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Filosofia Integrada

Autora: Profa. Regina Rossetti


Colaboradores: Prof. Renato Bulcão
Profa. Ronilda Iyakemi Ribeiro

Professora conteudista: Regina Rossetti

Doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC‑SP), onde também se graduou em Filosofia. Docente do Programa de Pós‑Graduação em Comunicação da
Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Tem experiência na área de comunicação, com ênfase em epistemologia,
filosofia e teorias da comunicação. Atua na investigação interdisciplinar entre comunicação e filosofia contemporânea,
pesquisando os seguintes temas: comunicação e inovação, esfera pública, e comunicação de interesse público.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

R829f Rossetti, Regina.

Filosofia Integrada / Regina Rossetti. – São Paulo: Editora Sol, 2019.

112 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2-024/19, ISSN 1517-9230.

1. Origem da filosofia. 2. Mitologia e filosofia. 3. Filosofia


integrada. I. Título.

CDU 1

U500.40 – 19

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Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Ricardo Duarte
Elaine Pires

Sumário
Filosofia Integrada

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 O QUE É FILOSOFIA.............................................................................................................................................9
2 ORIGEM DA FILOSOFIA................................................................................................................................... 11
3 MITOLOGIA E FILOSOFIA................................................................................................................................ 17
4 INTEGRAÇÃO, SEGUNDO BERGSON......................................................................................................... 27
4.1 Concepção ontológica da realidade: o todo virtual................................................................ 31
4.2 Psique e linguagem: eu profundo e eu superficial.................................................................. 34
4.3 Interação social: Mead e Bergson................................................................................................... 36
4.4 Integração ontológica como condição da comunicação...................................................... 37
4.5 Itinerário epistemológico da comunicação: intuição pura, imagem
mediadora e linguagem............................................................................................................................. 40

Unidade II
5 FILOSOFIA INTEGRADA AO CINEMA......................................................................................................... 47
5.1 Platão e o cinema.................................................................................................................................. 47
5.2 Bergson e o mecanismo cinematográfico................................................................................... 49
5.3 Deleuze e a inversão cinematográfica.......................................................................................... 55
6 FILOSOFIA INTEGRADA À IMAGEM E AO SOM..................................................................................... 56
6.1 Bachelard e a comunicação poética.............................................................................................. 56
6.2 Nietzsche e a música........................................................................................................................... 62
6.3 Foucault e o discurso........................................................................................................................... 64
7 FILOSOFIA INTEGRADA À PSICOLOGIA.................................................................................................... 69
7.1 Intensidade dos estados psicológicos........................................................................................... 69
7.2 Natureza qualitativa dos estados psicológicos......................................................................... 87
7.3 Crítica ao determinismo psicológico............................................................................................. 92
8 TEMPO E ESPAÇO............................................................................................................................................. 95
8.1 Confusão entre tempo e espaço..................................................................................................... 95
8.2 Uma nova concepção de tempo..................................................................................................... 97
APRESENTAÇÃO

A filosofia examina a realidade, reflete sobre o pensamento, constrói conceitos. O objeto dela é não
só a realidade que nos circunda, aquilo que se chama de real, mas também o que imaginamos, isto é,
a realidade imaginada.

Animais, plantas, pedras e coisas fabricadas pelo homem são reais e podem ser investigados pela
filosofia. O mesmo pode ser feito com sonhos, mitos e ideias. Logo, tudo pode ser objeto do pensamento
humano. Nesse sentido, a filosofia se integra, por meio do pensamento, a cada uma das realidades
preexistentes ou criadas pelo homem.

Filosofar é indagar o que, como, onde, quando e por quê. Essas perguntas aplicam‑se a qualquer
coisa, a qualquer pessoa e a qualquer ideia. Mais do que o assunto da filosofia, interessa o método
filosófico, que é o método do questionamento.

O ensino da filosofia deve ser sempre crítico. O aluno precisa aprender a duvidar de tudo o que está diante
dele; a compreender a realidade a partir de uma postura questionadora; a não aceitar o que a sociedade,
a mídia, a família e os amigos lhe dizem sem antes perguntar‑se: “Mas será que as coisas são assim mesmo?
Será que meus ouvidos não estão me enganando? Será que as pessoas realmente sabem o que dizem?”.

A partir desse primeiro momento de questionamento, o aluno deve ir em busca de uma compreensão
mais aprofundada da realidade que o cerca.

INTRODUÇÃO

Inicialmente, veremos o conceito de filosofia, a origem da filosofia e a diferença entre filosofia e


mitologia. Depois, discutiremos o que é uma filosofia integrada. Faremos isso com base nos conceitos de
interação e integração do pensador francês Henri Bergson.

A seguir, examinaremos a relação entre comunicação e filosofia, apontando alguns momentos


em que a comunicação foi objeto de reflexão filosófica. A ideia é mostrar, na história do pensamento
ocidental, momentos em que filósofos se ocuparam do tema da comunicação, a fim de sugerir um
tratamento interdisciplinar de questões ligadas a essa área.

Depois, consideraremos a filosofia integrada à psicologia. Analisaremos o livro Ensaio sobre os


Dados Imediatos da Consciência, de Henri Bergson, em que se fala não do tempo em geral, mas do
tempo interno, vivido no interior da consciência. A abordagem partirá da análise crítica da psicologia
determinista da época de Bergson.

Neste livro‑texto, você encontrará ideias de diferentes autores sobre os assuntos discutidos, o que favorecerá
o desenvolvimento de seu senso crítico. Tenha em mente que o aprendizado de filosofia relaciona‑se a ler e
refletir sobre o que foi lido. Por esse motivo, é fundamental fazer todas as leituras recomendadas.

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FILOSOFIA INTEGRADA

Unidade I
1 O QUE É FILOSOFIA

A palavra filosofia é composta de dois termos gregos: philo, que significa “amizade”, “amor fraterno”,
e sophia, que quer dizer “sabedoria”. Exprime, portanto, amizade pela sabedoria, amor pelo saber. Filósofo é
aquele que ama a sabedoria, que deseja saber.

Atribui‑se ao filósofo grego Pitágoras de Samos (século VI a.C.) a invenção da palavra filosofia.
Ele teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem
desejá‑la ou amá‑la, tornando‑se filósofos.

Figura 1 – Pitágoras (c. 570 a.C‑490 a.C.)

A filosofia surge na Grécia Antiga, por volta do século VI a.C., como uma aspiração ao conhecimento
racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, das origens e causas do mundo, das ações
humanas e do próprio pensamento.

Em termos conceituais, a filosofia não é um conjunto de saberes ou um conjunto de conhecimentos;


é uma atitude diante do mundo; é tomar distância do cotidiano e interrogar a si mesmo, desejando
conhecer o porquê de crenças, sentimentos, ações e pensamentos; é buscar os motivos e razões
da realidade e da existência das coisas e das ideias. Segundo Marilena Chauí (2004, p. 17), uma
primeira resposta à pergunta “O que é filosofia?” poderia ser:

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Unidade I

A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos,


as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana;
jamais aceitá‑los sem antes havê‑los investigado e compreendido.

De acordo com a autora, a atitude filosófica é crítica, reflexiva e sistemática.

O aspecto crítico tem uma fase negativa e outra positiva. A fase negativa corresponde a dizer não ao
senso comum, aos pré‑conceitos, aos pré‑juízos, aos fatos e às ideias da experiência cotidiana. A fase positiva
diz respeito a interrogar o que são as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os comportamentos e os valores;
a questionar o porquê disso tudo e de nós mesmos. As indagações fundamentais da atitude filosófica são:

• O que é: a filosofia se interessa pela realidade (ou natureza) e pela significação de uma coisa, uma
ideia ou um valor.

• Como é: a filosofia procura a estrutura e as relações que constituem uma coisa, uma ideia ou um valor.

• Por que é como é: a filosofia investiga a origem (ou causa) de uma coisa, de uma ideia ou de um valor.

O aspecto reflexivo relaciona‑se ao debruçar‑se do pensamento sobre si mesmo. A filosofia realiza‑se


como reflexão.

Reflexão significa movimento de volta sobre si mesmo ou movimento de


retorno a si mesmo. A reflexão é o movimento pelo qual o pensamento
volta‑se para si mesmo, interrogando a si mesmo. A reflexão filosófica é
radical porque é um movimento de volta do pensamento sobre si mesmo
para conhecer‑se a si mesmo, para indagar como é possível o próprio
pensamento (CHAUÍ, 2004, p. 20).

O aspecto sistemático, por sua vez, mostra‑se no trabalho com enunciados precisos e rigorosos, na
busca de encadeamento lógico entre os enunciados, na operação com conceitos ou ideias obtidos por
procedimentos de demonstração e prova, na exigência de fundamentação racional do que é enunciado
e pensado. Somente assim a reflexão filosófica pode fazer com que a experiência cotidiana, as crenças e
as opiniões alcancem uma visão crítica de si mesmas.

Lembrete

Filosofar é interrogar o quê, o como e o porquê de uma coisa, uma ideia ou


um valor.

A filosofia tem várias definições. Chauí (2004) apresenta as seguintes:

• Visão de mundo: a filosofia corresponderia ao conjunto de ideias, valores e práticas pelos quais
uma sociedade apreende e compreende o mundo e a si mesma.
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FILOSOFIA INTEGRADA

• Sabedoria de vida: a filosofia seria identificada com a definição e a ação de algumas pessoas
que pensam sobre a vida moral, dedicando‑se à contemplação do mundo, para aprender com ele
a controlar e a dirigir a vida de modo ético e sábio.

• Concepção racional do universo: a filosofia se distinguiria da religião e até se oporia a ela.


Ambas considerariam o mesmo objeto, o universo, mas por métodos diferentes, a primeira pelo
esforço racional, e a segunda pela fé numa revelação divina.

• Fundamentação teórica e crítica de conhecimentos e práticas: a filosofia abordaria as


condições e os princípios do conhecimento que se pretende racional e verdadeiro; a origem,
a forma e o conteúdo dos valores éticos, políticos, artísticos e culturais; a compreensão das
causas e das formas da ilusão e do preconceito no plano individual e coletivo; as transformações
históricas dos conceitos, das ideias e dos valores.

2 ORIGEM DA FILOSOFIA

A fim de compreender o que é filosofia, temos que buscar sua origem. Para isso, são necessárias
algumas considerações gerais acerca do pensamento ocidental anterior a Sócrates, contexto em que
surge a filosofia. Visando apresentar o pano de fundo em que a filosofia se constitui, adotaremos uma
divisão entre sabedoria e filosofia, e consequentemente entre sábios e filósofos.

Observação

Sábios, aqui, são os pensadores pertencentes ao período do pensamento


grego denominado sabedoria. Não se faz qualquer referência aos sete sábios
da Antiguidade grega, os quais, segundo Jean‑Pierre Vernant (1973, p. 49),
não passam “de uma mistura de dados puramente lendários, de alusões
históricas, de sentenças políticas e de chavões morais”.

A filosofia antiga estende‑se do século VI a.C. ao século VI d.C. e compreende quatro grandes períodos
da filosofia greco‑romana:

• Período pré‑socrático: ocupa‑se da origem do mundo e das causas das transformações na natureza.

• Período socrático: investiga as questões humanas – a ética, a política e as técnicas –, ou seja,


é um período antropológico.

• Período sistemático: busca reunir e sistematizar o que foi pensado antes, interessando‑se em
mostrar que tudo pode ser objeto do conhecimento filosófico, desde que as leis do pensamento e
suas demonstrações estejam firmemente estabelecidas para oferecer os critérios da verdade e da
ciência. É o período de Platão e Aristóteles.

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Unidade I

• Período helenístico: aborda especialmente as questões da ética, do conhecimento humano e das


relações entre o ser humano e a natureza e de ambos com Deus, quando adentra o cristianismo.
Nesse período, encontram‑se as escolas epicurista, estoica, cínica e neoplatônica.

Sócrates, Platão e Aristóteles são os filósofos mais importantes e influentes do período antigo.

Figura 2 – A Escola de Atenas (1509‑1511), Rafael Sanzio

Os filósofos não são sábios; são amigos da sabedoria. Essa é a linha de interpretação de Giorgio Colli
(1996) acerca do nascimento da filosofia, baseada na perspectiva de Nietzsche sobre a origem da tragédia
grega, centrada na figura de dois deuses gregos: Dionísio e Apolo. De acordo com esse ponto de vista, quando
tratamos do pensamento anterior a Sócrates, estamos no domínio da sabedoria, fonte da qual posteriormente
surge a filosofia. Buscar as origens da filosofia grega, e portanto do pensamento ocidental, é ir ao encontro da
sabedoria, em cuja direção os amigos da sabedoria, isto é, os filósofos, olham com reverência.

Platão olha reverente o passado, um mundo em que existiram os verdadeiros


sábios. Por outro lado, a filosofia é apenas a continuação, um desenvolvimento da
forma literária introduzida por Platão. Ela surge como fenômeno de decadência,
na medida em que “amor à sabedoria” está mais abaixo da “sabedoria”
(COLLI, 1996, p. 9).

A passagem da sabedoria à filosofia é a passagem do pensamento envolto no enigma e no mistério para


um pensamento mais abstrato, racional e discursivo.

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FILOSOFIA INTEGRADA

Os ensinamentos da sabedoria, como as revelações dos mistérios, pretendem


transformar o homem no íntimo, elevá‑lo a uma condição superior, fazer
dele um ser único, quase um deus […]. [A sabedoria] exprime certamente o
segredo, formula‑o em palavras, mas o povo não pode apreender seu sentido
(VERNANT, 1973, p. 40‑41).

O pensamento enigmático é aquele que acena para a verdade através de um enigma que precisa ser
decifrado, numa intuição primordial e imediata daquele que sabe. O pensamento filosófico busca fundar‑se
no lógos, na palavra que é pensamento, no discurso. Isso não significa que sabedoria e filosofia sejam
antitéticas; são na verdade fases sucessivas do mesmo fenômeno fundamental da busca do conhecimento.

Se a origem da sabedoria grega está na mania, na exaltação pítica, numa


experiência mística e dos mistérios, então como se explica a passagem desse
fundo religioso para a elaboração de um pensamento abstrato, racional,
discursivo? (COLLI, 1996, p. 61).

Segundo Colli (1996), a passagem da sabedoria à filosofia aconteceu com o surgimento da dialética,
entendida como discussão racional, cuja primeira expressão são os diálogos de Platão. Nesse sentido,
a filosofia começa com Platão.

Lembrete

A filosofia antiga divide‑se em quatro grandes períodos: pré‑socrático,


socrático, sistemático e helenístico.

Os sábios que iniciaram no Ocidente o movimento que deu origem à filosofia tornaram‑se conhecidos
como pensadores pré‑socráticos. Todavia, não devemos enxergar neles um grupo homogêneo.
Antes, são pensadores com ideias distintas e intuições originais, que serviram de fonte para o pensamento
filosófico posterior.

Os pré‑socráticos constituíram, desde Aristóteles, o problema histórico e


o fundamento sistemático da filosofia ática clássica, isto é, o platonismo.
Nos últimos tempos, essa conexão histórica teve uma tendência a
passar a segundo plano devido ao desejo de compreender cada um
daqueles pensadores em si mesmo, na sua própria individualidade, como
filósofo original, assim destacando melhor sua verdadeira importância
(JAEGER, 1995, p. 191).

Como os pré‑socráticos não são um grupo coeso, não existe, a rigor, uma problemática filosófica
única, a questão filosófica pré‑socrática. Pensadores como Tales, Anaximandro e Pitágoras constituem,
na verdade, a fonte da problemática filosófica, que somente será posta pelos filósofos posteriores –
Aristóteles, por exemplo.

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Unidade I

Figura 3 – Retrato de vinte filósofos antigos (1825), J. W. Cook. De cima para baixo, da esquerda para a direita: Tales, Pítaco, Heráclito,
Zenão, Crísipo, Sócrates, Demócrito, Platão, Aristipo, Antístenes, Aristóteles, Aristômaco, Diógenes, Carnéades, Dionísio, Posidônio,
Sêneca, Apuleio, Apolônio e Rústico

O acesso às ideias dos pré‑socráticos é problemático por alguns motivos:

• Naquela fase da história, privilegiava‑se a transmissão oral em detrimento da escrita.

• Restaram apenas fragmentos de seus pensamentos, cujas lacunas permitem inúmeras


interpretações.

• A tradução do grego arcaico para línguas modernas pode gerar muitos desentendimentos.

Diante de tal cenário, se não podemos afirmar a fidedignidade do pensamento que se atribui a esses
sábios, podemos levantar questionamentos e suposições a respeito dele.

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FILOSOFIA INTEGRADA

Do contexto geral em que surge o movimento que dá origem ao pensar filosófico, destaca‑se
o ser que busca o saber, que parte espontaneamente do primado de sua própria existência, sem ao
menos questionar a razão da procura, a razão do que procura – sem questionar sua própria razão.
Nesse momento pré‑filosófico, o ser humano está no âmbito da sabedoria, do saber originário, no qual
perguntas acerca do conhecer ainda não foram propostas.

A questão sobre o que é o universo apresenta‑se naturalmente desde que o homem começa a refletir.
Por meio da observação e da especulação quanto ao que está em seu entorno, ele põe‑se a buscar aquilo
que há em todos os planos da natureza, isto é, põe‑se a buscar a essência das coisas.

Os primeiros a fazer isso voltaram‑se para o sentido do ser, indagando sobre o que é. Entre todas as
indagações, essa é espontaneamente a primeira, a mais original.

Assim, num primeiro momento, a totalidade do real, phýsis, foi vista


como cosmo, e portanto o problema filosófico por excelência foi o
problema cosmológico: como surge o cosmo? Qual o seu princípio?
Quais as fases e os momentos de sua geração? etc. É essa a problemática
que, essencial ou, pelo menos, prioritariamente, absorve toda a primeira
fase da filosofia grega (REALE, 1995, v. 1, p. 32).

Figura 4 – O Início da Ciência (1906), Veloso Salgado

O que perguntavam os primeiros filósofos

Por que os seres nascem e morrem? Por que os semelhantes dão origem aos semelhantes,
de uma árvore nasce outra árvore, de um cão nasce outro cão, de uma mulher nasce uma
criança? Por que os diferentes também parecem fazer surgir os diferentes: o dia parece fazer
nascer a noite, o inverno parece fazer surgir a primavera, um objeto escuro clareia com o
passar do tempo, um objeto claro escurece com o passar do tempo?

Por que tudo muda? A criança se torna adulta, amadurece, envelhece e desaparece.
A paisagem, cheia de flores na primavera, vai perdendo o verde e as cores no outono, até
ressecar‑se e retorcer‑se no inverno. Por que um dia luminoso e ensolarado, de céu azul

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Unidade I

e brisa suave, repentinamente, se torna sombrio, coberto de nuvens, varrido por ventos
furiosos, tomado pela tempestade, pelos raios e trovões?

Por que a doença invade os corpos, rouba‑lhes a cor, a força? Por que o alimento que
antes me agradava, agora, que estou doente, me causa repugnância? Por que o som da
música que antes me embalava, agora, que estou doente, parece um ruído insuportável?

Por que o que parecia uno se multiplica em tantos outros? De uma só árvore, quantas
flores e quantos frutos nascem! De uma só gata, quantos gatinhos nascem!

Por que as coisas se tornam opostas ao que eram? A água do copo, tão transparente e
de boa temperatura, torna‑se uma barra dura e gelada, deixa de ser líquida e transparente
para tornar‑se sólida e acinzentada. O dia, que começa frio e gelado, pouco a pouco, se
torna quente e cheio de calor.

Por que nada permanece idêntico a si mesmo? De onde vêm os seres? Para onde vão
quando desaparecem? Por que se transformam? Por que se diferenciam uns dos outros?
Mas também por que tudo parece repetir‑se? Depois do dia, a noite; depois da noite, o dia.
Depois do inverno, a primavera, depois da primavera, o verão, depois deste, o outono, e
depois deste, novamente o inverno. De dia, o sol; à noite, a lua e as estrelas. Na primavera,
o mar é tranquilo e propício à navegação; no inverno, tempestuoso e inimigo dos homens.
O calor leva as águas para o céu e as traz de volta pelas chuvas. Ninguém nasce adulto ou
velho, mas sempre criança, que se torna adulto e velho.

Foram perguntas como essas que os primeiros filósofos fizeram e para elas
buscaram respostas.

Sem dúvida, a religião, as tradições e os mitos explicavam todas essas coisas, mas suas
explicações já não satisfaziam aos que interrogavam sobre as causas da mudança, da
permanência, da repetição, da desaparição e do ressurgimento de todos os seres. Haviam
perdido força explicativa, não convenciam nem satisfaziam a quem desejava conhecer a
verdade sobre o mundo.

Fonte: Chauí (2004).

Saiba mais

O diretor Roberto Rossellini retratou muito bem a origem da filosofia


como um exercício de indagar. Confira:

SÓCRATES. Dir. Roberto Rossellini. Itália; França; Espanha: Orizzonte


2000; RAI; ORTF; TVE, 1971. 120 minutos.

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FILOSOFIA INTEGRADA

3 MITOLOGIA E FILOSOFIA

Neste capítulo, vamos realizar a leitura de trechos do livro Convite à Filosofia, de Marilena Chauí.
No primeiro deles, apresentado a seguir, a autora discorre sobre o nascimento da filosofia.

O nascimento da filosofia

Os historiadores da filosofia dizem que ela tem data e local de nascimento: final do século
VII e início do século VI antes de Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor (particularmente
as que formavam uma região denominada Jônia), na cidade de Mileto. O primeiro filósofo
foi Tales de Mileto.

Além de ter data e local de nascimento e de ter seu primeiro autor, a filosofia também tem
um conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmologia. A palavra cosmologia é composta de duas
outras: cosmos, que significa “mundo ordenado e organizado”, e logia, que vem da palavra lógos,
que significa “pensamento racional”, “discurso racional”, “conhecimento”. Assim, a filosofia nasce
como conhecimento racional da ordem do mundo ou da natureza, donde, cosmologia.

Apesar da segurança desses dados, existe um problema que, durante séculos, vem
ocupando os historiadores da filosofia: o de saber se a filosofia – que é um fato especificamente
grego – nasceu por si mesma ou dependeu de contribuições da sabedoria oriental (egípcios,
assírios, persas, caldeus, babilônios) e da sabedoria de civilizações que antecederam à grega,
na região que, antes de ser a Grécia ou a Hélade, abrigara as civilizações de Creta, Minos,
Tirento e Micenas.

Durante muito tempo, considerou‑se que a filosofia nascera por transformações


que os gregos operaram na sabedoria oriental (egípcia, persa, caldeia e babilônica).
Assim, filósofos como Platão e Aristóteles afirmavam a origem oriental da filosofia.
Os gregos, diziam eles, povo comerciante e navegante, descobriram, através das viagens, a
agrimensura dos egípcios (usada para medir as terras, após as cheias do Nilo), a astrologia
dos caldeus e dos babilônios (usada para prever grandes guerras, subida e queda de reis,
catástrofes como peste, fome e furacões), as genealogias dos persas (usadas para dar
continuidade às linhagens e dinastias dos governantes), os mistérios religiosos orientais
referentes aos rituais de purificação da alma (para livrá‑la da reencarnação contínua e
garantir‑lhe o descanso eterno) etc. A filosofia teria nascido pelas transformações que os
gregos impuseram a esses conhecimentos.

Dessa forma, da agrimensura, os gregos fizeram nascer duas ciências: a aritmética


e a geometria; da astrologia, fizeram surgir também duas ciências: a astronomia e a
meteorologia; das genealogias, fizeram surgir mais outra ciência: a história; dos mistérios
religiosos de purificação da alma, fizeram surgir as teorias filosóficas sobre a natureza e o
destino da alma humana.

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Unidade I

Todos esses conhecimentos teriam propiciado o aparecimento da filosofia, isto é, da


cosmologia, de sorte que a filosofia só teria podido nascer graças à sabedoria oriental.

Essa ideia de uma filiação oriental da filosofia foi muito defendida oito séculos depois de
seu nascimento (durante os séculos II e III depois de Cristo), no período do Império Romano.
Quem a defendia? Os pensadores judaicos, como Filo de Alexandria, e os Padres da Igreja,
como Eusébio de Cesareia e Clemente de Alexandria.

Por que defendiam a origem oriental da filosofia grega? Pelo seguinte motivo: a filosofia
grega tornara‑se, em toda a Antiguidade clássica, e para os poderosos da época, os romanos,
a forma superior ou mais elevada do pensamento e da moral.

Os judeus, para valorizar seu pensamento, desejavam que a filosofia tivesse uma origem
oriental, dizendo que o pensamento de filósofos importantes, como Platão, tinha surgido no
Egito, onde se originara o pensamento de Moisés, de modo que haveria uma ligação entre
a filosofia grega e a Bíblia.

Os Padres da Igreja, por sua vez, queriam mostrar que os ensinamentos de Jesus eram
elevados e perfeitos, não eram superstição, nem primitivos e incultos, e por isso diziam que
os filósofos gregos estavam filiados a correntes do pensamento místico e oriental e, dessa
maneira, próximos do cristianismo, que é uma religião oriental.

No entanto, nem todos aceitaram a tese chamada orientalista, e muitos, sobretudo no


século XIX da nossa era, passaram a falar na filosofia como o milagre grego.

Com a palavra milagre, queriam dizer várias coisas:

• que a filosofia surgiu inesperada e espantosamente na Grécia, sem que nada anterior
a preparasse;

• que a filosofia grega foi um acontecimento espontâneo, único e sem par, como é
próprio de um milagre;

• que os gregos foram um povo excepcional, sem nenhum outro semelhante a eles,
nem antes nem depois deles, e por isso somente eles poderiam ter sido capazes de
criar a filosofia.

O pensamento filosófico em seu nascimento tinha como traços principais:

• Tendência à racionalidade, isto é, a razão e somente a razão, com seus princípios e


regras, é o critério de explicação de alguma coisa.

• Tendência a oferecer respostas conclusivas para os problemas, isto é, colocado


um problema, sua solução é submetida à análise, à crítica, à discussão e
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FILOSOFIA INTEGRADA

à demonstração, nunca sendo aceita como verdade se não for provado


racionalmente que é verdadeira.

• Exigência de que o pensamento apresente suas regras de funcionamento, isto é, o


filósofo é aquele que justifica suas ideias, provando que segue regras universais do
pensamento. Para os gregos, é uma lei universal do pensamento que a contradição
indica erro ou falsidade. Uma contradição acontece quando afirmo e nego a mesma
coisa sobre uma mesma coisa (por exemplo: “Pedro é um menino, e não um menino”,
“A noite é escura e clara”, “O infinito não tem limites e é limitado”). Assim, quando uma
contradição aparecer numa exposição filosófica, ela deverá ser considerada falsa.

• Recusa de explicações preestabelecidas e, portanto, exigência de que, para cada


problema, seja investigada e encontrada a solução própria exigida por ele.

• Tendência à generalização, isto é, mostrar que uma explicação tem validade para
muitas coisas diferentes, porque, sob a variação percebida pelos órgãos de nossos
sentidos, o pensamento descobre semelhanças e identidades.

Por exemplo, para meus olhos, meu tato e meu olfato, o gelo é diferente da neblina,
que é diferente do vapor de uma chaleira, que é diferente da chuva, que é diferente da
correnteza de um rio. No entanto, o pensamento mostra que se trata sempre de um mesmo
elemento (a água), passando por diferentes estados e formas (líquido, sólido, gasoso), por
causas naturais diferentes (condensação, liquefação, evaporação).

Reunindo semelhanças, o pensamento conclui que se trata de uma mesma coisa que
aparece para nossos sentidos de maneiras diferentes, e como se fosse coisas diferentes.
O pensamento generaliza porque abstrai (isto é, separa e reúne os traços semelhantes), ou
seja, realiza uma síntese.

E o contrário também ocorre. Muitas vezes nossos órgãos dos sentidos nos fazem
perceber coisas diferentes como se fossem a mesma coisa, e o pensamento demonstrará
que se trata de uma coisa diferente sob a aparência da semelhança.

No ano de 1992, no Brasil, jovens estudantes pintaram a cara com as cores da bandeira
nacional e saíram às ruas para exigir o impedimento do presidente da República.

Logo depois, candidatos a prefeituras municipais contrataram jovens para aparecer na


televisão com a cara pintada, defendendo tais candidaturas. A seguir, as Forças Armadas
brasileiras, para persuadir jovens a servi‑las, contrataram jovens caras‑pintadas para aparecer
como soldados, marinheiros e aviadores. Ao mesmo tempo, várias empresas, pretendendo
vender seus produtos aos jovens, contrataram artistas jovens para, de cara pintada, fazer a
propaganda de seus produtos.

19
Unidade I

Aparentemente, teríamos sempre a mesma coisa – os jovens rebeldes e conscientes, de


cara pintada, símbolo da esperança do País. No entanto, o pensamento pode mostrar que,
sob a aparência da semelhança percebida, estão diferenças, pois os primeiros caras‑pintadas
fizeram um movimento político espontâneo, os segundos fizeram propaganda política para
um candidato (e receberam para isso), os terceiros tentaram ajudar as Forças Armadas a
aparecer como divertidas e juvenis, e os últimos, mediante remuneração, estavam transferindo
para produtos industriais (roupas, calçados, vídeos, margarinas, discos, iogurtes) um símbolo
político inteiramente despolitizado e sem nenhuma relação com sua origem.

Separando as diferenças, o pensamento realiza, nesse caso, uma análise.

Fonte: Chauí (2004).

A filosofia é racional e sucede outra forma de compreender o mundo: o pensamento mitológico.


O mito é uma narrativa sobre a origem de algo. Por exemplo, o mito de Eros (ou Cupido, para os
romanos) apresenta a origem do amor. A mitologia existe em qualquer cultura. Há mitos europeus,
asiáticos, africanos, indígenas etc. A mitologia também se relaciona à religião. Disso decorrem várias
histórias sobre a origem do mundo e da humanidade. Nesse sentido, a narrativa judaico‑cristã sobre a
origem da humanidade, com Adão e Eva, pode ser considerada mitológica do ponto de vista filosófico.

O mito não significa uma interpretação falsa ou mentirosa da realidade. É apenas outro modo de
explicá‑la, fazendo uso de relatos sobre seres divinos e realidades supranaturais.

Figura 5 – Júpiter acompanhado pela Justiça e pela Piedade (c. 1671), Noël Coypel

No fragmento de Convite à Filosofia exposto a seguir, Marilena Chauí aborda especificamente a


questão do mito.
20
FILOSOFIA INTEGRADA

Mito e filosofia

Resolvido esse problema, temos agora outro que também tem ocupado muito os
estudiosos. O novo problema pode ser assim formulado: a filosofia nasceu realizando uma
transformação gradual dos mitos gregos ou nasceu por uma ruptura radical com os mitos?

O que é um mito?

Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos
homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde
e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do poder etc.).

A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: de mytheyo (contar,
narrar, falar alguma coisa para outros) e mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear,
designar). Para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que
recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que narra; é uma narrativa
feita em público, baseada portanto na autoridade e na confiabilidade da pessoa do narrador.
Essa autoridade vem do fato de que ele ou testemunhou diretamente o que está narrando,
ou recebeu a narrativa de quem testemunhou os acontecimentos narrados.

Quem narra o mito? O poeta‑rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade? Acredita‑se
que o poeta seja um escolhido dos deuses, que lhe mostram os acontecimentos passados
e permitem que ele veja a origem de todos os seres e de todas as coisas para que possa
transmiti‑la aos ouvintes. Sua palavra – o mito – é sagrada porque vem de uma revelação
divina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável.

Como o mito narra a origem do mundo e de tudo o que nele existe?

De três maneiras principais:

• Encontrando o pai e a mãe das coisas e dos seres, isto é, tudo o que existe decorre
de relações sexuais entre forças divinas pessoais. Essas relações geram os demais
deuses, os titãs (seres semi‑humanos e semidivinos), os heróis (filhos de um deus
com uma humana ou de uma deusa com um humano), os humanos, os metais, as
plantas, os animais, as qualidades (como quente e frio, seco e úmido, claro e escuro,
bom e mau, justo e injusto, belo e feio, certo e errado) etc.

A narração da origem é, assim, uma genealogia, isto é, uma narrativa da geração dos
seres, das coisas, das qualidades, por outros seres, que são seus pais ou antepassados.

Tomemos um exemplo de narrativa mítica.

Observando que as pessoas apaixonadas estão sempre cheias de ansiedade e de


plenitude, inventam mil expedientes para estar com a pessoa amada ou para seduzi‑la e
21
Unidade I

também serem amadas, o mito narra a origem do amor, isto é, o nascimento do deus Eros
(que conhecemos mais com o nome de Cupido).

Houve uma grande festa entre os deuses. Todos foram convidados, menos a deusa Penúria,
sempre miserável e faminta. Quando a festa acabou, Penúria veio, comeu os restos e dormiu com o
deus Poros (o astuto engenhoso). Dessa relação sexual nasceu Eros (ou Cupido), que, como sua mãe,
está sempre faminto, sedento e miserável, mas, como seu pai, tem mil astúcias para se satisfazer
e se fazer amado. Por isso, quando Eros fere alguém com sua flecha, esse alguém se apaixona e
logo se sente faminto e sedento de amor, inventa astúcias para ser amado e satisfeito, ficando ora
maltrapilho e semimorto, ora rico e cheio de vida.

• Encontrando uma rivalidade ou uma aliança entre os deuses que faz surgir alguma
coisa no mundo. Nesse caso, o mito narra ou uma guerra entre as forças divinas, ou
uma aliança entre elas para provocar alguma coisa no mundo dos homens.

O poeta Homero, na Ilíada, que narra a guerra de Troia, explica por que, em certas
batalhas, os troianos eram vitoriosos e, em outras, a vitória cabia aos gregos. Os deuses
estavam divididos, alguns a favor de um lado e outros a favor do outro. A cada vez, o rei dos
deuses, Zeus, ficava com um dos partidos, aliava‑se com um grupo e fazia um dos lados – ou
os troianos, ou os gregos – vencer uma batalha.

A causa da guerra, aliás, foi uma rivalidade entre as deusas. Elas apareceram em sonho
para o príncipe troiano Páris, oferecendo a ele seus dons, e ele escolheu a deusa do amor,
Afrodite. As outras deusas, enciumadas, o fizeram raptar a grega Helena, mulher do general
grego Menelau, e isso deu início à guerra entre os humanos.

• Encontrando as recompensas ou os castigos que os deuses dão a quem os desobedece


ou a quem os obedece.

Como o mito narra, por exemplo, o uso do fogo pelos homens? Para os homens,
o fogo é essencial. Com ele, diferenciam‑se dos animais, porque tanto passam a cozinhar os
alimentos, a iluminar os caminhos na noite, a se aquecer no inverno quanto podem fabricar
instrumentos de metal para o trabalho e para a guerra.

Um titã, Prometeu, mais amigo dos homens que dos deuses, roubou uma centelha de
fogo e a trouxe de presente para os humanos. Prometeu foi castigado (amarrado num
rochedo para que as aves de rapina, eternamente, devorassem seu fígado) e os homens
também. Qual foi o castigo dos homens?

Os deuses fizeram uma mulher encantadora, Pandora, a quem foi entregue uma caixa
que conteria coisas maravilhosas, mas nunca deveria ser aberta. Pandora foi enviada aos
humanos e, cheia de curiosidade e querendo dar a eles as maravilhas, abriu a caixa. Dela
saíram todas as desgraças, doenças, pestes, guerras e, sobretudo, a morte. Explica‑se, assim,
a origem dos males no mundo.
22
FILOSOFIA INTEGRADA

Vemos, portanto, que o mito narra a origem das coisas por meio de lutas, alianças e relações
sexuais entre forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens. Como os
mitos sobre a origem do mundo são genealogias, diz‑se que são cosmogonias e teogonias.

O termo gonia vem de duas palavras gregas: do verbo gennao (engendrar, gerar, fazer
nascer e crescer) e do substantivo genos (nascimento, gênese, descendência, gênero, espécie).
Portanto, quer dizer “geração”, “nascimento a partir da concepção sexual e do parto”.
Cosmos, como já vimos, quer dizer “mundo ordenado e organizado”. Assim, cosmogonia é
a narrativa sobre o nascimento e a organização do mundo, a partir de forças geradoras (pai
e mãe) divinas.

Teogonia é uma palavra composta de theós, que em grego significa “coisas divinas”,
“seres divinos”, “deuses”. A teogonia é, portanto, a narrativa da origem dos deuses, a partir
de seus pais e antepassados.

Qual é a pergunta dos estudiosos? É a seguinte: a filosofia, ao nascer, é, como já dissemos,


uma cosmologia, uma explicação racional sobre a origem do mundo e sobre as causas das
transformações e repetições das coisas; para isso, ela nasce de uma transformação gradual
dos mitos ou de uma ruptura radical com os mitos? Continua ou rompe com a cosmogonia
e a teogonia?

Duas foram as respostas dadas.

A primeira delas foi dada nos fins do século XIX e no começo do século XX, quando reinava
um grande otimismo sobre os poderes científicos e as capacidades técnicas do homem.
Dizia‑se, então, que a filosofia nasceu por uma ruptura radical com os mitos, sendo a primeira
explicação científica da realidade produzida pelo Ocidente.

A segunda resposta foi dada a partir de meados do século XX, quando os estudos dos
antropólogos e dos historiadores mostraram a importância dos mitos na organização social
e cultural das sociedades e como os mitos estão profundamente entranhados nos modos de
pensar e de sentir de uma sociedade. Por isso, dizia‑se que os gregos, como qualquer outro
povo, acreditavam em seus mitos e que a filosofia nasceu, vagarosa e gradualmente, do
interior dos próprios mitos, como uma racionalização deles.

Atualmente consideram‑se as duas respostas exageradas e afirma‑se que a filosofia, percebendo


as contradições e limitações dos mitos, foi reformulando e racionalizando as narrativas míticas,
transformando‑as em outra coisa, numa explicação inteiramente nova e diferente.

Quais são as diferenças entre filosofia e mito? Podemos apontar três como as mais
importantes:

• O mito pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado imemorial,
longínquo e fabuloso, voltando‑se para o que era antes que tudo existisse tal
23
Unidade I

como existe no presente. A filosofia, ao contrário, se preocupa em explicar como


e por que, no passado, no presente e no futuro (isto é, na totalidade do tempo),
as coisas são como são.

• O mito narrava a origem através de genealogias e rivalidades ou alianças entre forças


divinas sobrenaturais e personalizadas, enquanto a filosofia, ao contrário, explica a
produção natural das coisas por elementos e causas naturais e impessoais. O mito
falava em Urano, Ponto e Gaia; a filosofia fala em céu, mar e terra. O mito narra a
origem dos seres celestes (astros), terrestres (plantas, animais, homens) e marinhos
pelos casamentos de Gaia com Urano e Ponto. A filosofia explica o surgimento desses
seres por composição, combinação e separação dos quatro elementos ‑ úmido, seco,
quente e frio, ou água, terra, fogo e ar.

• O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e o incompreensível,


não só porque esses eram traços próprios da narrativa mítica como também
porque a confiança e a crença no mito vinham da autoridade religiosa do
narrador. A filosofia, ao contrário, não admite contradições, fabulação e coisas
incompreensíveis, mas exige que a explicação seja coerente, lógica e racional; além
disso, a autoridade da explicação não vem da pessoa do filósofo, mas da razão, que
é a mesma em todos os seres humanos.

Fonte: Chauí (2004).

Figura 6 – Pandora (1896), John William Waterhouse

24
FILOSOFIA INTEGRADA

Ao contrário do mito, a filosofia é temporal, ou seja, está no tempo, tem uma história. Na sequência,
vamos ver quais foram as condições históricas concretas que deram origem à filosofia na Grécia Antiga.

Condições históricas para o surgimento da filosofia

Resolvido esse problema, temos ainda um último a solucionar: o que tornou possível
o surgimento da filosofia na Grécia no final do século VII e no início do século VI antes de
Cristo? Quais as condições materiais, isto é, econômicas, sociais, políticas e históricas, que
permitiram o surgimento da filosofia?

Podemos apontar como principais condições históricas para o surgimento da filosofia


na Grécia:

• Viagens marítimas: permitiram aos gregos descobrir que os locais que os mitos
diziam habitados por deuses, titãs e heróis eram, na verdade, habitados por outros seres
humanos, e que as regiões dos mares que os mitos diziam habitados por monstros e
seres fabulosos não tinham nem monstros nem seres fabulosos. As viagens produziram
o desencantamento ou a desmistificação do mundo, que passou assim a exigir uma
explicação sobre sua origem, explicação que o mito já não podia oferecer.

• Invenção do calendário: é uma forma de calcular o tempo segundo as estações


do ano, as horas do dia, os fatos importantes que se repetem, revelando, com isso,
uma capacidade de abstração nova, ou uma percepção do tempo como algo natural,
e não como um poder divino incompreensível.

• Invenção da moeda: permitiu uma forma de troca que não se realiza através das
coisas concretas ou dos objetos concretos trocados por semelhança, mas uma troca
abstrata, uma troca feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas diferentes,
revelando, portanto, uma nova capacidade de abstração e de generalização.

• Surgimento da vida urbana: com predomínio do comércio e do artesanato, dando


desenvolvimento a técnicas de fabricação e de troca, e diminuindo o prestígio das
famílias da aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os mitos
foram criados. Além disso, o surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que
precisava encontrar pontos de poder e de prestígio para suplantar o velho poderio da
aristocracia de terras e de sangue (as linhagens constituídas pelas famílias), fez com
que se procurasse o prestígio pelo patrocínio e o estímulo às artes, às técnicas e aos
conhecimentos, favorecendo um ambiente em que a filosofia poderia surgir.

• Invenção da escrita alfabética: como a do calendário e a da moeda, revela o


crescimento da capacidade de abstração e de generalização, uma vez que a escrita
alfabética ou fonética, diferentemente de outras escritas – como os hieróglifos dos
egípcios ou os ideogramas dos chineses –, supõe que não se represente uma imagem
da coisa que está sendo dita, mas a ideia dela, o que dela se pensa e se transcreve.
25
Unidade I

• Invenção da política: introduz três aspectos novos e decisivos para o nascimento


da filosofia:

— A ideia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana, que


decide por si mesma o que é melhor para si e como ela definirá suas relações
internas. O aspecto legislado e regulado da cidade – da pólis – servirá de modelo
para a filosofia propor o aspecto legislado, regulado e ordenado do mundo como
um mundo racional.

— O surgimento de um espaço público, que faz aparecer um novo tipo de palavra


ou de discurso, diferente daquele que era proferido pelo mito. Neste, um
poeta‑vidente, que recebia das deusas ligadas à memória (a deusa Mnemosine,
mãe das Musas, que guiavam o poeta) uma iluminação misteriosa ou uma
revelação sobrenatural, dizia aos homens quais eram as decisões dos deuses que
eles deveriam obedecer.

Agora, com a pólis, isto é, a cidade política, surge a palavra como direito de cada
cidadão de emitir em público sua opinião, discuti‑la com os outros, persuadi‑los a
tomar uma decisão proposta por ele, de tal modo que surge o discurso político como
palavra humana compartilhada, como diálogo, discussão e deliberação humana, isto é,
como decisão racional e exposição dos motivos ou das razões para fazer ou não fazer
alguma coisa.

A política, valorizando o humano, o pensamento, a discussão, a persuasão e a decisão


racional, valorizou o pensamento racional e criou condições para que surgisse o discurso ou
a palavra filosófica.

— Apolíticaestimulaumpensamentoeumdiscursoquenãoprocuramserformuladospor
seitas secretas de iniciados em mistérios sagrados, mas que procuram, ao contrário, ser
públicos,ensinados,transmitidos,comunicadosediscutidos.Aideiadeumpensamento
que todos podem compreender, comunicar e transmitir é fundamental para
a filosofia.

Fonte: Chauí (2004).

Lembrete

A filosofia surgiu a partir de condições históricas específicas da Grécia


Antiga. Não se trata de acaso ou milagre, mas do despertar do espírito de
indagação em condições propícias para a discussão de ideias.

26
FILOSOFIA INTEGRADA

4 INTEGRAÇÃO, SEGUNDO BERGSON

Interação e integração são tópicos tratados pelo filósofo francês contemporâneo Henri Bergson.
Na visão dele, interação e integração são movimentos opostos e essenciais da própria realidade, que
implicam concepções diferentes de comunicação: uma social e outra intuitiva.

Figura 7 – Henri Bergson (1859‑1941)

Tudo está integrado a tudo, e essa base ontológica leva a uma tendência natural no ser humano de
agir no sentido da interação com o outro e com o mundo. Essa tendência impele o homem a buscar,
constantemente, novas formas de interação, novos modos de estar junto, novas tecnologias que
facilitem e intensifiquem a comunicação no âmbito social.

Integração e interação acontecem em dois planos: um mais profundo e metafísico, e outro mais
superficial e social.

No nível profundo e interno da existência, há uma integração ontológica total, que somente pode
ser alcançada por um esforço da intuição, da qual a linguagem não faz parte. Nesse plano profundo da
realidade, em que os seres já se encontram comunicados, não é necessária uma ação comunicativa que
gere interação.

No movimento oposto, porém, no sentido da exteriorização, quanto mais se emerge rumo à superfície,
mais fraturas e separações surgem na integração, antes coesa e absoluta. Esse processo de exteriorização
e aparente separação do todo provoca no ser humano um sentimento de estranhamento e inadequação,
que força uma tendência quase irresistível de retorno à integração primordial. Entretanto, quando já se
está no plano da superfície e da sociabilidade, a interação com vistas à integração somente é possível
por meio da linguagem. A comunicação com o outro é um movimento natural no ser humano, que
busca suturar a fratura ocorrida no processo de materialização e espacialização das relações.
27
Unidade I

Antes de tratar especificamente do tema da integração, é importante retomar alguns marcos


fundamentais do pensamento bergsoniano. Para isso, leia a seguinte entrevista concedida pelo filósofo
francês Pierre Montebello, estudioso da obra de Bergson, à Revista do Instituto Humanitas Unisinos.

Bergsonismo, uma filosofia do futuro, do tempo, da transformação

IHU: Quais são os aspectos mais atuais da filosofia bergsoniana?

PM: O melhor representante da modernidade da filosofia de Bergson terá sido, sem dúvida,
o filósofo francês Gilles Deleuze. Ele nos fez redescobrir Bergson, de cuja filosofia tirou o mais
interessante e moderno: uma compreensão da relação entre consciência e universo, entre
percepção subjetiva e cosmo. Bergson faz‑nos entrever nossa participação num movimento
criador do universo, do qual não somos nem a origem nem o fim. Essa ideia de um universo
aberto, criador, que em nada corresponde àquele que a metafísica grega ou clássica descreveu,
exerce hoje uma grande influência. O bergsonismo é uma filosofia do futuro, do tempo, da
transformação. Outra ideia é de que a filosofia não deve abandonar a ontologia, de que ela
não deve contentar‑se com a fenomenologia, que só descreve o mundo a partir da consciência
humana, mas que é preciso tentar descrever o mundo tal como ele é e tentar captar de que
modo matéria, vida e consciência se comunicam fora de nós.

IHU: Quanto à obra A Evolução Criadora, qual é sua representatividade na filosofia


contemporânea, cem anos após sua publicação?

PM: Cem anos após sua publicação, A Evolução Criadora continua sendo um livro
realmente assombroso. Ele é hoje relido e estimado em seu justo valor. Esse livro deslocou
integralmente o questionamento filosófico. Depois que a filosofia de Husserl e de Heidegger
dominou o cenário francês, nós nos damos conta de que esse livro trouxe algo totalmente
novo. Ele é um dos raros livros de filosofia contemporânea que retoma as grandes questões
deixadas em suspenso após a crítica kantiana da metafísica: a psicologia, a biologia,
a cosmologia etc. Esse livro não se contenta em dizer que o eu, a vida, o cosmo são
incognoscíveis. Essa filosofia traça um caminho, o mais próximo possível da experiência
que temos de nós mesmos e do conhecimento que as ciências nos trazem, para desenhar
uma imagem plausível do que quer dizer consciência, vida, matéria, universo, evolução
etc. É um livro riquíssimo. Deve‑se comparar essa obra ao grande livro de Schopenhauer,
O Mundo como Vontade e como Representação. São duas trovoadas no céu das ideias, dois
questionamentos da visão demasiado intelectualista que a filosofia nos deu do mundo.

IHU: Quanto ao conceito bergsoniano de intuição, qual é sua relevância para que
possamos entender o livre‑arbítrio?

PM: A intuição bergsoniana é um método. Ela consiste em situar‑nos no próprio


movimento das coisas, em pensar em duração quando temos tendência a forjar conceitos
demasiado estáticos. A intuição opõe‑se à inteligência. Não que a inteligência seja inútil.
Ela serve para fabricar. É principalmente geométrica, técnica. O mundo tecnológico é sua obra.
28
FILOSOFIA INTEGRADA

A intuição, porém, não serve para agir, mas para compreender. Não se compreende nada da
vida quando se pensa através de conceitos que são destinados a agir sobre a matéria (conceitos
matemático‑físicos). É preciso partir da intuição, da experiência de ser vivo, do movimento da
própria vida. E isso vale para todas as coisas. A intuição é, pois, um método de conhecimento,
e também de libertação, já que sem ela somos condenados a viver apenas num mundo útil.
Ora, a intuição nos desvela que o movimento das coisas é criador: o universo é um movimento
de expansão, a vida é uma evolução criadora, a personalidade psíquica consiste em produzir atos
livres. É esse plano criador que a intuição nos faz encontrar.

IHU: Como pode a filosofia desse pensador ajudar‑nos a repensar a liberdade e a


eticidade no mundo contemporâneo?

PM: Repensar a liberdade e a ética hoje em dia é pôr o mundo ante o homem, e não o
homem ante o mundo. Os desastres de nossos dias vêm daquilo que Espinosa viu tão
bem: o homem se crê um imperador num império. Mas o homem não é o centro de nada.
Seu passado e seu futuro são o próprio universo. A filosofia, diz Bergson, deveria ser um
esforço para superar a condição humana. Bergson nos faz compreender que somos nós
que pertencemos a um todo, e não o contrário. Essa tomada de consciência é fundamental.
Ela nos convida a reconsiderar nosso lugar no seio do todo, do universo e dos viventes.
A filosofia de Hans Jonas prolonga essa reflexão, sem no entanto conhecer ou citar Bergson.

IHU: Se, como afirmava Bergson, o que existe é não o tempo real, mas um continuum
de tempo num fluxo constante, então o que existe são mecanismos mentais que
compartimentam nossas experiências sensoriais? Ao tomar consciência disso, como pode o
ser humano ter sua consciência afetada?

PM: O tempo real existe para Bergson. Sua filosofia é uma filosofia da duração e, por
conseguinte, do tempo. Mas não é o tempo da física, não é um tempo matematizado e
dividido em instantes. É um movimento contínuo, que traz o passado e gera o futuro no
presente. Todas as coisas são ritmos de duração, matéria, vida, consciência, maneiras de
gerar um futuro no presente recolhendo o passado. Mesmo a matéria, que parece ser pura
repetição, é um movimento contínuo de expansão, uma transformação, uma evolução
cósmica. Creio que a física não pode contestá‑lo, ela que delineia uma história do cosmo
a partir do big bang. O tempo é, pois, a própria realidade, o próprio estofo das coisas e do
mundo. A filosofia de Bergson, como a de Heidegger, faz o tempo passar ao primeiro plano.
Ela recusa o substancialismo, que define as coisas por uma essência estável. A metafísica
clássica, dirá Bergson, não se deu conta do tempo. O homem deve tomar consciência de que
ele também age no tempo, de que a criação se faz no tempo. Não repetir, mas criar – tal é o
sentido do ser que a existência humana deve reencontrar. Caso contrário, ela se encerra em
sociedades estáticas, sociedades fechadas, sem criação artística, sem movimento espiritual,
sem exigência de futuro.

29
Unidade I

IHU: Há nessas ideias influências de Heráclito e de Kant, embora isso possa, de certa
maneira, soar contraditório, já que Heráclito foi inspirador de Platão, e Kant foi um aristotélico?

PM: Há pouca influência de Heráclito sobre Bergson. Sua concepção do tempo é


moderna. Ela se apoia nos conhecimentos modernos da física, embora procure separar‑se dela,
e sobretudo nas teorias da evolução (transformismo de Lamarck e evolucionismo de Darwin),
que são tão importantes no século XIX. Não se trata simplesmente de dizer que as coisas
estão em movimento. É preciso mostrar como elas se movimentam, e na filosofia moderna
isso cruza com questões sobre a matéria (ciências físicas), sobre a vida (ciências biológicas)
e sobre a consciência (ciências psicológicas). Heráclito teve uma intuição. Bergson dá
consistência a essa intuição. Ele trabalha com os utensílios e os conhecimentos modernos.
A influência de Kant sobre a filosofia moderna é evidentemente essencial. No entanto, desde
Schopenhauer, aparece uma filosofia que encara Kant ao reverso. Schopenhauer, Nietzsche
e Bergson tornam possível uma nova filosofia da natureza, como vontade, vontade de poder
e duração. Eles constroem uma nova imagem da natureza, que não é mais aquela das ciências
físicas. A metafísica da natureza de Kant não é senão a fundamentação do mecanicismo nas
categorias de compreensão do sujeito transcendental. Esses três autores mostram, ao contrário,
que o mecanicismo é insuficiente para pensar a natureza. Aliás, não basta mais dizer que o eu, a
alma e Deus são indetermináveis. É preciso compreender de que modo matéria, vida, consciência e
universo se comunicam e estão em relação.

IHU: Ainda nessa linha de raciocínio, qual é a influência de Kant sobre o pensamento
bergsoniano, considerando que o filósofo de Königsberg afirmava que a coisa é em
si incognoscível?

PM: A relação com Kant é complexa. Ele censura Kant por ter acreditado que a
metafísica é impossível. Ele quer, pois, restaurar a metafísica. Bergson está convencido de
que nós tocamos o absoluto nele mesmo. Em A Evolução Criadora, ele retoma uma frase de
São Paulo: “No absoluto [São Paulo diz ‘em Deus’], nós estamos e nós nos movemos”. Para
Bergson, nós podemos conhecer de modo absoluto, e é por isso que sua filosofia propõe
um conhecimento da matéria, da vida, do conhecimento. Enquanto somos entes materiais,
vivos e conscientes, como poderia escapar‑nos tal conhecimento? Mas é preciso empregar
o método adequado. Não se deve aplicar à realidade meios dos quais a inteligência se serve
para agir sobre a matéria. Kant permaneceu num conhecimento demasiado intelectual. Ele
não colocou o tempo nas coisas, e sim as tornou incompreensíveis. Ele acreditou, então, que
não se podia conhecê‑las, que elas eram incognoscíveis. Mas a inteligência não é feita para
conhecer, segundo Bergson, e sim para agir sobre a matéria, fixando as coisas num espaço e
num tempo matemáticos. Em lugar do entendimento, é preciso recorrer à intuição, que nos
situa na duração e no movimento criador do universo. O projeto bergsoniano é antikantiano
neste nível: restituir vida à possibilidade da metafísica.

IHU: De que modo a ideia bergsoniana de seleção natural de informações nos ajuda a
compreender a singularidade das concepções do sujeito moderno?

30
FILOSOFIA INTEGRADA

PM: Não há uma ideia bergsoniana de seleção da informação. Essa ideia é darwinista,
e Bergson contesta o modelo darwiniano de seleção das pequenas diferenças. É um esquema
que não toma em conta as tendências da vida, segundo ele. Mas há em Bergson uma teoria
do sujeito moderno, reconciliado com o universo e com a natureza, e não transcendendo
o universo e a natureza. É mesmo essencial ao bergsonismo fazer‑nos compreender que o
sujeito não tem valor em si, que ele faz parte de um todo, que é aparentado a esse todo.
Ele escreve, assim, que o eu é da mesma natureza que o todo. O bergsonismo luta contra a
ideia de uma superioridade da consciência humana sobre o todo. O sujeito é apenas uma
parte do todo que se comunica com ele.

IHU: De que maneira a filosofia de Bergson e a de Deleuze se cruzam? O que têm elas
em comum e, sobretudo, em que elas diferem?

PM: A filosofia de Deleuze é bastante inspirada pela filosofia de Bergson. Ela mantém seus
aspectos essenciais: primado do universo sobre o sujeito, luta contra a fenomenologia (que
separa o sujeito da natureza e postula sua transcendência), crítica dos falsos problemas e das
ilusões que provêm do fato de fazer do homem um imperador num império, pensamento do
movimento criador como aberto, que não cessa de criar e de transformar. Deleuze faz passar
Bergson para uma filosofia ainda mais livre, assubjetiva em seu fundo, um reservatório de
hecceidades. Ele se serve disso para fazer surgir o paradoxo de um aparecer em si, de uma
luz/universo que precede o sujeito. Para ele, como para Bergson, a filosofia deve ser um
efeito para ultrapassar a condição humana. O universo na ausência do homem, eis o que
se deve pensar, e não o universo visto pelo homem, pois o homem desfigura tudo quanto
ele reconduz a si. O que é o universo quando se faz o esforço de pensá‑lo sem preconceitos
antropomórficos e sem dogmas teológicos, sem mim e sem Deus? Tal é a questão que
Deleuze quer levantar e que se assemelha também ao questionamento de Nietzsche. Que
o homem não é o centro do todo, Deleuze o exprimirá retendo esta fórmula de Primo Levi:
“A vergonha de ser um homem”.

Fonte: Montebello (2007).

4.1 Concepção ontológica da realidade: o todo virtual

A fim de compreender a perspectiva bergsoniana sobre integração e interação na comunicação,


é necessário expor, mesmo que em linhas gerais, a concepção ontológica que dá fundamento a sua
visão de realidade.

Segundo Deleuze (1989, p. 103), Bergson considera que a realidade é um todo virtual, em que
coexistem vários níveis de tensão e distensão. Para entender o que está em jogo, é necessário distinguir
o virtual do possível. Deleuze afirma que a virtualidade tem uma realidade que a possibilidade não tem.
O possível se opõe ao real, enquanto o virtual (que é real) se opõe ao atual. Dessa maneira, não se pode
dizer que o virtual se realiza, pois ele já é real; em vez disso, o virtual se atualiza.

31
Unidade I

Essa atualização é sempre criadora. De acordo com Deleuze, o que Bergson propõe é um todo virtual
real e em constante processo de atualização de suas virtualidades. Esse processo não é mera repetição da
virtualidade correspondente. Como tudo está em constante mudança, a atualização do virtual implica
criação e invenção. O virtual se transforma a cada atualização.

Embora o todo virtual seja uma unidade, nele coexistem todos os graus de diferenciação da realidade
em pleno movimento, uma multiplicidade infinita de graus que, quando se atualizam, mudam e, assim,
inventam novas formas de ser. O atual nunca é exatamente igual ao virtual que ele encarna. No plano da
existência, o todo virtual se atualiza diferenciando‑se em psique, vida e matéria. Seguindo linhas divergentes,
que correspondem aos graus múltiplos que coexistem na totalidade virtual, cada grau (psique, vida e matéria)
representa a atualização do todo em certa direção: ou na direção do espírito ou na direção da matéria.

Figura 8

Bergson (1971) explica em termos biológicos como o processo de atualização do virtual ocorreu na evolução
da vida. Quando o elã original atravessou a matéria para fazer surgir a vida, ele atualizou diferentes níveis de
contração e distensão de seu próprio movimento, níveis que já coexistiam e faziam parte do todo primordial.

Observação

O elã vital é o impulso original de vida que, atravessando a matéria,


deu origem à existência. É também chamado de duração em geral ou
tempo ontológico.

Consequentemente, tanto a vida quanto a matéria coexistem como níveis de contração e distensão de um
todo maior. O ser humano, como todo ser vivo, participa do mesmo processo de tensão e distensão, o psíquico
como o grau mais intenso do movimento vital e a matéria do corpo físico como o grau mais distendido.
32
FILOSOFIA INTEGRADA

Num âmbito mais geral, no movimento de atualização da virtualidade, é possível encontrar dois sentidos
opostos: o espírito e a matéria. De um lado, o grau mais intenso de contração da duração ontológica,
o espírito; do outro, seu grau máximo de relaxamento, a matéria – como uma escala de realidades mais
densas ou menos densas (JANKÉLÉVITCH, 1989). Não há aqui um dualismo, com duas partes separadas;
há uma passagem gradual de um extremo ao outro. De uma ponta à outra do movimento da existência,
é possível acompanhar, num sentido, a materialização do espírito e, no outro, a espiritualização da matéria.

Indo do espírito à matéria, da consciência ao mundo físico, pode‑se ver que a matéria está numa
direção de movimento contrária à do espírito, como uma inversão do fluxo contínuo da duração
– como se a duração fosse um movimento ascendente e a matéria um movimento descendente
(THIBAUDET, 1923).

Ao descer com o movimento, no sentido do seu alentar‑se, o que se vê é o fluxo dele cristalizar‑se,
enrijecer‑se, tornar‑se quase inerte. Assim surge a matéria, que “é um afrouxamento do inextenso em
extenso” (BERGSON, 1971, p. 222). Por outro lado, ao entrar em simpatia com o movimento ascendente,
o que se vê é a intensificação e a intuição do movimento essencial da realidade em sua totalidade.
Existe, então, um mesmo movimento, mas com sentidos contrários (JANKÉLÉVITCH, 1989). Nessa metáfora,
o movimento ascendente corresponde ao aprofundamento, e o movimento descendente à superficialização.
Trata‑se, portanto, de duas direções opostas de um único movimento, em que encontramos, num extremo,
o psíquico e, no outro, o físico (TROTIGNON, 1968). Quando o movimento se contrai, leva ao psíquico,
à vida, ao espírito; quando o movimento se distende, leva à matéria e às coisas físicas.

A matéria faz parte do todo da duração ontológica, como seu grau máximo de relaxamento e
distensão, embora nunca chegue à inércia total. Isso porque também na matéria é possível encontrar
vestígios, ainda que muito tênues, de duração. A esse respeito, Bergson (1971, p. 208) diz: “Assim, no
fundo da ‘espiritualidade’ por um lado, e por outro no da ‘materialidade’ com a intelectualidade, haveria
dois processos de direção oposta, e passar‑se‑ia do primeiro ao segundo por via de inversão”.

Em resumo, partindo‑se do princípio de que a totalidade da existência é um movimento, e que esse


movimento se apresenta de várias maneiras mesmo sendo único, pode‑se considerar que a totalidade
tem graus de intensificação e distensão que, levados ao extremo, resultam em matéria e espírito.

Num extremo desse imenso fluxo que constitui a realidade, está a vida psíquica, e com ela o espírito,
como o maior grau de contração do movimento total. No outro extremo, está a matéria, como o grau
mais distendido do movimento de duração cósmica, quase chegando à inércia total, mas sem nunca
alcançar a paralisação absoluta.

A duração apresenta ritmos diferentes de movimento. Bergson (1990, p. 171) afirma:

Em realidade, não há um ritmo único da duração; são possíveis muitos


ritmos diferentes, os quais, mais lentos ou mais rápidos, mediriam o grau
de tensão ou de relaxamento das consciências, e desse modo fixariam seus
respectivos lugares na série dos seres.

33
Unidade I

Para o autor, no universo tudo dura porque o movimento é único, embora nem tudo dure da mesma
maneira, pois o todo comporta múltiplas expressões, o que permite ver duas direções contrárias, o espírito
e a matéria, num único e mesmo movimento que constitui a essência de toda a realidade. Esse movimento
pode ser identificado no ser humano: de um lado, em sua psique profunda, integrada ao todo; de outro,
em sua sociabilidade, sua linguagem, sua capacidade comunicativa e sua interação social.

4.2 Psique e linguagem: eu profundo e eu superficial

O acesso privilegiado ao movimento de tensão e distensão da realidade acontece pela psique humana.
Por meio da consciência humana, esse movimento do todo virtual é intuído e compreendido. A consciência
psíquica pressupõe a existência de um eu, que para Bergson, seguindo o movimento da realidade em geral,
tem duas direções: uma mais superficial e outra mais profunda. “Haveria, pois, dois eus diferentes, sendo um
como que a projeção do outro, a sua representação espacial, por assim dizer social” (BERGSON, 1988, p. 159).

Cabe salientar que são apenas duas direções distintas, o que não destrói a unidade da vida psíquica.
Embora com duas dimensões, uma mais superficial e exterior, outra mais profunda e interior, a psique continua
una. O eu superficial, como o aspecto do eu total que aparentemente não dura porque adere à realidade
exterior, é somente a crosta rígida da psique, que encobre o eu mais autêntico e verdadeiro, o eu profundo
(TROTIGNON, 1968).

Como se trata de níveis distintos, mas interligados, é possível passar gradativamente de um ao


outro. Caminhando‑se da superfície à profundidade, na direção do espírito, escavando‑se por baixo da
superfície de contato com as coisas exteriores, penetra‑se nas profundezas da consciência e chega‑se ao
eu profundo, que vive na pura duração: “É, por sob estes cristais bem recortados e este congelamento
superficial, uma continuidade que se escoa de maneira diferente de tudo o que já vi escoar‑se” (BERGSON,
1984, p. 16). O eu profundo é capaz de intuir a realidade, é criativo e livre: “O eu interior, o que sente e se
apaixona, o que delibera e decide, é uma força cujos estados e modificações se penetram intimamente”
(BERGSON, 1988, p. 88).

Figura 9 – Psique Contemplando o Amor (1906), Auguste Rodin

34
FILOSOFIA INTEGRADA

No caminho oposto, da profundidade da consciência à superfície de contato com o mundo


exterior, chega‑se ao eu superficial. Este pode manipular os objetos físicos, relacionar‑se socialmente
e expressar‑se pela palavra, ou seja, pode interagir com o outro e com o mundo. O eu superficial é
aquele que fala, que conceitua; é aquele que, através da linguagem, estabelece limites e distingue as
coisas, a fim de comunicar‑se. Para isso, ele precisa fixar a mobilidade do real e colocá‑lo no domínio da
multiplicidade quantitativa e do tempo homogêneo (BERGSON, 1988).

O eu superficial é impessoal porque solidifica nossas impressões para exprimi‑las, generaliza nossas
sensações para comunicá‑las. Sem a exteriorização do eu, não haveria linguagem nem técnica, e o
homem não se libertaria do instinto por meio da inteligência (PRADO, 1989).

Do ponto de vista psicológico, a linguagem surge porque, no eu superficial, nossos estados internos
se justapõem como se fossem as coisas exteriores, perdendo a mobilidade e a vida, tornando‑se inertes
e estáticos, fáceis de traduzir em palavras.

Ainda que a linguagem force uma homogeneização da realidade para poder expressá‑la em
conceitos e palavras, não se pode esquecer que sensações nunca são idênticas e que impressões
mudam constantemente pelo acréscimo contínuo de novas impressões. Por exemplo, se eu provar
novamente um sabor experimentado na infância, minha sensação será diferente. Isso porque, no devir
do meu ser, meus sentidos mudam a todo instante, o que torna cada sensação única e irreproduzível.
No entanto, se cristalizo a sensação e acredito em sua invariabilidade é porque, nas duas ocasiões, eu
a denomino pelo mesmo nome, em razão de sua causa comum.

As sensações, como estados psicológicos definidos e simbolizados, caem no domínio da linguagem,


que busca forçosamente identificar o que cada sentimento único tem aparentemente em comum com
outro para poder chamá‑los pelo mesmo nome. De acordo com Bergson, a linguagem tem dificuldades
para dar conta do que nossa alma experimenta.

Assim, cada um de nós tem sua maneira de amar e de odiar, e esse amor, esse
ódio refletem nossa personalidade inteira. Contudo, a linguagem designa
esses estados com as mesmas palavras em todos os homens; por isso, só
pode fixar o aspecto objetivo e impessoal do amor, do ódio, dos inúmeros
sentimentos que agitam a alma (BERGSON, 1988, p. 115).

Em suma, para o autor, numa direção da vida psíquica, está o eu profundo, que se move livremente,
longe da estabilidade e da imobilidade da exterioridade material. Na outra direção, está o eu superficial,
que toca o mundo exterior pela superfície, que entra em contato direto com as causas externas das
sensações, conservando delas algo de sua exterioridade.

Portanto, o eu profundo é integrado e o eu superficial interage. Ambos são capazes de comunicação,


mas somente o eu superficial tem linguagem.

35
Unidade I

Saiba mais

Alguns filmes que ajudam a refletir sobre o papel do inconsciente são:

MATRIX. Dir. Lana Wachowski e Lilly Wachowski. EUA: Warner Bros.;


Village Roadshow Pictures; Groucho Film Partnership; Silver Pictures, 1999.
136 minutos.

A ORIGEM. Dir. Christopher Nolan. EUA; Reino Unido: Warner Bros.,


Legendary Entertainment; Syncopy, 2010. 148 minutos.

4.3 Interação social: Mead e Bergson

Embora conhecido como um filósofo da consciência, Bergson manteve um diálogo profícuo com
o pragmatismo, em especial, com William James. Temas ligados ao eu superficial, como sociedade e
linguagem, remetem a questões da vida prática e social, amplamente discutidas pelo pragmatismo, que
tem no filósofo norte‑americano George Herbert Mead um de seus maiores expoentes.

Figura 10 – George Herbert Mead (1863‑1931)

Para Bergson, o eu superficial é o eu social, aquele que interage socialmente com o outro e que vive
em sociedade. É nesse sentido que o pensamento dele se aproxima do pensamento de Mead, para quem
“todo ato social é uma interação, uma ação partilhada, levada a termo em conjunto”, e “ato é um todo,
formado de partes, e o todo é anterior às partes” (FRANÇA, 2008, p. 84). De acordo com Mead, o eu social
é um organismo que emerge em estreito contato com o contexto social circundante.

36
FILOSOFIA INTEGRADA

A teoria social de Mead baseia‑se na interpretação dos eus envolvidos numa trama orgânica. O autor
tenta explicar um progresso social incessante por meio de uma ação social criadora, e seu estudo da
linguagem procura entender como o indivíduo interage com o ambiente social.

Ainda que esses dois pensadores, que foram contemporâneos, tratem de temas comuns, como
espírito, consciência do indivíduo e sociedade, as relações que estabelecem entre tais conceitos são
distintas: para Bergson, a categoria fundadora e explicativa do eu e da sociedade é o espírito; para Mead,
a categoria fundadora e explicativa do self e do espírito é a sociedade.

No entanto, ambos encontram na comunicação uma forma de superar os dualismos existentes em


suas propostas de compreensão da realidade. Um comentário de França (2008, p. 75) a respeito de Mead
aplica‑se igualmente a Bergson: “É a comunicação que permite a superação dos dualismos contra os
quais se batia: indivíduo e sociedade, interior e exterior, mente e conduta”.

Segundo França, a palavra interação remete à ideia de ação conjunta, reciprocamente


referenciada. O ato interativo é uma globalidade com fases imbricadas, e a comunicação não
existe senão no todo do qual faz parte e que ajuda a realizar. Nesse sentido, comunicação e ato
interativo são indissociáveis.

Os indivíduos ou os grupos envolvidos na ação comunicativa estão o tempo todo implicados,


pois trata‑se de um processo com articulações e afetações mútuas. Mead afirma que o todo
social é constituído pelas intersecções entre indivíduo e sociedade. “Ele fala da comunicação
como momento de costura, de construção, de transição. A comunicação, portanto, é da ordem do
movimento” (FRANÇA, 2008, p. 90).

A ideia da comunicação como uma costura remete a uma das sugestões mais interessantes de
Bergson para o estudo da comunicação: a de que esta seria uma tentativa de reunir o que foi separado,
de suturar uma fratura, de costurar o rasgo de um tecido primordialmente íntegro – ou seja, haveria
uma integração ontológica que, em algum momento, apresentou rupturas.

4.4 Integração ontológica como condição da comunicação

O eu superficial impõe ao ser humano a ilusão de que ele está de fato separado e individualizado
em relação a outro ser humano. A ideia de seres isolados, que justapostos formariam o conjunto social,
vem da aplicação da representação espacial de corpos materiais à estrutura da sociedade (IDE, 2008).
Trata‑se na verdade de uma ilusão da percepção, que, orientada para o mundo exterior e físico, concebe
a condição humana nos mesmos moldes que percebe a matéria e o espaço: como corpos separados e
justapostos um ao lado do outro, com seus limites muito bem definidos.

Entretanto, mesmo percebendo‑se isolado, o ser humano busca intuitivamente a integração com o
outro, o que é possível por meio da interação. O eu superficial usa a linguagem para interagir com o outro e
reintegrar‑se ao todo social. Desse afã de reintegração, surgem todos os esforços humanos de comunicação.

37
Unidade I

Figura 11

A interação social, porém, só é factível porque, em nível mais profundo, não houve uma ruptura
total, ainda se permanece ontologicamente ligado ao todo virtual. É como se no fundo o ser humano se
sentisse integrado ao todo, mas na superfície da materialização dos corpos se visse separado no espaço,
individualizado na matéria, e então buscasse o tempo todo restabelecer a comunicação primordial,
aparentemente perdida, com o outro.

Essa integração ontológica ocorre no eu profundo, que é a dimensão metafísica do psíquico. Mais
do que indivíduos, somos movimentos de individualização dentro do processo de evolução da vida.
Na profundidade da psique, perpassada pelo elã vital, pode‑se entrar em contato com o restante do
universo através da curvatura primordial de nossa alma, ou seja, através daquilo que no ser humano
extrapola os limites do estritamente psíquico e assume dimensões metafísicas.

O que somos nós, o que é nosso caráter, senão a condensação da história


que vivemos desde o nosso nascimento, e até antes de termos nascido […]?
É com o nosso passado inteiro, inclusive com a curvatura primordial da
nossa alma, que desejamos, queremos e agimos (BERGSON, 1971, p. 45).

O eu profundo é como a instância ontológica do psíquico, por meio da qual se pode entrar em
contato com o todo virtual. “É na interioridade da consciência que buscamos as raízes de nosso ser ou as
raízes do ser em geral, já que no plano da interioridade mais profunda o externo e o interno remetem‑se
igualmente ao princípio originário” (SILVA, 1994, p. 288).

A ligação direta da intuição com o real é possível porque, em nível ontológico, cada um está ligado a
todos. A passagem do ontológico para o psicológico, por outro lado, é possível porque o homem dura da
mesma maneira que o universo dura, ou seja, porque entre o homem e o universo existe certa analogia
estrutural (HUDE, 1990).

38
FILOSOFIA INTEGRADA

O homem tem acesso ao todo e intui seu movimento por meio da parte mais essencial de sua psique,
que está integrada ao restante do universo porque nela perpassa livremente o movimento essencial e
contínuo que o originou. É pelo fato de ser, em sua essência, movimento que o ser humano pode intuir
o movimento universal das coisas existentes, pode entrar em sintonia e, por vezes, em harmonia com
outro ser humano, pode comunicar‑se com ele e, assim, conhecê‑lo por dentro.

A matéria e a vida que abundam no mundo estão também em nós; as forças


que trabalham em todas as coisas, sentimo‑las em nós; seja qual for a
essência íntima do que é e do que se faz, nós nela estamos. Desçamos então
ao interior de nós mesmos: quanto mais profundo for o ponto que tocarmos,
mais forte será o impulso que nos reenviará à superfície. A intuição filosófica
é esse contato, a filosofia é esse elã (BERGSON, 1984, p. 65).

Mais do que um ser cujo corpo ocupa um lugar no espaço, o humano é um ser temporal, cuja
duração constitui sua própria essência. O tempo é, para Bergson, duração; no interior da consciência
humana, é duração psicológica. A duração é o fundamento do ser humano, pelo qual passa livremente o
fluxo da duração universal. Nela, a consciência está em comunicação direta com a duração da totalidade
do universo (TROTIGNON, 1968). Por isso, a experiência da duração psicológica é, segundo Bergson,
o primeiro acesso à experiência do movimento cósmico. “Mas essa experiência deve amplificar‑se como
consciência da temporalidade absoluta, intuição como coincidência com o absoluto, reabsorção da
parte no todo” (SILVA, 1994, p. 248).

Ao durar como dura o restante do universo, o ser humano entra em sintonia com o outro e se
reconecta ao todo. “Esse ponto de partida será a experiência do ser, que se dá como horizonte de toda
reflexão. A filosofia não tem que construir o ser ou fundá‑lo em não sei que base originária. Ele é o lugar
em que nós existimos, vivemos e circulamos” (PRADO, 1989, p. 204). Portanto, a duração psicológica é a
maneira como o eu experimenta a integração ao movimento que se refere a todo o ser.

Essa experiência de integração traz alegria porque faz o indivíduo sentir‑se parte de uma
totalidade maior e garante sua própria infinitude. Quando o indivíduo tem a experiência metafísica
de união intuitiva com a totalidade, ele se expande e se prolonga infinitamente no movimento do
todo (TROTIGNON , 1968).

A alegria surge no eu profundo e repercute em direção à superfície. Existindo na pura duração, os


pensamentos e as intuições do eu profundo fluem livremente, sem interferências, longe das influências
da inteligência, da matéria e da exterioridade. “Da continuidade da vida interior à continuidade da
interioridade do movimento total e absoluto do elã: tal é a trajetória da intensificação da intuição”
(SILVA, 1994, p. 300). No eu profundo, como essência metafísica que une os indivíduos, encontra‑se a
abertura para o todo virtual, que permite intuir o movimento essencial de integração ontológica.

A integração primordial é a condição ontológica dos processos de comunicação, que ocorrem não
somente num nível profundo, mas também num nível mais superficial da existência. A diferença é que,
na superfície, necessita‑se da mediação da linguagem, e por vezes da mídia, para que a comunicação
aconteça, enquanto fenômeno social. A comunicação apareceria, assim, como a sutura de uma fratura
39
Unidade I

ontológica ocorrida durante o processo de individualização do elã vital, que, materializando‑se no


processo de evolução da vida, fez surgir o ser humano (RUIZ, 2003).

4.5 Itinerário epistemológico da comunicação: intuição pura, imagem


mediadora e linguagem

De acordo com Bergson, aquele que pensa vai da simplicidade do espírito à complicação da letra.
Nos problemas que determinado autor apresenta, encontram‑se as questões que se agitavam em torno
dele: elementos de outras teorias e filosofias, bem como influências da tradição, da cultura da época, da
linguagem e do contexto social.

Esses dados constituem as mediações que o pensamento puro usa em seu processo de exteriorização.
Por meio de tais mediações, a intuição do receptor e a do emissor interagem. Ao retomar as fontes, pesar
as influências e extrair as semelhanças, é possível separar a intuição pura das mediações formadas pelas
ideias em meio às quais o autor viveu. Sem esse esforço de recompor um pensamento e relacioná‑lo
ao seu entorno, não se atinge verdadeiramente o que ele é. Portanto, sem as mediações, não se pode
alcançar a intuição original do outro e fechar o processo de comunicação.

Gradativamente, na medida em que vai de mediação em mediação, o espírito do receptor instala‑se no


pensamento do emissor e a complicação da letra diminui. As partes interpenetram‑se e concentram‑se num
ponto único: a intuição que originou o pensamento. Bergson não conseguiu jamais exprimir plenamente
sua ideia. Falou sobre ela a vida toda, corrigiu sua fórmula e depois corrigiu a correção, retificando
e complicando seu discurso cada vez mais, em busca de fornecer ao interlocutor uma aproximação
crescente da simplicidade de sua intuição original. Há uma incomensurabilidade entre a intuição simples e
os meios de que se dispõe para exprimi‑la (BERGSON, 1984).

A dificuldade de expressão exige a explicitação do itinerário do processo de comunicação da


intuição. Esse processo inicia‑se com a intuição puramente espiritual, segue com a mediação da imagem
mediadora e da linguagem, e então é comunicado ao outro por meio da mídia.

A intuição pura ocorre no eu profundo como um saber imediato, um conhecimento sem mediações, sem
linguagem e sem expressão que o descreva. Enquanto conhecimento intuitivo, contrapõe‑se à inteligência.

Bergson (1984, p. 13) diz que podemos “distinguir duas maneiras profundamente diferentes
de conhecer uma coisa: a primeira implica que rodeemos a coisa; a segunda, que entremos nela”.
Uma é a inteligência; a outra, a intuição. Uma é conhecimento exterior; a outra, conhecimento interior.
Uma surge moldada à matéria e é por ela limitada e situada; a outra é conhecimento do espírito, não
tem fronteiras e pode ver a totalidade. Uma conhece somente a imobilidade; a outra é a única que
pode alcançar a essência movente da realidade. Uma, por ser conhecimento exterior, é conceitual por
natureza; a outra, por sua interioridade, é inexprimível.

Assim, a inteligência, como conhecimento operacional e voltado para o exterior, é a maneira própria
de conhecer que objetiva a ação do eu superficial no mundo exterior. A intuição pura, em contrapartida,
tem sua origem no espírito e é conhecimento direto da realidade, sem mediações.
40
FILOSOFIA INTEGRADA

Se a intuição, como saber imediato, não tem mediação nem linguagem, como ela pode se exprimir
e ser comunicada? Por meio da imagem mediadora (ROSSETTI, 2008); a intuição original começa a ser
vista pela formação de uma imagem mediadora.

Essa imagem, fugidia e evanescente, é intermediária entre a simplicidade da intuição e a complexidade


de sua tradução em palavras, entre o pensamento puro e a matéria. A imagem mediadora, como tradução
concreta da intuição simples, deve ser vista pelos olhos do espírito. Ela é quase matéria, pois pode ser
vista, e quase espírito, pois não pode ser tocada (BERGSON, 1984).

Uma mesma intuição pode fazer surgir várias imagens mediadoras, materialmente diferentes, embora
espiritualmente semelhantes. A convergência de diversas imagens mediadoras facilita o processo de comunicação.
A imagem mediadora na mente do receptor equivale àquela que existia na mente do emissor, como duas
traduções de um mesmo original.

Essa imagem provoca a interação entre receptor e emissor, porque ambos podem compartilhar uma
mesma intuição mediada por imagens diversas. Esse compartilhamento de uma mesma intuição garante
a interação entre os sujeitos da relação. Assim, a mediação da imagem é capaz de materializar a intuição,
dando a ela visibilidade.

Figura 12

A imagem mediadora, rumo a uma materialização maior, passa a ser expressa em linguagem, que
pode ser conceitual ou imagética. A linguagem conceitual cristaliza, num único significado, o sentido da
intuição que a imagem mediadora sugeriu. A linguagem imagética, como as metáforas, ainda mantém
o fluxo movente da intuição original.

41
Unidade I

A mediação da linguagem provoca a integração das consciências por meio das intuições, que se
comunicam e se fundem num mesmo movimento. Pela expressão material da imagem mediadora
traduzida em linguagem, a comunicação torna‑se possível.

A linguagem precisa transcender os conceitos para exprimir aquilo que escoa no eu profundo.
Ela deve libertar‑se de conceitos rígidos e pré‑fabricados para criar “representações flexíveis,
móveis, quase fluídas, sempre prontas a se moldar sobre as formas fugitivas da intuição” (BERGSON,
1984, p. 19).

Na proposta bergsoniana, o pensamento não deve ser compreendido como uma coisa feita e acabada,
mas como um movimento cujo impulso original cristalizou‑se em palavras para poder se expor ao
mundo. Deve‑se buscar, sob a palavra, aquilo que foi por ela encoberto e deformado, a intuição original,
o impulso primordial de pensamento que se materializou em sua exteriorização. É aí que está “o sentido,
que é menos uma coisa pensada do que um movimento de pensamento, menos um movimento do que
uma direção” (BERGSON, 1984, p. 63).

Imagens são muito mais comunicativas do que conceitos, porque estão mais perto da imagem
mediadora e da intuição que a gerou. De acordo com Silva (1994), a última coisa que a linguagem precisa
ser é sólida, dura e inflexível. A dureza das palavras deve ser substituída por uma linguagem que salte
de imagem em imagem, mesmo que para isso seja necessário permanecer na contradição, que destrói a
plasticidade lógica do pensamento racional.

O estilo do discurso é outro elemento importante. “Para que o estilo do discurso sugira o movimento,
ele deve ser constituído de forma que as palavras percam qualquer solidez e sentido de permanência
nos seus significados” (SILVA, 1994, p. 110).

O propósito fundamental do discurso é passar e desaparecer, como condição para que se


conserve a atitude sugerida por ele: a coincidência com o ritmo da duração. “Não há por que
permanecerem significados fixos, se não há coisas fixas a serem apreendidas e expressas” (SILVA,
1994, p. 111). O significado conceitual solidifica a impressão e a transforma em ideia, na qual se
crê que está depositado um fragmento do real.

É preciso que a impressão não seja solidificada pelo discurso, transformada em coisa, mas
captada como passagem e movimento. É com esse objetivo que se deve direcionar a escolha das
imagens que constituem o discurso. Este deve ser construído não em benefício do que ele retém,
mas do que ele permite passar, levando o espírito a coincidir com cada um dos momentos que
passam e, principalmente, com a impressão que deixa marcada sua própria passagem.

Como a arte se expressa sobretudo por imagens e metáforas, ela seria capaz de sugerir o ser.
Haveria, então, alguns que conseguem mergulhar nas profundezas de sua subjetividade e trazer à tona
significados, os quais, quando traduzidos numa linguagem imagética e metafórica, exprimem uma visão
profunda da realidade.

42
FILOSOFIA INTEGRADA

É por meio da arte que a capacidade expressiva do homem encontra uma brecha na crosta rígida do
eu superficial e faz emergir, com a criação, a intuição originária do eu profundo. Não é à toa que, na arte,
o potencial de interação dos seres e da linguagem atinge o grau mais intenso de atualização criadora.

Resumo

Nesta unidade, vimos que a filosofia surgiu na Grécia Antiga por volta
do século VI a.C., como uma aspiração ao conhecimento racional, lógico
e sistemático da realidade natural e humana, da origem e das causas do
mundo, das ações humanas e do próprio pensamento.

Em termos conceituais, a filosofia não é um conjunto de saberes ou


um conjunto de conhecimentos, mas uma atitude diante do mundo.
É tomar distância do cotidiano e interrogar a si mesmo, desejando conhecer
o porquê de crenças, sentimentos, ações e pensamentos. Diferentemente
do mito, a filosofia é uma interpretação racional da realidade.

Tratamos também das ideias do filósofo francês Henri Bergson sobre


integração. Considerando que a totalidade da existência é movimento,
e que esse movimento se apresenta de várias maneiras, mesmo sendo único,
pode‑se dizer que a totalidade tem graus de intensificação e distensão que,
levados ao extremo, resultam em matéria e espírito. Num extremo desse
imenso fluxo que constitui a realidade, está a vida psíquica, e com ela o
espírito, como o maior grau de contração do movimento total. No outro
extremo, está a matéria, como o grau mais distendido do movimento de
duração cósmica, quase chegando à inércia total, mas sem nunca alcançar
a paralisação absoluta.

A duração, em geral, apresenta ritmos diferentes de movimento:


psique, vida e matéria. Para Bergson, no universo tudo dura porque
o movimento é único, embora nem tudo dure da mesma maneira, pois o
todo comporta múltiplas expressões, o que permite ver duas direções
contrárias, o espírito e a matéria, num único e mesmo movimento
que constitui a essência de toda a realidade. Esse movimento pode
ser identificado no ser humano: de um lado, em sua psique profunda,
integrada ao todo; de outro, em sua sociabilidade, sua linguagem, sua
capacidade comunicativa e sua interação social.

Separados no espaço, individualizados na matéria, integrados no


tempo, vivemos no afã de restaurar na superfície o que está integrado na
profundidade de nosso ser; buscamos formas de espelhar no exterior, mesmo
que de forma invertida, a realidade interior. A comunicação apresenta‑se
como a costura de um rasgo que a própria evolução da vida nos impôs –
43
Unidade I

como a sutura de uma fratura que cindiu a integração primordial e nos fez
aparentemente separados.

A vida nos impeliu para fora, voltou nossa percepção para a matéria,
aguçou em nós a visão do mundo exterior para garantir nossa própria
permanência no fluxo da vida. Fez evoluir em nós a inteligência, que criou
a linguagem para que pudéssemos nos comunicar novamente, mas agora
na superfície de contato com o mundo exterior, usando os recursos de uma
existência material.

Através da comunicação, mediada pela linguagem e marcada pelo


espaço, interagimos para nos reintegrar. No entanto, nenhum remendo,
nenhuma sutura, nenhuma reunião é capaz de restaurar integralmente a
ordem anterior, pois sempre ficam as marcas da reunificação.

Exercícios

Questão 1. Retomemos o significado de algumas palavras de origem grega: gonia, em sua


forma verbal, significa engendrar, gerar, dar nascimento, crescer e, em sua forma nominal, significa
nascimento, genes, descendência, gênero, espécie; theós significa seres divinos, coisas divinas;
cosmos significa mundo organizado; philo significa amor fraterno; e sophia significa sabedoria.
Decorre desses termos o significado das seguintes palavras da língua portuguesa: cosmogonia,
origem e organização do mundo; teogonia, origem dos deuses e das coisas divinas; filosofia,
amor pelo saber.

Certamente há diferenças entre filosofia, mito e cosmogonia. Leia atentamente as afirmativas a


seguir, nas quais são apresentadas algumas características dos mitos e da filosofia:

I – Os mitos narram a origem das coisas, como elas eram no passado imemorial, longínquo e fabuloso.

II – A filosofia explica como as coisas são no tempo presente.

III – Os mitos narram genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas, sobrenaturais e
personalizadas.

IV – A filosofia explica a produção das coisas por elementos e causas naturais e impessoais; explica o
surgimento dos seres por composição dos quatro elementos da natureza – água, terra, fogo e ar.

V – Nos mitos, as contradições lógicas, racionais, são aceitáveis.

VI – Na filosofia, como nos mitos, não é exigido um discurso lógico, racional.

Está correto o que se afirma somente em:


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FILOSOFIA INTEGRADA

A) I, II e IV.

B) I, III e VI.

C) II, IV e VI.

D) I, III, IV e V.

E) II, IV e V.

Resposta correta: alternativa D.

Análise da questão

A afirmativa II está incorreta porque compete à filosofia explicar como as coisas são ao longo
do tempo, no passado, no presente e no futuro. A afirmativa VI está incorreta porque, na filosofia,
diferentemente do que ocorre com os mitos, é exigido o discurso lógico, racional.

Questão 2. Henri Bergson diz que a consciência psíquica pressupõe a existência de duas instâncias
do eu: o eu profundo e o eu superficial. De acordo com esse filósofo, o eu superficial opera como
“representante” espacial e social do eu profundo, sem comprometer a unidade da vida psíquica.

A seguir, apresentamos duas colunas. Na coluna A, encontram-se as duas instâncias do eu e, na


coluna B, seus atributos. Considere essas colunas e identifique a relação correta entre o enunciado na
coluna A e o enunciado na coluna B.

Coluna A – Instâncias do eu Coluna B – Atributos do eu


a. Aquele que é criativo e livre
b. Aquele que se apaixona
c. Aquele que decide
1. Eu profundo: instância interior do eu d. Aquele que manipula objetos físicos
e. Aquele que interage com o mundo
f. Aquele que se expressa com palavras
g. Aquele que utiliza a linguagem para conceituar
h. Aquele que se move livremente
i. Aquele que se caracteriza pela imobilidade
j. Aquele que é integrado
2. Eu superficial: instância exterior do eu
k. Aquele que interage socialmente
l. Aquele que é capaz de comunicação, embora não
faça uso da linguagem
m. Aquele que é como uma crosta rígida da psique

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Unidade I

Assinale a alternativa correta:

A) São características de (1): a; b; c; h; j; l. São características de (2): d; e; f; g; i; k; m.

B) São características de (1): a; b; c; d; e; f. São características de (2): g; h; i; j; k; l; m.

C) São características de (1): g; h; i; j; k; l; m. São características de (2): a; b; c; d; e; f.

D) São características de (1): a; c; e; g; i; k. São características de (2): b; d; f; h; j; l; m.

E) São características de (1): b; d; f; h; j; l; m. São características de (2): a; c; e; g; i; k.

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