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Repercussão no Ensino
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Análise de Discurso Crítica:
Repercussão no Ensino
Autora: Profa. Joana da Silva Ormundo
Professora conteudista: Joana da Silva Ormundo
Doutora em Linguística pela Universidade de Brasília e mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Licenciada na área de Letras: Língua Portuguesa e Língua Inglesa pela Universidade
de Mogi das Cruzes. Iniciou licenciatura em Língua Portuguesa e Latim pela Universidade de São Paulo (interrompida
pela entrada no mestrado).
Atualmente, vinculada aos grupos de pesquisa do CNPq por meio da Universidade Paulista e da Universidade
de Brasília, com interesse nas questões sobre representação social, narrativas de vida e mídias sociais. Membro do
Grupo Brasileiro de Estudos de Discurso, Pobreza e Identidade – Rede Latinoamericana (Redlad), da Asociación
Latinoamericana de Estudios del Discurso (Aled) e do Centro de Pesquisa em Análise de Discurso Crítica (Cepadic‑UnB).
Lecionou por 14 anos na Educação Básica em São Paulo e no Distrito Federal. Foi coordenadora‑geral de Língua
Portuguesa no Distrito Federal, especificamente, trabalhando com formação continuada de professores de Língua
Portuguesa para o Ensino Médio e repensando o currículo para a área de Linguagem e suas Tecnologias.
Professora‑titular da Universidade Paulista desde 2000. Em 2001, começou a coordenar o curso de Letras no
campus Brasília. Em 2011, foi transferida para São Paulo e, desde então, está na coordenação do curso de Letras
no campus Vergueiro. Como professora, atua na área de Linguística e Ensino. Responde pela liderança de algumas
disciplinas e pelo Laboratório de Linguagem e Tecnologia dos cursos de graduação da UNIP. Coordena o projeto de
pesquisa Multimodalidade, Redes Sociais e Práticas de Letramento: Aprender e Ensinar com Gêneros na Sala de Aula
e no Campo Linguístico On‑line. Compartilha a coordenação do curso de pós‑graduação em Língua Portuguesa e
Literatura em Contextos Escolares com as professoras Lígia Menna e Maria Otília. Realizou projetos de metodologia
de ensino da língua em contextos on‑line no Programa de Pesquisa docente da UNIP e orienta trabalhos de pesquisa
nessa área. Também é professora‑titular concursada da Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo, na área de
Língua Portuguesa, Comunicação e Humanidades.
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Informática: Tecnologias Aplicadas à Educação. / William
Antonio Zacariotto - São Paulo: Editora Sol.
il.
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© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Juliana Mendes
Lucas Ricardi
Sumário
Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
Introdução............................................................................................................................................................7
Unidade I
1 Linguagem e Contexto Escolar: da Pós‑Modernidade à Globalização............... 11
1.1 Pós‑modernidade e estrutura política: temas relevantes para abordar no
contexto escolar............................................................................................................................................ 14
1.2 Compreender a cibercultura para repensar o contexto escolar......................................... 15
1.2.1 Informatização e mudanças no contexto escolar: novas formas de saber..................... 18
1.2.2 Mudança nos meios de comunicação e implicações para o ensino: do modo
de produção ao modo de informação........................................................................................................ 18
1.2.3 Narrativas no contexto da pós‑modernidade: contribuições para repensar a
prática escolar...................................................................................................................................................... 21
1.2.4 Por uma Teoria Social do Discurso: linguagem e prática social........................................... 22
1.2.5 Vozes da globalização como mediação e construção de sentido........................................ 24
1.2.6 Linguagem e ensino: discurso da mídia......................................................................................... 25
1.3 Análise de Discurso Crítica e Teoria Semiótica.......................................................................... 26
1.3.1 Conceitos relevantes no percurso da abordagem crítica do discurso................................ 27
1.3.2 O percurso teórico da Análise de Discurso Crítica: do quadro tridimensional à
transdisciplinaridade......................................................................................................................................... 34
1.3.3 A proposta bidimensional: análise textual externa e interna................................................ 36
1.3.4 A proposta transdisciplinar da Análise de Discurso Crítica.................................................... 37
1.4 Da prática social à globalização...................................................................................................... 41
Introdução
Os conteúdos propostos nesta disciplina estão organizados de forma que propiciem a você
oportunidades de reflexão sobre os aspectos sociais e tecnológicos e sobre o impacto da globalização na
reconfiguração das instituições sociais. Os tópicos desenvolvidos têm por objetivo desvelar as mudanças
sociais e a implicação dessas mudanças na configuração da linguagem, bem como de que forma o
entendimento desses aspectos pode contribuir para pensarmos em novas estratégias, novas práticas
sociais e novas práticas discursivas no contexto escolar.
O momento do nosso encontro será nos fóruns de discussão propostos no Ambiente Virtual de Aprendizagem
(AVA). Sugerimos que as discussões apresentadas nos fóruns tenham como orientação a perspectiva crítica
sobre como podemos contribuir para a transformação social, especialmente, para transformar nossa prática
em relação ao ensino de Língua Portuguesa e Literatura em uma sociedade globalizada e tecnológica.
As questões apresentadas neste livro‑texto têm como propósito apontar caminhos e possibilidades
de diálogo com as teorias discursivas e semióticas, visando à reflexão sobre como repensar a prática
escolar em um contexto de uma sociedade globalizada e informatizada.
Este livro‑texto tem como objetivo apresentar aos estudantes de pós‑graduação, interessados
nos estudos da linguagem e do discurso, os elementos introdutórios relativos ao universo teórico e às
categorias analíticas da teoria linguística denominada Análise de Discurso Crítica e Semiótica Social.
Esperamos contribuir para a reflexão por meio da qual os alunos do curso de pós‑graduação em
Língua Portuguesa e Literatura em Contexto Escolar da Universidade Paulista vislumbrarão possibilidades
de pensar nas práticas escolares, mediante teorias que analisem os estudos da linguagem e do discurso
relacionados às práticas sociais instauradas na pós‑modernidade e na globalização.
Para a realização desse nosso projeto, consideramos os trabalhos de Norman Fairclough sobre os
estudos da linguagem, uma vez que esse autor conceitua a linguagem sempre vinculada às mudanças
sociais contemporâneas, ao impacto desta na vida social e à forma dos sujeitos de utilizá‑la, bem como
os sentidos produzidos.
A ADC considera a linguagem como uma forma de prática social. A análise da linguagem nessa
perspectiva visa desvelar os fundamentos ideológicos próprios da linguagem como prática social.
O leitor deve considerar que a linguagem está vinculada ao social. Conforme aponta Fairclough
(2006), o caminho para investigá‑la é por meio da transdisciplinaridade ao dialogar com outras teorias
sociais, com os aspectos relacionados a economia, política e cultura, à semiótica social e à perspectiva
multimodal. Dessa forma, a perspectiva teórica da ADC diferencia‑se de outras teorias do discurso,
pois tem como prioridade estudar as práticas sociais e discursivas que ocorrem em uma sociedade
pós‑moderna, globalizada e tecnológica.
A perspectiva da Análise de Discurso Crítica por meio dessa abordagem nos fornece condições teóricas
e metodológicas para a investigação das práticas sociais e dos discursos que nelas se instauram, em
consonância com as mudanças que ocorrem no contexto escolar devido aos aspectos da globalização
e das novas tecnologias que nos apresentam um perfil de aluno interconectado com as descobertas,
que a Internet tem nos oferecido, de uma interação mediada na relação entre professor, aluno, Internet
e construção do conhecimento.
Sustentamos a organização deste material com base nos trabalhos dos autores da perspectiva de ADC,
Teoria Social e Multimodalidade. As pesquisas de Ormundo (2007), Wetter (2009) e Ormundo e Wetter
(2013) orientam o percurso escolhido para a apresentação das questões do discurso, da linguagem, da
produção de sentido e dos elementos teóricos, metodológicos e analíticos propostos pela perspectiva
discursiva crítica por meio de uma abordagem transdisciplinar.
Na primeira unidade, será apresentado o momento social atual, considerando alguns aspectos da
pós‑modernidade e da globalização, bem como aspectos sociais que contribuem para a constituição de
uma sociedade no ambiente da cibercultura, da constituição de uma sociedade em rede e midiática. Em
seguida, discorreremos a respeito da linguagem e de sua configuração no momento da globalização.
Depois, será exposta a perspectiva da Teoria Social do Discurso sobre o percurso em que a ADC se
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constitui como uma perspectiva teórica e metodológica para a análise das práticas de linguagem, por
meio dos discursos que circulam socialmente. Para isso, recorremos aos trabalhos de Norman Fairclough
e fazemos a leitura do movimento dessa teoria, partindo do quadro tridimensional e chegando à
análise social. Nessa última proposta, é considerada a materialização do projeto transdisciplinar como
abordagem das práticas de linguagem em uma sociedade globalizada e essencialmente tecnológica,
conforme apontado em Ormundo (2007) e Ormundo e Wetter (2013).
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Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
Unidade I
1 Linguagem e Contexto Escolar: da Pós‑Modernidade à
Globalização
Exemplo de aplicação
Com base no seu conhecimento prévio, já acumulado, sobre a organização da sociedade, discorra sobre
as características da sociedade moderna e, depois, sobre as características da sociedade pós‑moderna,
contemplando a organização do ensino e o papel da tecnologia nessas sociedades. Se preferir, responda
sobre esse assunto por meio das seguintes questões:
Para que você tenha um referencial do que se tem produzido sobre as mudanças da sociedade atual,
apontaremos alguns aspectos da globalização com o objetivo de contribuir para uma reflexão sobre o
impacto dessas mudanças sociais e o avanço tecnológico na forma pela qual novas práticas escolares
têm sido exigidas. Há uma reorganização das instituições globais que tem afetado profundamente a
linguagem, tornando‑a cada vez mais multimodal.
Para ajudá‑lo a pensar no assunto, sugerimos que reflita sobre quais os acontecimentos relevantes
que afetaram nossa vida neste início do século XXI. Há vários autores sociais dedicados a tratar sobre o
assunto. Em Giddens (2000a), temos os seguintes elementos:
Giddens (2000a) entende que o início do século XXI é marcado como um momento de transição para
uma nova sociedade que já não se assenta essencialmente na industrialização; estaríamos entrando em
uma fase de desenvolvimento para muito além dessa era. Para o autor, a chegada de uma sociedade
pós‑industrial coloca a antiga ordem industrial como ultrapassada pelo desenvolvimento de uma nova
ordem baseada no conhecimento e na informação.
Temos, também, essa discussão nas obras de Zygmunt Bauman sobre modernidade líquida. Bauman
(2001) afirma que a fluidez ou a liquidez são as metáforas mais adequadas para caracterizar o atual
estágio da modernidade. Referindo‑se ao que chama de modernidade líquida e aludindo à célebre frase
sobre derreter os sólidos do Manifesto Comunista de Marx e Engels, o autor afirma que:
Saiba mais
Exemplo de aplicação
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Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
2) Por que o entendimento desse modelo de sociedade é importante para pensarmos na forma pela
qual você deve pensar sua prática no contexto escolar?
Saiba mais
E ao filme:
13
Unidade I
Exemplo de aplicação
Após verem o filme Bling Ring: A Gangue de Hollywood, vamos discutir no fórum sobre as questões
apontadas a seguir e a relação delas com o filme.
2) Circulamos hoje totalmente desvinculados dos grilhões das eras passadas, somos mentes
flutuantes, identidades simuladas, vidas imaginariamente germinadas on‑line, transitando em
um mundo de superfícies mutáveis.
Na política pós‑moderna, o indivíduo cede seu lugar aos grupos, e suas finalidades não são mais
universais, tornando‑se micrológicas. A política especifica‑se, passando a ser atributo de quem faz parte
de campos setoriais de dominação: a dialética homem/mulher, antissemita/judeu, etnia dominante/
etnias minoritárias.
Assim, extinguiram‑se os grandes atores políticos universais. Não existe mais um “poder” central
localizado no Estado, mas um poder difuso, estendendo sua rede por toda a sociedade civil. Tem‑se,
desse modo, uma pós‑modernidade social que se dá a conhecer no plano da vida cotidiana por uma
onipresença do signo, do simulacro, do vídeo e da hipercomunicação.
Ainda se referindo ao pensamento de Rouanet, Lima (1998, p. 75) observa que não há uma superação
da política moderna pelo surgimento dos movimentos segmentares (feministas, homossexuais, ecologistas,
negros, índios etc.). Ocorre apenas um enriquecimento do campo político; portanto, o nascimento de outros
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Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
atores políticos não representa uma ruptura com a modernidade em favor de uma política pós‑moderna.
Ao contrário, demonstra a concretização de uma tendência imanente do liberalismo moderno, que, por
meio de sua doutrina dos direitos humanos, tornou possível a existência de um espaço fértil para a criação
de novos direitos defendidos por novos atores sociais, de acordo com novas estratégias.
Exemplo de aplicação
Pesquise sobre o discurso da sustentabilidade e os acordos das organizações globais que tratam sobre
o tema e reflita sobre como esses assuntos refletem nas práticas sociais da sociedade atual, por meio
da organização dos movimentos sociais e políticos, bem como da reorganização das práticas a partir do
avanço tecnológico, dos novos paradigmas para a educação e da conexão de uma sociedade em rede.
Ao pensarmos no fenômeno dos movimentos sociais que eclodiram no Brasil em junho de 2013 e
no início de 2015, temos uma nova configuração no processo de organização dos movimentos sociais.
Inicialmente, materializada pelo discurso dos 0,20 centavos e, mais recentemente, nos discursos em
torno das questões políticas e econômicas, bem como dos efeitos dos protestos, nas ruas, contra as
práticas de corrupção no sistema político brasileiro. Um elemento novo é apresentado. Qual é esse
elemento? Trata‑se da “convocação” das pessoas comuns a ir para a rua. Vozes como “Vem pra rua!”
ecoam nas redes sociais, decorrentes da conexão da sociedade em rede, das mídias sociais, da diversidade
de vozes que circulam nessa conexão.
Esses movimentos não são isolados do que ocorreu em outras partes do mundo. Trata‑se de um dos
efeitos do processo de globalização e da configuração da sociedade em rede.
Saiba mais
Para saber mais sobre essa tendência global dos novos movimentos
sociais, você pode ver este vídeo de Manuel Castells:
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Unidade I
Por que iniciamos a discussão sobre o ciberespaço por meio da contextualização desses movimentos
sociais? Porque eles materializam os efeitos do que Manuel Castells apresenta em suas obras sobre
A Sociedade em Rede (1999), A Galáxia da Internet (2003) e, a mais recente, Redes de Indignação e
Esperança (2013), esta com o propósito de analisar os movimentos que se configuraram a partir das
redes sociais, incluindo o fenômeno Brasil.
O avanço das novas tecnologias desencadeou uma discussão no meio acadêmico e na mídia sobre
a forma pela qual a sociedade e as práticas de linguagens se consolidaram e ainda se consolidam no
contexto do ciberespaço.
Castells (2003) define a Internet como um meio que permite a comunicação de muitos com muitos,
num momento escolhido, em escala global. Como definir a rede? A rede pode ser definida como um
conjunto de agentes que compartilham normas, valores e objetivos, podendo estabelecer‑se no âmbito
do Estado, no mercado e na sociedade civil. Fukuyama (2000, p. 210‑11) aponta duas características
importantes da rede:
• ela é diferente de um mercado na medida em que é definida por suas normas e seus valores
comuns. Isso significa que as trocas econômicas dentro de uma rede serão realizadas em bases
diferentes daquelas das transações em um mercado;
• ela é diferente de uma hierarquia porque se baseia em normas comuns informais, não em uma
relação formal de autoridade.
Castells (2003, 2014) define as redes como multimodais e como um conjunto de nós interconectados.
Para o autor, a formação de redes é uma prática humana antiga. Durante a história do homem, as redes
foram suplantadas como ferramentas de organizações capazes de congregar recursos em torno de
metas centralmente definidas.
Ele acrescenta ainda que as redes eram o domínio da vida privada, em uma sociedade que
apresentava hierarquias centradas no feudo do poder e da produção, mas que nos dias atuais
elas foram ganhando vida nova por meio da introdução da informação e das tecnologias de
comunicação. Segundo o autor, a Internet possibilita às redes dos dias de hoje uma vantagem
enorme se comparada à maneira pela qual eram organizadas no passado: elas saem de um
ambiente centralizado e se constituem em um ambiente com vantagens extraordinárias como
ferramentas de organização, em virtude de sua flexibilidade e adaptabilidade inerentes, o que
para o sociólogo é uma característica essencial de sobrevivência e prosperidade num ambiente
que está em rápida transformação.
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Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
Nesse âmbito mutante, os sujeitos participantes do processo e vinculados ao ambiente das redes
sociais, principalmente aos usuários das linguagens no campo linguístico on‑line, organizam‑se em rede
com o propósito de acúmulo de capital social – de informação, econômico, político – do qual dependem,
com um ingrediente diferenciado: estão mais flexíveis para atender às mudanças sociais e adaptados
às transformações constantes do que aqueles que se encontram desconectados do que acontece na
dinâmica do mundo on‑line.
O que motiva a reunião de pessoas no ambiente da rede é o interesse comum entre esses agentes,
visando atingir um fim específico. A flexibilidade marcada pelo ambiente da rede on‑line também é
marcada pelo fluxo das pessoas que migram de um gênero a outro com muita liberdade. Esse movimento
marca a democratização e a transparência das decisões e funções sociais que motivam os sujeitos
a estarem organizados neste ou naquele grupo.
A nova estrutura social é baseada em redes e motivada pelos três processos que Castells apontou
como independentes, mas que no final do século XX se uniram. Os processos citados pelo autor são:
Castells (2003) aponta que esses fatores alteraram a forma pela qual a Internet era utilizada. Partiu
daquilo definido por ele como uma tecnologia obscura, centrada no mundo isolado dos cientistas
computacionais, dos hackers e das comunidades contraculturais, e transformou‑se em um instrumento
importante para o estabelecimento de uma nova forma de sociedade – a sociedade em rede.
Saiba mais
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Unidade I
As mudanças relativas à informatização na era pós‑moderna são discutidas também por Lyotard
(2004), no momento em que o filósofo analisa o estatuto do saber na sociedade pós‑industrial. A
premissa fundamental de Lyotard consiste em dizer que o saber mudou a partir dos anos 1960‑1970.
Anteriormente, ele fazia parte da formação de todo indivíduo para que se tornasse um cidadão
participante. Assim, o indivíduo entregava‑se ao processo de interiorização do saber.
O saber perde sua condição de uso, passa a ter um valor de venda e vincula‑se às questões do
poder econômico e político, ou seja, ele é a moeda que define, na cena internacional, os jogos
hegemônicos (entre as nações, entre as empresas multinacionais). Acrescentamos que, no nosso
entender, o conhecimento hoje está intimamente vinculado às questões econômicas e de poder, e esse
poder se refere tanto a quem o detém quanto àquele que, via Internet, o difunde, atribuindo‑lhe, assim,
o que Lyotard chama de valor de troca.
Saiba mais
Ainda na direção das mudanças advindas da sociedade da informação e conectada em rede, temos
em Ormundo (2007) a discussão sobre como as transformações apontadas por Mark Poster ocorrem
nos meios de comunicação de massa. O autor diferencia o conceito de modos de produção e modos
de informação. Para Poster (2000), a pós‑modernidade baseia‑se em uma sociedade orientada pela
disponibilidade de informações, e a circulação dessas informações, na conexão de uma sociedade em
rede. O autor discute essas questões por meio de uma Teoria Social Crítica com base no surgimento e na
expansão dos meios de comunicação na vida cotidiana das pessoas e na sociedade em geral.
18
Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
Para o autor, o século XX instaurou novos tipos de ação e de discurso com o telefone, o rádio, a
televisão e a Internet. Segundo ele, a vida cotidiana transformou‑se radicalmente no último século
devido aos avanços tecnológicos, e são essas transformações que distinguem, especificamente, a
globalização.
Tais transformações trazem algo que nos interessa particularmente ao tratarmos sobre o ensino
das linguagens no contexto escolar. Para a compreensão dessa relação, deve‑se estudar o papel da
linguagem que se reconfigura na nova mídia. Será por meio do entendimento dos novos discursos que
se instauram nesse meio que se poderá entender a constituição da linguagem.
É interessante em Poster que o modo de informação mostrará como o “sujeito familiar moderno é
deslocado pelo ‘modo de informação’ em favor de um que seja múltiplo, disseminado e descentrado”.
Esse movimento da visão do sujeito consiste na marca da globalização e da sociedade contemporânea,
que é caracterizada por instabilidade, flexibilidade e descentralização.
Essa discussão apontada em Ormundo (2007, 2013) é relevante para a perspectiva discursiva crítica
nas pesquisas que analisam a forma pela qual o sujeito e a estrutura social são transformados por meio
da reconfiguração da linguagem, especificamente no trabalho sobre a linguagem no campo linguístico
on‑line. Eles são marcados pela influência da globalização e pela instabilidade das coisas, uma vez
que a rapidez com que as mudanças ocorrem devido ao conhecimento e à circulação da informação
transforma a relação do sujeito com o conhecimento.
Um dos exemplos de Poster (1996, 2000) sobre como o modo de informação dissolve o que se
encontrava estável na modernidade consiste na transformação que aconteceu na passagem da
informação impressa à informação eletrônica em tempo real.
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Unidade I
Exemplo de aplicação
Com o avanço das novas tecnologias de informação e comunicação, houve uma reconfiguração no
sistema de produção baseado pelos modos de informação. Uma dessas reconfigurações consistiu na
disponibilização do sistema de livros digitais. Reflita a respeito disso, correlacionando a superestrutura
e as características de acesso dos livros digitais e dos livros impressos no processo de construção de
conhecimento no contexto escolar.
A proposta teórica de Poster sobre como o modo de informação entende as linguagens no ambiente
tecnológico é contrária à teoria tradicional de como a informação circulava antes da conexão da
sociedade em rede. A lacuna existente na imprensa entre produtor e receptor também aparece no
ambiente tecnológico, mas há alteração no processo relacional devido à possibilidade de comunicação
em tempo real e de interação entre os agentes envolvidos nessa relação, possibilitada pelas ferramentas
próprias dos gêneros de comunicação dos websites.
Por meio das questões apontadas em Poster, pode‑se verificar em Ormundo (2007) como
esse movimento possibilita entender que a linguagem já não representa a realidade e não é uma
ferramenta instrumental que enfatiza a racionalidade mecânica das estruturas sociais. A linguagem
reconfigura a realidade.
Dessa forma, as estruturas sociais são afetadas por meio da linguagem. Não é possível manter‑se
imune diante dessa reconfiguração; ao reconhecê‑la, as formas de organização das estruturas sociais
são transformadas e a perspectiva da ADC fornece os elementos teóricos para tratar dessa mudança
social no que se refere às mudanças na linguagem no momento da globalização.
Para compreender essa questão, a autora recorre aos estudos de Norman Fairclough (2006), no que
se refere ao fato de que os meios de comunicação de massa foram apresentados como desempenhando
um papel importante na constituição de novas escalas, na transformação das relações entre as escalas,
na reescala das entidades espaciais e na construção e consolidação da nova “dificuldade” entre um
regime de acumulação e um modo de regulamentação social.
Para o autor, todos esses processos dependem da disseminação social dos discursos, narrativas, ideias,
práticas, valores etc., sobre a sua legitimação, a posição e mobilização dos públicos em relação a eles
e a geração do consentimento para, no mínimo, aceitarem a mudança. Elementos interessantes para
discutirmos no contexto escolar. Por meio das narrativas, desvelar crenças, valores, ideias, configurações
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Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
das opiniões tanto no campo linguístico on‑line (mídias sociais – Facebook) e como se interconectam
para a vida “fora” do ambiente da rede.
Vivemos hoje em um mundo no qual toda história que é relatada a alguém passa por inúmeros
veículos: TV, cinema, celular, Internet, video games, segundo Jenkins (2009), em uma entrevista à
Revista Superinteressante. O fluxo dessa história, portanto, é moldado tanto por decisões tomadas pelas
companhias que produziram o conteúdo quanto pelos sujeitos que a recebem. O referido autor chama
esse estado da produção e difusão da informação de cultura da convergência.
Nesse contexto cultural, o conteúdo idealizado pelo produtor é apenas uma parte do processo
e, muitas vezes, não a principal. Um programa de TV, exemplifica o autor, depois de criado, será
reeditado e redistribuído pela Internet, e, com certeza, o público irá falar sobre ele em novas redes
sociais, e serão escritas novas histórias a partir dele. O conteúdo original torna‑se apenas um
pontapé inicial, a partir do qual o consumidor criará novas experiências. O foco agora, portanto,
está em histórias contadas por várias modalidades de veículos, conhecidas como transmidiáticas:
em cada mídia diferente, a história ganha uma nova camada, que nos conta algo que não
saberíamos assistindo ao programa de TV. O autor exemplifica com a série Lost, considerada a
mais famosa da última década. Nos EUA, Lost é veiculada por meio de livro, game e em episódios
para celular.
21
Unidade I
Saiba mais
A relação entre linguagem e prática social é construída nos trabalhos de Fairclough até se
concretizar na proposta atual de relacionar a linguagem e a globalização como um tópico da pesquisa
social (FAIRCLOUGH, 2003a, 2003b, 2006).
A abordagem sobre linguagem e suas relações de poder foi apresentada, respectivamente, por
Fairclough (1989, 1995) em Language and Power e em Critical Discourse Analysis. O foco dessa
investigação é centrado na ligação que há entre linguagem em uso e relações desiguais de poder,
com o propósito de desvelar como o exercício de poder na sociedade é instaurado na análise da
linguagem e no diálogo com teóricos sociais que privilegiaram a questão da linguagem nas suas
teorias, especialmente Pierre Bourdieu e Jürgen Habermas, além da proposta de abordar a linguagem
em uma perspectiva interdisciplinar e da articulação do quadro tridimensional (veremos adiante) para
o estudo do discurso.
Em Fairclough (1996), a relação da linguagem com questões ligadas à economia foi apresentada
na Primeira Conferência Internacional sobre Análise de Discurso Crítica, realizada na Universidade de
Lisboa. O linguista considera que as mudanças dos processos sociais são mediadas linguisticamente,
portanto ele aproxima a pesquisa em ADC das transformações econômicas, sociais, políticas e culturais
da vida contemporânea.
22
Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
Outro ponto relevante desse encontro foi a ideia defendida por Fairclough de que, na Teoria Social,
a forma linguística tem de ser compreendida pela mudança na linguagem, uma vez que os aspectos da
vida social estão centrados na linguagem.
Um exemplo de como esse processo ocorre é demonstrado por Fairclough (1996) mediante as
funções e os aspectos estéticos próprios do design, tais como a produção de programas de entrevistas, de
propagandas, de notícias de TV, que têm como meta persuadir e atrair o consumidor. O autor estabelece
que o design estético da linguagem como mercadoria tem uma característica multissemiótica,
principalmente em textos contemporâneos que permitem atribuir o conceito de linguagem mercadológica
e que, na obra de 2006, vinculam‑se a uma abordagem transdisciplinar ao contemplar os aspectos de
uma economia política cultural.
O linguista entende que o discurso é o novo caminho para perceber e pesquisar a linguagem como
uma forma de prática social, e essa relação se constitui no decorrer de seus trabalhos.
Em Fairclough (1992), o termo discurso está associado ao uso da linguagem falada ou escrita e
com indícios de inclusão dos elementos semióticos. Ao referir‑se ao uso da linguagem como discurso, o
autor sinaliza o seu desejo de investigá‑lo por um método informado social e teoricamente como forma
de prática social. Percebe‑se, com isso, que a linguagem está vinculada à prática social e, por isso, deve
ser investigada como modo de ação e de representação. Assim, a pesquisa crítica sobre o discurso é o
caminho de ação para realizar tal investigação.
Fairclough (2000) discute o poder da linguagem no jogo de interesses que envolve as relações
entre os agentes nas práticas sociais por meio da Análise de Discurso Crítica do Novo Trabalhismo
Britânico. O autor refere‑se ao fato de que eventos e personalidades políticas passam à condição
de produtos e a linguagem utilizada nessa prática social molda‑se para satisfazer à necessidade
discursiva de uma economia neoliberal, bem caracterizada pelo contexto do novo trabalhismo
retratado nessa obra.
Nesse contexto, Fairclough (2000) mostra ser fundamental o papel da linguagem como parte da prática
social. Para exemplificar a importância da linguagem, o autor utiliza o cenário político‑governamental
do novo trabalhismo em que a linguagem é incrementada por aspectos multimodais por meio da
imagem e da postura de Tony Blair, então primeiro‑ministro britânico. Vale a pena analisar as formas de
representação de Tony Blair no cenário político aqui referido.
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Unidade I
Exemplo de aplicação
Estabelecendo um diálogo entre o filme baseado na obra 1984, de George Orwell, e V de Vingança,
podemos ter um debate interessante sobre o conceito de sociedade moderna e sociedade pós‑moderna.
Em Language and Globalization (2006), Fairclough classifica algumas vozes da globalização (análise
acadêmica, agências governamentais, organizações não governamentais, mídia e pessoas comuns).
Ressaltaremos aqui a importância que o autor dá à voz da mídia e à mediação, com o propósito de
entender a mediação como parte de um modo de superar a distância na comunicação. As pessoas, ao
se comunicarem com outras distantes, usam mídias particulares, tais como a televisão (TV), a Internet,
o telefone, o rádio. Essas mídias têm seus próprios códigos, convenções, formatos, gêneros e assim por
diante, os quais afetam o caráter da comunicação de maneira particular (SILVERSTONE, 1999).
Fairclough (2006) afirma que as pessoas têm suas próprias experiências da globalização na sua vida
comum e nas várias comunidades das quais fazem parte, mediante o que elas recebem dos meios de
comunicação (TV, Internet, rádio e outros). As pessoas reagem a isso de modo muito particular e diverso
e agem em resposta ao que recebem da produção de representações que se constituem como parte
significante da fala e da escrita a respeito da globalização.
Como a voz da mídia transita por todas as outras vozes, ela tem uma força maior no processo de
construção dos significados e, dessa forma, produz representações, as quais são também uma parte
significante de toda fala e escrita a respeito da globalização. As outras vozes circulam na voz da mídia e
esta também transita nas outras vozes. Esse processo dialético se dá do seguinte modo:
Organizações
não
governamentais
Agências Mídia
governamentais
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Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
A contribuição desse esquema para nossa discussão sobre o contexto escolar será apresentada na
Unidade II, por meio das atividades sugeridas para aplicação em contexto escolar.
• análise acadêmica: voz que apresenta características teóricas e analíticas cujo propósito é produzir
descrições, interpretações e teorias;
• agências governamentais: voz que se constitui nos discursos de governos nacionais, líderes
políticos e organizações que são partes do Governo, tais como ministérios e comissões, governo
local e agências de governo internacionais;
• organizações não governamentais: voz que se constitui nos discursos de corporações empresariais,
partidos políticos, instituições de caridade e corporações, tais como o Greenpeace;
• mídia: voz que veicula os discursos da imprensa, do rádio, da TV, da Internet e, em termos gerais,
de todas as entidades que contribuem para o papel social da mediação;
• pessoas comuns: vozes que reproduzem experiências particulares em relação à globalização, tais
como na interação face a face e na interação mediada.
Como o discurso da mídia é fundamental na relação que exerce entre as outras vozes da globalização,
passamos para o próximo tópico, em que podemos refletir sobre o discurso da mídia e a relação entre
linguagem e ensino.
As questões apresentadas até o momento expuseram os aspectos que giram em torno das
práticas de linguagem na globalização. Espera‑se que essas discussões contribuam para que
o professor e o pesquisador reflitam e encontrem novos caminhos na organização do seu
trabalho em contexto escolar. Olhar para as práticas de linguagem por meio da abordagem
transdisciplinar proposta pela Análise de Discurso Crítica consiste na mobilização de novas
práticas sociais, nas quais se apresentam aspectos de uso da linguagem como forma de poder
e capital simbólico – a linguagem podendo representar jogos de cultura promocional quando
determinados usuários se apropriam dos elementos multissemióticos para se representarem
em determinadas práticas sociais.
em que atuam. A linguagem transforma a ação dos sujeitos sociais nos diversos campos e se reconfigura
como capital simbólico no processo de atuação desses sujeitos.
• A linguagem funciona como forma simbólica, por meio da sua constituição discursiva multimodal
e do processo de apropriação de acúmulo de capital econômico, político e cultural de seu usuário
refletido na linguagem como capital simbólico.
Consideramos que as questões aqui discutidas abrem caminho para investigar as práticas de
linguagem com um olhar mais adequado ao momento atual. Para isso, apontaremos na Unidade II alguns
passos de uma proposta discursiva transdisciplinar em construção conforme os estudos discursivos
críticos que visam olhar a linguagem em uma perspectiva de transformação social no contexto escolar.
Observação
Fairclough (2003b, 2006) afirma que as transformações no capitalismo têm ramificações em toda a
vida social e que, ao se utilizar a globalização como tema de pesquisa, deve‑se voltar para os interesses
de como as transformações sociais no capitalismo impactam a política, a instrução, a produção artística
e outras áreas da vida social. Para o autor, a atual transformação envolve uma reestruturação das
relações entre os domínios econômicos, políticos e sociais, incluindo a marketização dos campos – a
lógica econômica do mercado. Trata‑se de um projeto político para facilitar a reestrutura e a reescala
das relações sociais de acordo com as demandas do capitalismo global (Fairclough, 2003b, 2006;
Bourdieu, 1990).
Fairclough (2003b, 2006) declara, ainda, que a pesquisa social contemporânea tem de
contemplar as mudanças da globalização. O autor entende que o estudo de aspectos da
linguagem na globalização tornou‑se uma área de pesquisa significativa para os analistas
de discurso crítico e sugere que a linguagem pode ter um papel significativo nas mudanças
socioeconômicas contemporâneas.
Segundo Fairclough (2003b, 2006), a Análise de Discurso Crítica tem contribuições importantes para
pesquisar as transformações do capitalismo e acrescenta que pesquisadores sociais deram relevância
a isso, conforme ocorreu no trabalho de Bourdieu e Wacquant (2005), os quais buscaram caracterizar
determinados termos linguísticos usados no contexto da globalização, exatamente na relação de poder
e de reivindicação com base em uma orientação discursiva.
Para o linguista, a análise de Bourdieu e Wacquant (2005) dá a indicação de que a pesquisa social
necessita da contribuição do analista do discurso, não no processo de criação de uma terminologia
apropriada, mas no que concerne a analisar textos e interações para mostrar como alguns dos efeitos
que esses autores identificaram são desvelados nas transformações socioeconômicas do capitalismo
novo e nas políticas dos governos.
Após essa pequena introdução de como a linguagem foi sendo apresentada na obra de Fairclough,
faremos uma síntese dos momentos da ADC. Partimos do modelo proposto como quadro tridimensional
(FAIRCLOUGH, 1989, 1992) até chegar à nova versão da ADC como análise transdisciplinar, conforme
apresentado na obra Language and Globalization (2006).
Há conceitos essenciais da abordagem discursiva que devem ser desvendados para a compreensão
da teoria. Encontramos esses conceitos na obra Práticas de Linguagem na Globalização: Introdução à
Análise de Discurso Crítica em uma Perspectiva Transdisciplinar, de Ormundo e Wetter (2013), conforme
exposto a seguir: texto, discurso, prática discursiva, prática social, ideologia e hegemonia,
intertextualidade, interdiscursividade, transdisciplinaridade.
O conceito texto é usado por Fairclough no mesmo sentido empregado por Michael Halliday: para
textos escritos e textos falados. Fairclough (1989, p. 24) enfatiza que o texto é um produto, em vez de ser
um processo; na verdade, um produto do processo de produção textual. O autor emprega esse conceito
tanto para os textos escritos quanto para transcrições de fala. O texto compreende um processo de
27
Unidade I
O discurso é considerado por Fairclough, em sua obra, o uso da linguagem como prática
social, constituindo um modo de ação e de representação. Existe uma relação dialética entre
o discurso e a estrutura social: ele contribui para a constituição de todas as dimensões das
estruturas sociais ao mesmo tempo que é moldado e restringido por elas. Assim, constitui e
ajuda a construir identidades, relações sociais e os sistemas de conhecimento e de crenças.
Esses aspectos constitutivos relacionam‑se a três funções da linguagem: à função identitária,
que diz respeito às maneiras pelas quais as identidades sociais são construídas nos discursos; à
função relacional, que se refere ao modo pelo qual as relações sociais entre os participantes do
discurso são representadas e negociadas; e à função ideacional, maneiras pelas quais os textos
significam o mundo e seus processos, identidades e relações. Embora discurso aqui englobe o
uso da linguagem escrita e da falada, é preciso estender esse conceito a outras modalidades
semióticas, tais como as referentes a elementos não verbais (gestos, imagens etc.), pois nossa
investigação transita também nesse contexto.
Observação
A prática social significa para Fairclough (2003a) uma forma relativamente estabilizada de atividade
social (ensino na sala de aula, notícias televisivas, refeições familiares, consultas médicas) que articula
vários elementos sociais no interior de uma configuração de certo modo estável e sempre inclui o
discurso. Toda prática inclui os seguintes elementos:
28
Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
Esses elementos são em parte discursivos, mas isso não significa dizer que investigamos relações
sociais do mesmo modo que fazemos com a linguagem. Eles têm propriedades distintas.
Na verdade, a prática social aborda o conceito de discurso em relação à ideologia e ao poder. Situa
o discurso em uma perspectiva de poder como hegemonia e considera a evolução das relações de poder
como luta hegemônica (FAIRCLOUGH, 1992).
A noção de ideologia ancora‑se em Althusser. Há três asserções a respeito dessa noção que
estabelecem suas bases teóricas: ela tem existência material nas práticas das instituições, o que
possibilita a investigação das práticas discursivas como formas materiais de ideologia; ela interpela os
sujeitos; e os aparelhos ideológicos do Estado (a educação, a mídia) são marcos delimitadores das lutas
de classe, apontando para uma análise de discurso orientada ideologicamente. O conceito althusseriano
de ideologia é tomado por base, mas, ao mesmo tempo, é questionado por Fairclough, pelo fato de
apresentar uma noção de dominação como imposição unilateral e reprodução da ideologia dominante,
marginalizando a luta, a contradição e a transformação. Ideologias são apresentadas como significações
ou construções da realidade, que são constituídas nas várias dimensões dos sentidos ou formas das
práticas discursivas e que “contribuem para a produção, a reprodução ou a transformação das relações
de dominação” (FAIRCLOUGH, 1992). Os aspectos textuais ou discursivos que podem ser investidos
ideologicamente são ainda, segundo Fairclough (op. cit.), os sentidos das palavras, as pressuposições, as
metáforas, a coerência e o estilo de alguns textos.
A interpelação dos sujeitos pela ideologia é questão bastante complexa na perspectiva discursiva
crítica. Primeiro porque não se deve acreditar que as pessoas sejam conscientes da abrangência ideológica
de sua própria prática, pois as ideologias que afloram nas convenções podem, muitas vezes, cristalizar‑se,
tornando‑se conscientemente imperceptíveis. Além disso, mesmo quando os sujeitos realizam práticas de
resistência, que possivelmente contribuam para mudanças no âmbito da ideologia, a abrangência de sua
realização, geralmente, não é percebida. Assim, a importância dos estudos linguísticos que investigam
os processos ideológicos que afloram no discurso está na possibilidade de os sujeitos desenvolverem
uma consciência crítica maior a respeito de suas próprias práticas e daquelas às quais são submetidos.
A Análise de Discurso Crítica defende a postura dialética a respeito desses processos: o equilíbrio
entre sujeito efeito ideológico e sujeito agente. Ainda nessa perspectiva crítica da linguagem, as práticas
discursivas são investidas ideologicamente no momento em que contribuem para manter ou reestruturar
as relações de poder. Em princípio, as relações de poder podem ser afetadas por práticas discursivas
de todos os tipos, inclusive as teóricas e as científicas. As ideologias aparecem nas sociedades que se
29
Unidade I
caracterizam por relações de dominação com base na classe, no gênero social, no grupo cultural etc. À
medida que os sujeitos conseguem transcender tais sociedades, eles conseguem também transcender as
questões ideológicas, o que significa, portanto, que “nem todo discurso é irremediavelmente ideológico”
(FAIRCLOUGH, 1992, p. 121).
Ao se considerar a abordagem discursiva em termos analíticos, pode‑se dizer que a análise textual
é organizada em quatro direções: investigação do vocabulário, da gramática, dos elementos de coesão
e da estrutura textual. O vocabulário é investigado por meio das palavras individualmente; a gramática,
por intermédio da combinação das palavras em frases ou orações; os elementos coesivos são analisados
em relação ao modo pelo qual organizam as junções dessas frases e orações; e a estrutura textual
é abordada em relação a suas propriedades de organização textual. Em relação à prática discursiva,
podem ser examinados elementos tais como a força dos enunciados, ou seja, os atos de fala (promessas,
pedidos, ameaças etc.) constituídos por eles, a coerência e a intertextualidade dos textos. A prática social
é investigada por intermédio do conceito de hegemonia, o qual fornece uma matriz para a análise das
relações de poder. Desse modo, a análise textual abrange aspectos de sua produção e interpretação, bem
como das propriedades formais de sua constituição.
Observação
30
Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
Assim, veremos que um texto se constrói em relação aos outros textos, ou seja, na perspectiva da
abordagem do outro relacionado ao já‑dito (antes, em outro lugar), se buscarmos fundamentação no
dialogismo de Bakhtin, o qual privilegia a dimensão de outro, de não um na sua abordagem do sentido,
princípio esse colocado como constitutivo do sujeito e da linguagem.
Observação
A relação existente entre intertextualidade e hegemonia situa o espaço textual entre fronteiras que
estabelecem certas limitações relativas à apropriação de outros textos e a como estes podem transformar
e reestruturar as convenções existentes para gerar novos ambientes textuais. Também é preciso salientar
que a intertextualidade é socialmente limitada e condicionada às relações de poder circundantes, ao
mesmo tempo que pode apresentar‑se por meio de ordens de discurso influenciando a luta hegemônica
no momento em que são afetados por ela.
Em Problemas da Poética em Dostoiévski (1981), Bakhtin deixa clara essa perspectiva social da
linguagem citada no parágrafo anterior, quando afirma que a palavra nunca se apresenta neutra, como
se fosse tirada do dicionário. As palavras, ao passarem de boca em boca, ao mudarem de um contexto
ou de um meio social para outro, não perdem seu caminho, mas tampouco se libertam completamente,
pois, na verdade, elas não estão isentas das aspirações e das avaliações dos outros. A palavra, ao
mesmo tempo que vem pontilhada por outras palavras, já ditas em outro lugar, não se subjuga ao meio
constituído pela palavra do outro, pois na realidade não existe uma fusão completa; há sempre uma
ressalva, um distanciamento, uma refração.
respeito a como um tipo de discurso é constituído por intermédio de uma combinação de elementos de
ordens de discurso.
Observação
Uma abordagem transdisciplinar, segundo Fairclough (2005, p. 16), pergunta “como um diálogo entre
duas disciplinas ou sistemas pode conduzir a um desenvolvimento de ambos por meio de um processo de
apropriação de cada um deles da lógica do outro como um recurso para seu próprio desenvolvimento”.
Desse modo, ainda na visão de Fairclough (2005), a abordagem transdisciplinar encontra‑se em oposição
às formas de interdisciplinaridade, as quais reúnem diferentes disciplinas em torno de temas e projetos
sem compromisso com a mudança de fronteiras e de relações entre elas.
Sintetizamos essas considerações junto com Chouliaraki e Fairclough (1999), ao afirmarem que as
construções teóricas do discurso, as quais a ADC tenta operacionalizar, podem vir de várias disciplinas,
e o conceito de operacionalização exige que se realize um trabalho de um modo transdisciplinar, no
qual a lógica de uma disciplina (por exemplo, a Sociologia) possa ser colocada em funcionamento para
desenvolver outra (por exemplo, a Linguística).
Como nossa proposta consiste em apresentar a Teoria da Análise de Discurso Crítica, considerando
que essa proposta discursiva tem como contribuição a perspectiva da transformação, da mudança
social, apresentaremos uma síntese do desenvolvimento teórico da ADC com base na publicação do livro
Práticas de Linguagem na Globalização: Introdução à Análise de Discurso Crítica em uma Perspectiva
Transdisciplinar, de Ormundo e Wetter (2013).
Análise social
Transdisciplinaridade (2006)
As autoras entendem o trabalho de Fairclough a partir da obra Language and Power (1989),
investigação triádica: texto, interação e contexto. Nesse livro, o autor enfatiza a abordagem da
linguagem em uso e o princípio de que ela seja um processo social que se constitui como parte da
sociedade. Nessa abordagem, o texto é visto como produto, em vez de ser o processo; trata‑se de
produto do processo de produção social (FAIRCLOUGH, 1989, p. 24). O discurso envolve todas as
condições sociais, que podem ser traduzidas como condição social de produção e como condição
social de interpretação. O autor acrescenta que essas condições sociais apresentam três níveis de
organização social que foram traduzidos como segue: a situação social, a instituição social e a
sociedade. Isso traduz a primeira dimensão tríade do trabalho de Fairclough (1989), conforme o
diagrama a seguir:
34
Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
Processo de produção
Texto
Fairclough (1989, p. 26) enfatiza que a linguagem como discurso e como prática social deve ser
analisada na relação entre textos, processos e suas condições sociais, conforme apresentado na Figura 3.
Essa tríade é reapresentada na obra Discourse and Social Change (Fairclough, 1992), por meio
do estabelecimento de três dimensões, concomitantemente, para a análise do discurso – texto,
prática discursiva e prática social –, discutidas em uma abordagem denominada Análise de Discurso
Textualmente Orientada. Essas três etapas são apresentadas pelo autor conforme o diagrama que segue.
Texto
Prática discursiva
(produção, distribuição e consumo)
Prática social
No nível da prática discursiva, que é a ligação entre texto e prática social, temos os processos de
produção, de distribuição e de consumo do texto. Esses processos são sociais e estão relacionados
a contextos sociais: ambientes econômicos, políticos, culturais e institucionais específicos. O autor
acrescenta que há dimensões sociocognitivas de produção e de interpretação de texto. A análise da
prática discursiva foi apresentada no modelo de 1992 como mediadora entre o texto e a prática social
e inclui não só uma precisa explanação de como os participantes em uma interação interpretam
35
Unidade I
e produzem textos, mas também como as relações dos eventos discursivos são representadas em
ordens do discurso.
Entre o que foi proposto sobre o quadro tridimensional e a relação bidimensional em Analysing
Discourse: Textual Analysis for Social Research (FAIRCLOUGH, 2003a), faremos uma pausa para uma
breve explanação sobre os estudos de Chouliaraki e Fairclough (1999). Os autores apresentaram uma
discussão que ligou os estudos da ADC à Teoria Social, enfocando as mudanças globais em rede de
escalas, por meio de uma abordagem vinculada à Teoria Social e à multissemiótica. Para Chouliaraki
e Fairclough (1999), a pesquisa linguística orientada por uma abordagem multissemiótica necessita
vincular a ADC à análise das práticas sociais.
Em Chouliaraki e Fairclough (1999), os autores fazem uma explanação sobre a importância dos
conceitos de habitus e de campo de Pierre Bourdieu para a pesquisa em ADC e apontam que há a
necessidade de essa abordagem não se restringir ao aspecto sociológico, mas ser ampliada para a análise
da linguagem. O desenvolvimento do que foi proposto em 1999 sobre a abordagem do campo e do
habitus se dá na ADC por meio desse mesmo conceito, mas na perspectiva do que Bourdieu e Wacquant
desenvolveram sobre a importância da linguagem na análise social.
Passamos agora a verificar como o modelo apresentado por Fairclough (1989, 1992), que estamos
denominando como proposta bidimensional, foi reconstruído na obra Analysing Discourse: Textual
Analysis for Social Research (2003a).
A contribuição das leituras de Ormundo e Wetter (2013) sobre o desenvolvimento da ADC está no
entendimento de que os trabalhos de Fairclough apontam para um estreito diálogo com as Teorias Sociais.
Esse diálogo se delineou na obra Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research (2003a),
quando o autor, ao propor a metodologia de análise, agrupou a prática discursiva com a prática social.
36
Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
Dessa forma, Fairclough (2003a) apresenta outra proposta de reformulação do quadro tridimensional,
que temos lido como uma nova abordagem, definida aqui como uma abordagem bidimensional, porque
o autor propõe que se investigue o texto naquilo que ele tem de interior e de exterior.
Outro ponto importante nessa relação bidimensional está ligado ao modelo metodológico
apresentado pelo autor. Esse modelo é constituído por categorias analíticas que foram sendo
desenhadas na obra por meio de duas orientações fundamentais: análise externa e análise interna dos
textos. Logo, o modelo de investigação apresentado nessa obra tem como proposta uma investigação
que parta do evento social, centrada na análise textual, por meio da distinção feita entre análise
externa e análise interna. Para o autor, a análise das relações externas dos textos é a análise de suas
relações com outros elementos:
• eventos sociais;
• práticas sociais;
• estruturas sociais;
Fazemos um adendo aqui para explicar que, em Language and Globalization (FAIRCLOUGH, 2006), os
eventos sociais, as práticas sociais e as estruturas sociais são apresentados como níveis de abstração da
análise social e devem ser contemplados por quem pretende investigar o tópico linguagem e globalização.
Para a análise interna, Fairclough (2003a) aponta alguns caminhos para realizar a investigação,
caminhos esses que se vinculam diretamente aos métodos de outras teorias, como a nova versão da ADC
para construção da abordagem transdisciplinar. Entre os caminhos vislumbrados, o que nos despertou
a atenção para o propósito de compreender a linguagem na globalização é tratado por Fairclough
(2003a), no capítulo 6, “Sentenças simples: tipos de troca, funções dos atos de fala e disposição da
gramática”1, no qual o autor apresenta as categorias para a análise de sentenças simples, relações de
trocas, disposição gramatical, argumentação e modalização.
1
CF. no original: “Clauses: types of exchange, speech functions and grammatical mood”.
37
Unidade I
Observação
O estudo dessa obra foi fundamental para a pesquisa da autora deste livro‑texto, tendo em vista que
as questões sobre um diálogo estreito da reconfiguração da linguagem e os aspectos da globalização
eram os pontos centrais para o trabalho, que resultou na tese de doutorado intitulada Reconfiguração
da Linguagem na Globalização: Investigação da linguagem On‑line (2007).
Saiba mais
Em Fairclough (2006) o autor estabelece uma nova versão da ADC, em construção, que contemplará
uma abordagem transdisciplinar ao tratar das questões da linguagem associada à economia política
cultural, à multissemiótica e à Teoria Social de Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant.
Na nova versão da ADC, Fairclough (2006) oferece o caminho a ser percorrido pelo pesquisador
que contempla a relação de linguagem e globalização. Segundo o autor, o estudo deve iniciar‑se pela
análise social e investigar os elementos da análise textual por meio dos três níveis de abstração que o
autor apresentou para a análise social, quais sejam: eventos sociais, práticas sociais e estruturas sociais.
Fairclough (2006) acrescenta, ainda, que cada um desses níveis apresenta um momento semiótico que
38
Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
está dialeticamente relacionado a outros momentos. Com o base na ideia proposta por Fairclough,
Ormundo (2007) formulou o esquema a seguir, para orientar a organização e o tratamento dos dados:
Análise social
(transdisciplinar)
Nível de abstração
Ao explicar os níveis e os momentos semióticos, conforme Fairclough (2006), temos o que segue.
• No nível do evento social: os textos são o elemento concreto que constitui o momento
semiótico desse nível. Segundo o autor, o texto resulta da relação dialética entre poder
causal de mais ou menos ordens do discurso estabilizadas, e o seu maior nível de abstração
é a linguagem. Consiste também no poder causal dos agentes sociais para agir e produzir
um “objeto” inovado potencialmente (no caso, textos) com determinados recursos e com
propósitos particulares.
• No nível da prática social: as ordens do discurso são o momento semiótico desse nível. As ordens
do discurso são constituídas como diferentes discursos, gêneros e estilos. Os agentes sociais
atraem (em lugar de simplesmente instanciar) ordens do discurso na produção de textos, mas
em caminhos potencialmente inovadores, com resultados também potencialmente inovadores.
Os textos são interdiscursivamente híbridos na medida em que eles combinam modos inovadores,
sendo a produção inovadora de textos a fonte da variação nos discursos, nos gêneros e nos estilos,
produzindo novos discursos híbridos, gêneros e estilos, os quais podem, sob certas condições, ser
selecionados, retidos e incorporados a ordens do discurso. Dessa forma, mudanças na ordem do
discurso são mudanças do momento semiótico nas relações entre prática social, instituição social
e organização social.
• No nível das estruturas sociais: a linguagem constitui o momento semiótico desse nível. A
forma pela qual as instituições e as organizações estabelecem códigos para a orientação dos
agentes no campo dá‑se por meio da linguagem, e é aqui que se aplicam os conceitos sobre
campo, habitus e ordem, os quais serão discutidos adiante, no diálogo com a teoria de Bourdieu
e Wacquant (2005).
39
Unidade I
Ao tratar do discurso e dos momentos da globalização, Fairclough (2006) discute várias posições da
literatura acadêmica sobre globalização e discurso como um elemento ou momento da globalização e
distingue quatro posições principais:
• objetivista;
• retórica;
• ideológica;
• construção social.
Para Fairclough (2006), o termo objetivista vem daquilo que Bourdieu e Wacquant (2005) utilizaram
ao adotar a globalização como processo objetivo simplificado no mundo real e que a ciência social tem
descrito em suas pesquisas; a retórica é vista como a representação da globalização e é usada para
legitimar as ações e as políticas com argumentos específicos; a ideologia implica níveis sistêmicos de
como os discursos contribuem para sustentar a dominância e a hegemonia de estratégias específicas,
de práticas e da luta social de quem as evoca e a quem as interessa servir; e a construção social está
associada ao posicionamento, ou seja, aos lugares que enfatizam as características da construção social
e da realidade social, bem como o significado do discurso na construção social.
O autor considera que essas posições podem distinguir‑se por meio de cinco modos principais sobre
a relação de discurso e de outros elementos ou “momentos” da globalização, em que o discurso pode:
• falsear e mistificar a globalização ao confundir e passar uma impressão enganosa sobre esse
conceito;
• ser usado retoricamente para projetar uma visão particular da globalização que pode justificar ou
legitimar as ações, políticas ou estratégias particulares de agências sociais e agentes;
• contribuir para a constituição, para a propagação e para a reprodução de ideologias que também
podem ser vistas como formas de mistificação, mas têm uma função sistêmica crucial ao sustentar
uma forma particular de globalização e de manter as desigualdades e injustiças nas relações de
poder nas quais são construídas;
• gerar representações imaginárias de como o mundo será ou deveria ser por meio de estratégias
de mudança que, se alcançarem a hegemonia, poderão ser operacionalizadas para transformar o
imaginário em realidade.
Esses efeitos do discurso podem, segundo o autor, vir separadamente ou combinados em textos
particulares.
40
Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
A dimensão do discurso como prática social recebe um enfoque diferente em Chouliaraki e Fairclough
(1999) e em Fairclough (2003a), não se tratando mais da exata correspondência entre prática social e
discurso. Este passa a ser considerado um dos momentos da prática social, ao lado de outros momentos
igualmente constitutivos. Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 6, tradução nossa)2 propõem
Para os autores, as práticas sociais são compostas por momentos de poder, por relações sociais, por
práticas materiais, por crenças, valores e desejos, por instituições sociais e pelo discurso. Chouliaraki e
Fairclough (1999, p. 21)3 definem que toda prática está vinculada à vida social e entendem as práticas
como “as maneiras habituais, em tempos e espaços particulares, pelas quais pessoas aplicam recursos –
materiais ou simbólicos – para agirem, conjuntamente, no mundo”.
Além de definirem as práticas sociais, Chouliaraki e Fairclough (1999), com base nos pressupostos do
realismo crítico, propõem os momentos constituintes de uma prática social:
• o discurso (semiose);
• a atividade material;
2
Cf. no original: “a dialectical view of the social process in which discourse is one ‘moment’ among six: discourse/
language; power; social relations; material practices; institutions/rituals; and beliefs/values/desires. Each moment
internalises all of the others – so that discourse is a form of power, a mode of formation of beliefs/values/desires, an
institution, a mode of social relating, a material practice. Conversely, power, social relations, material practices, institutions,
beliefs, etc. are in part discourse. The heterogeneity within each moment – including discourse – reflects its simultaneous
determination (‘overdetermination’) by all of the other moments” (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 6).
3
Cf. no original: “habitualised ways, tied to particular times and places, in which people apply resources (material
or symbolic) to act together in the world” (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 21).
41
Unidade I
Observação
Para os autores, as práticas sociais constituem‑se por meio de uma relação dialética em seus diversos
momentos, que deverão ser considerados nas análises feitas no âmbito da ADC. O discurso, nessa
orientação, influencia as demais práticas e é influenciado por elas, que se relacionam de forma articulada
e são internalizadas de maneira dialética. Será discursivo um momento de determinada prática social,
configurado por gêneros (modos de agir), discursos (modos de representar) e estilos (modos de ser),
conforme Fairclough (2003a).
Em Fairclough (1992, p. 94), a prática social é caracterizada como tendo “várias orientações –
econômica, política, cultural, ideológica – e o discurso está implicado em todas elas, sem que possam ser
reduzidas a qualquer uma dessas orientações do discurso”. O autor (1992, p. 117) acrescenta que a noção
de discurso como um dos momentos que formam as práticas sociais está voltada para os conceitos de
ideologia e de hegemonia, ambos tratados pela abordagem da Análise de Discurso Crítica sob a ótica
das relações de poder.
• materializa‑se nas práticas institucionais, em que se obtêm os materiais para pesquisar a ideologia;
• faz parte dos “aparelhos ideológicos de estado”, como locais e marcas delimitadoras da luta de
classes, referindo‑se à teoria de Althusser.
A noção de ideologia ocupa, assim, lugar privilegiado nos estudos da linguagem em ADC, que tem
interesse particular pela relação entre linguagem e poder, como já apontado por Wodak (2004, p. 236)
ao dizer que “a linguagem não é poderosa em si mesma – ela adquire poder pelo uso que os agentes
que detêm poder fazem dela”. Esse ponto é importante para a compreensão da reconfiguração da
linguagem em uma perspectiva transdisciplinar. A autora acrescenta ainda que o poder envolve relações
de diferença, particularmente, os efeitos dessas diferenças nas estruturas sociais.
A unidade permanente entre a linguagem e outras questões sociais garante que a linguagem esteja
entrelaçada com o poder social de várias maneiras: classifica o poder, expressa‑o e está presente onde há
42
Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
disputa e desafio ao poder. Este não surge da linguagem, mas ela pode ser usada para desafiar o poder,
subvertê‑lo e alterar sua distribuição a curto e a longo prazo. A linguagem constitui um meio articulado
com precisão para construir diferenças de poder nas estruturas sociais hierárquicas (WODAK, 2004).
A relação entre linguagem e poder que Wodak (2004) reitera aqui consiste em um dos elementos
fundamentais para compreender a reconfiguração da linguagem na sociedade globalizada e como a
linguagem se configura por meio dos avanços tecnológicos, tais como no ambiente on‑line, uma vez
que a Análise de Discurso Crítica se interessa em verificar como as formas linguísticas são usadas “em
várias expressões e manipulações de poder”. A autora acrescenta ainda que o poder “é sinalizado não
somente pelas formas gramaticais presentes em um texto, mas também pelo controle que uma pessoa
exerce sobre uma ocasião social através do gênero textual”. O gênero constitui‑se como o espaço em
que, associado a “certas ocasiões sociais”, o poder é exercido ou desafiado (WODAK, 2004, p. 237).
Para Fairclough (1992), não se deve privilegiar o caráter estável das inserções ideológicas. Antes,
deve‑se pautar o olhar crítico pelo projeto maior, o de transformação, uma vez que sua grande
contribuição está justamente no entendimento de que a mudança social também é possível por meio
da mudança discursiva.
O estudo da ideologia nos textos, embora, às vezes, não seja possível estabelecer localizações tão
pontuais (espaciais) da materialidade, pode ser feito por meio da análise das pressuposições, das
metáforas, da coerência, do estabelecimento das tomadas de turno, da polidez, enfim, da constituição
final dos sentidos do texto. Essas pressuposições foram sistematizadas na obra Analysing Discourse:
Textual Analysis for Social Research (FAIRCLOUGH, 2003a), com base em categorias analíticas.
Segundo Fairclough (1992, 1995), uma ordem de discurso, termo usado conforme o arcabouço
teórico de Foucault, pode ser o aspecto discursivo do equilíbrio contraditório e instável que constitui
uma hegemonia. O linguista acrescenta ainda que a articulação e a rearticulação de ordens de discurso
são, consequentemente, um marco delimitador da luta hegemônica. Fairclough (1992, 2003a) considera
que as diversas articulações e rearticulações das ordens do discurso podem ser consideradas aspectos
discursivos da luta hegemônica.
Nesse sentido, os processos de produção, distribuição e consumo textuais são elementos dessa mesma
luta, já que podem auxiliar nas transformações das ordens de discurso e, consequentemente, nas relações
sociais baseadas nas distribuições díspares de poder. A compreensão desse fato possibilita visualizar o
movimento da prática discursiva imbricando‑se na prática social, conforme apontado anteriormente.
Resumo
44
Análise de Discurso Crítica: Repercussão no Ensino
Figuras e ilustrações
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Figura 4
Figura 5
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