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História do

Pensamento Filosófico
Autora: Profa. Maria Alice Carnevalli
Colaboradores: Profa. Silmara Maria Machado
Profa. Renata Viana de Barros Thomé
Prof. Vladimir Fernandes
Profa. Tânia Sandroni
Professora conteudista: Maria Alice Carnevalli

Maria Alice Carnevalli é paulistana. Doutora e Mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo, na área de concentração em Jornalismo, além de bacharel em Comunicação
Social com habilitação em Jornalismo e Rádio/TV pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,
bacharel em Letras (inglês/português) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo e também licenciada em Letras pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Atualmente, é professora titular da UNIP, já tendo completado dez anos de docência em nível de graduação e de
pós-graduação em instituições de ensino como Universidade Lusófona, Uninove, Faculdades Integradas Rio Branco,
ministrando várias disciplinas nas áreas de comunicação, ciências sociais e filosofia. Além de professora universitária,
também é jornalista da Hífen Comunicação Empresarial, onde assumiu em 1998 o cargo de redatora-chefe da coluna
semanal, da revista e do site Sala do empresário. Também foi sócia-diretora da produtora de vídeo TTI-Tecnologia Texto
Imagem e roteirista da TV Cultura, da Fundação Padre Anchieta.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C289h Carnevalli, Maria Alice

História do pensamento filosófico / Maria Alice Carnevalli. 2. ed.


São Paulo: Editora Sol, 2020.

116 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Filosofia 2. História 3. Cultura grega I. Título

CDU 1 (091)

U421.21 – 20

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcello Vannini
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Andréia Andrade
Carla Moro
Sumário
História do Pensamento Filosófico

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 DO MITO À RAZÃO..............................................................................................................................................9
1.1 O conhecimento mítico...................................................................................................................... 10
2 O NASCIMENTO DA FILOSOFIA.................................................................................................................... 11
2.1 A difusão da cultura grega................................................................................................................ 12
3 OS PRIMEIROS FILÓSOFOS............................................................................................................................ 15
3.1 Heráclito de Éfeso (mobilismo) e Parmênides (imobilismo)................................................. 16
4 CARACTERÍSTICAS DO PENSAR FILOSÓFICO......................................................................................... 17

Unidade II
5 A FILOSOFIA NO PERÍODO CLÁSSICO GREGO....................................................................................... 23
5.1 Sócrates..................................................................................................................................................... 23
5.2 Platão......................................................................................................................................................... 28
5.3 Aristóteles................................................................................................................................................. 31
6 A FILOSOFIA NA IDADE MÉDIA................................................................................................................... 34
6.1 A Patrística............................................................................................................................................... 36
6.1.1 A filosofia de Agostinho........................................................................................................................ 37
6.2 A Escolástica............................................................................................................................................ 40
6.2.1 O pensamento de Tomás de Aquino................................................................................................ 43

Unidade III
7 A FILOSOFIA MODERNA................................................................................................................................. 58
7.1 René Descartes: o Racionalismo..................................................................................................... 59
7.2 David Hume: o empirismo................................................................................................................. 63
7.3 Immanuel Kant: o apriorismo e o conhecimento.................................................................... 67
7.4 Hegel: o idealismo alemão.................................................................................................................71
7.5 Marx: o materialismo histórico....................................................................................................... 73
7.6 Augusto Comte: o positivismo........................................................................................................ 78
8 A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA................................................................................................................. 81
8.1 Conhecimento e ciência..................................................................................................................... 83
8.2 Nietzsche: revolução e conhecimento.......................................................................................... 84
8.3 Freud: os enigmas do inconsciente................................................................................................ 87
8.4 Sartre: o existencialista....................................................................................................................... 91
8.5 Michel Foucault: conhecimento e biopolítica........................................................................... 94
8.6 Questões Atuais em Filosofia............................................................................................................ 96
APRESENTAÇÃO

Esta disciplina tem como objetivo geral contribuir para a compreensão dos principais problemas
discutidos pela filosofia ao longo de seu desenvolvimento. Trata-se de apresentar sua origem, seu
desenvolvimento e sua especificidade, visando possibilitar o desenvolvimento de habilidades que
permitam compreender os conceitos específicos desta disciplina e os principais problemas filosóficos.

Busca-se levar os alunos a compreender a vida em sociedade como fonte inesgotável de mudanças
que podem ser orientadas de acordo com objetivos pessoais e de grupos; entender o conhecimento
filosófico compreendendo seus principais conceitos e possibilidades de aplicação à realidade; tomar
consciência dos aspectos importantes da vida humana e da realidade a qual se manifesta; desenvolver
uma visão filosófica do mundo; assumir um comprometimento para com a realidade em que vive.

INTRODUÇÃO

Este livro-texto tem por finalidade servir como suporte didático para que as aulas sejam amparadas
por um conteúdo teórico didático e de fácil compreensão e acesso para os alunos. Ele foi dividido em
três unidades básicas para melhor expor o longo percurso do pensamento filosófico ocidental, desde os
primeiros pensadores da Grécia Antiga até os estudiosos da pós-modernidade.

A unidade I começa abordando o pensamento mítico como a primeira forma de atribuir sentido ao
mundo. Traça algumas considerações sobre o surgimento da filosofia na Grécia Antiga. Considera que,
no decorrer do processo histórico, as explicações míticas passam a ser questionada por aqueles que
seriam conhecidos como os primeiros filósofos, preocupados em buscar o princípio fundamental das
coisas. Aborda também alguns dos primeiros pensadores e também sobre as características do pensar
filosófico.

A unidade II trata do período clássico da filosofia grega, com ênfase em Sócrates, Platão e Aristóteles.
Sócrates, apesar de não ser o primeiro filosofo, ficou conhecido como patrono da filosofia. Platão
foi o principal discípulo de Sócrates, responsável por fazer sobreviver o pensamento de seu mestre e
também por trazer contribuições importantes para o pensar filosófico. Já Aristóteles, que foi discípulo
de Platão, deixou como legado uma marcante contribuição para o desenvolvimento de muitas ciências.
Em seguida, temos a Patrística, que teve Santo Agostinho como principal representante e, na sequência,
a Escolástica, que teve São Tomás de Aquino como principal expoente. Esses dois pensadores foram
fundamentais para o desenvolvimento do pensamento teológico cristão.

Já a unidade III tem por objetivo mostrar a essência de filósofos que procuraram, e ainda procuram,
compreender como a humanidade vem se transformando e se comportando no que diz respeito à
origem da sua existência, uma vez que a relação entre passado, presente e futuro se configurando de
forma inédita, cabendo aos filósofos contemporâneos dar conta dessa nova dinâmica entre espaço
e tempo provocada pelos avanços tecnológicos, assim como a noção de identidade e de progresso,
que se encontram em total indefinição de sentidos. Isso porque não existem mais grandes projetos
para o planeta como havia nos séculos anteriores quando se atribuía ao conhecimento científico e ao
racionalismo a solução para todos os problemas e conflitos.
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Dessa forma, esse apanhado geral do pensamento filosófico é capaz de introduzir o aluno no
universo de indagações que sempre nortearam o rumo do pensamento humano sobre sua própria
condição, fornecendo subsídios para uma compreensão linear dessa trajetória, bem como dos nomes
mais representativos de cada época. Nesse sentido, é preciso ressaltar que estudar filosofia não se trata
simplesmente de entender os princípios básicos de mais uma disciplina; mas, sim, por intermédio dessas
diversas interpretações do homem em sua perspectiva, tomar consciência das infinitas possibilidades
de reconhecer a si mesmo e aos demais a partir de um mergulho no contexto pleno de um pensamento
profundo sobre a complexidade da condição humana.

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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Unidade I
1 DO MITO À RAZÃO

Qual o sentido da existência? De onde viemos e para onde vamos? Certamente, você já
deve ter se debatido com essas questões existenciais em algum momento da vida. O mais
interessante, porém, é saber que, desde que o ser humano tornou-se pensante e consciente da
sua própria condição no mundo, muitos foram os estudiosos que buscaram não uma resposta
derradeira para essas perguntas, mas sim explicar as perspectivas e os princípios éticos, morais
e religiosos que regem a trajetória do homem na face da Terra.

Para tentar entender seu papel, primeiramente surgiu a Teogonia, que vem do grego theos, deus, +
genea, origem, considerada como um grupo de deuses que constituíram a mitologia desses povos. Nesse
sentido, os primeiros pensadores foram os pré-socráticos da Escola Jônica, dividida em Escola Jônica
Antiga (Tales, Anaximandro e Anaxímenes) e Escola Jônica Nova (Heráclito, Empédocles, Anaxágoras).

No entanto, eles se preocupavam apenas com o elemento principal da constituição de


tudo aquilo que havia sem dar muita importância às causas das transformações. Para Tales,
por exemplo, o elemento primitivo era a água, que ele dizia ser divina; para Anaximandro era
o indefinido, e para Anaxímenes, o ar.

Já os pensadores da Escola Jônica Nova levantaram o problema das causas que surgem das
transformações no elemento primitivo, cuja origem não seria teológica, ou seja, explicada pelos mitos.
Nesse sentido, Heráclito firmou dois princípios contrários em ação, que ele chamava de guerra e paz. Ao
supor que o elemento primordial fosse o fogo, essas duas forças antagônicas o transformavam tanto na
direção da solidificação quanto na condição de retorno ao estado móvel do fogo.

De forma diferente, Empédocles denominou quatro elementos (fogo, ar, água e terra), e as duas forças
contrárias eram o amor e o ódio.

Figura 1

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Unidade I

Anaxágoras de Colófon foi o último dos grandes jônios e partiu para Atenas, onde foi o filósofo do século
de Péricles. Ele não admitiu o dualismo dos contrários, estabelecendo uma multiplicidade de partículas
semelhantes que seriam movimentadas e ordenadas por uma delas, considerada inteligente, e por isso
chamada de Nous ou Logos. A partir dessa premissa, ele desenvolveu a ideia de um Deus exterior ao mundo
humano. O Logos, portanto, é algo entre as outras coisas e não exatamente um Deus. Trata-se, ainda assim,
de uma preocupação inteligente e atuante com a causa. A partir desse momento, encaminhava-se o
assunto para a discussão da existência de um Deus concebido pela filosofia. Apesar de renegar a mitologia,
Anaxágoras deu início à discussão metafísica sobre a divindade, inserida no contexto de causa.

1.1 O conhecimento mítico

Nas eras primordiais da civilização humana, o homem era nômade, ou seja, deslocava-se de forma
permanente, sempre acompanhando rios e águas e colhendo alimentos onde estes estavam disponíveis. Há
cerca de dez mil anos, ele passou a fixar-se em determinados locais e aprendeu a desenvolver meios para a
subsistência, como a agricultura, a pecuária e a cerâmica. Com isso, passou a se preocupar mais com questões
que, antes, por causa da sua condição rudimentar, não o incomodavam muito. Esse período foi chamado de
Revolução Verde, pois os primeiros questionamentos surgiram como resultado da vontade de conhecer os
mistérios da condição humana, bem como encontrar um meio de explicar os fenômenos naturais.

Mesmo sendo impossível responder às perguntas sobre o conhecimento de seus antepassados, o homem
criou a mitologia para tentar compreender sua existência de forma racional, embora dentro da limitação,
das questões primordiais. Nesse sentido, o mito apresenta características inerentes, como a religiosidade
e a fantasia, sem jamais deixar de ser racional, pois se trata de uma grande atividade intelectual humana.

Prometeu, por exemplo, é o caso de um semideus que levou o fogo do Olimpo para o domínio do homem, sendo
condenado pelos deuses gregos a ter o fígado devorado diariamente por uma ave de rapina, preso a um penhasco.
Para agravar seu sofrimento, o órgão se regenerava imediatamente, para que fosse devorado de forma perpétua.

Assim, o homem justificava como havia conseguido descobrir o fogo e a utilizá-lo para evoluir,
espantando o frio, os medos e as feras à noite, além de cozinhar alimentos e criar peças de cerâmica.
Ainda nos dias atuais, vários mitos persistem na vida dos habitantes das regiões rurais, com o intuito de
explicar os fenômenos da natureza.

A importância do pensamento mítico e da mitologia na perspectiva histórica da filosofia passa então a ser
o início de um pensamento mais exigente por respostas que viriam a ser reconhecidas como filosofia na fase
seguinte da evolução do pensamento humano, a Fase Cosmológica, protagonizada pelos filósofos pré-socráticos.

Se compreendermos o pensamento filosófico como forma de conceber a existência humana, seria


possível atestar que ela sempre se fez presente, uma vez que busca satisfazer a curiosidade do homem,
que procura sem cessar um motivo para explicar os mistérios da vida. Nesse sentido, todos os povos,
incluindo os mais primitivos, tinham, e ainda têm, uma maneira diferenciada de encarar o mundo. No
entanto, se a questão consiste em conferir à filosofia um significado próprio, atribuído a uma atividade
humana que se depara com o real, é preciso admitir que ela não teve seu espaço garantido em todas as
culturas antigas.
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

2 O NASCIMENTO DA FILOSOFIA

Apesar de a filosofia grega ter começado nas colônias, onde havia um intenso contato com outros povos,
existe um questionamento se ela não seria produto de filosofias orientais, de outras civilizações. Por essa
razão, existem duas correntes que se preocupam em demarcar essas influências. A primeira delas considera
a filosofia oriunda da Grécia como o resultado da influência cultural dessas outras civilizações. Já a segunda,
concebe a filosofia grega como um pensamento original e independente de qualquer cultura estrangeira.

Atualmente, a resposta mais adequada seria a combinação de ambas as correntes, uma vez que a filosofia
grega não pode ser compreendida apenas como o resultado das interferências de outros povos; mas também
não ficou alheia ao contato com elas. Por isso mesmo, é possível afirmar que se instaurou na Grécia uma
conduta humana de caráter mais racional, responsável pelo surgimento da filosofia típica do povo daquele
país. Portanto, ao contrário de outras culturas, os gregos não restringiram sua visão de mundo a uma atividade
prática ou mesmo a uma crença, pois conseguiram de fato estabelecer um rigor filosófico.

Além disso, existe a questão da influência religiosa no desenvolvimento da filosofia grega, que teve
sua origem nas colônias, onde não havia tanta presença da religiosidade como na Grécia Peninsular.
Porém, não é apenas esse fator que justifica o surgimento da filosofia nessas regiões, uma vez que os
habitantes tinham que viver mais por conta própria, o que acabou incentivando a coragem intelectual.

Foi assim que se deu a passagem da racionalidade mítica para um modo de pensar o mundo mais
racional, pois o desprendimento intelectual fez com que o homem desses locais meditasse sobre a razão
que está contida no mito, criando assim a filosofia baseada nessas reflexões existenciais.

De forma crescente, os pré-socráticos adquirem maior importância para os filósofos da atualidade,


assim por meio das várias vertentes dos seus pensamentos, que tantos séculos depois ainda trazem
novas luzes para a filosofia.

Estes são os principais aspectos dos primeiros filósofos, denominados de físicos ou pré-socráticos:

• resposta à pergunta: o que existe? Para a qual a resposta é: as coisas existem.


• de que são feitas as coisas? Cada filósofo pré-socrático encontrou uma resposta diferente, na
busca do elemento fundamental constitutivo de todas as coisas.

Nesse cenário histórico e cultural, nasceu Tales, na cidade de Mileto. Ele ficou conhecido como o
primeiro filósofo grego, pois deixou o legado do seu pensamento, que deu início à filosofia ocidental.
Entretanto, muito pouco é conhecido sobre suas ideias, sendo provável que nunca as tenha registrado em
livro. Aristóteles deu a Tales o mérito de ter sido o fundador da filosofia e lembrou sua doutrina de que “a
água é o elemento primordial de todas as coisas e que a terra flutua sobre a água”. O que diferencia Tales
dos demais pensadores da época é que ele soube transformar conhecimentos práticos em teóricos.

Nesse sentido, é essa diferença entre conhecer o que é observado e procurar entender aquilo que se
conhece que distingue o filósofo dos demais seres humanos, e foi por esse motivo que foi conferido a
Tales o status de filósofo. Seu discípulo e sucessor, Anaximandro de Muleto, desenvolveu as doutrinas
11
Unidade I

de seu mestre. Para ele, o princípio de tudo é o ilimitado (apeiron), o que dá origem a uma unidade
primordial, da qual nascem todas as coisas do universo e a qual elas retornam. Portanto, deve haver
um princípio anterior que possibilita compreender tudo que é limitado por meio do ilimitado, de onde
surgem vários mundos, o que estabelece a multiplicidade.

Já Pitágoras nasceu no ano 570 a.C., na Ilha de Samos, próximo da cidade de Mileto. Por ser curioso
e habilidoso, foi o primeiro filósofo grego a sugerir que a origem de todas as coisas, quer dizer, o ser em
si, não é coisa alguma. Portanto, trata-se de algo inacessível aos sentidos humanos: os números.

Para esse filósofo, a essência, em última instância, de tudo aquilo que percebemos pelos sentidos
está no número, pois as coisas são números e escondem números em si, além de se distinguirem umas
das outras por diferenças quantitativas e numéricas. Também foi ele quem descobriu a oitava, a quinta e
a sétima notas musicais, por meio da observação numérica. Há, ainda, o famoso Teorema de Pitágoras:
a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa.

Figura 2 – Pitágoras

2.1 A difusão da cultura grega

O termo Grécia Antiga é largamente usado para descrever, em seu período clássico antigo, o mundo
grego e áreas próximas, como a Ilha de Chipre, a Anatólia, o sul da Itália, da França e a costa do Mar
Egeu, além de assentamentos gregos no litoral de outros países, como o Egito.

Não há uma data específica ou até mesmo um acordo com relação ao período em que teve início
e terminou a Grécia Antiga. Costuma-se situá-la antes do Império Romano, mas os historiadores
empregam o termo Grécia Antiga de modo mais preciso, abrangendo desde os primeiros Jogos Olímpicos,
realizados em 776 a.C., até a morte de Alexandre, o Grande, em 323 a.C. O período seguinte é chamado
de helenismo, com a difusão da cultura grega. Todas essas datas são convenções dos historiadores; no
entanto, vários estudiosos consideram a Grécia Antiga como um período presente até o advento do
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

cristianismo, no terceiro século da era cristã. Do ponto de vista geográfico, o território ocupado pela
antiga civilização grega não se identifica plenamente com a região da Grécia contemporânea, e também
não existiu um estado politicamente unificado entre os gregos antigos.

Localizado no sul da Península Balcânica, o território da Grécia Continental destaca-se pelo relevo
montanhoso. A cordilheira dominante é a dos Montes Pindo, que separa a costa oriental, banhada pelo
Mar Egeu, da costa ocidental, banhada pelo Mar Adriático. Na Grécia Central, entre o Golfo de Corinto
e o Mar da Eubeia, situa-se a Beócia, cuja principal cidade na antiguidade era Tebas. Os Montes Citéron
separavam a Beócia da Península da Ática, onde se encontram as cadeias do Himeto, do Pentélico e
do Parnes. No Peloponeso, distinguiam-se também várias regiões. Ao centro, situa-se a Arcádia, uma
planície rodeada por montanhas. A Lacônia situa-se na Região Sudeste, compreendendo o Vale do
Rio Eurotas, delimitado a oeste pelo Monte Taígeto e a oriente pelo Monte Párnon. No sudoeste do
Peloponeso, encontra-se a Messénia.

História

O povo grego originou-se de outros povos que migraram para a Península Balcânica em várias fases,
começando no terceiro milênio a.C. Entre eles, merecem destaque os aqueus, os jônicos, os dóricos e
os eólios, todos indo-arianos provenientes da Europa Oriental. As populações invasoras são, em geral,
conhecidas como “helênicas”, pois sua organização de clãs fundamentava-se, no que concerne à mítica,
na crença de que descendiam do herói Heleno, filho de Deucalião e de Pirra. A última das invasões foi a
dos dóricos, no final do segundo milênio a.C.

Divisão dos períodos

• Pré-Homérico (1900-1100 a.C.) – anterior à formação do homem grego e da chegada cretense


e fenícia. Nesse período, estavam se desenvolvendo as civilizações cretense ou minoica (Ilha de
Creta) e micênica (continental).
• Homérico (1100-700 a.C.) – tem início com a chegada de Homero, considerado um marco na
história por suas obras, Odisseia e Ilíada. Essa fase deu início à ruralização e à formação de
comunidades gentílicas (nas quais um ajuda o outro na produção e na colheita). Só plantavam o
que seria consumido e, quando a terra não estava mais fértil, saíam em busca de novos locais.
• Obscuro (1150-800 a.C.) – começa com chegada dos aqueus, dos dóricos, dos eólios e dos jônicos.
Caracteriza-se pela formação dos génos e pela ausência da escrita.
• Arcaico (800-500 a.C.) – destaque para a formação da pólis, para a colonização grega, para o
aparecimento do alfabeto fonético, da arte e da literatura, incluindo o progresso econômico
com a expansão da divisão do trabalho, do comércio, da indústria e do processo de urbanização,
definindo a estrutura interna de cada cidade-estado.
• Clássico (500-338 a.C.) – foi o período de maior esplendor da civilização grega. As duas cidades
consideradas mais importantes foram Esparta e Atenas, além de Tebas, Corinto e Siracusa. Nessa
fase, a história da Grécia é marcada por uma série de conflitos externos (Guerras Médicas) e
interno (Guerra do Peloponeso).
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Unidade I

• Helenístico (338-146 a.C.) – período de crise da pólis grega. Com a invasão macedônica, a
expansão militar e cultural helenística, a civilização grega se difunde pelo Mediterrâneo e se
mescla com outras culturas.

O helenismo é um termo usado para demarcar o período histórico e cultural durante o qual a
civilização grega se difundiu no mundo mediterrânico, no euro-asiático e no Oriente, misturando-se
com a cultura local. Da união da cultura grega com as culturas da Ásia Menor, da Eurásia, da Ásia
Central, da Síria, da África do Norte, da Fenícia, da Mesopotâmia, da Índia e do Irã, surgiu a civilização
helenística, que obteve grande destaque do ponto de vista artístico, filosófico, religioso, econômico e
científico. O helenismo se difundiu do Atlântico até o Rio Indo. Cronologicamente, desenvolveu-se da
morte de Alexandre, o Grande, da Macedônia (323 a.C.) até 147 a.C., com a anexação da península grega
e de ilhas por Roma.

É interessante observar que boa parte do que os gregos criaram não era original, uma vez que
herdaram muitos elementos das culturas dos cretenses e do Oriente Médio. Mesmo assim, conseguiram
expressar na arte uma preocupação ímpar com a condição humana acima de todas as outras criações
da natureza. Em comparação com as criações das civilizações do Oriente Médio, a arte grega era
considerada relativamente simples, e foi essa característica a base da arte clássica. Devemos aos gregos
a criação de quase todos os gêneros literários, de diferentes formas de expressão por meio da escrita.
Além dos poemas homéricos, houve também o surgimento da poesia lírica. Já o teatro surgiu nas festas
que se realizavam anualmente para homenagear Dionísio, o deus do vinho. Nessas festas, os gregos
organizavam cortejos com pessoas fantasiadas com peles de cabra, chamadas de tragedis. Elas davam
voltas ao redor do templo e dialogavam com o público. Assim nasceu a tragédia grega.

No que se refere à comédia, podemos afirmar que ela colaborou para a educação popular, porque
satirizava os defeitos dos representantes do poder público. Os gregos foram também os primeiros a se
preocupar com a história, e Heródoto, o primeiro historiador, foi chamado de “pai da história”. Graças a ele,
temos relatos de como era a vida grega durante o século V a.C. Os gregos se dedicaram ainda ao estudo
das causas da saúde e das doenças, impulsionando o estudo da medicina. Hipócrates foi considerado
o “pai da medicina”. Mas o grande legado dessa civilização foi ter dado origem à filosofia. Foi lá que
surgiram os pensadores que se preocupavam em saber a origem e o destino da existência humana, como
Sócrates, um ateniense que afirmava que a fonte da sabedoria está no próprio homem, Platão, discípulo
de Sócrates, e Aristóteles, criador da lógica, um macedônio que foi professor de Alexandre Magno.

Alexandre Magno foi um personagem histórico que deu origem a muitas lendas e mitos. Ele foi
chamado de “o grande” pelas incríveis façanhas que realizou como rei e guerreiro e pela cultura que
adquiriu ao longo de sua vida. Além de ser um excelente orador, tinha paixão pelos esportes. Depois de
conquistar a Grécia e o Egito, Alexandre fundou a cidade de Alexandria, na desembocadura do Rio Nilo,
em homenagem às suas vitórias. Em 331 a.C., toda a Mesopotâmia se rendeu ao seu exército.

Depois da morte precoce de Alexandre, aos 33 anos, os generais que o haviam acompanhado em
suas conquistas iniciaram uma batalha para repartir o império, que acabou sendo dividido em três
grandes partes: Egito, Síria e Macedônia. Por sua vez, as cidades gregas atravessavam um período de
lutas e de rivalidades, até serem tomadas pelos romanos. O grande feito de Alexandre Magno foi levar o
14
HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

helenismo a todas as regiões por onde passou. Junto com suas tropas de soldados, chegavam também os
sábios, os artistas e os pesquisadores gregos. Portanto, a civilização helenística foi a difusão da cultura
grega no Oriente em conjunto com a assimilação de costumes orientais no Mediterrâneo. Ao se misturar
com as culturas do Oriente, a arte grega passou a ser universal e se transformou no berço do Ocidente.

3 OS PRIMEIROS FILÓSOFOS

O nascimento do pensamento filosófico se deu na cidade de Mileto, com o primeiro filósofo, Tales de
Mileto, concebido como uma cosmologia, ou seja, buscava o conhecimento racional da ordem do mundo
entendido como natureza. É muito importante ressaltar que, em um período da história humana em que
o saber filosófico e o saber científico eram quase a mesma coisa, é fundamental o conceito formulado
pelos filósofos naturalistas como um marco central de evolução em relação ao conhecimento mítico.

Para começar, o esforço de buscar elementos naturais para então formular teorias a respeito do universo
está contido na base da formulação sobre os conceitos iniciais da sofisticada descoberta do átomo. Por isso,
as abstrações de Anaximandro geram surpresa pela genialidade de lidar com um princípio natural como
fonte de todos os demais processos naturais, revelando um nível de maturidade bastante desenvolvido.

Até mesmo sua teoria sobre a ordem do mundo, coordenada por opostos, encontra parâmetros
com os princípios atuais da dialética. Também o equilíbrio pela relação entre os opostos possui uma
equivalente no pensamento oriental nos princípios do Tao, que ainda hoje fundamenta a medicina
tradicional oriental. Entre as principais características da cosmologia, está uma explicação racional e
sistemática sobre a origem, a ordem e a transformação da natureza, da qual o homem faz parte, pois
humanos e natureza, pela sua identidade, são explicados filosoficamente. Essa natureza é eterna e tudo
se transforma em outra coisa sem jamais desaparecer. No entanto, não é possível afirmar que o mundo
tenha vindo de algo, uma vez que se apresenta eternamente. Esse fundo de eternidade passa então a ser
o elemento primordial da natureza e chama-se physis, sendo visível apenas ao pensamento e não aos
nossos sentidos. Mesmo que physis seja imortal, é dele que vêm todos os seres mais variados e diferentes
do mundo, que, ao contrário do seu princípio gerador, são mortais.

Outro princípio comum aos filósofos desse período é que todos os seres vivos, além de serem
gerados e mortais, encontram-se em transformação constante, mudando em todos os sentidos; mas
sem por isso perder sua forma e sua estabilidade. Esse processo todo é percebido como movimento,
sendo denominado de devir, ou seja, a passagem contínua de uma coisa ao seu estado contrário não
é caótica; mas obedece a leis determinadas pela physis ou pelo princípio fundamental do mundo. Os
filósofos escolheram diferentes physis em seus modelos, isto é, cada um encontrou justificativas para
alegar qual era o princípio eterno e imutável que está na origem da natureza e de suas transformações.
Tales, por exemplo, dizia que o princípio era a água ou o úmido; já Anaximandro tomava o ilimitado
sem qualidades definidas. Para Anaxímenes, era o ar ou o frio e Heráclito considerou o fogo. Já Leucipo
e Demócrito acreditaram que eram os átomos.

Fazem parte da escola pitagórica muitos filósofos famosos, com destaque para Filolao, que dizem
ser o primeiro a indicar o movimento da Terra ao redor do Sol, e Hicetas, que indicou o movimento da
Terra em redor de seu eixo. Essa doutrina, reproduzida por Aristarco de Samios, no século III a.C., foi
15
Unidade I

desacreditada depois pela autoridade de Aristóteles, e retomada e desenvolvida cientificamente por


Copérnico, que confirmou ter sido inspirado por Hicetas, que conheceu nos escritos de Cícero.

Os primeiros filósofos gregos preocupavam-se apenas com o mundo exterior, em detrimento dos
aspectos psicológicos e éticos dos problemas humanos. Até o surgimento de Sócrates, a filosofia grega não
possuía um centro comum, sendo desenvolvida em diversas regiões, que dão origem ao termo “as quatro
escolas”: Jônica em Mileto, Pitagórica ou Itálica, Eleática na Elea e Abderítica ou Atomística na Abdera.

Ainda nesse contexto, vale destacar que o tema central dos pré-socráticos, herança dos antigos mitos
cosmológicos, foi o problema do mundo que os assombrava, em especial o movimento, compreendido a
partir de um sentido amplo equivalente à mudança ou à variação. Com relação a esse questionamento,
podemos separar a filosofia pré-socrática em três estudos: o primeiro como sendo o cosmológico dos
jônicos e pitagóricos, o segundo como a antinomia do ser e devir de Heráclito e dos eleatas e, em
terceiro, vêm as novas cosmologias mecanicistas dos atomistas.

Divisão da filosofia antiga

• Primeiro período: estende-se desde o século VII até o ano de 450 a.C., de Tales até Sócrates.
Período de formação ou juventude, já que é nele que se estuda principalmente a natureza, e passa
a se chamar Cosmológico.
• Segundo período: estende-se desde 450 a.C. até o século III d.C., desde Sócrates até o ecletismo.
Destaca-se pela perfeição ou pela virilidade da antiga filosofia. Como seu objetivo predominante
é o homem, esse período recebe o nome de Antropológico.
• Terceiro período: estende-se desde o século I até o século VI d.C. e, durante três séculos, coincide
com o período antropológico. Traz a decadência da filosofia grega, e seu objetivo principal é Deus
ou a união teosófica com Deus. Por isso, denomina-se período Teosófico.

3.1 Heráclito de Éfeso (mobilismo) e Parmênides (imobilismo)

Não há registros sobre as datas do nascimento e da morte de Heráclito, mas existem informações de
que ele atingiu o auge de sua existência durante a 69ª Olimpíada, que ocorreu entre 504 e 500 a.C. Essa
informação é suficiente para contextualizá-lo em uma geração após Xenófanes, ao qual fez oposição, e
uma anterior à de Parmênides, seu maior opositor. Pouco se sabe sobre a sua vida, além de ter nascido de
uma família aristocrática de Éfeso, que fundou a cidade. Tudo leva a crer que Heráclito não quis exercer
os direitos de participar do governo da sua terra natal. Ele expôs sua filosofia na obra Da Natureza, da
qual restam apenas fragmentos que suscitaram muitos temas da filosofia contemporânea.

Para Heráclito, tudo aquilo que vemos nunca mais será igual ao que era no momento anterior
e que, no instante seguinte, já não será mais o que foi antes. Com isso, ele afirmou que as coisas se
transformam permanentemente e que, quando se quer fixar algo e revelar sua essência, já não se
trata mais da mesma coisa, pois tudo parte da realidade que flui. É de autoria dele a frase: “Nunca nos
banhamos duas vezes no mesmo rio”.

16
HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Assim, não existe um ser estático, mas sim dinâmico, que pode ser capturado num determinado
momento para que se diga como era naquele instante. Sendo assim, a essência dessa reflexão filosófica
consiste em determinar que nada existe, já que tudo existe num instante e no momento seguinte deixa
de existir, porque já sofreu um processo de transformação. Dessa maneira, a existência define-se como
uma eterna mutação e como um estado de mudança perene em que estão incluídas todas as coisas de
forma infinita.

O pensamento de Parmênides pode ser melhor compreendido por meio da sua inquietação diante
da solução proposta por Heráclito de que todas as coisas são e não são ao mesmo tempo, uma vez que
permanecem em constante mutação. Ele acreditava ser isso impossível, porque uma coisa é ou não é.
Por isso, raciocinava no sentido de afirmar que as coisas possuem um ser e este ser é. Com essa postura
reflexiva, Parmênides chegou ao princípio lógico que os filósofos atuais denominam de “princípio da
identidade”. Por meio dele, é possível afirmar que o ser é único, pois não pode haver mais de um para
cada coisa. Pode-se afirmar ainda que o ser é eterno, pois se ele tivesse um princípio, antes dele, haveria
o não ser, o que não é possível, porque o não ser inexiste. Caso existisse, ele também seria um ser, o que,
por si só, seria um erro, já que apenas o ser pode existir.

O filósofo observou também que o ser é imutável, uma vez que a mutabilidade resulta no não ser,
o que é inadmissível para Parmênides. Assim sendo, o ser é infinito, porque a finitude pressupõe o não
ser. Por último, ele declarou a imobilidade do ser, pois a mobilidade significaria a aceitação do não ser
heraclitiano, o que é insustentável para Parmênides.

4 CARACTERÍSTICAS DO PENSAR FILOSÓFICO

Afinal, como pode ser definida a filosofia? Considerando o aspecto etimológico, a palavra filosofia
vem do grego philia, amizade, amor fraterno, mais sophia, sabedoria, conhecimento. Dessa forma, tem-
se a definição clássica de filosofia como busca amorosa pela sabedoria, amizade ao saber. Segundo a
tradição, foi Pitágoras de Samos que cunhou a palavra filosofia. Para ele, a sabedoria era atributo dos
deuses e não dos seres humanos, mas estes poderiam desejá-la, buscar amorosamente a sabedoria
transformando-se em filósofos (CHAUI, 1997).

O que mobiliza o ser humano a filosofar? Segundo Platão e Aristóteles, o thaumázein, o admirar-se,
o espantar-se em relação a certos fenômenos permite que os seres humanos filosofem, ou seja, passem
a buscar explicações racionais para a compreensão dos dados observados ou pensados. Saviani (2000)
recoloca a pergunta sobre a origem do filosofar e defende a tese de que a mola propulsora para o
filosofar encontra-se nos problemas: “Eis pois, o objeto da filosofia, aquilo de que trata a filosofia, aquilo
que leva o homem a filosofar: são os problemas que o homem enfrenta no transcurso da sua existência”
(SAVIANI, 2000, p. 10).

Dessa forma, se podemos dizer que são problemas que levam o homem a filosofar, o que devemos
entender, então, por “problemas”? Segundo Saviani (2000), em geral, toma-se problema como sinônimo
de questão, mas isso não é suficiente para caracterizar um problema. Por um lado, as questões lidam
com respostas já conhecidas e, por outro, mesmo que as respostas sejam desconhecidas, esse fato por
si só não é suficiente para caracterizar um problema. As pessoas podem desconhecer muitas coisas e,
17
Unidade I

mesmo assim, tais coisas podem não se configurar problemáticas, por exemplo: saber o nome de todos
os afluentes do Rio Amazonas ou perscrutar quantas vezes uma pulga precisa saltar o comprimento de
suas próprias pernas para atravessar a muralha da China.

Observação

Essa questão foi inspirada em outra semelhante utilizada por Aristófanes,


na comédia As Nuvens. Sócrates é ridicularizado e retratado como um
sofista que vive em um casebre, o “pensatório”. Num dado momento,
encontra-se ocupado investigando sobre quantas vezes uma pulga pode
saltar o tamanho dos próprios pés.

Essas questões podem despertar alguma curiosidade, mas não se configuram como
problemáticas para a filosofia. Segundo Saviani (2000), é necessário resgatar a “problematicidade
do problema”, isto é, resgatar a essência que revela sua verdadeira concreticidade. Segundo ele,
a essência do problema encontra-se na necessidade. O ser humano, ao produzir continuamente
sua própria existência, enfrenta o iniludível: problemas configurados como necessidades que não
podem ser ignorados, pois a resolução desses problemas é de vital importância para a existência
humana. Assim, os fenômenos que produzem thaumázein, na perspectiva de Platão e Aristóteles,
poderão ser denominados como problemas na perspectiva de Saviani, uma vez que atendem às
condições elencadas acima.

Aos problemas, segundo Saviani (2000), a Filosofia responde com reflexão. E qual o significado
do conceito reflexão? A reflexão “[...] vem do verbo latino ‘reflectere’ que significa ‘voltar atrás’. É,
pois, um repensar, ou seja, um pensamento em segundo grau” (SAVIANI, 2000, p. 16). A reflexão é
uma análise consciente daquilo que se apresenta como problema. Assim, se pensar é uma atividade
colocada em prática espontaneamente, o mesmo não se pode dizer do refletir, porque “[...] se toda
reflexão é pensamento, nem todo pensamento é reflexão” (SAVIANI, 2000, p. 16). A reflexão implica
em uma atitude consciente de examinar detidamente as questões vitais da existência humana.
O próprio patrono da filosofia, Sócrates, em uma de suas máximas, já apontava a necessidade de
refletir sobre a própria existência, ao repetir para seus contemporâneos que “uma vida sem exame
não era digna de ser vivida”.

Considerando que todo ser humano enfrenta problemas, pode-se pressupor que cada um é também
levado a refletir ou a filosofar. Contudo, Saviani (2000) argumenta que a reflexão filosófica não é uma
reflexão qualquer, ou seja, é necessário que ela atenda a algumas exigências para poder ser adjetivada
de filosófica. Ele resume essas exigências a três âmbitos: [...] “a radicalidade, o rigor e a globalidade.
Quero dizer, em suma, que a reflexão filosófica, para ser tal, deve ser radical, rigorosa e de conjunto”
(SAVIANI, 2000, p. 17). Radical, porque a reflexão filosófica precisa ir até a raiz do problema, investigar
seus fundamentos. Rigorosa, porque a reflexão filosófica implica em sistematização apoiada no rigor
de um método próprio, e de conjunto, porque, ao mesmo tempo em que o problema é visto em
profundidade, deve ser também visto em uma perspectiva mais ampla, de conjunto, em relação a
outros elementos do contexto.
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HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Resumo

Quando se fixou na terra, o homem passou a viver de forma mais


segura e confortável, o que permitiu que ele passasse a refletir a respeito
de sua própria condição, indagando sobre suas origens e sobre os
fenômenos naturais. Na busca de compreender seu lugar no mundo, ele
concebeu primeiro a teogonia, que vem do grego theos, deus, mais genea,
origem, representada por um conjunto de deuses que constituíram o saber
mitológico desses povos.

O mito é a primeira forma que o ser humano utilizou para dar sentido
ao mundo. É um tipo de saber afetivo, coletivo e dogmático. Contudo,
chega um momento no decorrer do processo histórico em que a explicação
mítica passa a ser questionada por aqueles que seriam conhecidos como
os primeiros filósofos pré-socráticos, preocupados em buscar o princípio
fundamental das coisas. Eles buscam dar uma explicação sustentada em
argumentos racionais para o mundo existente.

O pensamento filosófico teve início nas colônias gregas nos séculos VI e


V a.C., da região periférica (pré-socráticos) para o centro, em Atenas (sofistas
e filósofos socráticos). Há também um questionamento se a filosofia na
Grécia não seria produto de filosofias orientais pertencentes a outras
civilizações. Como resposta, há basicamente duas correntes que se ocupam
em delimitar essas influências. Uma delas acredita que a filosofia grega seria
mesmo resultado da contaminação cultural com pensamento de outros
povos. Já a segunda destaca que a filosofia grega se revela como produto
único dos gregos, livre de qualquer influência estrangeira. Atualmente, o
mais correto seria considerar a combinação das duas possibilidades.

Os primeiros filósofos gregos ficaram conhecidos como pré-socráticos.


Grande parte da obra desses pensadores se perdeu no tempo, e o que
chegou à posteridade são fragmentos e comentários que outros filósofos
fizeram sobre eles. O problema que esses filósofos buscam responder é:
qual é o princípio ou fundamento das coisas existentes? Tales de Mileto,
considerado o primeiro filósofo, defende que o princípio ou fundamento
de todas as coisas é a água. Para Anaxímenes, esse princípio primeiro é o
ar. Para Heráclito, o princípio primordial é o devir (mudança) representado
pelo fogo, enquanto Parmênides defende a imobilidade do ser, uma vez que
a verdade se encontra no pensamento e não na aparente mobilidade.

Segundo Platão e Aristóteles, o thaumázein, o admirar-se, o espantar-se


em relação a certos fenômenos, propicia que os seres humanos filosofem,

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Unidade I

ou seja, passem a buscar explicações racionais para a compreensão dos


dados observados ou pensados. Já segundo Demerval Saviani, a mola
propulsora para o filosofar encontra-se nos problemas que o ser humano
se defronta em sua existência. O ser humano ao produzir continuamente
sua própria existência enfrenta o iniludível: problemas, configurados
como necessidades que não podem ser ignorados, pois a resolução desses
problemas é de vital importância para a existência humana. Dessa forma,
os fenômenos que produzem thaumázein, na perspectiva de Platão e
Aristóteles, poderão ser denominados como problemas na perspectiva de
Saviani, uma vez que atendam as condições elencadas acima.

Exercícios

Questão 1. Leia os quadrinhos e o texto.

Texto 1

Disponível em: https://blogdoenem.com.br/socrates-filosofia-enem-2/. Acesso em: 12 jun. 2020.

Texto 2

“Embora tenhamos nos referido ao mito enquanto forma de compreensão, a sua função não é,
primordialmente, explicar a realidade, mas acomodar e tranquilizar o homem em um mundo assustador.

20
HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Os primeiros modelos de construção do real são de natureza sobrenatural, isto é, o homem recorre aos
deuses para apaziguar sua aflição. É um discurso de tal força que se estende por todas as dependências
da realidade vivida, e não apenas no campo sagrado (ou seja, da relação entre o homem e o divino), mas
existe em toda a atividade humana.

Para Mircea Eliade, filósofo romeno estudioso do mito e das religiões, uma das funções do mito é
fixar os modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas. [...] “No
desenvolvimento da cultura humana, não podemos fixar um ponto onde termina o mito e a religião
começa. Em todo curso de sua história, a religião permanece indissoluvelmente ligada a elementos
míticos e repassada deles””.

ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1973.

I - Como se vê nos quadrinhos, a filosofia rompe com o pensamento mitológico, que, de acordo com
o texto 2, não tem valor, pois se vale da imaginação e não é verdadeiro.

II - Os primeiros filósofos pré-socráticos preocupavam-se em buscar o princípio fundamental das


coisas e, para isso, criavam os mitos.

III - De acordo com o texto 2 e com os quadrinhos, o mito é uma forma de explicar o mundo.

É correto o que se afirma somente em:

A) I.

B) II.

C) III.

D) I e III.

E) II e III.

Resposta correta: alternativa correta C.

Análise da questão

Justificativa geral: o mito é uma forma de explicar o mundo e tem seu valor. Os mitos não foram
criados pelos filósofos pré-socráticos. A filosofia busca outras explicações para as questões, que não
as mitológicas.

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Unidade I

Questão 2. Leia o trecho da letra da canção.

Como uma Onda


Lulu Santos

Nada do que foi será


De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará

A vida vem em ondas, como um mar


Num indo e vindo infinito

Tudo o que se vê não é


Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo

Não adianta fugir


Nem mentir pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro, sempre
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar

Disponível em: https://www.letras.mus.br/lulu-santos/47132/. Acesso em: 12 jun. 2020.

Na letra, identificam-se especialmente ideias relacionadas ao pensamento de:

A) Heráclito, para quem nada permanece imutável no mundo.

B) Parmênides, para quem o ser é infinito e único.

C) Pitágoras, que acreditava que o princípio primordial são os números.

D) Demócrito, que propôs o atomismo.

E) Tales, para quem a água era o elemento essencial de tudo.

Resposta correta: alternativa correta A.

Análise da questão

Justificativa geral: a letra faz referência a como as coisas mudam, sendo compatível com a ideia de
Heráclito, segundo a qual um homem não se banha duas vezes no mesmo rio.

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