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Biomecânica

Aplicada ao Esporte
Autora: Profa. Katia Brandina
Colaboradoras: Profa. Vanessa Santhiago
Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano
Professora conteudista: Katia Brandina

É graduada em Educação Física pela Universidade São Judas Tadeu (1997). Possui mestrado (2004) e doutorado
(2009) em Biodinâmica do Movimento Humano pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo
(EEFE-USP). Atualmente, é professora titular da Universidade Paulista (UNIP). Coordena e ministra aulas nos cursos de
pós-graduação da Universidade Estácio de Sá (Reabilitação de Lesões e Doenças Musculoesqueléticas), da Universidade
de São Caetano do Sul (Reabilitação e Exercício Físico nas Lesões e Doenças Musculoesqueléticas) e da FMU (Lesões
e Doenças Musculoesqueléticas: Prevenção e Condicionamento Físico). Ministra aulas como professora convidada no
curso de pós-graduação da Fefiso (Fisiologia do Exercício: Avaliação e Prescrição de Atividade Física). Os temas de
estudo de maior interesse na área da Biomecânica são: locomoção humana, reabilitação de lesões musculoesqueléticas,
calçado esportivo e eletromiografia.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

B642b Brandina, Katia.

Biomecânica aplicada ao esporte / Katia Brandina. – São Paulo:


Editora Sol, 2020.

172 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Biomecânica. 2. Atividade eletromiográfica. 3. Treinamento


de força. I. Título.

CDU 577.3

U507.23 – 20

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.

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Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor

Prof. Fábio Romeu de Carvalho


Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

Profa. Melânia Dalla Torre


Vice-Reitora de Unidades Universitárias

Prof. Dr. Yugo Okida


Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcello Vannini
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Giovanna Oliveira
Elaine Pires

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Sumário
Biomecânica Aplicada ao Esporte

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 BIOMECÂNICA DO TREINAMENTO DE FORÇA.........................................................................................9
1.1 Tipos de contração e características estruturais do músculo............................................. 10
1.2 Influência do comprimento do sarcômero e do ciclo alongamento-
-encurtamento na produção de força muscular............................................................................. 12
2 TORQUE E SUA INFLUÊNCIA NA PRODUÇÃO DE FORÇA MUSCULAR......................................... 19
2.1 Análise dos braços de alavanca nos exercícios de academia.............................................. 32
2.1.1 Exercício peitoral...................................................................................................................................... 32
2.1.2 Exercício dorsal......................................................................................................................................... 39
2.1.3 Exercícios de ombro................................................................................................................................ 42
2.1.4 Exercício de cotovelo.............................................................................................................................. 45
2.1.5 Exercício de membros inferiores........................................................................................................ 47
2.1.6 Características e importância da eletromiografia na análise do movimento humano............51
2.1.7 Atividade eletromiográfica dos músculos nos exercícios........................................................ 55

Unidade II
3 BIOMECÂNICA DA CORRIDA E DO CALÇADO ESPORTIVO............................................................... 70
3.1 Características cinemáticas da corrida e influência do calçado esportivo.................... 71
3.2 Características cinéticas da corrida e influência do calçado esportivo.......................... 82
4 ATIVIDADE ELETROMIOGRÁFICA DOS MÚSCULOS NA CORRIDA................................................. 95
4.1 Características da economia de corrida e influência do calçado esportivo
no rendimento do corredor....................................................................................................................100

Unidade III
5 BIOMECÂNICA DA GINÁSTICA..................................................................................................................112
5.1 Ginástica olímpica e artística: biomecânica do equilíbrio..................................................113
5.2 Treinamento proprioceptivo...........................................................................................................121
6 GINÁSTICA DE ACADEMIA..........................................................................................................................126
6.1 Modalidade step..................................................................................................................................126
6.2 Ginástica de academia: modalidade aeróbia...........................................................................129

5
Unidade IV
7 BIOMECÂNICA DAS MODALIDADES ESPORTIVAS.............................................................................134
7.1 Análise e controle da sobrecarga..................................................................................................134
8 SALTO VERTICAL: PARÂMETROS BIOMECÂNICOS PARA EFICIÊNCIA DO MOVIMENTO...............136
8.1 Salto triplo: parâmetros biomecânicos para controle de carga mecânica
e propulsão....................................................................................................................................................142

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APRESENTAÇÃO

Os movimentos corporais e a interação de forças geradas entre corpo e meio ambiente em sua
execução são o foco de estudo da área da Biomecânica. Para que o movimento aconteça, forças são
produzidas e sustentadas pelo corpo, provocando ajustes do movimento que propiciaram o controle
de cargas mecânicas e a geração de impulsos para propulsionar o aparelho locomotor (HALL, 2013;
AMADIO; SERRÃO, 2004; AMADIO; SERRÃO, 2011).

Essa mecânica de movimento pode ser evidenciada em gestos motores do cotidiano, tais como a
caminhada, subir um degrau de uma escada ou alcançar objetos, mas também se aplica aos movimentos
complexos vivenciados em modalidades esportivas e em atividades de academia.

Para garantir uma técnica de execução correta dos movimentos esportivos complexos, é necessário
analisá-los e discuti-los por meio dos instrumentos da Biomecânica, tais como câmeras, eletromiógrafos,
plataforma de força de reação do solo, entre outros. O estudo do movimento por essa ótica define a área
de atuação da Biomecânica, conhecida por Biomecânica Aplicada ao Esporte.

A Biomecânica Aplicada ao Esporte evidencia as estratégias usadas pelo aparelho locomotor para
garantir maior eficiência nos gestos motores esportivos e as desenvolve nas sessões de treino, sendo
estas estratégias e seu uso no treino esportivo os assuntos a serem discutidos nesta disciplina.

Portanto, a disciplina tem os seguintes objetivos:

• entender as características das diferentes modalidades esportivas e de treinamento;

• aprender a controlar a sobrecarga para diminuir a incidência de lesões;

• saber quais aspectos precisam ser treinados nas modalidades para melhorar o rendimento.

Ao final do estudo desta disciplina o aluno deve ser capaz de:

• analisar e manipular as forças presentes no movimento humano;

• manipular as forças produzidas no movimento humano para prevenir o surgimento de lesões e


melhorar a eficiência do movimento;

• adequar os exercícios e o treinamento para evitar o surgimento de lesões.

INTRODUÇÃO

O aparelho locomotor possui muitos sistemas capazes de interagirem e se organizarem para


produzirem movimentos bastante complexos, como os evidenciados em modalidades esportivas e
em atividades de academia. Essa resposta em forma de gesto motor pode ser melhorada no aspecto
mecânico quando bem conhecida e treinada.
7
Para programar sessões de treino que permitam desenvolver as capacidades físicas relevantes para
aperfeiçoar a técnica do movimento de cada indivíduo é importante conhecer como o gesto motor
usado é executado, que forças estão presentes nessa ação, como controlá-las e torná-las favoráveis
para facilitar a execução do movimento com menos gasto energético. São vários os fatores que afetam
o movimento humano.

Um dos sistemas de grande relevância do nosso corpo capaz de produzir força e controlar as
que incidem sobre ele é o sistema muscular. Para desenvolver as qualidades mecânicas do músculo é
necessário entender e discutir a melhor estratégia a ser usada no treinamento de força. A estruturação
da sessão de treino em acordo com os princípios do treinamento de força, a aplicação dos conceitos
de torque e braço de alavanca e o uso dos registros eletromiográficos em exercícios de musculação
serão alguns dos temas abordados a seguir, que favorecem o desenvolvimento das capacidades físicas
musculares de força e potência.

Além do entendimento sobre o desenvolvimento geral das características mecânicas do tecido


muscular pelo treinamento de força, o livro contém a discussão de dados de registro e análise de
movimentos esportivos, obtidos por meio das áreas de investigação da Biomecânica: Cinemetria,
Dinamometria, Eletromiografia e Antropometria.

Para a corrida, os parâmetros cinemáticos, cinéticos e eletromiográficos serão apresentados e


discutidos, com o objetivo de explorar os fatores treináveis e não treináveis para melhorar a técnica e a
eficiência da corrida. A influência das características de construção do calçado esportivo na técnica de
movimento da corrida também será debatida, por este ser o principal acessório usado nesta modalidade.

Para os movimentos da ginástica (olímpica, artística e de academia), os conceitos de equilíbrio e


controle de sobrecarga foram os principais assuntos explorados. Com a leitura desse documento, é
possível entender a relevância de se controlar a intensidade e a duração dos estímulos aplicados ao
aparelho locomotor, bem como entender os riscos de se usar movimentos complexos, que exigem grande
controle motor, para sujeitos com pouca habilidade. O controle motor pode ser aperfeiçoado com o
treinamento proprioceptivo, sendo essa outra modalidade de academia discutida para compreensão da
importância de desenvolver o equilíbrio dos movimentos.

Por fim, os parâmetros cinemáticos e cinéticos do salto vertical são descritos para entendimento
dos fatores que interferem no rendimento desse movimento, comum a muitas modalidades esportivas.

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BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Unidade I
1 BIOMECÂNICA DO TREINAMENTO DE FORÇA

O movimento humano é gerado quando um conjunto de músculos é acionado para produzir força. A
ação conjunta dos músculos deve garantir gestos motores eficientes com técnica de movimento correta
(HALL, 2013; AMADIO; SERRÃO, 2011; AMADIO; SERRÃO, 2004).

A capacitação do músculo para produção de força no movimento humano é conquistada com o


treinamento de força. Essa estratégia de treino tem como princípios a sobrecarga, a especificidade e a
reversibilidade do sistema locomotor (FLECK; KRAEMER, 2016; FLECK; KRAEMER, 2017).

Promover maior sobrecarga no músculo para otimizar sua capacidade de produção de força implica
fazer o corpo sustentar uma carga adicional maior, com maior frequência ou com maior velocidade do
que aquela que ele está acostumado a sustentar em seu cotidiano. Essa estratégia produzirá alterações
na estrutura muscular que o farão executar movimentos mais complexos e com maior exigência de
força (FLECK; KRAEMER, 2016; FLECK; KRAEMER, 2017).

O ganho de força em movimentos melhora a funcionalidade do corpo para atender às demandas


do cotidiano de cada sujeito (FLECK; KRAEMER, 2016; FLECK; KRAEMER, 2017). Para o idoso, melhorar
a capacidade de produção de força implica subir e descer escadas com maior autonomia, levantar
de uma cadeira ou sentar nela sem perder o equilíbrio, retomar o equilíbrio de uma caminhada ao
tropeçar na rua, reduzindo o risco de queda; para um adulto, implica melhorar e manter os movimentos
repetidos em ambiente de trabalho, e, para um atleta, a capacidade de produzir força garante medalhas
ou recordes em competições de alto nível esportivo.

Para que o ganho de força seja realmente representativo com a prática do treinamento de força,
cada sujeito deve treinar o movimento da forma como ele o executa em seu dia a dia. A especificidade do
gesto motor no treinamento de força é fundamental para promover a adaptação dos grupos musculares
que devem ser acionados em cada movimento (FLECK; KRAEMER, 2016; FLECK; KRAEMER, 2017). Por
exemplo, se um idoso quer melhorar sua capacidade de produzir força para levantar de uma cadeira e
sentar-se nela, ele deverá usar movimentos no treino de força similares ao movimento de sentar em
uma cadeira e levantar-se dela. O movimento que mais se assemelha a essa ação é o agachamento.

É importante destacar que a força usada ao sentar em uma cadeira e levantar-se dela é dinâmica,
portanto, adicionar carga e manter o idoso parado em um único ângulo do movimento de flexão e
extensão de joelhos compromete a especificidade do treino e a adaptação do músculo para o ganho de
força em uma ação dinâmica como essa. Assim, além de considerar o tipo de exercício, é preciso também
definir sua forma de execução no treino, que deve ser compatível com o movimento executado no dia
a dia do sujeito.
9
Unidade I

Um atleta de alto nível que compete nas argolas, como é o caso do medalhista olímpico Arthur
Zanetti, para tornar o treino de força específico às ações dessa prova, precisa fortalecer os músculos do
ombro em posturas estáticas. Realizar o movimento de flexão de cotovelo com carga adicional e com os
pés apoiados em um espaldar para ficarem alinhados com o tronco e solicitar ao atleta que ele execute
uma flexão de cotovelos e mantenha os cotovelos flexionados por um período de tempo, sustentando
a força, torna essa ação mais específica para a adaptação do músculo na prova de argolas. Esse é um
exemplo de movimento que imita o que é usado por um atleta na competição de argolas e que exige
um trabalho de fortalecimento muscular em postura estática, respeitando o princípio da especificidade
do treino de força.

Todo o esforço feito para treinar o tecido muscular para ganho de força, independentemente da
atividade a ser realizada ou do tipo de público (adulto, idoso, atleta), só será mantido se o treinamento
não for interrompido e se o nível de esforço do sujeito para realizar o exercício for modificado sempre
para um patamar de maior exigência, com cargas mais pesadas, aumento no tempo de permanência
de execução do gesto motor ou velocidade de movimento maior do que a de costume. Essa descrição
explica o princípio da reversibilidade do treinamento de força (FLECK; KRAEMER, 2016; FLECK; KRAEMER,
2017). Se o tecido muscular parar de receber estímulos ou se eles forem equivalentes aos recebidos no
cotidiano, com o processo de envelhecimento contínuo do corpo, a capacidade de produção de força
muscular diminui. Então, o treino de força só será eficiente se houver sobrecarga no sistema corporal,
específica ao trabalho que será exigido do corpo.

A discussão anterior mostra que o protagonista do corpo usado para realizar movimentos mais
eficientes é o tecido muscular e este pode se adaptar para melhorar a capacidade de produzir e de
sustentar a força. Dada a importância dessa estrutura para o corpo, as características estruturais e
biomecânicas desse tecido serão consideradas a seguir.

1.1 Tipos de contração e características estruturais do músculo

Por sua capacidade de produzir força, o músculo é considerado o tecido ativo do corpo humano, que
realiza movimentos ao encurtar e oferece proteção aos ossos e articulações ao alongar para oferecer
resistência às forças externas aplicadas ao corpo (HALL, 2013).

As funções que o músculo cumpre para produzir movimento e resistir às forças externas são garantidas
por contrações musculares distintas, que dependem do comprimento assumido pelo músculo e da
relação de forças estabelecidas entre ambiente e corpo humano. As contrações dinâmicas, concêntrica
e excêntrica, e a contração estática, isométrica, são as que definem as relações de comprimento e força
destacadas anteriormente (NORDIN; FRANKEL, 2014; HALL, 2013).

A contração dinâmica excêntrica é definida quando o músculo alonga com o aumento gradativo
do seu comprimento até o limite máximo, sem gerar lesão. O corpo cede à ação da força da gravidade
e desloca a porção do corpo movimentada em direção ao solo ou a favor da gravidade. Com isso, a
força interna ou produzida pelo músculo é menor do que a força externa ou resistente no movimento
(NORDIN; FRANKEL, 2014; HALL, 2013).

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BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Já a contração dinâmica concêntrica é definida quando o músculo encurta com a diminuição gradativa
do seu comprimento. O corpo supera a ação da força da gravidade e desloca sua parte em movimento para
cima ou contra a ação da gravidade. Com isso, a força interna ou produzida pelo músculo é maior do que
a força externa ou resistente no movimento (NORDIN; FRANKEL, 2014; HALL, 2013).

Quando o músculo não está nem totalmente alongado e nem totalmente encurtado, a contração
isométrica, muitas vezes estática, é visualizada no gesto motor. O músculo assume seu comprimento
intermediário e não há variação aparente em seu comprimento total; esses dois fatores caracterizam a
contração isométrica. Dessa forma, a produção de força interna ou muscular se iguala à força resistente
ou da gravidade que atua no corpo (NORDIN; FRANKEL, 2014; HALL, 2013).

O comprimento assumido pelo músculo no movimento altera sua capacidade de produção de força
muscular devido ao número de interações entre actina e miosina. Este é um aspecto biomecânico
importante característico do músculo que influencia o treinamento de força (TRICOLI, 2013).

Em acordo com o Modelo Biomecânico (NORDIN; FRANKEL, 2014) ilustrado a seguir, o tecido
muscular é composto por dois componentes principais: o contrátil e o elástico.
Componente elástico em paralelo
(epimísio, permísio e endomísio)

Componente elástico
em série (tendão)

Componente contráril
(actina e miosina)

Figura 1 – Ilustração do Modelo Biomecânico do Músculo

O retângulo representa o ventre muscular. A parte superior do retângulo possui uma mola que
simula as várias camadas de membrana formadas por fibras de colágeno que envolvem: a fibra muscular
(endomísio), o conjunto de fibras musculares (perimísio) e o ventre muscular (epimísio). Essas camadas
de membrana são conhecidas como componente elástico em paralelo em relação ao componente
contrátil e têm a importante função de resistir às forças de tração, protegendo o músculo de lesões e de
acumular e restituir energia elástica no movimento.

Na parte inferior do retângulo verificam-se duas extremidades com aspecto de garfo se encaixando,
esses são os componentes contráteis do Modelo Biomecânico do Músculo. Os componentes contráteis,

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Unidade I

actina e miosina, interagem entre si para encurtar o músculo e produzir o movimento humano, por isso
uma representação que lembra a conexão entre as duas proteínas contráteis do músculo no modelo.
Quanto maior for a quantidade de actinas e miosinas conectadas, maior será a capacidade de produção
de força pelo músculo.

Das extremidades do retângulo saem duas linhas (uma delas com uma mola) que também representam
um componente elástico no músculo. Como estes componentes estão ao lado das proteínas contráteis
de actina e miosina, são conhecidos por componente elástico em série em relação ao componente
contrátil. No músculo, o componente elástico em série é o tendão muscular e tem estrutura e função
similar à do componente elástico em paralelo. São elas: resistir às forças de tração no movimento para
evitar lesão muscular por estiramento e acumular e restituir energia elástica para potencializar a força
muscular no movimento.

Mas como a capacidade de força muscular pode ser afetada ao considerar os componentes contrátil
e elástico representados no Modelo Biomecânico do Músculo?

Ela é afetada quando se considera:

• o comprimento assumido pelo sarcômero nas diferentes contrações musculares sem o uso do
componente elástico;

• o uso do componente elástico em um movimento contínuo e com sobrecarga adequada – ciclo


alongamento-encurtamento.

1.2 Influência do comprimento do sarcômero e do ciclo alongamento-


-encurtamento na produção de força muscular

A capacidade de produção de força pelo músculo mudará quando o sarcômero ficar muito alongado
ou muito encurtado em comparação à condição em que fica em seu comprimento intermediário,
conforme evidenciado na figura a seguir (NORDIN; FRANKEL, 2014; HALL, 2013).

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BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

1.0

Força

0.5

1.27 1.65 2.0 2.24 3.60

Comprimento do sarcômero

2.25 - 3.6 µm
M A
Z Z
2.0 - 2.25 µm

<1.65 µm

Figura 2 – Ilustração da curva de comprimento-tensão. Produção de força do sarcômero (eixo y) em função do seu comprimento
(eixo x): de 2,25 a 3,6 µm comprimento alongado (contração excêntrica); de 2,0 a 2,25 µm comprimento intermediário (contração
isométrica); <1,65 µm comprimento encurtado (contração concêntrica)

O eixo y do gráfico anterior indica a quantidade de força produzida pelo músculo, e o eixo x, a
variação do comprimento assumido pelo sarcômero. Quando o sarcômero está entre 2.25 e 3.6µm,
verifica-se o maior comprimento assumido pela fibra muscular, portanto o tipo de contração realizada
é a excêntrica. No intervalo entre 2.0 e 2.25µm, o sarcômero está em seu comprimento intermediário,
então o tipo de contração assumida é a isométrica. E no intervalo no qual o sarcômero encontra-se com
o comprimento menor do que 1.65 µm, o tipo de contração é a concêntrica.

Ao comparar o comprimento do sarcômero com a capacidade de produção de força do músculo,


verifica-se no gráfico que, em contração excêntrica e concêntrica, a capacidade de produção de força do
músculo diminui gradativamente quando o sarcômero se aproxima dos valores extremos de alongamento
e encurtamento, respectivamente. Na contração isométrica, a produção de força muscular é máxima.

As diferenças de produção de força muscular em acordo com o tipo de contração assumido pelo músculo
são explicadas pela quantidade de interações entre actinas e miosinas. Em contração isométrica, todas as
cabeças de miosinas estão alinhadas e conectadas aos sítios de ligação da actina. Com maior quantidade de
“engrenagens” trabalhando dentro do músculo, essa “máquina” consegue produzir mais força.

Em contração excêntrica, os sítios de ligação da actina se afastam das cabeças de miosina devido
ao maior comprimento do sarcômero. Com isso, o músculo perde parte das interações entre actina e
miosina, o que diminui sua capacidade de produção de força muscular.

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Unidade I

Em contração concêntrica, com a grande aproximação das paredes dos sarcômeros pelo
encurtamento muscular, as actinas são sobrepostas e as extremidades das miosinas são “esmagadas”
contra as paredes do sarcômero. Isso faz com que haja menos quantidade de sítios para interação entre
actina e miosina e menos cabeças de miosinas alinhadas às actinas para conexão e produção de força
muscular, respectivamente.

Você deve estar se perguntando em qual situação essa forma de produção de força muscular é vista
na prática. É possível citar duas situações:

• no início do movimento a partir de uma contração excêntrica;

• quando ocorre uma pausa no movimento entre a contração excêntrica e concêntrica do músculo.

Quando o músculo principal do movimento está alongado por muito tempo antes de iniciar a ação,
ele só tem os componentes contráteis para produzir a força necessária para o gesto motor. Por exemplo,
quando um sujeito faz o movimento de flexão de cotovelo (rosca direta) com carga de treino alta
(maior do que a condição basal). No início do movimento o cotovelo está estendido, o músculo bíceps
braquial, que é um dos responsáveis pelo movimento de flexão de cotovelo, está alongado ao máximo,
em contração excêntrica. Se nos reportarmos ao gráfico anterior (lendo-se da direita para esquerda), em
contração excêntrica, a quantidade de interação entre actina e miosina é pequena, o que compromete
a produção de força muscular. Iniciar o movimento de flexão de cotovelo é difícil, principalmente se a
carga estiver muito alta. É por isso que, algumas vezes, verifica-se em academias um sujeito forçando a
coluna em extensão para iniciar esse movimento. Trata-se de um erro comum que pode lesionar o corpo.
O ideal é diminuir a carga de treino ou solicitar a ajuda de outra pessoa para iniciar o movimento.

Lembrete

Condição basal é a condição em que o corpo consegue manter todo seu


funcionamento sem esforço, com pouco gasto energético. Nesse caso, para
ganho de força, é preciso deixar a carga mais pesada do que a quantidade
de peso que o sujeito ergue no seu dia a dia, ou seja, é preciso superar a
condição basal de carga do sujeito.

Depois do início da flexão do cotovelo no movimento de rosca direta, o bíceps braquial migra da
contração excêntrica para contração isométrica. Perceba que a variação do comprimento do músculo do
início para o meio do movimento faz com que o número de interações entre actina e miosina aumente
(parte central do gráfico anterior). Com o cotovelo alcançando o ângulo de 90 graus, a produção de
força muscular é máxima no movimento de rosca direta e a sensação que o exercício ficou mais fácil
nesse instante do movimento é percebida pelo sujeito que o executa.

Ao dar continuidade à execução do movimento da contração isométrica para contração concêntrica,


tem-se nova alteração de comprimento do sarcômero, do intermediário para o mais encurtado (parte
esquerda do gráfico); a produção de força no final da fase ascendente do movimento de flexão de
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BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

cotovelo diminui devido ao encurtamento total do músculo, que, nessa condição, perde parte das
conexões entre actina e miosina.

A variação de força na primeira repetição de movimentos que se iniciam com o músculo alongado
sempre ocorrerá da forma como exemplificada no movimento de rosca direta (flexão de cotovelo). Para
evitar compensações no movimento é importante:

• adequar a carga de treino à condição física do sujeito;

• auxiliar o início do movimento, se a carga de treino for alta e estiver compatível com o
condicionamento físico do sujeito;

• ajustar a máquina na qual o sujeito fará o movimento para que seu início ocorra com o músculo
principal da ação mais próximo da contração isométrica. Isso facilitará a produção de força para
iniciar o movimento. É importante destacar que o ângulo de execução do movimento nas repetições
subsequentes não pode ser comprometido pelo ajuste inicial do movimento na máquina.

Até o momento, somente o componente contrátil do músculo foi usado na produção de força. E o
componente elástico do músculo? Será que esse outro componente não teria participação nenhuma na
capacidade do músculo de produzir força? Sim, ele tem. A capacidade de acumular e restituir energia
elástica é fundamental para produzir maior quantidade de força muscular e essa capacidade é vista nos
componentes elásticos do músculo.

O gráfico a seguir mostra a capacidade de produção de força do músculo, atentando para a ação
dos componentes musculares separadamente, quando somente o componente contrátil (CC) age no
movimento (curva vermelha) e quando o componente elástico (CE) acumula energia elástica (curva
verde). De igual modo, a capacidade de produção de força atenta-se para a ação combinada dos
componentes musculares, quando a ação dos componentes contrátil e elástico se somam para produzir
o movimento (curva azul).

CC + CE
Produção de força

CC CE

Comprimento muscular

Figura 3 – Ilustração da curva de comprimento-tensão. Produção de força do sarcômero (eixo y) em função do seu comprimento
(eixo x). Curva vermelha: participação do componente contrátil para a produção de força; curva verde-clara: participação do
componente elástico para produção de força, curva verde-escura somatória da produção de força dos componentes elástico e
contrátil

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Unidade I

Para entendimento, considere apenas a curva vermelha do gráfico anterior. Lendo-a da direita para
esquerda, ela ilustra o que acontece na primeira repetição do movimento de rosca direta discutido
anteriormente. No início do movimento, o músculo produz pouca força por estar em contração
excêntrica e sem energia elástica acumulada; no meio do movimento, produz força máxima em
contração isométrica, e, no final, com o encurtamento demasiado do músculo, a produção de força cai.
Isto ocorre devido à quantidade de interação entre actina e miosina em função do tipo de contração
muscular e do comprimento adotado pelo músculo.

Após a primeira flexão de cotovelo, o sujeito deverá estendê-lo para continuidade do movimento.
Quando o sujeito estende o cotovelo, o músculo sai da contração concêntrica, migra para a contração
isométrica e, em seguida, para a contração excêntrica (ler o gráfico da esquerda para a direita).
Note que, ao passar da contração isométrica para a contração excêntrica na extensão do cotovelo,
a curva verde aparece e tem um formato crescente para a produção de força com o aumento do
comprimento muscular. Essa curva indica o início da participação dos componentes elásticos no
movimento de rosca direta.

Como um elástico, esses componentes são tracionados e acumulam energia elástica da contração
isométrica para contração excêntrica na fase descendente do movimento de rosca direta.

Como a intenção é repetir várias vezes o movimento de rosca direta, assim que o sujeito atinge
o ângulo de extensão de cotovelo desejado, ele já inverte a ação para erguer novamente o peso. A
passagem da fase descendente (contração excêntrica) para a fase ascendente (contração concêntrica)
do movimento de rosca direta, sem pausas, garante a soma da ação dos componentes musculares
contrátil e elástico, conforme demonstra a curva azul do gráfico.

Perceba que, quando há a soma da participação dos componentes contrátil e elástico do músculo,
a partir da segunda repetição do movimento de rosca direta, mesmo em contração excêntrica, a
capacidade de produção de força é máxima (curva azul lado direito), diferente do observado na primeira
repetição do movimento, quando o músculo está em contração excêntrica e somente o componente
contrátil participa do movimento (curva vermelha, lado direito).

Portanto, é possível entender que, quando a ação do componente elástico é somada à ação do
componente contrátil, a capacidade de produção de força muscular é maior no movimento, fato que
facilita sua execução.

Para o componente elástico acumular e restituir energia elástica, é imprescindível que o músculo
sofra um alongamento (contração excêntrica) seguido de um imediato encurtamento (contração
concêntrica). Esse ciclo de ação muscular para otimizar a produção de força é conhecido como ciclo
alongamento-encurtamento, que viabiliza a produção de força potente no movimento (TRICOLI, 2013;
NICOL; KOMI, 2006).

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BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Observação

A força potente é uma capacidade física que depende do uso de força


submáxima ou máxima em alta velocidade de movimento. Entretanto, a
capacidade do músculo para produzir força em alta velocidade diminui
com o aumento da intensidade da carga. Assim, considerando o aspecto
mecânico, o desenvolvimento da potência muscular é muito desafiador para
o aparelho locomotor, mas este se adapta positivamente se o planejamento
do treino físico for adequado.

Caso haja pausa ou um atraso mínimo entre o alongamento e o encurtamento do músculo no


movimento, toda ou parte da energia elástica se dissipará em forma de calor, e o músculo produzirá força
somente com a participação do componente contrátil, comprometendo seu rendimento no movimento.

Para explorar mais este conceito do ciclo alongamento-encurtamento, atente para os exemplos em
discussão a seguir.

O supino, movimento ilustrado na figura a seguir, pode ser realizado com ou sem o uso do ciclo
alongamento-encurtamento.

Figura 4 – Ilustração do movimento supino

Na posição inicial ilustrada na figura anterior, quando o sujeito desce a barra em direção ao tronco,
os músculos peitoral maior e tríceps braquial são alongados e, com isso, acumulam energia elástica. Se
o executor do movimento fizer uma pausa em abdução horizontal dos ombros e flexão dos cotovelos,
mesmo após alongar os principais músculos do movimento, a energia elástica se dissipará em forma de
calor, e a ação de erguer a barra ocorrerá somente com o uso do componente contrátil. Tal ação será muito
mais difícil de ser realizada porque o músculo não usará sua capacidade máxima de produzir força.

Percebe-se, então, que o descanso deste movimento para uma próxima repetição jamais poderá ser
feito entre o final da fase descendente e início da fase ascendente, porque a pausa nesse instante do
movimento comprometerá o uso da força muscular total (componente contrátil e elástico) no supino.

17
Unidade I

Entretanto, considerando-se a especificidade do treinamento de força de um atleta de supino


olímpico, efetuar a pausa entre a ação excêntrica e concêntrica do músculo pode favorecer o atleta na
conquista de resultados mais expressivo nas competições.

Em competições de supino olímpico, existe o juiz da prova ou um sensor de toque posicionado


na parte anterior do tronco dos atletas para validar a única tentativa de abaixar e erguer uma barra
com peso máximo. O competidor é obrigado a esperar a autorização do juiz da prova para erguer a
barra ou obriga-se a acionar o sensor pelo toque da barra no final da descida antes de erguê-la para
ter sua tentativa validada na competição. Em ambas as situações, ocorrerá um pequeno atraso entre
o alongamento e o encurtamento do músculo para um ciclo completo do movimento supino. Esse
pequeno atraso será suficiente para dissipar parte da energia acumulada pelo componente elástico do
músculo, e a força final usada pelo atleta na competição não será a máxima.

Sabendo da dinâmica dessa competição, o treino de força de um atleta de supino olímpico deve
obrigatoriamente evitar o uso do componente elástico do músculo, forçando o atleta a parar o
movimento entre o final da fase descendente e o início da fase ascendente. Caso contrário, a estratégia
de treino não será especificamente a usada na competição, e o atleta não conseguirá bons resultados.

Vale lembrar que a soma da força produzida pelos componentes elástico e contrátil do músculo é
a melhor estratégia para economizar energia no movimento. Sem o uso da força elástica, o músculo
produzirá mais força contrátil para realizar o movimento, e tal força dependerá somente da quantidade
de interação entre as proteínas actina e miosina (HALL, 2013).

Para ter grande interação entre as proteínas contráteis, é necessário usar os estoques de ATP (energia)
do músculo. Solicitar o uso de grande estoque de ATP para produzir força no movimento implica facilitar
a ocorrência de fadiga muscular (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2002).

A fadiga muscular compromete tanto a ação do músculo de produzir a força adequada para o movimento
como a manutenção da postura e a proteção das estruturas passivas do corpo (ossos e componentes
articulares), essa condição de treino é propícia para que aconteçam (TRICOLI, 2013; NICOL; KOMI, 2006).
Portanto, a estratégia de uso exclusivo do componente contrátil para a produção de força no treino deve
ser muito bem pensada e usada quando necessária, como no caso de exercícios que precisam da pausa
entre a ação excêntrica e concêntrica para respeitar a especificidade do movimento a ser treinado.

Outro movimento que tem rendimento alterado em acordo com a forma de execução é o salto vertical. Na
fase preparatória para um salto, o executor flexiona as articulações dos membros inferiores para adquirir impulso
para o movimento. O impulso é garantido pelo acúmulo de energia elástica nos músculos do quadríceps, tríceps
sural, isquiotibiais e glúteo máximo por conta da tração exercida nesses músculos (contração excêntrica – fase
descendente) com os movimentos de flexão de joelho, tornozelo e quadril, respectivamente, e pela participação
do componente contrátil dos mesmos músculos para produção de força (fase ascendente).

Após a aquisição do impulso, se o sujeito der continuidade ao salto realizando a fase aérea sem
pausa, o deslocamento vertical do salto será muito eficiente; entretanto, se entre a fase descendente
e a ascendente da preparação do salto o sujeito parar, o deslocamento vertical será menor devido
18
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

à dissipação de parte da energia elástica acumulada pelos músculos dos membros inferiores. Nessa
segunda situação, somente o componente contrátil produzirá a força usada no salto, e o rendimento do
movimento será visivelmente prejudicado – a altura de salto será inferior à máxima.

Exemplo de aplicação

Um atleta de handebol executa dois arremessos distintos. No primeiro, ele prepara o arremesso
acelerando o braço para trás e alongando os principais músculos. Imediatamente após a preparação,
acelera o braço para a frente e arremessa a bola. No segundo, ele prepara o arremesso acelerando o
braço para trás, faz uma pausa no movimento e, em seguida, acelera o braço para a frente.

Sabendo que o músculo possui dois componentes em sua estrutura que podem produzir força, o
contrátil e o elástico, cite e explique em qual arremesso o atleta teve seu melhor rendimento.

Além do uso dos componentes musculares, destaca-se a influência do torque para produzir gestos
motores com execução mais fácil ou mais difícil, dependendo da postura adotada para o movimento e
da quantidade de peso usada. Ambos os fatores podem alterar a ativação muscular em dado movimento
e esse é o assunto a ser discutido na sequência.

Saiba mais

A respeito do tema, leia:

BARROSO, R.; TRICOLI, V.; UGRINOWITSCH, C. Adaptações neurais e


morfológicas ao treinamento de força com ações excêntricas. Revista
Brasileira de Ciência e Movimento, Brasília, v. 2, n. 13, p. 111-122, 2005.
Disponível em: <http://www.nutricaoemfoco.om.br/NetManager/
documentos/adaptacoes_neurais_e_morfologicas_ao_treinamento_de_
forca_com_acoes_excentricas.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2016.

KOMI, P. V. Força e potência no esporte. 2. ed. Porto Alegre: Artmed,


2006. 536 p.

2 TORQUE E SUA INFLUÊNCIA NA PRODUÇÃO DE FORÇA MUSCULAR

Para caracterizar o conceito de torque, é importante lembrar os tipos de movimento que o corpo
humano é capaz de produzir. Eles são conhecidos como movimentos de translação (linear) e de
rotação (angular).

No movimento de translação, todas as partes do corpo são deslocadas com a mesma velocidade, a
mesma direção e o mesmo sentido. Esse movimento pode ocorrer de duas formas: retilínea ou curvilínea.

19
Unidade I

Um movimento de translação retilíneo ocorre quando um sujeito anda de patins em linha reta. Nesse caso,
tanto os patins quanto as partes do corpo da pessoa deslocam-se com a mesma velocidade, direção e sentido.

No entanto, imagine que o mesmo patinador em vez de se deslocar em linha reta, resolva se deslocar em
torno de um cone. Ele manterá o deslocamento de translação, só que agora curvilíneo. Apesar da alteração de
linear para curvilíneo, as velocidades entre os patins e as partes do corpo do patinador são iguais.

É um tipo de movimento igual ao que o planeta Terra faz em torno do Sol. Ao se movimentar ao
redor do Sol, todas as porções da Terra se deslocam com a mesma velocidade, em um movimento de
translação curvilíneo.

O planeta, contudo, não realiza apenas o movimento de translação; ele também está em movimento
de rotação em torno de seu próprio eixo. Nesse movimento, as camadas da Terra serão deslocadas em
velocidades lineares diferentes. A camada subterrânea, mais próxima do eixo de rotação da Terra, se
desloca mais lentamente, e a camada superficial, mais distante do eixo de rotação, mais rapidamente.

Se nos reportarmos ao exemplo da patinação novamente e pensarmos em dois patinadores se


deslocando ao redor de um cone lado a lado, um mais próximo do cone do que o outro, ambos estariam
realizando o movimento de rotação ao redor do cone. Para se manterem lado a lado e ao redor do cone,
a velocidade de deslocamento angular dos patinadores é a mesma. Entretanto, o patinador que está
mais afastado do cone deverá se deslocar com maior velocidade linear para manter-se ao lado do outro
patinador mais próximo do cone. Então, reforça-se o conceito de que quanto mais longe uma pessoa
(ou objeto) está do eixo de rotação, maior será sua velocidade linear.

O mesmo ocorre entre os segmentos do nosso corpo que giram em torno das articulações para
promover os movimentos. Veja o caso do arremesso de martelo: o atleta realizará vários giros em torno
de seu próprio eixo para que o martelo seja arremessado o mais longe possível. Se observarmos a
velocidade de deslocamento linear do braço do atleta e compararmos com a do martelo, é possível
calcular que a velocidade linear do martelo (objeto mais distante do eixo de rotação) é maior do que a
do braço do atleta. Então, as distâncias dos objetos ou dos segmentos em relação ao eixo de movimento
são um dos fatores que influenciam a execução de um movimento de rotação.

Independentemente do tipo de movimento, para produzi-lo, é necessário aplicar uma força para
iniciá-lo ou alterá-lo. Por exemplo, o cotovelo só se move se o músculo bíceps braquial acelerar o antebraço
para cima ou se a força da gravidade empurrar o antebraço para baixo. Para entender as condições de
repouso e movimento do corpo é preciso relembrar as Leis de Newton (ÖZKAYA; NORDIN, 1999).

A Primeira Lei de Newton, também conhecida como Princípio da Inércia, define que um corpo sempre
tem a tendência de manter o seu estado de movimento, em repouso ou não, enquanto a resultante das
forças que atuam sobre ele for igual a zero. Nessa condição, um corpo que está em repouso ficará nesse
estado e um corpo que se movimenta em linha reta manterá sua velocidade constante e seu estado
de movimento. Tal conservação no estado de movimento do corpo (em repouso ou parado) define o
conceito de inércia. A massa de um corpo é a medida da sua inércia. Portanto, quanto maior for a massa
de um corpo, mais difícil será tirá-lo do estado de repouso ou alterar seu movimento.
20
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Por exemplo: um lutador de sumô aumenta suas massas corporal, muscular e gorda, para que seu
oponente tenha de fazer mais força para deslocar o seu corpo. Com isso, a inércia do lutador torna-se
maior, tanto para deslocá-lo como para alterar o seu deslocamento. Essa estratégia de aumento de
massa é extremamente eficiente em aumentar a aptidão desses lutadores para a modalidade.

A Segunda Lei de Newton, também conhecida como Princípio da Dinâmica, determina que quando
um corpo sofre a ação de uma ou mais forças cujas resultantes são diferentes de zero, ele acelerará na
direção da resultante da força, de forma proporcional a sua magnitude. Em outras palavras, para alterar
o estado de movimento de um corpo, é necessário que haja uma força aplicada sobre ele. É claro que se
o corpo estiver sob a ação de duas forças que se anulam, não haverá alteração no estado de movimento,
por isso a resultante das forças deverá ser diferente de zero.

Se um corpo não muda seu estado de movimento sem a aplicação de uma força, por que um skate
tem seu deslocamento interrompido? Por que uma bola para de rolar mesmo que seja lisa e esteja em
uma superfície perfeitamente plana? E por que cai após ser arremessada para o alto?

Esses fenômenos são observados porque na natureza, em muitos casos, temos a interação de dois
corpos gerando forças que nem sempre vemos claramente. Por exemplo, temos forças de atrito, de
resistência do ar e a força peso, que surgem pela ação da aceleração da gravidade. O tempo inteiro
nossos corpos estão sujeitos a forças que podem alterar nosso movimento.

Ao discutir o conceito de torque, convém lembrar que o tipo de força externa ou observada na
natureza que influencia diretamente os movimentos de rotação das articulações do corpo é a força
peso. Em uma academia, normalmente os sujeitos só consideram que estão suspendendo um peso
quando adicionam uma carga extra ao corpo, por meio de anilhas, caneleiras ou da carga de algum
equipamento. Entretanto, é importante lembrar que nossos segmentos corporais também pesam!

Imagine que em um estudo com cadáveres o pesquisador tenha que verificar o peso de cada
segmento do corpo. Ele separaria por meio de um corte, por exemplo, o segmento mão do segmento
antebraço, colocaria o segmento mão (já separado do resto do corpo) em uma balança e poderia fazer o
registro do peso do segmento mão isolado do restante do corpo. Com isso, é possível perceber que, cada
um dos nossos segmentos corporais tem ossos, músculos, pele e outras estruturas, que, juntas, definem
a massa do segmento e essa massa, sob influência da força da gravidade, será acelerada para baixo,
caracterizando a força peso do segmento.

Observação

A fórmula da força peso é definida da seguinte forma:

P = mxg (N)

Onde:

21
Unidade I

P = força peso cuja unidade de medida é Newton (N).

m = massa corporal do sujeito ou objeto.

g = aceleração da força da gravidade na direção vertical para baixo.

Por que esse conceito foi enfatizado? Porque se um sujeito com muita dificuldade em realizar o
movimento de levantar o braço for para a academia para treinar força, o fato de ele não conseguir levantar
uma carga adicional ao seu corpo não implicará ausência de treino. Lembre-se de que o treino pode
ser manipulado pela frequência de execução do movimento e não somente pela carga adicional usada
no movimento. Com o aumento da frequência do movimento, o sujeito aumentará a força resistente e
melhorará suas funções no cotidiano e sua força muscular para adicionar uma carga extra na sequência.

Portanto, a quantidade de peso que é usada em determinado movimento depende também


dos segmentos que são movimentados pelos músculos principais da ação. Esse fator influenciará a
quantidade de torque produzida pelo músculo.

A Terceira Lei de Newton, também conhecida como Princípio da Ação e Reação, determina que para
cada ação haverá sempre uma reação. As forças de ação e de reação são de igual magnitude, igual
direção e sentidos opostos. Essa lei é fundamental para entender a interação dos corpos que se chocam.
Esse princípio explica, por exemplo, por que sentimos dor ao dar um soco na parede.

A força aplicada pelo nosso punho é a ação. A mesma força se encontra na parede. Quando a ação
for executada (o soco), ocorrerá uma reação (da parede) com força de igual magnitude e direção, porém
de sentido oposto. Portanto, nesse exemplo, essa força de reação será aplicada na mão, gerando a dor.

Outro exemplo da aplicação do Princípio da Ação e Reação ocorre durante os saltos verticais. Imagine
uma pessoa parada e pronta para realizar um salto. Para que essa pessoa possa elevar-se do chão, ela
aplicará uma força no chão para baixo (ação), e o chão a empurrará para cima (reação). A força recebida do
chão terá a mesma magnitude e a mesma direção, mas sentido oposto ao da força que a pessoa aplicou.

Você pode estar pensando: “Por que somente a pessoa se deslocou? Por que a Terra não foi empurrada
também?”. A resposta é simples: porque a massa da pessoa é muito menor que a massa do planeta. Por
isso a Terra tende a permanecer no lugar, e somente a pessoa se desloca.

Com base no que foi discutido, podemos perceber que os movimentos dos corpos se iniciam pela
aplicação de uma força, mas vimos anteriormente que os movimentos podem ser de translação ou de
rotação. Como podemos diferenciar as forças que geram translação das que geram rotação? Podemos
fazer essa diferenciação usando os conceitos de força e de torque. A força sempre produzirá um
movimento de translação, o que significa que o corpo não apresentará rotação. Se o corpo estiver em
rotação, significará que não foi aplicada uma força, mas sim um torque.

Podemos exemplificar isso por meio de uma bola de futebol. Ao aplicar um chute, que passa exatamente pelo
centro de massa da bola, ela se deslocará na direção e no sentido do chute, com velocidade inicial proporcional
22
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

à magnitude da força. Em condições perfeitas, não será observada rotação na bola, pois a força foi aplicada na
direção do centro de massa. Por outro lado, se a direção da força não passar pelo centro de massa da bola, ou
seja, se o chute ocorrer com a borda medial do pé (chute de chapa), a bola apresentará uma rotação que afetará
sua trajetória da bola. Nesse caso, o que observamos é que o chute aplicado produziu um torque na bola.

Observação

O centro de massa é o ponto de equilíbrio do objeto ou segmento


corporal. Ao redor desse ponto, a distribuição de massa do objeto ou
segmento se dá de forma homogênea. Portanto, se o objeto ou segmento
for suspenso por um fio exatamente pelo centro de massa, ele ficará em
equilíbrio (MCGINNIS, 2015; HALL, 2013).

Os movimentos de rotação produzidos pelas articulações só são possíveis devido à sua capacidade de
produzir torques. O torque é definido como uma força rotacional. Para tanto, não basta definir a magnitude,
direção e sentido da força, deve-se saber o local exato de sua aplicação e, para isso, a distância na qual a
força está em relação ao eixo de rotação deve ser observada (MCGINNIS, 2015; HALL, 2013).

Observação

A fórmula do torque é definida da seguinte forma:

T = F x d (Nxm)

Onde:

T = força rotacional.

F = força produzida pelo músculo (interna ou potente) ou recebida do


meio ambiente (externa ou resistente).

d = distância perpendicular à F ou braço de alavanca, que pode ser


interno/potente ou externo/resistente.

A unidade de medida da força torque é Newton (N)/metro (m).

As variáveis torque, força e distância, na equação de torque, estão na mesma linha, o que significa
que seus valores mudam de forma proporcional, ou seja, quando o valor da força e/ou o valor da
distância aumenta, a força de rotação (torque) também aumentará, e o contrário também é verdadeiro.
Em uma situação prática, se o sujeito adicionar um peso sobre o corpo (aumento de força) e também
afastar o peso do eixo de rotação (articulação principal do movimento), o torque externo aumentará, o
que obrigará o corpo a produzir um torque interno maior.
23
Unidade I

Dois tipos de torques em um mesmo movimento? Isso é possível? Sim, lembre-se da segunda Lei de
Newton: o movimento sofre ação de forças externas (como a força da gravidade) que podem mudar sua
condição de realização. Então, o corpo sempre produzirá o torque interno ou potente, que interage com
o torque externo ou resistente.

O torque potente ou interno é caracterizado pela força que o principal músculo do movimento
produz para executá-lo e pela distância que a força mantém em relação ao eixo articular. Para
produzir a força no movimento rotacional, o músculo faz contração concêntrica. O músculo
está conectado ao osso em determinado ponto (inserção), dessa forma, a distância do ponto de
aplicação da força no osso em relação ao eixo articular é conhecida por braço de alavanca potente
(MCGINNIS, 2015; HALL, 2013).

O torque resistente ou externo é caracterizado pelas forças pesos que são movimentadas no
exercício e pela distância entre o centro de massa de cada segmento e implemento em relação
ao eixo articular. Por definição, sempre a força da gravidade atuará no centro de massa para
tentar empurrar (acelerar) o objeto ou segmento para baixo, isso define a força peso. Em um
exercício, todos os pesos movimentados (de segmentos e implementos) devem ser considerados;
bem como suas distâncias. Elas são caraterizadas pela distância entre o Centro de Massa de cada
peso (segmento e/ou implemento) e o eixo articular. Em um exercício, é muito comum haver vários
torques resistentes (MCGINNIS, 2015; HALL, 2013).

Uma vez que a articulação recebe um torque potente ou interno gerado pelos músculos, que favorece
sua movimentação, e um torque resistente ou externo imposto pelos pesos dos segmentos corporais e
dos implementos, que impede sua movimentação, fica claro que existe uma relação de balança entre
torque potente e torque resistente.

Se o torque potente for maior do que o resistente, a articulação se movimentará de acordo com a
ação do músculo principal do movimento. Entretanto, se o torque potente for menor do que o resistente,
a articulação se moverá contra a ação do músculo da alavanca e a favor da força da gravidade, e o
músculo perderá para as forças ambientais.

A compreensão desse conceito pelos profissionais que trabalham na área da saúde é de fundamental
importância para determinar a intensidade do exercício em uma sessão de treino.

O exemplo visto na sequência mostra como os torques, potente e resistente, são representados no
movimento de elevação frontal.

24
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Figura 5 – Representação dos torques potente e resistente no movimento de elevação lateral

Na figura anterior, temos a seguinte correspondência: FM é a força muscular, BAP é o braço de


alavanca potente, Pb é a força resistente do peso do braço, BARPb é o braço de alavanca resistente
do peso do braço, Pab é a força resistente do peso do antebraço, BARPab é o braço de alavanca
resistente do peso do antebraço, Pm é a força resistente do peso da mão, BARPm é o braço de
alavanca resistente do peso da mão, Pi é a força resistente do peso do implemento, BARPi é o braço
de alavanca resistente do peso do implemento. O eixo articular do movimento está representado pelo
triângulo e é a articulação do ombro.

O músculo principal do movimento é o deltoide e sua força para executar está representada pela
seta de sigla FM (força muscular). Como o músculo deltoide se conecta na tuberosidade deltoidea do
úmero, a distância perpendicular entre a seta FM, posicionada na tuberosidade deltoidea do úmero, e a
articulação do ombro foi traçada. Essa distância é conhecida por braço de alavanca potente (BAP).

Com a determinação da FM e do BAP, o torque potente do movimento foi identificado.

Para realizar a elevação lateral, o torque potente deverá vencer os torques resistentes definidos
nesse movimento, como: peso do braço (Pb) e braço de alavanca resistente do peso do braço (BARPb),
peso do antebraço (Pab) e braço de alavanca resistente do peso do antebraço (BARPab), peso da mão
(Pm) e braço de alavanca resistente do peso da mão (BARPm) e peso do implemento (Pi) e braço de
alavanca resistente do peso do implemento (BARPi).

É importante lembrar que cada peso está a uma determinada distância do eixo articular do
movimento e para traçar essa distância considera-se o centro de massa de cada segmento ou objeto e o
eixo articular. Assim, no movimento de elevação lateral, são quatro os torques resistentes que tentarão
impedir a execução do exercício.

25
Unidade I

Como o sujeito conseguiu erguer os pesos na mesma linha do ombro, o torque potente foi maior do
que o torque resistente – o músculo deltoide, por meio da contração concêntrica, realizou o exercício.

Observação

Tipos de contração e sua relação com os torques potente (TP) e


resistente (TR):

TP = TR (contração isométrica);

TP> TR (contração concêntrica);

TP <TR (contração excêntrica).

Existe uma forma de manipular o torque resistente para dificultar o movimento de elevação lateral
da figura anterior e duas formas de manipular o torque resistente para facilitar a execução do exercício.

A dificuldade será aumentada se o peso do implemento for aumentado. Uma vez que o torque depende
da força e do braço de alavanca, quando o peso do implemento do torque resistente é aumentado,
obrigatoriamente o músculo deltoide deverá produzir mais força para continuar a execução do movimento.

Veja na equação:

TP > TR (a)

Onde

TP é o torque potente do movimento.

TR é o torque resistente do movimento.

Se

TP = FM x BAP (b)

TR = (Pb x BARPb) + (Pab x BARPab) + (Pm x BARPm) + (Pbi x BARpi) (c)

então, TP> TR é:

FM x BAP = (Pb x BARPb) + (Pab x BARPab) + (Pm x BARPm) + (Pbi x BARPi) (d)

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BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Com o aumento de Pi, para TP continuar maior do que TR, FM deverá aumentar. Como já dissemos,
as variáveis das equações de torque se alteram de forma proporcional, se de um lado da equação algum
valor aumenta, do outro lado algum valor também deverá aumentar para conservar o movimento.

Deve-se lembrar que o torque potente só pode ser alterado com as mudanças de forças, já que o
braço de alavanca potente não pode ser mudado porque a inserção do músculo no osso não é passível
de alteração.

O exercício de elevação lateral ficará mais fácil de ser executado se o Pi for removido ou diminuído,
dessa forma, FM poderá ser menor. Entretanto, é possível também manipular alguns braços de alavancas
desse exercício.

Se em todo movimento de elevação lateral o sujeito mantiver os cotovelos flexionados, em relação


à figura anterior, haverá a diminuição das distâncias do Pab, Pm e Pi em relação ao eixo articular do
ombro. Com a diminuição dos BARs do torque resistente, a FM do torque potente poderá diminuir e,
ainda assim, a execução do exercício será possível (TP será maior do que TR).

Outro fator que pode facilitar ou dificultar a realização de um movimento é o tipo de alavanca usado
pela articulação. O corpo humano é capaz de produzir três tipos de alavancas (conforme figura a seguir):
interfixa ou de primeira classe; inter-resistente ou de segunda classe; e interpotente ou de terceira
classe. Cada uma dessas alavancas apresenta diferentes características que precisam ser discutidas para
entender a facilidade ou a dificuldade que o músculo apresentará para produzir movimento (HAMILL;
KNUTZEN, 2003; MCGINNIS, 2015; HALL, 2013).
Primeira classe
F R

Segunda classe
R F

Terceira classe
F R

Figura 6 – Ilustração das alavancas do corpo humano em que F é a força potente e R é a força resistente

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Unidade I

Saiba mais

Para mais informações, ler a seguinte obra:

SMITH, L. K.; WEISS, E. L.; DON LEHMKUHL, L. Cinesiologia clínica de


Brunnstrom. 5. ed. São Paulo: Manole, 1997.

A alavanca interfixa ou de primeira classe é definida por ter o eixo de rotação do movimento
localizado entre os torques potente e resistente. Na prática, todos os movimentos nos quais a coluna
vertebral precisa fazer a estabilização postural têm como característica a alavanca interfixa (ressaltando
que a coluna não é a principal articular do movimento). Veja o exemplo da figura a seguir:

Figura 7 – Representação da alavanca interfixa no movimento de extensão de cotovelo na máquina crossover

Na figura anterior, a correspondência se dá da seguinte forma: P é a força muscular, BAP é o braço


de alavanca potente, R é a força resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa
o eixo articular da coluna lombar.

No movimento de extensão de cotovelo na máquina crossover a articulação do cotovelo é a principal;


entretanto, a análise para definição da alavanca interfixa será feita na articulação da coluna lombar.

Considerando a articulação da coluna lombar como o eixo principal da alavanca interfixa, os


músculos eretores de espinha deverão trabalhar em contração isométrica para evitar que a coluna faça
movimentos no plano sagital (flexão ou extensão de coluna) quando a carga for movimentada. É uma
alavanca que trabalha com o objetivo de controlar a postura do movimento.

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BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Então, a força potente (P) da alavanca será posicionada sobre a inserção dos eretores de espinha
com o vetor apontando para baixo, e o braço de alavanca potente (BAP) será determinado pela distância
entre a força muscular (P) e o eixo articular da coluna, representado na figura pelo triângulo verde.

Do lado oposto ao torque potente está o torque resistente do movimento, representado na figura
pela força resistente (R) e pelo braço de alavanca resistente, caracterizado pela distância entre a força
resistente e a coluna lombar.

A disposição dos torques potente e resistente nas extremidades e do eixo da alavanca no centro é
o que define o tipo de alavanca interfixa no movimento. Ela é observada nos vários movimentos em
que a coluna vertebral precisa ficar estática para preservar a técnica do movimento. Os movimentos de
agachamento, elevação frontal, elevação lateral, rosca direta (flexão de cotovelo) são outros exemplos
de movimentos nos quais a coluna vertebral atua como uma alavanca interfixa.

Deve-se destacar a importância de controle sobre o BAR da alavanca interfixa com eixo na coluna, já
que quanto mais afastada a força resistente estiver do eixo articular, mais força potente será necessária
para estabilizar a coluna vertebral. Entre as vértebras da coluna, encontram-se os discos intervertebrais,
que serão sobrecarregados, se o BAR for grande, e/ou terão distribuição de força desproporcional em
sua superfície, se a força muscular falhar no movimento. Ambos os fatores podem favorecer a lesão da
coluna conhecida por hérnia de disco (WILKE et al., 1999).

A alavanca inter-resistente ou de segunda classe é definida por ter o eixo de rotação do movimento
localizado na extremidade, o torque resistente fica no meio do sistema e o torque potente na outra
extremidade da alavanca. Esse tipo de alavanca é muito rara no corpo humano e isso é vantajoso
quando se pensa no ganho de força muscular.

Se o torque resistente fica mais próximo do eixo articular em relação ao torque potente, o BAR será
menor do que o BAP. Isso significa que o músculo tem uma vantagem mecânica no movimento, porque
se o BAP é maior do que o BAR, sua produção de força não precisará ser tão alta, e o movimento ficará
mais fácil de ser executado.

O exercício que exemplifica a alavanca inter-resistente no corpo humano é o de extensão de


tornozelo em pé (panturrilha em pé). Veja a disposição do torque potente, resistente e do eixo articular
na figura a seguir.

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Unidade I

Figura 8 – Representação da alavanca inter-resistente no movimento de extensão de tornozelo (panturrilha)

Na figura anterior, a correspondência se dá da seguinte forma: P é a força muscular, BAP é o braço


de alavanca potente, R é a força resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa
o eixo articular do tornozelo.

É possível observar que, na figura anterior, o eixo do movimento é a articulação metatarsofalângica,


e o torque resistente localiza-se logo após o eixo do movimento. Com essa disposição, o BAR é menor do
que o BAP, e o músculo do complexo tríceps sural, principal executor da extensão de tornozelo, precisa
ser estimulado com uma força resistente muito alta para que o exercício realmente possibilite o ganho
de força muscular.

Na maioria dos exercícios, a articulação principal do movimento participa do sistema de alavanca,


esta conhecida por interpotente. Essa apresenta posicionamento contrário ao da alavanca inter-
resistente entre os torques potente e resistente. Na alavanca interpotente, o eixo articular fica na
extremidade do sistema, em seguida o torque potente é observado (no meio do sistema) e na outra
extremidade verifica-se o torque resistente. É uma alavanca que cria dificuldade para o corpo produzir
força, porque o BAR é maior do que o BAP; assim, o músculo principal do exercício precisa de muito
mais força para executá-lo.

30
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Figura 9 – Representação da alavanca interpotente no movimento de extensão de cotovelo

Na figura anterior, a correspondência se dá da seguinte forma: P é a força muscular, BAP é o braço


de alavanca potente, R é a força resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa
o eixo articular do ombro.

A figura anterior representa a alavanca interpotente. O músculo deltoide, principal do movimento de


elevação lateral, está mais próximo do eixo articular do que qualquer força peso dos torques resistentes.
Então, para produzir um torque potente maior do que o torque resistente para elevar o braço, o músculo
precisa produzir muita força. Com esse tipo de estrutura de movimento, os músculos são mais exigidos
e sofrem hipertrofia no treino de força.

Exemplo de aplicação

O movimento popularmente conhecido como “panturrilha”, executado na prática da musculação,


pode ser realizado nas posturas em pé e em sentado. Em ambas as situações, o eixo do movimento é a
articulação metatarso-falângica e o músculo responsável é o complexo tríceps sural, com origem distal
no osso do calcâneo.

Sabendo das informações anteriores:

A) Represente os torques potentes e resistentes do movimento de “panturrilha” nas condições


sentado e em pé.

B) Descreva o tipo de alavanca de cada movimento.

C) Reflita sobre o tipo de movimento mais intenso para o complexo tríceps sural, em acordo com a
relação de comprimento entre braço de alavanca potente e resistente.

31
Unidade I

2.1 Análise dos braços de alavanca nos exercícios de academia

2.1.1 Exercício peitoral

Os exercícios destinados a desenvolver a musculatura peitoral envolvem, na maioria dos casos, o


movimento de adução horizontal do ombro no plano transversal. O supino, o crucifixo e o pec-deck são
exemplos de exercícios com essa característica.

O exercício ilustrado na figura a seguir é conhecido por fly ou supino com halteres, dependendo da
região do Brasil na qual estivermos. Para executá-lo, o sujeito encontra-se deitado em decúbito dorsal
sobre um banco segurando um halter em cada mão.

Observação

Entre as várias regiões do Brasil, há diferenças na nomenclatura


usada para os exercícios de treino de força. Assim, sempre que possível, a
descrição do movimento será vinculada a uma imagem que ilustrará sua
forma de execução.

A posição inicial, representada na figura a seguir (A), é considerada quando os halteres estão
próximos, os ombros ficam em adução horizontal, os cotovelos estendidos e as escápulas abduzidas
(MARCHETTI et al., 2010). Nesse instante, a força resistente incide praticamente sobre a articulação
do ombro, tornando o braço de alavanca resistente do movimento muito pequeno, próximo de zero.
Por isso, o torque resistente do movimento é praticamente nulo, sendo, assim, muito fácil manter essa
posição ao considerar a articulação do ombro como o eixo do movimento.

Figura 10 – Ilustração do exercício fly ou supino com halter. A) São as fases inicial e final do movimento com a representação dos
torques potente e resistente. B) É a fase principal do movimento com a representação dos torques potente e resistente

Na figura anterior, P é a força muscular, BAP é o braço de alavanca potente, R é a força resistente,
BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa o eixo articular do ombro.
32
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Os músculos atuam em contração concêntrica para manter a posição supracitada, sendo o músculo
peitoral maior e o deltoide os principais responsáveis pela adução horizontal do ombro, e o músculo
bíceps braquial o grande auxiliador da adução horizontal de ombro e o responsável pela estabilização
do cotovelo, juntamente com o músculo tríceps braquial.

Para alcançar a fase principal do movimento, conforme se vê na figura anterior (B), o sujeito
faz a abdução horizontal do ombro, a extensão parcial dos cotovelos e a adução das escápulas
(MARCHETTI et al., 2010). Como o corpo está cedendo à ação da força da gravidade, os músculos
que trabalharam na fase anterior também trabalharão nessa fase, mas em contração excêntrica. Os
músculos peitoral maior e deltoide controlam a abdução horizontal do ombro, e o músculo bíceps
braquial controla a extensão dos cotovelos e auxilia no controle da abdução horizontal dos ombros.
Essa função muscular, antagônica à ação da gravidade, evita que a articulação do ombro sofra
trancos que poderiam lesioná-la e permite a execução do movimento de supino com halteres com
controle e técnica adequados.

Ao alcançar o final da fase principal do movimento, é possível perceber um aumento importante no


tamanho do braço de alavanca resistente – BAR, conforme a figura anterior (B). Os halteres se afastam
muito do eixo articular do ombro. Esse é o instante de maior dificuldade do movimento para o músculo,
porque terá que produzir maior quantidade de força (P), conforme a figura anterior (B), uma vez que o
braço de alavanca potente (BAP), também representado em (B) na figura anterior, é menor.

A quantidade de peso dos halteres não variou da fase inicial para a fase principal do movimento, mas
como eles ficaram mais longe do ombro, o torque resistente, que é influenciado pela força resistente e
pela distância em que essa força resistente está em relação ao eixo articular do movimento, aumentou.

O ciclo do movimento se encerra quando o sujeito realiza a adução horizontal do ombro e leve
flexão de cotovelos. Para tanto, os músculos peitoral maior e deltoide encurtam para promover a adução
horizontal do ombro, auxiliados pelo músculo bíceps braquial, que também flexiona o cotovelo para
assumir o mesmo posicionamento observado na figura anterior (A).

A manipulação da intensidade do exercício de supino com halteres, para mais ou para menos, pode
ser feita de quatro formas distintas pela alteração dos valores das variáveis do torque resistente (força
resistente e tamanho do braço de alavanca resistente).

As duas manipulações para deixar o exercício de supino com halteres mais intenso são:

• aumentar o peso dos halteres para a força resistente ficar maior, o que obrigará o músculo a
produzir mais força potente;

• estender mais os cotovelos na fase principal do movimento para aumentar o braço de alavanca
resistente e deixar o torque resistente mais intenso. Isso novamente obrigará o músculo a produzir
mais força potente.

33
Unidade I

As duas manipulações para deixar o exercício de supino com halteres menos intenso são:

• diminuir o peso dos halteres ou retirar os halteres para o torque resistente ficar menor, facilitando
a produção de força muscular no movimento;

• flexionar os cotovelos na fase principal do movimento para diminuir o braço de alavanca resistente
e reduzir o torque resistente. Isso facilitará a produção de força muscular no movimento.

Além do conceito de torque já discutido, é importante lembrar que, no ciclo do movimento do


supino com halteres, a força elástica do músculo é acumulada entre a fase inicial e a fase principal do
movimento. Portanto, se houver alguma pausa da fase principal para fase final do movimento, a energia
elástica se dissipará em forma de calor, e a dificuldade para executar o movimento será ainda maior.

Como visto anteriormente, no final da fase principal do supino com halteres, o braço de alavanca
resistente é grande e o músculo está em contração excêntrica, ou seja, com grande comprimento e
pouca interação entre as proteínas contráteis de actina e miosina. Essas condições tornam a capacidade
de produção de força muscular mais difícil. Uma pequena pausa entre as fases principal e final dificultará
muito a finalização do ciclo do movimento, a energia elástica será parcialmente perdida, o músculo
alongado terá pouca interação entre actina e miosina e o braço de alavanca resistente maior do exercício
tornará o torque resistente difícil de ser vencido pelo torque potente.

Ainda que seja uma situação bastante desvantajosa para o corpo produzir o movimento, no caso do
treinamento de força de atletas que competem na modalidade de Power lifting, usar essa estratégia de
movimento com pausa no treino seria eficiente no treino da força contrátil do músculo, que é muito
exigida na competição em função das regras de validação dos levantamentos. Entretanto, para sujeitos
que querem apenas garantir maior condicionamento físico, o ideal é usar a energia elástica do músculo
somada à força contrátil, realizar o movimento de supino com halteres sem pausa e nem atrasos entre
as fases principal e final do movimento.

Toda vez que o uso da energia elástica do músculo for comprometido no exercício, haverá maior
necessidade do corpo de produzir e consumir ATP. O movimento será feito principalmente pela produção
de força contrátil, que depende da interação entre actina e miosina para ocorrer. Essa interação e
movimentação do músculo em contração concêntrica só será possível com o uso e produção suficiente
de ATP pelo corpo. A possibilidade de fadigar a musculatura por falta de energia para produzir o
movimento é grande, aumentando o risco de lesão.

Além do supino com halteres, o supino reto (figura a seguir) também é muito usado para treinamento
de força em academias por indivíduos que querem melhorar o condicionamento físico ou que são
atletas e desejam otimizar o rendimento em suas modalidades esportivas.

34
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Figura 11 – Ilustração da fase principal do exercício supino reto

Na figura anterior, P é a força muscular, BAP é o braço de alavanca potente, R é a força resistente,
BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa o eixo articular do ombro.

A posição principal do supino reto está representada na figura anterior e ocorre quando os ombros
estão em abdução horizontal, os cotovelos flexionados e as escápulas aduzidas (MARCHETTI et al., 2010).
Perceba que, nessa fase, o braço de alavanca resistente é grande e, quando combinado com uma força
resistente (barra com anilhas) elevada, deixa o movimento bastante intenso, sendo necessário realizar
grande força potente para executá-lo.

Quando os cotovelos estão estendidos e a barra fica posicionada acima do corpo, com ombros em
adução horizontal e escápulas abduzidas, as fases inicial e final do ciclo do movimento se definem.
Nestas, o braço de alavanca resistente incide sobre a articulação do ombro, reduzindo muito o torque
resistente e facilitando a manutenção da postura do movimento, como visto no supino com halteres.

Os músculos que atuam no movimento são o peitoral maior e deltoide para controlar a abdução
horizontal do ombro da fase inicial para a principal do movimento em contração excêntrica; e, para
adução horizontal do ombro da fase principal para a final do movimento, os mesmos músculos trabalham
em contração concêntrica.

O músculo tríceps braquial é o responsável por controlar a flexão do cotovelo da fase inicial para a
principal do movimento em ação excêntrica e trabalha em contração concêntrica da fase principal para
a final do movimento.

Da mesma forma como discutido no supino com halteres, no supino horizontal a situação de maior
estresse para o músculo ocorre na fase principal do movimento, quando o braço de alavanca resistente
35
Unidade I

é grande, os músculos executores estão alongados e a interação entre as proteínas actina e miosina é
baixa. Assim, para favorecer a produção de força no exercício, é necessário evitar a pausa ou o atraso na
execução da fase principal para a final, garantindo o uso da energia elástica acumulada pelo músculo
da fase inicial para a principal.

Novamente a escolha por não usar o ciclo alongamento-encurtamento no movimento depende do


objetivo do sujeito que o pratica. No caso dos atletas levantadores de peso, a pausa no meio do ciclo do
movimento de supino horizontal pode ser usada como estratégia de treino específica para a competição
de supino olímpico. Nesta, é maior a exigência muscular e, por isso, também o é a chance de fadiga
muscular e lesões, devido à maior dependência do consumo de energia produzida pelo músculo (ATP).

A manipulação da intensidade do exercício de supino horizontal, para mais ou para menos, pode ser feita
de duas formas distintas somente pela alteração dos valores do peso da barra e das anilhas no movimento.

O exercício de supino horizontal ficará mais intenso com o aumento do peso do implemento (barra
e anilhas), obrigando o músculo a produzir mais força muscular, e ficará menos intenso com a redução
do peso do implemento, facilitando a produção de torque potente pelo músculo.

É muito comum observar nas academias indivíduos mudarem o posicionamento das mãos para
segurarem a barra, deixando-as ou mais próximas ou mais afastadas entre si. Essa alteração promove
mudanças nos torques resistentes entre os músculos peitoral maior e tríceps braquial – veja a figura a
seguir para entender essa situação:

Figura 12 – Ilustração da fase principal do exercício supino reto, lado direito com empunhadura mais aberta, lado esquerdo com
empunhadura mais fechada

Na figura anterior, R é a força resistente, o triângulo marrom é o eixo articular do cotovelo, Barc é
o braço de alavanca resistente do cotovelo, o triângulo vermelho é o eixo articular do ombro e Baro é o
braço de alavanca resistente do ombro.

À esquerda, as mãos estão mais próximas para segurar a barra no supino horizontal. Essa proximidade
faz com que as distâncias entre o peso da barra, o eixo articular do ombro e o eixo articular do cotovelo

36
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

variem. O peso fica mais próximo do ombro, tornando o braço de alavanca para esta articular menor, e
mais afastado do cotovelo, aumentando o braço de alavanca resistente do cotovelo. Então, para elevar
a barra a partir dessa posição, o músculo do tríceps braquial será mais solicitado do que o músculo do
peitoral maior.

À direita, as mãos estão mais afastadas para segurar a barra no supino horizontal. O peso fica mais
próximo do eixo articular do cotovelo e mais distante do eixo articular do ombro, então o braço de
alavanca resistente para o ombro é maior e o músculo peitoral maior será mais usado no movimento. O
músculo tríceps braquial terá menor participação no movimento, porque o braço de alavanca resistente
entre o eixo do cotovelo e o peso da barra é menor.

Observa-se, com isso, que a exigência maior de ativação de um músculo (peitoral maior) em relação
a outro músculo (tríceps braquial) no supino horizontal sofre alteração com o tipo de empunhadura
adotada (MARCHETTI et al., 2010), devido às mudanças nos braços de alavanca resistentes. Esta pode ser
outra estratégia a ser usada no treino de força para alterar a forma de uso do músculo no movimento.

O último movimento que será descrito e analisado nesta seção é o peck deck (demonstrado na figura
a seguir), que também enfatiza a ação do músculo peitoral maior, deltoide e bíceps braquial para adução
horizontal do ombro.

Figura 13 – Ilustração das fases inicial e final do movimento de peck deck, braços abertos, e da fase principal do mesmo movimento,
braços fechados

Na figura anterior, P é a força muscular (vetor vermelho), BAP é o braço de alavanca potente (linha
tracejada vermelha), R é a força resistente (vetor azul), BAR é o braço de alavanca resistente (linha
tracejada azul) e o triângulo representa o eixo articular do ombro.

37
Unidade I

No início do movimento, os ombros estão abduzidos horizontalmente, os cotovelos estendidos e as


escápulas aduzidas. O sujeito deverá fazer força para aproximar as mãos, então, os músculos peitoral
maior, deltoide e bíceps braquial deverão contrair concentricamente.

Como a barra da máquina está longe do eixo articular do ombro, o braço de alavanca resistente no
início do movimento é grande, os principais músculos executores estão alongados e, no caso da primeira
repetição do movimento ou se houver pausa entre as fases principal e final do movimento, não haverá
energia elástica acumulada no músculo para otimizar a produção de força muscular para gerar o torque
potente. É uma condição bastante desfavorável para o músculo, mas isso garante um trabalho muito
eficiente no treinamento de força para desenvolvimento da massa muscular.

A manipulação desse movimento para diminuir sua intensidade pode ser vista na figura a seguir, na
qual o braço de alavanca resistente foi diminuído ao executar o peck deck com os cotovelos flexionados.
Essa manobra altera o torque resistente deixando-o menor e facilita a ação dos músculos para produzir
o torque potente.

Figura 14 – Ilustração da fase final do movimento de peck deck

Na figura anterior, P é a força muscular, BAP é o braço de alavanca potente, R é a força resistente,
BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa o eixo articular do ombro.

Mudar a quantidade de peso colocado na máquina também pode alterar o torque resistente e, por
consequência, o potente. Com maior quantidade de peso, o torque resistente fica maior, obrigando os
músculos a produzirem mais força. Ao diminuir o peso da máquina, o torque resistente torna-se menor,
facilitando a realização do movimento com menos força muscular.

38
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Verifica-se, com isso, que este é um movimento bastante versátil para ser usado no treinamento de
força, uma vez que atende às condições físicas de sujeitos com condicionamentos físicos distintos.

2.1.2 Exercício dorsal

Um dos exercícios que enfatiza a extensão do ombro, flexão de cotovelo e adução de escápula
e aciona principalmente os músculos grande dorsal, redondo maior, trapézio e tríceps braquial é a
remada unilateral.

Figura 15 – Ilustração da fase principal do movimento remada unilateral

Na figura anterior, P é a força muscular (vetor vermelho), BAP é o braço de alavanca potente (linha
tracejada vermelha), R é a força resistente (vetor azul), BAR é o braço de alavanca resistente (linha
tracejada azul) e o triângulo representa o eixo articular do ombro.

Na fase inicial do movimento, o cotovelo está estendido, o que aproxima o peso do eixo articular
do ombro, deixando o braço de alavanca resistente menor. Ao flexionar o cotovelo, na fase principal na
remada unilateral, estender o ombro e aduzir a escápula, os músculos grande dorsal, trapézio, redondo
maior e tríceps braquial contraem concentricamente. O braço de alavanca resistente aumenta no
movimento, o que garante maior estimulação dos músculos principais para produzir força, que geram
um torque potente maior do que o torque resistente.

A manipulação desse exercício para variar o torque resistente é mais restrita. Ou o peso sustentado
pelo sujeito é aumentado, aumentando o torque resistente e a dificuldade para fazer o movimento, ou
o peso é reduzido, diminuindo o torque resistente e facilitando a execução do movimento pelo músculo.

39
Unidade I

Um exercício com característica muito semelhante ao da remada unilateral é o da remada baixa. A


diferença entre eles é a direção da força peso em cada movimento. Na remada unilateral, o peso sofre
ação da força da gravidade, portanto, empurra o braço para baixo. Na remanda baixa, o cabo aplica a
força para puxar o braço em direção à máquina.

Figura 16 – Ilustração da fase principal do movimento remada baixa

Na figura anterior, P representa a força muscular, BAP indica o braço de alavanca potente, R assinala
a força resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo retrata o eixo articular do ombro.

Apesar das diferenças nas direções das forças, as ações musculares são similares. Da fase inicial
para fase principal, os músculos grande dorsal, trapézio, redondo maior e tríceps braquial executam os
movimentos de extensão de ombro, flexão de cotovelo e adução de escápula.

Na fase principal, o braço de alavanca resistente aumenta quando o cotovelo flexiona, tornando essa
fase do movimento a mais difícil para o músculo produzir força.

Nesse movimento, as manipulações são restritas para modificar a intensidade do exercício. Isso será
possível somente pela alteração do peso da máquina. Com o aumento do peso, o torque resistente fica
maior e a dificuldade para realizar o movimento também aumenta. Com a redução do peso, o torque
resistente diminui e fica mais fácil produzir força para a realização do movimento.

Um último exercício a ser ilustrado e discutido nessa seção é o crucifixo inverso (apresentado na
figura a seguir). Em sua fase inicial, as mãos ficam unidas à frente do corpo, os ombros estão aduzidos
horizontalmente e os cotovelos, um pouco flexionados. Como o peso fica alinhado com a articulação
40
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

do ombro, o braço de alavanca resistente é muito pequeno, próximo de zero, tornando esta a fase mais
fácil do movimento.

Figura 17 – Ilustração da fase principal do movimento crucifixo inverso

Na figura anterior, P é a força muscular, BAP representa o braço de alavanca potente, R indica a força
resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa o eixo articular do ombro.

Ao executar a fase principal do crucifixo inverso, o peso do implemento se afasta bastante do eixo
articular do movimento (ombro), aumentando consideravelmente o torque resistente. Os músculos
abdutores horizontais do ombro e adutores de escápula (deltoide, redondo maior e menor, infraespinhal
e trapézio) deverão produzir força muscular por contração concêntrica para promover um torque
potente suficiente para a execução do movimento.

A manipulação da intensidade do exercício crucifixo inverso, para mais ou para menos, pode ser feita
de quatro formas distintas pela alteração dos valores das variáveis do torque resistente (força resistente
e tamanho do braço de alavanca resistente).

As duas manipulações para deixar o exercício crucifixo inverso mais intenso são:

• aumentar o peso dos halteres para a força resistente ficar maior, o que obrigará o músculo a
produzir mais força potente;

• estender mais os cotovelos na fase principal do movimento para aumentar o braço de alavanca
resistente, como visto na figura anterior, e deixar o torque resistente mais intenso. Isso novamente
obrigará o músculo a produzir mais força potente.

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Unidade I

As duas manipulações para deixar o exercício crucifixo inverso menos intenso são:

• diminuir o peso dos halteres ou retirar os halteres para o torque resistente ficar menor, facilitando
a produção de força muscular no movimento;

• flexionar os cotovelos na fase principal do movimento para diminuir o braço de alavanca resistente
e reduzir o torque resistente. Isso facilitará a produção de força muscular no movimento.

Reitero a importância da manutenção da continuidade do movimento para não haver


comprometimento no uso da energia elástica pelo músculo. No caso do crucifixo inverso, a energia
elástica é acumulada entre as fases principal e final do movimento. A pausa ou atraso para repetir
o movimento fará com que parte da energia elástica do músculo se dissipe. Portanto, é importante,
para evitar a fadiga, garantir que esse atraso não ocorra, a não ser que a pausa seja uma estratégia do
treinamento de força para um sujeito mais bem condicionado.

2.1.3 Exercícios de ombro

Os exercícios abordados nessa seção são a elevação lateral e a elevação frontal.

No exercício de elevação lateral, o sujeito fica em pé, com pés afastados lateralmente e segura um
implemento em cada mão. Na posição inicial, os braços ficam ao lado do corpo com ombros aduzidos
e cotovelos estendidos. Como os pesos ficam praticamente alinhados com o ombro, nessa fase, o braço
de alavanca resistente é muito pequeno, tornando o torque resistente baixo e facilitando o início da
execução do movimento.

Na fase principal da elevação lateral (figura a seguir), os ombros são abduzidos, caracterizando esse
movimento como típico do plano frontal. Os músculos que atuam para produzi-lo são o deltoide e o
supraespinhal, principalmente. Com o afastamento dos braços em relação ao corpo, os implementos
se afastam da articulação do ombro, aumentando o braço de alavanca resistente na fase principal e
dificultando o movimento pelo aumento do torque resistente.

Assim, como visto para o movimento de crucifixo inverso e o de crucifixo, no exercício de elevação
lateral, é possível manipular a intensidade do movimento de quatro formas distintas. São elas:

Mais intenso:

• aumentar o peso dos implementos para aumentar a força resistente, o que aumentará o
torque resistente;

• manter os cotovelos estendidos na abdução dos ombros (figura a seguir) para distanciar mais os
implementos do eixo articular, aumentando os braços de alavanca resistentes e dificultando o movimento.

Menos intenso:

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BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

• diminuir ou retirar o peso dos implementos para diminuir a força resistente e facilitar a execução
do movimento;

• flexionar os cotovelos para realizar a abdução dos ombros. Essa estratégia aproxima os implementos
do eixo articular dos ombros, diminuindo os braços de alavanca resistentes, o que facilita a
realização do movimento.

Na figura a seguir, P é a força muscular, BAP é o braço de alavanca potente (linha tracejada vermelha), R
é a força resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa o eixo articular do ombro.

Figura 18 – Ilustração da fase principal do movimento elevação lateral

Figura 19 – Ilustração da fase principal do movimento elevação lateral, com amplitude de movimento exagerada do ombro

43
Unidade I

Na figura anterior, P é a força muscular, BAP é o braço de alavanca potente, R é a força resistente,
BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa o eixo articular do ombro.

Um erro muito comum visto na prática é realizar esse movimento com grande amplitude articular
de ombro, como representado na figura a seguir. Essa forma de execução compromete o uso do melhor
torque resistente para o exercício, uma vez que, ao erguer os pesos acima da linha dos ombros, os braços
de alavanca resistentes diminuem.

A elevação frontal é um movimento praticado em pé com pés afastados lateralmente, mas diferente
da elevação lateral já discutida, os pesos ficam posicionados na frente do corpo, e é um movimento
tipicamente do plano sagital.

Na posição inicial, representada na figura a seguir (A), o sujeito encontra-se com os cotovelos
estendidos e os braços encostados na frente do corpo. Nessa posição, os pesos ficam próximos ao eixo
articular do movimento, o que torna os braços de alavanca resistentes pequenos, facilitando o início do
movimento devido ao torque resistente baixo.

Ao encurtar os músculos deltoide, peitoral maior, bíceps braquial e coracobraquial em contração


concêntrica, a fase principal do movimento, representada na figura a seguir (B), é evidenciada. Nessa
fase, com o distanciamento dos pesos em relação ao eixo articular do ombro, os braços de alavanca
resistentes aumentam e o movimento fica mais difícil de ser executado.

Figura 20 – Ilustração das fases inicial e final (A) e principal (B) do movimento elevação frontal

Na figura anterior, a correspondência se dá da seguinte forma: P é a força muscular, BAP é o braço


de alavanca potente, R é a força resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa
o eixo articular do ombro.

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BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Na elevação frontal, as manipulações da intensidade do movimento pelo torque resistente são


restritas, apenas duas estratégias são possíveis:

• para deixar o movimento menos intenso, é possível remover ou diminuir o peso dos implementos,
reduzindo a força resistente e, por consequência, o torque resistente;

• para deixar o movimento mais intenso, é possível aumentar o peso dos implementos, o que
aumentará a força resistente e, por consequência, o torque resistente.

2.1.4 Exercício de cotovelo

O tríceps francês unilateral é o exercício para o extensor de cotovelo. Geralmente, esse movimento
é feito sentado e aciona principalmente o músculo tríceps braquial.

Na posição inicial do movimento, o peso é posicionado acima da cabeça, como ilustrado na figura
a seguir (A). A força resistente (R) fica muito próxima ao eixo articular do cotovelo, então o braço de
alavanca resistente nessa fase é pequeno, facilitando a produção do torque potente.

Figura 21 – Ilustração das fases inicial e final (A) e principal (B) do movimento tríceps francês unilateral

Na figura anterior, a correspondência se dá da seguinte forma: P é a força muscular, BAP representa


o braço de alavanca potente, R é a força resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo
representa o eixo articular do cotovelo.

Ao flexionar o cotovelo, da fase inicial para principal do movimento, conforme figura a seguir (B), o
músculo tríceps braquial trabalha para controlar a descida do peso, em contração excêntrica. No final
da fase principal, o braço de alavanca resistente aumenta. O músculo tríceps braquial precisa produzir
força potente suficiente para elevar novamente o peso acima da cabeça, da fase principal para a final,

45
Unidade I

em contração concêntrica. Portanto, deve vencer o maior braço de alavanca resistente, além da força
resistente do peso dos segmentos e do implemento no exercício.

A intensidade do tríceps francês unilateral pode ser manipulada de duas formas, considerando o
torque resistente:

• para deixar mais intenso, é possível aumentar o peso do implemento, que aumenta a força
resistente e torna o movimento mais difícil de ser realizado;

• para deixar menos intenso, o peso do implemento pode ser retirado ou reduzido, diminuindo a
força resistente do exercício e facilitando a execução do movimento.

O exercício a ser discutido para os flexores de cotovelo, músculos bíceps braquial, braquial e
braquiorradial é o bíceps com polia alta, conforme figura a seguir. Esse movimento é feito em pé,
com pés afastados lateralmente, em que o sujeito segura o suporte preso à polia localizada no alto da
máquina do crossover.

Na fase inicial do movimento, representada na figura a seguir (A), o cotovelo está estendido e o
ombro, abduzido. Como a polia puxa o braço em direção à máquina, a linha de ação da força nessa
posição fica próxima ao eixo articular do movimento (cotovelo), assim, o torque resistente é próximo de
zero, sendo fácil para o músculo manter a produção de força para essa posição do exercício.

A) B)

Figura 22 – Ilustração das fases inicial e final (A) e principal (B) do movimento bíceps com polia alta

Na figura anterior, P representa a força muscular, BAP é o braço de alavanca potente, R é a força
resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa o eixo articular do cotovelo.

Quando os músculos flexores de cotovelo fazem a contração concêntrica, é possível visualizar a fase
principal do movimento, conforme se vê na figura anterior (B). Nesta, o braço de alavanca resistente

46
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

aumenta, obrigando o músculo a produzir mais força potente para vencer o torque resistente, que
aumentou pelo distanciamento entre a força resistente (R) e o eixo articular do cotovelo.

Da mesma forma como para o tríceps francês unilateral, no exercício de bíceps polia alta as manipulações
da intensidade do movimento são possíveis pela alteração do valor do peso estipulado na máquina. Caso
o peso seja maior, a força resistente aumenta e o exercício fica mais intenso para o músculo; se o peso da
máquina for reduzido, o exercício fica menos intenso para o músculo e mais fácil de ser executado.

2.1.5 Exercício de membros inferiores

Os exercícios de membros inferiores escolhidos para discussão neste capítulo são a extensão de
quadril no solo, o afundo e o agachamento.

No movimento de extensão de quadril no solo, são apresentadas duas variações para visualização
das alterações no torque resistente: movimento com joelho flexionado (conforme figura a seguir) e com
joelho estendido (figura 24).

Figura 23 – Ilustração do movimento de extensão de quadril no solo com joelho flexionado

Na figura a seguir, a correspondência se dá da seguinte forma: P é a força muscular, BAP é o braço de


alavanca potente, R é a força resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa
o eixo articular do quadril.

Quando o exercício de extensão de quadril no solo é feito com o joelho flexionado, o braço de alavanca
resistente fica mais próximo do eixo articular do quadril. Isso facilita o movimento e os músculos glúteo
máximo e isquiotibiais farão menos força potente para erguer o peso (como ilustrado na figura anterior).
Além disso, o torque resistente pode diminuir com a remoção ou redução do peso do implemento.
47
Unidade I

Entretanto, se a intenção for aumentar a exigência mecânica do exercício, o peso do implemento


pode ser aumentado ou ainda é possível distanciá-lo do eixo articular do quadril, fazendo a extensão do
joelho, como ilustrado na figura a seguir. Com isso, haverá aumento do torque resistente pelo aumento
do braço de alavanca resistente.

Figura 24 – Ilustração do movimento de extensão de quadril no solo com joelho estendido

Na figura anterior, P é a força muscular, BAP é o braço de alavanca potente, R é a força resistente,
BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa o eixo articular do quadril.

Portanto, verifica-se que, no movimento de extensão de quadril no solo, é possível usar quatro tipos
de manipulação do torque resistente para variar sua intensidade.

Diferente do movimento de extensão de quadril no solo, o afundo dá prioridade ao acionamento


dos músculos do quadríceps, quando comparado ao glúteo máximo e isquiotibiais. Isso novamente é
explicado pelo conceito de braço de alavanca resistente.

Observe a figura a seguir, nela o torque resistente para o joelho e o torque resistente para o quadril são
analisados. Geralmente, os movimentos complexos, ou seja, que dependem de mais de uma articulação
para acontecerem, têm os torques resistentes analisados por articulação movimentada. Então, traça-se
a distância entre o peso do implemento e uma das articulações do movimento e este procedimento é
repetido para as outras articulações participantes do gesto motor.

48
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Figura 25 – Ilustração da fase principal do movimento afundo

Na figura anterior, R é a força resistente, o triângulo marrom é o eixo articular do joelho, Barj é o
braço de alavanca resistente do joelho, o triângulo vermelho é o eixo articular do quadril e Barq é o
braço de alavanca resistente do quadril.

Quando a análise de movimentos complexos é feita, é possível observar, pela comparação dos
tamanhos dos braços de alavanca resistentes, qual grupamento muscular será mais usado no exercício.

Na figura anterior, verifica-se a fase principal do movimento afundo, que tem o braço de alavanca
resistente menor para a articulação do quadril e maior para a articulação do joelho. Sabendo que o
sujeito deverá transitar na fase principal para a fase final do movimento, é possível discutir que os
músculos que produzem movimento na articulação do joelho terão mais trabalho para produzir força
potente do que os da articulação do quadril. Isso porque o torque resistente para o quadril é menor,
enquanto o torque resistente para o joelho é maior. Assim, para o exercício de afundo, os extensores de
joelho (complexo do quadríceps) trabalharão mais em contração concêntrica do que os extensores de
quadril (músculo glúteo máximo e isquiotibiais) (HEBERLE, 2017).

A manipulação da intensidade do exercício do afundo pelo torque resistente é limitada, com apenas
duas possibilidades:

• para aumentar o torque resistente é possível aumentar o peso do implemento, deixando a força
resistente maior e o exercício mais difícil de ser realizado;

• para diminuir o torque resistente, é possível remover ou diminuir o peso do implemento,


diminuindo a força resistente e tornando o exercício mais fácil de ser executado.

49
Unidade I

Assim como o afundo, o exercício do agachamento também necessita de uma análise multiarticular
para compreender os torques resistentes envolvidos no movimento. Entretanto, o agachamento tem
mais uma particularidade, ele tem formas diferentes de execução, que são a do agachamento tradicional
e a do agachamento completo (figura a seguir). Essa variação modifica os torques resistentes entre os
exercícios, bem como a exigência de força dos músculos que participarão do movimento.

A) B)

Figura 26 – Ilustração da fase principal do movimento agachamento tradicional (A) e completo (B)

Na figura anterior, R é a força resistente, o triângulo marrom é o eixo articular do joelho, Barj é o
braço de alavanca resistente do joelho, o triângulo vermelho é o eixo articular do quadril e Barq é o
braço de alavanca resistente do quadril.

No agachamento tradicional, o torque resistente para a articulação do joelho tende a ser maior
do que o torque resistente para a articulação do quadril. Isso se dá pela menor flexão de quadril na
fase principal do movimento, que mantém o peso do implemento mais próximo do eixo articular do
quadril do que do joelho. Assim, para o sujeito migrar da fase principal para a fase inicial do movimento,
os extensores de joelho (complexo do quadríceps) trabalharão mais do que os extensores de quadril
(músculo glúteo máximo e isquiotibiais) (YAVUZ; ERDAG, 2017).

Já no agachamento completo, o torque resistente para a articulação do quadril é maior do que para o joelho,
devido à maior flexão de quadril para ajuste do equilíbrio do movimento. Com isso, o peso do implemento se
afasta da articulação do quadril e se aproxima da articulação do joelho, obrigando os extensores de quadril a
produzirem mais força potente para o sujeito concluir o ciclo do movimento (YAVUZ; ERDAG, 2017).

Ainda que a participação dos músculos nos movimentos anteriormente descritos tenha sido
discutida com base no conceito de torque resistente, enfatizando a ação de cada grupamento muscular
de acordo com o tamanho do braço de alavanca resistente, a certeza sobre essa participação e sobre
o tempo que o músculo está ativo no movimento depende do uso de um equipamento para registro,
o eletromiógrafo. Ele pertence à área de investigação da Biomecânica conhecida por Eletromiografia,
que será o tema de discussão do próximo tópico.

50
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Saiba mais

Para mais informações, ler a seguinte obra:

CAMPOS, M. A. Biomecânica da musculação. 2. ed. Rio de Janeiro:


Sprint, 2002.

2.1.6 Características e importância da eletromiografia na análise do movimento humano

Os músculos que participam do movimento são registrados pelo eletromiógrafo. Como já informado,
ele é um instrumento pertencente à área de investigação da Biomecânica, a eletromiografia (EMG).
Com esse registro, é possível verificar quando e por quanto tempo o músculo participa do movimento
(BASMAJIAN; DE LUCA, 1985; AMADIO; DUARTE, 1996; DE LUCCA, 1997).

Para o músculo produzir força, ele precisa ser acionado pelo sistema nervoso, que envia sinais elétricos
conhecidos por potenciais de ação. Os potenciais de ação consecutivos emitidos pelo sistema nervoso
são captados pelo sensor do equipamento, o eletrodo. Este último é posicionado geralmente sobre o
ventre muscular e conectado ao eletromiógrafo, que envia os sinais registrados para o computador com
software específico para armazenamento, tratamento e análise dos dados (BASMAJIAN; DE LUCA, 1985;
AMADIO; DUARTE, 1996; DE LUCCA, 1997).

Existem dois tipos de eletrodos bem conhecidos na área da Biomecânica para estudo do movimento
humano: o de superfície, posicionado sobre o ventre dos músculos que serão analisados na pesquisa;
e o de agulha, posicionado dentro do ventre dos músculos analisados na pesquisa (figura a seguir). A
escolha referente ao tipo de eletrodo a ser usado depende do objetivo do estudo, para músculos grandes
e superficiais, usa-se o de superfície; para músculos pequenos e profundos, o de agulha é mais indicado.

Figura 27 – Sensores que registram os sinais eletromiográficos no movimento

51
Unidade I

Além da escolha do eletrodo pelo tamanho do músculo, a definição do posicionamento do eletrodo


também pode interferir na qualidade do sinal coletado. Isso porque um músculo sem eletrodo que
participa do movimento pode estar muito próximo ao músculo com eletrodo, que é o verdadeiro foco
de análise do estudo. Essa proximidade pode alterar o sinal a ser realmente coletado.

Para minimizar essa interferência entre os músculos, bem como para manter um padrão similar de
posicionamento de eletrodos entre os sujeitos participantes do estudo, adota-se um procedimento de
colocação do eletrodo próximo ao ponto motor do músculo, seguindo protocolos preestabelecidos na
área da pesquisa.

O ponto motor é a região de maior inervação do tecido muscular, área específica em que os
estímulos nervosos alcançam o músculo. Então, se o eletrodo estiver muito próximo do ponto motor,
o sinal eletromiográfico registrado será mais intenso – quando mais afastado do ponto motor, o sinal
eletromiográfico será menos intenso. Como as análises de movimentos dependem do registro de ações
musculares que ocorrem em mais de um sujeito, padronizar o posicionamento do eletrodo evita os erros
de registro entre os sujeitos.

No instante da coleta, o sinal eletromiográfico dos músculos atuantes no movimento pode ser
visualizado na tela do computador por meio de um gráfico. A figura a seguir (A) mostra a forma desse
sinal eletromiográfico, conhecido por sinal eletromiográfico bruto.

Observação

O sinal eletromiográfico bruto é assim nomeado por conter impurezas,


ruídos de fontes elétricas externas, que não representam o potencial de
ação emitido pelo sistema nervoso central.

Para entender o significado dos ruídos no sinal eletromiográfico, lembre-se do que acontece
quando se está conectado a uma estação de rádio e esta começa a captar informações de outra
estação ao mesmo tempo: as informações se unem e não se tem clareza sobre o que está sendo dito
por nenhuma das duas.

O ruído inerente ao sinal eletromiográfico bruto é parecido com a interferência que ocorre entre
as estações de rádio. Como o sinal captado pelo eletromiográfico é elétrico, todas as fontes externas
movidas por eletricidade podem penetrar no sinal coletado pelo eletrodo, não apenas os potenciais de
ação musculares. Então, a intensidade do sinal pode ficar mais forte ou pendurar por mais tempo não
porque o músculo estudado estava agindo dessa forma no movimento, mas porque havia um ruído
externo que mudou o padrão do sinal eletromiográfico coletado.

Para minimizar esse ruído elétrico externo e não atrapalhar o estudo do comportamento do sinal
eletromiográfico, o sinal bruto passa por filtros que o transformam em um sinal conhecido por envoltório
linear, conforme se vê na figura a seguir (C).

52
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Sinal EMG (Bruto)


1000
Amplitude (mV)

500
0 A)
-500
-1000
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3

Sinal EMG (Retificado "Full Wave")


1000
Amplitude (mV)

800
600
400 B)
200
0
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3

Sinal EMG (Envoltório linear)


1000
Amplitude (mV)

800
600
400 C)
200
0
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3
Tempo (s)

Figura 28 – Ilustração das curvas do sinal eletromiográfico após aquisição do (A) sinal bruto e tratamento dos dados registrados; (B)
sinal retificado e (C) envoltório linear

Saiba mais

Leia o artigo de Marchetti e Duarte sobre instrumentação de


eletromiografia para entender melhor o procedimento experimental para
uso da eletromiografia na análise do movimento humano:

MARCHETTI, P. H.; DUARTE, M. Instrumentação em eletromiografia. 2006.


Disponível em: <http://demotu.org/pubs/EMG.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2016.

O envoltório linear é um gráfico que mostra a intensidade de ativação muscular em acordo com o
tempo de execução do movimento de forma mais clara. Nesse gráfico, os filtros que minimizam o ruído
do sinal eletromiográfico bruto foram usados, portanto, esse é o sinal mais confiável para análise e
discussão do comportamento muscular.

53
Unidade I

Uma vez que se verifica no envoltório linear o comportamento da intensidade do sinal e do


tempo de ocorrência, podem-se discutir resultados e concluir fatos sobre a análise desse parâmetro
do movimento humano.

Depois de minimizar os ruídos do sinal eletromiográfico, é necessário normalizar o sinal coletado dos
diferentes sujeitos para possibilitar a comparação do comportamento dos músculos registrados, definir
um padrão de comportamento e discutir sobre esse padrão. Então um novo procedimento matemático
é usado no sinal registrado, a normalização de intensidade do sinal eletromiográfico.

O procedimento matemático de normalização da intensidade do sinal eletromiográfico determina


o valor relativo do nível de ativação de cada músculo registrado em função de um valor de referência
determinado pelo pesquisador do estudo. Para determinar o valor relativo da intensidade do sinal EMG
considera-se a divisão entre o valor de intensidade absoluto do sinal de EMG (valor coletado) e um
valor de referência comum para todos os sujeitos do experimento. O valor de referência comum é
determinado pelo pesquisador em acordo com o objetivo da pesquisa (KNUTSON et al., 1994).

Os procedimentos mais comuns para normalização do sinal EMG utilizam valores de referência
provenientes da contração isométrica voluntária máxima de cada músculo (CIVM), bem como dos
valores de pico e de média obtidos durante contrações dinâmicas.

A normalização temporal é um procedimento comumente utilizado em atividades cíclicas, como


marcha, ciclismo e corrida, a partir da qual relativizamos a curva temporal em função de uma determinada
tarefa. Para tanto, devemos:

• determinar o período de tarefa;

• assumir, para esse período, 100%;

• dividir o período em intervalos iguais.

Podemos citar como exemplo a análise da marcha com o objetivo de avaliar a ativação de um
dado músculo durante determinados ciclos de passada. Nessa condição, é apresentada a média de, por
exemplo, dez ciclos de marcha. Com essa finalidade, consideramos a ativação de 0% a 100%, adotando
0% como o início da passada (toque do calcâneo no solo) e 100% como o final da passada (toque
subsequente do mesmo pé no solo). Isso é importante para avaliar quando determinados músculos são
ativos durante um ciclo da marcha.

Devemos destacar que os procedimentos de normalização, tanto de intensidade como temporal,


podem ou não ser necessários nas etapas de processamento do sinal EMG, dependendo do objetivo de
cada estudo.

Uma vez que o sinal EMG tenha sido processado, variáveis obtidas no domínio do tempo e de suas
frequências são utilizadas para análise.

54
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

As variáveis de análise mais comuns no domínio do tempo são: valor de pico, valor médio, valor da
integral do sinal EMG (IEMG) e o valor de Root Mean Square (RMS). O valor RMS é considerado um bom
indicador da magnitude do sinal EMG e representa o cálculo da raiz quadrada da média dos quadrados
dos valores instantâneos do sinal original. Dito de forma mais simplificada, os valores EMG são expostos
em três etapas:

• elevados ao quadrado;

• calculada a média desses quadrados;

• extraída a raiz quadrada dessa média.

Já o valor IEMG representa o cálculo da área abaixo da curva. Nos dois casos, o resultado será um
dado numérico que representará a intensidade da atividade EMG. A técnica da eletromiografia apresenta
vasta aplicabilidade, pois possibilita a identificação do início e do final de ativação muscular; a avaliação
da intensidade e da duração da ativação muscular nas diferentes atividades; a análise da variabilidade
do sinal EMG ciclo a ciclo, intraindividual e interindividual; entre outras possibilidades.

No presente texto, a aplicação da eletromiografia será feita nos exercícios de treinamento de força,
com o intuito de entender e observar quanto o sistema nervoso aciona cada um dos músculos para a
realização dos exercícios com exigência de força. Posteriormente, a eletromiografia será usada para
a análise das atividades musculares durante a corrida, permitindo-nos compreender como o sistema
nervoso coordena as ações musculares para o controle das articulações durante o ciclo da passada.

2.1.7 Atividade eletromiográfica dos músculos nos exercícios

Uma vez que a eletromiografia registra a atividade elétrica associada à contração muscular,
é necessário entender como as unidades motoras são recrutadas no músculo. Para tanto, é preciso
caracterizar de que forma o sistema nervoso seleciona essas unidades motoras. Uma primeira descrição
determina que o recrutamento siga o Princípio do Tamanho, o que significa que as unidades motoras
pequenas serão recrutadas antes das unidades motoras grandes, quando a exigência for de força (HALL,
2013; NORDIN; FRANKEL, 2014; ENOKA, 2000).

A figura a seguir ilustra de que forma o Princípio do Tamanho ocorre. Segundo esse princípio,
quando a exigência de força for baixa, a frequência de disparo de potenciais de ação será igualmente
baixa, e serão recrutadas unidades motoras de fibras Tipo 1. Caso a exigência de força se torne
moderada, fibras Tipo 1 e Tipo 2a serão recrutadas e, se a força for máxima, fibras Tipo 1, Tipo 2a e
Tipo 2x serão recrutadas.

55
Unidade I

100
CRb
80
CRa
% de fibras utilizadas

60

40

20 CL

Leve Moderada Máxima


Força muscular

Figura 29 – Gráfico ilustrativo do recrutamento dos diferentes tipos de unidades motoras em função da quantidade de força
necessária, em que CL indica fibras Tipo 1, CRa indica fibras Tipo 2a e CRb indica fibras Tipo 2b, ou, como discutido, Tipo 2x

A frequência de disparo de potenciais de ação é a variável que regula a quantidade de tensão


produzida pela unidade motora e de unidades motoras recrutadas para produzir força. Observa-se que
quanto maior a frequência de disparo de potenciais de ação, maior a quantidade de tensão gerada
pela unidade motora e maior a quantidade de unidades motoras recrutadas (ENOKA, 2000; NORDIN;
FRANKEL, 2014; HALL, 2013). Essa análise apresenta muitas discussões pertinentes ao treinamento de
força. Por exemplo, muitas pessoas acreditam que basta aumentar as atividades físicas diárias para que
a saúde e a qualidade de vida estejam garantidas ao longo da vida.

Como atividade física entendem-se as atividades diárias, como varrer o pátio, lavar o carro, passear
com o cachorro etc. É certo que essas atividades contribuem para a manutenção da saúde, mas são
insuficientes, pois, na maioria delas, a exigência de força não é alta, fazendo com que as unidades
motoras de fibras Tipo 2x raramente sejam recrutadas. Por conta disso, essas fibras estão mais suscetíveis
à desadaptação e à atrofia com o avançar dos anos. Portanto, precisam ser adequadamente estimuladas
ao longo da vida.

Uma forma de fazer isso é o treinamento de força. Não basta, porém, fazer a atividade: é necessário
fazer força durante sua realização. Não são todas as pessoas que têm isso muito claro. Por exemplo, veja
o que ocorre com parte dos homens que frequentam academias. Muitos treinam (até excessivamente)
os membros superiores (musculatura peitoral e dorsal), mas não treinam a musculatura de membros
inferiores, pois realizam treinamento em esteira de corrida pensando que só isso é suficiente. Na verdade,
a maioria das pessoas realiza corrida de longa duração com velocidades baixas ou moderadas, nas quais
as fibras Tipo 2x não são solicitadas. Se o treino de corrida envolvesse velocidades máximas ou próximas
56
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

do máximo, essas fibras seriam acionadas, pois são de contração rápida. Então, por não solicitarem as
fibras tipo 2x, as corridas de longa distância, com velocidades baixas ou moderadas, não substituem o
treinamento de força para membros inferiores.

Comportamento semelhante pode ser observado em pessoas que treinam força e que, muitas vezes,
não têm clareza sobre quanto de força máxima são capazes de produzir. Isso pode estar associado a
questões culturais, pois algumas pessoas não são exigidas a realizar força muscular máxima ou próxima
da máxima.

Imagine uma pessoa que não está habituada a fazer muita força no dia a dia. Ela não tem noção
da força real que apresenta. Por conta disso, muitas vezes, a força máxima é subestimada e afeta a
eficiência do treinamento de força. Como exemplo, suponha que uma pessoa esteja realizando um
exercício qualquer, com uma determinada carga. Parta da informação de que ela está acostumada a
levantar 20 kg no seu dia a dia. Se a carga aplicada em seu treino for de 30 kg, ela terá a sensação de
que nunca fez tanta força antes e indicará verbalmente que a carga está muito pesada, mas é possível
que ela seja capaz de elevar os 30 kg. Esse exemplo ilustra como, às vezes, a intensidade do exercício
pode ser afetada pela crença cultural das pessoas ou pela experiência que cada indivíduo apresenta.

Portanto, o Princípio do Tamanho determina que, para ativar o maior número de unidades motoras
possível, é necessário produzir grande quantidade de força. Entretanto, a exigência de força não é
o único fator que afeta o recrutamento das unidades motoras. Já foi descrito que as fibras Tipo 2x
podem ser acionadas em exigências de velocidade alta também, significando que, em velocidades altas
ou máximas de corrida, essas fibras são acionadas. Além disso, o Princípio do Tamanho parece não ser
absoluto, pois algumas evidências indicam que a ordem de recrutamento por tamanho pode não ocorrer
em algumas circunstâncias, como na exigência de velocidade máxima em situações de presença de dor
ou de lesão (ENOKA, 2000; EDMAN, 2006; HERZOG; ARR-HADDOU, 2006).

Outra possível discussão, a partir do conceito de recrutamento de unidades motoras, baseia-se na


forma pela qual o sistema nervoso solicita os músculos para a realização de uma tarefa. Para essa análise,
torna-se necessário apresentar um conceito proveniente do controle motor: o conceito de sinergia.

Para qualquer movimento articular, em qualquer plano anatômico, sempre haverá mais de um
músculo que poderá ser acionado para esse movimento. Imagine uma flexão de cotovelo, na qual ocorre
a ação principal de três músculos: o bíceps braquial, o braquial e o braquiorradial. Sabe-se claramente
que esses três músculos são capazes de realizar uma flexão de cotovelo. Entretanto, pode ser bom
investigar de que forma esses músculos contribuirão para realizar o movimento e como o sistema
nervoso irá coordená-los para realizar a flexão. Isso embasa o modo como os estudos sobre sinergia
muscular e coordenação muscular entendem a participação de cada músculo para realizar o movimento
de forma eficiente (ENOKA, 2000; EDMAN, 2006).

A capacidade de contribuição dependerá de vários fatores, como o comprimento no qual o músculo


se encontra, o tamanho de seu braço de alavanca, entre outros. Mesmo assim, para uma exigência
de força submáxima, existe grande variedade de coordenações ou participações possíveis entre os
diferentes músculos. Por exemplo, em uma situação de isometria com o cotovelo em 90º de flexão, com
57
Unidade I

uma carga que corresponda a 20% da carga máxima, existe grande variedade de acionamentos desses
músculos para solucionar esse problema: pode ocorrer uma atividade maior de bíceps braquial e menor
de braquial, ou o inverso, grande atividade de braquial e pequena de bíceps braquial (ENOKA, 2000;
EDMAN, 2006).

Essas duas situações são sinergias diferentes e denotam que não existe solução satisfatória única
para essa tarefa. Isso indica a característica de redundância do aparelho locomotor, segundo a qual este
pode apresentar várias possibilidades para solucionar uma tarefa de forma adequada (WINTER, 1991).

Aplicando essa discussão ao treinamento de força, a situação fica um pouco diferente, pois, nesse
caso, busca-se realizar a tarefa de flexão de cotovelo, com, por exemplo, 80% da carga máxima. Nessa
situação, não existem muitas possibilidades ou sinergias possíveis, pois o sistema nervoso terá de acionar
muito os três músculos envolvidos no controle da flexão para ter uma resposta satisfatória à tarefa. Caso
a isometria do exemplo seja mantida até a fadiga, o resultado das diferentes sinergias será o mesmo
pois, conforme as unidades motoras de fibras Tipo 2x forem entrando em fadiga, elas serão substituídas
por outras unidades motoras até que a força muscular não possa mais ser mantida.

Com base nessas discussões, vejamos alguns exemplos da eletromiografia em exercícios de


treinamento de força. No movimento supino horizontal, a pessoa permanece deitada em decúbito
dorsal. A posição inicial envolve a sustentação de uma barra acima da região média do esterno com os
cotovelos estendidos. A partir dessa posição, a pessoa realiza a abdução horizontal dos ombros, com a
flexão dos cotovelos. Por fim, ela volta à posição inicial, que envolve a adução horizontal dos ombros e
a extensão dos cotovelos.

A musculatura peitoral maior e o deltoide anterior ou clavicular são acionados para o controle ou a
mobilização da articulação glenoumeral, uma vez que o encurtamento desses músculos leva à adução
horizontal do ombro. Já para controlar a articulação do cotovelo, será acionado o músculo tríceps braquial.

Para analisar quanto cada músculo foi estimulado pelo sistema nervoso para realizar ou controlar
o movimento, usou-se a eletromiografia. Eletrodos de eletromiografia foram posicionados sobre os
músculos peitoral maior, deltoide anterior e a cabeça longa do tríceps braquial. A intensidade selecionada
para registrar a atividade muscular foi de dez repetições máximas (10 RM). Antes de realizar a coleta nos
exercícios em questão, foi retirada uma contração isométrica voluntária máxima (CIVM) por um período
de cinco segundos. Essa contração tem o intuito de servir como uma contração de 100%, a partir da
qual é possível classificar quanto cada músculo foi acionado durante a execução do exercício. Conforme
discutido anteriormente, esse procedimento se chama normalização do sinal EMG (BRENNECKE, 2007).

Os dados em cada instante do movimento foram filtrados para a diminuição dos ruídos que poderiam
gerar interferência; depois foram tratados e foi determinado o RMS, que, conforme já discutido,
representa a intensidade do sinal durante o período, que, no caso deste estudo, corresponde ao período
da contração concêntrica. Na figura a seguir, podemos observar os resultados dos três músculos
(peitoral maior, deltoide anterior e a cabeça longa do tríceps braquial) já com os tratamentos RMS e a
normalização pela CIVM:

58
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

100
90 * *
80
70

RMS (% CIVM)
60
50
40
30
20
10
0
PM_Asc DA_Asc TB_Asc

Figura 30 – Análise de intensidade RMS normalizado pela Contração Isométrica Voluntária Máxima (CIVM) para os músculos peitoral maior
(PM), deltoide anterior (DA) e a cabeça longa do tríceps braquial (TB) em contração concêntrica (ASC) no exercício supino horizontal

Podemos observar que o exercício supino horizontal apresenta uma ativação muscular de quase
80% da CIVM para o músculo peitoral maior, superior a 70% da CIVM para o músculo deltoide anterior,
e quase 60% da CIVM para a cabeça longa do tríceps braquial (BRENNECKE, 2007). Esse nível de
ativação pode ser considerado alto, ou seria mais apropriado considerá-lo moderado? Não existe uma
resposta única para essa pergunta, pois cada pesquisador tem seus níveis diferentes de aceitação para
a intensidade. Contudo, uma contração concêntrica acima de 50% pode ser considerada uma ativação
que vale a pena, ou seja, se a ativação do músculo não ultrapassar essa intensidade, poderemos aceitar
que esse exercício não estimula suficientemente o músculo que estamos analisando.

Devemos ter cuidado com a intensidade usada no exercício para a coleta de dados, pois podemos
observar, nos diferentes estudos, que as intensidades são bem variadas. Em alguns casos, usam-se 10
RM ou 12 RM, mas podemos observar 70% ou 80% de 1 RM. Lembrando que quanto maior for a
exigência de força, maior será a frequência de disparos de potenciais de ação, e maior será a magnitude
do sinal EMG. Assim, as intensidades maiores produzirão ativações musculares maiores registradas no
sinal EMG. Nesse sentido, com a intensidade de 10 RM, observou-se uma atividade consideravelmente
alta nos três músculos avaliados. Podemos observar, também, a partir desses dados, que a atividade
de deltoide anterior é tão alta quanto a atividade de peitoral maior. Isso ocorre geralmente quando o
movimento envolvido no exercício é uma adução horizontal do ombro. Muitas vezes, exercícios como o
supino horizontal são tidos como se fossem voltados para peitoral maior, mas devemos lembrar que o
deltoide anterior nesse exercício é bastante solicitado. Se essa ativação não for levada em consideração,
é possível que os músculos do ombro sejam exercitados em outros dias, o que aumentaria o risco de
excesso de treinamento.

Outra análise curiosa é que, embora a ativação do tríceps braquial seja de moderada a alta, ela foi
significativamente menor que a ativação dos músculos peitoral maior e deltoide anterior. Essa ativação
pode significar que, dependendo de como os exercícios forem organizados e dos músculos que quisermos
treinar em uma sessão, talvez a escolha de um exercício adicional seja necessária para esse grupamento
muscular com uma ativação mais alta. Vale lembrar, contudo, que a intensidade do exercício interfere na
ativação muscular. Portanto, se uma intensidade maior de ativação for objetivada, bastará aumentar a
intensidade para a ativação de todos os músculos aumentar. Isso não ocorre necessariamente de forma
linear. Por exemplo, um aumento de 10% na intensidade não necessariamente implicará um aumento

59
Unidade I

de 10% na atividade de todos os músculos, mas a ativação muscular aumentará. Outro fator importante
é que a ativação analisada foi exclusivamente da cabeça longa do tríceps braquial, e, por isso, não há
como saber com certeza de que forma os demais ventres do tríceps braquial irão se comportar.

Observação

Atenção para a intensidade empregada nos estudos usando eletromiografia,


pois a intensidade do exercício afeta a magnitude do sinal EMG.

No estudo de Brennecke (2007), foi analisado também o exercício de crucifixo horizontal, para
averiguar a ativação dos mesmos músculos em um exercício semelhante ao supino horizontal. O exercício
crucifixo envolve a mesma postura corporal, em decúbito dorsal, com os ombros mantidos em flexão
de 90º e os cotovelos estendidos. A partir dessa posição inicial, o executante deverá realizar a abdução
horizontal dos ombros, mantendo os cotovelos quase completamente estendidos. Da mesma forma que
no supino, o movimento ocorrerá no plano transversal. A única diferença entre o crucifixo e o supino
está na ausência ou na movimentação muito pequena na articulação do cotovelo nesse exercício.

A tendência das forças externas no crucifixo é a mesma que no supino, portanto, os adutores
horizontais serão acionados, uma vez que a tendência do peso é uma abdução horizontal. Observe as
atividades musculares, por meio dos sinais EMG dos músculos analisados (figura a seguir). Veja que
o músculo peitoral maior apresentou atividade muito próxima a 60% da CIVM; o músculo deltoide
anterior, atividade média entre 60% e 70% da CIVM; e a cabeça longa do músculo tríceps braquial,
atividade menor, 30% da CIVM. Note que a característica das atividades no crucifixo se mantém, em
comparação com o supino, pois não houve diferença na atividade de peitoral maior e de deltoide anterior,
mas ambos os músculos se ativaram mais que o tríceps braquial. Contudo, observa-se grande diferença
na intensidade de ativação dos músculos entre os dois exercícios. A maior diferença foi observada
para tríceps braquial. No exercício crucifixo, a ativação de tríceps braquial foi muito menor que no
supino. Isso é fácil de compreender pois, no supino, há necessidade de estender o cotovelo, e o peso
apresenta tendência externa de flexionar o cotovelo. Por conta dessa exigência de extensão de cotovelo,
a atividade de tríceps braquial é maior no supino.
100
90
80
70
* *
RMS (% CIVM)

60
50
40
30
20
10
0
PM_Asc DA_Asc TB_Asc

Figura 31 – Análise de intensidade RMS normalizado pela contração isométrica voluntária máxima (CIVM), para os músculos peitoral
maior (PM), deltoide anterior (DA) e a cabeça longa do tríceps braquial (TB) em contração concêntrica (ASC) no exercício crucifixo

60
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Nos outros músculos, também podemos observar maior ativação no supino que no crucifixo. Isso
ocorreu não porque o exercício crucifixo é menos eficiente para exercitar esses músculos, mas porque o
braço de alavanca do peso no supino é muito semelhante ao longo da ADM. Já no crucifixo, a adução
horizontal completa promove a diminuição do braço de alavanca do peso nessa amplitude. A adução
horizontal completa aproxima a linha de ação da força do centro da articulação do ombro. Com a
redução do torque do peso, os adutores horizontais do ombro podem reduzir seu torque muscular, o que
diminui a média de ativação ao longo da ADM.

O pull over (figura a seguir) é outro exercício para membros superiores, mas que envolve um
movimento articular diferente, realizado em outro plano anatômico. Nele, o executante permanecerá
em decúbito dorsal, com os ombros mantidos em flexão de 90º. A partir dessa posição inicial, a pessoa
realizará a flexão completa dos ombros para chegar à posição final do exercício e, posteriormente,
realizará a extensão dos ombros para retornar à posição inicial. Durante esses movimentos de flexão e
extensão dos ombros, o cotovelo será mantido com uma mínima flexão, mas não será movimentado
durante o exercício. Diferentemente dos exercícios supino e crucifixo, o pull over ocorre no plano sagital.

A tendência da carga externa é uma flexão nos ombros, por isso os músculos que serão acionados para
se oporem ao efeito do torque resistente são os extensores dos ombros. Desse grupo de músculos, pode
surgir dúvida sobre a ativação do músculo peitoral maior, porção clavicular e esternal. Muitos praticantes de
treinamento de força sugerem que no exercício pull over não há ativação de peitoral maior. Assim, mesmo
sabendo que a porção esternal do peitoral maior é um extensor de ombro, esse assunto ainda gera polêmica.

Figura 32 – Ilustração do exercício pull over

Na figura a seguir, observa-se a atividade muscular da porção esternal e da porção clavicular do


peitoral maior, do latíssimo do dorso, do deltoide posterior e da cabeça longa do tríceps no exercício pull
over. As duas porções do peitoral maior estão ativas no exercício, com ativações altas e semelhantes,
de 80% a 85% da CIVM, aproximadamente. Embora a extensão dos ombros não seja um movimento
61
Unidade I

normalmente atribuído ao peitoral maior, quando os ombros estão em flexão completa, as fibras
musculares estão perfeitamente alinhadas para tracionar o ombro em extensão. Esse raciocínio é
confirmado pela atividade muscular alta nesse exercício.

O músculo latíssimo do dorso apresenta uma atividade relativamente alta também, embora um
pouco mais baixa que a atividade de peitoral. A atividade de latíssimo do dorso foi próxima de 65% da
CIVM. A atividade de deltoide posterior apresentou-se consideravelmente baixa, aproximadamente 30%
da CIVM. Supõe-se que essa atividade de deltoide posterior possa ser consequência do alongamento
excessivo no qual este músculo se encontra, tornando-o incapaz de contribuir para a realização do
movimento de forma efetiva.

Por último, a cabeça longa do tríceps braquial apresenta uma ativação relativamente alta, da
ordem de 70% a 75% da CIVM. Essa ativação é curiosa, pois, nesse exercício, esse ventre muscular
atua nas duas articulações por onde passa – cotovelo e ombro. A cabeça longa do tríceps atua no
cotovelo, estabilizando-o e mantendo-o em extensão, mas atua também no ombro como agonista,
auxiliando a realização da extensão. Provavelmente esse seja o motivo de observarmos uma ativação
relativamente alta.
120
100
80
60
40
20
0
Peitoral Peitoral Latíssimo Deltoide Tríceps
esternal clavicular do dorso posterior cabeça
longa

Figura 33 – Análise de intensidade RMS normalizado pela contração isométrica voluntária máxima (CIVM) para os músculos peitoral
maior, porções esternal e clavicular, latíssimo do dorso, deltoide posterior e tríceps braquial cabeça longa em contração concêntrica
no exercício pull over

Conhecendo a característica desse exercício, podemos escolhê-lo para acionar os músculos peitoral
maior e latíssimo do dorso em um único exercício, ou evitar usá-lo, caso busquemos exercitar apenas
um músculo sem acionar o outro. Conhecer a característica dos exercícios permite-nos escolher de que
forma desejamos que integrem nossa rotina.

Observação

Conhecer bem a característica das atividades musculares nos exercícios


permite planejar corretamente o treinamento, evitando excesso de esforço,
além de garantir que o objetivo de treino seja devidamente alcançado com
a estimulação dos músculos corretos na intensidade correta.
62
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

A análise eletromiográfica dos exercícios de membros inferiores também é muito comum na


Biomecânica, e a comparação entre exercícios que mobilizam o mesmo grupamento muscular traz
informações interessantes sobre os movimentos.

Façamos uma comparação entre dois exercícios para o grupamento muscular do quadríceps femoral:
a cadeira extensora e o agachamento. Na cadeira extensora, a pessoa permanece sentada com os joelhos
mantidos em, aproximadamente, 90º de flexão (fase inicial). Com a extensão dos joelhos, o executor
atinge a fase principal do movimento, na qual a tendência do peso é flexionar os joelhos e, por isso, o
músculo acionado para o controle do peso será o quadríceps femoral.

O exercício de agachamento tradicional (meio agachamento) envolve permanecer em pé com uma


barra apoiada nos ombros (fase inicial). A partir dessa posição, a pessoa realiza a flexão dos quadris e
dos joelhos até que a coxa esteja paralela ao solo, aproximadamente (fase principal). O torque resistente
neste movimento será vencido pelos músculos extensores do joelho e do quadril.

Sempre que pensamos em exercícios para quadríceps femoral, surge a dúvida: qual deles é mais
eficiente para acionar o quadríceps? Muitas pessoas acreditam que usar somente agachamento para
quadríceps leva ao desequilíbrio entre o vasto medial (VM) e o vasto lateral (VL). Por isso, cadeira extensora
seria importante, pois isola a ação do quadríceps e reduz desequilíbrios que o agachamento produziria.

Para podermos averiguar se o raciocínio é verdadeiro, vejamos um estudo de Signorile et al. (1994),
no qual os autores investigaram a atividade EMG de VM e VL em dois dias distintos. No primeiro dia, os
sujeitos fizeram primeiro o exercício agachamento e depois a cadeira extensora, 10 RM em cada um. No
segundo dia, após um período de descanso, os sujeitos inverteram a ordem, fazendo primeiro a cadeira
extensora e depois o agachamento. O tratamento do sinal envolveu a filtragem e o cálculo do RMS, mas
o sinal não foi normalizado, ou seja, não foi relativizado em função da CIVM (figura a seguir).
700 700
Agachamento
600 600 Cadeira extensora
500 * 500 *
rmsEMG (uV)

rmsEMG (uV)

400 400
* *
300 300

200 200

100 100

0 0
Dia 1 Dia 2 Dia 1 Dia 2
Vasto lateral Vasto medial
Figura 34 – Análise da intensidade do sinal EMG pelo cálculo do RMS do sinal absoluto sem normalização por intensidade, para os
músculos vasto lateral e vasto medial do quadríceps em contração concêntrica, durante a realização do exercício do agachamento
seguido pela cadeira extensora (dia 1) e da cadeira extensora seguida pelo agachamento (dia 2)

Independentemente da ordem em que os exercícios foram feitos, nas duas coletas, o VL e o VM


apresentaram uma atividade EMG maior no agachamento do que na cadeira extensora. Pelos dados

63
Unidade I

apresentados, não há como saber qual ventre muscular apresentou maior atividade, nem é possível
saber de quanto foi a atividade em relação à CIVM. Para que essa análise seja possível, os autores
deveriam ter normalizado o sinal EMG. Contudo, nitidamente é notado que os vastos lateral e medial
são mais acionados no agachamento do que na cadeira extensora.

É claro que essa característica de maior ativação dos vastos do quadríceps no agachamento é
verdadeira para esses músculos que foram analisados por Signorile et al. (1994). Se investigarmos de
que forma outros músculos se comportam no agachamento, observaremos que este não é o exercício
que mais aciona todos os músculos de membros inferiores.

Vejamos, por exemplo, como dois ventres musculares dos isquiotibiais se comportam durante a
realização do agachamento e de dois exercícios específicos e muito usados em treinamento de força:
mesa flexora e stiff. Wright, Delong e Gehlsen (1999) analisaram o bíceps femoral e o semitendíneo
durante a execução de três exercícios: agachamento, mesa flexora e stiff.

A mesa flexora envolve um aparelho no qual a pessoa permanece em decúbito ventral com apoio
na altura do tendão calcâneo na perna. O peso produz uma tendência de força resistente em extensão,
portanto exige que os isquiotibiais sejam acionados.

O exercício stiff envolve a permanência em pé, na postura ereta, sustentando, geralmente, uma
barra nas mãos. A partir dessa posição inicial, o executante realizará uma flexão dos quadris, mantendo
pequena quantidade de flexão nos joelhos, mas sem movimentá-los durante a realização do exercício.

A tendência do peso e da força resistente é flexionar o quadril, por isso os extensores dos quadris
serão acionados, quais sejam o músculo glúteo máximo e os isquiotibiais.

A ordem dos exercícios foi sorteada, mas, em cada um, uma intensidade correspondente a 75% de
1 RM foi usada. A partir do sinal EMG filtrado, a análise aconteceu observando o pico de ativação do
sinal, ou seja, a maior magnitude de atividade do sinal EMG. O valor do pico de ativação foi normalizado
conforme a CIVM de cada músculo.
1,25 Bíceps femoral
Pico de ativação EMG (%CIVM)

Semitendíneo
1,00
a,b
a,b

a,b
a,b
a,b

a,b
a,b,c
a,b

0,75

0,50

0,25

0,00
MFc Sc MFe Se Ac Ae
Exercícios e tipos de contração

Figura 35 – Análise de intensidade de pico de ativação do sinal EMG normalizado pela contração isométrica voluntária máxima
(%CIVM), para os músculos bíceps femoral e semitendíneo em contração concêntrica (c) e excêntrica (e), durante a realização dos
exercícios mesa flexora (MF), stiff (S) e agachamento (A)

64
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

A partir da figura anterior, podemos observar que nos exercícios stiff e mesa flexora, os músculos
bíceps femoral e semitendíneo apresentaram picos de ativação altos e muito semelhantes. Contudo, o
agachamento apresentou um pico de atividade EMG significativamente mais baixo que os outros dois
exercícios. O agachamento não se apresenta como um exercício em que a ativação dos isquiotibiais seja
alta. Por isso, apesar de ser um exercício muito eficiente para os vastos do quadríceps, conforme visto
anteriormente, neste os isquiotibiais não apresentam uma ativação tão alta, em comparação com os
outros exercícios específicos para esse grupamento muscular.

Lembrete

Vale lembrar, contudo, que a intensidade do exercício interfere na


ativação muscular. Portanto, se uma intensidade maior de ativação for
objetivada, bastará aumentar a intensidade para a ativação de todos os
músculos aumentar.

A análise ilustrada nos exercícios agachamento, mesa flexora e stiff para os isquiotibiais permite
verificar quão alta foi a ativação, porém, nesse gráfico, não é possível notar por quanto tempo a ativação
permaneceu alta nos exercícios. Sugerimos sempre muita cautela na análise dos resultados provenientes
da EMG, pois diferentes tratamentos e metodologias usados nas coletas, às vezes, dificultam ou até
mesmo impossibilitam a comparação entre diferentes estudos.

Observação

Atenção para o tratamento empregado nas diferentes análises, pois isso


dificulta ou impossibilita a comparação entre estudos usando EMG.

Saiba mais

Para mais informações, leia a seguinte referência sugerida:

CARPENTER, C. S. Biomecânica. Rio de Janeiro: Sprint, 2005.

Resumo

Essa unidade destacou os conceitos relacionados ao princípio do


treinamento de força, aos fatores que afetam a capacidade de produção
de força muscular, ao uso do conceito de torque para ajustar a intensidade
do exercício de academia e a importância da análise eletromiográfica para
entender a ação dos músculos no exercício proposto no treino.
65
Unidade I

Os princípios do treinamento de força são a sobrecarga, a


especificidade e a reversibilidade do sistema locomotor. Para
sobrecarga, discutiu-se a necessidade de aumentar gradativamente as
cargas impostas ao músculo, otimizando sua capacidade de produzir
força. Esse aumento é dependente da condição física de cada indivíduo.
Quando se considera o princípio da especificidade, o tipo de exercício
selecionado no treino deve ser capaz de mobilizar o músculo que precisa
ser fortalecido. Assim, o movimento realizado no treino deve ser similar
ou o mais próximo possível do que será usado na modalidade esportiva
ou vida diária do sujeito que o treina. A reversibilidade do sistema
foi apresentada ao discutir a importância de se manter o treinamento
para melhorar a capacidade de força muscular, quando em desuso, as
adaptações positivas conquistadas são perdidas.

Além da discussão sobre a adequação do treino com base nos


princípios do treinamento de força, os fatores que interferem na
capacidade de produzir força considerando os componentes internos
do músculo e seu uso foram abordados. Quando em um exercício, o
músculo principal da ação inicia o movimento a partir da contração
excêntrica, a força elástica nesse instante não é usada, por ter sido
dissipada em forma de calor. Com isso, o músculo produzirá força
somente a partir do uso dos componentes contráteis. A força total
desempenhada pelo músculo é menor. No entanto, se a dinâmica do
exercício permitir ao músculo se alongar e encurtar sem pausa entre
essas ações, a força produzida por ele é a máxima possível. Essa última
situação define o ciclo alongamento-encurtamento do tecido muscular,
conceito de grande importância na área da Biomecânica.

Os movimentos articulares acontecem devido à interação de forças


rotacionais internas e externas ao corpo. É a diferença entre essas forças que
define o controle da intensidade do exercício, e a determinação dele em um
exercício de academia foi o foco de discussão nessa unidade. Entende-se
que quanto maior a força externa e a distância do braço de alavanca
resistente, maior será a sobrecarga sobre o corpo e que, para alguns
exercícios, existem músculos que trabalham na produção de força e outros
que têm como função estabilizar o corpo, criando alavancas diferentes em
acordo com a articulação analisada no movimento.

Finalmente a discussão sobre a participação e o tempo de uso de um


músculo em alguns movimentos de academia foi apresentada com base
nos conceitos da Eletromiografia. O conhecimento sobre a característica
de ativação dos músculos no movimento permite planejar de forma mais
adequada o treino.

66
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

Exercícios

Questão 1. (Enade 2010, adaptada) Considere que um profissional de Educação Física tenha de
descrever para os seus alunos os movimentos corporais realizados nos diferentes esportes. Para que
melhor compreendam o tema, ele emprega um dos métodos universalmente utilizados, embasado em
três dimensões e conhecimento como Sistema de Planos e Eixos, conforme figura a seguir. O movimento
em um plano sempre ocorre sobre um eixo que fica perpendicular a esse plano.

Plano sagital
Plano frontal

Plano transverso

Figura

Considerando a situação descrita, avalie as afirmações a seguir.

I – O movimento de flexão horizontal do braço no arremesso do handebol ocorre no plano sagital.

II – Os movimentos de adução e abdução de braços no nado de peito ocorrem no plano sagital.

III – Os movimentos de adução e abdução de braços no nado borboleta ocorrem no plano frontal.

IV – Os movimentos de flexão e extensão de pernas no ciclismo ocorrem no plano sagital.

V – Os movimentos de rotação na pirueta da ginástica rítmica ocorrem no plano transverso.

Estão corretas apenas as afirmativas:

67
Unidade I

A) I, II e IV.

B) I, II e V.

C) I, III e V.

D) II, III e IV.

E) III, IV e V.

Resposta correta: alternativa E.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: traz os movimentos de flexão horizontal do braço no arremesso do handebol


como movimentos que ocorrem no plano sagital. Ao contrário do que inicialmente podemos
pensar, a flexão horizontal ocorre no plano transverso, estando o membro superior paralelo a esse
plano durante o movimento.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: apresenta os movimentos de adução e abdução dos braços no nado peito como
movimentos que ocorrem no plano sagital. Como já foi dito anteriormente, os movimentos de adução e
abdução são realizados no plano frontal, não sendo possível, durante a braçada do nado peito, ocorrerem
no plano sagital.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: descreve movimentos de abdução e adução no nado borboleta como movimentos que
ocorrem no plano frontal, estando correta, pois sendo o plano frontal aquele que divide o corpo em duas
partes iguais, anterior e posterior, e tendo que os segmentos corporais se movimentam paralelos a ele,
não caberia outro plano para esse fundamento da natação.

IV – Afirmativa correta.

Justificativa: coloca que os movimentos de flexão e extensão de pernas no ciclismo ocorrem no plano
sagital. Se seguirmos a mesma lógica dos movimentos paralelos aos planos e pensarmos que o plano
sagital é aquele que divide o corpo de forma imaginária em metades direita e esquerda, perceberemos
que os movimentos de flexão e extensão dos membros inferiores no ciclismo obrigatoriamente terão
que ser executados nesse plano.

68
BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE

V – Afirmativa correta.

Justificativa: apresenta os movimentos de rotação na pirueta da ginástica rítmica no plano


transverso. Se pensarmos que para cada plano existe um eixo correspondente que passa perpendicular
a ele e ainda que a articulação deva girar em torno desse eixo, a afirmativa estará correta, uma vez que
os movimentos de rotação são executados no plano transverso e no eixo longitudinal.

Questão 2. (Enade 2010, adaptada) O profissional de Educação Física, visando aprimorar os saltos de
seus atletas para melhorar-lhes o desempenho, faz uso dos estudos da biomecânica. Nessa perspectiva,
analise a figura a seguir:

Figura

Considerando que o objetivo do salto em distância é o deslocamento máximo do centro de gravidade


(CG) em uma dada direção (horizontal), após a análise da figura, conclui-se que o que caracteriza a
performance (máxima distância) atingida no salto é a distância:

A) Que o CG viaja enquanto o atleta está no ar.

B) Entre a borda frontal da tábua de impulsão e a máxima altura atingida pelo saltador durante
o salto.

C) Entre o CG na máxima altura alcançada e o instante de aterrissagem no solo.

D) Entre a borda frontal da tábua de impulsão e o CG do atleta no momento da saída da tábua.

E) Entre o CG do atleta na máxima altura atingida e o tempo de voo.

Resolução desta questão na plataforma.

69

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