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Fisiologia do Exercício

Autor: Prof. Bergson de Almeida Peres


Colaboradores: Profa. Vanessa Santhiago
Prof. Marcel da Rocha Chehuen
Professor conteudista: Bergson de Almeida Peres

Licenciado em Educação Física pela Unimep (1989), possui especialização em Treinamento


Esportivo pela EEFEUSP (1990) e em Fisiologia do Exercício pela Unifesp (1991). Em 1996, concluiu
seu mestrado pela EEFEUSP em Biodinâmica do Movimento Humano. Atuou ainda como preparador
físico da seleção brasileira de basquetebol masculino em 1999 e foi convidado pela equipe de Futebol
Manchester United (Inglaterra) para atuar como preparador físico de 2000 a 2003. É coordenador
geral do curso de Educação Física da Unip.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P437f Peres, Bergson de Almeida.

Fisiologia do Exercício / Bergson de Almeida Peres. – São Paulo:


Editora Sol, 2020.

104 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Recuperação. 2. Efeitos fisiológicos. 3. Exercício e sistema


endócrino. I. Título.

CDU 796.012

U505.51 – 20

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Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Talita Lo Ré
Elaine Pires
Ricardo Duarte
Sumário
Fisiologia do Exercício

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 RECUPERAÇÃO APÓS O EXERCÍCIO FÍSICO............................................................................................ 11
1.1 Débito de oxigênio................................................................................................................................ 11
1.1.1 Componentes alático e lático do débito de oxigênio............................................................... 12
1.1.2 Efeito do consumo excessivo de oxigênio após o exercício físico e taxa
metabólica de repouso no gasto energético........................................................................................... 13
1.1.3 Efeito do Epoc no aumento do gasto energético diário total com o
exercício resistido................................................................................................................................................ 15
1.1.4 Epoc e treinamento................................................................................................................................. 15
1.1.5 Efeitos agudo e crônico do exercício............................................................................................... 16
2 REPOSIÇÃO DAS RESERVAS ENERGÉTICAS DURANTE A RECUPERAÇÃO.................................. 16
2.1 Restauração de ATP + CP e débito alático de oxigênio......................................................... 17
2.2 Energética da restauração do fosfagênio.................................................................................... 18
2.3 Ressíntese do glicogênio muscular................................................................................................ 20
2.3.1 Depleção e reposição do glicogênio muscular: exercício contínuo de
longa duração...................................................................................................................................................... 20
2.3.2 Depleção e reposição do glicogênio muscular: exercício intermitente e de
curta duração....................................................................................................................................................... 21
2.3.3 Fatores fisiológicos relacionados com as diferenças na ressíntese do
glicogênio muscular.......................................................................................................................................... 21
2.3.4 Energética da ressíntese do glicogênio muscular...................................................................... 22
2.3.5 Supercompensação do glicogênio muscular................................................................................ 23
3 REMOÇÃO DO ÁCIDO LÁTICO DO SANGUE E DOS MÚSCULOS..................................................... 24
3.1 Velocidade de remoção do ácido lático....................................................................................... 25
3.2 Efeitos do exercício durante a recuperação sobre a velocidade de remoção
do ácido lático................................................................................................................................................ 25
3.3 Destino do ácido lático: fisiologia da remoção do ácido lático......................................... 26
4 RESTAURAÇÃO DAS RESERVAS DE OXIGÊNIO..................................................................................... 28
4.1 Reservas de O2‑mioglobina............................................................................................................... 28
4.2 Dimensão e importância das reservas de O2‑mioglobina..................................................... 28
Unidade II
5 EFEITOS FISIOLÓGICOS DO TREINAMENTO FÍSICO.............................................................................. 31
5.1 Alterações bioquímicas....................................................................................................................... 31
5.1.1 Alterações aeróbias................................................................................................................................. 31
5.1.2 Alterações anaeróbias............................................................................................................................ 33
5.2 Alterações relativas nas fibras de contração rápida e lenta................................................ 34
6 ALTERAÇÕES CARDIORRESPIRATÓRIAS (SISTÊMICAS)...................................................................... 35
6.1 Alterações cardiorrespiratórias em repouso............................................................................... 35
6.1.1 Alterações na hipertrofia cardíaca.................................................................................................... 35
6.1.2 Menor FC..................................................................................................................................................... 38
6.1.3 Maior volume de ejeção ou sistólico............................................................................................... 40
6.1.4 Alterações no volume sanguíneo e na hemoglobina................................................................ 42
6.1.5 Alterações na densidade capilar e hipertrofia do músculo cardíaco.................................. 47
6.2 Alterações durante o exercício submáximo................................................................................ 47
6.2.1 Nenhuma modificação ou ligeira redução no consumo de oxigênio................................ 47
6.2.2 Redução na utilização do glicogênio muscular.......................................................................... 48
6.2.3 Redução na produção de ácido lático (aumento no limiar aeróbio).................................. 49
6.2.4 Nenhuma alteração ou ligeira redução no débito cardíaco................................................... 50
6.2.5 Maior volume de ejeção........................................................................................................................ 50
6.2.6 Redução da FC.......................................................................................................................................... 52
6.2.7 Alterações no fluxo sanguíneo muscular....................................................................................... 54
6.3 Alterações durante o exercício máximo....................................................................................... 54
6.3.1 Aumento na potência aeróbia máxima (VO2máx.)......................................................................... 55
6.3.2 Maior débito cardíaco............................................................................................................................ 56
6.3.3 Maior volume de ejeção........................................................................................................................ 56
6.3.4 Nenhuma alteração ou ligeira redução na FC............................................................................. 56
6.3.5 Maior produção do ácido lático......................................................................................................... 56
6.3.6 Nenhuma modificação no fluxo sanguíneo muscular............................................................. 57

Unidade III
7 EXERCÍCIO E SISTEMA ENDÓCRINO.......................................................................................................... 60
7.1 Características da ação hormonal.................................................................................................. 60
7.2 Especificidade da ação hormonal................................................................................................... 60
7.3 Mecanismos da ação hormonal...................................................................................................... 61
7.4 Controle da secreção hormonal...................................................................................................... 62
7.5 Hormônios e suas glândulas............................................................................................................. 63
7.5.1 Glândula pituitária ou hipófise.......................................................................................................... 63
7.5.2 Glândulas suprarrenais.......................................................................................................................... 64
7.5.3 Pâncreas....................................................................................................................................................... 67
7.5.4 Glândula tireoide..................................................................................................................................... 68
7.5.5 Glândulas paratireoides......................................................................................................................... 68
7.5.6 Ovários e testículos................................................................................................................................. 68
8 RESPOSTAS HORMONAIS AO EXERCÍCIO E TREINAMENTO............................................................ 69
8.1 Hormônio do crescimento (GH)...................................................................................................... 69
8.1.1 Mecanismos de ação do GH................................................................................................................ 70
8.1.2 Metabolismo lipídico.............................................................................................................................. 74
8.1.3 Efeitos do exercício físico sobre o GH............................................................................................. 75
8.2 Hormônios tireoidianos e paratireoidianos................................................................................ 79
8.3 Hormônio antidiurético (ADH) e aldosterona............................................................................ 80
8.4 Eritropoietina.......................................................................................................................................... 82
8.5 Hormônios insulina e glucagon...................................................................................................... 83
8.6 Catecolaminas: adrenalina e noradrenalina............................................................................... 86
8.7 Adrenocorticotropina (ACTH) e glicocorticoides (cortisol)................................................... 88
8.8 Gonadotropinas..................................................................................................................................... 90
8.9 Prolactina.................................................................................................................................................. 91
8.10 Oxitocina................................................................................................................................................ 91
8.11 Testosterona.......................................................................................................................................... 92
8.12 Estrogênios............................................................................................................................................ 92
APRESENTAÇÃO

Esta disciplina tem como objetivo geral fornecer conhecimentos sobre as respostas fisiológicas a um
estresse (atividade física ou exercício físico), dando subsídios e ampliando as habilidades dos futuros
profissionais de Educação Física e Esporte para a elaboração e prescrição do exercício físico.

Assim, neste livro‑texto serão abordados os seguintes temas: (1) a recuperação após o exercício
físico; (2) os efeitos fisiológicos do treinamento físico nas adaptações cardiorrespiratórias em repouso e
durante o exercício submáximo e máximo; e (3) o exercício físico e o sistema endócrino.

Ao término deste curso, o aluno terá uma ampla visão dos mecanismos de recuperação e das
adaptações, morfológicas e funcionais, responsáveis pela evolução do treinamento físico.

Todos esses assuntos são de extrema importância para a vida profissional do educador físico,
permitindo não apenas melhores resultados em equipes e programas de atividades, mas também a
proteção da saúde da população e dos atletas.

INTRODUÇÃO

Se lhes pedissem para escolher um termo que pudesse ser considerado um denominador comum
para todas as fases da Educação Física e do Esporte, qual seria ele? Energia é o termo mais apropriado.
Por essa razão, aliás, é que se considera a bioenergética um dos conceitos mais importantes da área a
ser dominado. Vejamos por que essa afirmação pode ser verdadeira.

É por meio da liberação de energia que um músculo é capaz de se contrair e gerar movimento.
A maneira pela qual os depósitos de energia são depletados (consumidos) depende essencialmente
da aptidão física da pessoa e do tipo de atividade física que está sendo realizada. Você pode
aprimorar o desempenho mediante programas de treinamento, modificando ou aumentando os
depósitos de energia. O tipo de programa elaborado exigirá conhecimento acerca da depleção e da
reposição desses depósitos de energia em relação à atividade específica a ser realizada.

O alimento constitui nossa fonte indireta de energia. Dentro do corpo, ele sofre uma profunda
série de reações químicas (denominadas, coletivamente, de vias metabólicas) . Esse processo
resulta na formação de um composto denominado adenosina trifosfato (ATP), que constitui
a fonte direta de energia para o corpo (durante a atividade física, os depósitos de energia se
esgotam, resultando em fadiga).

Os conteúdos aqui abordados estão dedicados às importantes considerações metabólicas observadas


após o exercício físico que permitem ao corpo refazer seus sistemas energéticos. Trataremos ainda
das diferentes adaptações fisiológicas que levam à melhora do condicionamento físico por meio da
obtenção de níveis mais elevados da homeostase.

9
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Unidade I
1 RECUPERAÇÃO APÓS O EXERCÍCIO FÍSICO

Os diferentes papéis desempenhados pelos sistemas energéticos metabólicos durante a transição


do repouso para o exercício constituem apenas a metade do quadro energético. Além disso, temos que
compreender como esses sistemas funcionam durante a situação inversa, isto é, do exercício físico para
o repouso (denominado, mais comumente, período de recuperação).

1.1 Débito de oxigênio

Sabemos todos que, durante a recuperação após um exercício físico, nossa demanda (necessidade)
energética é consideravelmente menor, pois não estamos mais nos exercitando. Entretanto, nosso
consumo de oxigênio continua num nível relativamente alto por um certo período de tempo, cuja
duração depende da intensidade do exercício praticado.

A quantidade de oxigênio consumido (VO2) durante a recuperação (acima da quantidade que teria
sido consumida normalmente em repouso no mesmo espaço de tempo) é denominada débito de oxigênio.
O termo débito de oxigênio foi usado pela primeira vez em 1922, pelo fisiologista inglês Archibald Vivian
Hill, mesmo ano em que ele recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia (Medicina).
Demanda de O2

Déficit de O2

Epoc
Consumo de O2

Estado estável
Consumo de O2

Consumo de O2
em repouso

Início do exercício Fim do Final da recuperação


exercício

Figura 1 – Crescimento exponencial do VO2 durante o exercício e redução após o exercício físico

O conceito de débito de oxigênio, conforme emitido originalmente por Hill, significa que o
oxigênio consumido acima do nível de repouso pela musculatura esquelética durante a recuperação
é utilizado principalmente para proporcionar a energia destinada a restaurar o corpo (músculos) a

11
Unidade I

sua condição de pré‑exercício, incluindo o reabastecimento (reposição) das reservas energéticas que
foram depletadas (consumidas na musculatura) e a remoção de qualquer ácido lático acumulado
durante o exercício.

Muitos interpretam erroneamente o débito de oxigênio como o oxigênio extra consumido durante
a recuperação que está sendo usado para repor o oxigênio que foi emprestado de algum outro lugar
dentro do corpo durante o exercício. Na verdade, durante um exercício máximo, a depleção do oxigênio
armazenado no próprio músculo (em combinação com a mioglobina) e no sangue venoso mal chega a
perfazer 0,6 litro.

Por outro lado, já se observam débitos de oxigênio quase 30 vezes maiores que esse em atletas
durante um exercício máximo.

1.1.1 Componentes alático e lático do débito de oxigênio

Sabe‑se que o consumo de oxigênio, após um exercício exaustivo, cai exponencialmente com o
tempo. Isso equivale a dizer que a velocidade com que o oxigênio é consumido não é constante durante
todo o transcorrer do período de recuperação. Nos primeiros dois ou três minutos de recuperação,
o consumo de oxigênio diminui muito rapidamente e, a seguir, mais lentamente, até alcançar uma
velocidade constante. A porção inicial rápida do débito de oxigênio foi denominada componente alático
do débito de oxigênio e pode ocorrer dentro de uma hora, enquanto a fase mais lenta recebeu o nome
de componente lático do débito de oxigênio.

O componente lático foi assim denominado pelo fato de, naquele tempo, admitir‑se que o
oxigênio consumido durante essa fase do débito estivesse quantitativamente relacionado com a
remoção do ácido lático acumulado no sangue e nos músculos durante o exercício. O termo alático
(em que o prefixo “a” significa “não”) foi usado por se ter constatado que o oxigênio consumido
durante a porção rápida do débito era independente da remoção de ácido lático durante a
recuperação.

Antigamente admitia‑se que todo o débito de oxigênio era de natureza lática, isto é, que resultava
da remoção do ácido lático acumulado durante o exercício, então, em 1933, foi demonstrado pela
primeira vez que se podia contrair um débito de oxigênio na ausência de acúmulo de ácido lático.

Observação

O conceito débito de oxigênio é muito conhecido e estudado na língua


inglesa com a denominação excess post‑exercise oxygen consumption,
mais conhecido como Epoc.

12
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Saiba mais

Para mais explicações sobre o Epoc, consulte o capítulo 7 da obra


indicada a seguir.

MCARDLE, W. D.; KATCH, F. I.; KATCH, V. l. Fisiologia do exercício: nutrição,


energia e desempenho humano. São Paulo: Guanabara Koogan, 2016. p. 169‑175.

1.1.2 Efeito do consumo excessivo de oxigênio após o exercício físico e taxa metabólica
de repouso no gasto energético

O gasto energético diário pode ser dividido em três componentes: taxa metabólica de repouso (TMR),
efeito térmico do alimento e gasto energético associado com a atividade física.

A atividade física promove aumento do gasto energético total, tanto de forma aguda
quanto de forma crônica. A primeira condição refere‑se ao próprio gasto energético durante
a realização do exercício físico e durante a fase de recuperação, já a segunda refere‑se às
alterações da TMR.

No que diz respeito ao efeito agudo, está bem estabelecido que, após o término do exercício, o
consumo de oxigênio não retorna aos valores de repouso imediatamente. Como vimos, essa demanda
energética durante o período de recuperação após o exercício é o que chamamos de Epoc.

Vários trabalhos têm analisado a contribuição do Epoc para programas de emagrecimento, visto
que esse é o resultado de um balanço energético diário negativo entre consumo e gasto energético.
Experimentos já haviam considerado o Epoc um importante fator no controle do peso, uma vez que
o exercício demanda uma energia extra além da prevista na atividade física. Em corroboração, outros
estudos relataram que a magnitude do metabolismo elevado durante a recuperação tem implicação
importante na prescrição de programas de redução ponderal.

A redução ponderal também está relacionada às alterações crônicas da atividade física, ou seja, da
TMR. A TMR é definida como o gasto energético necessário à manutenção dos processos fisiológicos no
estado pós‑absortivo, chegando a compreender de 60% a 70% do gasto energético total, dependendo
do nível do exercício físico.

Todo esse interesse na redução ponderal deve‑se ao fato de a obesidade, atualmente,


ser considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) um problema de saúde pública.
Analisando a realidade brasileira, Meirelles e Gomes (2004) mostraram que, no Rio de Janeiro,
44% dos homens e 33% das mulheres na faixa etária de 26 a 45 anos apresentam sobrepeso
ou obesidade.

13
Unidade I

As disparidades nos resultados relacionados ao Epoc podem refletir diferenças em muitos


fatores, como: massa muscular envolvida no exercício, intensidade e duração; estado do
treinamento; ingestão de alimento (efeito térmico da refeição); qualidade do sono da noite
anterior; condições ambientais; familiaridade do sujeito com o protocolo do exercício físico;
variações na temperatura e nas concentrações de catecolaminas; custo metabólico da remoção
do lactato; utilização do substrato energético (carboidratos versus gorduras) e fase do ciclo
menstrual, no caso das mulheres; ansiedade pré‑exercício; ritmo circadiano; presença de
overtraining, em casos de atletas; a diversidade de pessoas envolvidas nas pesquisas (a maioria
dos estudos não analisou os mesmos indivíduos).

O Epoc aumenta linearmente com a duração do exercício físico, porém, a intensidade do exercício
físico parece afetar tanto a magnitude quanto a duração do Epoc; já a duração do exercício físico afeta
apenas a duração do Epoc (GORE; WITHERS, 1990).

Dessa forma, os estudos têm sugerido que o exercício físico de maior intensidade produz uma
elevação mais prolongada no Epoc do que exercícios físicos de intensidades menores em razão de
estes causarem maior estresse metabólico, sendo necessário, então, um maior dispêndio de energia
para retornar à condição de homeostase. Além disso, um maior nível de atividade do sistema nervoso
simpático estimulado pelas catecolaminas também pode contribuir para elevar a taxa metabólica
pós‑exercício, visto que os hormônios epinefrina e norepinefrina estimulam a respiração mitocondrial e
a função celular, facilitando a passagem de sódio e potássio através da membrana celular, aumentando
a produção de ATP e o uso de oxigênio.

Após o exercício físico, existe um aumento de 20% a 35% na responsividade lipolítica no adipócito.
Contudo, a taxa de oxidação de lipídios ainda é maior após um exercício de alta intensidade, uma vez que
a síntese de glicogênio é aumentada para repor o glicogênio utilizado. A oxidação de lipídios também
está associada com o aumento de turnover dos ácidos graxos livres; concomitantemente, o aumento do
turnover de proteína também pode contribuir para um maior Epoc. Além desses fatores, o exercício de
maior intensidade está associado com uma maior ressíntese de hemoglobina e mioglobina e parece estar
associado também, só que de forma inversa, com as taxas de obesidade.

Alguns estudos analisaram o Epoc e o gasto energético comparando protocolos de exercício


contínuo e intervalado submáximos, e exercício contínuo submáximo e intervalado supramáximo: todos
esses estudos demonstraram maior gasto energético para os exercícios mais intensos. Partindo‑se do
princípio de que é possível realizar mais minutos em alta intensidade com o exercício intermitente, se
comparado com o exercício contínuo, pessoas com sobrepeso podem exercitar‑se por tempo menor a
uma intensidade que produza um Epoc maior, visto que na maioria das vezes essas pessoas, além de
descondicionadas, têm aversão à atividade física.

Porém, deve‑se ressaltar que o Epoc é relativamente curto após exercícios de intensidades e duração
moderada (inferior a 70% do volume máximo de oxigênio, VO2máx., e/ou inferior a 60 minutos), visto que
a magnitude do Epoc após o exercício aeróbio depende de ambos os fatores (intensidade e duração do
exercício físico). Por outro lado, exercícios com duração superior a 60 minutos e/ou com intensidades
superiores a 70% do VO2máx. parecem estar relacionados a um Epoc prolongado.
14
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Tem sido proposto ainda que, para as pessoas que querem emagrecer, a magnitude do Epoc (custo
energético) é mais importante que a duração da atividade em si.

Lembrete

O gasto energético diário pode ser dividido em três componentes: taxa


metabólica de repouso (TMR), efeito térmico do alimento e gasto energético
associado com a atividade física.

1.1.3 Efeito do Epoc no aumento do gasto energético diário total com o exercício resistido

Estudos comparando o exercício resistido com o aeróbio enfatizaram que o resistido,


provavelmente, causaria maior distúrbio metabólico (na homeostase) que o exercício aeróbio,
sugerindo que, em razão das altas intensidades envolvidas, poderia requerer maior gasto
energético, tanto durante o exercício quanto durante a recuperação. Além disso, analisando
agora somente o exercício resistido, também é sugerido que um protocolo mais extenuante é
mais eficaz no controle de peso.

Dois fatores têm sido atribuídos ao fato de o exercício resistido produzir mais Epoc. O primeiro
refere‑se às respostas hormonais que podem alterar o metabolismo, especificamente catecolaminas,
cortisol e GH. O segundo refere‑se ao dano tecidual acompanhado do estímulo para a hipertrofia
tecidual, pois a síntese proteica é diminuída durante o exercício em si, mas, após o exercício,
existe um fenômeno compensatório, em que o turnover de proteína parece ser estimulado. Além
disso, o processo de síntese de proteína exige alta demanda energética (seis ATPs por mol de
peptídio formado). Esse mecanismo pode também contribuir para uma longa estimulação do gasto
energético após o exercício físico.

1.1.4 Epoc e treinamento

Existem muitos mecanismos potentes pelos quais o exercício regular poderia facilitar a manutenção
ou a redução do peso corporal, como o aumento do gasto energético (GE) diário total, a redução
do apetite, o aumento da TMR, o aumento da massa livre de gordura, o aumento do efeito térmico
da refeição, o aumento do consumo excessivo de oxigênio após o exercício e o aumento da taxa de
mobilização e oxidação de gordura.

Estudos indicam que alterações hormonais, particularmente de catecolaminas, cortisol e GH,


podem ser substanciais, especialmente se as repetições por série forem altas (superiores a cinco) e o
intervalo entre as séries for menor que um minuto. Além disso, a maior oxidação de lipídios pode ser um
importante fator decorrente da adaptação ao treinamento: indivíduos treinados utilizam mais gordura
no período de recuperação que os não treinados.

15
Unidade I

1.1.5 Efeitos agudo e crônico do exercício

A TMR é o maior componente do gasto energético diário, sendo modificada por diversos fatores,
como hora do dia, temperatura, ingestão de alimentos, ingestão de cafeína, tipo de exercício e estresse.
A TMR diminui com a idade e com a redução da massa corporal, o que se deve, em parte, à diminuição
na massa magra e da atividade do sistema nervoso simpático.

Com relação aos efeitos agudos do exercício, Osterberg e Melby (2000) verificaram que o exercício
resistido aumenta a TMR por 16 horas (após o exercício) em aproximadamente 4,2%, sugerindo um
aumento de cerca de 50 Kcal/dia na TMR com o exercício físico. Outro estudo, de Melby et al. (1993),
verificou que a TMR na manhã seguinte após um exercício resistido foi 4,7% maior que o mensurado na
manhã antes do exercício.

Para analisar o efeito crônico do exercício, mulheres obesas na pós‑menopausa foram


acompanhadas por 16 semanas de treinamento resistido. Os resultados demonstraram um
aumento significativo (de aproximadamente 4%) da TMR e da massa muscular nos grupos
de obesas e não obesas (RYAN et al., 1995). Além disso, as pessoas obesas obtiveram redução
significativa de massa corporal, massa gorda e percentual de gordura, indicando que o exercício
resistido pode ser um importante componente integrado a programas de emagrecimento para
mulheres em pós‑menopausa. Esse estudo acrescenta um aspecto importante na literatura
ao demonstrar que o treinamento resistido acompanhado de redução na massa corporal não
resultou em redução da TMR. Corroborando esse resultado, foi encontrado um aumento de 7,7%
da TMR em homens idosos com um protocolo similar (PRATLEY et al., 1994).

2 REPOSIÇÃO DAS RESERVAS ENERGÉTICAS DURANTE A RECUPERAÇÃO

A seguir estão duas perguntas importantes a ser respondidas:

• Quais as reservas energéticas depletadas durante o exercício?

• Como são elas reabastecidas durante a recuperação?

É fácil responder à primeira pergunta. Lembre‑se que existem duas fontes de energia que são
depletadas, em graus variáveis, durante o exercício: (1) os fosfagênios ATP e CP armazenados
nas células musculares e (2) o glicogênio estocado em grandes quantidades nos músculos,
assim como no fígado, que funciona como importante fonte de combustível durante a maioria
das atividades que consistem em exercício. Se você ficar surpreso por não termos incluído as
gorduras em nossa lista, a razão está no fato de elas não serem reconstituídas diretamente
durante a recuperação, mas refeitas apenas indiretamente, graças à reposição dos carboidratos
(glicose e glicogênio).

Não nos preocupemos em excesso com esse último ponto. Iremos, ao responder à segunda pergunta,
concentrar‑nos na reposição das outras duas fontes energéticas: ATP‑CP e glicogênio.

16
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

A) Exercício aeróbico leve


VO2 steady-state = demanda de energia do exercício

Déficit
de O2 Componente
rápido
VO2 do
exercício VO2 da recuperação

Repouso Exercício Recuperação

B) Exercício aeróbico moderado a intenso


VO2 steady-state = demanda de energia do exercício

Déficit
de O2
Componente lento

Componente rápido

VO2 do
exercício VO2 da
recuperação

Repouso Exercício Recuperação

C) Exercício exaustivo all-out (aeróbico + anaeróbico)


Demanda de energia do exercício excede VO2máx

VO2máx

Déficit
de O2 Componente rápido

Componente lento
Consumo de
oxigênio

VO2 do
exercício VO2 da
recuperação

Repouso Exercício Recuperação


Tempo (min)

Figura 2 – VO2 durante e após o exercício físico em três diferentes exercícios

2.1 Restauração de ATP + CP e débito alático de oxigênio

A medição direta das reservas de fosfagênio no músculo esquelético é bastante complexa, entretanto,
vários estudos envolvendo tal processo mostraram que a maior parte de ATP e CP depletada no músculo
durante o exercício é restaurada muito rapidamente, isto é, dentro de poucos minutos após o término
do exercício.
17
Unidade I

Os resultados de um dos primeiros estudos feitos por Hultman, Bergstrom e Anderson (1967)
envolveram indivíduos que pedalavam em uma bicicleta ergométrica por 10 minutos. Amostras de
tecido muscular eram retiradas do vasto lateral por meio de biopsia por agulha, antes do exercício
e em vários momentos durante a recuperação e, a seguir, analisadas para as concentrações de ATP
e CP. O estudo mostrou que a restauração de fosfagênio é muito rápida, de dois a quatro minutos,
e torna‑se mais lenta, alcançando 70% do total, dentro de 30 segundos, ficando completa (ou seja,
100%) entre três e cinco minutos.

Em outro estudo feito foi examinada apenas a restauração da fosfocreatina muscular (CP),
novamente no vasto lateral, durante a recuperação após um exercício exaustivo na bicicleta
ergométrica. Nessas experiências, a restauração da CP foi examinada sob duas condições diferentes
de recuperação: (1) quando o músculo em estudo recebia um fluxo sanguíneo normal e (2) quando o
fluxo sanguíneo para os músculos era ocluído. Os resultados mostraram que, com a circulação normal
de sangue aos músculos, a restauração da CP é muito rápida no início da recuperação e, a seguir, muito
mais lenta. Por exemplo, após dois minutos de recuperação, 84% da CP depletada durante o exercício
se apresentava restaurada, com uma restauração de 89% após 4 minutos. Após 8 minutos, 97% da
CP muscular estava restaurada. Apesar de a restauração completa da CP ter sido ligeiramente mais
demorada na última experiência, os achados confirmam essencialmente os estudos anteriores, pois a
maior parte dos depósitos musculares de ATP e CP depletados durante o exercício é restaurada dentro
de poucos minutos de recuperação. Além disso, os resultados dos estudos nos quais os fosfagênios
musculares foram medidos diretamente concordam com os outros estudos relacionados, indireta ou
teoricamente, com a restauração dos fosfagênios.

2.2 Energética da restauração do fosfagênio

A energia ATP necessária para a restauração dos fosfagênios é fornecida principalmente pelo sistema
aeróbio, graças ao oxigênio consumido durante o componente alático do débito de oxigênio. Vamos
lembrar que, quando o fluxo sanguíneo e, consequentemente, o fornecimento de oxigênio era ocluído
durante a recuperação, não ocorria nenhuma ressíntese da CP. Não obstante, recentemente foi sugerido
que uma pequena parte da energia necessária para a restauração do fosfagênio pode ser conseguida
também sem oxigênio, por meio da glicólise anaeróbia.

De qualquer forma, a energia aeróbia de que se passa a dispor graças à reposição do fosfagênio
provém da desintegração de carboidratos e gorduras em CO2 e H2O no ciclo de Krebs e no sistema de
transporte de elétrons. Parte do ATP assim ressintetizado é armazenada diretamente nos músculos,
enquanto outra parte é desintegrada imediatamente, com a energia liberada sendo utilizada para a
ressíntese da CP. A seguir ocorre também o armazenamento da CP no músculo.

É importante enfatizar que a CP só pode ser ressintetizada em reações acopladas por meio da
energia liberada quando o ATP é desintegrado. Em outros termos, o ATP, porém não a CP, é ressintetizado
diretamente com base na energia liberada pela desintegração dos alimentos.

Já que a maior parte da energia para a restauração do fosfagênio provém do débito alático de
oxigênio, é também refeita muito rapidamente, e isso leva, no máximo, cerca de três minutos para se
18
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

processar completamente. A velocidade dessa reposição pode ser calculada com base na análise da
curva de consumo de oxigênio durante os primeiros poucos minutos de recuperação. Quando calculado
dessa forma, o tempo de meia‑reação dessa reposição é de aproximadamente 30 segundos. Isso significa
que, em 30 segundos, metade do débito alático total é pago; em um minuto, 3/4; em um minuto e
meio minuto, 7/8; e, em três minutos, 63/64. Entretanto, como acabamos de assinalar, a verdadeira
velocidade com a qual as reservas de ATP e CP são reabastecidas é ligeiramente maior, isto é, com 70%
(e não apenas 50%), sendo restaurados em 30 segundos. A razão dessa discrepância está no fato de que
a quantidade de oxigênio consumido durante a recuperação inclui não apenas aquela necessária para
refazer as reservas de ATP e CP, mas também (1) uma certa quantidade de oxigênio extra necessária
para repor as reservas depletadas (cerca de 0,6 litro de oxigênio num exercício máximo), (2) cerca de
50 ml de oxigênio extra exigido pelos músculos respiratórios e pelo coração ainda ativados e (3) uma
certa quantidade de oxigênio extra exigido pelo corpo em geral, em virtude do aumento da temperatura
tecidual. Com essas correções, o tempo de meia‑reação fica ao redor de 20 segundos, o que concorda
plenamente com a verdadeira velocidade de restauração do fosfagênio, determinada pela análise de
amostras musculares.

Quanto maior tiver sido a depleção de fosfagênio durante o exercício, maior será a quantidade
de oxigênio exigida para a restauração durante a recuperação. Por causa disso, essas duas
quantidades, referentes à restauração do fosfagênio e ao débito alático de oxigênio, devem ser
relacionadas. Tal relação se baseia no fato de serem necessários 3,45 litros de oxigênio para a
produção de um mol de ATP, dado que foi utilizado para avaliar indiretamente a capacidade
máxima do fosfagênio em homens e mulheres.

O valor máximo do débito alático de oxigênio oscila entre dois e três litros de oxigênio em homens
destreinados, com valores mais altos associados a atletas bem treinados. Por exemplo, débitos aláticos
de oxigênio superiores a seis litros já foram registrados em remadores competitivos do sexo masculino.

Conforme mencionado há pouco, a estreita relação entre o débito de oxigênio e a restauração


do fosfagênio, esse imenso débito alático, pode ser interpretada como a restauração de uma grande
quantidade de fosfagênio durante a recuperação e, consequentemente, a depleção de uma quantidade
igualmente grande durante o exercício. Tal fato comporta importantes aplicações na área da Educação
Física e do Esporte, pois o velocista capaz de contrair um grande débito alático de oxigênio terá maior
sucesso, em termos genéricos, que aquele capaz de contrair um débito menor.

Observação

A quantidade de ATP correspondente à CP disponível (capacidade) e


sua velocidade de utilização (potência) estão diretamente relacionadas
com a habilidade de o atleta gerar e manter movimentos ou atividades
poderosas, como corrida de velocidade. Com um programa de treinamento
corretamente elaborado, pode‑se aprimorar o sistema do fosfagênio e,
consequentemente, o desempenho nessas atividades.

19
Unidade I

2.3 Ressíntese do glicogênio muscular

Por cerca de cinquenta anos, acreditou‑se que os depósitos musculares de glicogênio depletados
durante o exercício eram ressintetizados com base no ácido lático, durante o período de recuperação
imediata (de uma a duas horas) após o exercício. Atualmente, sabe‑se que isso não é verdade.

A reposição plena das reservas musculares de glicogênio após o exercício leva várias horas, até dias,
de acordo com dois fatores: (1) o tipo de exercício realizado (e que causou a depleção do glicogênio) e
(2) a quantidade de carboidratos dietéticos consumida durante o período de recuperação.

Existem dois tipos de exercícios que foram utilizados para estudar a depleção e a reposição do
glicogênio muscular: (1) atividades contínuas (longa duração e intensidade moderada) e (2) atividades
intermitentes (curta duração e alta intensidade). Nossa discussão será concentrada nesses dois tipos de
exercícios e incluirá, em cada um deles, uma análise da influência da ingestão dietética de carboidratos.

2.3.1 Depleção e reposição do glicogênio muscular: exercício contínuo de longa duração

Diversos estudos mostraram o padrão de depleção‑reposição do glicogênio muscular durante e após


um exercício de resistência com duração de uma hora (nadar, correr, pedalar), seguido por uma hora de
exercício exaustivo. Observou‑se que:

• apenas uma quantidade insignificante de glicogênio muscular é ressintetizada no período de


recuperação imediata (de uma a duas horas) após um exercício de resistência;

• a ressíntese completa do glicogênio muscular após um exercício de resistência requer uma alta
ingestão dietética de carboidratos por um período de recuperação de dois dias (46 horas);

• sem uma alta ingestão de carboidratos, apenas uma pequena quantidade de glicogênio é
ressintetizada até mesmo num período de cinco dias;

• a reposição de glicogênio muscular após uma dieta rica em carboidratos é mais rápida durante
as primeiras horas de recuperação depois de um exercício de resistência, alcançando um total
de 60% em 10 horas.

Em termos práticos, a informação precedente é importante para técnicos e atletas em provas de


resistência. A razão disso está relacionada à importância do glicogênio muscular como combustível
metabólico durante as atividades com exercícios árduos e prolongados.

Observação

O glicogênio representa o único combustível metabólico para a glicólise


anaeróbia e constitui um dos principais combustíveis para o sistema aeróbio
durante vários estágios das atividades de resistência. Existem também evidências
20
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

sugerindo que, quando as reservas de glicogênio dentro do músculo são baixas


ou foram depletadas, o músculo pode se cansar, mesmo quando ainda se
dispõe de gorduras como combustível. Assim, deve‑se manter o tempo todo
níveis adequados de glicogênio muscular. No entanto, isso nem sempre é fácil,
em razão de certos esquemas rígidos de treinamento com resistência, como
correr vários quilômetros todos os dias, e em virtude dos dois dias necessários
para que as reservas de glicogênio sejam plenamente refeitas.

2.3.2 Depleção e reposição do glicogênio muscular: exercício intermitente e de curta duração

Foram realizados vários estudos nos quais a reposição do glicogênio muscular foi examinada após exercício
intermitente (intenso) e de curta duração. Em um dos estudos, o exercício consistia em pedalar uma bicicleta
ergométrica com cargas muito altas por intervalos de um minuto, com três minutos de repouso entre as séries.
Esse padrão era continuado até que os indivíduos chegassem à exaustão e fossem incapazes de suportar até
mesmo 30 segundos de movimento durante uma das séries de exercícios. Durante o período de recuperação,
consumia‑se uma dieta mista normal ou uma dieta rica em carboidratos. Em outro estudo, os indivíduos
realizavam três séries de exercícios exaustivos de um minuto, novamente numa bicicleta ergométrica, com
quatro minutos de repouso entre as séries. A recuperação era acompanhada apenas por 30 minutos, tempo
durante o qual nenhum alimento era consumido pelos indivíduos. Chegou‑se às seguintes conclusões acerca
da ressíntese do glicogênio muscular após um exercício intermitente:

• uma quantidade significativa de glicogênio muscular pode ser ressintetizada entre 30 minutos e
duas horas de recuperação e na ausência de ingestão alimentar (carboidratos);

• a ressíntese completa do glicogênio muscular não requer uma ingestão de carboidratos superior
à normal;

• com uma dieta quer normal ou rica em carboidratos, a ressíntese completa do glicogênio muscular
requer um período de 24 horas;

• a ressíntese do glicogênio muscular é mais rápida durante as primeiras horas de recuperação,


alcançando um total de 39% em duas horas e de 53% em cinco horas.

O fato de quantidades significativas de glicogênio muscular poderem ser ressintetizadas em até duas
horas de recuperação após a realização de exercícios intensos e de curta duração, sem a necessidade de
suplementação de carboidratos, também é importante para o conhecimento do técnico e comporta uma
aplicação para o atleta de modalidades esportivas de velocidade, os quais, com frequência, competem
várias vezes num só dia (por exemplo, provas de pista e natação ou torneios de ginástica, lutas e basquete).

2.3.3 Fatores fisiológicos relacionados com as diferenças na ressíntese do glicogênio muscular

Por que a ressíntese do glicogênio muscular é diferente dependendo do tipo de exercício realizado
(exercício contínuo e intensidade moderada versus exercício intermitente e alta intensidade)? Não conhecemos
inteiramente a resposta para essa pergunta, entretanto, existem vários fatores que podem estar implicados.
21
Unidade I

Um deles pode estar relacionado com a quantidade global de glicogênio depletado durante o
exercício físico: por exemplo, com o exercício contínuo foi depletada uma quantidade de glicogênio
quase duas vezes maior que com o exercício intermitente. Assim, com menos glicogênio global a ser
ressintetizado, será necessário menos tempo. Essa ideia é apoiada pelo fato de que, nas primeiras 24
horas de recuperação, foi ressintetizada aproximadamente a mesma quantidade total de glicogênio,
independentemente de o exercício precedente ter sido contínuo ou intermitente.

Outro fator que pode ser importante diz respeito à disponibilidade de precursores do glicogênio.
Para sintetizar glicogênio (assim como qualquer composto), deve‑se dispor também de quantidades
adequadas de seus constituintes (precursores). Os precursores comuns do glicogênio são o ácido lático,
o ácido pirúvico e a glicose (para citarmos apenas alguns). O fígado e os músculos, onde começa a
maior parte da ressíntese, terão que dispor dessas substâncias. Após um exercício contínuo (longa
duração), a maioria desses precursores é encontrada em quantidades limitadas, enquanto após um
exercício intermitente (alta intensidade), em geral, existem em quantidades normais ou até superiores
às normais. Portanto, após um exercício intermitente, a síntese do glicogênio começa mais cedo. Além
disso, essa ideia ajuda a explicar por que a ingestão dietética de carboidratos é necessária após um
exercício contínuo (longa duração), mas não após um exercício intermitente (alta intensidade), assim
como por que uma ingestão de carboidratos superior à normal não acelera a ressíntese do glicogênio
após um exercício intermitente.

Um fator final que pode ajudar a explicar as diferenças na ressíntese do glicogênio após
várias espécies de exercícios poderia estar relacionado com os diferentes tipos de fibras
musculares. A maioria dos músculos humanos contém dois tipos básicos de fibras: a fibra de
contração rápida (CR), que é recrutada preferencialmente durante a realização de trabalhos
de curta duração e alta intensidade (como os exercícios intermitentes que estão sendo aqui
discutidos), e uma fibra de contração lenta (CL), que é utilizada preferencialmente durante
os exercícios contínuos e prolongados. Existem evidências sugerindo que a ressíntese de
glicogênio nas fibras CR é mais rápida que nas fibras CL. Consequentemente, é de se esperar
que a ressíntese do glicogênio seja mais rápida após os exercícios intermitentes, pois as fibras
CR são usadas em maior proporção nesse tipo de atividade que no exercício de resistência.

2.3.4 Energética da ressíntese do glicogênio muscular

A ressíntese do glicogênio implica uma série de complexas reações químicas, cada qual exigindo
enzimas específicas. Nesse momento, não precisamos discutir detalhadamente essas reações, porém,
convém esclarecer que esse processo requer energia que, em sua maior parte, chega na forma
de ATP gerado pelo sistema aeróbio. Parte dessa demanda energética poderia ser recebida por
meio do oxigênio consumido durante o componente lático do débito de oxigênio, entretanto, isso
seria verdade apenas para o glicogênio ressintetizado durante o período imediato de recuperação
pós‑exercício (de uma a duas horas), pois o débito lático, em geral, é pago nessa oportunidade.
Além disso, convém mencionar que ainda não foi determinada, experimentalmente, uma relação
quantitativa entre a ressíntese do glicogênio durante a recuperação e a energia ATP fornecida pelo
componente lático do débito de oxigênio.

22
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

2.3.5 Supercompensação do glicogênio muscular

A quantidade e a velocidade de ressíntese do glicogênio no músculo esquelético durante a recuperação


após um exercício podem ser aumentadas até valores bastante superiores em relação aos normais
(supercompensação) adotando‑se uma técnica especial envolvendo exercício e dieta. Essa informação
se revela útil para o técnico e/ou preparador físico no que diz respeito ao quadro de treinamento, pois
foi demonstrado que essa técnica aprimora o desempenho em provas de resistência.

2.3.5.1 Sobrecarga em glicogênio muscular (ou supercompensação)

Como já sabemos, a quantidade de glicogênio ressintetizada no músculo esquelético pode ser


aumentada até alcançar valores muito mais altos que os normais quando se adotam um ou mais dos
seguintes procedimentos dietéticos ou de exercícios:

• O primeiro desses procedimentos é a simples manipulação dietética. Atletas de resistência que


consomem uma dieta rica em carboidratos por três ou quatro dias após vários dias com dieta
mista normal podem aumentar seus depósitos de glicogênio dos 15 gramas normais para cerca
de 25 gramas por quilograma de músculo. Durante o período em que se recebe uma dieta rica em
carboidratos, não se deve realizar nenhum exercício exaustivo.

• Um segundo procedimento para sobrecarregar o músculo com glicogênio combina exercício e


dieta. Nesse procedimento, os músculos que se pretende sobrecarregar são primeiro depletados
de seus depósitos de glicogênio por meio de exercícios; a seguir, a pessoa adota uma dieta rica em
carboidratos por alguns dias. Demonstrou‑se que essa rotina duplica as reservas de glicogênio.
Nesse caso, também não se deve realizar nenhum exercício exaustivo durante o período no qual
se ingere uma dieta rica em carboidratos.

• Um terceiro procedimento para a sobrecarga com glicogênio consiste na adoção de exercícios e


duas dietas especiais (aqui também o exercício é utilizado para induzir a depleção do glicogênio).
A pessoa adota, por três dias, uma dieta muito pobre em carboidratos, porém rica em proteínas
e gorduras; após tal período, inicia‑se uma dieta rica em carboidratos, que deve ser adotada por
mais três dias. Exercícios exaustivos podem ser realizados durante o período da dieta rica em
gordura e proteína, porém não durante a dieta rica em carboidratos. Demonstrou‑se que esse
procedimento faz aumentar as reservas de glicogênio (nos músculos depletados) até valores que
se aproximam de 50 g/kg. Pode‑se conceber como isso resultaria em até 700 gramas de glicogênio
armazenado, ou 2.800 Kcal de energia disponível. Um valor médio para todos os músculos do
corpo seria de aproximadamente 400 gramas de glicogênio.

Deve‑se manter um certo grau de cautela sempre que se tenta a sobrecarga de glicogênio. Dos
procedimentos descritos anteriormente, o terceiro é mais difícil de ser adotado, particularmente numa base
semanal. Além disso, esse procedimento, no qual a depleção de glicogênio induzida por exercício é seguida por
uma dieta rica em proteína e gordura, produz uma certa sensação de fadiga. Portanto, para as competições
semanais, é sugerido qualquer um dos outros dois procedimentos; o método mais difícil para a sobrecarga
com glicogênio deve ficar reservado para as competições mais importantes, como as partidas de campeonato.
23
Unidade I

Outra preocupação a ser adotada na sobrecarga com glicogênio e que foi enfatizada em alguns
estudos anteriores é a possibilidade de uma ingestão reduzida de niacina durante a dieta rica em
carboidratos. Niacina é uma vitamina que funciona no corpo como coenzima para o sistema do oxigênio.

Observação

Uma coenzima facilita a ação de uma enzima. As coenzimas baseadas


na niacina agem como aceitadores de hidrogênio para algumas das reações
oxidativas do ciclo de Krebs.

Em um estudo, observou‑se uma redução no VO2máx. (cerca de 8% a 10%) após a dieta rica em
carboidratos. Concluiu‑se que a menor ingestão de niacina durante o procedimento para sobrecarga
com glicogênio pode deteriorar a potência aeróbia máxima. Embora isso seja possível, sua verificação
ainda requer mais pesquisas.

Seja qual for o procedimento utilizado, a sobrecarga com glicogênio resulta num maior
armazenamento muscular de água. Assim, essa sobrecarga do músculo costuma estar associada a
uma sensação de rigidez e peso. Por exemplo, um aumento nos depósitos de glicogênio de 15 g/kg
para 40 g/kg em 20 quilogramas de músculo equivale a um aumento no glicogênio de 450 gramas
e a um aumento na água de 1.350 gramas, totalizando um aumento no peso de 1.800 gramas. Para
alguns atletas isso pode ser suficiente para criar uma sensação de peso extra ou rigidez, sensação
essa que, em vez de aprimorar, pode deteriorar o desempenho, causando cãibras musculares e
fadiga precoce. Essa é uma das razões pelas quais a sobrecarga com glicogênio não é recomendada
para velocistas e outros atletas de não resistência. A outra razão, evidentemente, relaciona‑se ao
fato de que os depósitos musculares de glicogênio normalmente não limitam as atividades de alta
intensidade e curta duração.

3 REMOÇÃO DO ÁCIDO LÁTICO DO SANGUE E DOS MÚSCULOS

Inicialmente, lembramos que quando o ácido lático, que é um coproduto da glicólise anaeróbia,
se acumula nos músculos e no sangue, surge a fadiga. Portanto, a recuperação plena após exercícios
nos quais se acumularam grandes quantidades de ácido lático implica a remoção desse ácido tanto do
sangue quanto dos músculos que estiveram ativos durante o período precedente de exercício.

A seguir, temos algumas perguntas importantes relacionadas a esse processo e que precisam
ser respondidas:

• Quanto tempo terá que transcorrer para a remoção do ácido lático acumulado?

• Que fatores influenciam a velocidade de remoção do ácido lático?

• O que acontece com o ácido lático?

24
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

• Qual a relação entre a remoção de ácido lático durante a recuperação e o componente lático do
débito de oxigênio?

3.1 Velocidade de remoção do ácido lático

A evolução temporal da remoção do ácido lático do sangue e dos músculos é tratada em diversas
pesquisas. Em determinado estudo, o exercício consistiu em cinco séries de um minuto em uma bicicleta
ergométrica, concedendo‑se períodos de repouso de cinco minutos entre as séries de exercício. Durante
o período de recuperação, os indivíduos descansavam sentados na bicicleta (recuperação passiva).
Convém observar que era necessário transcorrer pelo menos uma hora de recuperação para remover a
maior parte do ácido lático acumulado.

O mesmo intervalo de tempo é também necessário após correr até a exaustão sobre uma esteira. Em
geral, pode‑se dizer que são necessários 25 minutos de recuperação passiva, após um exercício máximo,
para remover metade do ácido lático acumulado. Isso quer dizer que, após um exercício máximo, cerca
de 95% do ácido lático será removido em uma hora e 15 minutos de recuperação passiva.

Desse modo, no caso de exercícios físicos com intensidades submáximas, porém árduos, no qual
o acúmulo de ácido lático não é tão elevado, necessita‑se menos tempo para a remoção desse ácido
durante a recuperação.

3.2 Efeitos do exercício durante a recuperação sobre a velocidade de


remoção do ácido lático

Você provavelmente terá notado que, na discussão precedente, foi usada a expressão recuperação
passiva. Isso significa que os indivíduos descansavam durante toda a duração do período de
recuperação. Foi demonstrado que o ácido lático pode ser removido do sangue e dos músculos mais
rapidamente após um exercício de intenso a máximo recorrendo à realização de um exercício leve, em
vez de ficar apenas repousando durante todo o período de recuperação. Esse tipo de recuperação é
denominado recuperação ativa e se assemelha aos procedimentos de esfriamento que a maioria dos
atletas vinha praticando por muitos anos.

Em um estudo de Bonen e Belcastro (1976), indivíduos correram uma milha (1.600 metros) em
três dias separados. Foram utilizados três períodos de recuperação diferentes: (1) repouso, (2) exercício
contínuo constituído de um trote num ritmo autosselecionado e (3) exercício intermitente do tipo
praticado normalmente por atletas. Ambos os exercícios‑recuperações resultaram em aumentos
substanciais na velocidade de remoção do ácido lático do sangue, porém, a velocidade de remoção era
mais rápida durante a recuperação com trote contínuo. Com base nessa informação, parece sensato
aconselhar os atletas a se exercitarem continuamente durante todo o período de recuperação e não
apenas intermitentemente, como é sua prática normal.

Ainda em relação à remoção do ácido lático no período de recuperação, pode‑se fazer a seguinte
questão: com que intensidade o exercício deve ser realizado durante a recuperação a fim de promover
uma remoção ótima de ácido lático?
25
Unidade I

A intensidade do exercício de recuperação que produz a velocidade mais rápida ou ótima de


remoção do ácido lático sanguíneo foi calculada como entre 30% e 45% do VO2máx. Isso corresponde
a consumos de oxigênio entre 1 l/m e 1,5 l/min, ou entre 15 e 20 ml/kg/min, no nível muscular.
Entretanto, convém assinalar que esses números são calculados para a recuperação ativa realizada
numa bicicleta ergométrica com indivíduos que não são atletas. No caso de indivíduos treinados
realizando uma recuperação ativa como correr ou andar, foi mostrado que a remoção de ácido
lático é ótima com intensidades entre 50% e 65% do VO2máx. A principal razão para essa diferença
provavelmente está mais relacionada ao estado de treinamento dos indivíduos que à diferença nos
tipos de exercício (correr ou andar versus pedalar). Em outras palavras, quanto maior o grau de
aptidão física, mais alta deverá ser a intensidade do exercício de recuperação para uma remoção
ótima do ácido lático.

Falta mencionar mais um ponto: se a intensidade do exercício de recuperação for inferior ou superior
ao limite ótimo, o ácido lático é removido mais lentamente. De fato, convém destacar que, quando a
intensidade do exercício de recuperação é superior a 60% do VO2máx., a velocidade com que o ácido
lático é removido acaba sendo menor que durante a recuperação passiva. A razão disso é que, durante
o próprio exercício de recuperação, passa a ser produzido mais ácido lático.

3.3 Destino do ácido lático: fisiologia da remoção do ácido lático

Até aqui aprendemos que o ácido lático é removido do sangue e dos músculos durante a
recuperação após um exercício e que sua remoção é mais rápida durante a recuperação ativa do que
na recuperação passiva. Nossa próxima tarefa consiste em aprender o que acontece ao ácido lático e
por que sua remoção é mais rápida durante a recuperação ativa.

Existem três destinos possíveis para o ácido lático, descritos a seguir:

• Conversão em glicose e/ou glicogênio: já que o ácido lático é um produto da desintegração


dos carboidratos (glicose e glicogênio), pode ser transformado de novo em qualquer um
desses compostos no fígado (glicogênio e glicose) e no músculo (glicogênio), na presença
da energia ATP necessária. No entanto, conforme mencionado previamente, a ressíntese
do glicogênio no músculo e no fígado é extremamente lenta quando comparada com a
remoção do ácido lático. Além disso, a magnitude das alterações dos níveis sanguíneos de
glicose durante a recuperação também é mínima. Portanto, a conversão do ácido lático
em glicose e glicogênio é responsável por uma fração apenas mínima do ácido lático total
removido. Essa transformação do ácido lático em glicose ou glicogênio no fígado é chamado
de gliconeogênese.

• Conversão em proteína: os carboidratos, incluindo o ácido lático, podem ser convertidos


quimicamente em proteína dentro do corpo. No entanto, aqui também se demonstrou que
apenas uma quantidade relativamente pequena de ácido lático é transformada em proteína
durante o período imediato de recuperação após um exercício. Esse processo é conhecido
como transaminação.

26
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

• Oxidação/conversão em CO2 e H2O: o ácido lático pode ser utilizado como combustível metabólico
para o sistema do oxigênio, predominantemente pelo músculo esquelético, porém o músculo
cardíaco, o cérebro, o fígado e o rim também são capazes de realizar essa função. Na presença de
oxigênio, o ácido lático é convertido primeiro em ácido pirúvico e, a seguir, em CO2 e H2O no ciclo
de Krebs e no sistema de transporte de elétrons, respectivamente. Evidentemente, no sistema de
transporte de elétrons, ocorre também a ressíntese de ATP por meio de reações acopladas.

Lembrete

Gliconeogênese é o nome dado ao conjunto de processos pelos quais


o organismo converte substâncias não glicídicas (como aminoácidos,
lactato, piruvato e glicerol) em glicose ou glicogênio. Essa transformação é
conhecida como Ciclo de Cori ou Glicose‑Lactato‑Glicose.

Saiba mais

Para mais explicações sobre a remoção do ácido lático, você pode ler o
artigo indicado a seguir:

BERTUZZI, R. C. de M. et al. Metabolismo do lactato: uma revisão sobre a


bioenergética e a fadiga muscular. Revista Brasileira de Cineantropometria
e Desempenho Humano, Trindade, v. 11, n. 2, p. 226‑234, 2009.

O uso do ácido lático como combustível metabólico para o sistema aeróbio é responsável pela maior
parte de sua remoção durante a recuperação após um exercício físico. Apesar de isso ser verdadeiro
tanto para a recuperação passiva quanto para a ativa, a oxidação é responsável por mais remoção do
ácido lático na forma da recuperação ativa.

Como acabamos de mencionar, sabe‑se que vários órgãos são capazes de oxidar o ácido lático,
entretanto, existe uma concordância bastante generalizada de que o músculo esquelético é o principal
órgão implicado nesse processo.

De fato, admite‑se que a maior parte do ácido lático oxidado pelo músculo o é dentro das fibras
de contração lenta e não naquelas de contração rápida. Essas são as principais razões de a remoção do
ácido lático ser mais rápida durante a recuperação ativa do que na recuperação passiva. Por exemplo, no
primeiro, tanto o fluxo sanguíneo que carreia ácido lático para os músculos quanto a taxa metabólica
dos músculos ativos estão grandemente aumentados. Além disso, o tipo de exercício utilizado durante
a maioria das recuperações ativas recruta preferencialmente fibras de contração lenta para a realização
desse tipo de trabalho.

27
Unidade I

4 RESTAURAÇÃO DAS RESERVAS DE OXIGÊNIO

Sabe‑se que o oxigênio é armazenado dentro do corpo. Apesar de essas reservas serem pequenas,
elas se mostram importantes durante o exercício, particularmente o intervalado, pois são utilizadas
durante os períodos de trabalho e, a seguir, são repostas durante os períodos de repouso.

4.1 Reservas de O2‑mioglobina

O oxigênio é armazenado principalmente no músculo em combinação química com a mioglobina,


que é um composto proteico complexo semelhante à hemoglobina encontrada no sangue (a
mioglobina é denominada, com frequência, hemoglobina muscular). A mioglobina age como
depósito para o oxigênio, porém admite‑se também que participa funcionalmente na transferência
real (difusão) do oxigênio do sangue para as mitocôndrias existentes dentro da célula muscular,
onde é consumida. Assim, a mioglobina desempenha um papel duplo: armazenamento de oxigênio
e facilitação de sua difusão do sangue para as mitocôndrias.

4.2 Dimensão e importância das reservas de O2‑mioglobina

Como acabamos de mencionar, as reservas de O2‑mioglobina são pequenas. Por exemplo, calculou‑se
que apenas 11,2 mililitros (ml) de oxigênio são armazenados com a mioglobina por quilograma (kg) de
massa muscular. Admitindo‑se um total de 30 kg de massa muscular numa pessoa com 70 kg de peso
corporal, chega a perfazer cerca de 336 ml de oxigênio. Em atletas, que costumam possuir valores maiores
de massa muscular, os depósitos totais de O2‑mioglobina, apesar de mais volumosos, ainda assim podem
ser de apenas 500 ml. Entretanto, as reservas de O2‑mioglobina são importantes durante o exercício
intervalado, não em virtude de seu tamanho, mas por causa de sua rápida restauração durante os períodos
de recuperação. Isso permite sua utilização por diversas vezes durante os períodos de trabalho do exercício.

Para nossas finalidades atuais a respeito dos programas de treinamento físico, particularmente o
exercício físico de alta intensidade, por exemplo, os intervalados, a disponibilidade do oxigênio para
os músculos ativos é baixa. Consequentemente, o oxigênio que estava combinado com a mioglobina é
liberado para o músculo e acaba sendo entregue às mitocôndrias. Ocorre exatamente o contrário durante
a recuperação após um exercício. Aqui a disponibilidade de oxigênio aumenta muito, acarretando um
reabastecimento da mioglobina com oxigênio, processo esse que se admite levar apenas alguns poucos
segundos para se completar.

Resumo

O período de recuperação após o exercício físico caracteriza‑se por maior


consumo de oxigênio em relação ao repouso (conhecido como débito de
oxigênio ou Epoc) apesar da interrupção desse exercício. Tal débito após o
exercício inclui o reabastecimento (reposição) das reservas energéticas que
foram depletadas (consumidas na musculatura) e a remoção de qualquer
ácido lático que tenha se acumulado durante o exercício.
28
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Nesse contexto, a porção inicial rápida do Epoc foi denominada


componente alático do débito de oxigênio e pode ocorrer dentro de uma
hora, com a reposição dos estoques fosfagênios de ATP e CP, enquanto
a fase mais lenta recebeu o nome de componente lático do débito de
oxigênio, com a reposição dos estoques glicogênio.

Adicionalmente, o Epoc aumenta linearmente com a duração do exercício


físico. O aumento da intensidade do exercício físico, por sua vez, parece afetar
tanto a magnitude quanto sua duração. Esse aumento do Epoc, tanto pelo
aumento da duração quanto pelo aumento da intensidade, é importante
para a diminuição do peso corporal em programas de emagrecimento.

Um outro componente importante após o exercício físico é a remoção


do ácido lático do sangue e dos músculos, de modo que tanto a recuperação
passiva quanto a ativa podem ser utilizadas para removê‑lo. Cabe ainda
ressaltar que o ácido lático pode ser convertido em glicose ou glicogênio no
fígado (gliconeogênese), em proteínas (transaminação) e utilizado na oxidação.

Exercícios

Questão 1. Durante a realização do exercício acontece a produção muscular de ácido lático.


Baseando‑se nessa produção, assinale a única alternativa INCORRETA sobre um provável destino/caminho
do ácido lático durante a recuperação.

A) Conversão em glicose e glicogênio no fígado.

B) Conversão em glicose e glicogênio no pâncreas.

C) Conversão em glicogênio no músculo.

D) Oxidação.

E) Conversão em proteínas.

Resposta correta: alternativa B.

Análise da questão

Os destinos possíveis para o ácido lático durante o período de recuperação são: 1) excreção
na urina e no suor; 2) conversão em glicose (fígado) e/ou glicogênio (fígado ou músculo);
3) conversão em proteína. A conversão em glicose e glicogênio acontece no fígado ou no
músculo, não no pâncreas.

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Unidade I

Questão 2. Analise as afirmativas a seguir:

O ácido lático pode ser removido do sangue e dos músculos com maior ou menor rapidez após o
exercício físico.

PORQUE

A intensidade durante a realização recuperação “ativa” ou a recuperação “passiva” são estratégias


que interferem nesta remoção.

A esse respeito, pode‑se concluir que:

A) As duas afirmativas são verdadeiras e a segunda justifica a primeira.

B) As duas afirmativas são verdadeiras, mas a segunda não justifica a primeira.

C) A primeira afirmativa é falsa e a segunda é verdadeira.

D) A primeira afirmativa é verdadeira e a segunda é falsa.

E) As duas afirmativas são falsas.

Resolução desta questão na plataforma.

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