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Grandes Temas em Biologia

Autores: Prof. Luiz Henrique Cruz de Mello


Profa. Fernanda Torello de Mello
Colaboradoras: Profa Cristiane Jaciara Furlaneto
Profa. Marília T. Coutinho C. Patrão
Professores conteudistas: Luiz Henrique Cruz de Mello / Fernanda Torello de Mello

Luiz Henrique Cruz de Mello

Doutor e mestre pela Universidade de São Paulo (USP) em Geologia Sedimentar/Paleontologia e bacharel em
Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) de Botucatu. Especialista
em Sistemática de Invertebrados Marinhos Fósseis, atuando como pesquisador, educador e professor universitário.
Lecionou na Unesp/Bauru, Universidade Federal de Sergipe e Universidade Paulista (UNIP).

Fernanda Torello de Mello

Doutora e mestre pela Universidade de São Paulo (USP) em Geologia Sedimentar/Paleontologia e bacharel em
Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) de Botucatu. Especialista
em Taxonomia de Invertebrados Fósseis, atuando como pesquisadora, educadora e professora universitária. Lecionou
na Unesp/Bauru, Universidade Federal de Sergipe e Universidade Paulista (UNIP).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M527g Mello, Luiz Henrique Cruz de.

Grandes Temas em Biologia / Luiz Henrique Cruz de Mello,


Fernanda Torello de Mello. – São Paulo: Editora Sol, 2021.

116 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Teoria. 2. Evolução. 3. Construção. I. Mello, Luiz Henrique Cruz


de. II. Mello, Fernanda Torello de. III. Título.

CDU 574

U511.56 – 21

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Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


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Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Bruno Barros
Ricardo Duarte
Sumário
Grandes Temas em Biologia

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8

Unidade I
1 SERES HUMANOS E A BIOLOGIA..................................................................................................................9
1.1 A filosofia e os primórdios da biologia............................................................................................9
2 CLASSIFICAÇÃO DOS SERES VIVOS: DA PRIMEIRA PROPOSTA ATÉ OS DIAS DE HOJE........ 13
2.1 De Aristóteles a Lineu.......................................................................................................................... 13
2.2 Lineu e a revolução na sistemática................................................................................................ 17
2.3 Os reinos e domínios biológicos ..................................................................................................... 19
2.4 As bases modernas da classificação.............................................................................................. 25
3 ORIGEM DA VIDA: ABIOGÊNESE/BIOGÊNESE....................................................................................... 30
3.1 Caracterização da vida........................................................................................................................ 30
3.2 Teorias: abiogênese e biogênese..................................................................................................... 31
3.3 Os preparativos para a vida............................................................................................................... 36
3.4 Os primórdios da vida.......................................................................................................................... 39
3.5 Características da vida........................................................................................................................ 41
3.5.1 Unicidade química................................................................................................................................... 41
3.5.2 Complexidade e organização hierárquica...................................................................................... 41
3.5.3 Reprodução................................................................................................................................................ 42
3.5.4 Metabolismo.............................................................................................................................................. 42
3.5.5 Interação ambiental................................................................................................................................ 42
3.5.6 Movimento................................................................................................................................................. 42
4 TEORIA CELULAR.............................................................................................................................................. 43
4.1 Descobrindo o mundo microscópico............................................................................................. 43
4.2 Os desdobramentos da teoria celular........................................................................................... 45

Unidade II
5 A VIDA IMUTÁVEL............................................................................................................................................. 56
5.1 O cenário pré-darwinista................................................................................................................... 56
6 EVOLUÇÃO BIOLÓGICA................................................................................................................................... 61
6.1 Darwin e o nascimento de uma teoria......................................................................................... 61
6.2 Sobre a origem das espécies............................................................................................................. 64
6.3 Neodarwinismo e a síntese moderna............................................................................................ 74
6.3.1 As críticas às ideias de Darwin: os criacionistas......................................................................... 75
6.3.2 A reconstrução de uma teoria: a teoria sintética....................................................................... 76
6.3.3 As críticas à teoria evolutiva: os evolucionistas......................................................................... 82
7 DNA: A BASE DAS INFORMAÇÕES GENÉTICAS.................................................................................... 88
7.1 A construção do conhecimento...................................................................................................... 89
7.2 O modelo da estrutura do DNA....................................................................................................... 92
8 A BIOLOGIA NO SÉCULO XXI........................................................................................................................ 96
APRESENTAÇÃO

A biologia é tradicionalmente conhecida como a ciência que estuda a vida; a vida, até onde chega
nosso conhecimento, é uma exclusividade da Terra. Podemos considerar, portanto, que conhecer a vida
é conhecer uma parte importante do planeta. Assim, a vida dos organismos e, também, sua evolução
estão intimamente relacionadas aos elementos da Terra. Nesse contexto, podemos considerar, dentro
do conhecimento biológico, diferentes aspectos envolvendo os seres vivos. Podemos investigar a origem
desses seres no tempo e no espaço e assim conhecer as relações de parentesco geradas ao longo da
evolução, desde o ancestral mais remoto. A evolução biológica, por si só, é um tema de grande interesse
para a ciência, servindo para identificarmos os mecanismos responsáveis pelas modificações dos seres
vivos e geração da biodiversidade. A estrutura desses seres também é passível de investigação, havendo
interesse pelos sistemas, órgãos, tecidos, células e organelas. Outro aspecto que pode ser investigado
pela biologia é o papel dos seres vivos no planeta, com quem interagem, como se reproduzem, como
se alimentam, como vivem, entre tantos outros aspectos. Enfim, a biologia cuida da caracterização da
vida em todos os seus aspectos. Vale lembrar que, entre esses seres vivos, estamos nós, seres humanos.

Os aspectos mencionados anteriormente fazem parte de um arcabouço de conhecimento atualmente


dominado pela ciência e que está, dia a dia, em expansão. Mas como esse conhecimento surgiu?
Quando ele foi estabelecido? Qual foi ou quais foram os responsáveis pela sua criação? Sem dúvidas,
ele não foi gerado de uma só vez e nem foi criado num curto período. A ciência como um todo evoluiu
gradativamente desde os primórdios da humanidade e, em determinado momento, a biologia emergiu
e ganhou o status de ciência. Em alguns momentos, essa evolução foi mais lenta, em outros, mais
rápida, em outros, ainda, inexistiu. Ao longo desse tempo, inúmeros personagens contribuíram com
informações, técnicas e teorias que compuseram o conhecimento atual.

Assim, nossa disciplina tem como objetivo apresentar aos alunos as grandes descobertas, os
personagens importantes da biologia e o desenvolvimento de teorias fundamentais para o entendimento
da ciência que estuda a vida. A partir desses conhecimentos, os alunos terão a base necessária para, ao
longo do curso, aproveitarem melhor cada um dos temas abordados dentro de disciplinas específicas.
Todas essas informações ajudam a compor um conhecimento amplo sobre a vida, muito útil no restante
do curso e na vida do profissional.

Para iniciar sua orientação por esses caminhos, destacamos que a primeira parte deste livro-texto
tratará dos pensamentos iniciais da humanidade sobre os elementos vivos da natureza, bem como das
primeiras tentativas de sistematizá-los e organizá-los. Para tanto, serão estudadas informações sobre
os principais filósofos da Antiguidade e as primeiras investigações da natureza realizadas por eles. Em
seguida, serão apresentadas as maneiras que o ser humano desenvolveu para sistematizar e organizar
a biodiversidade, desde as épocas mais antigas até os dias de hoje. Na sequência, serão apresentadas as
principais ideias sobre a origem da vida na Terra. Por fim, mas não menos importante, serão apresentados
os passos daqueles que decifraram a composição e organização dos seres vivos, culminando com a
teoria celular. A união de todas essas informações permitirá a compreensão dos primeiros momentos
de alguns dos temas mais importantes do início da biologia. Depois, será caracterizada a evolução
biológica, cuja importância para a biologia é indiscutível. Por fim, serão apresentadas as etapas que
levaram ao conhecimento da estrutura e das funções do DNA.
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INTRODUÇÃO

O planeta Terra é formado por elementos que são agrupados em quatro conjuntos, por alguns
chamados de esferas do planeta. São elas a hidrosfera, a litosfera, a atmosfera e a biosfera. Embora
todas sejam importantes e interajam entre si, a biosfera é aquela que mais interessa a esta disciplina,
pois corresponde aos seres vivos e, consequentemente, a nós mesmos.

Descrever e interpretar a biosfera não é tarefa fácil e compete, principalmente, à biologia fazer isso.
A vida – objeto de estudo da biologia – desperta grande interesse e estimula uma grande quantidade
de pesquisas em diversas áreas. Mas desde quando isso vem sendo feito? Quais os responsáveis pela
composição do conhecimento biológico atual? Quais as teorias que promoveram avanços importantes
dentro da biologia? Para responder essas e outras perguntas, é necessário voltar ao passado bastante
remoto e buscar apoio em elementos da filosofia e da ciência.

Uma das áreas que possui papel central na biologia é a evolução. De acordo com o renomado
biólogo evolucionista do século XX Theodosius H. Dobzhansky: “nada na biologia faz sentido exceto
à luz da evolução” (RIDLEY, 2007, p. 28). Uma mostra disso é a explicação sobre a biodiversidade,
segundo a qual toda a variedade de formas de vida conhecidas atualmente e aquelas já extintas
tiveram uma origem comum e sofreram alterações ao longo do tempo. Um marco nesse tema, sem
dúvida nenhuma, foi a teoria proposta por Charles R. Darwin e Alfred R. Wallace no século XIX.
Contudo, as investigações e reflexões sobre evolução biológica começaram muitos séculos antes,
na Grécia Antiga.

Figura 1 – Charles R. Darwin

Assim, para conhecermos a vida, é necessário entendermos quais são seus componentes, como estão
organizados e como interagem para definir suas características e sua dinâmica. É preciso, contudo,
lembrarmos que esses componentes se modificam ao longo do tempo, gerando novas formas de vida.
A presente disciplina nos dá a oportunidade de observar a biologia em um contexto histórico e, assim,
acompanhar o nascimento e o desenvolvimento da biologia como uma ciência.

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GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

Unidade I
1 SERES HUMANOS E A BIOLOGIA

A biologia que conhecemos e praticamos tem uma origem bastante remota. Nossa observação,
interesse e interação com os elementos naturais – a maioria deles já estava no planeta muito antes
de nós – acontece desde a origem de nossa espécie. Naquele momento, nossos ancestrais dependiam de
um conhecimento básico e informal de classificação de seres vivos para diferenciar entre plantas que
representassem possíveis alimentos e aquelas que poderiam causar a morte. Precisavam observar e
conhecer o hábito de animais para poder caçá-los ou evitá-los. Deviam conhecer as plantas e animais
que poderiam fornecer alimento para aguentar o inverno, e assim por diante. O ser humano se
desenvolveu, progrediu, criou civilizações, culturas, tecnologia e ciência, sempre interagindo com a
natureza. Nesse contexto, é importante compreendermos que, na condição de seres humanos, a biologia
é parte integrante de nossa evolução e desenvolvimento cultural.

Figura 2 – Antiga população amazônica demonstrando interação com elementos naturais

1.1 A filosofia e os primórdios da biologia

Há quem considere que a identificação dos seres vivos – ou taxonomia – foi a primeira profissão
dos seres humanos, mesmo antes das primeiras civilizações. Isso teria ocorrido pela necessidade dos
seres humanos, desde os primórdios de sua existência, de sobreviver no mundo natural, tarefa que
seria impossível sem o mínimo de conhecimento sobre os elementos vivos da natureza. No conjunto de
informações usadas por nossos ancestrais, sem dúvida estava o conhecimento de frutos comestíveis,
cogumelos e raízes venenosas, aves e mamíferos que poderiam servir de alimento e animais que
poderiam ser uma ameaça, como algumas cobras, por exemplo. Com o surgimento da linguagem falada
e escrita, essas formas animais e vegetais acabaram ganhando nomes e a taxonomia, cada vez mais,
tomando forma.

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Unidade I

Observação

É impressionante a capacidade dos seres humanos na identificação de


diferentes seres vivos. Indígenas Hanunoos, das Filipinas, têm um ou mais
nomes diferentes para cada uma das 1.600 espécies de plantas identificadas
pelos cientistas nas florestas onde habitam. De modo semelhante,
nativos da Nova Guiné têm 136 nomes diferentes para as 137 espécies
de aves da região. Todos esses nomes foram criados antes mesmo do
contato com cientistas.

Após essa fase mais prática do desenvolvimento do conhecimento biológico, as questões da natureza
passaram a ser tratadas pelos pensadores e filósofos da Antiguidade clássica na Grécia. Não é objetivo
deste livro, contudo, caracterizar e debater as correntes filosóficas da Grécia Antiga, nem caracterizar
as magníficas obras de seus pensadores. Entretanto, é necessária uma breve contextualização para se
chegar até a principal figura para a biologia: Aristóteles (384/83-322 a.C.).

Figura 3 – Aristóteles: para muitos, o pai da biologia

Aristóteles é um dos três expoentes dos primórdios da filosofia, com Platão e Sócrates. Antes deles,
muitos nomes famosos como Tales de Mileto, Pitágoras, Leucipo de Mileto, Demócrito de Abdera, Heráclito
de Éfeso, Parmênides e Empédocles de Agrigento produziram relevantes contribuições em áreas como a
matemática, a física e a própria filosofia, muito embora haja poucos registros dessas contribuições. Esses
e outros filósofos são conhecidos como pré-socráticos por serem anteriores a Sócrates.

Sócrates (470-399 a.C.) é considerado o fundador da filosofia e suas contribuições foram um divisor
de águas na filosofia grega, diferindo da visão dos filósofos anteriores (os pré-socráticos). Foi responsável
por introduzir questões ético-políticas como os grandes problemas humanos e sociais a serem tratados.
Logo, não se dedicou ao conhecimento da natureza e à discussão de questões relativas a fenômenos

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GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

naturais, até porque acreditava que a chave para o conhecimento estava na razão (raciocínio) e não nas
investigações dos elementos naturais.

Platão (428-348 a.C.), por sua vez, foi discípulo de Sócrates. Preocupava-se com questões dos
indivíduos, como, por exemplo, a alma, que considerava imortal, transcendental e separada da natureza.
Sendo assim, a salvação do indivíduo só poderia ser alcançada quando este compreendesse os reais
valores da verdade, da beleza e da bondade por meio da matemática e pela dialética. Trabalhou a
seguinte questão: como conhecer as coisas do mundo se elas estão em constante transformação? Para
tanto, defendeu a diferenciação clara entre o chamado mundo das ideias e o mundo dos sentidos;
a prática filosófica seria essencialmente teórica, proporcionando o abandono do mundo sensível e a
superação da experiência concreta. Logo, estudos práticos e contato com o meio natural não faziam
parte de sua atuação.

Observação

Dialética pode ser entendida como um processo que usa o diálogo de


opiniões contrárias para a separação entre opinião e conhecimento (ou
ciência), permitindo que a alma se eleve ao mundo das ideias.

Entre os principais filósofos gregos, sem dúvida, Aristóteles foi quem mais contribuiu para a biologia.
Aliás, para alguns autores, foi ele quem, por mais tempo, em todo o mundo, influenciou a maneira de se
fazer filosofia e ciência. Apesar dos grandes avanços ao longo do tempo, até o Renascimento Cultural
do século XVI, ninguém reuniu de maneira tão sistemática e equilibrada os conhecimentos produzidos
pela humanidade.

Foi aluno de Platão em sua Academia, mas discordava de seu mestre em alguns pontos fundamentais,
como a explicação da natureza por meio de duas dimensões independentes (material e a ideia essencial).
Tratou de explicar a natureza do seu jeito, acreditando que, para compreender seus elementos e suas
transformações, era necessário o contato direto com o meio ambiente, e não apenas o debate de
ideias. Suas primeiras observações biológicas foram feitas na ilha de Lesbos (Grécia), em companhia do
naturalista Teofrasto.

Em Atenas, fundou sua própria escola, a qual chamou de Liceu, onde organizou coleções de animais
em pose de movimento, uma biblioteca, um laboratório e um museu de animais e plantas de diferentes
regiões. Sua visão de mundo incluía ideias muito particulares. Por exemplo, considerava que as coisas
seriam formadas por três características: substância, essência e acidente. Utilizou a teoria dos quatro
elementos criada por Empédocles no século V a.C., à qual adicionou mais um elemento, o éter, que
existiria no espaço e nos corpos celestes. Acreditava, também, que todos os materiais tinham seu lugar
natural, sendo que os mais pesados estariam relacionados ao interior da Terra e os mais leves à atmosfera.

Entre todos os materiais da natureza, desenvolveu particular interesse pelos seres vivos, para
os quais propôs uma classificação que refletia a finalidade de cada um no planeta, usando como
critério a alma, ou seja, o princípio vital de cada um. Uma categoria básica incluía as plantas,
11
Unidade I

cujas funções eram a nutrição e a reprodução. Um nível acima estariam os animais, com as mesmas
funções das plantas, acrescidas da capacidade de locomoção e da sensibilidade. No estágio mais
alto, colocou o homem, que acumulava as funções dos animais e acrescentava a razão. Seria, por
assim dizer, o ser mais evoluído. Importante notar que, na filosofia natural de Aristóteles, não
existia o acaso e cada ser vivo tinha um papel no cosmos. Para ele, as espécies eram eternas e
imutáveis, e toda a diversidade de seres vivos podia ser subdividida em tipos naturais discretos
e estáveis no tempo e no espaço.

Observação

A teoria dos quatro elementos primordiais, ou seja, terra, água, ar e


fogo, foi usada por muitos séculos, se espalhando pela Europa. Esses
quatro elementos formariam todos os seres terrestres. O quinto elemento,
chamado de éter ou quinta-essência, estaria nos corpos celestes.

Aristóteles dedicou-se, especificamente, à investigação empírica dos animais, ou seja, realizou


experimentos e observações na natureza. Dedicou-se, também, ao estudo detalhado da vida em uma
colmeia, identificando as funções e comportamentos dos diferentes participantes. Para conhecer os
animais, realizava dissecações e descrições e os interpretava com bastante detalhe. Em seus registros,
há referências a cerca de quinhentas espécies investigadas. Elaborou, inclusive, classificações para eles,
utilizando uma lógica binária (conforme será detalhado adiante).

Essas contribuições serviram de base para o desenvolvimento de outras classificações ao longo do


tempo e, para muitos, garantem Aristóteles como o pai da sistemática biológica, biologia comparada
e zoologia. Importante mencionar que a sistemática biológica realiza o estudo da diversidade de seres
vivos e dos aspectos históricos da evolução, apresentando métodos e práticas de descrição, além de
nomenclatura e organização da diversidade dos organismos viventes e extintos.

Para Aristóteles, o conceito de vida corresponde a uma das quatro características abrangentes,
ao redor das quais a história dos animais está organizada, ou seja, suas vidas (seus modos de vida),
suas atividades, seus traços de caráter e suas partes. Contudo, mesmo dentro de suas discussões
no livro Historia animalium, não existe diferenciação clara entre modo de vida, atividades e
caráter, provavelmente porque diferenciar os modos de vida envolve questões referentes a
hábitos e atividades de um animal. Isso sugere, portanto, uma complexa relação entre o modo
de vida e as atividades de um animal.

Sobre os modos de vida identificados por Aristóteles podem ser citados: social ou solitário;
terrestre, aquático ou voador; carnívoro, frugívoro ou onívoro; caçador, coletor ou armazenador;
construtor ou não construtor; subterrâneo ou superficial; noturno ou diurno. Percebe-se que parte
da informação referente ao modo de vida trata de onde, como e quando um animal realiza suas várias
atividades, como alimentação e reprodução.

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GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

2 CLASSIFICAÇÃO DOS SERES VIVOS: DA PRIMEIRA PROPOSTA ATÉ OS DIAS


DE HOJE

Desde a Grécia Antiga, o conhecimento sobre a vida vem sendo gerado, acumulado e, de alguma
forma, registrado. Muitas foram as informações geradas, como, por exemplo, as diferenças entre os seres,
os locais onde habitam, seus hábitos e necessidades, seus comportamentos, entre outras informações.

Com o passar do tempo, surgiu a necessidade de dar nome aos diferentes tipos de seres vivos para
que a sua caracterização ficasse mais completa. Esse procedimento começou a ser realizado com critérios
particulares de cada naturalista (ou filósofo) e sem o devido rigor científico, evoluindo, mais tarde, para
conceitos mais precisos e definidos por regras dentro do que chamamos, atualmente, de taxonomia.

Paralelamente a isso, começaram a surgir tentativas de reunir tipos de seres vivos semelhantes
e estabelecer os agrupamentos, dentro do que conhecemos como sistemática. Contudo, foi só
no século XIX que esses procedimentos incorporaram os conceitos evolutivos e passaram a tentar
representar a história evolutiva dos seres vivos por meio dos agrupamentos. Isso só foi satisfatoriamente
alcançado na metade do século XX, com o desenvolvimento da base teórica e da metodologia da
sistemática filogenética ou cladística.

2.1 De Aristóteles a Lineu

Conforme apresentado anteriormente, Aristóteles teve um papel fundamental no desenvolvimento da


taxonomia e da sistemática biológica. Suas observações deram base para que ele criasse agrupamentos
de seres vivos baseado em características que, aos olhos dele, eram importantes para sua caracterização
e definição.

Empregava o método lógico binário e realizava a organização dos animais e plantas em grandes
categorias (ou classes), que podiam ser divididas em subcategorias (ou subclasses), isto é, um certo
grupo de coisas é dividido em dois subgrupos. A menor entre todas as categorias seria a de espécie, que
não poderia mais ser dividida. Segundo suas definições, as espécies eram eternas e imutáveis, e toda a
biodiversidade corresponderia a tipos naturais temporalmente e espacialmente estáveis, ou seja, seriam
as mesmas em qualquer lugar e em qualquer época. Alguns exemplos dessa prática de classificação são:

• Critério: Geração de novos seres. Classificação: vivíparos (sem ovos) e ovíparos (com ovos).

• Critério: Presença de sangue. Classificação: sanguíneos (enemas) e não sanguíneos (anemas).

• Critério: Presença de vértebras. Classificação: vertebrados ou invertebrados.

Ao longo de suas investigações, observou semelhanças e diferenças notáveis nas partes externas
das aves e estabeleceu correlações entre elas, usando essas informações para agrupar as espécies. Todas
as aves têm penas e bicos que diferem em alguns aspectos, enquanto há partes análogas em outros
animais, como, por exemplo, escamas em peixes, tromba no lugar de bico em elefantes. Notou também a

13
Unidade I

relação entre estruturas diferentes em um mesmo animal, como, por exemplo, aves com pescoço longo
têm pernas longas, enquanto aves com pescoço curto têm pernas curtas.

A classificação biológica (ou sistemática) realizada hoje em dia continua apresentando elementos
da lógica de Aristóteles, como pode ser visto nas chaves dicotômicas de identificação de táxons,
embora importantes modificações tenham sido realizadas ao longo do tempo. A bem da verdade, essa
metodologia funcionou como o pilar fundamental sobre o qual se desenvolveu a sistemática por séculos.
Prova disso são as longas tabelas de classificação dicotômica disponíveis para animais e plantas e que
foram construídas ao longo da Idade Média (SANTOS, 2008).

Figura 4 – Exemplo de chave de identificação de insetos da ordem Diptera;


esse tipo de ferramenta baseia-se na lógica aristotélica

Conforme a sistemática se desenvolvia, era possível notar os esforços dos naturalistas para
resumir a informação da diversidade biológica e, cada vez mais, identificar os grupos que realmente
existiam (chamados de grupos naturais) e aqueles que não passavam de criação da própria
imaginação humana (chamados de grupos não naturais). Por exemplo, usando o critério da presença
de vértebras, é possível criarmos um grupo com sapos, tubarões, tigres e araras, por mais diferentes
que esses animais sejam. Contudo, não existe um critério consistente para colocar, em um mesmo
grupo, cangurus, libélulas, samambaias e cianobactérias (a não ser o fato de que são todos seres vivos).
Este, portanto, não pode ser considerado um grupo real. De lá para cá, encontrar a melhor maneira de
estabelecer os grupos naturais tem sido uma busca constante na biologia.

14
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

Figura 5 – Os tipos naturais, segundo Aristóteles. A: natureza inanimada. B: plantas. C: zoófitos. D: ostracoderma. E: insetos.
F: malacostraca. G: malacia. H: peixes. I: quadrúpedes ovíparos. J: pássaros. K: cetáceos. L: quadrúpedes vivíparos. M: homem.
0: tipos naturais. 1: organismos vivos. 2: animais. 3: animais superiores. 4: animais com sangue. 5: animais com pulmões.
6: animais vivíparos. Observação: o gráfico na forma de dendrograma é apenas uma maneira de representar as
bifurcações e não representa um cladograma obtido através da metodologia cladística

Observação

Cladogramas são gráficos ramificados obtidos por meio de estudos


cladísticos, isto é, seguem toda a metodologia científica atual. Representam
as relações de parentesco entre os seres vivos.

Toda a contribuição de Aristóteles foi sendo utilizada ao longo dos séculos por naturalistas de
diferentes países. Um exemplo disso foi Andrea Cesalpino, importante botânico italiano, que no século XVI
publicou De plantis (1583), em que organizou as plantas de acordo com a lógica binária, desde a divisão
inicial entre plantas lenhosas (com madeira) e não lenhosas. Atualmente, essa classificação pode parecer
sem utilidade, uma vez que na sistemática há grupos que contêm plantas lenhosas grandes juntamente
a pequenas plantas herbáceas. Contudo, devemos considerar sua importância histórica.

Outras contribuições ligadas à botânica tiveram um caráter descritivo. Entre as principais obras, podem
ser citadas De historia stirpium (1542), de Leonhart Fuchs, com a descrição e ilustração de quinhentas
espécies; Pinax theatri botanici (1623), de Gaspard Bauhin; e Methodus plantarum nova (1682), de John
Ray. A contribuição de John Ray foi além da botânica, tendo deixado obras em zoologia e desenvolvido
a sistemática biológica por meio de avanços metodológicos. Ele estabeleceu que a classificação deveria
ter uma organização hierárquica, começando sempre no nível de espécie e, a partir daí, realizando os
agrupamentos das espécies em gêneros, dos gêneros em famílias, e assim por diante. Embora esse seja
o procedimento atual, representou, na época, uma reviravolta nos métodos empregados por Andrea
Cesalpino, que usou a lógica aristotélica para realizar a classificação das plantas a partir da categoria de
reino e seguindo para categorias cada vez menores.

Algo semelhante ocorreu na zoologia. No século XIII, o teólogo e naturalista alemão Alberto Magno
desenvolveu importante e abrangente descrição zoológica, denominada De animalibus, contendo
informações detalhadas sobre grupos de aves, e entre elas foram colocados os morcegos. Em outro livro,
baleias e peixes podem ser encontrados no mesmo grupo.
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Unidade I

Ainda sobre as aves, deve ser citada a contribuição de Pierre Belon (1517-1564). Esse autor
apresentou uma contribuição biológica mais aprofundada, pois se dedicou a desvendar diferentes
aspectos da história natural desses animais. Suas informações não se limitaram a descrever a
morfologia das aves, mas ele também realizou um importante trabalho de comparação entre seus
ossos e ossos humanos, dando início à importante área da anatomia comparada. Na figura a seguir,
está sua conhecida representação, contendo a comparação entre os esqueletos de ave e humano.

Figura 6 – Comparação entre os esqueletos de aves e do ser


humano, conforme interpretação de Pierre Belon

Dando sequência ao desenvolvimento da sistemática biológica ao longo dos séculos, um importante


movimento cultural europeu, durante a Renascença, chamado enciclopedismo, também trouxe alguma
contribuição. Nesse contexto, especialistas em diferentes áreas se reuniam para sintetizar e registrar em
obras com muitos volumes (chamadas enciclopédias) todos os aspectos culturais e naturais das nações.
Um personagem de interesse foi o naturalista italiano Ulisse Aldrovandi (1522-1605), cuja obra reuniu
em cerca de 7 mil páginas tudo o que já havia sido escrito sobre temas zoológicos até a sua época.
Contudo, poucas novidades foram acrescentadas pelo autor.

Outra contribuição veio de Konrad Gesner (1516-1565), que publicou Nomenclator aquantilium
animantium, em que apresentou 17 ordens de animais aquáticos, 11 das quais correspondiam a
peixes que podiam ser diferenciados com base na forma do corpo e detalhes do esqueleto. Contudo,
as outras seis ordens abrigavam os cetáceos (incluindo focas e tartarugas marinhas), cefalópodes,
crustáceos, testáceos (para os moluscos com conchas), insetos (contendo vermes marinhos, isópodes e
cavalo‑marinho) e zoófitos (para os corais e semelhantes). Peixes e outros animais aquáticos também
foram objeto de estudo de Guillaume Rondelet (1507-1556) e Ippolito Salviani (1514-1572).

Tanto em botânica quanto em zoologia, todos os esforços de classificação dos seres vivos realizados
até o começo do século XVIII tiveram sua importância científica reduzida com os trabalhos desenvolvidos
pelo naturalista Carl von Linné.
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GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

2.2 Lineu e a revolução na sistemática

Toda a atmosfera religiosa que se desenvolveu na Europa antes do século XVIII governou não só a
sociedade como também os segmentos artísticos, culturais e científicos. Os naturalistas começaram
a desenvolver explicações para algumas questões ainda controversas, como, por exemplo, o significado
dos fósseis, as extinções, entre tantas outras. Acontece que algumas das explicações apresentadas pelos
naturalistas e cientistas pareciam contrariar a visão de natureza na qual as espécies eram eternas e
imutáveis. Estava começando uma revolução na maneira de se compreender a natureza.

Nesse contexto, surgiram naturalistas que procuravam explicar a ordem natural das coisas,
compreendendo como a natureza estava organizada. Um dos principais nomes nessa mudança de
paradigma foi Carl von Linné (1707-1778), mais conhecido hoje como Lineu. Botânico e naturalista
sueco da Universidade de Uppsala, Lineu tinha grande habilidade para coletar e classificar organismos.
Para realizar um trabalho mais completo, organizado e, sobretudo, coerente com a sua visão da
natureza, ele desenvolveu um sistema que levava em conta informações sobre a geração dos seres e
suas semelhanças. Exemplo disso é a sua classificação dos vegetais, baseada nos órgãos reprodutores
(isto é, flores). Vale lembrar que isso tudo estava acontecendo mais de 2 mil anos depois das primeiras
classificações biológicas realizadas por Aristóteles.

Figura 7 – Carolus Linnaeus

Observação

Carl Nilsson Linnaeus também é chamado de Carlos Lineu (em português),


Carl von Linné (na língua de sua terra natal) ou ainda Carolus Linnaeus
(latinizado). Além de suas atuações na classificação biológica, que lhe
valeram o título de “pai da taxonomia moderna”, ajudou a fundar a
Academia Real das Ciências da Suécia e participou da criação da escala
Celsius (ou centígrada) de temperatura, tão usada até hoje.

17
Unidade I

As contribuições de Lineu foram apresentadas em sua grande obra Systema naturae, ou sistema
da natureza, onde tenta representar a ordem natural dos elementos dos ambientes: animais, plantas e
minerais. Nela, há classificações de animais e plantas para as quais o autor usou a morfologia como fator
de comparação e agrupamento, ou seja, os grupos eram formados por seres com grandes semelhanças
morfológicas.

Em sua obra, é possível ver também alguns procedimentos que são usados até hoje, como a divisão
do reino animal em espécies, cada uma com um nome diferente e constituído a partir de algumas regras
fundamentais, ou seja, regras de nomenclatura binomial. Nesse sistema, cada espécie tem um nome
latinizado, formado por duas palavras e escrito de maneira diferente do restante do texto (geralmente
itálico ou sublinhado). A primeira palavra corresponde ao gênero e deve ter apenas a primeira letra
maiúscula. A segunda palavra é o epíteto específico (ou seja, o que identifica a espécie naquele gênero)
e deve ter apenas letras minúsculas. É curioso observar que muitos dos nomes de espécies criados por
Lineu são válidos até hoje, como pode ser visto pela nossa própria espécie (isto é, Homo sapiens).

A) B)

C)
Figura 8 – Denominação das espécies segundo a nomenclatura binomial. Três espécies diferentes que pertencem
a um mesmo gênero (Canis). Lobo – Canis lupus (A); coiote – Canis latrans (B); cachorro – Canis familiaris (C)

Observação

Uma espécie sempre deve ser citada com as duas palavras que formam
o seu nome. Se só a primeira for usada, diz respeito apenas ao gênero e não
à espécie. Se só o epíteto específico for usado, não tem nenhum significado.

A partir dessa categoria básica (isto é, espécie), Lineu propôs uma série de agrupamentos cada
vez mais inclusivos, começando pela categoria de gênero (agrupamento de espécies), depois ordem
18
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

(agrupamento de gêneros) e classe (agrupamento de ordens). Essa organização promovida por Lineu
refletia uma nova visão ou um novo critério de organização do mundo biológico, e ficou conhecida
como classificação hierárquica. Em linhas gerais, é o mesmo procedimento usado até hoje, embora
atualizações tenham sido feitas desde que foi proposta, e hoje em dia a classificação conta com sete
categorias obrigatórias e outras que só são usadas de acordo com a necessidade de cada grupo de seres
vivos (são consideradas facultativas; por exemplo, subclasse, superfamília, subespécie).

Quadro 1 – Classificação da espécie humana (Homo sapiens),


seguindo as categorias hierárquicas

Categoria taxonômica Nome do táxon


Reino* Animalia
Filo* Chordata
Subfilo Craniata
Classe* Mammalia
Subclasse Eutheria
Ordem* Primates
Subordem Anthropoidea
Família* Hominidae
Gênero* Homo
Espécie* Homo sapiens
(*) Indica as categorias obrigatórias.

Observação

A palavra táxon (plural: táxons) é usada para se referir a qualquer uma


das categorias de classificação.

Todas as regras para realização da taxonomia e sistemática estão reunidas nos chamados Códigos
Internacionais de Nomenclatura, havendo edições específicas para zoologia, botânica e bactérias.

2.3 Os reinos e domínios biológicos

Desde a Grécia Antiga, época em que viveu Aristóteles e outros importantes nomes das ciências
naturais, até boa parte do século XIX, os seres vivos eram atribuídos a um dos dois grupos identificados
como reino animal ou reino vegetal. Contudo, um olhar mais atento para essas classificações permite
reconhecer algumas limitações. Exemplo disso são os fungos, que eram considerados do reino
vegetal por alguns e do reino animal por outros. Algo semelhante ocorreu com alguns organismos
microscópicos, como a euglena, que é microscópica, possui flagelo e se move como os animais, mas
possui clorofila e faz fotossíntese como as plantas. Além disso, inicialmente, bactérias foram atribuídas ao
reino vegetal.

19
Unidade I

Parte da solução desse cenário confuso descrito anteriormente foi a metodologia de classificação
proposta por Lineu, que resolveu velhas dificuldades que os naturalistas/biólogos tinham para a
realização de nomenclatura e agrupamento de espécies. Essa metodologia é válida até hoje e vem
sendo, ao longo dos séculos, melhorada e atualizada conforme a tecnologia e o conhecimento avançam.
Outro passo importante para a melhoria das classificações ocorreu, especialmente, na segunda metade
do século XX, quando muitas técnicas de análise de dados biológicos (por exemplo, cromatografia,
eletroforese, PCR) foram criadas e revolucionaram a biologia, permitindo um conhecimento biológico
mais apurado na escala macroscópica e, principalmente, na microscópica (isto é, celular e molecular).

Com isso, as espécies passaram a ser caracterizadas em bases moleculares, a diferenciação entre os
táxons passou a ser feita por meio de características invisíveis a olho nu (por exemplo, sequência de
bases nitrogenadas do DNA) e as classificações se tornaram mais precisas. Nesse contexto, surgiram
tentativas de classificação biológica cada vez mais elaboradas, das quais merecem destaque os trabalhos
de Haeckel, Chatton, Copeland, Wittaker, Woese et al. e Cavalier-Smith, conforme será destacado adiante.

Quadro 2 – Comparação entre as principais propostas de classificação

Linnaeus Haeckel Chatton Copeland Whittaker Woese et al. Woese et al. Cavalier-Smith
(1735) (1866) (1925) (1938) (1969) (1977) (1990) (2004)
2 reinos 3 reinos 2 impérios 4 reinos 5 reinos 6 reinos 3 domínios 6 reinos
Eubacteria Bacteria
Prokaryota Monera Monera Bacteria
Não Archaebacteria Archaea
Protista
tratados Protozoa
Protista Protista
Protoctista Chromista
Eukaryota Fungi Fungi Eucarya Fungi
Plantae Plantae
Plantae Plantae Plantae Plantae
Animalia Animalia Animalia Animalia Animalia Animalia

Fonte: Nicolau (2017, p. 18).

Essas propostas mostram claramente o avanço de nosso conhecimento sobre os seres vivos e como
usamos essas informações para melhorar a classificação. Ao examinarmos o quadro anterior, observamos
que, apesar de apresentarem alguns nomes diferentes, o que mudou substancialmente ao longo do
tempo foram os agrupamentos feitos, e que podemos identificar por meio da quantidade de reinos.

A classificação biológica de Lineu, feita em 1735, considerava os organismos divididos em apenas


dois reinos, ou seja, Plantae e Animalia. Foi o que a tecnologia da época e as observações de Lineu
permitiram identificar. Contudo, a invenção do microscópio levou ao conhecimento dos seres unicelulares e
microscópicos, que não se encaixavam nos reinos de Lineu. Assim, foi necessária a criação de mais um
reino, chamado Protozoa, para acomodar os novos seres, e essa reforma foi feita por Ernst Haeckel em
1866. No entanto, Haeckel fez uma diferenciação entre as formas unicelulares, atribuindo algumas ao
reino Plantae e outras ao reino Protista. As formas unicelulares com movimento, além de bactérias e
cianobactérias, foram colocadas no reino Protista. Sua classificação ficou eternizada na forma de
uma árvore com os ramos correspondendo aos grupos de seres vivos e que ficou conhecida como a
“árvore de Haeckel” (figura seguinte).
20
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

Figura 9 – A árvore de Haeckel. Representação da classificação proposta pelo naturalista Ernst Haeckel

Os organismos microscópicos, tão importantes para a nova concepção do mundo biológico de


Haeckel, foram aos poucos sendo mais e mais investigados à medida que a tecnologia, especialmente a
microscopia, avançava. Daí veio a diferenciação entre os seres procariontes (ou procariotos; do grego pro,
antes + karyon, núcleo; células sem núcleo individualizado) e eucariontes (ou eucariotos; do grego
eu, bom ou verdadeiro + karyon, núcleo; células com núcleo individualizado).

21
Unidade I

Tais avanços levaram a importantes mudanças também na classificação biológica. Numa delas,
apresentada em 1925, Édouard Chatton criou a categoria de império acima da categoria de reino e
considerou os seres vivos como pertencentes aos impérios Prokaryota e Eukaryota, baseado nas
diferenças entre as células, sendo que este reunia os reinos Protista, Plantae e Animalia.

Alguns anos mais tarde, em 1938, foi a vez de Herbert Copeland propor a classificação com
quatro reinos, sendo eles Monera (para os procariontes), Protista (ou Protoctista, para os eucariontes
unicelulares), Plantae e Animalia.

Ainda impulsionado pelos avanços tecnológicos e o conhecimento cada vez maior das características
microscópicas, Robert Whittaker interpretou como relevantes as diferenças entre os fungos e os demais
seres vivos e criou uma categoria só para eles, propondo, em 1969, o reino Fungi em uma classificação com
cinco reinos. Em sua pesquisa, Whittaker reconheceu a importância dos tipos de nutrição como característica
norteadora da classificação. Para ele, o reino Plantae era composto por multicelulares autotróficos; o reino
Animalia, por multicelulares heterotróficos; o reino Fungi, por multicelulares saprófitas, como os bolores,
leveduras e fungos, que obtêm seu alimento por absorção; o reino Protista, por unicelulares eucariotas,
como protozoários e algas unicelulares; e o reino Monera, por unicelulares procariotas.

Com o desenvolvimento das pesquisas moleculares a partir da década de 1970, surgiram muitos
estudos de comparação de genes de RNA e DNA. Tais informações foram rapidamente incorporadas
ao universo sistemático e taxonômico, ganhando grande importância. Assim, o critério de
semelhança genética passou a ser mais importante, ou pelo menos mais confiável, do que o critério
de semelhanças morfológicas, bioquímicas, comportamentais, entre outras.

Baseados nessas informações, os pesquisadores começaram a perceber que os procariontes (reino


Monera) eram formados por células tão distintas entre si quanto os procariotas eram distintos das
células eucariotas, e isso motivou a proposta de dois grupos bem distintos. Essa descoberta motivou
a classificação apresentada em 1977 por Carl Woese e seus colaboradores, que era composta por seis reinos,
já que o reino Monera, presente nas classificações mais recentes, podia agora ser satisfatoriamente dividido
nos reinos Eubacteria (do grego eu, bom ou verdadeiro + bacteria, bactéria; bactérias verdadeiras) e
Archaebacteria (do grego archae, antiga + bacteria, bactéria; bactérias antigas). Completavam a lista de
reinos os já consagrados Protista, Fungi, Plantae e Animalia.

Nesse novo cenário, teve destaque o trabalho amplo realizado por Lynn Margulis nas décadas de
1970 e 1980. Essa pesquisadora usou dados moleculares e ultraestruturais para tentar organizar a
classificação dos seres vivos. Usou a teoria da endossimbiose sequencial (figura seguinte) para propor
algumas mudanças na classificação existente na época. Segundo essa teoria, a origem e evolução das
células eucariontes ocorreu quando procariontes maiores fagocitaram procariontes menores, mas estes
não foram digeridos e passaram a viver dentro dos seus “predadores” em uma relação de simbiose.
Atualmente, dados como DNA, RNA e membranas confirmam ter sido essa a origem das mitocôndrias e
dos cloroplastos, duas importantes organelas celulares.

22
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

A Sistema interno B C
de membranas
Endossimbiose

Bactéria Mitocôndria
aeróbica
Célula Célula
eucariótica eucariótica com
ancestral mitocôndria

E D C

Endossimbiose

Cloroplasto

Célula eucariótica Bactéria fotossintética


com cloroplastos

Figura 10 – Representação do processo de endossimbiose


que deu origem à mitocôndria e ao cloroplasto

Para a origem da mitocôndria, a proposta é de que uma bactéria anaeróbica (incapaz de usar o
oxigênio) englobou um procarionte aeróbico (capaz de usar o oxigênio) e, assim, adquiriu a capacidade
de crescer em ambiente rico em oxigênio. A bactéria englobada permaneceu com suas membranas e
seu material genético. O cloroplasto, por sua vez, teria passado por processo semelhante, mas a bactéria
englobada era fotossintetizante.

Apoiadas por essas evidências, Lynn Margulis e Karlene Schwartz publicaram uma proposta de
classificação para os seres vivos com cinco reinos, em que retomam o nome protoctista (depois trocado
por protista) para agrupar algas (unicelulares e multicelulares) e eucariontes unicelulares heterótrofos.
Usaram o reino Monera como sendo formado pelos sub-reinos Eubacteria e Archaea. Completando os
grupos, havia os reinos Plantae (para as plantas terrestres), Fungi e Animalia.

No início da década de 1990, após cerca de vinte anos de consolidação dos estudos genéticos e
moleculares, a diferenciação entre os grupos de moneras se manteve inabalada. Já em 1990, o mesmo
Carl Woese e seus colaboradores apresentaram uma classificação um pouco mais simples, baseada em
domínios e não em reinos. Os domínios seriam categorias taxonômicas acima de reinos. Consideraram
que todos os eucariontes podem ser reunidos em um único domínio, que chamaram Eucarya. Já nos
procariontes, as diferenças são tão fortes que optaram por usar dois domínios: Archaea e Bacteria.
Archaea significa antigo e foi usado para reunir os procariontes chamados de extremófilos, ou seja,
que vivem em ambientes extremos (por exemplo, com temperaturas muito altas ou ricos em metano
ou enxofre). A divisão ficou assim estabelecida: domínios Bacteria (bactérias verdadeiras), Archaea
(procariotas que diferem de bactérias em estrutura da membrana e sequências de RNA ribossômico)
e Eucarya (todos os eucariotas). Além do uso de dados moleculares, essa proposta já foi baseada na
metodologia cladística.
23
Unidade I

Observação

A metodologia cladística é também chamada de sistemática filogenética


e corresponde a uma metodologia confiável para a reconstituição do
parentesco entre os seres vivos. Surgiu em 1950 e, atualmente, é a principal
ferramenta da sistemática. Mais adiante, serão apresentados outros
detalhes dessa metodologia.

Em 2004, uma nova proposta de classificação foi apresentada por Thomas Cavalier-Smith. Ela tinha seis
reinos, assim como a proposta de Woese e colaboradores de 1977, só que apresentava uma nova interpretação
dos agrupamentos e, portanto, novos nomes (quadro anterior). Ela se baseou na metodologia cladística
e trouxe Bacteria e Archaea reunidos no reino Bacteria. Também fez a releitura dos protistas e passou a
considerá-los como dois reinos, sendo eles Protozoa e Chromista, já que identificou esses últimos como
sendo formados por diversos grupos de algas com clorofila A e C, além de cloroplastos com quatro
membranas. Os reinos Fungi, Plantae e Animalia permaneceram inalterados.

Aparentemente, a tendência atual na biologia brasileira é de trabalhar com duas propostas. Uma delas,
a proposta de três domínios de Woese, que tem um caráter mais geral. A outra classificação apresenta
um detalhamento para os eucariontes e foi proposta por Sandra Baldauf em 2003 e modificada em 2007.
Nela, são apresentados sete grandes reinos, a saber: Opisthokonta, Amoebozoa, Rhizaria, Archaeplastida,
Alveolata, Stramenopila e Discicristata, além de outro grupo dentro de Excavados, que inclui formas
amitocondriadas. Os grupos menores que compõem cada um dos reinos estão detalhados a seguir.

Figura 11 – Árvore filogenética representativa da proposta de classificação


dos eucariontes, de acordo com Fehling, Stoecker e Baldauf (2007)

24
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

Na metade do ano de 2020, cientistas apresentaram uma nova proposta de metodologia para a
classificação dos seres vivos, chamada PhyloCode, ou Código Internacional de Nomenclatura Filogenética.
Ela propõe abandonar as categorias taxonômicas tradicionais e usar apenas duas categorias, sendo
elas espécie e clado. Essa nova proposta está baseada exclusivamente nos conceitos filogenéticos e,
portanto, na história evolutiva dos seres vivos, sendo que os clados são a representação da história
evolutiva compartilhada por alguns organismos.

Lembrete

Clado é uma parte de um cladograma, ou seja, é uma representação de


relações de parentesco entre espécies ou outros táxons.

Saiba mais

Para saber mais sobre essa nova proposta de classificação, uma boa
opção é o site dos próprios criadores, disponível em:

Disponível em: https://bit.ly/3rSczys. Acesso em: 6 abr. 2021.

2.4 As bases modernas da classificação

Pouco depois da metade do século XIX, a biologia foi abalada por um novo modo de pensar e
encarar os seres vivos; em 1859, surgia a chamada teoria da evolução (o contexto histórico e científico
dessa etapa da biologia serão detalhados adiante). Darwin e Wallace apresentaram ao mundo suas
visões sobre a origem de novas espécies e como teria ocorrido a evolução dos seres vivos ao longo da
história da Terra. Em linhas gerais, segundo essa teoria, todos os seres vivos teriam evoluído de maneira
lenta e gradual a partir de um único ancestral que existiu há milhões/bilhões de anos. Portanto, todos
os organismos, viventes ou extintos, seriam aparentados em certo grau, o que poderia ser expresso
na forma de uma árvore evolutiva ou árvore filogenética. Dá-se o nome de filogenia justamente a
essa história evolutiva entre todos ou entre alguns seres vivos. Pode-se dizer que, atualmente, um dos
grandes objetivos da sistemática é obter a árvore evolutiva (ou filogenia) que relaciona todas as espécies
atuais e extintas.

Frente a essa revolução nas bases do conhecimento biológico, a sistemática biológica também precisou
se adequar aos novos conceitos. Na época de Darwin, as propostas de Lineu já eram largamente aplicadas,
mas os agrupamentos de seres vivos continuavam sendo feitos nos mesmos moldes usados desde a época de
Aristóteles, ou seja, os agrupamentos eram baseados em características morfológicas que o naturalista julgava
importantes, seguindo critérios particulares. Com a chegada da teoria da evolução, os cientistas e naturalistas
acabaram notando que as classificações deveriam refletir a evolução dos seres vivos e esse deveria ser o
critério a ser usado para todos os grupos de organismos. Mas como fazer isso?

25
Unidade I

Durante quase um século, muitas foram as tentativas e as propostas para unir sistemática e
evolução, porém sem muito sucesso. Os taxonomistas perceberam que as classificações deveriam estar
baseadas em características similares (por exemplo, morfológicas, moleculares, ecológicas etc.) que
fossem compartilhadas entre os organismos por terem sido herdadas de um ancestral comum a eles.
Características assim são chamadas de homólogas.

Lembrete

Homologia é um dos conceitos fundamentais da biologia, considerado


um conceito unificador. Refere-se à herança de características (iguais
ou não) pelas espécies a partir de ancestrais em comum e, por isso, tais
características podem ser comparadas.

Restava, agora, encontrar uma maneira eficiente e, sobretudo, científica de usar essas características
para resgatar a filogenia dos seres vivos. Ao longo do século XX, surgiram duas correntes de ideias (ou
teorias taxonômicas) que conseguiram realizar essa união. A diferença entre elas é, basicamente, o
modo como utilizam os princípios evolutivos.

Uma delas é a taxonomia evolutiva, ou taxonomia evolutiva tradicional, que foi desenvolvida por
George G. Simpson e Ernst Mayr e predominou na década de 1940. Ela manteve aspectos da taxonomia
de Lineu ao mesmo tempo que incorporava princípios evolutivos como a descendência comum e a
quantidade de modificação evolutiva adaptativa. Para os taxonomistas evolutivos, os táxons deveriam
apresentar uma única origem evolutiva e mostrar características adaptativas singulares.

Por outro lado, a sistemática filogenética, ou cladística, surgiu entre as décadas de 1950 e 1960,
e substituiu a taxonomia evolutiva, sendo usada até hoje como base para as classificações. Foi criada
pelo entomólogo alemão Willi Hennig em 1950 e apenas em 1966 foi traduzida para o inglês. Consiste
em uma metodologia científica confiável para a recuperação da história evolutiva dos seres vivos a
partir do estudo das características que representam novidades evolutivas (chamadas apomorfias ou
características apomórficas) e que são herdadas dos ancestrais. Baseia-se em princípios fundamentais
da biologia, como evolução biológica e homologia.

Observação

Apomorfia é um termo próprio da cladística, usado para representar


as novidades evolutivas das espécies. Por exemplo, se um ancestral tem
olhos azuis e, a partir dele, surgem linhagens com olhos de outra cor
(por exemplo, verdes), essa nova cor representa uma novidade evolutiva,
portanto, uma apomorfia.

Quando dois ou mais táxons possuem pelo menos uma dessas características, costuma-se dizer
que compartilham apomorfias (que passam a se chamar sinapomorfias) e, por isso, formam um grupo
26
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

monofilético. Esse grupo é indicativo de relação de parentesco próxima e história evolutiva a partir
de uma origem comum. Sendo assim, grupos monofiléticos são definidos por sinapomorfias (veja na
figura seguinte).

Todas essas relações de parentesco são expressas por meio de gráficos ramificados chamados
cladogramas ou árvores filogenéticas. Neles, pode-se observar os táxons, que são os nomes de espécies,
gêneros ou outras categorias taxonômicas que ficam nas extremidades; os ramos, que são as linhas
que representam o caminho evolutivo a partir dos ancestrais; e os nós, que estão representados no
cruzamento entre os ramos e indicam a posição dos ancestrais.

A B C D E Táxons Característica
A
B
C
D
Grupo E
monofilético
Condição original
Condição nova
Ramos Nós

Figura 12 – Descrição do cladograma e sua relação com as características dos táxons. Círculos indicam os nós.
As letras representam os táxons. As linhas representam os ramos. Na tabela, pode-se ver que os táxons
CDE possuem (ou seja, compartilham) a condição nova da característica; portanto essa característica
é a sinapomorfia que mantém os táxons CDE unidos em um grupo monofilético

Observação

Embora alguns considerem “árvore filogenética” e “cladograma”


como sinônimos, isso não é totalmente correto, uma vez que as árvores
filogenéticas são baseadas em cladogramas, mas acrescentam outras
informações, como, por exemplo, a idade ou tempo de origem dos grupos
que formam o cladograma.

Por meio dos cladogramas, podemos identificar as relações de parentesco entre os seres vivos e
usar os grupos monofiléticos para justificar as categorias taxonômicas usadas na sistemática. Assim,
quando observamos uma classificação feita com base cladística, temos a certeza de que todas as
categorias (isto é, gênero, família, ordem, classe, filo) correspondem a grupos monofiléticos e, portanto,
representam a história evolutiva daqueles táxons de uma maneira cientificamente confiável.

Vejamos a seguir o exemplo de cladograma e classificação criada a partir dele.

27
Unidade I

Amniota
Synapsida Diapsida
Lepidosauria Testudines Archosauria
Squamata

Mamíferos Tuataras Outros lagartos Lagartos-monitores Serpentes Tartarugas Crocodilianos Aves

Perda dos dois pares


de aberturas temporais Presença de uma abertura
Machos com hemipênis, característicos dos crânios anterior ao olho, órbita em
características de esqueleto diápsidos, plastrão e carapaça forma de triângulo invertido,
derivados de ossos dérmicos moela muscular
Crânio com um Fenda cloacal transversal, e fusionados a elementos do
único par de aberturas a pele descartada em uma única esqueleto axial
temporais laterais peça, característica de esqueleto

Betaqueratina na epiderme, Abertura temporal dorsal


características do crânio Abertura temporal lateral
Órbita
Abertura temporal lateral
Órbita
Órbita

Crânio diápsido

Crânio sinápsido Crânio anápsido

Membranas extraembrionárias - âmnio, córion


e alantoide: pulmões ventilados por pressão
negativa, via musculatura intercostal

Figura 13 – Cladograma dos amniotas

O cladograma anterior representa as relações de parentesco entre os vertebrados conhecidos como


amniotas, que existem ainda hoje. Compare a descrição a seguir com a figura anterior e você conseguirá
identificar os parentes mais próximos. Para facilitar sua compreensão, repare que, acima das figuras, há
nomes referentes aos agrupamentos realizados na análise.

• Na direita, podemos ver que os crocodilianos e as aves são mais próximos entre si do que com
qualquer outro animal analisado. Essa relação é mostrada por meio do clado que contém apenas
esses dois táxons. A esse clado foi dado o nome Archosauria. A interpretação é que, há milhões de
anos, essas duas linhagens tiveram um ancestral comum.

• No meio da figura, os lagartos-monitores e as serpentes também apresentam uma relação parecida


com a descrita no item anterior. Contudo, você pode notar que, seguindo para a esquerda, esse
pequeno grupo sofre o acréscimo de outro táxon, identificado como outros lagartos. Esses três
táxons, juntos, foram chamados de Squamata.

• Seguindo ainda mais para a esquerda, os Squamata se ligam com os tuataras e formam os Lepidosauria.

• Numa primeira análise, as tartarugas não possuem parentesco próximo com nenhum outro
amniota, estando isoladas entre os dois grupos anteriores e sendo chamadas de Testudines.
28
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

Contudo, uma observação atenta do cladograma permite identificar um grande grupo formado
por (da esquerda para a direita) Lepidosauria, Testudines e Archosauria, e que recebeu o nome
de Diapsida.

• Isolados na esquerda e sem parentesco próximo com alguns dos táxons analisados estão os
mamíferos, também chamados na figura de Synapsida.

Essa é a descrição do cladograma e a interpretação das relações de parentesco contidas nele.


Importante lembrar que todos os grupos formados são monofiléticos. As informações que estão
colocadas ao longo dos ramos do cladograma correspondem a características daquele táxon ou grupo.

Lembrete

Uma classificação tem que utilizar as categorias taxonômicas na


sequência correta, da menor para a maior: espécie, gênero, família,
ordem, classe e filo.

Muito bem, mas você acha que acabou? Está enganado. Nada disso faria muito sentido se não
fosse usado para sustentar uma classificação desses animais. Acompanhe como ela ficou e note que
cada categoria a seguir corresponde a um grupo descrito anteriormente. É por isso que dizemos que o
cladograma dá suporte à sistemática.

Classe Amniota
Subclasse Diapsida
Ordem Testudines
Superordem Lepidosauria
Ordem Squamata
Superordem Archosauria
Subclasse Synapsida

Desde a sua popularização na década de 1960, a sistemática filogenética vem passando por alterações
para produzir resultados cada vez mais confiáveis e mais rápidos. O desenvolvimento de hardwares
e softwares e a utilização de ferramentas estatísticas são exemplos das contribuições recebidas
pela cladística ao longo do tempo. Atualmente, a metodologia cladística predomina largamente
nos trabalhos de taxonomia e sistemática, mas uma grande revisão da taxonomia estava sendo
trabalhada desde o final da primeira década do século XXI e foi apresentada ao mundo na metade
do ano de 2020. Como já visto, trata-se do PhyloCode, ou Código Internacional de Nomenclatura
Filogenética, acompanhado do Phylonyms: o primeiro trata das regras, e o segundo, de exemplos da
aplicação dessas regras.

29
Unidade I

Archosauria
Dinosauria
Saurischia
Aves

Dinossauros Dinossauros Aves


Phytosauria Crocodilia Pterosauria ornitísquios saurísquios

Pela taxonomia Pela taxonomia


tradicional filogenética (PhyloCode)

Classe Reptilia Clado Archosauria


Ordem Crocodilia Clado Dinosauria
Ordem Dinosauria Clado Saurischia
Classe Aves Clado Aves

Figura 14 – Eíemplos da aplicação da taxonomiaílineana tradicional e da taxonomia filogenética (ou PhyloCode)

Observando esse exemplo, você pode ver que a matéria-prima, ou seja, o cladograma, é o mesmo;
o que muda é sua interpretação. A taxonomia tradicional, herança de Lineu, exige que sejam criados
nomes para cada categoria taxonômica obrigatória (de reino até espécies) e, se necessário, também para
categorias facultativas (como subordem, subfamília etc.). Cada uma delas deve corresponder a um grupo
monofilético. Para a taxonomia filogenética, os grupos monofiléticos continuam sendo essenciais, mas a
única indicação de nome que deve existir é a dos clados (os próprios grupos monofiléticos).

3 ORIGEM DA VIDA: ABIOGÊNESE/BIOGÊNESE

3.1 Caracterização da vida

Biologia é definida como a ciência que estuda a vida. No entanto, o que é a vida? Essa tem sido
uma questão bastante debatida por filósofos e cientistas ao longo dos tempos e que, ainda hoje, causa
dificuldades a quem deseja estabelecer esse conceito. Isso ocorre porque a vida se apresenta como uma
propriedade muito complexa, e para temas complexos são necessárias definições complexas. Um ponto
que contribuiu para o aumento da complexidade foi a própria evolução biológica, que tornou as formas
de vida recentes mais complexas do que as primeiras formas que surgiram há bilhões de anos.

Normalmente, as definições de vida correspondem a uma lista de características ou propriedades


fixas que separam a matéria viva da não viva, e que estão presentes desde o ser vivo mais simples até
o mais complexo. No entanto, muitas dessas propriedades, quando analisadas separadamente, podem
ser encontradas também em matéria não viva. Exemplo clássico disso é a replicação, que pode ocorrer
também em cristais dentro de compostos químicos. Algumas definições sugerem utilizar as propriedades
encontradas em seres vivos recentes e mais complexos; no entanto, isso implicaria excluir as formas de
vida primitivas que não apresentavam tais propriedades. Como você pode ver, são muitos pontos para
serem levados em consideração.

30
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

Saiba mais

Uma sugestão de leitura científica e interessante é a obra a seguir. Nela,


o autor apresenta uma busca por evidências científicas que esclareçam o
surgimento da vida na Terra, mesmo que para isso apresente opiniões controversas.

DAVIES, P. O quinto milagre: em busca da origem da vida. São Paulo:


Companhia das Letras, 2000.

É importante que, além das características, a vida seja descrita tendo em vista a história evolutiva
que todos os seres tiveram em nosso planeta, e que se baseia em descendência com modificações.
Assim, qualquer que seja a definição de vida, deve servir para todos os elementos dessa longa história
evolutiva. Mais adiante, serão apresentadas algumas das principais características/propriedades que a
vida apresenta.

3.2 Teorias: abiogênese e biogênese

Depois de definirmos o que seria vida, outra questão emerge: como ela surgiu? Ao longo dos séculos,
muitos se dedicaram a decifrar esse mistério. Em épocas mais antigas, surgiu a crença de que a vida
surgia pela reprodução dos genitores e, também, continuamente pela geração espontânea a partir de
matéria não viva. Uma personalidade que tinha essa compreensão da vida era Aristóteles. Essa ideia
se espalhou, inclusive por filósofos e naturalistas renomados, e ficou conhecida como teoria da
abiogênese (ou da geração espontânea). Um exemplo disso foi René Descartes, que explicou a geração
espontânea como sendo um efeito do calor sobre pequenas partículas na matéria em decomposição
que se agitavam quando aquecidas e geravam um ser organizado. Para essas pessoas, rãs pareciam
surgir da terra úmida, ratos surgiam de material em decomposição, insetos apareciam do orvalho, e
moscas-varejeiras, de carne podre. Ainda, fatores ambientais como calor, umidade e luz do Sol pareciam
afetar bastante a geração espontânea de seres vivos.

Esse tipo de explicação era levado tão a sério que havia até receitas para a criação de animais a partir
de matéria não viva. É famosa, nos livros de história da biologia, a receita de Jean-Baptiste van Helmont,
em 1648, para a criação de ratos:

Se você prensar uma peça de roupa de baixo manchada de suor junto


com um pouco de trigo em um vaso aberto, após 21 dias, o odor muda e o
fermento... transforma o trigo em rato. Mas o realmente notável é que os
ratos que aparecem do trigo e da roupa de baixo não são ratos pequenos,
nem mesmo miniatura de adultos ou ratos abortados; o que emerge é um
rato adulto! (HICKMAN, 2019, p. 20).

31
Unidade I

Da mesma maneira que havia pessoas que aprovavam e defendiam essas ideias, havia outras que
buscavam desmenti-la por meio de argumentos científicos. Francesco Redi, médico italiano do século XVII,
realizou um experimento bastante simples, mas que começou a mudar a visão que se tinha sobre a
origem da vida. Ele colocou carne em oito recipientes, sendo quatro deles fechados, e os outros quatro
abertos (veja na figura seguinte). Observou que surgiam larvas somente nos recipientes abertos e
suspeitou que a falta de ar nos frascos fechados poderia ser considerada a causa do não surgimento da
vida. Para testar isso, ele repetiu o experimento com frascos tampados com gaze e, dessa vez, percebeu
larvas nas carnes dos recipientes abertos e, também, por cima das gazes. Concluiu que as larvas haviam
sido depositadas por moscas que foram atraídas pelo cheiro da carne. Assim, ele concluiu ser impossível
a geração espontânea a partir de matéria orgânica em decomposição, mas continuou acreditando em
outros tipos de geração espontânea, como os vermes que surgiam no interior dos intestinos. Depois de
Redi, muitos naturalistas ao longo dos séculos se dedicaram a tentar entender os processos que levam
ao surgimento de seres vivos.

Mosca em contato Aparecimento de Recipiente fechado Não aparecem vermes


com a carne vermes sobre a carne sobre a carne
Figura 15 – Clássico experimento de Francesco Redi sobre a origem dos seres vivos

No cenário descrito até aqui, é importante que você, aluno, acompanhe a substituição de ideias
antigas (ou velhos paradigmas) por outras mais novas e compreenda que foi assim que a ciência se
desenvolveu e continua a se desenvolver até hoje. Mesmo depois que Redi e outros naturalistas já haviam
fornecido provas importantes contra a teoria da abiogênese, ainda havia pesquisadores que buscavam
o caminho antigo. A abiogênese não havia sido derrotada. Prova disso é a chamada epigênese, corrente
ligada à abiogênese e que buscava explicar a origem da vida por meio da organização da matéria. Para
seus defensores, a matéria seria formada por partículas com atividades individuais, ou seja, não eram
inertes; assim, algumas delas poderiam conter o princípio da vida e se combinar com outras do mesmo
tipo, gerando um ser vivo complexo.

Você pode observar, aluno, que essa teoria vai de encontro ao que pensavam os preformistas,
conforme será detalhado mais adiante ao tratarmos do núcleo e da formação de novos seres vivos.
Defensores da epigênese, como os naturalistas Abraham Trembley (1710-1784) e Joseph G. Kölreuter
(1733-1806), apontavam os processos de hibridização como exemplos de que a epigênese ocorria. Um
dos exemplos utilizados tratava de plantas que foram produzidas por hibridização e, portanto, seriam
formadas pelas partículas vitais presentes nos óvulos e espermatozoides das duas espécies. A maioria
era estéril, mas algumas podiam se reproduzir com uma das espécies originais (não híbridas) usadas no
32
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

processo, originando uma nova geração. Durante a união das partículas vitais, havia uma organização
para formar o embrião obedecendo a uma memória de posição que cada uma delas possuiria.

Lembrete

Preformismo é o nome dado à teoria que afirmava que seres em


miniatura existiam dentro de óvulos e do esperma, contendo, inclusive,
cabeça e membros. Na reprodução, esses pequenos seres se desenvolveriam
nos adultos.

Ainda durante o século XVIII, Georges L. Buffon (1707-1788) avançou nas ideias epigenéticas. Para
ele, os seres vivos eram gerados pela organização de moléculas orgânicas, ou seja, partículas que não
eram os seres vivos, mas tinham o princípio vital e, portanto, poderiam gerar os seres vivos quando
combinadas com outras do mesmo tipo. Discordava dos demais epigeneticistas, porque acreditava
que essas partículas não tinham memória de posição; ao contrário, pensava que existiria uma matriz
interior no macho e na fêmea da espécie, ou seja, um molde daquele ser, usado como referência para a
organização das moléculas orgânicas. Essa matriz teria as características da família à qual pertenceria o
indivíduo, e de uma mesma matriz poderiam surgir indivíduos diferentes, de modo que a diversidade de
animais e plantas seria causada por processos de degeneração devido às adaptações ao meio.

Leão

Tigre

Matriz
original Leopardo

Puma

Gato doméstico

Figura 16 – Exemplo da matriz interior e da degeneração sofrida pelas formas criadas a partir dela. Nesse exemplo,
cada felino representaria uma degeneração do modelo original produzida pelo meio ambiente

Perceba que essas ideias de Buffon abordavam mais elementos do que apenas a formação dos seres
vivos; influenciavam, também, a classificação dos seres vivos. Isso porque, segundo ele, diariamente
surgiam seres diferentes em várias partes do mundo e com características que não combinavam com

33
Unidade I

aquelas já estabelecidas pelos sistemas de classificação. Diante do cenário que predominava na época,
em que as espécies eram fixas, a possibilidade de gerar formas diferentes a partir de uma matriz fixa, e
ainda justificando a diversidade por meio das degenerações dos indivíduos, era um grande avanço na
compreensão da origem da diversidade biológica.

Segundo Buffon, as moléculas orgânicas se decompunham após a morte dos seres e passavam
a fazer parte da natureza, em que poderiam ser readquiridas por quaisquer seres por meio da
alimentação. Portanto, se essas partículas não fossem reabsorvidas, poderiam dar origem a seres
microscópicos. Contudo, Buffon era teórico e coube a outros naturalistas criar experimentos para
tratar dos mesmos temas.

Baseado nessa ideia, John T. Needham (1713-1781) desenvolveu um experimento para comprovar a
geração espontânea de seres microscópicos. Certa vez, ele declarou:

Peguei uma quantidade de caldo de carne de carneiro quente e coloquei-a


num pequeno frasco, que foi tapado com uma rolha bem presa ao bocal,
de forma a ficar hermeticamente fechado, sendo em seguida selado. Assim,
eu havia excluído todo o ar para o exterior, de forma que não se pudesse
dizer que os corpos em movimento observados tivessem sua origem em
insetos ou ovos flutuando no ar atmosférico. Da mesma forma, não permiti
a introdução de qualquer água que não fosse aquecida com intenso grau
de calor, com medo que se pensasse que minha produção viesse por meio
desse elemento... A vida brotou em meu recipiente (BRAGA; GUERRA;
REIS, 2003c, p. 73).

O médico Felix Archimède Pouchet (1800-1872), importante naturalista francês, também apresentou
experimentos que apoiavam a ideia de geração espontânea em sua principal obra, chamada Heterogenia
ou Tratado da geração espontânea (1859). Ele indicou que novos seres vivos microscópicos poderiam
surgir a partir da matéria orgânica, embora descartasse aquela visão mais antiga segundo a qual seres
maiores poderiam surgir de matéria inanimada.

No entanto, a cada teoria ou experimento tentando comprovar a abiogênese, surgiam investidas


contrárias por parte dos defensores da biogênese. Um dos principais nomes da época foi Lazzaro
Spallanzani (1729-1799), que organizou vários experimentos para apontar os erros nos procedimentos
realizados por outros naturalistas.

Louis Pasteur, cientista francês de fama internacional, era outro cientista que não acreditava na
teoria da abiogênese. Em 1861, ele conseguiu convencer muitos cientistas da época de que seres vivos
somente surgiam a partir de outros seres vivos. Para confirmar suas suspeitas, realizou os famosos
experimentos usando frascos de vidro com gargalo longo e em forma de S, chamados pescoço de cisne
(figura seguinte). Segundo o próprio Pasteur:

34
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

Coloquei em frascos de vidro os seguintes líquidos, todos facilmente


alteráveis em contato com o ar comum: suspensão de levedo de cerveja
em água, suspensão de levedo em água com açúcar, urina, suco de
beterraba, água de pimenta; aqueci e puxei o gargalo do frasco, de maneira
a dar‑lhe várias curvas; deixei o líquido ferver durante vários minutos, até
que os vapores saíssem livremente pela estreita abertura superior do gargalo,
sem tomar outra precaução. Em seguida deixei o frasco esfriar. É uma coisa
notável, capaz de assombrar qualquer pessoa acostumada com a delicadeza
das experiências relacionadas à geração espontânea, o fato de o líquido
em tal frasco permanecer imutável indefinidamente (BRAGA; GUERRA;
REIS, 2003d, p. 75).

Figura 17 – Clássico experimento de Louis Pasteur elaborado para desmentir a teoria da abiogênese

Pasteur colocou algum material fermentável em um frasco desse tipo e manteve o gargalo aberto.
Após o aquecimento desse conjunto até a fervura do material por um longo tempo, ele foi deixado em
repouso para esfriar. Passados alguns dias ele observou que não houve fermentação ou outra alteração
significativa no material e atribuiu isso ao fato de que os organismos responsáveis pela degradação estavam
no ar e entravam pela abertura, depositando-se no gargalo retorcido, e não chegavam até a parte
mais larga do frasco. Na continuação do experimento, Pasteur quebrou os gargalos, permitindo que
o ar carregado de microrganismos chegasse de maneira mais direta ao material no interior do frasco
e, em pouco tempo, já havia sinais de que eles estavam se proliferando. A partir dessas observações, o
cientista pôde concluir que a vida não poderia originar-se em ausência de organismos ou de suas partes
reprodutivas (por exemplo, ovos e esporos). Estava criada a teoria da biogênese.

35
Unidade I

Contudo, é importante que se tenha a noção de que cientistas defensores da teoria da abiogênese
(ou outros nomes atribuídos a essas ideias ao longo do tempo) não desistiram de tentar provar seu ponto de
vista e suas crenças. Intensos debates se desenvolveram ainda no século XIX e parte do século XX, até que
a tecnologia e os experimentos chegaram a um nível tal que permitiu comprovar a tese da biogênese.

3.3 Os preparativos para a vida

A partir dos trabalhos de Pasteur, o mundo compreendeu como os seres vivos surgem. No entanto,
uma outra dúvida surgiu: e o primeiro ser vivo, o mais primitivo de todos? Como ele surgiu? Nesse caso,
a teoria da biogênese não pode ser aplicada, pois antes do primeiro ser, não havia outra forma de vida
para dar origem a ele. Desse ponto de vista, parece que a teoria da abiogênese faz mais sentido, mas ela
não é a única tentativa de explicação existente.

Desde a proposta da teoria da evolução, acredita-se que todos os seres vivos compartilham um
ancestral comum. De acordo com a paleontologia, esse ser primordial teria vivido há aproximadamente
4 bilhões de anos, sendo o mais antigo ancestral comum universal (ou Luca – do inglês last universal
common ancestor). E a dúvida é justamente esta: como esse ser surgiu?

Uma das possibilidades de resposta para essa pergunta exige que se pense nas condições do
planeta naquela época, para que sejam identificadas condições particulares que poderiam ter dado
origem a um ser vivo e sustentado essa vida primitiva. Essas respostas já vêm sendo perseguidas há
um século. Na década de 1920, surgiram duas tentativas de explicação, resultantes dos trabalhos
do bioquímico russo Alexander I. Oparin e do biólogo britânico John B. S. Haldane. Segundo esses
cientistas, a vida surgiu na Terra depois de um longo período de reações químicas e evolução molecular
abiogênica, quando houve surgimento de pequenas moléculas que se combinaram e formaram
moléculas orgânicas mais complexas, até o surgimento de moléculas autorreplicáveis, ou seja, que
podiam produzir cópias delas mesmas. Essa mistura primordial de moléculas e água foi chamada de
sopa ou caldo primordial.

Oparin Haldane

Figura 18 – Cientistas que iniciaram as investigações sobre a origem dos primeiros seres vivos

36
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

No entanto, a hipótese conhecida como Oparin-Haldane era apenas teórica e precisava de experimentos
científicos que confirmassem seus pontos principais. Nesse contexto, um dos grandes experimentos foi
realizado por Harold Urey e Stanley Miller em 1953, e ficou conhecido como experimento de Urey-Miller.

Figura 19 – Stanley Miller, com parte dos equipamentos


usados no famoso experimento de 1953

A ideia desses cientistas foi simular as condições existentes na Terra primitiva e observar suas
possíveis relações com a origem de vida. Os estudos geológicos indicavam que, no início da Terra,
predominavam condições quentes, com água na forma líquida e uma atmosfera primitiva redutora
formada por metano, amônia e hidrogênio em grandes quantidades e constantemente atingida por
fortes descargas elétricas dos relâmpagos.

Para simular esse cenário, foi montado um sistema fechado (figura seguinte) formado por: tubos e
frascos de vidro; uma fonte de calor representada por um bico de Bunsen; eletrodos que disparavam
descargas elétricas dentro de um dos frascos; e um condensador (resfriador). Nesse sistema, foi colocado
certo volume de água e uma mistura de gases como metano, hidrogênio e amônia. A água era aquecida
e gerava vapor, que circulava pelos tubos e se misturava com os gases, os quais recebiam descargas
elétricas. Esses gases quentes condensavam ao passar pelo resfriador e o líquido resultante caía
novamente no reservatório de água.

37
Unidade I

CH4

NH3 H2
Vapor de água

Eletrodo

Condensador

Água fria

Compostos orgânicos
H2O

Figura 20 – Estrutura do experimento Urey-Miller

Após apenas uma semana de funcionamento desse sistema, os cientistas começaram a detectar
na água a presença de compostos orgânicos e verificaram que cerca de 15% do carbono original dos
gases havia sido consumido para formar tais compostos. Entre as substâncias identificadas, estavam
quatro aminoácidos (monômeros formadores de proteínas), ureia e vários ácidos graxos simples, todos
relacionados à vida. Assim, esse experimento foi importante para demonstrar que, considerando-se as
condições presentes na Terra primitiva, seria possível a formação de moléculas orgânicas intimamente
relacionadas aos seres vivos.

Além disso, esse experimento serviu para estimular mais especialistas a tentarem pesquisas
semelhantes para identificar outras condições e substâncias que caracterizassem a Terra primordial.
Em outros experimentos, foram aplicadas descargas elétricas em misturas de monóxido de carbono,
nitrogênio e água, produzindo aminoácidos e bases nitrogenadas. Com o tempo, ficou demonstrado que
as únicas condições necessárias à produção de aminoácidos seriam: haver uma mistura gasosa redutora
e haver exposição dessa mistura a uma fonte de energia violenta.

38
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

Lembrete

Condição redutora é aquela em que não existe oxigênio no meio


observado. Mais especificamente, são aquelas em que estão presentes
agentes redutores (substâncias que tendem a doar elétrons para outras
espécies químicas). É o oposto de condição oxidante.

Hoje, sabemos que moléculas intermediárias altamente reativas, como ácido cianídrico, formaldeído
e cianoacetileno, formadas pelas reações ocorridas na Terra primitiva, reagem com água, amônia ou
nitrogênio para formar moléculas orgânicas mais complexas (por exemplo, aminoácidos, ácidos graxos,
ureia, aldeídos, açúcares, bases nitrogenadas púricas e pirimídicas), que são consideradas os tijolos
necessários à síntese dos compostos orgânicos mais complexos da matéria viva.

3.4 Os primórdios da vida

De acordo com as estimativas feitas por paleontólogos, o registro fóssil que apresenta o vestígio de
vida mais antigo teria 3,5 bilhões de anos e corresponde a seres microscópicos, aquáticos e procariontes.
Há outros materiais (por exemplo, acúmulos de carbono) e estruturas (por exemplo, estromatólitos)
que teriam em torno de 3,7-3,8 bilhões de anos, mas ainda há alguma dúvida sobre a origem biológica
desses materiais. Com base nesses dados, a origem da forma de vida mais antiga costuma ser estimada
em aproximadamente 4 bilhões de anos. Vale lembrar que a idade da Terra é cerca de 4,5 bilhões de anos.
Mas qual a aparência desses primeiros seres vivos?

Observação

Durante muitos anos, foi usado o conceito de coacervado para


representar as protocélulas, ou seja, os primeiros seres vivos. Esse é um termo
científico ligado à físico-química para designar porções microscópicas de
alguma macromolécula isoladas do meio por uma fina membrana. Coube a
Alexander I. Oparin e John B. S. Haldane a utilização desse conceito como
modelo para os primeiros seres vivos.

Lembrete

Estromatólitos são uma estrutura mineral construída pela ação de


organismos (por exemplo, fungos, cianobactérias) em ambiente aquático
raso. Foram muito comuns no passado do planeta, mas até hoje podem ser
encontrados em litorais pelo mundo.

39
Unidade I

Muitos estudiosos definem as primeiras formas de vida como sendo protocélulas, ou seja,
unidades limitadas por uma membrana e que possuíam autonomia, organização funcional e,
especialmente, autorreplicação. Mesmo sendo seres muito simples, eles são mais complexos do que
os sistemas químicos identificados pelos pesquisadores no início das pesquisas. Contudo, sabemos
que esses sistemas químicos deram origem às protocélulas. Como isso ocorreu?

As propostas mais modernas tentam explicar essa passagem de matéria inerte para matéria viva
através dos ácidos nucleicos (DNA e RNA). Por si só, eles são compostos químicos complexos. Contudo,
o que se propõe é uma sequência de acontecimentos em nível molecular, resumida a seguir:

• RNA e DNA foram formados a partir de substâncias que tinham função de enzimas, mas não eram,
necessariamente, proteínas. Na década de 1980, algumas pesquisas indicaram que o RNA mostra
atividade catalítica (as ribozimas), ajudando no processamento do RNA mensageiro por meio da
remoção dos íntrons e na formação de ligações peptídicas.

• Em algum momento, esses ácidos nucleicos começaram a se comportar como sistemas genéticos
simples especializados na produção de proteínas/enzimas.

• Com essas características, o RNA possuía capacidade de autorreplicação.

Observação

A idade dos fósseis é obtida, geralmente, de maneira indireta, a partir das


rochas que são encontradas próximas a eles. Essas rochas são submetidas a
testes físico-químicos (por exemplo, datação por isótopos de rubídio‑estrôncio)
e a idade obtida é extrapolada para o fóssil.

Apoiados nessas e em outras características, os especialistas criaram a expressão “mundo RNA” para
representar a versatilidade dessa molécula e indicá-la como molécula precursora da vida. Colocando‑se
uma membrana ao redor de um conjunto de RNAs, teríamos um modelo bem satisfatório para representar
as primeiras formas de vida. Obviamente, não há certeza em relação a isso, mas essa tem sido uma
hipótese com muita repercussão e estudos têm tentado reproduzir esses primeiros passos.

É importante compreender que existiu um ser vivo primordial e que, a partir do momento em que
ele começou a viver, foi submetido às forças da seleção natural – começou a evoluir.

Observação

Há uma teoria alternativa para a origem da vida na Terra que é pouco


conhecida, mas é levada muito a sério no meio científico. Trata-se da
Panspermia. Ela defende que as moléculas fundamentais à vida vieram de
outros lugares no universo dentro de meteoros e foram semeadas na Terra
há bilhões de anos. Baseia-se no encontro de aminoácidos no interior de
meteoritos, como o meteorito Murchison, que atingiu a Austrália em 1969.
40
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

3.5 Características da vida

Mesmo com todas as dúvidas relacionadas à origem da vida, podemos compreender que aquelas
formas que um dia foram novidade no planeta tiveram sucesso, se multiplicaram e se diversificaram e,
hoje, nós e todos os demais seres vivos somos herdeiros dos organismos pioneiros. Apesar dos bilhões de
anos de evolução e de toda a variedade surgida nesse tempo, algumas características gerais podem ser
apontadas como sendo fundamentais à vida. Elas estão resumidas na sequência.

3.5.1 Unicidade química

Os seres vivos possuem uma organização molecular muito complexa e única, formada por grandes
moléculas (macromoléculas), que obedecem a todas as leis da química. Os quatro tipos fundamentais são
carboidratos, proteínas, lipídios e ácidos nucleicos. Cada um deles tem monômeros próprios e funções
distintas. Toda essa organização dá aos organismos uma unicidade bioquímica com grande potencial
para a diversidade.

3.5.2 Complexidade e organização hierárquica

Quanto aos materiais não vivos, podemos organizá-los em átomos e moléculas. Contudo, com
os seres vivos é diferente, pois sua complexidade é muito maior e isso se reflete em sua organização
hierárquica. Embora eles também sejam feitos de átomos e moléculas, as combinações desses
materiais formam padrões únicos. Essa hierarquia está representada pelas macromoléculas, células,
tecidos, órgãos, organismos, populações e espécies. Uma consequência importante dessa hierarquia
é que não conseguimos saber as propriedades de um nível a partir das propriedades de suas partes
componentes. Por exemplo, sistemas de interação social, como vemos em abelhas ou formigas,
ocorrem no nível populacional e não conseguimos conhecer esse sistema a partir das propriedades de
abelhas examinadas individualmente.
Nível celular

Átomos Molécula Macromolécula Organela Célula

Nível de organismo

Tecido Órgão Sistema orgânico Organismo

Figura 21 – Organização hierárquica de um ser vivo

41
Unidade I

3.5.3 Reprodução

Os sistemas vivos podem se reproduzir por conta própria. Dessa maneira, conseguem transmitir
suas informações genéticas, gerando descendentes semelhantes (hereditariedade). Nesse mesmo
processo, podem ocorrer alterações (variedade) nas informações genéticas, produzindo novas formas
de vida. Observamos que a reprodução atua nos diferentes níveis hierárquicos, como nas populações
que podem se repartir formando novas populações, e as espécies que podem sofrer especiação e gerar
novas espécies. É interessante notar que, se a hereditariedade fosse perfeita, os sistemas vivos nunca
mudariam e teríamos uma diversidade de uma ou poucas espécies na Terra.

3.5.4 Metabolismo

Chamamos de metabolismo os processos químicos essenciais à vida e que são responsáveis por
recarregar a energia química e as moléculas orgânicas fundamentais. Uma parte disso envolve a obtenção
de nutrientes disponíveis nos ambientes, que é completada pela digestão, respiração e outras reações
que destroem e constroem substâncias e estruturas. Apesar das diferenças de complexidade e estrutura
dos seres vivos, todos possuem esses processos fundamentais em algum nível. Nos seres eucariotos, por
exemplo, as organelas conhecidas como mitocôndrias são locais destinados à respiração celular (não
confundir com a respiração pulmonar). Ainda, as membranas presentes nas células são importantes
controladores do metabolismo, à medida que afetam o movimento de moléculas para dentro e para
fora da célula. O metabolismo também varia ao longo da vida dos seres vivos, caracterizando o que
chamamos de ciclo de vida.

3.5.5 Interação ambiental

É o que podemos chamar de ecologia, ou seja, os tipos e níveis de interação de um ser vivo com
o ambiente ao redor (elementos bióticos e abióticos). Os organismos, no geral, percebem os estímulos
ambientais e reagem, lenta ou rapidamente, a eles (irritabilidade), alterando seu metabolismo e
funcionamento. Plantas têm seu movimento limitado por sua própria estrutura e tamanho e devem
estar preparadas para as variações de estímulos do local onde vivem (por exemplo, variação das estações
do ano). Já os animais podem, na maioria das vezes, se mover e fugir de um estímulo desagradável ou
se aproximar de um estímulo recompensador.

3.5.6 Movimento

Essa característica não se refere apenas ao deslocamento nos ambientes. É um conceito muito mais
complexo e abrangente, que envolve os transportes que ocorrem nas células, controlados pela energia
que os seres obtêm do meio em que vivem. Desse ponto de vista, pode-se entender que o movimento
é importante para processos básicos, como crescimento e desenvolvimento. Ainda, os movimentos das
espécies pelos ecossistemas, como as migrações, são igualmente importantes para a manutenção desses
seres e dos ambientes onde vivem.

42
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

4 TEORIA CELULAR

De maneira similar ao que aconteceu com a química e a física, em que se buscou, ao longo de
séculos, estabelecer do que é feita a matéria, a biologia também teve que lidar com mais um grande
mistério: do que são feitos os seres vivos?

Há relatos de que, desde o século XVIII, já havia especulações sobre a composição dos seres vivos e
até mesmo sobre a organização desse material. Como, naquela época, ainda não havia meios de observar
ou detectar essas unidades básicas dos seres vivos, as ideias a esse respeito foram muito influenciadas
pelos estudos e conclusões sobre a composição da matéria inerte. Portanto, comparativamente,
os organismos também deveriam ser formados por unidades básicas microscópicas, só que com
características próprias, que as diferenciavam da matéria inerte.

4.1 Descobrindo o mundo microscópico

Todo o conhecimento que temos, atualmente, sobre as células foi desenvolvido aos poucos, desde
o século XVII, conforme surgiam avanços tecnológicos para isso. Tudo parece ter começado com o
microscópio. Um primeiro nome associado a esse equipamento é o do pesquisador holandês Antoni
van Leeuwenhoek, que criou um aparelho muito simples, que utilizava uma lente de aumento e possuía
um local para colocação do que deveria ser visto (veja na figura seguinte). Por meio dele, Leeuwenhoek
conseguiu ver detalhes inéditos de folhas e animais, bem como pequenos seres (protozoários) que se
moviam em uma gota de água que retirou de um lago. No entanto, não conseguiu ver as células.

Figura 22 – Réplica do microscópio de Leeuwenhoek

Lembrete

Os primeiros microscópios eram extremamente simples, possuindo


apenas uma lente de aumento. Algum tempo depois, surgiram os
microscópios compostos com duas lentes, maior capacidade de aumento e
proporcionando imagens melhores.

43
Unidade I

Algum tempo se passou até a ideia de microscópio ser aperfeiçoada e, no final do século XVII, os
aparelhos eram chamados de compostos e já permitiam visualizar objetos de até 1 μm, sendo possível,
desde então, ver as células. Os indícios históricos dão a entender que foi o cientista inglês Robert Hooke,
em 1663, o primeiro a observar cavidades aproximadamente retangulares em folhas e cortiça (material
natural que cobre o tronco de parte das árvores) utilizando um microscópio composto primitivo (figura
seguinte). Devido à forma dessas estruturas, Hooke as chamou de caixas ou de pequenas celas, ou
seja, células.

Figura 23 – Microscópio composto primitivo e imagem


representativa das células observadas em cortiças

Lembrete

A palavra célula vem do latim cellula, que significa cubículo ou cela,


fazendo referência às celas ocupadas por monges em mosteiros.

De acordo com Mayr (1998), as identificações e descrições de características microscópicas


de diferentes objetos feitas por importantes microscopistas, como Nehemiah Grew (1628‑1711),
Marcello Malpighi (1628-1694) e o próprio Antoni van Leeuwenhoek (1632-1723), após as observações
de Hooke, ocorreram mais por curiosidade e diversão do que por ciência propriamente dita. Além disso,
Prestes (1997) considera que, embora o termo “célula” tivesse sido criado, não se deve imaginar que
Hooke e os outros microscopistas de sua época viam as células como as conhecemos hoje em dia. Além
do que, as estruturas representadas nos registros dessa época recebiam os mais diferentes nomes, como
poros microscópicos, utrículos, sáculos, bolhas, bexigas ou células.

Embora Robert Hooke tenha enxergado as células e dado a elas esse nome, foi apenas no século XIX
que outros dois cientistas alemães criaram as bases da teoria celular. Nesse ínterim, as células não foram
identificadas como as unidades fundamentais da vida. A interpretação de Hooke foi apenas estrutural e
44
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

não morfofuncional. Por tudo isso, pode-se dizer que a teoria celular foi evoluindo lentamente nos
174 anos que separam as contribuições de Hooke da teoria concluída por Schwann e Schleiden.
Importante considerar que, nesse meio-tempo, muitos outros cientistas apontaram outras estruturas
orgânicas (por exemplo, fibras, glóbulos) como sendo as partes fundamentais dos seres vivos.

Matthias Schleiden era botânico e identificou, em 1838, que os tecidos vegetais eram formados
por células. De maneira complementar, o zoólogo Theodor Schwann observou que as células dos
animais eram muito semelhantes às das plantas (o que hoje sabemos não ser totalmente verdadeiro).
Devido às suas contribuições, esses dois cientistas são considerados os pais da teoria celular, segundo
a qual todos os organismos vivos são compostos por células, ou seja, as células são as unidades
fundamentais da vida.

4.2 Os desdobramentos da teoria celular

Usar o microscópio para visualizar características antes desconhecidas proporcionou uma lista
enorme de descobertas sobre os tipos, as estruturas, os tamanhos, os componentes e as funções
das células. Inicialmente, os cientistas compreenderam que as células eram mais do que simples
recipientes para algum tipo de substância importante para a vida. Viram que eram estruturas
complexas e que estavam presentes em todos os seres vivos. Logo, não há vida sem célula. Daí foi
retirada a ideia central da teoria celular, segundo a qual todos os organismos vivos são compostos
por células.

No entanto, você não pode se esquecer que existem tipos diferentes de célula quanto a sua
estrutura e complexidade. Existem as células procariontes e eucariontes. As procariontes são menores
(figura seguinte), estruturalmente mais simples, sem organelas e com conteúdo genético disperso
pelo citoplasma. Uma comparação mais precisa das qualidades das duas células pode ser vista no
próximo quadro.

Membrana plasmática
Parede celular

Flagelo

Nucleoide (DNA circular)


Ribossomos Citoplasma ou citosol

Figura 24 – Representação de uma célula procarionte típica

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Unidade I

Mitocôndria

Núcleo

Lisossomos
Retículo
endoplasmático Microfilamentos
granuloso Carioteca
(envoltório nuclear)
Nucléolo
Poro da
carioteca

Retículo
endoplasmático
não granuloso

Ribossomos Centríolo
livres
Microtúbulos

Sistema
golgiense Lisossomo

Figura 25 – Representação de uma célula eucarionte típica

Quadro 3 – Comparativo entre características de célula procarionte e eucarionte

Característica Célula procariótica Célula eucariótica


Tamanho celular A maioria pequena (1 a 10 µm) A maioria grande (10 a 100 µm)
DNA com algumas proteínas associadas; O DNA está associado a proteínas em
molécula de DNA simples e circular no cromossomos lineares complexos dentro
Sistema genético nucleoide; o nucleoide não é envolvido de núcleo envolvido por membrana. DNA
por membrana mitocondrial circular e nos cloroplastos
Direta por fissão binária ou brotamento; Alguma forma de mitose; muitas com
Divisão celular sem mitose centríolos; fuso mitótico presente
Presente na maioria; parceiros machos
Ausente na maioria; se presente,
Sistema sexual e fêmeas; gametas que se fundem
altamente modificado formando zigotos
Nutrição A maioria por absorção; alguns fotossintéticos Absorção, ingestão, alguns fotossintéticos
Sem mitocôndrias; enzimas oxidativas Mitocôndrias presentes; enzimas
Metabolismo ligadas à membrana celular; não embaladas oxidativas no interior delas; padrão de
da energia separadamente; grande variação no padrão metabolismo oxidativo mais unificado
metabólico
Movimento Correntes citoplasmáticas,
Nenhum
intracelular fagocitose, pinocitose
Se presentes, sem o padrão
Flagelos/cílios Com padrão microtubular “9 + 2”
microtubular “9 + 2”
Contém cadeias dissacarídicas com peptídios
em ligação cruzada em bactérias, mas não Se presente, não se observam polímeros
Parede celular em arqueas. As arqueobactérias apresentam de dissacarídios ligados a peptídios
lipídios das membranas ligados a ésteres

Fonte: Hickman et al. (2019, p. 39).

46
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

Para compreender isso, basta lembrar que existem seres unicelulares (formados por só uma célula) e
seres pluricelulares (formados por mais de uma célula). No primeiro caso, o organismo todo se resume
a apenas uma célula e, portanto, ela será a responsável por todas as funções vitais daquele ser. Já no
segundo caso, pode haver organização entre os diferentes tipos celulares, de modo a garantir que cada
um execute sua função para que o organismo todo fique saudável. Hoje, sabemos que as células são
pequenas, e a maioria, microscópica – com exceção de alguns ovos.

Na sequência dos acontecimentos, Jan Purkinje criou o nome protoplasma, em 1840, para se referir
ao conteúdo celular. Rudolf Virchow afirmou, em 1858, que todas as células se originam de outras
células. À medida que havia avanços nos tipos de estudos, nos microscópios, na iluminação de objetos,
no uso da imersão em óleo, nas técnicas de cortes e de fixação de tecidos e no uso de corantes biológicos,
o interior das células foi sendo decifrado.

Observação

O trabalho de Rudolf Virchow (1821-1902) repercutiu em outras áreas.


Ele estabeleceu, em 1855, o princípio geral de que toda célula provém
de outra (ou seja, omnis cellula e cellula). Com isso, afetou discussões
científicas sobre as teorias evolutivas e sobre a geração espontânea.

O núcleo celular (veja na figura anterior) foi, aos poucos, sendo decifrado. Começou a ser observado
e registrado nas ilustrações desde o século XVIII, com as pesquisas de Leeuwenhoek, em 1700, e Trembley,
em 1744. Contudo, naquela época, não havia suspeita da sua importância para a célula e ele nem
recebeu um nome específico. Essa massa única e densa no interior das células foi chamada de núcleo
por Robert Brown, em 1833, ao estudar células de orquídeas, mas esse cientista não explicou a função
ou importância de tal estrutura.

Na tentativa de explicar a função do núcleo, Schleiden, em 1838, considerou essa estrutura como
sendo responsável pela origem de novas células, mas suas explicações de como isso ocorreria seguiram
por caminhos errados e foram mais tarde desconsideradas. Schwann concordou com as conclusões de
Schleiden ao estudar os núcleos de células animais. Portanto, percebe-se que Schleiden e Schwann
tinham em comum a ideia da importância do núcleo para a célula.

Novas informações surgiram quando, em 1855, Robert Remak apresentou os resultados de seus
estudos com desenvolvimento embrionário de rãs. Segundo ele, o ovo da rã é uma célula e todas as
novas células são resultantes da divisão de células preexistentes, onde a divisão do núcleo precede a
divisão da célula.

Ainda nos estudos sobre o núcleo, em 1870, o citologista Walther Flemming descreveu um material
que já era conhecido de outros cientistas, mas nunca havia sido formalmente investigado. Era um
material que ficava fortemente colorido no núcleo e primeiro recebeu o nome de cromatina. Ao observar
o comportamento desse material, viu que ele tinha aspectos de filamentos e se organizava em alguns
momentos ao longo da vida das células; com base nisso, sugeriu o nome de mitose (do grego mitos, fio,
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Unidade I

filamento) para o processo de divisão celular. Só em 1888, o termo cromossomo foi usado por Wilhelm
Waldeyer para se referir a corpos filamentosos coloridos (daí o nome cromo = cor; somos = corpos) do
núcleo celular.

Aos poucos, outras características das células foram sendo identificadas. Foi Xavier Bichat (1771‑1802)
quem primeiro observou os órgãos do corpo humano e identificou grupos de células semelhantes que
formavam uma espécie de tecido. Ao longo de suas pesquisas, conseguiu diferenciar 21 tipos de tecidos
no corpo humano, abrindo oportunidades para que outros cientistas estudassem esses materiais.

Uma vez estabelecidas as bases da teoria celular e identificadas as características fundamentais


das células, inúmeros estudos procuraram entender fenômenos e processos ligados a essa estrutura
tão importante. Um desses estudos abordou a natureza da fertilização, procurando esclarecer o papel
das células nesse processo, o que foi fundamental para o desenvolvimento de uma teoria sobre a
hereditariedade. Nesse campo, uma questão inicial foi: será que as propriedades das células se aplicam
aos espermatozoides e óvulos?

Em 1841, Albert von Kölliker estudou a espermatogênese e estabeleceu que os espermatozoides são
células. O mesmo ocorreu para os óvulos em 1852, por meio dos estudos de Robert Remak. Mais ou
menos nessa época é que podemos posicionar o surgimento de uma corrente muito importante para o
desenvolvimento da biologia, chamada de preformismo. Conforme se tornava mais e mais demonstrado
que seres vivos não poderiam surgir de matéria inanimada, os naturalistas buscavam maneiras de
entender a origem dos seres vivos. Uma das ideias que tomou força na época foi a de que a vida já
deveria estar pré-formada (daí, então, a designação de preformistas). Restava saber onde.

Aos poucos despontaram duas correntes ligadas a essa mesma ideia. Uma delas se baseava nas
propostas do médico William Harvey (1578-1657), que apontava o ovo como a fonte da vida, tanto dos
animais ovíparos quanto dos vivíparos. Ainda, os seres já estariam pré-formados dentro dos ovos. Essa
corrente ficou conhecida como preformismo ovista. Para os adeptos dessa corrente, os primeiros seres
vivos foram criados possuindo germes que seriam passados às demais gerações. Ficariam armazenados
nos ovos e cada embrião que se desenvolvesse levaria os germes adiante. Você deve imaginar que houve
muitas tentativas de encontrar essas partículas de vida nos ovários de diferentes espécies, mas nunca
foram observados.

Paralelamente, houve o nascimento da outra corrente chamada preformismo espermista. Um de seus


pioneiros foi Antoni van Leeuwenhoek (1632-1723). Ele propôs que a formação de novos seres estaria
ligada aos “pequenos animais no sêmen humano” (que hoje sabemos se tratar dos espermatozoides)
ou animúnculos, que ele havia observado com a ajuda do microscópio e acreditou serem miniaturas de
seres humanos. Essa ideia surgiu porque, pouco antes, Leeuwenhoek havia observado pequenos seres
se movendo rapidamente em uma gota de água. Aí, ao observar o sêmen humano, observou pequenas
estruturas que se moviam de maneira semelhante.

O mesmo tipo de observação ocorreu depois para o sêmen de outros animais. Depois disso, outros
pesquisadores também observaram o esperma e indicaram até a existência de cabeça, tronco e membros
nos seres em miniatura (veja na figura seguinte). Apenas no século XIX esses seres em miniatura receberam
a denominação de espermatozoides (que significa espermato = semente; zoides = relativo a animais).
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GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

Figura 26 – Representação de animúnculos observados no sêmen de diferentes animais (coelho, cachorro,


carneiro e galo). À direita, maior, como os naturalistas imaginavam ser esses pequenos seres

Observação

Ainda sobre a formação de novos seres, acreditava-se que, na verdade,


os seres não estariam pré-formados nos ovos, mas sim no sêmen. O óvulo
daria apenas abrigo para seu desenvolvimento.

Contudo, não bastavam existir esses elementos nos ovos ou no esperma. Os naturalistas já sabiam
que, para nascer um novo ser, era preciso haver a fecundação do óvulo. Então, como isso ocorreria?
Uma importante proposta da época, desenvolvida por Nicolas Andry (1658-1725), explicava que os
óvulos possuíam uma abertura com uma válvula por onde o espermatozoide poderia entrar. Com o
espermatozoide já dentro do óvulo, a válvula se fecharia, impedindo a entrada de qualquer outra coisa.
Contudo, eventualmente, dois ou mais espermatozoides poderiam entrar e, uma vez dentro do óvulo,
brigariam até que restasse apenas um. Durante essa disputa, o animúnculo vencedor poderia ter perdido
uma perna ou braço e isso resultaria em um novo ser com deformações de nascença.

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Unidade I

Resumo

Nesta unidade, você teve a oportunidade de acompanhar o


desenvolvimento de importantes momentos da biologia, desde os primeiros
pensamentos sobre a natureza até o encontro com o elemento fundamental
da vida: a célula. Esses passos contribuíram para formar o conhecimento
biológico que temos hoje, o qual nos permite ver com outros olhos aquilo
de que mais gostamos, ou seja, a vida em toda a sua magnitude.

As contribuições dos antigos filósofos gregos, mesmo que não


abordassem diretamente um elemento da natureza, ajudaram a moldar
o pensamento humano e, por conseguinte, o pensamento científico que
surgiria séculos depois. Nós, amantes da natureza, devemos muito a
Aristóteles pela sua ousadia em tentar explicar o mundo biológico a sua
volta e tentar enxergar nele uma ordem e uma estrutura. De seus esforços,
surgiram as primeiras classificações dos seres vivos que seguiam uma lógica
própria e foram usadas por mais de dois mil anos, além de servirem de base
para importantes abordagens posteriores. Além disso, descreveu a anatomia
de animais e plantas e estudou o comportamento de muitos organismos.

Seguindo os passos desses grandes pensadores, surgiram muitos outros


filósofos, naturalistas, cientistas e, finalmente, biólogos. Suas contribuições
foram revelando à humanidade os segredos da biosfera, de seus
componentes, de suas interações e relações. Conforme o conhecimento
aumentava, surgiu a necessidade de organizar as informações e uma
grande contribuição nessa área foi prestada por Carolus Linnaeus, que
estabeleceu regras para a classificação dos seres vivos, padronizando seus
nomes e criando uma classificação hierárquica usando categorias válidas
até hoje, como espécie, gênero e família.

Ao longo dos séculos, quanto mais se conhecia da vida, mais dúvidas


apareciam e houve momentos em que o homem teve que lidar com o que
talvez seja a maior delas: como surgiu a vida? Na esteira dessa pergunta,
surgiram outras igualmente importantes: o que é a vida? Quais foram as
primeiras formas de vida? Como surgem os seres vivos? Apesar dos esforços,
algumas permanecem ainda hoje sem resposta definitiva. Nesse contexto,
uma discussão importante foi entre os defensores da abiogênese e os
defensores da biogênese, envolvendo nomes importantes da ciência, como
Francesco Redi, René Descartes e Louis Pasteur. Conforme a ciência e a
tecnologia evoluíam, foi possível fazer simulações em laboratório, tentando
recriar as condições da Terra primitiva para compreender a composição e
organização da vida primitiva. Merece destaque o experimento conduzido

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GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

por Stanley Miller e Harold Urey na década de 1950, cujas conclusões


alimentaram durante muito tempo os debates sobre o início da vida.
Conforme a biologia molecular se desenvolvia, o conhecimento sobre os
ácidos nucleicos (DNA e RNA) trouxe nova luz sobre esse velho debate,
a ponto de, hoje em dia, essas moléculas terem papel de destaque nos
momentos iniciais da vida na Terra.

Paralelamente a tudo isso, mas não menos importante, os próprios


seres vivos estavam sendo estudados na sua essência. Muitos esforços
foram feitos na tentativa de se descobrir a unidade fundamental dos seres
vivos, até que Robert Hooke nomeou e reconheceu, pela primeira vez, a
célula. A partir dessa contribuição inicial, novos estudos trouxeram novas
informações, até que Matthias Schleiden e Theodor Schwann aproximaram
a botânica e a zoologia e afirmaram aquilo que hoje é básico na biologia:
todos os seres são formados por células. Estava criado o alicerce da teoria
celular. A partir daí, mais e mais estudos foram decifrando a estrutura, o
funcionamento e a função das células, abrindo caminho para os ramos
da biologia que conhecemos, como citologia, histologia, embriologia,
bioquímica e fisiologia, só para citar alguns.

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Unidade I

Exercícios

Questão 1. O cladograma é um diagrama que indica as relações de parentesco entre diferentes


espécies ou grupos de espécies. Suas ramificações representam as relações de ancestralidade entre dois
ou mais táxons, e os pontos a partir dos quais novos ramos surgem, os chamados nós, correspondem a
uma ou mais características que estão presentes somente nos descendentes dos grupos estudados.

Observe o cladograma a seguir, que representa as relações entre diferentes representantes do reino
animal, e avalie as afirmativas.

s
s
s

ro
ga
ilo

s
ios

ífe
rto

ru
od
es

fíb

am
ta
ga
es

oc
ix

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An

Av
Pe

Cr

La

Ta

Figura 27

Disponível em: https://bit.ly/3dcGcGI. Acesso em: 28 set. 2020. Adaptada.

I – O cladograma indica que os crocodilos são mais próximos evolutivamente das aves do que dos
demais répteis apresentados (lagartos e tartarugas).

II – Segundo o cladograma, os anfíbios são mais evoluídos do que os peixes e menos evoluídos do
que os répteis e os mamíferos.

III – A especiação que deu origem aos peixes é mais antiga do que aquela que originou os demais
táxons indicados no cladograma.

IV – Os peixes e os anfíbios não apresentam ancestral comum, o que pode ser evidenciado pelo fato
de pertencerem a ramos posicionados em paralelo um ao outro. No caso dos mamíferos e das aves, por
outro lado, existe um ancestral comum, representado pelo nó que separa esses dois táxons.

52
GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

É correto o que se afirma apenas em:

A) I e II.

B) II e III.

C) III e IV.

D) I e III.

E) II e IV.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: as aves e os crocodilos partem de um mesmo nó, o que indica grande parentesco evolutivo.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a sistemática, de maneira geral, organiza os seres vivos de acordo com as suas relações
evolutivas, ou seja, duas espécies devem ser classificadas de acordo com o quão recente é o seu ancestral
comum. Quanto mais distante for o ancestral comum a duas espécies, maior será a distância entre o
os seus respectivos táxons. A intenção, portanto, não é dizer qual o ser mais ou menos evoluído, mas
estabelecer a relação de parentesco entre as diferentes espécies.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: o nó que originou os peixes surgiu há mais tempo que os demais nós indicados no
cladograma. Assim, podemos dizer que a especiação que deu origem aos peixes é mais antiga do que a
especiação que deu origem aos demais táxons. Observe a figura abaixo para entender a relação temporal
entre os táxons indicados no cladograma.

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Unidade I

s
s
s

ro
ga
ilo
Mais recente

s
ios

ífe
to

ru
od
s

ar
fíb

am
ixe

ta
es

oc

r
An

Av
Pe

Cr

La

Ta

M
Mais antigo

Figura 28

IV – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a análise do cladograma permite concluir que todos os animais citados têm um
ancestral comum, pois derivam do mesmo tronco principal.

Questão 2. Leia o texto a seguir.

“À época em que a teoria celular foi enunciada, os vírus - descobertos pouco antes de 1900 – ainda
não eram conhecidos. Por causa deles, faríamos hoje exceção à teoria: os vírus são a menor forma de
vida existente, mas não são constituídos por células, e sim por uma estrutura diversa daquela
encontrada nos demais seres vivos.”

SILVA JÚNIOR, C.; SASSON, S.; CALDINI JÚNIOR, N. Biologia: a célula, unidade
fundamental dos seres vivos. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 201. Adaptado.

A respeito dos vírus, avalie as afirmativas e assinale a alternativa correta.

I – Para muitos autores, os vírus não são considerados seres vivos, pois não apresentam metabolismo
próprio. São, assim, parasitas intracelulares obrigatórios.

II – Os vírus não apresentam núcleo e, portanto, são procarióticos. É essa a exceção à qual o enunciado
faz referência: de acordo com a teoria celular, todas as células têm núcleo, que é a estrutura responsável
por armazenar o material genético.

III – O mecanismo de replicação viral está de acordo com o terceiro princípio da teoria celular, que
afirma que todas as células surgem de células preexistentes. Embora as partículas virais não apresentem
metabolismo próprio, elas podem se replicar independentemente da presença de um hospedeiro.

IV – A composição da bicamada lipídica que envolve o material genético dos vírus é diferente da
apresentada pelas células propriamente ditas.

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GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA

É correto o que se afirma em:

A) I, apenas.

B) I e III, apenas.

C) II, apenas.

D) II e IV, apenas.

E) I, II, III e IV.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: os vírus são constituídos por material genético (DNA ou RNA) envolto em um capsídeo
proteico. Por não apresentarem organelas nem serem capazes de utilizar fontes de energia, os vírus são
parasitas intracelulares obrigatórios, ou seja, dependem de outras células para sua replicação. Por esse
motivo, muitos autores não consideram as partículas virais como seres vivos.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: os vírus são constituídos de material genético (DNA ou RNA) envolto por um capsídeo
proteico. São, portanto, seres acelulares, pois não apresentam as estruturas presentes em uma célula
(membrana plasmática e organelas).

Além disso, existem células anucleadas, como, por exemplo, as bactérias. São essas células que
recebem a denominação de procarióticas.

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a replicação das partículas virais acontece dentro da célula hospedeira, uma vez que
os vírus dependem das enzimas e das estruturas presentes nessas células para que esse processo ocorra.

IV – Afirmativa incorreta.

Justificativa: os vírus não apresentam membrana plasmática, mas sim um capsídeo constituído
por proteínas.

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