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Anatomia Básica

dos Sistemas
Autor: Prof. Cassio Marcos Vilicev
Colaboradores: Prof. Thiago Macrini
Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano
Professor conteudista: Cassio Marcos Vilicev

Cassio Marcos Vilicev é graduado em Educação Física pela Universidade de Mogi das Cruzes e em Fisioterapia pela
Universidade Bandeirante de São Paulo. É doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia
da Universidade de São Paulo e mestre em Ciências pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de
São Paulo. Possui especialização em Educação a Distância pela UNIP e em Didática do Ensino Superior pela Universidade
Sant’Anna (1999). Atualmente, cursa Formação Pedagógica em História pela UNIP (EaD).

Foi professor de Educação Física em escolas e clubes desportivos de São Paulo e no curso de graduação em
Educação Física e Enfermagem do Centro Universitário Santa Rita e das disciplinas Anatomia Humana, Cinesiologia
e Semiologia na UNIP. Atualmente, é professor titular da UNIP nos cursos presenciais de Fisioterapia, Enfermagem,
Nutrição, Farmácia, Biomedicina, Estética e Cosmética e Educação Física na modalidade presencial, de Educação Física,
Fisioterapia, Enfermagem, Nutrição, Farmácia e Biomedicina na modalidade EaD e de pós‑graduação.

Foi consultor na elaboração de questões para o Serviço Nacional do Transporte (Sest) e o Serviço Nacional de
Aprendizagem do Transporte (Senat), de Educação Física, junto à Empresa EGaion.

Tem publicado vários trabalhos em diversas áreas das ciências biomédicas, como Anatomia dos Sistemas: Educação
Física e Anatomia dos Sistemas: Enfermagem, entre outros.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

V586a Vilicev, Cassio Marcos.

Anatomia Básica dos Sistemas / Cassio Marcos Vilicev. – São


Paulo: Editora Sol, 2019.

268 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2-212/19, ISSN 1517-9230.

1. Morfologia. 2. Coração. 3. Aparelho respiratório. I. Título.

CDU 611

U503.03 – 19

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Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Juliana Muscovick
Lucas Ricardi
Vitor Andrade
Sumário
Anatomia Básica dos Sistemas

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 INTRODUÇÃO À MORFOLOGIA.................................................................................................................... 13
1.1 Período pré‑científico.......................................................................................................................... 14
1.2 Período científico.................................................................................................................................. 15
1.2.1 Mesopotâmia e Egito............................................................................................................................. 15
1.2.2 Grécia Antiga............................................................................................................................................. 16
1.2.3 Roma............................................................................................................................................................. 21
1.2.4 A contribuição do povo islame.......................................................................................................... 25
1.2.5 O Renascimento....................................................................................................................................... 26
1.2.6 As ciências contemporâneas............................................................................................................... 32
1.3 Bases gerais da anatomia.................................................................................................................. 34
1.3.1 Divisão da anatomia: estudos............................................................................................................ 35
1.4 Anatomia sistêmica e topográfica................................................................................................. 41
1.4.1 Anatomia sistêmica................................................................................................................................ 41
1.4.2 Anatomia topográfica............................................................................................................................ 44
1.5 Terminologia anatômica..................................................................................................................... 44
1.6 Conceito de normal e variações anatômicas............................................................................. 45
1.6.1 Fatores gerais de variação anatômica............................................................................................. 46
1.7 Anomalias................................................................................................................................................. 53
1.8 Monstruosidade..................................................................................................................................... 58
1.9 Divisão do organismo humano........................................................................................................ 60
1.10 Posição anatômica............................................................................................................................. 61
1.11 Planos de delimitação do organismo humano....................................................................... 61
1.12 Planos de secção do organismo humano................................................................................. 62
1.13 Termos de posição e direção.......................................................................................................... 65
1.14 Eixos de movimento.......................................................................................................................... 67
1.15 Cavidades corporais........................................................................................................................... 68
1.16 Princípios gerais de construção do organismo humano.................................................... 70
1.16.1 Antimeria.................................................................................................................................................. 70
1.16.2 Metameria................................................................................................................................................ 71
1.16.3 Paquimeria............................................................................................................................................... 71
1.16.4 Segmentação.......................................................................................................................................... 71
1.16.5 Estratimeria ou estratificação.......................................................................................................... 72
2 OSTEOLOGIA....................................................................................................................................................... 73
2.1 Os principais papéis do esqueleto e dos ossos.......................................................................... 76
2.2 Arquitetura óssea.................................................................................................................................. 79
2.3 Periósteo e endósteo............................................................................................................................ 81
2.4 Vascularização óssea............................................................................................................................ 82
2.5 Inervação óssea...................................................................................................................................... 83
2.6 Morfologia óssea................................................................................................................................... 83
2.7 Características anatômicas de superfície dos ossos................................................................ 88
2.8 Fatores de variação anatômica no número de ossos............................................................. 92
2.9 Divisão do esqueleto............................................................................................................................ 93
2.9.1 Esqueleto da cabeça............................................................................................................................... 94
2.9.2 Ossos do neurocrânio............................................................................................................................. 97
2.9.3 Ossos da face............................................................................................................................................. 97
2.9.4 Ossos do esqueleto da cabeça em conjunto................................................................................. 98
2.9.5 Esqueleto do pescoço............................................................................................................................. 98
2.9.6 Esqueleto do tronco................................................................................................................................ 99
2.9.7 Esterno.......................................................................................................................................................100
2.9.8 Costelas......................................................................................................................................................100
2.9.9 Coluna vertebral.....................................................................................................................................102
2.9.10 Cintura escapular................................................................................................................................103
2.9.11 Membro superior.................................................................................................................................104
2.9.12 Cintura pélvica.....................................................................................................................................106
2.9.13 Membro inferior..................................................................................................................................109

Unidade II
3 ARTROLOGIA....................................................................................................................................................115
3.1 Articulações fibrosas..........................................................................................................................116
3.1.1 Suturas....................................................................................................................................................... 116
3.1.2 Sindesmoses.............................................................................................................................................118
3.1.3 Gonfoses....................................................................................................................................................118
3.1.4 Esquindilese..............................................................................................................................................119
3.2 Articulações cartilagíneas................................................................................................................120
3.3 Articulações sinoviais........................................................................................................................121
4 MIOLOGIA..........................................................................................................................................................126
4.1 Tipos de músculos...............................................................................................................................127
4.2 Papéis dos músculos..........................................................................................................................129
4.3 Componentes macroscópicos dos músculos estriados esqueléticos.............................129
4.4 Nomenclatura dos músculos estriados esqueléticos............................................................132
4.4.1 Localização.............................................................................................................................................. 132
4.4.2 Tamanho relativo.................................................................................................................................. 132
4.4.3 Forma......................................................................................................................................................... 132
4.4.4 Disposição das fibras musculares................................................................................................... 133
4.4.5 Número de origens............................................................................................................................... 136
4.4.6 Número de inserções........................................................................................................................... 137
4.4.7 Localização de suas fixações............................................................................................................ 137
4.4.8 Número de ventres............................................................................................................................... 138
4.4.9 Embriologia............................................................................................................................................. 140
4.4.10 Ação......................................................................................................................................................... 140

Unidade III
5 CORAÇÃO..........................................................................................................................................................145
5.1 Volumes e pesos do coração...........................................................................................................148
5.2 Localização do coração.....................................................................................................................148
5.3 Limites do coração..............................................................................................................................149
5.4 Configuração externa do coração................................................................................................150
5.5 Configuração interna do coração.................................................................................................153
5.6 Características morfofuncionais do átrio direito...................................................................154
5.7 Características morfofuncionais do átrio esquerdo..............................................................156
5.8 Características morfofuncionais do ventrículo direito........................................................156
5.9 Características morfofuncionais do ventrículo esquerdo...................................................157
5.10 Tipos de circulação do sangue.....................................................................................................159
5.10.1 Circulação sistêmica e pulmonar................................................................................................. 159
5.10.2 Circulação portal.................................................................................................................................161
5.10.3 Circulação cardíaca.............................................................................................................................161
5.10.4 Circulação fetal................................................................................................................................... 163
5.10.5 Circulação colateral........................................................................................................................... 164
5.11 Aparelho valvar do coração..........................................................................................................164
5.12 Microanatomia..................................................................................................................................168
5.13 Pericárdio.............................................................................................................................................169
5.14 Complexo estimulador do coração............................................................................................170
6 VASOS DE SANGUE E LINFÁTICOS...........................................................................................................171
6.1 Circuito sistêmico................................................................................................................................176
6.2 Aorta e seus ramos.............................................................................................................................177
6.3 Tronco pulmonar.................................................................................................................................183
6.3.1 Artérias pulmonares............................................................................................................................ 183
6.4 Irrigação da cabeça e do pescoço................................................................................................183
6.5 Irrigação dos membros superiores...............................................................................................185
6.6 Irrigação da região pélvica..............................................................................................................188
6.7 Irrigação dos membros inferiores.................................................................................................189
6.8 Sistema linfático..................................................................................................................................191
6.8.1 Anatomia ................................................................................................................................................ 192

Unidade IV
7 SISTEMA RESPIRATÓRIO: NARIZ, FARINGE E LARINGE...................................................................205
7.1 Nariz.........................................................................................................................................................206
7.2 Cavidade nasal......................................................................................................................................207
7.3 Seios paranasais...................................................................................................................................210
7.3.1 Seios frontais...........................................................................................................................................210
7.3.2 Seios maxilares........................................................................................................................................210
7.3.3 Seios esfenoidais.................................................................................................................................... 211
7.3.4 Células etmoidais................................................................................................................................... 211
7.4 Faringe.....................................................................................................................................................212
7.4.1 Dimensões.................................................................................................................................................212
7.4.2 Cavidades da faringe............................................................................................................................212
7.4.3 Parte nasal da faringe..........................................................................................................................212
7.4.4 Parte oral da faringe.............................................................................................................................213
7.4.5 Parte laríngea da faringe....................................................................................................................214
7.4.6 Músculos da faringe.............................................................................................................................214
7.5 Laringe.....................................................................................................................................................215
7.5.1 Papéis da laringe....................................................................................................................................215
7.5.2 Esqueleto da laringe.............................................................................................................................216
8 SISTEMA RESPIRATÓRIO: TRAQUEIA, BRÔNQUIOS E PULMÕES..................................................221
8.1 Brônquios...............................................................................................................................................222
8.2 Pulmões...................................................................................................................................................223
8.3 Segmentação broncopulmonar.....................................................................................................225
8.4 Pleura.......................................................................................................................................................225
APRESENTAÇÃO

Caro aluno,

Esta disciplina tem como objetivo servir de alicerce e recurso aos alunos que buscam profissões
relacionadas à área da saúde, entre elas a Estética e Cosmética. Preparado para enriquecer os cursos
que abordam anatomia humana, este livro‑texto traz uma introdução indispensável a esse assunto.
O objetivo é beneficiar as informações aplicadas das estruturas anatômicas do organismo humano
e as noções sobre as bases para o aproveitamento de outras disciplinas básicas. Aqui são retratadas
experiências práticas que permitem aos universitários da área da saúde a utilização de episódios
referentes às situações fidedignas nas quais eles poderão se deparar na profissão que optaram.

Inicialmente, é contada a história da anatomia e suas bases gerais e, em seguida, são abordadas
generalidades do esqueleto e dos ossos. Posteriormente, são estudadas as articulações, como as sinartoses,
anfiatroses e diartorses, os músculos e os principais grupos musculares. Por fim, são explorados os
aspectos anatômicos, funcionais e clínicos do sistema cardiovascular, linfático e do sistema respiratório.

Todas as unidades são acompanhadas de exemplos de aplicação, saiba mais, lembretes e observações,
destaques que facilitam a memorização dos assuntos centrais deste livro. As figuras apresentadas
também auxiliam no esclarecimento das características de cada tema, complementando o aprendizado.

Além disso, está presente uma revisão terminológica, relevante em um livro dessa natureza, que
compreende a versão dos epônimos mais utilizados na clínica médica, protegida tecnicamente pela
terminologia anatômica. Há, ainda, notas explicativas com termos e expressões definidas, o que facilita a
compreensão do texto, mesmo para os principiantes ainda não familiarizados com a terminologia da área.

Escrever um livro demanda não só concentração, mas também uma análise crítica permanente sobre
a filosofia e o conteúdo de anatomia. Portanto, ele foi destinado a facilitar o estudo da anatomia para
alunos da área de saúde.

A ciência moderna traz consigo um conjunto de particularidades que pode ser muito bem figurado
no conhecimento metodológico abordado pelas ciências da natureza, tais como a ideia de neutralidade
científica, o afastamento radical entre sujeito e objeto, a ideia de objetividade e a fragmentação do
saber. Alguns campos de saber concentram como alicerce para seus estudos e influências as teorias
e metodologias tanto das ciências naturais como das ciências humanas. Essa é a conjuntura atual de
cursos da área da saúde, campo multi ou interdisciplinar do saber, que se distingue pelo estudo e pesquisa
com fins de intercessão pedagógica. Portanto, tal área une as teorias e metodologias de diversas outras
ciências que podem ser denominadas disciplinas‑mãe.

INTRODUÇÃO

Os conhecimentos anatômicos são indispensáveis para o profissional da área de saúde, que lida
durante toda sua carreira com o corpo humano. A anatomia humana é o alicerce para a compreensão
de outras disciplinas essenciais, como, por exemplo, a fisiologia, a patologia e a clínica.
9
O aprendizado da anatomia envolve, na maioria das vezes, trabalho árduo, pois os alunos devem
se habituar à terminologia anatômica, bem como às peças anatômicas, que diversas vezes não se
assemelham aos impressos nos atlas de anatomia.

A anatomia humana desde sempre foi influenciada por fatores sociais, políticos, econômicos, religiosos
e por tendências e modismos educacionais. Sua incorporação no estudo da medicina significou a cisão
de uma medicina mística, pouco precisa, para uma medicina objetiva.

Os primeiros registros do estudo e ensino de anatomia remontam à Escola de Alexandria, onde,


segundo os registros de Galeno, teriam sido efetuadas as primeiras dissecações públicas de animais e
corpos humanos.

A etimologia da palavra “dissecar” origina‑se do verbo latino disseco, are, que também se redige
deseco, are, cujo significado é o de cortar dividindo e separando as partes. No grego é escrito aναλúστε
e quer dizer corte, fatia, secção. O substantivo correspondente, desectio, onis traduz‑se por corte, talho.
Dissecare, como termo médico, já foi utilizado por Plínio, no século I d.C. Desectio, onis foi adaptado
para dissección, em espanhol; dissezione, em italiano; e dissecção, em português. Os léxicos da língua
portuguesa têm manifestado dúvida entre dissecção e dissecação. Em Gardner, Gray e Rahilly (1988, p. 3)
lê‑se: “Do ponto de vista etimológico, o termo dissecação: dis – significa separadamente e secare, cortar
é o equivalente latino do grego anatomé”.

A história da anatomia humana, todavia, foi marcada também por estorvos, quando, após a queda do
Império Romano, houve um avanço mínimo em seu desenvolvimento, devido à sobrepujança da
doutrina, filosofia e prática da era autoritária que teve início com a Idade Média. Na primeira metade do
século XVI, surgiram questões religiosas acerca da atividade de dissecar corpos para o aprendizado e
o Papa Bonifácio VII tentou excomungar os anatomistas. Muitos deles chegaram a ser agredidos pela
própria população, exilados ou acusados de forma injusta por práticas desumanas, como a de dissecar
corpos ainda com vida. A dissecação humana foi proibida em diversos locais e quase nenhum estudo de
caráter inovador ou extraordinário foi efetuado na área durante esse período.

Contudo, as dissecações para fins de estudo sempre geraram contestações e pode‑se afirmar que
foi só a partir do século XIV que, na Europa, mais especificamente na Universidade de Bolonha, elas se
tornaram parte do ensino médico sob os auspícios de Mondino de Luzzi. Nessa época, por influência
do movimento escolástico, os estudos e as investigações em anatomia humana fundamentavam‑se,
especialmente, na tradução de obras e tratados anatômicos, sendo a dissecação um método de
averiguação de dados preexistentes.

Apenas no século XVI e em pleno movimento renascentista que Andreas Vesalius publicou a obra
De Humanism Corporis Fabrica. As contribuições de Vesalius ao desenvolvimento da anatomia humana
como ciência são inúmeras. No campo do ensino, destacou‑se sua ardorosa defesa da prática sistemática
da dissecação de animais e de seres humanos; no campo da pesquisa, a inovação de sua sugestão foi
projetar paralelos entre as estruturas corporais humanas e animais, demonstrando as dessemelhanças
entre elas e, por conseguinte, assinalando os deslizes da anatomia galênica que imperava nos principais
livros‑texto usados até então, como, por exemplo, o Anothomia, de Mondino de Luzzi.
10
Outro aspecto considerável da obra de Vesalius foi o uso de figuras que buscavam inserir os
conhecimentos científicos e anatômicos em um contexto natural e social mais extenso, dando de
certa maneira vida aos cadáveres representados, alçando, assim, a figura do anatomista carrasco, até
então considerado um personagem sombrio ligado à morte, ao patamar de profissional socialmente
aceito, especialmente com o começo das dissecações públicas anuais, que se tornavam cada vez mais
frequentes no âmbito europeu. O desenvolvimento da anatomia descritiva teve na figura e na obra de
Vesalius uma época de renovação a partir do qual, paulatinamente, novas estruturas do corpo humano
foram sendo identificadas e/ou nomeadas. Dentre seus alunos destacaram‑se Gabriel Falloppio e Fabricio
d’Acquapendente.

A anatomia descritiva, ao final do século XVIII, já tinha buscado, identificado e descrito grande parte
das estruturas do corpo humano, concedendo lugar, gradualmente, a outras disciplinas que viriam a
constituir as relações entre essas estruturas, como, por exemplo, a fisiologia. A anatomia descritiva
fracassou ao mostrar‑se estática, uma vez que não desvendava as relações entre as estruturas do corpo
humano identificadas, e, seguramente, isso pode ser uma das razões pela qual, no século XIX, com o
surgimento da medicina experimental, a anatomia deixa parte de seu campo de ação para disciplinas
como, por exemplo, a fisiologia e a anatomia patológica. Isso ratificava um novo posicionamento
epistemológico, funcionalista e experimental para os estudos modernos acerca dos condicionantes
do estado normal e patológico do corpo humano. Exemplo disso é o fato de que dentre os nomes
proeminentes da anatomia do século XIX sobressaíram‑se William Sharpey e Henry Gray, ambos célebres
por suas colaborações tanto na organização de algumas das edições do Quain’s Anatomy, quanto na
publicação do Gray’s Anatomy, obras dedicadas ao avanço do conhecimento da anatomia humana por
parte de médicos cirurgiões, cujas atividades foram estimuladas pelo aparecimento da anestesia.

Porém, a história da anatomia não está interligada só à história do ensino e do aprendizado, contudo,
também à história da arte. As dissecações habituavam ser eventos mais de cunho teatral do que letivo,
podendo acontecer dentro ou fora dos terrenos das universidades, nos chamados teatros anatômicos,
visto que a população também admirava acompanhar tais práticas. As personalidades locais eram até
mesmo seduzidas a seguir as dissecações de cadáveres. Em geral, os cirurgiões e os estudantes de medicina
eram obrigados a ver essas demonstrações. A apreensão era em demonstrar onde se encontravam os
órgãos, quais suas interconexões, cores, formas e texturas, ou seja, a anatomia popular.

Lembrete

Dissecção ou dissecação significa a ação de dissecar, separar as partes


de um corpo ou de um órgão. Utiliza‑se tanto na anatomia (dissecação de
um cadáver ou parte desse) como em uma cirurgia (dissecação de uma
artéria ou de uma veia).

11
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Unidade I
1 INTRODUÇÃO À MORFOLOGIA

O trecho a seguir foi retirado da Oração ao Cadáver Desconhecido, de Carl Rokitansky, e é direcionado
aos estudantes de anatomia humana.

Ao te curvares com a rígida lâmina de teu bisturi sobre o cadáver desconhecido,


lembra‑te que este corpo nasceu do amor de duas almas, cresceu embalado
pela fé e pela esperança daquela que em seu seio o agasalhou. Sorriu e
sonhou os mesmos sonhos das crianças e dos jovens. Por certo amou e foi
amado, esperou e acalentou um amanhã feliz e sentiu saudades dos outros
que partiram. Agora jaz na fria lousa, sem que por ele se tivesse derramado
uma lágrima sequer, sem que tivesse uma só prece. Seu nome, só Deus sabe.
Mas o destino inexorável deu‑lhe o poder e a grandeza de servir à humanidade.
A humanidade que por ele passou indiferente (CAPELLI, 2016, p. 4).

A história da anatomia humana é análoga à da medicina. De fato, a preocupação com a estrutura


do corpo humano foi estimulada pelo anseio dos profissionais da área de saúde em esclarecer uma
disfunção orgânica do corpo. Em contrapartida, diversas religiões reprimiram o estudo da anatomia por
meio das restrições atribuídas à dissecação humana e das evidências nas explanações não científicas
para as doenças e fraquezas.

Durante séculos, o interesse inato dos indivíduos em seus próprios corpos e capacidades físicas
se deparou com diversas maneiras de demonstração. Os gregos, por exemplo, estimulavam as provas
atléticas e apregoavam a perfeição do corpo em suas esculturas, conforme ilustra a figura a seguir.

Figura 1 – Discóbolo, de Mirón

13
Unidade I

Do escultor grego Mirón, produzida em torno de 455 a.C., a obra da figura anterior representa
um atleta momentos antes de lançar um disco. Os gregos antigos já tinham o conhecimento do nu
artístico e apreciavam a boa forma física, logo davam destaque ao retratar a musculatura dos corpos,
principalmente o corpo masculino

Posteriormente, muitos dos grandes mestres do Renascimento costumavam retratar na arte


figuras humanas. Alguns destes artistas eram magníficos anatomistas, pois a apreensão deles com
as minúcias pedia que o fossem. Michelangelo foi um desses artistas que captou o luxo da forma
humana em esculturas como David, conforme ilustra a figura a seguir, e em pinturas como as da
Capela Sistina. O estudo da história da anatomia nos auxilia a contemplar a ciência que se tornou tão
importante atualmente.

Figura 2 – David, de Michelangelo

1.1 Período pré‑científico

É possível que um tipo de anatomia comparada prática seja a ciência mais antiga. Os primórdios
do conhecimento anatômico mediante elementos e inscrições datam da pré‑história, então, é possível
deduzir que já nesse período haviam algumas informações anatômicas circulando. Essas informações
foram eternizadas ao longo da história como, por exemplo, por meio de desenhos que representam
partes da anatomia humana encontrados nas montanhas de Tassili n’Ajjer, no Saara argelino, datadas
de aproximadamente 3000 a.C., conforme ilustra a figura a seguir.

14
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Figura 3 – Pinturas rupestres

1.2 Período científico

O período científico se iniciou com os registros de observações anatômicas feitas na antiga


Mesopotâmia em cerca de 3000 a.C., em blocos de argila, por meio da escrita cuneiforme, e continua
até hoje. Obviamente, todas as colaborações do passado para a ciência da anatomia não podem ser
especificadas, contudo, certos indivíduos e culturas tiveram grande impacto, que serão comentados
brevemente nesta unidade.

1.2.1 Mesopotâmia e Egito

Na Mesopotâmia, o olho era a parte constituinte do corpo humano que se expressava para o mundo,
sendo tal fato destacado nas pinturas. Em contrapartida, o tronco permanecia na posição frontal,
enquanto a cabeça, as pernas e os pés encontravam‑se de perfil. As esculturas produzidas não incluíam
muitos detalhes anatômicos, entretanto, demonstravam um corpo sólido.

Já no Antigo Egito o progresso das técnicas de embalsamamento obrigou e motivou o estudo da


anatomia humana. Apesar de suas carências, os médicos egípcios julgavam que o coração era o centro
motor do corpo humano, pois descreviam que o coração falava, batia e pulsava.

Começo do segredo do médico: conhecimento da anatomia do coração.


Há neles vasos (indo) a todos os membros. Quando qualquer médico da
deusa Sekhmet [...], ou qualquer mágico coloca seus dedos na testa, na nuca,
ou nas mãos ou sobre o próprio coração, ou sobre os 2 braços, ou sobre as
2 pernas, ou em qualquer parte do corpo humano, sente qualquer vestígio do
coração, porque os vasos deste vão a todos os territórios do corpo humano
(PAULA, 1962, p. 37).

15
Unidade I

Os grandes discípulos dos egípcios seriam os gregos, que se saciaram nos conhecimentos daqueles
que habitavam as regiões do Nilo desde Hipócrates até Galeno.

Figura 4 – Deusa Sekhmet

1.2.2 Grécia Antiga

Para os gregos o conhecer – o espetáculo, a inteligência – tem prioridade sobre o operar – a ação,
o prático. A propriedade básica do pensamento grego está no dualismo das relações entre a realidade
empírica e um absoluto que a esclareça, na separação entre Deus e o mundo. O resultado desse dualismo
é o irracionalismo, que produz sustentação à serena compreensão grega do mundo e da vida. O mundo
real dos indivíduos depende de Deus, porém, nunca se pode chegar até Ele, porque dele não deriva. Deus
é o absoluto racional, todavia, ele não cuida do mundo e da humanidade, a qual não criou, não distingue
e nem governa. Para os gregos, ela era governada pelo acaso, isto é, pela necessidade irracional. Essa
concepção de mundo era, assim, marcada pelo pessimismo desesperado, razão pela qual foi considerado
como período trágico.

Aristóteles, conforme ilustra a figura a seguir, ao longo da vida escreveu mais de mil obras. Alguns
de seus trabalhos mais relevantes são: História dos Animais, Das Partes dos Animais e A Geração dos
Animais. Nesses trabalhos desenvolveu teorias coesas sobre a geração e a hereditariedade e sugeriu a
anatomia comparada, embora nunca tivesse dissecado um corpo humano.
16
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Figura 5 – Escola de Atenas, de Rafael. O ponto central de fuga fica entre Platão e Aristóteles

Conforme mencionados anteriormente, Aristóteles dá belas descrições de alguns órgãos sob o ponto
de vista da anatomia comparada. Tais descrições foram fortuitamente ilustradas com desenhos, que são as
primeiras figuras anatômicas de que se tem conhecimento. Dentre seus erros anatômicos merece destaque
a sua rejeição em dar grande relevância ao cérebro. A superioridade, segundo ele, reside no coração, sede
também da inteligência, conceito contrário ao da maioria dos médicos escritores de seu período.

Não é de todo incerto que Aristóteles tenha efetuado experimentos sobre o cérebro e observado tal falta de
sensibilidade. Assim, considerou‑o simplesmente um meio para resfriar o coração e impedir seu superaquecimento.
Segundo ele, esse processo de resfriamento era motivado pela secreção da fleuma. Aristóteles era, via de regra,
muito mais fraco em fisiologia do que em anatomia. Portanto, não sabia as diferenças entre artérias e veias, e
cria que as artérias contivessem ar, além de sangue. Por mais de 2 mil anos, a filosofia aristotélica, de forma mais
ou menos modificada, estabeleceu a principal referência intelectual da humanidade.

Segundo Galeno, foi Alcmeão de Crotona, conforme ilustra a figura a seguir, quem escreveu a
primeira obra de anatomia. Ele dissecou a trompas auditivas, os nervos ópticos e o olho, o qual propunha
ser feito de água (oriunda do cérebro e encontrada facilmente ao dissecá‑lo) e fogo (notado quando
o olho é ferido). Assim, sugeriu uma teoria da visão, segundo a qual existiria no olho um fogo interno.

Figura 6 – Busto de Alcmeão datado do séc. XIX

17
Unidade I

Saiba mais

Vários anatomistas imortalizaram seus nomes criando uma série de


epônimos, ou seja, diversas estruturas anatômicas receberam denominações
em homenagem aos primeiros anatomistas que as descreveram. Por exemplo,
o polígono de Willis e a trompa de Eustáquio, as glândulas de Bartholin, o
fundo de saco de Douglas e as trompas de Falópio, essas últimas sendo
as seguintes estruturas anatômicas: as glândulas vestibulares, a escavação
retouterina e as tubas uterinas. Para saber mais sobre o assunto:

BEZERRA, A. J. C.; BEZERRA, R. F. A. Epônimos de uso corrente em


anatomia humana: um glossário para educadores físicos. Revista Brasileira
de Ciência e Movimento, Brasília, v. 8, n. 3, 2000. Disponível em: <https://
portalrevistas.ucb.br/index.php/RBCM/article/view/369/421>. Acesso em:
9 maio 2019.

Alcmaéon considerava o cérebro a sede das sensações e o centro da vida intelectual, informações
essas que mais tarde foram resgatadas na medicina. Todos os órgãos dos sentidos estariam ligados
ao cérebro – o centro da memória e centro do saber. Acreditava‑se também que era no cérebro que o
espermatozoide se originava, a partir dos 14 anos de idade.

Hipócrates, conforme ilustra a figura a seguir, é considerado o pai da medicina ocidental, entretanto,
na área da anatomia nada alcançou de importante, mas foi provavelmente o precursor do estudo da
anatomia constitucional. O médico acreditava que o encéfalo não só estava compreendido nas sensações,
mas seria a sede da inteligência. Ele foi o primeiro a estabelecer uma relação entre o cérebro e a doença
sagrada, a epilepsia.

Figura 7 – Escultura facial de Hipócrates

18
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Embora Hipócrates supostamente tivesse só restrita a orientação em dissecações humanas, ele


foi bem conduzido na afamada teoria humoral de organização do corpo. Por meio dessa teoria eram
identificados quatro humores no corpo e cada um deles era agregado a um órgão em especial: sangue
com o fígado; cólera, ou bile amarela, com a vesícula biliar; fleuma com os pulmões; e melancolia, ou
bile preta, com o baço. Acreditava‑se que um indivíduo teria o equilíbrio dos quatro humores conforme
ilustra a figura a seguir.

Vale notar que os quatro humores ainda hoje fazem parte da linguagem e da clínica médica. Melancolia
é um termo utilizado para descrever depressão ou desânimo de um indivíduo, enquanto “melano”, que
significa preto, alude a um semblante obscuro ou pálido. Cólera é uma patologia intestinal que causa
diarreia e vômito. Fleuma, no interior do sistema respiratório, é sinal de diversas doenças pulmonares.

Cabeça

Pulmão

Alma
SIV
Sangue VE
VD
Fígado Bíle amarela Baço

Membros
inferiores

Figura 8 – Esquema do sistema cardiovascular de acordo com os gregos antigos

Na figura anterior há a presença de dois vasos paralelos oriundos do fígado e do baço, interligados ao
coração, no tórax, aos membros inferiores e à cabeça. No coração, há um poro no septo interventricular
conectando o VD (ventrículo esquerdo) e o VE (ventrículo direito), dois vasos conectados ao VD e um
vaso conectado ao VE vindo dos pulmões. O VD é maior do que o esquerdo, ao passo que o VE é mais
espesso do que o direito. O VD contém sangue, ao passo que o VE é preenchido com ar e bile amarela,
de acordo com o Corpus Hippocraticum.

19
Unidade I

Quando Atenas perdeu sua liberdade, o centro científico passou para Alexandria, no Egito, onde pela
primeira vez a anatomia tornou‑se uma disciplina. Os dois primeiros e maiores professores dela foram
Herófilo e Erasístrato, que iniciaram o chamado período alexandrino da anatomia.

Herófilo, conforme ilustra a figura a seguir, é visto como o “açougueiro de homens”, pois realizava
vivissecção em criminosos da prisão real. Acredita‑se que ele tenha dissecado vários seres humanos,
muitas vezes em demonstrações públicas – “sem dúvida, o melhor método para aprender”, escreveu
Celsius, aprovando (TERÇARIOL, 2018, p.18). Foi ele também que fez a primeira distinção clara entre
as artérias e as veias e ampliou os estudos sobre a pulsação, que considerava um processo ativo das
próprias artérias.

Foi Herófilo definitivamente que reconheceu o cérebro como o órgão central do sistema nervoso e
a sede da inteligência. O médico dividiu os nervos em motores e sensitivos e descreveu as meninges.
Ampliou, ainda, o conhecimento sobre outras partes do cérebro, distinguindo o cérebro, o cerebelo e
o quarto ventrículo. Os termos próstata e duodeno são derivados dos que foram usos por ele. Ele fez
também a primeira descrição dos vasos quilíferos do intestino.

Lembrete

A vivissecção é a dissecação ou operação cirúrgica em animais vivos


para estudo de alguns fenômenos anatômicos e fisiológicos.

Figura 9 – Herófilo, em A Primeira Dissecação, na entrada principal da Nouvelle Faculté de Médecine de Paris

Nouvelle Faculté de Médecine de Paris

Erasístrato, conforme ilustra a figura a seguir, atentava‑se mais pelas funções do corpo humano do
que pela estrutura, e comumente é chamado de pai da fisiologia. O anatomista aperfeiçoou os dados
sobre o cérebro e o cerebelo, considerando tais órgãos como a sede da alma. Dentre suas diversas
descrições determinou a substância cerebral, e não a dura‑máter, como sendo a origem dos nervos
cranianos. Além disso, estabeleceu o cérebro e o cerebelo como órgãos parenquimatosos e descreveu os
ventrículos encefálicos. Juntamente com Herófilo, determinou que o número de giros está relacionado
20
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

com a inteligência humana. Era um racionalista e se declarava inimigo de todo misticismo. Teve, ainda,
que usar a ideia de natureza como força externa, que molda os objetivos para os quais o corpo age.
Erasístrato compreendeu a ação dos músculos na produção do movimento e atribuiu o encurtamento
dos músculos à sua distensão pelo espírito animal.

Figura 10 – Erasístrato

Entretanto, o esplendor das descobertas anatomopatológicas de Herófilo e Erasístrato caíram em


infortúnio quando se levantou a suspeita de que escravos e condenados à morte haviam sido dissecados
vivos, após a autorização de Ptolomeu I. Machado de Assis, nos “Contos Alexandrinos”, cita Herófilo na
história de dois filósofos: Stroibus e Pítias.

Tinham sido escalpelados cerca de cinquenta réus, quando chegou à vez de


Stroibus e Pítias. Vieram buscá‑los; eles supuseram que era para a morte
judiciária, e encomendaram‑se aos deuses. De caminho, furtaram uns
figos, e explicaram o caso alegando que era um impulso da fome; adiante,
porém, subtraíram uma flauta, e essa outra ação não a puderam explicar
satisfatoriamente. Todavia, a astúcia do larápio é infinita, e Stroibus, para
justificar a ação, tentou extrair algumas notas do instrumento, enchendo de
compaixão os indivíduos que os viam passar, e não ignoravam a sorte que
iam ter. A notícia desses dois novos delitos foi narrada por Herófilo, e abalou
a todos os seus discípulos (VILICEV, 2002).

Conta‑se que Herófilo e outros anatomistas pretenderam saber se “nervo do furto” residia na palma das
mãos das pessoas. Pelo que se diz, Herófilo dissecou primeiro Stroibus e a seguir Pítias durante oito dias.

1.2.3 Roma

O interesse do Estado em Roma fundamentava‑se em sua arte, que era caracterizada como sendo
objetiva, e para a representação do poder de forma realista esculpiam‑se rostos de autoridades, conforme
ilustra a figura a seguir. Para que os corpos fossem mitificados e divinizados em paredes de casas era
utilizada a pintura mural.

21
Unidade I

Figura 11 – Júlio César

Em muitos aspectos, Roma incluiu os progressos científicos e as bases para a Idade Média.
O questionamento científico perfaz a teoria pela prática durante esse período. Foram realizadas algumas
dissecações de cadáveres humanos, tendendo mais determinar a razão da morte em casos criminais.
A medicina não era preventiva, contudo, confinava‑se, quase sem exceção, ao tratamento de soldados
lesados em combates. Nos últimos tempos da história romana, as leis eram postas evidenciando a
autoridade da Igreja na prática médica. De acordo com as leis romanas, por exemplo, nenhuma gestante
morta poderia ser sepultada sem a retirada do feto do útero de maneira que ele pudesse ser batizado.

Esse é o caso da morte de Aggrippina, mãe de Nero, cuja história gerou um contrassenso na época
pelo viés anti‑Nero que ela apresentava. Nero arquitetou um navio, cujo fundo se abriria quando estivesse
no mar, e Aggripina foi colocada a bordo. Quando o fundo se abriu, ela caiu no mar, contudo, conseguiu
nadar até a margem e, por isso, Nero enviou um assassino para matá‑la. O imperador afirmou que ela
havia tentado assassiná‑lo e depois cometeu suicídio. Suas hipotéticas palavras finais ao assassino quando
estava prestes a matá‑la foram “Ataque meu útero!”, insinuando que ela almejava ver destruída a primeira
parte de seu corpo que tinha gerado um “filho tão abominável”, conforme ilustra a figura a seguir, em uma
associação de ideias entre as palavras de Aggrippina e a xilogravura de Guilherme de Lorris.

Figura 12 – O imperador Nero assistindo a dissecação de sua mãe Aggrippina,


que ainda está viva e tem as mãos amarradas

22
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Considerado o príncipe dos médicos, Galeno, conforme ilustra a figura a seguir, foi uma personagem
fundamental na história da medicina. Como a dissecação humana era abolida na época, ele não dissecava
cadáveres humanos, porém, os humanizava por aproximação, sendo essa talvez a causa de seus erros anatômicos.

Figura 13 – Bustos de Galeno

Galeno utilizava seres humanos para fazer pesquisas, observando feridas profundas ou estudando
cadáveres de indigentes encontrados eventualmente. As principais descrições dele encontram‑se no
campo do sistema nervoso, sistema muscular, sistema cardiovascular, além de ter estudado o esqueleto
humano, conforme ilustra a figura a seguir.

Figura 14 – Desenho dos ossículos da orelha (círculo branco), presente no livro


Ossibus Doctissima et Expertissima Commentaria, de Galeno

23
Unidade I

Galeno descreveu o esterno com sete peças, tanto como as costelas com as quais se articula. Detalha
também a cartilagem tireoidea com o nome de O Chondros Thyreoides, semelhante ao escudo cretense.

Em nenhum período da história o status de um homem prevaleceu tão profundamente em uma


ciência como o de Galeno na medicina. Suas inspirações prorrogaram‑se pelos próximos 13 séculos,
passando pela Idade Média e chegando até o século XVI, sendo que as obras de Galeno determinaram
os princípios dos dados anatômicos.

Observação

Era uma obrigação religiosa entre os gregos e os romanos cobrir com


terra qualquer osso humano encontrado por casualidade. Apenas os
condenados e os suicidas poderiam ficar sem enterro. Entre os gregos existia
a crença de que as almas dos mortos haviam de vagar pelas margens Rio
Estige, o rio da imortalidade, até que seus corpos tivessem sido enterrados.

Saiba mais

Para saber mais sobre o surgimento e o desenvolvimento do estudo da


anatomia, leia:

KICKHÖFEL, E. H. P. A lição de anatomia de Andreas Vesalius e a


ciência moderna. Scientiæ Zudia, São Paulo, v. 1, n. 3, p. 389‑404, 2003.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S1678‑31662003000300008>. Acesso em: 10 mar. 2019.

ALVES, M. V. A medicina e a arte de representar o corpo e o mundo


através da anatomia. In: CATÁLOGOS BNP. Arte médica e imagem do
corpo: de Hipócrates ao final do século XVII. Lisboa: Biblioteca Nacional de
Portugal, 2010, p. 31‑50. Disponível em: <http://www.fcsh.unl.pt/chc/pdfs/
nature4.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2019.

CHEREM, A. J. Medicina e arte: observações para um diálogo


interdisciplinar. Revista Acta Fisiátrica, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 26‑32,
2005. Disponível em: <http://www.actafisiatrica.org.br/detalhe_artigo.
asp?id=240>. Acesso em: 10 mar. 2019.

CHIARELLO, M. Sobre o nascimento da ciência moderna: estudo iconográfico


das lições de anatomia de Mondino a Vesalius, Scientiæ Zudia, São Paulo, v. 9, n. 2,
p. 291‑317, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1678‑1662011000200004>. Acesso em: 10 mar. 2019.

24
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

1.2.4 A contribuição do povo islame

O período entre a morte de Galeno e a primeira tradução de uma obra de material médico no
século XI, ocorrida no Mosteiro de Monte Cassino, no sul da Itália, é o chamado de idade das trevas da
anatomia. Crê‑se que tanto o estilo de vida quanto os sentimentos nutridos pela sociedade medieval em
relação ao corpo humano teriam reduzido a edificação de saberes que abrangeu a anatomia, a medicina
e outras áreas do saber.

Os séculos X e XI foram marcados pelo aumento demográfico associado à expansão territorial


empreendida pelas Cruzadas religiosas, o que possibilitou o renascimento comercial. Com a retomada
das atividades comerciais e a instauração de espaços urbanos, as universidades se multiplicaram com
a finalidade de acatar às necessidades de expandir o conhecimento por parte dos comerciantes no
processo de expansão de seus negócios. Do mesmo modo, a própria maneira de organização social que
nascia clamava por certos serviços, como aqueles relativos à jurisprudência e à medicina.

Em um clima essencialmente escolástico, o ensino das universidades comumente, assim como


o ensino da anatomia, era abalizado nas traduções de textos árabes, como os tratados de Avicena,
conforme ilustra a figura a seguir. Como a observação da natureza ainda era inadvertida nessa época,
não existia instrumentação prática em anatomia.

Figura 15 – Estátua de Avicena

Avicena organizou e sistematizou os saberes de Hipócrates e Galeno, conforme ilustra a figura a


seguir em um compêndio de medicina, considerada uma obra majestosa, conhecida como O Cânone
da Medicina. Ela foi publicada pela primeira vez apenas em 1492 e trata‑se de uma mistura de saberes
médicos islâmicos e gregos. Esse foi o primeiro livro médico a mostrar a reparação de tendões em um
período no qual esse tratamento era equivocadamente contraindicado.

25
Unidade I

Figura 16 – Os três maiores professores de medicina na Antiguidade

1.2.5 O Renascimento

A fase conhecida como Renascimento foi determinada pela vida nova das ciências e teve forte
influência nas grandes universidades europeias localizadas em Bolonha, Salerno, Pádua, Montpellier e
Paris. Apenas no Renascimento seriam aceitos, ainda que com certa cautela e dignidade, os procedimentos
de violação do corpo por meio de estudos de cadáveres.

Com o aumento do mérito na anatomia durante o Renascimento, a aquisição de cadáveres para a


dissecação se tornou um problema grave. Estudantes de medicina cometiam repetidamente a invasão
de sepulturas para saqueá‑las, até que um decreto oficial foi expedido, possibilitando utilizar os
corpos de criminosos executados como espécimes. As aulas de anatomia aconteciam em um teatro
anatômico, conforme ilustra a figura a seguir.

Figura 17 – Vista panorâmica do teatro anatômico de Pádua

26
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

O teatro anatômico deveria ser vasto e arejado, com bancos organizados em círculos, como os do
Coliseu romano, possibilitando a acomodação de muitos alunos sem importunar os movimentos do
maestro, o cirurgião. O cadáver era colocado em uma mesa no centro do teatro e os instrumentos em
outra, próxima à primeira. Os professores de anatomia pronunciavam suas aulas de cátedras um pouco
distante de onde estava o cadáver. A frase “Eu não devo tocá‑lo com uma vara de 10 pés” possivelmente
originou‑se durante esse período em menção ao odor de um cadáver em deterioração.

Saiba mais

Para saber mais sobre o teatro anatômico, leia o artigo:

ALVES, E. M. O.; TUBINO, P. Proibições das dissecações anatômicas: fato


ou mito? Jornal Brasileiro de História da Medicina, Brasília, dez. 2017.

Do século XIII ao início do século XVI, os progressos no conhecimento anatômico foram morosos,
fundamentados na contínua revisão e extensão de tratados preexistentes. A anatomia macroscópica
foi privilegiada nessa época, contudo, para seu desenvolvimento foi imprescindível o aperfeiçoamento
das técnicas de observação, dissecação, descrição, ilustração e o gradual refinamento terminológico,
processo para o qual Mondino de Luzzi, conforme ilustra a figura a seguir, é considerado o precursor.

Figura 18 – Xilogravura da aula de anatomia de Mondino

27
Unidade I

Do século XIII ao século XVI, o desenvolvimento da anatomia concentrou‑se no cenário italiano


e ampliou‑se para outros países, em agravo do decreto pontifício propagado em 1300. Sua inserção
enquanto disciplina nas universidades foi regularizada também pelo refinamento das formas de
representação das estruturas corporais concebidas pelo processo de ilustração do corpo, o que se tornou
possível devido à influência do naturalismo na arte italiana.

Assim, artistas como Leonardo da Vinci e Michelangelo estavam entre os primeiros a efetuar o
estudo científico da anatomia humana, devido ao interesse na forma humana. Além disso, a invenção
da impressão tornou os livros facilmente acessíveis e as ilustrações necessárias para anatomia poderiam
naquele momento ser mais facilmente reproduzidas e distribuídas.

A escrita invertida é uma característica das observações de Leonardo da Vinci em seus desenhos.
Canhoto, da Vinci produziu centenas de desenhos anatômicos feitos a partir de dissecações. Suas
contribuições, do ponto de vista anatômico, só podem ser elencadas retrospectivamente, mas a precisão
e a objetividade de suas ilustrações inspiram, ainda hoje, a construção de novos esquemas anatômicos.

Ele ponderou o homem como sendo o centro do universo, distendendo a figura humana em duas
formas geométricas, uma em relação ao quadrado e a outra em relação ao círculo, sendo que a unidade
melodiosa seria dada pelo conjunto. Seu ponto de partida foram os escritos do arquiteto e do engenheiro
militar Marco Vitrúvio, o qual constituíra no século I a.C. a doutrina que relacionava a proporcionalidade
da soberba arquitetura com as do homem de boa adequação, conforme ilustra a figura a seguir.

Figura 19 – O Homem de Vitrúvio

Uma das mais apreciadas imagens plásticas do Renascimento, pintada na Capela Sistina por
Michelangelo entre 1508 e 1512, se apresenta em A Criação de Adão, conforme ilustra a figura a seguir.
Nesse afresco observamos que os membros superiores são simétricos e têm uma composição muito
semelhante, fazendo referência à passagem bíblica “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança”
(Gênesis, 1.27). De tal modo, por meio dessa simetria, Michelangelo insere um equilíbrio entre os dois
lados do afresco, entre a figura divina e a figura humana.
28
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Figura 20 – A Criação de Adão

Saiba mais

Em meio aos afrescos que pintou no teto da Capela Sistina, Michelangelo


espalhou imagens de ossos, nervos, músculos, vísceras, artérias e órgãos
humanos que ficaram escondidos desde 1512 até concluir o trabalho
encomendado pelo Papa Júlio II. Para saber mais sobre o assunto, acesse
o link com o estudo de dois pesquisadores da Unicamp que conseguiram
identificar e decifrar um código criado por Michelangelo para revelar as
peças anatômicas pintadas de forma mascarada nas imagens principais.

LEVY, C. Pesquisadores dissecam lição de anatomia de Michelangelo.


Jornal da Unicamp, Campinas, n. 256, p. 12, 2004. Disponível em: <http://
www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju256pag12.pdf>.
Acesso em: 10 mar. 2019.

Na história da anatomia, o século XVI mostra‑se relevante por conta da obra do anatomista
Andreas Vesalius, considerado o pai da anatomia. No cenário italiano, Vesalius revelou‑se um ferrenho
defensor da técnica da dissecação, que considerava como a única forma de conhecer realmente o corpo
humano. O intuito de sua obra era, a partir da dissecação sistemática de cadáveres, abandonar o caráter
revisionista que prevalecia nas investigações anatômicas. Seu estudo intitulado De Humani Corporis
Fabrica foi concluído em 1543, conforme ilustram as figuras a seguir. O impacto que isso causou se
deveu tanto ao nível de apuração dos detalhes anatômicos compreendidos por suas ilustrações quanto
pela veia artística de sua obra, de caráter tipicamente renascentista, acrescida de influências galênicas,
naturalistas e escolásticas.

29
Unidade I

Figura 21 – De Humani Corporis Fabrica

O grande valor das práticas e das informações preconizadas por Vesalius prosseguiram no século
seguinte, sendo que seus estudos ganharam evidência em telas, como, por exemplo, em Lição de
Anatomia do Dr. Tulp, pintada por Rembrandt em 1632, conforme ilustra a figura a seguir.

30
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Figura 22 – A Lição de Anatomia do Dr. Tulp

Nessa obra, o cadáver é o de Adriaen Adriaansz, conhecido como o Garoto, um deficiente mental, com
grave dismorfismo corporal, com medidas de quase um anão, que após roubar várias vezes foi enforcado.
Personagens ilustres assistiram à dissecação do cadáver de Adriaen, como o anatomista amador e filósofo
René Descartes e o médico inglês Thomas Brown. Reconhecendo que os artistas pós‑renascentistas já não
recorriam às dissecações, embora reconhecessem a importância de tais conhecimentos, é valido enfatizar que
essa aula com sete alunos anatomistas trata‑se apenas de uma demonstração. Portanto, não ocorreu de fato
uma dissecação anatômica e, ainda, a tela contém alguns erros anatômicos, como os descritos a seguir.

• O comprimento do membro superior esquerdo é bem maior do que o direito.

• Os músculos flexores superficiais do antebraço estão originando erradamente do epicôndilo lateral


ao invés do epicôndilo medial, o que sugere o desconhecimento de Rembrandt sobre anatomia,
conforme ilustra a figura a seguir.

• No raio X da pintura, inicialmente a mão direita do cadáver não tinha dedos. Rembrandt pintou‑a
posteriormente com base na mão de outra pessoa. Entretanto, consiste em uma mão delicada,
com unhas bem cortadas, nada lembrando a de um ladrão.

Figura 23 – Detalhe dos tendões bifurcados dos músculos flexores superficial e profundo dos dedos

31
Unidade I

Saiba mais

Para saber mais sobre a história que inspirou o quadro de Rembrandt:

SIEGAL, N. A lição de anatomia. São Paulo: Rocco, 2017.

1.2.6 As ciências contemporâneas

As contribuições para a ciência anatômica durante o século XX não foram tão magníficas quanto
eram no período em que pouco se sabia sobre a estrutura do corpo humano. O estudo da anatomia foi
se aperfeiçoando cada vez mais por meio das especializações e as pesquisas foram se tornando cada vez
mais detalhadas e complexas.

Podemos afirmar que, infelizmente, um ponto negativo do estudo da anatomia ocorreu durante
o período da Segunda Guerra Mundial, quando as polêmicas bioéticas abrangendo as experiências
com seres humanos tomavam corpo com o processo de Nuremberg. Durante o julgamento muitos
anatomistas alemães foram denunciados por utilizarem corpos de vítimas do holocausto para as
pesquisas anatômicas, assim como foram realizadas diversas acusações da presença da suástica nazista
nas páginas de alguns atlas anatômicos do período.

Joseph Mengele talvez tenha sido o cientista mais carniceiro de Hitler, seus experimentos custaram
a vida de cerca de 400 mil pessoas em Auschwitz. Mengele injetou tinta azul em olhos de crianças, uniu
as veias de gêmeos, amputou membros de prisioneiros e dissecou anões vivos em seu laboratório.

“Sou, sem dúvida, o único que conhece por completo a fisiologia humana, porque faço experiências
em homens e não em ratos” (MORAIS, 2011, p. 6). Isso era o que proferia com ar de orgulho Sigmund
Rascher, responsável pelo campo de concentração de Dachau. Lá, ele se utilizava de cobaias humanas
vivas para seus experimentos.

Já o médico da renomada Universidade de Estrasburgo, August Hirt, utilizou cerca de oitenta corpos
em estudos anatômicos para determinação da superioridade do povo ariano.

Para muitos especialistas em anatomia o Atlas Pernkopf, conforme ilustra a figura a seguir, produzido
com base na dissecação de corpos de aproximadamente 1.500 prisioneiros, é o melhor trabalho ilustrado
sobre anatomia humana já efetuado na história. Para outros, trata‑se de um livro questionável e póstumo
que, ao lado de suásticas, traz a seguinte frase: “feliz conjunção de ilustradores brilhantes e corpos de
criminosos executados” (REZENDE, 2019).

32
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Figura 24 – Atlas Pernkopf

A partir de 1977, uma nova técnica de preparação de peças anatômicas foi elaborada. Essa
descoberta foi realizada pelo médico e professor da Universidade de Heidelberg na Alemanha, Gunther
von Hagens, o qual se intitula “Vesalius do século XXI”, que inventou e desenvolveu o processo de
plastinação, conforme ilustra a figura a seguir, uma maneira moderna de mumificação, fazendo com
que os cadáveres tenham uma elevada resistência.

A plastinação é outro aspecto que envolve polêmicas bioéticas, em que espécimes inodoros, secos e
quase eternos estão sendo vastamente utilizados como modelos de anatomia em exposições e faculdades
de medicina. Milhares de pessoas já testemunharam corpos dissecados em uma das exposições de
anatomia pelo mundo e o novo mercado on‑line de espécimes humanos plastinados está aumentando.

Figura 25 – Cadáver plastinado, musculatura e pele

33
Unidade I

A anatomia humana sempre será uma ciência relevante, não só porque aperfeiçoa o
entendimento do funcionamento do corpo humano, mas também por ser fundamental no
diagnóstico clínico e no tratamento das doenças. A anatomia humana já não é mais restrita
à observação e à descrição das estruturas isoladas, ela se ampliou para compreender as
complexidades de como o corpo humano age como um todo integrado. A ciência da anatomia
é dinâmica e permanecerá ativa porque os dois aspectos do corpo humano – estrutura e função
– são inseparáveis.

Saiba mais

Para conhecer as novas técnicas de preservação de peças anatômicas, leia:

ANDREOLI, A. T. et al. O aprimoramento de técnicas de conservação de


peças anatômicas: a técnica inovadora de plastinação. Revista EPeQ/Fafibe,
Bebedouro, n. 4, p. 81‑85, 2012. Disponível em: <http://www.unifafibe.com.
br/revistasonline/arquivos/revistaepeqfafibe/sumario/24/20112012215831.
pdf>. Acesso em: 10 mar. 2019.

KIM, J. H. Exposição de corpos humanos: o uso de cadáveres como


entretenimento e mercadoria. Mana, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 309‑348,
2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&
pid=S0104‑93132012000200004>. Acesso em: 10 mar. 2019.

Para saber mais sobre os precursores da medicina, o desenvolvimento


dessa disciplina:

GORDON, R. A assustadora história da medicina. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.

Para saber mais sobre a história da anatomia e conhecer o Museu de


Anatomia UFCSPA:

UFCSPA. Uma breve história da anatomia humana. Porto Alegre:


UFCSPA, [s.d.]. Disponível em: <http://www.ufcspa.edu.br/index.php/
historia‑da‑anatomia‑humana>. Acesso em: 10 mar. 2019.

1.3 Bases gerais da anatomia

A anatomia humana é considerada a disciplina mais antiga da medicina, tanto que no começo
ambas se confundiam. Pelo menos no princípio era possível saber anatomia, ou pelo menos ter alguns
conhecimentos anatômicos, para poder praticar a medicina. Desde aquela época começou a ser oportuno
o pensamento nulla medicina sine anatomia, ou seja, não há medicina sem anatomia.

34
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Ramo seco da biologia, ciência dos mortos ou ciência dos fósseis, a anatomia morreu: esses são os
versos cantados por aqueles que julgam desnecessário o estudo da anatomia. Para demonstrar esse
mal, um caso pitoresco ocorreu no Brasil, quando um laureado com prêmio Nobel foi convidado a
fazer conferências científicas e educacionais sobre atualização do currículo médico. O famoso professor,
com toda a autoridade que um ganhador de prêmio Nobel pode ter, brindou a plateia com a seguinte
mimosidade: “uma grande redução no currículo poderia ser feita às custas da anatomia, pois para
conhecer a anatomia dos homens bastaria conhecer a anatomia do rato”.

A grande vantagem que ele antevia era que a dissecação de um mamífero pequeno poderia ser feita
em três dias e não nos três anos necessários para dissecar o homem. Na discussão que se seguiu, um
dos participantes da plateia perguntou: “Se o orador fosse acometido por uma apendicite aguda, ele
escolheria o cirurgião que tivesse dissecado um rato, ou um que tivesse dissecado um cadáver humano?”
O orador fez uma longa pausa e confessou honestamente que ele escolheria o cirurgião que tivesse
estudado anatomia no homem. O professor que fizera a pergunta retomou a palavra e parabenizou o
orador pela sua excelente escolha, acrescentando: “principalmente porque o rato não tem apêndice
vermiforme” (DI DIO, 1998, p. 28).

A anatomia divulga as bases da forma e da estrutura do corpo humano e de seus órgãos. A forma
descreve a morfologia externa do indivíduo, de seus membros e órgãos. A estrutura respeita a organização
interna dos órgãos e de seus componentes nos níveis macroscópico, microscópico, submicroscópico
e molecular; o termo “estrutura” inclui a função. A anatomia determina, ao lado da fisiologia e da
bioquímica, a base para a profilaxia, o diagnóstico, a terapia e a reabilitação de patologias.

Observação

Homeostase é a preservação de um ambiente interno moderadamente


contínuo e adaptado para a sobrevivência das células e dos tecidos do
corpo. Defeitos na preservação das circunstâncias homeostáticas indicam
patologias. Os processos das patologias podem atingir primeiramente um
tecido, um órgão ou um sistema específico, porém, em última instância
conduzirão a modificações de função ou da estrutura das células do corpo.
Algumas patologias podem ser recuperadas pelas defesas corporais, já
outras exigem tratamento. Por exemplo, quando acontece um trauma e
existe sangramento excessivo ou lesão de órgãos internos o tratamento
cirúrgico pode ser indispensável para resgatar a homeostase e impossibilitar
problemas potencialmente letais.

1.3.1 Divisão da anatomia: estudos

Além dos aproveitamentos na medicina e das diversas formas de estudo da anatomia, há uma leitura
anatômica nas várias áreas da atividade humana.

35
Unidade I

Anatomia macroscópica

Refere‑se às estruturas com dimensões maiores do que 1 milímetro, isto é, as estruturas que podem
ser identificadas a olho nu ou com auxílio de uma lupa. A figura a seguir mostra a anatomia macroscópica
de um cadáver conservado com técnica MAR V.

Figura 26 – Métodos del Museo de Anatomía de Rosario

Anatomia microscópica

Parte além das estruturas analisadas a olho nu, que permite uma subdivisão mais detalhada do corpo
humano. Visualiza estruturas com dimensões menores do que 1 milímetro. A anatomia microscópica
divide‑se em citologia, estudo da estrutura e função da célula, e histologia, estudo dos tecidos e
anatomia microscópica dos órgãos.

Lembrete

A anatomia macroscópica estuda as estruturas do corpo humano a olho


nu, enquanto a anatomia microscópica se utiliza de equipamentos como,
por exemplo, os microscópios.

Anatomia artística

A anatomia artística, que se presta ao estudo das proporções dos segmentos naturais do corpo
humano, a configuração exterior, relacionando‑a, principalmente, com ossos e músculos, estática e
dinamicamente para finalidades de escultura e pintura. Como exemplo de anatomia artística temos a
pintura Mona Lisa, conforme ilustra a figura a seguir, também conhecida como Gioconda, a mais notável
e conhecida obra de Leonardo da Vinci.

36
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Figura 27 – Mona Lisa

Anatomia comparativa

A anatomia comparativa compara e inclui os planos estruturais de diferentes representantes do


reino animal e busca regras relacionadas à forma. Outra função dela é o confronto entre seres humanos
e outros animais, com o intuito de encontrar formas homólogas, ou seja, iguais entre as espécies, e as
heterólogas, ou seja, diferentes entre as espécies.

Anatomia do desenvolvimento ou embriologia

A anatomia do desenvolvimento é o estudo do conjunto de episódios que vão da fecundação de


um ovócito secundário por um espermatozoide à formação de um organismo adulto. A gravidez é o
conjunto de episódios que se inicia com a fertilização; prossegue durante a implantação, desenvolvimento
embrionário e desenvolvimento fetal; e, de modo ideal, termina com o nascimento de uma criança, após
aproximadamente entre 38 e 40 semanas depois da última menstruação. As figuras a seguir mostram os
períodos embrionário e fetal, respectivamente.

A fecundação ou fertilização consiste no encontro dos gametas feminino e masculino, ovócito


secundário e espermatozoide, que acontece na ampola da tuba uterina. O período embrionário
corresponde às primeiras nove semanas a partir do dia da fertilização, aquele em que todos os órgãos e
sistemas se formam (organogênese).

37
Unidade I

Orelha
Olho
Nariz
Embrião de 52 dias Membro superior

Cordão umbilical

Membro inferior

Figura 28 – Período embrionário

Orelha

Olho
Nariz

Boca
Feto de 26 semanas Membro superior

Membro inferior

Figura 29 – Período fetal

O período fetal inicia‑se a partir da décima semana pós‑fertilização e vai até o nascimento. Nessa
fase o bebê é chamado de feto e os órgãos já constituídos sofrem um processo de crescimento e
amadurecimento até que apresentem‑se em totais condições de funcionamento no final da gravidez.

Saiba mais

Para saber mais sobre os efeitos da gestação:

TORTORA, G. J.; DERRICKSON, B. Princípios de anatomia e fisiologia.


14. ed. São Paulo: Guanabara‑Koogan, 2016.

GODINHO, J. M. et al. Prevalência de desconfortos musculoesqueléticos no


puerpério. In: CONGRESSO DE PESQUISA E EXTENSÃO DA FACULDADE DA SERRA
GAÚCHA, 2017. Anais – V Congresso de Pesquisa e Extensão da FSG (2017). Caxias
do Sul: Faculdade da Serra Gaúcha, 2017. Disponível em: <http://ojs.fsg.br/index.
php/pesquisaextensao/article/view/2828>. Acesso em: 11 mar. 2019.

38
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Anatomia nepiológica ou nepionatomia

A palavra nepio ou nípio, do grego, e infans, do latim, significa “o que não fala”. Portanto, trata‑se do
estudo da anatomia da primeira infância e constitui‑se de uma ligação entre o estudo da embriologia e
o da anatomia de crianças, adolescentes e adultos jovens.

Anatomia do adulto

Estuda a estrutura do corpo humano após o seu completo desenvolvimento. É subdividida em


masculina (entre 25 e 60 anos de idade) e feminina (entre 21 e 50 anos idade).

Anatomia gerontológica

É o estudo da morfofisiologia do indivíduo idoso (acima de 60 anos de idade). Não deve ser
confundida a anatomia gerontológica, que corresponde ao estudo do idoso normal, com a geriátrica,
pois essa estuda o idoso doente e faz parte, portanto, da anatomia patológica.

Anatomia radiológica

Existem diversas técnicas e procedimentos para obter imagens do corpo humano. Vários tipos de
imagem permitem a observação de estruturas anatômicas no interior do corpo, e são cada vez mais
benéficas para o diagnóstico exato de um amplo espectro de distúrbios anatômicos e fisiológicos. A avó
de todas as técnicas de imagem é a radiografia convencional (com raios X), em utilização desde o final
da década de 1940. As tecnologias de imagem mais modernas, conforme ilustram as figuras a seguir,
não só aperfeiçoaram a capacidade diagnóstica, mas também elevaram o conhecimento da anatomia e
da fisiologia normais.

Figura 30 – Densitometria óssea da região lombar da coluna vertebral

39
Unidade I

Figura 31 – Angiograma de um adulto apresentando obstrução da artéria coronária (seta)

Saiba mais

Para saber mais sobre anatomia seccional e a tecnologia clínica:

MARTINI, F. H.; TIMMONS, M. J.; TALLISTSCH, R. B. Anatomia humana.


Porto Alegre: Artmed, 2009.

Anatomia de superfície

A anatomia de superfície é a anatomia do indivíduo e limita a superfície do corpo humano.


A experiência adquirida durante o estudo anatômico é aplicada aos métodos clássicos do exame clínico.
Esse tipo de anatomia tem um papel de grande relevância nos cursos de investigação clínica.

Seus métodos clássicos de investigação clínica abrangem:

• Inspeção: eficaz para a percepção de mudanças patológicas externas que insinuem a patologia
do paciente ou até aceitem um diagnóstico visual.

• Palpação: percepção pelo tato e que consente a avaliação de alterações estruturais ou


volumétricas, especialmente de órgãos internos, e da sensibilidade à dor de alguma região que
indica processos patológicos.

• Percussão: golpes leves e desferidos pelos dedos sobre a superfície do corpo provocam uma
sonoridade na projeção dos órgãos internos. O som gerado difere, dependendo da consistência

40
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

(conteúdo aéreo ou líquido) dos tecidos postos abaixo da pele e provê dados para a avaliação da
posição e da projeção dos órgãos.

• Ausculta: normalmente realizada com o auxílio de um estetoscópio, que permite a percepção de


sons originados pela respiração e pelos batimentos cardíacos e os movimentos intestinais.

• Provas funcionais adicionais: executadas durante o exame do aparelho locomotor e do


sistema nervoso.

1.4 Anatomia sistêmica e topográfica

1.4.1 Anatomia sistêmica

Para os estudantes iniciantes no estudo da anatomia humana é justificável dar ideia da construção
do corpo dos animais, adicionando a espécie humana, comparando‑a a construção de um edifício.
Em linhas gerais, seria a simples relação entre a anatomia e a arquitetura, saindo das unidades como as
menores partes e chegando, por sua agregação progressiva ao todo, corpo e edifício concomitantemente.

A comparação entre a construção de um animal e de um edifício inicia por suas unidades.


As unidades de um edifício são os tijolos e as de um animal, no caso o ser humano, são as biológicas ou
células microscópicas.

Tijolos semelhantes são arranjados de maneira a formar uma parede e células semelhantes de
maneira a formar um tecido. Cada tecido pode ser interpretado como um conjunto de células idênticas
para exercer a mesma função geral.

As paredes são arranjadas de maneira a compor uma sala ou um quarto e os tecidos são agrupados de
maneira a compor um órgão. Cada órgão é interpretado como um instrumento de função, sendo diferenciado
pela origem, sede (situação), forma, estrutura e por suas relações. Além disso, o corpo pode ser chamado
de organismo e sua fábrica, constituída de órgãos, chamada de organização. Os quartos são compostos de
maneira a formar um apartamento e os órgãos estão agrupados para estabelecer um sistema.

Cada sistema é interpretado como um conjunto de órgãos que têm as mesmas origens e estrutura,
cujas funções especiais são unidas para a atuação de funções complexas. Os apartamentos são adjacentes
ou verticalmente superpostos para constituir um edifício e os sistemas estão agrupados de maneira a
formar o organismo.

Lembrete

O estudo do organismo pode ser realizado por sistemas ou regiões.

O organismo é, assim, interpretado como uma união de sistemas (orgânicos), podendo‑se concluir,
com as devidas notas, que a vida básica é a somatória das funções dos sistemas integrados, conforme
41
Unidade I

ilustra a figura a seguir. Por conseguinte, a anatomia sistêmica envolve o estudo indutivo macroscópico
dos sistemas orgânicos analisados separadamente.

Dessa forma, podemos enumerar os seguintes sistemas, do ponto de vista da anatomia sistêmica:
o sistema esquelético, que compreende o estudo dos ossos, das cartilagens, das uniões entre os ossos
e das articulações; o sistema muscular, composto pelos músculos esqueléticos e cutâneos, tendões,
aponeuroses, retináculo e fáscias musculares; o sistema cardiovascular, que abrange o coração,
vasos sanguíneos, vasos linfáticos, baço, timo e linfonodos; o sistema respiratório, constituído pelos
pulmões e as vias aéreas (faringe, laringe, traqueia e brônquios); o sistema digestório, representado
pelo canal alimentar (boca, faringe, esôfago, intestino delgado, intestino grosso, reto e ânus) e órgãos
anexos (glândulas da boca, dentes, língua, fígado, vesícula biliar e pâncreas); o sistema urinário, cujos
constituintes são os rins, os ureteres, a bexiga urinária e a uretra; o sistema genital masculino, composto
pela genitália externa (pênis e escroto) e a genitália interna (testículos, epidídimo, ducto deferente,
ducto ejaculatório, glândula seminal, glândulas bulbouretrais e próstata); o sistema genital feminino,
composto pela genitália externa (vulva ou pudendo) e a genitália interna (ovários, tubas uterinas, útero
e vagina); o sistema nervoso, cujos componentes são o encéfalo, a medula espinal, os nervos, os gânglios
e os órgãos dos sentidos; o sistema tegumentar, representado pelo tegumento (pele), os seus anexos
(unhas, pelos e glândulas) e a tela subcutânea; os órgãos endócrinos, representados pelo conjunto de
órgãos sem ductos, isto é, órgãos de secreção interna.

Átomos

Mitocôndrias
Núcleo
Molécula (DNA)

Célula muscular lisa

Tecido muscular liso

Organismo Bexiga urinária Epitélio


Tecido conectivo
Tecido muscular liso
Tecido conectivo
Rim Parede da bexiga
Bexiga urinária urinária
Uretra
Sistema urinário

Figura 32 – O estudo da anatomia em diferentes escalas

42
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Saiba mais

Para saber mais sobre os sistemas do corpo humano:

TORTORA, G. J.; DERRICKSON, B. Princípios de anatomia e fisiologia.


14. ed. São Paulo: Guanabara‑Koogan, 2016. p. 4-7.

Os aparelhos são formados por grupos de dois ou mais sistemas com funções semelhantes. Assim, temos:

• aparelho ósteo‑articular: formado pelos sistemas esquelético e articular;

• aparelho locomotor: constituído pelos sistemas esquelético, articular e muscular;

• aparelho da nutrição: composto pelos sistemas respiratório, digestório e endócrino;

• o aparelho urogenital: que compreende os sistemas urinário e genital masculino, o aparelho


reprodutor formado pelos sistemas genital masculino, genital feminino e tegumentar;

• aparelho neuroendócrino: constituído pelo sistema nervoso e os órgãos endócrinos;

• aparelho cardiorrespiratório: constituído pelos sistemas cardiovascular e respiratório;

• aparelho gastropulmonar: formado pelos sistemas digestório e respiratório;

• aparelho mastigador: composto pelos músculos, língua e dentes;

• aparelho lacrimal: compreende a glândula lacrimal, saco conjuntival palpebral, papila e os


canalículos lacrimais, saco lacrimal e ducto nasolacrimal;

• aparelho neurossensorial: formado pelo sistema nervoso e os órgãos dos sentidos.

Observação

Assim, vários aparelhos formam o organismo. O reprodutor é


composto pelo sistema tegumentar, além dos sistemas genitais. O sistema
tegumentar está envolvido com a reprodução, pois as mamas pertencem
a esse sistema, sendo que sua justificativa consiste da ejeção de leite
materno, estimulado pela ação do hormônio ocitocina, fornecendo,
assim, alimento para o bebê.

43
Unidade I

1.4.2 Anatomia topográfica

A anatomia topográfica ou regional é o estudo das características anatômicas e das relações entre
os diversos órgãos em cada região do organismo, como, por exemplo, as regiões do crânio e da pelve.

Saiba mais

O filme a seguir narra a história de uma viagem submarina através


do organismo em direção ao cérebro para a realização de uma perigosa
cirurgia. Para derrotar os seres destruidores, a equipe é miniaturizada antes
de começar esta aventura fantástica.

VIAGEM fantástica. Dir. Richard Fleischer. EUA: 20th Century Fox, 1966.
111 minutos.

1.5 Terminologia anatômica

Ao estudar a anatomia, o aluno vai se defrontar com uma variedade de palavras novas, terminologias
usadas para chamar as partes do organismo e dos órgãos. A terminologia anatômica, conforme ilustra a
figura a seguir, é um documento oficial que deve ser cumprido precisamente pelos professores e alunos.

Para facilitar a descrição anatômica, podemos usar abreviaturas. As seguintes estão entre as mais utilizadas
em anatomia : a. – artéria; fasc. – fascículo; lig. – ligamento; m. – músculo; n. – nervo; r. – ramo; v. – veia;
gl. – glândula; aa. – artérias; ligg. – ligamentos; mm. – músculos; nn. – nervos; rr. – ramos; e vv. – veias.

A terminologia anatômica é essencial para a saúde. Os termos são oriundos do latim ou do grego e
são utilizados no mundo todo.

Figura 33 – A importância de um vocabulário correto

44
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

1.6 Conceito de normal e variações anatômicas

A observação de um mesmo órgão em indivíduos distintos mostra que apesar de morfologicamente


semelhantes eles não são rigorosamente idênticos. Os órgãos possuem pequenas distinções entre si.
O ponto de vista considerado normal em anatomia é a situação morfológica mais comum. Os outros
órgãos com características um pouco distintas do mais comum, mas que funcionam bem, se chamam
variações anatômicas. Um mesmo órgão, em cada indivíduo possui formas virtuosamente distintas.
É necessário, então, determinar qual desses aspectos é classificado normal. Para que uma característica
anatômica seja classificada como uma variação é preciso levar em conta determinados fatores.

Como exemplo, podemos citar a posição do coração, sendo que ele se encontra em sua maior parte
à esquerda do plano mediano. Nesse caso, não há dano para a função.

As variações anatômicas podem ser internas ou externas. As internas evidentemente são aquelas que
acontecem em órgãos internos, como, por exemplo, as variações na posição e no contorno do estômago
em relação ao tipo constitucional, conforme ilustra a figura a seguir. Já as variações anatômicas externas
são observadas externamente, como, por exemplo, ao considerarmos dois indivíduos, um alto e outro
baixo. Percebemos que funcionalmente um indivíduo de 1,60 metros de altura tem equilíbrio para andar
da mesma maneira que um de 1,70 metros de altura.

A) B) C) D)

Figura 34 – Variações na posição e no contorno do estômago em relação ao tipo constitucional

A forma da tonicidade do estômago, por exemplo, se altera conforme a estrutura muscular de suas
paredes. Os tipos são:

• Estômago hipertônico: paredes musculares contraídas em tempo relativamente maior, portanto,


a sua tonicidade é máxima. Ele é típico na maioria dos indivíduos obesos.

• Estômago ortotônico: tonicidade normal, portanto, considerado dentro da normalidade.

• Estômago hipotônico: tonicidade baixa, mas não ao extremo.

• Estômago atônico: tonicidade das paredes quase nula, sendo que o estômago pode atingir até ao
nível da pelve.

45
Unidade I

Observação

Além das variações anatômicas conhecidas como individuais, o


organismo possui variações pertinentes a fatores gerais de variação
anatômica, como, por exemplo, sexo, idade, raça e biótipo.

1.6.1 Fatores gerais de variação anatômica

Os fatores gerais de variação anatômica são:

Sexo

O dimorfismo sexual é prontamente reconhecível, conforme ilustram as figuras a seguir. Além das
características sexuais secundárias que se desenvolvem na puberdade, como, por exemplo, nas mulheres
a presença de mamas desenvolvidas e pelo corporal escasso. Em contrapartida, nos homens existe o
crescimento do pelo facial e os ombros sendo mais largos do que a pelve. Assim, sabemos que existem
também as diferenças relacionadas ao fator sexo em órgãos não genitais.

Figura 35 – Sexo masculino e feminino

46
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Observação

O popularmente conhecido “gogó”, cujo nome correto é proeminência


laríngea, antes denominada de pomo de Adão (homem, em hebraico) e não
de Eva (mulher, em hebraico) porque se acreditava que ele existisse apenas
no homem (sinal de que a maçã ficou engasgada na garganta por conta do
pecado original). Sabe‑se hoje que a proeminência laríngea é mais comum
no homem, mas há homens (principalmente os gordos) que não a têm e há
mulheres (magras) que a possuem.

Recorrendo à mitologia grega, Hermes era considerado o deus do atletismo e Afrodite a deusa do
amor, do sexo e da beleza. De acordo com o mito, na Grécia teria nascido um menino extremamente
bonito, Hermafrodito, cujo nome deriva da união de Hermes e Afrodite. O menino se transformou
posteriormente em um ser andrógino por haver se unido à ninfa chamada de Salmácia, conforme ilustra
a figura a seguir, representando a fusão dos dois sexos e aquele que não tem gênero definido.

Figura 36 – Hermafrodito e Salmácia

Exames feitos na corredora sul‑africana Caster Semenya durante o Mundial de Berlim em 2009
confirmaram que a atleta é hermafrodita. A fundista não tem ovários e apresenta órgãos sexuais
masculinos internos, que estariam produzindo uma grande quantidade de testosterona.

47
Unidade I

Figura 37 – Caster Semenya

Saiba mais

Para saber mais sobre a diversidade de gênero no esporte.

LAGUNA, M. Além de Tifanny, outros casos de diversidade de


gênero no esporte. Veja on‑line, São Paulo, 12 jan. 2018. Disponível em:
<https://veja.abril.com.br/esporte/alem‑de‑tifanny‑outros‑casos‑de‑
diversidade‑de‑genero‑no‑esporte/>. Acesso em: 11 abr. 2019.

Idade

Observam‑se alterações anatômicas com o avançar da idade, nos vários períodos ou fases da vida
intrauterina e extrauterina. As fases de vida intrauterina são: ovo, embrião e feto; na extrauterina
os períodos principais são os seguintes: recém‑nascido e período neonatal, infância, meninice,
pré‑puberdade, puberdade, pós‑puberdade, virilidade, velhice e senilidade.

Em cada uma destas fases, o organismo possui aspectos próprios, como, por exemplo, a pele das
crianças é mais fina do que a dos adultos. Portanto, sabemos que os idosos têm como características
rugas faciais decorrentes do ressecamento geral da pele, conforme ilustra a figura a seguir.

48
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Figura 38 – O envelhecimento da pele resulta em perda da elasticidade e o aparecimento de rugas

Raça

A raça (grupo étnico), em um sentido amplo, refere‑se a um grupo de indivíduos que obedecem a uma
divisão da espécie humana. Em sentido restrito, raça é um grupo de indivíduos que apresentam características
particulares em comum devido a uma descendência. Portanto, abrangem os grandes grupos raciais (branco,
negro e amarelo) e os seus graus de mestiçagem, responsáveis por diferenças morfológicas externas e internas.
Os humanos são os únicos membros vivos da família dos hominídeos. O homo sapiens está incluído dentro
desta família, à qual pertencem todas as variedades ou grupos étnicos de humanos, conforme ilustra a seguir.

Assim, há diferenças raciais em órgãos em todos os sistemas, além das bem conhecidas características
morfológicas externas que diferenciam cada grupo racial. Possuem algumas características anatômicas
diferentes entre si e próprias de cada grupo racial, como, por exemplo, as cores da pele, dos cabelos e
dos olhos, os tipos de cabelo e nariz.

A) B) C) D)

E) F)

Figura 39 – Principais raças humanas: A) mongoloide (Tailândia), B) caucasoide (norte da Europa), C) negroide (África), D) povo do
subcontinente indiano (Nepal), E) capoide (boximane do Kalahari) e F) australoide (homem de Ngatatjara, oeste da Austrália)

49
Unidade I

Frequentemente, estudos que usam populações são questionados quanto à homogeneidade de


suas amostras em relação à raça e etnia. Esses questionamentos procedem, pois a heterogeneidade
amostral pode elevar a variabilidade dos resultados e mascará‑los. Esses dois conceitos (raça e etnia)
são confundidos inúmeras vezes, mas existem diferenças sutis entre ambos: raça engloba características
fenotípicas, como, por exemplo, a cor da pele; etnia também compreende fatores culturais, como, por
exemplo, a nacionalidade, a afiliação tribal, a religião, a língua e as tradições de um determinado grupo.
Sobre a ampla utilização do termo “raça”, cresce entre os geneticistas a definição de que raça é um
conceito social, muito mais que científico.

Saiba mais

Para saber mais sobre a diferença entre raça e etnia:

SANTOS, D. J. S. et al. Raça versus etnia: diferenciar para melhor aplicar.


Dental Press J Orthod, [s.l.], v. 15, n. 3, maio/jun. 2010. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/dpjo/v15n3/15.pdf/>. Acesso em: 11 mar. 2019.

Biótipo

Essa característica refere‑se ao tipo constitucional, que são subdivididos em dois tipos extremos
constitucionais em que as diferenças anatômicas são mais óbvias: os longilíneos e brevilíneos.
Os indivíduos longilíneos são altos, magros com pescoço longo e membros compridos em relação ao
tronco. Os indivíduos brevilíneos são baixos, gordos com pescoço curto e membros curtos em relação
ao tronco. Entre esses estão os indivíduos mediolíneos, que não devem ser chamados de normolíneos,
porque são tão normais quanto os dois outros tipos.

Evolução

O ancestral da linhagem humana era seu primata das savanas que não andava bem ereto. Portanto,
a posição bípede se tornou típica de nossos ancestrais e acabou sendo a responsável por uma série de
características nossas mais essenciais. Além disso, entre os últimos 500 mil e 200 mil anos, nosso cérebro
sofreu um crescimento considerável em volume. A estrutura do cérebro também vinha mudando e
caracterizava‑se por ter uma área motora e uma área da fala. Um cérebro maior parecia estar associado
a uma crescente habilidade em utilizar as mãos e os braços e ao aparecimento de uma linguagem falada.
Tais fatos conduziram esses indivíduos ao consumo cada vez maior de carne na alimentação. Então, é
possível que com o decorrer do tempo os ácidos graxos encontrados na carne tenham requintado o
cérebro e provavelmente seu funcionamento.

É por isso que os humanos são englobados junto com os macacos em um mesmo grupo zoológico, que
é a ordem dos primatas. Porém, é evidente que nem em tudo sejam semelhantes. Assim, a comparação
dos humanos com os chimpanzés revela que aqueles:

50
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

• São mais adaptados à vida terrestre.

• O encéfalo é três vezes maior do que um chimpanzé. Certas regiões extremamente especializadas e
certas estruturas no interior do encéfalo são responsáveis pelas emoções, pensamentos, raciocínio,
memória e até mesmo precisa coordenação de movimentos.

• As pernas são mais longas e mais fortes do que os braços.

• A região lombar da coluna ostenta uma curvatura que desloca o centro de equilíbrio para trás,
dessa maneira a massa corporal é posta diretamente sobre a pelve e os membros inferiores.
A coluna dos chimpanzés, ao contrário, é reta ou curvada uniformemente.

• O ílio é largo, proporcionando uma grande área para a fixação dos músculos glúteos e dos demais
músculos que os mantêm eretos.

• Os fêmures acompanham a linha média do corpo, de maneira que os pés ficam diretamente sob
o centro de gravidade, melhorando o equilíbrio na vertical.

• Os dentes e maxilares são menos maciços.

• Os olhos são dirigidos para adiante, de forma que quando focaliza um objeto ele é visto sob dois
ângulos. A visão estereoscópica dá a percepção de profundidade ou imagem tridimensional.

• O dedo polegar é estruturalmente adaptado para agarrar objetos com bastante versatilidade.
A articulação selar da base do dedo polegar possibilita uma grande amplitude de movimentos,
conforme ilustra a figura a seguir. Todos os primatas apresentam dedos polegares em oposição.

Creek

Tarsier (lêmur) Humano


Aye-Aye (lêmur)
Gorila

Figura 40 – O dedo polegar em oposição possibilita uma pega em pressão, característica dos primatas

Meio ambiente

O meio ambiente em que se vive pode ser responsável, direta ou indiretamente, por diferenças
morfológicas e, portanto, variações anatômicas, por meio do controle que pode gerar nos indivíduos.
51
Unidade I

Essas alterações são claras quando se confrontam indivíduos que residem nas regiões equatorial,
tropical e polar.

Biorritmos

Consiste no evento cíclico de atividades biológicas, ou seja, a alternância periódica de situações


diversas em seres humanos e em outros animais. Um exemplo disso é a variação biológica circadiana
circa (latim), cerca ou aproximadamente; dies, dia, é um ritmo periódico com um ciclo de cerca
24 horas, empregado à repetição rítmica de determinados fenômenos que acontecem em seres vivos
aproximadamente no mesmo tempo cada dia, como, por exemplo, na glândula pineal de animais.

Observação

Em torno das 19 horas, quando a luminosidade natural do dia é reduzida,


a retina envia uma mensagem para o hipotálamo de que escureceu.
A mensagem chega ao “relógio biológico”, que fica na parte anterior do
hipotálamo. Esse é o sinal para o relógio processar o botão de liga e desliga
(apelidado de sleep switch, interruptor do sono, em inglês). O relógio
comunica a glândula pineal para iniciar e liberar a produção do hormônio
melatonina, que facilita o começo do sono. Como a produção demora cerca
de duas horas para atingir a seu ápice, o melhor horário para ir para a
cama é a partir das 21 horas ou 22 horas. O botão também ativa outros
mecanismos relacionados ao acúmulo de cansaço, avisando que chegou
o período de descansar O botão de liga e desliga do sono nada mais é do
que um aglomerado de células chamadas sonogênicas, que localizam‑se
na parte anterior do hipotálamo. Elas se conectam com outras células que
estão na parte posterior do hipotálamo, cuja função é contrária, ou seja,
a de manter o corpo desperto. Enviando uma mensagem química, elas
avisam que é chegada a hora de dormir.

Gravidade

Gravitação é o fenômeno de atração entre corpos de grande massa. Os seres humanos estão
subordinados a ela, ainda que seu controle passe, em geral, despercebido. A força da gravidade se
cumpre pelo peso que o corpo deve suportar, como, por exemplo, quando o corpo está na posição
vertical, ortostática ou ereta sobre as plantas dos pés; ou quando está deitado, em decúbito dorsal, sobre
as regiões occipital, posterior do tórax, as nádegas, as regiões posteriores da coxa e poplítea, a parte
posterior da perna e do calcanhar.

A ausência de gravidade (weightlessness) que existe nos veículos espaciais produz em astronautas,
como já foi comprovado após viagens espaciais, alterações na arquitetura óssea, que estão sujeitas da
falta de estímulos.

52
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Esportes

A prática de exercícios físicos gera variações anatômicas que são com facilidade observadas. Elas
podem ser elucidadas nos tenistas e nos esgrimistas, que se valem de um só membro superior, nos quais
é possível notar sua preferência pela hipertrofia dos músculos dessa extremidade superior, gerando uma
maior e mais clara assimetria bilateral.

Trabalho

Os movimentos executados por trabalhadores, especialmente em profissões não sedentárias, são


responsáveis devido a sua repetição, por alterações morfológicas, mais comumente localizadas do que
generalizadas no organismo.

1.7 Anomalias

Anomalia pode ser definida como qualquer modificação morfológica que causa dano funcional
ao indivíduo, mas compatível com a vida. A maioria das anomalias é congênita. Contudo, algumas
são adquiridas por causa de patologias graves contraídas durante o desenvolvimento do indivíduo,
ou devido ao tipo ou à natureza do trabalho desenvolvido. Como exemplo de anomalias, temos as do
crânio, as craniossinostoses, que consistem no fechamento prematuro das suturas cranianas, entre
elas a escafocefalia, caracterizada pelo fechamento prematuro da sutura sagital, conforme ilustra a
figura a seguir.

Figura 41 – Escafocefalia, sinostose sagital isolada (aumento do diâmetro anteroposterior)

Dentre as anomalias da face está a fissura labiopalatal ou lábio leporino, conforme ilustra a figura a
seguir, que consiste na fissura do lábio superior semelhante ao de um coelho ou lebre. Já nas anomalias
da coluna vertebral, se encontram a hipercifose, hiperlordose e a escoliose.

53
Unidade I

Figura 42 – Fissura labiopalatal

Dentre as anomalias do tórax estão o tórax em funil, ou tórax de sapateiro, e o tórax em


quilha, ou tipo peito de pombo, conforme ilustram as figuras a seguir, desenvolvido em pacientes
portadores de asma.

Figura 43 – Pectus excavatum simétrico agudo

54
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Figura 44 – Pectus carinatum superior

Os membros superiores e inferiores são acometidos por anomalias como:

• focomelia, que consiste no membro reduzido do segmento distal e implantado no tronco;

• sindactilia, condição na qual dois ou mais dedos estão fusionados conforme ilustra a figura a seguir.

Figura 45 – Sindactilia

55
Unidade I

• polidactilia, conforme ilustra a figura a seguir, ou seja, dedos extranumerários.

Figura 46 – Polidactilia

• talipe ou pé torto, conforme ilustra a figura a seguir.

Figura 47 – Talipe

56
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

• anomalias no sistema nervoso, como a microcefalia, situação em que o cérebro permanece


anormalmente pequeno.

Observação

A transmissão vertical do Zika vírus (da gestante para o bebê) ainda é


uma hipótese, pois ainda não existem indícios científicos aceitáveis que
confirmam que o ele pode ser transmitido da mãe para o feto. O vírus de
fato já foi encontrado no líquido amniótico e no encéfalo de alguns fetos,
sugerindo a microcefalia. Provavelmente, o vírus afeta o desenvolvimento
do sistema nervoso central a partir da vesícula encefálica primordial
conhecida como prosencéfalo, que posteriormente vão formar o telencéfalo
e o diencéfalo, sendo essas regiões do cérebro.

Por fim, as anomalias do aparelho reprodutor estão relacionadas aos indivíduos hermafroditas, é a
polimastia, ou seja, mamas extranumerárias e a presença de pênis duplo, conforme ilustra a figura a seguir.

Figura 48 – Pênis duplo

Saiba mais

Para saber mais sobre os diferentes tipos de anomalias congênitas:

COELHO, M. S.; GUIMARÃES, P. S. F. Pectus carinatum. Jornal


Brasileiro de Pneumologia, Brasília, v. 33, n. 4, p. 463‑474, 2007.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S1806‑37132007000400017>. Acesso em: 11 mar. 2019.

57
Unidade I

___. Pectus excavatum: abordagem terapêutica. Revista do Colégio


Brasileiro de Cirurgiões, Rio de Janeiro, v. 34, n. 6, p. 412‑427, 2007.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100‑69912007000
600011&script=sci_arttext>. Acesso em: 11 mar. 2019.

SILVEIRA, A. R. J. et al. Talidomida: um fantasma do passado – esperança


do futuro. Revista Virtual de Iniciação Acadêmica da UFPA, Belém, v. 1,
n. 2, 2001, p. 1‑15. Disponível em: <www.cultura.ufpa.br/rcientifica/ed_
anteriores/pdf/ed_02_arjs.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2019.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFECTOLOGIA. Microcefalia e zika vírus:


tudo sobre o caso que colocou o Brasil em alerta. Boletim da SBI, São Paulo,
n. 52, p. 3‑5, 2015. Disponível em: <http://itarget.com.br/newclients/sbi/
newsletter/01‑11‑15/sbi.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2019.

TRAD, C. S.; ROSIQUE, R. G. Craniossinostoses primárias: ensaio


iconográfico. Revista de Radiologia Brasileira, São Paulo, v. 38, n. 5, p. 377‑380,
2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi
d=S0100‑39842005000500013>. Acesso em: 11 mar. 2019.

1.8 Monstruosidade

Monstruosidade é uma modificação morfológica muito ampla, a ponto de causar intensas


perturbações na construção corpórea do indivíduo, sendo em geral incompatível com a vida.

Além de doenças e hábitos deletérios, como o tabagismo e o alcoolismo, que atingem a gestação e
os fetos, a própria medicina pode originar anomalias e monstruosidades. Exemplo típico de iatrogênese,
ou seja, monstruosidade gerada por agentes terapêuticos, é o da talidomida. No final da década de
1950 e no início da de 1960, na Europa ela era receitada para aliviar as náuseas matutinas de mulheres
gestantes, especialmente as primigestas, a talidomida.

Hoje a talidomida é utilizada com sucesso para aliviar fortes dores agregadas a reações de lepra aguda.
No entanto, a talidomida não deve ser utilizada quando a gestação estiver em curso ou for planejada.

Com o progresso atual da medicina, em especial das técnicas cirúrgicas, alguns tipos de deformações
graves podem ser corrigidos cirurgicamente, com sobrevida do indivíduo, como, no caso dos xifópagos
(gêmeos conectados pelo abdome, os irmãos siameses), conforme ilustra a figura a seguir.

58
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Figura 49 – Xifópagos

Um outro exemplo de monstruosidade é a anencefalia (ausência de cérebro), conforme ilustra a


figura a seguir, e o ciclope.

Figura 50 – Anencefalia

Saiba mais

Para saber mais sobre a experiência intrigante de um médico ao realizar


uma cirurgia de grande risco de separação de gêmeos siameses:

MÃOS talentosas (a história de Benjamin Carson). Dir. Thomas Carter.


EUA: Sony Pictures Television, 2009. 90 minutos.

59
Unidade I

1.9 Divisão do organismo humano

O organismo humano divide‑se em cabeça, pescoço, tronco e membros, conforme ilustra a figura a
seguir. A cabeça corresponde à extremidade superior do corpo e encontra‑se unida ao tronco por uma
parte estreitada, o pescoço. No pescoço encontram‑se órgãos como a laringe, a glândula tireoide, as
glândulas paratireoides, parte da traqueia e o esôfago.

O tronco abrange o tórax e o abdome com as referentes cavidades torácica e abdominal separadas
entre si pelo diafragma. A região do corpo entre o pescoço e o abdome é habitualmente reconhecida
como tórax. O abdome se encontra abaixo do tórax. Centralizado na frente do abdome, o umbigo é um
evidente ponto de reparo. A cavidade abdominal estende‑se inferiormente na cavidade pélvica.

Dos membros, dois são superiores e dois inferiores. Cada um tem uma raiz, pela qual está unida ao
tronco e uma parte livre. Na transição entre o braço e o antebraço há o cotovelo; entre o antebraço e a
mão, o punho; entre a coxa e a perna, o joelho; entre a perna e o pé, o tornozelo.

Cabeça

Pescoço

Tórax Braço
Membros
Tronco superiores

Antebraço
Abdome

Mão

Coxa

Membros
Perna inferiores

Figura 51 – Segmentos do organismo

60
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

1.10 Posição anatômica

Nessa posição, o indivíduo é observado de pé e ereto, com os membros superiores caídos naturalmente,
próximos ao corpo, de cada lado do tronco. O olhar fixo é voltado horizontalmente para frente, assim
como as palmas das mãos com os dedos justapostos. Os membros inferiores igualmente aos superiores
permanecem unidos, com os pés paralelos, e as pontas dos dedos do pé também voltados para frente,
conforme ilustra a figura a seguir.

Figura 52 – Posição anatômica

1.11 Planos de delimitação do organismo humano

Na posição anatômica o organismo humano pode ser delimitado por planos tangentes à sua
superfície, os quais, com suas intersecções, geram a constituição de um sólido geométrico, um
paralelepípedo, conforme ilustra a figura a seguir. Apresenta‑se, assim, para as faces desse sólido,
os que se seguem planos correspondentes, sendo eles dois planos verticais, um tangente ao ventre,
plano ventral ou anterior; e outro ao dorso, plano dorsal ou posterior. Esses e outros paralelos a eles
também são denominados como planos frontais, por serem paralelos à fronte. A denominação ventral

61
Unidade I

e a denominação dorsal são destinadas ao tronco, enquanto a anterior e a posterior aos membros.
Os dois planos verticais tangentes aos lados do corpo são chamados de planos laterais direito e esquerdo.
Os dois planos horizontais, um tangente à cabeça, é chamado de plano cranial ou superior; e o outro à
planta dos pés é chamado plano podálico (podos, pé) ou, ainda, inferior. O tronco separado é limitado
inferiormente pelo plano que incide pelo vértice do cóccix, ou seja, o osso que no homem é o vestígio
da cauda de outros animais. Por essa razão, é chamado caudal.

Os planos auxiliam na referência para a utilização de termos de posição e direção, ao localizar os


órgãos e denominar suas partes.

Figura 53 – Planos de delimitação do organismo humano

1.12 Planos de secção do organismo humano

O plano que separa o organismo humano em metades direita e esquerda é chamado de plano
mediano, conforme ilustra a figura a seguir. Todo corte do corpo produzido por planos paralelos
ao plano mediano é uma secção sagital, ou seja, corte sagital, e os planos de secção são também
chamados de sagitais. O nome resulta do fato de que o plano mediano incide pela sagitta (do latim
seta) do crânio fetal.

62
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Figura 54 – Plano mediano

Os planos de cortes que são paralelos aos planos ventral e dorsal são chamados frontais. Os frontais,
conforme ilustra a figura a seguir, são planos verticais que incidem também da cabeça aos pés, porém,
que estão em ângulos retos com o plano sagital. Mesmo que somente um deles incida perto pela
sutura coronal do crânio, eles admitem também a designação de planos coronais. Todo corte é também
chamado frontal ou secção frontal.

Figura 55 – Plano coronal

Os planos transversais ou horizontais, conforme ilustra a figura a seguir, também são planos de
cortes que incidem transversalmente no organismo humano em ângulos retos, com ambos os planos
sagital e frontal. O corte é chamado de transversal ou secção transversal.
63
Unidade I

Figura 56 – Plano transversal

Lembrete

Para a descrição da posição anatômica e a situação dos órgãos, é


necessário: imaginar o organismo sempre em uma mesma posição (a
anatômica) e utilizar os planos de delimitação e secção.

Para se sustentar equilibrado, o organismo humano também assume determinadas posições com
relação aos planos anatômicos, são elas:

• Ereto: posição em pé, na vertical.

• Supino: posição em decúbito dorsal, ou seja, a região das costas para baixo e face para cima.

• Decúbito ventral: posição contrária ao supino, ou seja, a região do abdome e face para baixo.

• Decúbito lateral: posição deitado lateralmente sobre o lado esquerdo ou direito.

Saiba mais

Para saber mais o assunto pelo viés da história, arte e literatura:

WILLIAMS, H. A. Anatomias: uma história cultural do corpo humano.


Rio de Janeiro: Record, 2016.

64
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

1.13 Termos de posição e direção

Os termos de posição e direção são utilizados para encontrar as estruturas e as regiões do organismo
humano, concernentes à posição anatômica.

O termo proximal é região dos membros mais próxima à raiz do membro, como, por exemplo, o
joelho é proximal ao pé, enquanto o termo distal é a região dos membros mais distante da origem,
como, por exemplo, a mão é distal ao cotovelo.

O termo anterior é aquele que está à frente de uma região ou estrutura do organismo humano,
como, por exemplo, o umbigo está no lado anterior do corpo. Já o termo posterior refere‑se ao dorso de
uma região ou estrutura do organismo humano, como, por exemplo, os rins são órgãos posteriores em
relação aos intestinos.

O termo superior é a região ou estrutura próxima, ou em direção à cabeça, como, por exemplo, o
tórax é superior ao abdome. Já o termo inferior é a região ou estrutura do organismo humano localizado
próximo ou em direção aos pés, como, por exemplo, as pernas são inferiores ao tronco.

O termo medial é a região do organismo humano ou estrutura mais próxima ao plano mediano,
como, por exemplo, o coração é medial em relação aos pulmões. O termo lateral é a região ou estrutura
do organismo humano mais afastado do plano mediano, como, por exemplo, as orelhas são laterais
ao nariz.

Os termos interno e externo são utilizados para descrever a distância relativa de uma estrutura do
centro de um órgão ou de uma cavidade, como, por exemplo, a artéria carótida interna é situada dentro
da cavidade do crânio e a artéria carótida externa é situada fora da cavidade do crânio.

O termo ipsilateral refere‑se ao mesmo lado do corpo, como, por exemplo, a mão e o pé esquerdos
são ipsilaterais. O termo contralateral refere‑se aos lados opostos do corpo, como, por exemplo, os
músculos bíceps do braço esquerdo e reto femoral da coxa direita são contralaterais.

O termo superficial é usado para a estrutura localizada mais próxima à superfície corpórea, como, por
exemplo, a pele é superficial em relação aos ossos. O termo profundo é usado para a estrutura localizada
internamente ao corpo, longe da superfície, como, por exemplo, o músculo masseter é profundo em
relação à pele.

O termo mediano refere‑se à estrutura que coincide com o plano mediano, como, por exemplo,
o nariz.

A seguir estão alguns exemplos de utilização dos termos de posição e direção, conforme ilustram
as figuras.

65
Unidade I

C
B

Figura 57 – Termos de posição e direção

Figura 58 – Termos de posição e direção

• As linhas azuis nas figuras representam o plano mediano.

• A estrutura representada em vermelho na primeira figura é considerada mediana, pois coincide


com o plano mediano.

• A estrutura representada pela letra A na primeira figura é considerada anterior, pois está mais
próxima ao ventre.

• A estrutura representada pela letra C na primeira figura é considerada posterior, pois está mais
próxima ao dorso.

• A estrutura representada pela letra B na primeira figura é considerada intermédia, pois está situada
entre as duas anteriores.

66
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

• A estrutura representada em amarelo na segunda figura é considerada medial, pois está mais
próxima ao plano mediano.

• A estrutura representada em vermelho na segunda figura é considerada lateral, pois está mais
distante ao plano mediano.

• A estrutura representada em rosa na segunda figura é considerada intermédia, pois está situada
entre as duas anteriores.

1.14 Eixos de movimento

O corpo humano e seus segmentos se movem nos planos de movimento em torno dos eixos de
movimento. Ele se movimenta em três planos, os quais são chamados de planos anatômicos do movimento,
conforme ilustra a figura a seguir. Os três eixos em torno dos quais esses planos fazem rotação são, em
expressões físicas, x, y e z. São eles: eixo x, ou medial‑lateral, que corre de uma lateral à outra e se encontra
no plano frontal; o eixo y, ou vertical, que corre de cima para baixo ou superior inferiormente e está no
plano transverso; e o eixo z, ou anteroposterior, que corre da frente para trás e está no plano sagital.

Todos os movimentos podem ser descritos pela situação ao longo do plano de movimento e em
torno do eixo de movimento desse plano. Esses eixos de movimento também são descritos em termos
funcionais em referência à posição anatômica, conforme descrita anteriormente. A partir desse ponto
de referência, os movimentos e planos são determinados.
Eixo y

Plano sagital

Centro de
gravidade

Plano transverso Eixo z

Eixo x

Plano frontal

Figura 59 – Os três eixos e planos anatômicos do corpo vistos na posição anatômica

67
Unidade I

Lembrete

Os três planos de movimento são os planos frontal, sagital e horizontal e


seus eixos correspondentes incluem os eixos de movimento anteroposterior,
medial‑lateral e superior‑inferior, respectivamente.

A articulação do joelho é um exemplo de eixo frontal. A parte inferior da perna é o objeto que se
movimenta no plano sagital quando se flexiona o joelho e o plano horizontal gira em torno de um eixo
vertical (longitudinal).

De forma similar, conforme gira‑se a cabeça para a esquerda e para a direita, como no movimento
do não, a cabeça gira em um plano horizontal em torno do eixo vertical criado por sua coluna vertebral.
O plano frontal gira em torno do eixo sagital (anteroposterior).

Quando se eleva o braço para o lado, a articulação do ombro é o exemplo de eixo horizontal sagital
e o braço é o objeto em movimento no plano frontal.

O quadro a seguir resume a relação entre os planos anatômicos, os eixos associados e os


movimentos fundamentais.

Quadro 1

Plano Eixo Movimentos


Sagital (anteroposterior) Horizontal frontal (laterolateral) Flexão e extensão
Frontal (lateral) Horizontal sagital (anteroposterior) Abdução e adução
Horizontal (transverso) Vertical Rotação

1.15 Cavidades corporais

As cavidades corporais são espaços internos do corpo que alojam os órgãos ou as vísceras.
No organismo humano há cinco cavidades, conforme ilustra a figura a seguir:

• A cavidade do crânio situa‑se no interior do crânio e abrange o encéfalo. Já o canal vertebral


começa na base da cavidade do crânio e aloja a medula espinal. Essas duas cavidades constituem
um espaço único contínuo.

• A cavidade torácica localiza‑se no tórax, acima do diafragma, com o mediastino limitando‑a em


lados direito e esquerdo. A cavidade torácica aloja o coração, vasos de sangue, esôfago, timo,
traqueia, brônquios e pulmões.

• A cavidade abdominal começa logo após a cavidade torácica, na parte superior do abdome. Na
cavidade abdominal encontram‑se o estômago, a maior parte do intestino, o fígado, a vesícula
biliar, o baço, o pâncreas e os rins.
68
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

• A cavidade pélvica envolve o interior da pelve. Está situada na parte inferior do abdome e aloja
parte do intestino, da bexiga urinária, da uretra e dos órgãos genitais internos.

• Além das grandes cavidades corporais fechadas do organismo, temos outras cavidades corporais
menores. A maioria está na localizada cabeça e se abre para o exterior do organismo. São elas:

— Cavidade oral e digestória: habitualmente chamada de boca, abrange órgãos anexos da


mastigação, como, por exemplo, os dentes e a língua. Ela é contínua com parte da cavidade
dos órgãos que forma o canal alimentar, a qual se abre para o exterior no ânus.

— Cavidade nasal: situada dentro e posteriormente ao nariz. A cavidade nasal forma parte das
vias áreas superiores do sistema respiratório.

— Cavidades orbitais no crânio: abrigam os olhos e os apresentam em uma situação anterior.

— Cavidades da orelha média: situadas no crânio e medialmente ao tímpano. Abrangem ossículos


que conduzem vibrações sonoras para os receptores auditivos nas orelhas internas.

— Cavidades sinoviais: cavidades articulares que apresentam um líquido lubrificante que diminui
o atrito quando os ossos se movimentam uns sobre os outros.

Cavidade do
crânio

Cavidade Cavidade dorsal


torácica

Canal
vertebral
Cavidade ventral

Cavidade
abdominopélvica

Figura 60 – As cavidades corporais

69
Unidade I

1.16 Princípios gerais de construção do organismo humano

1.16.1 Antimeria

O plano mediano divide o organismo humano em duas partes semelhantes, direita e esquerda.
Essas partes são chamadas antímeros, que são semelhantes morfológica e funcionalmente, por isso o
organismo humano é arquitetado conforme o princípio de simetria bilateral. Dessa forma, por exemplo,
as hemifaces de um mesmo indivíduo não são iguais, conforme ilustra a figura a seguir. As linhas
que incidem pelas fendas palpebrais, bem como pelas comissuras labiais, não são horizontais, mas sim
oblíquas. Além disso, a linha mediana da face não é retilínea, mas convexa para um lado ou para outro.
Associando‑se esses três elementos, observa‑se que comumente a linha mediana da face é convexa para
a direita e coincide com um eixo ocular oblíquo para cima e para a direita, e com um eixo bucal oblíquo
para baixo e também para a direita. Tudo isso sugere um maior desenvolvimento da metade direita da
face. O pavilhão da orelha é, comumente, maior e mais alto à esquerda.

Figura 61 – Assimetria da face

Além disso, existem diversas diferenças morfológicas externas nos indivíduos, como, por exemplo,
no tamanho das mamas e na altura dos testículos. Internamente, as diferenças são mais claras,
como é o caso do coração, que se apresenta mais reposicionado para a esquerda, o que se chama de
situação levocárdica. Por outro lado, pode‑se citar a posição, como se observa nos rins, sendo o direito
rotineiramente mais baixo do que o esquerdo, devido ao fígado que preenche quase completamente do
lado direito, enquanto o baço está posto à esquerda da linha mediana. Porém, os pulmões apresentam
só assimetria quanto à forma e não em relação à posição.

70
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

1.16.2 Metameria

Satisfaz a superposição longitudinal de segmentos semelhantes, referidos metâmeros. No adulto,


os exemplos clássicos de metameria são: a coluna vertebral, conforme ilustra a figura a seguir, em
que existe a superposição de vértebras, e a cavidade torácica, em que as costelas estão superpostas
longitudinalmente, permanecendo entre elas os espaços intercostais.

Cervival

Torácica

Lombar

Sacral
Coccígea

Figura 62 – Coluna vertebral


1.16.3 Paquimeria

É o princípio pelo qual o segmento do organismo do indivíduo representado pela cabeça, pescoço
e tronco são compostos esquematicamente por dois tubos, chamados de paquímeros. Existem os
paquímeros anterior ou ventral e o posterior ou dorsal.

1.16.4 Segmentação

O princípio da segmentação ou da estrutura segmentar na construção do organismo humano é


verificado no tipo de subdivisão dos órgãos de acordo com a distribuição dos seus vasos sanguíneos
e linfáticos, nervos e, quando existir ductos, canais ou tubos relacionados com sua função, como,
por exemplo, brônquios, ductos bilíferos e vias urinárias, conforme ilustra a figura a seguir, que
representa o fígado.

Figura 63 – Segmentos anátomo‑cirúrgicos do fígado

71
Unidade I

Em anatomia e cirurgia o conhecimento da segmentação possibilita retirar apenas a parte


lesada ou patológica de um órgão. Por exemplo, o fígado pode ser considerado como a soma de
oito segmentos anátomo‑cirúrgicos que representam oito pequenos fígados. Em caso de processo
patológico localizado no fígado, no qual seja recomendada uma biópsia, essa poderá ser realizada no
segmento portal correspondente.

1.16.5 Estratimeria ou estratificação

É o princípio segundo o qual o organismo humano é construído por camadas ou estratos que se
superpõem. Por exemplo, a pele, na qual se caracteriza a camada superficial, a epiderme, e a camada
profunda, a derme. Ou também a tela subcutânea, com suas três camadas fundamentais, procedendo a
seguir a fáscia muscular, músculos e ossos. A estratificação acontece também em órgãos ocos, como, por
exemplo, no intestino. As paredes desses órgãos são formadas por camadas superpostas. No coração, o
pericárdio é a camada externa, o miocárdio a média e o endocárdio a camada que forra internamente
o coração. Por fim, no sistema nervoso central podemos citar a disposição das meninges e os seus
respectivos espaços. Assim, teremos na sequência, a partir do tecido ósseo até o tecido nervoso: ossos,
espaço epidural, dura‑máter, espaço subdural, aracnoide‑máter, espaço sub‑aracnoideo, pia‑máter e
tecido nervoso, conforme ilustra a figura a seguir.

Tecido conectivo frouxo Crânio


e periósteo do crânio
Dura-máter
Aponeurose epicrânica
Espaço subaracnoideo
Escalpo
Aracnoide-máter
Córtex cerebral recoberto
por pia-máter

Figura 64 – Encéfalo e meninges

Lembrete

O organismo humano é estruturado conforme determinados princípios


que chamamos de planos gerais de construção.

72
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Saiba mais

Para saber mais sobre como eram os laboratórios de anatomia e as


farmácias medievais, as pesquisas de decomposição do século XIX e os
laboratórios de cirurgia plástica:

ROACH, M. Curiosidade mórbida: a ciência e a vida secreta dos cadáveres.


São Paulo: Paralela, 2015.

E para saber o que permitiu ao homo sapiens subjugar as demais


espécies e o que o torna capaz das mais belas obras de arte, dos avanços
científicos mais impensáveis e, infelizmente, das mais horripilantes guerras:

HARARI, Y. N. Sapiens: uma breve história da humanidade. 30. ed. Porto


Alegre: L&PM Editores, 2017.

2 OSTEOLOGIA

Durante o Renascimento, Leonardo da Vinci despontou como um dos maiores artistas de todos
os tempos, muito conhecido ainda hoje por suas descrições artísticas do corpo humano. Ele dissecou
centenas de corpos para que pudesse adquirir uma compreensão da musculatura e da forma do
corpo humano. Podem‑se notar o conhecimento e a valorização expressos em seu trabalho artístico.
A figura a seguir mostra que desde os tempos antigos até os dias hoje a apreciação da beleza da
forma humana em movimento sempre seduziu a atenção de artistas, cientistas, profissionais da
saúde e atletas.

Essa investigação sobre o movimento humano evoluiu de pura arte para um conjunto de arte e
ciência que combinava teorias e princípios procedentes da anatomia, fisiologia, antropologia, física,
mecânica e biomecânica.

No estudo da anatomia do aparelho locomotor o foco central está nos músculos e nos ossos aos
quais eles se prendem. Os ossos também se conectam uns aos outros, formando as articulações. Assim,
as três principais estruturas nas quais devemos nos ater à anatomia do aparelho locomotor são os
ossos, as articulações e os músculos.

73
Unidade I

Figura 65 – A plástica na ginástica artística

O esqueleto é o arcabouço resistente no qual o organismo humano está construído, conforme ilustram
as figuras a seguir, respectivamente. Muito similar à armação de um edifício, o esqueleto deve ser forte
o suficiente para sustentar e proteger todas as estruturas anatômicas do corpo humano. A estrutura
esquelética ordena a forma e tamanho do corpo e também pode ser influenciada pela nutrição, nível de
exercícios físicos e hábitos posturais.

Figura 66 – Esqueleto humano, em vistas anterior e posterior, respectivamente

74
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

No esqueleto imaturo em desenvolvimento, conforme ilustra a figura a seguir, a interferência do


apoio de peso e forças musculares tem uma ação mais considerável na constituição do tamanho e no
formato dos ossos do que as mesmas forças aplicadas sobre um esqueleto maduro. Por esse motivo, é
relevante dar valor extremo aos tipos de exercícios físicos e hábitos posturais de um pré‑adolescente.

Figura 67 – Esqueleto imaturo

Observação

Um exemplo clássico de alteração no esqueleto imaturo é a presença


de escoliose idiopática, uma curvatura lateral da coluna vertebral, existente
em aproximadamente 15 a 20% das meninas entre 10 e 12 anos de idade.
Há indícios de que essa modificação se dá porque as mulheres mais novas
passam muito tempo mantendo a massa corporal sobre os saltos finos ou
por conta da postura que compreende joelhos hiperestendidos e lordose.
É simples supor sobre prováveis causas, porém, ainda não há temas
científicos cruciais. É sabido que o sistema esquelético é flexível, podendo
ser modelado e formado por meio da atividade.

O esqueleto humano representa 20% da massa corpórea, ou seja, 14 quilos em um indivíduo de


70 quilos. O sistema esquelético desempenha um papel principal e vários papéis secundários para
cooperar com outros sistemas em papéis substanciais.

Os ossos são formados por diversos tecidos que agem em conjunto, como, por exemplo, o tecido
ósseo, a cartilagem, o tecido conjuntivo denso, o epitélio, o tecido adiposo e o tecido nervoso.
Por essa razão, cada osso do corpo é considerado um órgão. Portanto, o tecido ósseo é um tecido vivo,

75
Unidade I

complexo e dinâmico, participando, assim, de forma contínua em um processo chamado remodelação,


ou seja, a formação de novo tecido ósseo e a degeneração do tecido ósseo antigo. Toda a estrutura dos
ossos e suas cartilagens, juntamente com os ligamentos e os tendões, compõem o sistema esquelético.
A seguir serão examinados os vários elementos dos ossos a fim de auxiliá‑lo a compreender como eles
se constituem e envelhecem, além disso será estudado como o exercício físico afeta a densidade e a
resistência óssea.

Observação

O estudo da estrutura óssea e o tratamento dos distúrbios ósseos é


chamado osteologia.

2.1 Os principais papéis do esqueleto e dos ossos

Como visto anteriormente, o esqueleto fornece as alavancas e os eixos de rotação sobre os quais o sistema
muscular realiza os movimentos. Assim, uma alavanca consiste em uma máquina simples que eleva a força
ou a velocidade de movimento. Pode‑se dizer que as alavancas são inicialmente os ossos longos do corpo
humano e os eixos são as articulações nas quais os ossos se deparam, conforme ilustra a figura a seguir.

Figura 68 – Sistema de alavancas

Um segundo papel relevante do esqueleto é servir de arcabouço e suporte para as partes moles
do corpo humano. Os ossos dos membros inferiores, da pelve e da coluna vertebral suportam o corpo
humano, utilizados para a manutenção da postura ereta. Quase todos os ossos provêm suporte para os
músculos e apoio para os dentes.

Existem ainda outros papéis adicionais não associados exclusivamente com o movimento humano.
Tecidos e órgãos vulneráveis são comumente protegidos por elementos do esqueleto. As costelas, por
exemplo, protegem o coração e os pulmões, conforme ilustram as figuras a seguir; o crânio aloja o encéfalo,
as vértebras fornecem abrigo para a medula espinal e a pelve óssea acomoda órgãos digestórios e genitais.
76
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Figura 69 – As costelas protegem o coração e os pulmões. Vistas anterior e posterior

O osso é um depósito para minerais, especialmente, de cálcio e fósforo. O cálcio é o mineral mais
farto no corpo humano. Um indivíduo apresenta aproximadamente de 1 a 2 quilos de cálcio, dos quais
mais de 98% estão armazenados nos ossos e nos dentes. Os minerais armazenados são liberados na
circulação sanguínea quando há necessidade de distribuição a todas as partes do corpo humano. Ele é
essencial para a contração muscular, para a coagulação do sangue e para a movimentação de íons por
meio da membrana celular.

Já o fósforo é essencial para as funções dos ácidos nucleicos DNA e RNA. Na hipótese dos minerais
não se encontrarem na alimentação em quantidades satisfatórias, eles podem ser retirados dos ossos
até serem compensados pela própria alimentação. Na realidade, depósitos e retiradas de minerais para
os ossos e a partir deles acontecem quase incessantemente.

Lembrete

DNA (ácido desoxirribonucleico) é uma molécula presente no núcleo


das células de quase todos os seres vivos e que carrega toda a informação
genética de um organismo.

RNA (ácido ribonucleico) é o responsável por sintetizar as proteínas.

Se todo o mineral fosse extraído de um osso longo, o colágeno se tornaria o principal constituinte
e o osso ficaria excessivamente flexível. Contudo, se o colágeno é retirado do osso, os componentes
minerais se tornariam o constituinte principal e o osso ficaria muito quebradiço, conforme ilustra a
figura a seguir. O colágeno é uma proteína de relevância essencial na composição da matriz extracelular
do tecido conjuntivo, sendo responsável por grande parte de suas propriedades físicas.

77
Unidade I

(a)

(b) sem minerais (c) sem colágeno

Figura 70 – (a) Osso normal. (b) Osso desmineralizado, no qual o colágeno é o principal componente,
pode ser dobrado sem quebrar. (c) Quando o colágeno é extraído, os minerais são o principal
componente restante, tornando o osso tão quebradiço que é facilmente destruído

Podemos descrever os ossos como órgãos hematocitopoietico, ou seja, eles realizam a produção
de células sanguíneas por meio da medula óssea vermelha, conforme ilustram as figuras a seguir,
respectivamente.

Estima‑se que uma média de 2 milhões e meio de células sanguíneas vermelhas é produzida a cada
segundo pela medula óssea vermelha para suprir aquelas que são excluídas e degradadas pelo fígado.
Em uma criança, o baço e o fígado também produzem células sanguíneas. Com o passar do tempo, a
maior parte da medula óssea vermelha transforma‑se em medula óssea amarela, de maneira que no
adulto encontra‑se medula óssea vermelha apenas em alguns ossos, como, por exemplo, no esterno.
Já a medula óssea amarela é formada basicamente de células adiposas, que armazenam triglicerídeos.
Os triglicerídeos armazenados são reservas potenciais de energia química.

Pontos ósseos palpados facilmente através da pele


Distribuição da medula óssea vermelha

Figura 71 – Vista anterior

78
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Pontos ósseos palpados facilmente através da pele


Distribuição da medula óssea vermelha

Figura 72 – Vista posterior

Por fim, existem os osteoblastos, as células responsáveis pela síntese dos componentes orgânicos
da matriz óssea, como, por exemplo, o colágeno, proteoglicanos e glicoproteínas. Essas células ósseas
também estão envolvidas no metabolismo, pois secretam osteocalcina, um hormônio que influencia na
regulação de glicemia.

2.2 Arquitetura óssea

Como descrito anteriormente, os ossos são peças duras e calcificadas, em número, coloração e
formas variáveis. Apresentam matéria orgânica (um terço) e matéria inorgânica (dois terços). A matéria
orgânica atribui elasticidade aos ossos, enquanto a matéria inorgânica atribui rigidez e força.

Observação

Calcula‑se que se for empregada vagarosamente uma carga sobre um


crânio humano, ele é capaz de suportar 3 toneladas antes dele se quebrar.
As extremidades de um osso longo são chamadas de epífises, enquanto a
parte média é chamada de diáfise. Durante o crescimento ósseo, as epífises
são compostas por um material cartilagíneo chamado placa de crescimento.

Macroscopicamente, os ossos têm dois tipos diferentes de substâncias ósseas, a esponjosa e a


compacta. Os dois podem aparecer de maneira simultânea, porém, em quantidades variadas em um
mesmo osso, conforme ilustram as figuras a seguir.

79
Unidade I

Substância
esponjosa

Substância
compacta

Figura 73 – Corte longitudinal da extremidade proximal de uma tíbia,


mostrando as substâncias ósseas e a cavidade medular

Cavidade
medular

Figura 74 – Corte longitudinal da diáfise de um fêmur,


mostrando as substâncias ósseas e a cavidade medular

Como visto na figura anterior, a substância óssea esponjosa é mais leve, o que diminui a massa total
de um osso, de modo que o osso se mova com maior simplicidade quando tracionado pelo músculo
esquelético. Ela é porosa e se situa na parte interna dos ossos, constituindo as trabéculas ósseas
(do latim, “pequenos feixes”). As trabéculas ósseas suportam e protegem a medula óssea vermelha.
Além disso, a presença da substância óssea esponjosa diminui a massa do esqueleto e colabora com
a mobilidade dos ossos pelos músculos esqueléticos. A substância óssea esponjosa é encontrada em
grandes quantidades nas epífises dos ossos longos e nos ossos curtos, sendo recobertas por uma fina
camada de substância óssea compacta.

A substância óssea compacta se caracteriza por ter um revestimento externo denso e rígido.
Ela sempre reveste completamente todo osso e tende a variar de espessura. Assim, a substância óssea
compacta predomina na diáfise dos ossos longos. Além disso, ela envolve uma cavidade chamada de
cavidade medular, que contém a medula óssea, vermelha ou rubra e amarela ou flava, conforme ilustra
a figura a seguir.

80
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Medula óssea vermelha

Medula óssea amarela

Medula óssea vermelha

Figura 75 – Medula óssea

O osso esponjoso localiza‑se profundamente no periósteo, compondo uma fina substância compacta,
o córtex, que continua para o interior do osso como substância esponjosa, composta de trabéculas ósseas.

Saiba mais

Para saber mais sobre como funciona um transplante de medula:

UMA PROVA de amor. Dir. Nick Cassavetes. EUA: Curmudgeon Films,


2009. 109 minutos.
Para saber mais sobre a estrutura dos ossos nos níveis macroscópicos
e microscópicos e a importância da formação óssea durante as diferentes
fases da vida de uma pessoa.

TORTORA, G. J.; GRABOWSKI, S. R. Corpo humano: fundamentos de


anatomia e fisiologia. 10. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017, p. 117‑125.

2.3 Periósteo e endósteo

A superfície externa de um osso é comumente revestida pelo periósteo, conforme ilustra a figura
a seguir, exceto as superfícies articulares que são recobertas por cartilagem do tipo hialina. Ele isola e
protege o osso dos tecidos vizinhos; provê uma via e um local de união para o suprimento cardiovascular
e nervoso; e participa ativamente no crescimento ósseo em diâmetro e na reparação de fraturas.
No entanto, o periósteo não reveste os ossos sesamoides.
81
Unidade I

No interior do osso, o endósteo celular reveste a cavidade medular, conforme ilustra a figura a seguir.
O endósteo está em atividade durante o crescimento e sempre que a reparação e o remodelamento da
arquitetura óssea estiverem acontecendo.

Epífise proximal
Osso esponjoso
Osso compacto
Forame nutrício
Vasos nutrientes
Cavidade medular

Fibras perfurantes Diafíse


Periósteo

Endósteo

Linha epifisial
Epífise distal
Cartilagem articular

Figura 76 – Osso longo com periósteo rebatido

Junto com o periósteo e a medula óssea, o endósteo é uma estrutura anatômica muito importante
para os ossos.

2.4 Vascularização óssea

Os ossos são muito vascularizados, pois que recebem amplo suprimento de sangue. Os vasos metafisários
e os vasos epifisários são também muito importantes. As artérias adentram os ossos a partir do periósteo.
As artérias periosteais acompanhadas por nervos adentram a diáfise e irrigam o periósteo e a parte externa
da substância compacta. Próximo ao centro da diáfise, uma grande artéria nutrícia adentra o osso compacto
por meio do forame nutrício, conforme ilustra a figura anterior. Ao adentrar a cavidade medular, a artéria
nutrícia se ramifica em ramos proximal e distal, que irrigam a parte interna da substância óssea compacta
da diáfise, substância óssea esponjosa, e a medula óssea. Na tíbia há uma artéria nutrícia, enquanto no
fêmur existem diversas artérias nutrícias. As extremidades dos ossos são irrigadas pelas artérias metafisárias
e epifisárias. Tanto as metafisárias como as nutrícias irrigam a medula óssea vermelha e as substâncias
ósseas da metáfise. As artérias epifisárias irrigam a medula óssea e as substâncias ósseas das epífises.

Há uma ou duas veias nutrícias que seguem a artéria nutrícia na diáfise. Há também abundantes
veias epifisárias e metafisárias que saem das epífises com suas relativas artérias. As veias periosteais
saem do periósteo com suas relativas artérias. Os vasos linfáticos dos ossos estão no periósteo, porém,
alguns podem adentrar o tecido ósseo.
82
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

2.5 Inervação óssea

Os nervos seguem as artérias que irrigam os ossos. O periósteo, conforme ilustra a figura anterior,
é rico em nervos sensitivos, responsáveis pela sensação de dor. Portanto, as dores são consequentes de
uma fratura, tumores ósseos ou de uma biópsia da medula óssea vermelha por meio de uma agulha.
Microscopicamente a medula óssea vermelha é avaliada em situações como leucemias, linfomas e
anemias aplásicas. As dores apresentam‑se à medida que a agulha adentra o periósteo. No entanto,
conforme ela ultrapassa o periósteo as dores vão diminuindo.

Saiba mais

Para saber mais sobre o assunto, leia as notas clínicas que aparecem
neste capítulo do livro e o conteúdo que versa sobre os fatores de regulação
do crescimento ósseo:

MARTINI, F. H. O sistema esquelético: tecido ósseo e estrutura do


esqueleto. In:___. Anatomia humana. Porto Alegre: Artmed, 2009.

Lembrete

Na maior parte dos casos os ossos são abundantemente vascularizados.


Cada tipo de osso recebe suprimento de sangue e nervoso de forma
característica.

2.6 Morfologia óssea

Os ossos podem apresentar diversos tamanhos e formatos. Por exemplo, o osso pisiforme da
mão possui o tamanho e a forma de uma ervilha, enquanto o fêmur pode ter até 60 centímetros de
comprimento em alguns indivíduos e com uma cabeça arredondada em formato de bola. Desse modo, o
fêmur suporta grande massa corporal e pressão, sendo que sua arquitetura de cilindro oco provê força
máxima com peso mínimo.

Na maioria dos casos, os ossos são classificados conforme sua forma geométrica aproximada em:
longos, alongados, curtos, planos e irregulares. Existem, ainda, os ossos pneumáticos, sesamoides
e acessórios.

Os ossos longos são formados por uma diáfise e duas epífises. Apresentam o comprimento maior
em relação à largura e à espessura, que são equivalentes. Os ossos longos são encontrados apenas no
esqueleto apendicular, como, por exemplo, o osso úmero, conforme ilustram as figuras a seguir, em vista
anterior e posterior, respectivamente. Eles proporcionam suporte ao organismo e oferecem uma série de
alavancas e elos que nos possibilitam criar movimentos.

83
Unidade I

Figura 77 – Úmero, em vista anterior e posterior

Os ossos alongados são achatados, sendo eles um subgrupo dos ossos longos. Eles não apresentam
epífises bem definidas e não têm cavidade medular. A clavícula e as costelas são exemplos típicos de
ossos alongados.

Figura 78 – Vista anterior da clavícula direita e vista interna da costela

Os ossos curtos apresentam as três dimensões, comprimento, largura e espessura equivalentes, as


quais lhes conferem uma forma cúbica. Exemplos clássicos desse grupo são os ossos do carpo e os ossos
do tarso, exceto o pisiforme, que é um osso sesamoide, e o osso calcâneo, que é um osso irregular,
conforme ilustram as figuras a seguir. Esses ossos têm um papel relevante na absorção de choque e
transmissão de forças.

84
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Ossos do Osso pisiforme


carpo

Figura 79 – Ossos do carpo e calcâneo

Nos ossos planos a largura e o comprimento predominam sobre a espessura. Alguns exemplos de
ossos planos são os que formam a calvária. Eles possuem duas lâminas compactas, onde localiza‑se um
tecido ósseo mais denso e, entre essas camadas, uma camada esponjosa composta de osso menos denso,
chamada díploe, conforme ilustram as figuras a seguir. Os ossos planos proporcionam proteção para o
conteúdo interno e ampla superfície para a fixação muscular.

Parietal
Frontal
Lâmina externa
Díploe
Lâmina interna

Figura 80 – Parietal (vista interna) e díploe

Os ossos irregulares não possuem formas geométricas bem definidas. As vértebras, os ossos da base
do crânio, conforme ilustram as figuras a seguir, e os ossos da face são exemplos deste grupo. Eles
oferecem suporte de massa corporal, dissipação de cargas, proteção da medula espinal e contribuem
com os movimentos e locais de inserção muscular.

Figura 81 – Vértebra lombar (vista superior) e temporal (vista lateral)

85
Unidade I

Os tipos morfológicos podem ainda apresentar características adicionais que nos possibilitam
classificá‑los. Os ossos pneumáticos apresentam uma ou mais cavidades de volumes variáveis, chamadas
seios, que se apresentam revestidas de mucosa e preenchidas por ar. Os ossos pneumáticos estão
localizados no crânio, sendo eles: o frontal, a maxila, o etmoide e o esfenoide.

Células
etmoidais

Seio Seio
maxilar frontal

Figura 82 – Cavidades do crânio

Observação

O osso temporal é considerado pneumatizado, pois apresenta


cavidades que se comunicam com a cavidade da orelha, enquanto os ossos
pneumáticos se comunicam a cavidade nasal.

Os ossos sesamoides se assemelham a sementes de gergelim e são localizados em regiões que alguns
tendões cruzam epífises de ossos longos. Eles se desenvolvem dentro dos tendões e os protegem de
desgaste exorbitante junto ao osso. Também alteram o ângulo de inserção de um tendão. Os ossos
sesamoides estão presentes no desenvolvimento fetal, mas não são considerados partes do esqueleto
axial ou apendicular, exceto pelas patelas, que são os maiores ossos sesamoides.

86
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Figura 83 – Patela (vista anterior)

Os outros ossos sesamoides mais frequentes estão situados nas plantas dos pés e na base do
primeiro metatarso. Nos membros superiores os ossos sesamoides são frequentemente encontrados
nos tendões próximos à superfície palmar e na base dos metacarpos. Outro exemplo clássico de osso
sesamoide é o hioide.

Figura 84 – Hioide (vista anterior)

Observação

Embora apresentem o comprimento maior que a largura, as costelas e a


clavícula não têm canal medular, muito menos metáfises; por esse motivo,
são classificadas como ossos alongados.

Os ossos acessórios são raros e sua sede, dimensões e número podem ser muito variáveis. Ocorrem
mais comumente na superfície externa do que na interna. Do ponto de vista da anatomia comparativa,
alguns desses ossos correspondem aos que se encontram normalmente em outros vertebrados, ao
passo que em outros não apresenta essa correspondência. A esses ossos acidentais dá‑se o nome
de ossos suturais ou wormianos, os quais acontecem muitas vezes na sutura lambdoide, em crânios
hidrocefálicos. Como exemplos de ossos acessórios podemos mencionar os ossos bregmático, o osso
ptérico e o osso astérico.

87
Unidade I

Observação

As lâminas das epífises dos ossos longos específicos ossificam em prazos


previstos. Os médicos radiologistas comumente podem especificar a idade
de um indivíduo jovem analisando as lâminas das epífises para observar se
elas ossificaram. Uma diferença entre a idade dos ossos e cronológica pode
sugerir alguma disfunção metabólica.

2.7 Características anatômicas de superfície dos ossos

Os ossos apresentam acidentes ósseos ou detalhes ósseos, como: as proeminências, as fossas,


as depressões, os tubérculos, as eminências, os orifícios, os canais, as cavidades e os seios. Essas são
apenas as características mais frequentes, que compõem pontos de referência em anatomia, radiologia,
ortopedia e antropologia física. As seguir alguns exemplos de características anatômicas da superfície
dos ossos:

• Forame: do latim, foramine, orifício, é uma abertura por meio da qual passam artérias ou nervos,
como o forame magno do osso occipital.

Forame
magno

Figura 85 – Forame magno

• Fossa: do latim, fossa, fenda, trincheira, é uma depressão rasa sobre um osso, como a fossa
cerebelar do osso occipital.

88
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Fossa
cerebelar

Figura 86 – Fossa cerebelar

• Côndilo: do grego, Kondylo, elevação arredondada, é uma proeminência grande e arredondada


que constitui uma união, como os côndilos medial e lateral do fêmur.

Côndilo

Figura 87 – Côndilo do fêmur

• Cabeça: projeção arredondada que compõe uma união e é sustentada na constrição (colo) do
osso, como a cabeça do úmero.

89
Unidade I

Cabeça

Figura 88 – Cabeça do úmero

• Tuberosidade: projeção grande e arredondada, frequentemente com uma superfície áspera, como
a tuberosidade da tíbia.
Tuberosidade

Figura 89 – Tuberosidade da tíbia

• Espinha: projeção aguda e delgada, oriunda da face de um osso, como a espinha da escápula.

Espinha

Figura 90 – Espinha da escápula

90
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

• Crista: margem ou borda proeminente, comumente rugosa, como a crista ilíaca do quadril.

Crista

Figura 91 – Crista

• Incisura: chanfradura ou entalhe em uma margem óssea, como a incisura da mandíbula.


Incisura

Figura 92 – Incisura da mandíbula

Saiba mais

Para saber mais sobre detalhes ósseos, como os que formam as cinturas
escapular e pélvica e os ossos dos esqueletos apendicular e axial, além de
poder elaborar pranchas de anatomia utilizando‑se de papel vegetal, lápis
HB2, lápis para colorir e caneta Stabilo.

NILTON, A.; CÂNDIDO, P. L. Anatomia para o curso de odontologia geral


e específica. 4. ed. Rio de Janeiro: Santos, 2019.

Observação

Em cerca de 400 a.C. a filosofia confucionista dizia que: “O que ouvi foi
o que esqueci, o que vejo, lembro, o que faço, compreendo”. Durante esse
período, a maior parte dos processos de ensino e aprendizagem dependiam
91
Unidade I

apenas de formas visuais e auditivas. Como resultado, muitos dados não


permaneciam na memória, assim como as conquistas da compreensão
material se tornavam menos profundas. Ao estudarmos a anatomia, o
desenho é uma das metodologias mais eficientes e relevantes, uma vez
que há uma integração de ideias associada à observação, elevando, assim,
a compreensão e motivação de aprendizagem de estudantes universitários.

2.8 Fatores de variação anatômica no número de ossos

Existem 206 ossos no indivíduo adulto médio e normal, excluindo‑se os ossos sesamoides e os
ossículos da audição, na orelha média. Funcionalmente, os ossículos da audição que vibram em resposta
às ondas sonoras, atingindo o tímpano, não integram o esqueleto axial nem o apendicular, porém são
agrupados com o esqueleto axial por conveniência.

Figura 93 – Ossículos da audição: martelo, bigorna e estribo

O número de peças ósseas varia com a idade, havendo maior número no recém‑nascido do que
um uma pessoa com idade avançada. Por exemplo, no crânio de uma criança permanecem duas peças
ósseas para medianas ou hemifrontais que, com a sinostose da sutura metópica, comporão o osso
frontal. Já a idade avançada, com as sinostose de todas as suturas, torna o crânio uma esfera óssea.

Figura 94 – Norma anterior do osso frontal: sutura metópica e parte anterior da fontanela anterior

92
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Saiba mais

Para saber mais sobre o crescimento ósseo em comprimento e largura e


a cartilagem articular e os fatores que afetam o crescimento ósseo, como,
por exemplo, a nutrição e os hormônios:

VANPUTTE, C. L. et al. Anatomia e fisiologia de Seeley. 10. ed. Porto


Alegre: AMGH, 2016, p. 176‑178.

Para saber mais sobre como o exercício e o estresse mecânico afetam o


tecido ósseo:

TORTORA, G. J.; DERRICKSON, B. Princípios de anatomia e fisiologia.


14. ed. São Paulo: Guanabara‑Koogan, 2016, p. 191.

2.9 Divisão do esqueleto

Como visto anteriormente, o esqueleto humano adulto consiste em 206 ossos, a maioria deles pares,
com um membro de cada par nos lados direito e esquerdo do corpo. Vimos que há fatores de variação
no número de ossos. Assim, os esqueletos de recém‑nascidos, lactentes e crianças apresentam mais de
206 ossos porque alguns deles se unem mais tarde. Como exemplos, podemos citar os ossos do quadril
e alguns ossos da parte final da coluna vertebral, o sacro e o cóccix.

Os ossos do esqueleto adulto estão agrupados em três divisões principais: o esqueleto axial,
o esqueleto apendicular e as cinturas escapular e pélvica. O esqueleto axial apresenta 80 ossos
e o esqueleto apendicular é composto por 126 ossos. A figura a seguir mostra como as duas
divisões se unem para compor o esqueleto completo. O esqueleto axial consiste em ossos em
torno do eixo longitudinal do corpo humano, descrevendo uma linha vertical imaginária que
atravessa o centro de gravidade do corpo, indo da cabeça até o espaço entre os pés.

Portanto, o esqueleto axial é composto pelos ossos do crânio, o hioide, as costelas, o esterno e os
ossos da coluna vertebral. Já o esqueleto apendicular é formado pelos ossos dos membros superiores e
inferiores. Os ossos que compõem as cinturas unem os membros ao esqueleto axial. Portanto, a cintura
escapular une os membros superiores ao esqueleto axial, enquanto a cintura pélvica liga os membros
inferiores ao esqueleto axial.

93
Unidade I

Figura 95 – Visão geral do esqueleto humano

2.9.1 Esqueleto da cabeça

O esqueleto da cabeça ou esqueleto cefálico abrange os ossos do crânio e os ossos da face ou


viscerocrânio. Consiste, portanto, em uma sequência de ossos que em sua maioria estão unidos entre
si por articulações imóveis, com exceção realizada apenas para a mandíbula, que se articula com o
osso temporal pela articulação sinovial, a articulação temporomandibular. Ele é composto por 22 ossos
divididos em duas partes: o neurocrânio e os ossos da face.

O neurocrânio envolve os ossos relacionados à proteção dos órgãos do sistema nervoso central.
Ele é formado pelos seguintes ossos: frontal, temporal, etmoide, esfenoide, parietal e occipital.

Os ossos da face estão relacionados aos órgãos dos sentidos: o paladar, a visão e o olfato. Além disso,
ancoram os músculos da expressão facial. Eles são formados pelos seguintes ossos: maxilas, mandíbula,
palatinos, vômer, nasais, zigomáticos, lacrimais e conchas nasais inferiores. Exceto a mandíbula, os
demais ossos da face se articulam com as maxilas, que servem de implantação dos dentes superiores.

É importante examinar a geografia básica do esqueleto da cabeça antes de descrever seus ossos
individualmente. Com a mandíbula retirada, o esqueleto da cabeça equipara‑se a uma esfera óssea
desigual e vazia. Portanto, os ossos da face compõem sua norma anterior e o neurocrânio constitui o
resto do esqueleto da cabeça.

94
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

O neurocrânio pode ser dividido em calota craniana e base do crânio. A calota craniana, também
chamada de calvária, compõe as normas superior, lateral e posterior do esqueleto da cabeça, do mesmo
modo a região da fronte. A base do crânio, ou assoalho, constitui a norma inferior do esqueleto da
cabeça. Internamente, detalhes ósseos proeminentes dividem a base do crânio em 3 “andares” ou fossas,
as fossas: anterior, média e posterior do esqueleto da cabeça. O encéfalo aloja‑se plenamente nessas
fossas, sendo envolvido pela calota craniana. Desta maneira, o encéfalo preenche a cavidade craniana.

Além da grande cavidade craniana, o esqueleto da cabeça apresenta diversas pequenas cavidades.
Entre elas estão as da orelha média e da orelha interna, entalhadas na norma lateral da base do crânio
e, anteriormente, a cavidade nasal e as órbitas. As órbitas abrigam os globos oculares.

Figura 96 – Esqueleto da cabeça: norma anterior

Figura 97 – Esqueleto da cabeça: norma lateral

95
Unidade I

Figura 98 – Esqueleto da cabeça: norma posterior

Figura 99 – Esqueleto da cabeça: norma inferior

Figura 100 – Esqueleto da cabeça: norma superior da base do crânio

96
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Figura 101 – Esqueleto da cabeça: norma superior da calvária

Observação

Hidrocefalia é o acúmulo do líquor nas cavidades encefálicas, causando


aumento na pressão intracraniana sobre o cérebro, o que pode causar
lesões no tecido cerebral, bem como o aumento do crânio.

2.9.2 Ossos do neurocrânio

O osso frontal do neurocrânio é um osso plano, anterior, ímpar e mediano da calvária. O osso
occipital é um osso plano, inferior, posterior, mediano, pertencente à base do crânio, perfurado por uma
abertura ampla e oval – o forame magno – por meio do qual a cavidade craniana comunica‑se com o
canal vertebral.

O osso esfenoide é um osso irregular, ímpar, mediano e situa‑se na base do crânio, anteriormente
aos temporais e à parte basilar do osso occipital. O osso etmoide é um osso leve, esponjoso, irregular,
ímpar, inferior e situa‑se na base do crânio. O osso parietal é um osso plano, par e compõe o teto do
crânio. O osso temporal é um osso irregular, par e muito complexo. Ele possui três partes: escamosa,
petrosa e timpânica. A parte petrosa abrange o órgão vestibulococlear e a cavidade timpânica que
contém os três ossículos da audição.

2.9.3 Ossos da face

O osso zigomático frequentemente referido como “maçãs do rosto” forma parte da parede lateral
e assoalho da órbita, é par e irregular. O osso nasal é um pequeno osso retangular, que forma, com o
nasal do lado oposto, o dorso do nariz. A maxila é um osso plano, anterior e irregular e forma quatro
cavidades: o teto da cavidade oral, o assoalho e a parede lateral do nariz, o assoalho da órbita e o seio
maxilar. Ela possui os alvéolos dentários para abrigar os dentes superiores.

97
Unidade I

O osso lacrimal é um pequeno osso retangular situado na parte medial da órbita, sendo o menor e
mais frágil osso da face. O osso palatino é um osso irregular, localizado posteriormente à maxila. Forma
a parte posterior do palato duro, parte do assoalho e parede lateral da cavidade nasal e o assoalho da
órbita. O vômer é um osso ímpar, plano, de formato trapezoidal. Forma as partes posteriores e inferiores
do septo nasal.

A concha nasal inferior é um pequeno osso com o formato de uma placa delgada e alongada e com
margens curvas. Situa‑se ao longo da parede lateral da cavidade nasal, separando os meatos nasais
médio e inferior. É a única concha nasal independente, pois as outras, superior e média, pertencem ao
etmoide. A mandíbula, conforme ilustra a figura a seguir, é um osso ímpar, móvel da cabeça, o maior e
mais forte da face, onde tem situação anteroinferior. Apresenta o formato de uma ferradura e contêm
os alvéolos dentários para abrigar os dentes inferiores.

Figura 102 – Mandíbula

2.9.4 Ossos do esqueleto da cabeça em conjunto

Por meio da cefalometria, ou mensuração da cabeça, podemos reconhecer crânios microcéfalos,


mesocéfalos e macrocéfalos, ou seja, pequenos, médios e grandes. Quando as dimensões são extrapoladas,
esses tipos são ditos patológicos, como, por exemplo, o crânio hidrocéfalo, que possui descomunal hidrocefalia.

Lembrete

Os ossos do neurocrânio são: o frontal, o etmoide, o esfenoide, os


parietais, os temporais e o occipital. Os ossos da face são: as maxilas, a
mandíbula, os palatinos, os nasais, os lacrimais, as conchas nasais inferiores,
os zigomáticos e o vômer.

2.9.5 Esqueleto do pescoço

Os ossos do esqueleto do pescoço são as vértebras cervicais e, do ponto de vista topográfico, o hioide.
O hioide é um osso ímpar, mediano, sesamoide e faz parte de um conjunto de estruturas anatômicas
que une a base do crânio ao esqueleto do pescoço. Está localizado na parte anterossuperior do pescoço,
superior à laringe e posterior à mandíbula. Apresenta como papel oferecer suporte à língua, fornecendo
98
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

locais de fixação para os músculos dela, do pescoço e da faringe, fazendo dele um elemento relevante
nas ações de mastigação e no ato de engolir. O hioide é móvel e não se articula com mais nenhum osso.

2.9.6 Esqueleto do tronco

O esqueleto do tronco abrange o tórax, as vértebras lombares, as vértebras sacrais, as vértebras


coccígeas e a pelve óssea. O tórax é a parte do organismo localizada no tronco, entre o pescoço e o
abdome, exatamente entre a abertura superior do tórax e o diafragma. O formato abobadado do tórax
possibilita grande rigidez, tendo em vista o pouco peso de seus constituintes e, dentre suas funções:

• Protege os órgãos internos torácicos e abdominais, sendo que a maioria deles está cheia de ar ou
líquido contra as forças externas.

• Resiste às pressões internas negativas produzidas pela retração elástica dos pulmões e pelos
movimentos inspiratórios.

• Oferece fixação para os membros superiores e sustentar a sua massa.

• Proporciona a fixação de diversos músculos que movem e sustentam a posição dos membros
superiores em relação ao tronco, além de possibilitar fixação para os músculos do abdome, do
pescoço, do dorso e da respiração.

Crânio

Esterno
Costelas

Vértebras
lombares

Sacro
Cóccix

Figura 103 – Esqueleto do tórax

O formato do tórax depende da idade, do sexo e do biótipo da pessoa. O tórax do feto é mais
desenvolvido sagitalmente do que transversalmente, em virtude do maior desenvolvimento do coração,

99
Unidade I

do timo e dos órgãos abdominais do que dos pulmões. Aos 18 anos de idade, o tórax assume seu formato
definitivo e continua crescendo até os 35 anos nos homens e 25 anos nas mulheres. No indivíduo senil,
as costelas e as cartilagens costais perdem a flexibilidade e as articulações sofrem anquilose, conduzindo
o tórax à perda da elasticidade e da mobilidade. Com a ampliação da coluna vertebral, as costelas ficam
mais próximas umas das outras. O tórax masculino é mais largo do que o feminino, com a máxima largura
ao nível da VIII costela, com pequeno aperto inferior. O tórax feminino é mais curto e arredondado, com
maior aperto inferior do que o masculino. No indivíduo longilíneo, cujo crescimento é mais dinâmico
e o que leva a um maior desenvolvimento em altura, o tórax é longo e estreito, enquanto no indivíduo
brevilíneo, cujo desenvolvimento transversal prevalece sobre o vertical, o tórax é mais curto e largo.

2.9.7 Esterno

O esterno é um osso plano com aproximadamente 15 centímetros de extensão, mediano, ímpar,


localizado medianamente na parede anterior do tórax e um osso hematocitopoietico. O esterno
articula‑se com as clavículas e as cartilagens das sete primeiras costelas. Possui três partes: o manúbrio
do esterno, o corpo do esterno e o processo xifoide.

Figura 104 – O esterno

2.9.8 Costelas

Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu;
e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar; e da costela
que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe‑a a
Adão (Gn 2: 21‑22).

[...]

A mulher foi tirada do lado de Adão, isto é, da sua costela, ela não foi tirada
da cabeça, pois não é sua função dominá‑la; nem de seus pés, pois não foi
criada para ser pisada por ele (Gn 2: 21‑22).

100
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

[...]

Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada
mulher, porquanto do homem foi tomada (Gn 2: 23).

A Bíblia relata o momento em que Deus criou a primeira mulher: Eva. No entanto, essa passagem
bíblica é apenas uma metáfora, pois tanto os homens como as mulheres possuem 12 pares de costelas
que protegem o coração, os pulmões, o fígado e o baço.

Na medicina são diversas as indicações cirúrgicas que retiram costelas com objetivos terapêuticos
e reparadores. Em cirurgia torácica, deformidades relevantes do tórax, como, por exemplo, o pectus
excavatum e o pectus carinatum, são reparados com a retirada parcial das cartilagens costais e o
reposicionamento do esterno. Também não é incomum a necessidade de retirada de costelas após
traumatismos torácicos ou em toracotomias muito extensas.

De natureza igual, a retirada de costelas tem sido uma indicação frequente em cirurgia plástica para
usá‑las como enxerto em processos reparadores de orelhas, nariz e outras cirurgias craniomaxilofaciais.
Parece existir uma bruma em torno desse processo, pois diversas celebridades sujeitam‑se a essa cirurgia,
sem, no entanto, assumirem tal fato. Isso já é considerável para que exista uma agitação nos meios de
difusão de informação e a existência de diversas candidatas à sua realização, procurando conquistar um
corpo visto como perfeito pela sociedade, colocando em risco sua plenitude física e emocional.

As costelas têm formato de semiarcos, unindo as vértebras torácicas ao esterno. As costelas são
classificadas em: costelas verdadeiras, I‑VII (articulam‑se diretamente ao esterno por intermédio das
cartilagens costais); costelas falsas, VIII‑X (articulam‑se indiretamente com o esterno, unindo‑se suas
cartilagens costais umas às outras); e costelas flutuantes, XI e XII (curtas e livres, que protegem o fígado
e o estômago).

Figura 105 – As costelas

Logo abaixo do arco costal direito é possível apalpar o fígado durante a inspiração. Abaixo do arco
costal esquerdo situa‑se o estômago, não palpável; e o baço que pode ser palpado no lado esquerdo,
especialmente quando possui um aumento patológico.

101
Unidade I

Uma costela típica apresenta a cabeça, o colo e o corpo. Com exceção das costelas I, XI e XII, as
outras podem ser consideradas costelas típicas, embora a VIII, IX e X sejam mais curtas e cooperem para
constituir a margem costal. A primeira é a costela mais curta entre as costelas verdadeiras. Além disso,
ela é mais larga e plana do que as outras, localizando‑se sob a clavícula anteriormente, o que dificulta
sua palpação. A artéria subclávia e a veia subclávia sulcam na face posterior.

Observação

Excepcionalmente, pode existir uma costela cervical e uma costela


lombar, as quais são consideradas costelas supranumerárias, geralmente,
conectadas com a C7 e a L1, concomitantemente.

2.9.9 Coluna vertebral

A coluna vertebral oferece um suporte axial para o tronco e estende‑se desde o crânio até a pelve,
onde o peso do tronco é transmitido aos membros inferiores. Outra função dela consiste em proteger
a medula espinal, provendo ainda pontos de fixação para as costelas e para os músculos do dorso
e do pescoço. No feto e na criança, a coluna vertebral consiste de 33 ossos separados ou vértebras.
Inferiormente, 9 vértebras se fundem para compor 2 ossos, o sacro e o cóccix. Os 24 ossos restantes
permanecem como vértebras individuais separadas por discos intervertebrais.

Figura 106 – Arranjo anatômico geral da coluna vertebral (vistas anterior, lateral e posterior)

102
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Observação

Herófilo, e depois Vesalius, chamaram assim o cóccix por sua semelhança,


em conjunto, com o formato do bico do pássaro cuco. Por outro lado, Jean
Riolan dá outra explicação, declara que na emissão de gases pelo ânus o
som “ecoa” no cóccix, o osso do apito. Curiosamente, devido ao costume do
cuco fêmea em se apoderar dos ovos de outros pássaros e chocá‑los como
seus, os gregos antigos utilizavam a palavra Kókkys como termo grosseiro
às mulheres adúlteras.

Conforme ilustra a figura a seguir, Atlas, gigante mitológico de força cavalar, filho de Iápeto e
Clímene, após a derrota dos Titãs para os deuses foi condenado por Júpiter a amparar o mundo nos
ombros. Essa é a imagem do Titã reproduzida por vários escultores, chama‑se C1 que, por analogia,
sustenta a cabeça.

Figura 107 – Atlas, Viena, Áustria

2.9.10 Cintura escapular

A cintura escapular é composta pela escápula e clavícula, conforme ilustram as figuras. A clavícula
é um osso par que compõe parte da cintura escapular e é alongado, ou seja, embora comprido nem
sempre apresenta cavidade medular, conforme visto na classificação morfologia óssea. Portanto, não
é um osso longo típico por não possuir todos os atributos indispensáveis para assim ser comtemplada.
A clavícula tem o formato curvado como um S (em itálico), localizada quase que horizontalmente logo
acima da I costela. A escápula é um osso par, plano e triangular. A escápula articula‑se com dois ossos:
o úmero e a clavícula.

103
Unidade I

Figura 108 – A escápula

Figura 109 – A clavícula

Observação

O nome escápula provém de uma palavra que significa “pá”, pois em


algumas culturas antigas as escápulas de animais eram usadas como pás.

2.9.11 Membro superior

Os membros superiores dos seres humanos, ao passarem da posição quadrúpede para a bípede,
tiveram a função de locomoção reduzida, porém, ganharam mobilidade e preensão. Os ossos dos
membros superiores podem ser divididos em três segmentos: o braço, o antebraço e as mãos.

O úmero é o maior e mais longo osso do membro superior, localizado no braço. Os dois ossos longos
paralelos, o rádio e a ulna compõem o esqueleto do antebraço. Na posição anatômica, o rádio situa‑se
lateralmente e a ulna medialmente.

Figura 110 – Úmero

104
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

Figura 111 – Rádio

Figura 112 – Ulna

Observação

Algumas vezes é pertinente utilizar algum recurso que auxilie a lembrar


de um novo dado. Tal ajuda é chamada de dispositivo mnemônico ou
ativador da memória. Para auxiliar a lembrança da localização da ulna em
relação à mão, um mnemônico pode ser m.u. (o mindinho está no lado da
ulna), ou, ainda, o polegar é a antena do rádio.

A mão preênsil representa, em companhia ao encéfalo e a laringe, o seu comprometimento com


a capacidade da fala, um órgão cultural imprescindível para a evolução dos homens. É consenso que
a evolução da mão, até atingir a aptidão de produção de ferramentas, aconteceu anteriormente ao
avanço da fala. De qualquer forma, a mão apresenta um papel relevante na comunicação não verbal, ou
guiando a palavra proferida ou, ainda, como parte da linguagem corporal.

As funções preênsil e tátil da mão são fundamentais e carecem das articulações dos dedos, com
o polegar exibindo uma movimentação extraordinária e podendo ostentar uma posição de oposição
em relação aos quatro outros dedos. Os papéis das articulações das mãos são inerentes no uso e no
posicionamento adequado das mãos em relação ao antebraço. Para que os dedos façam ações mais
concisas, manuseando artefatos pequenos, na escala de milímetros, os dedos têm que ser finos. Eles
não apresentam músculos e são movidos por longos tendões dos músculos do antebraço e, ainda, dos
músculos intrínsecos da mão.

Coligado à visão, os humanos podem utilizar o sentido tátil da mão para o reconhecimento de um
espaço tridimensional e de seus artefatos. A relevância da mão procedeu no uso da expressão “palpar”
também para o entendimento de processos abstratos.

A mão se divide em: carpo, metacarpo e os ossos dos dedos. O carpo é formado por oito ossos
dispostos em duas fileiras: proximal e distal. A fileira proximal de lateral para medial inclui: o escafoide,
semilunar, piramidal e pisiforme. A fileira distal de lateral para medial inclui: o trapézio, trapezoide,
capitato e hamato.
105
Unidade I

O metacarpo é composto por cinco ossos que são numerados de lateral para medial em I, II, III, IV e
V metacarpos e obedecem aos dedos da mão. Eles são classificados como ossos longos. Entre os ossos
do metacarpo existem os espaços interósseos.

Os cinco dedos da mão de lateral para medial são: o polegar (I), o dedo indicador (II), o dedo médio
(III), o dedo anular (IV) e o dedo mínimo (V). Eles apresentam 14 falanges, cada uma na qual há uma
base, um corpo e uma cabeça. São classificadas como ossos longos. Do II ao V dedos apresentam
3 falanges: a falange proximal, a falange média e a falange distal. O dedo I possui 2 falanges: a falange
proximal e a falange distal.

Rádio Ulna
Processo estiloide do rádio Processo estiloide da ulna
Escafoide Semilunar
Tubérculo do escafoide Piramidal
Trapézio Pisiforme
Tubérculo do trapezoide Hamato
Trapezoide Hâmulo do osso hamato
Capitato

Ossos do metacarpo

Figura 113 – A mão

Lembrete

Para fixar os nomes dos ossos do carpo (de proximal para distal; de
lateral para medial): “Um barco (escafoide) viajou à luz do luar (semilunar)
em torno da pirâmide (piramidal) e pela plantação de ervilhas (pisiforme).
O grande trapézio (trapézio), o trapézio pequeno (trapezoide) e a grande
cabeça (capitato) devem permanecer juntos ao gancho (hamato)”.

2.9.12 Cintura pélvica

Ao assumir a marcha ereta, e em similaridade à coluna vertebral, a pelve humana possui grandes
desigualdades funcionais em comparação à dos quadrúpedes. Ela é extraordinariamente maciça se
comparada à pelve de quadrúpedes, uma vez que ampara grande parte da massa corporal, exceto dos
membros inferiores. Na posição ereta, o peso das vísceras abdominais e das vísceras pélvicas é empregado
especialmente sobre a pelve.

A cintura pélvica, do latim, pélvis, bacia, é formada pelos ossos do quadril, que se articulam entre si,
pelas vértebras coccígeas e pelo sacro. O osso do quadril é classificado morfologicamente em plano ou
106
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

irregular. A sua constituição inclui três ossos isolados: o ílio, o ísquio e o púbis. Nos seres humanos, até a
puberdade, as três peças ósseas que compõem o osso do quadril continuam conectadas umas às outras
por cartilagem. A partir deste período acontece a ossificação da cartilagem e o osso do quadril passa a
ser único, embora permaneçam as nomeações das peças ósseas que o formam originalmente.

Figura 114 – Osso do quadril

O estreito superior da pelve, ao nível das linhas arqueadas, divide a pelve em uma parte superior, a
pelve maior, ou falsa, e outra parte inferior, a pelve menor, ou verdadeira. A pelve maior aloja os órgãos
abdominais, enquanto a pelve menor aloja os órgãos do sistema genital e o final do sistema digestório.
A sínfise púbica é uma articulação semimóvel que une os ossos do quadril.

Observação

Durante a gestação e o parto, a pelve feminina sofre modificações.


As dimensões da pelve menor aumentam e a sínfise púbica se torna mais
flexível nas gestantes à medida que os hormônios, no caso a relaxina,
produzida pelo corpo lúteo e pela placenta, promovem o relaxamento dos
ligamentos pélvicos.

A pelve representa um conjunto ósseo, em formato de anel, que transmite o peso da cabeça, do
pescoço, dos membros superiores e do tronco por meio de suas articulações até os membros inferiores.

Em relação à pelve masculina, a feminina possui as seguintes peculiaridades:

• Ossos mais suaves e delgados, com as saliências e as depressões menos pronunciadas.

• Promontório mais saliente.

• Sínfise púbica e o sacro mais curto.

• Concavidade sacral mais funda.

• Fossas ilíacas maiores, mais rasas, achatadas e horizontais.

• Inclinação pélvica apresenta 4 graus a mais.


107
Unidade I

• Arco púbico mais ampliado.

• Acetábulos mais separados.

• Forame obturado mais oval com predomínio transverso nos homens; e mais circular nas mulheres.

• Ossos fêmures mais oblíquos.


Diâmetro anatômico
Articulação Promontório sacral ~ 11 cm da abertura
sacroilíaca superior da pelve

Diâmetro transverso
~ 13 cm da abertura
superior da pelve

Diâmetro oblíquo
~ 12,5 cm da abertura
superior da pelve
Eminência iliopúbica

Espinha isquiática
Sínfise púbica

Túber isquiático
Arco púbico

Figura 115 – Pelve feminina

As asas do ílio são mais


alargadas

Diâmetro transverso
da pelve

Diâmetro
Diâmetro anatômico oblíquo da pelve
da pelve

A abertura superior da Todas as medidas são ligeiramente


pelve está orientada mais menores que no sexo feminino, no
anteroposteriomente que no que diz respeito ao tamanho do
sexo feminino, onde ela tende corpo
a ser transversalmente oval
Os túberes isquiáticos
O arco púbico e o ângulo A sínfise púbica é mais estão mais afastados
subpúbico são mais estreitos profunda (mais lata)

Figura 116 – Pelve masculina

108
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

2.9.13 Membro inferior

Os membros inferiores dos seres humanos desenvolveram‑se, sobretudo, para a manutenção da


massa corporal e a locomoção. Portanto, eles têm a capacidade de movimentar‑se de um lugar para
outro e sustentar o equilíbrio. Os ossos dos membros inferiores podem ser divididos em três segmentos:
a coxa, a perna e os pés. Os membros inferiores são unidos ao tronco pela cintura pélvica.

A marcha ereta dos humanos solicita adaptações morfológicas, não apenas na pelve, mas também
na parte livre do membro inferior, responsável por muitas diferenças entre os membros inferiores e os
superiores. Em virtude da sustentação da massa corporal, o fêmur é um osso muito mais vigoroso do
que o úmero. O acetábulo da articulação do quadril é expressivamente mais profundo do que a cavidade
glenoide da articulação do ombro, ocasionando em uma resistência maior contra luxações, contudo,
possuindo uma movimentação mais restringida.

Os ligamentos possuem os mesmos objetivos e são muito fortes, cujo arranjo possibilita a postura ereta,
com um mínimo de empenho, em uma articulação do quadril em extensão. Os prestigiosos ligamentos
do joelho não apenas resistem a luxações, porém, também se exibem estendidos, transformando os
membros inferiores em colunas estáveis, adequados em sustentar a massa corporal, sem grande vigor
muscular. A disposição assimétrica dos ligamentos da articulação do quadril e da articulação do joelho,
por exemplo, possibilita uma flexão máxima sincrônica durante a corrida.

O fêmur é o mais longo e pesado osso do organismo humano. Ele influencia significativamente a
estatura de um indivíduo, que pode ser medida a partir do comprimento do fêmur, como, por exemplo,
na arqueologia. O fêmur transmite o peso do tronco e da pelve para a tíbia.

Figura 117 – Fêmur

Caso o fêmur seja fraturado, acontece a perda de aproximadamente de 1 a 2 litros de sangue, e isso
pode causar choque por hipovolemia, estado de diminuição do volume de sangue.

A patela é um osso pequeno e triangular, situada anteriormente à articulação do joelho. É o maior


osso sesamoide do corpo humano. É dividida em: base, ápice, face anterior e face articular. A face
anterior é convexa, enquanto a posterior possui uma área articular lisa e oval.

Afora pelo fêmur, a tíbia é o maior osso no corpo humano que aguenta a massa corporal. Está
situada medialmente na perna e tem o papel de transferir o peso do fêmur para o tálus.

109
Unidade I

Figura 118 – Tíbia

Lembrete

O termo “tíbia” quer dizer flauta, pois os ossos tibiais de pássaros eram
utilizados antigamente para fazer instrumentos musicais.

A fíbula localiza‑se lateralmente e um pouco posterior à tíbia e não possui a função de manutenção
da massa corporal. Ela não contribui com a articulação do joelho e auxilia a estabilização da articulação
do tornozelo. Também não transfere o peso do fêmur para o pé significativamente.

Figura 119 – Fíbula

Lembrete

O termo fíbula, do latim espeto, agulha, prego, reconhecido como


anatômico em virtude de sua similaridade com uma agulha, estaria
relacionado à “infibulação”, processo usado pelos romanos em que uma
agulha de prata era inserida no prepúcio de adolescentes a fim de evitar
relações sexuais prematuras.

O último segmento dos membros inferiores é o pé, que se divide em: tarso, metatarso e falanges,
que compõem o esqueleto dos dedos. Os pés são responsáveis pela sustentação e pela locomoção.
O pequeno desenvolvimento dos ossos dos dedos dos pés se dá pelo fato de que, com a aquisição da
postura ereta, os dedos dos pés humanos abandonaram o papel de órgãos de preensão, diferentemente
de outros primatas.

O tarso possui sete ossos, divididos em duas fileiras: a proximal e a distal. Os dois ossos da fileira
proximal são: o calcâneo e o tálus. A fileira distal abrange: o osso navicular, o osso cuboide, o osso
cuneiforme medial, o osso cuneiforme intermédio e o osso cuneiforme lateral. Ele transmite a massa
corpórea em dois sentidos: inferior e posterior, para o calcâneo; e inferior e anterior para o calcâneo e
o osso navicular, os quais, por sua vez, o transmitem para os ossos da fileira distal e para os metatarsos.

110
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

O calcâneo é um osso quadrangular que compõe o calcanhar, transferindo a massa corporal


transmitida pelo tálus ao solo. É o mais volumoso dos ossos do tarso. O osso navicular está localizado
medialmente no pé. O osso cuneiforme medial apresenta o formato de cunha. O osso cuboide é o maior
da fileira distal do tarso.

O metatarso é composto por cinco ossos, que são numerados de medial para lateral em I, II, III, IV e
V. Esses ossos são longos e determinam a ligação entre o tarso e as falanges. Diferentemente das mãos,
em que o polegar possui enorme independência de movimentação, no metatarso todos os ossos são
paralelos e no mesmo plano. Os dedos dos pés de medial para lateral são: o hálux, ou dedo I, dedo II,
dedo III, dedo IV e o dedo mínimo ou V dedo.

As falanges são ossos longos e somam‑se em três: falange proximal, falange média e falange distal,
em cada dedo (exceto o hálux) e, às vezes, o dedo mínimo possui apenas dois falanges.

Tíbia * Navicular
Fíbula

Tálus
* Tarso
Calcâneo
Cuboide
Cuneiformes
Metatarsos

Falange proximal do hálux


Falanges

Articulações interfalangeanas
Falange proximal Falange distal do hálux
Falange média
Falange distal

Figura 120 – Pé

Observação

Na clínica médica utiliza‑se comumente outra divisão que define a


região do antepé na divisão anatômica supracitada. O tálus e o calcâneo
compõem o retropé. Os demais ossos do tarso e os ossos do metatarso
formam o mediopé.

111
Unidade I

Resumo

A anatomia humana é a ciência que estuda a estrutura do organismo


humano. A terminologia anatômica é descrita, geralmente, com vocábulos
de origem grega ou latina. A história da anatomia é similar à da Medicina
e também foi influenciada pelas diversas religiões. O interesse pré-histórico
pela anatomia foi indiscutivelmente limitado à observação e puramente
baseado no misticismo.

A anatomia encontrou grande aprovação como uma ciência, primeiro,


na Grécia Antiga. Alexandria foi um centro de aprendizagem científica,
local em que foram realizadas dissecações e vivissecções.

Durante o período romano, Galeno, um médico influente, fez alguns


avanços relevantes em anatomia, mas, ao mesmo tempo, implantou erros
graves na literatura que se tornaram incontestáveis durante séculos.
Na Idade Média, a anatomia sofreu forte repressão religiosa e as dissecações
de cadáveres humanos foram proibidas. Durante as Cruzadas, as escritas
anatômicas foram levadas de Alexandria pelos árabes, cujos estudos foram
bastante relevantes nesse período.

Diversas universidades se estabeleceram na Europa durante o Renascimento.


O médico Andreas Vesalius é considerado o pai da anatomia. A plastinação é uma
técnica anatômica que envolve polêmicas bioéticas, pois os cadáveres humanos
são mostrados em exposições e faculdades de medicina.

As células especializadas estão estrutural e funcionalmente integradas


para constituir um organismo. O corpo humano é dividido em cabeça,
pescoço, tronco e membros. Na posição anatômica, o indivíduo está ereto
com os pés paralelos, olhar voltado para o horizonte e membros superiores
juntos ao tronco com as palmas das mãos voltadas para frente e os dedos
das mãos dirigidos para baixo. Todas as descrições de posição ou localização
partem da posição anatômica. As direções abrangem a superior, inferior,
anterior, posterior, medial, lateral, proximal e distal. Os planos que passam
através do organismo humano são: o sagital, o coronal e o transverso.

O organismo é formado por diversas cavidades. A cavidade anterior é


subdividida em: torácica, abdominal e pélvica; a posterior é subdividida em
craniana e espinal.

O aparelho locomotor é composto pelo esqueleto, pelas articulações e


pelos músculos. O esqueleto é dividido em esqueleto axial, que consiste no

112
ANATOMIA BÁSICA DOS SISTEMAS

crânio, hioide, coluna vertebral e tórax. O esqueleto apendicular consiste


em ossos dos membros superior e inferior. Há duas cinturas, a escapular e
a pélvica. As funções do esqueleto abrangem a sustentação, a proteção, a
produção de células de sangue e o armazenamento de gordura e minerais.

Os ossos podem ser classificados de acordo com a sua forma em: longos,
curtos, planos e irregulares. As superfícies externas dos ossos apresentam
detalhes anatômicos, por exemplo, tuberosidades, fossas, forames e incisuras.
Um típico osso longo possui diáfise, com um canal medular preenchido
por medula óssea, epífises, periósteo e endósteo. O osso compacto é a parte
densa externa; o osso esponjoso é a parte interna porosa e vascular.

Exercícios

Questão 1. (Iades 2013, adaptada) Em relação às terminologias e à posição anatômica, às noções


dos planos e aos eixos anatômicos, assinale a alternativa correta.

A) O plano coronal divide o corpo em direito e esquerdo.

B) O plano horizontal divide o corpo em superior e inferior.

C) Entre os movimentos que acontecem no plano sagital, podemos destacar a flexão e a extensão
do joelho.

D) O quinto dedo está colocado lateralmente em relação ao primeiro dedo.

E) O termo proximal e distal serve para localização de estruturas no esqueleto axial.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das afirmativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: o plano coronal ou frontal divide o corpo em anterior e posterior.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: o plano horizontal ou transversal não divide o corpo em superior e inferior. Essa divisão
ocorre em membros superiores e inferiores, e isso independe de onde se localiza o plano horizontal.

C) Alternativa correta.

Justificativa: flexão e extensão são movimentos do plano sagital.


113
Unidade I

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: tomando sempre a posição ortostática como parâmetro, o polegar fica para fora (mais
lateral) e o dedo mínimo, ou quinto quirodáctilo, fica para dentro (mais medial).

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: os termos distal e proximal fazem referência à localização de estruturas do


esqueleto apendicular.

Questão 2. A figura a seguir representa um esquema da coluna vertebral, estrutura importante que
atua protegendo a medula espinhal e sustentando o corpo. Observe atentamente e marque a alternativa
que indica o nome correto das vértebras indicadas pelos números 1, 2 e 3.

Sacro e cóccix

Figura

A) 1 – Vértebras cervicais; 2 – Vértebras lombares; 3 – Vértebras torácicas.

B) 1 – Vértebras lombares; 2 – Vértebras torácicas; 3 – Vértebras cervicais.

C) 1 – Vértebras cervicais; 2 – Vértebras torácicas; 3 – Vértebras lombares.

D) 1 – Vértebras torácicas; 2 – Vértebras cervicais; 3 – Vértebras lombares.

E) 2 – Vértebras lombares; 2 – Vértebras torácicas; 3 – Vértebras cervicais.

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