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CAPÍTULO 18

Transtornos relacionados ao
uso de substâncias
Flavia Cardoso
Patrícia Brunfentrinker Hochgraf

INTRODUÇÃO des, sendo 1,8 milhão de usuários de medicações


prescritas para dor e 0,6 milhão de heroína).
O uso de substâncias psicoativas, isto é, No Brasil, por sua vez, o II Levantamento
substâncias capazes de alterar o estado da cons- Nacional de Álcool e Drogas (LENAD), de 2012,
ciência é milenar e está intimamente ligado à revelou que 50% da população brasileira adulta
história e à cultura de cada povo. Sua proibição, consumiu álcool no último ano e que a preva-
em contrapartida, também tem influência so- lência de dependentes de álcool (segundo o
cioeconômica e cultural, para além da influên- Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
cia da área da saúde. Esta última colocou luz na mentais - 4ª edição - DSM-IV) era de 10,5% em
questão das drogas e debruçou-se sobre esse homens e 3,6% em mulheres. Em comparação
tema de forma mais sistemática no último sé- com pesquisa desenvolvida pelo mesmo grupo
culo, no qual as drogas passaram a ser enxerga- em 2006, nota-se expressivo aumento do con-
das como um problema de saúde pública, não sumo semanal e da quantidade ingerida de álcool
mais apenas no âmbito da moral e dos costumes. pela população não abstêmia. A Tabela 1 mostra
a proporção de indivíduos que utilizaram de-
EPIDEMIOLOGIA terminada substância nos últimos 12 meses.
É importante ressaltar que o consumo de
Em pesquisa de 2016, nos Estados Unidos, álcool e outras drogas foi historicamente maior
o National Survey on Drug Use and Health entre homens (2 a 12 vezes) do que em mulhe-
(SAMHSA), mostrou que aproximadamente res, contudo, tal diferença vem diminuindo,
20,l milhões de pessoas (6,21 % da população principalmente entre os jovens, com o aumento
estadunidense) com 12 anos de idade ou mais do consumo por mulheres apontando um novo
apresentavam um transtorno relacionado ao uso tipo de consumo pelo grupo feminino.
de substâncias no último ano (álcool e/ou dro- O último Relatório Mundial sobre Drogas
gas ilícitas, dentre elas maconha, cocaína/crack, (2013) realizado pelo Escritório das Nações
heroína, metanfetamina etc.). Aproximadamen- Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) mos-
te dois terços desse número com problemas trou aumento do consumo de drogas prescritas
relacionados ao álcool e um terço relacionado (sedativos e tranquilizantes), estando em 60%
ao uso de outras drogas (4 milhões de usuários dos países pesquisados entre as três principais
de maconha; 2,1 milhões de usuários de opioi- substâncias usadas de maneira incorreta. Outro
206 SEÇÃO Ili CLINICA DO ADULTO

TABELA 1 Uso de substâncias nos últimos 12 meses


Substância % da população Substância % da população
Cocaína 1,7 Ecstasy 0,2
Crack 0,7 Morfina 0,6
Esti m ulantes 1, 1 Heroína 0,2
Rital ina 0,3 Est eroides 0,3
Oxi 0,3 Alucinógenos 0,5
Tranqu ilizantes 6 Anestésicos 0,3
Solventes 0,5 Maconha 2,5

importante assunto de apreensão são as novas que a encontrada para transtornos depressivos.
substâncias psicoativas (NSP), designer drugs ou Esta alta herdabilidade também aparece na de-
drogas de desenho (incluídas no grupo das club pendência de outras drogas e, assim como no
drugs), sobre as quais se tem pouquíssimos es- álcool, é igual para homens e mulheres.
tudos científicos, mas que, em geral, têm em sua A base neurobiológica da dependência en-
constituição substâncias estimulantes e aluci- volve o circuito de recompensa. Ele é compreen-
nógenas do sistema nervoso central (SNC) com- dido pelas seguintes áreas cerebrais: córtex or-
binadas de várias maneiras. bitofrontal e pré-frontal, área tegmentar ventral
anterior e núcleo accumbens. Esse sistema, me-
ETIOLOGIA diado principalmente pela dopamina e pelo
glutamato, é responsável pela sensação de prazer
A etiopatogenia exata do transtorno relacio- associada a atividades essenciais à sobrevivência
nado ao uso de substâncias permanece incerta, (como beber água, comer e fazer sexo), o que
contudo, sabe-se que há um caráter multifatorial leva o sujeito a desejar repetir tais experiências.
envolvido. Portanto, é necessário entender os O uso de drogas altera a liberação desses neu-
fatores psicológicos, sociais e físicos relacionados rotransmissores, aumentando a liberação de
à motivação e à persistência do comportamento. dopamina em aproximadamente 2 a 1O vezes
Analisar a biografia do paciente, seu mo- mais que comer ou fazer sexo, levando à maior
mento de vida e sua relação com a droga é im - sensação de euforia. O indivíduo, então, com
portante. Muitas vezes, a substância é utilizada tal aprendizado, pode querer repetir o uso da
para diminuir algum tipo de desconforto ou até substância para alcançar tamanho prazer, assim
mesmo como forma de "automedicação"; por como para evitar estados aversivos, como abs-
exemplo, uso de álcool para melhora da angús- tinência e angústia. Todavia, o mecanismo re-
tia ou m aconha para insônia. A investigação gulatório diminui o nível de dopamina cerebral
familiar e do grupo de pares do usuário também circulante, assim como os receptores para tal,
é necessária, uma vez que há aprendizado e in - dificultando que o indivíduo sinta prazer com
fluência nas atitudes do paciente nestes contex- situações antes prazerosas, como sair com os
tos grupais. amigos, ter hobbies, namorar, entre outros, e
Para além da aprendizagem no contexto suscitando sentimentos de vazio e depressão.
familiar, a investigação desse núcleo pode evi- Outros neurotransmissores também estão
denciar risco genético em relação ao consumo envolvidos, como GABA, glutamato, acetilcoli-
patológico de drogas. Estudos com gêmeos mos- na, serotonina, opioides endógenos e o sistema
tram uma herdabilidade de 49% para transtor- canabinoide, de formas que ainda estão sendo
nos relacionados ao álcool, herdabilidade maior estudadas.
CAPITULO 18 TRANSTORNOS RELACIONADOS AO USO DE SUBSTÂNCIAS 207

ABORDAGEM DO PACIENTE uma forma empática de perguntar. Caso opa-


ciente tenha procurado por um problema rela-
O paciente com consumo problemático de cionado ao uso de drogas, é comum que ele se
drogas muitas vezes não procurará ajuda com apresente ambivalente quanto ao seu problema
um médico especializado em dependência, mas e ao tratamento. Deve-se ressaltar que, na maio-
buscará auxílio médico para outras questões, ria das vezes, o paciente não quer parar de usar
tanto secundárias ao uso quanto independentes a droga, mas sim conseguir usá-la de forma não
dele. O médico generalista deve saber identificar problemática, o que sabidamente é bastante di-
transtornos relacionados ao uso de substâncias, fícil em indivíduos já dependentes.
fazer o manejo inicial do paciente e encaminhar Os objetivos do médico não especialista de-
ao especialista, caso julgue necessário. vem ser: a avaliação de quadros agudos e/ ou
O rastreamento desses usuários pode ser emergenciais; a realização de um diagnóstico
feito por meio de anamnese completa e ques- acerca do uso das drogas e suas complicações
tionários específicos. Vale ressaltar que o médi- nos âmbitos clínico, social e familiar; a investi-
co não tem o papel de julgar como certo ou gação de comorbidades; o estágio de motivação
errado o consumo de drogas. Portanto, deve do paciente e a criação de um vínculo médico-
manter o tom da conversa não ameaçador e ter -paciente saudável. No Quadro 1, são apresen-

QUADRO 1 Informações úteis para a compreensão do quadro geral do paciente


Evolução do Primeiro consumo, frequência de uso, vias de adm inistração, tentativa de abstinência
consumo
Evolução dos Saúde, socia is, fa mi liares, laborais e/ou acadêmi cos
problem as
relacionados ao
uso
Evolução da Localiza r início da mudança (grad ual/abrupto)
dependência
Perda de controle (pe rcep ção do acompanha nte e do pacient e)
Impacto nas atividades educacionais, laborais, de cu idados com a casa
Sintomas físi cos e psíquicos d e desconforto, consumo para aliviar desconforto
Estreita mento do repertório
Tratamentos p révios
Dia típico Horários de atividades básicas: detalhar cotidiano (horários de saída e chegada em casa
e no t raba lho, horário que volta para casa, afazeres domésticos, desempenho profissiona l
e/ou acadêmico)
Horários de consumo (de cada substância), uso solitário/acompan hado, local de
preferência, quantidade, motivação para uso, efeito da droga, temp o de recuperação
Personalid ade Houve mudança após início do uso? Como o paciente se defi ne: j eito de ser, objetivo de
vida, o que espera de amigos, o q ue o incomoda, autoestima, autocontrole, ambição,
irritabi lidade et c.
Socialização Maneira de lidar com regras, amigos, família
Trabalho/ Número e tempo empregado, demissões e motivos, uso de substância no t rab alho,
atividades afazeres domésticos e cu idados com os filhos, frequência escolar e desempenho
acadêmicas acadêmico
Relacionamentos Número, qualidade dos vínculos, relacionamento sexual, influência no consumo de
amorosos e d rogas, impacto d o uso no relacionament o, uso dos pa rceiros anterio res e atuais
fam iliares
Hist órico d e uso na fa m ília, entendi mento fam iliar sobre o uso de drogas
(continua)
208 SEÇÃO Ili CLINICA DO ADULTO

QUADRO 1 Informações úteis para a compreensão do quadro geral do paciente (continuação)


Lazer Como usufrui seu tempo livre, prazer associado, substância associada
Sensação de tédio
Rotina alimentar Horários e cont eúdo das refeições
Alteração da imagem corporal, insatisfação com peso
Condição Mapear rede socia l
socioeconôm ica
Como lida com o d inheiro
Histórico legal Delitos para consegu ir droga
Delitos por intoxicação (brigas, d irigir em briagado etc.)

tadas algumas informações a serem questionadas te ligado à frequência do uso e/ou à quanti-
aos pacientes que poderão ajudar na compreen- dade, mas ao comprometimento que o uso
são global do quadro. leva à vida do indivíduo e o desejo intenso de
Após a anamnese, a avaliação clínica dopa- consumir a droga. Por ser tênue a linha que
ciente deve ser complementada com exame divide um uso abusivo de uma dependência,
clínico e exames laboratoriais. É importante o DSM-5 optou por realizar um diagnóstico
atentar para estado nutricional, higiene e asseio, em espectro, no qual se gradua o consumo em
sinais vitais ( que podem estar alterados tanto leve, moderado ou grave. Os termos depen-
na intoxicação quanto na abstinência), sinais dência física e psicológica não são mais utili-
indiretos de uso (irritação/congestão nasal, ero- zados, sendo hoje considerados ambos trans-
são dental, marcas de agulhamento na pele) e torno relacionado ao uso de substância.
comprometimento sistêmico (doença pulmonar O Quadro 3 traz os critérios do DSM-5 para
obstrutiva crônica - DPOC, sinais de hepato- esse diagnóstico.
patia, alteração na sensibilidade cutânea, alte-
ração na ausculta cardíaca). O Quadro 2 lista TRATAMENTO
mais alguns exames complementares.
O tratamento relacionado ao uso de drogas
QUADRO 2 Exames complementares se dá em diversos momentos, seja ele na intoxi-
Hemograma completo Sorolog ias cação aguda e na síndrome de abstinência, seja
Glicemia Coagulograma na dependência em si. Neste capítulo, cada dro-
Perfil lipídico Proteínas totais e
ga será abordada separadamente, pois algumas
frações substâncias apresentam características especí-
Ácido fól ico, vit amina B12 Toxicológico ficas de tratamento.
e vitamina D Em linhas gerais, o tratamento do transtor-
Função rena l Urina tipo 1 no relacionado ao uso de substância deve ser
Fun ção hepát ica Radiografia de tórax desenhado para o indivíduo em questão e, na
A m ilase Eletrocardiografia maioria dos casos, torna-se necessário um tra-
Eletrólitos (N a, Ca, Mg, K) Neuroimagem, balho multiprofissional.
eletroencefalografia Terapia farmacológica associada à psico-
Fun ção t ireoidiana terapia tem se mostrado eficaz nos estudos.
Medicações podem ajudar os pacientes nos
DIAGNÓSTICO diferentes estágios do tratamento, principal-
mente auxiliando no manejo dos efeitos in-
O diagnóstico do transtorno relacionado desejáveis da abstinência e de outras circuns-
ao uso de substância não está necessariamen- tâncias vividas.
CAPITULO 18 TRANSTORNOS RELACIONADOS AO USO DE SUBSTÂNCIAS 209

QUADRO 3 C ri térios diagnósticos para t ranstorno re lacionado ao uso de substância segundo o


DSM-5
A. Um padrão problem át ico de uso da sub stância, levando a comprometimento ou sofriment o
cl inicame nte significativo, man ifest ado p o r pelo menos 2 dos seguintes crit érios, ocorrendo durante um
pe río d o de 12 meses:
1. A substância é frequentement e consu m ida em m aiores quantidades o u por um período mais longo
do q ue o pret end ido
2. Existem desejo persist ente ou esforços m al-sucedidos no sent ido de reduzir ou controlar o uso da
substância
3. Muit o tem po é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância, em sua utilização
o u na recuperação de seus ef eit os
4. Fissura ou fo rte desej o ou necessidade de usar substância
5. Uso recorrente da substância resu ltando em fracasso em cumprir obrigações importantes no
t rab alho, na escola ou em casa
6. Uso continuado da subst ância ap esar de p roblemas sociais ou interpessoais persist entes o u
recorrent es causad os ou exacerbados pelos seus efeitos
7. Importantes atividades sociais, profissiona is ou recreacionais são abandonadas ou reduzidas e m
virtude d o uso d a subst ância
8. Uso recorrente da substância em situações nas q uais isso representa perigo para a integridade
f ísica
9. O uso da substância é m antido apesar da consciência de ter um problema físico o u psicológico
persistente o u recorre nte que tende a ser causado o u exacerbado pela substâ ncia
10. Tolerância, defi nida por qualquer um d os segui ntes aspectos:
• N ecess idade d e quant idades progressivament e maiores da substâ ncia para ati ngir a intoxicação
o u o efeito desejado
• Efeit o acentuadam ente menor com o uso cont inuado d a mesm a q uantidade da subst ância
11. Abstinência, man ifestada por q ualquer d os seguint es aspectos:
• Sínd rome de absti nência característ ica da substância
• A substância é consum ida pa ra al iviar ou evitar os sintomas de abstinência

Especificar se:
• Em rem issão in icial: após todos os critérios pa ra t ranst orno po r uso d a subst ância terem sido p reench idos
anteriorment e, nenhum dos critérios para transtorno por uso da substância foi p reenchido d urante um
perío d o mínimo de 3 m eses, porém inferior a 12 meses (com exceção do critério A 4 - Fissura o u forte
desejo ou necessidade de usar - , que ainda p o de ocorrer)
• Em rem issão sustent ada: após todos os critérios para t ranstorno por uso da subst ância tere m sido
preenchidos anterio rmente, nenhu m dos critérios para transtorno p o r uso da subst ância foi preenchido
em nenhum mo mento durante u m período ig ual ou superior a 12 meses (co m exceção do crit ério A4, q ue
ainda pod e ocorrer)
Especificar se:
• Em t erapia de manutenção: est e especifi cador adiciona l é usado se o indivíd uo est ive r usando
medicament o agonist a prescrit o
• Em am b iente proteg ido: este especifi cad o r adicional é usado se o indivídu o encont ra-se em um ambiente
no qual o acesso à subst ância é restrito
G rau de consumo:
• Leve : p resença de 2 ou 3 sintomas
• Moderado: presença de 4 ou 5 sint omas
• G rave: presença de 6 ou mais sintomas

A psicoterapia, por sua vez, ajuda o pacien- Por diversas vezes, a ajuda de nutricionistas,
te no engajamento ao tratamento, aumenta as terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, te-
habilidades do indivíduo p ara lidar com mo- rapeutas familiares, enfermeiros e acompanhan-
mentos estressantes e gatilhos e traz à tona con- tes terapêuticos é importante para o sucesso do
flitos que podem estar no cerne do problema tratamento. Não se pode esquecer também que
com as drogas. diagnósticos psiquiátricos comórbidos são fre-
21 Ü SEÇÃO Ili CLINICA DO ADULTO

quentes nesses pacientes e seu tratamento ade- arrastada, tontura, incoordenação, instabilidade
quado leva a maior sucesso no controle do uso de marcha, nistagmo, prejuízo na atenção e/ ou
de drogas. memória, desinibição do comportamento, labi-
Outro fator crucial para eficácia do trata- lidade emocional, visão dupla, estupor e coma.
mento é o estágio de motivação do paciente para O tratamento para tal condição é assegurar a
a mudança (modelo transteórico de Prochaska interrupção do consumo de álcool e observar o
- Quadro 4). A entrevista motivacional tem indivíduo preferencialmente em lugar calmo e
como base trabalhar a ambivalência, desenvol- com poucos estímulos. Quadros mais graves da
ver discrepâncias, lidar com a argumentação, intoxicação, como diminuição do nível de cons-
acompanhar a resistência e promover a autoe- ciência, devem ser avaliados com exame clínico
ficácia; por isso, é um bom instrumento para completo e, de acordo com os achados, devem-
ser usado no atendimento desses pacientes. -se solicitar exames e diagnósticos diferenciais.
Durante o tratamento, é comum o paciente A glicemia capilar é um exame fundamental para
recair e retornar ao uso da substância, mas isso esses pacientes que chegam ao pronto-socorro,
não significa falha no tratamento, uma vez que uma vez que o álcool leva à hipoglicemia e esta
não é fácil mudar comportamentos arraigados última também pode levar a rebaixamento do
no cotidiano.Assim como outras doenças crôni- nível de consciência. É um mito pensar que todos
cas (hipertensão arterial, diabetes), os pacientes os paciente intoxicados devam receber "glicose':
podem abandonar o tratamento por um período sendo necessária apenas para paciente com hi-
e voltar a praticar atitudes não saudáveis. Nesse poglicemia. Caso seja necessária a administração
momento, é importante repensar as estratégias de glicose hipertônica endovenosa (EV) ao pa-
em conjunto com o paciente e estabelecer novos ciente, deve-se antes aplicar tiamina 300 mg
objetivos. De qualquer forma, é importante não intramuscular (IM) para evitar a síndrome de
desistir como resposta a uma ou mais recaídas. Wernicke-Korsakoff. Esta síndrome, decorrente
da deficiência de tiamina, caracteriza-se pela
Á lcool encefalopatia de Wernicke, identificada pela
tríade clássica: estado confusional agudo, anor-
O álcool é um depressor do SNC. A intoxi- malidade oculomotora e ataxia. O outro com-
cação alcoólica aguda é um evento autolimitado, ponente da síndrome é a síndrome de Korsakoff,
e sua manifestação depende do nível sérico de que aparece mais tardiamente e é marcada por
álcool. Sinais desta intoxicação podem ser: fala amnésia anterógrada e confabulação.

QUADRO 4 Modelo transteórico de Prochaska


Estágio Característica Abordagem terapêutica
Pré-co nte m p lação Não id entifi ca p roblema e não t em int enção A umentar consciência e gerar
de modificar seu uso (não t em int en ção d e d úvidas sobre o uso e suas
m udança num fut uro próxim o, em meses) co nsequências
Conte mp lação Há consciê ncia sob re o prob lem a e d esej o d e Reconhecer am biva lência e anal isar
m udança nos próximos meses, porém ainda p rós e contras da m udança,
está amb iva lente q uant o à m udança reforçand o as vantage ns
Det erm ina ção Intenção d e m udar, porém d esenvolvendo Auxiliar na criação d o plano d e
est rat égias pa ra fazê-lo m udança
A ção Mudança do com portament o e e ngaj ament o Aj udar no processo, reforçando
ganhos e criand o fe rramentas p ara
lidar com as ad versid ades
Manut enção Co m port ament o em m udança sust ent ada Prevenção de recaídas
CAPITULO 18 TRANSTORNOS RELACIONADOS AO USO DE SUBSTÂNCIAS 211

Se o paciente estiver agitado, dar preferência apenas alguns exemplos do comprometimento


ao uso de antipsicóticos incisivos, como halo- que o uso pesado pode causar:
peridol 5 mg, IM, pois benzodiazepínicos podem
agravar o quadro de depressão respiratória. O • Trato gastrintestinal: gastrite, úlcera gástri-
paciente deve ser mantido em observação até ca e/ ou duodenal, lesão hepática/ cirrose he-
recobrar o nível de consciência. pática, pancreatite, câncer de esôfago.
A interrupção ou a diminuição drástica do • Sistema cardiovascular: hipertensão, mio-
consumo de álcool pode levar à síndrome de cardiopatia, hipercolesterolemia e hipertri-
abstinência em pacientes dependentes, que se gliceridemia.
encontra descrita no capítulo "Emergências • SNC: déficit cognitivo, comprometimento
Psiquiátricas". de memória, alterações degenerativas do ce-
Após a desintoxicação, a manutenção da rebelo, síndrome de Wernicke-Korsakoff e
abstinência em indivíduos dependentes pode alucinose alcoólica.
ser auxiliada pelo uso de algumas medicações, • Sistema nervoso periférico: parestesias, fra-
além das técnicas já citadas, porém estudos mos- queza muscular, perda de sensibilidade.
tram que o efeito positivo dessas medicações na • Aumento do risco de suicídio, transtornos
interrupção do hábito de beber é de pequeno a de humor, ansiedade, transtornos psicóti-
moderado. cos e síndrome alcoólica fetal.

• Dissulfiram: inibe a enzima aldeído-desi- Benzodiazepínicos


drogenase, diminuindo drasticamente o me-
tabolismo intermediário do álcool, levan- Conhecidos também como ansiolíticos ou
do ao acúmulo de aldeído. Esse acúmulo calmantes, essa classe de medicação está no rol
gera sintomas como rubor, suor, náusea, vô- dos fármacos com possível potencial de abuso
mitos, cefaleia, taquicardia, mal-estar ge- e dependência. São depressores do SNC, agindo
ral, tontura e sonolência. O uso dessa me- no sistema gabaérgico. Neste grupo, estão di-
dicação concomitantemente ao álcool gera versas medicações que variam em relação à
tais reações adversas, que desencorajam o meia-vida. Seu uso é variado, podendo ser de
uso de álcool. O paciente deve consentir o acordo com a prescrição médica, abuso ainda
uso de tal medicação. Monitorar o funcio- em condições de tratamento ou ainda para "acal-
namento hepático. Dose de 250 mg/dia (125 mar" após uso de drogas estimulantes.
a 500 mg). Em linhas gerais, tais medicações promo-
• Naltrexona: bloqueia receptores opioides, vem sonolência, sedação, relaxamento muscu-
reduzindo a fissura e a recompensa ao inge- lar, sensação de bem-estar e aumento do limiar
rir álcool. Antes da prescrição, deve ser sus- convulsivo (idosos, crianças e portadores de
penso o uso de opioides. Dose de 50 mg/ dia. retardo mental apresentam maior risco de rea-
É necessário monitoramento hepático. ção paradoxal, isto é, agitação, excitação, desi-
• Acamprosato: mecanismo de ação incerto, nibição e agressividade). A intoxicação é
tem relação com sistema glutamatérgico. semelhante à do álcool, com fala arrastada, so-
Dose de 666 mg, 3 vezes/ dia. nolência, ataxia, confusão, desinibição do com-
• Topiramato, gabapentina: atuam diminuin- portamento, depressão respiratória e coma. O
do a vontade de beber. Doses: topiramato até tratamento consiste em suporte e, em caso de
300 mg/ dia; gabapentina até 1.800 mg/ dia. tentativa de suicídio com ingestão recente,
pode-se fazer lavagem gástrica. Flumazenil (an-
Por fim, as complicações relacionadas ao tagonista benzodiazepínico) pode ser usado em
uso do álcool são vastas, sendo aqui citados casos mais graves.
212 SEÇÃO Ili CLINICA DO ADULTO

A suspensão abrupta dessas medicações pode zepínicos, pelo risco aumentado de depressão
causar síndrome de abstinência (com início va- respiratória.
riável, dependendo da meia-vida do fármaco), A síndrome de abstinência é rara, e seus sin-
com sintomas de ansiedade, insônia, cansaço, tomas incluem cefaleia, náusea, tremores, aluci-
agitação, irritabilidade, diminuição da concen- nações, insônia, letargia, humor ansioso e/ou
tração, dor e tensão muscular, tremor, ataxia, deprimido, irritabilidade e diminuição da con-
hipertensão, taquicardia, convulsão, hiperacusia, centração. Também não há tratamento especí-
ilusões e alucinações. O tratamento para esses fico para tal síndrome.
casos é a troca da medicação por benzodiaze- As complicações do uso vão desde lesões de
pínicos de meia-vida longa (clonazepam ou pele (dermatite, queimadura) até situações mais
diazepam), estabilizando os sintomas de absti- graves, como arritmias, isquemia do miocárdio,
nência, com posterior diminuição gradual da enfisema, lesões hepática e renal e supressão da
dosagem até a suspensão. medula óssea. As complicações neurológicas
O tratamento da dependência por tais subs- são frequentes em indivíduos com uso prolon-
tâncias pode ser auxiliado com farmacoterapia gado, podendo-se citar neuropatia periférica,
adicional, por exemplo, antipsicóticos, antide- parkinsonismo, atrofia cerebral e cerebelar, per-
pressivos sedativos, melatonina e ácido val- da de memória e comprometimento do quo-
proico. Os benzodiazepínicos podem levar a ciente de inteligência (QI). Não há tratamento
delirium, transtorno amnéstico persistente, instituído para as complicações do SNC.
transtorno do sono, transtornos ansiosos, alte-
rações de humor, quadros psicóticos, aumento Cocaína e estimulantes
do risco de queda e acidentes em geral. Existe
controvérsia nos estudos se o uso crônico pode A cocaína em suas diferentes formas (pó,
levar à demência. crack, pasta) e as anfetaminas são estimulantes
As Z drugs (zolpidem, zopiclona) têm efei- do SNC que agem no sistema dopaminérgico,
tos parecidos aos benzodiazepínicos, poden - tendo também ação sobre noradrenalina e se-
do haver uso recreativo e quadros de depen- rotonina. Os efeitos da intoxicação aguda são:
dência semelhantes. hipervigilância, agitação, insônia, autoconfian-
ça elevada, sensação de bem-estar, midríase,
Inalantes hipertermia, sudorese ou calafrios, taquicardia,
hipertensão, tremores, distonia, discinesias, fra-
Classe composta por hidrocarbonetos volá- queza muscular, diminuição do apetite, náusea
teis depressores do SNC (solventes para colas, e/ou vômito, crise de ansiedade, alucinações e
propelentes, diluentes e combustíveis). Os efei- paranoia, arritmias, rabdomiólise, dor torácica,
tos iniciam-se segundos depois da substância confusão, convulsão e coma. Os efeitos da co-
ser inalada e podem durar de minutos a horas. caína iniciam-se logo após o uso e duram até 60
Dentre tais efeitos, estão euforia, comportamen- minutos dependendo da via utilizada (cheirada,
to desinibido, sensação de flutuação, ilusões, fumada, injetada ou aplicada em mucosas).
náuseas e/ou vômitos, anorexia, dores muscu- O tratamento para a intoxicação também é
lares, hiperemia de conjuntiva, diplopia, zum- sintomático, devendo ser oferecido suporte em
bido, fala pastosa, vertigem, alteração de marcha, ambiente calmo. Caso haja sintomas ansiosos,
ataxia, crise de ansiedade, alucinações, arritmias, convulsão, espasmos musculares e disforia, po-
depressão respiratória, rebaixamento do nível dem ser utilizado benzodiazepínicos. Em caso
de consciência e morte súbita. O tratamento é de agitações e sintomas psicóticos, os neurolép-
de suporte, não havendo medidas farmacológi- ticos podem ajudar no manejo. Importante lem-
cas específicas. Deve-se evitar uso de benzodia- brar que betabloqueadores são contraindicados.
CAPITULO 18 TRANSTORNOS RELACIONADOS AO USO DE SUBSTÂNCIAS 213

A abstinência é marcada por fissura, irrita- arrastada, miose, retenção urinária, obstipação
bilidade, agitação, ansiedade, letargia, fadiga, intestinal, bradicardia, hipotermia, hipotensão,
pesadelos, sonolência, anedonia, humor disfó- depressão respiratória, convulsão, torpor e coma.
rico ou hipotímico, cefaleia, sudorese, cãibra, O início, a duração e a intensidade dos sintomas
cólica e fome. Seu início se dá 24 horas após o dependem de qual opioide foi consumido, bem
último uso, e sua duração é de até 1 semana. Não como da via de administração.
há tratamento específico, apenas sintomático. Para tal intoxicação, há tratamento especí-
Não há tratamento farmacológico para a fico. Quando houver a tríade de rebaixamento
dependência de cocaína comprovadamente efi- do nível de consciência, miose e depressão res-
caz. Alguns estudos apontam uso de antipsicó- piratória, deve-se aventar a hipótese de intoxi-
ticos para fissura, assim como antidepressivos, cação por opioides. Nesse caso, o paciente deve
com resposta satisfatória. Até o momento, não ser monitorado, com via aérea garantida, para
há evidência que indique a prescrição de neu- que o antagonista opioide seja administrado, no
rolépticos, topiramato e outros anticonvulsivan- caso a naloxona 0,4 a 0,8 mg (IV, IM, via tubo
tes. Entretanto, mais estudos devem ser feitos endotraqueal). A dose pode ser repetida após
nessa área. alguns minutos, se não houver resposta (aumen-
As complicações relacionadas ao uso da co- to da frequência respiratória e dilatação das
caína são diversas, entre elas: congestão nasal, pupilas). Por vezes, é necessário repetir a admi-
sangramento e ulceração da mucosa nasal, per- nistração de naloxona, por esta ter meia-vida
furação de septo nasal, danos pulmonares (via curta e alguns opioides terem maior meia-vida,
pulmonar), infecções, embolias, transmissão levando à recorrência da toxicidade do opioide.
HIV/hepatites B e C (via IV), distonia aguda, A abstinência inicia-se 8 a 24 horas após o
tiques, cefaleia, doenças cerebrovasculares (in- uso de opioides de curta duração e pode durar
fartos cerebrais não hemorrágicos e hemorrá- de 4 a 1O dias; para opioides de longa duração,
gicos, ataque isquêmico transitório), arritmias, inicia-se entre 12 e 48 horas após último uso e
miocardiopatias, eventos tromboembólicos, dor pode durar entre 10 e 20 dias. Pacientes relatam
torácica, infarto agudo do miocárdio, convulsão, que o quadro é intenso e muito desconfortável,
estado de mal epiléptico, transtorno de humor com sintomas de fissura, ansiedade, disforia,
(transtorno afetivo bipolar, transtorno depres- fadiga, irritabilidade, inquietação, sono frag-
sivo), transtorno de ansiedade, transtorno ob- mentado, náuseas, vômitos, diarreia, dores mus-
sessivo-compulsivo, transtorno psicótico, trans- cular e óssea, espasmo muscular, cãibra abdo-
tornos do sono e disfunção sexual. minal, midríase, piloereção, rinorreia, bocejos,
ondas de calor ou frio, hipertensão arterial,
Opioides taquicardia e hipertermia. O tratamento con-
siste em medidas gerais e farmacoterapia. Me-
No Brasil, por muito tempo, a dependência dicação sintomática pode ser administrada para
por opioides foi negligenciada, uma vez que há aliviar os sintomas. Além disso, algumas estra-
pouca entrada da heroína (droga sintetizada com tégias podem ser feitas, como a conversão da
base no ópio) no país. Contudo, entre 2009 e 2015, dose usada de opioides para uma dose equiva-
a prescrição de opioides cresceu 465% no terri- lente de um opioide de meia-vida longa (meta-
tório brasileiro, o que traz à tona a discussão, dona) ou agonista opioide (buprenorfina), e a
entre outros tópicos, da dependência por opioides. redução gradativa até a suspensão (tempo para
Os opioides, assim como o álcool, são de- a suspensão de acordo com cada caso). Outra
pressores do SNC. O quadro da intoxicação por opção é o tratamento com clonidina, agonista
opioides é marcado por analgesia, apatia e/ou alfa-2-adrenérgico, que diminui os sintomas da
disforia, agitação ou retardo psicomotor, fala abstinência e deve ser titulado até melhora dos
214 SEÇÃO Ili CLINICA DO ADULTO

sintomas, com redução gradual ao longo dos que podem levar o indivíduo a buscar ajuda,
dias até retirada completa. A dosagem recomen- como dito anteriormente. Tais casos devem re-
dada é de 0,3 a 1,2 mg/dia. ceber tratamento sintomático com uso de ben-
Após melhora da abstinência aguda, o pa- zodiazepínicos para as crises de ansiedade e
ciente pode sentir-se convalescente e com in- antipsicóticos para os sintomas alucinatórios e
tensa fissura por vários meses. O tratamento de paranoia.
manutenção com metadona ou buprenorfina Em indivíduos que fazem uso diário de ma-
pode auxiliar o paciente a manter a abstinência. conha, pode haver abstinência caso cesse o con-
Alguns estudos também mostraram efetividade sumo da droga. A síndrome de abstinência
do tratamento da abstinência prolongada com inicia-se 2 a 3 dias após o último consumo e
uso de naltrexona. dura em média de 1 a 2 semanas. Os sintomas
O uso de opioides pode levar a hiperalgesia, são: fissura, irritabilidade, inquietação, ansieda-
transtornos de humor (mania, depressão, sin- de, sintomas depressivos, insônia, diminuição
tomas mistos), transtorno psicótico, transtornos do apetite, sudorese, náuseas, vômitos, diarreia
do sono, disfunção sexual, infecções, embolias, e tremor. Não há tratamento farmacológico es-
transmissão HIV/hepatites B e C (via EV), di- pecífico para a abstinência, podendo-se fazer
minuição da função imunológica e infecções controle sintomático com medicação.
bacterianas (infecções de pele, endocardite). Assim como não há tratamento específico
para a abstinência, não há tratamento farmaco-
Cannabis lógico específico para a dependência de cannabis.
O uso prolongado e intenso de maconha
A cannabis, perturbadora do SNC, é encon- pode levar a aumento do risco de câncer de pul-
trada sob diferentes formas e nomes (maconha, mão e complicações respiratórias, além de pre-
haxixe e skank), variando as concentrações de juízo cognitivo sutil. Estudos ainda controversos
seus compostos ativos, ou seja, o que muda é sugerem pequenas alterações cognitivas com
apenas a proporção entre delta-9-THC (subs- uso intenso da maconha na infância e na ado-
tância psicoativa e dependogênica) e canabinoi- lescência, período de maturação cerebral. Exis-
des (substâncias utilizadas para fins medicinais). tem debates sobre o aumento do risco de quadros
A intoxicação aguda por maconha raramente psicóticos e esquizofrenia associado ao uso da
leva o paciente a um pronto-socorro pelos sin- maconha, assim como é controversa a existência
tomas da intoxicação em si. O indivíduo que da "síndrome amotivacional".
consumiu pode buscar ajuda médica quando o
uso da maconha desencadeia sintomas ansiosos Alucinógenos
e/ou psicóticos. São efeitos da intoxicação agu-
da: euforia, relaxamento, alteração da percepção Este grupo de drogas é heterogêneo e contém
de tempo, cores, sons, textura e paladar, aumen - diversas substâncias naturais e sintéticas que
to do apetite, hiperemia conjuntiva!, midríase, levam o usuário a uma distorção da realidade e
boca seca, leve taquicardia, hipotensão ortostá- a uma experiência de expansão da consciência.
tica, tremores de mãos e alteração da coordena- Dentre as substâncias mais conhecidas, estão
ção motora e da atenção. Tais efeitos iniciam-se dietilamida do ácido lisérgico (LSD), fencicli-
logo após a substância ser fumada e podem dina, mescalina, ibogaína, psilocibina, Ayahuas-
durar entre 2 e 5 horas, sendo que o prejuízo ca e cetamina.
motor pode se estender até 12 horas. Além dis- A intoxicação por alucinógenos varia de-
so, a maconha pode desencadear hipervigilância, pendendo da substância, porém, de maneira
paranoia, ansiedade, crise de pânico, desreali- geral, inicia-se 60 minutos após a ingestão e
zação, despersonalização e alucinações, sintomas pode durar de 4 a 6 horas. Os efeitos vão desde
CAPITULO 18 TRANSTORNOS RELACIONADOS AO USO DE SUBSTÂNCIAS 215

alterações da percepção (cores, sons, sabores, torção visual, falsas percepções de movimento,
tempo, espaço), alucinações (comumente vi- alteração das cores, entre outros), mesmo após
suais), alteração das emoções, midríase, taqui- muito tempo de uso. Tal síndrome é chamada,
cardia, sudorese, palpitações, tremores e incoor- no DSM-5, de transtorno persistente da percep-
denação até aumento da reflexão introspectiva ção induzido por alucinógenos. O tratamento é
com insights. O tratamento abrange a tranqui- paliativo, podendo ser usados benzodiazepíni-
lização do paciente em ambiente calmo e, caso cos. Antipsicóticos podem ter efeito paradoxal,
haja sintomas desagradáveis como ansiedade, piorando o quadro, e devem ser reservados para
agitação ou paranoia, é possível administrar psicose induzida pela substância. Outras com-
benzodiazepínicos. Deve-se ter cautela quanto plicações decorrentes do uso são quadros psi-
ao uso de antipsicóticos, pois podem agravar os cóticos, sintomas maniformes ou depressivos,
sintomas em alguns casos. ansiedade, transtorno do pânico e agorafobia.
A abstinência não é descrita nessa classe,
porém alguns indivíduos com uso constante Club drugs
experimentam fadiga, irritabilidade e anedonia
ao cessarem o uso. Um novo grupo de drogas foi intitulado
Alguns indivíduos podem experimentar como "drogas de boate"; são substâncias sinté-
flashbacks, isto é, sintomas alucinógenos (dis- ticas de diversas classes utilizadas em festas e,

O que fazer [:Q O que não fazer Q:J


• Manter postura empática e não julgadora. Evitar postura de j ulgamento moral
• Avaliar meio social e familiar no qual o relacionado ao uso de drogas.
paciente está inserido. Agir sem avaliar a contratransferência que o
• Não esquecer de solicitar exames laborato- paciente gera, uma vez que poderá haver
riais para avaliação do comprometimento momentos de manipu lação, identificação
sistêm ico do paciente. etc.

• Avaliar diagnósticos comórbidos e tratá-los • Esquecer de tratar o indivíduo como um


adequadamente. todo, negligenciando questões clínicas do
caso, como cirrose hepática, doença
• Atenção ao prescrever medicações com
p ulmo nar obstrutiva crônica etc.
potencial de dependência como benzodia-
zepínicos e opioides. Atentar-se à quantida- • Esquecer de suspender o benzodiazepínico
de prescrita e se a medicação está durando usado no tratamento da abstinência
o tempo que deveria. alcoólica, uma vez que e la tenha sido
reso lvida.
• Sempre individualizar o tratamento.
• Avaliar se há alguma emergência no caso
com necessidade de encaminhamento para
OS.
• Nas intoxicações, caso não haja melhora no
tempo esperado, pensar em uso de outras
d rogas concom it antes e/ou complicações.
216 SEÇÃO Ili ClÍNICA DO ADULTO

atualmente, com crescente aumento no número ■ Necessidade de atenção mais frequente e até
de usuários, o que traz apreensão e necessidade contínua, com indicação de tratamento em
de mais estudos na área. Dentre as drogas, estão equipamentos como os Centro de Atenção
o ecstasy ou MD (rnetilenodioxirnetanfetarnina), Psicossocial e Hospital Dia.
a rnetanfetarnina, o GHB (gama-hidroxibutira­
to), a cetamina e o flunitrazepam. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O MD é, hoje, a club drug mais utilizada em
festas; é urna anfetamina sintética com proprie­ É de suma importância ter o
dades tanto estimulantes quanto alucinógenas. conhecimen­to e as competências mínimas
Os efeitos relatados são de sensação de energia, sobre o manejo dos transtornos relacionados a
aumento de prazer, aumento da percepção das uso de substân­cias, urna vez que o consumo
emoções e da ligação com as pessoas, alteração de drogas acon­tece em ampla escala e, em
da percepção sensorial e temporal, agitação, grande parte das vezes, não chegará ao
taquicardia, tremor, trisrno, entre outros. Exis­ psiquiatra. Urna postura despida de
tem complicações potencialmente fatais, corno preconceitos e curiosa ajuda no
hipertermia, crise hipertensiva, arritmia, dor entendimento da história, do ambiente e de
torácica, convulsão, rabdorniólise, síndrome se­ que forma o paciente se relaciona com tais
rotoninérgica e neuroléptica maligna. Usuários questões. Na avaliação, não deixar de verificar
constantes da droga relatam fadiga, disforia, diagnósticos comórbidos, como transtornos
sintomas depressivos, diminuição do apetite de humor. Para melhor encaminhamento do
e problemas de concentração quando cessam caso, trabalhar a ambivalência e promover a
seu uso. reflexão e a autoeficácia são úteis quando as­
A cetamina também tem tido aumento no sociados a psicoterapia e farmacoterapia.
seu consumo. Hoje é utilizada comercialmente
para fins veterinários corno anestésico. A into­
xicação traz sintomas dissociativos, euforia,
analgesia, amnésia, alteração dos sentidos, alu­
cinações, taquicardia e hipertensão. Em doses
maiores, pode ser letal. É cornurnente utilizada
em associação com a cocaína. São necessários
mais estudos para a compreensão das compli­
cações em longo prazo.

QUANDO ENCAMINHAR PARA O


ESPECIALISTA

■ Dificuldade de manejo tanto medicamen­


toso quanto nas técnicas de prevenção de
recaída.
■ Casos com grau de consumo moderado a
grave.
■ Quando há comprometimento sistêrnico im­
portante.
■ Diagnósticos psiquiátricos cornórbidos re­
sistentes a tratamento.

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