo
muscular de creatina pré‑suplementação e obtiveram um baixo aumento. A dieta, isto é, o consumo dietético de creatina,
parece ser o fator principal influenciando as concentrações pré‑suplementação

1.6 Ponto 6 – a acurácia da interpretação dos resultados

Durante as disciplinas de Estatística, aprendemos que alguns testes estatísticos são empregados a fim
de avaliar a probabilidade de se rejeitar a hipótese nula. Na área de ciências da saúde, é comum estabelecer
o critério de que a hipótese nula só será rejeitada mediante uma probabilidade menor ou igual a 5%. Em
outras palavras, um determinado parâmetro só é significantemente diferente de outro caso P ≤ 0.05.
Curiosamente, nunca foram apresentadas as devidas evidências para apoiar a padronização do nível de
significância em P ≤ 0.05. O intuito não é a crítica ou a sugestão de reformulação desses critérios, mas a
apresentação de que, com base nas noções de Estatística, rejeitar a hipótese nula não é uma tarefa fácil.
Em se tratando de estudos no campo da nutrição aplicada ao esporte, em que comumente se avaliam
os potenciais efeitos ergogênicos de uma estratégia nutricional em atletas, essa tarefa se torna ainda
mais difícil, principalmente devido à agenda competitiva dos atletas, ao receio dessa população e de
seus respectivos clubes em se submeter a procedimentos invasivos e à pressão por resultados, que torne
bastante difícil recrutar/alocar um grande número de atletas para um estudo científico. Uma população
amostral reduzida pode inevitavelmente levar à ausência de resultados significantes e, assim, a uma
interpretação e conclusão sem acurácia.

Exemplificando esse cenário, podemos voltar ao suplemento de β‑alanina: um recente estudo (PAINELLI
et al., 2013) teve por objetivo investigar os efeitos da suplementação de β‑alanina sobre o desempenho físico
de nadadores treinados nas provas de 100 e 200 metros livres na natação. Apenas 16 nadadores de nível
estadual foram incluídos no estudo, dos quais sete estavam no grupo placebo e nove no grupo β‑alanina.
20
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Após cinco semanas de suplementação, observou‑se que a redução no tempo para completar os
200 metros livres foi significantemente maior (P = 0.002) no grupo β‑alanina se comparado ao placebo,
demonstrando a eficácia ergogênica dessa estratégia nutricional para a referida distância na natação.
Já na prova de 100 metros livres, embora tenha ocorrido uma redução de 1.1 segundos no tempo da
prova com a suplementação de β‑alanina, tal redução não foi significantemente diferente (P = 0.07)
da alteração do grupo placebo. Esse é um exemplo claro de estudo em que o baixo número amostral,
comumente peculiar em estudos com atletas, pode ter influenciado a significância estatística.

É muito provável que uma população amostral maior pudesse transformar o valor de 0.07 em 0.05.
Mas o que fazer nesse caso? Desconsiderar estas reflexões e simplesmente adotar a não significância?
Apesar de essa redução não ser estatisticamente relevante, se levarmos em consideração a final
masculina dos 100 metros livres nos Jogos Olímpicos de Londres, a redução absoluta de 1.1 segundos
seria o suficiente para elevar o oitavo colocado à medalha de ouro. Em outras palavras, cautela deve
ser exercida ao interpretar os resultados de um estudo no campo da nutrição aplicada ao esporte. Por
muitas vezes, um resultado pode não ser significante do ponto de vista estatístico, mas sê‑lo num
contexto esportivo de alto rendimento.

p = 0.07 3 p = 0.002
Variação absoluta nos 100-m(s)

A) B)

Variação absoluta nos 200-m(s)


3
2
2
1 1
0 0
-1
-1
-2
-2 -3
-3 -4
PL BA PL BA -5

Figura 6 – Variação absoluta (pós‑pré) no tempo (em segundos) para completar a prova de 100 (A)
e 200 (B) metros livres com suplementação de β‑alanina (BA) ou placebo (PL)

1.7 Ponto 7 – a declaração de conflitos de interesse

Consideremos a seguinte situação: uma determinada empresa gostaria que um estudo fosse
conduzido para testar a eficácia terapêutica de um fármaco, a fim de inseri‑lo no mercado. Para isso,
além de fornecê‑lo a um grupo de pesquisadores, a empresa decide custear todos os gastos inerentes
ao estudo. Não obstante, a empresa opta ainda por financiar toda a equipe de pesquisadores. Em razão
disso, ela se sente no direito de requerer ao grupo de pesquisadores que o estudo apresente resultados
positivos acerca do fármaco testado, para que ele seja mais facilmente inserido no mercado e, em última
instância, a empresa lucre com a sua venda. Apesar de hipotético, esse quadro é comumente observado
em estudos na área médica, em específico na avaliação de eficácia terapêutica de fármacos, e tal quadro
caracteriza o chamado conflito de interesse.

Devido ao crescente interesse das pessoas em utilizar estratégias nutricionais que as ajudem a
aumentar a massa muscular e os ganhos de força, bem como a reduzir gordura corporal, a questão
do conflito de interesse alcançou o campo da nutrição aplicada ao esporte. O problema disso reside
21
Unidade I

no fato de que os resultados de um estudo acerca da estratégia nutricional testada podem ser
influenciados pela empresa patrocinadora do estudo. Isto é, efeitos positivos decorrentes do uso
de uma estratégia nutricional podem ser apresentados, quando na verdade ela não os possui. Essa
influência dos interesses da indústria no campo de nutrição aplicada ao esporte fica bem clara no
estudo de Saunders et al. (2009).

Em um estudo sem boa fundamentação teórica, os autores tinham como objetivo avaliar os efeitos
da combinação de carboidratos e proteínas de uma bebida esportiva sobre o desempenho humano
em um teste contrarrelógio na distância de 60 km. Quando se trata de carboidratos, o glicogênio
muscular é o principal substrato utilizado pelo músculo esquelético para a produção de energia durante
exercícios físicos de alta intensidade por longas durações, e, assim, a suplementação com carboidratos é
recomendada para indivíduos que praticam exercícios ou eventos competitivos com essas características,
a fim de atenuar a depleção de glicogênio muscular. Por outro lado, quando se trata de proteínas e
aminoácidos, a suplementação com proteínas vem sendo recomendada como estratégia para aumentar
a síntese proteica muscular pós‑exercício, de forma que não há base fisiológica que explique uma
eventual melhora de desempenho em uma prova de 60 km com a suplementação de proteínas. Ainda
assim, ciclistas treinados foram submetidos à prova de 60 km em dois dias diferentes, recebendo a
suplementação de carboidratos num dia e a suplementação combinada de carboidratos e proteínas no
outro.

Em concordância com a ausência de mecanismos fisiológicos, os autores observaram que não houve
diferença estatisticamente significante no tempo da prova entre as condições experimentais testadas.
Mas, curiosamente, por motivos não muito bem explicados, os autores decidiram expandir a sua análise
para os últimos 20 e 5 km do percurso. Ao analisar especificamente essas distâncias finais, os autores
observaram que a combinação de carboidratos e proteínas possibilitou aos ciclistas completarem as
distâncias finais mais rapidamente se comparado ao uso isolado de carboidratos e concluem em seu
trabalho que a suplementação combinada de carboidratos e proteínas é uma estratégia interessante a
ser utilizada para otimizar o desempenho nas distâncias finais de uma prova de 60 km.

O leitor há de concordar que essa conclusão é bastante estranha. Afinal, o que os autores estão
concluindo em seu estudo é que “a combinação de proteínas e carboidratos não altera o tempo total
para se completar a distância de 60 km no ciclismo, mas os últimos 20 e 5 km podem ser beneficiados
com tal estratégia” (SAUNDERS et al., 2009, p. 147‑148). De fato, é uma conclusão estranha, afinal,
o desempenho físico numa prova de ciclismo é determinado pelo tempo total para completar uma
determinada distância, e não pelo tempo que se leva para completar as distâncias finais. Aliás, há
ainda algumas considerações sobre o estudo: 1) se os ciclistas completaram os últimos 20 km mais
rapidamente com a combinação de carboidratos e proteínas, mas 2) não há diferença no tempo total
para completar os 60 km entre as condições experimentais, tudo nos leva a crer que os primeiros 40 km
foram completados mais lentamente com a combinação de carboidratos e proteínas. As considerações
anteriores fazem sentido quando temos acesso ao subtópico final do estudo de Saunders et al. (2009,
p. 148): “Agradecimentos e Declaração de Conflitos de Interesse”. Nele, é possível detectar um parágrafo
inteiro dedicado à empresa patrocinadora do trabalho, a qual forneceu a bebida esportiva testada,
financiou os gastos e ainda empregava a maior parte dos membros da equipe de pesquisa. Ou seja, um
exemplo claro de conflito de interesse no campo da nutrição aplicada ao esporte.
22
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

A custo de curiosidade, um ano após a publicação do estudo citado, Breen, Tipton e Jeukendrup (2010)
conduziram um estudo com objetivos e desenho experimental extremamente similares ao de Saunders et
al. (2009), mas, dessa vez, sem o conflito de interesse. E, de forma esperada, não foi observado qualquer
benefício da combinação de carboidratos+proteínas sobre o desempenho na prova de 60km. Com isso,
temos que o conflito de interesse de fato pode influenciar os resultados de um estudo no campo da
nutrição aplicada ao esporte e, portanto, pode determinar a qualidade de um estudo nesta área.

Saiba mais

Leia o artigo a seguir e veja mais um claro exemplo de estudo com


conflitos de interesse publicado na literatura:

WILSON, J. M. et al. The effects of 12 weeks of β‑hydroxy‑β‑methylbutyrate


free acid supplementation on muscle mass, strength, and power
in resistance‑trained individuals: a randomized, double‑blind,
placebo‑controlled study. European Journal of Applied Physiology, v. 114,
n. 6, p. 1217‑1227, Jun. 2014. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.
gov/pmc/articles/PMC4019830/>. Acesso em: 28 mar. 2019.

2 BIOENERGÉTICA E INTEGRAÇÃO METABÓLICA

Discutimos anteriormente alguns pontos imprescindíveis a serem considerados na avaliação da


qualidade de uma nova informação publicada/divulgada na área de nutrição aplicada ao esporte.
Porém, antes de adentrarmos as informações tangentes à área, deparamo‑nos com a necessidade
de revisar conceitos básicos de um assunto essencial da área de bioquímica básica e de bioquímica
aplicada ao exercício: bioenergética e integração metabólica. Mas, afinal, o que seria bioenergética?
De acordo com Josiah Gibbs, a bioenergética é o ramo da bioquímica que aborda a transferência,
conversão e utilização de energia nos sistemas biológicos (BALDWIN, 2007). A referida energia faz
alusão à energia química, em específico à adenosina trifosfato (ATP), uma molécula composta por
um carboidrato (ribose), uma base nitrogenada (adenina) e três grupamentos fosfato, os quais
estão conectados entre si por ligações altamente energéticas (NELSON; COX, 2011).

Como resultado, a hidrólise de ATP, isto é, sua quebra, libera adenosina difosfato (ADP), íons
hidrogênio (H+) e fosfato inorgânico (Pi), além de importantemente liberar a energia contida nas
ligações entre os grupamentos fosfato de sua estrutura. Tal energia pode ser direcionada para
diferentes funções, tais como a síntese e secreção de substâncias, o transporte ativo de moléculas,
entre outras. Por essa razão o ATP é considerado a moeda energética do organismo, sem a qual a
manutenção da vida jamais seria possível (DE FEO et al., 2003).

No que tangencia o interesse do presente livro‑texto e da área de Educação Física, o ATP é


imprescindível para o processo de contração muscular, já que a sua hidrólise implicará na liberação da
energia química, a qual será convertida em energia mecânica dos miofilamentos de miosina e actina,
23
Unidade I

responsáveis pelo encurtamento e alongamento dos sarcômeros e, assim, da célula muscular. No


momento em que os níveis de ATP reduzem, ou em que a velocidade da sua produção ou fornecimento
à célula muscular é diminuída, há notável perda de eficiência da maquinaria contrátil e, com isso, piora
do desempenho físico (LIEBER et al., 2017).

Mas antes de explorarmos a função do ATP na contração muscular, relembremos o passo a passo
do processo de contração muscular. Para que de fato a contração muscular se inicie, é necessária
a geração de um estímulo nervoso (ou potencial de ação) pelo sistema nervoso central, o qual
deve ser transportado pelas vias neurais eferentes com o auxílio dos motoneurônios. Ao atingir
a fibra muscular, chegando antes à fenda sináptica, ocorrerá a liberação do neurotransmissor
acetilcolina (IRVING, 2017). A liberação desse neurotransmissor permitirá que o potencial de
ação percorra o sarcolema da célula. Ao percorrer a membrana plasmática, o potencial de ação
despolariza a membrana, e muito da eletricidade do potencial de ação flui em direção ao centro
da fibra muscular, atingindo o retículo sarcoplasmático. Tal ação culminará na liberação de
cálcio do retículo sarcoplasmático, e este íon se ligará então a uma proteína chamada troponina.
A troponina, por sua vez, é responsável por controlar a conformação de uma outra proteína, a
tropomiosina, a qual forma longos filamentos que sustentam em forma de hélice uma das proteínas
contráteis, a actina. Quando o íon cálcio se liga à troponina, imediatamente a troponina comanda
uma alteração conformacional da tropomiosina, permitindo que os sítios ativos da actina fiquem
expostos e disponíveis para que uma outra importante proteína contrátil, a miosina, se acople à
actina (IRVING, 2017; LIEBER et al., 2017). Ao acoplamento e desacoplamento actina‑miosina se
dá o nome de ciclo das pontes cruzadas, o qual permitirá o encurtamento e/ou alongamento do
músculo esquelético.

Tal interação entre as proteínas actina e miosina, entretanto, só ocorrerá com a presença da
molécula de ATP, aí sua importância para a contração muscular fica mais clara. Para viabilizar
esse processo, a hidrólise do ATP é fundamental, liberando energia química que é convertida em
energia mecânica pela miosina para que o seu acoplamento e deslizamento sobre a actina ocorra. A
seguir, uma nova molécula de ATP é necessária para que ocorra o desligamento entre os filamentos
contráteis; esta nova molécula não é hidrolisada nesse momento, pois sua simples ligação à cabeça
da miosina altera a conformação da molécula e reduz a afinidade entre as proteínas contráteis
(IRVING, 2017; LIEBER et al., 2017). Com isso, pode‑se dizer que o ATP é essencial, tanto para
a contração muscular quanto para o relaxamento muscular, e é imprescindível que a célula
muscular possua estoques de ATP para a manutenção desse fenômeno. Por outro lado, os estoques
intracelulares de ATP são demasiadamente baixos e suficientes apenas para permitir alguns poucos
segundos de contração muscular (NELSON; COX, 2011). Além disso, eles não podem sofrer depleção
completa, já que, conforme mencionado, o ATP possui outras funções igualmente importantes na
célula muscular. Assim, é imprescindível que a célula muscular tenha reservas/estoques/substratos
capazes de abastecer ATP para a continuidade da contração muscular, bem como sistemas capazes
de controlar esse abastecimento de ATP. E, de fato, essas reservas existem, e a tabela seguinte pode
ajudar a visualizar algumas delas, dentre as quais se destacam o glicogênio muscular, o glicogênio
hepático e os triglicerídeos do tecido adiposo.

24
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Tabela 2 – Estimativa da energia total disponível (kcal)


nos principais reservatórios do organismo

Reservas Energia disponível (kcal)


Glicogênio muscular 2.000
Glicogênio hepático 280
TG tecido adiposo 141.000
Proteínas corporais 24.000

Adaptado de: Brooks et al., 2000.

Em virtude do mencionado, podemos começar a melhor compreender o papel da nutrição na atividade física
e no esporte. Em essência, a nutrição, em específico a ingestão de alimentos ou suplementos alimentares, visa
fornecer nutrientes ao organismo capazes de repor os substratos previamente utilizados para a geração de ATP.

Suplementos Alimentos

Nutrientes

Macro Micro

Carboidratos Proteínas Gorduras Vitaminas Minerais

• Provisão de energia
• Regulação do metabolismo
• Crescimento e desenvolvimento

Figura 7 – Esquema ilustrando o papel da nutrição no fornecimento de nutrientes ao organismo

Os nutrientes provenientes da dieta podem ser classificados em macronutrientes, entre os quais estão
incluídos os carboidratos, as gorduras e as proteínas; ou micronutrientes, em que estão incluídas as vitaminas
e os minerais. Cada um destes nutrientes pode ter uma ou mais das seguintes funções: atuar no crescimento
e desenvolvimento, regulação do metabolismo e provisão de energia. Mas antes de seguirmos adiante, um
primeiro conceito básico: qual seria a diferença entre estes? Nesse ponto, é comum o aluno cometer o
engano de que tal classificação se deve às diferenças no tamanho das moléculas, ou seja, macronutrientes
seriam moléculas grandes, enquanto micronutrientes seriam moléculas pequenas. Um outro engano sobre
esse conceito diz respeito ao peso das moléculas, em que os macronutrientes seriam moléculas de maior peso
molecular do que os micronutrientes. Por fim, um último engano diz respeito à importância dos nutrientes,
em que se acredita que os macronutrientes seriam moléculas de maior relevância ao funcionamento e
homeostase do organismo que micronutrientes. Contudo, numa rápida comparação entre uma molécula de
vitamina C, considerada um micronutriente, com uma molécula de glicose, considerada um macronutriente,
temos algumas respostas que desmistificam os pontos anteriormente levantados.
25
Unidade I

Primeiro, ambas as moléculas possuem estrutura e tamanho extremamente similares; segundo, o peso
dessas moléculas também é semelhante. Por fim, ambas são importantes ao organismo, já que a glicose lhe
fornece energia, como ao músculo esquelético, por exemplo, para a manutenção da contração muscular,
enquanto a vitamina C é um poderoso antioxidante capaz de combater os radicais livres, estruturas
químicas cujo excesso pode causar dano e até morte celular. Com isso, tem‑se que macronutrientes e
micronutrientes diferem‑se, a princípio, em relação às suas necessidades diárias, isto é, macronutrientes
se tratam de moléculas cuja necessidade de ingestão diária ocorre em grandes quantidades (geralmente
maiores que 1 g por dia), enquanto os micronutrientes se tratam de moléculas cuja necessidade de ingestão
diária ocorre em pequenas quantidades (geralmente menores que 1 g por dia).

A exemplo, em adultos, a recomendação diária de consumo de carboidratos está estabelecida entre 6


e 10 gramas por quilograma de peso corporal por dia (ou seja, 420 a 700 gramas por dia), ao passo que a
recomendação diária de consumo de vitamina C é de aproximadamente 90 miligramas. Em adição, macro
e micronutrientes também diferem entre si em relação ao fornecimento de calorias; macronutrientes
fornecem calorias ao organismo, enquanto os micronutrientes não. E aqui já tratamos de outro conceito
importante: calorias. Fisicamente falando, caloria é definida como a quantidade de calor necessária
para elevar em 1°C a temperatura de 1 g de água. De modo a facilitar o trabalho com as palavras, aqui
usaremos o termo como unidade de medida de energia (tal qual quilômetros está para unidade de
distância, ou quilogramas está para unidade de peso), que, conforme já discutido, é imprescindível para
a manutenção das funções do organismo e, claro, para a contração muscular.

Observação

Curiosamente, é errônea a crença de que suplementos multivitamínicos


podem fazer uma pessoa “engordar”, pois eles não fornecem calorias ao
organismo.

A) B)

Glicose Vitamina C
C6H12O6 C6H8O6
180,16 g/mol 176,09 g/mol

Figura 8 – Comparação da molécula de glicose (A), considerada um macronutriente,


com a molécula de vitamina C (B), considerada um micronutriente

Lembrete

As suas necessidades diárias e a sua capacidade de fornecer calorias


diferenciam um macronutriente de um micronutriente.
26
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Em adição à necessidade de existirem substratos oriundos dos nutrientes da alimentação para a


provisão de ATP, a fim de realizar a contração muscular, é importante que a célula muscular também
possua sistemas capazes de gerenciar esse abastecimento. E, de fato, tais sistemas existem, consistindo no:

• sistema anaeróbio alático;

• sistema anaeróbio lático;

• sistema aeróbio.

A partir desse momento, temos como objetivo explorar cada um deles, abordando as características
desses sistemas quanto aos substratos utilizados, principais reações químicas, limitantes e modalidades
esportivas em que há a predominância de cada um no fornecimento de ATP.

Observação

O sistema anaeróbio alático também é encontrado sob a nomenclatura


de sistema fosfagênio. O anaeróbio láctico também é conhecido como
glicolítico. Por fim, o aeróbio também é chamado de oxidativo.

2.1 Sistema anaeróbio alático

É de suma importância que a célula muscular possua um sistema capaz de fornecer energia para a
contração muscular o mais rápido o possível. Caso contrário, jamais seria possível executar um determinado
gesto motor imediatamente, apenas depois de alguns segundos ou minutos. Eis que se destaca o sistema
anaeróbio alático. Traduzindo esse termo, trata‑se de um sistema anaeróbio em que não há presença de
oxigênio dada a rápida velocidade com que a provisão de energia é requerida, não havendo tempo para a
captação e transporte de oxigênio até o tecido muscular; e alático, não culminando na produção de lactato.

Dado o papel primordial do ATP na transferência de energia, é de se esperar que essa molécula faça parte
desse sistema. De fato, a hidrólise de 1 mol de ATP pela enzima ATPase é capaz de gerar aproximadamente
7,5 calorias (ou 30,5 quilojoules – kJ). Por outro lado, como já mencionado, essa molécula não possui
estoques abundantes nas células musculares, havendo necessidade da presença de um outro substrato para
repor as suas perdas. A este substrato se dá o nome de fosforilcreatina (PCr), que também contém ligações
de fosfato de alta energia (FEBBRAIO et al., 1995; TERJUNG et al., 2000). A concentração intramuscular
de PCr é de três a oito vezes mais abundante que a de ATP. Sob alta demanda energética, por exemplo,
durante o exercício físico de altíssima intensidade, os estoques de ATP começam a diminuir e os estoques
de ADP consequentemente aumentam (FEBBRAIO et al., 1995). Tais mecanismos ativam a hidrólise da PCr.
Ao ser hidrolisada pela enzima creatina quinase, a PCr cede o fosfato necessário para a ressíntese de ATP,
restando uma molécula de creatina livre (Cr). O contrário também é verdadeiro, e sob circunstâncias de
baixa demanda metabólica, ou seja, quando os estoques de ATP estão elevados, a energia dessa molécula
pode ser utilizada para gerar e estocar PCr (TERJUNG et al., 2000).

27
Unidade I

Mitocôndria Citoplasma

Cr CK Creatina quinase mitocondrial


ATP ATP ATP ATP

CK CK CK CK ATPase CK Creatina quinase citosólica


ADP ADP
ADP
PCr ADP ATPase ATPase citosólica

ATP → ADP + PCr + H+ → ATP + Cr

Figura 9 – Ilustração da hidrólise de fosforilcreatina (PCr) e a subsequente ressíntese de adenosina


trifosfato (ATP), bem como da ressíntese de fosforilcreatina em diferentes sítios celulares

Apesar de os estoques intracelulares de PCr serem significantemente mais elevados que


os de ATP livre, sob elevadas demandas metabólicas esses estoques também sofrem depleção
rapidamente e, com isso, tem‑se que a rápida depleção de seus substratos é o grande limitante
desse sistema (FEBBRAIO et al., 1995; TERJUNG et al., 2000). Na verdade, evidências estimam que
tais estoques sejam o suficiente para contribuir com a predominância do sistema anaeróbio alático
por apenas 10 a 15 segundos de exercício físico de alta intensidade. Sob risco de interrupção da
contração muscular, é imprescindível que um outro sistema de fornecimento de energia surja
como alternativa à perda de eficiência do sistema anaeróbio alático após os primeiros segundos
de esforço físico. O lançamento de disco, o lançamento de peso, o salto com vara, o salto triplo,
o levantamento olímpico, a tarefa de 50 metros livres na natação e a prova de 100 metros rasos
no atletismo são exemplos de modalidades esportivas em que há a predominância do sistema
anaeróbio alático.
100

80
% do valor de repouso

60 ATP
PCr
40

Exaustão
20

0
0 2 4 6 8 10 12 14
Tempo(s)

Figura 10 – Estimativa do tempo sob exercício de alta intensidade em que há a predominância do


uso de adenosina trifosfato (ATP) e fosforilcreatina (PCr) para manter a contração muscular

28
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Lembrete

Modalidades e atividades com predominância anaeróbia alática são


substancialmente influenciadas pelas concentrações musculares de creatina.
Logo, faz sentido que essas modalidades sejam as mais beneficiadas pela
suplementação de creatina.

A) B)

C)

Figura 11 – Exemplos de modalidades esportivas em que há a predominância do


sistema anaeróbio alático no fornecimento de energia para a contração muscular

29
Unidade I

Saiba mais

Para uma contextualização sobre o sistema anaeróbio alático, leia:

CAHILL, B. R.; MISNER, J. E.; BOILEAU, R. A. The clinical importance of


the anaerobic energy system and its assessment in human performance.
American Journal of Sports Medicine, v. 25, n. 6, p. 863‑872, Nov.‑Dec. 1997.

2.2 Sistema anaeróbio lático

Apesar de a PCr ser um substrato prontamente disponível para ser utilizada na ressíntese de ATP,
como já mencionado, os seus estoques sofrem depleção rapidamente. Com isso, há a necessidade de
a célula muscular passar a utilizar um outro substrato de modo a não interromper a produção de ATP
e, consequentemente, o exercício físico. Tal substrato se trata da glicose, um carboidrato, armazenada
nas células musculares na forma de glicogênio muscular. As partículas de glicogênio muscular podem
conter até 50 mil porções de glicose. De fato, em humanos, por volta de 80% do glicogênio corporal se
encontra no tecido muscular. As concentrações dessa molécula no músculo esquelético podem variar de
80 a 150 mmol.kg‑1 (IVY et al., 1988).

Conforme o exercício começa, inicia‑se a degradação de glicogênio muscular em um processo


conhecido como glicogenólise, de modo a se disponibilizar a glicose para o processo de produção
de energia (MUL et al., 2015). Assim, ainda que em baixíssimas quantidades, é esperado que haja a
degradação de glicogênio muscular com apenas alguns poucos segundos até alguns poucos minutos de
exercícios, mas que essa degradação tome proporções maiores caso a duração do exercício se estenda.
A exemplo, estudos já demonstraram reduções de aproximadamente 40% no conteúdo muscular de
glicogênio após uma sessão intensa de treinamento de força, a qual é composta por séries de poucos
segundos intervaladas por alguns minutos de descanso (HAFF et al., 2003). Para fornecer ATP, a glicose
disponibilizada pelo glicogênio adentra então a via denominada glicólise.

A glicólise ocorre numa sequência de 11 reações enzimáticas divididas em duas fases: a fase preparatória
(primeira fase) e a fase de pagamento (segunda fase). A primeira fase vai até a formação de duas moléculas
de gliceraldeído‑3‑fosfato e caracteriza‑se por ser uma etapa de gasto energético, especificamente de dois
ATPs nas duas fosforilações que ocorrem nessa fase (NELSON; COX, 2011). A segunda fase se caracteriza
pela produção energética de quatro ATPs em reações enzimáticas independentes de oxigênio, além da
liberação de coenzimas reduzidas, ou seja, enzimas eletricamente carregadas, como a nicotinamida adenina
dinucleotídeo (NADH). Portanto, o rendimento energético final do metabolismo da glicose é de somente
dois ATPs, os quais podem ser utilizados durante a contração muscular.

Sob condições de aerobiose, isto é, sob a presença de oxigênio (O2), o produto final da via glicolítica é
uma molécula chamada piruvato (NELSON; COX, 2011), que representa um ponto de junção importante
no catabolismo dos carboidratos. Em condições aeróbicas, o piruvato oxidou‑se em acetil‑CoA, o qual
se combina ao oxaloacetato, dando início ao ciclo do ácido cítrico (também conhecido como ciclo de
30
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Krebs), sendo oxidado em dióxido de carbono (CO2) e água (H2O). O NADH, formado na via glicolítica pela
desidrogenação do gliceraldeído‑3‑fosfato, posteriormente se reoxida em NAD+ pela passagem do seu
elétron ao O2 durante o processo da respiração mitocondrial, também chamado de cadeia transportadora
de elétrons.

Entretanto, vínhamos de um exercício em que predominava a via anaeróbia alática, em que apenas
poucos segundos haviam se passado. Logo, a princípio, a glicólise não ocorre sob condições aeróbias,
já que, com apenas alguns poucos segundos de exercício, não há tempo suficiente para que o O2 seja
adequadamente captado, transportado e utilizado pela célula muscular. Assim, tem‑se por estabelecido que
durante os exercícios com duração de alguns poucos segundos (~30 segundos) até alguns poucos minutos
(~2 a 3 minutos) o exercício físico é realizado sob condições predominantemente anaeróbias. Sob condições
anaeróbicas, o NADH gerado pela glicólise não pode ser reoxidado pelo O2. A incapacidade de regenerar o
NADH em NAD+ deixaria a célula sem receptor de elétrons para a oxidação do gliceraldeído‑3‑fosfato e,
com isso, as reações liberadoras de energia da glicose cessariam. O NAD+ precisa, portanto, ser regenerado
por outro mecanismo.

Em humanos, o piruvato pode ser o receptor dos elétrons do NADH para que o NAD+ seja
regenerado. Ao aceitar esses elétrons, o piruvato é convertido em uma molécula chamada lactato.
Por esse motivo, atribui‑se ao segundo sistema de fornecimento de energia para a contração
muscular o nome de sistema anaeróbio láctico.
Fase preparatória da glicose Fase de pagamento da glicose

Figura 12 – Ilustração da glicólise, caracterizada pelas fases preparatória e de pagamento

31
Unidade I

O saldo final da glicólise anaeróbia consiste na formação de duas moléculas de lactato, duas de
NAD+, duas de ATP e dois íons de hidrogênio (H+). O lactato produzido pode ser transportado para fora
da membrana celular e, subsequentemente, transportado pela corrente sanguínea até o fígado, onde,
em uma reação denominada gliconeogênese, pode formar glicose novamente (a esse processo se dá o
nome de ciclo de Cori).

Músculo Glicose Lactato


Fermentação
láctica

Glicogênio

Glicose Lactato Sangue

Gluconeogênese
Glicose Lactato

Fígado Glicogênio

Figura 13 – Ilustração do ciclo de Cori demonstrando o destino do lactato produzido durante o exercício físico

Por outro lado, os íons H+ produzidos durante a glicólise também precisam ser neutralizados ou
expelidos da célula muscular, pois o acúmulo desses íons pode gerar acidose muscular. De fato,
estudos já demonstraram que o pH muscular pode cair de seus valores em repouso de 7.0‑7.1 até
6.5‑6.4 após séries intensas de exercício físico (AHLBORG et al., 1972). Evidências já demonstraram que
enzimas importantes da via glicolítica são desativadas, ou seja, inibidas, sob pH ácido, como é o caso
da fosfofrutoquinase, prejudicando a produção de energia (ROBERGS; GHIASVAND; PARKER, 2004).
Além disso, evidências também já demonstraram que os íons H+ têm a capacidade de competir com
os íons cálcio pelo sítio da troponina, prejudicando os processos contráteis (FITTS, 1994). Nesse ponto,
percebe‑se a produção e o acúmulo intracelular de íons H+ como um efeito colateral da via glicolítica, já
que o acúmulo desses íons, ao prejudicar os processos contráteis e de produção de energia, pode levar
à fadiga muscular.

O corpo humano, por outro lado, possui defesas bem reguladas para a manutenção do pH intra e
extracelular dentro dos valores fisiológicos. Entre as defesas estão os tampões químicos intracelulares
e sanguíneos, o tamponamento dinâmico, a regulação respiratória e a regulação renal. Devido à
duração relativamente curta dos exercícios de alta intensidade, os tampões químicos intracelulares e
os sanguíneos, bem como o tamponamento dinâmico, representam a principal linha de defesa contra o
acúmulo imediato de íons H+ e, assim, as principais defesas do organismo contra a fadiga induzida pela
acidose durante esse tipo de exercício. Com isso, a capacidade tamponante desses sistemas tem sido
determinada como o fator limitante e de maior relevância para o sucesso durante eventos esportivos
dessa magnitude (PARKHOUSE; MCKENZIE, 1984).

32
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Observação

A concentração de H+ no músculo é aproximadamente 0,0000001


M = 1x10‑7. Como o número é extenso, adotou‑se mundialmente a
escala logarítmica ‑log[H+]=7.

Os tampões químicos intracelulares são constituídos principalmente por fosfatos, proteínas,


peptídeos e aminoácidos, os quais exercem seu efeito tampão no citosol, em que o pH é mais próximo
da constante de acidez ou constante de dissociação de ácidos (pKa) dessas substâncias. Além disso,
pode‑se mencionar o tamponamento dinâmico, isto é, o transporte ativo de H+ para fora da célula ou
para outro compartimento intracelular (por exemplo, a mitocôndria), como outro agente da regulação
ácido‑base (JUEL, 1997). O tamponamento sanguíneo, por sua vez, é realizado principalmente pelo
bicarbonato (HCO3‑), que tem a capacidade de se ligar aos íons H+ livres e ser convertido em H2CO3,
para ser imediatamente dissociado em CO2 e H2O (JUEL, 2008).

Mesmo à luz da existência dos mecanismos de defesa acima mencionados, salienta‑se que todos
esses sistemas de tamponamento possuem limitada abrangência de ação. Assim, apesar da harmonia
entre eles, fica claro que, conforme a duração do exercício de alta intensidade se prolonga, a taxa
de produção de H+ pode exceder a taxa de depuração desses íons, o que em última instância levará
à acidose muscular anteriormente mencionada e, portanto, à perda de desempenho físico (BROOKS,
2000). Estratégias nutricionais com a proposta de atenuar o acúmulo de íons H+ na célula muscular
são alvos de discussão, com o potencial de proporcionar melhora de desempenho físico em modalidades
esportivas com predominância anaeróbia láctica. A saber, as tarefas de 100 e 200 metros livres na
natação, as tarefas de 400 e 800 metros rasos no atletismo, as distâncias de 1 e 4 quilômetros no ciclismo
de pista e lutas de característica intermitente, como o judô e o boxe, são exemplos de modalidades
esportivas em que há a predominância do sistema anaeróbio lático.

Lembrete

O pKa expressa, em escala logarítmica, a força relativa de um ácido ou


base. Quanto mais forte é um ácido, menor é seu pKa; quanto mais forte
uma base, maior o pKa.

Tabela 3 – Componentes da defesa de tamponamento intracelular,


com os valores de pKa mensurados em uma determinada temperatura

Tampão pKa Temperatura (°C)


Ortofostato inorgânico 6,88 20
Hidrogenofosfato/dihidrogenofosfato 7,1 – 7,2 25
Anel imidazol 6,5 25

33
Unidade I

L‑Histidina 6,21 20
Carnosina 6,83 20
Bicarbonato 6.5 20
Fosforilcreatina 4.5 ‑‑‑‑‑

Figura 14 – Esquematização dos principais sistemas de regulação do equilíbrio ácido‑base


por meio de proteínas transportadoras, o chamado tamponamento dinâmico

Saiba mais

Para uma melhor compreensão de conceitos básicos como pH e pKa, leia:

NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 5. ed.


Porto Alegre: Artmed, 2011.

Para uma contextualização sobre o sistema anaeróbio lático, leia:

BERTUZZI, R. C. M. et al. Metabolismo do lactato: uma revisão sobre a


bioenergética e a fadiga muscular. Revista Brasileira de Cineantropometria e
Desempenho Humano, v. 11, n. 2, p. 226‑234, 2009. Disponível em: <http://
www.biologia.bio.br/curso/1%C2%BA%20per%C3%ADodo%20Faciplac/
Metabolismo%20do%20lactato.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2019.

34
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

A)

B)

Figura 15 – Exemplos de modalidades esportivas em que há a predominância do


sistema anaeróbio lático no fornecimento de energia para a contração muscular

2.3 Sistema aeróbio

Em consonância com o discutido até o momento, o sistema anaeróbio láctico tem predominância
de segundos até poucos minutos de exercício físico, em que não houve tempo suficiente para o O2
ser captado, transportado e utilizado pela célula muscular e, assim, a glicólise é executada por vias
anaeróbias, com o lactato como produto final. Contudo, em condições de aerobiose, o piruvato não é
reduzido a lactato, e sim oxidado nas mitocôndrias pelo complexo enzimático piruvato‑desidrogenase,
havendo a formação de acetil‑CoA. É formado também um NADH na reação de desidrogenação, cujo
destino final será a cadeia respiratória, uma vez que já está dentro das mitocôndrias. O acetil‑CoA
formado a partir do piruvato, então, reage com uma molécula denominada oxaloacetato, iniciando
o ciclo de Krebs, o qual ocorre na matriz mitocondrial. Curiosamente, nota‑se aqui um ponto de
convergência do metabolismo de carboidratos com o de lipídios e de aminoácidos, pois lipídios e
aminoácidos também podem formar acetil‑CoA a partir do esqueleto carbônico de suas estruturas.
Assim, ambos também podem gerar energia para a contração muscular, embora os carboidratos ainda
sejam os substratos energéticos prioritariamente utilizados pelo músculo esquelético.

35
Unidade I

Durante o ciclo de Krebs, a enzima citrato sintase catalisa a reação de transferência do grupo acetil
proveniente do acetil‑CoA para o oxaloacetato, formando o ácido cítrico (ou citrato) e liberando a
coenzima A (LODISH et al., 2000). Subsequentemente, ocorrem reações de oxidação e descarboxilação,
originando α‑cetoglutarato. É liberado CO2 e forma‑se o NADH+. Em seguida, o α‑cetoglutarato passa
por reação de descarboxilação, catalisada por um complexo enzimático do qual fazem parte o CoA
e o NAD+. Essas reações originarão succinil‑CoA e, em seguida, succinato, NADH+ e uma molécula de
ATP. O succinato se oxida, tornando‑se fumarato, cuja coenzima é a flavina‑adenina dinucleotídeo
em sua forma oxidada (FAD). Assim será formando FADH2, outra molécula carregadora de energia.
O fumarato é então hidratado, formando o malato. Por fim, o malato sofrerá uma desidrogenação,
formando NADH a partir do NAD+ e regenerando o oxaloacetato de forma a reiniciar o ciclo de Krebs
(LODISH et al., 2000).
Acetil-CoA

Citrato

Oxalacetato Isocitrato
NADH
NADH
CO2
Malato α-cetoglutarato

CO2
NADH
Fumarato
Succinil-CoA
FADH2
Succinato
GTP (ATP)

Figura 16 – Ilustração do ciclo de Krebs (também chamado de ciclo do ácido cítrico) e das reações que o compõem

Por fim, a última etapa do sistema aeróbio é composta pela cadeia transportadora de
elétrons, também chamada de cadeia respiratória, composta por uma série de proteínas orgânicas
encontradas na membrana mitocondrial interna, que será alvo de chegada das coenzimas reduzidas
NADH e FADH2. Especificamente, o NADH e o FADH2 das outras etapas do processo de produção de
energia transferem seus elétrons para moléculas próximas do início da cadeia de transporte. Após essa
transferência, eles voltam a ser NAD+ e FAD, os quais podem ser reutilizados em outras etapas da
respiração celular. Isso é importante porque as formas oxidadas desses transportadores de elétrons
são usadas na glicólise e no ciclo de Krebs, portanto, precisam estar disponíveis para que esses
processos funcionem (REECE et al., 2011).

Ao passo que os elétrons são bombeados através da cadeia transportadora, íons H+ também são, sendo
subsequentemente transportados da matriz celular para o espaço intermembranar. Esse bombeamento
estabelece um gradiente eletroquímico de prótons, muitas vezes chamado de força próton‑motiva, pois
a concentração de H+ no espaço intermembranar passa a ser substancialmente superior àquela presente

36
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

na matriz mitocondrial. Ao final da cadeia de transporte de elétrons, os elétrons são transferidos para a
molécula de O2, a qual se junta ao H+, formando H2O.

Já os íons H+ presentes no espaço intermembranas, assim como muitos outros íons, não são capazes
de atravessar diretamente a bicamada fosfolipídica da membrana mitocondrial interna, pois seu interior
é hidrofóbico (LODISH et al., 2000; REECE et al., 2011). Em vez disso, os íons H+ podem se mover a favor de
seu gradiente de concentração somente com auxílio de proteínas de canal que formam túneis hidrofílicos
através da membrana. Nesse sentido, na membrana mitocondrial interna, os íons H+ têm apenas um
canal disponível: uma proteína transmembranar conhecida como ATP sintase. Conceitualmente, a ATP
sintase se assemelha a uma turbina de usina hidroelétrica. Em vez de ser acionada pela água, ela é
acionada pelo fluxo de íons H+ movendo‑se a favor de seu gradiente eletroquímico, a qual utiliza a
energia gerada por este fluxo de prótons para catalisar a adição de um fosfato ao ADP e, assim, gerar
ATP (REECE et al., 2011).

Figura 17 – Ilustração da cadeia transportadora de elétrons, localizada na membrana mitocondrial interna

A nível de curiosidade, além dos diferentes complexos presentes na cadeia transportadora de


elétrons, também estão presentes as proteínas desacopladoras (do inglês uncoupling proteins – UCP).
Essas proteínas são canais que permitem que os prótons passem do espaço intermembranar para a
matriz mitocondrial sem passar pela ATP sintase, como na figura seguinte. Ao criar uma rota alternativa
para os prótons voltarem à matriz, as UCPs permitem que a energia do gradiente seja dissipada na
forma de calor. Embora a presença de UCPs possa parecer um desperdício de energia, ela se trata de
uma adaptação importante dos animais que precisam se manter aquecidos. Além disso, estudos têm
demonstrado que o treinamento físico parece aumentar a expressão das UCPs no músculo esquelético.
Novamente, esse fato também sugere que o treinamento gere uma ineficiência energética, pois o fluxo
de elétrons que poderia ser usado pela ATP sintase é desviado para a geração de calor; mas, ao mesmo
tempo, a velocidade de todo esse sistema de produção de energia deve ser aumentada para compensar
tal ineficiência (BEFROY et al., 2008).

37
Unidade I

Figura 18 – Ilustração da cadeia transportadora de elétrons e,


mais especificamente, da proteína desacopladora (uncoupling protein – UCP)

Ao contrário da glicólise anaeróbia, que é capaz de gerar apenas dois ATPs por molécula de
glicose degradada, por volta de 30 a 32 ATPs são produzidos da degradação aeróbia de glicose, ou
seja, em todo seu percurso desde a via glicolítica até a cadeia transportadora de elétrons. Por outro
lado, como vimos, esse é um processo mais lento, pois necessita do transporte de O2 até o músculo
esquelético e sua captação por ele na degradação aeróbia da glicose até piruvato, na formação de
acetil‑CoA e ocorrência do ciclo de Krebs e na reoxidação do NADH e FADH2 na cadeia transportadora
de elétrons, com subsequente formação de ATP a partir do fluxo de prótons. Assim, fica claro que
as modalidades em que haverá predominância do sistema aeróbio na produção de energia para a
contração muscular são aquelas de maior duração de esforço, como o triatlo, o ciclismo de estrada,
a maratona e o cross‑country.

Saiba mais

Para uma contextualização sobre o sistema aeróbio, veja:

CAPUTO, F. et al. Exercício aeróbio: aspectos bioenergéticos, ajustes


fisiológicos, fadiga e índices de desempenho. Revista Brasileira de
Cineantropometria e Desempenho Humano, v. 11, n. 1, p. 94‑102, jan. 2009.
Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/273717964_
Exercicio_aerobio_Aspectos_bioenergeticos_ajustes_fisiologicos_
fadiga_e_indices_de_desempenho>. Acesso em: 29 mar. 2019.

38
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

A)

B)

Figura 19 – Exemplos de modalidades esportivas em que há a predominância do sistema


aeróbio no fornecimento de energia para a contração muscular

Em relação à bioenergética e à integração metabólica tratadas anteriormente, vimos que a energia,


na forma de ATP, permite ao corpo humano e aos seus diversos órgãos e tecidos a manutenção de suas
funções. Sem ele, não haveria vida. No que diz respeito ao exercício físico, o ATP é indispensável para o
processo de contração muscular. Uma diminuição na sua produção acarreta na incapacidade de manter
a função contrátil e, portanto, na fadiga muscular.

Para suprir a demanda energética, o músculo esquelético se utiliza dos três principais sistemas
energéticos: o fosfagênio, o glicolítico e o oxidativo. Cada sistema possui características singulares
quanto ao local de ocorrência na célula muscular, à capacidade e à potência de produção energética.
Obviamente, isso refletirá na predominância de um determinado sistema de acordo com o exercício
físico realizado. Por fim, apesar de a contribuição de cada um desses sistemas estar bem caracterizada em
algumas modalidades esportivas, estudos futuros ainda serão necessários para investigar a contribuição
dos sistemas energéticos nas mais variadas modalidades esportivas.

39
Unidade I

Figura 20 – Ilustração da contribuição dos sistemas de fornecimento de


energia para a contração muscular durante o exercício físico

Quadro 1 – Principais características dos três sistemas de fornecimento de energia

Características Sistema anaeróbio alático Sistema anaeróbio lático Sistema aeróbio


Tipo de atividade Potência Velocidade Endurance
Duração do esforço a 20 segundos 30 a 120 segundos > 180 segundos
Corridas de 400 e 800 metros;
Evento esportivo Lançamentos; saltos; sprints nado 100 e 200 metros Maratona; triatlo; remo

Localização de enzimas Citosol Citosol Citosol e mitocôndrias


Citosol, sangue, fígado e
Localização de substrato Citosol Citosol tecido adiposo
Velocidade de ativação Imediato Rápido Lento, mas prolongado
do processo
Glicose e glicogênio muscular;
Substratos utilizados Fosfocreatina Glicose e glicogênio muscular glicogênio hepático; ácidos
graxos; aminoácidos
Presença de oxigênio Não Não Sim

3 MACRONUTRIENTES – CARBOIDRATOS

Conforme destacado neste livro‑texto, os micronutrientes se diferenciam dos macronutrientes pelo


fato de estes fornecerem calorias ao organismo e aqueles não. Além disso, nosso organismo necessita
de macronutrientes em grandes quantidades diárias, ao passo que nossas necessidades diárias de
micronutrientes são baixas.

Comecemos pelos carboidratos (CHO), também conhecidos como hidratos de carbono, glicídios,
sacarídeos ou açúcares. São as biomoléculas mais abundantes na natureza, constituídas principalmente
pelos átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio. Eles são subdivididos em monossacarídeos, como as
trioses (gliceraldeído, por exemplo), pentoses (a ribose, por exemplo) e hexoses (a glicose e a frutose,
por exemplo); dissacarídeos, como a sacarose, a maltose e a lactose; e em polissacarídeos, como a
celulose, o amido e o glicogênio (JENKINS et al., 1981). De forma a facilitar o processo de aprendizagem,

40
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

os monossacarídeos são os CHO em sua forma mais simples e não sofrem digestão, não sofrendo
qualquer hidrólise durante o seu percurso ao longo do trato gastrointestinal. Já os dissacarídeos e os
polissacarídeos são os CHO em sua forma mais complexa e, portanto, sua digestão se faz necessária, por
se tratarem de moléculas maiores.

Observação

As dietas low‑carb são aquelas em que a ingestão diária de carboidrato


está completamente zerada ou em baixíssimos níveis (geralmente menores
do que 50 gramas por dia).

Entre as diferentes funções dos CHO, dispostos na figura a seguir, constitui‑se a função estrutural; isto
é, o nutriente participa da estrutura de diferentes moléculas. A exemplo, podemos mencionar a molécula
de adenosina trifosfato (ATP), a moeda energética do nosso organismo. Em sua estrutura, o ATP possui
uma base nitrogenada, três grupamentos fosfato e uma ribose. Esta última é um CHO. Mas, sem sombra
de dúvidas, a principal função dos CHO é energética, ou seja, está relacionada ao fornecimento de energia
no organismo. De fato, a glicose é o principal substrato metabólico para a atividade normal do ser humano
ao longo do seu ciclo de vida. O corpo humano tem uma necessidade obrigatória de glicose, sobretudo
para satisfazer as necessidades metabólicas de tecidos como o cérebro, o coração e o músculo esquelético.
Assim, o consumo de CHO se torna uma importante estratégia para manter a boa funcionalidade destes
tecidos, ainda que, mais recentemente, estratégias alternativas como as chamadas dietas low‑carb (dietas
restritivas de CHO) venham ganhando espaço na literatura. Tal função energética dos CHO já foi destacada
neste livro‑texto e será revisada ao longo do material. Além disso, abordaremos aspectos específicos
referentes à digestão e absorção dos CHO, fatores que influenciam a mobilização de CHO durante o
exercício físico e como a suplementação com CHO pode beneficiar o desempenho físico‑esportivo.

Saiba mais

Para mais informações sobre os efeitos da dieta low‑carb no desempenho


físico, leia:

BURKE, L. M. et al. Low‑carbohydrate, high fat diet impairs exercise economy


and negates the performance benefit from intensified training in elite race
walkers. Journal of Physiology, v. 595, n. 9, p. 2785‑2807, May 2017.

WROBLE, K. A. et al. Low‑carbohydrate, ketogenic diet impairs


anaerobic exercise performance in exercise‑trained women and men: a
randomized‑sequence crossover trial. Journal of Sports Medicine and
Physical Fitness, Apr. 2018.

41
Unidade I

Para mais informações sobre os efeitos da dieta low‑carb na composição


corporal, leia:

BROUNS, F. Overweight and diabetes prevention: is a


low‑carbohydrate‑high‑fat diet recommendable? European Journal of
Nutrition, v. 57, n. 4, p. 1301‑1312, Jun. 2018.

HASHIMOTO, Y. et al. Impact of low‑carbohydrate diet on body


composition: meta‑analysis of randomized controlled studies. Obesity
Reviews, v. 17, n. 6, p. 499‑509, Jun. 2016.

são Substâncias
Carboidratos orgânicas

Classificação Funções

Monossacarídeos Polissacarídeos Estrutural Energética

Dissacarídeos

Figura 21 – Classificação e função dos carboidratos

3.1 Digestão e absorção dos carboidratos

Antes de contemplarmos a digestão dos CHO, é importante termos em mente a clara definição do
que é digestão e quais estruturas compõem o sistema digestivo. A digestão é o processo pelo qual o
alimento é reduzido a compostos mais simples, de modo que possam ser utilizados para o funcionamento
do organismo (PEREIRA, 2007). O sistema digestivo humano é constituído pela boca, faringe, esôfago,
estômago, intestino e ânus. É na boca que se inicia o processo de digestão dos alimentos, principalmente
a digestão química dos CHO (LUZ et al., 1997; PEREIRA, 2007). Nela, nossos dentes trituram o alimento
e, juntamente com a língua, envolvem os pedaços dos alimentos com a saliva, produzida e secretada
pelas glândulas salivares, as quais ficam anexas às glândulas parótidas, submaxilares e sublinguais (LUZ
et al., 1997). É possível destacar que a saliva possui uma enzima denominada amilase salivar, também
conhecida como ptialina, que prontamente inicia a digestão do amido e de outros polissacarídeos,
como o glicogênio, reduzindo‑os a moléculas menores como a maltose (HARGREAVES; BRIGGS, 1988).
Após a trituração, mastigação e salivação, forma‑se o bolo alimentar, que é deglutido e direcionado
para a faringe, que se contrai, levando o bolo alimentar para o esôfago. Os movimentos peristálticos
subsequentemente levam o bolo alimentar do esôfago para o estômago (HARGREAVES; BRIGGS, 1988;
LUZ et al., 1997). Uma vez que o bolo alimentar atinge o estômago, a amilase salivar perde a sua ação
devido ao pH ácido desse órgão.

42
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

No estômago, o bolo alimentar é armazenado e misturado com o suco gástrico, o qual é constituído
principalmente pelo ácido clorídrico, que mantém a acidez do pH estomacal. A liberação do suco
gástrico é controlada pelo hormônio gastrina (GUYTON; HALL, 2006). Essa acidez favorece a ação de
uma importante enzima do processo digestivo das proteínas, a pepsina, uma protease cuja forma inativa
é o pepsinogênio, mas que em ambiente ácido transforma‑se em pepsina. A pepsina quebra as ligações
químicas entre os aminoácidos de uma proteína, como poderemos estudar mais profundamente em
seguida. O fato é que, como resultado da digestão química do bolo alimentar, forma‑se o suco alimentar,
em que a digestão dos CHO continua parcialmente interrompida (GUYTON; HALL, 2006).

Figura 22 – Ilustração da digestão dos carboidratos no organismo humano

Após a saída do suco alimentar do estômago, ele se dirige ao intestino delgado, onde ocorre
a maior parte da digestão e absorção dos nutrientes (LUZ et al., 1997). Esse órgão divide‑se em:
duodeno, jejuno e íleo. A chegada do suco alimentar ao duodeno estimula a liberação dos hormônios
secretina e colecistocinina, os quais atuam na secreção do suco pancreático pelo pâncreas e da
bile pelo fígado, respectivamente (GUYTON; HALL, 2006; SHI et al., 1995). A bile, sintetizada pelo
fígado e armazenada na vesícula biliar, auxilia na emulsificação da gordura (lipídios), aspecto que
será melhor visto quando discutirmos as gorduras. Já o suco pancreático, que contém a amilase
pancreática, dá continuidade ao processo de digestão dos CHO, hidrolisando o amido, glicogênio e
outros polissacarídeos, formando dissacarídeos como a sacarose, maltose e lactose (SHI et al., 1995).

Por fim, o jejuno e o íleo contêm ainda enzimas como a maltase, a sacarase e a lactase, as quais
serão responsáveis pelas etapas finais da digestão dos CHO; a essa altura, dos dissacarídeos (FERRARIS;

43
Unidade I

DIAMOND, 1997). A maltase hidrolisa a maltose em duas moléculas de glicose. A sacarase hidrolisa
a sacarose em uma molécula de glicose e uma de frutose. E a lactase hidrolisa a lactose em uma
molécula de glicose e uma de galactose. É exatamente nessa região em que a maioria dos nutrientes é
absorvida pelos enterócitos e, subsequentemente, adentram a corrente sanguínea, suprindo as células
do organismo em que há demanda de nutrientes; nesse caso, do CHO. Ressalta‑se que a glicose utiliza
um transportador específico ao ser absorvida pelos enterócitos: o SGLT1, ou transportador sódio‑glicose
isoforma I (FERRARIS; DIAMOND, 1997). Já outros monossacarídeos, como a frutose, utilizam o GLUT5,
ou transportador de glicose isoforma 5 (HENRY; CRAPO; THORBURN, 1991). Esse mecanismo é de suma
importância para entender posteriormente uma estratégia nutricional que vem ganhando cada vez mais
espaço na literatura: a suplementação com CHO de transportadores múltiplos, isto é, suplementação de
glicose + frutose (CURRELL; JEUKENDRUP, 2008b). Esse ponto também será mais bem discutido adiante.

O restante, que não foi absorvido, como água e a massa contendo principalmente fibras, é direcionado
para o intestino grosso. No intestino grosso se encontram bactérias que habitam a flora intestinal e que
decompõem o alimento. O material que não foi digerido forma as fezes, que se acumulam no reto e são
eliminadas do corpo pelo ânus (GUYTON; HALL, 2006).
Lúmen Célula Sangue
SGLT1
GLUT2
Na+ Glicose
Glicose
Glicose

Na+ K+ Bomba Na+/k+


Frutose
Frutose
GLUT5
Frutose

GLUT2

Figura 23 – Ilustração do processo de absorção de glicose e frutose pelas células intestinais (enterócitos)

3.2 Captação dos carboidratos pelos tecidos periféricos (músculo esquelético)

Uma vez que os CHO são digeridos e absorvidos pelas células intestinais, eles entram na corrente
sanguínea e, como tal, num período pós‑prandial (ou seja, pós‑refeição), espera‑se um aumento da
glicemia (concentração sanguínea de glicose). Por outro lado, durante longos períodos de jejum, são
esperados valores reduzidos de glicose sanguínea, dada a ausência de aporte dietético desse nutriente.
Se a concentração de glicose no sangue se situar abaixo de 40 mg/dL (2.2 mol/L – em uma situação
chamada hipoglicemia), pode ocorrer coma, convulsões ou até mesmo morte (LUDWIG, 2002). Por outro
lado, níveis que excedam os 180 mg/dL (10 mmol/L – correspondendo a hiperglicemia) também estão
associados a complicações a curto e a longo prazo, como sede excessiva, dores de cabeça e convulsões
(LUDWIG, 2002). Com isso, a glicemia deve ser finamente regulada, e os principais hormônios responsáveis
por sua regulação são a insulina e o glucagon.
44
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

A secreção de insulina é estimulada por substratos energéticos metabolizáveis pela célula


β‑pancreática, sendo a glicose o secretagogo mais importante. Assim, uma maior secreção de insulina
pelas células β‑pancreáticas é aguardada no período pós‑prandial. A principal função da insulina
é facilitar a entrada da glicose nas células dos tecidos periféricos, tais como o tecido hepático e o
muscular (TREMBLAY; DUBOIS; MARETTE, 2003). No que diz respeito ao tecido muscular, uma vez
que a insulina se liga ao seu receptor específico, é iniciada a ativação de inúmeros sinalizadores
intracelulares, como na figura seguinte. Esses sinalizadores, mediante a sua função, sinalizam para
que uma importante proteína reguladora da glicose sanguínea, inicialmente localizada no interior da
célula, seja transportada do interior da célula para a membrana plasmática (PEREIRA; LANCHA JR.,
2004). A essa proteína se atribui o nome de GLUT (transportador de glicose), sendo o mais importante
GLUT dessa família, no tecido muscular, o GLUT4.

Uma vez posicionado na membrana plasmática, o GLUT4 será responsável por captar a glicose
sanguínea e transportá‑la para dentro do músculo esquelético (TREMBLAY; DUBOIS; MARETTE, 2003).
Após sua entrada nos tecidos periféricos, a glicose pode ser prontamente utilizada para a produção de
energia (caso haja demanda). Contudo, em uma situação pós‑prandial, o mais provável é que ela seja
estocada na forma de glicogênio, por um processo chamado glicogênese. Tal processo é caracterizado
pela conversão da molécula de glicose em glicose‑6‑fosfato, e da ação da enzima glicogênio‑sintase,
a qual transfere as moléculas de glicose‑6‑fosfato para as extremidades do glicogênio. Uma vez
formado, o glicogênio pode ficar estocado até que haja necessidade (como, por exemplo, durante o
exercício físico).

Insulina Glicose

GLUT4
Receptores
de insulina Ativo Extr
ace
lula
r
Intr
Inativo ace
lula
r
Ativação de
sinalizadores

Estocagem ou
utilização da glicose

Figura 24 – Ilustração do processo de captação de glicose do meio extracelular para o meio intracelular
pelo transportador de glicose isoforma 4 (GLUT4), a qual ocorrerá após a ligação da insulina ao seu receptor específico

A custo de curiosidade, esse mecanismo aparece problemático no diabetes mellitus do tipo II, o qual
é caracterizado pela resistência à insulina. A resistência dos receptores de insulina a esse hormônio
dificultam a transportação adequada do GLUT4 à membrana plasmática e, com isso, a glicose não é
captada pelos tecidos. Tal fato culmina na chamada hiperglicemia. Por outro lado, o exercício físico
vem sendo preconizado como a estratégia não farmacológica prioritária no tratamento do diabetes do
tipo II, já que o estímulo mecânico da contração muscular por si só favorece o transporte do GLUT4
45
Unidade I

à membrana plasmática, sem qualquer influência da insulina (HOLLOSZY; CONSTABLE; YOUNG, 1986).
De fato, estudos mostram que esse transporte do GLUT4 para a membrana plasmática por meio de
uma sessão aguda de exercício físico pode perdurar por até 48 horas pós‑sessão, fato que tem levado
diferentes órgãos internacionais a recomendar a inclusão do exercício físico na rotina do paciente
diabético por pelo menos três dias por semana (PEREIRA; LANCHA JR., 2004).

Graças aos resultados provenientes de certos estudos conduzidos em modelos animais, como o de Holloszy,
Constable e Young (1986), foi possível o estabelecimento de técnicas específicas para o estudo do comportamento
celular em humanos. Nesse caso, somente após os resultados positivos do exercício físico sobre o transporte do
GLUT4, obtidos nos modelos animais, que se permitiu o estudo desse fenômeno em humanos. E, posteriormente,
o estabelecimento de recomendações de exercício físico para populações necessitadas de um melhor controle
glicêmico, como os diabéticos.

Glicogênio
Tecido muscular sintetase
Via G6P Glicogênio
oxidativa
Hexoquinase Glicogênese
Energia Glicose

GLUT4

ia
Glicem
Insulina

Figura 25 – Ilustração da glicogênese a partir da captação de glicose da corrente sanguínea

3.3 Importância do carboidrato para o exercício físico

Ainda que a bioenergética e a integração metabólica já tenham sido discutidas, vale relembrar que,
tanto a glicólise anaeróbia da glicose até o lactato, quanto a glicólise aeróbia para acetil‑coA, para sua
entrada no ciclo de Krebs, constituem duas das três vias importantes para a manutenção de ATP e, por
consequência, para a manutenção da contração muscular. Dado que a glicose, advinda do glicogênio
muscular, é o substrato utilizado nessas vias metabólicas, faz sentido que exercícios físicos em que haja
predominância dessas vias sejam prejudicados pela ausência desse substrato, como, por exemplo, por
meio de dietas restritivas (como as famosas dietas low‑carb).

De fato, a importância do carboidrato para o exercício físico é de longa data. Relatos seminais
dessa importância datam do início do século passado, em que Krogh e Lindhard (1920) trouxeram
relatos dos participantes de seu estudo a respeito de uma facilidade superior para completar
um proposto exercício de longa duração em um cicloergômetro quando realizaram uma dieta

46
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

rica em carboidratos, se comparada à dieta pobre em carboidratos. Relatos subsequentes a


esse provêm do grupo do doutor Samuel Levine (LEVINE; GORDON; DERICK, 1924), em que os
autores mencionam ter estudado um grupo de maratonistas, os quais competiram na famosa
maratona de Boston em 1923 e, durante a competição, estiveram submetidos a uma situação
de hipoglicemia que dificultou a finalização da prova. Contudo, na maratona do ano seguinte,
foi fornecida uma refeição rica em carboidratos antes da prova, o que evitou a hipoglicemia e
possibilitou aos atletas finalizarem a prova com bons índices de competição.

Seguindo a linha do tempo, um famoso grupo sueco, composto pelos pesquisadores Jonas
Bergstrom e Eric Hultman, apresentou evidências ainda mais sólidas da importância do carboidrato
para o exercício físico. Em seu estudo (BERGSTROM; HULTMAN, 1967), os participantes foram
submetidos a três diferentes dietas: uma dieta rica, uma dieta moderada e uma dieta pobre em
carboidratos. Quando do término das dietas, os participantes foram submetidos ao procedimento
de biópsia muscular e a testes físicos até a exaustão, para a análise do conteúdo de glicogênio
muscular e capacidade física em resposta às diferentes dietas. Os autores demonstraram que a
dieta pobre em carboidratos foi a que gerou os piores efeitos sobre a tolerância ao esforço, e que
tal fato estava correlacionado ao baixo conteúdo de glicogênio muscular promovido pela dieta.
Ao contrário, a dieta rica em carboidrato foi a que promoveu os maiores aumentos do glicogênio
muscular e, com isso, os maiores tempos de exercício até a exaustão.
6.0
Glicogênio muscular (g/100)

5.0

4.0

3.0

2.0

1.0

0
50 100 150 200 250 300
Tempo de exaustão (min)

Figura 26 – Relação entre a tolerância ao esforço e a concentração inicial de glicogênio muscular


fornecida por dietas com diferentes conteúdos de carboidrato. Os quadrados são os participantes
submetidos à dieta pobre em carboidrato; os triângulos são os participantes submetidos
à dieta moderada; os círculos fazem referência aos participantes submetidos à dieta rica

Mesmo que as evidências referidas anteriormente datem do século passado, a importância do


carboidrato para o exercício físico ainda é amplamente reconhecida. Como já mencionado, a glicose,
advinda do glicogênio muscular, é substrato imprescindível para a manutenção da contração muscular,
principalmente conforme a duração do exercício se prolonga. Essa molécula se degrada a lactato por vias
anaeróbias, e o acetil‑CoA, por vias aeróbias. Em ambos os casos, faz sentido que conforme a duração
dos esforços se prolongue, o glicogênio muscular seja degradado em uma magnitude ainda maior, de
forma a continuar fornecendo glicose para a manutenção da produção de ATP. Com isso, tem‑se que a

47
Unidade I

duração do esforço físico é um importante fator, influenciando a mobilização de glicogênio muscular, em


que esforços com durações maiores do que 60 minutos podem induzir grandes depleções do substrato.
100

80
Gollnick et. al. 1974
Concentração Hermansen et. al. 1967
de glicogênio 60
(mmol/kg/min)
40

20

0
0 20 40 60 80
Duração (min)

Figura 27 – Influência da duração do exercício físico sobre a concentração de glicogênio muscular

Além disso, a intensidade do exercício físico sendo realizado é um outro fator importante na
mobilização de glicogênio muscular para o fornecimento de glicose e, subsequentemente, para
a produção de energia. Nesse sentido, estudos como o de Romijn et al. (1993) já se dedicaram a
caracterizar a mobilização de substratos energéticos para a produção de energia sob diferentes
intensidades de exercício (25, 65 e 85% VO2máx), e foi verificado que, quanto maior a intensidade de
esforço, maior a mobilização de glicogênio para a produção de energia, comparado a outros substratos
como os triglicerídeos e ácidos graxos plasmáticos provenientes do tecido adiposo. Dado que esforços de
alta intensidade são comuns para atletas na maioria dos eventos esportivos, mesmo os de longa duração
como a maratona (HAGAN; SMITH; GETTMAN, 1981), faz sentido que o glicogênio muscular seja o principal
substrato utilizado pelo músculo esquelético para manter a produção de energia durante tais eventos.
300 Glicogênio muscular
Triglicerídeos plasmáticos
Ácidos graxos plasmáticos
Glicose plasmática
Gasto calórico (cal/kg/min)

200

100

0
25 65 85
% do VO2 máx

Figura 28 – Influência da intensidade do exercício físico sobre a mobilização de glicogênio muscular

48
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Com isso, tem‑se que os níveis de glicogênio muscular podem ficar ainda mais críticos durante os
exercícios que mesclam intensidades elevadas com esforços prolongados, como é o caso do ciclismo de
estrada, a maratona e o triatlo, em que a mobilização e, por consequência, a depleção de glicogênio
muscular pode ser ainda mais exacerbada. Conforme as concentrações de glicogênio muscular chegam a
limites inferiores, o músculo esquelético deve utilizar outros substratos para a manutenção da produção
de energia. Um destes substratos é a glicose sanguínea, que pode ser captada pelo músculo esquelético
para gerar energia. Contudo, o recrutamento aumentado desse substrato pode induzir a já mencionada
hipoglicemia, a qual possui inúmeros efeitos colaterais sobre o organismo. O fígado, por sua vez,
possui papel importante na regulação da glicose sanguínea e, ao detectar níveis diminuídos de glicose
plasmática, os estoques de glicogênio hepático passam a ser degradados, de forma a disponibilizar
glicose para a corrente sanguínea e a manter a glicemia. Ainda assim, caso o exercício físico seja mantido
sob as mesmas condições, a hipoglicemia pode se instaurar, e o desempenho físico e as condições de
saúde do praticante se deterioram.

Assim, conclui‑se que exercícios de intensidade elevada com durações prolongadas (> 60 minutos)
são os exercícios que induzirão maior mobilização de glicogênio muscular e que, portanto, possuem
maior probabilidade de gerar depleções desse substrato energético no músculo esquelético, bem
como a condição de hipoglicemia. Em virtude disso, de modo a contra‑atacar esses mecanismos, a
suplementação de carboidratos passa a ser uma interessante estratégia a ser empregada em exercícios
de alta intensidade e duração prolongada, com o propósito de otimizar o desempenho físico.

Saiba mais

Para melhor compreender o metabolismo do glicogênio muscular


durante o exercício físico, leia:

HEARRIS, M. A. et al. Regulation of muscle glycogen metabolism during


exercise: implications for endurance performance and training adaptations.
Nutrients, v. 10, n. 3, p. 298, Mar. 2018. Disponível em: <https://www.ncbi.
nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5872716/>. Acesso em: 29 mar. 2019.

3.4 Suplementação de carboidratos – mecanismos de ação

Como já destacado, existem alguns mecanismos pelos quais a suplementação de carboidratos


poderia favorecer o desempenho físico, principalmente em esforços de alta intensidade e longa duração.
Estes incluem a manutenção dos níveis plasmáticos de glicose e de elevados níveis de oxidação de
carboidratos, poupando os estoques endógenos de glicogênio.

Coyle et al. (1986) encontraram que a suplementação de carboidratos durante o exercício, a 70%
do VO2max, preveniu a queda da glicose no sangue, o que já não chegou a acontecer quando a solução
placebo (água) foi ingerida. Nos testes com placebo, a concentração de glicose começou a cair após
1 hora de exercício, atingindo concentrações extremamente baixas (2,5 mM/L) no momento da
exaustão, após 3 horas de exercício. Com a suplementação de carboidratos, a euglicemia foi mantida e
os sujeitos continuaram por 4 horas sob a mesma intensidade. As mensuradas taxas totais de oxidação
de carboidrato durante o exercício físico seguiram um padrão semelhante: houve uma queda na
49
Unidade I

oxidação de carboidratos após 1,5 horas de exercício com placebo, enquanto altas taxas de oxidação de
carboidratos foram mantidas com a suplementação.

Em um estudo subsequente (JEUKENDRUP et al., 1999), os participantes se exercitaram até a exaustão


a 73% do VO2máx (~170 min.) em três ocasiões separadas, por uma semana. Durante esses testes, a
glicemia diminuiu de 5,0 para 3,1 mM/L. Depois de descansar por 20 minutos, os indivíduos tentaram
iniciar uma segunda série de exercício após a ingestão de placebo; após a ingestão de polímeros de
glicose (3 g/kg); ou quando glicose foi infundida por via intravenosa para manter as concentrações
plasmáticas de glicose em 11 mM/L. Curiosamente, o tempo para a fadiga durante essa segunda série de
exercício foi significantemente maior com a ingestão de carboidratos (26 min.) ou com sua infusão (43 min.)
do que com o placebo (10 min.). Esses estudos apoiam a ideia de que a glicose plasmática é um
importante substrato energético durante o exercício prolongado.

Debates constantes têm sido realizados visando concluir se a suplementação com carboidratos
durante o exercício possui efeito sobre a quebra de glicogênio muscular. Um estudo anterior realizado
por Bergstrom e Hultman (1967) mostrou uma redução de 25% na quebra de glicogênio muscular
durante o ciclismo unilateral exaustivo quando uma solução de glicose foi infundida por via intravenosa
para atingir valores hiperglicêmicos de 21 mM/L. No entanto, essas altas concentrações de glicose
no plasma não são fisiológicas e, portanto, impossíveis de se atingir durante o exercício, mesmo com
a suplementação de carboidrato. Com a suplementação durante o ciclismo, as concentrações de
glicose no plasma são geralmente elevados por volta de 0,5 a 1,0 mm/L, enquanto as concentrações
plasmáticas de insulina são similares à ingestão de água (COYLE et al., 1986).

Alguns estudos têm demonstrado que a ingestão de carboidrato não resulta em uma redução da
quebra de glicogênio muscular (COYLE et al., 1986). Outros, no entanto, sugerem fortemente uma
redução da quebra de glicogênio muscular com a suplementação de carboidratos durante o ciclismo
(ERICKSON; SCHWARZKOPF; MCKENZIE, 1987). Estudos mais recentes corroboram com esse efeito
poupador do carboidrato, em que se observa redução na quebra de glicogênio com a suplementação
de carboidratos e redução na depleção desse substrato nas fibras musculares do tipo I, que coincide
com um adiamento no ponto de exaustão (TSINTZAS et al., 1996a).

Por fim, tem sido demonstrado que a suplementação de carboidratos durante o exercício pode
poupar os estoques hepáticos de glicogênio (KUIPERS et al., 1986 HOWLETT et al., 1998). A produção
de glicose hepática é precisamente regulada, garantindo uma produção relativamente constante de glicose
na presença ou ausência da suplementação de carboidratos. Alguns estudos relataram que, com
altas taxas de consumo de carboidrato, a produção de glicose no fígado retorna aos níveis basais
(HOWLETT et al., 1998), enquanto outros observaram bloqueio completo da liberação hepática
de glicose quando ocorre a suplementação com carboidratos (KUIPERS et al., 1986;). Esse efeito
poupador sobre o glicogênio hepático sugere que ainda há carboidrato no fígado ao final do exercício,
o qual poderia ser benéfico se, por qualquer motivo, a suplementação com carboidratos não puder
fornecer carboidrato suficiente para manter os altos índices de oxidação total de carboidrato e/ou as
concentrações plasmáticas de glicose.

50
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

3.5 Suplementação de carboidratos – efeitos sobre o desempenho aeróbio

Os efeitos da suplementação de carboidratos sobre atividades aeróbias de intensidade elevada e


longa duração já foram amplamente estudados na literatura. Em um trabalho da década de 1990, por
exemplo, Tsintzas et al. (1996b) submeteram corredores treinados a um teste até a exaustão (a 70%
VO2máx) em esteira, sendo que em um dia de teste foi ingerida uma solução 5.5% de glicose 1 hora
antes do teste físico, enquanto no outro dia os participantes ingeriram água. Os autores observaram
um aumento de 13.59% no tempo até a exaustão quando os corredores ingeriram a solução
contendo carboidratos (~125 min) quando comparado à ingestão de água (~110 min), reforçando o
efeito ergogênico da suplementação de carboidratos em tarefas intensas e prolongadas. No entanto,
sabe‑se que testes até a exaustão não simulam um evento esportivo real, tampouco possuem boa
reprodutibilidade, já que o coeficiente de variação desses testes pode chegar a 10%. Mesmo assim,
a literatura tem demonstrado consistentemente que tarefas com essas características podem ser
beneficiadas pelos carboidratos. Em uma recente metanálise, Temesi et al. (2011) demonstraram que a
suplementação de carboidratos possui um efeito positivo médio de 15.1% sobre o desempenho físico
em testes até a exaustão.

Lembrete

O coeficiente de variação de um teste é um índice que está relacionado à


sua reprodutibilidade, isto é, à consistência das medidas resultantes do teste.

O desempenho esporte‑específico também pode ser beneficiado pela suplementação de


carboidratos. Nesse sentido, Tsintzas et al. (1995) submeteram maratonistas treinados a uma
simulação de maratona (42.2 km), sendo que em um dia de teste os participantes ingeriram apenas
água antes e durante a corrida, enquanto no outro dia foi permitido que os participantes ingerissem
uma solução 5.5% de carboidratos 1 hora antes e a cada 5 km da tarefa. Foi observada uma melhora
de 2% no tempo para completar a prova com a solução de carboidratos quando comparada à água.
Estudos comparando a influência do timing (antes do exercício versus durante o exercício versus
antes e durante o exercício) de ingestão dos carboidratos sobre o desempenho aeróbio também já
foram publicados.

No estudo de Febbraio et al. (2000), por exemplo, quando ciclistas treinados foram solicitados
a completar a distância de 30 km no menor tempo possível após terem pedalado por 2 horas a
70% VO2máx, os maiores benefícios sobre o desempenho foram observados quando o carboidrato foi
ingerido antes (30 minutos antes) e durante a tarefa (a cada 15 minutos), se comparado à ingestão
apenas antes ou apenas durante. A mesma metanálise anteriormente mencionada (TEMESI et al.,
2011) também investigou os efeitos da suplementação de carboidratos sobre o desempenho em testes
contrarrelógio, e foi demonstrado que a suplementação de carboidratos possui um efeito positivo
médio de 2% sobre o desempenho físico nesse tipo de teste. A despeito do baixo efeito detectado,
devemos ressaltar que, sob um contexto esportivo, 2% de alteração em um resultado de prova pode
influenciar em relevantes diferenças nos índices da competição.

51
Unidade I

3.6 Suplementação de carboidratos – efeitos sobre o desempenho de força

A literatura científica sugere que atividades de caráter intermitente, devido à sua natureza
anaeróbia, em que a glicose é um importante substrato para a produção de energia, também
podem estimular efeitos significativamente glicolíticos (SPRIET et al., 1989), ou seja, promovendo
expressiva depleção do glicogênio muscular. Devido ao fato de o treinamento de força ser de
natureza intermitente, efeitos similares sobre as concentrações musculares de glicogênio poderiam
ser esperados. Apoiando tal hipótese, alguns estudos têm demonstrado que repetidas séries
durante uma sessão de treino de força podem diminuir consideravelmente os estoques musculares
de glicogênio (ESSÉN‑GUSTAVSSON; TESCH, 1990; ROBERGS et al., 1991). Com isso, essas
investigações sugerem que o conteúdo de glicogênio muscular pode ser uma importante fonte de
combustível durante o treino de força, principalmente conforme os estoques de fosforilcreatina
sofrem depleção. De fato, reduções na concentração intramuscular de glicogênio têm resultado
em uma acentuada fraqueza muscular induzida pelo exercício (YASPELKIS et al., 1993) e reduzida
produção de força isocinética e isométrica (JACOBS; KAISER; TESCH, 1981). Assim, teoricamente,
a inserção de um regime de suplementação de carboidratos poderia estimular um aumento da
ressíntese de glicogênio muscular e prevenir decréscimos no desempenho de força (PASCOE et al.,
1993). Tal fato poderia permitir aos atletas de força ou aos atletas que fazem uso do treino de força
em suas rotinas de exercício a praticarem sob maiores intensidades ou a realizar um maior volume
de treino, potencialmente melhorando, dessa forma, as adaptações morfofisiológicas associadas
ao treino de força.

Contudo, os estudos investigando os efeitos ergogênicos da suplementação de carboidratos


sobre o desempenho de força são limitados e podem ser observados na tabela seguinte, sendo os
únicos que realizaram uma tentativa de explorar a relação entre a suplementação de carboidratos
e o desempenho de força. Os poucos dados disponíveis parecem sugerir que a suplementação de
carboidratos fornece alguns benefícios para atletas engajados em protocolos de treino de força
de alto volume (HAFF et al., 1999; HAFF et al., 2001), similares àqueles tipicamente utilizados por
bodybuilders durante a fase de hipertrofia de um programa de treino periodizado. Entretanto,
a maioria dos trabalhos não apresentou qualquer alteração no desempenho de força com a
suplementação de carboidratos sob protocolos de exercício tradicionalmente utilizados (DALTON
et al., 1999; HAFF et al., 2000; HATFIELD et al., 2006; FAYH et al., 2007; KULIK et al., 2008).
Mais estudos são necessários para estabelecer um melhor entendimento sobre essa relação, bem
como para elucidar os efeitos dessa estratégia sobre diferentes protocolos de treino de força
(por exemplo, grupamentos pequenos, grupamentos grandes, exercício isocinético, exercício
isométrico, entre outros).

52
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Quadro 2 – Estudos investigando os efeitos da suplementação de


carboidratos sobre o desempenho de força

Tamanho e perfil
Autor Protocolo de suplementação Teste físico Resultado
amostral
De manhã: aquecimento com duas
Alimentação padronizada nas séries de agachamento a 40 e 50%
24 h anteriores ao teste físico/ de 1‑RM e 3 minutos de descanso
suplementação de 0,3 g de CHO. entre as séries.
kg‑1 antes do início do treino ↑ volume do exercício
De tarde: duas séries de
Haff Seis homens da manhã + a cada 15 minutos agachamento com dez repetições a de força na sessão
et al., saudáveis e bem após o teste até a sessão de 15% e 40% de 1‑RM com 3 minutos da tarde com a
1999 treinados em força treino da tarde. suplementação de
de descanso + 1 repetição a cada
Após o início do treino da CHO
6 segundos de dez repetições de
tarde, a mesma dosagem foi agachamento realizados a 55%
empregada após cada série de 1‑RM, com um descanso de 3
completada até a exaustão minutos, até exaustão
Alimentação balanceada nos 12 dias de teste: quatro exercícios
primeiros sete dias e restrição em 10‑RM: agachamento, supino,
22 homens calórica no restante do teste ↔ volume do
Dalton saudáveis e (Ensure®) + Suplementação de leg press e extensão de perna com exercício de força
et al., recreacionalmente carboidrato (Gatorade® – 1 g descanso de 2 minutos. Os primeiros com a suplementação
1999 sete dias para familiarização com o
treinados em força de CHO/kg de peso) 30 minutos de CHO
programa, os testes foram feitos nos
antes da terceira série de dias 5, 7 e 11
exercícios (T3 – dia 11)
↑ glicogênio muscular
Três séries de dez repetições do
Alimentação padronizada nas 72 com suplementação
movimento extensão de joelho em
Oito homens h anteriores ao teste físico. de CHO
Haff saudáveis e 1 g de CHO.kg‑1 antes do dinamômetro isocinético, seguido
et al., recreacionalmente exercício + 0,5 g de CHO.kg‑1 de três séries de dez repetições de ↔ torque pico
2000 agachamento e, por fim, mais três
treinados em força a cada 10 minutos durante o e médio com a
séries de dez repetições de extensão
treino de força suplementação de
de joelho CHO
Alimentação padronizada nas 16 séries de dez repetições do
Oito homens 72 h anteriores a cada teste. ↑ trabalho total e
Haff saudáveis e Suplementação de 1,0 g de movimento de extensão/flexão de potência média com
et al. recreacionalmente CHO.kg‑1 antes do exercício joelho em dinamômetro isocinético a a suplementação de
2001 120º.s‑1, com 3 minutos de descanso
treinados em força + 0,5 g de CHO.kg‑1 após o CHO
entre as séries
exercício
Alimentação padronizada nas
96 h anteriores a cada teste.
Oito homens Quatro séries de 12 repetições de ↔ potência do
Hatfield saudáveis e Comparação de uma dieta de agachamento a 30% do 1‑RM, exercício de força
et al., recreacionalmente alto conteúdo de CHO (6,5 g de com 2 minutos de descanso entre com a suplementação
2006 CHO.kg‑1) versus de moderado
treinados em força as séries de CHO
conteúdo de CHO (4,4 g de
CHO.kg‑1)
Três séries a 70% do 1‑RM separadas
Oito homens Alimentação padronizada nas ↔ volume do
Fayh saudáveis e 2 h antes do teste. 1.0 g de por 1 minuto de intervalo passivo, de exercício de força
et al., recreacionalmente CHO.kg‑1 15 minutos antes do exercícios supino livre, puxada frente, com a suplementação
2007 desenvolvimento, rosca direta, rosca
treinados em força teste de CHO
testa, leg press 45° e agachamento
Alimentação padronizada nas ↔ volume do
Kulik Oito homens 72 h anteriores a cada teste. Séries de agachamento a 85% de exercício de força
et al., saudáveis e bem Suplementação de 0.3 g de CHO. 1‑RM até exaustão com a suplementação
2008 treinados em força kg‑1 antes do exercício e após de CHO
cada série realizada

Nota: ↑ = melhora; ↔ = sem alteração.

53
Unidade I

3.7 Suplementação de carboidratos – efeitos centrais

Conforme destacado anteriormente, os efeitos ergogênicos da suplementação de CHO já estão


bem demonstrados em tarefas mais intensas e com duração superior a 60 minutos. No entanto, ainda
assim, alguns estudos já observaram efeitos positivos dessa estratégia em exercícios com duração
relativamente curta, com menos de 60 minutos (NEUFER et al., 1987; BALL et al., 1995; CARTER et
al., 2003). Curiosamente, durante esse tipo de atividade, os estoques endógenos de glicogênio não
são um fator limitante para o desempenho. Além disso, estima‑se que a quantidade de carboidrato
exógeno oxidado em tal exercício seja por volta de 15 g, um valor teoricamente considerado baixo para
fornecer energia adicional e resultar em quaisquer efeitos ergogênicos (CARTER et al., 2004). Além disso,
a hipoglicemia parece não ser um fator limitante para tarefas com essa duração. Dessa forma, a hipótese
da ação ergogênica do carboidrato via sistema nervoso central (SNC), mediada pela sensibilidade de
receptores bucais e/ou gastrointestinais à glicose, tornou‑se forte alvo de investigação.

Carter, Jeukendrup e Jones (2004) foram os primeiros a investigar a hipótese da ação central do
carboidrato em exercícios de alta intensidade. Os autores relataram uma redução de 2.9% no tempo total
de um exercício de alta intensidade (75% Wmáx – potência máxima atingida por uma pessoa em teste de
intensidade progressiva até a exaustão) e de duração aproximada de 1 hora, quando os atletas de seu
estudo foram submetidos a um bochecho com carboidrato (sem ingestão) em relação a um bochecho
com placebo. Esses achados fortaleceram a hipótese de um possível efeito central do carboidrato sobre
o desempenho físico, e que esse efeito poderia ser mediado pela ativação de receptores orofaríngeos
sensíveis à glicose ligados ao cérebro.

Visando entender melhor o mecanismo pelo qual o bochecho com carboidratos supostamente
exerceria sua ação ergogênica, Chambers, Bridge e Jones (2009) conduziram uma primeira série
de experimentos avaliando o efeito do bochecho com carboidratos (solução contendo glicose e/
ou maltodextrina) sobre o desempenho aeróbio. Além disso, numa segunda série de experimentos,
os autores investigaram – através do uso de ressonância magnética funcional – quais áreas
cerebrais seriam ativadas por tal estratégia. Os resultados indicaram que os tratamentos com as
soluções 6.4% de glicose e maltodextrina produziram melhoras similares de 2‑3% no tempo total
para completar o exercício proposto, e em potência média, quando comparados ao bochecho
com placebo. As avaliações de ressonância magnética indicaram que o bochecho com ambas as
soluções contendo carboidrato ativou regiões como a ínsula, corpo estriado e córtex cingulado
anterior, vias supraespinhais cerebrais relacionadas às sensações de motivação, recompensa e
controle motor. Esses resultados demonstraram, pela primeira vez, que o carboidrato de fato
exerce um efeito central, cujo papel sobre o desempenho aeróbio é relevante. Entretanto,
os resultados até agora produzidos parecem não apoiar a eficácia desse mecanismo sobre a
capacidade de produção de força (PAINELLI et al., 2011).

3.8 Suplementação de carboidratos – recomendações

A Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte (SBME) tem uma recomendação sobre carboidratos
na dieta: a ingestão diária deve ocorrer entre 6 e 10 gramas de carboidratos por quilo de peso corporal
para atletas, isto é, indivíduos que utilizam glicogênio muscular constantemente em suas práticas de
54
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

treino e competição. Para esse perfil de indivíduos, os carboidratos devem compor entre 60 e 75% do
consumo calórico diário. Para indivíduos fisicamente ativos, a recomendação de ingestão cai para 3 a
5 gramas de carboidratos por quilo de peso corporal, sendo 50 e 60% do consumo calórico diário na
forma de carboidratos.

Antes de um evento esportivo intenso e prolongado, a SBME recomenda que de 3 a 4 horas antes
da atividade seja realizada a ingestão de 4 a 5 gramas de carboidratos por quilo de peso corporal, com
alimentos na forma sólida. A ingestão de alimentos com baixo índice glicêmico é preferível para evitar
respostas acentuadas da insulina (SPARKS; SELIG; FEBBRAIO, 1998). Além disso, esse suplemento deve ser
pobre em gorduras e fibras, de modo a facilitar o esvaziamento gástrico e evitar um possível desconforto
gastrointestinal durante a prova. Conforme o tempo para a competição se aproxima, especificamente
1 hora antes da competição, recomenda‑se a ingestão de 1 a 2 gramas de carboidratos por quilo de
peso corporal na forma líquida (ou seja, repositores energéticos). Após o exercício intenso e prolongado,
recomenda‑se a ingestão de carboidratos simples entre 0.7 e 1.5 gramas por quilo de peso corporal no
período de quatro horas, o que parece ser suficiente para a ressíntese plena de glicogênio muscular.

Já a ingestão de carboidratos durante o exercício está associada à manutenção dos níveis sanguíneos
de glicose e à maior provisão de substrato para ser utilizado durante o exercício. Frequentemente, os
carboidratos consumidos fazem parte da composição de bebidas especialmente desenvolvidas para atletas.
A SBME recomenda a reposição de carboidratos para atividades intensas com duração maior do que 1 hora
e, que para manter a glicemia e retardar a fadiga, são necessários 30 a 60 gramas de carboidrato a cada
1 hora de exercício, em uma solução com concentração de 4 a 8% glicose, fornecida a cada 15 minutos.

Autores sugerem que a quantidade máxima de glicose a ser ofertada por hora de exercício é de
60 gramas. Como pode ser visto na digestão e absorção intestinal dos carboidratos, é provável que a
oxidação desse carboidrato exógeno seja limitada a aproximadamente 60 g/h, pois a taxa de absorção
intestinal de glicose é limitada a 1 g por minuto. Sugere‑se que, na ingestão de altas taxas de glicose,
as proteínas transportadoras específicas (SGLT1) que absorvem a glicose no intestino fiquem saturadas.
Com os transportadores saturados, o aumento da ingestão daquele carboidrato não promoverá aumento
da absorção intestinal e nem das taxas de oxidação durante o exercício, favorecendo o acúmulo do
excesso no intestino. A solução que se tem encontrado como alternativa a essa limitação dá espaço à
cossuplementação de glicose e frutose, em uma estratégia denominada suplementação com carboidratos
de transportadores múltiplos. Como se sabe, a frutose utiliza um transportador intestinal diferente da
glicose (o GLUT 5). Assim, o oferecimento desse outro carboidrato, por não utilizar o mesmo transportador
da glicose, favoreceria uma maior taxa de oxidação de carboidratos durante o exercício físico e, com isso,
um melhor desempenho. E é exatamente isso que estudos recentes têm demonstrado.

Currell e Jeukendrup (2008a) submeteram ciclistas treinados a um teste contrarrelógio de 40 km após


terem pedalado por 2 horas a 55% Wmáx. Em um dia foi fornecida placebo aos participantes antes e durante
a tarefa, enquanto em outro dia foi fornecido glicose, e em um outro dia foram fornecidas glicose +
frutose. No teste em que a glicose foi fornecida de maneira isolada, o carboidrato foi ingerido a uma
taxa de 1.8 g/min, propositalmente em uma taxa acima da capacidade de absorção intestinal do SGLT1,
enquanto no teste glicose + frutose a glicose foi fornecida a 1.2 g/min e a frutose a 0.6 g/min. Os resultados
são bastante claros e mostram que a lógica dos autores estava correta. Enquanto a suplementação
55
Unidade I

de glicose isoladamente promoveu um aumento de aproximadamente 9% na potência média, se


comparada à ingestão de placebo, a cossuplementação de glicose + frutose promoveu um aumento de
aproximadamente 11% na potência média, quando comparada ao placebo, e de aproximadamente 8%
se comparada à suplementação isolada de glicose. Com isso, o posicionamento do Colégio Americano de
Medicina Esportiva (THOMAS; ERDMAN; BURKE, 2016) recomenda essa combinação de glicose + frutose
para atividades acima de 2,5 a 3 horas (eventos ultra‑endurance).
Potência (W)
a, b
290
a
280
270
260
250
240
230
220
210
200
P G G+F

Figura 29 – Efeitos da combinação de glicose e frutose (G + F) comparada à glicose


(G) isolada e ao placebo (P) sobre a potência média durante um teste contrarrelógio
de 40 km no ciclismo. a se refere à diferença estatisticamente significante de
P; b se refere à diferença estatisticamente significante de G

Saiba mais

Para uma compreensão aprofundada a respeito da temática de


carboidratos, a sua importância e uso durante o exercício físico, leia:

DA SILVA, A. L.; MIRANDA, G. F.; LIBERALI, R. A influência dos carboidratos


antes, durante e após os treinos de alta intensidade. Revista Brasileira
de Nutrição Esportiva, v. 2, n. 10, p. 211‑224, jul.‑ago. 2008. Disponível
em: <http://www.rbne.com.br/index.php/rbne/article/view/67/66>. Acesso em:
29 mar. 2019.

4 MACRONUTRIENTES – GORDURAS

Agora, iremos caracterizar a estrutura das gorduras, o seu processo de digestão e absorção intestinal e
em como se dá a sua mobilização para a produção de energia durante o exercício físico. Além disso, iremos
abordar algumas potenciais estratégias nutricionais com a proposta de otimizar a mobilização e oxidação de
gorduras, as quais vêm sendo levantadas com o suposto papel de fat burners (ou queimadores de gordura).

56
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Similarmente aos carboidratos, os lipídios são moléculas hidrocarbonatadas, isto é, possuem carbono,
oxigênio e hidrogênio em sua estrutura química. Elas são sintetizadas pela união de três ácidos graxos a uma
molécula de glicerol, formando os triglicerídeos, também chamados de triacilgliceróis (MCARDLE; KATCH;
KATCH, 1996). Os triglicerídeos são os lipídios em seu estado simples. No entanto, os lipídios também podem
se apresentar em uma forma composta, em que além de possuírem os átomos presentes nos lipídios simples,
apresentam átomos de outros elementos, como o fósforo. Os fosfolipídios presentes nas membranas celulares
são exemplos de lipídios compostos. Por fim, existem ainda os lipídios esteroides, os quais são formados a
partir de transformações metabólicas sofridas pelos ácidos graxos em sua estrutura, tais como o colesterol e
alguns hormônios sexuais, como a progesterona e a testosterona (MCARDLE; KATCH; KATCH, 1996).

R1 — COOH + HO — CH2 R1 — CO – O — CH2


Esterificação
R2 — COOH + HO — CH R2 — CO – O — CH + 3 H2O

R3 — COOH + HO — CH2 R3 — CO – O — CH2


Ácidos graxos + glicerol Triglicerídio

Figura 30 – Reação de síntese dos triglicerídeos (gorduras) a partir da condensação de


três moléculas de ácido graxo com uma molécula de glicerol

Os lipídios podem ser sólidos ou líquidos em temperatura ambiente, dependendo de sua estrutura
e de sua composição. Usualmente, o termo gordura se refere aos triglicerídeos em seu estado sólido,
enquanto o termo óleo, aos triglicerídeos no estado líquido. As propriedades das moléculas de
lipídio dependem dos ácidos graxos que as formam. Os diferentes ácidos graxos são formados por
um número diferente de átomos de carbono e hidrogênio e, quanto maior a quantidade de átomos
de carbono, maior será a cadeia. Ácidos graxos com cadeias maiores são mais suscetíveis a forças
intermoleculares de atração, aumentando o seu ponto de fusão (daí sua consistência em temperatura
ambiente). Longas cadeias também fornecem uma quantidade maior de energia por molécula quando
metabolizadas. Por outro lado, por conta dessas longas cadeias, os triglicerídeos são considerados
moléculas hidrofóbicas (não possuindo afinidade por água) e, por conta disso, o conteúdo hídrico no
tecido adiposo é mínimo (GUYTON; HALL, 2006).

Existe ainda a classificação das moléculas de lipídio quanto às ligações químicas entre os carbonos
e hidrogênios dos ácidos graxos que a constituíram. Cada átomo de carbono é tipicamente ligado a
dois átomos de hidrogênio. Quando um ácido graxo possui essa configuração típica, ele é chamado de
saturado, pois os átomos de carbono estão saturados com hidrogênio. Em outras gorduras, os átomos
de carbono podem estar ligados a apenas um átomo de hidrogênio e terem uma ligação dupla com
um carbono vizinho. Isso resulta em um ácido graxo insaturado. Mais especificamente, seria um ácido
graxo monoinsaturado, enquanto um ácido graxo poli‑insaturado seria um ácido graxo com mais de
uma ponte dupla (GUYTON; HALL, 2006).

57
Unidade I

O
CH2 O O
Saturada
OH O O
CH2 O
Glicerina + 3 ácidos graxos

O
CH2 O O
Monoinsaturada
OH O O
CH2 O

O
CH2 O O
OH O O Poli-insaturada
CH2 O

Figura 31 – Estrutura dos triglicerídeos saturados, monoinsaturados e poli‑insaturados

Observação

Os ácidos graxos saturados se apresentam geralmente em forma


sólida ou semissólida em temperatura ambiente e podem ser encontrados
principalmente em alimentos de origem animal (leite, manteiga e derivados).

Dadas as diversificadas classificações dos lipídios, faz sentido que essas moléculas também tenham
variadas funções no organismo. Dentre elas, destacam‑se:

• Estrutural: todos os tecidos apresentam lipídios em sua composição, uma vez que a membrana
plasmática das células é formada por fosfolipídios.

• Armazenamento e fornecimento de energia: quando comparados com os carboidratos, o tecido


adiposo possui a capacidade de armazenar uma maior quantidade de triglicerídeos do que o músculo
esquelético possui de armazenar glicogênio. Além disso, quando comparados aos carboidratos, os
lipídios liberam, em média, 2.23 vezes mais energia quando oxidados. Estima‑se que cada grama
de gordura seja responsável por liberar aproximadamente 9 Kcal. Já 1 grama de carboidrato libera
apenas 4 Kcal. Vale destacar, no entanto, que o metabolismo energético dos lipídios ocorre de
maneira secundária ao dos carboidratos.

• Transporte de vitaminas lipossolúveis: os lipídios transportam vitaminas que são solúveis em


gordura, tais como as vitaminas A, D, E e K.

58
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

• Isolante térmico e físico: os lipídios garantem proteção contra baixas temperaturas e contra
choques mecânicos.

Observação

Os ácidos graxos insaturados e poli‑insaturados podem ser encontrados


principalmente em alimentos de origem vegetal, tais como óleos (soja,
girassol, colza, linhaça) e oleaginosas (nozes, castanha, amêndoas).

4.1 Digestão e absorção intestinal das gorduras

Mais de 90% de nossa ingestão de lipídeos é feita sob a forma de triglicerídeos. Conforme já
mencionado, o fato de os lipídios serem moléculas hidrofóbicas dificulta seu encontro com as enzimas
digestivas, que trabalham em meio aquoso. Com isso, primeiramente há a necessidade de diminuir o
tamanho das partículas de lipídios. Essa diminuição inicial acontece por meio de fatores mecânicos,
como a mastigação (MCARDLE; KATCH; KATCH, 1996; GUYTON; HALL, 2006).

É importante citar uma fase na digestão, chamada fase cefálica, que ocorre antes que a comida
chegue ao estômago e envolve a preparação do organismo para a alimentação e a digestão. Os estímulos
do pensamento, da visão e do cheiro estimulam o córtex cerebral e, a partir disso, há a preparação dos
tecidos anexos (fígado, pâncreas) e estimulação da secreção dos sucos gástricos.

Na boca, durante a mastigação, existem enzimas que começam o processo digestivo: a amilase
salivar inicia a digestão dos carboidratos, e a lipase lingual, a dos lipídios (MCARDLE; KATCH; KATCH,
1996; GUYTON; HALL, 2006). A lipase lingual ataca os triglicerídeos, mas não tem muita eficiência
na digestão de lipídios em indivíduos adultos. Sua atividade é mais importante em recém‑nascidos,
auxiliando na digestão da gordura do leite.

Já no estômago, há ação do suco gástrico e do peristaltismo. A lipase gástrica também auxilia


o processo de digestão, porém só consegue catalisar em torno de 10% dos lipídios ingeridos. Por
isso, é também uma enzima pouco eficiente (MCARDLE; KATCH; KATCH, 1996; GUYTON; HALL,
2006). Subsequentemente, as células do duodeno (porção inicial do intestino delgado) detectam a
presença do alimento e produzem a secretina em resposta ao pH baixo (devido aos íons H+ do HCl
secretado no estômago) e à presença dos ácidos graxos no bolo alimentar. Esse hormônio induz
a secreção de um suco rico em bicarbonato (HCO3–) pelo pâncreas, com o objetivo de neutralizar/
tamponar o intestino à presença desses ácidos.

As células intestinais também produzem um outro hormônio, a colecistocinina (CCK), que


estimula a secreção e ejeção da bile pela vesícula biliar. A bile, por sua vez, é rica em sais biliares,
cuja função é continuar a digestão das gorduras, transformando‑as em gotículas de gordura ainda
menores, as chamadas micelas. Por fim, as micelas são transportadas com o bolo alimentar até o
intestino delgado, no qual irão interagir com uma outra enzima, a chamada lipase pancreática,
cuja secreção também é estimulada pela CCK. A lipase pancreática, por fim, será responsável pela
59
Unidade I

quebra das micelas nos constituintes dos lipídios (ácidos graxos e glicerol), facilitando a absorção
desses compostos pela mucosa intestinal (MCARDLE; KATCH; KATCH, 1996; GUYTON; HALL, 2006).

Lembrete

Tendo a vesícula biliar uma participação importante na digestão das


gorduras, é bem conhecido que indivíduos que realizam a cirurgia de
remoção da vesícula têm dificuldades na digestão desse nutriente.

Enterócito

Gotícula de Ácidos graxos


gordura

Sais + Lipase
biliares pancreática

Monoglicerídeo

Micelas

Figura 32 – Ilustração do processo final da digestão e absorção intestinal dos lipídios

Nas células da mucosa intestinal, o destino dos ácidos graxos absorvidos é determinado pelo
comprimento de suas cadeias carbônicas. Ácidos graxos de cadeia curta (de dois a dez átomos de
carbono) são hidrossolúveis, sendo diretamente liberados para o sangue sem alterações, e transportados
ao fígado unidos à albumina. Os ácidos graxos de cadeia longa são convertidos novamente em
triglicerídeos e agrupados com o colesterol, os fosfolipídeos e proteínas específicas (apolipoproteínas)
que os tornam hidrossolúveis.

Esses agregados lipoproteicos são denominados quilomícrons e são liberados nos vasos linfáticos
intestinais e depois no sangue (MCARDLE; KATCH; KATCH, 1996; GUYTON; HALL, 2006). Essas
moléculas são transportadas pela corrente sanguínea até o tecido adiposo, local de armazenamento
dos lipídios. Mas, antes de adentrarem tal tecido, a lipase lipoproteica, ligada à superfície endotelial
dos capilares sanguíneos, quebra/converte os triglicerídeos dos quilomícrons em ácidos graxos
e glicerol, os quais serão então captados pelo tecido adiposo (MCARDLE; KATCH; KATCH, 1996;
GUYTON; HALL, 2006). A lipase lipoproteica é ativada por ligação a uma proteína componente dos
quilomícrons, a apoproteína C−II.

60
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

É importante relembrar que a ingestão de alimentos promove a secreção do hormônio insulina.


E que, entre as suas ações, já mencionadas, como o estímulo da glicogênese, esse hormônio também
promove a lipogênese, estimulando a condensação dos ácidos graxos e glicerol captados pelo tecido
adiposo em triglicerídeos, os quais permanecerão armazenados no tecido adiposo até que haja a
demanda pelo seu uso.

4.2 Mobilização e oxidação das gorduras durante o exercício físico

Como se sabe, o exercício físico é um potente estimulador de alguns hormônios catabólicos, como
o glucagon, a adrenalina e a noradrenalina. Tais hormônios ativam a adenilil ciclase na membrana
plasmática dos adipócitos. A adenilil ciclase transforma o ATP em AMPc (AMP cíclico). A proteína quinase
dependente de AMPc é fosforilada e, assim, ativa uma lipase denominada lipase hormônio‑sensível
(LHS) (HOROWITZ; KLEIN, 2000). Os triglicerídeos do tecido adiposo são, então, degradados em ácidos
graxos e glicerol pela LHS. Esses compostos são liberados na corrente sanguínea e direcionados para
diferentes locais.

O glicerol pode ser transportado para o fígado e convertido em compostos intermediários da glicólise
ou da gliconeogênese (por exemplo, a glicerol‑3‑fosfato). Os ácidos graxos liberados pelo tecido adiposo,
por sua vez, podem ser transportados, ligados a proteínas albumina, pelo sistema circulatório até o
músculo esquelético, podendo ser utilizados para a geração de energia para manutenção da contração
muscular (HOROWITZ; KLEIN, 2000). No entanto, existem algumas etapas prévias que valem a pena
serem ressaltadas antes da produção de energia per se.

Tal qual a glicose requer um transportador específico para ser captada pelo músculo esquelético,
os ácidos graxos não são diferentes. Especificamente, a proteína responsável pela sua captação pelo
músculo esquelético, transportando os ácidos graxos até o citosol, é a FABP, do inglês fatty‑acid binding
protein, ou proteína ligadora de ácidos graxos (JEUKENDRUP, 2002).

Ao adentrarem o citosol, esses ácidos graxos são prontamente ligados a uma molécula de coenzima
A, dando formação à molécula de acil‑CoA. Essa molécula de acil‑CoA deve ser então oxidada para a
geração de energia. O sítio intracelular preferencial para a oxidação do acil‑CoA é a principal organela
responsável pela produção de energia por vias aeróbias, a mitocôndria.

Assim, já é possível destacar que a oxidação de gorduras para a produção de energia ocorrerá
especificamente durante exercícios que tenham a predominância da via aeróbia. No entanto,
é primeiramente importante que esse acil‑CoA seja transportado para dentro da mitocôndria.
Dado que a membrana mitocondrial é impermeável a acil‑CoA, é necessário um sistema de
transporte específico para que esse composto atravesse a membrana mitocondrial externa
e, subsequentemente, a membrana mitocondrial interna, de modo que esse composto atinja
a matriz mitocondrial, na qual será oxidado. A esse sistema de transporte se dá o nome de
carnitina‑acil‑transferase, em que a proteína transportadora carnitina é a principal responsável
pelo transporte (JEUKENDRUP, 2002).

61
Unidade I

Conforme veremos adiante, alguns autores têm sugerido a suplementação de carnitina como
estratégia nutricional para otimizar o transporte e, consequentemente, a oxidação de acil‑CoA,
embora sua eficácia seja altamente questionável.

Assim que o acil‑CoA atinge a matriz mitocondrial, esta é submetida à β‑oxidação, que tem
por finalidade oxidar o acil‑CoA (JEUKENDRUP, 2002). Especificamente, a β‑oxidação consiste num
conjunto de quatro reações, caracterizadas pela sucessiva remoção de dois átomos de carbono
do acil‑CoA, gerando uma de acetil‑CoA. Eis as quatro reações sequenciais que caracterizam a
β‑oxidação:

• Oxidação: o acil‑CoA é oxidado a enoil‑CoA, com redução de FAD a FADH2.

• Hidratação: uma dupla ligação é hidratada e ocorre a formação de 3‑hidroxiacil‑CoA.

• Oxidação de um grupo hidroxila a carbonila: tem como resultado uma β‑cetoacil‑CoA e NADH.

• Cisão: o β‑cetoacil‑CoA reage com uma molécula de CoA formando um acetil‑CoA e um acil‑CoA
(dois carbonos menor), que continua sendo submetido a esse ciclo até ser totalmente convertido
em acetil‑CoA.

O acetil‑CoA, como já destacado anteriormente, é a molécula precursora do ciclo de Krebs, ou


ciclo do ácido cítrico, e a sua oxidação nesse ciclo pode gerar ATP, bem como as já conhecidas
coenzimas reduzidas, o NADH e FADH2, as quais, por sua vez, podem ser reoxidadas na cadeia
transportadora de elétrons, gerando ainda mais ATP. Relembrando, uma molécula de acetil‑CoA
pode gerar 12 ATP’s no ciclo de Krebs.

Agora, consideremos o ácido palmítico (ou palmitoil‑CoA), um ácido graxo de 16 carbonos.


A cada ciclo da β‑oxidação, esse palmitoil‑CoA perderá dois carbonos na forma de acetil‑CoA.
Assim, essa molécula pode gerar oito moléculas de acetil‑CoA. Com isso, tem‑se que uma
molécula de palmitoil‑CoA pode culminar na produção de 96 ATP’s.

O metabolismo dos lipídios possui, assim, uma capacidade extremamente superior à dos
carboidratos no fornecimento de ATP para a manutenção da contração muscular. Por outro lado,
também é possível notar que a potência desse metabolismo é substancialmente mais lenta do
que a dos carboidratos. Tal fato ajuda a entender as características do tipo de exercício em que
há a predominância de um metabolismo sobre o outro na produção de energia.

62
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Figura 33 – Reações que compõem a β‑oxidação, responsável por oxidar o acil‑CoA em acetil‑CoA

4.3 Fatores influenciadores da mobilização e oxidação das gorduras


durante o exercício físico

Estudos caracterizando as diferentes intensidades de exercício em que há predominância do


recrutamento de lipídios para a produção de energia já foram publicados. Nesse sentido, vale a pena
mencionar o estudo de Romijn et al. (1993), no qual foram determinados os substratos energéticos
sendo recrutados para a manutenção da produção de energia sob diferentes intensidades. Em tal estudo,
verificou‑se que intensidades moderadas de exercício (65% VO2máx) foram aquelas que eliciaram maior
recrutamento de triglicerídeos e ácidos graxos plasmáticos para equiparar a demanda energética.

63
Unidade I

300 Glicogênio muscular


Triglicerídeos plasmáticos
Ácidos graxos plasmáticos
Glicose plasmática

Gasto calórico (cal/kg/min)


200

100

0
25 65 85
% do VO2 máx

Figura 34 – Influência da intensidade do exercício físico sobre a mobilização de glicogênio muscular

Estudos subsequentes têm demonstrado resultados similares, em que intensidades entre 59 e 64%
VO2máx têm sido apontadas como aquelas em que há maior mobilização e oxidação de lipídios para a
produção de energia durante o exercício físico para indivíduos treinados. Mas mostra, também, que o
estado de treinamento parece não ser um grande fator diferencial, já que intensidades de exercício entre
47 e 52% VO2máx também parecem gerar o mesmo efeito para a população geral (ACHTEN; GLEESON;
JEUKENDRUP, 2002; ACHTEN; JEUKENDRUP, 2003). Inclusive, a massa muscular envolvida, de maneira
óbvia, também pode determinar maior ou menor oxidação de gorduras durante o exercício, sendo que
exercícios com maiores grupamentos musculares envolvidos implicariam em maior oxidação de lipídios
(ACHTEN; JEUKENDRUP, 2003). O fato é que, independentemente do estado de treinamento ou da massa
muscular envolvida no exercício físico, conforme a intensidade do exercício aumenta e atinge níveis
similares daqueles geralmente observados em competições e eventos esportivos, a oxidação de gorduras
diminui drasticamente e o glicogênio muscular passa a ser a fonte predominante para a produção de
energia durante o exercício.
A) 0,7 Moderadamente treinado B) 0,7 Bike
0,6 Altamente treinado 0,6 Andar
Oxidação de gorduras

Oxidação de gorduras

0,5 0,5
(grama/minuto)

(grama/minuto)

0,4 0,4
0,3 0,3
0,2 0,2
0,1 0,1
0,0 0,0
35 45 55 65 75 85 95 35 45 55 65 75 85 95
%VO2máx %VO2máx

Figura 35 – Associação entre a intensidade do exercício físico (%VO2máx) e a oxidação de


gorduras com base no nível de treinamento de um indivíduo (A) e a quantidade de
massa muscular envolvida no exercício físico (B)

64
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

A duração de um exercício físico também é um outro fator que pode influenciar na


mobilização de lipídios para a produção de energia. Conforme a duração de um exercício se
prolonga, o conteúdo de glicogênio muscular pode diminuir gradativamente e atingir níveis
críticos, principalmente após 90 minutos de exercício. Sob tais condições, a mobilização e
oxidação de lipídios pode passar a preencher um maior espaço na oferta energética (ACHTEN;
JEUKENDRUP, 2003).
45 Lipólise
40 Captação de ácidos graxos
Oxidação de ácidos graxos
35
30
Taxa (micromol/kg/min)

25
20
15
10
5
Exercício
0
-30 0 30 60 90 120 150 180 210 240
Tempo (min)

Figura 36 – Taxas de lipólise, captação e oxidação de ácidos graxos em repouso e durante 4 horas
de exercício em esteira a 45% VO2máx em indivíduos sedentários

4.4 Estratégias nutricionais para otimizar a mobilização e oxidação de gorduras

Apesar das diversas funções que os lipídios podem ter em nosso organismo, por vezes, uma grande
massa adiposa pode ser indesejável em um contexto esportivo, podendo significar uma maior sobrecarga
mecânica a ser locomovida; ou até mesmo em um contexto estético, principalmente em uma sociedade
centrada em beleza corporal como a em que vivemos no século XXI. Por conta disso, atualmente, um
grande número de pessoas vem buscando estratégias para aumentar a mobilização e oxidação de lipídios.
Como já mencionado, o exercício físico é uma dessas estratégias capaz de atingir esse objetivo com eficácia,
sendo possivelmente a mais eficaz das estratégias não farmacológicas. Ainda assim, por vezes almeja‑se
alcançar esse objetivo com ainda mais rapidez. Nesse ponto, vêm ganhando cada vez mais destaque as
estratégias nutricionais denominadas fat burners. O termo fat burner, ou queimador de gordura, é usado
para descrever suplementos nutricionais que alegam uma ou mais funções, tais como:

• acelerar o metabolismo dos lipídios;

• acelerar o gasto calórico;

• prejudicar a absorção de lipídios;

• aumentar a perda de peso;


65
Unidade I

• aumentar a oxidação de lipídios durante o exercício;

• causar, de alguma forma, adaptações de longo prazo que melhoram o metabolismo dos lipídios.

Aumento da oxidação de
lipídios durante o exercício Inibe o apetite

Aumento do gasto calórico


Aumenta a
perda de peso
Fat burner

Acelera o metabolismo
Previne ganho de peso após
a perda de peso

Causam adaptações de
longo prazo no metabolismo
lipídico Diminui a absorção
de lipídios

Figura 37 – Ilustração dos supostos efeitos de um suplemento fat burner

Frequentemente, esses suplementos contêm vários ingredientes, cada um com o seu próprio mecanismo
de ação proposto. Há uma comum alegação de que a combinação de várias dessas substâncias terá efeitos
aditivos. Os anúncios de muitos desses suplementos são realizados em sites de notícias e muitas vezes são
acompanhados por fotografias ilusórias pré‑uso e pós‑uso do suplemento, por diferentes indivíduos.

Com isso, serão examinadas as evidências científicas de alguns dos ingredientes mais populares
contidos nesses suplementos fat burners, de modo a estabelecer se há suporte científico para o emprego
de qualquer uma delas, isoladamente ou em conjunto.

4.4.1 Cafeína

Ainda que a cafeína venha a ser mais bem explorada posteriormente, vale a pena iniciar a sua
exposição, já que diversos suplementos fat burner a possuem em sua composição de ingredientes.
A cafeína (1,3,7‑trimetilxantina) é um alcaloide derivado da xantina, encontrado naturalmente nos
alimentos e adicionado a uma variedade de alimentos e bebidas. A maioria das bebidas cafeinadas
consumidas em todo o mundo são extraídas de grãos de café, de folhas de chá ou consumidas como
chocolate, derivado do grão de cacau. Há uma variedade de outros metabólitos no café e no chá,
incluindo outros alcaloides (teobromina, paraxantina, teofilina) e polifenóis (taninos e flavonoides).
O consumo de comprimidos e alimentos contendo cafeína não deve ser diretamente comparado ao
consumo de chá e café, especialmente do ponto de vista da saúde. A cafeína absorvida a partir de
alimentos e bebidas possui um tempo extremamente variável para atingir o pico de sua concentração
no plasma, variando de 30 a 90 minutos, e a sua meia‑vida é de aproximadamente 4 a 6 horas.

66
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Ainda que esse não seja o seu único mecanismo de ação, já foi demonstrado que a cafeína pode aumentar
a atividade do sistema nervoso simpático, acelerando a liberação de ácidos graxos do tecido adiposo dos
triglicerídeos intramusculares. Esse mecanismo, que ocorre indiretamente por meio do aumento dos níveis
circulantes de adrenalina, teria o potencial de aumentar a disponibilidade de ácidos graxos para a oxidação.
No entanto, estudos também têm apontado um efeito mais direto da cafeína na lipólise. Testes in vitro têm
sugerido que a cafeína inibe a fosfodiesterase (LEIJTEN; VAN BREEMEN, 1984), a enzima responsável pela
degradação do AMPc no tecido adiposo. Um aumento na meia‑vida do AMPc aumentaria as taxas de lipólise
e, subsequentemente, a disponibilidade de ácidos graxos para a produção de energia. Ainda não é claro se tal
efeito também desempenha um papel in vivo.

Acheson et al. (1980) constataram que a administração de uma alta dose de cafeína (8 mg·kg‑1)
aumentou significantemente a taxa metabólica basal (TMB) para 20 kJ·m‑2·h‑1 nas 3 horas pós‑ingestão.
Curiosamente, na hora final das medições, a oxidação de gordura foi maior após a ingestão de cafeína
em comparação ao placebo, chegando a 75 ± 4 mg·min‑1. Em consonância com esses achados, Dulloo
et al. (1989) relataram que mesmo uma dose baixa de cafeína (100 mg) tem o potencial de induzir
um efeito termogênico em repouso. Durante um período de 150 minutos, a TMB foi aumentada em
3‑4% tanto em indivíduos magros quanto em obesos. No mesmo estudo, a TMB foi aumentada
ainda mais (de 8–11%) quando doses repetidas (intervalos de 2 h durante 12 h) de cafeína foram
ingeridas (DULLOO et al., 1989). Contudo, nesse estudo não se mediu a oxidação de gorduras ou de
carboidratos e, assim, não se sabe se esse aumento da TMB se deve ao aumento de um, de outro ou
de ambos. Astrup et al. (1990) observaram uma resposta dose‑dependente linear da cafeína ingerida
sobre o gasto calórico. No entanto, tal efeito foi atribuído a aumentos similares na oxidação de gordura
e de carboidratos, já que o quociente respiratório não diferiu da condição em que o placebo foi ingerido.

Diferentemente desses estudos agudos, em um estudo longitudinal, Astrup et al. (1992) suplementaram
pacientes obesos com cafeína durante um período de 24 semanas, enquanto eles estavam sob uma dieta
de restrição calórica. Ao longo do tempo, houve uma pronunciada perda de peso em indivíduos que
consumiram tanto a cafeína quanto o placebo. No entanto, a perda de peso total não diferiu entre esses
dois grupos. De maneira similar, em um dos estudos mais recentes sobre essa vertente, Malek et al. (2006)
submeteram estudantes universitários a oito semanas de treinamento aeróbio moderado (45 minutos a
75% de frequência cardíaca máxima), três vezes por semana, enquanto igualmente divididos em um grupo
suplementado diariamente com placebo ou com cafeína. Mais uma vez, não foram observadas diferenças
no peso ou gordura corporal entre os grupos. Assim, apesar de a ingestão aguda de cafeína ter o potencial
de acelerar o metabolismo, tal efeito pode não ser suficientemente potente para agir como um produto de
perda de peso a longo prazo ou em consumidores habituais de cafeína e, com isso, ainda faltam evidências
científicas atestando a eficácia desse produto a longo prazo.

4.4.2 Carnitina

A carnitina, uma substância presente em quantidades relativamente grandes na carne, tem recebido
muita atenção nos últimos vinte anos. Reivindica‑se que ela possa acelerar o metabolismo dos lipídios
e reduzir a massa gorda. Portanto, a carnitina é frequentemente utilizada com o propósito de perda
de peso e redução da gordura corporal. Os atletas de endurance costumam utilizá‑la para aumentar a
oxidação de lipídios e poupar o glicogênio muscular.
67
Unidade I

A carnitina derivada de carnes vermelhas e produtos lácteos na dieta e da produção endógena


no corpo. Mesmo quando insuficiente na dieta, humanos saudáveis produzem quantidade suficiente
de metionina e lisina para manter estoques corporais funcionais (por essa razão, a carnitina não é
considerada uma vitamina, mas uma substância semelhante a uma vitamina). É sintetizada no fígado
e nos rins, que juntos contêm apenas 1,6% do estoque corporal total de carnitina. Por volta de 98% da
carnitina do corpo humano está presente no músculo esquelético e cardíaco. O músculo esquelético e
o cardíaco dependem do transporte de carnitina através da circulação, que contém aproximadamente
0,5% da quantidade corporal total.

O músculo esquelético capta a carnitina contra um gradiente de concentração muito grande (~1.000
vezes) (a concentração de carnitina plasmática é de aproximadamente 40‑60 µmol·L‑1, e a muscular é
de aproximadamente 4 a 5 mmol·L‑1) por um transporte ativo saturável. A carnitina é um produto final
do metabolismo humano e só é perdida do corpo por meio da excreção na urina e nas fezes. As perdas
diárias são mínimas (< 60 mg·d‑1) e são reduzidas para menos de 20 mg·d‑1 em dietas isentas de carne
(BREMER, 1983). Essas perdas mínimas implicam que a taxa de biossíntese endógena, necessária para
manter as reservas funcionais do corpo, também ocorre por volta de 20 mg·d‑1. As quantidades perdidas
nas fezes geralmente podem ser ignoradas, exceto após a ingestão de suplementos contendo carnitina.

Como previamente mencionado, a carnitina desempenha um papel importante no metabolismo dos


lipídios. No estado de jejum noturno e durante o exercício de baixa a moderada intensidade, os ácidos
graxos de cadeia longa são os principais substratos recrutados para produzir energia, a qual é utilizada
pela maioria dos tecidos, incluindo o músculo esquelético. Esses ácidos, ao adentrarem o citosol, são
ativados em acil‑CoA. A principal função da carnitina é transportar o acil‑CoA através das membranas
mitocondriais, que são impermeáveis ao composto (BREMER, 1983). Uma vez dentro da mitocôndria, o
acil‑CoA sofre a β‑oxidação, em que é degradado em acetil‑CoA, o qual pode entrar no ciclo de Krebs.

A crença de que a suplementação de carnitina ajuda na perda de peso é baseada na suposição de que sua
ingestão oral regular aumenta a concentração de carnitina muscular. Outra suposição é que, se a concentração
de carnitina no músculo aumenta, a oxidação de gordura também aumenta, levando a uma perda gradual das
reservas de gordura corporal. Em direção contrária a toda esta crença, estudos realizados com extremo cuidado
e rigor experimental (BARNETT et al., 1994, VUKOVICH; COSTILL; FINK, 1994) já demonstraram claramente
que a ingestão oral de carnitina (até 6 g·d‑1 por 14 dias) não altera as concentrações de carnitina muscular.
Além disso, cálculos baseados em cinética enzimática indicam que o músculo humano em condições de
repouso tem carnitina livre suficiente para permitir que a enzima carnitina‑palmitoil transferase funcione
em atividade máxima. Por tais razões, as alegações de que a substância promova a perda de peso não só são
infundadas mas também teoricamente impossíveis (WAGENMAKERS, 1999).

No estudo mais recente sobre essa temática, com base em estudos anteriores que mostravam que
o hormônio insulina poderia ter papel importante auxiliando a captação de carnitina pelo músculo
esquelético (STEPHENS et al., 2006), Wall et al. (2011) recentemente suplementaram atletas com 80 g de
carboidrato por dia ou 80 g de carboidrato combinados a 2 g de L‑carnitina L‑tartarato por 24 semanas.
Eles observaram que tal estratégia foi capaz de ocasionar um aumento, ainda que pequeno, da carnitina
muscular após as 24 semanas de suplementação. Em vista do mencionado, embora ainda seja possível
que a carnitina seja elevada e tenha alguns efeitos no metabolismo lipídico após vários meses sendo
68
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

suplementada em combinação com uma quantidade relativamente grande de carboidrato, ainda é cedo
para tirar quaisquer conclusões. Se usada pelo objetivo de perda de peso, parece contraproducente
consumir grandes quantidades de carboidratos, de modo a aumentar a insulina plasmática, para
garantir que as concentrações de carnitina no músculo sejam elevadas e possam resultar em pequenas
melhorias na oxidação de lipídios a longo prazo. Para atletas com um elevado gasto calórico e que
passem a consumir carnitina com suas refeições ou bebidas energéticas, há a possibilidade de aumento
das concentrações musculares de carnitina. De uma maneira geral, no entanto, as implicações práticas
disso são pouco claras e não há evidências suficientes para recomendar a carnitina para a perda de peso
ou para aumentar a oxidação de lipídios.

4.4.3 Taurina

Ainda que a maioria das associações da taurina sejam realizadas com base em seu potencial efeito
central, trabalhos mais recentes a têm associado a um potencial aumento do metabolismo de lipídios.
Em um estudo de Rutherford, Spriet e Stellingwerff (2010), investigou‑se os efeitos da ingestão
aguda de taurina, feita antes de um teste contrarrelógio de ciclismo prolongado sobre o desempenho,
comparando‑a com um teste controle e com um outro teste em que os participantes foram informados
que receberiam taurina, mas não receberam. Os participantes pedalaram a 67% VO2máx por 90 minutos,
seguidos por um contrarrelógio. Uma hora antes do início do exercício, eles ingeriram 1,66 g de taurina
(ou controle, ou placebo). Os autores não observaram efeitos sobre o desempenho, mas, curiosamente,
relataram uma oxidação total de lipídios 16% maior durante o período de exercício de 90 minutos
naqueles em que foi realizada a ingestão de taurina, em comparação com as condições controle e
placebo. Um exame mais detalhado dos resultados revela que, embora os autores tenham relatado um
aumento na oxidação de lipídios com a taurina, o índice de troca respiratória não foi significantemente
diferente das condições controle ou placebo. Parece também que nesse estudo já existia uma diferença
na oxidação de lipídios antes mesmo do início do exercício, e que a diferença diminuiu à medida que
o exercício progrediu. Tal fato poderia indicar que já existia uma diferença que era independente da
taurina. Esses resultados precisam ser confirmados.

Os achados de Rutherford, Spriet e Stellingwerff (2010) parecem estar em contraste com dois estudos
anteriores, que não relataram qualquer efeito da taurina sobre a oxidação de lipídios (GALLOWAY et al.,
2008; JESTER et al., 1997). No entanto, pode‑se argumentar que esses estudos também deram carboidratos
imediatamente antes do exercício ou durante o exercício, e isso pode ter mascarado qualquer possível
efeito da taurina. Os autores sugeriram que, em seu estudo, a taurina poderia ter exercido o seu efeito
por meio da ativação da enzima adenilil ciclase, aumentando o AMPc e aumentando, assim, a lipólise e a
subsequente oxidação de ácidos graxos. Tomados em conjunto, ainda não há evidências suficientes de que
a taurina tenha um efeito estimulante sobre o metabolismo dos lipídios.

4.4.4 Cromo

Uma campanha de marketing enorme cercou esse suplemento nos últimos anos, embora tal
marketing já esteja em queda atualmente. A sua principal e aclamada ação é como um inibidor de
apetite, embora outras funções também já tenham sido atribuídas. O cromo é um elemento que está
presente em alimentos como o levedo de cerveja, o queijo americano e os cogumelos, e é considerado
69
Unidade I

um nutriente essencial. Consórcios internacionais indicam que a ingestão diária adequada de cromo
deve variar de 20 a 30 mg (DIETARY…, 2005). Anderson e Kozlovsky (1985) sugeriram que muitas pessoas
nos Estados Unidos da América não estão ingerindo nem 50 pg·d‑1 de cromo. O cromo é comercializado
predominantemente na forma de picolinato de cromo, embora também existam suplementos de
nicotinato de cromo e cloreto de cromo. O ácido picolínico é um composto orgânico que liga o cromo e
se acredita que melhore a sua absorção e transporte (EVANS,1989).

Evans (1989) foi o primeiro a relatar que a ingestão de cromo aumentou a massa magra em
humanos ativos. Nesse estudo, estudantes universitários sedentários e jogadores de futebol treinados
receberam 200 mg de picolinato de cromo por dia ou placebo durante 40 a 42 dias, enquanto estavam
em um programa de treinamento de força. Aqueles indivíduos que tomaram suplementos de cromo
ganharam significativamente mais massa magra em comparação com o grupo placebo. No entanto,
a massa magra foi estimada apenas a partir de medidas de circunferência, e dado que as alterações
observadas foram pequenas, erros de medida podem ter influenciado o resultado.

Estudos subsequentes (CLANCY et al., 1994; HALLMARK et al., 1996; HASTEN et al., 1998;
LUKASKI et al., 1996) não confirmaram os resultados de Evans (1989). Nesses estudos cuidadosa e
rigorosamente controlados, que usaram técnicas mais sofisticadas para medir a composição corporal,
não foram encontrados efeitos na massa magra (CLANCY et al. 1994; HALLMARK et al., 1996). Em
um dos estudos, Lukaski, Siders e Penland (2007) concluíram que sob condições de consumo calórico
controlado, a suplementação de cromo por mulheres não influenciou de forma independente o peso
ou a composição corporal. Assim, alegações de que a suplementação de 200 mg de cromo promove
a perda de peso e/ou mudanças na composição corporal não são apoiadas por evidências científicas.
Estudos laboratoriais in vitro sugerem ainda que o picolinato de cromo em excesso pode se acumular
nas células e causar dano aos cromossomos (STEARNS; BELBRUNO; WETTERHAHN, 1995). Embora
esse achado não tenha sido confirmado em estudos em humanos (MCCARTY, 1996), deve‑se ter
cautela no uso de suplementos de cromo.

4.4.5 Forscolina

A forscolina é um diterpeno da família labdane, produzido pela planta Coleus indiana (Coleus
forskohlii). A forscolina é frequentemente usada para aumentar os níveis de AMPc durante pesquisas na
área de fisiologia celular. Os efeitos da forscolina no AMPc foram descritos em detalhe nos anos 1980 e
podem ser observados em preparações de células isoladas. Se esse mecanismo também for ativo in vivo
em humanos após a ingestão de forscolina, poderia resultar em uma ativação da LHS e no aumento da
lipólise, permitindo uma maior oxidação de ácidos graxos.

Tem sido demonstrado de maneira consistente que a forscolina pode estimular a lipólise no
tecido adiposo de ratos (LITOSCH et al., 1982; HO; SHI, 1982). Há apenas um estudo que investigou os
efeitos da forscolina na composição corporal e na taxa metabólica de humanos (GODARD; JOHNSON;
RICHMOND, 2005). Nesse estudo, 30 homens obesos foram suplementados com forscolina (250 mg de
extrato de forscolina a 10%, duas vezes ao dia) por 12 semanas. Os autores concluíram que a ingestão
de forscolina resultou em mudanças favoráveis na composição corporal dos participantes, determinada
pela densitometria por dupla emissão de raios‑X (Dexa).
70
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Após a suplementação de forscolina, a massa gorda foi significantemente reduzida em 11.23%, em


comparação com 1.73% no grupo placebo. Essa redução na massa gorda, com a ingestão de forscolina,
foi acompanhada por uma redução significante no percentual de gordura corporal, em comparação
ao período pré‑intervenção (35.17 ± 8.03% para 31.03 ± 7.96%). Infelizmente, nenhuma medida do
metabolismo lipídico foi relatada, embora os autores tenham inferido que o gasto calórico não foi
diferente entre o grupo suplementado com forscolina e o grupo placebo. Portanto, embora exista uma
teoria que seja promissora, são necessários mais estudos antes que a forscolina possa ser recomendada
como uma substância estimulante do metabolismo dos lipídios.

4.4.6 Fucoxantina

A fucoxantina é um carotenoide encontrado em algas castanhas comestíveis (Undaria pinnatifida).


Em estudos com animais, foi demonstrado que a suplementação de fucoxantina, a longo prazo, pode
resultar em perda de peso. Por exemplo, um estudo de Maeda et al. (2005) demonstrou que o consumo de
fucoxantina (0.4% da massa corporal), ou de extrato que continha fucoxantina, resultou em uma redução
significante de tecido adiposo branco após quatro semanas de intervenção. Os mecanismos podem
estar relacionados a uma regulação positiva da anteriormente mencionada proteína desacopladora
mitocondrial 1, do inglês uncoupling protein‑1, UCP1 (MAEDA et al., 2005), que resultaria em um
aumento no gasto calórico em repouso. No entanto, um cálculo rápido revelaria que 0.4% da massa
corporal em humanos equivaleria a 280 g de fucoxantina por dia para uma pessoa de aproximadamente
70 kg, uma dose totalmente inviável.

Recentemente foi publicado um estudo russo que utilizou a fucoxantina pela primeira vez em
humanos (ABIDOV et al., 2010). Nesse estudo, foi realizada a administração diária de 600 mg de um
extrato, o qual continha 2.4 mg de fucoxantina por dia. Essa intervenção resultou, após 16 semanas,
numa perda de peso significante em comparação ao placebo. Os autores também relataram aumento
no gasto calórico em repouso, diminuição da gordura corporal e hepática, bem como melhorias no perfil
lipídico plasmático. As reduções de peso foram de aproximadamente 5 kg a mais no grupo suplementado
com fucoxantina em comparação com o grupo placebo (o grupo placebo também perdeu uma pequena
quantidade de peso). No entanto, deve‑se ter cautela ao interpretar esses achados. Pelo menos um dos
autores do estudo trabalhava para a empresa detentora das patentes de fucoxantina. Até o momento,
esse é o único estudo em humanos e, portanto, mais estudos precisam ser realizados para confirmar
eventuais efeitos da fucoxantina em humanos.

4.4.7 Ácido linoleico conjugado

Ácidos linoleicos conjugados (CLA) são um grupo de isômeros posicionais e geométricos do ácido graxo
essencial linoleico ômega‑6. Cis‑9, trans‑11 (c9, t11) é o principal isômero encontrado em alimentos como
ruminantes (carne bovina e ovina) e laticínios (leite e queijo). Tem sido sugerido que o CLA pode atuar
como um agente antiobesidade por meio de sua suposta capacidade de diminuir a ingestão calórica e de
alimentos, diminuir a lipogênese, aumentar o gasto calórico, a lipólise e a oxidação de ácidos graxos.

Embora já tenha sido demonstrado que a suplementação de CLA pode levar a reduções na ingestão
alimentar (PARK et al., 1997), isso geralmente não é suficiente para explicar mudanças na massa
71
Unidade I

corporal, e mesmo sem reduções na ingestão alimentar, é possível observar aparentes reduções na
gordura corporal (PARK et al., 1997). A suplementação de CLA poderia aumentar o gasto calórico a um
nível suficiente para induzir a perda de gordura corporal e, embora tenha sido observado que também
possa aumentar a expressão da UCP2, não se acredita que esse seja um mecanismo válido. Estudos com
roedores já forneceram evidências de que as alterações na composição corporal e na oxidação de ácidos
graxos estavam associadas ao aumento da atividade do sistema carnitina‑palmitoil transferase II no
tecido adiposo marrom, músculo esquelético e fígado em até 2.5 vezes a dos roedores controle, com
evidentes aumentos concomitantes da lipólise (PARK et al., 1997).

Com base nos resultados de estudos em animais, existe potencial para o CLA ter efeitos sobre a perda
de peso em humanos. Malpuech‑Brugère et al. (2004) realizaram um estudo investigando os efeitos de
dois isômeros do CLA (c9, t11 e t10, c12) na massa gorda em humanos. Por um período de seis semanas
consumindo um alto teor de óleo de girassol (3 g) diariamente, homens saudáveis com sobrepeso foram
alocados em grupos que incluíam o consumo diário de doses elevadas (3 g) e baixas (1,5 g) de c9, t11 e
t10, c12 durante 18 semanas. Após esse período, não houve mudanças significantes entre os tratamentos
na massa gorda ou quaisquer um dos outros parâmetros relacionados à composição corporal (índice de
massa corporal, peso, percentual de gordura corporal). Em estudos mais recentes, em que a suplementação
crônica de CLA foi administrada como uma mistura contendo c9, t11 e t10, c12, foram encontrados
efeitos favoráveis na composição corporal. Gaullier et al. encontraram uma redução significante na massa
gorda após 6 meses, de ‑3.4% (GAULLIER et al., 2007), e 12 meses, de ‑8.7% (GAULLIER et al., 2004), de
suplementação, em comparação com o placebo. O interesse no CLA como regulador da gordura corporal
resultou em diversos estudos ao longo dos anos, os quais diferem entre si quanto à dose empregada e/
ou à duração do estudo. Whigham, Watras e Schoeller et al. (2007) realizaram uma metanálise de 18
estudos que investigaram a influência do CLA sobre a composição corporal. Essa metanálise concluiu que
a ingestão de 3.2 g de CLA por dia é eficaz na perda de gordura corporal (P < 0,001), mas que a magnitude
dessa perda é extremamente modesta (apenas 0.05 ± 0.05 kg por semana, ou seja, 50 gramas por semana).

4.4.8 Chá verde

O chá verde é processado a partir de folhas não oxidadas/não fermentadas, portanto, contém
grandes quantidades dos polifenóis de catequina, que estão ausentes no chá preto. Os polifenóis
de catequina mais abundantes são a epicatequina, a epigalocatequina, a epicatequina‑3‑galato e a
epigalocatequina‑3‑galato (EGCG), sendo este último o mais abundante e farmacologicamente ativo.
As catequinas, mais especificamente a EGCG, estimulam a oxidação de lipídios por meio da inibição
direta da catecol O‑metiltransferase, uma enzima que degrada a noradrenalina (BORCHARDT; HUBER,
1975). Esse aumento agudo na estimulação do sistema nervoso simpático resulta em concentrações
elevadas de catecolaminas, potencialmente aumentando a mobilização de ácidos graxos e a sua
subsequente oxidação. Embora esse seja o mecanismo frequentemente atribuído ao chá verde, ainda
faltam evidências convincentes. Além disso, atribui‑se parte do efeito fat burner do chá verde à cafeína,
a qual está presente em todos os chás derivados da Camellia sinensis, independentemente do processo
de fermentação. Contudo, como já discutido, os efeitos fat butner da cafeína também são duvidosos.

Alguns estudos já relataram efeitos positivos da suplementação a longo prazo com o chá verde
sobre a redução e a manutenção do peso corporal (NAGAO et al., 2005; HILL et al., 2007a; NAGAO;
72
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

HASE; TOKIMITSU, 2007). Westerterp‑Plantenga, Lejeune e Kovacs (2005) administraram um extrato


de chá verde aos participantes durante um período de manutenção de peso de três meses (270
mg·d‑1 de EGCG). Comparado ao placebo, a recuperação do peso corporal foi significantemente
menor no grupo que recebeu o extrato de chá verde, porém apenas naqueles que eram consumidores
habituais de cafeína. Em contraste, Diepvens et al. (2005) observaram que o extrato de chá verde
(1.125 mg·d‑1 de catequinas) ingerido juntamente com uma dieta hipocalórica não teve efeitos
sobre qualquer parâmetro de composição corporal em usuários moderados de cafeína.

Perdas substanciais de peso (~14 kg) já foram observadas em indivíduos seguindo uma dieta
hipocalórica e que consumiram 300 mg·d‑1 de catequinas, em comparação com perdas mais discretas
(~5 kg) no grupo somente dieta (DI PIERRO et al., 2009). Nesse estudo, em comparação com outros,
a ingestão de catequina foi baixa, e os autores não relataram os níveis plasmáticos de catequinas
circulantes, assim, seus resultados devem ser interpretados com cautela. No entanto, uma recente
metanálise encontrou um efeito favorável da ingestão de catequinas provenientes do chá verde sobre a
manutenção e perda de peso. Foi estimado, a partir de resultados de 11 estudos, que indivíduos em um
grupo de intervenção de chá verde perderam, em média, 1.31 kg a mais do que o grupo controle durante
um período de suplementação de 12 a 13 semanas. Novamente um efeito tanto quanto pequeno.

Além disso, o tamanho do efeito foi maior em populações com baixa ingestão habitual de cafeína em
comparação com as populações de ingestão moderada a alta. Curiosamente, a revisão também destacou
a interação da etnia como moderadora do efeito do chá verde. Estudos que utilizaram indivíduos
asiáticos observaram um tamanho de efeito maior do que os estudos com indivíduos caucasianos
(HURSEL; VIECHTBAUER; WESTERTERP‑PLANTENGA, 2009). Fica óbvio que os achados equivocados na
área de suplementação com chá verde podem ser atribuídos a variáveis intervenientes, como a ingestão
habitual de cafeína e a etnia. Esses fatores devem ser levados em consideração ao conduzir estudos
futuros com essa estratégia nutricional.

Resumo

Começamos abordando os múltiplos pontos que uma leitura acurada


deve abordar ao interpretar a qualidade de uma nova informação publicada
na área de nutrição esportiva. Entre os pontos abordados, podem‑se
ressaltar: a amostra sendo estudada, a qual pode limitar a extrapolação
dos achados do estudo; o desenho experimental do estudo, sendo que o
estudo longitudinal parece ser aquele que confere maior qualidade aos
achados, por permitir o acompanhamento de diversos participantes ao
longo das intervenções estudas; o vendamento da investigação, em que
os desenhos duplo‑cegos evitam a influência da expectativa por parte
dos participantes e uma possível manipulação de resultados por parte
dos investigadores; o teste físico empregado, o qual deve simular uma
modalidade esportiva da maneira mais aproximada possível, para que
ele confira boa validade externa aos achados; o consumo alimentar dos
participantes, que pode ajudar a determinar a presença ou ausência de
73
Unidade I

resultados com a intervenção; a interpretação estatística, a qual deve ser


realizada com base no desenho experimental adotado no estudo, bem
como na população sendo estudada; e o potencial conflito de interesses
inerente a uma pesquisa, o qual pode influenciar a coleta de dados, a
interpretação dos resultados e a elaboração de um manuscrito.

Já a respeito de bioenergética e integração metabólica, vimos que a


energia, na forma de ATP, permite ao corpo humano e aos seus diversos
órgãos e tecidos a manutenção de suas funções. Sem ele, não haveria vida.
No que diz respeito ao exercício físico, o ATP é indispensável para o processo
de contração muscular. Uma diminuição na sua produção acarreta na
incapacidade de manter a função contrátil e, portanto, na fadiga muscular.
Para suprir a demanda energética, o músculo esquelético se utiliza de três
principais sistemas energéticos: o fosfagênico, o glicolítico e o oxidativo.
Cada sistema possui características singulares quanto ao local de ocorrência
na célula muscular, à capacidade e à potência de produção energética.
Obviamente, isso refletirá na predominância de um determinado sistema
de acordo com o exercício físico realizado.

Por fim, em relação aos carboidratos e gorduras, foi realizada a


caracterização desses dois primeiros macronutrientes discutidos, em que
sua classificação e função foram abordadas, e aspectos inerentes a sua
digestão e absorção intestinal foram explorados. A importância de cada
um deles para o exercício físico foi destacada, com ênfase nos fatores
determinantes para o recrutamento e predominância de cada um deles no
processo de fornecimento de ATP para a contração muscular. Foram discutidos
ainda os potenciais mecanismos que ajudam a explicar o mundialmente
conhecido efeito ergogênico dos carboidratos, destacando‑se inclusive um
mecanismo recentemente explorado, isto é, o seu efeito central. Além disso,
foram ressaltados os efeitos da suplementação com carboidratos nos mais
diversificados tipos de exercício, bem como a recomendação de ingestão
diária e suplementação desse macronutriente.

No que diz respeito às gorduras, para a maioria dos suplementos fat


burner discutidos, há falta de apoio científico corroborando o seu uso.
Com base nos dados disponíveis, a cafeína e o chá verde parecem ter um
pouco mais de evidências de propriedades que causem interferência no
metabolismo de lipídios. No entanto, os efeitos em humanos têm sido
geralmente pequenos e mais consistentes em consumidores não habituais
de cafeína. Para a maioria dos outros suplementos, embora alguns mostrem
potencial para aumentar o metabolismo lipídico, como o CLA, faltam
evidências conclusivas. A lista cada vez maior de suplementos fat burner é
impulsionada pela indústria e provavelmente deve crescer a uma taxa que
não é e não pode ser igualada pela sustentação científica.
74
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Exercícios

Questão 1. (Enade 2004) A determinação da via energética predominante de uma atividade física
contribui para o planejamento do treinamento físico. No gráfico abaixo estão apresentadas as vias
energéticas predominantes e o tempo (duração) de uma atividade.

Sistema a longo prazo > 3 min


(oxidativo)
Sistema a curto prazo
(ATP - CP + ácido lático) 1,5 min

Sistema imediato
(ATP - CP) 10 seg

Sistema imediato
(ATP) 4 seg

Figura 38

Assinale a opção que apresenta corretamente a via energética predominante em cada uma das
modalidades esportivas indicadas, considerando a duração e a intensidade dos gestos técnicos respectivos.

A) No saque do tênis é o ATP, pois apresenta alta intensidade e curta duração.

B) No salto em altura é o sistema aeróbio, pois apresenta alta intensidade e curta duração.

C) No arremesso de peso é o ATP + ácido lático, pois apresenta alta intensidade e longa duração.

D) Na corrida de 800 metros é o ATP, pois apresenta baixa intensidade e longa duração.

E) Na corrida de maratona é ATP‑CP, pois apresenta baixa intensidade e curta duração.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das alternativas

A) Alternativa correta.

Justificativa: os movimentos de explosão e rapidez executados em uma partida de tênis, como o


saque, são derivados da ressíntese bioquímica de ATP‑PC, pois o ATP é única forma utilizável de energia
para contração muscular.

75
Unidade I

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: o exercício aeróbio é um exercício de longa duração, contínuo e de baixa e


moderada intensidade. Já o exercício anaeróbio é uma atividade de curta duração e de grande
intensidade, e muitos desses exercícios são direcionados apenas para alguns grupos musculares,
como no caso da musculação. Apesar de o sistema aeróbio não conseguir produzir ATP tão rápido
quanto o sistema anaeróbio, ele consegue produzi‑lo em maiores quantidades. Dessa forma, se o
salto em altura apresenta alta intensidade e curta duração, é utilizada a via energética anaeróbica.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: no caso dos exercícios anaeróbios, o corpo pode usar duas maneiras para sintetizar
energia: alática (que não causa a produção de ácido lático) e lática (causa a produção do ácido lático).
O arremesso de peso é considerado uma atividade de curta duração.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a corrida de 800 metros tem duração e intensidade intermediárias. Uma corrida
intermediária pode ser dividida em três momentos: largada, estado estável e chegada. No momento da
largada, o atleta sai de um estado de repouso para um de certa intensidade; isto leva seu organismo
a entrar em déficit de oxigênio, caracterizando, portanto, a largada como o momento em que o
sistema anaeróbio (fosfagênios e glicólise anaeróbia) predomina sobre o sistema aeróbio. Por volta
dos 3 minutos de corrida, o atleta entra em um segundo momento da prova, em que seu organismo
fica em estado estável, desde que o atleta mantenha um ritmo de corrida constante. Nesse momento,
todas as adaptações bioquímicas e fisiológicas necessárias ao fornecimento de ATP pela contribuição
dominante do oxigênio já foram realizadas, e o sistema aeróbio (glicólise aeróbia, ciclo de Krebs e sistema
transportador de elétrons) irá predominar sobre o anaeróbio. Ao se aproximar da parte final da prova, o
atleta entra no terceiro momento: a chegada. Nesse período, ele novamente aumenta a intensidade do
seu ritmo de corrida, fazendo com que o sistema anaeróbio volte a predominar como fonte energética.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: a corrida de maratona é um exercício de longa duração.

Questão 2. (ENADE 2007) Um profissional de educação física está interessado em pesquisar


variáveis relacionadas com a adesão a um programa orientado de atividades corporais, que foi oferecido
uma única vez e que visava contribuir para a modificação do estilo de vida das pessoas, de acordo
com as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ao refletir acerca das variáveis a serem
consideradas em um projeto de pesquisa científica de natureza exploratória acerca do que motivou
a adesão ao programa, esse profissional verifica a necessidade de entrar em contato com as pessoas
que fazem parte de uma amostra dos que se evadiram do programa e de incluir na avaliação variáveis
psicossociais que estejam relacionadas com a otimização dos resultados obtidos.

76
NUTRIÇÃO APLICADA AO ESPORTE

Considerando as orientações técnicas e metodológicas para a realização desse estudo científico


hipotético, qual seria o procedimento adequado desse profissional?

A) Formulação de uma situação‑problema que inclua as variáveis mencionadas, o que requer


conhecimento anterior sobre o assunto e escolha de um referencial teórico que dê suporte
à conceituação dessas variáveis.

B) Escolha de indicadores dirigidos para a mensuração dos efeitos orgânicos obtidos por aqueles que
participaram de todas as atividades do programa.

C) Definição dos critérios a serem utilizados para a composição da amostra nesse estudo, o que
requer o emprego de estratégias que garantam a generalização dos resultados.

D) Levantamento bibliográfico de estudos sobre o tema em questão, o que torna desnecessárias as


informações acerca do contexto institucional no qual o programa é desenvolvido.

E) Publicação, em uma revista científica da área, do estudo com as variáveis apresentadas, para que
esse tenha relevância social.

Resolução desta questão na plataforma.

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