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Unidade II

Unidade II
5 DEFICIÊNCIA VISUAL

No Brasil, 6,5 milhões de pessoas têm deficiência visual (DV); destas, 6 milhões apresentam baixa
visão e 582 mil são cegas. A OMS aponta que 80% dos casos de deficiência visual poderiam ser evitados
se houvesse ações mais efetivas de prevenção e tratamento (BRASIL, 2012).

Entre as causas mais comuns de deficiência visual, estão o glaucoma, a retinopatia diabética, a atrofia do
nervo óptico e as degenerações relacionadas à idade. Quanto à deficiência infantil, o glaucoma congênito,
a retinopatia da prematuridade e a toxoplasmose ocular congênita estão entre as causas principais.

A luz sempre foi associada a fatores positivos, como a paz, a inteligência e os momentos felizes;
por outro lado, a escuridão sempre esteve associada às trevas, ao sinistro e ao mal. Na era primitiva,
acreditava-se que a luz saísse de dentro dos olhos para o ambiente, e como as pessoas cegas não tinham
essa luz, possivelmente fossem ligadas às forças malignas.

A deficiência visual foi retratada em muitas obras de arte, entre elas a pintura de Pieter Bruegel,
conhecida como A Parábola do Cego. Nela se veem cegos com as mãos dadas, em fila, utilizando bengalas
para percorrer um caminho. Alguns estudos apontam que o quadro faz referência ao Evangelho de
Mateus, capítulo 15, versículo 14: “Deixai-os! São cegos que guiam cegos. Ora, se um cego guia outro
cego, ambos cairão em algum barranco” (PASSOS, 2013).

Figura 66 - Quadro “A Parábola do Cego”, de Pieter Bruegel

Ao longo da história, algumas formas de entender a problemática de deficiência foram construídas,


discutidas e modificadas; isso sempre se refletiu na atitude e na postura em relação às pessoas
consideradas diferentes ou fora dos padrões de normalidade. Atualmente, existe a preocupação em
proporcionar, da melhor forma possível, as condições para que as pessoas com deficiência visual tenham
as mesmas oportunidades que as pessoas sem deficiência.
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5.1 Conceitos

A deficiência visual é definida como a perda total ou parcial da capacidade visual em ambos os olhos,
mesmo após correção cirúrgica ou óptica. Essa deficiência leva a pessoa a restrições no desempenho das
tarefas rotineiras e habituais.

Quando o uso de óculos ou lentes de contato permite à pessoa uma correção óptica adequada, ela
não é caracterizada, portanto, como portadora de uma deficiência visual. Além disso, mesmo em caso
da perda total da visão em um dos olhos, se a pessoa tiver boa visão remanescente no outro olho, ela
não será enquadrada como deficiente visual.

Habitualmente, cerca de 80% das informações e estímulos que recebemos são visuais, enquanto os
outros 20% provêm de todos os outros sentidos e percepções. Fica claro que a privação desse sentido,
especialmente para as pessoas que não aprimoram outras vias sensoriais, trará grandes restrições na
mobilidade, na compreensão dos significados e nas interações sociais.

O estímulo adequado é fundamental para que esse aluno possa vivenciar atividades motoras,
perceptivas e intelectuais e assim participar efetivamente da sociedade em que está inserido.

5.2 Estruturas oculares e funções visuais

A avaliação da deficiência visual é realizada com base em algumas funções visuais. Porém, antes de
estudarmos essas funções, é importante entendermos como funciona o órgão da visão.

5.2.1 Anatomia do olho

O globo ocular possui um diâmetro anteroposterior de 2,5 cm e é composto por três camadas distintas:

• Camada externa: fornece a sustentação e a proteção às estruturas oculares.

– Esclera: estrutura fibrosa que concede o formato de globo e na qual estão inseridos os
músculos oculares.

– Córnea: estrutura convexa responsável por direcionar o feixe de luz para a retina.

• Camada média: nutre as camadas externas e internas entre as quais está situada.

– Coroide: a pressão intraocular pode alterar o fluxo sanguíneo dessa estrutura, que é altamente
vascularizada. Devido à sua coloração escura, também é chamada de úvea.

– Íris: confere a cor aos olhos e apresenta um orifício central chamado pupila.

– Pupila: responsável pelo controle de entrada da luminosidade no olho.

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– Corpo ciliar: possui vasos sanguíneos responsáveis pela produção e drenagem do humor aquoso.

– Humor aquoso ou humor vítreo: irriga a córnea e o cristalino e faz a manutenção da pressão
intraocular. Caso ocorra uma mudança na concentração dessa substância, podem ocorrer
hipotonia ou hipertensão ocular.

• Camada interna: também conhecida como camada nervosa, é extremamente delicada. Por meio
dela ocorre a comunicação com o sistema nervoso central através do nervo óptico.

– Retina: estrutura delicada, composta por células fotorreceptoras (cones e bastonetes)


responsáveis por reagirem à luz e transformá-la em impulso nervoso. É considerada um
prolongamento do nervo óptico, pois conduz o impulso até o córtex visual.

Os bastonetes são sensíveis ao movimento e à baixa intensidade luminosa, por isso são importantes
para uma boa visão noturna, mas não distinguem cores (por esse motivo, em ambientes escuros,
identificamos mais facilmente tonalidades acinzentadas). Em contrapartida, os cones precisam de maior
quantidade de luz e definem cores e detalhes mais refinados. São três tipos de células cones, e cada uma
delas é sensível a um tipo de luz (verde, vermelha ou azul). Caso haja alguma alteração no funcionamento
dessas células, a pessoa apresenta dificuldade em distinguir tonalidades das cores básicas, como ocorre
no daltonismo.

Corpo ciliar
Esclera
Íris Coróide

Pupila Retina
Câmara
anterior
Humor vítreo Mácula
(Fóvea)
Córnea

Conjuntiva Disco óptico Nervo


óptico
Cristalino

Figura 67 - Principais estruturas do olho humano

Caso ocorra algum dano estrutural ou funcional de uma dessas partes, há uma alteração nas funções
visuais.

5.2.2 Funções visuais

• Acuidade visual: é a capacidade de distinguir detalhes por meio da relação entre o tamanho do objeto
e a distância em que ele está situado. A avaliação dessa função visual envolve a apresentação de
uma sequência de estímulos padronizados, que progressivamente vão diminuindo de tamanho, sendo
realizada também a uma distância padronizada. Os testes mais comuns são baseados na Escala de
Snellen, no qual são apresentadas figuras distribuídas em um plano. A linha inferior deve ser lida a
seis metros de distância, e a linha superior a sessenta metros. Caso a linha superior seja lida apenas a
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20 metros, a visão é de 20/60 do normal, ou seja, o que uma pessoa com visão perfeita enxerga a 60
metros, essa pessoa com visão deficiente precisa estar a 20 metros para enxergar. O resultado, portanto,
é sempre baseado numa relação entre os valores de distância do objeto e do tamanho do objeto.

Figura 68 - Escala de Snellen

• Campo visual: é a extensão angular em um espaço no qual um objeto pode ser visto com o olhar
fixado à frente, podendo ser monocular ou binocular. O campo de visão total do ser humano
é de 180º. Em um campo de visão binocular, os dois olhos visualizam os 120º centrais; os 30º
periféricos de cada lado são exclusivos de cada olho (os 30º da esquerda, apenas o olho esquerdo
pode visualizar, e os 30º da direita, apenas o olho direito pode visualizar).
120° comuns a ambos os olhos

30° específicos OE 150° OE 30° específicos OD


150° OD

Figura 69 - Representação do campo visual

• Binocularidade: é a capacidade de realizar a fusão da imagem vinda dos dois olhos em


convergência perfeita, proporcionando noção de profundidade e a melhor percepção possível dos
objetos no espaço. Quando os olhos não são alinhados, como no caso do estrabismo, a função de
binocularidade pode ser prejudicada.

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Outras funções menos utilizadas para a classificação da deficiência visual também podem ser citadas,
entre elas: visão para cores, sensibilidade à luz e sensibilidade ao contraste.

Exemplo de aplicação

Feche um dos olhos e, com muito cuidado, desça um degrau. Perceba como a noção de profundidade
é alterada.

Além disso, para algumas situações é realizada a avaliação da visão funcional, que é a capacidade
que uma pessoa tem de conviver com a sua limitação visual. Pessoas com a mesma limitação podem
apresentar visão funcional diferente. Essa avaliação é realizada por uma equipe multidisciplinar e
normalmente é influenciada por diversos estímulos e vivências oferecidos no decorrer da vida.

Observação

Apesar de não existirem testes padronizados para avaliar a visão funcional,


o profissional deve atentar ao aluno na realização de diversas tarefas e assim
realizar os ajustes mais adequados de acordo com as necessidades.

5.3 Classificação da deficiência visual

A deficiência visual pode ser classificada sob dois aspectos: educacional e esportivo.

5.3.1 Classificação educacional

Seguem os tipos de classificação educacional:

• Pessoa cega: apresenta, no máximo, uma percepção luminosa que auxilia na orientação e na
mobilidade, mas não de maneira irrestrita. Os meios visuais não são suficientes para a aquisição
de conhecimentos; por isso, essa pessoa necessita utilizar o sistema braille e outros instrumentos
táteis e auditivos no processo de ensino-aprendizagem.

• Pessoa com baixa visão (ou visão subnormal): apresenta dificuldade de desempenhar tarefas visuais
mesmo com o auxílio de lentes corretivas; entretanto, por meio de recursos compensatórios e
adaptações ambientais, pode aprimorar a capacidade de realizar essas tarefas.

O braille e o soroban são duas das mais importantes formas de aprendizagem para o aluno com
deficiência visual. O sistema braille é utilizado mundialmente para leitura e escrita por pessoas cegas.
Foi inventado em 1825 por Louis Braille e representou um marco muito importante para a educação e
a inserção social das pessoas com deficiência visual.

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O sistema braille consiste em 64 símbolos formados a partir da combinação de até seis pontos,
dispostos em duas colunas com três pontos cada. Esses seis pontos formam a célula braille (ou cela
braille), que é numerada de cima para baixo, da seguinte forma: na coluna da esquerda, ficam os pontos
1, 2 e 3; na coluna da direita, os números 4, 5 e 6. A partir da combinação desses pontos, podem-se
obter algarismos, letras e sinais de pontuação. A leitura é realizada da esquerda para a direita, ao toque
de uma ou mais digitais ao mesmo tempo.

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Figura 70 - Célula braille

Figura 71 - Alfabeto braille

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O soroban é conhecido também como ábaco japonês e serve para a realização de cálculos matemáticos
(adição, subtração, multiplicação, divisão, raiz quadrada, raiz cúbica, cálculos decimais, entre outros).
A versão japonesa foi adaptada para os deficientes visuais de forma que as contas (bolinhas) não
deslizassem livremente pelas hastes e que os pontos de referência fossem em relevo.

O uso constante desse instrumento desenvolve a concentração, a atenção, a memória, o cálculo


mental e a coordenação motora fina. Atualmente, é considerado fundamental para o desenvolvimento
cognitivo e para a formação acadêmica e profissional.

Figura 72 - Soroban, instrumento para cálculos matemáticos

5.3.2 Classificação esportiva

Na maior parte das modalidades, os atletas com deficiência visual são classificados com base nas três
classes descritas a seguir. A avaliação é realizada sempre considerando o melhor olho ou ambos os olhos.

• B1: atletas com, no máximo, percepção luminosa.

• B2: atletas com campo visual de, no máximo, 5º e acuidade visual de, no máximo, 2/60.

• B3: atletas com campo visual entre 5º e 20º e acuidade visual entre 2/60 e 6/60.

5.4 Causas da deficiência visual

De uma forma geral, para o profissional de Educação Física, independentemente das causas, as
adaptações quanto ao material, ao espaço e à forma de fornecer as informações para o aprendizado
serão basicamente as mesmas. Entretanto, eventualmente, dependendo da lesão ocular, pode ser
necessário algum cuidado específico ou pode haver alguma contraindicação à atividade física (VAN
MUNSTER; ALMEIDA, 2013).

A deficiência visual pode ter causa congênita ou adquirida e pode ou não ser progressiva. A seguir
estão listadas as principais causas dessa deficiência.

• Albinismo: sensibilidade extrema à luz. É causado por deficiência na pigmentação da íris. Pode
apresentar nistagmo (curto e rápido movimento involuntário do globo ocular).
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• Ambliopia: diminuição da acuidade visual (estrabismo ou anisometropia).

• Astigmatismo: variações na curvatura da córnea, causando embaçamento e distorção da visão.

• Catarata: alteração na transparência do cristalino, tornando-o opaco e causando embaçamento.


É possível o implante de uma lente artificial na parte interna da estrutura capsular do cristalino
por meio de procedimento cirúrgico.

• Degeneração macular: perda da acuidade e aparecimento de um ponto cego central no campo visual.

• Descolamento de retina: separação das camadas que compõem essa estrutura, provocada por
doenças sistêmicas, inflamações, infecções ou choque mecânico.

• Diabetes: podem aparecer complicações após uma década do início da doença. Pode ocasionar
retinopatia, neurite óptica e paralisação dos músculos do olho.

• Estrabismo: olhos desalinhados, impedindo fusão da imagem e, portanto, prejudicando a


função binocular.

• Glaucoma: pressão intraocular aumentada que leva a uma diminuição do campo visual, deformação
da pupila e diminuição dos movimentos da íris.

• Hipermetropia: eixo óptico encurtado e dificuldade em focalizar objetos próximos.

• Miopia: eixo óptico alongado e dificuldade para enxergar a distância.

• Presbiopia: processo fisiológico do envelhecimento que causa a perda progressiva da capacidade


de acomodação do cristalino. Conhecida popularmente como vista cansada.

• Processos infecciosos durante a gestação: rubéola, sífilis, entre outras.

• Retinoblastoma: tipo de câncer que frequentemente leva à remoção do olho. Costuma-se usar
um globo ocular protético.

• Retinopatia da prematuridade: desordem caracterizada pela proliferação anormal dos vasos


sanguíneos da retina, causada pela alta concentração de oxigênio dentro das incubadoras,
podendo ocorrer sangramento e descolamento da retina.

• Traumatismos oculares: lesões traumáticas (mecânicas ou não mecânicas) que prejudicam


as estruturas oculares. A gravidade do trauma e as possíveis sequelas variam de acordo com a
extensão da lesão.

• Uveíte: inflamação da coroide que pode resultar em sequelas de diferentes gravidades.

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5.5 Características

5.5.1 Características físico-motoras

O desenvolvimento da criança com deficiência visual sofre algumas interferências importantes em


decorrência da privação visual. Como dito anteriormente, aproximadamente 80% dos estímulos que
recebemos são visuais, por isso a interação dessa criança com o mundo físico torna-se um processo
diferenciado. A visão também contribui para integrar as demais modalidades sensoriais e auxiliar na
compreensão das sensações que recebemos dos outros sentidos.

O contato com esse mundo físico acontece por meio dos sentidos, e a qualidade dessa percepção
está intimamente relacionada ao desenvolvimento das habilidades motoras, que favorecerá a interação
da criança com o ambiente à sua volta.

Segundo van Munster e Almeida (2013), a responsividade da criança com deficiência visual aos
estímulos auditivos e táteis, nos anos iniciais, dá-se em três níveis:

• Reação simples: ocorre logo nos primeiros dias de vida e permite inferir que a criança detecta o estímulo.

• Reação discriminativa: é observada nos primeiros meses de vida e permite inferir que a criança
diferencia os estímulos.

• Reações interativas: por depender de uma organização mais complexa, demoram um pouco mais
para se desenvolver, mas após alguns meses que a criança apresenta a reação discriminativa, já
ocorre uma interação com o estímulo, e ela busca se envolver ou evitar tal estímulo.

Considerando a importância dos estímulos nos primeiros anos de vida para o desenvolvimento global
da criança, fica claro que quanto antes forem estimulados os outros sentidos da criança com deficiência
visual, menor será o impacto da privação visual no seu desenvolvimento.

As habilidades de locomoção e manipulação são, sem dúvida, fundamentais para uma melhor
interação da criança com o ambiente. Entretanto, a habilidade de engatinhar ou andar não ocorre
pelo simples prazer na atividade, mas para alcançar algum objeto, pessoa ou um estímulo qualquer.
Dessa forma, fica claro que, se a criança não tiver um estímulo sonoro ou tátil, provavelmente o
desenvolvimento dessas habilidades de locomoção ocorrerá mais tardiamente em comparação com as
crianças sem a deficiência visual.

Aparentemente, crianças com visão subnormal tendem a apresentar mais facilidade na aquisição
das habilidades de locomoção porque, mesmo que apresentem apenas a percepção luminosa, este já é
um estímulo que auxilia na orientação, na posição da cabeça e do corpo no espaço. Da mesma forma, o
equilíbrio e a postura tendem a ser melhores nas pessoas com percepção luminosa, quando comparadas
às pessoas com cegueira total.

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Outro fato interessante é que pessoas com deficiência visual que tiveram algum período de visão
apresentam orientação espacial e lateralidade melhores do que as de pessoas com a deficiência congênita
(WARREN, 1994).

Algumas outras implicações na postura e na marcha podem também ser observadas. Normalmente
o aluno cego apresenta uma marcha lenta, com os pés arrastados e afastados e a passada mais curta.
Além disso, os ombros ficam retraídos, a cabeça baixa e os braços estáticos.

As pessoas com deficiência visual apresentam, ainda, maior risco de terem menor condicionamento
físico, força e velocidade, e isso se deve à falta de oportunidades de serem engajadas em um programa
de atividade física.

A deficiência não é, por si só, a responsável por eventuais atrasos no desenvolvimento físico e motor
da criança, e sim a falta de oportunidades e vivências proporcionadas a esta.

Observação

O encorajamento ou o receio que pessoas com deficiência visual


recebem dos familiares para a prática da atividade física e dos esportes
estão diretamente relacionados com a qualidade da oferta dessa atividade.

5.5.2 Características psicossociais

Especialmente as crianças que não recebem estímulos suficientes podem desenvolver os chamados
movimentos estereotipados (ou maneirismos). O termo abrange uma gama de atividades, como balanceio
ritmado do tronco e da cabeça, gestos repetitivos com as mãos, toque ou fricção em determinadas partes
do corpo, entre outras possibilidades. Aparentemente, esses movimentos surgem como uma necessidade
de autoestimulação.

Essas estereotipias, quando acontecem com frequência, devem ser motivo de atenção, pois podem
interferir negativamente na capacidade de atenção a eventos do ambiente, inibir as interações sociais,
além de gerar um empobrecimento das vivências pessoais.

Outro fator que pode dificultar o desenvolvimento psicossocial é o medo e a dependência que normalmente
surgem em decorrência da superproteção que os cegos experimentam desde muito cedo. Certamente, a postura
e a reação dos pais em relação à deficiência influenciam diretamente a autoestima e a aceitação social.

5.6 Atividade física

5.6.1 Estímulos para a aprendizagem do movimento

Na Educação Física, a demonstração e a instrução verbal são os meios mais utilizados para fornecer
informações ao aprendiz; entretanto, quando nos deparamos com um aluno com deficiência visual, é
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necessário repensar os estímulos que serão oferecidos a ele para que o processo de ensino-aprendizagem
possa ocorrer de forma efetiva. Normalmente, dividimos essas informações em quatro classes:

• Auditiva verbal: a descrição verbal do movimento ou de parte dele é realizada pelo professor.

• Auditiva não verbal ou sinalética: informações sonoras que facilitam a orientação (palmas, apitos,
sinos, entre outros).

• Tátil direta: o aluno é auxiliado pelo professor, que o tocará indicando-lhe a maneira de realizar
o movimento.

• Tátil indireta: o aluno busca informações ao acompanhar o movimento realizado pelo professor
ou por um colega, tocando-o durante o exercício.

A deficiência não afeta a capacidade de aprendizagem do aluno, mas, sim, como esse aluno irá
aprender. Justifica-se, assim, a importância dos estímulos corretos para proporcionar a aprendizagem.

Independentemente da experiência motora, um aluno com deficiência congênita assimilará um


movimento por meio do esquema sensório-proprioceptivo (memória de movimento); por outro lado,
um aluno com a deficiência adquirida provavelmente assimilará esse movimento pela imagem visual
(imagem do movimento), mesmo que não o tenha executado, mas somente visto a execução.

A partir disso, pode-se afirmar que as formas de ensino-aprendizagem baseadas na percepção tátil
devem ser incentivadas, pois dessa forma serão facilitadas, inclusive, a memorização e a assimilação
do movimento.

Como o aluno com deficiência congênita desconhece as possibilidades gestuais do próprio corpo, somente
por meio de diversas vivências articulares e musculares será possível a realização harmoniosa do movimento.

Quanto melhor for o feedback oferecido pelo professor, quanto mais precocemente forem
oportunizados os estímulos motores para o aluno e quanto maior a consciência do próprio corpo, mais
facilitada será a aprendizagem de novos movimentos.

A maior parte das instituições que trabalham em favor do desenvolvimento das pessoas com
deficiência visual costuma indicar ou oferecer os cursos de Orientação e Mobilidade. Chamamos de
orientação o aprendizado para obtenção de informações do ambiente e de mobilidade o controle de
movimentos de forma organizada e eficiente. Dessa forma, entende-se que a orientação e a mobilidade
são fundamentais para que o aluno com deficiência visual seja o mais autônomo e funcional possível.
Provavelmente, o aluno que recebeu os estímulos para a sua orientação e mobilidade deva ter mais
facilidade na aquisição de habilidades motoras.

Os fatores motivação e encorajamento são também primordiais para um bom resultado na aprendizagem.

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A participação desses alunos num programa de atividade física pode ser muito benéfica, e eles
podem alcançar um alto nível de desempenho nas atividades. Cabe ao profissional de Educação Física
realizar uma avaliação inicial completa, conhecer as possibilidades e dificuldades do aluno, bem como o
histórico sobre suas experiências motoras, e prescrever atividades seguras, motivadoras e que realmente
desenvolvam toda a potencialidade desse aluno.

5.6.2 Adaptações do ambiente

Para minimizar a insegurança para a locomoção e o risco de acidente experimentados pelos alunos
com deficiência visual, é fundamental que seja realizado um reconhecimento detalhado do espaço onde
será oferecida a atividade física. A coleta dessas informações ocorre de forma processual e analítica por
meio da exploração repetida do espaço físico.

Se o aluno for submetido a situações de risco ou desorientação, especialmente no início do programa,


sua motivação poderá ser comprometida, e a tendência é que ele perca a confiança no espaço e no
professor (GREGUOL, 2010).

O profissional de Educação Física deve detalhar e chamar a atenção para as referências mais importantes
para a orientação do aluno não só no ambiente específico da prática (quadra, piscina, sala de ginástica ou de
musculação), mas também nos locais de circulação (corredores, vestiários, lanchonetes, arquibancadas etc.). A
adaptação é muito importante para o desenvolvimento da autonomia do aluno nesse ambiente.

Alguns obstáculos são considerados sem importância para quem enxerga, mas podem significar
grande risco para o aluno com deficiência, por exemplo uma porta entreaberta; portas devem estar
sempre totalmente abertas ou fechadas para evitar acidentes.

Os materiais devem estar dispostos nos seus respectivos lugares, e não espalhados indevidamente
pelo ambiente.

As marcações em alto-relevo e antiderrapantes podem ser utilizadas nos locais de maior risco, como
escadas e corredores. Além disso, as cores contrastantes e a entrada de luminosidade em alguns pontos
(janelas e portas) também auxiliam na orientação de alunos com baixa visão.

Os estímulos olfativos (presença de uma lanchonete ou cheiro de cloro de piscina) e auditivos (som
da sala de ginástica, música ambiente da recepção ou som da sala de musculação) também contribuem
para melhorar a orientação e a mobilidade.

No caso de aulas de natação ou hidroginástica, as bordas, as raias, as escadas e as barras laterais


podem servir como pistas de orientação. No caso de piscinas com profundidades diferentes, deve-se
fazer uma marcação para que o aluno conheça a profundidade em cada local.

Para as atividades em quadra, as linhas podem ser demarcadas com barbante e fita adesiva para
facilitar o entendimento do espaço por parte do aluno. Aliás, em qualquer ambiente que se deseje uma
demarcação, o uso do barbante e da fita adesiva é muito útil.
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Ainda em relação ao espaço, deve ser lembrado que ambientes com som muito alto ou muitas
pessoas falando podem interferir negativamente na compreensão do aluno, além de fazer com que ele
se sinta desorientado.

5.6.3 Adaptações dos materiais

As adaptações para um aluno com baixa visão são diferentes das adaptações para uma criança
totalmente cega.

O estímulo sonoro é indispensável para o aluno cego; por isso, bolas com guizos dentro são
extremamente úteis para esse aluno. Uma forma de adaptação é envolver uma bola comum dentro
de um saco plástico ou papel celofane e fita adesiva, que, ao rolar, também emitirá som. Nas cordas,
pode-se também prender alguns guizos para que, ao ser movimentada ou tocar o chão, emita sinal
audível. A criatividade do professor é fundamental para um melhor aproveitamento do aluno.

As adaptações necessárias ao aluno com baixa visão referem-se basicamente aos materiais com
cores contrastantes, brilhantes ou que emitem luminosidade. Dessa forma, inclusive, é possível estimular
o uso da visão funcional.

5.6.4 Considerações sobre a atividade física

A natação é considerada um importante meio para o desenvolvimento e para a aprendizagem


motora de crianças com deficiência visual. Entre os inúmeros benefícios, podem ser citados: a melhora
do equilíbrio estático e dinâmico, o desenvolvimento da orientação espacial, o ritmo e a coordenação,
além do fato de que a imersão do corpo na água potencializa os aspectos sinestésicos, devido à maior
resistência da água em relação à resistência do ar; portanto, facilita a percepção do corpo no espaço,
favorecendo a aprendizagem motora.

Nas fases iniciais de aprendizagem, para que o aluno não se sinta desorientado na piscina, é
importante que o professor esteja dentro da água e utilize abundantemente as informações táteis
associadas às informações verbais.

Figura 73 - Professora auxiliando aluna com deficiência visual por meio do estímulo tátil

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A estratégia do modelo do relógio também é bastante útil para orientar o aluno dentro da água,
mesmo sem tocá-lo. Inicialmente, o profissional de Educação Física deve ensinar ao aluno, por meio
de informações táteis, o funcionamento dos ponteiros das horas do relógio, em seguida pode utilizar
essas horas como referenciais, por exemplo, solicitando que ele se movimente a 3 horas ou dê algumas
braçadas a 9 horas e assim por diante.

É importante ressaltar que uma das maiores dificuldades que o aluno cego encontra é a de nadar em
linha reta, por isso é fundamental que, antes de iniciar o nado, ele esteja posicionado corretamente e
com o corpo alinhado. Uma forma de auxiliá-lo é solicitar que ele una as mãos com os braços estendidos
à frente do corpo, e, de acordo com a necessidade de alinhamento corporal, o professor solicita que ele
aponte à esquerda ou à direita, até obter a posição desejada.

As bordas e as raias também podem ser utilizadas como referência e auxiliam para um nado
mais alinhado.

Figura 74 - Aluno com deficiência visual utilizando estratégia de orientação

Ainda em relação às atividades aquáticas, o professor deve lembrar que, quando está com a
cabeça submersa, o aluno deixa de receber as informações auditivas, o que dificulta ainda mais
a orientação dele.

Greguol (2010) sugere que, para as viradas, são recomendados alguns implementos de segurança,
como o acolchoamento nas bordas e cordas elásticas próximas ao nível da água, para que o aluno tenha
a informação de que a borda está próxima, propiciando assim mais segurança.

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Figura 75 - Uso da corda elástica para informar o aluno sobre a proximidade da borda

Além das atividades no meio líquido, outras, como musculação, ginástica, recreação, esportes e
atividades rítmicas, de uma maneira geral, podem ser adaptadas para o aluno com deficiência visual.

Para o ensino das corridas, é comum a utilização de cordas elásticas fixadas de ponto a ponto com uma
argola pendurada ou um pedaço de cano de plástico (com a corda passada por dentro) para que o aluno
segure e corra em linha reta. A corda estendida auxilia na orientação da corrida, e a argola ou o pedaço de
cano evita que o aluno machuque a mão devido ao atrito na corda.

Figura 76 - Jovem com deficiência visual realizando corrida com a orientação da corda elástica

Atividades no trampolim têm sido muito utilizadas especialmente na melhora do equilíbrio e no


controle corporal, além de propiciarem benefícios no desenvolvimento emocional, como coragem,
autoconfiança e poder de decisão.

As atividades rítmicas são bastante motivadoras e auxiliam no desenvolvimento de equilíbrio,


coordenação, lateralidade, noção espaçotemporal, noção corporal e ritmo.

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Os exercícios realizados na musculação devem ser orientados para o aluno manter uma postura
adequada e na correta execução dos movimentos. Os exercícios de resistência e força muscular são
muito importantes para a melhora da aptidão física geral desses alunos.

Lembrete

A informação tátil estimula a propriocepção e a sinestesia, facilitando a


aprendizagem do movimento.

5.6.5 Orientações gerais

Veja, a seguir, as orientações gerais para as práticas:

• realizar uma avaliação para verificar o nível de desempenho motor do aluno, a presença de visão
residual e a relação do aluno com a luminosidade (se ela auxilia ou atrapalha);

• estimular a autonomia do aluno sempre que possível;

• usar formações em roda para dar orientações propicia a sensação de segurança ao aluno;

• especialmente nos estágios iniciais de aprendizagem, as informações táteis e sinestésicas são


muito importantes;

• substituir pistas visuais por informações sonoras variadas (verbais e sinaléticas). As informações
verbais devem ser claras e objetivas;

• não mudar de lugar enquanto fornece as instruções, pois o aluno pode se sentir desorientado;

• utilizar informações táteis, estimulando o aluno a sentir o seu próprio corpo e o corpo do professor
na realização dos movimentos;

• não chegar ou sair de perto do aluno sem avisar;

• saber o nome dos alunos para facilitar a comunicação;

• realizar a atividade em ambientes calmos e silenciosos, sem muitas interferências externas;

• alunos com albinismo podem preferir trabalhar longe das janelas e dentro de ginásios, por terem
uma sensibilidade acentuada à luminosidade;

• apresentar ao aluno o seu ambiente de aula, conhecer todos os espaços existentes, percursos,
inclinações no terreno e diferenças de piso;

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• atenção aos obstáculos que possam causar acidentes, se possível, eliminá-los;

• fazer com que todos os alunos conheçam as regras de segurança durante as aulas, especialmente
na aula inclusiva;

• para os alunos com baixa visão ou percepção luminosa, pode haver alguma restrição para a
preservação da visão remanescente;

• alunos com descolamento de retina devem evitar os movimentos bruscos de balanço da cabeça e
esportes de contato; já para alunos com glaucoma, devem ser evitadas as atividades em posições
de apoio invertido, pois podem aumentar a pressão intraocular. Para os dois casos, deve-se ainda
evitar natação em profundidade e mergulhos, bem como atividades de força de alta intensidade;

• ao guiar uma pessoa com deficiência visual, não a segure pelo braço, pois isso traz sensação
de insegurança e desconforto. Ofereça o seu braço semiflexionado para que o cego segure em
você. Dessa forma, ele perceberá mais facilmente as mudanças de direção. Ainda assim, faça as
descrições do percurso que julgar necessárias para a segurança do aluno (por exemplo, se irão
subir ou descer um degrau). Na escada, ofereça-lhe o corrimão e, quando for passar por algum
espaço estreito, como uma porta, posicione o braço para trás do seu corpo; a pessoa cega irá
posicionar-se atrás de você, para que ela não bata no batente da porta.

Lembrete

O incentivo e a oportunidade à prática de atividades físicas são


fundamentais, pois além de auxiliarem num estilo de vida mais saudável,
favorecem o desenvolvimento global da pessoa com deficiência visual.

Saiba mais

O documentário a seguir pode proporcionar uma reflexão a respeito da


deficiência visual e suas possibilidades:

Janela da alma. Dir. João Jardim e Walter Carvalho, 2001. 73 minutos.

6 DEFICIÊNCIA AUDITIVA

Na Antiguidade, acreditava-se que os surdos não tivessem capacidade inteligível, isso porque se
dizia que sem a fala não se desenvolvia o pensamento. Aristóteles dizia que a linguagem era o que dava
a condição de humano a um indivíduo, e portanto os surdos não eram considerados seres humanos
competentes (BELTRAMI; MOURA, 2015).

96
EDUCAÇÃO FÍSICA ADAPTADA

Na Idade Média, a igreja católica acreditava que os surdos não tivessem alma, não pudessem ser
considerados imortais nem falar em sacramento. Em muitos países, eles eram jogados ao mar, ou do alto
de rochedos, ou, ainda, eram rejeitados e abandonados em praça pública. Durante o período colonial,
algumas famílias tinham vergonha de ter gerado um filho fora dos padrões de normalidade impostos
pela sociedade e por isso os confinavam dentro de casa (LACERDA, 1998).

Em 1856, D. Pedro II fundou o Instituto de Surdos no Rio de Janeiro, que, em 1957, passou a ser
chamado de Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), nome utilizado até hoje. Considerado um
dos centros de referência na área de surdez, atualmente é um órgão do Ministério da Educação.

Dados do Censo 2010 apontam para um crescimento do número de pessoas com deficiência auditiva.
Hoje, são aproximadamente 10 milhões de pessoas com surdez total ou parcial no Brasil (BRASIL, 2016).

Figura 77 - Símbolo internacional da surdez

6.1 Conceitos

O sistema auditivo está em funcionamento desde o segundo trimestre de gestação, permitindo ao


bebê captar os sons do interior do corpo materno e os sons do ambiente antes mesmo do nascimento.
Essa experiência sonora é que permite ao bebê reconhecer e se acalmar com a voz da mãe desde o
nascimento (CARDOSO, 2013).

Com o desenvolvimento da percepção visual por volta dos três meses de vida e com a maturação da
audição, um processo de integração entre as modalidades sensoriais é iniciado; esse é o ponto de partida
para o processo de formação do conceito dos objetos, o qual é crucial para o aprendizado.

Quando a criança é impossibilitada de estabelecer naturalmente uma relação de comunicação com o


mundo ouvinte, a perda auditiva acarreta danos para o desenvolvimento global da criança. A deficiência
auditiva (ou surdez) é a perda total ou parcial da capacidade de conduzir e/ou perceber os sinais sonoros.
Essa perda interfere na recepção e na produção da linguagem.
97
Unidade II

Observação

A expressão surdo-mudo é incorreta para se referir à pessoa com


deficiência auditiva. Quando a pessoa não ouve, geralmente também não
fala, pelo fato de não reproduzir um som que não conhece; ainda assim,
quando há resquício de audição, é muito comum o surdo ser oralizado.

O desenvolvimento global do indivíduo pode sofrer interferência pela presença da deficiência


auditiva. Essa interferência pode ocorrer de maneira bastante variável e geralmente está intimamente
ligada aos estímulos proporcionados no decorrer da vida e nas possibilidades de experimentação e
vivências oferecidas a ele.

6.2 Estruturas do ouvido e funções auditivas

A classificação da deficiência auditiva é realizada sob vários aspectos; entre eles são utilizadas algumas
referências anatômicas, e por esse motivo é importante entendermos como funciona o órgão da audição.

6.2.1 Anatomia do ouvido


Canais
Martelo semicirculares
Bigorna Estribo
Janela
circular Nervo
Orelha auditivo

Cóclea
Canal
auditivo
Trompa de
Eustáquio

Tímpano
Lóbulo da
orelha

Figura 78 - Principais estruturas do ouvido humano

O ouvido é dividido em três partes, e para cada uma delas existem estruturas responsáveis por
funções específicas. Veja a seguir.

• Ouvido externo:

– Orelha (ou pavilhão auricular): tem a função de captar o som.

98
EDUCAÇÃO FÍSICA ADAPTADA

– Canal auditivo (ou meato acústico): tem a função de produzir cera e proteger as estruturas
internas de impurezas.

– Tímpano: tem a função de transmitir as vibrações sonoras para o ouvido médio.

• Ouvido médio: é uma cavidade cheia de ar.

– Martelo, bigorna e estribo: são os três menores ossos do corpo humano e têm a função de
transmitir as vibrações sonoras para o ouvido interno.

• Ouvido interno

– Cóclea: é um canal em forma de espiral, cheio de líquido e responsável por transformar as


vibrações sonoras em estímulos elétricos para que possam ser conduzidos adequadamente
pelo nervo auditivo ao cérebro.

– Aparelho vestibular: são três canais semicirculares cheios de líquidos, dispostos em três
posições (anterior, posterior e lateral), representando os três planos do espaço. É responsável
por detectar a posição da cabeça em relação ao corpo e ao espaço, contribuindo assim para a
manutenção e para o controle do equilíbrio.

– Nervo auditivo: responsável por conduzir os estímulos auditivos ao cérebro.

O ouvido humano é capaz de perceber vibrações a uma frequência de 20 a 20.000 hertz e a uma
intensidade de 0 a 120 decibéis. Quando os sons estão acima de 5.000 hertz e de 130 decibéis, geralmente
são desagradáveis e geram dor.

6.2.2 Funções da audição

Além da função principal de receber e interpretar os sons, a audição apresenta funções secundárias.

Uma delas é o estado de alerta, que diz respeito à capacidade do ser humano de ouvir num campo
de 360º, ou seja, o indivíduo não precisa estar de frente para à fonte sonora para ter a capacidade de
ouvi-la. Para a pessoa com deficiência auditiva, todas essas informações estão perdidas, e esse fato
poderia, inclusive, gerar algumas situações de perigo, por não ouvir, por exemplo, o som de uma buzina
ou de um alarme.

Outra função é a avaliação de distâncias. Ao ouvir um estímulo sonoro, é possível estimar a distância
e a direção aproximadas da fonte. A pessoa surda, portanto, apresenta um prejuízo nessa avaliação de
distâncias e de direção baseada no estímulo sonoro.

99
Unidade II

6.3 Classificação da deficiência auditiva

A classificação da deficiência auditiva pode ser realizada sob três aspectos, de acordo com:

• a perda auditiva;

• o local da lesão;

• o momento de ocorrência da deficiência.

6.3.1 De acordo com a perda auditiva

A perda auditiva é avaliada por meio de exames audiométricos que verificam o nível de audição
medidos em decibéis (dB). A partir dessa avaliação, a deficiência auditiva pode ser classificada de acordo
com a sua intensidade.

Existem diversos sistemas de classificação de surdez; entretanto, o mais utilizado é o seguinte


(CFF, 2013):

• Leve: 26 a 40 dB (dificuldade com fala fraca ou distante).

• Moderada: 41 a 55 dB (dificuldade em ouvir a fala durante uma conversa).

• Acentuada (ou moderadamente severa): 56 a 70 dB (dificuldade para ouvir a fala durante uma
conversação em grupo).

• Severa: 71 a 90 dB (entende apenas a fala amplificada).

• Profunda: maior ou igual a 91 dB (normalmente não entende nem a fala amplificada, depende da
leitura labial).

• Anacusia: perda total.

Normalmente, surdos com perda auditiva leve apresentam dificuldade parcial na percepção da palavra,
surdos com deficiência moderada ou acentuada conseguem compreender as palavras somente num tom de
voz muito alto, surdos com perda auditiva severa precisarão de métodos alternativos para compreender a
palavra e surdos com perda auditiva acima de 90 decibéis não são capazes de perceber a voz.

6.3.2 De acordo com o local da lesão

A seguir, os tipos de surdez que podem ocorrer de acordo com o local da lesão:

• Surdez condutiva: ocorre quando a deficiência surge em decorrência de uma lesão no ouvido
externo ou médio e, portanto, ocorre um distúrbio na capacidade de condução e amplificação do
100
EDUCAÇÃO FÍSICA ADAPTADA

estímulo sonoro. Nesse tipo de surdez, é comum um dano maior para os sons graves e alguma
preservação dos sons agudos. Além disso, o uso de aparelhos auditivos pode ser indicado e
acarretará grandes benefícios.

• Surdez neurossensorial (ou sensorioneural): ocorre quando a deficiência surge em decorrência de


uma lesão no ouvido interno. Nesse caso, ocorre a transmissão da informação sonora normalmente,
mas há um prejuízo na qualidade do som por danos nas estruturas do ouvido interno ou do nervo
auditivo. Geralmente o dano maior se dá para sons agudos, e há alguma preservação dos sons
graves. O uso do aparelho auditivo nem sempre é indicado, pois como o prejuízo não ocorre na
condução e na amplificação do som, possivelmente não trará benefícios. Nesse tipo de deficiência
auditiva, ainda pode haver uma dificuldade no controle do equilíbrio, já que no ouvido interno
está localizado o aparelho vestibular.

• Surdez mista: ocorre quando há surdez condutiva e neurossensorial simultaneamente.

• Surdez central: não há lesão nas estruturas do ouvido, mas um dano no sistema nervoso central.
Ocorre um distúrbio de processamento auditivo central, mecanismo que permite a utilização
do som como meio de informação; dessa forma, o sistema nervoso não é capaz de processar e
compreender as informações vindas do ouvido interno. É o tipo de surdez mais raro.

6.3.3 De acordo com a época em que ocorreu a surdez

A seguir, os tipos de surdez de acordo com a época de ocorrência:

• Surdez pré-lingual: ocorre quando a surdez surge antes do período de aquisição da linguagem
(pode ser, portanto, pré-natal, natal ou pós-natal). A criança, por não ter memória verbal,
apresentará maior dificuldade no desenvolvimento da linguagem; além disso, é comum que ela
apresente dificuldade na formação de conceitos. Os estímulos baseados em informações visuais e
sinestésicas são fundamentais para minimizar essa defasagem.

• Surdez pós-lingual: ocorre quando a surdez surge após o período de aquisição da linguagem; dessa
forma, a compreensão das informações e a formação dos significados ocorrem mais facilmente.

6.4 Causas da deficiência auditiva

A deficiência auditiva pode ter causa congênita ou adquirida. Infelizmente, nem sempre é possível
saber a causa exata de uma perda auditiva.

As deficiências que ocorrem no período pré-natal podem ser causadas por má-formação em
decorrência de síndromes genéticas, medicamentos ototóxicos ingeridos pela mãe, infecções maternas
transmitidas à criança, como sífilis, rubéola, toxoplasmose e citomegalovírus, distúrbios metabólicos e
ingestão excessiva de álcool antes e no decorrer da gestação.

101
Unidade II

As deficiências do período natal (ou perinatal) ocorrem no momento do nascimento e podem ser
causadas por anóxia, traumatismo no parto, prematuridade ou infecções adquiridas no canal vaginal,
como o herpes.

Entre as causas pós-natais mais comuns estão o uso de medicamentos ototóxicos, as infecções
(bacterianas ou virais) e a exposição excessiva a ruídos.

Quanto mais precocemente for realizado o diagnóstico da deficiência auditiva e quanto antes ocorrer
a intervenção adequada, melhor será o desenvolvimento da criança.

Desde 2010, o teste da orelhinha é obrigatório em todas as maternidades do País, sendo possível o
diagnóstico da surdez já no recém-nascido. Entretanto, mesmo quando não é diagnosticada a deficiência
nos primeiros dias de vida do bebê, alguns sinais posteriores podem auxiliar no diagnóstico. A ausência de
reações a sons altos ou durante brincadeiras infantis, a demora na aquisição da linguagem, a dificuldade
de concentração e a desatenção podem fornecer algum indício de deficiência auditiva. Em algumas
situações, pais e educadores atribuem à criança uma dificuldade de aprendizagem por comprometimento
cognitivo, quando, na realidade, toda a dificuldade da criança surge pelo comprometimento auditivo.

6.5 Características

A princípio, a deficiência auditiva não aparenta causar comprometimentos no desenvolvimento do


indivíduo, entretanto o impacto da perda da capacidade auditiva pode trazer inúmeros prejuízos ao
desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo e social caso não sejam oferecidos os estímulos apropriados
a essa condição.

6.5.1 Características físico-motoras

Em alunos com surdez neurossensorial (lesão na orelha interna), é comum perceber distúrbios em
capacidades físicas como equilíbrio, tanto estático como dinâmico, ritmo, coordenação e noção espacial.
Alguns alunos, inclusive, podem apresentar a marcha com os pés mais afastados e arrastados para evitar
possíveis oscilações e desequilíbrio corporal. Uma boa coordenação motora está intimamente ligada ao
equilíbrio; além disso, um equilíbrio prejudicado traz consequências à construção do esquema corporal,
pois pode ocorrer a perda da consciência de certas partes do corpo.

Durante a execução de um movimento, quanto pior o equilíbrio, menor a eficiência e maior o gasto
energético para a realização deste. Isso pode resultar em consequências psicológicas, como ansiedade e
insegurança, fatores estes que podem inibir a prática de atividades físicas e esportivas.

O atraso no desenvolvimento motor de crianças e adolescentes com surdez neurossensorial


provavelmente seja causado pelo prejuízo tanto na quantidade como na qualidade das informações
recebidas do aparelho vestibular, dificultando as relações com o ambiente, por exemplo, na noção
espaçotemporal. Isso não significa que o aluno surdo sempre apresentará essas dificuldades, mas que, se
for oportunizado um programa adequado de atividade física precocemente, todas essas características
podem ser atenuadas.
102
EDUCAÇÃO FÍSICA ADAPTADA

Normalmente, alunos com deficiência parcial possuem o desenvolvimento motor mais adequado à
faixa etária do que aqueles com deficiência total. Outra característica interessante é que a ausência da fala,
observada em grande parte dos alunos surdos, tem como consequência um desenvolvimento respiratório
diferenciado, que acarreta uma respiração menos ampla e com uma frequência mais acelerada.

É importante ressaltar que a falta de oportunidade para as vivências e experiências motoras é muito
mais relevante para qualquer atraso no desenvolvimento do que a deficiência em si. Normalmente,
essa falta de oportunidade se dá por isolamento social, superproteção familiar e desinformação sobre a
importância dos estímulos para um bom desenvolvimento global desse aluno.

Não existe uma fórmula mágica para que esse problema seja resolvido, mas, certamente, a divulgação
das informações sobre a importância da prática de atividade física e de estímulos adequados a essa
população diminuiria bastante a distância que ainda existe entre as pessoas com deficiência auditiva e
as oportunidades de vivenciar práticas corporais, aumentar o acervo motor e ampliar o convívio social.

6.5.2 Características psicossociais

As pessoas com deficiência auditiva normalmente têm dificuldades para se adaptar a um ambiente
novo, e isso acaba gerando ansiedade e impaciência, principalmente quando não conseguem se fazer
entender. Em função disso, algumas preferem o isolamento e demonstram até uma imaturidade no
desenvolvimento social.

É muito comum que eles se relacionem quase exclusivamente com outras pessoas surdas, especialmente
na chamada comunidade surda. Essa comunidade envolve pessoas com deficiência auditiva e ouvintes, que
apresentam experiências, valores comuns e uma forma comum de se comunicar entre si. Para a aceitação
na comunidade surda, a principal exigência é o conhecimento da língua de sinais. Além disso, todos os
participantes defendem ativamente os objetivos e os direitos da comunidade surda.

Durante a prática de atividade física, o aluno surdo pode apresentar dificuldade de concentração e
falta de atenção no momento da execução das habilidades solicitadas. Isso ocorre porque a principal
fonte de alerta é a audição, e, na ausência desta, a visão torna-se essa fonte, assim o aluno explora
constantemente o ambiente ao seu redor para verificar qualquer alteração. Para minimizar essa
problemática, o ambiente deve ser estável e seguro.

Em algumas situações, o aluno pode demonstrar impaciência por não conseguir realizar a atividade
proposta pelo professor. Cabe ao professor incentivá-lo sempre que necessário. O profissional de Educação
Física não deve se mostrar impaciente diante da dificuldade do aluno para não gerar desmotivação
e abandono das práticas. A postura do profissional é fundamental para diminuir toda e qualquer
dificuldade nas aulas. Caso o professor conheça a Língua Brasileira de Sinais (Libras), a comunicação
certamente será facilitada, e qualquer barreira de compreensão deixará de existir.

Em 2002, a Libras foi reconhecida oficialmente como meio legal de comunicação e expressão. Como
qualquer outra língua, possui gramática, semântica, características próprias e modifica-se de acordo
com as tendências culturais e tecnológicas.
103
Unidade II

Figura 79 - Alfabeto em Libras

A Libras não é universal, e em um país grande como o Brasil, é comum existirem diferenças regionais
e até mesmo gírias próprias de cada região ou Estado.

O estímulo à aprendizagem da leitura labial é uma forma de minimizar o isolamento social e as


dificuldades de comunicação, o que poderia favorecer todo o processo de aprendizagem e de inclusão.

Apesar de ainda não haver um consenso, atualmente, costuma-se priorizar as formas de comunicação
que potencializam as capacidades acadêmicas, sociais e profissionais da pessoa surda. Em outras palavras,
o aluno surdo, sempre que necessário, deve fazer uso da Libras, da leitura labial, da escrita ou da fala
propriamente dita. O mais importante é que ocorra a comunicação de forma que possibilite a inclusão
desse aluno em todos os âmbitos da sociedade.

6.6 Atividade física

De todas as deficiências explanadas neste livro, a deficiência auditiva é a que menos apresenta
restrições quanto ao tipo de atividade física ou esporte. A única adaptação refere-se à comunicação;
entretanto, apesar de ser apenas esta, ela é fundamental para a participação efetiva e para a adesão dos
alunos surdos ao programa de atividade física e esporte.

Para facilitar a compreensão do aluno surdo, é interessante potencializar as informações visuais,


como utilizar as demonstrações abundantemente, os vídeos legendados, articular bem as palavras e
reforçar o uso das expressões corporais e faciais.

104
EDUCAÇÃO FÍSICA ADAPTADA

Como ocorre dificuldade na formação e na abstração dos conceitos, por não haver memória verbal,
para os alunos com surdez pré-lingual a informação visual é muito importante para que os conceitos
sejam compreendidos e memorizados. A compreensão das regras de um jogo, por exemplo, será facilitada
por meio de uma demonstração prática ou de uma informação visual.

Independentemente da atividade física ou esportiva escolhida pelo aluno, é sempre importante que
o profissional de Educação Física realize uma avaliação inicial para identificar as possíveis dificuldades
relacionadas a equilíbrio, coordenação, ritmo ou qualquer outra capacidade.

Para alunos com surdez neurossensorial, o desenvolvimento e a melhora do equilíbrio devem ser
prioridades em um programa de exercícios. É uma capacidade possível de ser aperfeiçoada por meio de
práticas que envolvam o equilíbrio corporal. Apesar da alteração do controle vestibular, é possível que a
dinâmica corporal desse aluno se adapte às informações enviadas especialmente pela visão e pelo sistema
proprioceptivo e propicie um ajustamento do equilíbrio postural aos padrões considerados normais.

Segundo Azevedo e Samelli (2009), essas estratégias posturais são decorrentes da neuroplasticidade,
que possibilita que as funções vestibulares afetadas possam ser compensadas por outros sentidos,
atingindo um desenvolvimento de equilíbrio satisfatório.

As atividades aquáticas requerem alguns cuidados específicos, por exemplo, a retirada dos aparelhos
auditivos e o uso de tampões. Normalmente, em caso de lesão timpânica, a natação é vista com ressalvas
pelos médicos, pois pode gerar otites frequentes e comprometer ainda mais a capacidade auditiva. Por
outro lado, as atividades aquáticas são uma excelente forma de melhorar a capacidade respiratória e a
função ventilatória.

Os exercícios de resistência e força muscular contribuem para uma melhora da postura e da marcha,
além de colaborar para o desenvolvimento do esquema corporal.

As atividades rítmicas são extremamente enriquecedoras, pois desenvolvem a noção de ritmo,


equilíbrio e coordenação. Para um melhor aproveitamento dessas atividades, o ideal é que sejam
realizadas sobre um piso de madeira e com as caixas acústicas viradas para o piso; dessa forma, será
possível ao aluno surdo sentir a vibração e efetivamente participar da atividade proposta, explorando
todo o potencial corporal por meio de uma relação real com a música.

6.6.1 Orientações gerais

A seguir, as orientações gerais para o professor durante as atividades físicas:

• caso o aluno utilize aparelho auditivo, é necessário dar atenção especial a modalidades ou atividades
físicas que envolvam contato direto na região da cabeça para que não ocorram lesões;

• grande parte dos alunos utiliza-se da leitura labial para auxiliar a comunicação; dessa forma, o
professor deve manter-se de frente para o aluno durante as explicações;

105
Unidade II

• utilizar-se de todos os recursos possíveis para comunicar-se com o aluno, procurando certificar-se
que ele compreendeu a mensagem;

• apesar de não ser indispensável o domínio de Libras, ter conhecimento do alfabeto e de alguns
sinais fundamentais facilita muito a comunicação e agiliza os procedimentos de uma aula;

• no início da aula, todas as regras da atividade devem ser explicadas e combinadas; durante a aula,
as mudanças devem ser evitadas para não causar confusão entre os alunos;

• o professor não deve demonstrar impaciência ao não entender o que o aluno diz: deve buscar
outros meios para compreendê-lo. Quando o aluno percebe a impaciência do professor, geralmente
fica inibido e deixa de expor as suas dúvidas;

• alguns alunos com deficiência possuem uma capacidade auditiva residual; é importante que o
ambiente da aula não tenha ruídos excessivos para que essa audição residual possa ser estimulada;

• não é indicado excluir as informações auditivas em uma aula para alunos com deficiência, apenas
acrescentar as informações visuais;

• o uso de cartões coloridos e bandeiras pode facilitar a comunicação durante a aula, desde que o
significado deles seja explicado previamente;

• não é indicado fornecer uma instrução verbal durante a demonstração, pois será mais difícil o
aluno manter a atenção nos dois tipos de instrução. Forneça uma informação de cada vez;

• quando o professor quiser falar com um aluno que não esteja em frente a ele, deverá tocar em
seu ombro levemente ou acenar para indicar que precisa transmitir alguma informação;

• para que o aluno faça a leitura labial, articule bem as palavras (não é necessário articular
exageradamente) e fale em uma velocidade normal;

• durante a explicação ou conversa com o aluno, o professor deve manter o olhar nele, pois, ao
desviar o olhar, provavelmente o aluno entenderá que a fala terminou;

• como as informações visuais são primordiais, é aconselhado que o profissional de Educação Física
esteja em um local claro para que possa ser visto com clareza;

• caso exista um intérprete de Libras, o professor deve sempre olhar e dirigir-se ao aluno, e não ao
intérprete; além disso, preferencialmente, o intérprete deve estar posicionado ao lado do professor;

• quando possível, as turmas devem ser reduzidas para facilitar o atendimento às dúvidas individuais;

• mesmo em grupos pequenos, as interações entre os alunos (com ou sem a deficiência) devem ser
estimuladas, minimizando o isolamento social geralmente observado entre os surdos;
106
EDUCAÇÃO FÍSICA ADAPTADA

• quando os demais alunos e especialmente o professor demonstram que o aluno surdo é bem-vindo e
conseguem manter a motivação durante a participação nas atividades, naturalmente essa interação
é facilitada.

Como dito anteriormente, as adaptações realizadas para a prática de atividade física e esporte para
pessoas com deficiência auditiva são relacionadas às questões de comunicação. Ainda assim, apesar de
serem poucas adaptações, elas são fundamentais, pois, caso não haja a possibilidade de comunicação
entre o professor e o aluno ou entre o árbitro ou técnico e o atleta, não há motivação à permanência na
atividade e não são colhidos os benefícios que a prática esportiva pode proporcionar.

6.7 Surdo-cegueira

6.7.1 Conceitos

A surdo-cegueira é uma deficiência caracterizada por danos em dois sentidos, audição e visão,
simultaneamente. Entretanto, não é simplesmente a soma das deficiências visual e auditiva, mas é
considerada uma deficiência única que normalmente causa grande dificuldade no alcance de objetivos
educacionais, vocacionais, de lazer e sociais.

6.7.2 Classificação da surdo-cegueira

A classificação é realizada de acordo com a perda auditiva e visual e de acordo com a época em que
surgiu a deficiência.

De acordo com a perda auditiva e visual:

• surdo-cegueira total (ocorre na menor parte dos casos);

• surdez profunda com resíduo visual;

• surdez moderada ou leve com cegueira;

• surdez moderada com resíduo visual.

De acordo com a época em que surgiu a deficiência:

• Pré-lingual: a pessoa nasce com a deficiência ou adquire antes da aquisição da linguagem.

• Pós-lingual: a pessoa já tem uma deficiência sensorial e adquire a outra após a aquisição de uma
língua (português ou libras) ou não apresenta nenhuma deficiência e adquire a surdo-cegueira
após a aquisição da linguagem.

107
Unidade II

6.7.3 Causas da surdo-cegueira

As causas da surdo-cegueira são variadas, podendo ser pré-natal, perinatal ou pós-natal. Entre
as principais causas estão: rubéola congênita, toxoplasmose, meningite, prematuridade e síndromes
genéticas, como a síndrome de Usher e síndrome de Charge.

6.7.4 Características da surdo-cegueira

Ausência ou diminuição dos estímulos visuais e auditivos comprometem a relação da pessoa com
surdo-cegueira com o mundo à sua volta. Consequentemente, os processos de aprendizagem precisam
ser altamente adaptados para que se obtenha algum resultado.

A privação da visão e da audição normalmente resultam em um menor interesse na exploração do


ambiente, proporcional a essa privação. A ausência parcial ou total desses estímulos pode gerar, ainda,
movimentos estereotipados das mãos e do corpo, além de balanceios do tronco.

Como a aprendizagem por imitação, ou aprendizagem incidental, não ocorre nessa situação, tudo
precisa ser ensinado à pessoa surdo-cega (MARTINS; IVANOV, 2009).

É comum esse aluno apresentar dificuldade de locomoção e atraso no desenvolvimento


neuropsicomotor.

A falta da percepção dos sentidos da visão e da audição faz com que a pessoa não saiba o que
vai acontecer à sua volta; isso significa que ela tem muita dificuldade de antecipar os fatos, e essa
sensação gera insegurança e ansiedade (MARTINS; IVANOV, 2009). Muitas vezes, essas características
são refletidas por meio de resistência ao toque, autoagressão e dificuldade na interação social.

6.7.5 Comunicação na surdo-cegueira

Como a surdo-cegueira é uma forma de deficiência com defasagens muito específicas, normalmente
exige soluções especiais.

É possível adquirir ou reestabelecer a comunicação por meio de técnicas específicas. As mais


utilizadas são:

• Libras tátil: refere-se à Libras adaptada à condição da surdo-cegueira. A pessoa surdo-cega


mantém as mãos sobre as mãos do interlocutor; dessa forma, consegue perceber a configuração,
os movimentos e a orientação das mãos. É indispensável que ambos saibam Libras. Costuma ser
utilizada por pessoas surdas que também adquiriram a deficiência visual.

• Alfabeto manual: normalmente, cada letra é representada nas diferentes posições dos dedos e da
mão; o interlocutor toca os pontos, como se estivesse digitando.

108
EDUCAÇÃO FÍSICA ADAPTADA

• Tadoma: é também conhecido como método da vibração, pois a pessoa surdo-cega, pelo tato,
compreende a fala do seu interlocutor. A mão deve ser posicionada de forma que o polegar
encoste no lábio inferior para perceber os movimentos e os outros dedos toquem as cordas vocais
do locutor para sentir a vibração. Assim, é possível interpretar os sons emitidos. Costuma ser mais
utilizada por pessoas com memória auditiva.

• Braille digital: técnica que utiliza, normalmente, o dedo indicador e o médio da pessoa surdo-cega
para indicar os pontos utilizados no braille.

Figura 80 - Comunicação pelo método Tadoma

Fica claro que, independentemente do método utilizado, a comunicação é totalmente baseada no


estímulo tátil.

6.7.6 Atividade física

Apesar de ser um trabalho extremamente difícil, a prática de atividade física deve ser estimulada.
O professor deve realizar uma avaliação inicial e, de acordo com a perda auditiva e visual, deve-se
determinar a melhor forma de estimulação para esse aluno. É importante que se consiga estimular ao
máximo o sentido que tem alguma função residual.

Independentemente de existir alguma função auditiva ou visual, os estímulos táteis são


fundamentais para a aprendizagem motora. A atividade física é de grande importância como forma
de manutenção ou de melhora da aptidão física, da capacidade funcional, do desenvolvimento global
e da interação social.

109
Unidade II

Saiba mais

Para conhecer mais sobre a história de duas personagens fundamentais


para o avanço dos estudos sobre as deficiências sensoriais, Helen Keller e
Anne Sullivan, veja o filme a seguir:

O milagre de Anne Sullivan. Dir. Arthur Penn, 1962. 106 minutos.

Resumo

Nesta unidade, foi abordada a deficiência visual, que, independentemente


da causa, exige adaptações no espaço, no material utilizado durante as
aulas e na forma de comunicação.

É muito importante que o aluno se sinta seguro durante a prática de


atividade física e esporte, e, para isso, o profissional de Educação Física tem
um papel fundamental.

De todas as deficiências abordadas, a deficiência auditiva é a que


exige menos adaptação. Entretanto, a adaptação para a comunicação é
fundamental. Se não houver comunicação, não haverá aprendizagem,
relação aluno-professor nem motivação para as práticas corporais.

O professor deve, antes de tudo, certificar-se de que o aluno compreende


o que é explicado ou solicitado durante as aulas; caso contrário, além de
o aluno não conseguir desempenhar a tarefa, ele se sentirá desmotivado e
provavelmente abandonará o programa de atividade física.

Mesmo sem ter pleno conhecimento da Libras, é possível manter uma


comunicação com o aluno surdo, por gestos comuns, leitura labial ou
linguagem escrita. O professor deve demonstrar interesse ao conversar com
o aluno e nunca ser impaciente.

Exercícios
Questão 1. No caso das pessoas com deficiência visual, que se utilizam de artifícios como bolas
com guizos, perfumes, bengalas, sinais sonoros e guias, o uso desses artifícios no processo de ensino e
treinamento esportivo visa ao desenvolvimento das seguintes habilidades:

110
EDUCAÇÃO FÍSICA ADAPTADA

A) Agilidade e força.

B) Orientação e mobilidade.

C) Destreza e orientação.

D) Equilíbrio e mobilidade.

E) Força e equilíbrio.

Resposta correta: alternativa B.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: não é esperado o aumento da força e agilidade com o uso dos artifícios sonoros.

B) Alternativa correta.

Justificativa: o uso dos artifícios sonoros é para a orientação espacial e para a mobilidade das pessoas
com deficiência visual em vários locais a fim de que tenham mais independência.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: não é esperado o aumento da destreza com o uso dos artifícios sonoros.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: não é esperado o aumento do equilíbrio com o uso dos artifícios sonoros.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: não é esperado o aumento da força com o uso dos artifícios sonoros.

Questão 2. (Prefeitura Municipal de Cachoeirinha 2012, adaptada) Ao longo dos anos, surgiram
mitos acerca da Libras. Em relação a isto, analise as afirmativas que seguem:

I – A Libras é incapaz de expressar conceitos abstratos.

II – A Libras não é universal.

III – A Libras deriva da comunicação gestual dos ouvintes.

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Unidade II

Quais das afirmativas apresentam tais mitos?

A) Apenas a I.

B) Apenas a II.

C) Apenas a III.

D) Apenas a II e a III.

E) I, II e III.

Resolução desta questão na plataforma.

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