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Transtornos relacionados ao
uso de substâncias
Flavia Cardoso
Patrícia Brunfentrinker Hochgraf
importante assunto de apreensão são as novas que a encontrada para transtornos depressivos.
substâncias psicoativas (NSP), designer drugs ou Esta alta herdabilidade também aparece na de-
drogas de desenho (incluídas no grupo das club pendência de outras drogas e, assim como no
drugs), sobre as quais se tem pouquíssimos es- álcool, é igual para homens e mulheres.
tudos científicos, mas que, em geral, têm em sua A base neurobiológica da dependência en-
constituição substâncias estimulantes e aluci- volve o circuito de recompensa. Ele é compreen-
nógenas do sistema nervoso central (SNC) com- dido pelas seguintes áreas cerebrais: córtex or-
binadas de várias maneiras. bitofrontal e pré-frontal, área tegmentar ventral
anterior e núcleo accumbens. Esse sistema, me-
ETIOLOGIA diado principalmente pela dopamina e pelo
glutamato, é responsável pela sensação de prazer
A etiopatogenia exata do transtorno relacio- associada a atividades essenciais à sobrevivência
nado ao uso de substâncias permanece incerta, (como beber água, comer e fazer sexo), o que
contudo, sabe-se que há um caráter multifatorial leva o sujeito a desejar repetir tais experiências.
envolvido. Portanto, é necessário entender os O uso de drogas altera a liberação desses neu-
fatores psicológicos, sociais e físicos relacionados rotransmissores, aumentando a liberação de
à motivação e à persistência do comportamento. dopamina em aproximadamente 2 a 1O vezes
Analisar a biografia do paciente, seu mo- mais que comer ou fazer sexo, levando à maior
mento de vida e sua relação com a droga é im - sensação de euforia. O indivíduo, então, com
portante. Muitas vezes, a substância é utilizada tal aprendizado, pode querer repetir o uso da
para diminuir algum tipo de desconforto ou até substância para alcançar tamanho prazer, assim
mesmo como forma de "automedicação"; por como para evitar estados aversivos, como abs-
exemplo, uso de álcool para melhora da angús- tinência e angústia. Todavia, o mecanismo re-
tia ou m aconha para insônia. A investigação gulatório diminui o nível de dopamina cerebral
familiar e do grupo de pares do usuário também circulante, assim como os receptores para tal,
é necessária, uma vez que há aprendizado e in - dificultando que o indivíduo sinta prazer com
fluência nas atitudes do paciente nestes contex- situações antes prazerosas, como sair com os
tos grupais. amigos, ter hobbies, namorar, entre outros, e
Para além da aprendizagem no contexto suscitando sentimentos de vazio e depressão.
familiar, a investigação desse núcleo pode evi- Outros neurotransmissores também estão
denciar risco genético em relação ao consumo envolvidos, como GABA, glutamato, acetilcoli-
patológico de drogas. Estudos com gêmeos mos- na, serotonina, opioides endógenos e o sistema
tram uma herdabilidade de 49% para transtor- canabinoide, de formas que ainda estão sendo
nos relacionados ao álcool, herdabilidade maior estudadas.
CAPITULO 18 TRANSTORNOS RELACIONADOS AO USO DE SUBSTÂNCIAS 207
tadas algumas informações a serem questionadas te ligado à frequência do uso e/ou à quanti-
aos pacientes que poderão ajudar na compreen- dade, mas ao comprometimento que o uso
são global do quadro. leva à vida do indivíduo e o desejo intenso de
Após a anamnese, a avaliação clínica dopa- consumir a droga. Por ser tênue a linha que
ciente deve ser complementada com exame divide um uso abusivo de uma dependência,
clínico e exames laboratoriais. É importante o DSM-5 optou por realizar um diagnóstico
atentar para estado nutricional, higiene e asseio, em espectro, no qual se gradua o consumo em
sinais vitais ( que podem estar alterados tanto leve, moderado ou grave. Os termos depen-
na intoxicação quanto na abstinência), sinais dência física e psicológica não são mais utili-
indiretos de uso (irritação/congestão nasal, ero- zados, sendo hoje considerados ambos trans-
são dental, marcas de agulhamento na pele) e torno relacionado ao uso de substância.
comprometimento sistêmico (doença pulmonar O Quadro 3 traz os critérios do DSM-5 para
obstrutiva crônica - DPOC, sinais de hepato- esse diagnóstico.
patia, alteração na sensibilidade cutânea, alte-
ração na ausculta cardíaca). O Quadro 2 lista TRATAMENTO
mais alguns exames complementares.
O tratamento relacionado ao uso de drogas
QUADRO 2 Exames complementares se dá em diversos momentos, seja ele na intoxi-
Hemograma completo Sorolog ias cação aguda e na síndrome de abstinência, seja
Glicemia Coagulograma na dependência em si. Neste capítulo, cada dro-
Perfil lipídico Proteínas totais e
ga será abordada separadamente, pois algumas
frações substâncias apresentam características especí-
Ácido fól ico, vit amina B12 Toxicológico ficas de tratamento.
e vitamina D Em linhas gerais, o tratamento do transtor-
Função rena l Urina tipo 1 no relacionado ao uso de substância deve ser
Fun ção hepát ica Radiografia de tórax desenhado para o indivíduo em questão e, na
A m ilase Eletrocardiografia maioria dos casos, torna-se necessário um tra-
Eletrólitos (N a, Ca, Mg, K) Neuroimagem, balho multiprofissional.
eletroencefalografia Terapia farmacológica associada à psico-
Fun ção t ireoidiana terapia tem se mostrado eficaz nos estudos.
Medicações podem ajudar os pacientes nos
DIAGNÓSTICO diferentes estágios do tratamento, principal-
mente auxiliando no manejo dos efeitos in-
O diagnóstico do transtorno relacionado desejáveis da abstinência e de outras circuns-
ao uso de substância não está necessariamen- tâncias vividas.
CAPITULO 18 TRANSTORNOS RELACIONADOS AO USO DE SUBSTÂNCIAS 209
Especificar se:
• Em rem issão in icial: após todos os critérios pa ra t ranst orno po r uso d a subst ância terem sido p reench idos
anteriorment e, nenhum dos critérios para transtorno por uso da substância foi p reenchido d urante um
perío d o mínimo de 3 m eses, porém inferior a 12 meses (com exceção do critério A 4 - Fissura o u forte
desejo ou necessidade de usar - , que ainda p o de ocorrer)
• Em rem issão sustent ada: após todos os critérios para t ranstorno por uso da subst ância tere m sido
preenchidos anterio rmente, nenhu m dos critérios para transtorno p o r uso da subst ância foi preenchido
em nenhum mo mento durante u m período ig ual ou superior a 12 meses (co m exceção do crit ério A4, q ue
ainda pod e ocorrer)
Especificar se:
• Em t erapia de manutenção: est e especifi cador adiciona l é usado se o indivíd uo est ive r usando
medicament o agonist a prescrit o
• Em am b iente proteg ido: este especifi cad o r adicional é usado se o indivídu o encont ra-se em um ambiente
no qual o acesso à subst ância é restrito
G rau de consumo:
• Leve : p resença de 2 ou 3 sintomas
• Moderado: presença de 4 ou 5 sint omas
• G rave: presença de 6 ou mais sintomas
A psicoterapia, por sua vez, ajuda o pacien- Por diversas vezes, a ajuda de nutricionistas,
te no engajamento ao tratamento, aumenta as terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, te-
habilidades do indivíduo p ara lidar com mo- rapeutas familiares, enfermeiros e acompanhan-
mentos estressantes e gatilhos e traz à tona con- tes terapêuticos é importante para o sucesso do
flitos que podem estar no cerne do problema tratamento. Não se pode esquecer também que
com as drogas. diagnósticos psiquiátricos comórbidos são fre-
21 Ü SEÇÃO Ili CLINICA DO ADULTO
quentes nesses pacientes e seu tratamento ade- arrastada, tontura, incoordenação, instabilidade
quado leva a maior sucesso no controle do uso de marcha, nistagmo, prejuízo na atenção e/ ou
de drogas. memória, desinibição do comportamento, labi-
Outro fator crucial para eficácia do trata- lidade emocional, visão dupla, estupor e coma.
mento é o estágio de motivação do paciente para O tratamento para tal condição é assegurar a
a mudança (modelo transteórico de Prochaska interrupção do consumo de álcool e observar o
- Quadro 4). A entrevista motivacional tem indivíduo preferencialmente em lugar calmo e
como base trabalhar a ambivalência, desenvol- com poucos estímulos. Quadros mais graves da
ver discrepâncias, lidar com a argumentação, intoxicação, como diminuição do nível de cons-
acompanhar a resistência e promover a autoe- ciência, devem ser avaliados com exame clínico
ficácia; por isso, é um bom instrumento para completo e, de acordo com os achados, devem-
ser usado no atendimento desses pacientes. -se solicitar exames e diagnósticos diferenciais.
Durante o tratamento, é comum o paciente A glicemia capilar é um exame fundamental para
recair e retornar ao uso da substância, mas isso esses pacientes que chegam ao pronto-socorro,
não significa falha no tratamento, uma vez que uma vez que o álcool leva à hipoglicemia e esta
não é fácil mudar comportamentos arraigados última também pode levar a rebaixamento do
no cotidiano.Assim como outras doenças crôni- nível de consciência. É um mito pensar que todos
cas (hipertensão arterial, diabetes), os pacientes os paciente intoxicados devam receber "glicose':
podem abandonar o tratamento por um período sendo necessária apenas para paciente com hi-
e voltar a praticar atitudes não saudáveis. Nesse poglicemia. Caso seja necessária a administração
momento, é importante repensar as estratégias de glicose hipertônica endovenosa (EV) ao pa-
em conjunto com o paciente e estabelecer novos ciente, deve-se antes aplicar tiamina 300 mg
objetivos. De qualquer forma, é importante não intramuscular (IM) para evitar a síndrome de
desistir como resposta a uma ou mais recaídas. Wernicke-Korsakoff. Esta síndrome, decorrente
da deficiência de tiamina, caracteriza-se pela
Á lcool encefalopatia de Wernicke, identificada pela
tríade clássica: estado confusional agudo, anor-
O álcool é um depressor do SNC. A intoxi- malidade oculomotora e ataxia. O outro com-
cação alcoólica aguda é um evento autolimitado, ponente da síndrome é a síndrome de Korsakoff,
e sua manifestação depende do nível sérico de que aparece mais tardiamente e é marcada por
álcool. Sinais desta intoxicação podem ser: fala amnésia anterógrada e confabulação.
A suspensão abrupta dessas medicações pode zepínicos, pelo risco aumentado de depressão
causar síndrome de abstinência (com início va- respiratória.
riável, dependendo da meia-vida do fármaco), A síndrome de abstinência é rara, e seus sin-
com sintomas de ansiedade, insônia, cansaço, tomas incluem cefaleia, náusea, tremores, aluci-
agitação, irritabilidade, diminuição da concen- nações, insônia, letargia, humor ansioso e/ou
tração, dor e tensão muscular, tremor, ataxia, deprimido, irritabilidade e diminuição da con-
hipertensão, taquicardia, convulsão, hiperacusia, centração. Também não há tratamento especí-
ilusões e alucinações. O tratamento para esses fico para tal síndrome.
casos é a troca da medicação por benzodiaze- As complicações do uso vão desde lesões de
pínicos de meia-vida longa (clonazepam ou pele (dermatite, queimadura) até situações mais
diazepam), estabilizando os sintomas de absti- graves, como arritmias, isquemia do miocárdio,
nência, com posterior diminuição gradual da enfisema, lesões hepática e renal e supressão da
dosagem até a suspensão. medula óssea. As complicações neurológicas
O tratamento da dependência por tais subs- são frequentes em indivíduos com uso prolon-
tâncias pode ser auxiliado com farmacoterapia gado, podendo-se citar neuropatia periférica,
adicional, por exemplo, antipsicóticos, antide- parkinsonismo, atrofia cerebral e cerebelar, per-
pressivos sedativos, melatonina e ácido val- da de memória e comprometimento do quo-
proico. Os benzodiazepínicos podem levar a ciente de inteligência (QI). Não há tratamento
delirium, transtorno amnéstico persistente, instituído para as complicações do SNC.
transtorno do sono, transtornos ansiosos, alte-
rações de humor, quadros psicóticos, aumento Cocaína e estimulantes
do risco de queda e acidentes em geral. Existe
controvérsia nos estudos se o uso crônico pode A cocaína em suas diferentes formas (pó,
levar à demência. crack, pasta) e as anfetaminas são estimulantes
As Z drugs (zolpidem, zopiclona) têm efei- do SNC que agem no sistema dopaminérgico,
tos parecidos aos benzodiazepínicos, poden - tendo também ação sobre noradrenalina e se-
do haver uso recreativo e quadros de depen- rotonina. Os efeitos da intoxicação aguda são:
dência semelhantes. hipervigilância, agitação, insônia, autoconfian-
ça elevada, sensação de bem-estar, midríase,
Inalantes hipertermia, sudorese ou calafrios, taquicardia,
hipertensão, tremores, distonia, discinesias, fra-
Classe composta por hidrocarbonetos volá- queza muscular, diminuição do apetite, náusea
teis depressores do SNC (solventes para colas, e/ou vômito, crise de ansiedade, alucinações e
propelentes, diluentes e combustíveis). Os efei- paranoia, arritmias, rabdomiólise, dor torácica,
tos iniciam-se segundos depois da substância confusão, convulsão e coma. Os efeitos da co-
ser inalada e podem durar de minutos a horas. caína iniciam-se logo após o uso e duram até 60
Dentre tais efeitos, estão euforia, comportamen- minutos dependendo da via utilizada (cheirada,
to desinibido, sensação de flutuação, ilusões, fumada, injetada ou aplicada em mucosas).
náuseas e/ou vômitos, anorexia, dores muscu- O tratamento para a intoxicação também é
lares, hiperemia de conjuntiva, diplopia, zum- sintomático, devendo ser oferecido suporte em
bido, fala pastosa, vertigem, alteração de marcha, ambiente calmo. Caso haja sintomas ansiosos,
ataxia, crise de ansiedade, alucinações, arritmias, convulsão, espasmos musculares e disforia, po-
depressão respiratória, rebaixamento do nível dem ser utilizado benzodiazepínicos. Em caso
de consciência e morte súbita. O tratamento é de agitações e sintomas psicóticos, os neurolép-
de suporte, não havendo medidas farmacológi- ticos podem ajudar no manejo. Importante lem-
cas específicas. Deve-se evitar uso de benzodia- brar que betabloqueadores são contraindicados.
CAPITULO 18 TRANSTORNOS RELACIONADOS AO USO DE SUBSTÂNCIAS 213
A abstinência é marcada por fissura, irrita- arrastada, miose, retenção urinária, obstipação
bilidade, agitação, ansiedade, letargia, fadiga, intestinal, bradicardia, hipotermia, hipotensão,
pesadelos, sonolência, anedonia, humor disfó- depressão respiratória, convulsão, torpor e coma.
rico ou hipotímico, cefaleia, sudorese, cãibra, O início, a duração e a intensidade dos sintomas
cólica e fome. Seu início se dá 24 horas após o dependem de qual opioide foi consumido, bem
último uso, e sua duração é de até 1 semana. Não como da via de administração.
há tratamento específico, apenas sintomático. Para tal intoxicação, há tratamento especí-
Não há tratamento farmacológico para a fico. Quando houver a tríade de rebaixamento
dependência de cocaína comprovadamente efi- do nível de consciência, miose e depressão res-
caz. Alguns estudos apontam uso de antipsicó- piratória, deve-se aventar a hipótese de intoxi-
ticos para fissura, assim como antidepressivos, cação por opioides. Nesse caso, o paciente deve
com resposta satisfatória. Até o momento, não ser monitorado, com via aérea garantida, para
há evidência que indique a prescrição de neu- que o antagonista opioide seja administrado, no
rolépticos, topiramato e outros anticonvulsivan- caso a naloxona 0,4 a 0,8 mg (IV, IM, via tubo
tes. Entretanto, mais estudos devem ser feitos endotraqueal). A dose pode ser repetida após
nessa área. alguns minutos, se não houver resposta (aumen-
As complicações relacionadas ao uso da co- to da frequência respiratória e dilatação das
caína são diversas, entre elas: congestão nasal, pupilas). Por vezes, é necessário repetir a admi-
sangramento e ulceração da mucosa nasal, per- nistração de naloxona, por esta ter meia-vida
furação de septo nasal, danos pulmonares (via curta e alguns opioides terem maior meia-vida,
pulmonar), infecções, embolias, transmissão levando à recorrência da toxicidade do opioide.
HIV/hepatites B e C (via IV), distonia aguda, A abstinência inicia-se 8 a 24 horas após o
tiques, cefaleia, doenças cerebrovasculares (in- uso de opioides de curta duração e pode durar
fartos cerebrais não hemorrágicos e hemorrá- de 4 a 1O dias; para opioides de longa duração,
gicos, ataque isquêmico transitório), arritmias, inicia-se entre 12 e 48 horas após último uso e
miocardiopatias, eventos tromboembólicos, dor pode durar entre 10 e 20 dias. Pacientes relatam
torácica, infarto agudo do miocárdio, convulsão, que o quadro é intenso e muito desconfortável,
estado de mal epiléptico, transtorno de humor com sintomas de fissura, ansiedade, disforia,
(transtorno afetivo bipolar, transtorno depres- fadiga, irritabilidade, inquietação, sono frag-
sivo), transtorno de ansiedade, transtorno ob- mentado, náuseas, vômitos, diarreia, dores mus-
sessivo-compulsivo, transtorno psicótico, trans- cular e óssea, espasmo muscular, cãibra abdo-
tornos do sono e disfunção sexual. minal, midríase, piloereção, rinorreia, bocejos,
ondas de calor ou frio, hipertensão arterial,
Opioides taquicardia e hipertermia. O tratamento con-
siste em medidas gerais e farmacoterapia. Me-
No Brasil, por muito tempo, a dependência dicação sintomática pode ser administrada para
por opioides foi negligenciada, uma vez que há aliviar os sintomas. Além disso, algumas estra-
pouca entrada da heroína (droga sintetizada com tégias podem ser feitas, como a conversão da
base no ópio) no país. Contudo, entre 2009 e 2015, dose usada de opioides para uma dose equiva-
a prescrição de opioides cresceu 465% no terri- lente de um opioide de meia-vida longa (meta-
tório brasileiro, o que traz à tona a discussão, dona) ou agonista opioide (buprenorfina), e a
entre outros tópicos, da dependência por opioides. redução gradativa até a suspensão (tempo para
Os opioides, assim como o álcool, são de- a suspensão de acordo com cada caso). Outra
pressores do SNC. O quadro da intoxicação por opção é o tratamento com clonidina, agonista
opioides é marcado por analgesia, apatia e/ou alfa-2-adrenérgico, que diminui os sintomas da
disforia, agitação ou retardo psicomotor, fala abstinência e deve ser titulado até melhora dos
214 SEÇÃO Ili CLINICA DO ADULTO
sintomas, com redução gradual ao longo dos que podem levar o indivíduo a buscar ajuda,
dias até retirada completa. A dosagem recomen- como dito anteriormente. Tais casos devem re-
dada é de 0,3 a 1,2 mg/dia. ceber tratamento sintomático com uso de ben-
Após melhora da abstinência aguda, o pa- zodiazepínicos para as crises de ansiedade e
ciente pode sentir-se convalescente e com in- antipsicóticos para os sintomas alucinatórios e
tensa fissura por vários meses. O tratamento de paranoia.
manutenção com metadona ou buprenorfina Em indivíduos que fazem uso diário de ma-
pode auxiliar o paciente a manter a abstinência. conha, pode haver abstinência caso cesse o con-
Alguns estudos também mostraram efetividade sumo da droga. A síndrome de abstinência
do tratamento da abstinência prolongada com inicia-se 2 a 3 dias após o último consumo e
uso de naltrexona. dura em média de 1 a 2 semanas. Os sintomas
O uso de opioides pode levar a hiperalgesia, são: fissura, irritabilidade, inquietação, ansieda-
transtornos de humor (mania, depressão, sin- de, sintomas depressivos, insônia, diminuição
tomas mistos), transtorno psicótico, transtornos do apetite, sudorese, náuseas, vômitos, diarreia
do sono, disfunção sexual, infecções, embolias, e tremor. Não há tratamento farmacológico es-
transmissão HIV/hepatites B e C (via EV), di- pecífico para a abstinência, podendo-se fazer
minuição da função imunológica e infecções controle sintomático com medicação.
bacterianas (infecções de pele, endocardite). Assim como não há tratamento específico
para a abstinência, não há tratamento farmaco-
Cannabis lógico específico para a dependência de cannabis.
O uso prolongado e intenso de maconha
A cannabis, perturbadora do SNC, é encon- pode levar a aumento do risco de câncer de pul-
trada sob diferentes formas e nomes (maconha, mão e complicações respiratórias, além de pre-
haxixe e skank), variando as concentrações de juízo cognitivo sutil. Estudos ainda controversos
seus compostos ativos, ou seja, o que muda é sugerem pequenas alterações cognitivas com
apenas a proporção entre delta-9-THC (subs- uso intenso da maconha na infância e na ado-
tância psicoativa e dependogênica) e canabinoi- lescência, período de maturação cerebral. Exis-
des (substâncias utilizadas para fins medicinais). tem debates sobre o aumento do risco de quadros
A intoxicação aguda por maconha raramente psicóticos e esquizofrenia associado ao uso da
leva o paciente a um pronto-socorro pelos sin- maconha, assim como é controversa a existência
tomas da intoxicação em si. O indivíduo que da "síndrome amotivacional".
consumiu pode buscar ajuda médica quando o
uso da maconha desencadeia sintomas ansiosos Alucinógenos
e/ou psicóticos. São efeitos da intoxicação agu-
da: euforia, relaxamento, alteração da percepção Este grupo de drogas é heterogêneo e contém
de tempo, cores, sons, textura e paladar, aumen - diversas substâncias naturais e sintéticas que
to do apetite, hiperemia conjuntiva!, midríase, levam o usuário a uma distorção da realidade e
boca seca, leve taquicardia, hipotensão ortostá- a uma experiência de expansão da consciência.
tica, tremores de mãos e alteração da coordena- Dentre as substâncias mais conhecidas, estão
ção motora e da atenção. Tais efeitos iniciam-se dietilamida do ácido lisérgico (LSD), fencicli-
logo após a substância ser fumada e podem dina, mescalina, ibogaína, psilocibina, Ayahuas-
durar entre 2 e 5 horas, sendo que o prejuízo ca e cetamina.
motor pode se estender até 12 horas. Além dis- A intoxicação por alucinógenos varia de-
so, a maconha pode desencadear hipervigilância, pendendo da substância, porém, de maneira
paranoia, ansiedade, crise de pânico, desreali- geral, inicia-se 60 minutos após a ingestão e
zação, despersonalização e alucinações, sintomas pode durar de 4 a 6 horas. Os efeitos vão desde
CAPITULO 18 TRANSTORNOS RELACIONADOS AO USO DE SUBSTÂNCIAS 215
alterações da percepção (cores, sons, sabores, torção visual, falsas percepções de movimento,
tempo, espaço), alucinações (comumente vi- alteração das cores, entre outros), mesmo após
suais), alteração das emoções, midríase, taqui- muito tempo de uso. Tal síndrome é chamada,
cardia, sudorese, palpitações, tremores e incoor- no DSM-5, de transtorno persistente da percep-
denação até aumento da reflexão introspectiva ção induzido por alucinógenos. O tratamento é
com insights. O tratamento abrange a tranqui- paliativo, podendo ser usados benzodiazepíni-
lização do paciente em ambiente calmo e, caso cos. Antipsicóticos podem ter efeito paradoxal,
haja sintomas desagradáveis como ansiedade, piorando o quadro, e devem ser reservados para
agitação ou paranoia, é possível administrar psicose induzida pela substância. Outras com-
benzodiazepínicos. Deve-se ter cautela quanto plicações decorrentes do uso são quadros psi-
ao uso de antipsicóticos, pois podem agravar os cóticos, sintomas maniformes ou depressivos,
sintomas em alguns casos. ansiedade, transtorno do pânico e agorafobia.
A abstinência não é descrita nessa classe,
porém alguns indivíduos com uso constante Club drugs
experimentam fadiga, irritabilidade e anedonia
ao cessarem o uso. Um novo grupo de drogas foi intitulado
Alguns indivíduos podem experimentar como "drogas de boate"; são substâncias sinté-
flashbacks, isto é, sintomas alucinógenos (dis- ticas de diversas classes utilizadas em festas e,
atualmente, com crescente aumento no número ■ Necessidade de atenção mais frequente e até
de usuários, o que traz apreensão e necessidade contínua, com indicação de tratamento em
de mais estudos na área. Dentre as drogas, estão equipamentos como os Centro de Atenção
o ecstasy ou MD (rnetilenodioxirnetanfetarnina), Psicossocial e Hospital Dia.
a rnetanfetarnina, o GHB (gama-hidroxibutira
to), a cetamina e o flunitrazepam. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O MD é, hoje, a club drug mais utilizada em
festas; é urna anfetamina sintética com proprie É de suma importância ter o
dades tanto estimulantes quanto alucinógenas. conhecimento e as competências mínimas
Os efeitos relatados são de sensação de energia, sobre o manejo dos transtornos relacionados a
aumento de prazer, aumento da percepção das uso de substâncias, urna vez que o consumo
emoções e da ligação com as pessoas, alteração de drogas acontece em ampla escala e, em
da percepção sensorial e temporal, agitação, grande parte das vezes, não chegará ao
taquicardia, tremor, trisrno, entre outros. Exis psiquiatra. Urna postura despida de
tem complicações potencialmente fatais, corno preconceitos e curiosa ajuda no
hipertermia, crise hipertensiva, arritmia, dor entendimento da história, do ambiente e de
torácica, convulsão, rabdorniólise, síndrome se que forma o paciente se relaciona com tais
rotoninérgica e neuroléptica maligna. Usuários questões. Na avaliação, não deixar de verificar
constantes da droga relatam fadiga, disforia, diagnósticos comórbidos, como transtornos
sintomas depressivos, diminuição do apetite de humor. Para melhor encaminhamento do
e problemas de concentração quando cessam caso, trabalhar a ambivalência e promover a
seu uso. reflexão e a autoeficácia são úteis quando as
A cetamina também tem tido aumento no sociados a psicoterapia e farmacoterapia.
seu consumo. Hoje é utilizada comercialmente
para fins veterinários corno anestésico. A into
xicação traz sintomas dissociativos, euforia,
analgesia, amnésia, alteração dos sentidos, alu
cinações, taquicardia e hipertensão. Em doses
maiores, pode ser letal. É cornurnente utilizada
em associação com a cocaína. São necessários
mais estudos para a compreensão das compli
cações em longo prazo.