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Maconha: qual a amplitude de seus prejuízos?

Flavia S Jungerman Ronaldo


Laranjeira Rodrigo A Bressan
Maconha: qual a amplitude de seus prejuízos?

A maconha é a droga ilícita mais usada em todo o mundo. O uso da maconha geralmente é
intermitente e limitado; no entanto, estima-se que 10% dos que experimentaram maconha tornam-se
usuários diários e 20 a 30% a consomem semanalmente. Dados da Austrália mostram que os
indivíduos têm iniciado o uso bem mais cedo e a concentração de delta9-tetrahidrocanabinol (THC,
principal substância psicoativa presente na maconha) está 30% maior do que há 20 anos atrás. 1-
2
 Alguns autores sugerem que damos menos atenção aos danos causados pela maconha por seus
efeitos nocivos não serem tão óbvios como o de outras drogas. 1 No entanto, nos últimos anos,
começou-se a investir em pesquisas buscando avaliar a amplitude dos efeitos do uso desta droga.
Este tema é particularmente importante para profissionais de saúde mental, pois os maiores
prejuízos relacionados ao uso da maconha são os transtornos mentais que acabam sendo
relacionados com o consumo.

Uma conferência internacional intitulada "Cannabis e Saúde Mental", em dezembro de 2004, no


Instituto de Psiquiatria da Universidade de Londres, abordou dois aspectos opostos relacionados à
maconha e saúde mental: 1) as consequências do uso recreacional, abuso e dependência da
maconha; 2) o uso terapêutico dos derivados da maconha (canabinóides). Neste editorial,
trataremos dos estudos relacionados ao impacto do uso de maconha. A partir de estudos com o
THC, Mechoulam et al descobriram o sistema endocanabinóide humano. Receptores cerebrais
(CB1) e neuromoduladores (ex: anandamida) têm um papel importante na fisiologia cerebral
regulando diversos sistemas neurotransmissores, tais como: dopaminérgico, serotonérgico,
colinérgico, glutamatérgico e gabaérgico. Estudos com animais mostram que o uso crônico de THC
determina um desbalanço no sistema endocanabinóide e, por conseqüência, alterações nos diversos
sistemas neurotransmissores.

A maconha é a droga ilícita mais usada por grávidas e estudos com animais e fetos humanos
abortados evidenciam efeitos deletérios cerebrais devido à exposição intra-uterina à maconha que
podem determinar alterações na vida adulta, inclusive na predisposição para o consumo da
droga.3 Vários estudos mostram que a maconha pode produzir alterações cognitivas; usuários
crônicos apresentam déficits em várias áreas, incluindo aprendizado verbal, memória de curto prazo,
atenção e funções executivas.1-2 O impacto cognitivo é maior quanto mais precoce e maior a duração
do uso. Ainda não está claro se as alterações cognitivas melhoram com a abstinência prolongada e
estudos maiores investigando a irreversibilidade dos déficits neuropsicológicos associados ao uso
prolongado desta substância são necessários.

Uma série de estudos tem se concentrado num tema muito em voga atualmente, a relação entre uso
de maconha e psicose.2,4 Verdoux et al estudaram populações de estudantes e constataram que a
maconha é um fator de risco para experiências psicóticas na vida diária. Uma meta-análise realizada
recentemente mostrou que a maconha duplica o risco de psicose e contribui para 8 a 13% dos casos
de psicose na população.2 Mary Cannon et al analisaram dados de um estudo de coorte
populacional realizado na Nova Zelândia 2 e mostraram que a maconha estava associada à
emergência de psicose em usuários portadores de uma variação alélica do gene da enzima COMT
(catechol-O-methyltransferase). Estes achados evidenciam a interação entre predisposição genética
e a exposição ambiental à maconha no desenvolvimento dos quadros psiquiátricos, já que os
indivíduos portadores de genes relacionados com a esquizofrenia têm uma chance muito maior de
desenvolver a doença quando usam maconha do que os que não têm o gene.

A maconha determina alterações cerebrais mais sutis do que o álcool, cocaína ou heroína. O artigo
de Crippa et al,5 neste fascículo, faz uma revisão dos principais achados em relação ao impacto do
uso da maconha no cérebro, ou seja, os efeitos neurotóxicos residuais. Poucos estudos examinaram
esta questão com metodologia adequada, mas os autores mostram como os avanços das técnicas
de neuroimagem estrutural e funcional se prestam para investigação dos efeitos da maconha e seus
derivados no cérebro. O artigo sugere novos caminhos para investigação de alterações cerebrais
sutis, tais como estudos com desenhos adequados combinando diferentes técnicas de neuroimagem
e avaliações cognitivas.

Atualmente, está claro que a maconha é mais prejudicial quanto mais cedo se começa, quanto mais
anos se usa e se houver exposição intra-uterina. A maconha não é condição necessária ou
suficiente para a ocorrência de quadros psicóticos, mas é um componente causal que interage com
outros componentes causais, tais como genótipo, condições ambientais e de neurodesenvolvimento.
Apesar das alterações cerebrais relacionadas ao uso da maconha serem mais sutis que as
alterações determinadas por outras drogas, não significa que elas não existam e não sejam
relevantes. Com o avanço das técnicas exploratórias do cérebro humano vemos um caminho a
seguir. Acreditamos que a combinação de diversas abordagens que permitam avaliar os indivíduos
sob diferentes aspectos, tais como clínica, psicossocial, terapêutica, neuropsicológica, neuroimagem
(estrutural, funcional e molecular) e genética, poderemos ter dados mais precisos sobre as
consequências do uso da maconha.

A maconha sempre foi uma planta polêmica e continua sendo, pois além de ser uma droga de abuso
que pode causar prejuízos,1-4 ela contém uma série de substâncias com propriedades terapêuticas
comprovadas e potenciais. Informações científicas coerentes que favoreçam o esclarecimento
destes dois aspectos diametralmente opostos da maconha podem facilitar imensamente as
discussões sobre o uso da maconha e seus componentes na nossa sociedade.

Flavia S Jungerman e Ronaldo Laranjeira

Uniad – Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas,

Departamento de Psiquiatria,

Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Rodrigo A Bressan

LiNC – Laboratório Interdisciplinar de Neuroimagem e Cognição, Departamento de Psiquiatria,

Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Referências

1. Hall W, Solowij N. Adverse effects of cannabis. Lancet. 1998;352(9140):1611-6.

2. Castle DJ, Murray R. Marijuana and madness; psychiatry and neurobiology. Cambridge, UK:
Cambridge University Press; 2004.

3. Smith AM, Fried PA, Hogan MJ, Cameron I. Effects of prenatal marijuana on response inhibition:
an fMRI study of young adults. Neurotoxicol Teratol. 2004;26(4):533-42.

4. Witton J, Murray RM. Reefer madness revisited: cannabis and psychosis. Rev Bras Psiquiatr.
2004;26(1):2-3.

5. Crippa JA, Lacerda AL, Amaro E, Busatto G, Zuardi AW, Bressan RA. Brain effects of cannabis:
neuroimaging findings. Rev Bras Psiquiatr. 2005;27(1):70-8

Versão original aceita em Português

https://www.scielo.br/j/rbp/a/Yg49JdvghXMvz6L6FXHgpMs/?lang=pt
Efeitos da maconha no organismo a curto e longo prazos

por Ghostwriter 

De fato, muitas pessoas usam a maconha como uma fuga do estresse do dia a dia. Mas o que
pouco se fala são os efeitos nocivos da maconha.
Há uma série de malefícios gerados por essa substância que tira a qualidade de vida da pessoa que
faz o uso dela.
Por isso, neste artigo você verá alguns dos principais efeitos de tal substância.
.
Efeitos colaterais da maconha

A maconha afeta não só a saúde mas também a vida social e a carreira de uma pessoa. 
Assim, o uso crônico da maconha tem sido associado a taxas mais altas de ausências, acidentes e
queda do rendimento laboral.

Efeitos de curto prazo 

Os efeitos a curto prazo da maconha são variados, mas raramente causam a morte. Alguns deles
são:
 Aumento do ritmo cardíaco, do ritmo respiratório e da pressão arterial.
 Boca seca.
 Olhos vermelhos.
 Aumento do apetite.
 Raciocínio aleatório.
 Falta de percepção do tempo.
 Perda de memória.
 Incapacidade de concentração ou de aprender coisas novas.
 Coordenação deficiente.
 Dificuldade na resolução de problemas.
 Paranóia.
 indivíduos portadores de genes relacionados com a esquizofrenia têm uma chance muito maior de
desenvolver a doença quando usam maconha do que os que não têm o gene.

De fato, a maconha pode conter até 70% mais carcinógenos do que a fumaça do tabaco, o que pode
irritar os pulmões. A maconha também aumenta o risco de infecções das vias aéreas.
Efeitos de longo prazo da maconha
De fato, uso a longo prazo da maconha pode causar sérios efeitos no corpo. Aqui estão alguns
efeitos comuns:
 Aumento do risco de problemas respiratórios, incluindo câncer de pulmão
 Queda no potencial reprodutivo
 Julgamento e cognição deficiente
 Doenças psiquiátricas como a esquizofrenia, depressão e ansiedade
 Efeitos negativos significativos sobre o status social e profissional
 Redução de massa cerebral em certas regiões
Este último ponto foi mostrado em detalhes neste vídeo.
Como visto, a maconha também é ligada a problemas de saúde mental, como a esquizofrenia,
depressão e ansiedade.
Assim, quanto mais jovem a pessoa é quando começa a usar maconha, mais chances ela tem de
desenvolver uma doença mental.
Mas, também é difícil determinar se a doença mental aparece primeiro e se a pessoa usa maconha
para se automedicar, ou se a maconha causa a doença mental.

Maconha causa dependência?


O uso esporádico da maconha pode não causar danos excessivos a uma pessoa.
Mas, o uso frequente da droga pode se transformar em dependência, o que pode levar alguém a se
envolver em atividades ilegais ou arriscadas para procurar e usar a droga. 
Nesse contexto, a maconha também afeta o cérebro porque o ingrediente principal, THC, entra na
corrente sanguínea e vai até o cérebro onde reage com várias partes. 
Assim, a maconha afeta a parte do cérebro chamada Sistema de Recompensa e gera prazer.
Por isso que muitas pessoas ficam dependentes. 
Ou seja, a euforia, uma intensa sensação de felicidade e excitação causa mudanças cerebrais que
geram dependência. 
→ Tetra-hidrocanabino (THC)

O THC é o principal componente psicoativo da maconha.

O tetra-hidrocanabinol, conhecido como THC, é o principal componente psicoativo da maconha,


sendo ele o responsável por sintomas psicóticos naqueles indivíduos que apresentam maior
vulnerabilidade. Como sabemos, a forma mais comum de administração da maconha é a inalação.

Ao ser inalado, o THC atinge o sistema circulatório e reconhece receptores no cerebelo, córtex e
hipocampo. Ao reconhecer esses receptores, o THC provoca as manifestações agudas
características dessa droga, como redução da capacidade de memória, relaxamento ou euforia e
alteração da percepção de tempo e espaço.

Não podemos nos esquecer de citar ainda que o THC possui algumas propriedades terapêuticas.
Entre as utilidades que podem ser atribuídas ao THC, destacam-se:

 Tratamento de dor, enjoo e vômitos decorrentes de quimioterapia;

 Perda de apetite em pacientes com AIDS;

 Distúrbios do movimento;

 Glaucoma;

 Doenças cardiovasculares.

→ Efeitos colaterais da maconha

O uso da maconha pode desencadear alguns efeitos no organismo humano. Vale destacar que os
efeitos irão depender de vários fatores, como da quantidade utilizada da
droga, estado emocional do usuário e se há uso combinado com outra droga. Entre os principais
efeitos a curto prazo podemos citar:

 Ansiedade;

 Aumento da probabilidade de ocorrência de sintomas psicóticos;

 Diminuição da atenção e memória;

 Diminuição da capacidade motora;

 Euforia;

 Os sentidos tornam-se mais aguçados;

 Pânico;

 Paranoia;

 Sensação de relaxamento.

Não podemos nos esquecer que a maconha pode gerar danos graves caso seja usada durante a
gestação. Atualmente, a maconha é considerada a droga ilícita mais usada por mulheres durante a
gestação. Estudos indicam que o uso de maconha durante a gravidez pode estar relacionado com
malformações, anencefalia e problemas cognitivos na criança.
Os efeitos da maconha são diferentes quando se fuma e quando se utiliza apenas os componentes
presentes nessa planta para fins terapêuticos.

Vale destacar ainda que o uso crônico dessa droga pode causar danos cognitivos graves no
usuário. Entre os principais problemas identificados observa-se deficit de atenção e memória de
curto prazo. Seu uso constante pode ainda causar a chamada “síndrome amotivacional”, que se
caracteriza por um estado de indiferença e passividade.

Não podemos nos esquecer, ainda, que o uso crônico da maconha pode afetar de maneira
negativa o sistema respiratório, sendo responsável até mesmo pelo desenvolvimento
de câncer. Nos homens podem ainda causar uma séria diminuição do hormônio testosterona e em
mulheres pode até mesmo afetar a ovulação.

Leia também: Heroína

Estudos indicam também que o uso da maconha pode ser responsável pelo desenvolvimento de
esquizofrenia. Weiser e colaboradores, no trabalho “Uso de maconha na adolescência e risco de
esquizofrenia” enfocam que “o uso regular de maconha apresenta um risco potencial para o
desenvolvimento de transtornos esquizofrênicos, particularmente em indivíduos vulneráveis.”

O uso da crônico da maconha pode causar danos cognitivos.

Sabe-se que quanto mais cedo um indivíduo inicia o uso de maconha e maior for o tempo de
uso, maior o impacto negativo nesse indivíduo. Entretanto, o que não se sabe de maneira
precisa é se esses efeitos são interrompidos após um grande período sem uso da maconha. Desse
modo, mais estudos devem ser realizados nessa área.

→ A maconha causa dependência?

Alguns estudos afirmam que o usuário depois um longo período de exposição aos canabinoides
pode sentir dependência dos efeitos dessa substância após a interrupção do uso. De acordo com o
trabalho “Aspectos Terapêuticos de Compostos de Plantas Cannabis sativa”, os sintomas da
dependência dos efeitos psicotrópicos da planta são agitação, irritabilidade, insônia, náusea e
cãibras.

→ Haxixe

O haxixe pode ser definido como a resina extraída da Cannabis e posteriormente seca e prensada.
O haxixe pode ser fumado ou ingerido e é caracterizado por apresentar
uma maior quantidade de substâncias psicoativas quando comparadas à mistura de folhas e
grãos de maconha secos, que são geralmente fumados.

→ Skunk

O skunk é um tipo de maconha que é cultivado em condições especiais e que se destaca por
ser mais forte que a maconha convencional. Ele caracteriza-se pelo alto teor de THC, o principal
componente psicoativo da maconha. O uso do skunk pode ser perigoso, uma vez que estudos
indicam que esse tipo de maconha pode aumentar consideravelmente o risco de desenvolver
psicose.

Publicado por Vanessa Sardinha dos Santos


A maconha e seus malefícios à saúde: lobo em pele de cordeiro
Lucas Gualtieri*
Certamente, ao refletir ou debater sobre a polêmica da liberação das drogas, o leitor já deve ter se
deparado com argumentos sedutores a favor da descriminalização. “A legalização das drogas é o
mais sensato a ser feito”; “a ‘guerra às drogas’ fracassou! É preciso uma nova alterantiva!”; “porque
devemos encarcerar milhares de pessoas pelo uso de uma erva inofensiva?”; “O mundo inteiro está
legalizando; porque o Brasil vai ficar para trás?” “Os impostos arrecadados com a venda da
maconha legalizada pagarão com folga os custos de prevenção e tratamento.” São afirmações
repetidas aos quatro ventos como premissas inafastáveis, e que, por tantas vezes marteladas,
converteram-se em verdade intocável; quase um dogma. Esta percepção é compartilhada por
Theodore Dalrymple, que afirma ser “possível observar uma progressão das mentalidades: num
primeiro momento, o impensável se torna pensável. Mais tarde, torna-se uma ortodoxia cuja verdade
parecerá tão óbvia que ninguém mais ousará lembrar que alguém já pensou a coisa de forma
diferente. É exatamente isso que está acontecendo com a ideia sobre a legalização das drogas,
sobre a qual já se chegou ao estágio no qual milhões de cérebros estão em unânime acordo.”[1]

Ocorre que a verdade parece estar um pouco além, e nosso objetivo é jogar luzes neste debate. Por
isso, começo hoje, na Gazeta do Povo, uma série de artigos com a proposta de analisar criticamente
os principais argumentos pró-liberação das drogas, à luz de fatos concretos e dados científicos.
Como o leitor terá a oportunidade de conhecer, os propalados benefícios da legalização das drogas
não passam de mitos, verdadeiro Cavalo de Tróia argumentativo que, além de não implicarem nas
mudanças sociais positivas que preconizam, trazem riscos reais para o indivíduo e para a
sociedade.

Nesse primeiro texto, vamos analisar o mito segundo o qual a maconha é uma erva inofensiva e que
não causa dependência. Essa afirmação é de importância central para o “lobby” da maconha, afinal,
a defesa de uma droga conhecidamente prejudicial não atrairia adeptos. Mostrar a maconha como
uma droga inofensiva é condição essencial para que “o impensável se torne pensável”.

Ocorre  que, diversamente do que se afirmar, não é de hoje que os malefícios da maconha para o
usuário e para a sociedade são conhecidos e reconhecidos por cientistas e estudiosos.

História
Nas Américas, a maconha foi introduzida inicialmente no México, por volta de 1530, por
navegadores espanhóis. A maconha era usada em razão da sua fibra, que servia para fazer cordas
e roupas. Com o passar do tempo, já no século 19 há relatos históricos de uso fumado da erva,
inclusive em rituais religiosos de índios. Daí em diante, avolumaram-se os relatos de efeitos
psicóticos causados pelo uso da maconha. Em estudo publicado em 1908 no Boston Medical and
Surgical Journal, um médico que atendia em um campo de mineração relatou: “Meu pequeno
acampamento de 700 ou 800 pessoas é uma clínica perfeita de histeria... causada pelo uso fumado
de uma erva que cresce abundantemente nas colinas, chamada 'marihuana'.” O mesmo médico
ressaltou que “[…] [a] excitação [causada pela erva] é extremamente violenta por dois ou três dias,
exigindo contenção forçada: é acompanhada de alucinações."[2].

Também na Índia, onde a maconha era muito consumida legalmente, gerando forte arrecadação
para a Coroa Britânica à época, a associação da droga a problemas psiquiátricos era uma realidade
já no século 19. Em 1873, o Departamento de Finanças da Inglaterra publicou um relatório, em que
afirmava sobre a maconha: “O uso habitual tende a produzir insanidade”. Em 1904, o Dr. George
Francis Willian Ewens publicou um artigo no The Indian Medical Gazette, em que afirmou:

Há uma forma especial de doença mental atendida na Índia geralmente classificada como
Insanidade Tóxica que parece ter uma relação direta com o uso excessivo de drogas de cânhamo. . .
Os sintomas são quase inteiramente mentais, entre o grande número que já vi, ao contrário dos
resultados de álcool, arsênico, etc.

(Apud Berenson, Alex. Diga aos seus filhos: A verdade sobre maconha, doença mental e violência
(p. 11). Imprensa Livre. Edição do Kindle.) seeds.”)

Lala Kihal Chand, um dos representantes indianos em uma comissão criada pelo governo britânico
para discutir a proibição da maconha, expôs a realidade sobre o uso da droga na Índia daquela
época, afirmando que “as estatísticas mostraram que de 20 a 30% dos pacientes internados
estavam doentes por causa da cannabis, e que cerca de 20% dos ‘lunáticos criminosos’ nos
hospitais psiquiátricos de Bengala tinham um diagnóstico de insanidade relacionada à cannabis,
muito mais do que aqueles cuja doença mental foi atribuída ao álcool ou ópio”[3].

Os malefícios da maconha perduraram ao longo dos anos, também sendo corroborados por estudos
científicos atuais.

O jornal britânico Independent publicou uma reportagem em 2007 intitulada “Cannabis: An apology”.
Já no subtítulo o jornal afirma que em 1997 lançou uma campanha para apoiar a discriminalização
da droga, mas àquele tempo desconhecia seus malefícios, os quais, fossem conhecidos, não teriam
permitido o lançamento da campanha de 10 anos antes.[4]

A reportagem traz dados relevantes: o número de adolescentes que necessitaram de tratamento em


razão do uso de skunk aumentou 25 vezes entre 1997 e 2007; mais de 22.000 pessoas foram
tratadas por vício em maconha em 1996.  Especialistas ouvidos pela reportagem afirmaram que "a
ligação entre cannabis e psicose é bastante clara agora; não era há 10 anos”[5] e que “ao menos
25.000 esquizofrênicos no Reino Unido poderiam ter evitado a doença se não tivessem usado
cannabis”.[6]

Um estudo publicado na revista Lancet[7] também em 2007 traçou uma matriz de risco sobre o uso
de vinte substâncias passíveis de abuso, a partir da avaliação de profissionais de diversas áreas,
como químicos, farmacêuticos, cientistas forenses, psiquiatras e outros especialistas médicos. O
resultado apontou a maconha como a 11ª substância mais perigosa, à frente do LSD, anabólicos
esteróides e ecstasy.
Diversos outros profissionais ao redor do mundo, notadamente médicos, vêm reconhecendo a
falácia da afirmação segundo a qual a maconha não causa dependência ou danos à saúde.

Para o Dr. David E. Smith, fundador da Haight Ashbury Free Medical Clinic in San Francisco e
usuário de maconha de 1960 a 1988, "a maconha é uma droga perigosa e debilitante”, sendo que “a
natureza da droga promove um grau de negação que é sutil e insidioso. Indivíduos que usaram
maconha cronicamente podem estar anos em abstinência e recuperação de seu uso antes de se
tornarem plenamente conscientes da extensão em que suas vidas foram danificadas por esse
uso."[8]

De acordo com o National Institute on Drug Abuse[9], “o uso da maconha pode levar ao
desenvolvimento do [...] transtorno do uso da maconha, que assume a forma de dependência em
casos graves. Dados recentes sugerem que 30% dos que usam maconha podem ter algum grau de
transtorno por uso de maconha[10]” .

Há indicativo de que “pessoas que começam a usar maconha antes dos 18 anos têm quatro a sete
vezes mais probabilidade de desenvolver um transtorno por uso de maconha do que os adultos[11]”
e que “os transtornos por uso de maconha costumam estar associados à dependência - na qual uma
pessoa sente sintomas de abstinência quando não está tomando a droga.”

Além disso, apesar de os defensores da legalização não admitirem essa circunstância, há diversos
estudos que corroboram a “hipótese de progressão”, ou seja, que a maconha é uma espécie de
porta de entrada para outras drogas ilícitas. Segundo artigo de 2014[12], “embora a maioria dos
estudos tenha mostrado um alto grau de associação entre o uso de cannabis e o uso de outras
drogas ilícitas[13], os causadores da progressão da cannabis para drogas diversas permanecem
amplamente desconhecidos[14].” Dentre as prováveis causas para a progressão são listadas, dentre
outras, a maior frequência de uso de cannabis (Fergusson & Horwood, 2000; Mayet et al., 2012), o
início precoce do uso de cannabis (Fergusson et al., 2006; Van Gundy & Rebellon, 2010) e a
disponibilidade de drogas (Degenhardt et al., 2010). Um claro indicativo de que a legalização da
maconha, e por consequência a maior facilidade no acesso à droga, tendem a propiciar o aumento
de consumo de outras drogas mais pesadas.

Um outro dado relevante, mas que é ignorado no debate, é o de que hoje a maconha se tornou
especialmente perigosa, devido ao aumento dos níveis de THC na planta, fruto de processos de
modificação genética das mudas. Um estudo da Universidade do Mississipi mediu a concentração
de THC em amostras de maconha recolhidas aleatoriamente com autoridades e demonstrou que em
1983 a concentração média de THC era de menos de 4% e hoje gira em torno de 10% (média),
sendo que muitas amostras indicam concentração de 10 a 20%, e algumas com cerca de 30% de
THC.[15] Isso maximiza os efeitos nocivos da maconha, já mencionados, o que inclusive já foi
percebido pelos especialistas. A Holanda, por exemplo, reclassificou o skunk (maconha com alta
concentração de THC), passando a considerá-lo uma “droga pesada”, mesma classe da cocaína.[16]

De fato, poderíamos citar centenas de estudos e artigos científicos que desmentem o argumento
simplista de que “eu já usei e nunca tive qualquer problema”, a evidenciar que a maconha é uma
erva maléfica e que causa dependência.
Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/a-maconha-e-seus-maleficios-a-
saude-lobo-em-pele-de-cordeiro/
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Restrição à maconha não é fetiche moralista

Ademais, a particularidade dos transtornos psíquicos causados pela maconha permite que se
destaque um aspecto também pouco mencionado. É comum se ouvir dos defensores da maconha,
especialmente quando confrontados com os inegáveis danos causados pela droga, que a proibição
é uma medida moralista e paternalista do Estado, que quer proibir o uso de uma substância que
pode fazer mal exclusivamente ao usuário. A afirmação revela completo desconhecimento das
lamentáveis consequências causadas por doenças psicológicas graves como a psicose e a
esquizofrenia, não apenas para o usuário, mas para seu círculo de convivência social.

Dalrymple identifica nesse apelo à liberdade individual a todo custo uma “histeria coletiva que exige
a garantia de direitos associados a prazeres pessoais cada vez mais ampliados”, em detrimento da
sociedade, e destaca a impossibilidade de se isolar o usuário e os efeitos decorrentes do uso
continuado da droga. Segundo o escritor e médico, “o argumento filosófico [para justificar a
legalização das drogas] diz que, numa sociedade livre, deve ser permitido aos adultos fazer o que
lhes agrade, levando-se em conta que estejam preparados para assumir as consequências de suas
próprias escolhas, e que não prejudiquem ou causem danos diretos a terceiros”. Ressalta aspecto
relevantíssimo ao lembrar que “na prática, contudo, é extremamente difícil garantir que as pessoas
assumam todas as consequências de seus próprios atos […]”, especialmente porque “a
dependência química ou o uso regular de drogas não afeta apenas a pessoa que as consome, uma
vez que não poupa cônjuges, filhos, vizinhos e empregadores de sofrerem consequências”, já que
“nenhum homem, com a possível exceção de um eremita, é uma ilha”. Arremata Dalrymple
afirmando que “a ideia de que a liberdade é a mera habilidade de um sujeito fazer valer os seus
caprichos é um tanto quanto rasa, e mal consegue capturar as complexidades da existência
humana; um homem cujos apetites são sua lei nos chama a atenção não como alguém liberto,
porém escravizado. E quando uma liberdade tão estreitamente concebida transforma-se no critério
das políticas públicas, a dissolução da sociedade estará próxima”.

O que se pretende mostrar, portanto, é que a restrição ao uso das drogas, inclusive da maconha,
não decorre de um fetiche moralista ou de proibições sem fundamento, mas da constatação, em
concreto e com base em evidências científicas, dos efeitos nefastos das drogas para o usuário e
para a sociedade, não obstante o lobby das drogas insista em afirmar o contrário.

Aliás, uma outra estratégia dos defensores da legalização das drogas, ainda no esforço de
apresentar a maconha como uma substância benéfica, o que levaria ao descabimento de sua
proibição, é atrelar a queda da proibição ao uso medicinal da maconha. Há aqui um outro articífio,
sobre o qual nos ocuparemos no próximo texto, que demonstrará que as propriedades medicinais da
maconha em nada têm a ver com a legalização da droga.
* Lucas Gualtieri é Procurador da República. Ex-membro auxiliar do Procurador-Geral da República
na Secretaria da Função Penal Originária no Supremo Tribunal Federal (2018). Membro Auxiliar da
Procuradoria-Geral da República na Assessoria Jurídica Criminal no Superior Tribunal de Justiça.
Coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público
Federal em Minas Gerais. Pós-Graduado em Controle, Detecção e Repressão a Desvios de
Recursos Públicos (UFLA); Pós-Graduado em Direito Público (UNIDERP). Bacharel em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais.

[1] Dalrymple, Theodore. Nossa cultura… ou o que restou dela: 26 ensaios sobre a degradação dos valores. Tradução:
Maurício G. Righi. São Paulo: É realizações Ed., 2015, p. 263.

[2]Apud Berenson, Alex. Tell Your Children: The Truth About Marijuana, Mental Illness, and Violence (p. 31). Free Press.
Edição do Kindle.

[3]Apud Berenson, Alex. Tell Your Children: The Truth About Marijuana, Mental Illness, and Violence (p. 10). Free Press.
Edição do Kindle.

[4]Disponível em: https://www.independent.co.uk/life-style/health-and-families/health-news/cannabis-apology-


5332409.html

[5]Professor Colin Blakemore, chief of the Medical Research Council, responsável pela campanha do Independent em
1997.

[6]Professor of Psychiatry Robin Murray of London’s Institute of Psychiatry.

[7]NUTT, David; A. KING, Leslie; SAULSBURY, William; BLAKEMORE, Colin. Development of a rational scale to asses
the harm ou drogs of potential misuse. Lacent 2007; 369: 1047-53. Disponível em:
https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2807%2960464-4

[8]Sabet, Kevin. Reefer Sanity (p. 27). Beaufort Books. Edição do Kindle.

[9]National Institute on Drug Abuse website. https://www.drugabuse.gov/publications/research-reports/marijuana/


marijuana-addictive. July 2, 2020.

[10]Hasin DS, Saha TD, Kerridge BT, et al. Prevalence of Marijuana Use Disorders in the United States Between 2001-
2002 and 2012-2013. JAMA Psychiatry. 2015;72(12):1235-1242. doi:10.1001/jamapsychiatry.2015.1858.

[11]Winters KC, Lee C-YS. Likelihood of developing an alcohol and cannabis use disorder during youth: Association with
recent use and age. Drug Alcohol Depend. 2008;92(1-3):239-247. doi:10.1016/j.drugalcdep.2007.08.005.
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[13]Agrawal, Neale, Prescott, & Kendler, 2004; Fergusson & Horwood, 2000; Khan et al., 2013; Lynskey et al. , 2003;
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[14] Kandel et al., 2006; Van Gundy & Rebellon, 2010.

[15]Meserve, J. and Ahlers, M.M. (2009, May 14). Marijuana potency surpasses 10 percent, U.S. says. CNN. Retrieved
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[16]Vide: https://www.dailymail.co.uk/debate/article-2047750/The-grass-greener-Holland.html

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