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Sociologia da Comunicação

Autora: Profa. Neusa Meirelles Costa


Colaboradores: Profa. Maria José da Silva Dias
Prof. Adilson Silva Oliveira
Professora conteudista: Neusa Meirelles Costa

Neusa Meirelles Costa é graduada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (1963)
e doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) também em Rio
Claro (1968).

Desde 1992, é professora titular de Sociologia da Universidade Paulista (UNIP). Entre 1994 e 2014, também foi
pesquisadora do Programa de Apoio à Pesquisa do Corpo Docente, da Vice-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação
da UNIP.

Nesse período desenvolveu vários projetos de pesquisa sobre música popular e cinema nacional, focalizando, sob
abordagem foucaultiana, temas como: o discurso das letras, corporeidade, inclusão e exclusão social, ordem social e
seu avesso, subjetividade e formação social, além de subjetividade masculina construída pelo cinema nacional.

Desde 2005, produz material didático para cursos da modalidade EaD da UNIP sobre Sociologia Geral, Sociologia da
Comunicação, Pensamento Político Moderno e Pensamento Social Brasileiro, entre outros. Também em 2005 publicou,
pela editora Arte & Ciência, o livro De amor e outras falas na música brasileira popular.

Entre 2005 e 2014 como membro integrante, participou de congressos nacionais e internacionais, apresentando
trabalhos nas seguintes associações: Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), Associação Internacional para Estudo da
Música Popular – América Latina (IASPM-AL) e Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema (Socine).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C837s Costa, Neusa Meirelles

Sociologia da comunicação / Neusa Meirelles Costa - São Paulo:


Editora Sol, 2020.

196 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Comunicação. 2. Cinema. 3. Mídia I.Título.

CDU 316

U505.62 – 20

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
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Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcello Vannini
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Talita Lo Ré
Giovanna Oliveira
Sumário
Sociologia da Comunicação

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 ENTÃO, O QUE SE PODE ENTENDER POR COMUNICAÇÃO SOCIAL?............................................ 10
2 A COMUNICAÇÃO SOCIAL, OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E OS
NOVOS DRTCS....................................................................................................................................................... 15
2.1 Formação dos MCSM e dos DRTCS, uma breve trajetória .................................................. 16
2.1.1 Comunicação social: dos pregões e proclamas aos cartazes,
avisos impressos e volantes............................................................................................................................ 16
2.1.2 Jornais, revistas e a comunicação social de massa.................................................................... 18
2.1.3 Aspectos peculiares aos MCSM e à sociedade de massas....................................................... 20
2.1.4 DRTCS e impacto social......................................................................................................................... 23
2.2 SC: MEDIAÇÃO SIMBÓLICA, MEIOS MASSIVOS......................................................................... 24
2.3 SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO: MEDIAÇÃO SIMBÓLICA E DRTCS................................ 32
3 SC: PRINCIPAIS ABORDAGENS E TEMAS................................................................................................ 44
3.1 Tendências: a Escola de Frankfurt (análise crítica).................................................................. 46
3.2 A crítica intermediária de Umberto Eco...................................................................................... 53
3.3 Estudos de base funcionalista.......................................................................................................... 58
4 TENDÊNCIAS: SC, INTERDISCIPLIARIDADE E MEIOS MASSIVOS................................................... 63
4.1 Tendências: SC, sociedade em rede, cibercultura, comunicação
e sociabilidade .............................................................................................................................................. 66

Unidade II
5 PRODUÇÃO E CONSUMO: ARTICULAÇÃO MATERIAL E SIMBÓLICA............................................ 79
5.1 A produção material para consumo material e o consumo material
da produção material.................................................................................................................................. 80
5.2 A produção material para consumo simbólico e o consumo material
da produção simbólica................................................................................................................................ 86
5.3 Produção simbólica para consumo material e consumo simbólico
da produção material.................................................................................................................................. 88
5.4 Produção simbólica para consumo simbólico e consumo simbólico
da produção simbólica................................................................................................................................ 91
6 PRODUÇÃO SIMBÓLICA DA CULTURA: EDUCAÇÃO, PODER E DISCURSO
DE CONVENCIMENTO......................................................................................................................................... 95
6.1 Produção simbólica virtual para consumo simbólico virtual............................................100
6.2 Construção do sujeito e do outro no espaço virtual............................................................103
7 A CONSTRUÇÃO DO SOCIAL, SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS......................................................103
7.1 Identidades e espelho........................................................................................................................107
7.2 A construção da corporeidade.......................................................................................................114
8 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO COTIDIANO E DA POLÍTICA........................................................120
8.1 Política e sociabilidade contemporânea: cidadania, mídia e hegemonia....................143
APRESENTAÇÃO

Esta disciplina focaliza a comunicação em sociedade como processo social que reflete as dimensões
histórica e cultural. Consequentemente, seu campo de investigação abrange os espaços, social e virtual,
em que a comunicação se realiza, levando em conta diversidade de meios, conteúdos e objetivos.

O processo da comunicação social ampliada observa uma lógica própria, social, que implica relações
de consumo de bens materiais, bens simbólicos, dispositivos e recursos tecnológicos. Tais aspectos são
tratados neste livro-texto: inicialmente, faz-se uma análise crítica do processo de comunicação ampliada
e da produção cultural nas mídias sob as distintas abordagens teóricas. Posteriormente, é desenvolvida
uma análise de produtos da indústria cultural, do discurso político-ideológico de hegemonia cultural,
além de discursos populares paralelos, com ênfase na produção das diferenças sociais.

INTRODUÇÃO

Neste livro-texto, serão discutidos alguns temas centrais à disciplina, como campo de
investigação, problemas e questões relacionados ao objeto central de estudo, comunicação ampliada,
metodologias de pesquisa e análise. Tudo isso considerando os distintos meios de comunicação
social de massa (MCSM), os contemporâneos meios, os dispositivos e recursos tecnológicos de
comunicação social (DRTCS), além de seus reflexos na sociedade, pensando sobretudo no período
que vai do fim do século XX aos dias atuais.

Serão tratados também três grandes temas:

• a construção da produção e do consumo, estudando as mediações simbólicas necessárias à


articulação dos dois extremos, um tema importante para publicitários e todos que lidam com a
comunicação social;

• a mediação dos meios e recursos de comunicação social na construção do sujeito e do outro na


formação social brasileira, atentando para a construção e a participação social na instância política.

• a importância e o significado dos atuais DRTCS no campo da educação, especialmente nas redes sociais.

Bons estudos!

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SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Unidade I
Afinal, qual é o campo de investigação da Sociologia da Comunicação (SC)? E qual o motivo dessa
observação, já nas primeiras linhas deste livro-texto?

Repare que uma conversa entre duas pessoas, um sinal de código, um gesto, enfim, todas as formas
de comunicação entre pessoas (mesmo aquelas entre crianças) são formas conhecidas e partilhadas por
todos os que se comunicam. Tais formas de comunicação são sociais, porque estão na sociedade,
portanto, são também culturais. Elas integram o campo de pesquisa da SC, mas não constituem seu
alvo principal. Por quê? Porque elas não são intencionalmente preparadas e deliberadamente ampliadas
para todos os integrantes da sociedade, para um ou vários de seus segmentos. Elas acontecem nos
circuitos pessoal e grupal, sem o propósito ou condição de serem ampliadas.

Pense agora na comunicação via imprensa (jornais e revistas), cinema, programas de rádio, televisão
e internet (sites). Agora um mesmo conteúdo comunicado, seja por som, imagem ou movimento, foi
ampliado por meios tecnológicos distintos e chega para cada receptor de forma diversa conforme o
meio utilizado e a condição de recepção.

Essa modalidade de comunicação constituía, até o fim do século passado, o objeto central da SC;
tratava-se da comunicação social produzida pelos MCSM – daí a expressão sociedade de massas
corresponder ao modelo de sociedade alvo dessa comunicação.

Contudo, a partir de 1988 no Brasil (e muito antes nos Estados Unidos) instala-se um outro e
poderoso recurso de comunicação, a internet, e com ela a comunicação passa a seguir um modelo
dialógico, ou seja, estabelece-se o diálogo entre quem elabora a mensagem e quem a recebe. No início,
tratava-se sobretudo de e-mails, portanto o retorno não era imediato, mas logo depois instalaram-se as
redes de comunicação social, e a telefonia deixava de ser fixa para se tornar móvel (celular), ampliando
ainda mais o campo passível de análise da SC.

Considerando os processos sociais centrais para o estudo da SC, tem-se a presença de duas tendências
aparentemente contraditórias, descritas a seguir.

• De um lado, a comunicação que circula na formação social que corresponde a um modelo de


“sociedade de massas”, ou seja, um modelo de sociedade industrial diferenciada por vários
mecanismos e dispositivos de acesso ao amplo consumo material e simbólico. Esse formato
pressupõe a comunicação ampliada pelos meios de comunicação de massa, os quais são organizados
em empresas de comunicação empregando pessoas com qualificação técnica especializada. Essa
comunicação é supostamente generalizada, democrática, por assim dizer; ela também pressupõe
uma certa uniformidade de valores, interesses partilhados por todos os membros da sociedade e
cultura, além de implicar uma formação profissional especializada.
9
Unidade I

• De outro lado, a comunicação que circula na formação social pautada no modelo do capitalismo
pós-industrial, de consumo, e que reflete o acesso generalizado aos meios de comunicação,
respectivos mecanismos e dispositivos de diferenciação social, mas também de forte de conteúdo
individual. Essa comunicação pode prescindir do vínculo empregatício com uma organização
empresarial. Trata-se de um formato que segue em paralelo, até articulado, à comunicação
ampliada pelos meios de comunicação de massa.

Os meios que permitem a comunicação social são os DRTCS, com os quais é produzida uma
comunicação individualizada, destinada a ser compartilhada e curtida, especialmente em redes sociais,
no comércio on-line, na educação a distância etc. Pelas redes sociais circula toda uma gama de conteúdo
individualizante de caráter estético, opiniático. A ênfase da vida reside no presente, no agora valorizado;
todavia, no sentido oposto, formou-se a crença na permanência dos valores tradicionais, na estagnação
das ideias e das atitudes, especialmente nos planos político e religioso.

É importante notar que, no campo da comunicação social contemporânea, não se registra a


oposição entre o social e o individual, mas, sim, a presença significativa desse conteúdo individualizante
na comunicação social, um conteúdo formado por opiniões e preferências partilhadas (e contraditadas)
por distintos segmentos sociais (seguidores).

A ampliação da comunicação social pelos MCSM, chegando ao modelo de sociedade de massas e


cultura de massas (e suas implicações), atualmente está integrada ao conteúdo produzido pelos atuais
DRTCS, com consequências várias quanto ao conteúdo comunicado, compartilhado e curtido, bem como
quanto aos efeitos de sua circulação.

Lembrete

Já foi mencionado, mas não custa insistir: a comunicação de massa


coexiste com a comunicação nas redes sociais, ambas podendo ser
articuladas com finalidades várias, do consumo e preparo de produtos às
questões políticas e religiosas.

1 ENTÃO, O QUE SE PODE ENTENDER POR COMUNICAÇÃO SOCIAL?

Em princípio, a SC focaliza a comunicação que é intencionalmente elaborada e destinada à sociedade,


como o conteúdo de jornais e revistas, os discursos políticos, a publicidade e os programas de televisão.
Ou seja, modalidades de comunicação produzidas com o objetivo de atingir uma população, como um
discurso presidencial em cadeia nacional, e modalidades destinadas a segmentos sociais, públicos ou
audiências específicas.

Outro campo de estudo da SC reside na comunicação em espaço virtual, aquela que se tornou possível
graças ao avanço da tecnologia da comunicação, e cuja característica central reside na diversidade de
mensagens, na individualização e no fato de ser basicamente dialógica (ou seja, o receptor da mensagem
responde ao emissor, ainda que em tempos diferentes e de espaços físicos diversos).
10
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Além dessas modalidades, a SC também se debruça sobre aquela comunicação que circula em uma
sociedade de forma relativamente anônima, como as anedotas, as letras da música popular, as histórias
infantis etc.

Enfim, ao lado dos jornais e revistas (impressos e on-line), rádios, canais de televisão (pagos e
abertos), de sites como Google, YouTube, portais em geral, provedores como UOL, Terra e outros, estão os
milhares de youtubers disputando audiência e curtidas, além dos posts nas redes sociais, como Facebook,
Instagram, LinkedIn e Myspace.

Enfim, é a preparação intencional/profissional e a amplitude social da circulação que


caracterizam a comunicação social pelos meios massivos; é a individualização do sinal, a circulação
da mensagem por uma rede de dispositivos e recursos tecnológicos que caracteriza a comunicação
social em espaço virtual.

Esses dois campos são coerentes com a cultura, as condições históricas da nação e o estado de
referência, contudo, à medida que a comunicação pelo espaço virtual se amplia, vai havendo um
desligamento da referência física territorial, assim, esse campo cada vez mais se torna global, embora a
linguagem e o registro das mensagens ainda mantenham o vínculo de nacionalidade. “Sacou?”

Figura 1 – Comunicação por gesto/imagem

Note que essa pergunta se valeu de uma palavra (“sacou”) e de um gesto (polegar para cima),
mas ninguém imaginou que se esperava ensacar o texto. Os dois verbos (sacar e ensacar) ficaram
subentendidos, mas remetendo para outro sentido: o de chegar a um entendimento da questão proposta.
Houve nesse simples exemplo a presença de dois aspectos importantes da comunicação social, ambos
trabalhados pela SC:

• a possibilidade de um mesmo significante (por exemplo, a palavra ou a figura) remeter a significados


(sentidos) distintos;

• a possibilidade de significantes distintos (palavras, imagens, sons e gestos) remeterem a um


mesmo significado (sentido).

Várias ciências da linguagem estudam esses processos, que são fundamentais à comunicação,
mas a SC vai se interessar pela combinação peculiar de significantes distintos em uma sociedade e
11
Unidade I

cultura, em um dado momento da história, e, nas mesmas condições, pela multiplicidade de significados
(ou sentidos) que podem surgir a partir de um mesmo significante.

É importante notar que a combinação peculiar de figura e palavra, anteriormente utilizada, foi
possível por uma articulação de duas modalidades de discurso: o textual (a palavra) e o imagético (a
figura). No entanto, poderiam ser criadas outras articulações: por exemplo, acrescentando aos dois
discursos apontados a voz (discurso sonoro), a escrita da palavra em braile ou, ainda, sua articulação
em libras. Em qualquer uma dessas situações, a ideia seria preservar o sentido da questão colocada, ou
seja: “Entendido?”.

Em síntese, a comunicação social aparece em várias combinações ou articulações de texto


(escrito ou falado), imagens e sonoridades, sempre visando à destinação coletiva ou social. O gráfico
a seguir exemplifica a articulação entre modalidades de discurso e aponta as condições especiais
em que se estabelece uma mediação simbólica, cultural e histórica, tornando possível articular
significados (ou sentidos).

Rádio

Som

Imprensa Desenho
Locução Imprensa Fotografia

Cinema
Texto Internet Imagem
Televisão

Fotogramas
Legendas

Transdiscursividade
Movimento
Meios de comunicação
Flash
Projeção

Figura 2 – Mediação simbólica e transdiscursividade

Observe no gráfico que as modalidades de discurso (som, imagem e texto) são articuladas com ou
sem movimento, e as combinações vão se tornando mais complexas até chegar a um centro, e nele
todas elas aparecem articuladas por meio do cinema, da televisão e da internet. Na verdade, ao receber
um sinal de TV, ao mudar de página em um texto da internet ou, ainda, ao assistir a um filme no cinema,
temos todas as modalidades de discurso articuladas e produzindo sentido, o qual não está restrito à
imagem, indo além dela.

Por exemplo, a tempestade em uma novela (ou seu ruído em um spot de rádio) não é uma tempestade,
mas uma criação em estúdio. Mesmo assim, ela pode produzir no telespectador (ou ouvinte) a reação
12
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

de medo que supostamente se teria em meio a uma tempestade real. Várias formações profissionais
são voltadas para a produção dessa verossimilhança, fundamental aos meios de comunicação, por isso
convém examinar um pouco mais esse processo.

Observe que o ruído de tempestade produzido pela sonoplastia não tem a menor relação com os
raios, mas apenas produz o efeito sonoro de um raio, assim como o sanduíche de silicone na vitrine de
uma padaria também não tem a menor relação com o sanduíche, apenas produz o efeito de imagem.
Nesses casos, houve a simulação de um objeto (sanduíche) ou de um fenômeno da natureza (raio), tanto
o “raio” quanto o “sanduíche” são simulacros do que eles representam (ninguém comeria o “sanduíche”
da vitrine, para essa finalidade todos vão preferir o original).

“Mas, então, por que o simulacro?” – você poderia perguntar. Bem, ele existe como peça de
comunicação, remetendo o consumidor ao produto original, o qual se deterioraria depois de algum
tempo exposto na vitrine. Esse é o sentido dos simulacros na sociedade contemporânea: a comunicação
(para o outro) de algo que pode ser positivamente valorizado (o sanduíche para quem está com fome)
ou negativamente valorizado (o ketchup que faz as vezes de sangue nas cenas de cinema).

Ainda sobre o simulacro comunicando algo que pode ser negativamente valorizado, poder-se-ia
citar o caso das bijuterias, que simulam joias inacessíveis, todavia, em relação às bijuterias temos uma
diferença radical: elas são compradas e usadas como réplicas, todos sabem que não são verdadeiras e
mesmo assim as compram e usam. Por quê? Porque elas produzem o efeito estético de riqueza, que é
valorizado socialmente, a partir do que se depreende que elas são ostentadas para o outro, como se
fossem joias.

Novamente, aqui se trata de uma peça de comunicação cujo traço fundamental é parecer algo que,
sabidamente, não se é. E quanto mais a vida social está envolvida com objetos, aos quais são atribuídos
poderes especiais, como o de aludir à riqueza, maior será a multiplicação dos simulacros como peças de
comunicação para o outro.

Contudo, a verossimilhança não se limita à presença de simulacros: ela abrange a construção


discursiva, textual ou oral, implicando o jogo de palavras (significantes) de modo a produzir um efeito de
verdade. Observe que não se trata de mentira nem da criação de um mito: a verossimilhança se apresenta
como verdade racional, contudo não é. No entanto, exatamente por isso, é largamente utilizada na
comunicação social. Ela é fruto da interpretação dos fatos e situações, mas não se apresenta como tal,
e sim como a verdade resultante de análises confiáveis. Aqui se encontra a base da verossimilhança: o
poder e a confiabilidade que o outro empresta àquele que a profere ou redige.

É famosa a transmissão radiofônica da Invasão dos marcianos, em Nova York, realizada por Orson
Welles em 1938. Claro que era uma peça de ficção, baseada no livro de H. G. Wells, Guerra dos mundos,
mas muitos estadunidenses, não somente nova-iorquinos, não pararam para pensar: saíram à rua,
provocando a maior confusão. Com todos aqueles detalhes sendo comunicados e transmitidos pela
CBS, uma rádio tida como confiável pela população, o que era narrado só podia ser verdade.

13
Unidade I

Mas e o Brasil? “Temos viva a lembrança de que, por efeito daquele sistema, foram se distinguindo, no
país, uma minoria integrada nas instituições e uma grande maioria marginalizada” (MÉDICI, 1969, p. 11).
Esse é um trecho do discurso de “posse” do presidente Garrastazu Médici, pelo rádio, em 1969, discurso o
qual ele denominou de Jogo da verdade. O sistema ao qual ele se referia era o sistema democrático, com
eleições diretas, liberdade de imprensa, sindicatos, partidos etc. Vale lembrar que no período do governo
Médici, o arrocho salarial e os benefícios instituídos para as elites e a classe média acentuaram ainda
mais a concentração de renda. Foi o período do chamado “milagre brasileiro”, quando, nas palavras do
então ministro da economia, era preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo – embora em 2014 ele
tenha afirmado jamais ter proferido tal frase (DELFIM NETTO, 2014).

No mesmo texto, Médici explicou que o Golpe Militar, que ele então chamou de revolução, deu-se
em 1964 com o objetivo de “enfrentar o risco de uma cisão interna, chegando ao ponto que obrigou
as Forças Armadas a intervirem (golpe militar civil de 1964) para salvar a unidade nacional, evitando
a desagregação e o caos” (MÉDICI, 1969, p. 11). Afirmando a necessidade de mudanças, ele continuou
explicando que a reforma das instituições econômicas, sociais e políticas:

[...] não seria obtida com simples medidas, corretivas ou repressivas, adotadas
ao sabor dos acontecimentos. Exigia, na verdade, uma revolução. Era isso o
que as Forças Armadas se decidiram a fazer: completar o movimento de
1964, transformando-o em uma autêntica Revolução da Democracia e do
Desenvolvimento, em consonância com as mais lídimas aspirações nacionais
(MÉDICI, 1969, p. 12).

Por meio da leitura do texto, ficavam claras as contradições para aqueles que tinham recursos de
análise, mas inconsistências que saltam aos olhos hoje eram ignoradas à época. É significativo ainda que
esse discurso fosse intitulado como Jogo da verdade, uma vez que articulava a verdade (as diferenças
sociais gritantes) com outras intenções, justificando a intervenção militar e o regime de repressão que se
seguiu (exatamente as “medidas repressivas ao sabor dos acontecimentos” que o discurso diz inócuas).

Saiba mais

Você pode ler o discurso proferido por Médici em 7 de outubro de 1969


acessando o link indicado a seguir.

MÉDICI, E. G. Discurso da Presidência: Jogo da Verdade. 7 out. 1969.


Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-
presidentes/emilio-medici/discursos/1969/01.pdf/@@download/file/01.
pdf. Acesso em: 6 nov. 2019.

Um elemento importante na construção de todo discurso de verossimilhança reside em apontar o


futuro como caos, desagregação, desordem: esse apelo pretende atingir aqueles que têm a perder com
a situação focalizada, ou seja, os segmentos sociais que desfrutam de alguma situação favorável no
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SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

momento (são eles que costumam teme as mudanças, especialmente porque não estão participando da
condução do processo).

Observação

Os conceitos de simulacro e verossimilhança são fundamentais para


análise e compreensão da comunicação social na sociedade contemporânea.
Eles estão presentes no discurso político, nas reportagens da TV, nas redes
sociais. Enfim, são recursos largamente utilizados no chamado discurso de
convencimento, tanto para vendas quanto para finalidade eleitoral.

2 A COMUNICAÇÃO SOCIAL, OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E OS


NOVOS DRTCS

Quando foi dito que interessa à SC a comunicação ampliada, intencionalmente dirigida para a
sociedade e seus segmentos, estava subentendida a existência de agentes dessa comunicação especial,
os chamados meios de comunicação (ou veículos de comunicação, embora essa denominação seja um
tanto limitada e limitadora).

Pode-se dizer que o rádio é um veículo da comunicação, assim como a imprensa, a TV e a internet, mas
todos eles têm características próprias que são projetadas na comunicação, bem como condicionam o
modo como é elaborada a comunicação. Quando se fala de meios de comunicação, essas características
(e suas implicações) estão subentendidas, por isso, trata-se de uma denominação mais adequada.

Outro aspecto importante: todos os meios, recursos e dispositivos de comunicação social são
tecnológicos, todos implicam certa preparação profissional. Todos os meios de comunicação,
especialmente os meios de massa, ao longo do tempo acabaram consolidando-se como organizações
empresariais (ou em grupos empresariais), combinando imprensa (jornais e revistas), TV, rádio etc. É o
caso, por exemplo, do grupo Globo (detentor da rádio Globo, da TV Globo, da Globosat, do portal de
notícias G1 e de revistas impressas, entre outros).

Quanto ao desenvolvimento dos dispositivos e recursos tecnológicos de comunicação social, tanto


a criação do PC e do ambiente Windows, pela Microsoft, quanto a do Macintosh (ou Mac) e do sistema
OS X, pela Apple, se deram por empresas atuando no ambiente competitivo do capitalismo global.
Equipamentos (hardware), programas operacionais e aplicativos (software) tiveram a mesma origem
empresarial e permanecem nesse campo tenso de concorrência, inovação, grandes sucessos e fracassos.

São empresas como Google, além de dispositivos como Google Chrome, Orkut, YouTube e Shoelace,
que respondem pela extensão das próprias redes de comunicação. Assim como a Facebook Inc., criadora
e proprietária da rede Facebook, as outras redes, como Twitter, LinkedIn e Instagram, também se
organizam como empresas.

15
Unidade I

Note-se que a difusão dos aplicativos tornou possível e comum não somente ser usuário da
comunicação digital, mas também criar essa comunicação (seja por um canal de vídeo, blog ou outros
meios) sem ser formado na área. É possível gravar com celular um evento, sem ser jornalista, e enviar
essa gravação para um canal de TV, que vai incluí-la na programação, atuar como os grupos organizados
que ocupam o espaço da vinheta, em gravações do tipo “O Bom Dia São Paulo volta já”.

Desse modo, os limites entre MCSM e DRTCS vão sendo esgarçados, o espaço entre a comunicação virtual
e a vida real vai sendo estreitado, um campo entrando no outro. Esse processo fica bem claro na explicação
de Rafael Battaglia sobre o funcionamento da Shoelace, rede social recém‑criada pelo Google.

A proposta do aplicativo, que é definido como uma “rede social hiper local”,
é fazer com que o usuário se conecte com pessoas que possuem interesses
similares para ir a lugares próximos e passeios que ambos curtam, como
um show ou uma partida de futebol. O nome “Shoelace” tenta passar essa
ideia: é a palavra em inglês para “cadarço”. A rede social, então, serviria para
“amarrar” as pessoas de acordo com seus gostos em comum (BATTAGLIA, 2019).

Esses processos, tão naturais e corriqueiros nos dias de hoje, constituem objetos de análise e reflexão
da SC e serão discutidos nas páginas seguintes.

Lembrete

Fazer todos os tipos de compras pela internet, fazer visitas virtuais


aos museus, conversar com amigos e desconhecidos que estão em outro
continente, consultar livros em bibliotecas estrangeiras são práticas usuais
atualmente, assim como verificar sua conta bancária, transferir recursos
etc. Todas essas e inúmeras outras práticas fazem parte do modelo de
sociabilidade contemporânea, a qual para alguns autores é pós-moderna e
para outros é líquida, mas para todos está relacionada a um certo modelo
de capitalismo, financeiro, informacional, enfim, pós-industrial.

2.1 Formação dos MCSM e dos DRTCS, uma breve trajetória

2.1.1 Comunicação social: dos pregões e proclamas aos cartazes, avisos impressos e volantes

No Brasil colônia, o discurso dos arautos que apregoavam execuções, tanto na Corte quanto na
colônia, os sermões, como os do padre Vieira, e os avisos de escravos fugidos, fixados nos muros
das praças, eram peças de comunicação social, uma vez que instalavam uma comunicação entre os
representantes do poder e o público, formado de súditos, fiéis, capitães do mato e milícias.

Fossem proclamas em praça pública, fossem avisos afixados ou pregões do púlpito, esses discursos e
avisos eram peças de comunicação com um social tomado na generalidade de situações e na condição
geral de pressuposta obediência. Em uma sociedade constituída por uma maioria de analfabetos, havia
16
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

num primeiro momento toda uma encenação com tambores rufando, com o objetivo de chamar a
atenção dos ouvintes, para, na sequência, fazer-se a leitura do comunicado e, só então, fixá-lo.

Assim, nos comunicados do governo colonial, o sentido social da mensagem não se limitava ao
texto oral ou impresso, mas compreendia a demonstração do poder da Coroa sobre os súditos, suas
vontades e seus corpos. Por isso as execuções eram em praça pública: os corpos dos sentenciados
eram esquartejados, e a cabeça, espetada em um poste, ficava à mostra até que fosse consumida
(tal foi o caso de Tiradentes). Os pelourinhos em que eram amarrados os escravos, para receberem
chibatadas, também comunicavam o poder de um proprietário branco sobre os corpos de trabalho
dos negros escravizados.

Em contrapartida, consta que Lutero afixou suas 95 teses contra a venda de indulgências na
porta da igreja de Wittemberg em 1517, convidando todos para debatê-las e enviando cópias aos
bispos. O evento se passou no âmbito da comunicação social e na direção oposta do poder da
Igreja Católica, então predominante. Ainda que não corresponda à verdade histórica, esse evento
desencadeia a Reforma, processo histórico, político e econômico da maior relevância.

A descoberta da imprensa por Gutenberg, no século XV, tornou possível a circulação de obras
religiosas. Além da Bíblia e dos textos de reformadores, outras obras (filosóficas, científicas e
políticas) tiveram sua divulgação ampliada, bem como notícias e informações diversas, inclusive
as relacionadas aos negócios. Então, a partir do século XVII, verifica-se a formação de um gênero
especial de comunicação social, o jornal. Enquanto as obras eram de circulação mais restrita, a
publicação periódica de jornais, volantes e panfletos ampliava o circuito da comunicação social e o
alcance das ideias, estimulando a manifestação de opiniões e de tendências com efeito mobilizador
nas várias revoluções ocorridas do século XVII em diante.

A associação de figuras ao texto impresso (articulação das modalidades de discurso textual


e imagético) de modo a sintetizar as ideias expostas facilitou o entendimento e o alcance do
conteúdo, embora um não substitua ao outro. Assim, livros e depois jornais passaram a conter
ilustrações, com o desenho abrindo a possibilidade de, por meio das charges, acentuar as críticas e
fazer ironia, com um evidente efeito político.

Do século XVIII a meados do XIX, a sociedade ocidental passou por algumas mudanças profundas:
a expansão do capitalismo industrial inseriu economias coloniais no circuito da produção e
consumo; o escravismo passou a ser francamente condenado e finalmente abolido. As revoluções,
francesa e americana, instalaram a hegemonia da ordem burguesa; na América Latina as colônias
se rebelaram, buscando autonomia, ou a articulação com autonomia nos impérios coloniais; na
Europa o eixo da vida social se deslocou do campo para as cidades, e as contradições entre capital
e trabalho deram origem a lutas sociais e abalos nos regimes políticos.

Da atuação conjunta desses processos resultou a formação de um padrão societário (de


vida social) diferenciado: o de uma sociedade urbana integrada por trabalhadores assalariados,
alfabetizados em sua maioria, mas que, sensíveis às mudanças em curso, reivindicavam a atenção
do Estado, cujo papel principal passou a ser a articulação da formação social emergente, em
17
Unidade I

condições vantajosas para a nova ordem. Essa sociedade, constituída por gente que vive, trabalha,
fala e escreve, será o objeto de análise das nascentes ciências humanas e do público dos jornais que
circulavam em número significativo.

É essa comunicação, social por natureza, que a SC elege como principal objeto de estudo no
início do século XX. Mas, com a expansão dos demais meios, a comunicação social por eles realizada
foi aos poucos incluída no campo de estudo, especialmente no que se refere ao papel e à influência
desses meios no momento das guerras do século XX e nos períodos posteriores.

2.1.2 Jornais, revistas e a comunicação social de massa

No ambiente de expansão dos meios de comunicação, na passagem do século XIX para o XX


(e daí em diante) surgiram várias tendências estéticas, literárias e políticas que deram origem a revistas
destinadas ao tratamento de assuntos específicos, em profundidade, emprestando um perfil editorial,
científico ou filosófico de discussão de ideias, caso, por exemplo, do marxismo e de sua crítica na Europa
do século XIX.

Os jornais, desde o século XIX, passaram a publicar desenhos, depois fotos, além de textos, dando
origem ao gênero sensacionalista e, em seguida, instaurando a prática das manchetes. São famosas
as reportagens sobre Jack, o estripador, nos jornais londrinos. No Brasil, as charges que se tornaram
frequentes no fim do Império.

Figura 3 – Jornais, manchetes, charges e notícias

Na França, jornais começaram a publicar os primeiros folhetins, instaurando uma modalidade de


conteúdo romântico e sentimental, com capítulos diários ou semanais, garantindo a fidelidade dos
leitores, sobretudo leitoras, interessados na continuação da história. É claro que naquela época, como
hoje, essa prática tinha o mesmo objetivo: elevar as vendas.
18
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Esse processo deu origem a uma modalidade de narrativa destinada ao grande público, com
finalidade de entretenimento. Santos (2010) explica: “passaram, desse modo, a ser lançadas e publicadas
diariamente nesse espaço do jornal [rodapé] as tão famosas ficções em fatias, as quais foram um
fenômeno francês, que circularam por todo o mundo no período do século XIX”. Essa prática é conhecida
no Brasil, mas em novelas: no rádio (Direito de nascer, pela Rádio Nacional) e na TV (primeiro pela
TV Tupi, depois pela TV Globo).

No Brasil, em 1944, Nelson Rodrigues, com o pseudônimo de Suzana Flag, publicou Meu destino é
pecar em folhetim n’O Jornal. O recurso foi um sucesso, elevou as vendas da publicação, sendo lançado
posteriormente o livro pela editora de O Cruzeiro.

A origem da denominada cultura de massa, segundo especialistas, foi a publicação dos folhetins,
com linguagem simplificada, estilo narrativo (antes, durante, depois e conclusão) e sentimentalismo
romântico. Mas a essas características literárias se soma a fundamental: os folhetins eram publicados
visando ao lucro e à elevação da tiragem.

No seu aparecimento, essa cultura de massa, ainda impressa, foi logo colocada em oposição à cultura
erudita (especializada) e à cultura tradicional e popular (elaborada pelo povo, ao longo de sua história,
com base na oralidade). Criava-se, então, uma clivagem (divisão interna ou diversificação) da cultura,
cabendo àquela, de massa, um lugar subalterno, menos valorizado.

As revistas instalaram ao longo do século XX uma modalidade de comunicação de massa, destacando


aspectos do cotidiano como temas principais, instaurando o que hoje os jornalistas denominam pauta,
anunciando a matéria principal na capa com imagem, foto ou desenho. A noção de notícia foi ampliada,
abrangendo fatos e processos em curso não somente no espaço de referência, mas no mundo. Outro
aspecto importante das revistas foi a crítica política, com largo emprego de caricaturas e charges (um
exemplo no Brasil foi a revista O Malho).

Com a fotografia, desde o final do século XIX, e, depois, o cinema, tiveram origem as agências de
notícias: Reuters, France Press, UPI – com monumentais arquivos de fotos e acontecimentos, sempre
disponíveis em um mercado especial formado ao longo do século XX (mesmo porque as fotos constituíam
um elemento central das revistas).

No filme de Roger Mitchell (1999) Um lugar chamado Notting Hill, fica claro que as notícias
sobre a vida de alguém, as imagens associadas a um dado momento de sua vida permanecem em
arquivos e podem ser associadas a um novo acontecimento. Os jornais de hoje não servem apenas para
embrulhar peixe no dia seguinte: as fotos e as notícias permanecem arquivadas nas agências, prontas
para adquirirem novo valor, no caso de a pessoa se tornar novamente notícia. Nesse sentido, o fugaz
do momento oculta um poder de renascer, de se tornar permanente (a cobertura da morte da princesa
Diana é um exemplo disso: fotos e filmes de seu casamento com o príncipe Charles apareciam na mesma
página em que as notícias sobre seu funeral, assim como ocorreu nos documentários).

19
Unidade I

2.1.3 Aspectos peculiares aos MCSM e à sociedade de massas

Já se disse que os MCSM são de massa, uma vez que será o mesmo som do rádio, sinal da TV, texto
de jornal ou revista que chegará a todos os que forem atingidos, embora, na recepção, esse sinal seja
diferenciado pelo leitor, ouvinte ou telespectador.

A sociedade atingida pelo sinal de massa não é uma massa uniforme, mas diferenciada em
segmentos, nichos e particularidades que vão das mais comuns (idade, sexo, nacionalidade e poder
aquisitivo) a outras mais complexas (como valores e até mesmo as particularidades estimuladas pela
própria comunicação publicitária – afinal, a moda desde o início do século XX implicava “ser diferente”).

Isso significa que um dos elementos básicos da cultura de massas é a “cultura da diferença”. Será
isso mesmo? Sim, mas por quê? Em princípio porque as expressões massas e sociedade de massas
envolvem um entendimento preconceituoso, que opõe a cultura de massas (a divulgada pelos meios
de comunicação) à cultura erudita (de elite), opondo, consequentemente, o comportamento de massa
ao cultivado.

Um representante emérito dessa tendência é Ortega y Gasset, sociólogo espanhol, autor de Rebelião
das massas (1926), um livro clássico do qual foram selecionados alguns fragmentos ilustrativos.

O conceito de multidão é quantitativo e visual. Traduzamo-lo, sem alterá-lo,


à terminologia sociológica. Então achamos a ideia de massa social. [...] A
massa é o conjunto de pessoas não especialmente qualificadas. Não se
entenda, pois, por massas só, nem principalmente, “as massas operárias”.
Massa é “o homem médio”. [...] O característico do momento é que a alma
vulgar, sabendo-se vulgar, tem o denodo de afirmar o direito de vulgaridade
e o impõe por toda a parte. Como se diz na América do Norte: ser diferente
é indecente. [...] Esse homem-massa é o homem previamente despojado de
sua própria história, sem entranhas de passado e, por isso mesmo, dócil a
todas as disciplinas chamadas “internacionais”. Mais do que um homem, é
apenas uma carcaça de homem; carece de um “dentro”, de uma intimidade
sua, inexorável e inalienável, de um eu que não se possa revogar. Daí estar
sempre em disponibilidade para fingir ser qualquer coisa. Tem só apetites,
crê que só tem direitos e não crê que tem obrigações: é o homem sem
nobreza (sine nobilitate) snob (ORTEGA Y GASSET, 1926, p. 9).

É importante notar a época em que Ortega y Gasset escreve: a Europa pós-guerra (Primeira
Guerra Mundial), auge do capitalismo industrial. Gasset era favorável aos aliados, mas as tendências
autoritárias já eram expressivas na Espanha de então. Por toda parte, o luxo e o consumo
alimentavam o viver dos ricos, depauperando cada vez mais os pobres e, na Alemanha, além disso, o
Tratado de Versailles, assinado em 1919, impôs uma situação ainda mais desesperadora de pobreza,
até de fome.

20
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Esse contraste era favorável ao fortalecimento das tendências socialistas, especialmente inspiradas no
pensamento de Marx. Depois da vitória da Revolução Russa, passaram a predominar as ideias de Lênin na
organização dos soviets e do Partido. Depois da morte de Lênin, Stálin assumiu o poder, e foram suas ideias
autoritárias que estiveram na consolidação do Partido Comunista da União Soviética e na ação militante
desenvolvida em muitos países. Em paralelo a esse crescimento das ideias comunistas, desenvolvia-se
também o autoritarismo de direita na Europa e nas Américas, ganhando espaço no favoritismo político.

O debate de ideias pelos meios de comunicação de massa foi um processo extremamente importante
na preparação da Segunda Guerra e ao longo de todo o conflito, tanto na divulgação do fascismo
quanto do nazismo, não só nos países de referência (Itália, Alemanha e Áustria) como nos demais países
europeus e das Américas.

Vale destacar que todo processo de mobilização depende da aceitação de um conjunto articulado de
ideias visando ao convencimento e ao poder; esse discurso pode se apresentar como a única alternativa
moral e viável para resolver os problemas políticos de um povo, desde que esse povo acate as medidas
necessárias. Por isso o portador desse discurso explica uma dada realidade, alerta para perigos no futuro
e cria um inimigo a temer. No nazismo, esse inimigo era o povo judeu, e os heróis eram Hitler e o
Partido Nazista. O povo, porque integrante da suposta raça ariana, teria condições de superar os perigos
apontados, obtendo uma vitória por mil anos.

A força desses discursos políticos de mobilização autoritária reside na confiabilidade atribuída a


quem se apresenta como líder. Ele se mostra como pessoa de ilibada moral, dotada de profundo respeito
para com o povo, mas também alguém capaz de tomar as medidas de força necessárias para salvar a
nação. Enfim, um líder carismático, dotado de um dom especial para conduzir o povo à vitória.

Esses discursos não exigem análise daqueles que os ouvem: eles já oferecem as questões e
as respostas para os problemas elencados, sendo todas as alternativas externas ao campo desse
discurso tidas como falsas, dispensando qualquer análise, tidas por mentirosas e imorais. É por
isso que esses discursos tendem a desenvolver na população atitudes de aceitação, obediência e
expectativa dócil.

Enfim, como se a política não envolvesse o povo, como se fosse um campo pertencente àqueles que a
entendem, mas não a todos, mesmo porque “o povo não teria tempo para isso”. Esses discursos tendem
a desenvolver na população um processo de apatia política e individualismo silencioso, apenas quebrado
nas eleições (quando acontecem). Nessas oportunidades, as campanhas são conduzidas pelo marketing,
e as opções políticas se parecem com torcidas organizadas.

Tal processo se formou nos Estados Unidos, após a Segunda Guerra e a consequente divisão do
mundo em dois blocos: a felicidade americana, sob perigo de ataque dos russos, de um lado, e, de outro,
o horror da URSS. Daí a necessidade das comissões de avaliação ideológica, anticomunistas etc.

Nos anos de 1950, um sociólogo americano, Wright Mills, estudou as relações entre elite de poder
e sociedade buscando caracterizar a sociedade americana em relação aos dois modelos básicos: a
21
Unidade I

sociedade de públicos, que seria o modelo democrático, e a sociedade de massas. Com esse objetivo,
Mills estabeleceu quatro critérios de análise para caracterização:

• a proporção entre os que formam a opinião e os que a recebem já formada, sendo esse um fator
indicativo da influência dos meios de comunicação de massa;

• a possibilidade de responder a uma opinião sem sofrer repressão interna ou externa;

• a relação entre a formação da opinião e sua realização em ato coletivamente, que vinha sendo
cada vez mais limitada;

• o grau de autoridade institucional de que se reveste a informação (mas o público não tem
autonomia em relação à informação divulgada pela autoridade instituída e pode ser confundido);
mas também a estrutura do poder pode se confundir com o fluxo de informação.

Um público seria integrado por segmentos médios, intelectuais, pessoas que têm uma posição
flexível (embora se apresentem bem informadas, são desinteressadas e jamais assumirão uma
posição inflexível diante de uma questão dada).

Depois de analisar a sociedade americana do final dos anos de 1950 sob esses quatro critérios, Mills
(1959) constatou que, em vários aspectos, ela se aproximava de uma sociedade de massas. Contudo,
extraiu de sua análise uma distinção significativa: em uma sociedade de públicos, a discussão é o meio
de comunicação, enquanto os veículos apenas ampliam o alcance; na sociedade de massas, o tipo de
comunicação dominante é a dos veículos formais, e, assim, os públicos se tornam apenas mercados
desses veículos.

É importante observar que a análise de Mills introduziu uma nuance no conceito de sociedade de
massa, na acepção da homogeneidade preconceituosa apontada por Gasset. Ela também antecipou
alguns aspectos da sociabilidade contemporânea, em dois sentidos opostos: de um lado, o de uma
indiferença em relação às questões do cotidiano, gerando o que Baudrillard (1985) denominou de
maiorias silenciosas; de outro, na direção do ativismo participativo que caracteriza grupos específicos,
as conhecidas minorias participativas, como LGBTS+ e outros.

Observação

A expressão massa não designa somente uma generalização igualitária,


mas também remete a um certo nível de desmerecimento: massa aludindo
aos “comuns”, aos populares, ao “povão” ou à “plebe”. Em português essas
palavras vão adquirindo sentido correspondente aos critérios de diferenciação
social. Assim, povo e povão parecem remeter a contingentes distintos da
população; plebe parece ofensivo, mas na verdade é apenas a distinção entre
nobres e o restante da população, os não nobres ou plebeus.

22
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

A ação conjunta dos meios (MCSM) instaurou um ambiente cultural especial, a chamada cultura
midiática (por referência à mídia ou meios). No cotidiano, a referência à mídia é empregada tanto para
cada um dos meios quanto para o seu conjunto, e o conteúdo da interação entre os meios é designado
pela expressão cultura midiática (ou cultura das mídias).

Finalmente, no que tange à homogeneidade do sinal transmitido, esses meios são denominados
meios de comunicação de massa ou massivos (por decorrência, a comunicação realizada é a
comunicação massiva).

2.1.4 DRTCS e impacto social

A internet surgiu nos anos 1969, nos Estados Unidos, no ambiente da Guerra Fria, permitindo
a comunicação entre cientistas (de Stanford e da Universidade da Califórnia) associados ao
Departamento de Estado. Na época, com nome de Arpanet.

Nos anos 1980, a Arpanet foi expandida para outros países europeus, e a partir de 1987 foi
autorizado o uso comercial da rede, mas então com o nome de internet. Logo depois, passaram
a ser introduzidas mudanças na direção do modelo atual, em ritmo surpreendente, possibilitando
uma grande expansão e atingindo bilhões de usuários no mundo todo. No Brasil, a exploração
comercial começou em 1995, embora desde 1989 a UFRGS e a UFRJ já estivessem conectadas
(seguidas pela Fapesp).

Os dispositivos e recursos tecnológicos de comunicação social têm uma característica central


importante: eles pressupõem o retorno da comunicação e, exatamente por isso, possibilitam o
contato entre pessoas, empresas ou grupos, independentemente de distância, nacionalidade,
religião etc. Em conjunto, eles formam uma grande rede internacional de comunicação,
multilíngue, havendo recursos de tradução (embora o inglês seja o idioma mais usual na
comunicação internacional).

Fernando D’Aquino, da empresa TecMundo, ao descrever a história das redes sociais, registra
que o fato mais marcante nos anos 1980:

[...] foi quando a America On-line (AOL), em 1985, passou a fornecer


ferramentas para que as pessoas criassem perfis virtuais nos quais podiam
descrever a si mesmas e criar comunidades para troca de informações e
discussões sobre os mais variados assuntos (D’AQUINO, 2012).

Mais de uma década depois, em 1997, a AOL implementou um sistema de mensagens instantâneas
entre chats que serviu de inspiração para o Messenger. Muitos outros dispositivos de comunicação
datam desse período, inclusive o ICQ, criado em 1996. Embora esta discussão não tenha o objetivo de
estabelecer uma cronologia da expansão dos DRCS, alguns dados podem ser apontados:

23
Unidade I

Quadro 1 – Cronologia de Expansão dos DRCS

Ano Nome Função/ serviço


Permitir que os usuários personalizem informações e perfis, interagindo com pessoas
1995 The Globe com interesses em comum.
1997 UOL (Brasil) Informação, serviços e áreas de atividade à disposição dos usuários.
1995 Classmates Reunir amigos, marcar encontros etc.
2002 Fotolog Informações baseadas em fotos.
2002 Friendster Contatos, publicação de perfis, opiniões etc.
2003 Myspace Permitir contatos, opiniões, encontros etc.
2003 LinkedIn Contatos profissionais; só no Brasil são mais de 15 milhões de usuários.
2004 Orkut Rede do Google de grande sucesso, mas que foi desativada em 2014.
2006 Twitter Similar ao Facebook, mas com milhões de adeptos.
2005 YouTube Plataforma destinada a facilitar a reprodução e produção de vídeos.
2009 WhatsApp Ferramenta para contato entre usuários, envio de mensagens, imagens etc.

Quanto ao conteúdo, essa enorme rede não tem limites: as mensagens podem ser sobre orientação
para ações (desde aplicações financeiras a encontros e práticas sexuais), ordens, notícias, recados de
amor, de ódio, podem ser verdadeiras ou não (fake), podem ser visualizadas por todo o público ou
serem criptografadas para garantir sigilo. Podem ser mantidas (salvas) ou excluídas (deletadas), embora
permaneçam disponíveis para propósitos investigativos. Podem ser armazenadas no computador, em
algum dispositivo móvel de armazenamento ou em uma nuvem virtual e ali permanecer. Finalmente,
essa comunicação pode ser por texto, som, imagem e/ou movimento, oferecendo a representação mais
fiel possível da realidade material (embora seja de uma empiricidade peculiar, a virtual).

2.2 SC: MEDIAÇÃO SIMBÓLICA, MEIOS MASSIVOS

Os meios de comunicação de massa constroem uma modalidade de mediação simbólica


transdiscursiva, ou seja, articulam modalidades distintas de discursos (texto, som e imagem) na produção
de uma homogeneidade do sinal, por isso são meios massivos, ou realizam uma comunicação massiva,
mas, como foi apontado antes, se o sinal é homogêneo, o receptor, em geral, não o é.

Uma vez que a comunicação se faz sempre entre um emissor e um receptor, o processo de comunicar
percorre um trajeto, uma mediação, entre esses dois polos. Essa mediação consiste de protocolos de
comunicação e entendimento entre ambos, emissor e receptor, de modo a tornar a mensagem inteligível,
compreendida pelo destinatário, que vai se apropriar dela, discuti-la ou se opor a ela.

É por isso que as mensagens por imagem são facilmente entendidas, mesmo sem texto, enquanto
os textos apresentam maior dificuldade para o receptor. É por isso que os emoticons são facilmente
perceptíveis, muito mais que a descrição textual de amor, dor, saudade, raiva ou alegria.

Nesse sentido, um primeiro aspecto a ser comentado no que diz respeito à comunicação social nos
dias atuais é a peculiar empiricidade do espaço virtual em que se dá a comunicação, sabendo-se que nele,
24
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

espaço virtual, estão inscritas as dimensões social e cultural da comunicação, além, consequentemente,
da dimensão histórica.

Em geral, reserva-se a denominação meios de comunicação de massa para aqueles meios que
ampliam a comunicação, notadamente os técnicos, como rádio, fotografia, cinema, vídeos, TV, telefonia e
respectivos suportes tecnológicos da comunicação (LP, CD, CDR, DVD e dispositivos como computadores,
tablets, celulares etc.).

É importante notar que os recursos tecnológicos condicionam a modalidade de mensagem que podem
conter: por exemplo, imagens por LP é algo inviável, mas um CD poderia armazená-las perfeitamente.
Assim, embora diga-se que “o papel aguenta tudo”, isso não é verdade: o papel suporta tudo que venha
em imagem, texto ou aroma, mas não em som. Observe que a referência que se faz é ao papel, não aos
cartões plastificados, porque nesse caso a história é outra.

Na realidade, os meios massivos são interpostos na posição de emissores (por isso são meios) e
caracterizam modalidades de comunicação (entre quem comunica, o emissor, e o receptor, ou público)
condicionando o modo como é construído o conteúdo da mensagem e a própria mensagem. Mas como
realizam isso? Observe o gráfico a seguir.

Emissor envia
mensagens em Mediação simbólica Mediação simbólica
(da mensagem) (na recepção)
Som Decodificação por meio:
sonoridades Adequa o conteúdo ao
(audição) meio de comunicação a) Matriz de sentidos
(cultura)
Imagens e
(estáticas e em b) Repertórios (do
movimento), Adapta a mensagem receptor) razão, emoção
gestos (corpos) (visão) ao receptor moral, ética, estética,
Características crenças imaginário
Odores, perfumes e condições
(olfato)

Figura 4 – Como se dá a comunicação social pelos meios massivos

O bloco à esquerda indica as modalidades de mensagens que são enviadas pelos meios, ou seja,
mensagens de som, imagens, gestos e odores. Como se pode deduzir, essas mensagens são dirigidas à
dimensão sensível, embora todas não se limitem à sensibilidade, avançando para a racionalidade.

O leitor atento deve estar estranhando a menção a odores: é claro que a televisão não transmite
odor, seja ele qual for. Então, como informar ao consumidor provável que aquele perfume é ótimo ou
que aquele desodorante masculino deixa qualquer homem irresistível? Simples: são criadas sugestões
visuais. Às vezes até desenhos de flores, gestos das personagens, vozes em off referindo-se ao perfume
ou o próprio diálogo das personagens (como será mencionado mais tarde).

Se você, leitor, ouve um ruído em casa durante o dia, calmamente procura saber, e não ouvir, do que
se trata. No entanto, à noite a postura será outra: primeiro você se assusta, depois investiga do que se
trata. As nuances entre ouvir, saber e investigar dizem respeito à sonoridade (foi somente um som que
25
Unidade I

você ouviu), mas suas atitudes dizem respeito a uma dada racionalidade. Afinal, que barulho é esse?
Quem será que está aqui?

No gráfico anterior, o bloco do meio focaliza as duas instâncias ou modalidades de mediação


simbólica realizadas pelos MCSM na preparação das mensagens: a) adequação do conteúdo ao meio e
b) adaptação da mensagem ao receptor. Mas como isso acontece?

A adequação do conteúdo ao meio de comunicação é facilmente perceptível: no cinema, um século


pode transcorrer no limite de 100 minutos, o tempo de um longa-metragem; na TV, todo um período
da história pode ser condensado nos capítulos de uma novela, com direito aos intervalos comerciais. No
meio impresso, temos que uma obra de difícil compreensão pode ser divulgada em quadrinhos, ainda
que com perdas significativas. Além dessas questões de adaptação, ainda há as que dizem respeito às
limitações do recurso, como foi apontado em relação ao papel. Todavia, cada vez mais novos recursos
tecnológicos tornam possível superar tais dificuldades.

No cinema e na TV, vampiros e fantasmas existem, assim como os monstros e as fadas, a má feiticeira
e a donzela; todas essas personagens falam e são visualizadas, mas não têm odor. Assim, a cena de uma
guerra é glamorosa, heroica, mas não fétida. Em compensação, nos comerciais de perfume de marcas
famosas, charme, riqueza e sensualidade aparecem associados ao produto, cabendo ao telespectador
imaginar a fragrância – o que ele faz – e comprar a mercadoria.

Assim, os meios condicionam o modo como “se” pretende estabelecer a comunicação com o receptor,
que pode ser um indivíduo, como o leitor solitário de um artigo de revista, o ouvinte de um programa
de rádio, o telespectador da novela, o internauta, ou o público de uma sessão de cinema. Em qualquer
desses casos, o receptor não está sendo considerado na sua individualidade, na sua pessoalidade, mas
na sua tipicidade, ou na condição de integrante anônimo de um dado grupo social.

Observe que o pronome se que acompanha “pretende”, no parágrafo anterior, está entre aspas, e não
se trata de um erro: ali está contida a ideia de interposição do meio na comunicação. A peça publicitária
e o comercial de perfume não foram elaborados por quem fabrica o perfume ou outro produto, mas por
um publicitário. Foi ele quem propôs como apresentar o perfume, para qual público etc. Seu trabalho,
um saber prático de mediação simbólica, será remunerado, consistindo em uma argumentação especial
elaborada para conseguir a aceitação do cliente.

Dois aspectos são importantes ao se discutir a interposição: o primeiro diz respeito à delimitação por
características do receptor, possibilidade que permite aos meios de comunicação determinar públicos
ou audiências para cada programa e anunciante, caracterizando públicos preferenciais para comerciais.
O segundo aspecto vem na direção oposta, os meios insistem na interatividade: “Visite o nosso site e
converse com Dr. Fulano sobre este tema” ou “Se você tem alguma dúvida, consulte...”.

Esses dois aspectos mostram que a comunicação por qualquer um desses meios é construída
(produzida) para a sociedade, tomada em uma segmentação generalizante, como as donas de casa, os
homens, os adultos de ambos os sexos, os jovens, o público de classe A e AB ou a partir de um “você” tão
geral quanto um anônimo grupo, mas que é alvo de boa parte dos comerciais.
26
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

O terceiro bloco do gráfico aponta exatamente a relação entre o meio (que é de massa, pela natureza
do sinal emitido) e a recepção, ou seja, a sociedade (que é segmentada). A uniformidade, que é típica ao
sinal emitido, não tem correspondência no receptor: na sociedade, o sinal é recebido como mensagem,
portanto será decodificado como tal (ou, como se costuma dizer, será entendido a partir do repertório
já existente). São aspectos importantes para a SC:

• a modalidade das mensagens e as condições de produção e elaboração, de modo a adequar o


conteúdo ao meio e ao receptor (sociedade ou público escolhido);

• as condições de recepção, de modo a examinar como o conteúdo das mensagens é recebido e


quais as implicações sociais desse conteúdo.

As questões propriamente sociológicas relacionadas aos meios de comunicação começam pela


produção da mensagem: a tendência da produção é construir a mensagem da forma mais simples,
exatamente para poder atingir um público maior. Uma novela brasileira, por exemplo, pode ser entendida
por crianças e adultos que tenham domínio de nossa língua falada, embora a compreensão de adultos e
de crianças possa ser diferente (aliás, uma diferença que vem diminuindo sistematicamente).

Por exemplo, para as novelas que, em geral, não incluem a gravação em libras, as emissoras fazem
constar a legenda de cada cena, e assim se torna possível a uma pessoa surda acompanhar a trama.
Quanto aos discursos em rede nacional e outras situações semelhantes, há uma gravação em libras,
de modo a incluir os cerca de 6 milhões de brasileiros com deficiência auditiva. Vale observar que esse
cuidado não é uma simples estratégia de marketing, mas o atendimento a um dos tópicos da legislação
sobre os Direitos Humanos.

Voltando ao tema discutido, deve-se assinalar a importância de contornar a suposta contradição


entre o meio de comunicação (que é de massa) e o social (que é segmentado). O caminho encontrado pela
televisão tem sido o de simplificar o conteúdo ou assumidamente trazê-lo, na complexidade possível,
em programas previamente marcados como culturais, e para os quais as emissoras esperam pequena
audiência. No rádio, a segmentação não é por programa, mas por emissora: algumas se concentram nas
notícias, outras se dedicam ao rock, outras, à música brasileira etc.

Já a fotografia, o cinema e a imprensa têm outras peculiaridades. A fotografia depende da destinação:


se a foto é para um jornal ou uma revista sensacionalista, destacam-se os detalhes do evento: o sangue,
os destroços etc. Alguns fotógrafos evitam retratar o rosto das mães quando sabem da morte de
seus filhos, outros fazem desse momento um diferencial em suas imagens (uma questão de ética).
Na imprensa, também o sensacionalismo se reflete nas manchetes, no corpo da fonte empregada
e nos dizeres. Em São Paulo, um jornal ficou famoso por esses traços, o Notícias Populares: as
manchetes eram tão relativas que dependiam da interpretação, como em “Nasceu o diabo em São Paulo”
(FERREIRA, 2017).

Um aspecto essencial ao se discutir os meios de comunicação social (e as estratégias de simplificação


e segmentação de conteúdo) remete às características desses meios: eles são empresas, multinacionais
em sua maioria, para as quais a rentabilidade final em publicidade é fator decisivo para sua permanência.
27
Unidade I

Por esse motivo, é relativamente fácil adotar as estratégias mencionadas. Elas resultam em um público
cativo, por exemplo, como o das novelas (e dos comerciais a cada 15 minutos).

Então, já se pode concluir que a cultura divulgada por esses meios tem um sentido finalista, que é
assegurar a audiência (portanto, a publicidade) e, consequentemente, o consumo e a rentabilidade da
empresa. Todavia, esse consumo de conteúdos implica duas tendências de comportamento significativas:
de um lado, o consumo dos produtos anunciados nos comerciais (em geral um consumo material,
realizado por troca monetária, tirando da circulação uma parcela da produção e movendo a dinâmica
do capitalismo, como se sabe), de outro lado, há o consumo de ideias, padrões, valores, atitudes e
conhecimentos expostos na programação.

Esse último constitui um consumo do simbólico, uma vez que não retira nada da circulação, ao
contrário, faz circular e amplia o âmbito de ideias, valores e atitudes divulgados (uma vez que estimula
a adesão a ideias, valores e conhecimentos divulgados na condição de verdadeiros, embora nem sempre
o sejam). Essa modalidade de adesão é um dos temas centrais da SC, visto que o conteúdo produzido
é apresentado como informação verdadeira embora esteja relacionada aos interesses da organização
empresarial que a produziu (e contratou alguém para produzir).

Na televisão, esse é o papel dos comentaristas, dos entrevistados em atrações especiais e da


produção de todos os programas, por isso os profissionais nessas áreas são genericamente apontados
como formadores de opinião. São eles, principalmente, que constroem um discurso sobre a realidade,
sem as premissas dessa construção. Mesmo assim, um discurso que reiteradamente explica a realidade
vivida pelo outro, o receptor, e às vezes até indica a atitude a ser tomada por ele.

Os outros meios, como a imprensa, a fotografia e o cinema também se organizam como empresas,
também multinacionais em sua maioria. A imprensa abrangendo jornais, revistas e livros (editoras), a
fotografia compreendendo agências internacionais de notícias, e o cinema contendo os grandes estúdios
e, sobretudo, as distribuidoras.

Embora sejam meios distintos, em geral se articulam na realização de uma produção que assegure
retorno financeiro e que seja dirigida para públicos específicos. Algumas editoras, por exemplo, têm
adquirido um perfil relativamente definido ao se voltarem para áreas profissionais (contudo também
elas incluem em seus catálogos os best-sellers traduzidos, os livros de autoajuda, de culinária etc.); em
síntese, combinam o lucrativo com a imagem intelectualizada ou sofisticada.

É importante acentuar que a leitura (jornais, livros ou internet) exige uma postura do receptor distinta
daquela do telespectador ou do ouvinte do rádio: ele deve deixar-se levar pelo texto, acompanhá-lo
nas ideias que integram a tessitura do discurso, estando familiarizado com a problemática tratada, os
conceitos, os termos técnicos ou mesmo a história de temas e situações focalizadas.

Esse repertório não está disponível para todos os leitores, então eles tendem a abandonar o
texto ou a ler somente o resumo. Além disso, alguns autores, de áreas de conhecimento específicas,
escrevem para seus pares e não para o leitor curioso e interessado; consequentemente, escrevem
textos precisos, mas complicados, difíceis, exigindo um dicionário ao lado (e muitas vezes o dicionário
28
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

não traz aquelas palavras que estão no texto). Novamente, o resultado é abandonar a leitura ou
buscar um texto de divulgação.

Mas o que vem a ser essa divulgação? A velha simplificação mencionada antes, mas agora com dois
sentidos especiais: de um lado, trocar em miúdos a linguagem dos autores para tornar suas ideias mais
acessíveis. De outro lado, a finalidade didática dessa divulgação tornando as ideias compreensíveis para
iniciantes (e isso sem perda do conteúdo), mas também criar o gosto do leitor pelo conteúdo. Essa modalidade
de simplificação do texto impresso, em geral, é muito distinta daquela utilizada na TV, e às vezes no rádio, já
que esses dois meios simplificam a questão, e não a linguagem de sua exposição sistemática.

É preciso compreender também que parte substancial do que se entende por cultura (o repertório
antes mencionado) não está disponível para o jovem iniciante de hoje, simplesmente porque ele não
tem tempo nem disponibilidade para, por exemplo, ler filosofia depois de um dia exaustivo de trabalho
(muitas vezes ele também não tem recursos financeiros para adquirir os livros, e as “xerotecas” estão aí
para comprovar).

Contudo, de longa data, editoras recorrem a estratégias de marketing para tornar algumas obras
reconhecidamente importantes mais acessíveis e atrativas. Por exemplo, no final dos anos 1960, várias
iniciativas foram voltadas para a publicação de fascículos (ou volumes): a Bíblia Sagrada, em primorosa
publicação, coleções de teatro, de literatura mundial, de música brasileira popular, pintura, jazz etc.
Várias dessas coleções tiveram novas edições, como a de música brasileira popular: duas edições, uma
em vinil e outra ampliada em CD.

Nos anos 1970, a Editora Abril publicou pela primeira vez a coleção Os pensadores, conjunto de mais
de 30 títulos de obras significativas em várias áreas da filosofia e das ciências sociais, seguida de quatro
volumes de História das grandes ideias da cultura ocidental. Os textos integrais, em excelentes traduções
e comentários de uma equipe de excelentes consultores, facilitaram a vida de muitos estudantes, uma
vez que, na época, eram raras as traduções. A coleção continua sendo consultada e figura em muitas
bibliotecas pessoais, contudo, foi uma iniciativa de um meio de comunicação social voltado para a
comunicação de massa.

E o cinema? E a música? Bem, aqui tudo o que foi dito antes a respeito dos meios de comunicação
pode ser aplicado. O que é o cinema? A construção de uma realidade fictícia que a fotografia retém
imobilizada e à qual o cinema imprime movimento. Mas uma realidade construída, “representificada”
como afirma Menezes (2003). Seja em documentário, seja nos filmes de ficção, a realidade construída
pelo olhar da câmera não é a realidade que seria vista pelo espectador, mas aquela focalizada sob
orientação do diretor e de outros membros da equipe. Assim, os filmes de efeitos especiais são uma
demonstração clara desse poder do cinema de construir uma “realidade falsa”, mas convincente.

Aliás, o cinema traz impregnado, como marca de origem, a visão do diretor do filme a partir de um
roteiro elaborado por um roteirista (que, por sua vez, pode ter adaptado em roteiro uma obra da literatura
ou do teatro, um poema, informações obtidas em jornais ou até fragmentos da cultura tradicional).
O diretor do filme vai filmá-lo com a participação de um diretor de fotografia, cenógrafo ou diretor de
cena, além da colaboração de toda a equipe e dos atores, não esquecendo a produção e a trilha sonora.
29
Unidade I

Portanto, um filme é sempre um trabalho de equipe no qual a autoria única propriamente dita, como
acontece na literatura ou nas artes plásticas, simplesmente desaparece ou fica referida apenas ao diretor
(visto que ele tem a concepção de como deverá ser o filme). A situação, embora seja bastante semelhante
à da televisão (ambos combinam imagem, sonoridades, diálogos, movimento e música) também é
bastante diferente, uma vez que na TV o ritmo é outro, as tomadas são outras, e, fundamentalmente, o
tempo (duração) é outro.

Observação

É relativamente comum dizer que um determinado filme representa


um ”cinema de autor”. Em geral, a expressão designa filmes de diretores
conhecidos que criaram uma própria concepção de cinema e contagiaram
outros, às vezes formaram uma tendência na cinematografia, como,
no Brasil, Glauber Rocha com o Cinema Novo, ou John Ford no cinema
americano, Alfred Hitchcock no cinema anglo-americano, Fellini na Itália,
Almodóvar e Saura na Espanha, Ingmar Bergman na Suécia ou Alain Resnais
e a Nouvelle Vague francesa.

Perceber a diferença é fácil: um capítulo de novela pode ser uma cena em um filme, mas toda uma
novela (em geral, durando oito meses) pode ser um filme de 80 minutos a 110 minutos, em média.
Não só isso: a novela, em geral, acaba, exceto quando se forma um canal especializado em reprises
(como o canal Viva, da Globo). O filme permanece por longo tempo, ainda que nas salas especiais das
cinematecas, na versão DVD ou, ainda, sendo exibido nos canais de streaming (Netflix) e nas extensões
dos canais de TV. Nesse sentido, um filme é uma obra, enquanto a novela televisiva tem uma identidade
própria: nem obra propriamente, uma vez que não resulta da inventiva de um autor-diretor responsável
por seu sucesso ou fracasso, nem um programa televisivo, uma vez que tem uma continuidade, um
roteiro, um sentido.

Atualmente, o cinema vem incorporando os meios tecnológicos e o ritmo da televisão, e são


vários os filmes que têm origem em programas da TV. Também a TV vem incorporando do cinema certas
peculiaridades, como as chamadas externas, os cenários deslocados, os efeitos especiais e de luz, os cenários
etc. Filmes são programas frequentes na TV, e o ambiente da TV já serviu de cenário para inúmeros filmes,
inclusive brasileiros. Todavia, essa proximidade não venceu ainda uma questão básica: a concorrência dos
filmes americanos com os nacionais, ou seja, a concorrência entre estéticas diferenciadas.

Enfim, a SC estuda a mediação simbólica realizada pelos meios de comunicação massivos considerando
alguns fatores: modalidade das mensagens, produção e adaptação, além da recepção do conteúdo e de
seus reflexos sociais. Uma vez que o conteúdo produzido é sempre cultural (em outras palavras, integra
a cultura de uma sociedade em um dado momento de sua história), mas é elaborado intencionalmente
e por empresas, ele se constitui em uma modalidade específica de produto, o produto cultural.

No seu conjunto, as empresas que realizam essa produção integram o que se convencionou
denominar por indústria cultural (IC), embora a expressão seja mais associada ao modo de elaborar a
30
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

cultura divulgada do que à natureza do empreendimento empresarial). Conforme analisaremos adiante,


IC é um conceito desenvolvido por Adorno e Horkheimer, autores integrantes da abordagem da SC
conhecida como Escola de Frankfurt.

É verdade que o conteúdo produzido integra a cultura em vários campos, desde culinária a regras de
amamentação dos bebês, relacionamentos, medicina alternativa, história, arte, notícias, esporte, política
etc. A multiplicidade de assuntos, incluindo aqueles dos bate-papos espontâneos, tem uma finalidade
explícita, que seria a de informar o espectador, a audiência, o público em uma dada direção. Nesse
sentido, a exposição do assunto coloca o receptor em posição de passividade, no máximo ele poderá
enviar um e-mail, que será respondido ou não.

Essa passividade, tão comum nos programas de TV, tem característica distinta daquela do cinema:
na sala de projeção o espectador é levado a sonhar de olhos abertos (DROGUETT, 2004), ele se envolve
na cena, sofre com as personagens, grita de medo ou ri das piadas e situações. Ele escolheu o filme, o
gênero e às vezes o diretor. Há um conteúdo que lhe é exibido, mesmo assim só chegará a ele se houver
um repertório para entendimento, uma vez que o filme remete para o que se encontra fora da tela, lugar
da compreensão.

É claro que um filme pode ser exibido na tela da TV ou do monitor, mas não será a mesma coisa:
nessas situações a magia do cinema fica reduzida, perde-se a dimensão propriamente cinematográfica
do filme. Por seu turno, filmes há, e muitos, que reproduzem a estética da TV, ou o modo de produção
da TV, mas esse tema será discutido depois.

Se a maioria dos produtos culturais tem por finalidade entreter e informar o receptor (audiência,
público), enquanto as empresas responsáveis são submetidas às regras do mercado (oferta/demanda
e lucro/prejuízo), pode-se concluir que, quanto maior a audiência, maior a possibilidade de patrocínio
(publicidade) e de maior lucro. Desse modo, aqueles conteúdos mais específicos são deixados de
lado ou são simplificados. Ninguém irá simplificar um jogo de futebol, mas uma matéria sobre a arte
contemporânea, possivelmente. E o que se pode dizer de uma aula de filosofia?

Esses aspectos, a simplificação dos conteúdos, a superficialidade e a vulgarização integram a área de


estudos da SC sobre a comunicação social a partir dos meios de comunicação massivos. Muitas vezes,
para adaptar um conteúdo ao meio e à recepção, são produzidos sentidos cujo entendimento se situa
no que está fora da tela, dependendo do repertório do público.

Uma sequência do filme Abril despedaçado (WALTER SALLES, 2001) permite explorar com mais
detalhes o que se passa fora da tela: no filme, dois irmãos, jovens nordestinos, trabalham na produção
de rapadura sob o sol escaldante. O tempo rotineiro é sinalizado pelo rodar da bolandeira, pelos dentes
da moenda, com seu ruído angustiante. Os bois ensaiam parar e são forçados violentamente a voltar
ao trabalho repetido. Findo o dia, bois liberados da canga, o irmão mais novo grita: “Tonho, os boi tão
rodando sozinho!”.

O olhar surpreso do menino encontra o olhar de conformismo do irmão, ambos constatando que
os bois, mesmo liberados da canga, emparelhados, continuam circulando a bolandeira. Os olhares
31
Unidade I

dos irmãos e a fala do menino remetem a uma linha de fuga, e no além da tela entende-se que ali,
naquele ambiente calcinado, bois e homens se submetem à ordem autoritária que os ultrapassa, ambos
cumprem um destino, ou servem a ele e a uma tradição. A ordem tradicional, autoritária e repressiva,
leva à submissão de todos, mas também à resistência: olhando os bois, Tonho, que carregava a canga
nos ombros, deixa-a cair no chão.

Em For all, o trampolim da vitória, (1997), a música de 1959 de Gordurinha (“Só boto beep bop no
meu samba...”) remete ao imperialismo cultural, à economia política, enquanto na tela desfilam imagens
de itens de consumo valorizados nos anos da Guerra Fria (do milk-shake ao carro). Outro exemplo em
que a articulação se dá pela sonoridade é a clássica cena do banho em Psicose, dirigido por Hitchcock:
as facadas não aparecem na tela, apenas a música as cria, para depois serem confirmadas por um fio de
sangue escorrendo pelo ralo da banheira.

Saiba mais

O entendimento não se encontra na imagem, mas naquilo que está fora


da tela. No cartaz de Domésticas, o filme (2001), o modo como a sociedade
lida com as domésticas aparece claramente: elas são o serviço e seus objetos
de trabalho. Há também o exemplo de uma famosa imagem retratando a
mais completa exclusão social em São Paulo: um tênue muro separando os
bairros (e as realidades tão contrastantes) de Morumbi e Paraisópolis.

Você pode ver o cartaz e conhecer outras informações sobre Domésticas,


o filme (2001) acessando o link a seguir.

DOMÉSTICAS, o filme. Adorocinema. [s.d]. Disponível em: http://www.


adorocinema.com/filmes/filme-37050/. Acesso em: 10 jan. 2020.

A foto retratando os cotidianos tão díspares em dois bairros vizinhos


paulistas foi tema de uma reportagem do jornal inglês The Guardian,
reportagem a qual você pode ler por meio do link indicado a seguir.

SÃO Paulo: imagem de injustiça. The Guardian, Londres, 29 nov. 2017.


Disponível em: https://www.theguardian.com/cities/2017/nov/29/sao-paulo-
tuca-vieira-photograph-paraisopolis-portuguese. Acesso em: 10 jan. 2020.

2.3 SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO: MEDIAÇÃO SIMBÓLICA E DRTCS

Nas páginas anteriores o foco de análise estava dirigido para a comunicação social por meios
massivos, agora o foco será dirigido para o processo de comunicação entre inúmeros emissores e
inúmeros receptores, simultaneamente, formando uma imensa rede de comunicação social. Contudo,
cada nó dessa rede implica um processo de mediação simbólica semelhante ao descrito para os meios
massivos, mas não exatamente o mesmo. Essas diferenças residem em alguns aspectos:

32
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

• na modalidade de espaço em que se dá a mediação (o espaço virtual);

• na dimensão de tempo;

• no modelo dialógico dessa modalidade de comunicação social;

• no fato de esse processo de comunicação (em rede) emprestar à sociedade atual sua denominação
mais adequada (sociedade em rede).

Para facilidade de exposição, o leitor deve ter claro que aqui tomamos por dispositivos tecnológicos
os equipamentos (computadores, tablets, celulares etc.) enquanto recursos que abrangem todo software
necessário para operacionalizar tais equipamentos, principalmente os aplicativos (app), que são os
principais responsáveis pelo funcionamento da rede de comunicação nessa sociedade em rede.

Figura 5 – Manuel Castells

A denominação sociedade em rede é de Manuel Castells, sociólogo espanhol e autor de vários livros
sobre as mudanças provocadas na sociedade e na economia capitalista pelo avanço das tecnologias de
comunicação. Em seu livro Sociedade em rede, o autor afirma:

Minha tese é a de que o surgimento da economia informacional global


se caracteriza pelo desenvolvimento de uma nova lógica organizacional
que está relacionada com o processo de transformação tecnológica,
mas não depende dele. São a convergência e a interação entre um novo
paradigma tecnológico e uma nova lógica organizacional que constituem
o fundamento histórico da economia informacional. Contudo, essa lógica
organizacional se manifesta sob diferentes formas nos vários contextos
culturais e institucionais (CASTELLS, 1999, p. 210).

De fato, o avanço das tecnologias de comunicação se deu em um ritmo e com uma significância
superiores ao próprio avanço histórico dos meios de comunicação de massa, assim como as mudanças
33
Unidade I

sociais provocadas por tal processo. Castells mostra que o processo desencadeado não foi apenas por
efeito de acomodação da racionalidade capitalista, mas que foram efeitos conjugados do modelo que
preside o avanço da tecnologia, mais uma lógica de organização que emergiu coerentemente com esse
processo de avanço. Desse conjunto é que se formou uma economia informacional global, como ele
designa a que preside a sociedade em rede.

Um aspecto a se levar em conta consiste na articulação das possibilidades de comunicação já


existentes por meio de som, imagem e texto, incorporadas no novo sistema tecnológico de comunicação,
permitindo a interatividade. É esse processo de mudança cultural que corresponde à transformação do
capitalismo industrial no modelo de capitalismo informacional.

O leitor pode se perguntar, então, se o capitalismo deixou de ser industrial. Não. Evidentemente,
a produção industrial continua, mas a lógica que preside suas operações mudou sensivelmente,
especialmente por efeito das tecnologias de informação e de boa parte dos dispositivos relacionados a
todas as fases que envolvem produção industrial, transporte, serviços e trabalho.

Essas mudanças foram profundas, com efeitos diretos na economia e na sociedade. Por exemplo,
houve a criação e o aperfeiçoamento de tecnologias (dispositivos e recursos) que passaram a ser produtos
fundamentais para a dinâmica e a rentabilidade de todo sistema. Contudo, esses novos produtos não são
propriamente materiais físicos, são programas que obedecem a uma dada lógica, mas que desencadeiam
procedimentos mecânicos (físicos) necessários ao funcionamento do sistema de produção. Eles integram
a lógica organizacional mencionada por Castells e constituem objeto de estudo de vários novos campos
de saber entre as engenharias, as ciências da informação etc.

Uma outra dúvida do leitor poderia ser o motivo de haver mudança na cultura tendo em vista que,
em princípio, uma cultura compatível com os meios de massa também é capitalista. Para responder a
essa questão, ainda conforme Castells (1999), é preciso lembrar que toda comunicação se faz a partir de
um processo de mediação simbólica (conforme anteriormente apontado). Os meios de massa, sobretudo
a televisão, criaram uma cultura de massas, caracterizada pela homogeneidade do sinal e pela baixa
interatividade. Os dispositivos atuais de comunicação e os recursos tecnológicos mobilizados expandiram
essa interatividade e, consequentemente, instalaram possibilidades de discussão, o que significa novas
e múltiplas mediações. Castells (1999, p. 414) sintetiza: “O surgimento de um novo sistema eletrônico
de comunicação caracterizado pelo seu alcance global, integração de todos os meios de comunicação e
interatividade potencial está mudando e vai mudar para sempre nossa cultura”.

Isso significa que as crenças, os valores, as ideias políticas e as religiões sofrerão mudanças
profundas. Será? E, se for assim, em qual ritmo essas mudanças vão se tornar globais? Nessa linha de
raciocínio, a multiculturalidade, característica dos tempos atuais, tenderá a desaparecer, substituída
por uma uniformidade cultural? Não, afirma Castells (1999), visto que, se há uma descontinuidade
tecnológica, ou seja, se os equipamentos e as técnicas entram em desuso e são substituídos por outros
mais modernos, a sociedade mantém certa continuidade, apesar da possibilidade de serem introduzidas
modificações. Além das alterações e adaptações, o ritmo de absorção do novo é mais lento ou, melhor
ainda, é histórico. As mídias dos anos 1990, por exemplo, apresentavam mudanças em relação às dos
anos 1980, bastando lembrar que a TV da década de 1990 era mais segmentada e diversificada.
34
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

À medida que a comunicação entre as pessoas passa a ser mediada por computadores, a interatividade
se instala como ampla rede de relacionamentos, criando um modelo peculiar de relacionamento social
caracterizado por laços fracos e numerosos, em lugar dos poucos, porém fortes laços de antes, de tal
sorte que, embora esses laços remetam aos modelos culturais e históricos sedimentados, eles incorporam
outras facetas decorrentes do espaço de comunicação (redes), dos dispositivos e dos recursos empregados.
Assim, desconhecidos podem estabelecer amizade, outros podem curtir ou descurtir alguma postagens
etc. Castells explica:

[...] a vantagem da Rede é que ela permite a criação de laços fracos


com desconhecidos, num modelo igualitário de interação, no qual as
características sociais são menos influentes na estruturação, ou mesmo
no bloqueio, da comunicação. De fato, tanto off-line quanto on-line, os
laços fracos facilitam a ligação de pessoas com diversas características
sociais, expandindo assim a sociabilidade para além dos limites socialmente
definidos do autorreconhecimento (CASTELLS, 1999, p. 445).

As redes ampliam possibilidades em várias áreas da vida social, dos relacionamentos pessoais ao
ativismo político, sendo importante ressaltar as oportunidadess abertas para instauração de práticas de
ensino e aprendizagem mais condizentes com a vida social contemporânea, como aparece em Facebook
e educação: publicar, curtir, compartilhar (2014), livro organizado por Cristiane Porto e Edméa Santos.

A rede de comunicação mediada por computadores, celulares e tablets permite a formação de grupos
de discussão baseados em interesses semelhantes, delimitados para o exterior, formando núcleos, grupos
ou comunidades cuja característica comum entre seus membros é partilhar de determinados interesses.
Tais comunidades são, a rigor, comunidades virtuais, mas serão elas iguais às comunidades reais? Essa
questão é tratada por Castells, recebendo do autor a seguinte resposta.

Sim e não. São comunidades, porém não são comunidades físicas e não
seguem os mesmos modelos de comunicação e interação das comunidades
físicas. Porém não são “irreais”, funcionam em outro plano da realidade.
São redes sociais interpessoais, em sua maioria baseadas em laços fracos,
diversificadíssimas e especializadíssimas, também capazes de gerar
reciprocidade e apoio por intermédio da dinâmica da interação sustentada
(CASTELLS, 1999, 446).

Na resposta de Castells é instalada uma questão fundamental para a comunicação social


contemporânea: as comunidades, diz ele, existem, mas não são físicas, ou seja, não são materiais. Trata-se,
então, de uma existência imaginária, irreal, fantasmagórica? A resposta é não: a existência dessas
comunidades acontece no plano virtual, sua existência “real” é virtual. Trata-se da realidade virtual,
espaço não territorial ou físico, mas no qual se passa boa parte da vida social contemporânea (desde
compras em supermercado ao pagamento de contas em bancos, relacionamentos amorosos, políticos,
eleitorais, educacionais etc.). Nesses termos, vale a pena examinar com maior cuidado conceitos como
virtual, virtualidade, informação e comunicação.

35
Unidade I

Figura 6 – Pierre Lévy

O conceito do que seria virtual tem uma longa trajetória na filosofia: inicialmente mencionado por
Platão, foi posteriormente discutido pela filosofia medieval e associado à virtude por Maquiavel (como
virtú, força, potência). No século XX o conceito ainda foi trabalhado por vários filósofos, mas foi Pierre
Lévy quem se destacou ao se dedicar à análise do conceito, tratando-o como potência. Em 1997 o
autor retomou sua análise anterior, reexaminando e ampliando o conceito na obra Cibercultura. Essa
trajetória, aliás, foi examinada por Galvão (2016) focalizando o conceito (e suas respectivas alterações),
dado ser ele central à discussão e ao exame da comunicação contemporânea, especialmente a dos dias
atuais, mediada pelos dispositivos e recursos eletrônicos.

Em Lévy, originalmente, virtual é uma potência, portanto não se opõe ao real e físico, nem ao
imaginário. A manifestação dessa potência é a virtualidade e, como resultante da manifestação virtual,
temos algumas características próprias, a saber:

• alteração na concepção de espaço (desterritorialização);

• alteração na concepção de tempo (desprendimento do aqui e agora);

• superação de limites entre o interior e exterior, o público e o privado, o objetivo e o subjetivo etc.
(tudo pode ser compartilhado).

Quando Lévy considera tais características em relação à economia, duas condições se mostram
relevantes: informação e conhecimento. Conforme antes apontado, Galvão (2016) retoma o conceito de
virtual em Lévy e analisa as alterações realizadas pelo autor entre 1995 e 1997, ou seja, alterações que
ampliam e tomam o conceito de virtual em relação à cultura. Segundo ele:

Na obra de 1995 o virtual é entendido então como potência, oposto ao atual,


não ao real. Na obra de 1997 o virtual passa a ter ao menos três sentidos:
o comum, o filosófico e o tecnológico. Numa escala de virtualidade, esses
sentidos se desdobram em cinco posições, sendo o mais forte a Realidade
Virtual e o mais fraco o do Senso Comum (GALVÃO, 2016, p. 108).

36
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Um breve comentário sobre a observação de Galvão: qual o sentido de atual? Nesse caso, atual diz
respeito à temporalidade, ao acontecer em um dado tempo. Assim, atual é aquilo que existe (portanto,
resultante de uma actualização/ato), além de ser algo que existe no tempo presente. Por isso, atual se
opõe ao potencial e ao virtual, tomado como expressão de uma potência.

Isso significa que Lévy passa a reconhecer no virtual uma peculiar empiricidade, não materialidade
(ou seja, a da realidade virtual). Examinando sistematicamente o emprego do conceito de virtual pelo
filósofo francês, Galvão acaba apontando certas inconsistências, como a recusa de Lévy em reconhecer
a relação entre virtual e digital. Diz ele:

O que ocorre é que o virtual sem o digital não é nada. O digital é o demiurgo,
aquilo que plasma os processos eletrônicos em elementos interativos e
vice-versa. Sem o digital, o que Lévy chama de virtual é apenas informação
inserida em algum suporte físico, seja papel, em rochas, madeira, o que for
(GALVÃO, 2016, p. 120).

Em que pesem essas observações, Galvão reconhece a importância das intuições de Lévy,
especialmente “sua insistência em tratar o Virtual como Real, ontologicamente, válida não somente
pelo fato de o virtual produzir efeitos no mundo, mas como sendo um fator condicionante de mudanças
sociais. Arriscaria dizer que o virtual hoje ‘pesa’ mais que o atual” (GALVÃO, 2016, p. 120).

Enfim, as ponderações de Galvão apontam para a necessidade de examinar a comunicação social


na sua dimensão virtual, a que resulta de um processo de digitalização (recurso eletrônicos), mas
também como informação. Vários autores seguiram por esse caminho de análise a partir dos campos
da Filosofia, da Psicologia e das Ciências da Informação, o que mostra o caráter transdisciplinar dos
conceitos apontados.

Monteiro (2004) discute aspectos filosóficos do virtual relacionando-os às obras simbólicas no


ciberespaço. Partindo de Lévy (2010), ela abre os termos da discussão, esclarecendo:

No ciberespaço, não só o texto é em essência virtual, mas o espaço de


inscrição, ou seja, a mídia, torna-se também virtual. O caráter virtual do
texto, no hipertexto, é elevado à potência: linguagem e meio virtualizam-se.
Assim, “o texto é posto em movimento, envolvido em um fluxo, vetorizado,
metamórfico, estando mais próximo do próprio movimento do pensamento
ou da imagem que hoje temos dele” (MONTEIRO, 2004, p. 112).

Esse caráter peculiar do ciberespaço, movimento que transforma, produz metamorfoses, alterando
o texto, que assim escapa à construção física, fechada e fixa, remetendo ao que já foi apontado como
uma das características da virtualização: afetar conteúdo e sentido, instalar dobras que rompem com
limites entre público e privado etc. É por isso que, segundo Monteiro:

37
Unidade I

O hipertexto, nas redes digitais, está desterritorializado, graças aos seus


dispositivos, entre deles o “link” que faz a ligação de contexto entre os enunciados
e os conteúdos, estabelece o vínculo entre os vários nós, tornando o espaço (do
ciberespaço) além de contínuo, contíguo também (MONTEIRO, 2004, p. 112).

Um aspecto importante a se considerar diz respeito à autoria das obras e trabalhos inseridos no
ciberespaço. Como diz Monteiro, retomando as palavras de Lévy, eles têm a:

[...] possibilidade de o mundo virtual conferir múltiplos sentidos, realizações


e atualizações, ao que Lévy designa “obra-fluxo”, “obra-processo” ou ainda
“obra-acontecimento” [...] em que o autor “não assina uma obra acabada,
mas um ambiente por essência inacabado, cabendo aos exploradores
construir não apenas o sentido variável, múltiplo, inesperado, mas também
a ordem de leitura e as formas sensíveis” (MONTEIRO, 2004, p. 113).

É evidente que as condições presentes no ciberespaço, especialmente a desterritorialização,


acarretam problemas de ordem jurídica relativos a direito de propriedade autoral, direito do consumidor,
de imagem, além das implicações de ordem moral, sendo frequentes as fake news e até mesmo crimes
como racismo, pornografia infantil etc.

Em face de tantos problemas potenciais, mas também em face da expansão fenomenal dos meios
eletrônicos e da realidade virtual, valeria a pena retomar distintas concepções do virtual a fim de examinar
implicações que estariam relacionadas a esses e outros problemas? Essa foi a questão de partida no
trabalho de Lopes (2005), A realidade do virtual, um título que é, por si só, intrigante. Nessa obra, Lopes
examina a concepção de Pierre Lévy, Gilles Deleuze e Jean Baudrillard; entre os dois primeiros existe
uma declarada afinidade teórica, mas posteriormente essa afinidade entra em contradição ao longo das
obras de Lévy, quando ele “conclama a realidade do virtual para justificá-la como unidade que pode ser
reconhecida, mesmo que não presente de maneira física” (LOPES, 2005, p. 105).

Em seus termos, para Lévy, “é virtual toda entidade desterritorializada, capaz de gerar diversas
manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem, contudo, estar ela
mesma presa a um lugar ou tempo em particular” (LÉVY, 2003, p. 47 apud LOPES, 2005, p. 106). Todavia,
isso seria impossível, no entender de Deleuze, na medida em que a realidade virtual é potência e, assim
sendo, não pode ser reconhecida.

A posição de Baudrillard é mais cautelosa, segundo Lopes (2005), contudo o questionamento desse
autor se dirige à realidade, como se o sociólogo francês, admitindo a realidade virtual como realidade,
ainda assim questionasse: “mas o que é a realidade? Ela existe?”. Baudrillard responderia que não.

Do meu ponto de vista, como já disse, fazer acontecer um mundo real é já


produzi-lo, e o real jamais foi outra coisa senão uma forma de simulação.
Podemos, certamente, pretender que exista um efeito de real, um efeito
de verdade, um efeito de objetividade, mas o real, em si, não existe
(BAUDRILLARD, 2001, p. 41 apud LOPES, 2005, p. 104).
38
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Baudrillard contesta, portanto, a existência de uma realidade como absoluta. Qualquer proposta de
real seria uma simulação possível, com vias de criar uma ilusão mais ou menos totalizadora.

Deixando de lado, por enquanto, essas discussões filosóficas, é tempo de refletir sobre o conteúdo
que circula nesse espaço cibernético (ou nessa realidade virtual de comunidades, grupos, blogs,
provedores etc.). O que é isso? Informação? Mas o que é informação? Melhor ainda, o que é informar?
É construir, moldar, manipular? Além do mais, quem é sujeito nesse fluxo de conteúdos distintos,
articulados ou não? Na verdade, são essas as questões centrais para a SC contemporânea, por isso
será preciso respondê-las com cuidado, solicitando a paciência do leitor.

O conceito de informação, assim como todo conceito científico, provocou discussões na medida em
que teorias diferentes o empregaram com sentidos distintos. Isso porque em cada teoria e campo do saber
a palavra informação apareceu relacionada a uma dada modalidade de construção do conhecimento e a
procedimentos associados, bem como a análise e interpretação de resultados.

Em um trabalho específico sobre esse tema, Capurro e Hjorland (2007) acompanharam a trajetória
do conceito em campos distintos de saber, alertando:

Embora o conhecimento e a sua comunicação sejam fenômenos básicos


de toda sociedade humana, é o surgimento da tecnologia da informação
e de seus impactos globais que caracterizam a nossa sociedade como uma
sociedade da informação (CAPURRO; HJORLAND, 2007, p. 149).

Nesses termos, consideram importante reconhecer e elucidar aspectos relacionados à faceta


interdisciplinar adquirida pelo conceito, mas deixam claro, valendo-se de Braman, o próprio campo de
referência, a Ciência da Informação.

A coisa mais importante em CI (como em política de informação) é


considerar a informação como uma força constitutiva na sociedade e, assim,
reconhecer a natureza teleológica dos sistemas e serviços de informação
(BRAMAN, 1989 apud CAPURRO; HJORLAND, 2007, p. 151).

Em linhas gerais, a palavra informação remete para dois sentidos distintos, porém associados ao
longo da história:

• informação como a ação de emprestar uma forma ou um formato a determinada matéria;

• informação como transmissão de conhecimento e como o próprio conteúdo transmitido.

Até hoje pessoas se referem à própria formação como processo de escolarização e habilitação
profissional, além de, em alguns casos, se referirem à religião professada. Bem, em termos gerais,
esses foram sentidos herdados da tradição grega, latina e medieval. Tais concepções permaneceram,
embora com algumas alterações, mas as mudanças históricas e culturais posteriores, sob influência
do Renascimento e depois do Iluminismo, aprofundaram a superação das instituições e do
39
Unidade I

pensamento medieval. Então, conforme relata Peters (1988, p. 12 apud CAPURRO; HJORLAND,
2007, p. 158), nos séculos XVII e XVIII, ”sob a tutela do empirismo, a informação gradualmente
moveu-se da estrutura para a essência, da forma para a substância, da ordem intelectual para
os impulsos sensoriais”.

Da trajetória histórica, Capurro e Hjorland chegam a duas conclusões significativas:

[...] os usos modernos do termo informação indicam um período de


transição no qual o conceito ontológico medieval de moldar a matéria
não apenas foi abandonado, mas refeito sob premissas empíricas
e epistemológicas. [...] interessante observar como o conceito de
informação está intimamente ligado a visões sobre o conhecimento
[...] uma conexão muito negligenciada entre as teorias da informação e
as teorias do conhecimento (CAPURRO; HJORLAND, 2007, p. 159).

Portanto, partindo das questões anteriormente colocadas, foi possível chegar ao entendimento
do que se toma modernamente por informação e reconhecer que o conceito não está mais
relacionado a emprestar forma (enformar) a uma dada matéria, nem à ação do emissor para
manipular o receptor: a informação está decididamente relacionada à construção e à comunicação
de conhecimento.

No entanto, permanecem as questões relacionadas à modalidade de conhecimento e à relação


propriamente dita entre conhecimento e informação. Quanto a esse ponto, os autores Capurro
e Hjorland (2007) afirmam que se trata de uma relação recursiva, ou seja, um termo da função
remete a outro, portanto não se trata de uma relação circular. Em relação a isso, eles remetem à
frase de Dretske: “O conhecimento é uma crença produzida por informação” (DRETSKE, 1981,
p. 91-92 apud CAPURRO; HJORLAND, 2007, p. 170).

Do ponto de vista da dimensão social e cultural da informação e de sua relação com o


conhecimento, os dois autores consideram que Braman (1989) fez uma contribuição significativa
quando estabeleceu quatro modalidades de definição de informação para gestores das políticas
públicas: “1) informação como um recurso, 2) informação como uma mercadoria,
3) informação como percepção de padrões e 4) informação como uma força constitutiva
na sociedade” (CAPURRO; HJORLAND, 2007, p. 174). A última modalidade de definição é a que
diretamente remete às Ciências Sociais (portanto à Ciência Política, à Economia, à Antropologia e
à Sociologia, especialmente à SC).

O conceito de sociedade da informação, bastante usual na década de 1990, foi objeto de várias
teorizações, comentários e críticas por parte de vários autores das ciências humanas e sociais. O
próprio Franklin Webster, sociólogo britânico, reuniu em sua obra clássica, Theories of the information
society, de 1995, as teorias sociológicas que têm esse conceito, sociedade da informação, como
tema central considerado sob cinco critérios: tecnológico, econômico, ocupacional, espacial e
cultural (WEBSTER, 1995).

40
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Na obra, o autor associa sociólogos por ele tratados aos critérios anteriormente apontados.
Todavia, ele descarta o critério tecnológico tendo em vista que não se tratava de examinar as
mudanças tecnológicas, mas de examinar a presença e a influência da informação na sociedade.
Com esse propósito, e após se colocar a tarefa de examinar em que consiste uma sociedade da
informação, ele passou a analisar a informação sob um critério ocupacional e econômico na
teoria de David Bell e de outros, de sociedade pós-industrial ou da passagem do capitalismo
fordista para pós-fordista.

Figura 7 – David Harvey

Na sequência, Webster aborda as teorias da Escola de Regulação, comentando o trabalho de vários


autores, sobretudo economistas, entre os quais vale ressaltar David Harvey.

Observação

David Harvey, economista e geógrafo, atualmente está estudando


a irracionalidade na circulação do capital na sociedade contemporânea,
partindo de uma releitura das teorias de Marx. Aliás, ele esteve no Brasil
recentemente, deu palestras e lançou um livro sobre o assunto.

Para Webster, as questões fundamentais da Escola são:

Como o capitalismo garante sua perpetuação? Como é que um sistema,


que é premissa sobre sucesso, realização de lucro e expansão consistente
do capital, alcança a estabilidade? Ou, para colocar isso em termos que
os pensadores da Teoria da Regulação preferem, como é a acumulação
capitalista garantida? (WEBSTER, 1995, p. 63).

Nos demais capítulos do livro, Webster analisa: informação na sociedade em rede focalizando
a obra de Manuel Castells; informação e mercado com Herbert Schiller; informação, democracia
e Jürgen Habermas; informação, reflexividade, vigilância e a obra de Anthony Giddens; informação,
pós-modernidade, Jean Baudrillard, Jean-François Lyotard e Zygmunt Bauman (WEBSTER, 1995).
41
Unidade I

Retomando o processo de mediação simbólica, vale perguntar: ele seria igual ao descrito páginas
atrás, considerando agora a circulação da informação na sociedade em rede, mediante os dispositivos
e recursos tecnológicos? A resposta é não, porque agora o modelo de comunicação é dialógico, ou
melhor, interativo. Então, retomando o desenho anterior, e numerando os três blocos (emissor, mediação
simbólica da mensagem e mediação simbólica da recepção), temos a constituição de um espaço entre
cada bloco e a abertura final para um espaço aberto e/ou para compartilhar com seguidores.
1. 1.1 2. 2.1 3. 3.1↔
Emissor envia
mensagens em Mediação simbólica Mediação simbólica
(da mensagem) (na recepção)
Som Decodificação por meio:
sonoridades Adequa o conteúdo ao
(audição) meio de comunicação a) Matriz de sentidos
(cultura)
Imagens e
(estáticas e em b) Repertórios (do
movimento), Adapta a mensagem receptor) razão, emoção
gestos (corpos) (visão) ao receptor moral, ética, estética,
Características crenças imaginário
Odores, perfumes e condições
(olfato)

Figura 8 – Como se dá a comunicação social em rede

Figura 9 – Comunicação social em rede

Na etapa 1, o sujeito é aquele que posta uma mensagem de uma dada posição em rede (Twitter,
Facebook, Instagram etc.). A mensagem é aberta para toda a rede de amigos inscritos na página:

42
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

supostamente todos têm acesso àquela informação e todos irão recebê-la no mesmo momento, em
lugares distantes ou próximos (desterritorialização). Todos os círculos de cor básica podem representar
a posição de sujeito na figura anterior.

Na etapa 1.1, o meio eletrônico, os dispositivos e recursos estão representados pelos vetores que
partem dos círculos com a mesma cor. Eles não alteram a mensagem, mas podem não fazê-la chegar
por algum erro de digitação, falha de energia, problema técnico etc. Todavia a mensagem será enviada
para todos os integrantes da rede, todos os que permitirem tal processo ou estiverem adicionados
(ou seja, não bloqueados). No caso de a mensagem chegar, o receptor pode responder (tornando-se
sujeito 2), porque incorpora a mensagem e a transmite para outrem ou simplesmente a divulga na rede
(interatividade e/ou dialogicidade)

Na etapa 2, há uma mediação simbólica (claro) do emissor que envia a mensagem e do receptor que
a entende de alguma forma, não exatamente como o emissor pensou. Essa relação é imediata e pode
atingir tantas pessoas quanto forem os seguidores, podendo até “viralizar”. Na figura, os círculos em tons
de azul claro, em tamanhos diferentes, representam essa variação.

Na etapa 2.1, vê-se novamente que o meio eletrônico, os dispositivos e os recursos (como os
aplicativos) não alteram a mensagem, exceto nos casos mencionados, mas o espaço virtual, embora não
seja físico e material, é dotado de uma realidade peculiar, a virtual, que pode induzir a comportamentos
e práticas (ou reprimi-las), às vezes com maior eficiência do que o relacionamento em espaço físico
(caso de um comício versus uma notícia muito comentada na internet). Novamente, os círculos em azul,
de tonalidades distintas, articulados a outros, representam essa variação da importância atribuída às
mensagens recebidas, retransmitidas ou compartilhadas.

Na etapa 3, um exame mais detalhado dessa mediação simbólica no espaço virtual (redes) permite
considerar as bases da resposta do receptor. É importante notar que a noção de verossimilhança é
ampliada eventualmente para além das notícias que circulam nos meios massivos: as emoções despertadas
pelas notícias despertam reações emocionais em face de situações imaginárias, mas habilmente criadas
e instiladas nas redes. Inversamente, o mundo maravilhoso dos sorrisos de plástico, das viagens ao
alcance de qualquer um etc. são elementos que criam um estado de otimismo e esperança, como se o
mundo devesse ser assim, ainda que não o seja. Tais posturas são sustentadas por crenças em verdades
absolutas, ou permanentes, independentemente da história e das mudanças sociais. Elas costumam
produzir reações violentas, autoritárias, favoráveis aos regimes de exceção (ou seja, não democráticos).
Contudo, essas posturas não se formam por uma processo de análise crítica da situação ou pela reflexão
científica, elas têm origem em crenças em líderes que se apresentam como “salvadores da pátria”.

Na etapa 3.1, vemos que meios eletrônicos, dispositivos e recursos também não alteram as mensagens,
mas podem ser veículos de chamamento para ação política, como o movimento “Vem pra rua” e outros
atos públicos. Nesse caso, os manifestantes têm posições políticas assemelhadas, ou pelo menos são
solidários para estar no movimento. Entre eles, muitos são os que estão reagindo a uma situação que
foi caracterizada, explicada, interpretada por alguém, e, a partir desse diagnóstico, criou-se uma linha
de ação, inclusive a passagem do espaço virtual para o físico, das palavras para os atos, das ideias para a
ação, passagem que pode ser violenta ou não, dependendo do estado de ânimo dos manifestantes e dos
43
Unidade I

recursos disponíveis. É importante notar que, na figura, a rede se apresenta aberta: tal como no mundo
virtual das redes, não se pode estabelecer um limite na circulação das mensagens. Tal procedimento só é
possível nos grupos (como os de WhatsApp) e/ou nas comunidades virtuais, as quais são criadas a partir
de certos interesses, habilidades ou características comuns aos seus membros.

Considerando todos os aspectos apontados, a SC se ocupa dos produtos culturais resultantes dos
meios massivos, assim como da comunicação que circula pelas redes sociais, comunidades virtuais e
mercado, com as respectivas adaptações e adequações. Nos dois campos, a SC tem por objetivo esclarecer
quais reflexos aparecem ou são produzidos na vida das pessoas, além do impacto ou da influência dessas
modalidades de comunicação na vida social cotidiana e nos padrões de sociabilidade correntes. Mas
esse questionamento recebe um tratamento diferenciado conforme a abordagem adotada. Por isso será
preciso discutir as principais abordagens e os respectivos temas.

3 SC: PRINCIPAIS ABORDAGENS E TEMAS

Dois grandes campos de investigação constituem a área da SC.

• Um campo examina a formação da comunicação social em sua diversidade de formas e conteúdos,


bem como a interação entre eles. Os vínculos e as relações entre os três níveis de cultura antes
citados (erudita, popular e de massa) integram esse campo, como também a relação entre a
cultura tradicional e a contemporânea (virtual).

• Outro campo investiga as formas peculiares de produção e circulação da comunicação social,


tanto pelos meios de comunicação massivos quanto pelos dispositivos e recursos tecnológicos.

Nos dois campos, o foco da SC é dirigido para os reflexos sobre sociabilidade, padrões e valores
associados à sociedade urbana industrial, pós-industrial (ou em rede, como a designa Castells),
pós-moderna, de consumo ou mercado, ou, ainda, para simplificar, sociedade contemporânea.

As tendências de investigação nos dois campos diferem: de um lado, as que examinam criticamente
os efeitos na sociedade e peculiaridades de elaboração da chamada cultura de massas; de outro, as
que examinam a recepção das mensagens do ponto de vista de seu alcance prático (ou pragmático).
Na verdade, os dois campos apontados se comunicam, embora as tendências de investigação, ou
abordagens, sejam diferenciadas.

Mas o que é abordagem? Trata-se do modo como tendências da SC estudam e pesquisam a


comunicação social. O sentido sociológico da palavra abordagem diz respeito às teorias e concepções de
método de investigação, mas é bastante próximo daquele utilizado no cotidiano. Se alguém questiona
“Mas como ele abordou a garota, já que ela não aceitou seu convite para ir à festa?”, o leitor deve ter
entendido que o modo como o garoto se aproximou da garota, o que ele disse, as ideias que mantinha
sobre ela, enfim, seu procedimento deveria ser inadequado para a garota, para o momento ou para
ambos. Provavelmente, se, anos mais tarde, o mesmo homem voltasse a fazer o mesmo convite para a
mesma mulher, sua abordagem seria outra, o que não quer dizer que ele teria acertado, mas certamente
não cometeria os mesmos erros.
44
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Esse é o sentido para abordagem em sociologia: como o sociólogo vai se relacionar com o problema que
pretende estudar. No caso em pauta, sociabilidade e cultura contemporâneas, os meios de comunicação
de massa e virtuais. É importante notar que comunicação de massa e comunicação virtual são duas
faces da mesma moeda ou da vida social ao longo do século XX até os dias atuais. Por isso a abordagem
deve ser atualizada, para atender à historicidade do problema, adequando conceitos à realidade em foco
(como deveria ter feito o rapaz em relação à garota, no exemplo anterior).

A SC focaliza as condições particulares, de natureza histórica e social em que mensagens e conteúdos


atingem diretamente amplos segmentos sociais ou mesmo toda a sociedade em dado momento histórico
(o que implica condições sociais, econômicas, culturais). Desse modo, a comunicação impregna a
temporalidade, atribui sentidos ao que se vive, constrói simbolicamente o cotidiano. Consequentemente,
estabelece modelos para agir em sociedade, afeta os sonhos, as expectativas e os ideais vividos, os
valores éticos, estéticos e políticos adotados, além de caracterizar uma modalidade de poder, o poder
simbólico, exercido pelos poderosos de todos os tempos.

Algumas expressões usadas no cotidiano, como “todo mundo sabe que é assim” ou “todo mundo
faz assim”, remetem a um comum entendimento da vida que é cultural, portanto social e histórico;
elas aludem à suposição de práticas sociais homogêneas entre todos os segmentos sociais (o que
seria uma sociedade de massa). A esse modelo corresponderia uma modalidade de cultura também
generalizada, a cultura de massa. Características dessa cultura de semelhança seriam os conteúdos
culturais simplificados e o tratamento de temas pela superficialidade, exatamente para permitir o acesso
ou a apropriação, desses conteúdos por todos.

Nesses termos, a cultura de massa seria aquela cujo alcance ampliado implicaria descaracterização
da dimensão propriamente cultural, uma vez que as chamadas massas não teriam condições intelectuais
e de repertório para incorporar a cultura na sua constituição original. Evidentemente, esse processo
teria nos meios de comunicação de massa um fator condicionante. Contudo, a divisão da cultura em
dois grandes universos, cultura de massa (inferior) e a não de massa (superior), implicaria também uma
reserva de poder àqueles que manipulariam a cultura para torná-la acessível.

Embora se possa supor a presença da profunda diferenciação da cultura (a clivagem cultural)


com implicações políticas, do ponto de vista do exercício de poder, o processo não é característico
da sociedade moderna, assim como certas formas utilizadas para a comunicação das diferenças e seu
reflexo na esfera política: a pompa dos faraós, reis e imperadores levava à comunicação de poder aos
súditos; os jesuítas se valeram do teatro e das procissões para desenvolver a catequização; nos dias
atuais o tapete vermelho (na realidade, uma passadeira vermelha) demarca o caminho das celebridades
do momento, assim como as cátedras e becas de juízes nos tribunais. Todos esses aparatos comunicam
o poder de quem os utiliza, embora o façam em geral de forma difusa.

A SC nasce na Europa, no ambiente que se seguiu à Primeira Guerra, e, sintomaticamente, na


Alemanha, numa época de fortalecimento das tendências autoritárias (entre elas, variantes do
positivismo, porém, notadamente o fascismo e nazismo). As duas tendências eram reconhecidas pelas
elites de vários países europeus como formas de antídoto e segurança face à penetração das ideias
socialistas. Vale destacar que isso não ocorreu somente na Itália e Alemanha, até no Brasil houve uma
versão brasileira do fascismo, o integralismo.
45
Unidade I

Nesse mesmo período, nos Estados Unidos, desenvolviam-se estudos de audiência dos programas
radiofônicos e de propaganda (nada semelhantes aos estudos contemporâneos). Vários intelectuais e
cientistas sociais fugiram da perseguição nazista na Alemanha e se abrigaram nesse país, lá continuando
as pesquisas que desenvolviam na Europa. Desse modo, duas tendências centrais da SC refletem as
condições históricas e políticas de sua constituição:

• a tendência crítica, desenvolvida na Europa e durante algum tempo nos Estados Unidos, conhecida
como Escola de Frankfurt;

• a tendência pragmática, de base funcionalista, cuja origem também esteve vinculada à imigração
de sociólogos alemães para os Estados Unidos, mas que lá se tornou predominante.

3.1 Tendências: a Escola de Frankfurt (análise crítica)

Foi no ambiente social e político de germinação do nazismo na Alemanha que se desenvolveu uma
abordagem crítica em relação ao papel dos meios de comunicação (rádio, cinema e imprensa) na sociedade.
Essa abordagem crítica foi denominada Escola de Frankfurt e era composta de cientistas sociais ligados à
Universidade de Frankfurt com uma formação originalmente marxista, ainda que não se identificassem com
o marxismo ortodoxo stalinista. De fato, a grande indagação desses intelectuais residia em examinar
como (em quais condições) propostas de base racional, realizadas em nome da justiça e liberdade, conduziam
ao autoritarismo (portanto, à negação da justiça e da liberdade).

A expressão teoria crítica, utilizada para indicar a reflexão da Escola de Frankfurt, tem como
referência o ambiente cultural, político e social da Alemanha nazista, com uma suposta racionalidade,
verdades incontestáveis, apego à ciência e à tecnologia. Todos esses aspectos eram francamente
estimulados pelos meios de comunicação, pelo rádio (nos discursos inflamados de Hitler), pelas ações
políticas (agressões aos judeus, por exemplo), pelos filmes de propaganda, desfiles, bandeiras etc.

Os autores se perguntavam como uma cultura racional e científica tinha dado origem a isso, qual
teria sido o papel da propaganda e se seria possível uma arte em uma sociedade articulada pelos meios
de comunicação de massa.

A B C

Figura 10 – Qual foi o papel dos meios de comunicação na ascensão do nazismo?

46
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Formara-se um padrão de sociedade instaurado por mobilização emocional, mas com um discurso
de convencimento racional sobre a justeza histórica dos objetivos visados pelo terceiro Reich e sobre a,
então tida como verdade científica, supremacia racial ariana.

A crítica desenvolvida pelos frankfurtianos à racionalidade nazista era apoiada em tendências do


pensamento marxista não ortodoxo e em seus desenvolvimentos. Um aspecto central dessa crítica
residia em questionar o interesse que fundamenta a racionalidade.

De fato, o conhecimento científico, herdeiro do Iluminismo, se apoia na convicção da racionalidade


humana e na possibilidade de a razão desvendar o mundo, usando para isso os instrumentos racionais
e empíricos de investigação e assegurando a objetividade dos resultados. Essa postura instaurou um
sujeito racional na relação de conhecimento de algo situado como seu objeto, embora em condições
especiais nas ciências sociais. Decorre dessa postura a crença de que o conhecimento conduziria ao
avanço da sociedade na direção de uma vida mais digna e em liberdade. Consequentemente, nessa
concepção o desenvolvimento do conhecimento científico se projeta para os campos da ética e da política.

Todavia, desde o final do século XIX já havia indícios de crítica à dimensão autoritária da racionalidade
no pensamento sociológico e filosófico. Essa tendência foi ampliada nas primeiras décadas do século
XX, especialmente se pensarmos na racionalidade instrumental na esfera política, podendo ser citados,
nesse contexto, Georg Simmel e Max Weber (sociólogos do fim do século XIX e início do século XX,
respectivamente), além de Nietzsche e Marx (filósofos, ambos do final do século XIX), Freud e Jung
(psicanalistas do século XX).

As pesquisas desenvolvidas pela Escola de Frankfurt formam um capítulo especial na tendência


de revisão crítica da trajetória do pensamento moderno (ou da modernidade): a partir de uma revisão
do marxismo e de conceitos como comunicação e interesse, a contribuição da Escola se caracterizou
pela investigação do discurso deliberadamente construído para comunicação ou, melhor dizendo, pela
investigação do processo de comunicação social na sociedade de massas e da produção cultural para a
sociedade de massas.

A B C

Figura 11 – Principais autores da Escola de Frankfurt: da esquerda para a direta, Horkheimer, Adorno, Benjamin e Habermas

A questão central nessa crítica residia em investigar como o desenvolvimento de uma sociedade
resultante da razão iluminista, ou seja, que suporta o conhecimento científico, poderia conduzir a sua
47
Unidade I

própria negação. Em outros termos, como o pensamento racional se afastava da prática moral e ética,
conduzindo uma luta pelo poder e pela riqueza a qualquer custo? Tratava-se de investigar a distinção
entre conhecimento (razão) e prática (fundamento da teoria tradicional, idealista) para incorporar a
prática ao campo teórico (HORKHEIMER, 1983).

Mais tarde, em 1947, Adorno e Horkheimer escrevem uma obra clássica, Dialética do Iluminismo, na
qual são examinadas as condições históricas e econômicas que levaram à utilização da racionalidade
iluminista e da ciência para a obtenção de maior poder e riqueza, além de maior controle sobre as
populações e sobre a própria razão. Enfim, a racionalidade iluminista não produzira socialmente os
efeitos que anunciara (um mundo de paz e ordem), mas, ao contrário, conduzia ao autoritarismo e à
barbárie do nazismo.

A novidade trazida pela Escola estava em submeter à análise crítica as bases da sociabilidade
moderna em sua relação fundamental com os meios de comunicação e com a preservação e a expansão
do capitalismo industrial. Por isso os frankfurtianos incorporaram elementos centrais ao marxismo na
análise da comunicação cultural pelos meios de massa, a fim de esclarecer as condições em que, nesse
contexto, o homem moderno foi perdendo sua individualidade, sua consciência social e se tornando
parte de uma massa.

Entre os autores da Escola há distinções significativas de pensamento, as quais foram estudadas


e contraditadas em parte por Jürgen Habermas na elaboração de suas obras sobre a ética do agir
comunicativo e sobre a legitimação da esfera pública no Estado contemporâneo.

Enquanto Adorno, examinando a produção cultural sob o capitalismo, desenvolve uma concepção
negativa da racionalidade emergente na modernidade, considerando-a instrumento de sua própria
negação, Walter Benjamin encontra nos meios de comunicação, especialmente no cinema, a possibilidade
de uma nova estética associada à reprodutibilidade técnica da obra de arte. Em poucas palavras, enquanto
Adorno nega a arte no ambiente dos meios de comunicação de massa, Benjamin vê na emergência
desses meios uma possibilidade, uma nova estética (associada à reprodutibilidade técnica). Para ele, os
meios de comunicação destruíram apenas a dita aura da obra de arte, aquela relacionada à condição de
exemplar único e exclusivo, ampliando seu acesso.

Theodor Adorno e Max Horkheimer partem do conteúdo produzido pelos meios de comunicação
organizados sob a forma empresarial, denominando-os produtos culturais de uma IC, e mostram como
esses meios estabelecem a comunicação com o receptor e como não o tomam na sua individualidade,
na sua pessoalidade, mas na sua tipicidade ou na condição de integrante anônimo de um dado grupo
social. Em outras palavras, os dois cientistas sociais debruçaram-se sobre as intrincadas relações entre
os meios de comunicação, organizados como empresas, e a produção e a divulgação de conteúdos
culturais (ou seja, o processo da comunicação social intencional e ampliada, característico da sociedade
moderna). Nessa investigação eles chegam aos conceitos centrais da SC, os já mencionados IC e produto
cultural. As características principais dos dois conceitos podem ser facilmente percebidas a partir da
música popular e são explicitadas a seguir.

48
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Em primeiro lugar, há uma quebra de espontaneidade: a música é manifestação espontânea, é


expressão cultural e artística, criatividade em ato. A música-produto é intencional e deliberadamente
destinada a um público, seja isoladamente, seja como complemento de outro produto cultural (como
trilhas sonoras de novelas). Nesses dois casos, a música popular entra como linguagem paralela das
cenas ou para sinalizar ao espectador o sentido da cena (ou do filme, quando acompanha a exibição dos
créditos no final da sessão).

Em segundo lugar, há a colagem de elementos dispersos, existentes na cultura ou importados,


atribuindo-lhes significados e/ou qualidades novas: na valsa brasileira, por exemplo, ocorreu uma
colagem de temas europeus e brasileiros; na música sertaneja estão presentes elementos culturais de
raízes nacionais e internacionais. No cinema, os jovens em geral são acompanhados por uma trilha
de rock, dance ou modalidades ainda mais recentes da música eletrônica.

Em terceiro lugar, há uma integração deliberada dos consumidores, a partir do alto, promovendo
a integração, inclusive espacial, do mercado. Por exemplo, a música popular brasileira só adquire esse
contorno típico no bojo da urbanização e industrialização, quando aparece como produto competindo
pela preferência da totalidade dos consumidores. De outra parte, a integração espacial é promovida
tornando a música regional um produto diferenciado para o consumidor metropolitano (o baião e o
xaxado são exemplos dessa tendência), mas também a integração ultrapassa fronteiras nacionais, sendo
exemplos típicos o rock brasileiro, o reggae, rap, funk entre outros ritmos e modalidades musicais.

Em quarto lugar, observa-se que a IC força a integração entre as artes superior e inferior. Representantes
dessa tendência são as gravações de clássicos populares com piano e orquestra de dança, que fizeram
tanto sucesso na década de 1950 (por exemplo, Chopin em ritmo de fox). Mais recentemente, os concertos
de cantores líricos como Plácido Domingo, José Carreras e Luciano Pavarotti, mesmo os internacionais,
como o Concerto de Caracala, por exemplo, não só incluem peças populares como são divulgados como
sucessos. No Brasil, Edson Cordeiro cantando Mozart em programa de auditório e anunciando sabonete
também serve como outro exemplo. Todavia, as expressões arte superior e arte inferior são largamente
questionáveis. No cinema, algumas árias de ópera, como a ária final de Madame Butterfly, de Puccini, são
utilizadas para dar um toque pungente em cenas românticas de adeus ou de solidão.

Em quinto lugar, vê-se que o sujeito-consumidor não é o senhor de suas preferências, mas o alvo
(target) ou o objetivo da indústria cultural: na música popular é comum a imposição de um novo
intérprete, banda ou mesmo ritmo como um novo valor e melhor, mais atual. A proliferação e a
substituição rápida de ritmos e tendências na música brasileira exemplificam esse aspecto. O novo pode
ser a modernização do samba-enredo para o desfile na avenida, como foi a inclusão da guitarra elétrica
na cena musical nacional, nos anos 1960, para tornar a música brasileira mais atual. É importante
destacar que essa novidade é sempre comentada e divulgada como uma forma melhor e mais atual de
música. O nonsense dessa questão é ignorado, mas equivale a pensar que Mozart faria melhor música
se usasse um teclado, ou que Renoir seria mais impressionista com tinta acrílica. Trata-se da produção
intencional de uma propriedade que se dá fora do âmbito da estética, mas que a ela contamina. A rigor,
trata-se da projeção, para esse campo, de valorações político-ideológicas que ponderam na criação de
um sentido “moderno” na cultura brasileira, especialmente urbana.

49
Unidade I

Em sexto lugar, nota-se que o crivo de seleção do produto se dá pelo efeito, e não pelo seu conteúdo.
O efeito considerado é o econômico-financeiro ou comercial da produção cultural. Ritmos e modalidades
musicais recebem estímulo porque vendem, enquanto outros, alguns reais inovações, ficam aguardando
a oportunidade de mercado, ou seja, a expectativa de venda certa. No cinema nacional, essa condição é
crítica: filmes que representam inovações estéticas não encontram financiamento ou não entram no circuito
comercial acusados de não agradarem ao público, enquanto filmes de baixa qualidade norte-americanos ou
nacionais não só entram no circuito comercial como são sistematicamente reprisados tanto nos canais pagos
como na TV aberta. Note-se que o crivo se dá a priori, independentemente de campanhas de publicitárias.
Filmes nacionais que têm artistas da TV como personagens ou protagonistas são mais bem-vistos pelas
distribuidoras, uma vez que supostamente atrairão o público, o que nem sempre se mostra verdadeiro.

Em sétimo lugar, percebe-se que os produtos da IC não são mais que mercadorias envolvidas na
circulação do capital: por exemplo, a reprodução de uma música reitera essa condição básica. Na verdade,
trata-se de uma particular propriedade, protegida por direitos de autoria diversificados em autor da
composição, letrista, arranjo, execução, estúdio ou gravadora etc. As associações de direitos autorais
protegem o capital (simbólico) de autores e intérpretes ao proteger-lhes o trabalho, consubstanciado na
execução, ao vivo ou em gravação, de uma peça. Além dessas dimensões essenciais à mercadoria música
popular, há outras que se referem ao comércio da mercadoria: o suporte, a embalagem, a distribuição,
a publicidade etc.

Certas práticas econômicas, como parcerias, compra de música e caitituagem, entre outras, são
inerentes a esse nível mercantil em que a peça de música popular está situada e que a faz um produto
vendável, sustentado de sucesso, por sua vez, necessariamente efêmero. Finalmente, a pirataria, tão
comum atualmente, desrespeita praticamente todos esses direitos, deles se apropriando e remunerando
apenas o suporte tecnológico (CD, DVD) e o próprio ato da apropriação indébita.

O cinema nacional contou com uma empresa destinada a dar suporte à produção nacional de filmes,
a Embrafilme, de 1969 a 1990, quando, no governo Collor de Mello, a empresa foi extinta sob o pretexto
de privatização. Em 2001 foi criada a Agência Nacional de Cinema, pela Medida Provisória 2228-1.
Segundo o site da agência:

A Ancine é uma agência reguladora que tem como atribuições o fomento, a


regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil.
É uma autarquia especial, vinculada ao Ministério da Cidadania, com sede
e foro no Distrito Federal, Escritório Central no Rio de Janeiro e escritório
regional em São Paulo (AGÊNCIA NACIONAL DE CINEMA, [s.d.]).

Os dez anos entre o término da Embrafilme e início das operações da Ancine foram bastante difíceis
para todos ao envolvidos na produção audiovisual, cabendo a eles conseguir financiamento por meio
de longos e tortuosos processos de captação. Dois filmes nacionais focalizaram esse período: Celeste &
Estrela (2005), de Betse de Paula (comédia) e Mater dei (2001), de Vinicius Mainardi (drama).

Em oitavo lugar, observa-se que a IC depende da anuência do consumidor, de seu consentimento


e o induz a isso. O lucro visado pelo consumo do produto tem ascendência sobre o eventual acréscimo
50
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

cultural que ele possa representar. Assim, a música popular deve ser uma atividade lucrativa para todos
os que estão nela envolvidos, mesmo para aqueles que não são músicos ou intérpretes, mas que a tornam
um produto de sucesso. Aqui se situam desde a caitituagem, iniciada por Aroldo Barbosa nos anos
1930, nas rádios do Rio, até as mais recentes estratégias de marketing desenvolvidas por gravadoras,
empresários, redes de televisão, autores de novelas etc.

É oportuno lembrar aqui a produção dos videoclipes, uma combinação de música, show, cinema e
publicidade, no Brasil originalmente destinada aos programas de grande audiência na TV (Fantástico),
mas hoje ocupando espaço substancial na programação do Canal Brasil (pago). Trata-se de um produto
especial, portador de uma particular estética que valoriza a performance dos intérpretes e recorre a um
campo de referência virtual e de efeitos especiais para entendimento da letra e da música.

O consentimento e a preferência do público são resultantes de campanhas bem elaboradas,


combinando imagens, notícias em revistas e a oportunidade de negócio, enfim, estratégias de
marketing. Um exemplo de triste memória foi dado pela dupla Don e Ravel nos anos 1970 com
“Eu te amo, meu Brasil”, durante a Ditadura; outro, pela Jovem Guarda. Nos anos de 1990, a axé
music que acompanhou o tetracampeonato de futebol foi igualmente ilustrativa da capacidade de
aproveitamento de uma oportunidade.

Em nono lugar, compreende-se que no núcleo da IC persiste a tensão entre o artista (criador) e o
homem da indústria. Na música popular do Brasil, essa tensão chega a se tornar explícita para o público
e não se trata de algo de agora. Ela já existia entre compositores e editores de partituras no século XIX,
ampliando-se aos poucos até abranger, hoje, um complexo de gravadoras, rádios, casas de espetáculos,
teatros, TVs, DJs, agentes, empresários, produtores e patrocinadores. Direta ou indiretamente, todos
esses níveis exercem formas de poder que podem tornar a produção individual uma peça da música
popular, um sucesso ou não.

Em contrapartida, a inclusão de uma música em uma novela ou mesmo em um filme pode representar
sucesso e garantia do valor musical do compositor ou intérprete, principalmente se a música for de fácil
apreensão pelo público, uma vez que ela será vendida em CD ou DVD.

No entanto, esse quadro foi sensivelmente alterado com os aplicativos, celulares e outros recursos
tecnológicos de captação (gravação) ou de simples audição musical. Atualmente os jovens ouvem muito
mais música, mas compram muito menos CDs, DVDs etc.

Em décimo lugar, nota-se que os processos sociais, econômicos, históricos e políticos desenham
as condições objetivas de instalação e de expansão da IC e nas quais ela se sustenta como forma de
trabalho sistemático e especializado, propiciando o desenvolvimento de saberes novos, sempre exigidos
em nome da qualidade da produção e do sucesso. As modas e as fases da música popular exemplificam
esse tipo de vinculação, por exemplo, durante a Ditadura Militar.

Nas condições brasileiras de dependência econômica, a criação autóctone ressente-se não só pela
limitação de oportunidades como também pela competição que se instala entre o nacional e o importado,
a novidade musical ou rítmica. Mecanismos de assimilação do novo (importado) podem levar à perda
51
Unidade I

de identidade cultural. No Brasil, o padrão antropofágico da cultura tem respondido a esse processo de
modo criativo, multiplicando modalidades rítmicas, estilos e tendências.

Com a globalização da economia, e consequente assimilação de economias nacionais, os mecanismos


indutores da dependência cultural se tornam cada vez mais efetivos no cinema e também na música.
A adoção de códigos comuns torna-se imperativo de mercado, mesmo para ressaltar a diferença de
conteúdos. Cantores e compositores nacionais de sucesso gravam em inglês e espanhol para facilitar a
divulgação da música.

Na trilha do rock nacional, os mangue-boys integraram o moderno-externo e o nacional-regional na


música popular. O rap nacional seguiu o exemplo norte-americano, com motivação nacional; a música
sertaneja constitui uma tendência à parte: ela é distante da moda caipira, da moda goiana, da nordestina,
assim como é uma projeção musical do country style, exceto em alguns detalhes de vestuário.

No cinema, fala-se em duas tendências, uma dos filmes para o mercado, outra dos filmes que não
visam ao mercado. Trata-se de uma falsa divisão, uma vez que todo filme, como produto, tem por
objetivo ser apresentado para um público de espectadores cada vez maior. Todavia, o que está em jogo
nessa classificação são as concepções de cinema: em um caso, nos filmes para mercado, existe uma
concepção que se aproxima da estética hollywoodiana ou, no mínimo, televisiva; no outro, o diretor
parece se sentir mais livre para ensaiar sua própria concepção de cinema.

Por fim, os meios de comunicação social, articulados como mídia, dão origem a uma modalidade de
espaço social e simbólico especial, o show, que pode estar situado no cinema, nas novelas, na televisão,
nos parques, nos clubes, nas favelas e nas periferias. São espaços onde o artista, o músico, o compositor
ou o intérprete está mais para ser visto que propriamente ouvido, como seria de se esperar. Os shows
são realmente espetáculos nos quais o público, especialmente o jovem, participa, dança, grita, numa
demonstração de emotividade de corpos, cheiros, marcas e imagens.

Desse modo, outros significantes vão sendo justapostos àqueles da música, da melodia e
da letra, formando como que uma nova linguagem, na qual não importa muito o domínio da
língua, mas sim da musicalidade daquela exibição. Ela tem o poder de mobilização já mencionado
anteriormente graças à divulgação de imagem do grupo nas revistas especializadas, trilhas de
novelas e todos os demais recursos da IC. E o show torna-se um momento de liberação, de catarse,
de rebeldia permitida (e paga).

Ordem e rebeldia, aliás, são palavras que vendem na indústria cultural, mas o uso da rebeldia,
inicialmente mitificada pelo rock e pelo reggae, hoje pelo rap e funk, tem sido um recurso utilizado com
propósitos distintos e em segmentos sociais diversos. Rap e funk são empregados para demarcar espaços
e identidade cultural de uma população de jovens considerada fora da ordem social (mais recentemente
também mulheres jovens se manifestam a partir dessa posição).

O rock e o reggae, que nos anos 1970 e 1980 serviram para questionar a sociedade brasileira em seus
descaminhos, hoje, com sucesso, são utilizados por denominações religiosas, visando atrair os jovens
para seu rebanho. E, assim, Jesus entra na dança, lotando estádios de futebol e auditórios, arrecadando
52
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

centenas de milhares de dólares. Em São Paulo, a mesma emissora de TV dos antigos festivais da década
de 1960, que abrigava, então, o protesto político sob forma de música, promovia esse “rock beato”,
também com sucesso de público, para o jovem dos anos 1990.

O público, especialmente o jovem, exerce um poder de escolha e seleciona, no caleidoscópio de


músicas, ritmos, tendências, autores, aquelas músicas (e letras) que prefere. Ainda que sejam muitas as
preferências, não há indiferença quanto aos ritmos, sons e recados.

Seguindo nessa linha de raciocínio, pode-se supor que também o público em geral induza mudanças
nas decisões da IC? Essa questão perpassa boa parte da produção contemporânea em Ciências Sociais
quando se trata do papel dos meios de comunicação social, além da inspirada na Escola de Frankfurt, mas
parece não haver resposta simples para aquela pergunta, tão singela quanto provocativa, de Marcondes
Filho (1992): “Quem manipula quem?”.

3.2 A crítica intermediária de Umberto Eco

Umberto Eco, um dos mais importantes autores nas áreas de ciências humanas, semiótica e
comunicação, não era favorável à internet e às redes sociais. Via esses meios tecnológicos como possíveis
facilitadores da expansão do discurso de senso comum ou, minimamente, da troca de um discurso
esclarecedor e competente por um outro de sandices e lugares comuns.

Figura 12 – Umberto Eco

Em uma matéria da revista Época consta a seguinte observação desse autor, após uma cerimônia na
Universidade de Turim em 2015:

As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente,


falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade.
Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o
mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel (ÉPOCA, 2016).

Em seu livro Apocalípticos e integrados (1990), Eco critica o termo cultura de massa, considerando-o
tão impreciso quanto sociedade de massa. Para ele, o elemento mais significativo para exame consiste

53
Unidade I

na modalidade de produção dos meios de comunicação de massa, ao qual Eco denomina mass media.
Silveira registra a posição de Eco em relação às teorias da comunicação:

Ele as divide entre as apocalípticas e as integradas. As integradas, tais como


os adeptos do funcionalismo norte-americano, representam o paradigma
da ordem, com uma tendência pragmática e otimista sobre o papel e as
possibilidades da mídia. Por outro lado, as apocalípticas são as que adotam
o discurso do conflito e da crítica, como os representantes da Escola de
Frankfurt, com um discurso mais pessimista, descrente sobre uma eventual
evolução positiva no papel da mídia (SILVEIRA, 2004, p. 44).

No capítulo “A cultura de massa no banco dos réus” (ECO, 1990), o autor sistematiza as principais
críticas a essa modalidade de produção cultural, listando um total de 15 peças de acusação e dez
argumentos de defesa. A seguir temos um resumo de ambos que, embora não faça juz à ironia do autor
italiano, traz alguns comentários e exemplos que não se encontram no texto original.

As proposições de acusação apresentadas por ele estão listadas na sequência:

• Embora dirigidos a um público heterogêneo, os mass media são pautados por um gosto médio
evitando as soluções originais.

• Esse padrão médio favorece a formação de certa homogeneidade cultural, sacrificando as


especificidades culturais.

• O público sofre as propostas da cultura de massa, não faz exigências, não interage com ela (os
mecanismos de interação contemporâneos, e-mails, redes sociais etc. não existiam à época,
embora tais recursos tenham caráter peculiar).

• As inovações culturais, estéticas existentes e desenvolvidas no âmbito da cultura superior são


transcritas para o mass media, porém ainda adaptadas aos padrões preexistentes, portanto
permanecem conservadoras.

• Os mass media confeccionam as emoções e as apresentam prontas, especialmente nas formas


visuais de comunicação, eliminando a elaboração da emoção. Essa peculiaridade é significativa
quando se pensa na apresentação de conceitos relacionados a imagens, uma relação igualmente
imperfeita, ou na utilização da música como recurso propiciatório de emoções, um recurso usual
no jornalismo televisivo e radiofônico.

• A relação entre mass media e o mercado é fundamental à própria existência dos produtos, desse
modo, são veiculados produtos que correspondam (supostamente) àquilo que o público consumidor
deseja ou, ainda, produtos que correspondam àquilo que o público consumidor deva desejar.

• A difusão da chamada cultura superior é igualmente prejudicada, visto que seus elementos
são simplificados, adaptados a um suposto nível de compreensão precário; desse modo não é
privilegiado o pensamento, mas a fruição.
54
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

• Os produtos da chamada cultura superior em geral são apresentados no mesmo nível das
vulgaridades cotidianas, sem critérios que os coloquem em seu nível compatível (as revistas e
programas especializados contradizem essa afirmação, contudo é preciso não esquecer que são
especializados, portanto fogem em parte do critério mass media).

• Os mass media não estimulam a descoberta, o questionamento do mundo ou a percepção crítica,


eles desenvolvem no consumidor uma postura passiva.

• Os mass media provocam a ilusão do presente, portanto, não são compatíveis com uma concepção
histórica da existência (é preciso lembrar que mesmo nas reconstruções históricas do cinema e
da TV a temporalidade é uma abstração, o tempo foi suprimido, todo um século fica contido na
duração média de 100 minutos de um filme).

• A diferença experimentada entre a audiência a um concerto e a audição de um DVD referente a


esse mesmo concerto constitui um traço significativo dos mass media: durante a audição do DVD
a música é fruída de forma secundária, enquanto se fala ou se bebe um drinque, já o concerto
exige toda a atenção do espectador, é exclusivo, deve predominar sobre qualquer outra disposição
momentânea (nem sempre essa total atenção é o motivo da presença aos concertos, basta lembrar
o papel significativo que eles tiveram, ao longo da história, na demonstração pública de riqueza
entre membros das elites).

• A construção de tipos e estereótipos culturais por meio de som e imagem é um dos efeitos
dos mass media. Nesse sentido eles contribuem não só para reiteração de preconceitos como
também para certa universalização desses estereótipos. Alguns exemplos podem ser apontados a
respeito: índios no cinema americano, a dona de casa da sociedade de consumo, o jovem rebelde,
a professora sempre feia e de óculos. Hoje só os vilões fumam cigarros comuns, mas os jovens
intelectuais modernos do cinema americano fumam outros cigarros, todos bebem vinho e a
cerveja é tomada na garrafa, como antes eram os refrigerantes.

• Os tipos construídos na verdade preexistem na cultura local ou não, contudo, sua construção
reafirma o senso comum, consequentemente são conservadores.

• A criação de modelos oficiais é uma das características dos mass media, mas também é necessária
à construção de consumidores preferenciais para os produtos. Existe aqui uma inter-relação
entre mass media e publicidade, típica do merchandising, como nos exemplos apontados
anteriormente: os modelos oficiais projetam para o público um padrão supostamente desejável de
comportamento, de modo de ser e de agir, o que influencia o público a adotá-los, especialmente
se são apresentados como adequados, modernos etc. (essa adoção é conformista, não crítica).

• Os mass media têm papel educativo, de caráter paternalista, mas igualmente individualista e
democrático, no sentido dos mitos correntes da democracia liberal. A profunda relação entre
mass media e sociedade de consumo capitalista lhes assegura profunda dimensão ideológica e
conservadora. Eles não são populares no sentido de uma cultura elaborada pelo povo, mas são
considerados populares (pop) no sentido de sua ampla divulgação. As diferenças de classe, cor
55
Unidade I

e sexo aparecem nos produtos mass media reiteradamente, valorizando os atributos distintivos,
embora mascarando-os (no Brasil, a mulher negra ou mulata é apontada como padrão de beleza,
mas não o homem negro ou mulato; os homens belos, ou assim apontados, são altos, musculosos,
pele dourada).

A seguir estão as proposições em defesa da cultura de massa:

• A cultura de massa não é típica do capitalismo, mas da sociedade industrial (e de consumo),


portanto é encontrável em sociedades pautadas por regimes econômicos diferenciados. Na
verdade, a cultura de massa pressupõe, por um lado, a existência de grandes contingentes
populacionais com acesso ao consumo e, de outro lado, a necessidade de comunicação ampliada
com esses contingentes, seja o conteúdo dessa comunicação constituído por normas de higiene,
valores, regras de comportamento ou posturas políticas. Quanto ao conteúdo, também se
apresenta simplificado, na medida em que um dado conteúdo deve ser adaptado ao veículo ou
meio de divulgação, assegurando a compreensão da mensagem pelo receptor (caso das cartilhas
em quadrinhos para prevenção da AIDS).

• A cultura de massa não tomou o lugar da cultura superior, mas difundiu para grandes contingentes
populacionais certos elementos da cultura que eram antes privilégios das elites (na China de Mao
a divulgação da alfabetização em um mandarim simplificado). Quanto à ênfase no presente, ela
se justifica para permitir uma inserção responsável de todos os cidadãos na vida social, aspecto
descurado pela cultura tradicional (considerando as observações de Chomsky (2003) sobre o
consenso planejado seguido por outros autores, esse argumento de defesa não é sustentável).

• O argumento de que os mass media não privilegiam a cultura erudita, situando-a no mesmo
patamar da cultura de massa, segundo a defesa, não se sustenta, uma vez que em seu tempo
as obras de arte, hoje consideradas fundamentais, também foram vistas com o olhar superficial
semelhante ao do homem moderno, alimentado pela cultura de massa. Esse, contudo, foi
informado sobre a importância da obra, embora não saiba como analisá-la convenientemente. O
mesmo argumento favorável se aplica à música: é possível despertar um gosto musical refinado
sem que necessariamente esteja acompanhado de uma formação musicista (o argumento se
aplica à música considerada erudita ou clássica; em relação à música popular, as variações de
gênero, ritmo etc. respondem também por outros critérios, como idade, origem etc.).

• Os mass media divulgam maciça e indiscriminadamente um volume incrível de informações


visando ao entretenimento e à curiosidade, mas não se pode dizer que esse volume de informação
não esteja de algum modo relacionado a uma formação do homem moderno; muitas dessas
informações são necessárias à sobrevivência nas condições sociais concretas contemporâneas.
Não se pode afirmar ainda que a preservação dos padrões tradicionais de divulgação cultural seja
correspondente a uma formação intelectual superior de todos os cidadãos, uma vez que nunca
foi esse o quadro revelado pela estrutura de classes: a chamada cultura superior sempre foi uma
chave de segredo do poder das elites (e continua sendo).

• Dizer que os mass media divulgam conteúdos desprezíveis como forma de entretenimento
(por exemplo, erotismo, lutas e violência) é esquecer que esses mesmos conteúdos integram
56
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

também a formação de uma cultura erudita, embora sob outros meios de divulgação (Boccaccio,
Rabelais, Sade, Bocage, para ficar entre os ocidentais clássicos). Quanto à moralidade dos textos,
é importante considerar a postura do receptor (ou do leitor). Pode-se contra-argumentar que
uma revista erótica coloca homens e mulheres na condição de objetos de prazer para anônimos,
mas, no mesmo sentido, pode-se questionar se a decisão de se expor na condição de objeto não
antecedeu à decisão do editor da revista, assim como à do leitor (evidentemente que esse
comentário não se aplica à pornografia infantil, dada a ausência da capacidade de decisão
nas crianças).

• A homogeneização cultural de que são acusados os mass media deve ser examinada mais
atentamente: em realidade eles contribuem para o desaparecimento de valores e práticas
culturais ou para sua desvalorização em face dos conteúdos culturais mais modernos, contudo,
frequentemente são utilizados alguns recursos dos mass media para recuperar, preservar e
difundir valores e práticas culturais tradicionais. A cultura local oferece material para produtos
culturais divulgados em escala nacional e internacional na condição de exótico valorizado: na
mesma direção em que é divulgado o Halloween, é divulgada a festa de Yemanjá, a lavagem do
Bonfim e muitas das festas típicas brasileiras que passam despercebidas, exatamente porque
não mereceram divulgação pela mídia. É o caso da Congada de Atibaia. Quantos a conhecem?
Ela é centenária, e isso para não mencionar várias outras manifestações culturais que são
solenemente ignoradas.

• A divulgação de obras de valor cultural reconhecido a preços baixos, em edições populares, não
diminui o valor intrínseco da obra, contudo, os resumos (como este) podem ser prejudiciais,
implicando adulteração de estilo, de profundidade e às vezes do próprio conteúdo. De qualquer
forma, a adaptação de um dado conteúdo, uma obra literária, por exemplo, para a televisão ou
o cinema representa uma adaptação às exigências do meio de divulgação, consequentemente
uma adulteração. Semelhante raciocínio se aplica às traduções e versões, sempre apontadas pelos
especialistas como traições. No Brasil, a coleção Os pensadores, da Editora Abril, constitui um
exemplo de divulgação a preços baixos de obras imprescindíveis para a formação intelectual, sem
perda de conteúdo. A editora da Folha de São Paulo divulgou outra série, Livros que abalaram o
mundo, à qual se aplica a mesma observação.

• Não só as obras de valor cultural significativo são divulgadas em grande escala como também as
críticas à própria comunicação de massa. Tanto as obras como suas críticas se tornam produtos
culturais para serem consumidos em larga escala.

• Trazer a informação para o grande público, sugerir-lhe atitudes, valores ou mesmo modelos
de comportamento condizentes com as condições sociais contemporâneas implica uma dada
aproximação entre o público e essas mesmas condições (mas essa aproximação não significa que
se advogue a substituição de uma formação intelectual pela informação massiva).

• Finalmente, é preciso entender que os meios de comunicação de massa desenvolveram novos


elementos estéticos, novas gramáticas, novas formas de comunicação, integrando igualmente
novas tecnologias e recursos. Tais inovações repercutiram nas chamadas artes superiores
57
Unidade I

introduzindo mudanças significativas. Essa dinâmica reduz a dimensão conservadora dos mass
media, acentuando seu caráter subversivo e instaurando exigências estéticas de apreciação
também inovadoras.

Em síntese, não é possível condenar os mass media ou absolvê-los na totalidade. Eles existem e
pertencem à vida social contemporânea. Podem-se levantar questões quanto ao conteúdo comunicado,
exigir aperfeiçoamentos, mudanças, enfim, participar, e criticamente, de sua produção e divulgação. Se
essas posturas estão relativamente distantes do cotidiano dos indivíduos, elas constituem dimensões
centrais ao exercício ético e responsável dos profissionais de comunicação.

Saiba mais

A obra indicada a seguir constitui um dos clássicos no que se refere à


cultura de massa.

ECO, U. Apocalípticos e integrados. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1990.

3.3 Estudos de base funcionalista

O funcionalismo foi uma tendência muito em voga na sociologia dos anos de 1940 a 1950, cujo
propósito era o de descrever e explicar o comportamento social partindo da relação ou correlação entre
variáveis, que são aspectos ou atributos do comportamento observado. A relação pode ser descrita pela
matemática e pela estatística por uma função.

O comportamento observado (por exemplo, a preferência por um dado ritmo musical) por parte de
uma população ou de uma parcela dessa população (amostra) deverá ser registrado (coletado) e depois
submetido à quantificação de dados, sejam os coletados em uma amostra ou os dados de toda uma
população submetida à pesquisa.

Dessa forma, o funcionalismo pressupõe uma base empírica, ou seja, respostas em que as variáveis
tomadas como significativas, ou consideradas significativas, aparecem com uma dada frequência,
permitindo explicar os resultados face às hipóteses ou suposições levantadas.

O funcionalismo aparece primeiramente como abordagem metodológica na antropologia, com


Malinowski, para explicar a cultura de povos pré-letrados a partir do conjunto de necessidades (básicas,
primárias secundárias e terciárias) articuladas, formando o “todo” da cultura. Embora a posição desse
antropólogo tenha sido questionada por outros de seu tempo e posteriores (Boas, Kroeber, Lévi-Strauss),
ela permanece válida para alguns autores. A utilização do conceito de função (relação entre variáveis) na
sociologia se deveu à contribuição de alguns autores clássicos como Merton (que introduziu alterações
no funcionalismo) e Talcott Parsons (este passando da base funcionalista para a Teoria de Sistemas).

58
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Na sociologia, a concepção de cultura como um todo articulado sofreu algumas alterações, uma vez
que se tornou fundamental explicar não apenas as relações presentes, mas aquelas em desaparecimento;
não apenas as relações funcionais articuladas, mas aquelas cujo aparecimento contradizia o conjunto
funcional articulado.

Esse complicador ficava ainda mais claro quando se tratava de investigar o aparecimento, a
circulação, a permanência ou o desaparecimento de mensagens (ou seja, quando a investigação se
concentrava no campo da comunicação). Nesse campo os estudos de base funcionalista se aproximavam
da investigação do consumo, da audiência e do mercado de bens e produtos. Para tais pesquisas,
cujo caráter pragmático é óbvio, o embasamento empírico era (e ainda é) fundamental, e para esse
embasamento os procedimentos de pesquisa e de processamento quantitativo conduzem à desejada
confiabilidade estatística.

É nesse campo que as abordagens funcionalistas e quantitativas de Lazarsfeld e de Lasswell tiveram


papel fundamental na constituição de uma SC americana. A tendência aparece inicialmente nos estudos
de audiência (rádio), mas logo se amplia para abranger estudos de consumo, propaganda, análise de
discurso e, posteriormente, marketing.

A questão central é de natureza pragmática: como induzir indivíduos ao consumo, ao voto, à adoção
de posturas e opiniões “corretas”? Além disso, como medir o efeito de uma mensagem (propaganda),
considerando as variáveis que podem estar interferindo na audiência? Essas questões desviam o foco de
análise da mensagem propriamente dita para a sua permanência em uma opinião pública cuja formação
é essencial para todas as formas e modalidades de consumo. O gráfico abaixo mostra como Lazarsfeld
e Katz, outro funcionalista, conceberam a estratégia de formadores de opinião, ou dos mass media até
hoje empregada.

Mass media / Formadores de opinião

Líderes de opinião

Indivíduos em contato com os líderes

Paul Lazarsfeld
(1901-1976)

Figura 13 – Comunicação em dois estágios

A contribuição mais conhecida de Lasswell está relacionada à análise de texto em propaganda,


embora seja utilizada em vários outros campos. Na verdade, trata-se de uma sistematização simplificada
para análise de textos narrativos (daí seu emprego nos discursos políticos). O gráfico a seguir permite
visualizar o esquema.

59
Unidade I

Quem disse O quê para Quem

Meio utilizado

Intenções Condições

Harold Lasswell
(1902-1978, USA)

Figura 14 – O modelo de Lasswell

Os autores apontados, Lazarsfeld, Lasswell e outros funcionalistas como Bendix (que fez estudos
sobre mobilidade e status), Hunter (que elaborou estudos sobre poder e estratificação social), Lipton (na
área da opinião pública) e Merton (o pai do funcionalismo americano) são apontados como fundadores
de uma sociologia americana de base funcionalista e pragmática. As contribuições desses autores
fundamentam as pesquisas de opinião, de tendências do consumidor e de classificação dos segmentos
do mercado (aos quais o funcionalismo denomina classes A, B, C, D, E).

Tais estudos têm sentido prático, são voltados para caracterizar o consumidor, suas necessidades,
desejos, potencialidade de consumo e opiniões. Em geral, são pesquisas de caráter quantitativo, baseadas
na resposta do público consultado às questões formuladas. Como é possível deduzir, essa tendência
abrange a maior parte dos estudos de mídia, da pesquisa publicitária e de marketing.

Se em dado momento foi importante explicar as relações funcionais, aquelas que reafirmavam as
tendências em curso, também foi importante levar em consideração as relações disfuncionais (aquelas
que contradiziam as tendências), bem como outras em gestação, ou latentes, na sociedade. Por exemplo,
em um hipotético estudo das opiniões sobre união sexual, não bastaria caracterizar as condições
funcionais (casamento no civil, no religioso, em várias religiões), mas também considerar a união sexual
estável de casais sem casamento (disfuncional) e os dados dos que negavam estabilidade para a união
sexual (latente).

A utilização do funcionalismo em pesquisas de comunicação, especialmente da opinião pública, ao


mesmo tempo que favorece o estudo instantâneo (porque o simplifica), traz certo comprometimento
aos resultados, uma vez que a análise fica limitada às variáveis escolhidas antes da pesquisa, ou seja,
a priori. Por outro lado, no exemplo anterior, qual dos resultados expressaria uma relação disfuncional
e qual uma relação funcional latente? No exemplo, admitiu-se uma tendência, mas nada assegura que
ela seria a verdadeira, especialmente considerando a variedade de grupos sociais. Em síntese, qual seria
a tendência? Difícil a resposta.

Quais as tendências da opinião pública? Eis uma questão cuja resposta o funcionalismo dificilmente
poderia dar, a não ser que ampliasse a análise, saindo do campo estritamente funcionalista. Isso porque

60
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

a questão está em aberto, não há delimitação de quem está sendo considerado no campo opinião
pública, nem foi dito qual o tema ou objeto dessa opinião: opinião sobre o quê? Futebol? Religião?
Moda? Ou sabonete?

À medida que são delimitados os campos, torna-se possível iniciar o trabalho de escolher as variáveis
significativas, submetê-las a um exame, teste etc., enfim, até que se tenha um campo essencialmente
delimitado. Contudo nesse momento será preciso considerar aquelas relações entre variáveis (funções)
que não são explícitas, ou manifestas, estando latentes no comportamento, assim como aquelas que são
manifestas, mas disfuncionais (ou seja, respondem pelo comportamento no sentido contrário ao que é
esperado). Os recursos utilizados pelos funcionalistas para essas análises mais complexas têm origem na
estatística (paramétrica e não paramétrica) e nos modelos matemáticos.

Embora o funcionalismo seja uma corrente teórica ainda bastante utilizada, mostra-se muito
limitada, induzindo certa padronização de resultados esperados supostamente verdadeiros, mas que
correspondem à reiteração de pesquisas já desenvolvidas e sempre reproduzidas. É importante considerar
que tais pesquisas e a abordagem funcionalista, de modo geral, partem do pressuposto (hipótese
genérica) de que o comportamento social parte de “necessidades” (o que não é verdadeiro) e, no caso da
“opinião pública”, as respostas (às questões formuladas) compreenderiam todas as respostas possíveis
(o que também não é verdadeiro). Além disso, é preciso considerar que as questões formuladas podem
induzir as respostas. Além desses, outros aspectos relevantes devem ser analisados.

Em primeiro lugar, especialmente na sociologia e nas pesquisas de opinião, o funcionalismo


incorpora o modelo de sociedade capitalista, industrial e de consumo, essa base ideológica contamina
as pesquisas, retirando delas a dimensão crítica que caracteriza as ciências sociais. Esse aspecto pode ser
observado na obra de Kotler, o pai dos estudos de marketing (que não é sociólogo, mas se aventura no
campo), especialmente pelo uso da teoria de motivação (Maslow), fazendo derivar o comportamento
social (consumo) da dimensão psicológica desse comportamento.

Em segundo lugar, mas não menos importante, está o fato de o funcionalismo ser apontado como
objetivo, ou seja, os resultados da pesquisa são verdadeiros porque foram obtidos em campo, foram
quantificados etc. Talvez se possa dizer que a objetividade do funcionalismo é a da aparência, uma vez
que esse é o nível de realidade passível de ser abrangido pela pesquisa funcionalista, a qual, na versão
simplificada e mais frequente, não pretende compreender ou interpretar resultados, mas explicá-los
com base nas hipóteses assumidas.

Não se pode, porém, descartar o funcionalismo como capítulo importante da história das ciências
sociais nem a contribuição de seus fundadores para o avanço dessas ciências. Todavia, pode-se lamentar
a vulgarização corrente dessa abordagem, que aparece no emprego desavisado da construção lógica
das hipóteses e no abandono da metodologia estatística, elementos centrais na obra de Lazarsfeld e de
outros funcionalistas.

Em relação às pesquisas de mercado e consumo, a tendência funcionalista converge com o interesse


das empresas em segmentar o mercado, identificando consumidores preferenciais e potenciais para
seus produtos e serviços. Esse objetivo estratégico poderia ser atingido por aspectos descritivos dos
61
Unidade I

consumidores (distribuição no espaço, renda, idade, sexo etc.), porém, tais aspectos não são decisivos na
orientação da decisão de compra, consequentemente, um rol de outras variáveis acabou sendo utilizado
para construir o perfil psicográfico de consumidores (que não tem nenhuma relação com Chico Xavier).

Segundo Mitchell (1983), essa foi a origem do Vals, um instrumento de avaliação psicográfico
construído por Arnold Mitchell no Stanford Research Institute (SRI), a partir de teorias de motivação e
de Maslow, entre outras. O instrumento, propriedade do SRI, sofreu alteração para uma segunda versão,
o Vals 2, contudo, permanece a hipótese básica de que as pessoas se orientam para compra segundo
Valores, Atitudes e Estilo de Vida (Vals, em inglês). A segmentação do mercado americano, segundo o
Vals, resulta em oito grupos com características e predisposições ao consumo diferenciadas.

Segundo Gil e Campomar [s.d.], os oito grupos são: inovadores (innovators), reflexivos (thinkers),
realizadores (achievers), experimentadores (experiencers), crentes (believers), esforçados (strivers),
fazedores (makers) e lutadores (survivors). A simples leitura dos títulos demonstra que esses grupos
não são mutuamente exclusivos, impressão reforçada na leitura da descrição de características dos
grupos, disponível no trabalho. Essa segmentação, segundo os especialistas citados e outros, não se
aplica diretamente ao consumidor brasileiro, embora essa prática seja relativamente comum. Há vários
trabalhos disponíveis na internet sobre o assunto, além do citado nas referências deste livro-texto.

No Brasil, a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) definiu, desde 1997, outro
recurso de segmentação, o chamado Critério Brasil (a versão mais recente data de 2018). Trata-se
de um recurso de segmentação baseado na presença (ou não) de itens de consumo, tomados como
variáveis (ou indicadores) de condição de classe, aos quais são atribuídos pesos que variam de zero
a nove, indo ao total máximo de 46 pontos. A tabela a seguir, retirada do site da Abep, ilustra os
resultados obtidos para segmentação.

Tabela 1– Distribuição por classes e estratos socioeconômicos 2018

Centro Estrato Renda média


Classe Brasil Sudeste Sul Nordeste Norte
Oeste socioeconômico domiciliar
1-A 2,8% 3,5% 3,4% 1,3% 4,3% 1,1% A 23.345,11
2 - B1 4,6% 5,6% 6,0% 2,5% 6,2% 2,1% B1 10.386,52
3 - B2 16,4% 19,6% 20,9% 9,5% 20,3% 9,9% B2 5.363,19
4 - C1 21,6% 24,5% 26,0% 15,9% 22,2% 16,6% C1 2.965,69
5 - C2 26,1% 26,3% 26,8% 25,0% 27,6% 25,8% C2 1.691,44
6 – D-E 28,5% 20,5% 16,9% 45,8% 19,4% 44,6% D-E 708,19
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Total 2.908,32

Fonte: Abep (2018, p. 3).

As pesquisas ou instrumentos de pesquisa mencionados, ainda que relacionados à questão “opinião


pública”, não são, contudo, instrumentos destinados a pesquisas específicas desse campo. Todavia, o
principal instituto de pesquisas de opinião pública no Brasil, o Ibope, utiliza estudos de segmentação

62
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

como base para avaliar tendências de mercado e de opinião dos vários segmentos sociais sobre temas
distintos, especialmente de natureza política. Aliás, a tabela anterior tem como fonte o sistemático
levantamento socioeconômico realizado pelo Ibope.

Como se pôde observar ao longo deste breve texto sobre funcionalismo, as características principais
da abordagem estão na quantificação, na utilização de dados empíricos obtidos por questionários,
formulários ou ainda ligações telefônicas e na crença de que esse procedimento conduza à objetividade
dos resultados. Na verdade, mesmo os institutos de pesquisa contam com profissionais especializados
para analisar, interpretar os resultados e compará-los.

Um aspecto importante nas pesquisas que focalizam a relação entre consumidor e mercado, assim como
nas pesquisas de opinião, reside na suposição básica de que exista um ambiente de sociabilidade comum a
todos, ou, pelo menos, acessível a todos. A sociedade seria então a soma ou conjunto de indivíduos, agentes
de uma mesma ordem social. Isso significa que todos participariam da cultura e da sociedade em possível
igualdade de condições. Ora, essa é a concepção básica de uma sociedade e cultura de massas.

Nesses termos, como explicar as segmentações, as diferenças que animam a própria sociedade e,
sobretudo, a economia de mercado? São questões dessa ordem (porque há outras) que fundamentam
as atuais tendências de abordagem crítica em SC.

4 TENDÊNCIAS: SC, INTERDISCIPLIARIDADE E MEIOS MASSIVOS

As ciências, a partir das últimas décadas do século XX, deixam de manter fronteiras rígidas, e os
estudos são cada vez mais interdisciplinares, mantendo, dessa forma, coerência com a natureza dos
objetos de investigação. Assim é que a reflexão sobre o processo de comunicação intencional e ampliada
(meios massivos), que é central à SC, passa a incorporar elementos de estudos desenvolvidos em outras
áreas, e delas se aproxima. Portanto, linhas de investigação na sociologia e filosofia também se refletem
no desenvolvimento da SC. A seguir, algumas observações sobre as principais tendências que mantêm
uma preocupação interdisciplinar.

A B C D

Figura 15 – Alguns sociólogos e filósofos que, no século XX,


analisaram a comunicação social na sociedade contemporânea

O trabalho de Lyothard instaura a preocupação com a sociabilidade contemporânea, ou “pós‑moderna”,


como ele a define. Outros autores, como Jamenson e Harvey, para citar somente os dois, seguem pela
trilha aberta por Lyothard, embora com distinções significativas. Na verdade, trata-se de encarar a
63
Unidade I

sociedade contemporânea sob outras perspectivas: ela não segue mais o padrão societário emergente do
capitalismo industrial, ela é tecnológica, centrada na aparência, no espetáculo (Guy Debord) e na comunicação.

O capital se apresenta sob outra configuração, observando uma lógica organizacional própria,
flexível, que combina conhecimento e informação. A economia capitalista contemporânea, neoliberal e
globalizada, não trouxe a paz nem a diminuição da pobreza. Nesse mundo contemporâneo, a informação
adquire sentido e valor que ultrapassam a concepção emprestada anteriormente à própria informação.

Bourdieu estuda essa economia que se forma pela circulação e reserva da informação: trata-se de
um “mercado de trocas simbólicas” no qual o poder decorre da apropriação de capital simbólico, seja
ele religioso, econômico, jurídico ou ainda o próprio à gestão do capital. Nesse ambiente, os meios
de comunicação têm papel fundamental porque representam uma modalidade de capital simbólico
e porque instauram a verossimilhança, sucedâneo para a suposta verdade do conhecimento. Dessa
modalidade de poder se vale a produção simbólica, visto que ela traz em si destinação e finalidade,
aspectos não explícitos para o consumidor.

Como a produção simbólica é sempre comunicação, seja qual for a modalidade focalizada, ela se
apresenta como linguagem, e, como tal, exerce uma modalidade de poder especial, não violento, mas
eficaz: por ela se constrói o mundo e o outro.

O poder simbólico, como poder de constituir o dado pela enunciação, de


fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e,
deste modo, a ação sobre o mundo [...] só se exerce se for reconhecido, quer
dizer, ignorado como arbitrário [...] o que faz o poder das palavras [...] é a
crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja
produção não é da competência das palavras (BOURDIEU, 1989, p. 15).

Bourdieu, no parágrafo anterior, toca em questões das mais relevantes na área do jornalismo:
considerando-se que parte da produção simbólica tem por finalidade fazer ver e fazer crer ao consumidor
um conteúdo elaborado intencionalmente, vale questionar quais as características consideradas para
esse receptor, quais as condições que esse público tem para submeter o conteúdo da recepção a uma
apreciação crítica, e, principalmente, qual é o conteúdo considerado adequado para aquele público.

Aqui se insere uma questão significativa, a da mediação simbólica, típica do fazer do jornalista. A
esse respeito, Bolaño (2002, p. [12]), com base em Morin (2001) e Barbero (1997), comenta:

O trabalhador intelectual vive a contradição de servir, na medida em que


é obrigado a vender a sua força de trabalho, para garantir a satisfação
das suas necessidades humanas, historicamente determinadas, ao sistema
de exploração, exclusão e violência do capital; ao mesmo tempo em que
percebe que esse mesmo sistema restringe suas capacidades criadoras e o
separa da imensa maioria dos seus semelhantes, condenados a condições de
vida desumanas.

64
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Nessas condições, o trabalhador intelectual, essa nova camada proletarizada,


deve, superando os interesses mesquinhos e as hierarquias que a dividem,
ajudar a organizar a luta contra a alienação e pela construção de uma
sociedade mais justa, reconhecendo o seu papel histórico de mediador no
processo de emancipação do Homem.

Contudo, não são poucos os que afirmam uma indisfarçável tendência conservadora dos jornalistas
brasileiros, apontada por Luciano Martins (2007) como “matriz ideológica”.

Convém lembrar que estas reflexões seguem aqui porque, para o bem ou para
o mal, a sociedade depende em larga margem da imprensa para desenvolver
e consolidar os valores com os quais promove sua evolução.

A imprensa brasileira não está cumprindo seu papel de iluminar esse caminho.
Ela aderiu, quase na unanimidade, a uma agenda política retrógrada,
excludente e limitada. A imprensa brasileira se alinhou automaticamente
ao viés conservador que vem se consolidando no planeta há cerca de trinta
anos, a partir dos primeiros sinais de colapso dos regimes socialistas de
Estado. A imprensa, como agremiação coesa, escolheu o papel de freio social
(MARTINS, 2007).

Nesses termos, os meios de comunicação reforçam a tendência à passividade, em última análise


à despolitização, o que implica concentrar atenção nas metas individuais, de curto e médio prazo,
relegando o saber para segundo plano. Bourdieu aponta a televisão como o meio que estimula ou cria
essa passividade e descompromisso com o saber.

Eu dizia que a televisão não é muito propícia à expressão do pensamento.


Estabelecia um elo, negativo, entre urgência e pensamento, [...] o problema
maior da comunicação é de se saber se as condições de recepção estão
preenchidas: aquele que escuta tem o código para decodificar o que eu
estou dizendo? Quando emitimos uma “ideia feita” é como se isso estivesse
resolvido. A comunicação é instantânea porque, em certo sentido, ela
não existe. Ou é apenas aparente. A troca de lugares-comuns é uma
comunicação sem outro conteúdo que não o fato mesmo da comunicação
[...] por sua banalidade [eles] são comuns ao emissor e ao receptor. Ao
contrário o pensamento é subversivo: ele deve começar por desmontar
as “ideias feitas” e deve em seguida demonstrar. [...] isso leva tempo
(BOURDIEU, 1997, p. 40).

Essa dimensão passiva da sociabilidade contemporânea também é central ao trabalho de Baudrillard,


sobretudo quando focaliza a tendência à formação de uma maioria silenciosa em substituição à
concepção de social, entendimento relacionado à sociedade industrial. Essa maioria silenciosa é
articulada pelo individualismo, e não por laços coletivos, e suas opiniões não são ouvidas porque
são pressupostas, ou não são elaboradas, em que pesem as pesquisas. Ela se agita no consumo
65
Unidade I

de objetos, de simulacros, ideias, serviços, fazendo de si própria um objeto, uma produção em


conformidade com a moda, o modelo, com as ideias e práticas sociais divulgadas pelos meios de
comunicação, como se fossem a realidade ou até mesmo uma hiper-realidade à qual o cotidiano
deveria corresponder.

O conceito de maiorias silenciosas, desenvolvido por Baudrillard, é válido para descrever a sociabilidade
contemporânea, em que pese a presença das manifestações populares, dos grupos ativistas. Para o
sociólogo francês, observa-se a expressão de múltiplos sinais, mas vazios de significados. Desse modo,
as manifestações explodem expressando simulacros, mas não um processo de elaboração crítica das
situações ou acontecimentos.

Foucault tratou desses assuntos em várias de suas obras, mas sua preocupação nos últimos trabalhos
foi concentrada na construção do sujeito, mas não aquele instaurado pelo Iluminismo e sim o que se
constrói por suas práticas, tangenciando modelos que a sociedade estabeleceu, um “sujeito de si”, de
sua sexualidade, um sujeito ético.

No conjunto, essas tendências refletem a construção de sentidos sociais nos produtos dos meios
de comunicação, apontando facetas desse processo que incidem sobre modalidades de construção do
sujeito e da verdade no mundo contemporâneo de predomínio das práticas sociais. Alertam também
sobre a diversidade das formas de poder exercido pelos meios de comunicação, não só o econômico,
mas, sobretudo, o poder de elaboração simbólica, cuja amplitude afeta a construção da realidade e dos
consensos sobre ela, a construção do outro e das relações com ele. Essas tendências apontam ainda os
processos de banalização da vida social, que abrangem valores, sentimentos e violência, além dos limites
entre o público e o privado, fazendo de ambos um espetáculo. Também alertam para a objetificação
do outro e das relações com ele, à medida que o outro se torna também um objeto ou instrumento de
consumo e prazer, ainda que um simulacro.

4.1 Tendências: SC, sociedade em rede, cibercultura, comunicação e sociabilidade

As tendências a seguir, já mencionadas considerando o foco teórico mais abrangente, agora serão
retomadas a fim de tratarmos dos aspectos específicos da sociabilidade contemporânea, especialmente
das relações instigantes projetadas pela comunicação social que se dá em um espaço não físico,
mas virtual.

Uma primeira questão a ser trabalhada remete aos modelos de sociedade e, por decorrência,
de sociabilidade que caracterizam a vida cotidiana atual. Zygmunt Bauman caracterizava essa
sociedade como pertencente a uma “modernidade líquida” (2007), referindo-se à fluidez das relações
sociais e do próprio sentido do cotidiano. Nessa sociedade nada é permanente, e a vida se passa
no por enquanto: nela, a instância virtual, da realidade virtual, tem precedência sobre a realidade
física, e, nessa instância, o tempo aparece comprimido no presente, enquanto a referência ao espaço
é desterritorializada.

66
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Figura 16 – Zygmunt Bauman

Frehse chama atenção para o interesse que sociólogos têm demonstrado pela associação entre
a dimensão espacial e a dimensão de tempo, apontando reflexos dessa associação nas discussões
sobre distintas modernidades e sobre o pós-colonialismo.

Na sociologia, o interesse renovado pela dimensão espacial da vida social


repercutiu em primeira instância nos embates em prol da diferenciação
entre a modernidade, que teria privilegiado a categoria “tempo”, e a
pós-modernidade, sinônimo da “espacialização do temporal” (JAMESON,
1991, p. 156). Do cerne dessa discussão brotaram enfoques como o das
modernidades múltiplas e os estudos pós-coloniais (FREHSE, 2013, p. 70).

A mesma autora, ainda discutindo espaço e sociabilidade, menciona, entre outros, o clássico trabalho
de Roberto da Matta, A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil, de 1984, como um
dos que analisaram o espaço na dimensão de variável sociológica. De fato, um dos aspectos importantes
para caracterizar a sociabilidade contemporânea é a discussão do lugar em que ela se dá: nem físico,
nem social, mas virtual, o que em boa parte significa uma reconstrução do social.

Pierre Bourdieu analisa as três dimensões de espaço (espaço físico, espaço social e espaço reificado)
considerando relações, objetivas e sociais simbólicas, que os diferenciam. Ele assim distingue: “O espaço
físico é definido pela exterioridade recíproca das partes, o espaço social é definido pela exclusão mútua
(ou distinção) das posições que o constituem; isto é, como estrutura de justaposição de posições sociais”
(BOURDIEU, 2013, p. 133).

A construção do espaço social reflete, portanto, valores e atributos simbólicos que integram a ordem
social em suas diferenciações dinâmicas. Nas palavras do próprio autor:

Com efeito, o espaço social tende a se retraduzir, de maneira mais ou menos


rigorosa, no espaço físico sob a forma de um determinado arranjo distributivo dos
agentes e das propriedades. Consequentemente, todas as distinções propostas
em relação ao espaço físico residem no espaço social reificado (ou, o que dá no
mesmo, no espaço físico apropriado), que é definido [...] pela correspondência
entre uma determinada ordem de coexistência dos agentes e uma determinada
ordem de coexistência das propriedades (BOURDIEU, 2013, p. 133).
67
Unidade I

Assim, é possível depreender que o processo de socialização, ou de participação em uma dada cultura
e segmento social, implica a incorporação das normas relacionadas ao espaço e suas diferenciações. De
fato, é o sociólogo francês quem confirma essas suposições quando explica que a ocupação plena de um
espaço, hábitat, implica a posse dos meios e recursos necessários, ou socialmente exigidos, para partilhar
com outro aquele lugar social. E conclui: “se o hábitat contribui para fazer o habitus, o habitus contribui
também para fazer o hábitat através dos usos sociais, mais ou menos adequados, que ele inclina os
agentes a fazer desse mesmo hábitat” (BOURDIEU, 2013, p. 139). É claro que o capital, tanto econômico
quanto simbólico, integra e constitui parcela significativa do habitus, das práticas sociais esperadas para
a vivência compartilhada desses lugares. Como diz Bourdieu:

A ausência de capital leva ao seu paroxismo a experiência da finitude:


ela acorrenta a um lugar. Inversamente, a posse do capital garante, além
da proximidade física (residência) em relação aos bens raros, a quase
ubiquidade que torna possível o domínio econômico e simbólico dos meios
de transporte e de comunicação (e que é frequentemente redobrado pelo
efeito da delegação, poder de existir e de agir à distância por interposta
pessoa) (BOURDIEU, 2013, p. 137).

Todavia, os comentários de Bourdieu têm foco dirigido para as condições reais cotidianas, objetivas e
simbólicas da vida social. Serão essas condições válidas para a vida social desfrutada nas redes sociais, nos
espaços virtuais? Haverá um processo de projeção das condições vividas no cotidiano para a experiência
da realidade virtual? Essas são questões presentes na SC contemporânea, e para considerá-las, ainda
que brevemente, vale a pena atentarmos a alguns aspectos do processo de socialização contemporâneo.

O processo de socialização, nos termos da sociologia clássica, implicava a incorporação de valores


tradicionais e práticas sociais correntes. Esse processo tinha como instituições formadoras a família,
a escola e, posteriormente, o mercado de trabalho. Contudo, a presença dos meios de comunicação
massivos (no Brasil, a presença do rádio e sobretudo da televisão) introduziu naquele modelo tradicional
outros modelos de socialização, apontados como mais modernos, atuais. Nos anos 1960, por exemplo,
a juventude brasileira urbana que acompanhava a Jovem Guarda aprendia lições de rebeldia, enquanto
outros modelos de socialização eram cantados, como nas músicas de Caetano Veloso, Rita Lee, Ultraje
a Rigor e outros roqueiros.

Observação
É interessante constatar que algumas referências sobre rebeldias
dos jovens, presentes nas letras da Jovem Guarda, soam inadmissíveis
atualmente, como abusar da velocidade no espaço urbano; contudo
a imagem da “ovelha negra da família” (metáfora em letra de Rita Lee)
permanece como referência para jovens que se mostram resistentes às
pressões familiares, sobretudo paternas.

Nesse contexto de múltiplas referências e modelos, os indivíduos interagem no processo de


socialização, de formação de identidade, como diz Setton:
68
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

[...] chama a atenção o fato de que a pluralidade e a heterogeneidade das


informações em circulação contribuem para o surgimento de uma nova
percepção do indivíduo sobre si e sobre os grupos que o rodeiam; contribuem para
o surgimento de novas formas de interação social, novas formas de aproximação
e/ou afastamento entre os indivíduos e grupos (SETTON, 2005, p. 347).

Uma vez que não se trata de um processo massificado, como alerta a autora, “para refletir sobre o
processo de socialização contemporâneo é necessário considerar alguns aspectos relativos à formação
da individualidade e da subjetividade do indivíduo atual” (SETTON, 2005, p. 336).

É preciso considerar que os dispositivos e recursos tecnológicos disponíveis no ambiente virtual


reforçam e ampliam essa participação do indivíduo no processo de se construir como um sujeito de si.
Entre outros autores, Giddens lembra que:

A interação eletrônica é muitas vezes apresentada como algo que liberta


e confere poder, uma vez que as pessoas podem criar as suas próprias
identidades on-line e falar de uma forma mais livre do que o fariam noutros
contextos”. Todavia, ele mesmo não está plenamente convencido: “mesmo
numa altura em que é cada vez mais fácil a interação de forma indireta, os
seres humanos continuam a valorizar o contato direto – talvez ainda mais
do que antes (GIDDENS, 2008, p. 102).

Para se ter um quadro geral da penetração da comunicação pelas redes sociais na sociedade
brasileira, é suficiente lembrar o papel dessa modalidade de comunicação no processo eleitoral de 2018:
o candidato vitorioso, impossibilitado de percorrer o país nas tradicionais caravanas políticas depois de
um atentado, se fez virtualmente presente pelas redes sociais. Era uma presença diária na casa do eleitor.

Na matéria “Dez fatos sobre a internet no Brasil”, preparada por Daniel Ribeiro com base no
relatório feito pela Data Reportal, constata-se que 149,1milhões dos brasileiros passam mais de nove
horas diárias navegando na internet, o equivalente a cerca de 70% da população, cabendo, desse total,
3 horas e 34 minutos às redes sociais (especialmente o Facebook). Com relação à navegação na internet,
os dados mostram que a preferência de 61% dos brasileiros é pelos celulares, sendo o Google o buscador
mais acessado, com Facebook e YouTube em segundo e terceiro lugar, respectivamente. Para completar,
afirma Ribeiro:

Fugindo da média mundial, no Brasil as mulheres (55%) são mais presentes


nas redes sociais que os homens. Elas são maioria no Facebook (53%),
Instagram (59%) e Snapchat (71%). Já no Twitter e no Linkedln, o número
de usuárias do Brasil acompanha as porcentagens internacionais, com 34%
e 44% de participação, respectivamente (RIBEIRO, 2019).

Um trabalho de Thibes e Mancini (2013) explora esse ambiente virtual brasileiro com foco na
sociabilidade virtual e na produção do eu como imagem (sem corpo) destinada ao outro. Mas como se
apresenta esse eu sem corpo, uma imagem plástica ofertada? Analisando as regras de interação social
69
Unidade I

próprias de cada rede social (como Facebook e Orkut, ainda em operação à data da pesquisa), os autores
revelam a existência de um processo de contradição entre uma suposta liberdade de ser o que quiser e
o controle exercido para evitar a desaprovação do outro.

Na medida em que as diferenciações sociais são conhecidas em uma dada sociedade e cultura, a
imagem criada (ainda que somente da face) exibirá os itens positivamente valorizados, como o sorriso
indicador de felicidade, a expressão de sucesso etc. Nesses termos, concluem os autores:

[...] o processo de modelagem e remodelagem do “eu” nas redes sociais, embora


pareça um exercício solitário e individualista, ocorre mediante a interação
dos participantes, criando uma reflexividade constante sobre a identidade:
adicionando e excluindo amigos, inserindo e retirando fotos, recebendo e
escrevendo mensagens, declarações de amor ou ofensas, revelando detalhes
do cotidiano, preferências e gostos, o indivíduo mobiliza-se para constituir
um retrato de sua vida que se modifica no ritmo em que o imaginário social
e o próprio dinamismo das redes requerem (THIBES; MANCINI, 2013, p. 157).

Encontra-se nessas palavras uma relação sociológica, presumível na sociedade contemporânea, entre
o ambiente cultural virtual e o da cultura do consumo, aspecto esse apontado por Rosa e Santos (2015)
em um trabalho que realizou uma revisão crítica das repercussões das redes sociais na subjetividade de
usuários. Aliás, uma das observações conclusivas nesse trabalho foi a de que “A literatura constata a
estetização do self, mas a interpreta como sociedade de consumo, limitando o entendimento de outras
possibilidades interpretativas como um novo dispositivo de produção de sentidos” (ROSA; SANTOS,
2015, p. 913).

Dois conceitos são centrais a esse trabalho: sociabilidade virtual e subjetividade. Mas deve-se pensar
aqui na sociabilidade virtual na acepção emprestada por Gobbi, uma vez que “as relações interpessoais
adquirem maiores proporções em comunidades virtuais, nas quais a confiança e a colaboração permeiam
as interações e permitem a sobrevivência de inúmeros grupos em rede” (GOBBI apud ROSA; SANTOS,
2015, p. 918). Já o conceito de subjetividade refere-se “à maneira como as pessoas se sentem e pensam
com base no que elas vivenciam nas redes, o que abrange os sentidos e os significados atribuídos a essas
experiências” (ROSA; SANTOS, 2015, p. 916). Essa concepção de subjetividade, segundo os autores, a
toma como:

[...] produto e como produtora de sentidos, tal como propõe González-Rey


(2011), a qual se conforma na organização singular do sujeito concreto e
nos diferentes níveis da subjetividade social, produzindo sentido para as
vivências das pessoas em seus diferentes ambientes (ROSA; SANTOS,
2015, p. 916).

Nesses termos a pesquisa desses autores implica examinar o processo de negociação de identidades,
objeto de trabalhos anteriores, descrito como conjunto articulado de “fatores que orientam a composição
do perfil dos usuários do Facebook e sua participação nessa rede social, [cujo] foco é a tensão entre
privacidade e publicidade, intimidade e exposição nas redes sociais” (ROSA; SANTOS, 2014, p. 18).
70
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Aliás, em 2014 Gabriel Rosa publicou Construção e negociação de identidade: introdução a quem
somos e a como nos relacionamos, obra destinada à análise do processo de construção subjetiva da
identidade no cotidiano da vida social, levando em conta múltiplos fatores.

Então, quando Rosa e Santos procedem à aludida revisão crítica, o foco de análise recai sobre as
repercussões das redes na subjetividade, chegando a quatro ordens de repercussão:

• experiência de liberalização (inclusive para contatos sexuais);

• experiência de grupo, de comunidade e de confiança;

• experiência da estética de si, em um processo de negociação de identidades que pode levar tanto
a experiências narcísicas quanto à busca por legitimação e pelo reconhecimento;

• “outra repercussão previsível na subjetividade dos usuários é aquela derivada da ampliação do


universo intersubjetivo e do contato com culturas distantes geograficamente” (ROSA; SANTOS,
2015, p. 923).

Entre as possibilidades de comunicação abertas pelas redes sociais está a de construção de


falsas identidades, ou de perfis falsos, a divulgação dos boatos e notícias falsas. O problema atingiu
um tal nível que medidas de controle e vigilância foram adotadas em relação aos provedores e à
administração de redes, a fim de coibir tais práticas. Contudo, tais medidas poderiam ferir direitos
humanos, inclusive o de livre expressão do pensamento.

Caracteriza-se, desse modo, a contradição examinada em artigo de Saldanha, Brum e Mello


(2016) entre liberdade total de informação e controle máximo das comunicações e conteúdos
de usuários da rede. Essa questão remete à dialética entre liberdade e vigilância, tema central à
filosofia, mas que ganhou nova amplitude na sociedade contemporânea graças ao impacto da
circulação de informações em ambiente virtual.

Baseados nos termos e compromissos firmados com a Comissão Interamericana de Direitos


Humanos (CIDH), que em 2013 aprovou a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, os
autores lembram que os Estados membros são obrigados à tomada de medidas que garantam
acesso universal aos serviços de internet. Todavia, “os riscos de violação de tais direitos podem ser
minimizados por meio de normas jurídicas protetivas, consonantes com os princípios de direitos
humanos e taxativas em relação aos sistemas de vigilância” (SALDANHA; BRUM; MELLO, 2016,
p. 494). Nesses termos, os autores seguem a orientação da CIDH, “reconhecendo a eficácia e a
autonomia do direito frente ao poder e aos interesses de outros sistemas sociais que se revelem
contrários aos direitos humanos” (SALDANHA; BRUM; MELLO, 2016, p. 462).

Caminhando para concluir esse capítulo, vale a pena situar o leitor na diversidade de temas
e autores, e nada melhor para isso que uma síntese de suas contribuições. Com esse objetivo,
Castells, nas obras Sociedade em rede e Sociedade da informação, demonstrava certo otimismo
71
Unidade I

em face das possibilidades abertas pela circulação da informação. Em reflexões posteriores,


como Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet (2013), o autor
analisa a implicação política da comunicação em rede, especialmente na mobilização e formação
de movimentos sociais. Nesse contexto ele ressalta a importância da dimensão emocional das
práticas relacionadas aos movimentos, as quais se seguem a processos de reflexão sobre as
condições sociais e econômicas vividas pela maioria dos manifestantes.

Observação

Castells esteve recentemente no Brasil: em Niterói, participou do


Seminário Educação, cultura e tecnologia: escola do século XXI, e, no Rio
de Janeiro, na FGV, fez uma palestra discutindo o tema “Comunicação,
Política e Democracia”.

Castells reafirmou a importância da educação para tornar a população capaz de avaliar criticamente
a informação que circula pelas redes.

Nosso mundo da informação é um mundo baseado nas redes sociais e


nas redes sociais há de tudo. Elas permitem a autonomia dos indivíduos,
acreditávamos que era um instrumento de liberdade e é, mas é uma liberdade
que é usada tanto pelos manipuladores como pelos jovens que tentam mudar
o mundo. Foram desenvolvidas técnicas muito poderosas de desinformação
e manipulação, que incluem a utilização massiva de robôs manipulados
por organizações financiadas pela extrema direita internacional, que estão
preenchendo as redes sociais e manipulando-as muito inteligentemente, de
forma que a construção coletiva do que ocorre na sociedade está totalmente
dominada por movimentos totalitários, que querem ir pouco a pouco
anulando a democracia. Por isso, tudo o que significa pensar é perigoso,
é preciso atacar a educação, atacar os professores, as universidades, as
humanidades e as ciências sociais, que são áreas que nos permitem pensar
(CASTELLS apud FERREIRA, 2019).

Observa-se, então, que Castells, assim como outros autores, identifica certos riscos para a democracia
e a liberdade advindos da sociedade em rede, em que pesem os movimentos feministas, LGBT+,
movimentos religiosos e outros. Fernandes observa sobre Castells:

A rede converteu-se, assim, num espaço de ações no mundo real. Castells


viu nessa tendência uma forma de aumentar a liberdade e de empowerment
(empoderamento) do cidadão. Nesta ótica, a internet trazia uma mais-valia
para a democratização, permitindo, tendencialmente, igualar “as condições
nas quais distintos atores e instituições podem agir” (CASTELLS apud
FERNANDES, 2013, p. 269).

72
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Pierre Lévy, como foi visto, analisou o conceito de virtual e, a partir dele, os conceitos de ciberespaço
e cibercultura. Em 2014, esteve no Brasil, mais precisamente em São Paulo e no Rio de Janeiro, discutindo
temas que têm predominado em seus trabalhos: inteligência coletiva, ciberdemocracia e educação. Na
verdade, esses temas constituem uma preocupação para vários autores, mas Lévy credita à educação o
papel fundamental de formação do cidadão para enfrentar as exigências do século XXI. Ele insiste na
necessidade de o ensino visar não apenas à divulgação de conteúdos, mas sobretudo à capacitação do
aluno (e dos professores) para compartilharem das informações disponíveis no ambiente virtual. Para
tanto, será preciso desenvolver a capacidade de pensar criticamente, de contribuir, de analisar, e não
apenas reproduzir o que se vê ou ouve. Ele insiste na necessidade de desenvolver o pensamento reflexivo
como exigência da sociedade contemporânea e da ciberdemocracia.

Sebastião e Pesce ([s.d.]) resumem com precisão as recomendações de Pierre Lévy. São duas as
reformas necessárias na educação:

A primeira diz respeito à potencialidade da educação a distância


hipermidiática, para formar um novo estilo de pedagogia, em que o professor
é incentivado a animar o intelecto de seus alunos, ao invés de se restringir
ao papel de fornecedor direto de informações relevantes à construção do
conhecimento. A segunda reforma incide sobre a experiência adquirida na
educação à distância, na medida em que o ciberespaço possibilita aos grupos
de alunos trabalhar com sistemas compartilhados e automatizados para a
construção do conhecimento. Nesse cenário, o autor releva a internet como
fonte promissora de informações, ressaltando-se a perene transformação do
ciberespaço, em que as informações multiplicam-se e atualizam-se de modo
exponencial (SEBASTIÃO; PESCE, [s.d.], p. 68).

É importante notar que, para os autores contemporâneos, o desenvolvimento da sociedade da


informação instaurou mudanças que são ao mesmo tempo positivas e negativas. A ideia inicial era
a de uma utopia libertária, mas a dinâmica da realidade vem acenando para o risco. Como dizem
Dumont e Gattoni):

As ameaças e riscos são especulativos, pois ainda há controvérsias quanto


aos efeitos ocasionados pelas novas tecnologias. A informação sobre novos
feitos surge em ritmo vertiginoso, sua utilização pode até se tornar comum
e em larga escala antes mesmo de os cientistas iniciarem suas investigações
sobre o impacto que porventura esta possa causar (DUMONT; GATTONI,
2003, p. 52).

Na verdade, a utopia libertária desde o início esteve condicionada aos interesses econômicos que
mantinham a indústria dos dispositivos e recursos informacionais. Essa questão tem sido objeto de
análise de vários autores, de perspectivas e abordagens distintas, embora não se possa negar as mudanças
ocorridas no cenário da economia global, com impacto nas relações de trabalho, na percepção e no
entendimento dos sujeitos sobre a vida coletiva. Não há respostas precisas sobre o futuro, na medida
em que não se tem mais a esperança em uma continuidade temporal estrutural.
73
Unidade I

Figura 17 – Ulrich Beck

É essa sensação que se encontra no conceito de “sociedade de risco”, construído por Ulrich Beck
ainda em 1986, em obra publicada em alemão pouco antes do acidente de Chernobyl. Segundo Mendes
(2015), para Beck a modernização trouxe riscos ecológicos, climáticos, financeiros e outros. Além do mais,
são riscos que acarretam males que afetam todas as classes sociais. Ele afirma ainda a emergência de
uma segunda modernidade, cujas condições foram geradas pela incidência conjunta de cinco processos,
a saber: “a globalização, a individualização, a revolução assente na diferença sexual, o desemprego e os
riscos globais” (BECK, 1999, p. 1-2 apud MENDES, 2015, p. 213).

No entender de Beck, o reconhecimento da situação de risco exige pensamento crítico e tomada


de decisão, isso porque “é o futuro, algo que é construído, não existente, que constrói o presente, e
os riscos são sempre locais e globais, assumindo uma dimensão transescalar” (MENDES, 2015, p. 212).
Nesse sentido, para Beck:

[...] a modernização tem que ser reflexiva, ou seja, as propostas e problemas


devem ser analisados reconhecendo a existência de distintas racionalidades
e tendo em vista “a opção temporal pelo futuro [o] que torna a sociologia
uma ciência cosmopolita, com capacidade para pensar e discutir as coletividades
de risco cosmopolitas” (BECK; LEVY, 2013, p. 15-16 apud MENDES, 2015, p. 213).

Reflexões sobre características da sociedade contemporânea instauraram novos conceitos no


âmbito da teoria sociológica, de modo a dar conta das mudanças rápidas e profundas em todos os
níveis e espaços da vida cotidiana. Giddens formulou uma série de conceitos inovadores, que têm
como objetivo, segundo Dumont e Gattoni (2003), responder à sensação de desconforto, ansiedade ou
mesmo de perigo ocasionada pela ruptura espaço-temporal e seu ritmo mais acelerado de mudanças
(ou desencaixe). Os atores necessitam desenvolver ações que transmitam segurança para sobreviver.
As pessoas não podem sentir-se em constante estado de risco; para ganhar segurança, desenvolvem,
então, mecanismos de confiança nos sistemas peritos.
74
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Figura 18 – Anthony Giddens

O conceito de modernidade reflexiva remete às condições vividas no cotidiano, de ambiguidade


entre o que era tradicional e confiável e o que se instala como dúvida ou desconfiança. Nessa sociedade,
a circulação de informações pode alterar e alimentar essa dinâmica experimentada como reflexão. Nesse
sentido, alerta Giddens, as certezas que embasam os fundamentalismos religiosos e políticos podem ser
respostas para a ansiedade experimentada na vida social, inclusive para aquela insegurança advinda das
condições econômicas e da nova ordem no trabalho.

Resumo

Ao trabalhar a construção midiática do social e as práticas adotadas


nessa construção, foram focalizadas inicialmente as relações entre consumo
material e simbólico, ressaltando-se que as duas dimensões aparecem
simultaneamente no consumo. Foi assim que se pôde observar que um
simples cafezinho envolve mais que simplesmente tomar o café.

A sociedade, ao longo da história, atribuiu sentidos e valores aos objetos


e às práticas a eles concernentes. Desse modo, se constrói e se diferencia a
imagem social do consumo e dos consumidores.

O importante a reter na discussão das relações entre produção e consumo


(material e simbólico) reside na construção das mediações necessárias para
comunicar o conteúdo, mediações essas que refletem condições sociais e
as projetam em imagens e textos, virtuais ou não.

Esse é um aspecto central na produção de jornais, revistas e determinados


livros, porque a partir dele os meios de comunicação se tornam meios
de produção cultural e de práticas sociais consideradas adequadas, além
daquelas apontadas como inadequadas.
75
Unidade I

Duas facetas foram focalizadas: 1) a produção da cultura e práticas


sociais nos meios de comunicação e em certa modalidade de literatura e
2) o papel na formação e disseminação de práticas sociais articuladas a
essa produção.

Na verdade, os dois aspectos são relacionados ao que foi apontado como


produto cultural, ou seja, aquele conteúdo deliberadamente produzido
para uma dada finalidade (seja a de ilustração, educação, informação ou
mesmo a divulgação de regras de etiqueta). Vale destacar ainda que o traço
determinante de todo produto cultural é sua destinação intencional para
um determinado público, com finalidade econômica, mas também política.

Exercícios

Questão 1. A comunicação pode ser entendida como um processo através do qual significados que
tomaram corpo numa mensagem são transferidos para uma ou várias pessoas de tal maneira que o
significado percebido seja equivalente à intenção dos iniciadores da mensagem. Nesse sentido, infere-se
que comunicação:

A) É restrita a determinadas pessoas em interação social.

B) Depende do desenvolvimento no campo das telecomunicações.

C) É centrada nas práticas comunicativas.

D) Favorece uma perspectiva humanista.

E) É uma ação social.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: essa definição não pode ser entendida como restrita a determinadas pessoas.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: essa definição não depende do desenvolvimento no campo das telecomunicações.

C) Alternativa correta.

Justificativa: a comunicação, nessa perspectiva, é considerada em seu próprio processo comunicativo.


76
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: essa definição de comunicação não segue uma visão humanista nem científica.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: essa definição não relaciona comunicação a uma ação.

Questão 2. As sociedades atuais são mais reflexivas do que as anteriores, obrigando a uma maior
consciência e avaliação dos processos que nelas ocorrem. Há autores, segundo Pereira (s/d), que
chegam mesmo a considerar que “a sociedade é comunicação”. Por isso é tão importante racionalizar
e compreender melhor no que consiste o processo comunicativo. Com base nessa perspectiva, analise
quais das afirmativas a seguir estão de acordo com esse enfoque sociológico.

I – A sociologia tem um caráter imaginativo e multifacetado, além de diferentes opções metodológicas.

II – A sociologia, nessa perspectiva, é capacitada para colocar as questões certas e equacionar um


olhar sobre o mundo social capaz de promover mudanças no campo científico e no campo político.

III – A sociologia valoriza de forma ascendente os processos comunicativos enquanto elementos


essenciais da vida em sociedade.

Está correto o que de afirma em:

A) I, II e III.

B) I e II, apenas.

C) I e III, apenas.

D) II e III, apenas.

E) III, apenas.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: na concepção de que a sociedade é comunicação, é necessário entender a sociologia


como plural e imaginativa. A pluralidade também é percebida nas opções metodológicas.

77
Unidade I

II – Afirmativa correta.

Justificativa: a sociologia, nessa perspectiva, estabelece relações com as áreas científicas e com as
áreas políticas, ou seja, há diálogos entre sociedade, ciência e política.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: nessa perspectiva, os processos comunicativos, entendidos em sua pluralidade, são


sempre valorizados.

78
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Unidade II
5 PRODUÇÃO E CONSUMO: ARTICULAÇÃO MATERIAL E SIMBÓLICA

A formação da economia abrange funções diversificadas do ato de produzir (envolvendo meios de


produção e relações de trabalho), como diversificadas condições de consumo (em geral mencionadas
como demanda, para simplificar). As relações entre esses dois segmentos são agora exploradas, mantendo
foco nas práticas envolvidas. Assim, interessa examinar como se faz o consumo e quais relações ele
mantém com a produção. Inversamente, vale também indagar como a produção de um bem ou serviço
antecipa o seu consumo, embora não seja possível explorar aqui todas as facetas dessa questão.

O leitor pode responder se é possível direcionar um produto ou serviço desconhecido para um


público conhecido ou supostamente conhecido: a resposta imediata seria sim, mas como seria feito
esse direcionamento?

Pense, leitor, que foram criadas imagens ou representações, tanto para o público quanto para o
produto, e que certo saber de comunicação irá associar a construção simbólica do produto ou serviço
à construção simbólica do público; essa associação será o conteúdo da comunicação. Quanto à
modalidade da mensagem, ela poderá variar em texto, imagem, som etc., embora cada uma delas tenha
suas peculiaridades. Houve aqui uma construção simbólica, da materialidade do produto e do serviço,
assim como do público, e ambas as construções são socialmente orientadas, ou seja, apoiam-se em
padrões, valores e expectativas sociais, mas nem sempre as já existentes na sociedade em foco, uma vez
que o apelo simbólico da ideia de novidade é grande.

Outro aspecto da relação entre consumo material e simbólico diz respeito à produção: produzir
implica certa antecipação do consumo, portanto em previsão de demanda, racionalidade nos processos,
recursos etc. Como se dá esse processo que antecipa o consumo? Ele implica antecipar, prever e projetar
uma dada tendência de comportamento social, portanto é a sociedade, com todas as suas contradições e
complexidades, que oferece a base para essa antecipação, considerando presente e tendência de futuro,
níveis local e global.

Nessas páginas, o foco de atenção será dirigido para a peculiar articulação entre as duas dimensões
da existência social, a material e a simbólica, presentes nas práticas sociais de produção e de consumo,
seguindo um roteiro de exposição de quatro tempos:

• produção material para consumo material e o consumo material da produção material;

• produção material para consumo simbólico e o consumo material da produção simbólica;

• produção simbólica para consumo material e o consumo simbólico da produção material;


79
Unidade II

• produção simbólica para consumo simbólico e o consumo simbólico da produção simbólica


(aqui um item fundamental é a produção e o consumo de bens simbólicos na educação e
ambiente virtual).

Esses quatro tempos enfatizam as articulações entre produção e consumo considerando as duas
dimensões (material e simbólica) como se separadas, o que não é verdadeiro: as duas dimensões são
sempre associadas na existência social. Além desse recurso, o leitor deve ter percebido que com o
emprego de conectivos (“para” e “de”) foram criados tempos distintos nos quais se efetivam a produção
e o consumo, além de se instituir intencionalidade (para) na produção, e não no consumo, deixando que
esse seja realizado a reboque da produção. Novamente trata-se de um recurso de exposição, uma vez
que o consumo é também intencional, na quase totalidade dos casos, além de poder ser realizado de
forma simultânea (ou não) à produção.

5.1 A produção material para consumo material e o consumo material da


produção material

Quando era desenvolvida a agricultura de exportação de açúcar no Nordeste, e mais tarde do café
no Rio e Minas, não bastava divulgar a existência desses produtos: a materialização da doçura contida
no açúcar de cana não bastava ao paladar europeu; sua aparência e consistência não satisfaziam as
exigências de um público que via no açúcar uma especiaria, um requinte para o paladar. O consumo
impunha à produção do açúcar condições materiais (brancura, pulverização) que não eram obtidas
nos processos materiais da produção colonial. Dessa imposição, sob a forma de expectativas sociais,
teve origem outra modalidade de negócio: o refino do açúcar, um processo industrial que materializa
brancura, pulverização e higienização do produto (embora essa não fosse exigência dos europeus no
século XVII), tudo isso mantendo a característica essencial do açúcar, a doçura.

Nos dias atuais, a produção de cana destina-se a uma diversidade incrível de produtos, dos quais
o açúcar é apenas um, enquanto a produção de açúcar refinado também se desdobra, inclusive
privilegiando o tipo mascavo (considerado pelos naturalistas mais ”natural” do que os demais). Contudo,
Antonil (1982), no século XVIII, descreve os tipos de açúcar obtidos nos engenhos e os classifica em
relação à cor e à consistência.

Do branco há fino, há redondo e há baixo; e todos estes são açúcares machos.


O fino é mais alvo, mais fechado e de maior peso, e tal é ordinariamente a
primeira parte, que chamam cara da forma. O redondo é algum tanto menos
alvo, e menos fechado; e tal é comumente o da segunda parte da forma; e
digo comumente porque não é esta regra infalível, podendo acontecer que
a cara de algumas formas seja menos alva, e menos fechada que a segunda
parte de outra forma. O baixo é ainda menos alvo e quase trigueiro na cor;
e ainda que seja fechado e forte, contudo, por ter menos alvura, chama-
se baixo ou inferior. [...] É necessário falar de várias castas de açúcar, que
separadamente se encaixam, porque também nesta droga há sua nobreza,
há casta vil, há mistura (ANTONIL, 1982, p. 136).

80
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Em sua descrição do produto, Antonil projeta as divisões sociais de “castas”, como ele diz, e o faz não
em nome de especificações técnicas, mas apelando para um entendimento comum das classificações
sociais pela cor e pelo sexo (açúcares machos), correntes na sociedade de seu tempo, tanto na metrópole
quanto na colônia. Nesse exemplo, a produção de um bem material é articulada a um consumo do
mesmo bem, mas essa articulação é realizada pela mediação do campo simbólico, como mostra Antonil
ao aludir aos valores em curso na sociedade, reproduzindo-os. Hoje, o açúcar mascavo, de todos eles o
mais “trigueiro”, é mais valorizado pela sua naturalidade, sem passar pelos processos de “alvejamento”.

Um processo assemelhado pode ser apontado para o café, em paralelo ou em associação às variáveis
econômicas que caracterizaram sua expansão. Mas a quais das peculiaridades da sociedade europeia
dos séculos XVII e XVIII a nova bebida correspondia, lembrando que a Europa sempre produziu vinho?

Como constava no site da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) em 2007: “Segure uma
xícara exalando o aroma de um bom café e você estará com a história em suas mãos”. Martins (2010)
inicia seu trabalho sobre a história da cafeicultura brasileira com a mesma frase, reconhecendo no café
uma dimensão histórica de que muitos não se dão conta. Portanto, é verdade, mas a história não é
apenas uma sucessão de fatos associados a uma cronologia, trata-se, na verdade, do desenvolvimento
de processos sociais que articulam possibilidades abertas na sociedade burguesa para uma bebida não
alcoólica, relativamente exclusiva, mas não cara e estimulante.

Era uma bebida para os longos debates políticos, filosóficos e literários que mantinham certos grupos
relativamente selecionados em cafés de cidades europeias importantes como Paris, Amsterdã, Viena e
Veneza, entre outras. Esses locais até hoje são uma tradição, embora não se consuma exclusivamente café
neles, assim como nas cafeterias gregas, que servem um café à moda e nas quais (as mais tradicionais)
os frequentadores olham ressabiados quando ali entra uma mulher.

Na história, a produção do bem materializado encontrou o consumo também sob a forma de uma
materialidade (uma colher de açúcar alvo e uma xícara de bebida negra, estimulante e quente), mas não
só: de certa forma, as discussões que os salões literários franceses abrigavam, ao tempo do Iluminismo e
da Revolução, foram deslocadas para a rua, para os cafés, ampliando-se o círculo de discussão filosófica,
literária e política da alta burguesia e nobreza francesa, integrando intelectuais, militantes políticos,
artistas e estudantes, enfim, toda uma fauna bastante diversificada.

A prática social de se reunir, conversar e tomar café foi se transformando ao longo do tempo:
tomar café, consumir o produto, acabou sendo um pretexto para a conversa, o encontro e a discussão.
No século XX, os americanos criaram a máquina de café, os longos (e fraquíssimos) cafés em caneca e
depois em copos descartáveis, e os paulistas inventaram o cafezinho no balcão, sem conversa, exceto
um assunto muito rápido. Tudo isso enquanto a sociedade se tornava mais individualista, tudo se dava
de forma mais rápida e a um ritmo industrial quase obsessivo. Por fim, chegaram da Itália as máquinas
de café expresso.

A prática do café acompanhou essas transformações, embora na Europa (e no Fran’s Café)


permaneçam as mesas, a conversa, mas principalmente à noite, para não atrapalhar o ritmo do trabalho.
Os cariocas mantiveram por muito tempo a prática do café em mesas, servido em bandejinha, com um
81
Unidade II

pequeno copo de água gelada; poderia ainda ser servido o café com leite (conhecido como média). Foi
nessa prática social, na qual o consumo material está profundamente associado aos processos sociais,
que Noel Rosa se inspirou para pedir, no samba tão conhecido: “seu garçom, faça o favor de me trazer
depressa uma boa média que não seja requentada” (ROSA, 1983).

Outros exemplos poderiam ser citados, como o chimarrão dos gaúchos. Trata-se de coisa de todo
o dia, cuia e garrafa carregadas ao ombro (em bolsa especial, a mateira). A origem do mate é indígena,
e a erva foi adotada pelo colonizador, acompanhando o fogo de chão dos galpões nas estâncias e
aproximando os peões que conduziam o gado nas pradarias em meio ao frio dos descampados ou no
verão sem sombras. A roda de mate ou de chimarrão, ao que consta na tradição, sempre foi democrática
na ordem de passar a cuia: o dono da casa toma primeiro, porque o mate é mais amargo. E a conversa
era fundamental, nela circulavam muitas ideias e romantismos, mas também a rebeldia corajosa dos
gaúchos. Pércio de Moraes, em um texto bastante espirituoso, aponta os “mandamentos para participar
da roda de chimarrão”. Deles, selecionamos o nono mandamento, sobre não dormir com a cuia na mão.
Ensina o autor:

Tomar mate solito é um excelente meio de meditar sobre as coisas da vida. Tu


mateias sem pressa, matutando... E às vezes te surpreendes até imaginando
que a cuia não é cuia, mas o quente seio moreno daquela chinoca faceira
que apareceu no baile do Gaudêncio... Agora, tomar chimarrão numa roda é
muito diferente. Aí o fundamental não é meditar, mas sim integrar-se à roda.
Numa roda de chimarrão, tu falas, discutes, ris, xingas, enfim, tu participas
de uma comunidade em confraternização. Só que essa tua participação não
pode ser levada ao extremo de te fazer esquecer a cuia que está na tua mão.
Fala quanto quizeres mas não esqueças de tomar o teu mate que a moçada
tá esperando (MORAES, [s.d.]).

Em Belo Horizonte, a versão para as rodas de conversa, prática social que se viu reiterada com o café
e o chimarrão, é a prosa de boteco, ambiente de conversas e comidinhas variadas (já que tira-gosto é
também nordestino), regadas com cachaça e cerveja. Com o festival Comida di Buteco, tradição de Belo
Horizonte, institucionalizou-se uma prática que os mineiros mantinham há séculos, proseadores como são.

Já os paulistas emprestaram o seu item de consumo alimentar mais típico, ao menos a partir dos
anos 1950, a pizza, a uma certa forma de conversa política. “Acabar em pizza” é uma expressão corrente
na mídia, que toma uma prática alimentar (produção e consumo material) por uma prática política
de acordos, conciliações e de privilégios, cujo objetivo é material, na maioria dos casos. Essa prática é
corrente na instância que se situa no avesso da ordem política brasileira, mas ela a caracteriza.

A pizzaria em São Paulo é lugar de congraçamento, de conversas (em geral ruidosas), de alguma
música, muita cerveja, lugar comum sem charme, acessível a quase todos os bolsos. A pizza é redonda,
ao contrário da italiana, que é retangular, sendo qualificada pela espessura da massa e pela variedade
quase infinita de coberturas (que muitos paulistas chamam de recheio, não se sabe por quê). É costume
nos grupos maiores dividir a conta, assim como se passa na “pizza política” na qual todos os envolvidos
dividem o sigilo em torno dos fatos e todos se fartam de impunidade.
82
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Observe que todos os exemplos citados anteriormente apontam para uma modalidade de consumo
material, a mais característica, alimento e bebida: o bem produzido deixa (efetivamente) a circulação,
mas todos os exemplos se articulam a condições e processos sociais. Pode-se ainda apontar uma
peculiaridade que tem em comum a classificação de Antonil para o açúcar e a pizza da política brasileira:
nos dois casos as condições culturais estão diretamente articuladas em uma representação simbólica
de produtos materiais de consumo, embora não tenham sido essas as que propiciaram a produção, mas
outras condições sociais e históricas.

De forma resumida, pode-se dizer que a produção material para consumo material se faz pela
articulação com condições sociais, históricas e culturais que induzem a ambas. Todavia, se consideradas
isoladamente, produção e consumo, as condições presentes na sociedade e que induzem a ambas, aparecem
ou são apontadas como se fossem distintas. Isso acontece quando as categorias sociais implicadas
na produção e no consumo são construídas a partir da aparência de vivências peculiares, como se a
existência social se desse em espaços sociais distintos: trabalhador e empresário, na produção; público,
estratos ou segmentos sociais, no consumo. Mas essa construção é uma simplificação inconsistente para
explicar as peculiaridades da produção material, assim como as do consumo, como práticas sociais na
sociedade contemporânea.

O leitor pode estar se questionando sobre o que significa a expressão construída, empregada no
parágrafo anterior. Nada muito complicado: trata-se da elaboração teórica e de pesquisa que descreve,
explica e interpreta o comportamento social a partir de um corte (perspectiva) que separa de um lado
capital e trabalho (o lado produtivo, difícil e sacrificado da vida social, vinculado à renda e ao poder de
compra, e devidamente segmentado, conforme a posição nas relações de produção) e de outro lado, o
não trabalho (o lado do lazer, da felicidade, da fruição, do desejo, do ócio, da propensão ao consumo e
do consumo efetivo, em que a segmentação se relaciona a outras variáveis, como idade, características
psicológicas e gênero).

Essa construção pode até ser interessante, mas de maneira nenhuma corresponde à vida social
contemporânea (se é que correspondeu à vida social alguma vez na história). Mesmo assim, ela é aludida
reiteradamente nos comerciais que associam um produto, como um tablet ou celular, à segmentação da
vida em trabalho, amigos e diversão, todos com muita música e sorrisos.

A experiência da vida social e do cotidiano congrega as duas dimensões simultaneamente. Essa


simultaneidade é extremamente significativa na sociedade capitalista, uma vez que, de fato, é a partir dela que se
refletem vários aspectos dos processos de produção e de consumo, tanto material quanto simbólico. Portanto,
processos sociais e culturais em curso na sociedade ao longo da história afetam simultaneamente a produção
material, a dos objetos e induzem o consumo dessa produção para toda a sociedade, independentemente da
inserção nas relações produtivas ou das características psicológicas dos consumidores. Ao longo da história
da sociedade capitalista, essas relações foram espontâneas, mas a partir do capitalismo industrial elas foram
estimuladas deliberadamente na sociedade.

Baudrillard já discutia essa questão há 40 anos, constatando que a vida cotidiana se passa em um
mundo de objetos, considerando oportuno indagar sobre a peculiaridade dessa vivência, na qual os
indivíduos se conduzem de modo mais ou menos inconsciente. Os problemas que ele levanta dizem
83
Unidade II

respeito “aos processos pelos quais as pessoas entram em relação com eles [os objetos] e à sistemática
das condutas e das relações humanas que disso resultam” (BAUDRILLARD, 1997, p. 11).

Formando-se pelo signo da industrialização, consolidou-se a tendência de relacionamento com as


coisas, cada vez mais ampliada, atingindo níveis profundos do comportamento. Essa tendência pode
ser observada quando se pensa em estilo e em design: Baudrillard aponta algumas implicações desses
conceitos, especialmente estilo, na produção material e no respectivo consumo.

Enquanto a produção material resultava do trabalho artesanal, e mesmo das manufaturas nas
corporações, o estilo consistia na concepção e na produção de objetos que lhes conferia valor de uso.
Como modelos, esses objetos poderiam até ser copiados, mas não na escala que somente a produção
industrial em série pôde produzir. A destinação desses objetos conferia-lhes valor estético e social:
objetos utilizados pela nobreza foram copiados para a burguesia, sendo essa, aliás, uma das raízes
históricas da cultura de consumo e do que hoje se vai entender por estilo nesse contexto. Todavia,
salienta Taschner, essa difusão não parece ter sido linear.

A aristocracia manteve-se como referência máxima de luxo e sofisticação,


mas a “imitação” de seu padrão de consumo por outras classes fez-se
de modo seletivo. E isso se deu não simplesmente porque eram pouco
refinadas ou porque o processo civilizador não as atingiu inteiramente, mas
provavelmente porque tinham vidas regidas por uma lógica diferente do
grupo que imitavam, o que implicava uma relação distinta com objetos e
uma valorização diferencial deles. Daí o fato de em parte assimilarem, em
parte criticarem ou rejeitarem, em parte adaptarem costumes nobres. Com
isso, pode-se entrever a formação de estilos de vida distintos numa sociedade
cujo consumo começava a tornar-se de massa (TASCHNER, 1997, p. 43).

Na sociedade contemporânea, os modelos pré-industriais e aqueles produzidos para as elites atuais


passam a ser produzidos em série, e os meios de comunicação ampliam o alcance desse processo,
tornando acessíveis a todos, dependendo do poder de compra, objetos antes inalcançáveis. Esse processo
permite criar no cotidiano um espaço imaginário, de luxo e requinte, à disposição de todos. A esse
espaço, que remonta aos modelos e estilos originais, acrescenta-se a funcionalidade contemporânea,
os aparelhos contemporâneos de som e imagem harmonizando ambientes e até mesmo construindo
móveis “de estilo” nas dimensões exíguas dos apartamentos modernos.

Enfim, “esta corrente que atravessa toda a sociedade, que leva da série ao modelo e faz continuamente
difundir-se o modelo na série, esta dinâmica ininterrupta, vem a ser a própria ideologia da nossa
sociedade” (BAUDRILLARD, 1997, p. 148). Mas a produção de objetos ainda percorre outro circuito,
o da customização (ou do “objeto personalizado”, como o chama Baudrillard). Nesse campo é preciso
estabelecer uma diferença entre as máquinas e os demais objetos.

Entre os carros, por exemplo, os modelos de uma mesma linha são diferenciados por um conjunto
de funções e equipamentos desnecessários, em sua maioria, mas que permitem classificar as unidades
como modelo de luxo e modelo de série (ou modelo básico). Em relação a outros objetos, de roupas a
84
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

apartamentos, a personalização assume uma dinâmica particular que se fundamenta “a um só tempo


na exigência individual e em um sistema de diferenças que vem a ser justamente o sistema cultural”
(BAUDRILLARD, 1997, p. 149).

Se a possibilidade de escolha entre produtos é uma forma de exercício de liberdade do consumidor,


e talvez a única que se exerce “livremente” na sociedade contemporânea, a customização reforça essa
ilusão, porque ela instaura no objeto a diferenciação individual, que constitui um aspecto do processo
integrativo na sociedade contemporânea. Entre a peça de alta costura, o prêt à porter de grife, e o jeans
rasgado pelo próprio consumidor para customizar a peça, há diferenças sensíveis, com o conceito de
estilo, a rigor, só se aplicando ao primeiro termo. O prêt à porter é por definição um tipo, e não modelo,
enquanto no caso do jeans, apesar de reiterar um princípio de diferenciação, não houve, por parte do
consumidor, a criação de um princípio, apenas uma reprodução.

Para os carros, a customização implica adicionar este ou aquele atributo, dos disponíveis na
concessionária ou na montadora, a um dado modelo, ou fazer alterações de cor, aplicação de desenhos
etc. Nas motos, a customização atinge níveis surpreendentes, sendo possível praticamente criar um
outro modelo. Nos apartamentos, a customização implica alterar a planta original, dentro de certos
limites, como não alterar a área total (a não ser pela compra de outra unidade) ou as colunas centrais
de água e esgoto, por exemplo.

Do ponto de vista da produção material, a customização adiciona um valor marginal ao produto


(os marqueteiros dizem valor agregado), porque remete o produto customizado para fora da série,
que representa a relação mais racional alcançada no processo produtivo. Todavia, essa racionalidade
econômica (caracterizada na produção em série) instaura um comum que nega a diferença individual,
presente na sociedade como um valor a orientar escolhas dos consumidores, consequentemente acaba
sendo um elemento a dificultar as vendas.

Contudo, na impossibilidade de adicionar equipamentos que instaurem uma individualidade no


carro de série, consumidores adicionam adesivos, como o comum “Deus é fiel” ou uma ilustração da
composição da família. Os mais ricos introduzem sistemas de som especiais, alteram o desenho
da lataria, os pneus, refazem a pintura introduzindo desenhos, enfim, criam uma identidade para o
carro, como extensão do proprietário.

Ainda em relação aos carros, um modelo como o Rolls-Royce se apresenta como exemplar fora de
série, ele foi pensado e produzido como unidade; os objetos de série, ao contrário, são combinações
de efeitos e de condições impostas pela racionalidade da produção. Neles, o couro dos bancos foi
substituído pelo sintético (“é mais prático”, diz o vendedor), mas ao mesmo tempo ele oferece bancos
de couro ao cliente.

Todos os aspectos mencionados dizem respeito à produção e consumo materiais, contudo, fica claro
que o consumo material reconstrói simbolicamente (cultural e socialmente) os objetos produzidos. É
nesse artifício de mediação que se baseiam os comerciais e outras mensagens dos meios de comunicação,
constatação que nos leva ao segundo item desse texto.

85
Unidade II

Observação

Um exercício sociológico interessante é assistir a um programa de


compras pela TV: a apresentadora insiste no luxo e requinte dos produtos
oferecidos, acrescentando que “toda aquela sofisticação está ao alcance do
seu telefone”. Não há menção às condições reais de compra, somente depois
aparecem as promoções. O requinte é adquirido a preço promocional? Que
ilusão! Cristais, porcelanas, mobiliário europeu, tapetes persas, objetos
que remetem à distinção de classe, a preços promocionais em parcelas? O
discurso criou uma mediação entre o real (situação financeira) e o desejo
de aparentar algo além.

5.2 A produção material para consumo simbólico e o consumo material da


produção simbólica

Cada vez mais é possível partilhar de ambientes e situações que estão fora do tempo presente e das
condições econômicas disponíveis às pessoas que entram nessa aventura: os salões franceses do século
XVIII eram realmente salões, mas não havia sala de estar (living room), no entanto, há muito tempo é
possível criar um living francês do século XVIII, com móveis, quadros e tapetes comprados no shopping
ou nos antiquários. Mas, se o século XVIII caiu de moda, por que não criar o living no estilo inglês dos
anos 1920? Os móveis de pés palito dos anos 1950 estão novamente na moda, assim como o acrílico,
que dá transparência ao ambiente.

Todos os meses, as recomendações especializadas na criação de estilos de ambientes são encontráveis


a preços módicos, nas revistas de decoração, e todas as semanas nos programas de TV. Um breve
exame das fotos dessas revistas revela que os ambientes criados e apresentados como sugestões para
a criação individual são realmente cenários esteticamente construídos, nos quais não haverá pó ou
poluição entrando pelas vidraças, onde as plantas e flores (desidratadas, de preferência) demonstram a
preocupação dos moradores com a natureza.

Essa possibilidade de consumo, de ambientes requintados e de estilo, movimenta alguns segmentos


significativos da produção industrial, do setor de serviços e dos meios de comunicação, todavia:

[...] aquilo que é dado como “estilo” no fundo não passa de um estereótipo,
generalização sem nuanças de um detalhe ou de um aspecto particular. É
que a nuança (na unidade) é atribuída ao modelo, enquanto que a diferença
(na uniformidade) à série (BAUDRILLARD, 1997, p. 157).

A construção de ambientes tem sentido social de recorrer ao passado ou a outras culturas em busca
do exótico e do autêntico para demonstrar, ao mesmo tempo, refinamento e poder aquisitivo. As feiras
de antiguidade e os antiquários em São Paulo, por exemplo, atendem a públicos distintos no que tange à
disponibilidade financeira, mas similares em relação a essa mesma tendência. Outras culturas, regionais ou

86
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

distantes, oferecem a possibilidade de introduzir, no ambiente contemporâneo, objetos artesanais com a


mesma finalidade; desenvolve-se então um setor de “produção artesanal” em escala comercial. No Brasil,
incluem-se nesse mercado a cestaria do Maranhão e de Sergipe, os objetos de conchas de Santarém,
as penas da Amazônia, a tecelagem em algodão do Vale do São Francisco, as panelas do Espírito Santo,
alguns tapetes artesanais de Minas e as colchas de fuxico baianas (formando um segmento especial, visto
apresentarem nuanças que respondem por estilos das artesãs, aproximando-se da arte).

O consumo simbólico nos casos apontados se dá sob a forma de uma participação ou envolvimento
pessoal na ambientação, mais que no ambiente propriamente material criado. A busca do consumidor
é pelo clima instaurado com os objetos, pela personalidade do ambiente. Nesse sentido, as cozinhas
abertas, elegantemente organizadas, formam um espaço especial nos lofts de solteiros: ali, eles
exercitam habilidades de culinária na presença dos amigos, uma faceta da tendência contemporânea de
modernização da masculinidade.

As velas e pétalas de rosa vermelha oferecem outro exemplo. Um jantar à luz de velas sempre
foi considerado algo romântico, possivelmente pela associação entre a iluminação bruxuleante e o
Romantismo do século XIX; sem esquecer, é claro, a linguagem das flores, já que a rosa vermelha, sem
espinhos, desde o século XVII é associada à paixão. Mas, a partir do filme Beleza Americana (1999), as
pétalas de rosa vermelha espalhadas pelo chão ou na banheira passaram a significar sensualidade, não
necessariamente romance. As velas altas continuam na mesa do jantar, mas diminuídas e achatadas,
e foram espalhadas por toda a casa, na direção do quarto e do banheiro, onde ficam na beirada da
banheira, e não se apagam com a água. Esse clima de sensualidade alimenta a ilusão do consumidor e
traz mais lucro para a indústria de velas, da mesma forma que para os comerciantes de pétalas das rosas
desfolhadas, concorrendo, nesse caso, com os sachês de rosa.

Observação

Sensualidade e sexualidade são usados como recursos para atrair


consumidores. Ambas as dimensões do comportamento humano estão
associadas a vida, individualidade, juventude e prazer. Ambas dizem respeito
à potencialidade individual, ao imaginário, mesmo quando o produto é um
complexo vitamínico para pessoas de mais de 60 anos.

Mais recentemente, o desenvolvimento tecnológico da indústria espacial facilitou a produção de


equipamentos que vêm atender a formas de consumo simbólico especiais, compreendendo o medo,
o risco, o desafio e o futuro. Salas de projeção em parques temáticos na Europa e Estados Unidos
proporcionam aos espectadores a sensação de estar no fundo do mar, defendendo-se de um tubarão, ou de
estar em uma aventura futurista, em pleno universo galáctico, algo, para alguns, igualmente assustador.

Todos os recursos tecnológicos são utilizados para proporcionar a ilusão do ambiente, desde as
poltronas que oscilam de acordo com os jatos d’água que molham (literalmente) o espectador envolvido
na luta com o tubarão da tela, criado em quatro dimensões (isto é, nas três habituais mais a dos efeitos
especiais). Óculos específicos reforçam tal vivência, com o espectador colocado como participante de
87
Unidade II

uma irrealidade em que ele nada precisa fazer para garantir sua vitória sobre o predador, nem mesmo
imaginar o risco da situação. Ele, como participante, foi reduzido à passividade mais completa: cabe-lhe
apenas comprar o ingresso e colocar os óculos, submisso ao seu desejo de risco (imaginário, é claro).

Em síntese, pode-se observar que a produção material de objetos e equipamentos apontados visa a
um consumo que está além dos objetos e equipamentos produzidos. Eles proporcionam formas especiais
de consumo, tanto no que respeita à caracterização teórica quanto no que respeita ao espaço onde
acontece esse consumo.

Trata-se de um consumo especial porque não retira o objeto ou equipamento da circulação de


bens, mas permite ao consumidor desfrutar das possibilidades instauradas com seu desempenho. Em
outras palavras, o carro, o living em estilo antigo, as velas e a luta com o tubarão não são esgotados no
consumo, mas são desfrutados com ele. Para que isso aconteça, é necessário um prévio entendimento
do campo simbólico, cultural e social, do qual esses objetos retiram seu significado. As velas permitem
exemplificar: ninguém fica romântico porque acendeu uma vela, por mais bruxuleante que sua luz
seja, quando falta energia; ao contrário, pode sobrevir o medo do escuro, portanto, as velas podem ser
utilizadas também para despertar o terror (é assim nos filmes). Desfrutar do romantismo não está na
luz da vela, mas no reconhecimento daquela situação como romântica e sensual, ou melhor, na sua
reconstrução no imaginário como algo romântico e sensual.

O espaço onde se concretiza esse consumo-desfrute é psicológico e cultural. Por isso, a sensação de
estilo (e de riqueza) pode ser alcançada com os móveis do shopping ou da feira de antiguidades, e pelo
mesmo motivo podem ser produzidos nas revistas ambientes modernos para pessoas “descoladas”, em
geral solteiras e sem filhos. A produção material torna disponíveis os objetos e equipamentos para que
o desfrute (consumo) aconteça, mas para que ele se concretize, será necessário reconstruir no plano
simbólico, cultural e social os sentidos dos objetos e daquilo que os equipamentos permitem.

Enfim, embora a vida contemporânea possa ser considerada instaurada em um mundo de objetos,
ela não se dá na relação com os objetos, mas por meio das relações sociais simbólicas estabelecidas entre
pessoas, objetos e equipamentos, conforme a cultura e ao longo da história.

5.3 Produção simbólica para consumo material e consumo simbólico da


produção material

Anteriormente foram apontados vários exemplos da forma especial de produção e consumo em


pauta, todavia, apesar dos comentários sobre aspectos do consumo simbólico induzido, não foi analisado
o processo de produção simbólica destinado a induzir o consumo material. Desse modo, vamos agora
comentar especialmente as bases da produção simbólica de objetos e equipamentos.

Tal tema é central para a área profissional dos leitores, uma vez que ele se desenvolve especialmente
no campo da comunicação: um produto, bem ou serviço, deverá ser apresentado, comentado e mostrado
para o consumidor, e de um modo tal que se estabeleça uma relação de significação (portanto, simbólica)
entre o consumidor e o produto, o bem ou o serviço. Em um caso, a comunicação pode se dar pela falsa
ausência de um emissor; em outros, há a presença de um suposto emissor, de quem a mensagem partiria.
88
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Claro que há variações nesse esquema, as quais são do conhecimento do leitor, mas a questão central,
que precisa ser destacada, não diz respeito à construção da comunicação, mas às bases da construção
(simbólica) criada para o produto, o bem ou o serviço pela comunicação, lembrando que essa articulação
é sempre uma mediação simbólica.

“Vai rolar ‘hu hu’ nesse fim de semana” – diz a personagem de um comercial falando ao celular, e
a outra personagem responde: “Hu hu...”. Trata-se de um diálogo incompreensível somente por texto,
quando não se tem acesso às imagens, o que é lógico, uma vez que os cegos não podem dirigir, e os
surdos não necessitam do diálogo, pois eles podem ver o carro, a velocidade atingida, a juventude
próspera de seus proprietários e a paisagem. Desses elementos agregados no comercial do carro, o
consumidor potencial depreende que se trata de um carro para jovens bem posicionados socialmente,
esportivos e aventureiros: um carro de passeio especial, de fim de semana.

Essa imagem (do carro) não foi retirada dos atributos do carro, mas de um perfil de consumidor.
Independentemente da porcentagem de consumidores brasileiros efetivamente enquadrados nesse
perfil, ele se presta à construção de um espelho para um processo de identificação psicológica do
consumidor. Mas não é só isso: o perfil não é apenas brasileiro, corresponde a tendências em curso na
sociedade contemporânea dos países capitalistas, notadamente nos Estados Unidos. Outros aspectos do
mesmo comercial revelam padrões de comportamento associados ao carro, portanto ao público a que
ele se destina: a câmera acompanha a velocidade (imaginada) atingida pelo veículo e pelos jovens, e
os cortes rápidos reproduzem os cortes de um filme de ação (e não é pela ação que se caracteriza esse
público?). A música agitada acompanha o movimento supostamente frenético desses jovens executivos
de sucesso, aventureiros, apreciadores dos esportes radicais, mas, no fim de semana, essa é a única
concessão à realidade.

Essa reconstrução simbólica do veículo não impede que ele seja adquirido por um senhor, idoso e
fazendeiro do Pantanal, mas não é essa a personalidade do produto. Outro comercial anunciava um
carro, confortável e caro, avisando os possíveis consumidores que aquele modelo “não tem cara de
tiozão”, uma advertência que funciona no sentido oposto, pois todo consumidor “tiozão” vai se sentir
devidamente camuflado nesse veículo.

A produção simbólica de um bem, produto ou serviço implica, portanto, em integrá-lo na sociedade


e na cultura, articulando peculiaridades presentes no momento histórico às peculiaridades do produto.
Fundamental nessa construção é preservar a diferença social entre os que adquirem o produto e os
demais, uma vez que é da diferença social que se alimenta o consumo (e por consequência a produção).
Essa diferença, contudo, não se restringe à posse do produto, mas à felicidade que ele proporciona. E
aqui está a chave da produção simbólica para o consumo material.

É preciso não deixar de lado as diferenças mínimas que fazem a grande diferença, (ou seja, a
diferença está no detalhe). Meticulosa, a produção simbólica insere um desvio no código das diferenças
para sinalizar aquilo que representa o diferencial de um produto, bem ou serviço. Esse detalhe pode ser
a costura em uma roupa, o tratamento servil do gerente de conta para sua cliente preferencial, como
também pode ser uma cor ou a marca discreta. Fundamental é não ser ostensivo, “menos é mais”,
afirmou o figurinista de sucesso (Calvin Klein), reiterando os brancos e beges. O detalhe reconstrói o
89
Unidade II

estilo nos circuitos de elites, por isso agrega valor, como dizem os marqueteiros, e realmente torna um
produto inacessível para todos.

Lembrando que o consumo da produção material se faz pelo simbólico, e nessa esfera a produção
acena com a possibilidade de felicidade, pode-se admitir que “é o pensamento mágico que governa o
consumo, é uma mentalidade sensível ao miraculoso que rege a vida cotidiana” (BAUDRILLARD, 2003, p. 23).
Essa felicidade anunciada pelo consumo, e que se concretiza como liberdade de escolha no cotidiano, ainda
que seja ilusória, é vivida como tal, pois “ninguém a vive como alienação” (BAUDRILLARD, 2003, p. 73). E de
onde vem essa felicidade? Seria da liberdade usufruída com o consumo? Será que realmente um passeio no
shopping cura a depressão ou a dor pelo caso de amor desfeito?

Não é bem assim, e os comerciais são claros elucidando a questão: nenhum deles anuncia a felicidade,
mas a diferença em relação aos demais consumidores. Ao mesmo tempo, a aquisição de um objeto
amplia e diversifica as faltas ou carências, não apazigua, renova o desejo, estabelece um mais ainda
sempre colocado à frente. Mas esse prazer é ao mesmo tempo uma recusa à fruição: caso não fosse,
os jovens do comercial poderiam praticar esportes radicais etc. sem adquirir o carro. Contudo, o prazer
não está realmente no carro, e também isso o comercial deixa claro: ele está na demonstração da posse
do carro, no espetáculo para o outro (sociedade) de uma felicidade que ambos, ele e os outros, e até o
espectador da TV, reconhecem ilusória, mas não o admitiriam nem sob tortura. Caso o fizessem, seria
desmanchado o encanto e a ilusão (assim como se está fazendo agora).

A circulação, a compra, a venda, a apropriação de bens e de objetos/signos


diferenciados constituem hoje a nossa linguagem e o nosso código, por [ele]
toda sociedade comunica e fala. Tal é a estrutura do consumo, a sua língua
em relação à qual as necessidades e os prazeres individuais não passam de
efeitos de palavra (BAUDRILLARD, 2003, p. 80).

Em outros termos, a produção simbólica constrói pelo discurso as artimanhas do prazer e do desejo,
repondo a falta, induzindo o consumidor (mas não somente ele) a prosseguir na direção do “mais” (por
isso essa linguagem é sedutora). Ela se articula a um consumo de prazer, quase mandatório na sociedade
contemporânea, cria uma quase obrigação de as pessoas serem inovadoras. Torna a experimentação do
novo uma característica necessária à personalidade de sucesso, e, finalmente, instala na vida social uma
tendência à diversão sem profundidade.

Um aspecto significativo dessa construção simbólica do imaginário pode ser observado na elaboração
de comerciais de perfume, de grifes famosas ou com pretensão a fama e tradição. Como é possível
transmitir pela TV o cheiro de um perfume? Nessa construção, não é possível apresentar o produto, apenas
o frasco, então o comercial não cuida do perfume (aroma), mas da sedução sensual a ele associada. Não
se trata apenas do luxo, também visível pelos trajes e acessórios, mas dos gestos lânguidos, da boca
entreaberta, do andar balançante de modelo em passarela, gatos, cetins e pérolas. Todos esses elementos
estão associados à sensualidade feminina. Há, porém, aqueles perfumes masculinos, e nesses casos
costuma-se ter um galã que escolhe a porta em que vai bater, uma vez que todas estão entreabertas, ou
um tronco nu remetendo diretamente para a sexualidade do homem, não do perfume.

90
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Mais uma vez, o perfume (objeto), o aroma (essência material) e o frasco (cristal) são construídos em
articulação com dimensões da felicidade contemporânea: sexo, beleza e luxo. Produções caras, requintadas,
em alguns casos incluindo releituras de obras de arte, nos pisos de mosaico preto e branco, símbolos do
bem e do mal, nos vestidos brancos e negros da mesma personagem, além de aludir ao “pecado do prazer”
contido naquele perfume, tudo isso apontando para além do consumo de um aroma.

Note que aroma também está associado aos temperos, mas esse caso aparece na simples
representificação de um ensopado borbulhante, prenunciando a delícia familiar de um almoço doméstico.
Outro aroma doméstico é o do spray odorizador, simulando aromas da natureza: será mesmo agradável
ter a sala de estar com cheiro de folhas apodrecidas? Haverá um perfume de cascata? São questões
irritantes, no entanto um comercial não se apoia na verdade da experiência, mas na imaginação de
algo além do real, e nos dias atuais a natureza é perfumada, pacífica, limpa. E, para ironizar, até os
borrachudos são comportados, fugindo do cheiro de laranja e de citronela.

O leitor deve estar se questionando como tudo o que foi dito aparece entranhado na produção
simbólica e sem menção explícita. Na verdade, a produção simbólica reproduz esse código, uma vez
que ele é assumido como a expressão da vida social contemporânea. Evidentemente que há aqui uma
dimensão ideológica, a ser comentada posteriormente, mas esse não é o ponto, a questão central nesse
momento reside em reconstruir produtos, bens e serviços por esse código, o do consumo, no qual a
liberdade está vinculada à escolha de produtos disponíveis, a igualdade à produção de diferenças, e a
fraternidade à competição. Os três valores que sinalizam a sociedade burguesa foram redefinidos, mas
não deixam de permanecer, para justificar a oferta incessante de novos produtos, bens e serviços, além
de alimentar a produção.

Observação

O leitor atento percebeu a menção aos valores da Revolução Francesa:


liberdade, igualdade e fraternidade, os quais funcionam como referência ao
pensamento liberal e ao discurso político da democracia formal.

5.4 Produção simbólica para consumo simbólico e consumo simbólico da


produção simbólica

Três aspectos são fundamentais a esse item:

• a produção da cultura e as práticas sociais nos meios de comunicação e em certa modalidade


de literatura;

• o papel na formação e disseminação de práticas sociais articuladas a essa produção (os dois
aspectos são relacionados ao que se entende por produto cultural);

• a produção simbólica virtual de material educativo on-line nas redes sociais (Facebook, chats e
fóruns), e respectivos sentidos.
91
Unidade II

O conceito decorre da lógica econômica e social da produção e consumo na ordem capitalista.


Nesse sentido, toma-se a produção simbólica no âmbito da representação material (objetos, coisas). Essa
condição empresta às ideias discurso (elaboração simbólica) de um conteúdo (tema, assunto, história,
música, notícia, evento etc.), uma dada materialidade (estatuto), que vai se refletir nas condições abertas
para sua elaboração, notadamente remuneração de trabalho, custos etc.

A produção simbólica considerada produto será intencionalmente elaborada para um público e a


ele destinada. Esse produto será colocado no mercado para pessoas que irão consumi-lo, apesar de esse
consumo ter características muito distintas daquelas da margarina. Como foi anteriormente apontado,
trata-se de um consumo simbólico, ou da apropriação, pelo público, de um conteúdo comunicado.

Por isso um produto cultural é sempre uma simbolização, uma comunicação, em distintas modalidades
de discurso, mas ele se apresenta ao público como unidade na programação (conteúdo) dos meios de
comunicação, ou em suporte material, pelo qual o público o nomeia e reconhece. Essa apresentação
material é importante também na valorização do produto. A estética (aspecto) de um produto pode ser
condicionante para sua aquisição pelo consumidor, assim como as características internas, específicas
do conteúdo, como a modalidade de discurso, a linguagem utilizada etc.

Livros, revistas, exposições de arte, concertos, shows e espetáculos são produtos culturais, ou podem
ser produzidos como tal, mas entre eles há profundas diferenças: entre um livro (papel impresso) e um
e-book (apresentação virtual) há uma profunda diferença de meio, embora seja o mesmo conteúdo,
no que diz respeito à elaboração simbólica: o livro de Antonil utilizado em páginas anteriores como
exemplo foi obtido na internet, ou seja, uma apresentação virtual, mas que preservou o texto original
de sua publicação no Brasil.

Um CD ou DVD é um produto cultural, mas ninguém se interessa pela bolacha de plástico em uma
caixinha, e sim pelo seu conteúdo, que pode ser música, imagem, filme, texto etc. O CD ou DVD é
um suporte material para o produto cultural, mas também entre eles há distinções significativas que
se referem às condições oferecidas pelo suporte dos produtos culturais. Por exemplo, uns permitem
regravação, outros não, em um DVD a quantidade de dados que pode ser armazenada é maior etc. Essas
condições não afetam o produto cultural em seu conteúdo, mas são associadas a ele como recurso
tecnológico e apelo publicitário (entre uma fita K7 e um DVD, um CD ou LP há uma série de escolhas
possíveis, que envolvem desde condições técnicas, propriamente ditas, ao apelo publicitário, lembrando
que discos em 78 Rpm são cult).

Enfim, uma parcela significativa da comunicação em sociedade é feita a partir da interposição de


um saber especializado em comunicação, portanto, na produção simbólica, que atua entre emissor e
receptor. Essa situação condiciona o modo como é construída a mensagem, seja por texto e imagem sem
movimento (imprensa), por discurso sonoro, som e música (rádio), imagem sem movimento (fotografia),
por som, música, imagem, imagem com movimento e também texto (cinema, TV e internet), além de
influir no conteúdo da própria mensagem.

Nessas condições, a produção simbólica intencional se torna, ela própria, um produto que deve
atender a certas especificações e ser dirigido a um público relativamente específico. Dessa perspectiva,
92
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

as questões anteriormente tratadas na discussão de indústria cultural retornam, todavia agora inseridas
nas práticas de produção (simbólica) para consumo, o que significa reconhecer, na intencionalidade,
a racionalidade econômica que a preside, e na destinação, a eficiência de um saber prático de
combinação entre coisas e ideias, instaurando novos sentidos, seja para cada coisa, como para a
ideia a ela associada.

Figura 19 – Associação entre objetos, práticas e ideias

Na imagem anterior observa-se um exemplo de associação entre coisas (objetos) e ideias (sucesso,
esforço, dúvida, submissão). As primeiras imagens levam ao pessimismo: afinal o esforço conduziu à
submissão; depois há otimismo (a figura conseguiu a chave do sucesso). Mas você representaria essa
chave com a imagem que consta na série? Não? Ótimo: ela é uma chave antiga, simples, dificilmente
associada ao sucesso em uma carreira.

O mesmo raciocínio se aplica à escada: observe que a foto de uma escada simples, pelo jogo de
luz e ângulo, dá impressão de que por ela se desce, isto é, ela não é exatamente um convite para a
mobilidade social ascendente. Um último comentário: repare que as imagens, relacionadas ao ambiente
corporativo, em geral, são desenhos de homens de gravata, ou de terno e gravata, como se ainda hoje
as mulheres ocupassem apenas os lugares subalternos. Essa aparente reserva de mercado para homens
está sendo diluída na realidade, mas na representação gráfica ela ainda se mantém.

A adequação de um produto cultural ao público (e vice-versa) é um problema enfrentado pelos


profissionais de comunicação, uma vez que implica levar em conta conteúdo, meio utilizado e finalidade
a ser atingida com a comunicação, além de todos os critérios econômicos e financeiros que cercam a
produção de um bem na ordem capitalista. Por exemplo, a segunda série de imagens serviria, com
algumas adaptações, para ilustrar um folheto de divulgação de cursos de gestão. A primeira poderia
fazer parte da argumentação para férias, um período em um SPA ou coisas assim.

Considerando a delimitação de público por características de potenciais consumidores e a tendência


do mercado de individualizar a relação produção-consumo (customização), instauram-se no âmbito
da produção simbólica, para consumo simbólico, duas tendências conflitantes: de um lado, é forçoso
delimitar públicos preferenciais para determinados programas, ou mesmo elaborá-los de acordo com
os interesses pressupostos e a linguagem desses públicos (na verdade, potenciais consumidores para
produtos anunciados nos intervalos); de outro lado, tornou-se fundamental criar mecanismos de
individualização, ou seja, utilizar os já mencionados mecanismos de interatividade, permitindo que o
consumidor participe da programação e opine (“pois sua opinião é muito importante”).

93
Unidade II

Como a produção simbólica é sempre comunicação, seja qual for a modalidade em questão, ela se
apresenta como linguagem e, como tal, exerce uma modalidade de poder especial, não violenta, mas
eficaz: por ela se constrói o mundo e o outro.

O poder simbólico, como poder de constituir o dado pela enunciação, de


fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo, e
deste modo, a ação sobre o mundo [...] só se exerce se for reconhecido, quer
dizer, ignorado como arbitrário [...] o que faz o poder das palavras [...] é a
crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja
produção não é da competência das palavras (BOURDIEU, 1989, p. 15).

Bourdieu toca em questões das mais relevantes na área de comunicação: considerando-se que parte
da produção simbólica tem por finalidade fazer ver e fazer crer ao consumidor um conteúdo elaborado
intencionalmente, vale questionar quais as características consideradas para esse receptor, quais as
condições que esse público tem para submeter o conteúdo da recepção a uma apreciação crítica e,
principalmente, qual é o conteúdo considerado adequado para tal público.

Lembrete

Anteriormente foram comentados os conceitos de verossimilhança e


simulacro, ambos utilizados com finalidade de criar uma dada aparência
aos discursos ou às imagens e sons. Agora, ao examinar o poder simbólico
no que se refere às finalidades, coloca-se uma questão problemática:
vive-se em um mundo de aparências? Uma resposta radical seria afirmativa.

Contudo, as generalizações em relação ao público, que fundamentam a elaboração de produtos


culturais, são comumente preconceituosas ou atendem a critérios econômicos externos (os filmes
enlatados e séries de TV se apresentam mais baratos que a produção nacional). Consequentemente,
para os segmentos sociais desprivilegiados, as chamadas classes populares, os programas destinados na
TV são os tendentes ao grotesco como forma de humor, casos policiais, fofocas do meio artístico etc.

Conforme comentado anteriormente, a população das camadas populares é considerada sem


interesse cultural, apreciadora da violência, do escândalo, da sensualidade e da música tida por
descartável, de baixa qualidade. Instala-se, então, um círculo vicioso entre uma suposta carência de
formação cultural (aliás, de uma dada formação cultural) e o preconceito que a reforça. Preconceito
semelhante aparece em relação às donas de casa, supostamente de classe média. Para elas, a
programação insiste na temática de beleza, culinária e autoajuda, além das fofocas de celebridades.

Ainda sobre as questões suscitadas por Bourdieu, cabe apontar que para a apreciação crítica, por
parte dos consumidores, do conteúdo apresentado pela produção simbólica, é preciso dispor de um
repertório ou formação cultural. Logo, um primeiro aspecto a ser ressaltado reside na importância
que se vem atribuindo no Brasil à formação cultural da população, tanto nos meios de comunicação
quanto na educação e na vida social. A formação cultural é significativa porque constitui o repertório
94
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

de decodificação de mensagens, é ela que permite incorporar e apreciar novos conteúdos e, finalmente,
é ela que fundamenta a demanda por produtos culturais (em outros termos, pela produção simbólica).

Lembrete

As expressões massas e sociedade de massas envolvem um


entendimento preconceituoso, que opõe a cultura de massas (a divulgada
pelos meios de comunicação) à cultura erudita (de elite), opondo,
consequentemente, o comportamento de massa ao que seria “cultivado”.

6 PRODUÇÃO SIMBÓLICA DA CULTURA: EDUCAÇÃO, PODER E DISCURSO DE


CONVENCIMENTO

No Brasil, a partir da Ditadura Militar instalou-se outra ordem de prioridades na educação: da


formação bacharelesca e humanista, passou-se para uma formação técnica, voltada para o mercado
de trabalho. Nada a opor com relação a isso, mas a exemplo de países hegemônicos, especialmente
europeus, a educação técnica deveria seguir em paralelo à formação humanística. No Brasil foi diferente:
durante muitos anos, crianças e adolescentes estudavam, à guisa de formação humanística, os problemas
brasileiros, uma disciplina que focalizava o Brasil sob o prisma de problema passível de solução técnica,
no nível dos programas governamentais em curso.

Os estudos de história foram relegados e, em geral, ministrados como uma sequência de eventos
(antecedentes e consequências para serem decorados e odiados por crianças e adolescentes).
Era uma disciplina que não focalizava a população brasileira, nem sua memória, muito menos a
latino-americana: o foco se concentrava nas histórias europeia e da América do Norte, realizando saltos
temporais e evitando certos momentos tidos por complexos. Passada a Ditadura Militar, a escola pública
não foi aperfeiçoada, embora nos programas de algumas escolas tenham sido inseridos temas bastante
relevantes como cidadania e meio ambiente, embora ainda haja muito pouco conteúdo relativo às
histórias latino-americana e africana.

Disso resulta, em parte, que jovens e adultos brasileiros desconhecem o cinema nacional (afirmando
não gostar dele), preferindo o caderno de esportes à literatura, os enlatados da TV à cultura brasileira e
assim por diante. A trajetória educacional descrita comprometeu sensivelmente a formação cultural de
amplas camadas da população brasileira, sobretudo as que ficaram na dependência da escola pública
ou da escola particular de má qualidade. O repertório disponível apresenta carências de formação,
o que afeta principalmente as condições efetivas para apreciação da produção simbólica cultural e
constituição de uma demanda de novos produtos. É importante assinalar que segmentos dessa mesma
população, nas favelas e periferias, tornaram-se produtores culturais autônomos, processo significativo
para a cultura brasileira – o que será comentado em outro momento.

A produção simbólica tem por finalidade fazer ver e fazer crer ao consumidor um conteúdo
elaborado intencionalmente, então ela constrói a situação social vivida de alguma forma, seja a partir
de alguma perspectiva ideológica, político-partidária, religiosa, estética ou de interesses conjunturais.
95
Unidade II

A produção simbólica se apresenta sob a forma de um discurso, que pode ser publicitário, informativo,
técnico‑explicativo, interpretativo ou quaisquer combinações. Ele não representa necessariamente um
convite à manifestação, mas provoca uma disposição de mobilização intencional no público, que poderá
se explicitar na forma de uma dada ação, por exemplo, no consumo, na formação de uma opinião
pública, de um consenso, na forma de uma aceitação obediente ou de uma indiferença desencantada
com a política (essa última, um risco para a democracia, como já vimos).

A construção elaborada pode ser verdadeira ou não, em realidade não importa seu grau de
veracidade, mas que ela pareça verdadeira aos que são afetados por ela, e isso porque eles mantêm
com a realidade, tal como foi construída, certos vínculos supostamente concretos, os quais, mesmo que
imaginários, podem ser tomados como reais. A análise desse discurso de sensibilização é importante,
especialmente quando o conteúdo elaborado desse modo é apresentado como informação, reforçando
perante o receptor seu próprio estatuto de verdade. Contudo, essa informação constitui um fragmento
de formação, no sentido de concepção de mundo e vida social.

A elaboração simbólica, como discurso, apresenta-se, portanto, em uma construção articulada e


sedutora, aparentemente racional e até supostamente baseada em fatos científicos. Nessa condição,
e pela aparente legitimidade daqueles que a esposaram, essa produção constituiu um dos fatores
fundamentais para a consolidação do nazismo, tanto na Alemanha como em outros países, assim como
também foi um fator decisivo para a expansão do integralismo no Brasil, da nova política do Estado
Novo, e para a Ditadura Militar nos anos 1960. É fundamental reter a noção de que a veracidade não
constitui a base desse discurso, mas sim a verossimilhança com a realidade construída.

Observe os cartazes a seguir. O tema varia, mas todos eles apontam para atitudes a serem tomadas,
com forte caráter ético e político, como a convocação para a guerra (Estados Unidos) e o alistamento na
Revolução de 1932 em São Paulo.

A B C

Figura 20

96
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Saiba mais
Vale citar também a crítica irônica e ácida ao comportamento dito
politicamente correto, tema do filme de Bianchi. “Levar vantagem em tudo”
era o slogan da campanha do cigarro, mas os tempos eram da Ditadura
Militar, e a associação entre o slogan e a vantagem da Ditadura trouxe
muitos problemas para o garoto propaganda Gérson (ex-jogador da seleção
brasileira). Sob a Ditadura, na ausência de direitos civis e políticos, “Amar o
Brasil” não era deixá-lo, mas lutar pela reconstrução da democracia.
No link indicado a seguir, você pode ver a propaganda e o depoimento
de Gerson sobre o assunto.
https://youtu.be/FMGG-EQuGw4

Nesses cartazes há fragmentos de um discurso de convencimento (por isso sensibiliza e mobiliza), mas
o convencimento pode apelar para a razão e o entendimento (daí apresentar-se como aparentemente
científico) ou remeter aos valores sociais e políticos esposados por uma população em dado momento
de sua história. O mais frequente, contudo, é ser um discurso que apela para a desrazão da emoção,
para uma merecida felicidade, para o desejo de um futuro melhor ou para o medo de um futuro incerto,
construído pelo próprio discurso como assustador.

Do mesmo modo, o discurso do consumo ameaça com a pobreza, a inferioridade perante os amigos
e conhecidos, com uma vida cotidiana menos estável e confortável, ao mesmo tempo que acena com o
prazer e o prestígio da compra dos produtos. Dois exemplos podem ser dados da elaboração simbólica
em foco, ambos no campo político e que circularam em sociedade sob modalidades distintas de discurso,
desde os comícios, rádio, imprensa ao cinema e à TV (no exemplo brasileiro).

No primeiro caso, o discurso do nazismo na Alemanha de Hitler foi construído para apontar a causa
da situação dramática em que o país fora colocado após uma guerra por interesses econômicos. A suposta
causa era o povo judeu e suas ligações com o socialismo e com os interesses econômicos dos países
capitalistas. A solução então enxergada seria o fortalecimento do nazismo, por meio de sua expansão para
todo o mundo e o extermínio de judeus e outros (todos) que constituíssem perigo para esse projeto. As
bases eram falsas, mas em certo nível esse discurso apresentava verossimilhança com a situação econômica
vivida pelos alemães pobres à época, além de coerência com o forte sentimento nacional alemão. Um
discurso de sensibilização, mobilização para a ação política e, finalmente, para a guerra.

Esse recurso de verossimilhança foi brilhantemente utilizado no clássico comercial do jornal Folha
de São Paulo em 1988, feito pela W/Brasil, de Washington Olivetto, com roteiro de Nizan Guanaes.
O comercial ganhou o Leão de Ouro, sendo considerado um dos melhores comerciais do mundo. O texto
era dado em voz off, enquanto a câmera se afastava de um ponto preto na tela, ao final a tela mostrava
uma foto de jornal de Hitler. A seguir está o texto completo dessa propaganda.

97
Unidade II

Este homem pegou uma nação destruída, recuperou sua economia,


devolveu orgulho ao seu povo. Nos 4 primeiros anos de governo, o índice de
desempregados caiu de 6 milhões para 90 mil pessoas. Este homem fez o PIB
crescer 102% e a renda per capita dobrar. Aumentou o lucro das empresas de
175 milhões para 5 bilhões de marcos, manteve a inflação a no máximo 25%
ao ano. Este homem adorava música e pintura e, quando jovem, pretendia
seguir a carreira artística.

É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade, por isso é


preciso tomar muito cuidado com a informação e o jornal que você recebe.
Folha de São Paulo, o jornal que mais se compra, e o que nunca se vende.

Saiba mais

Você pode assistir a essa propaganda acessando o link a seguir.

https://youtu.be/nd9R7ZxhjJ8

Por meio da matéria indicada na sequência, você pode saber mais sobre
essa conhecida propaganda do jornal Folha de São Paulo.

CHAIM, C. Hitler, o ratinho e os leões. Folha de S. Paulo, São Paulo, [s.d.].


Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/80anos/campanhas_
publicitarias.shtml. Acesso em: 6 nov. 2019.

No segundo caso, durante a Ditadura Militar brasileira, a elaboração simbólica da situação se


apresentava em um discurso de preservação da ordem, de manutenção do status quo. A sensibilização
e a mobilização foram construídas no sentido de manter a ordem social considerada justa e adequada
para manter a democracia, era necessário ater-se à crença em Deus e aos valores cristãos e justos
da democracia à brasileira; para manter o direito à propriedade independentemente da extensão e
produtividade da propriedade rural e manter os valores familiares como centro da sociedade brasileira
pacífica e não violenta. Enfim, era um discurso que mantinha privilégios e desigualdades, além de
bastante favorável às elites e ao jogo político internacional no período.

O Golpe Militar se justificou em nome da luta contra o “comuno socialismo” das reformas propostas
no governo Goulart, as quais, diziam os jornais da época, dissolveriam a família, aboliriam o direito de
propriedade e a fé em Deus. Era uma elaboração que vinha acompanhada pela promessa de crescimento
e modernidade do futuro, dentro da ordem, do progresso e dos valores cristãos da sociedade brasileira.
Como testemunho do risco que corria o Brasil, as Marchas da Família com Deus pela Liberdade, de
caráter conservador, fizeram sair às ruas figuras ilustres das elites brasileiras, padres e parte da classe
média defendendo Deus, a família e a liberdade. Era um discurso ameaçador, e aqueles que se rebelaram
foram depois silenciados pela violência armada e institucional.

98
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Todavia, a produção simbólica para consumo simbólico nem sempre atua diretamente na relação
com um público, nação ou segmento social. Ela pode ser dirigida também para certos segmentos
específicos, identificados por alguma peculiaridade de crença, religião, inserção social ou condição
psicológica em face das solicitações sociais. Esse é o caso da literatura de autoajuda.

No panorama editorial contemporâneo, os chamados livros de autoajuda estão entre os primeiros


lugares de vendagem. Embora não se pretenda fazer aqui uma análise desses livros, algumas
características são importantes para o tema: por exemplo, são livros direcionados diretamente para
o leitor, neles autor e leitor tornam-se companheiros no desvendar de algumas práticas que visam
mudar as atitudes de quem lê; as condições sociais não são alvo de crítica, elas são o dado da
existência. Cabe, então, ao leitor alterar sua postura, adaptar-se ao ambiente ou então deixá-lo,
buscando outras oportunidades.

A linguagem adotada é direta, são muitas as metáforas, o que torna o conteúdo mais acessível e,
finalmente, o autor dá testemunhos de sua competência, apresentando como foi possível a ele atingir
o sucesso seguindo o mesmo caminho que agora partilha com o leitor. Um pioneiro na área foi Dale
Carnegie, autor de dois livros clássicos do gênero: Como fazer amigos e influenciar pessoas (1936) e
Como evitar preocupações e começar a viver (1948). A finalidade prática dos livros de autoajuda garante
a essa produção um resultado objetivo: são livros de grande vendagem em uma sociedade complexa,
individualista e imediatista.

Em síntese, vimos alguns aspectos importantes da produção simbólica para consumo simbólico.
Em alguns casos, opera-se um recorte sobre aquilo que seria necessário dizer considerando aquilo
que é possível dizer. Os critérios de possibilidade têm origem em várias instâncias, principalmente nas
condições em que se processa o trabalho de produção simbólica. Foram essas possibilidades que Adorno
e Horkheimer discutiram em relação à indústria cultural, como foi visto anteriormente. Concepções
políticas e ideológicas (até partidárias) transitam nesse campo, imprimem ao conteúdo, antes mesmo
de ser elaborado, ainda como roteiro, os pontos importantes a serem mencionados.

Trata-se de sensibilizar o receptor, induzindo-lhe atitudes e disponibilidade para a ação ou, ainda,
oferecendo-lhe modelos de ação compatíveis com o conteúdo elaborado. Nos dois casos, tanto as
práticas quanto os modelos são reforçados no próprio discurso pelo emprego de valorações em curso
na sociedade.

Nesse sentido, basta o leitor observar nos comerciais o comportamento dos jovens, a altura da voz
e gesticulação dos que são considerados interessantes e comparar com os jovens que nos mesmos
comerciais são considerados “por fora”: estes são mais gordos, usam óculos, são mais lentos nos
movimentos e a voz está em outro timbre. Cabe ao leitor concluir: serão os comportamentos valorizados
como interessantes os mais compatíveis com o ambiente corporativo? Outro exemplo de práticas sociais
disseminadas por produtos culturais pode até chocar o leitor: será o tesão do momento uma justificativa
plausível para não usar camisinha? Mas é dessa forma que nas novelas e filmes, não somente nacionais,
são construídas essas cenas.

99
Unidade II

Finalmente, na parte final da discussão, desse tema, em que foram consideradas as articulações
entre produção e consumo material e simbólico, chega-se ao nível em que o simbólico, elaborado como
produto, não somente articula o âmbito material da vida, como lhe empresta sentido, grau de verdade
e coerência aparente, pouco importando nessa elaboração a veracidade, a validade lógica e a ética das
articulações, bastando a verossimilhança aceitável, a um dado nível de credibilidade de quem nela se
fundamenta para a própria vida em sociedade. Essa constatação se abre para questões fundamentais da
vida contemporânea, afinal ela continua a ser social.

Observação

As modalidades de discurso de convencimento são várias: amoroso,


educativo, pedagógico, referente a uma vida saudável, eleitoral e o de
poder. Vários aspectos foram mencionados sobre as peculiaridades desse
tipo (ou tipos) de discurso, contudo, o mais importante para os sociólogos é
a possibilidade de analisá-los criticamente, buscando a coerência lógica e a
validade fática das afirmações. Esse exercício é necessário para a formação
de todo cientista social, principalmente para os sociólogos que também
são professores.

6.1 Produção simbólica virtual para consumo simbólico virtual

O foco de nossa discussão agora será a produção realizada em redes sociais, ou a elas destinada,
ou em comunidades virtuais, grupos de WhatsApp e assemelhados. Pode-se focalizar tal produção
observando várias clivagens, por exemplo, explorando a produção das comunidades dos Recursos
Educacionais Abertos (REA), analisando a produção dos Grupos de Pesquisa em EaD, registrados no
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), fazendo levantamento das
revistas acadêmicas brasileiras existentes etc.

O livro Facebook e Educação: publicar, curtir, compartilhar, organizado por Porto e Santos
(2014), reúne uma série de interessantes artigos sobre as possibilidades abertas pela rede social
para educação. Edvaldo Souza Couto, em seu artigo Pedagogias das conexões: compartilhar
conhecimentos e construir subjetividades nas redes digitais, discute a construção de subjetividades
na rede, mas também. Diz ele:

É possível que uma das razões para o sucesso das redes sociais digitais esteja
nessa ânsia de visibilidade a qualquer custo, nessa promoção sem fim de
subjetividades alterdirigidas, construídas diante das câmeras e estampadas
nas telas para o consumo voraz de centenas ou milhares de amigos e
seguidores (COUTO, 2014, p. 55).

Na verdade, as redes sociais, no caso específico do Facebook, permitem um palco para


exposição dos sujeitos e da respectiva vida privada. Há nessa postura certo risco, contudo,
parece que “anunciar segredos se converteu numa estratégia eficiente para garantir visibilidade
100
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

e popularidade” (COUTO, 2014, p. 60). Todavia, uma conclusão do autor deve ser levada a sério,
como recomendação:

Na era das conexões as pessoas aprendem trabalhando em conjunto,


colaborando umas com as outras, com os professores e também entre si.
A colaboração está se tornando o foco de uma outra pedagogia focada na
participação, na interação, complexa, dinâmica, multidirecional e muito
mais criativa (COUTO, 2014, p. 62).

Enfim, nessa coletânea de artigos sobre o Facebook educadores encontram tanto a discussão teórica
sobre redes e comunicação virtual, quanto indicações e recomendações de como podem se valer dessa
rede para fins de ensino e aprendizagem.

Um outro campo peculiar da produção simbólica é constituído pelos games, fascinante combinação
de ficção, imaginário, poderes e desejos, que acenam com vitória estratégica, desde que seja mantido
o compromisso com objetivos, além de outros valores e práticas sociais contemporâneas. Enfim, um
game como o League of Legends (Lol) consiste na mais completa recriação de um espaço social, mas em
realidade virtual, combinando possibilidades e riscos, determinação e recursos.

O jogo exige grande esforço e envolvimento dos participantes, constituindo uma espécie de
experiência de realidade paralela à vida cotidiana, não raro comprometida em tempo e dedicação
pelas exigências de aperfeiçoamento do jogador. Eventos patrocinados por marcas famosas, como
a Gillete, atraem milhares de jovens e adultos em shows que lotam estádios. Times fazem parcerias
com grandes empresas, e recentemente a Riot Games fez parcerias com empresas como Mastercard,
Alienware, State Farm, Nike, Coca-Cola, Honda, Secretlab, entre outras.

Na verdade, já há algum tempo que os jogos eletrônicos deixaram de ser simplesmente um


divertimento: tornaram-se um esporte (eSports), constam na grade de disciplinas de cursos universitários,
abrangem campos de saber distintos (informática, design e programação, entre outros), são jogados
em grupos (times) que disputam campeonatos regionais, nacionais e internacionais e, no Brasil, estão
associados a clubes de futebol tradicionais, como o Flamengo, do Rio de Janeiro.

Apesar daqueles que entendem por esporte apenas os tradicionais, os eSports têm apresentado
crescimento exponencial em todo globo. Essa visão otimista consta em post do Diretor Global de eSports,
John Needham, sobre o futuro dos eSports de LoL:

Neste momento, nossas equipes de Esports em todo o mundo estão no meio


de suas finais regionais em Atenas, Rio de Janeiro, Seul, Xangai, Istambul,
Detroit, Moscou, Kaohsiung, Tóquio, Talcahuano e Melbourne para fecharem
a temporada regular de 2019. Nos últimos 12 meses, muitas das nossas
ligas fizeram grandes progressos para elevarem mais ainda nosso esporte
(NEEDHAM, 2019).

101
Unidade II

O sucesso atingido pelo LoL, nos últimos anos, segundo Needham, deve ser mantido no futuro,
visto que a Riot Games mantém contato frequente com jogadores, além de buscar corresponder às
expectativas que eles fornecem como feedback desses contatos. E ele continua:

Jovens jogadores ao redor do mundo escolhem o League of Legends como um


sonho de vida digno e aspiram fazer parte desse ecossistema. Nosso esporte
é justo, inclusivo e enfatiza o espírito esportivo, além de ser reconhecido
pelo impacto positivo em nossas comunidades (NEEDHAM, 2019).

No total são mais de 130 personagens (campeões) que atuam em um espaço geograficamente
marcado por dois campos separados por um rio, com selvas cheias de monstros perigosos. Os dois
campos contam com tropas defensivas do nexus, o centro de poder e energia de cada campo. Derrubar
o nexus do inimigo é ganhar o jogo, mas a questão é: como fazê-lo?

A experiência de jogar LoL não pode ser descrita pelo olhar de fora: o jogador entra na realidade
virtual, nela participa, arrisca-se, desafia monstros, se vale de poderes mágicos ou não, em equipe
de cinco jogadores. Não se trata de um jogo de azar, por isso a sorte não está sistematicamente
associada ao desempenho. Vitor Pinheiro (25), entrevistado sobre sua experiência de aficionado pelo
LoL assim a descreveu:

O jogador deve ter bom reflexo, para agir prontamente diante das situações
criadas pelo oponente, antecipando suas jogadas. Na verdade, são cinco
jogadores de cada time, portanto cada jogador deve se manter focado em seu
jogo, nos jogos dos membros da sua equipe, assim como nas oportunidades
abertas no jogo dos adversários e reagir quando elas aparecerem. Trata-se de
um jogo de estratégia, portanto é preciso manter o foco. Caso você cometa
um erro, não deve jogar logo em seguida, porque o transtorno criado pelo
erro vai afetar seu jogo novamente. Em geral os jogadores se especializam
em certo número de personagens, bem como em suas habilidades. Por
isso saber prever as possíveis jogadas é muito importante, além de se
manter concentrado, porque uma distração pode custar toda uma partida
(entrevista, arquivo pessoal, 30/08/2019).

Observação

A utilização das redes sociais pelos celulares começou um novo


capítulo das técnicas pedagógicas pelas possibilidades abertas para
tornar o ensino mais atrativo para os alunos, inclusive permitindo diálogo
com os professores. Essa tendência deve ser considerada com atenção
pelos futuros professores de sociologia. Quanto aos jogos eletrônicos, a
tendência é de se tornarem realmente esportes (Sports), atraindo cada
vez maior número de jovens e de jovens adultos.

102
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

6.2 Construção do sujeito e do outro no espaço virtual

Em páginas anteriores, quando foi discutida a construção da subjetividade no espaço virtual,


rapidamente foram mencionados critérios de produção da imagem de si para o outro, por um processo
de estetização do eu ou do self, orientado pelas valorações correntes na sociedade e, de modo especial,
valorações aceitas pelas comunidades virtuais e grupos de WhatsApp.

Nas duas situações as pessoas se identificam pelo telefone (WhatsApp) e pela foto, ou pela foto
e pelo perfil (Facebook e outras redes). No momento em que essa produção está sendo realizada, a
imagem do eu, então sujeito de sua própria produção, passa por recursos tecnológicos de correção,
como o Photoshop, disponível inclusive em versão gratuita. Essa imagem do eu corrigido torna-se um
produto como outro qualquer, por isso a importância do sorriso de sucesso ou das notícias associadas,
especialmente durante ou após as férias.

É interessante pensar que o questionamento: “quem sou eu?”, que na vida real não tem resposta fácil,
nas redes sociais é rapidamente respondido a partir de algumas indicações de preferências reconhecíveis
pelos seguidores ou usuários das redes. Assim, o sujeito se faz produto de si e se oferta para o outro,
talvez não seguindo apenas os critérios do outro, mas provavelmente correspondendo às preferências e
expectativas desse outro.

É verdade que na vida cotidiana processo semelhante também acontece, e os livros de autoajuda
estão aí para ensinar a ser aceito ou para fazer amigos, como ensinava Dale Carnegie décadas atrás, mas
o sintomático nas condições atuais é a intencionalidade.

7 A CONSTRUÇÃO DO SOCIAL, SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS

Ao iniciar esse texto, é preciso lembrar que discutiremos a construção do social pelos meios de
comunicação, e não a constituição ou configuração do social ao longo da história. Ao colocar como
objetivo o processo de construção do social, deve-se reconhecer que essa formação se mostra distinguida
em semelhanças e diferenças. Contudo as duas categorias, semelhante e diferente, são reflexos de um
julgamento, ou apreciação, que as antecedeu, mas que não está explícito.

Então, você deve se perguntar: “Semelhante a que ou a quem?”. E, do mesmo modo, indagar:
“Diferente do que ou de quem?”. Na medida em que as diferenciações sociais emergem de
processos endógenos (internos) à formação social, cabe à SC estudar quais são os pressupostos e
as características adotados na construção, e nela implicados, tanto no que se refere ao produto
resultante desse trabalho quanto no que respeita aos elementos tecnológicos e recursos mobilizados
nessa produção.

Nas peças publicitárias, especialmente nos comerciais televisivos, as semelhanças são projetadas
de supostas características do público consumidor. Nesse sentido, o produto adquire a dimensão
social conveniente para que o público, consumidor preferencial, com ele se identifique, ainda que essa
identificação possa ser ilusória, como foi antes apontado. Todavia, esse procedimento não se aplica a
outros produtos culturais como cinema, TV, internet etc. Assim, será preciso recorrer a imagens sociais de
103
Unidade II

semelhanças e diferenças utilizadas nesses meios para analisar o processo de construção, considerando
ainda as distintas modalidades de discurso: texto, imagem e som, e nas três modalidades articuladas.

Por exemplo, observe a frase: “Uai, sô, us mininim tava tudo bonzin...”. Qual imagem de brasileiro
você formou? A imagem de um paulista, nordestino, gaúcho ou mineiro? Mineiro? Certo, mas da capital
ou do interior de Minas, gente simples ou sofisticada? Observe que a construção “us mininim tava”
apresenta um erro de concordância verbal (sujeito no plural, verbo no singular), um recurso utilizado
para inserir o texto de uma personagem em determinado lugar social: um dos segmentos populares
da sociedade brasileira (de qualquer região, tanto rural quanto urbana), como em “os mano, os bró”
(o mesmo erro de concordância, mas agora referido a duas populações de jovens urbanos: paulistas e
cariocas). Leia agora o fragmento do conto “O Famigerado”, de Guimarães Rosa.

Saiba vosmecê que, na Serra, por o ultimamente, se compareceu um moço


do Governo, rapaz meio estrondoso... Saiba que estou com ele à revelia...
Cá eu não quero questão com o Governo, não estou em saúde nem idade...
O rapaz, muitos acham que ele é de seu tanto esmiolado... Com arranco,
calou-se. Como arrependido de ter começado assim, de evidente (ROSA,
1988, p. 13).

Repare que, pelo texto, o autor situa a personagem não apenas em um espaço social (sertão mineiro),
como também dá indícios de sua personalidade (arrependeu-se de falar espontaneamente) e de uma
suposta distância entre quem fala e o receptor (vosmecê). Agora repare no texto a seguir.

Bueno, pôs então, historemo a coisa. Domingo, como o senhor sabe, o meu
bolicho fica de gente que nem corvo em carniça de vaca atolada. O doutor
entende: Peonada no más, loucos por um trago, por uma charla sobre china.
A minha canha é da pura, o salame é de boa procedência. [...] Aí eu fui
ficando nervoso, puxei meu berro pro mole da barriga, pronto pra um quero,
meu bolicho é casa de respeito, seu delegado, e a brincadeira já tava ficando
pesada. Mas bueno, foi entonces que o Miguelão se alevantou do banco,
palmeou uma carneadeira, chegou por trás do homem do machado, pé que
te pé, grudou ele pelas melena e degolou o vivente num talho, a coisa mais
linda. O sangue jorrou longe como mijada de cuiúdo. Aí eu e mais uns outros
- tudo home de respeito - se arrevoltemo.

A descrição em linguagem típica da peonada gaúcha, da mesma forma que a anterior, permite
formar uma imagem mental da cena (violenta) que está sendo descrita, mas como se nada fosse
(o senhor entende). Repare nas expressões, nas metáforas, em todos elementos de construção textual de
uma cena, de uma personagem e de um ambiente.

Embora o texto não descreva as personagens, sabe-se que são personagens típicas, das quais se
forma uma imagem mental. Mas não são somente personagens típicas as que se pode construir com
texto, e, além da literatura, as letras da música brasileira fornecem provas infinitas disso.

104
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Você que não mora em São Paulo nem no Rio de Janeiro já deve ter formado imagens contrastantes
dessas duas metrópoles brasileiras construídas por meio de letras da música popular. O Rio, a “Cidade
Maravilhosa”, foi caracterizado pela beleza da paisagem, com muito sol, praia, amor, samba e carnaval,
cenário natural de uma vida descontraída, espaço onde transitam malandros sensuais e belas mulatas,
garotas douradas e jovens alegres, despreocupados. Em décadas mais recentes, acrescentou-se a essa
imagem uma outra, de violência nas favelas e arrastões nas praias, mas, mesmo assim, a cidade onde
surgiu a bossa nova parece manter sempre a imagem idílica registrada nas letras de música: “Rio que
mora no mar [...] que sorri de tudo” (MENESCAL; BOSCOLI, 1998).

São Paulo, ao contrário, foi sendo construída como um cenário frio, com céu nublado e garoa, cidade
masculina, de homens comprometidos com a produção industrial capitalista, uma “selva de pedra”
de empresários (os novos bandeirantes desbravadores) e de trabalhadores responsáveis, apressados
e ambiciosos. Uma rádio paulista abre sua programação com um trecho da “Sinfonia a São Paulo”
(BLANCO, 1974), mais ou menos assim: “Vam’bora, vam’bora, tá na hora, vam’bora”, numa referência
direta à pressa e “deselegância discreta” das meninas paulistanas, como diz Caetano Veloso (1978) em
“Sampa”, uma ode à cidade que é o “avesso do avesso”.

Essas construções aparecem reiteradas nas letras da música popular de variados ritmos, compondo
uma imagem do espaço social urbano e da vida de seus habitantes. São idealizações de um passado
reafirmado no presente, seja pela referência ao heroísmo dos fundadores e à coragem do bandeirante,
para os paulistas (CHAUÍ, 2006), seja pela alusão continuada aos anos dourados dos cariocas, de
afabilidade, mar e sol. Nos dois casos, essas imagens integram a identidade dessas duas metrópoles,
refletindo seus habitantes como espelhos de mito.

Esse é o elemento central na construção das semelhanças, a elaboração, ou a recorrência a um espelho


de apreciações reiteradas para uma coletividade, permitindo a cada integrante nele se reconhecer ou
se projetar, ainda que nele não se visualize individualmente. Esse espelho reflete a construção de uma
identidade social e um estágio, ou momento, no reconhecimento de si, como percepção do sujeito de si,
de seus gostos, preferências, atitudes, valores, corpo etc. Como o sujeito-receptor se percebe em meio
dos outros, e em meio da sociedade em geral, resulta em um reconhecimento de si (identidade) que
encontra receptividade ou repercussão nos outros.

Essa dinâmica dá origem a um sentimento de pertencimento, de acolhimento, reforçado pelas


semelhanças entre indivíduos do mesmo grupo, como foi discutido por Stuart Hall, Giddens, Bauman
e outros autores aqui comentados. Nos meios de comunicação, a construção dessas semelhanças
favorece a dimensão inclusiva desse processo de identidade, ao mesmo tempo que o reforço nos traços
particulares favorece o pertencimento e a identificação com subgrupos, ou certa dimensão excludente
do processo de identidade social.

Não cabe aqui discutir os processos econômicos e sociais que responderam pela formação social
brasileira e pela identidade social em suas semelhanças e diferenças, mas ela foi reforçada pelo processo
de integração ao mercado, que favoreceu a distribuição e a circulação de produtos, mas também da
mão de obra. Logo produtos do Sudeste abasteceram mercados das regiões mais afastadas (Nordeste,
Norte, Centro Oeste) desalojando boa parte das empresas locais, enquanto a expansão industrial e de
105
Unidade II

serviços no Sudeste, especialmente no Rio e em São Paulo, provocou altas taxas de migração. Esse
quadro prevalente nas décadas de 1960 a 1980 foi favorecido também pela expansão dos meios de
comunicação, sobretudo pela TV em rede nacional.

A integração visual da demanda (todos tinham acesso às marcas de sabão em pó, aos eletrodomésticos
e itens da moda) não correspondeu na mesma medida à integração da oferta dos produtos, e esse
descompasso, especialmente em relação a itens de vestuário e de moda femininos, criou uma modalidade
de trabalho informal: a sacoleira. Por seu turno, a carga de retorno dos caminhões que iam para Nordeste
e Norte estimulou a comercialização nas regiões metropolitanas de produtos regionais, logo depois
semi-industrializados na região de origem, chegando a condições mais adequadas para consumo. É o
caso do açaí e do cupuaçu (logo processados em polpa), da carne de sol, feijões, queijos e tantos outros
produtos do Nordeste que continuam chegando a São Paulo, agora para abastecer as chamadas casas
do Norte, incluindo-se entre essas mercadorias o abacaxi da Paraíba.

Desse modo, o que era regional pôde ser transformado em sofisticado exótico em metrópoles
como São Paulo, consequentemente criando uma imagem adequada para a carne de sol. Produtos
industrializados do Nordeste, de Minas e do Sul (geleias, doces, roupas de lã, produtos de vestuário e
calçados de couro, entre outros) enfrentaram barreiras fiscais, sobrecarregando os preços. A informalidade
foi uma solução para tais casos, mas o risco da ilegalidade a manteve em relativa pequena escala.

A integração do mercado e a abrangência nacional da TV induziram a formação de uma demanda


potencial, apesar de delimitada pelo poder aquisitivo: a roupa de moda, usada pela atriz da novela,
fabricada no Rio ou em São Paulo, chegaria a um preço elevado em Manaus. Além do mais, o mesmo
produto é inacessível para a fatia da população que ganha um salário-mínimo (inclusive para as
costureiras dessa roupa). Desse modo, criou-se um segmento paralelo no setor de confecções, o popular,
com preços mais acessíveis, em locais mais simples, embora eventualmente os produtos sejam os mesmos
(claro que sem etiqueta de marca).

Contudo, revistas especializadas, a própria TV, uma empresa de correios adequada para transporte
de pequenos volumes e, mais tarde, a internet estimularam por todos os meios o consumo da moda,
da novidade, dos produtos, utensílios e estilos. Implicitamente acentuava-se a construção de uma
semelhança social em escala nacional: leilões virtuais de tapetes persas e joias ficaram acessíveis aos
de maior renda, mas para todos os espectadores os produtos foram adquirindo sentidos especiais de
modernidade, status e outros de caráter social.

A melhoria das condições da economia e as facilidades de crédito levaram “as empresas a buscar o
mercado interno e, dentro dele, as classes populares”, segundo Marcelo Coutinho do Ibope, em 2007
(IBOPE..., 2007). Contudo, processos distintos mantêm a taxa de desemprego ainda alta, a informalidade
nas relações de trabalho e o crescimento do chamado trabalho marginal, diretamente relacionado ao
tráfico de drogas.

A perversidade desses processos responde pela produção de temas para os produtos culturais e
para os projetos de inclusão social. A chamada sociedade inclusiva de fato não inclui, visto que é uma
configuração do atual modelo de sociedade de consumo (por isso é um equívoco teórico tomar inclusão e
106
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

exclusão como campos opostos ou processos sociais distintos). Na verdade, trata-se do mesmo processo
ou das mesmas forças de produção e reprodução da ordem social (ou de inserção social) cuja dinâmica,
em movimento centrífugo, produz exclusão social e, em movimento centrípeto, produz a inclusão social.

Por esse motivo, as personagens em geral consideradas excluídas na realidade não o foram, mas
sim inseridas fora (sic) dessa ordem, como sobras que, contudo, se mantêm articuladas à ordem, em
uma dinâmica própria, sofrendo as pressões da sociedade de consumo e submetidas a todos os demais
padrões societários. Por isso também ela incomoda: sua proximidade é um alerta permanente para o
risco de se constituir em sobras relegadas aos espaços socialmente desvalorizados.

A construção de uma identidade social no jogo da semelhança e diferença é um processo complexo,


que engendra pluralidade e ilusões no cotidiano e nas construções da mídia. Pensando-se na população
do Rio e de São Paulo, é fato que nas duas cidades convivem jovens e velhos, mas esses dois segmentos
sociais são construídos com perfis tão próprios e de tal maneira específicos que não há referência a um
segmento social intermediário: os adultos. Todavia são velhos os que na mídia falam da bossa nova no Rio
ou de rock e MPB em São Paulo. Pode-se dizer que rap e funk são ritmos de uma “juventude estendida”:
tanto cariocas quanto paulistanos que estão próximos ou já passaram dos 30 anos! Além desse engano
cronológico, podem ser acrescentadas as vivências particulares e as preferências específicas, além das
emergentes de condições sociais específicas.

Esse jogo entre semelhança e diferença, entre o geral e o específico é utilizado na construção da
identidade social como processo que se instaura de fora, dando origem a modelos de comportamento e de
aparência necessários (ou considerados assim) para o exercício profissional ou para a inserção na ordem
do trabalho (como o modelo do executivo, o do operário etc.). Tais construções podem ser denominadas
subjetividades, uma vez que moldam sujeitos para o desempenho de atividades econômicas segundo
exigências dessa mesma ordem econômica. Por exemplo, os executivos são construídos produzidos
de terno e gravata (vestimenta que é praticamente reproduzida pelas, ainda que raras, mulheres, só
excluindo a gravata) e em geral são “brancos”; operários estão sempre sorridentes, de macacões azuis e
em geral são “brancos”.

Se você, leitor, estranhou as aspas que abraçam a palavra branco, entenda que o rigor exige reconhecer
que branco sem aspas é fantasma ou camiseta lavada com sabão em pó do momento: o ser humano tem
uma cor de pele que se aproxima do bege, em infinitas gradações, do bege-rosado ao marrom-escuro.
Assim, negra era a cor dos cabelos de Iracema, dos de Diacuí, dos olhos de Capitu; negros ainda são os
urubus, mas a cor da pele humana não é negra, é marrom em gradações infinitas. Contudo, o (tido por)
detalhe cor da pele integra a construção dos modelos de subjetividade e, portanto, constitui aspecto
importante na construção do espelho de semelhanças e diferenças sociais.

7.1 Identidades e espelho

Na verdade, esse espelho da identidade social se apresenta fragmentado: cada fragmento é uma
parte de uma identidade em mosaico que caracteriza a sociedade brasileira: nele estão todos projetados,
gaúchos, amazonenses, cariocas, paulistas, acreanos e pernambucanos, em uma mistura organizada,
sabe-se lá por quem. Todos falam a mesma língua, mas palavras são incompreensíveis para alguns,
107
Unidade II

enquanto que, para outros, elas são cotidianas: a propósito, você leitor, sabe o que é pilcha (a roupa
tradicional gaúcha)?

Em São Paulo dizer que alguém “está na pindaíba” (estar pobre) é a mesma coisa que “estar a nenhum”
para os cariocas ou “pescar com vara” em Roraima. E assim muitos são os dizeres que diferenciam, no
detalhe, a grande semelhança projetada pelo mosaico. É evidente que a mídia constitui um agente
poderoso na construção desse mosaico, dela foram extraídos alguns dos exemplos citados, todavia, não
bastam as palavras escritas para a construção de semelhanças e diferenças: é fundamental associar o
modo de dizer, a sonoridade, sobretudo evitando que todo nordestino fale com acento nordestino global
ou com o carioquês igualmente global.

Uma letra de Arnaldo Antunes, inserida no filme Bicho de sete cabeças (2000), descreve de forma
poética e terrível o posicionamento no espaço social refletido da identidade social, mas na percepção de
alguém posicionado no limite daquele campo de sobras.

O buraco do espelho está fechado


agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí;
pro lado de cá não tem acesso,
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso,
toda vez que eu vou a porta some
a janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve
já tentei dormir a noite inteira
quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora.

Fonte: Antunes (1996).

Pode-se argumentar que a letra descreve o confinamento institucional, o que é verdade, mas a
condição do sujeito na exclusão social se apresenta bastante similar à descrita por Antunes. O espelho é
a vida social vista da distância que separa a periferia de um centro imaginário ou da distância do morro
para a planície, e ele está fechado: não mais apresenta o buraco do acesso social, da mobilidade, por
onde se possa entrar. Mas as facilidades e as exterioridades desse espelho são exibidas sistematicamente,
em cada cena de novela, em todas as vitrines, lugares, bares, nas calçadas da rua, nos hospitais e escolas.
108
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Em toda forma de convívio cotidiano a distância social aparece antes da palavra, como um
enquadramento do olhar, e, então, mesmo chamando pelo nome, a porta some, a boca cede, e a palavra
se dissolve. A comunicação se estabelece de uma estranha forma pelo incomunicável, a comunicação da
distância, da diferença, entre quem é chamado e quem chama. Desse modo, toda inclusão se transforma
em um convite para um banquete, no qual ao convidado são destinadas as migalhas.

A constituição de um espaço social da exclusão resultou da própria dinâmica social da economia


urbana industrial, cuja incapacidade de absorção do fator trabalho produziu um contingente excedente
de “sobras” ou de “reserva inútil”. Portanto, ao ritmo do enriquecimento das elites, cresciam os segmentos
sociais das “sobras”, na verdade, complementares aos primeiros.

Essa gênese comum aos dois segmentos da ordem social, os inseridos na ordem econômica e social da
sociedade de consumo, em posição de privilégio, e os excedentes dessa ordem, e que foram constituindo
as “sobras” do sistema, resulta na apontada complementaridade: o espaço de exclusão social de certo
modo garante a preservação dos privilégios da inclusão. Consequentemente, todo programa de inclusão,
se ao ritmo e profundidade necessários, tenderá a comprometer o sistema que ainda hoje articula
os dois segmentos. Essa realidade perversa da exclusão social fundamenta a construção do conteúdo
incomunicável da comunicação entre os dois segmentos: a diferença.

Contudo, a construção das semelhanças e das diferenças sociais implica evidentemente certa
aproximação com a cultura de referência das imagens (ou do texto) – claro que é possível fazer uso
de certos artifícios e recursos para acentuar tais traços, os quais são utilizados nos meios visuais,
notadamente no cinema e na TV. Como anteriormente observado, esses artifícios se concentram
no ambiente, mas também no corpo das personagens: nos gestos, modo de falar, posturas, suores,
lágrimas, olhos, boca e sangue. O corpo do ator produzido desse modo remete à personagem que ele
encarna para um determinado lugar, demarcado socialmente e, como tal, reconhecido na cultura (e
pelo espectador, é claro).

O corpo da personagem aparece como um corpo social, ou como um significante para a visualidade
do espectador, e cada artifício empregado consiste na materialização de uma mediação simbólica
elaborada pela produção.

Saiba mais
Nas imagens em movimento (como TV e cinema) a tomada de perto, o
close, permite acentuar traços, indicar emoções, mostrando ao público o
suor na pele do ator, especialmente se a pele é “negra” ou mulata (às vezes
os atores são besuntados de óleo para que brilhem sob a luz dos refletores).
O suor é um traço associado ao esforço e se faz presente no trabalhador, no
favelado, nas cenas de tensão (discretamente nas têmporas do galã), nas de
tesão (no corpo feminino), mas jamais em uma cena de jantar formal ou
de reunião entre empresários (exceto em raras comédias).

109
Unidade II

A seguir estão alguns exemplos da utilização desse recurso em filmes


nacionais, como Cidade de Deus, Abril despedaçado e Amarelo manga.
CIDADEdeDeus.Adorocinema,19dez.2011.Foto8.Disponívelem:http://www.
adorocinema.com/filmes/filme-45264/fotos/detalhe/?cmediafile=19883890.
Acesso em: 10 jan. 2020.
ABRIL despedaçado. Adorocinema, 19 dez. 2011. Foto 8. Disponível em:
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-28631/fotos/detalhe/?cmediafile=
19910996. Acesso em: 10 jan. 2020.
AMARELO manga. Adorocinema, 6 jan. 2012. Foto 4. Disponível em: http://
www.adorocinema.com/filmes/filme-61286/fotos/detalhe/?cmediafile=
19964618. Acesso em: 10 jan. 2020.

As imagens dos atores nas fotos, nos filmes e textos integram o processo de comunicação social a partir
da intencionalidade da produção, compreendendo múltiplas variações, abrangendo o comum partilhado da
cultura e também manifestações de ressignificações, inovações, eventuais rupturas e acomodações. Por isso, a
construção dessa produção deve refletir nitidamente a articulação entre significações correntes na cultura e
as novas que vão sendo instaladas, ao ritmo de processos sociais mais profundos presentes na formação social,
além das inovações dos padrões tecnológicos de produção e de recepção. Como afirma Bakhtin (2002):

Os novos aspectos da existência, que foram integrados no círculo do


interesse social, que se tornaram objetos da fala e da emoção humana, não
coexistem pacificamente com os elementos que se integraram à existência
antes deles; pelo contrário, entram em luta com eles, submetem-nos a uma
reavaliação, fazem-nos mudar de lugar no interior da unidade do horizonte
apreciativo. Essa evolução dialética reflete-se na evolução semântica. Uma
nova significação se descobre na antiga e através da antiga, mas a fim de
entrar em contradição com ela e de reconstruí-la (BAKHTIN, 2002, 136).

As construções das diferenças sociais em imagem e texto constituem expressão particular das
mediações da sensibilidade (BARBERO, 1997). Nas dobras dessa comunicação estão presentes modelos
culturais e estereótipos de natureza diversa, conteúdos e sentidos assumidos para produzi-los, bem
como concepções ideológicas, opções políticas e estéticas de seus realizadores.

Para construir imagens e textos incorporando essas dimensões, encontra-se à disposição dos
especialistas um arsenal de recursos tecnológicos e de espaços virtuais que preservam as imagens
produzindo sentidos para cada um que com elas se depare na internet. Desse modo, pessoas se tornam
personagens de um cenário virtual, construído às vezes à revelia, e aquelas pessoas que efetivamente
têm uma dimensão pública são submetidas a uma câmera que as flagra em instantâneos que duram
para sempre e que maldosamente servem às comparações de antes e depois.

110
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Saiba mais

Nos cartazes dos filmes O cangaceiro (1953), Ana Terra (1971) e Guerra
de Canudos (1997) estão construídas personagens de épocas diferentes,
mas há um denominador comum: as personagens estão produzidas para
expressar destemor e coragem, traços de personalidade a elas atribuídos
e enfatizados nos filmes que os cartazes divulgam. Alguns artifícios de
disposição, sobrepondo as personagens ao cenário da história desenvolvida,
acentuam o caráter heroico ou destemido.
Na base do cartaz de O cangaceiro (1953), por exemplo, a longa fila de
cangaceiros reproduz a estética de filmes mexicanos, como notou Glauber
Rocha ao analisar o filme.
O CANGACEIRO. Adorocinema, 10 fev. 2017. Pôster. Disponível em: http://
www.adorocinema.com/filmes/filme-15751/fotos/detalhe/?cmediafile=
21383982. Acesso em: 10 jan. 2020.
Já o cartaz de Ana Terra (1971) sinaliza o destemor da personagem
enquanto as letras de seu nome parecem voar sopradas pelo vento dos
pampas, uma quase personagem do romance de Érico Veríssimo, O Tempo
e o vento (no qual, aliás, figura a personagem Ana Terra).
ANA Terra. Adorocinema, 24 jan. 2012. Pôster. Disponível em: http://
www.adorocinema.com/filmes/filme-202506/fotos/detalhe/?cmediafile=
20009922. Acesso em: 10 jan. 2020.
A jovem do cartaz de Guerra de Canudos (1997), por sua vez, aparece
como que deixando para trás a povoação exterminada pelas forças oficiais
(no filme, a jovem deixa o lugar, trazendo apenas a determinação, mas sem
destino certo).
GUERRA de Canudos. Adorocinema, 9 jan. 2012. Pôster. Disponível em:
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-118416/fotos/detalhe/?cmediafile=
19975776. Acesso em: 10 jan. 2020.

Os documentários supostamente escapariam da preocupação de aproximar o que está sendo


documentado da realidade, mas não é o que se passa: também aqui persiste a “representificação” da
realidade em foco, seja porque o diretor realmente dirige o olhar da câmera, portanto o documentário
não retratará toda a realidade, mas aquela porção registrada, seja ainda porque o que foi obtido em
horas de gravação passará pelo corte da montagem, implicando outra etapa de seleção.

111
Unidade II

Saiba mais

É verdade que, durante um filme, aspectos relativos às diferenças sociais


aparecem seguidamente, e o espectador vai apreendê-los, em alguns casos,
com uma sensação de desconforto, porque vai se perceber na tela (sendo essa
às vezes a intenção do diretor). Nos cartazes e cenas do filme Cronicamente
inviável (2000), indicados a seguir, estão presentes alguns dos recursos de
construção das diferenças sociais: a arrogância das elites brasileiras aparece
flagrada nas atitudes das personagens e na disposição em cena.

CRONICAMENTE inviável. Adorocinema, 19 dez. 2011. Foto 14.


Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-93929/fotos/
detalhe/?cmediafile=19904791. Acesso em: 10 jan. 2020.

CRONICAMENTE inviável. Adorocinema, 19 dez. 2011. Foto 15.


Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-93929/fotos/
detalhe/?cmediafile=19904790. Acesso em: 10 jan. 2020.

Nessas imagens, a expressão e postura das mulheres são indícios que


constroem em imagens da ficção a realidade da democracia racial brasileira
no encontro festivo de empregados e patroa, brancos e negros.

CRONICAMENTE inviável. Adorocinema, 19 dez. 2011. Foto 5.


Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-93929/fotos/
detalhe/?cmediafile=19904800. Acesso em: 10 jan. 2020.

CRONICAMENTE inviável. Adorocinema, 19 dez. 2011. Foto 6.


Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-93929/fotos/
detalhe/?cmediafile=19904799. Acesso em: 10 jan. 2020.

CRONICAMENTE inviável. Adorocinema, 19 dez. 2011. Foto 7.


Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-93929/fotos/
detalhe/?cmediafile=19904798. Acesso em: 10 jan. 2020.

CRONICAMENTE inviável. Adorocinema, 19 dez. 2011. Foto 8.


Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-93929/fotos/
detalhe/?cmediafile=19904797. Acesso em: 10 jan. 2020.

CRONICAMENTE inviável. Adorocinema, 19 dez. 2011. Foto 9.


Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-93929/fotos/
detalhe/?cmediafile=19904796. Acesso em: 10 jan. 2020.

112
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Os dizeres desses cartazes apontam certas práticas usuais, porém elas


são apresentadas por figuras cuja aparência não é pautada nos padrões
estéticos correntes, além disso, elas parecem corresponder fisicamente à
insanidade do que propalam.

Outro recurso importante na construção do outro nos meios visuais consiste em acentuar traços de
sua tipicidade ou sinalizar contradições e duplicidade na tipicidade dessas práticas. O resultado desse
recurso é tornar o outro risível, com a estereotipia situando-o no campo de um humor simples e, às
vezes, grotesco. Esse recurso tem sido largamente utilizado pelo rádio e pela televisão em programas
de humor que se tornaram clássicos, como Primo Pobre e Primo Rico (Paulo Gracindo e Brandão Filho)
quadro do programa Balança, mas não cai, primeiro no rádio (Rádio Nacional, anos 1950) e depois na TV
Globo. Podemos citar ainda a Escolinha do Professor Raimundo (1990), de Chico Anysio, e o programa
Viva o Gordo (1981), de Jô Soares, os dois na TV Globo.

Na Escolinha, o sarcasmo era concentrado na relação do povo, representado por vários tipos, e em
face da cultura, representada por um professor Raimundo, com suas perguntas (essas extraídas de vários
itens dos currículos escolares). O professor terminava o quadro com um gesto indicando o baixo salário
recebido para a desgastante tarefa de educar. Os alunos formavam uma galeria de tipos risíveis: seu
Samuel Blaustein, o judeu interesseiro, o ignorante Baltasar da Rocha, um analfabeto, seu Peru, um gay
ridicularizado, a mulher feia e ingênua, outra bonita, o garoto carioca de morro, seu Jovelino Barbacena,
um mineiro caipira, Canabrava, um bêbado, Seu Rolando Lero, o aluno bajulador, falastrão e enganador,
e seu Ptolomeu, um antipático aluno que respondia corretamente todas as questões, o que não era
exigido da aluna jovem e bonita.

O riso confirmava preconceitos sociais arraigados na democracia à brasileira, especialmente em


relação a judeus e gays, sinalizava com simpatia a ignorância dos alunos, enquanto a cultura de Ptolomeu
era apontada como arrogante e antipática. Afinal, ser culto e bom aluno é antipático? Há nesse foco
nítido sinal de ambivalência.

Outro exemplo comum de ambivalência é a fidelidade conjugal, considerada politicamente correta,


enquanto anúncios de cerveja e outros apontam exatamente o oposto. Algumas figuras estereotipadas
pela propaganda são as sogras, os cunhados, os velhos, os gordos, os homossexuais, os professores
(sempre de óculos) e as esposas.

Enfim, essa longa cadeia de tipos na construção de diferenças sociais remete a contradições
presentes na cultura brasileira, ao machismo nela entranhado. Por isso a esposa é sempre um fardo e o
homossexual é discriminado; por outro lado, são enfatizadas posturas como desprezo pela cultura
e pela disciplina, culto de uma juventude eterna e da beleza (mas perdoando as barrigas masculinas
de cerveja).

Afora a construção de identidade social e dos grupos que a fragmentam no espelho mencionado,
cada personagem carrega o entendimento do espectador para fora do enquadramento em que a
personagem é visualizada, seja na superfície de um cartaz, uma cena de filme, ficção ou documentário,

113
Unidade II

a imagem da personagem, suas falas e gestos comunicam algo para além do que é visto e ouvido. É essa
projeção para fora que assegura o envolvimento do espectador ou a empatia que a imagem produz no
consumidor, no caso de comerciais. A construção da corporeidade investida nas personagens, portanto,
é uma dimensão importante da SC.

Observação

Foram comentados elementos do processo de diferenciação social que


constrói a democracia à brasileira, o mito da democracia racial e outros
aspectos da chamada exclusão social. É importante que os professores de
sociologia explorem com segurança os inúmeros detalhes dessa engrenagem
de diferenciar e de situar brasileiros em uma ordenação qualitativa, do
tipo “cada coisa em seu lugar, e cada lugar com sua coisa”. Esse modelo de
ordenação talvez seja útil para armários, mas não para pessoas em uma
sociedade que se pretenda democrática.

7.2 A construção da corporeidade

Na verdade, a caracterização da corporeidade se dá em um campo de transdiscursividade, como


foi dito antes, de modo que é possível dizer que o corpo percorre em uma diagonal, digamos assim,
os campos do texto e da imagem, articulando-se entre si, complementando-se e também se abrindo
para um extenso campo correlato, aquele da vida social, do qual incorporam sentidos ou no qual
eventualmente tendem a perdê-los. É fácil entender isso considerando as mudanças que incidiram sobre
o corpo feminino, reflexo da moda e da liberação da sexualidade.

As imagens de corpo nas fotos, nos filmes e nos textos estão inseridas no processo de comunicação
social, foram produzidas a partir de distintas práticas discursivas e integram a variedade de produtos de
comunicação ao longo de décadas. Elas são produtos e manifestam a intencionalidade de quem dirige.

Nas canções podem ser apontadas algumas tendências na produção do corpo do outro, a saber:

• como objeto de desejo, instrumento à disposição de quem canta, de seu prazer;

• no devaneio, no delírio, na paixão e na loucura de quem canta, assim no corpo do outro residem
a fraqueza do cantor, seus pecados e vícios (aquele corpo é produzido no âmbito de uma ética e
estética dos corpos);

• no âmbito das relações de poder, presentes na ordem do trabalho, na sujeição amorosa e a partir
de distinções sociais e referências visuais de identidade social.

114
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

A construção do corpo feminino nos textos, nas fotos e cartazes de cinema é realizada pela mediação
do olhar, processo pelo qual vários olhares compõem um corpo como objeto visual de desejo, propiciando
a reiteração de manifestações de sensualidade e erotismo presentes na cultura.

Contudo, a mulher exposta às câmeras também detém o entendimento do que deva ser a imagem
visualizada como sensual, um conteúdo que lhe permite despertar e pôr em movimento a sensualidade
do outro. A sensualidade e o erotismo instalam-se, portanto, em um campo que não é necessariamente
o da representação da prática sexual, mas o de uma experiência anterior ou imaginária, e nela, também
aquele que olha se expõe e experimenta a transgressão desse olhar.

Para Foucault (2001, p. 41) esse olho do voyeur é a “figura do ser que não é senão a transgressão do seu
próprio limite”, mesmo porque, para ele, a sexualidade “aparece como o único conteúdo absolutamente
universal do interdito” (FOUCAULT, 2001, p. 29). Na verdade, o distanciamento entre quem olha e o
objeto de seu olhar é fundamental: é por ele que se dá a apropriação da privacidade do outro, como se
fosse adoração e oferenda, e a sensualidade de quem olha é ocultada, solitária e erótica.

O olhar que focaliza a mulher é a visão de corpo que desperta o próprio erotismo masculino. Outra
modalidade de olhar é aquela que recorta a figura feminina em áreas de interesse, produzindo o que
se pode designar como um corpo fragmentado (COSTA, 2003). Trata-se de um recurso de produção
de imagem utilizado em cartazes, fotos e cenas dos filmes, mas que também aparece nas letras das
canções. Essas imagens atraem a mesma modalidade de olhar carregado de erotismo e sensualidade:
elas recortam a mulher (às vezes, a figura masculina) em partes de interesse. Não se pode afirmar que
esse recortar seja um sintoma da cultura contemporânea, dado que é frequente na literatura em textos
sagrados como o Cântico dos cânticos (BÍBLIA, Cantares de Salomão, 7: 2-6).

Esses olhares recortam o corpo feminino na produção de imagens densas de erotismo, são tomadas
suculentas: percorrem com sensibilidade e sutileza, exploram referências, avançam para o interdito,
para os limites. A câmera não se torna um recurso mecânico para focalizar em detalhe o corpo para o
desejo, mas sim um instrumento de olhar, vai surpreendê-lo no detalhe estético de “uma curva, uma
linha, eventualmente, uma dobra” (FOUCAULT, 2001, p. 370). Por isso ela desliza do corpo para o rosto
que “é dotado de uma expressividade inigualável” (BALLOGH, 2003, p. 120) e para os olhos que aludem
sentidos, ainda que simulados.

Em síntese, o olhar que constrói o corpo feminino nas fotos e cartazes de cinema propicia a reiteração
de elementos eróticos já conhecidos na cultura, com forte apelo para o erotismo masculino, o que não
impede à mulher exercitar sua sedução estimulando com sutileza seu próprio erotismo.

Olhares e gestos, especialmente das mãos, são fundamentais na composição de um corpo-mensagem.


Gestos são imobilizados nas fotos e cartazes traindo a intencionalidade, olhares que compõem a
intencionalidade, traindo sentidos, ambos se oferecem à sensibilidade do reconhecimento pelo olhar do
outro, como um caso especial das mediações da sensibilidade já mencionadas.

115
Unidade II

Saiba mais

Os cartazes de filmes mereceriam um capítulo à parte. Podemos citar


o caso de Dom (2003), uma releitura da história de Capitu, de Machado de
Assis. A mulher é central à trama e assim aparece no cartaz, os olhos do
homem ao lado (marido) são dirigidos à mulher, mas seu olhar a interroga,
desconfia, inquire disfarçando. O olhar do amigo acima, dirigido a ela, é
terno e de admiração. Talvez amor? Você pode ver esse cartaz e ter acesso
a mais informações sobre o filme acessando o link a seguir.

DOM. Adorocinema, [s.d.]. Disponível em: http://www.adorocinema.


com/filmes/filme-202035/. Acesso em: 10 jan. 2020.

Já os cartazes de A dama do lotação (1978), Eu te amo (1981) e


Tolerância (2000) mostram olhares de desafio e sedução, mas mãos, seios
e posturas são os elementos mais explícitos de sensualidade: mãos que
insinuam gestos de sedução e erotismo. Interessante notar os óculos na
personagem de Tolerância, uma advogada traz o símbolo de sua condição
de intelectual, mas sensual, enquanto a personagem de Eu te amo expõe
o seio (à moda dos anos 70) e a boca entreaberta antecipa às das modelos
famosas do século XXI. Você pode ver esses cartazes e ter acesso a mais
informações sobre os filmes acessando os links a seguir.

A DAMA do lotação. Adorocinema, [s.d.]. Disponível em: http://www.


adorocinema.com/filmes/filme-143418/. Acesso em: 10 jan. 2020.

EU te amo. Adorocinema, [s.d.]. Disponível em: http://www.adorocinema.


com/filmes/filme-39824/. Acesso em: 10 jan. 2020.

TOLERÂNCIA. Adorocinema, [s.d.]. Disponível em: http://www.


adorocinema.com/filmes/filme-37401/. Acesso em: 10 jan. 2020.

Os fragmentos olhos, boca e mãos são articulados nas imagens visuais


estabelecendo padrões para a anatomia feminina, em uma espécie de
estética do desejo. Dois importantes critérios nesse sentido são forma e
tamanho dos seios e forma do bumbum. No filme Os sete gatinhos (1980),
Neville de Almeida combina diferentes tamanhos e formatos de seios, mas
o maior contraste reside entre os seios de adolescente da filha mais nova e
os enormes seios felinianos da mãe, sempre saindo do decote.

OS SETE gatinhos. Adorocinema, [s.d.]. Disponível em: http://www.


adorocinema.com/filmes/filme-202578/. Acesso em: 10 jan. 2020.
116
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

O cartaz do filme não alude a seios, seu foco é dirigido para uma
calcinha que desce pelas pernas de uma colegial, que não é uma criança,
como se poderia imaginar, mas uma adolescente, portanto o cartaz não
retrata pornografia infantil, contudo, aos olhos de hoje ele alude a esse
campo, e de modo mais significativo que o cartaz de outro filme, esse sim,
uma crítica profunda à exploração sexual de meninas: Anjos do Sol (2006).

ANJOS do Sol. Adorocinema, [s.d.]. Disponível em: http://www.


adorocinema.com/filmes/filme-140936/. Acesso em: 10 jan. 2020.

A produção dos corpos nos cartazes evidentemente reflete tendências estéticas e políticas em curso
na sociedade nacional e fora dela, bem como concepções de identidade nacional. Aquele que produz
um cartaz está por elas afetado e o seu trabalho aparece como resultante da mediação simbólica entre
a realidade (que se lhe apresenta sob a forma de objeto) e sua postura estética, ideológica para se
apropriar daquele recorte de realidade e reapresentá-lo, representando a realidade em seu trabalho na
forma de expressão escolhida.

Todavia, é preciso lembrar que, como aponta Bentes (2005), “as representações do povo não se
parecem aos retratos imobilizados nas molduras”, então a construção dessas representações não pode
ser limitada, mas deve abranger as tendências que emergem na cultura nacional, bem como aquelas
que são incorporadas porque refletem o cenário globalizado da cultura. Note-se que Cambeses fala do
artista gráfico e Bentes das representações, e os exemplos trabalhados focalizavam cinema, cartazes e
fotos, mencionavam mediação simbólica, transdiscursividade e visualidade.

Então, o leitor pode questionar se se tratará de coisas diferentes, conceitos distintos. Haverá algum
denominador comum a todos eles? Além dessas questões, pode-se também perguntar sobre o texto que
o leitor “vê” na página de um livro, jornal ou revista, no outdoor, no cartaz, no monitor do PC, na tela da
TV ou do cinema: aquele texto deve ser conceituado como imagem ou como texto?

Essas questões se situam em um campo multidisciplinar, e possivelmente cada uma das áreas de
saber envolvidas (teoria da arte, artes gráficas, filosofia e teoria da comunicação, entre outras) teria uma
concepção a respeito. Aqui se pode dar uma resposta que privilegie a comunicação em sociedade, ou
seja, a sociologia dessa comunicação.

O artista gráfico é o profissional que exerce uma modalidade de saber cuja origem histórica, para
ficar no limite da tradição ocidental europeia, antecede à imprensa como meio de reprodução de texto
e, grosso modo, reprodução de imagem: de um lado, a articulação entre texto e desenho nas cópias
de textos, as iluminuras medievais; de outro, as gravuras, sob técnicas diversas, para reprodução de
desenhos. Nessa produção, o artista gráfico tradicionalmente se situa na concepção do que vai ser
comunicado visualmente (o desenho, a imagem), mas também articula a disposição do texto com a
imagem, podendo, inclusive, emprestar ao texto uma aparência mais adequada, com o emprego de
cores e formatos de letra, criando espaços etc.

117
Unidade II

Ora, para o exercício desses saberes, o artista sempre se valeu de sua criatividade, mas ao mesmo
tempo realizou a aplicação das tendências em curso na sociedade na sua atividade, associando-a ao
que era considerado belo, feio, temível, adorado etc. Ao proceder dessa forma, o artista gráfico realizava
mediações simbólicas entre imagem e aparência do texto que concebia e o que em sua produção deveria
ser, ou poderia ser, prontamente reconhecido (visualmente) pela sociedade.

A multiplicação e o desenvolvimento dos meios de comunicação ampliaram enormemente as


possibilidades da atividade e saberes do artista gráfico, e hoje, no mundo tecnológico (digital), ele não
se limita a uma realidade factual ou imaginária, operando em uma realidade virtual, e não somente
com elementos virtuais, mas combinando o virtual com o material, trabalhando com sons e imagens, já
existentes ou criadas por ele, com textos ou somente com falas. Contudo, o artista gráfico continua a
realizar mediações simbólicas entre a imagem e a aparência do texto (e som) que concebe, e o que sua
produção deve ser ou o que pode ser prontamente reconhecido (visualmente) pela sociedade.

Agora é o momento de entrar no campo da filosofia, aquele ao qual Bentes (2005) alude ao mencionar
representação. Em essência, representar é criar uma presença de algo ou de alguém que está ausente,
portanto, representar é presentificar uma ausência. É exatamente o que fazem o desenho e a pintura:
com traços no papel e pinceladas de tinta na tela, é possível criar a imagem de alguém ou de algo que
não está presente no papel ou na tela, mas fora deles. Nas telas e desenhos que registraram reis, rainhas
e outras figuras importantes do passado, tais personagens permanecem vivos (daí se dizer que um
quadro imortalizou a figura representada).

Todavia, um quadro ou um desenho nem sempre é fiel à imagem do representado. Aliás, isso era
algo proposital: tanto os seios das mulheres quanto o volume dos órgãos sexuais masculinos foram
acentuados nos quadros (como Henrique VIII), enquanto as barrigas dos reis, verrugas, estatura ou
qualquer outra característica incompatível com a imagem da corte absolutista (caso de Luiz XIV)
foram cuidadosamente corrigidas pelos artistas ao longo da história, tanto os pintores quanto aqueles
artistas gráficos.

Esses últimos, aliás, tiveram um papel fundamental na representação gráfica do não existente:
coube-lhes na história criar o diabo com chifres e rabo, colorido de vermelho, associar o pecado à cor
negra, dar imagem ao Leviatã (o poder absoluto de Hobbes), entre outras colaborações (podendo ser
citada, inclusive, a cor verde nos olhos dos vilões e das madrastas más da Disney).

O aparecimento da fotografia e do cinema parecia constituir um divisor de águas em termos de


uma maior fidelidade entre imagem e modelo. No entanto, não foi o que aconteceu: na verdade, o
ângulo do foco, a luz, os planos escolhidos, as tomadas feitas etc. foram recursos que, desde o início,
permitiram atribuir sentidos às imagens, estáticas ou em movimento. Além de todos esses recursos,
tanto a fotografia quanto o cinema poderiam trabalhar com situações criadas para a comunicação,
portanto trabalhar com a ficção (o que aproximava os dois meios da literatura).

Nesse sentido, a presença do ausente (representação) ficava ainda mais distante da realidade:
tornava-se presente no filme e nas fotos uma presença que nunca existira como realidade, mas apenas
como produção ficcional. Contudo, permanecia a necessidade de realizar mediações simbólicas
118
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

entre imagem e sonoridades de modo que filme e foto pudessem ser prontamente reconhecidos
(visualmente) pela sociedade.

A última questão apontada diz respeito aos textos que são vistos em livros, cinema, computadores
etc. São eles imagens ou textos? Uma falsa questão em princípio: texto é texto, figura é figura, mas o
problema não se mostra assim tão simples quando pensamos na palavra mágica imagem. Claro que o
que o leitor vê na tela ou no livro é uma imagem, seja ela de um texto ou do Mickey, mas o leitor não se
apropria do conteúdo do texto quando o vê na tela ou na página do jornal. Quanto ao Mickey, o leitor o
identifica se souber do que se trata, mas aquele ratinho de bermuda vermelha passará despercebido, ou
estranhado, se o leitor não tiver a mínima informação sobre ele (o que é difícil).

No entanto, o conteúdo de um texto será mais facilmente apropriado pelo leitor se for apresentado
de forma esteticamente atraente, curiosa, associando imagem e texto em uma disposição agradável.
Por exemplo, esse texto seria mais agradável e atraente se tivesse o aporte da colaboração de um artista
gráfico: com certeza ele utilizaria mais figuras, inclusive as mencionadas iluminuras e outras imagens
(as do diabo, do Leviatã, da bruxa, da madrasta de Branca de Neve etc.).

A B C D

Figura 21 – Construção de mitos: o poder soberano, a bruxa (ou madrasta), a iluminura e o diabo

Na sociedade contemporânea, visualidade, aparência e espetáculo constituem valores e instâncias


do cotidiano de fundamental importância: as pessoas se pautam pela aparência, produzem-se para a
visualidade (do outro) e se posicionam diante do espetáculo da vida (na verdade, elas estão no palco,
mas tão ignoradas que nem sabem que estão nele). As celebridades, aquelas da revista Caras e dos
programas de fofoca na TV, são modelos de vida social, de sucesso e riqueza, principalmente porque, de
alguma forma, não são ignoradas: elas apareceram durante algum tempo na mídia.

Nessas condições, o discurso de conteúdo conduzido por um texto deve ter uma aparência considerada
adequada segundo valores estéticos correntes. Por quê? Para despertar o interesse, mas, além disso, deve
ser claro (simples leitura), trazer imagens que facilitem o entendimento e a incorporação do conteúdo
ao repertório do leitor.

119
Unidade II

Ora, dadas essas condições da sociedade contemporânea e de sua porção brasileira, não estaria
a comunicação social ampliada, realizada pelos meios de comunicação, condicionando ou induzindo
modos de entender a realidade e a vida, além de sugerir modelos para um adequado posicionamento?
Essa questão foi discutida do ponto de vista teórico anteriormente, mas agora é preciso completar a
discussão trazendo outros elementos, especialmente focalizando a sociedade brasileira.

8 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO COTIDIANO E DA POLÍTICA

Como ponto de partida nessa discussão, deve-se ter claro que a divulgação de modos de entender
a realidade e a vida implica a construção de verdades sobre o cotidiano ou mesmo a construção do
cotidiano com valores estéticos, éticos e políticos que, em conjunto, permitem emprestar sentido para o
passado e traçar rumos para o futuro. A aceitação desses modos de entender se dá no plano das ideias
e das práticas dos indivíduos e, dependendo da dimensão, no plano das ideias dos grupos sociais em
relação, ou mais ainda, dos padrões de sociabilidade.

São evidentes as dimensões política e ideológica dessa divulgação de modos de entender a realidade
e a vida, principalmente porque ela não se situa como questionamento, mas como verdade dada. Ora,
verdades dadas ou reveladas são de natureza religiosa, elas não refletem as práticas e valores humanos,
que são passíveis de erros, de interesses. As verdades políticas e o próprio conhecimento pressupõem
uma atitude crítica e reflexão. Em uma frase, pode-se dizer que se apropriar da resposta correta não é
conhecimento, é informação; conhecimento e formação implicam capacitação para fazer perguntas,
formular hipóteses e buscar respostas válidas.

Mas o que é a política? Resposta difícil, porque essa palavra diz respeito à prática de homens e
mulheres de uma sociedade em um dado momento de sua história, prática que tem em vista não só a
situação e o futuro de cada um, mas a situação e o futuro de todos. Nesses termos, a palavra política
remete à ação participativa, o que significa articular as diferenças tendo como objetivo alcançar um
denominador comum. Essa prática envolve dimensões várias de poder, desde aquelas prontamente
citadas e que integram a constituição do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), a outras dimensões
não tão óbvias como a conciliação, a articulação, a influência, a pressão, a força física etc. São essas
as dimensões afetadas pela comunicação ampliada, e por vários meios, às quais se deve acrescentar
o poder de mobilização. Nesse modo de poder, exercido principalmente pelos meios de comunicação,
reside um traço da chamada sociedade de massas.

Pense nas grandes manifestações de rua ocorridas no país, nas mais variadas épocas e pelos mais
diferentes motivos, como manifestações da TFP (Tradição, Família e Propriedade), religiosas, grevistas,
pela diversidade, por impeachment, contra a ditadura, contra reformas governamentais ou contra
aumento de tarifas. Em todas elas vemos uma mobilização, embora de formas distintas. Mas a aparência
de homogeneidade que aproximaria uma imagem da outra não poderia ser mais enganosa, mesmo
que duas imagens sejam do mesmo período. Enfim, o que distingue tais manifestações, ainda que num
primeiro momento, numa foto, possam ser bastante semelhantes, é o entendimento de uma situação, a
crença em uma religião ou a preferência por um tipo de música brasileira.

120
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Como foi antes apontado, a expressão sociedade de massas tem origem no conceito de vontade
geral, como a vontade do povo, objeto de rearticulação no âmbito do Legislativo, porque existe a premissa
de que, nos regimes representativos, ali se dão as discussões livres pelos representantes legítimos do
povo, das quais resultarão as leis que atendem às solicitações desse mesmo povo. Entretanto, as opiniões
(e interesses) ali são diferentes, e até mesmo opostas, por isso a designação de públicos é mais coerente
com a realidade.

Todavia, na maior parte da história brasileira, esses públicos não se formaram, mesmo porque esse é
um processo de raízes urbanas, e o Brasil foi, durante séculos, uma sociedade com a economia enraizada
na agricultura de exportação. Como não se pode discutir a formação política de uma sociedade
sem se observar a história política, nos parágrafos que se seguem serão traçadas as linhas mestras
do que seria uma história da política no Brasil, para que então possam ser discutidos alguns temas
importantes para a SC.

Durante a época do Brasil colônia, as lutas entre segmentos distintos da população envolviam os
interesses dos colonizadores. Os brasileiros que deles participavam eram colonos comerciantes, escravos
(índios e de origem africana), capitães do mato e figuras associadas às forças militares enviadas pela
coroa. Como pano de fundo das lutas coloniais estavam os interesses comerciais de um Portugal
enredados no jogo político e econômico europeu.

A rapidez nos processos históricos dá indícios da presença de forças políticas e econômicas significativas,
impulsionando a concretização das mudanças. É de se supor que essas forças tenham atuado na condução
da colônia ao status de reino, desse ao império (de curta duração), e posteriormente à república. Elas
imprimiram configurações especiais a três ordenamentos político-administrativos, ou pelo menos a dois
deles, os quais instauraram dispositivos de poder coerentes com as novas situações e, por conseguinte, aos
relacionamentos de poder que, ao longo do período, constituíram a ordem e seu avesso.

É claro que houve conflitos, e profundos, entre as elites brasileiras e a corte portuguesa, conflitos
que vinham de longa data, exemplificados pela Inconfidência Mineira e pela Conjuração Baiana. Ambos
os movimentos foram influenciados pela maçonaria, ambos eram de caráter liberal (mas elitista) e
traduziam uma oposição à sangria de riquezas brasileiras imposta por Portugal. Com a chegada da
corte ao Brasil, tais conflitos se desdobram: parte da nobreza que acompanha D. João não é de sangue,
mas constituída por grandes comerciantes, alguns cujos títulos tinham sido conferidos por D. João III e
outros com títulos mais recentes. Para eles, a situação do Brasil como colônia era fundamental para a
continuidade dos negócios.

No Brasil pós-abdicação, no Período Regencial, registra-se então o confronto entre tendências


políticas voltadas para a centralização do poder e tendências adeptas da descentralização (inclusive sob
modelo federalista).

A tendência centralizadora do poder fez ressurgir, no âmbito político, o descontentamento das


elites não aquinhoadas com a distribuição de poder e de recursos. Assim, em 1835 eclodiram vários
movimentos de caráter revolucionário, porém conduzidos pelas elites: a Balaiada no Maranhão, a
Cabanagem no Pará e no Amazonas e a Farroupilha no Rio Grande do Sul.
121
Unidade II

Na verdade, são movimentos de oposição às medidas centralizadoras tomadas pela Regência,


principalmente as medidas de Feijó. As oligarquias regionais temiam os avanços das ideias (e das práticas)
na direção da emancipação dos escravos e, para fazer frente a esse risco, se organizaram em partidos
e depois em movimentos de caráter insurrecional. Feijó contra-atacou, esvaziando as forças de terra
existentes e criando a Guarda Nacional, mas essa medida provocou ainda mais os liberais aristocráticos.

No Rio Grande do Sul o movimento foi de extrema violência. Chimangos ou caramurus (legalistas) e
maragatos ou farrapos (os revoltosos) enfrentaram-se por dez anos, comprometendo na luta recursos de
patrimônio irrecuperáveis. Enquanto isso, a pecuária extensiva tradicional que praticavam perdia espaço
no mercado internacional.

Essa matriz de formação do capitalismo nacional impregnou o empresariado brasileiro, cujo convívio
com a aristocracia dos senhores da exportação era difícil e conturbado em alguns casos. Florestan
Fernandes associa o segmento social desse empresariado em formação à imagem do burguês e da
burguesia, mas alerta contra as simplificações: “assim como não tivemos ‘feudalismo’, também não
tivemos o ‘burgo’ característico do mundo medieval” (FERNANDES, 1976, p. 17).

De qualquer modo, o segmento burguês emergiu na sociedade nacional associado à especialização


econômica e à assimilação de padrões e práticas econômicas coerentes com as tendências capitalistas
dos países hegemônicos (leia-se Inglaterra ou Reino Unido). Coube a ele um papel modernizador, embora
vacilante entre os ditames da ordem tradicional, patrimonial e agrária, e as novas exigências, de previsão
e racionalidade, para o trato com o intercâmbio comercial.

Por seu turno, a autonomia política em meio ao imperialismo do capital britânico resultou em
condições regionalmente diferenciadas na economia brasileira, cuja base permanecia escravocrata.
Esse quadro se reflete nas articulações e estratégias de poder regionais, igualmente diferenciadas, uma
situação que se prolongará por todo o Império. Alguns filmes exemplificam essa situação, focalizando a
capital, Rio de Janeiro, e três áreas específicas: Nordeste, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Nesse ambiente político se destacou a figura de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Em
sua trajetória de empreendedor, Mauá foi instruído por um escocês financista que chegara ao Brasil
com D. João VI. A seu convite, Mauá se tornou maçom da Loja Grande Oriente e se associou ao capital
inglês. Seus interesses, então, se diversificaram: estaleiros e transporte marítimo, transporte fluvial na
Amazônia, iluminação na capital, transporte ferroviário no Rio e na rota São Paulo-Santos (associado
aos interesses dos cafeicultores paulistas e aos do Império).

Em 1844, por exemplo, com a tarifa Alves Branco, os produtos manufaturados importados passam
a ser sobretaxados (o prazo de redução das tarifas já se esgotara). Ante o desgosto dos ingleses, Mauá
sugeriu como solução fabricar tais itens no Brasil. Com isso, teve início uma pequena fase de substituição
de importações, apesar de certas reações dos comerciantes ingleses, mas para o capital financeiro, setor
em que operava Mauá, nada seria melhor.

Em 1851, Mauá fundou um segundo Banco do Brasil (instituição privada constituída por lançamento
público), mas essa iniciativa provocou ciúmes e a oposição do imperador. Em 1853, o Banco de Mauá
foi obrigado a se fusionar com o Comercial do Rio de Janeiro e, segundo o portal do Banco do Brasil:
122
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

[...] por uma determinação legislativa liderada pelo Visconde de Itaboraí,


considerado o fundador do Banco de hoje. Essa fusão propiciou um aumento
de capital para 30 mil contos de réis. A fusão também foi responsável pela
conversão dos bancos emissores das províncias em caixas filiais do novo BB
(BANCO DO BRASIL, [s.d.]).

Em síntese, a autonomia política viera explicitar e acerbar os conflitos internos às elites, mas também
entre os segmentos regionais, que se viam diminuídos de poder ou preteridos em suas exigências. A
centralização convergia para a concentração de poder, tornando fundamental a organização política
dos segmentos das elites em partidos e tendências, de modo a ocupar lugares na ordenação do Estado,
além de cargos públicos.

As tendências políticas que se organizaram em partidos não se formaram com base popular, nem
essa base lhes servia de sustentação, visto que eram dissidências internas às elites. O povo sempre foi
considerado à parte no Estado: o sistema eleitoral excluía a maioria da população, porque era baseado
em renda, idade, sexo e alfabetização (isso sem considerar os escravos, que evidentemente dele não
participavam, e posteriormente os imigrantes europeus, que chegavam inferiorizados, como para
substituir os escravos, então libertos).

A libertação dos escravos, de um lado, e a vinda de imigrantes europeus e asiáticos, de outro, foram
dois processos que alteraram significativamente os dispositivos de poder em curso no império. Essa
alteração não se deu por um processo de inserção formal de tais contingentes na sociedade civil,
mas pela posição peculiar que passaram a ocupar na sociedade e na ordem social. Em algumas áreas
rurais eles atraíram a animosidade da população local, e no meio urbano os imigrantes europeus
foram lideranças ou integraram as primeiras lutas operárias. Nas duas situações, recaiu sobre eles
a ação autoritária das forças armadas para manter a ordem à bala. A política governamental de
considerar os problemas sociais uma questão de polícia mostrava sua face imperial, mobilizando a
Guarda Nacional e o exército.

Todavia, no Rio e em São Paulo, abrem-se oportunidades de trabalho em obras de serviços públicos,
fundamentalmente naqueles que atenderão prioritariamente o escoamento da produção agrícola, como
as ferrovias de São Paulo. Enquanto os escravos recém-libertos estavam desqualificados para a maior
parte dos trabalhos, os imigrantes tinham qualificação ou pelo menos experiência. Aqueles que tinham
alguma poupança e técnica montaram pequenas fábricas no interior e na capital de São Paulo (ao que
consta, o mesmo processo se deu em outras capitais).

Finalmente, observa-se no Segundo Império a presença constante e significativa de forças militares


a serviço da elites de poder, sob justificativa de manutenção da ordem, processo que atravessará toda a
primeira fase republicana.

A participação do militar na política não foi, portanto, uma decorrência de sua condição de cidadão
comum, mas uma quase autoinvestidura de direitos, moralidade e consciência civil de natureza superior
à condição de cidadania. Na conceituação dessa suposta investidura desdobram-se tendências do
soldado-cidadão, do soldado-profissional e do soldado-corporação, cada uma delas associada a um tipo
123
Unidade II

de intervenção: a primeira de natureza reformista, a segunda propondo a não intervenção, e a terceira,


uma intervenção moderadora, mas que se mostrou conservadora.

Em quaisquer das concepções, inclusive posteriores, e que fundamentaram o Golpe de 1964, o


militar não participa da política, ele intervém e atua empregando armas, atemorizando cidadãos
com implementos militares, com a tortura, apoiado no medo da morte e da dor. Ainda é comum
a demonstração de poderio militar, mas no período do Golpe e, posteriormente, era frequente,
consistindo em pôr os tanques na rua. Os tanques não poderiam ser utilizados contra a população
civil urbana, nas avenidas das capitais, como na Avenida Rio Branco, no Rio, porque fariam grandes
estragos nos edifícios, mesmo assim, era comum vê-los estacionados em pontos de concentração
urbana. No Golpe de 1964, foram utilizadas bombas e granadas de efeito moral contra a população,
em Canudos, lançou-se mão de metralhadoras e, nas passeatas e demais manifestações civis, tropas
de choque e cavalaria sempre estiveram presentes.

Desse modo, o militar impõe pela força uma dada ordem, não sendo legítimo integrante de sua
construção, porque se mantém fora do âmbito do debate político e dos mecanismos eleitorais. Além do
mais, frequentemente ele não é o autor do mandato, mas executor de um acordo entre interessados; ele
cumpre ordens, embora jamais reconheça que é a parte mais exposta nos efeitos dessas ordens.

Para justificar sua intervenção, o militar brasileiro elegeu ações nomeadas em verbos como
salvaguardar, defender, instaurar e restaurar, além de instâncias substantivadas por ordem,
instituições republicanas, valores nacionais e as do mesmo gênero, mas posteriores ao período em
foco, como democracia, instituições democráticas etc. Essas expressões constam nos diálogos das
personagens dos filmes porque estavam nas ruas, nos jornais, nas escolas e nos meios de comunicação.

Como se coubesse ao militar conduzir um cidadão incapacitado para exercício de sua cidadania.
Esse engodo perverso tem raízes profundas na cultura nacional, como foi brevemente apontado: a
força militar sendo sempre um recurso utilizado contra o povo, para mantê-lo em seu lugar, obediente
e trabalhador a serviço de interesses externos.

Considerando-se que os dispositivos de poder da república oligárquica combinavam o jogo de


relacionamentos na cúpula, a estratégia eleitoral do coronelismo e mecanismos de fraude, o poder
dos coronéis sempre deteve a intervenção militar em todas as tentativas até 1930, mesmo porque o
repúdio às condições políticas vigentes não vinha de todo o exército, mas de postos intermediários da
oficialidade (dos tenentes), embora um nome de alta patente sempre estivesse envolvido, fosse Hermes,
Isidoro ou Góis Monteiro.

Outro aspecto interessante das intervenções militares na Primeira República reside na sua relação
com outra modalidade de intervenção, a civil, exercida pela esfera federal a pedido dos governadores ou
da facção situacionista, com apoio da constituição então vigente. Na época, foi a imprensa que agitou e
divulgou as notícias sobre as intervenções, o autoritarismo político e as fraudes. A “jagunçada” dos coronéis
ameaçava a segurança das eleições, segundo relatos da imprensa e documentos citados (SILVA, 1975,
p. 82-92). Aliás, na Bahia um dos coronéis do sertão ficou tão famoso pelos desmandos que foi imortalizado
como personagem de Jorge Amado, o famoso Horácio Matos que aparece em Gabriela, cravo e canela.
124
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

No governo de Bernardes registram-se intervenções nos estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do
Sul e São Paulo. O contexto do governo Bernardes foi bastante tenso, envolvendo movimentos contra
sua candidatura e episódios de cartas falsas (aliás, um recurso também utilzado para decretação do
Estado Novo, o chamado Plano Cohen) que o incompatibilizavam com o exército. O episódio dos “18
do Forte”, a Revolução de 1924 em São Paulo e a Grande Marcha aconteceram durante o governo
Bernardes. Nesse momento tem origem o Tenentismo, que marcou a vida política brasileira, não apenas
na época, mas também posteriormente, bastando citar os nomes de: Siqueira Campos, Juarez Távora,
Luiz Carlos Prestes, Eduardo Gomes, João Alberto, Nunes de Carvalho e Miguel Costa (CARVALHO, 1977).

No ambiente tenso dos enfrentamentos com as oligarquias, com o pretexto das condições vividas
pela população e como reação dos brios militares feridos é que tem origem o movimento que deságua
na Revolução de 1930. Tal período é tratado no documentário Revolução de 30 (1980), baseado em
Pátria redimida (1930).

A Grande Marcha, liderada por Luiz Carlos Prestes e integrada por parte dos militares tenentistas e
civis percorreu boa parte do território brasileiro com objetivos políticos (era mais um fator a desarticular
os dispositivos da oligarquia). Contudo não conseguiu adesão popular significativa: no interior do
Brasil, especialmente no Nordeste, persistiam os vínculos com o coronelismo, e contra a coluna foram
colocados os jagunços dos coronéis, as polícias estaduais, as tropas legalistas e até cangaceiros.

Do governo Bernardes, passando pelo de Washington Luiz até a Revolução, tivemos o período em
que se deu finalmente a desarticulação dos dispositivos de poder da república oligárquica. Todavia, não
desaparecera a oligarquia, ao contrário, membros das elites tradicionais foram incorporados ao governo
que se formava, o qual desde seu início apresentava um caráter de duplo jogo entre setores conservadores
e populares, uma articulação de compromissos. Basicamente, iniciava-se a fase da república populista
brasileira, apesar de o Estado Novo vir apenas a seguir.

Nas relações complexas entre oligarquia e exército se insere outro braço de poder do Estado, na sua
explícita função repressiva: a polícia (ou as polícias estaduais). Corporações com características distintas
durante a República Velha, a força policial exerceu funções a mando dos governadores, integrando
volantes na caça aos cangaceiros, garantindo com a força de armas a ocupação de terras, a despeito
dos posseiros; enfim, eram homens para o exercício da violência no âmbito de menor alcance, daí
sua importância para o nível mais alto da articulação oligárquica, o Executivo Federal. São Paulo, por
exemplo, contava com a Força Pública durante a invasão de tropas legalistas, comandadas pelo General
Isidoro em 1924.

Do ponto de vista cultural, político e social, os anos 1920 marcam mudanças significativas na
sociedade brasileira: a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, introduziu novos padrões nas artes.
A premência das questões sociais que envolviam os segmentos populares levou à organização política
da classe operária sob influência do anarquismo, mas essa organização foi abalada com a criação do
Partido Comunista em 1922 e a constituição de uma nova organização em um bloco operário. O bloco
participou das eleições em 1927, com propostas políticas de classe avançadas para a época, como a luta
contra o capitalismo, a anistia aos presos políticos, a luta contra leis de exceção etc. Segundo Carone
(1977), em 1928 o bloco conseguiu eleger representantes, mas que não foram empossados pelas juntas
125
Unidade II

de reconhecimento; era o mecanismo da “degola” dos opositores, muito utilizado pelas oligarquias no
nível municipal.

Na verdade, a classe operária em expansão não estava nas preocupações políticas da oligarquia, seu
interesse era apenas controlar as manifestações frequentes. Com relação a isso, a legislação trabalhista
de 1925 cerceava a constituição de sindicatos e imprimia a eles uma organização do interesse
governamental, enquanto as manifestações operárias eram tratadas como questão de polícia (daí a
perseguição aos sindicatos movida por Washington Luiz, os espancamentos e torturas).

Nessa época, o capitalismo industrial brasileiro tinha seu início, mas relegando à margem a força
de trabalho. Governo e industriais eram incapazes de sair do modelo autoritário e paternalístico
herdado das fazendas, e a classe operária pouco organizada e politicamente dividida terminou por
apoiar propostas de caráter liberal, como “voto secreto, alfabetização, justiça, liberdade de imprensa,
organização e melhoria de vida para os operários” (CARONE, 1977, p. 68).

Embora a urbanização e a industrialização no final da década tivessem mudado significativamente


a composição e configuração da formação social, não alteraram os valores e expectativas sociais,
permanecendo a dimensão conservadora, especialmente em relação ao papel da mulher. Contudo,
escandalizar a burguesia com o moderno na arte faz parte do jogo burguês, acessível à elite dos muito
ricos e famosos.

Nesse meio, a juventude irreverente da bela Pagu, como era conhecida Patrícia Rehder Galvão,
complementa o jogo dos amores divididos, das paixões e das atitudes rebeldes perante as convenções,
fornecendo assunto para conversas, admirada por uns e escandalizando outros. Sua militância política,
contudo, é perigosa e inaceitável: ela não se limitou à produção literária, indo para as portas de fábrica
e ingressando no Partido Comunista. A artista foi presa, mas solta, despertando desconfiança entre
camaradas do partido que a viam na pele da menina pequeno-burguesa, individualista e ligada a um
membro das classes dominantes.

Em 1935 a situação política brasileira encontrava-se polarizada entre o Partido Comunista Brasileiro
(PCB) e a Aliança Libertadora (AL), e no meio, as articulações de Vargas. Pagu, que já era conhecida
da polícia, foi novamente presa, enfrentando a face obscura e violenta dos anos do período Vargas e
do Estado Novo: tortura e espancamento são recursos da chamada nova política comandada do alto
e pessoalmente por Felinto Muller, ex-membro da Coluna Prestes (da qual foi expulso). Ele foi um
elemento chave na disseminação das práticas de tortura técnica e também foi fundamental para a
imposição da ordem pela Ditadura, tanto no Estado Novo quanto na Ditadura de 1964 (mas nessa época
era senador, cargo que ocupou até sua morte).

A outra face do autoritarismo Pagu conheceu no próprio partido, mas não perdeu a esperança utópica
que acalentara. A confiança em um mundo mais justo e humano sob o socialismo se desvaneceu ante
a realidade do stalinismo, na verdade uma Ditadura de partido, centrada na figura de Stálin. Contudo,
essa visão do sistema político soviético só veio à luz muito mais tarde (1956) e nas declarações de um
dos principais chefes, o Secretário Geral do Partido Comunista, Nikita Khrushchov.

126
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

O campo político brasileiro dos anos 1930 foi marcado pelo rearranjo dos dispositivos de poder da
república oligárquica pós-revolução. Nesse campo emergiam duas grandes tendências, ambas de origem
europeia e centradas na concepção de um Estado forte, militarizado e intervencionista: de um lado, a
proposta socialista, na versão stalinista do PCB, de outro, as versões que incorporavam o capitalismo,
mas de oposição ao liberalismo, sobretudo inglês: fascismo e nazismo. O New Deal dos anos 1930,
a sociedade de trabalho e consumo, que na verdade oculta a expansão do capitalismo monopolista,
confronta o socialismo, na versão burocrática do stalinismo. As duas tendências vão dividir o mundo
em duas metades, não pelas ideias, mas por interesses bem concretos do capital, influindo por longo
período no jogo de poder político internacional e nacional.

De peculiar ao campo político brasileiro, temos as concepções militares sobre a ação do Estado, sobre
o papel reservado aos militares na condução dos destinos do país e sobre a presença da Igreja Católica
(em oposição ferrenha às ideias socialistas, pelo seu conteúdo materialista). Outro fator significativo no
jogo político que então se instalou era a presença significativa de contingentes de imigrantes europeus,
notadamente alemães e italianos, para os quais as duas tendências, nazismo e fascismo, sinalizavam a
esperança de recuperação econômica dos respectivos países.

O integralismo surgiu desse conjunto de tendências, apresentando-se como um movimento de


caráter político inovador, tipicamente brasileiro, nacionalista extremado e radicalmente católico. A
crítica moralista à burguesia, presente no corpo doutrinário, fundamentava o pensamento conservador
da ordem social e das instituições burguesas, explicitado nas três palavras de ordem integralistas: Deus,
pátria e família.

A ênfase no conceito de pátria, em substituição aos de estado, nação ou país, ressaltava o vínculo
emocional com a territorialidade, ou seja, o movimento não tinha preocupações universalistas nem
expansionistas (presentes no socialismo e no nazismo). Por seu turno, essa versão atraía os militares,
à época, igualmente voltados para a pátria, e não para governos, Constituição ou Estado; contudo, o
integralismo pregava um Estado total, no sentido da defesa dos interesses e da segurança do país, e não
de grupos particulares.

O integralismo fornecia ainda elementos para identidade pública dos que viviam no anonimato das
cidades: fardas verdes, bandeiras, hinos, distintivos, marchas, saudações, tudo isso formava um conjunto
de traços identificadores, enquanto o grito de “Anauê!” atribuía certo heroísmo ao integralista, afinal
era um grito indígena, do guerreiro se apresentando para a luta. Essas facetas do movimento, copiadas
do fascismo e nazismo, sensibilizavam os militares, atraíam a classe média e os trabalhadores, além de
diferenciar, enaltecendo, os membros da elite intelectual filiados ao movimento.

O socialismo, ao contrário, na versão do PCB stalinista, desacreditava a ordem burguesa, a família, o


Estado e a religião. As bandeiras e os símbolos (a foice, o martelo e a estrela vermelha) em nada estavam
associados ao Brasil, à pátria, eram universais, assim como o hino era igualmente universal. A prioridade
nas palavras de ordem não residia na família ou no indivíduo, mas na sociedade e no Estado; o discurso
se concentrava na crítica e na exposição das mazelas da ordem burguesa e das crenças alimentadas
como verdades inquestionáveis. A própria noção de disciplina e hierarquia, tão importante para os
militares, era também alvo de crítica, sendo substituída pela disciplina partidária.
127
Unidade II

Para as elites, divididas pelo convívio com militares, imposto na fase pós-Revolução de 1930, e pelos
interesses econômicos de aproximação com o capitalismo internacional, as duas tendências ofereciam
riscos, mas o integralismo se apresentava mais vantajoso, uma vez que não propunha mudança alguma
no sistema de produção e nas regras vigentes sobre a posse da terra. O socialismo, ao contrário,
era um risco a ser evitado de qualquer forma, e não somente pelas transformações propostas, mas
também porque significaria o afastamento de possíveis sócios internacionais nos novos negócios, cujas
oportunidades em parte já se apresentavam em um mundo que se preparava para a Segunda Guerra
Mundial. O controle do Estado, nesse momento político, era de fundamental importância, tanto para as
elites alijadas pela Revolução de 1930 quanto para os militares que enfrentavam a oposição das elites
e as manifestações populares.

As mudanças instituídas por Getúlio, em síntese, deram-se no âmbito institucional e incorporaram


propostas integralistas especialmente na organização sindical, colocando-a sob controle do Estado, além
de ampliar o papel assumido pelo Estado na economia. Estabeleceu-se um sistema de vigilância sobre a
produção intelectual e a imprensa, controlando a oposição (Departamento de Imprensa e Propaganda,
que ficou conhecido como DIP), mas também ampliou espaço para a produção cultural, desde que
voltada para a cultura brasileira. Foram suprimidos canais de representação político-partidária e
político-ideológica, instituindo-se uma polícia política paralela, atuando em todos os níveis da vida
cultural (origem do conhecido Departamento de Ordem Política e Social, o Dops). Seu discurso político
mantinha a referência aos trabalhadores do Brasil, instituindo o personalismo político na versão
populista, ou seja, o vínculo entre político e base é feito por meio da mídia (no caso, pelo rádio, por meio
de grandes discursos com conteúdo era paternalista).

Nomes importantes do integralismo permaneceram no panorama político e cultural do país durante


o período Vargas e serviram também à Ditadura como Gustavo Corção, Tristão de Athaíde, Miguel Reale,
Francisco Campos, Gustavo Capanema, Walter Salles e Dom Helder Câmara.

Não estranha essa persistência, visto que nas novas condições que se instalam com o Estado
Novo são preservadas as instituições fundamentais à ordem burguesa e os valores e as crenças a ela
relacionados. Com relação a isso, podemos citar a religião católica (Deus), prioridades nacionais para o
desenvolvimento e o estímulo do nacionalismo (Pátria), além da manutenção de uma legislação que
colocava a mulher como dependente do marido (inclusive para firmar um contrato de trabalho, além de
outra legislação específica sobre bens, direitos do marido etc.), preservando-se a concepção da mulher
como esposa e mãe e do lar (Família) como núcleo da sociedade e do Estado (atribuindo à mulher a
responsabilidade pela educação dos filhos).

Evidentemente muitos membros das oligarquias participaram do Estado Novo adotando a tática do
adesismo político, uma das facetas do pragmatismo político ou da dita ética da política, mal traduzida
no princípio: “se você não pode com o inimigo, junte-se a ele”. Evidentemente essas táticas se colocam
para aqueles que contavam com alguma presença nos círculos de poder, não sendo destinadas aos
grandes contingentes da população, ou para os que representavam o chamado poder constituinte,
em nome de quem são instaladas todas as novas ordens ou Nova Política, como se autodenominou a
política do Estado Novo.

128
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Enfim, o Estado Novo era um modelo autoritário de centralização político-administrativa


que combinou elementos do Estado moderno, no que respeita aos serviços públicos e legislação
social trabalhista, mas com a privação de liberdades políticas e da estrutura partidária. Esse Estado
intervencionista, condutor da política econômica, centralizado e autoritário, correspondeu a uma
coalisão de interesses e acomodações entre setores industriais, burocracia técnica estatal e militares. As
elites oligárquicas ficaram na posição de sócio menor dos novos arranjos, e nisso constituiu sua perda
de poder.

Dois contingentes sociais se sobressaem no cenário político brasileiro dos anos 1930 e 1940, e ambos
vão mudar a política brasileira, mas de formas distintas: a população, sobretudo urbana, passa a pressionar
os centros de poder e se constitui em sujeito coletivo presente na sociedade civil em organizações
coletivas, sindicatos e partidos (embora esse poder constituinte tenha sido desbancado com a Polaca, a
Carta de 1937). Esse povo, então representado na Constituinte desbancada, era uma população urbana,
medianamente informada sobre eleições, partidos e política, católica majoritariamente e favorável a
governos fortes, que garantiriam “a ordem e os bons costumes. A essa população, que constitui parcela
significativa do que se reconhece vulgarmente como ‘povo brasileiro’, Foucault utiliza a palavra plebe
para designar “aquele alvo constante e constantemente mudo dos dispositivos de poder” (FOUCAULT,
2003, p. 244), mas ele mesmo considera o termo inadequado. Em português, essa palavra adquire
sentidos preconceituosos, que a tornam inaceitável.

O outro grupo que emerge é constituído pelos militares, os quais intervêm manu militari na vida
social e política do país, explorando as contradições da oligarquia e contribuindo decididamente para
sua desagregação. Todavia não se afastam do poder civil, como seria de se esperar: findo o processo
revolucionário, permanecem na arena política, como indivíduos ou em grupos que participam de
acordos e coalisões e, em face do risco de guerra, aproximam-se daqueles favoráveis à industrialização
e às políticas voltadas para mercado interno (portanto favoráveis à expansão do capitalismo industrial).
Outro papel significativo desempenhado pelos militares residiu na base de suporte ao governante, o que
facilitou a decretação do estado de exceção em 1937.

De modo particular, a atuação da indústria cultural intervém na constituição dos novos dispositivos
de poder nos anos 1930 e 1940 e seu alcance não se limita à população alfabetizada, habituada à
leitura de jornais: pelo rádio, seu alcance é ampliado, estabelecendo um vínculo direto e imaginário
entre governante e povo. As viagens pelo país apresentando propostas políticas ao eleitor, estilo a que
Nilo Peçanha dera início em sua candidatura contra Bernardes, são mantidas, porém o comício, antes
um acontecimento nas pequenas cidades, perdeu seu brilho e interesse: é mais confortável ouvir pelo
rádio o presidente em seus discursos sistemáticos, ou ainda vê-lo nas telas de cinema, nos jornais que
antecedem o filme. Tais são as bases do populismo que estavam sendo construídas e que permaneceriam
na política brasileira nas décadas seguintes.

O período de 1930 a 1945 ficou conhecido como a era do rádio: trata-se de um momento importante
na história da música popular brasileira, que chegava ao público na voz de cantores, ídolos populares
e mesmo comediantes. O cinema nacional também encontrou apoio nessa época, e o próprio carnaval
passou a ter ajuda oficial, assim como jornais de ampla circulação (desde que não fizessem críticas ao
governo). O discurso da música brasileira popular do período passa a valorizar (com ironia) o mundo
129
Unidade II

do trabalho em lugar da malandragem, mas isso por orientação do DIP (que era um órgão de censura).
A música erudita, na visão de Villa Lobos, valorizou o nacionalismo extremado da ditadura Vargas,
divulgando essa visão na obrigatoriedade do canto orfeônico para crianças de todo o Brasil.

A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial (1943-1945) foi resultado de um longo período
de negociações sob pressão com os Estados Unidos, mas no Brasil já se fazia sentir a resistência ao
Estado Novo e a pressão pela democratização. Em 1946, Getúlio Vargas foi deposto, retornando
ao poder por eleição direta em 1950, após uma campanha que ficou registrada no populismo nacional
por queremismo (alusão ao “queremos Getúlio”).

Sob o governo Dutra (Marechal Eurico Gaspar Dutra), foi promulogada a Constituição de 1946,
bastante avançada. Todavia, as organizações partidárias de caráter ideológico de esquerda foram
proibidas e os deputados comunistas perderam seus mandatos uma vez que o PCB era uma organização
estrangeira, não podendo participar diretamente da vida política nacional). O argumento de flagrante
formalismo jurídico serviu aos interesses das forças políticas dominantes. Foi preservada uma dada
ordem, mantidos intocados os direitos cujo gozo seria mais tarde obstáculo à livre expansão das forças
de mercado, como os relacionados à propriedade e exploração da terra. A lei adquiriu na democracia à
brasileira uma dupla versão, sintetizada nas frases atribuída a Getúlio Vargas: “A lei? Ora, a lei...” e “Para
os inimigos, a lei”.

Na verdade, a bibliografia de Ciências Sociais tem examinado de longa data o ideário das elites brasileiras,
bem como a aplicação peculiar que dele é feita na prática política. Tradicionalmente, uma forma de
analisá-lo tem sido o exame da legislação e dos projetos em curso no Legislativo, bem como a composição
social desse poder, contudo, para o período que se estende dos anos 1945 a 1962, um pequeno livro, cujo
título é uma indagação, Quem faz as leis no Brasil?, de Osny Duarte Pereira, publicado pela Coleção Cadernos
do Povo, sintetiza as tendências em curso na época, mostrando que a presença de grupos de pressão de
origem empresarial, e fundamentalmente americanos, na condução da atividade de legiferação no Brasil,
resultou em certo comprometimento dos interesses nacionais, e especialmente daqueles populares, que
então ficavam à mercê de legisladores vinculados a tais grupos. Osny Duarte foi enquadrado na Lei de
Segurança Nacional em 1964, havendo, por consequência, a cassação de seus direitos políticos. Ele foi o
número 21 da Lista de Cassações publicada pelo Comando Supremo da Revolução com base no AI-1, de
9 de abril de 1964.

Se as organizações partidárias de caráter ideológico de esquerda eram proibidas, a mesma coisa não
se dava com as Comissões Mistas Brasil Estados Unidos, abrigadas na burocracia do Estado, as quais,
apoiadas em princípios técnicos, definiam as prioridades da política econômica brasileira, os rumos a
serem seguidos pelos governos (dóceis à pressão do capital e ao alinhamento com o bloco aliado). Em
parte, esse processo de controle ideológico explica a presença dos militares na política brasileira do
período, cada vez mais intervencionista, e dos golpes nos anos finais do período até a concretização
do Golpe de 1964 (e a Ditadura Militar que se seguiu).

Os 18 anos antes do Golpe podem ser divididos em dois períodos: o da deposição de Vargas, em 1945,
à posse de JK (Juscelino Kubitschek) em 1955, e o que vai do período JK ao Golpe de 1964. Enquanto
nos primeiros dez anos a formação do capitalismo industrial brasileiro avança, especialmente no Sudeste,
130
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

provocando mudanças significativas na composição da formação social, nos nove anos seguintes discutem-
se as mudanças e as contradições por elas geradas.

O capitalismo industrial do sudeste, especialmente em São Paulo, configurava-se como um núcleo


moderno e avançado em um país de miséria e atraso. As políticas econômicas de modernização
adotadas não contemplaram a questão da terra, ao contrário, a propriedade da terra e sua exploração
produtiva permaneciam assuntos delicados, tratados com respeito cauteloso no plano político,
embora examinado no nível das comissões técnicas e dos órgãos públicos criados com finalidade
específica de equacionar e resolver problemas gerados (mas que pouco fizeram). Tal foi a finalidade
do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), do DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra a Seca,
criado no Império) e de outros similares.

As questões relacionadas à propriedade e à exploração da terra afetavam interesses da oligarquia,


cuja capacidade de sobrevivência nos círculos de poder assegurou-lhe um lugar de suporte conservador
às políticas de Vargas e governos subsequentes. Nesse sentido, a implementação de políticas agrárias,
ainda que reformistas, só encontrarão espaço quando envolvidas nos acordos com setores das elites
políticas que controlavam o Estado, o que significa dizer: quando envolvidas nos acordos de cúpula
sobre a chamada modernização capitalista do campo, que só vai se instalar após o Golpe de 1964.

As tendências políticas que se formam na primeira década do período são esposadas por segmentos
sociais em sua maior parte emergentes da urbanização, da industrialização, da expansão do setor de
serviços, da burocracia estatal e das universidades. São, portanto, segmentos vinculados às chamadas
classes médias, que se articulam com a classe operária cuja história de mobilização sindical e de
participação política vinha de longa data. O segmento do trabalhador rural, do campesinato como
apontam alguns, não se apresentava significativo no conjunto das manifestações políticas que se
produziam nos centros urbanos e industriais, embora houvesse mobilização e participação nas regiões
de origem.

Contudo, esses contingentes, nos anos 1960, ao se situarem como sujeitos em movimentos
reivindicantes no campo político, são obstados e, posteriormente, silenciados pelo Golpe. Mais uma vez
o povo era afastado da política, e mais uma vez a manu militari. O elemento inovador nesse momento
é reservado aos setores das elites nacionais, industriais e agrárias e aos representantes dos interesses do
capital internacional que estimularam e financiaram o Golpe.

Pode-se dizer com algum grau de confiança que a década de 1950 presenciou o surgimento de uma
cultura jovem que serviu de modelo aos jovens brasileiros. Nos Estados Unidos, os jovens, portadores
da cultura que nascia eram os baby boomers do pós-guerra que surgiram vestindo jaquetas de Marlon
Brando, com os requebrados de Elvis Presley e manifestando o inconformismo de James Dean. A década
de 1960 nos Estados Unidos levou-os para a guerra no Vietnã, para os movimentos por direitos civís
para os negros, para o confronto e a oposição à ordem, em distintos graus de radicalização. Nos anos
1950 e 1960, abriu-se espaço para o rock, as variações de blues e jazz, a contracultura e, finalmente,
o movimento hippie, facetas de um mesmo movimento maior, a formação ampliada da sociedade de
consumo. A vivência dessa cultura jovem, como modo de ser, implicava o exercício de uma sexualidade
liberada pelos contraceptivos e pela discussão das relações de gênero.
131
Unidade II

No Brasil, essas tendências chegaram logo e, pelos meios de comunicação, rapidamente


contagiaram a sociedade urbana em expansão. Nos centros de grande porte, eram adotadas pelos
jovens, combinadas à bossa nova que surgira no final dos anos 1950. Aqui, porém, outros discursos
de verdade ocupavam os corações e mentes, consubstanciados na análise sociológica da realidade
brasileira e nas distintas vertentes de análise política dessa mesma realidade, as quais conduziam para
práticas de mudança.

Carlos Guilherme Mota (1977), ao delinear uma historiografia do pensamento brasileiro, situa cinco
períodos significativos caracterizados pelo aparecimento de obras importantes (embora algumas tenham
ficado em relativo esquecimento). O primeiro deles está relacionado ao Redescobrimento do Brasil
(1933-1937), caracterizado pela crítica às tendências anteriores de explicação da cultura e da sociedade
brasileiras, embora produções decorrentes da Semana de Arte Moderna e do Partido Comunista já
houvessem arranhado, como diz Mota (1977), as convicções anteriores.

No segundo período, Primeiros Frutos da Universidade (1948-1951), multiplicam-se as teses em


várias áreas de conhecimento, direta ou indiretamente voltadas para a interpretação da sociedade
brasileira e de sua vida política. Em paralelo, ampliava-se a participação do segmento de capital externo
na economia com a expansão das multinacionais, e os meios de comunicação fortaleciam a formação
da sociedade de consumo. O clima de otimismo que acompanhou a criação de Brasília fortaleceu o
populismo, e a classe média urbana, ambiente em que se constituiu esse jovem como categoria social
peculiar no consumo de produtos e serviços. Gradativamente, a opinião pública foi se dividindo em
torno das diretrizes adotadas para o desenvolvimento econômico; embora todos considerassem válida
essa meta, opiniões divergiam quanto às tendências de concepção desse desenvolvimento e de suas
consequências. Instalou-se, e não se pode precisar exatamente quando, uma divisão de tendências
político-ideológicas nas elites, divisão com reflexos na opinião pública, no meio sindical, nas opiniões e
nos posicionamentos dos estudantes universitários e secundaristas.

Desse modo, nos três últimos momentos apontados por Mota, obras de interpretação e análise da
realidade brasileira neles desenvolvidas fundamentaram os discursos de verdade dos jovens, segmento
que aparecia e se consolidava participante do cenário político e universitário brasileiro, em trajetórias
políticas distintas. Contudo, ao emergir em seu papel político, esse jovem será apontado como estudante
universitário, sutileza de linguagem que oculta a participação dos secundaristas, mas que, colocada
pela grande imprensa, associava esses novos estudantes aos outros grupos de jovens idealistas que
participaram da política, entre eles o grupo MMDC, da Revolução de 1932, em São Paulo.

Mota (1977, p. 38) considera o período de ampliação e revisão reformista (1957-1964), o terceiro por
ele apontado, como de “formação de tendências do pensamento histórico, político e cultural no Brasil”,
enquanto o conjunto de revisões radicais (1964-1969), quarto momento apontado, caracteriza-se
pela revisão dos dualismos, do tipo desenvolvimento e subdesenvolvimento, sendo o foco de estudo
dirigido para o processo de dependência (econômica, cultural e intelectual). O último momento indicado,
referente aos impasses da dependência (1969-1974), instala-se em meio ao regime repressivo.

Enfim, dos anos 1950 em diante, os modelos que até então orientavam as práticas dos jovens
estavam sob análise crítica: não bastava pensar o futuro como extensão do presente (e esse, do passado).
132
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

O presente era visto como transição, primeiro passo para o futuro; participar da mudança das condições
sociais existentes parecia ser condição fundamental para viver o presente.

Nesse ponto, no início dos anos 1960, os jovens descobriram a dimensão política em suas vidas, um
projeto de futuro que ultrapassava os limites da individualidade e, exatamente por isso, ampliava essa
mesma individualidade porque a vinculava à história. Os jovens descobriam a realidade brasileira cindida
em dois Brasis e, na mais pobre das partes, o povo trabalhador, injustiçado e produtor de uma cultura
ocultada, desvalorizada pelas elites, desenvolvia uma cultura popular. Contudo, esse Brasil pobre não
estava longe, sendo, por exemplo, trazido para perto da classe média pelo cinema, ao filmar as favelas,
ao ser discutido no teatro ou explicado em letras de música.

De certo modo, os jovens resgatavam posturas que marcaram a história da formação social e do
pensamento brasileiro nos anos 1920 e 1930 e se aproximavam do povo com um discurso mediatizado,
de conscientização do outro. Esse discurso pressupunha como sujeito das práticas o outro (o povo),
sujeito que seria incapaz de conduzir ele próprio sua trajetória de libertação sem a aliança com outros
setores sociais, especialmente com os chamados intelectuais, que, mesmo que voltados para o povo,
pertenciam de fato às elites e à classe média.

O debate em torno da cultura popular se apresentava nesse campo como elemento de fundamental
importância política. Em que pesem as divergências internas, a União Nacional dos Estudantes (UNE)
desenvolveu, pelo Centro Popular de Cultura (CPC), programas de elaboração, estímulo e produção
cultural que renovaram a cultura brasileira, correspodendo a:

[...] uma forma legítima de trabalho revolucionário na medida em que tem


por objetivo acelerar a velocidade com que se transformam os suportes
materiais da sociedade [...] não se trata, pois, de revolucionar a cultura
existente, eliminando-a e substituindo-a por uma outra qualitativamente
nova (MARTINS, 1962, p. 4-5).

É importante acentuar que eram jovens, em torno dos 20 anos, os que esposaram, contribuíram para
a produção do pensamento e da prática em várias áreas. Nesse sentido, a juventude brasileira dos anos
1950 e 1960 (ou, pelo menos, a dos grandes centros urbanos) rompeu com os papéis que lhe reservavam
os dispositivos de poder, abrindo espaços.

Na verdade, o ambiente pré-golpe de 1964 se formara bem antes, com os extremados discursos da
direita. Pense no movimento de senhoras provectas de terço na mão, defendendo Deus, a família e a
liberdade, nas famosas Marchas com Deus, e nos jovens do movimento Tradição, Família e Propriedade,
que circulavam com bandeiras e flâmulas pelas ruas de São Paulo, como falsos templários, alertando
passantes sobre o perigo do caos que se aproximava com as reformas desejadas pela maioria da população.
O dia 13 de março chegou e o comício da Cinelândia marcou o fim do regime democrático: a direita não
suportaria mais tanta provocação, e, na noite de 31 de março para 1º de abril, foi desencadeado o Golpe.

O Golpe Militar e o regime crescentemente repressivo que se instalou no Brasil a partir de 1964
induziram mudanças na constituição e expressão ideológica do segmento jovem da formação social.
133
Unidade II

A política econômica excludente instalada promoveu a ascensão econômica para a classe média, com
acesso ao consumo, mas desde o início se instalou a repressão política. Essa combinação de fatores se
refletiu diretamente nas trajetórias assumidas pelos jovens na formação social, especialmente no que
diz respeito às perspectivas ideológicas adotadas e às práticas delas decorrentes.

Os jovens que na década de 1960 se dedicaram a essa dimensão, a construir da formação social,
produziram filmes no cinema novo, foram poetas, escritores, cientistas, artistas, músicos, compositores
e intelectuais. O cinema os resgatou como um passado de todos nós, como parte de uma história de
quatro décadas atrás, que foi deliberadamente mal contada para as gerações que hoje estão nas plateias,
salas de aula e postos do governo.

Enquanto os chamados estudantes universitários prosseguiam durante alguns anos em sua luta
política, sofrendo as consequências nas prisões e nas ruas, outro segmento vai se formando na mídia
e nas certidões de idade: jovens são então os mais jovens, aqueles alimentados por outros discursos de
verdade, das aulas de Moral e Cívica e de Estudos de Problemas Brasileiros. Na verdade, eles integram
a guarda jovem da Ditadura, crentes no milagre brasileiro, e suas preocupações se resumem a carrões,
calhambeques, amor o Brasil e a mandar tudo para o inferno.

Considerando-se que entre um segmento e outro, em média, havia quatro anos de diferença, os
iniciantes nas universidades aos 18 anos em 1960, nesse momento, completavam seus 22 anos e
possivelmente entendiam (e cantavam) Carcará, música do show Opinião, enquanto os novos iniciantes
na universidade, então com seus 18 anos, cantavam e apludiam Quero que vá tudo para o inferno.

O discurso da música popular foi sublinhando as diferenças políticas e ideológicas internas ao segmento
jovem na formação social, que chegou à radicalização. Enquanto os festivais ofereciam oportunidade
para a catarse das vaias, dos aplausos, em simulacro de manifestação política, os programas de auditório
na TV ofereciam o palco para que tais manifestações se dessem de forma mais contida ou pelo menos
controlada, embora logo os bacalhaus voassem para a plateia ao som da buzina do Chacrinha e de seus
chamamentos (“Alô, Terezinha!”). Assim, a indústria cultural conseguia fazer da política um produto
vendável, a censura acrescentou um diferencial ao produto, e a “pilantragem” “passou açúcar” nesse
pastiche musical de dizeres, mas de grandes sucessos de vendagem. Enfim, “por que não?”, cantava
Caetano (1967) em Alegria, alegria em 1967, ao que Gal Costa respondia, na composição do mesmo
Caetano: “Tudo é divino, maravilhoso” (VELOSO, GIL, TELES, 1968), em 1968.

O movimento tropicalista, iniciado por Caetano e por outros, caracterizava-se pela combinação de
rock e música brasileira, inserindo a música nacional em um circuito pop (massificada) sem perder a
marca de origem. Era uma alternativa mais intelectualizada e madura em relação à Jovem Guarda, ao
mesmo tempo que descartava o samba tradicional ou o submetia a outra versão, a pop, com guitarras
e encenação para a plateia.

O processo de constituição do segmento jovem da formação social, em sua diversificação, foi flagrado
pelo cinema em documentários e na ficção a posteriori, aparecendo em representificações quando se
submete filmes a uma seriação, levando em conta a historicidade interna, nela focalizando as trajetórias
das personagens. A militância por reformas ou pela revolução significou, para sucessivos contingentes
134
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

de jovens brasileiros, um processo de elaboração política que não se limitava ao presente vivido, mas à
instauração de um futuro, conforme nos diz Foucault (2001).

É interessante observar, quando jovens de hoje se referem ao período, como as palavras ainda são
atropeladas. Eles Chamam guerrilheiro de terrorista, reforma de revolução, socialismo de comunismo,
revolução de guerra e insistem em denominar o que foi um golpe, seguido de ditadura, de revolução.
Quanto aos problemas sociais e econômicos que motivaram a trajetória da militância política dos
universitários, eles continuam presentes e são discutidos, integrando as políticas públicas e pautas de
governo, contudo, são mais amplos e profundos do que eram, quando prenunciados, há mais de 40 anos.

Saiba mais

É importante notar que essa modalidade de participação não foi


inaugurada nos anos 1960, jovens lutaram contra o Estado Novo a favor
de liberdades democráticas, incluindo a sindical, e se posicionaram no
movimento da“legalidade”, a favor do presidencialismo. Enfim, a política
era uma instância considerada e vivida pelos jovens, de forma que não
vivê‑la, não participar dela, era considerado muito estranho, uma forma de
alienação. Isso aliás, pode ser visto nos filmes indicados a seguir.

A DONA da história. Direção: Daniel Filho. Brasil: Lereby Productions,


2004. 84 minutos.

AS MENINAS. Direção: Emiliano Ribeiro. Brasil: Ipê Artes


Cinematográficas, 1995. 92 minutos.

ETERNAMENTE Pagu. Direção: Norma Bengel. Brasil: Flai Cinematográfica,


1987. 110 minutos.

O MAIOR amor do mundo. Direção: Cacá Diegues. Brasil: Globo Filmes,


2006. 106 minutos.

A vivência da política é a faceta do cotidiano que Baudrillard (1985) considera em desaparecimento


ao discutir as maiorias silenciosas, tendo-as como os grandes contingentes sociais das democracias
contemporâneas para os quais a instância política se explicita e se expõe nos meios de comunicação,
especialmente pela TV. Nessas democracias, o vínculo entre contingentes sociais e a instância política
perdeu especificidade e envolvimento.

Para o autor, na medida em que o campo político passou a ser um espelho do social e do econômico,
a instância política perdeu em expressão de posições e participação. As categorias com as quais se
representava o político, como o povo, os cidadãos, a vontade do povo, a classe e o proletariado perderam
o poder de representação na sociedade contemporânea, passando a ser construídas na relação com a
135
Unidade II

instância econômica e social. Consequentemente, instalou-se um vazio de proposições, de participação,


e o voto se tornou uma escolha assemelhada à do consumidor entre dois produtos similares, dos quais
a publicidade construiu especificações e diferenciais.

O comportamento dessas maiorias silenciosas, segundo Baudrillard (1985), é o comportamento de


consumidor, cuja manifestação é silenciosa, mas demonstrada no volume de compras, ou melhor, no
número de votos. Nessa acepção, o conceito se aplica aos grandes contingentes urbanos, do eleitorado
sem vínculo partidário, mas que integram, na acepção de eleitores, as instâncias institucionais
representativas do Estado. Mas como o fazem, e em qual direção, são enigmas para os partidos.

Essas maiorias não se posicionam politicamente porque não se mobilizam na instância política, mas
na econômica, no consumo, por isso, “não sendo sujeitos, não podem ser alienadas” (BAUDRILLARD,
1985, p. 23). Partidos e candidatos se empenham em pesquisas de opinião, de tendências e preferências;
até o último minuto, as pesquisas de boca de urna resgatam preferências, efeitos dessa ou daquela
postura do candidato, exposição pública e assim por diante. No Brasil, os mecanismos de formação
dessa modalidade de maioria estavam em curso porque são associados à formação da sociedade de
consumo e à presença consistente dos meios de comunicação.

Com as características descritas, o contingente social que mais se aproxima da descrição de


Baudrillard seria o formado pelas classes médias em expansão nas metrópoles a partir dos anos 1950.
Mas por que usar o termo no plural? Na verdade, para evitar que se considere a classe média um
bloco unificado de assalariados, o que realmente ela não é. Em seu bojo encontram-se aposentados,
trabalhadores assalariados nos setores de serviços, administração e outros, indivíduos intelectualizados
e analfabetos, enfim, uma grande diversidade. Essa falta de unidade interna levou Décio Saez a afirmar:
“Diferentemente do proletariado comercial ou dos transportes, a classe média é uma criação perversa
do capitalismo, pois tende a funcionar como amortecedor da luta anticapitalista, instalado no seio das
próprias classes trabalhadoras” (SAEZ, 1983, p. 452).

A busca intensa pela riqueza e pela mobilidade social são preocupações que percorrem os estratos
médios, respondendo, em parte, pelos vínculos que procuram estabelecer com o capital internacional
e com tudo que ele representa. Filmes nacionais que focalizam a classe média expõem a preocupação
existente com as relações familiares, o casamento e a mobilidade social. Os depoimentos coletados em
1966 de jovens, professores, mulheres e universitários de Copacabana, por Arnaldo Jabor (A opinião
Pública, 1967), confirmam essas preocupações, com ênfase na ascensão social.

Embora a escalada social fosse uma das preocupações dos jovens da classe média entrevistados,
aproveitar a vida era um propósito firmemente instalado, “porque ninguém sabe o que pode acontecer,
a vida é curta”. O destino encarregar-se-ia do futuro, segundo eles, enquanto um senhor, militar
aposentado, reafirmava a necessidade de cuidar do caráter e servir a pátria. Quanto à convocação
militar, esses jovens a consideravam uma fase, um ritual de passagem, do adolescente para o adulto,
uma oportunidade de aprender, de encontrar um caminho. Sintetizando as tendências encontradas
entre esses jovens, percebe-se uma juventude que vive um presente favorável, e tem uma perspectiva
futura confortável.

136
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Entre universitários, o presente se colocava mais complexo, mas, de qualquer modo, eles confiavam
no estudo para ter uma carreira, subir na vida; reconheciam que, para atingir a felicidade, havia
muito o que fazer, mas seria difícil individualmente e não viam condições para atuação coletiva.
O bom comportamento dos jovens é sublinhado pela música jovem guarda de Jerry Adriani e Wanderley
Cardoso. Esse perfil não corresponde às preocupações dos jovens contemporâneos, que são muito mais
tensos, menos confiantes, mais agressivos na busca por um futuro profissional e pelo sucesso.

Nos anos 1980, o discurso paralelo da música popular não era mais com samba, mas com rock.
Eram muitas as bandas: Barão Vermelho, Titãs, Legião Urbana, Ratos do Porão, Língua de Trapo e muitas
outras. Os recados alucinavam a plateia em shows e eventos: “Inútil, a gente somos inútil!” (MOREIRA,
1983), cantava o Ultraje em 1983. Contudo, o desabafo do Legião Urbana, na letra “Geração Coca-Cola”
(RUSSO, 1985), descrevia a juventude da época.

Quando nascemos fomos programados


A receber o que vocês nos empurraram
Com os enlatados dos USA, de 9 às 6
Desde pequenos nós comemos lixo
Comercial e industrial
Mas agora chegou nossa vez
Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês

Somos os filhos da revolução


Somos burgueses sem religião
Nós somos o futuro da nação
Geração Coca-cola

Depois de vinte anos na escola


Não é difícil aprender
Todas as manhas do seu jogo sujo
Não é assim que tem que ser?
Vamos fazer nosso dever de casa
E aí então vocês vão ver
Suas crianças derrubando reis
Fazer comédia no cinema com as suas leis

Fonte: Russo (1985).

As letras vinham ao encontro de certa indignação dos jovens e faziam sucesso. Não era um discurso
de verdades, mas um desabafo agressivo em muitos decibéis, outra catarse poética. Aliás, o mesmo
Legião já perguntara: “Que país é esse? Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado...” (1987). Essa
modalidade de discurso moralista continuou e foi ampliada por Cazuza com Ideologia (CAZUZA; FREJAT,
1988) e Brasil (CAZUZA; ISRAEL; ROMERO, 1988) e com a banda Paralamas do Sucesso cantando sobre
os “picaretas” do Congresso (VIANNA, 1995).

137
Unidade II

Nos últimos anos, a juventude mudou significativamente: universitários são participantes de ONGs,
de comunidades, estudam e trabalham. Poucos podem ser simplesmente estudantes universitários,
e esses estão nas universidades públicas, porque estudaram em escolas particulares, boas e pagas.
As universidades públicas ainda limitam as vagas, mantêm lugares não preenchidos, e, assim, o
elitismo continua.

Os universitários de hoje, em sua maioria, acumulam fases da vida na mesma temporalidade: são
jovens, trabalham em empregos de responsabilidade, são pais e e estudam. Sobra-lhes um tempo
roubado a alguma das fases, e nesse tempo fazem trabalhos, dedicam-se às atividades extracurriculares.
Ao que se percebe, vivem a universidade como um “por enquanto”, com os olhos no futuro, na
mobilidade social, na construção de uma individualidade, em uma construção de si como sujeitos,
ainda que não se apercebam disso.

O mercado é a força externa a conduzir esse processo, desde a opção profissional às escolhas que
fazem dentro da universidade, mesmo porque sabem que são muitos e que o mercado é seletivo. São,
enfim, pragmáticos e sabem que o horizonte de inserção no mercado vai dos 22 aos 35 anos, com sorte.
Há pouco tempo para tudo que devem fazer, e essa urgência os contamina. Poucos, muito poucos, têm
preocupação com a política, com um “mais além” para a sociedade, apesar de se inquietarem com o
meio ambiente, com a natureza, com o efeito estufa.

A trajetória do segmento jovem da formação social brasileira aponta para uma suspeita de Foucault
enunciada há mais de duas décadas: o desaparecimento de uma moral baseada em códigos de regras
“corresponde, deve corresponder [a] uma busca, que é aquela de uma estética da existência” (FOUCAULT,
2004, p. 290). Na construção cinematográfica de jovens, resgatada de filmes nacionais, o foco mais
recente incide sobre dois extremos da formação social: aqueles que têm um “lugar ao sol” na
sociedade, o que significa uma inserção produtiva na ordem, e aqueles que foram relegados à
sombra e às sobras na democracia à brasileira. Todavia, entre um segmento e outro instala-se a
maioria dos jovens universitários de hoje, exatamente aqueles que, na falta de modelos que não
lhes servem, estão construindo uma estética de existência cujos contornos ainda estão sendo
elaborados por individualidades em formação.

Por seu turno, a classe média mantém a preocupação com a mobilidade, mas, sobretudo, com o
status adquirido a partir do consumo. Entre A opinião pública (1967) e as trajetórias apresentadas no
documentário Edifício Master (2002) se passaram mais de 30 anos, nos quais a classe média se viu
pressionada, empobrecida, como antevia uma personagem do já citado filme de 1966 ao expressar que
os trabalhadores assalariados é que estariam absorvendo as maiores dificuldades.

O futuro confortável não se concretizou, e para a classe média, consumidora e telespectadora,


sobraram as acomodações medíocres dos apartamentos quarto e sala, decorados com eletrodomésticos
e colchas coloridas. Também restou a saudade, mas de outro tempo, anterior aos anos 1960. Todavia,
movimentos como a Campanha das Diretas, o movimento pelo impedimento do presidente Collor e
outros menos abrangentes, mas significativos apontam em outro sentido e modelo, aquele das minorias
ativas, a ser tratado a seguir.

138
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Examinando os filmes nacionais ambientados no Brasil dos anos 1945 em diante, é possível
identificar alguns temas reiterados, uns em dramas, outros em comédias. Resumidamente, pode-se
dizer que nesse período o cinema nacional destacou os conteúdos listados a seguir:

• As práticas de sobrevivência das classes médias foi um tema explorado desde as chanchadas da
Atlântica, e até antes, mas depois da guerra, com a expansão de sociedade de consumo, e mais
tarde, com a liberdade sexual dos anos 1960, as práticas e os relacionamentos sociais se alteraram,
contudo a preocupação com a ascensão social permaneceu uma constante. É assim que se vê a
classe média nos anos da Ditadura e depois deles.

• Um outro contingente é composto da população urbanizada, mas considerada excluída da


sociedade de consumo, tal como nas favelas e periferias. Também o é o cotidiano vivido por
segmentos sociais em regiões afastadas dos centros metropolitanos, como em alguns filmes sobre
a Amazônia, mas especialmente no Nordeste, regiões onde aos fatores naturais de clima e solo
somam-se às práticas autoritárias no trato com a população trabalhadora.

• A criminalidade e delinquência são temas focalizados em todos os segmentos sociais, às vezes


em comédias irônicas e sarcásticas. As elites e trajetórias dos bem-sucedidos na ordem social
aparecem reiteradamente nas comédias eróticas. Empresários foram e são construídos em relações
nebulosas com o Estado e capitais externos, todavia poucos filmes trataram especificamente das
elites e, quando o fazem, estão situadas em uma ambígua relação: aferradas à ordem, atuando em
seu avesso.

O filme O príncipe (2002) destaca as mudanças operadas no plano dos valores e das práticas sociais
entre os anos 1960 e 2000. A personagem central é um intelectual que se autoexilou na França após
o Golpe e que, quando retorna a São Paulo, depara com um flagrante estranhamento em face das
mudanças de comportamento e de valores de amigos e da mulher antes amada. Tudo é superficial,
nada é consistente, e aqueles que se mostram ainda coerentes com as ideias um dia defendidas se
mantêm afastados, quase anônimos na cidade. Descobre que seu irmão está internado como louco, que
pretendeu desenvolver uma teoria sobre o valor histórico da mentira (quem sabe assim o país não sairia
da mediocridade?), mas, ao fugir do hospital, morre.

O sucesso financeiro de alguns implica o convívio superficial dos coquetéis e a troca de elogios. Puro
pragmatismo imediatista, aplicado a um ramo de negócios, o cultural: “São muitas as oportunidades,
você precisa aproveitar”, diz o amigo que enriqueceu com projetos culturais. A amada de outrora também
se ocupa agora de marketing cultural, em um escritório elegante e com uma agenda cheia. No entanto,
ao ver o “príncipe”, retesa os músculos, algo a incomoda: um passado de coisas que preferia esquecer.
Ele volta para a França, o choque com a modernidade paulistana foi demais.

Todavia, quem são as elites que aparecem no cinema brasileiro? Elas foram focalizadas ao longo
da história, da colônia aos anos 1945. A partir de então aparecem no cinema nacional figuras que
representam a diferenciação interna desses grupos, e que somam à condição de classe e riqueza um
dado nível de poder que permite a esses indivíduos, solidamente organizados em grupos de afinidade,
atuar sobre a vida de outros ou sobre a sociedade como um todo.
139
Unidade II

Essa talvez seja a dimensão mais característica dos grupos aos quais se pode designar por “elites”:
o poder. Em Raízes do Brasil (2003), documentário de Nelson Pereira do Santos, Sérgio Buarque de
Holanda, na voz de sua neta, qualifica esses grupos como retrógados. Na verdade, ele os conheceu
bem e não apenas pela investigação histórica, mas porque circulou por eles, ou, pelo menos, pelos
circuitos intelectuais, que os há, muitos e diversificados, em todas as artes, todas as atividades
econômicas (nas universidades e institutos de pesquisa, na burocracia e nos três poderes do Estado,
sem excluir a imprensa).

Por mais diversificados que sejam tais grupos, não deixam de se unir em torno de ideias e da
prática política que os mantenha na posição hegemônica. E, nesse campo, dois aspectos sempre foram
fundamentais: a questão da terra e os vínculos de dependência com o capital externo. Ambos articulados
perfeitamente no bojo do discurso liberal democrático, que vem justificando a prática política republicana
e que, desde os anos 1946, tem sido considerado expressão política da vocação da sociedade brasileira,
inclusive nos discursos democráticos e projetos de impacto da Ditadura Militar.

É verdade que a democracia liberal foi uma invenção burguesa, contudo “ela não assumiu um caráter
necessariamente democrático em fomações sociais diversas. No que diz respeito ao Brasil, ela tem sido
democrática ou autoritária, de acordo com seus interesses” (MOTTA, 1977, p. 33). Por isso, ao se deter
sobre os dispositivos de poder das elites brasileiras nos meios de comunicação, é preciso indagar para
qual direção eles se dirigem, melhor dizendo, se os dispositivos de poder traduzem um movimento para
a democracia ou para o autoritarismo ou, ainda, se eles oscilam em um movimento pendular tão rápido
que distrai os olhos e não permite caracterizá-los.

A construção das elites brasileiras pelo cinema aparece sem retoques em dois filmes: Terra em transe
(1967) e A idade da Terra (1980), enquanto em Barravento, do mesmo diretor (1962), um jovem negro que
retorna do centro urbano para uma comunidade de pescadores ensaia conscientizar a população local,
seus amigos de antes, embora não consiga atingir seu propósito. Terra em transe é uma caracterização
genial da falência do populismo e da emergência do autoritarismo, ali estão presentes as tensões, os
acertos e os desacertos dos discursos e das posturas que circulavam na sociedade brasileira de então.
Eles não usam black-tie (1981) foi lançado quando o a região do ABC paulista vivia um período de greves
operárias, momento em que era fundado o PT e a Ditadura começava a ruir; o filme contrapõe a postura
do pai sindicalista, que se situa no movimento da história, à do filho imediatista em face de uma greve.

No documentário O Sol (2006), jornal cultural que circulou no Rio, anterior ao Pasquim, várias
testemunhas da época contam que o dia primeiro de abril amanheceu como qualquer outro: “fomos
para o estúdio gravar e lá soubemos que algo estava acontecendo”. Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta),
genial cronista daqueles tempos, criou uma sigla para o início do que seria um pesadelo: Febeapa
(Festival de Besteira que Assola o País) e personagens extraídas do cotidiano para comentar o que se
passava: Tia Zulmira, Rosamundo, o patriota, Garoto Durão e outras.

Dos filmes, Caparaó (2007) detalha esse primeiro movimento de resistência ao poder militar, do qual
participavam ex-militares expurgados das forças armadas (Exército e Marinha). A guerrilha de Caparaó,
entre Minas Gerais e Espírito Santo, teve duração de um ano (1966-1967) e contou com o apoio de
Brizola, Fidel Castro e da Ação Popular, contudo, não pôde se firmar, e por vários motivos, entre eles as
140
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

divergências políticas e a falta de suporte da população. Araguaya, a conspiração do silêncio (2004) é


outro filme que reconstrói o movimento armado de oposição ao regime militar. Foram jovens militantes
do PCdoB que integraram o corpo de guerrilheiros (na quase totalidade esses jovens foram torturados e
mortos pelos militares). Hoje seus nomes ainda constam da lista dos 343 “desaparecidos” do movimento
Tortura Nunca Mais!.

Em 1968, a Universidade de Brasília (UnB) foi invadida pelos militares, assim como haviam sido
invadidas a Universidade de São Paulo (USP) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC). O filme Barra 68,
sem perder a ternura (2001) é um documentário que contém retalhos de filme de Hermano Pena, tomado
a escondido, os quais foram recuperados muito mais tarde por Vladimir Carvalho. O filme mostra cenas
das 500 pessoas presas em uma quadra de esportes na UnB, o desgosto de Darcy Ribeiro, as evasivas do
reitor que assumiu a universidade sob controle militar e a indignação de Vladimir ao entrevistá-lo, mais
de 30 anos depois.

Outro documentário significativo é Hércules 56 (2006), que mostra os participantes do sequestro do


embaixador americano em 1969 (na verdade uma troca de prisioneiros no Rio). Nele, os organizadores
da ação, Franklin Martins, autor do Manifesto e dirigente da Dissidência da Guanabara (MR-8), Manoel
Cyrillo e Paulo de Tarso Venceslau, da Ação Libertadora Nacional, discutem o que foi feito, as inseguranças
e os efeitos sobre a família e suas vidas. O filme O que é isso, companheiro? (1997) apresenta o sequestro
do ponto de vista de sua execução e consequências, que a série global Anos rebeldes (1992) já focalizara.
Da leitura das três fontes e de sites e blogs sobre o tema fica a impressão, ao olhar de hoje, de que
a resistência não estava organizada e nem armada, dando origem a atos revolucionários que não se
conectavam no plano das práticas. As dissidências por vários motivos ajudavam esse esfacelamento.

Enquanto os atos revolucionários se multiplicavam, a repressão se fazia cada vez mais forte. Essa
situação é lembrada em outros filmes: Batismo de sangue (2006), Zuzu Angel (2006) e de modo especial
em Benjamim (2003). Os três filmes situam os jovens e as respectivas militâncias em face do aparelho
repressivo. Frei Tito, de Batismo de Sangue, preso e torturado sistematicamente, foi depois enviado à
Europa quando do sequestro do embaixador alemão. Ele jamais se recuperou da tortura, Fleury havia
instalado nele a expressão do horror e da injustiça. Tito se suicidou. Stuart Angel foi preso e torturado,
sua morte se deu por asfixia (foi preso a um jipe com a boca no escapamento) e arrastado. A mãe, Zuzu
Angel, denunciou o crime no Brasil e nos Estados Unidos, provocando reações. Ela veio a falecer em
desastre de automóvel não explicado.

Benjamim é obra de ficção, mas focaliza uma faceta delicada do período: quem foi responsável pela
prisão de militantes, como se sente? Essa é a posição de Benjamim, dividido entre a imagem da mulher
amada, a quem denunciou, embora sem intenção, e a filha dela, Ariela, agora envolvida em um grupo de
assassínio. É assim que Benjamim é morto, como foi sua amada Castana, a morte lhe chega como alívio,
de certo modo sabia que iria encontrá-la.

As lembranças do período para duas adolescentes e para um menino estão nos filmes: Dois Córregos
(1999) e O ano em que meus pais saíram de férias (2006). A incompreensão do período predomina
nesses olhares, assim como esteve também em Benjamim, mas como explicar o fascínio que aquele
estranho desperta nas duas mocinhas? Quem era ele e por que não falava de si? Respostas que só mais
141
Unidade II

tarde irão chegar, não completamente, mas adivinhadas. O menino se vê afastado dos pais, que teriam
tirado férias, mas ele não compreende nem onde está nem as tais férias. O olhar perdido no pôster do
filme denuncia a busca por uma mediação que servisse de explicação para tudo. Impossível, aos poucos
ele vai depreendendo alguma coisa, mas nesse momento o Brasil está alcançando o tricampeonato, é
hora de comemorar.

A memória de quem passou pelo período de repressão e de quem experimentou seus efeitos
literalmente na carne jamais se apaga. São memórias que ficam: não devem ser esquecidas porque são
parte da história, devem ser esquecidas porque carregam a morte e não se pode viver morrendo nas
lembranças. Elas são Memória para uso diário (2007), embora situadas em um Tempo de resistência (2003),
não deixam de rastrear a morte, por isso o título Que bom te ver viva (1989).

A história dos jovens que fizeram história é focalizada especialmente no segundo documentário,
baseado na obra Tempo de resistência, de Leopoldo Paulino (2001), já na 8ª edição. Pode-se dizer que
esses mesmos jovens hoje permanecem fazendo história, articulando-se em grupos de estudo, em ONGs
que não deixam as traças roerem arquivos, que já foram arrumados, queimados, adulterados por todos
os que estiveram envolvidos na repressão.

Em contrapartida, estudos e documentários que focalizassem a repressão do ponto de vista de


sua justificativa, ao menos política, não são encontráveis. Há uma história envergonhada, ocultada,
que a Lei de Anistia negociada facilitou. Os depoimentos e documentação são disponíveis para atestar
a violência, mas seus autores se envergonham do que fizeram, ocultam-se. Estudiosos da área vêm
trabalhando em um capítulo pouco explorado dessa história envergonhada: o Comando de Caça aos
Comunistas (CCC) cujas ações em São Paulo, no Rio, em Porto Alegre e Recife marcaram os anos 1968
e 1969. Supostamente a organização era integrada por universitários, mas há divergências a respeito,
de qualquer forma, se sob essa sigla foram alunos do Mackenzie que atacaram os universitários da
Universidade de São Paulo, na rua Maria Antônia, em julho de 1969.

Na sequência desses anos de chumbo vieram outras possibilidades de participação política, que
apareciam em parte motivadas pela própria violência da Ditadura: a morte de Herzog em 1975, de
Manoel Filho em 1976, as ameaças, e bombas nas bancas de jornal. Em 1978 Geisel assinou a Lei da
Anistia e restaurou o Habeas corpus, e o MDB ganhou as eleições legislativas.

Os dispositivos do poder autoritário já não serviam para os novos tempos, assim como a democracia
não servira para as estratégias globais de poder nos anos 1960, em um mundo divido em dois blocos.
Era necessário remanejar pessoas, subtrair cargos, alterar as práticas, contudo mantendo o controle. Por
isso, o período passou para a história como de abertura, movimento discreto, sinuoso. Glauber Rocha
percebeu isso e gritava em seu programa de TV, aliás, chamado Abertura (1979), “o Gel Geisel vai fazer a
abertura!” e outras frases semelhantes. Foi execrado por alguns intelectuais, foi placidamente assistido
por outros. Para muitos jovens de então ficava a pergunta: “Quem é esse?”.

Iniciava o caminho para a abertura, que veio finalmente no governo João Batista Figueredo, quer
dizer, quando ele deixou o governo. Todo esse período foi alimentado por outras formas de participação
política. Quando finalmente a campanha por eleições diretas teve início, os jovens participaram
142
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

novamente. Nos palanques, outros na multidão. A criação do PT em 1981 foi um momento de intensa
militância: para universitários parecia que ser do PT era uma concepção de vida, não uma adesão a um
partido político. De fato, era muita militância para um partido só, e ele se dividiu em alas ou tendências
que se digladiavam. A unidade partidária veio depois, com amadurecimento e com as questões práticas
decorrentes da pergunta: “Como ganhar eleição?”.

Na verdade, nos anos 1980 a sociedade civil se organizou e, em meio aos debates em torno da
Constituinte, da política econômica, formava-se uma nova concepção de participação política
influenciada pela tendência neoliberal na economia e na política: mais racionalista voltada para ações
positivas, para as políticas públicas, e de certo modo, para o desmanche do modelo de Estado do Bem-
Estar Social, herdado do populismo, que a Ditadura ampliou para concentração de poder.

Nos anos 1990, os serviços públicos e parte do patrimônio nacional deveriam ser (e foram) privatizados,
em nome da rentabilidade econômica e da produtividade, palavras-chave do neoliberalismo, com suas
elites modernas, intelectuais, elegantes, inovadoras, enfim, globalizadas. Elas produzem os consensos
provisórios necessários ao momento e circunstâncias da política.

Temas centrais nos meios de comunicação passam a ser: a exclusão social, violência urbana e
cidadania. Em torno desses temas se formam discursos intermináveis, filmes, congressos, teses e músicas,
e, desse modo, o outro, aquele apontado como diferente volta a ser examinado, fotografado, filmado e
explorado por discursos de “verdade sobre”. É dessa forma que nos meios de comunicação é construído
um discurso hegemônico sobre cada um dos temas, articulando-os.

Contudo, a violência brasileira não está somente nas favelas, nem é somente urbana, nem
tampouco é a dos dias atuais: a violência no Brasil é uma dimensão das relações de poder, desde
os colonizadores e senhores de escravos, no marco da autocracia que caracterizou o poder das
oligarquias, e, mais tarde, os poderes dos associados às ditaduras brasileiras de todos os tempos. Ela é
uma faceta da democracia à brasileira.

8.1 Política e sociabilidade contemporânea: cidadania, mídia e hegemonia

O conceito de hegemonia diz respeito à modalidade de poder exercido por um grupo, segmento
social, região ou país entre seus congêneres. Assim já foi possível dizer que São Paulo deteve hegemonia
econômica sobre demais estados da Federação, que os Estados Unidos exercem hegemonia na condução
da política econômica do FMI, na política na ONU etc.

Hegemonia não é uma modalidade de poder que reflita uma situação quantitativa, mas, sim, uma
situação qualitativa, ou de maior importância entre os que são formalmente iguais. Por exemplo, na
ONU, todos os países (Estados) detêm o mesmo status, todos são soberanos, mas os Estados Unidos
detêm hegemonia em relação à maior parte deles.

Contudo, hegemonia não é uma situação que permaneça estável, ao contrário, exatamente porque
ela representa a dinâmica das forças políticas e econômicas, formam-se grupos que representam no
panorama da política internacional interesses não hegemônicos, mas que, organizados, podem contestar
143
Unidade II

e rivalizar as tendências hegemônicas. Por outro lado, também países hegemônicos se articulam em
outro bloco, este representando a preservação dos interesses hegemônicos.

Essa dinâmica explica a existência no panorama da política internacional, do Grupo dos 8 (G8), das
maiores economias do mundo (Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Japão, França, Itália, Reino Unido e
Rússia) e do Grupo dos Países Emergentes (G20), do qual faz parte o Brasil.

No campo da cultura, a palavra hegemonia reflete uma situação interessante: embora no mundo
atual, capitalista, a matriz da cultura ocidental judaico-cristã seja a que detém hegemonia (efeito
histórico da colonização, das guerras e dominação econômica), existe a predominância do modelo
cultural anglo-saxão no exercício dessa hegemonia em relação aos padrões de comportamento, valores
estéticos, produtos e outros aspectos culturais.

No Brasil, especialmente em São Paulo, é nítido esse processo de incorporação cultural a partir da
versão estadunidense. Aliás, já foi mencionado anteriormente: esse país é sistematicamente apontado
como modelo a ser seguido em uma variedade de situações, como expressão da modernidade, como
termo de comparação para a ética na política (!), para o exercício de direitos humanos, para as relações
trabalhistas, para a vida social etc.

Em contrapartida, países da Comunidade Europeia, nos quais esses aspectos da vida social e política
têm até maior alcance, não são tomados como referência, embora a França seja apontada como o país
da sofisticação e a Inglaterra como exemplo de sociedade conservadora.

Pode-se argumentar que a ignorância sobre as condições sociais nos países nórdicos, por exemplo,
além de outros, responda pela manutenção de tal situação, contudo o processo tem raízes históricas
e econômicas que o preservam, ampliam e aprofundam. Na verdade, ele reflete o imperialismo
cultural, uma dimensão particular do colonialismo que alimentou a formação dos impérios
(notadamente o inglês).

No âmbito das condições históricas da expansão internacional do capital, desde o século XIX, as relações
entre países soberanos não se caracterizou pela autodeterminação, mas pela dependência econômica
dos fluxos de investimento, que representavam o desenvolvimento de setores de uma economia voltada
para a exportação de produtos de origem agrícola (café, por exemplo, no Brasil), modernização urbana
e de serviços (por exemplo, no Brasil, energia elétrica) e expansão dos meios de comunicação (no Brasil,
as rádios e a indústria fonográfica). A dependência econômica do capital externo gerou a dependência
política, especialmente após a Segunda Guerra e a adoção de um modelo de vida social caracterizado
como american way of life: a sociedade de consumo.

Nesse quadro, a hegemonia cultural é apenas um reflexo da dependência econômica, porém com
profundas implicações políticas: perdeu-se em grande parte a oportunidade de construir uma identidade
nacional para alimentar a tendência de comparação com o padrão de modernidade externo; alimentou-se
como tendência negar valor estético ao que é nacional, para importar, ou copiar, padrões estéticos e
culturais do exterior, notadamente os hollywoodianos.

144
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

No cinema nacional dos anos 1940-1950, as cenas de shows das chanchadas são verdadeiras cópias
dos filmes americanos, apesar de a música ser o samba carnavalesco ou sambas-canção (esses combinam
bolero e samba, boleros que remetem à política de boa-vizinhança americana); nas paradas de sucesso
do mesmo período, em paralelo aos ritmos nacionais (baiões, xaxados, cocos, sambas e chorinhos)
figuram os foxes.

Enfim, se Carmem Miranda foi o exotismo caricato da mulher brasileira, independentemente de seu
sucesso pessoal nas mídias americanas, a exportação dessa imagem correspondeu a uma finalidade
política, do mesmo modo que Zé Carioca, o malandro brasileiro. Ambos reafirmavam uma imagem
carnavalesca do brasileiro, um povo sensual e malandro. O rock chega ao Brasil no final dos anos de
1950, já representando a música moderna da juventude rebelde, época em que Bossa Nova sinaliza em
parte uma adaptação do samba exportação, incorporando alguns elementos do jazz.

A mídia (indústria fonográfica, estações de rádio, TV e imprensa) teve e tem papel decisivo na
preservação dessa modalidade de hegemonia cultural, contudo mais significativo historicamente tem
sido o papel político exercido ao longo das décadas.

Nos anos de 1990, um processo de outra natureza se instala: a ampliação do espaço geográfico,
possibilitada pelas novas mídias, favoreceu a circulação de informações que permitiam a construção
de laços de semelhança entre grupos sociais de nacionalidades distintas. Eram condições precárias de
inserção social na sociedade de mercado, entre outros problemas, como segregação social e racial que
permitiram a ampliação mundial da cultura hip hop, e do rap, embora os movimentos negros estivessem
na mídia desde os anos de 1960, e a luta contra o apartheid na África do Sul viesse da mesma época.

Da leitura dos parágrafos anteriores, o leitor poderia se perguntar: “Como é possível à mídia
exercer papel político amplo, além de reforçar a hegemonia cultural?”. A resposta superficial seria “pela
manipulação das informações”, mas essa resposta não seria totalmente verdadeira: a mídia opera em
um campo de concorrência, e nele a inverdade corresponde à quebra de confiabilidade, enquanto ela
é condição para manter índices de audiência, contratos de publicidade etc. Ela também atende às
expectativas do público, portanto a ideia de manipulação confere à mídia em toda sua extensão um poder
que em realidade é menos amplo. A esse respeito Ciro Marcondes Filho escreveu o livro, já mencionado,
Quem manipula quem? em 1992 discutindo exatamente o papel da mídia correspondendo (ou não)
às expectativas do público, dos patrocinadores e do modo de pensar da sociedade em determinado
momento histórico e econômico.

São mecanismos mais sutis os que respondem pelo papel político das mídias: a escolha da pauta é
um deles, outro reside no tratamento dessa pauta, na inserção da notícia política entre duas notícias
mais leves, sendo a que vem a seguir seria especialmente a esportiva. O Jornal Nacional valeu-se desse
recurso durante décadas: a notícia sobre alguma manifestação popular vinha seguida pelos gols dos
times de futebol ou do sucesso de times brasileiros no exterior.

Outro recurso que não compromete a confiabilidade, mas que tem dimensão política reside na
repetição de palavras-chave, de imagens-chave: hoje os árabes estão associados ao terrorismo, assim
como russos estiveram associados à truculência, ao atraso cultural (uma empresa se valeu da imagem de
145
Unidade II

um russo e de um sotaque para divulgar a excelência de seus serviços em comparação com a situação
de atraso na Sibéria).

No Brasil dos anos de 1970, a palavra desburocratização já representou modernidade,


desenvolvimento e até democracia, embora sob regime militar! Uma palavra ícone dos anos de 1990
foi privatização, panaceia para todos os males sociais de um modelo econômico excludente (aliás,
estimulado no período). Constrói-se desse modo sutil um consenso planejado (o conceito de Noam
Chomsky) que induz o público a pensar a realidade política e social a partir dele, ou tomando esses
elementos como instrumentos de referência para entender o cotidiano.

Na verdade, compreensão política exige repertório para análise e reflexão. Para isso não basta jogar
com palavras fornecidas pela mídia, é preciso a apreensão política do cotidiano relacionando-a com um
futuro em processo. A essa apreensão se diz conscientização, mas ninguém conscientiza o outro, embora
possa fornecer-lhe elementos e informação. Esse é um erro muito comum em vários movimentos: “é
preciso conscientizar as pessoas de que...”. Ora, se alguém deve ser conscientizado, esse alguém não tem
ciência ou informação sobre o assunto, logo, quem fala só poderá lhe trazer informação. Se essa pessoa
pretender fazer a cabeça do outro, sua postura não será de quem conscientiza (ou informa), mas de
quem converte ou obriga.

Conscientização, portanto é processo do sujeito, implica que ele examine as condições do vivido e
alternativas que se projetam para o futuro, além das práticas possíveis (práxis). A mídia não tem essa
função na sociedade de consumo: seu papel é informar sobre acontecimentos e vender produtos, entre
eles a cultura, também elaborada como produto (como comentado, os programas de televisão, filmes,
sites, blogs, música etc. são produtos culturais). Eles são produzidos atendendo a critérios econômicos
de oportunidade de mercado, peculiaridades do público (consumidores) e interesses dos patrocinadores
ou apoiadores.

Desse modo, a mídia realiza uma produção da realidade, o que significa que constrói uma realidade
para divulgação para um público, e aqui reside outro aspecto de um processo apontado como
manipulação: como é esse público? Quais seus interesses? Quais suas opiniões? É conservador ou não?

Para responder a essas e outras questões relacionadas, são desenvolvidas inúmeras pesquisas de
opinião, as quais partem de hipóteses sobre o perfil do público. O resultado pode ser visto na TV aberta:
programas de divulgação da chamada música popular das duplas sertanejas, novelas, programas de
humor de baixo nível, entrevistas, alguns documentários sobre temas de interesse: ecologia, sexo, crime
e violência. Outros canais se esmeram em trazer para o público fofocas envolvendo celebridades.

Em geral, o público não expõe suas opiniões nas pesquisas, mas responde às questões que lhe são
colocadas, dando origem à formação das maiorias silenciosas (Baudrillard) várias vezes mencionadas
anteriormente. Trata-se de uma vivência individualista, mas em sociedade, mesmo porque não há
espaço para uma participação mais ativa; cabe-lhe responder e não questionar, muito menos reivindicar.
A dimensão social da vida coletiva escapa nessa vivência, que tem eixo na vida privada, abrangendo no
máximo a família e os conhecidos.

146
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Nessas condições, escapa também o sentido político da vida em sociedade, e a política passa a ser
considerada sob o prisma dos interesses privados, temores e riscos. Em poucas palavras, a despolitização
do brasileiro é também condição política: na medida em que o poder é situado em uma instância
apartada do cotidiano, as práticas autoritárias e patrimonialistas, a apropriação de recursos públicos
para fins privados e outras assemelhadas passam a ser consideradas sob o prisma da crítica moral,
apontadas como “corrupção dos políticos ladrões”, e, na mesma medida, inacessíveis à ação política que
não seja a denúncia e a manifestação de repúdio orquestrada pela mídia (caras pintadas).

Em 2010, no ardor da campanha eleitoral, circulou pela internet a notícia de uma frase premiada na
escola Presidente Getúlio Vargas, em Aracaju: “O horário político é o único momento em que os ladrões
ficam em cadeia nacional”. Sem dúvida a frase é espirituosa, jogando com o duplo entendimento da
palavra “cadeia”, mas a ânsia de acusar foi tanta que todos os candidatos foram indiscriminadamente
tachados como “ladrões”, mesmo aqueles que possivelmente apareciam em cadeia nacional televisiva
para acusar aos demais. Uma crítica de natureza moral, fácil de ser feita, porque é uma acusação
sem provas, difícil de ser desmentida porque, ao contrário do princípio jurídico, é a vítima que deve
comprovar sua inocência, comprovando a não realização de uma ação, e não o acusador com provas.
Contudo esses detalhes que pertencem à concepção de sociedade democrática não são considerados
na democracia à brasileira.

Nessas situações (e o Brasil presenciou nos últimos anos vários momentos dessa natureza),
a mídia encontra oportunidade para reforçar à exaustão a noção de que política é uma prática
imoral, corrupta, reservada a uns poucos desonestos. Na crítica moral da política reafirma-se a
superficialidade e principalmente a ausência de crítica e análise política. Nesse sentido, o slogan
tão usado, “abaixo a corrupção”, é de natureza moral, e não política. Em contrapartida, o slogan
“mais moralidade na política” é vazio: de qual moralidade se está falando? É evidente que, ao
escolher um slogan desse tipo, há um pressuposto de entendimento, mas é preciso ter claro que
os pressupostos dependem de interpretação.

Outro recurso, para conduzir discretamente um consenso em torno de alguns temas, consiste
na articulação da vida privada com a política ou pública, admitindo para o público que exista uma
correspondência ética ou moral entre as duas instâncias. A vida pessoal de um candidato passa a ser
desvelada, explorada em seus aspectos mais íntimos, especialmente se houver alguma implicação
sexual: filhos fora do casamento e não reconhecidos, casos, infidelidade, são temas de relevância
política, porque rendem pontos na audiência, alimentam blogs e redes sociais. Mas será verdadeira
essa suposta coerência? Um marido infiel não poderá ser um político respeitável? Quem o reprovaria
mais, as eleitoras, ou os eleitores? É possível ser homossexual e político respeitável? Essa é uma questão
pertinente à privacidade, à individualidade, mas que é trazida para o público em flagrante desrespeito
aos direitos individuais, aliás, garantidos na esfera jurídica e política.

Um último recurso utilizado em campanhas políticas consiste em criar uma imagem do candidato
partindo de sua presença pública, mais precisamente de sua aparência, formação, hábitos e modo de
falar. Essa construção hoje em dia é uma das áreas de marketing pessoal, mas vem de longa data na vida
republicana brasileira. As imagens criadas servem à campanha eleitoral de candidato ao executivo ou de
popularização da pessoa do ocupante desse cargo, por isso também existiu nas ditaduras. Os elementos
147
Unidade II

utilizados nessa construção variam, resultando numa imagem que aproxima o candidato de um público
(eleitor) visado ou que o torna mais popular, no caso das ditaduras.

Hermes da Fonseca e esposa Nair de Tefé. Ele, militar (marechal), ela, caricaturista. O casal introduziu
o maxixe nas festas do Palácio, foi um escândalo, criticado por Rui Barbosa e outros. O botton indica a
presença desse recurso em eleições da Primeira República (1910). A campanha civilista de Rui, opositor
de Hermes, não foi vitoriosa.

“Trabalhadores do Brasil!”, início de todo discurso de Getúlio Vargas, o gaúcho populista, do Estado
de exceção (Estado Novo) cuja política foi divulgada como A Nova Política do Brasil. Com seu governo,
tem início o populismo; aceitava críticas de humor, gostava de música brasileira, do teatro de revista e
de charutos.

A B

C D

Figura 22 – Getúlio Vargas, no RS, “autor” da Nova Política do Brasil, exigido pelo queremismo

148
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Sua imagem era a do “pai dos trabalhadores brasileiros”, entre bonachão e homem de coragem. Na
Carta Testamento concluía: “Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da
vida para entrar na História” (VARGAS apud MELITO, 2014).

A B

Figura 23 – Ademar de Barros e Jânio Quadros

Adhemar de Barros e Jânio Quadros se confrontaram em campanhas eleitorais memoráveis. Adhemar,


na verdade um homem culto, passava a imagem do político conservador, personalista, tradicional,
o típico político de clientela, ironizado por Juca Chaves pela caixinha das propinas. Jânio passava a
imagem da intolerância contra a roubalheira, o professor de português autoritário, moralista, do tipo
carismático. “Fi-lo porque qui-lo” foi uma frase a ele associada, além dos bilhetinhos que alteravam a
rotina burocrática, supostamente para resolver problemas. Adhemar apoiou o Golpe Militar, mas depois
foi cassado, Jânio renunciou à Presidência alegando forças ocultas.

JK foi o presidente bossa nova, segundo Juca Chaves, irônico menestrel, mas de qualquer forma,
JK foi dos mais populares presidentes, dada a construção de Brasília e várias outras iniciativas, como a
introdução da indústria automotiva na região do ABC paulista. Sua imagem era a de um mineiro bom
conversador, mas fazedor de coisas, homem de carisma, sem ser um líder carismático, estava sempre
sorrindo, afável, convencia todo mundo. Sua esposa, Sara, e as duas filhas compunham o quadro familiar,
com direito a festas, bailes (ele gostava de dançar) e debut em Versailles.

A B C D

Figura 24

149
Unidade II

Durante a Ditadura, o general Garrastazu tentou se tornar popular, como torcedor de futebol
vencedor da Copa de 70. Para o general Costa e Silva (o marido de dona Yolanda), foi criada a imagem
de um homem pacífico e limitado (não era verdadeira).

Médici e Geisel foram ironizados por Chico Buarque: o primeiro com Apesar de você, o segundo
com “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta” (BUARQUE, 1974); realmente a filha de Geisel
gostava da música de Chico.

A B

Figura 25 – Os ex-presidentes Collor e Lula

No debate em 1989 entre Collor e Lula, a elegância e arrojo de um contrastava fortemente com a
imagem popular do outro. Juventude, destemor e coragem esportiva criavam a imagem carismática
de um candidato (Collor), ressaltada por seu moralismo extremado de repúdio aos marajás. A origem
popular do outro candidato e seu carisma não foram traços favoráveis: ao contrário, serviram para
torná-lo alvo de críticas. Essa mesma origem popular, quando foi confrontada com o brilhantismo
acadêmico e a incontestável elegância de FHC, novamente serviu de argumento para críticas e ironias, às
vezes lamentáveis, as quais foram respondidas no ambiente virtual com outras montagens fotográficas.

À medida em que a vida privada constitui o eixo da vida social (com implicações políticas), registra-se
um processo significativo na sociedade contemporânea: a espetacularização do cotidiano. Os reality
shows, como o Big Brother, cujo modelo brasileiro já teve várias edições – sinalizam esse processo que
consiste em tornar o cotidiano um espetáculo e incentivar a visualização do espetáculo produzido,
estimulando práticas que são principalmente competitivas e sem nenhuma preocupação ética. A intriga,
o apego à reação do público, à sexualidade e à aparência são elementos de um jogo de concorrência
por aquele que será o mais apto a garantir seus interesses, independentemente das consequências de
natureza ética. Esse modo de entender a vida e o cotidiano tem implicações políticas, à medida que ele
empresta certo sentido ao presente e o projeta para o futuro.

150
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

No outro extremo, instala-se na mídia a exploração da violência, ela também um espetáculo, tanto
na ficção quanto nos inúmeros programas policiais, no rádio e na TV (de Gil Gomes, na década de 1970,
ao Linha Direta doa anos 1990 ao Datena na TV atual, além dos jornais sensacionalistas de sempre).
Entender a violência urbana é avançar sobre um terreno movediço: nele se encontram os desejos de
vingança, as frustrações, o estresse, os medos e as angústias que todos vivenciam. Quando se diz todos
a ideia é deixar claro que não são apenas os pobres que são violentos, não é apenas o bandido que é
violento, são todos, porque de alguma forma todos passam pelas mesmas condições às quais estão
submetidos também os garotos violentos.

Nesses termos, a questão se desloca do ato violento para a violência como espetáculo: do assalto
para Tropa de Elite I, Tropa de Elite II, do presídio para a invasão do Carandiru e o aplauso de São Paulo
para a ação dos “valorosos” soldados. Na verdade, a foto dos mortos estampada na primeira página
da Folha de São Paulo teve comentários ressaltando o fato de “bandido bom ser bandido morto”. A
ambivalência se instala: a defesa do direito à justiça, do direito a condições mínimas de tratamento
para os detentos passa a ser considerada desnecessária: “Se é bandido, deve morrer.” ou “E o direito das
vítimas? Esse nunca é apontado.”.

É importante saber que prisão não recupera mimguém, em lugar nenhum do mundo, e também
que prisão e pena de morte não impedem o crime. Enfrentar a questão da violência urbana implica
tratá-la como sintoma, e não como problema de indivíduos. É certo que entre os que praticaram crimes
há os que apresentam distúrbios psicológicos, mas esses são minoria, não caracterizam a violência
urbana, mas certos crimes especiais. Enfim, violência urbana é sintoma de algo que está na sociabilidade
contemporânea, nas condições presentes na formação social e política. Em poucas palavras, na ordem
social e em seu avesso, que é também sua outra face (o filme Tropa de Elite II avança sobre o tema).

Contudo, se a violência pode ser espetáculo, em filmes, revistas, jornais e inúmeros programas de TV,
é porque existe em todos os espectadores a tendência de ver a violência, o sangue esguichando, a bala
entrando no corpo da vítima e a cara suada do bandido, porque eles sempre estão suados. Há mesmo
uma estética ligada à produção cinematográfica da violência, para torná-la mais evidente e cruenta,
mais real para o espectador, assim como tornar mais violentos e sem escrúpulos os encarregados da
repressão. Esse é o espetáculo para os olhos dos pacíficos cidadãos urbanos.

Porém, o processo não é específico da sociedade brasileira, é geral, correspondendo a dimensões da


chamada cultura global, associada às condições vigentes na sociedade de consumo contemporânea. De
fato, se o crime se organizou no Brasil e se aninhou nos espaços dos que supostamente são excluídos da
sociedade inclusiva (de consumo), ele também é assunto das mídias, considerado em seus eventos e nos
momentos de repressão. Na verdade, o narcotráfico nacional é um segmento da organização mundial de
fornecimento de drogas (ou aditivos ao entretenimento) para os grandes centros de consumo, os quais
estão situados nas economias capitalistas mais importantes: Estados Unidos e Comunidade Europeia.

Dadas essas ponderações, seria possível ainda hoje, no Brasil, discutir cidadania, aliás, um velho
conceito burguês? Qual o papel das mídias nessa discussão, visto que elas parecem estar comprometidas
com a modernidade, com a preservação de um discurso hegemônico?

151
Unidade II

As duas questões estão relacionadas: o discurso da cidadania, pela sua própria dimensão política,
é histórico, o que vale dizer que é sempre afetado pelas condições emergentes dos processos
sociais em curso na sociedade. Portanto, o discurso de cidadania não é limitado ao presente, mas se
projeta para um futuro desejável, um vir a ser. Nesses termos, se instaura a possibilidade de discutir
cidadania como parte do próprio conceito, de sua coerência e atualidade nas condições sociais em
foco. Ao situar o conceito como um velho conceito burguês foi criada a possibilidade de discuti-lo
nessa acepção, como algo a ser construído e completado em meio às relações sociais e pelos que
nele se espelham.

Isso significa que discutir cidadania não é uma atribuição reservada aos mais esclarecidos, aos
intelectuais ou às senhoras caridosas: cidadania é condição de todos, mesmo daqueles em relação
aos quais a aplicação do conceito implica reconhecer o direito à diferença, como se dá em relação aos
povos indígenas a partir da Constituição de 1988. Sobre isso, esclarece o Instituto Socioambiental:

Com os novos preceitos constitucionais, assegurou-se aos povos indígenas


o respeito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições.
Pela primeira vez, reconhece-se aos índios no Brasil o direito à diferença; isto
é: de serem índios e de permanecerem como tal indefinidamente. É o que
reza o caput do artigo 231 da Constituição: “São reconhecidos aos índios
sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à
União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (INSTITUTO
SOCIOAMBIENTAL, [s.d.]).

A propósito, o leitor sabe que temos em torno de 256 povos indígenas conhecidos no Brasil? Sabe
que são muitas as organizações indígenas que participam do debate das políticas públicas em torno da
condição indígena?

Na verdade, a cidadania na sociedade contemporânea não se mantém como os teóricos da Revolução


Francesa a idealizaram: não se trata mais de assegurar direitos de voto, mas de exercer os direitos
assegurados e de estendê-los a todos aos quais eles são aplicáveis. Portanto, a discussão de cidadania
nos tempos atuais, e na sociedade brasileira, situa-se no campo da articulação entre a teoria e a prática,
não se limitando ao vínculo jurídico institucional de pertencimento ao Estado, mas ao modo como ele
é reconhecido e exercido nas condições concretas. Isso significa que o discurso não se refere apenas ao
“outro” como objeto, mas implica ter esse “outro” como sujeito de seu próprio discurso de cidadania,
seja instalado pela semelhança, seja pelo exercício do direito à diferença.

Na democracia à brasileira contemporânea (prato requentado de muitos períodos de exceção),


a comunicação sobre cidadania se faz entre segmentos significativamente distintos, considerando-se a
respectiva inserção na vida produtiva e social. Como se sabe, as condições sociais abertas à inserção social
são profundamente distintas, de forma que, ao longo de gerações, as diferenças entre os estratos sociais
acabam sendo reproduzidas com pequena variação, embora não sejam raros os casos de mobilidade
social, no âmbito individual e familiar.

152
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

São atributos significativos na construção das diferenças entre estratos sociais a posição ocupada na
divisão do trabalho, cor, educação formal, renda e consumo, além de outros que atuam como segunda
ordem de filtros na estratificação social. Da combinação desses critérios de estratificação, resulta
não somente o mosaico de interesses que caracteriza a sociedade civil burguesa, mas também uma
pluralidade de sujeitos coletivos que integram a sociedade civil pelo vínculo jurídico formal, mas que
não a integram efetivamente porque são dela afastados, tanto pelas forças perversas do dinamismo da
economia quanto pela reprodução cultural dos filtros da discriminação.

Aqui é preciso fazer uma ressalva, situando aspectos contraditórios do discurso dos meios de
comunicação na construção do político: a vida social é apontada no discurso publicitário como fugaz,
consumindo-se no presente, como vem a calhar para a modernidade de um produto (reposicionado);
também fugazes e temporárias são outras instâncias da vida, como as afetivas e profissionais. A
coerência se adapta perfeitamente à concepção de pós-modernidade no plano ideológico. Contudo,
não são coerentes com o entendimento do plano político: nesse caso, são os valores eternos da ética
burguesa clássica que fundamentam e dominam o discurso.

Esses valores justificam os chamados discursos de conscientização, contudo chamar a sociedade para
um posicionamento face a uma dada situação implica haver mobilização, envolvimento, e aqui existe
uma dificuldade: as chamadas classes médias não se mobilizam, exceto na defesa de seus interesses
(como antes foi comentado) e, sobretudo, não o fazem publicamente fora das campanhas eleitorais. Na
realidade, elas dispõem de mecanismos mais efetivos para a defesa de seus interesses. Abre-se então o
espaço ocupado pelos meios de comunicação, e, neles, para os formadores de opinião, assunto também
já abordado anteriormente. São eles os agentes e porta-vozes do discurso hegemônico e da oposição a
outros discursos que se formem, vindos de outros espaços sociais.

Da diversidade social e da diferença de relevância política entre os vários segmentos da formação


social, emergem modalidades distintas de discursos sobre cidadania, entre eles os que à primeira vista não
são políticos nem são elaborados pelos mass media. Contudo eles circulam nos meios de comunicação
e integram o conjunto de produtos culturais como a música popular, filmes e parte significativa do
discurso religioso.

A dimensão política das letras da música nacional aparece nos sambas desde os anos de 1930, é
explicitada nas letras dos anos de 1960 a 1980 (inclusive no rock), tornando-se central no hip hop
contemporâneo. No cinema, a dimensão política vai se tornando mais clara a partir da década de 1950,
com as comédias cariocas, o cinema realista da Vera Cruz e as comédias de Mazzaroppi em São Paulo.
Na década de 1960, o cinema é essencialmente político e crítico, dimensões que serão relativamente
ocultadas da censura nos filmes a partir do AI-5, mas que retornam em Pra Frente, Brasil, em 1982, e que
vão se tornar centrais nos filmes de denúncia, como Anjos do Sol (2006), Tropa de Elite (2007) e vários
outros já mencionados.

Como diz o samba-enredo de 2008 da Mangueira, “A majestade é o povo/ sem o povo história não
há” (WESTPHALEN, 2008), pois é a história que se vai encontrar em uma leitura das letras e nos filmes:
uma história que remete ao cotidiano de segmentos sociais distintos nelas descrito e representado,
nas diferentes modalidades rítmicas e de registro, assim como distintas estéticas, gêneros e temas da
153
Unidade II

produção cinematográfica. Assim, se é possível reconstruir a história do país do século XIX ao XXI com
letras da música e filmes, é porque ambas as modalidades registram aspectos da vivência na sociedade civil
da democracia à brasileira e padrões de sociabilidade correntes. A dimensão política dessa sociabilidade
é descrita nas letras e nos filmes, ela é explicitada, ou aludida, para o entendimento do espectador.

O cinema nacional oferece uma mostra de como os brasileiros foram construídos ao longo das
décadas, em estéticas e gêneros cinematográficos distintos. Em sua origem, nas primeiras décadas do
século XX, o cinema focalizou a classe média brasileira e as elites, principalmente os dramas existenciais
que envolviam opções femininas transgressoras em uma ordem social machista e conservadora. Com o
cinema sonoro, apareceram as comédias musicais, e nelas foi sendo construído um perfil de brasileiro
urbano, esperto, jovial, pobre e concentrado em bem viver a vida em várias trapalhadas envolvendo
círculos sociais distintos.

Nas chanchadas, esse perfil era representado por uma dupla: Oscarito (branco) e Grande Otelo (negro),
ambos espertos e igualmente pobres, mas cabia ao primeiro a liderança nas trapalhadas e ao segundo
a esperteza malandra de como ambos sairiam delas. Excelentes comediantes, ambos representaram nas
telas certa moralidade flexível, criando personagens transgressoras em situações consideradas injustas
para os objetivos que pretendiam. Essa veia humorística aparece em várias outras personagens do
cinema nacional.

As comédias paulistas de Mazzaroppi provocavam o riso urbano com um tipo essencialmente


paulista ou mineiro: o caipira, cuja inadequação ao ambiente social e cultural da grande cidade fazia rir.
O caipira era o diferente no modo de falar, na postura, no andar, na malícia singela de certa modalidade
de saber das coisas que vai ao essencial das relações. Na ingenuidade da criança que denunciou a nudez
do rei, a personagem de Mazzaroppi apontava a fraude nas eleições, o poder autoritário dos fazendeiros
e delegados, além da hipocrisia da elite endinheirada paulista.

Tanto a dupla Oscarito e Grande Otelo quanto o caipira Mazzaroppi e a dupla João Grilo e Jiló,
como figuras do povo, se aproximam da construção, em música e cinema, do “malandro” carioca, mas
é uma falsa aproximação, visto que seria aplicável apenas à habilidade de se “sair bem” e com humor
das situações. Todas as figuras mencionadas diferem da figura de Macunaíma, o herói nacional sem
nenhum caráter, de Mário de Andrade. Ele não tem um perfil social específico, na mesma medida
desdenha e usufrui da cultura e condições sociais, não pertencendo à história de nenhuma época ou
lugar. As personagens citadas são, ao contrário, fundamentalmente inseridas em épocas e lugares, sendo
a transgressão bem-sucedida de normas e expectativas vigentes nesses lugares que constitui a base de
malícia esperta com que travam as relações sociais.

A dimensão política da música brasileira popular está presente desde sua origem: o samba já era
rebelde à ordem social que o excluía. O ritmo era a expressão manifesta da vida cultural de sujeitos
anônimos, ex-escravos baianos que afluíram para o Rio de Janeiro no final do século XIX e, na capital,
passaram a integrar o contingente de população do centro e bairros como Saúde, Lapa, Estácio;
posteriormente, dos morros da Favela de São Carlos e da Mangueira. O samba nasceu nesses espaços
e se expandiu apesar da repressão policial à modalidade musical e à dança, como também às religiões
africanas que propiciavam festas após os cultos.
154
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

A rebeldia musical mansa acabou por seduzir e conquistar a sociedade branca da classe média
urbana que, por sua vez, conquistou o samba, para depois quase expropriá-lo de sua origem. Letras da
época valorizam o samba, criação orgulhosa de uma classe de gente especial, diferente das gentes de
outras classes, especialmente dos brancos. No cotidiano dos sambistas, a maestria é “dom de nascença”,
inatingível aos demais. Traçava-se dessa forma uma linha divisória esfumaçada, porém radical, entre
brancos e negros: à expressão “fazer trabalho de branco”, correspondia outra, a de que “branco não sabe
sambar”, ambas equivalentes em preconceito.

O sambista popular estava em desvantagem para inserção no mercado de trabalho: o samba não
era elaborado em linguagem ao gosto da classe média, como eram os feitos por Noel. Mas os sambas
de meio do ano que alimentaram a indústria do disco e as rádios traziam temas extraídos do cotidiano
das classes populares, focalizados com a graça de quem tem da linguagem um manejo superior e que
também convivia com “violão, samba, prontidão, prestamista e vigarista” (ROSA, 1955).

Rosa considerava o samba um produto da cidade, da classe média branca e “civilizada”. Não é à toa
que ele perguntou a Wilson Batista: “quem é você, que não sabe o que diz?” (1954). Afinal, o samba
da Vila era melhor, porque “a Vila tem um feitiço sem farofa, sem vela e sem vintém, que nos faz bem,
tendo nome de princesa, transformou o samba num feitiço decente, que prende a gente” (ROSA, 2000).
Os argumentos do chamado poeta da Vila mostram a superioridade de samba feito por bacharel, branco,
boêmio, em comparação aos dos sambistas do morro, uns malandros (embora a maioria trabalhasse, em
empregos humildes e temporários). Noel externou essa opinião em entrevista a O Globo:

O samba está na cidade. Já esteve, é verdade no morro, isso no tempo em que


não havia aqui embaixo samba. Quando a bossa nasceu, a cidade derrotou o
morro. O samba lá de cima perdeu o espírito, o seu sabor inédito. Em primeiro
lugar, o malandro sofreu uma transformação espantosa. Antes era diferente;
agora está mais ou menos banalizado. A civilização começa a subir o morro,
levando as suas coisas boas e suas coisas péssimas (NOEL apud TONI, 1987,
p. 127-139).

Em uma cena do filme Cinco vezes favela (1962), sob direção de Caca Diegues, o sambista do morro,
popular, foi paulatinamente vencido nessa competição. Sua atividade de compositor não permitia
atender as exigências de consumo que a vida lhe colocava, enfim, ele não podia viver do samba. Dessa
temática, aparece um gênero de música a que Sérgio Cabral denomina crônica do morro, sinalizando
a existência de inúmeros compositores populares anônimos nos morros. Deles, poucos se tornaram
conhecidos do grande público: apenas os que conseguiram gravar. A ambivalência entre o mundo do
morro e avida na cidade aparece nas letras, levando o sambista a valorizar e a ridicularizar seu mundo,
lamentá‑lo e enaltecê‑lo.

Essa ambiguidade, entre outros fatores, afetará o processo de formação da cidadania e de um


referencial social; vai sendo instalada na cultura a concepção de que morro não é apenas como um
espaço geográfico, mas um espaço social, cultural e econômico situado fora da ordem social, ligado a
outras instâncias igualmente fora da ordem, como samba e carnaval.

155
Unidade II

Figura 26 – Noel Rosa

Datam dessa fase sambas clássicos de compositores da cidade, como Chão de estrelas, de Orestes
Barbosa e Sílvio Caldas (1971), com versos poéticos do tipo: “nossos trapos comuns dependurados/ a
porta do barraco era sem trinco”. Nas letras de Ary Barroso (1953) são encontradas a valorização da
“morena de boca de ouro”, a de um “nego veio” que ”tem pena de ter se estragado”, ao lado da outra
face das cores morenas, como decadência, abandono de crianças e outras misérias ocultas na batucada:
“No dia em que apareci no mundo, juntou uma porção de vagabundo [...] depois do meu batismo de
fumaça, mamei um litro e meio de cachaça, bem puxado, e fui adormecer como um despacho, na porta
dos enjeitados” (BARROSO; PEIXOTO, 1934).

É importante notar que essas letras da música brasileira são em sua maioria a construção do “outro”
por parte dos compositores e letristas: é a cidade (branca, classe média etc.) que constrói na poesia o
mundo do morro, de cabrochas mulatas e de malandros.

No período que se estende dos anos de 1950 até meados da década de 1960, são vários os sambas
de compositores populares e de classe média que tomam o povo e o cotidiano popular como tema.
Conceição, sucesso de Cauby Peixoto, é exemplo da trajetória da mulher que desce do morro para
subir na vida, mas sem sucesso. Esse mesmo tema será retomado por Chico Buarque em Quem te
viu, quem te vê, só que nesse caso a ascensão social havia acontecido. Em paralelo, as marchinhas de
carnaval focalizam aspectos e personagens da classe média sob o prisma de uma crítica bemhumorada,
mas ferina: Maria Candelária (CALDAS; CAVALCANTI, 1951), a “funcionária que caiu de paraquedas no
escalão mais alto da burocracia do Estado” é um exemplo.

O favoritismo político encarnado pela Maria Candelária é reproduzido em um samba de Ismael


Silva, Antonico, mas é uma modalidade de relação política até hoje usual. O interessante nesse
caso é a argumentação.
156
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Ó, Antonico
vou-lhe pedir um favor
que só depende da sua boa vontade
é necessária uma viração pro Nestor
que está vivendo em grande dificuldade
ele está mesmo dançando na corda bamba
ele é aquele que na escola de samba
toca cuíca, toca surdo e tamborim
faça por ele como se fosse por mim
Fonte: Silva (1957).

Note-se que Ismael, negro, sambista, compositor, conhecido como malandro, dependia ele mesmo
dos empregos arranjados pelos amigos. Note-se também que o Nestor da letra tinha qualificação para
o samba, não necessariamente para o emprego, aliás, não mencionado na letra, uma vez que era só o
salário que faltava a Nestor.

Na década de 1950, o cinema nacional é decididamente influenciado pelo realismo italiano, o


que significa levar às telas um Brasil real, embora cinematográfico, como em O cangaceiro (1953).
Relativamente distante desse realismo de cinema, Nelson Pereira dos Santos realiza, no Rio de
Janeiro, filmes nos quais as favelas e o cotidiano da cidade maravilhosa aparecem sem retoques: Rio
40 Graus (1955) é quase um documentário de um domingo carioca, com direito a futebol, praia, sol
e discriminação social e racial. Já Rio Zona Norte focaliza a saga dos sambistas de morro, sempre
obrigados a vender seus sambas para sobreviver, como se passou com Ismael Silva e tantos outros.

Embora não fossem filmes com caráter de denúncia (esses apareceram mais tarde), eles expunham as
condições de sobrevivência do segmento pobre da população, do favelado, dos moradores dos subúrbios,
fossem negros ou não, e ainda não apontados como excluídos (conquanto já o fossem). À medida que
os filmes de Nelson fazem essa exposição da democracia social e racial à brasileira, eles instauram
decididamente a perspectiva crítica no cinema nacional, antecipando o Cinema Novo e a Estética da
Fome, de Glauber Rocha.

O samba de Zé Kéti em Rio 40 Graus (1955), A voz do morro (KÉTI, 1955), sintomaticamente reafirma
a identificação entre morro e samba: ”eu sou o samba, a voz do morro sou eu mesmo, sim, senhor, quero
mostrar que eu tenho valor, eu sou o rei do terreiro”. Mas essa afirmação identitária é bem distinta das
romanceadas anteriores.

Em meio ao desenvolvimentismo eufórico e populista dos anos de 1950 e 1960, não escapam os
olhares solidários que flagram nas letras as contradições sociais, como fazem, por exemplo, Pedro
Caetano e Luís Reis (1975) em Olha o leite das crianças, focalizando o sambista anônimo, popular, no
morro. A criação popular aparece descrita como atividade solitária em tempo expropriado pelo sambista
de seu próprio descanso do trabalho.

157
Unidade II

É madrugada, o morro está descansando, e o sambista vai bolando, uma


ideia genial, que dê um samba que se considere forte e que possa dar sorte
de ganhar o carnaval. O morro é sonho e poesia em volta do barracão, mas
o pão de cada dia acaba a inspiração; com a cabeça pesada, vai pra cama
descansar. A nega está acordada e começa a reclamar: — Não se come
poesia, nem se vive de esperança, levanta, nego, que é dia, olha o leite das
crianças (CAETANO; REIS, 1975).

Nos anos de 1960, o foco do cinema nacional recai sobre os aspectos contraditórios da inserção social:
Cinco vezes favela (1962) é um clássico do cinema nacional, com episódios dirigidos por nomes consagrados
da cinematografia brasileira, então universitários ligados à UNE e ao já mencionado Centro Popular de Cultura
(CPC). O propósito era estabelecer uma mediação intelectual entre a situação de exploração vivida pelo povo
e a produção cultural para o povo e demais segmentos sociais, promovendo, dessa forma, a conscientização
para uma luta política transformadora da sociedade. Nessa mediação promovida pelo CPC, o processo de
conscientização política da exploração é um caminho no resgate da dignidade entre favelados.

A cor da pele, o jeito de sambar e certa determinação são as características dessas personagens
pobres, negras e muitas vezes acovardadas perante a injustiça, as dívidas e o desemprego. Nas imagens
produzidas, podem-se depreender os detalhes da penúria, inicialmente romantizada pelo cinema,
mas agora exposta cruamente nas telas: são as latas d’água carregadas na cabeça, as roupas no chão
dos barracos, os cachorros magros, os barracos apertados, os detalhes de uma miséria urbanizada,
encarapitada no morro, ainda pouco povoado.

A violência social da seca e a miséria das migrações dos nordestinos para o Sul são temas reiterados
no período, fazendo surgir na tela corpos queimados de sol, figuras feias, miseráveis e sofridas, vítimas
da inconsciência política e dos governos. O nordestino será tema de muitos dos filmes e documentários
nacionais da década de 1960 em diante, não só como migrante e cangaceiro, mas em múltiplos papéis
e condições, inclusive em versões femininas.

Foi o Cinema Novo, tendência central do cinema brasileiro na década de 1960, que fez aparecer nas
telas figuras inseridas no jogo autoritário de poder no Nordeste: de um lado, o proprietário da terra, seus
jagunços e a polícia, de outro, o trabalhador rural, o pequeno posseiro ou ainda o peão, todos atingidos
pela violência do latifundiário em um sertão de seca. Sustentando esse quadro, a cultura do sertão, a
violência e a obediência em tempos de fome e injustiças.

Em O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969) e Deus e o diabo na terra do sol (1964),
de Glauber Rocha, encontram-se as distintas modalidades de poder tradicional sustentando práticas
autoritárias que entram em confronto: o cangaceiro Coirana, o justiceiro a serviço do delegado
aproveitador, a loira amante do delegado e esposa do coronel velho e decadente, Ogum, o deus guerreiro,
o professor intelectual com suas ideias e decepções e, finalmente, o povo mirrado, miserável e corajoso.
Antonio das Mortes, o Dragão, com seu corpanzil ameaçador, é a manifestação mais clara de um “cabra”
a serviço dos poderosos, no entanto, cumprida a tarefa, ele se sente roído pelo remorso. A estrada para
a cidade grande é o destino final, e o autoritarismo sem discussão se mostra esgotado em seu modelo
originário, mas a disposição para a submissão continua no povo.
158
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Em A hora e a vez de Augusto Matraga (1965), de Roberto Santos, baseado em conto de Guimarães
Rosa, mostra-se como a violência perdura sob o silêncio e a conformidade, para explodir depois. A
música do filme, de Geraldo Vandré, amplia o sentido dessa morte de resgate: “se alguém tem que
morrer que seja pra melhorar” (VANDRÉ, 1966).

Saiba mais

Muitos filmes dessa escola ressaltam a rusticidade do homem do sertão,


a violência e o autoritarismo. Trata-se de um cinema que trouxe para as
telas um Brasil ignorado pelas metrópoles, um povo rude, miserável e
explorado. Por meio dos links a seguir você pode observar algumas imagens
marcantes dos filmes em questão.

DEUS e o diabo na terra do sol. Adorocinema. Fotos. Disponível em:


http://www.adorocinema.com/filmes/filme-91057/fotos/. Acesso em: 10
jan. 2020.

O DRAGÃO da maldade contra o santo guerreiro. Adorocinema. Fotos.


Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-92/. Acesso em:
10 jan. 2020.

O PAGADOR de promessas. Adorocinema. Fotos. Disponível em: http://


www.adorocinema.com/filmes/filme-3759/fotos/. Acesso em: 10 jan. 2020.

VIDAS secas. Adorocinema. Fotos. Disponível em: http://www.


adorocinema.com/filmes/filme-3210/fotos/. Acesso em: 10 jan. 2020.

CABRA marcado para morrer. Adorocinema. Fotos. Disponível em:


http://www.adorocinema.com/filmes/filme-17609/fotos/. Acesso em: 10
jan. 2020.

Uma cena de Terra em transe (1967), de Glauber Rocha, filme construído sob a estética do Cinema
Novo, aprofunda o exame das implicações e articulações políticas entre os vários segmentos sociais
envolvidos em um projeto de transformação da sociedade, embora o país em questão seja o imaginário
Eldorado. Estão no filme de 1967 as injunções políticas que caracterizaram o Golpe de 64: o setor
multinacional, o papel dos intelectuais, dos empresários, do político centralizador, do ditador autoritário
e o do povo (simbolicamente silenciado pelo intelectual que lhe tampa a boca em um comício).

O percurso até agora teve por objetivo explorar o conteúdo político e de construção de identidade no
cinema e na música popular, mas é preciso esclarecer que um espectador no cinema não vê o processo
de inserção social ou de construção da cidadania, mas uma manifestação singular, individualizada, que
expressa aquele processo.

159
Unidade II

Nesses termos, o espectador se posiciona em relativa liberdade para dirigir seu olhar de entendimento
para dentro do filme ou para fora dele: um movimento que orienta o olhar para o conteúdo do filme,
como se procedesse a uma crítica interna do que vê, outro movimento que se dirige para fora do filme,
na tentativa de traduzi-lo pelo contexto social e político, tendências ideológicas e estéticas disponíveis
em seu repertório.

O olhar “para dentro do filme” incomoda o espectador da classe média conservadora e afluente quando
se vê representado em preconceitos e posturas nas telas, e os filmes de Sérgio Bianchi (Cronicamente
inviável e Quanto vale, ou é por quilo?) são exemplos dessa tendência.

Todavia, filmes e letras de música também não mobilizam para a ação política, embora possam
despertar contingentes sociais específicos para a realidade que não está na tela, mas na rua, fora do
cinema. Além disso, o espectador brasileiro se acostumou à linguagem do cinema americano (começo,
meio e fim), à narrativa previsível, rápida, recortada por cenas de violência e sexo (essas mais demoradas,
mas também cumprindo certo ritual).

Grande parte do trabalho de produção de um filme consiste em orientar o entendimento do


espectador, e um elemento significativo desse trabalho compreende a escolha das músicas que vão
constituir a trilha desse entendimento. Desse modo, o jogo entre o visual e sonoro de um filme
estabelece um campo de percepção estético e ideológico para o espectador, construído na sonoridade
prontamente reconhecível, porque integra a experiência cotidiana do espectador, ou construída da
sonoridade inusitada, estrangeira ao cotidiano, reconhecível como diferente, moderna, contemporânea.

No filme Cinema de lágrimas (1995), a música Cinema novo, de Gilberto Gil e letra de Caetano
Veloso (1993), descreve a relação entre música e cinema na cultura brasileira apontando estilos e
tendências musicais. Também comenta:

O filme quis dizer: “Eu sou o samba”


A voz do morro rasgou a tela do cinema
E começaram a se configurar
Visões das coisas grandes e pequenas
Que nos formaram e estão a nos formar
Todas e muitas [...]

Fonte: Caetano; Gil (1993).

Cinema e música popular fizeram vazar a sociedade brasileira em canto e imagem, quando cineastas,
músicos, poetas, compositores, intelectuais, estudantes e outros segmentos engajados foram silenciados
pela censura, impossibilitados de refletir sobre a sociedade brasileira e sobre os (des)caminhos pelos
quais estava sendo conduzida, nas mãos dos militares, das elites ávidas e da classe média compassiva.
Foi um tempo em que era preciso cantar, “e foi por isso que as imagens do país desse cinema/ entraram
nas palavras das canções”, encerra Caetano (CAETANO; GIL, 1993).

O processo até agora comentado leva a uma questão: quem fala de cidadania para quem? Um
percurso construído por filmes e canções que vêm dos anos de 1920 (ou antes, nas canções) e que foi
160
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

interrompido ao final dos anos de 1960, na modalidade que vinha sendo adotada. A partir de então,
cinema e música popular, sem deixar de lado a dimensão política, percorrem trajetórias diferenciadas,
mantendo, porém, a perspectiva crítica em relação ao sistema de poder que então se instalara como
atestam Pra Frente Brasil (1983), entre outros.

Em tempos neoliberais, alguns aspectos foram significativos na democratização do país: de um lado,


a manifestação da sociedade civil nas campanhas pelas eleições diretas e na Constituinte propiciou a
organização de sujeitos coletivos, que também tiveram participação na crítica aos programas econômicos,
participaram na eleição de Collor e nas campanhas eleitorais que se seguiram; de outro lado, a política
neoliberal afetou o processo de mobilização.

Para ordenar movimentos que já existiam, bem como para ampliar canais institucionais de
encaminhamento das reivindicações, foram instauradas as ONGs e os projetos de atuação face às
carências específicas que se acumulavam na sociedade. Essas agências servirão de mediação entre o
Governo de um Estado neoliberal e a sociedade civil. Por seu turno, essas agências também facultam, pela
rede de relações com o setor privado, nacional e internacional, acesso a fontes de recursos para manter
os projetos. Todavia, chama atenção o nível de mobilização e de organização atingido por segmentos
sociais específicos cuja direção é mantida à margem das mediações profissionais, mas que mantêm
trânsito nacional e mesmo internacional, dada a semelhança de condições vividas por tais segmentos
no Brasil e fora dele. Esse caso se aplica especialmente às organizações de favelas e periferias e à cultura
hip hop, que, embora integrando os movimentos de favelas, mantém um perfil e uma organização
próprios. São exemplos dessas organizações a Central Única das Favelas (Cufa) e o Movimento Hutuz,
entre outras.

Com perfil e objetivos próprios, também o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
se caracteriza por ser uma organização de caráter reivindicatório, bastante articulada politicamente
e cujos objetivos são diretamente relacionados à política dos governos em relação à reforma agrária.
Conforme o site do movimento, ele mantém relações com organizações internacionais similares em
31 países e compõe um quadro de 17.500 trabalhadores de 24 estados do Brasil. Vale destacar que suas
linhas políticas estão relacionadas ao controle do aquecimento global e ao combate do desmatamento
da Amazônia (MOVIMENTO..., 2009).

Nesse ponto, vale a pergunta: quem é o cidadão brasileiro? Qual a imagem construída para esse
conceito originário da teoria política cuja existência concreta iguala o proprietário do carro de último
ano, de marca famosa, ao pedestre molambento que tenta atravessar a rua? Provavelmente, uma primeira
caracterização remeteria ao consumo de roupas, adereços etc., compondo a imagem do indivíduo que
passa na calçada, aliás, como foi feito com a palavra molambento. Se na ordem tradicional a questão
“Quem é ele?” remeteria para a rede de status e privilégios, hoje, a questão remete à aparência, à
linguagem que se usa, às roupas que ele veste, onde mora e, mais importante, o ano e marca de seu carro.

Como esse processo é geral, e mais acentuado nos segmentos jovens, forma-se uma demanda pelo
aparente que alimenta o comércio popular, a pirataria das marcas famosas e as lojas de alto luxo. Se a
inclusão social implica ter acesso a uma aparência diferenciadora, a alternativa reside em desenvolver
uma identidade, um referencial na própria cultura, resgatar a identidade, reformulá-la para os dias
161
Unidade II

atuais, valer-se dos instrumentos de comunicação empregando a própria linguagem, a própria estética.
Parece ser esse o propósito e a estratégia adotada pelos movimentos negros e de favelados, e, nesse
sentido, pode-se falar de cidadania em construção como parte do processo de construção dos sujeitos de si.

Agora é um sujeito coletivo que fala para o resto da sociedade civil, inverteu-se o sentido do discurso:
é de fora que o discurso chega para a sociedade, e não solicitante, o sujeito se posiciona portador de um
discurso tão competente quanto outro qualquer, apenas diferente. É na pluralidade dos discursos que se
instaura a democracia, e não no consenso planejado.

É preciso lembrar que a constituição de um espaço social da exclusão resultou da própria dinâmica
social da economia urbana industrial, cuja incapacidade de absorção do fator trabalho resultou na
produção de um contingente excedente de “sobras” ou de “reserva inútil”. O processo foi intensificado ao
ritmo do crescimento da economia, sua natureza excludente também era considerada condição para as
elevadas taxas de crescimento. Portanto, ao ritmo do enriquecimento das elites, cresciam os segmentos
sociais das “sobras”, na verdade, complementares aos primeiros.

Nos filmes sobre presídios em meio à violência, a condescendência interna: “Aqui são todos inocentes,
Doutor”, diz o velho para o médico, e o espectador se pergunta: “Inocentes de quê?”. Carandiru (2003)
mostra duas realidades, duas sociedades que se tornam paralelas: as regras, normas e expectativas da
sociedade do exterior são incontestáveis, os erros indesculpáveis, mas a solidariedade ao pequeno grupo
de sobrevivência, obrigatória. Na sociedade do confinamento, de homens machos e homens damas,
também existe o amor, a gentileza, o terror e um Deus, qualquer um, que se permita entrar atrás das
grades sem ser mais um juiz condenando: “Jesus te ama!”, grita o pastor em Carandiru. “Você aceita
Jesus?”, continua gritando.

A exclusão, contudo, não é completa, excluir socialmente não é apagar gente da existência e seu
modo de viver, também não é vigiar essa gente permanentemente, o que é uma tarefa impossível.
Então, qual o sentido da prisão, do confinamento? Dicró, um sambista irreverente, responde em versos
toscos um aspecto da relação entre a instituição penal e todo o campo de poder saber e de técnicas
que a mantém, uma dimensão apontada por Foucault (1988b), e também por Bourdieu (1989) em
outro discurso, aquele do saber acadêmico. Dicró situase em um campo, o da música popular, uma
discursividade paralela que problematiza a existência.

O vagabundo é que garante o pagamento dos homens


porque um preso dá vários empregos, você pode
acreditar
É um policial pra prender
um delegado pra autuar
um promotor pra fazer a caveira
um juiz pra condenar
um carcereiro pra tomar conta
um advogado pra soltar

Fonte: Dicró (2002).

162
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

As formas de contato entre esses mundos tão distantes forneceram material para os documentários
Aqui favela, o rap representa (2003), Uma onda no ar (2002), O rap do Pequeno Príncipe contra as almas
sebosas (2000), Babilônia 2000 (1999) e Fala tu (2003), entre outros. As favelas aparecem como um
mundo pobre, fervilhante de música, dança, canto, criatividade e trabalho.

Há uma especificidade no discurso e prática da cidadania que Uma onda no ar deixa muito clara: uma
rádio local é importante para divulgar as notícias que interessam àquele espaço do morro ameaçado de
desmoronamento pela chuva, das crianças que estão (ou não) na escola, das músicas que querem ouvir
etc. Nas condições efetivamente vividas é que os jovens de Uma onda no ar enraízam sua cidadania,
cujo processo de fazer acontecer é transgressor, mas acaba por ser legitimado por Estado, imprensa e
instituição internacional. Esse também é o tom (afinado) de Aqui favela, sobre a vida no Vidigal. Já o
vídeo O Pequeno Príncipe conta outra estória: o Pequeno Príncipe é um justiceiro de 21 anos, com 65
assassinatos de bandidos (almas sebosas) e, por isso, estimado pela população local. O autor do rap é
outro jovem.

Esses opostos emergem no mesmo espaço social que foi inserido para fora da sociedade hegemônica
de consumo. Semelhantes na idade, inserem-se também na ordem produtiva: a música para um, o
assassinato por encomenda para o outro. Muitos na comunidade consideram-no injustiçado, uma
vez que ele exterminava bandidos e talvez alguns desafetos dos clientes. Nesse momento, pode-se
perguntar: “Se há clientes para isso, de onde eles vêm?”.

Com certeza não é de um grupo de traficantes, armados até os dentes, eles não precisam de
justiceiros, eles “são a justiça”. Também não seria dos elevados níveis sociais, uma vez que o justiceiro
estava preso e pobre. Os justiceiros em geral trabalham para comerciantes, classe média remediada.
Há um vínculo de cumplicidade e silêncio entre o justiceiro e quem o contratou, um vínculo de
trabalho informal, ligando o exterior da ordem com segmentos médios da ordem social, exatamente
os segmentos sociais moralizadores que abrigam muitos dos defensores da pena de morte e que
falam de cidadania na defesa das vítimas dos marginais. Essas relações tortuosas podem ser vistas no
filme O homem do ano (2003).

Outros filmes, como Cidade de Deus (2002) e Como nascem os anjos (1997) focalizam a trajetória
de jovens e crianças da pobreza e abandono nas favelas para a criminalidade. Nesses e em outros, o
abandono ou o problemático relacionamento familiar, enfim, a carência afetiva parece ser o denominador
comum que empurra os jovens para uma vida de criminalidade que lhes permite dispor de poder, armas
e dinheiro (caso de Zé Pequeno em Cidade de Deus), mas esse mesmo ambiente motiva outros jovens
em outra direção (como Buscapé no mesmo Cidade de Deus).

A história se repete em inúmeros filmes e também no vídeo Falcão, meninos do tráfico (2006), ali
os detalhes formam um quadro mais preciso: não é apenas a violência gratuita, para mostrar poder
que faz a carreira do jovem (como aparece em Cidade de Deus), mas também a pressão por uma vida
confortável, valorizada, importante. Uma vida que pode ser de vinte anos, mas quem se importa? Vinte
anos vivendo do melhor é melhor que trinta em condições difíceis, explica um dos entrevistados. Mas
qual a fonte de renda desses jovens? A droga que chega sistematicamente, não importa como, aos
pontos de distribuição e também as armas que igualmente chegam para defender a droga, defender a
163
Unidade II

vida dos “soldados”, enfim, para garantir o negócio e suplantar a concorrência. Não só a droga, como a
pirataria e outras modalidades de negócio fraudulento, prostituição e jogo.

Esses jovens integram o segmento da oferta dos produtos e do proibido, eles estão do lado de fora da
ordem social; a demanda, por sua vez, está em outros locais, do lado de dentro da mesma ordem social, assim
como estão todos os setores envolvidos no arranjo institucional que protege esse mercado. Talvez seja esse
aspecto um dos menos estudados da exclusão social, exatamente o vínculo entre esse fora e esse dentro
(talvez porque seja mais interessante olhar para fora da janela que para dentro da casa, toda desarrumada).

Contudo, de certo modo, é o que aparece em Diabo a quatro (2004), sobretudo em Cama de Gato
(2002): duas mortes, um estupro, quatro jovens recém-ingressados na universidade, de classe média
abastada. Uma série de incidentes a partir de uma diversão: o estupro de uma conhecida, evidentemente
de outro extrato social. A tranquilidade dos jovens e o apelo ao pai de um deles (advogado) já prenunciam
a impunidade sem remorsos (“eles já foram punidos”, disse a advogada dos jovens que queimaram um
índio por engano, eles pensaram que era um morador de rua).

Em Antônia (2006), o espaço social focado é semelhante ao do morro (periferia de São Paulo), mas a
música é outra, os ritmos também outros (funk, hip hop), e as palavras reiteram a valorização de quem
canta “Oh, Antônia brilha/ Antônia sou eu/ Antônia é você/ Oh, Antônia, brilha/ e qualquer uma/ Antônia
pode ser” (Negra Li/Leilah Moreno/Quelyna. Antonia). Entre Antônia e a Voz do Morro há uma distância
de mais de meio século, mas foram distâncias sociais e culturais que motivaram Zé Keti e as Antônias de
hoje a dizerem do valor de sua gente em suas músicas.

Unindo imagem e som, o cinema, meio de comunicação, constrói a realidade social e o outro,
apontando a diversidade e ao mesmo tempo harmonizando com o cenário mais amplo. Essa combinação
do moderno e do regional em música, letra e imagem aparece em Amarelo manga (2002) em várias
sequências. Em uma delas, Jorge Du Peixe e Lúcio Maia criaram com o som de uma guitarra o contraponto
moderno e lancinante, enquanto o povo pobre de Recife aparece na tela: o som grita o desencanto dos
olhares das crianças, velhos, e das mulheres gordas que oferecem silenciosas em barracas sujas a manga,
fruta macia e meio gordurosa, despudoradamente amarela. Tempo Amarelo, de Nação Zumbi canta
o que o cinema já mostrou: “Amarelo do sorriso no rosto encardido do povo fudido e sofrido com a
carapaça cansada” (BOLA 8, 2002).

O contraste entre o moderno e o regional pobre, símbolo de Recife, terra do mangue beat, não
poderia ser mais claro: a modernidade das parabólicas e do tempo acelerado contrasta com o tempo
escorregadio e repetitivo do cotidiano, tal como denuncia o monólogo de uma personagem (dona de
um bar) em Amarelo manga: incomoda-lhe o ambiente, a reiteração das falas e a presença das mesmas
pessoas; à gorda da pensão incomoda o tempo tornando-se passado, aproximando-a da morte. Assim
as personagens vivenciam aquele tempo, meio escorregadio, mas que pode irromper em violência a
qualquer ponto, como a manga que cai da árvore, esborrachando-se no chão.

De qual cidadania se pode falar aqui? Na verdade não se constitui um social como tessitura, mas um
conjunto de individualidades, entre conformistas, temerosas do pecado na Igreja, e as desencantadas.
Na verdade, o discurso da cidadania parece agora remeter para quem fala: o “outro” não existindo
164
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

em mim, não há alteridade, mas. Se os limites deixaram de existir, sobrevém um grande vazio, ainda
não dominado: quem fala de cidadania também não existe no “outro”, é um lado de fora sem lado de
dentro. A relação com o “outro”, uma relação de espelho, que foi estilhaçado no processo, só poderá ser
restabelecida ao longo de um tempo e em condições muito especiais. Talvez resida aí a condição básica
para a violência: o “outro” não existe em mim, mas também “eu” não existo nele. Ele é uma imagem de
perigo, eu a imagem de posses, mas não me reconheço nessa imagem, mas e daí?, ele deve pensar.

O diálogo anterior remete à sociabilidade como estabelecimento de modalidades de comunicação


com o “outro”, implicando portanto formas de reciprocidade e expectativas orientadas por padrões
culturais e valores. As formas de sociabilidade correntes em um dado momento e sociedade podem
ser entendidas como mediações simbólicas entre um sujeito e o outro, evidentemente afetadas pelas
condições históricas em mudança.

É fácil entender que as formas de sociabilidade, por exemplo, as que regem as relações entre gerações,
entre pais e filhos, passaram por mudanças significativas: elas se tornaram mais informais, mais íntimas
do que foram no passado relativamente próximo. Os meios de comunicação, notadamente a TV, rádio e
cinema registram essa mudança como parte da construção de cenários sociais em que as personagens
contracenam, mas também esses meios estimulam o processo, na medida em que fornecem modelos, e
os apontam como mais adequados às condições sociais contemporâneas.

Nesse contexto, as formas de sociabilidade aparecem como representificação, não envolvem


o espectador como participante, mas lhe oferecem um espelho. Seja na tela grande, na telinha ou
ainda no rádio, existe um espaço entre o que na cena se desenrola e o espectador ou ouvinte. As
novas tecnologias de comunicação avançaram sobre esse espaço inserindo os agentes da comunicação
(emissor e receptor) como atores no processo, enquanto estabeleceram as regras da comunicação.

Essa é a situação experimentada em um jogo on-line: os jogadores estão distanciados, interagem


segundo regras definidas pelo software do jogo, mas são apenas marcas no espaço virtual do jogo.
Quem são eles? São aquilo que informaram, mas esses dados podem ser fictícios: a jovem loura, de
19 anos, pode ser uma senhora gorda, de cabelos brancos. Seu nome não será aquele nickname, mas o
acesso ao jogo só será possível mediante cadastramento, ou seja, um passaporte com senha e ID.

Mais recentemente, a web câmara tornou possível o relacionamento mais próximo, e até íntimo, nos
sites de sexo virtual. A tela do computador e o teclado são colocados como equipamentos de mediação
nas carícias e fantasias sexuais, mas elas não deixam de ser formas inovadoras da velha masturbação,
o prazer individual e o gozo permanecem solitários (a moça está apenas fazendo o seu trabalho, e de
modo ainda mais distante e indiferente que o da prostituta da esquina).

As anteriores salas de bate-papo, os grupos, os sites e blogs implicam formas de sociabilidade


relativamente distintas: neles, pessoas entram em contato, expõem e discutem temas, assuntos e notícias.
O vínculo social que as conecta é o interesse pelo tema e as posturas em relação aos assuntos tratados,
portanto nesse primeiro momento são indivíduos que se situam no coletivo do grupo a partir de apenas
uma dimensão de sua individualidade: a intelectual, mesmo que seja música, poesia, lembranças da
infância ou matemática.
165
Unidade II

De fato, os meios de comunicação realizaram um percurso que foi da comunicação de massa à


individualização. As redes sociais reconstruíram o social no espaço de sua mais completa ausência: o
espaço virtual. Dessa forma, alteraram as relações sociais, uma vez que todos ali sorriem, são amigos,
embora não se conheçam.

As redes sociais do tipo MSN, Facebook, Twitter, entre outras, observam aproximadamente o mesmo
padrão de reconstrução da sociabilidade, porém em outra direção: na verdade, elas instauram um
indivíduo no contexto de um grupo e tema (“Você está convidado para o meu facebook.”, tal costuma
ser a origem dessa construção). Elas articulam pessoas, indivíduos cujas preferências e interesses são
aproximados e, devido ao poder de articulação que as fundamenta, têm papel significativo na cultura
contemporânea, portanto na redefinição da sociabilidade, centrada no individualismo e na concepção
de uma cidadania virtual redefinida.

Por tudo isso, a contradição entre sociabilidade contemporânea e individualismo só é aparente:


a sociedade atual é centrada no indivíduo, tomado como agente do consumo, da vida social, fator
decisivo para o sucesso das empresas (na qualidade de cliente), dos governos como eleitores e cidadãos,
como voluntários do terceiro setor etc. Nesses termos, o social aparece apenas como engaste dessas
individualidades em contato e sempre em luta. Como foi apontado antes, esse individualismo não implica
o abandono das formas de comunicação que apelam para o coletivo, mas encontrar uma categoria
social de generalidade à qual se referir.

No populismo getulista, a fórmula foi “trabalhadores do Brasil”, mas Collor usava “minha gente”
ou “descamisados”, mas a quem esses chamamentos efetivamente se referiam? À classe média? Aos
eleitores como classificação jurídica e institucional de um vínculo com o Estado? Nos dois casos, esse
candidato supunha uma relação entre ele e o receptor de seu discurso (eleitor) cuja relação com a
política residia no fato de não ter camisa? É estranho. E, por falar em descamisados, a imprecisão
era ainda maior, uma vez que camisa não é exatamente a roupa daqueles a quem o candidato se
referia, mas, sim, camiseta, no entanto, o leitor há de convir que “descamisetados” é ainda mais
estranho. O que dizer do termo companheiros, sempre no início dos discursos sindicais, mas que
posteriormente foi usado em almoços com industriais e em muitas outras situações nas quais
realmente poucos eram os companheiros?

Durante as campanhas da Legalidade, nos anos de 1960, e das Diretas Já, nos anos de 1980, o
comportamento esperado se situava na instância própria, a política: em um caso, a mobilização popular
em frente ao Palácio Piratini, em Porto Alegre (Leonel Brizola), em repúdio ao golpe dos que pretendiam
impedir a posse de Jango, vice-presidente, após a renúncia de Jânio Quadros; no segundo caso, além
do comparecimento aos comícios, a manifestação política adquiriu formas inusitadas, como o chamado
panelaço (bater tampas de panela ou outro ruído semelhante em determinado momento, previamente
combinado). Nesses casos, o móvel do comportamento era essencialmente político, embora sua
manifestação não fosse (bater panela não é comportamento político), mas comparecer a um comício é.

Nos dois casos anteriores, os meios de comunicação foram utilizados com o objetivo de ampliar
o alcance da mensagem: além da imprensa, o rádio, no primeiro caso; já imprensa, rádio e TV, no
segundo. O leitor atento deve estar se perguntando por que não foi mencionado o caso dos caras
166
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

pintadas, no episódio do impeachment de Collor. E a razão é simples: tratou-se de uma campanha


publicitária, estimulada pela TV, apoiada por instâncias políticas, inclusive facultando, pela suspensão de
aulas, a presença às ruas de estudantes secundaristas desinformados sobre o conteúdo político daquela
suspensão das aulas.

Quanto ao conteúdo do discurso político, ele tende a sensibilizar, esclarecer e informar um dado
contingente sobre suas “reais” necessidades, ou sobre as ditas reais necessidades do país. Esse “discurso
esclarecedor” pode apresentar (e em realidade apresenta) dificuldades para o receptor comum, pois é
um discurso que constrói o social e o econômico a partir de uma perspectiva, mas ele não esclarece
suas premissas, elas são subsumidas no discurso e pressupostas pelos eleitores, apoiados em critérios
outros, e não no discurso. Desse modo, a fala de um candidato entra no jogo das outras pressuposições
em curso, dos vários candidatos, e todos se apresentam como a melhor alternativa. Como então decidir?
Pela habilidade política demonstrada em décadas de tramas? Por atributos como beleza e juventude,
formação e títulos universitários ou, ainda, pela experiência passada de trabalhador?

As bases da legitimidade e coerência do discurso foram, então, substituídas por pressuposições


relacionadas ao candidato, sua aparência, conhecimento ou coerência com um competente discurso
universitário, mas todos esses aspectos não são pertinentes à instância política, eles remetem à
credibilidade que o candidato passa como imagem de produto. O exame crítico da mensagem, de seu
conteúdo, ficou de lado, o que não significa que não será analisado, mas por outros grupos presentes
na sociedade civil. É com eles que o candidato se vai entender, formalizar acordos políticos, explicar-se,
enfim. Esses grupos vão lhe dar apoio ou, ao contrário, promover campanhas difusas de oposição. É aqui
que as redes sociais se tornam redes políticas, em que os recursos de divulgação de produtos, utilizados
pelo marketing, passam a ser utilizados também para divulgar candidatos.

Algumas tendências que emergem na sociedade contemporânea seguem na direção oposta das
massas e das maiorias silenciosas; também não são os públicos recortados pelos meios de comunicação,
tendo em vista interesses pressupostos. São as ditas minorias, no entanto, na prática, esses segmentos
sociais são numericamente significativos. Esses grupos podem ser designados por minorias participativas
e são de fundamental importância para a sociologia, de modo geral, e para a SC em especial.

Todo movimento social, seja de participação políticopartidária, artístico ou de reivindicação, é


conduzido por um grupo, ao qual já foram conferidas denominações distintas: vanguarda, quadro,
cabeça, liderança, a cada uma dessas denominações, correspondendo uma concepção de movimento
e modalidade. Vanguarda, por exemplo, é um termo utilizado em geral para designar movimentos
artísticos, mas também foi utilizado para designar aqueles que conduziam estrategicamente a classe
operária, no processo de luta de classes, na linguagem do antigo Partido Comunista; com sentido
semelhante utilizava-se o vocábulo quadro para designar aqueles integralmente fiéis às diretivas do
partido, representando-as na ação imediata ou nas suas discussões.

Já os termos cabeça e liderança são de emprego mais geral, contudo cabeça era de uso corrente na
repressão política, assim como na investigação escolar de alguma travessura cometida (por exemplo,
quando se diz “Quem foi o cabeça disso?”); a expressão ainda alude à divisão entre trabalho intelectual e
os seguidores, também designados por “Maria vai com as outras”. Já liderança é um termo utilizado para
167
Unidade II

designar uma modalidade de comportamento bastante valorizada no meio corporativo, referindo‑se


àquele que, à semelhança de um “quadro”, incorpora as estratégias adotadas pela empresa e colabora
com elas, até inovando-as dentro de certos limites e, desse modo, imprimindo à própria ação e à dos
companheiros uma condução adequada e produtiva (há toda uma vasta teoria em torno da palavra
liderança, mas ela foge aos objetivos deste livro-texto).

Nessas minorias participativas, que são o objetivo aqui, também se encontram os grupos que as
conceberam, despertando outros, ampliando o alcance da ação. Todavia, não é nosso objetivo nesse
momento focalizar esse pequeno grupo, mas os movimentos porque eles representam fraturas nas
ideias (e na concepção de vida corrente) tidas como gerais na sociedade contemporânea, embora sua
origem possa estar na história, especialmente do século XIX em diante.

Exemplos mais conhecidos dessas minorias participativas seriam: nos Estados Unidos dos anos de
1950 e 1960, o movimento negro, cuja história não foi iniciada por Martim Luther King, mas vem de
antes, em vários momentos e várias situações, desde o direito de o negro usar qualquer assento em um
ônibus, inclusive escolar, como utilização de banheiros públicos, ingresso em qualquer universidade etc.
Também nos Estados Unidos, a Ku Klux Klan (essa tem origem após a Guerra de Secessão), e outras várias
organizações em defesa dos direitos dos brancos americanos, cristãos, protestantes são igualmente
minorias participativas bastante ativas; e como um movimento na defesa da cultura branca, ocidental e
cristã, a organização da Klan se estendeu também para a Europa.

Outro exemplo é o movimento feminista (essa expressão, feminista, não é aceita por todas as
vertentes do movimento), cuja história alcançou evidência também no século XIX, em vários países,
inclusive no Brasil. Conta-se que a esposa de Rui Barbosa era favorável à extensão do direito de voto e
à participação política das mulheres, mas seu marido, o civilista Rui, era contra. Rui considerava absurdo
ouvir no Senado o ruído das anáguas de crinolina (armação das saias) das mulheres.

Esse movimento teve por objetivo, inicialmente, entre outros, o direito de voto (foi a fase das
sufragistas dos anos de 1920), mas tal direito só foi reconhecido no Código Eleitoral de 1932 e na
Constituição de 1934. Contudo, inúmeras mulheres brasileiras, participantes da vida política, cultural,
científica e artística do Brasil, lutaram, individualmente e como movimento, para que a igualdade de
direitos eleitorais entre homens e mulheres fosse instaurada, reconhecida e respeitada (o que até hoje
não se deu integralmente, portanto, a luta continua). O SOF (Sempreviva Organização Feminista) é uma
das organizações que vêm mantendo a luta pela democracia e pela igualdade de direitos.

O movimento em defesa dos direitos dos homossexuais igualmente atingiu notoriedade a partir da
década de 1970, embora tenha se iniciado em 1969, em uma manifestação contra a repressão policial,
em Nova York. Isso não significa situar aí a sua origem, uma vez que o direito de escolher a própria
sexualidade, para além da identificação biológica, sempre foi alvo de repressão (hipócrita) na sociedade;
exemplos são vários, mas a trajetória de Oscar Wilde e o triângulo rosa utilizado pelos nazistas para
identificar homossexuais nos campos de concentração são bastante ilustrativos. A defesa de direitos e a
luta contra a discriminação assumiu grandes proporções em todos os países, e também no Brasil, a partir
dos anos de 1970, diversificado em vários ramos: movimento gay, GLS, GLBT e vários outros.

168
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Outro exemplo de movimentos relativamente recentes são os de defesa do meio ambiente,


abrangendo linhas de ação diversificadas, de proteção aos animais em extinção, de preservação da
natureza, da Amazônia, da Mata Atlântica, com foco no mico-leão-dourado, nas tartarugas e em tantos
outros. Alguns têm origem na oposição à contaminação atômica, como o Greenpeace, atuando desde
1971 (no Brasil o Greenpeace atua desde 1992). Esses movimentos, posicionando-se a favor da natureza
e da vida no planeta, alertam sobre os riscos do aquecimento global, dos transgênicos, do desmatamento
da Amazônia etc.

De modo especial, no Brasil, são significativos os movimentos que visam ao resgate de autoestima
das populações discriminadas social e economicamente, não apenas porque desenvolvem
programas de inclusão social, mas, sobretudo, porque resgatam e divulgam a produção cultural
dessas populações. Os movimentos que tiveram essa origem aparecem em uma contracorrente da
produção massificada, mantendo linguagem e características que os identificam, além de serem
de autovalorização. Nesse caso, encontram-se os vários movimentos de cultura hip hop e de modo
especial o Cufa.

Em praticamente todos os casos, as ditas minorias participativas acabam por se organizar em


associações ou em ONGs, como antes apontado, estatuto que lhes permite autonomia perante o
Estado e um lugar na sociedade civil. Nem sempre, contudo, essa posição fora do Estado pode ser
mantida: há organizações que recebem recursos do Estado, uma vez que o substituem em alguns
dos serviços públicos que o liberalismo contemporâneo retirou de sua esfera de ação. O papel das
minorias participativas na sociedade contemporânea, especialmente no Brasil, é fundamental para a
democratização das relações sociais e para a construção da cidadania em uma sociedade plural, que
em lugar da pluralidade prefere se firmar na diferença.

Resumo

Também deve ficar claro que a dimensão política está sempre presente,
mesmo quando parece não estar, porque a comunicação de um modo de
vida (e das práticas sociais e valores adequados a ele) implica uma seleção
(pelos meios de comunicação) daquilo que deva ser considerado certo ou do
que deva ser considerado errado. Todavia não se trata de algo tão simples,
porque antiquado e feio são adjetivos que substituem o termo errado, e a
substituição, embora não seja perfeita, é usual.

Por isso a construção do social, a formação social brasileira, aparece nos


meios de comunicação como um tema ou conteúdo permanente. Assim, os
brasileiros acabam se tornando tema de produtos culturais dos mais variados,
com implicações significativas nos valores em curso e nas práticas sociais.

As diferenças e semelhanças que nos separam e aproximam aparecem


em construções elaboradas, muitas vezes justificando o mosaico de nossa
identidade. A partir desse mosaico se constrói o discurso da cidadania e
169
Unidade II

da inclusão social. Nesse discurso o sujeito não se revela, mas se constrói


para o outro, tomado como objeto. Aqui novamente a instância política
aparece, mas afetada por um discurso hegemônico, de produção de
verdades de verossimilhanças.

Em paralelo a essa construção, duas modalidades de comunicação social


foram apontadas: a discursividade da música popular e o cinema nacional.
As letras de música, em que pesem as influências externas, reconstroem
nas letras o cotidiano em múltiplas facetas; o cinema representifica a
realidade, em que pesem os gêneros, da comédia ao drama, da ficção ao
documentário (todos os filmes não são a realidade, mas uma construção)
– lembrando que música popular e cinema também passam pelo crivo da
indústria cultural, da dependência cultural ou são afetados pela lógica dos
meios de comunicação.

Ao examinar as condições de construção da cultura e da realidade social


pelos meios de comunicação, foram focalizadas as implicações políticas
do processo, ressaltando-se que nessa construção apoiam-se os consensos
planejados, às vezes fugazes, mas que mobilizam as maiorias no silêncio
conformista, ou desinteressado, coerente com uma sociedade competitiva
e individualista. Supostamente, nessa sociedade, a cultura que permite
formar repertório para análise é relegada a um segundo plano, enquanto a
informação fragmentária é valorizada.

Desse silêncio, que oculta preocupação com problemas do cotidiano,


resulta a falsa suposição de que exista um perfil subalterno de interesses
culturais nas amplas camadas da população. Na verdade, esse perfil é
reiterado na programação dos canais abertos da TV, fechando um círculo.

Finalmente, na vivência contemporânea abrem-se espaços para a


construção de sujeitos, para o exame crítico das opções políticas, enfim,
abrem-se espaços para a discussão do social. Resta saber em qual medida
esses espaços, em geral virtuais, serão utilizados para manifestação de
sujeitos coletivos ou para discussão do último escândalo da celebridade
do momento.

170
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

Exercícios

Questão 1. Leia o trecho do texto “A dimensão simbólica da mercadoria na sociedade de consumo:


um olhar a partir dos pressupostos da educação ambiental”, de Ricardo Gauterio Cruz (2006), e analise
as asserções a seguir.

Maslow organizou a hierarquia das necessidades da seguinte forma: 1º)


necessidades fisiológicas; 2º) necessidades de segurança; 3º) necessidades
de afeto; 4º) necessidade de pertencimento ao grupo social; 5º) necessidade
de autorrealização.

As necessidades fisiológicas são básicas para a sobrevivência e fazem parte da


base do desejo humano. Outros estímulos serão percebidos somente depois
de supridas estas primeiras necessidades. As necessidades de segurança estão
relacionadas com a segurança física e psíquica – significam a necessidade de
abrigo, agasalho e proteção que é provocada pelo temor ao desconhecido,
ao novo, ao não familiar, à mudança, à instabilidade etc. As necessidades
de afeto estão ligadas aos sentimentos afetuosos e emocionais, de amor e de
pertinência às pessoas com as quais se relaciona intimamente. Já as necessidades
de status e estima ocorrem apenas quando o homem se apresenta alimentado
e seguro. Por último, existem as necessidades de autorrealização; nesta fase, o
indivíduo tem a necessidade de desenvolver as suas potencialidades, de conhecer,
estudar, sistematizar, organizar, filosofar (SERRANO, 2003, p. 33).

No processo de satisfação destas necessidades, surgem preferências e


interesses diversos, os quais levarão o indivíduo a posicionarem-se de uma
determinada forma frente às possibilidades de satisfação. A partir deste
posicionamento, e dos benefícios advindos da aquisição de bens materiais, a
ação do indivíduo pode ser classificada como utilitarista – satisfação de uma
necessidade objetiva e funcional – ou hedônica – satisfação de necessidades
subjetivas, como prazer, estética ou “sonho” (CRUZ, 2006).

I – Na ação de compra, seja de um bem durável ou de consumo imediato, o posicionamento utilitarista


e o posicionamento hedonista manifestam-se, definindo o comportamento do consumidor.

PORQUE

II – Do ponto de vista hedonista, a compra de um imóvel para moradia, por exemplo, representa o
interesse por questões como tamanho, localização e estilo arquitetônico da construção.

A) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa correta da primeira.

171
Unidade II

B) As duas asserções são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa correta
da primeira.

C) A primeira asserção é uma proposição verdadeira, e a segunda proposição é falsa.

D) A primeira asserção é uma proposição falsa, e a segunda proposição é verdadeira.

E) As duas asserções são proposições falsas.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das asserções

I – Asserção verdadeira.

Justificativa: na compra de um imóvel, há relações tanto utilitárias quanto hedonistas, ou seja,


considera-se também o prazer que essa compra proporciona ao comprador.

II – Asserção falsa.

Justificativa: o tamanho do imóvel, a localização e o estilo arquitetônico da construção são questões


ligadas a uma visão utilitarista.

Questão 2. Visto como documento na primeira metade do século XX por historiadores da Escola dos
Annales e pioneiros do Movimento da Documentação, o objeto é tema insuficientemente explorado pela
Ciência da Informação. Esse fato deve-se ao caráter verbal dos sistemas de recuperação de informações,
o que faz emergir a oposição entre palavras e coisas.

Com base no exposto e nos posicionamentos de Baudrillard, analise as afirmativas a seguir.

I – Objetos, elementos da materialização da cultura, estabelecem estreitas relações com os fenômenos


memoriais e identitários.

II – Objetos têm um caráter duradouro e constante, o que lhes permite permanecer, por vezes,
relativamente inalterados, através dos vários períodos da vida das pessoas, reinvocando os contextos
dos quais fizeram parte.

III – A lembrança é algo que ocorre em um mundo de coisas e de palavras. Objetos desempenham
um papel central nas memórias das culturas e dos indivíduos.

Está correto o que se afirma em:

A) I e II, apenas.

B) I e III, apenas.
172
SOCIOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

C) II e III, apenas.

D) I, II e III.

E) III, apenas.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das afirmativas

Justificativa: os objetos, como materiais de memória, enfatizam sua importância como registros
ativos de significados simbólicos, e não como universos inertes e destituídos de vida. Os homens
imprimem suas marcas nos objetos que, por se constituírem vestígios da ação humana e sobreviverem
a seus criadores, são capazes de ancorar memórias, fazer lembrar, comunicar e transmitir mensagens.

173
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Figura 3

A) FILE:WANTED_POSTER.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Wanted_poster.


jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

B) FILE:EDITORIAL_CARTOON_DEPICTING_CHARLES_DARWIN_AS_AN_APE_(1871).JPG. Disponível em:


https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Editorial_cartoon_depicting_Charles_Darwin_as_an_ape_
(1871).jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 5

FILE:MANUEL_CASTELLS_NO_FRONTEIRAS_DO_PENSAMENTO_S%C3%A3O_PAULO_2013_
(9032968096).JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Manuel_Castells_no_
Fronteiras_do_Pensamento_S%C3%A3o_Paulo_2013_(9032968096).jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 6

FILE:PIERRE_L%C3%A9VY_(3972094519).JPG . Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Pierre_L%C3%A9vy_(3972094519).jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 7

FILE:DAVID_HARVEY_ON_SUBVERSIVE_FESTIVAL.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/


wiki/File:David_Harvey_on_Subversive_Festival.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 10

A) FILE:CHILDREN_IN_THE_HOLOCAUST_CONCENTRATION_CAMP_LIBERATED_BY_RED_ARMY.JPG.
Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Children_in_the_Holocaust_concentration_
camp_liberated_by_Red_Army.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

B) FILE:NAZI_SWASTIKA.SVG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Nazi_Swastika.


svg. Acesso em: 10 jan. 2020.

C) FILE:HITLER_PORTRAIT_CROP.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Hitler_


portrait_crop.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 11

A) FILE:ADORNOHORKHEIMERHABERMASBYJEREMYJSHAPIRO2.PNG. Disponível em: https://commons.


wikimedia.org/wiki/File:AdornoHorkheimerHabermasbyJeremyJShapiro2.png. Acesso em: 10 jan. 2020.

174
B) FILE:WALTER_BENJAMIN_VERS_1928.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Walter_Benjamin_vers_1928.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

C) FILE:JUERGENHABERMAS_RETOUCHED.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:JuergenHabermas_retouched.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 12

FILE:UMBERTO_ECO_IN_HIS_HOUSE.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Umberto_Eco_in_his_house.JPG. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 13

FILE:LAZARSFELD1941_LGE.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Lazarsfeld1941_Lge.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 14

FILE:HAROLDDWIGHTLASSWELL.PNG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Harolddwightlasswell.png. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 15

A) FILE:JEAN-FRANCOIS_LYOTARD_CROPPED.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Jean-Francois_Lyotard_cropped.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

B) FILE:PIERRE_BOURDIEU_1969_(CROPPED).TIF. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Pierre_Bourdieu_1969_(cropped).tif. Acesso em: 10 jan. 2020.

C) FILE:WIKIPEDIABAUDRILLARD20040612-CROPPED.PNG. Disponível em: https://commons.wikimedia.


org/wiki/File:WikipediaBaudrillard20040612-cropped.png. Acesso em: 10 jan. 2020.

D) FILE:MICHEL_FOUCAULT.PNG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Michel_


Foucault.png. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 16

FILE:ZIGMUNT_BAUMAN_NA_20_FORUMI_VYDAVCIV.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.


org/wiki/File:Zigmunt_Bauman_na_20_Forumi_vydavciv.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 17

FILE:ULRICH_BECK,_2012.PNG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ulrich_


Beck,_2012.png. Acesso em: 10 jan. 2020.
175
Figura 18

FILE:GIDDENS_AUSGESCHNITTEN.PNG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Giddens_ausgeschnitten.png. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 20

A) OLIVEIRA JÚNIOR, A. R. de. Convencimento e emoção: a força da imagem-propaganda no


movimento constitucionalista de 1932. In: ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA DA MÍDIA, 9., 2013,
Ouro Preto. Anais [...]. Ouro Preto: Ufop, 2013. p. 11. Disponível em: http://www.ufrgs.br/alcar/
encontros-nacionais-1/9o-encontro-2013/artigos/gt-historia-da-midia-audiovisual-e-visual/
convencimento-e-emocao-a-forca-da-imagem-propaganda-no-movimento-constitucionalista-
de-1932. Acesso em: 10 jan. 2020.

B) OLIVEIRA JÚNIOR, A. R. de. Convencimento e emoção: a força da imagem-propaganda no


movimento constitucionalista de 1932. In: ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA DA MÍDIA, 9., 2013,
Ouro Preto. Anais [...]. Ouro Preto: Ufop, 2013. p. 12. Disponível em: http://www.ufrgs.br/alcar/
encontros-nacionais-1/9o-encontro-2013/artigos/gt-historia-da-midia-audiovisual-e-visual/
convencimento-e-emocao-a-forca-da-imagem-propaganda-no-movimento-constitucionalista-
de-1932. Acesso em: 10 jan. 2020.

C) FILE:UNCLESAMWANTYOU.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Unclesamwantyou.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 21

A) FILE:LEVIATHAN_BY_THOMAS_HOBBES.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Leviathan_by_Thomas_Hobbes.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

B) FILE:EVIL_QUEEN_WDW.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Evil_Queen_


WDW.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

C) FILE:LIVRO_3_MISTICOS.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Livro_3_


Misticos.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

D) FILE:GUSTAVEDOREPARADISELOSTSATANPROFILE.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.


org/wiki/File:GustaveDoreParadiseLostSatanProfile.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 22

A) FILE:PROPAGANDA_DO_ESTADO_NOVO_(BRASIL).JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.


org/wiki/File:Propaganda_do_Estado_Novo_(Brasil).jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

176
B) FILE:MANIFESTA%C3%A7%C3%A3O_A_FAVOR_DE_GET%C3%BALIO_VARGAS_AO_
FINAL_DO_ESTADO_NOVO.TIF. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Manifesta%C3%A7%C3%A3o_a_favor_de_Get%C3%BAlio_Vargas_ao_final_do_Estado_Novo.tif.
Acesso em: 10 jan. 2020.

C) FILE:GETULIO_VARGAS_(1930).JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Getulio_Vargas_(1930).jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

D) A-NOVA-POLITICA-DO-BRASIL-1-GETULIO-VARGAS-500X500.JPG. Disponível em: http://www.


seborsraridades.com.br/image/cache/produtos/livros/a-nova-politica-do-brasil-1-getulio-vargas-
500x500.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 23

A) FILE:ADEMAR_PEREIRA_DE_BARROS,_GOVERNADOR_DE_S%C3%A3O_PAULO.TIF. Disponível em:


https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ademar_Pereira_de_Barros,_Governador_de_S%C3%A3o_
Paulo.tif. Acesso em: 10 jan. 2020.

B) FILE:JANIO_QUADROS.PNG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Janio_Quadros.


png. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 24

A) FILE:EM%C3%ADLIO_GARRASTAZU_M%C3%A9DICI,_PRESIDENTE_DA_REP%C3%BABLICA..TIF.
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Em%C3%ADlio_Garrastazu_M%C3%A9dici,_presidente_da_
Rep%C3%BAblica..tif. Acesso em: 10 jan. 2020.

B) FILE:BRASIL_AME-O_OU_DEIXE-O.PNG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Brasil_ame-o_ou_deixe-o.png. Acesso em: 10 jan. 2020.

C) ELIANEAPARECIDA.JPG. Disponível em: https://extensao.cecierj.edu.br/material_didatico/his1402/


bancoQuestoes/imagens/ElianeAparecida.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

D) ANGELICAGETIRANASANTANA.JPG. Disponível em: https://extensao.cecierj.edu.br/material_didatico/


his1402/bancoQuestoes/imagens/AngelicaGetiranaSantana.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

Figura 25

A) FILE:FERNANDO_COLLOR_1992_B%26W.JPG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Fernando_Collor_1992_B%26W.jpg. Acesso em: 10 jan. 2020.

B) FILE:LULA117951.JPEG. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Lula117951.jpeg.


Acesso em: 10 jan. 2020.

177
Figura 26

FOTO_SB3_-_10.JPG. http://www.ebc.com.br/sites/_portalebc2014/files/styles/full_colunm/public/
atoms_image/foto_sb3_-_10.jpg?itok=o55KXaEE. Acesso em: 3 fev. 2020.

REFERÊNCIAS

Audiovisuais

ABRIL despedaçado. Direção: Walter Salles. Brasil, Suíça e Franca: Bac Filmes, 2001. 139 minutos.

AMARELO manga. Direção: Cláudio Assis. Brasil: Olhos de Cão Produções Cinematográficas, 2002. 100 minutos.

ANA Terra. Direção: Durval Garcia. Brasil: Cinedistri, 1971. 100 minutos.

ANJOS do sol. Direção: Rudi Lagemann. Brasil: Apema Filmes, 2006. 92 minutos.

O ANO em que meus pais saíram de férias. Direção: Cao Hamburger. Brasil: Gullane, 2006. 110 minutos.

ANOS rebeldes. Direção: Denis Carvalho. Brasil: Rede Globo de Televisão, 1992. 296 minutos. (20 episódios).

ANTÔNIA. Direção: Tata Amaral. Brasil: Coração da Selva, 2006. 90 minutos.

ANTUNES, A. O buraco no espelho. Intérprete: Arnaldo Antunes. In: ANTUNES, A. O silêncio. São Paulo:
BMG, 1996. CD. Faixa 13.

AQUI favela, o rap representa. Direção: Júnia Torres e Rodrigo Siqueira. Brasil, 2003. 82 minutos.

ARAGUAYA: a conspiração do silêncio. Direção: Ronaldo Duque. Brasil: Fantasias Luminosas, 2004. 105 minutos.

BABILÔNIA 2000. Direção: Eduardo Coutinho. Brasil: Cecip, 1999. 80 minutos.

BAHIA, X. Isto é bom. Rio de Janeiro: Casa Edison, 1902.

BARBOSA, O.; CALDAS, S. Chão de estrelas. Intérprete: Baden Powell. In: POWELL, B. Estudos. [s.l.]:
Elenco, 1971. Vinil. Faixa 8.

BARRA 68, sem perder a ternura. Direção: Vladimir Carvalho. Brasil: Folkino Produções, 2001. 82 minutos.

BARRAVENTO. Direção: Glauber Rocha. Brasil: Iglu Filmes, 1962. 74 minutos.

BARROSO, A. Terra seca. Intérprete: Orlando Silva. In: SILVA, O. Orlando Silva canta Ary Barroso. [s.l.]:
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178
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BELEZA americana. Direção: Sam Mendes. Estados Unidos: DreamWorks, 1999. 122 minutos.

BENJAMIM. Direção: Monique Gardenberg. Brasil: Dueto Filmes, 2003. 100 minutos.

BICHO de sete cabeças. Direção: Laís Bodanzky. Brasil: Buriti Filmes, 2000. 74 minutos.

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Hollanda: volume 2. São Paulo: Editora Musical Arlequim, 1966. Vinil. Faixa 6.

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CAMA de gato. Direção: Alexandre Stockler. Brasil: A Exceção e a Regra, 2002. 92 minutos.

O CANGACEIRO. Direção: Lima Barreto. Brasil: Vera Cruz Studios, 1953. 105 minutos.

O CANTO do mar. Direção: Alberto Cavalcanti. Brasil: Cinematográfica Maristela, 1953. 124 minutos.

CAPARAÓ. Direção: Flávio Frederico. Brasil: Kinoscópio Cinematográfica, 2007. 77 minutos.

CARANDIRU. Direção: Hector Babenco. Brasil: BR Petrobrás, 2003. 148 minutos.


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CARLOS, R.; CARLOS, E. Quero que tudo vá para o inferno. Intérprete: Roberto Carlos. In: CARLOS, R.
Jovem Guarda. Rio de Janeiro: CBS, 1965. Vinil. Faixa 1.

A CARTOMANTE. Direção: Wagner de Assis e Pablo Uranga. Brasil: Cinética Filmes, 2004. 90 minutos.

CAZUZA; FREJAT, R. Ideologia. Intérprete: Cazuza. In: Ideologia. [s.l.]: Philips, 1988. CD. Faixa 1.

CAZUZA; ISRAEL, J.; ROMERO, N. Brasil. Intérprete: Cazuza. In: Ideologia. [s.l.]: Philips, 1988. CD. Faixa 6.

CELESTE & Estrela. Direção: Betse de Paula. Brasil: Labo Cine do Brasil, 2005. 96 minutos.

CIDADE de Deus. Direção: Fernando Meirelles. Brasil e Franca: O2 Filmes, 2002. 130 minutos.

CINCO vezes favela. Direção: Marcos Faria et al. Brasil: Centro Popular de Cultura da UNE, 1962. 92 minutos.

CINEMA de lágrimas. Direção: Nelson Pereira dos Santos. Brasil: Arte France, 1995. 95 minutos.

COMO nascem os anjos. Direção: Murilo Salles. Brasil: Empório do Cinema, 1997. 100 minutos.

CRONICAMENTE inviável. Direção: Sergio Bianchi. Brasil: Agravo Produções, 2000. 101 minutos.

A DAMA do lotação. Direção: Neville de Almeida. Brasil: Embrafilme, 1978. 111 minutos.

DEUS e o diabo na terra do sol. Direção: Glauber Rocha. Brasil: Copacabana Filmes, 1964. 125 minutos.

DIABO a quatro. Direção: Alice de Andrade. Brasil: Filmes do Tejo, 2004. 108 minutos.

DICRÓ. Cabide de emprego. Intérprete: Dicró. In: DICRÓ. Dicró no piscinão. Rio de Janeiro: Universal
Music, 2002. CD. Faixa 1.

DOIS córregos. Direção: Carlos Reichenbach. Brasil: Dezenove Som e Imagem, 1999. 112 minutos.

DOM. Direção: Moacyr Góes. Brasil: Diler & Associados, 2003. 91 minutos.

DOM; RAVEL. Eu te amo meu Brasil, eu te amo. Intérprete: Os Incríveis. In: OS INCRÍVEIS. Os Incríveis.
Rio de Janeiro: Columbia, 1970. Vinil. Faixa 3.

DOMÉSTICAS, o filme. Direção: Fernando Meirelles e Nando Olival. Brasil: O2 Filmes, 2001. 85 minutos.

A DONA da história. Direção: Daniel Filho. Brasil: Lereby Productions, 2004. 84 minutos.

O DRAGÃO da maldade contra o santo guerreiro. Direção: Glauber Rocha. Brasil: Mapa Filmes, 1969.
100 minutos.

180
EDIFÍCIO Master. Direção: Eduardo Coutinho. Brasil: VideoFilmes, 2002. 110 minutos.

ELES não usam black-tie. Direção: Leon Hirszman. Brasil: Embrafilme, 1981. 120 minutos.

ETERNAMENTE Pagu. Direção: Norma Bengel. Brasil: Flai Cinematográfica, 1987. 110 minutos.

EU te amo. Direção: Arnaldo Jabor. Brasil: Embrafilme, 1981. 110 minutos.

FALA tu. Direção: Guilherme Coelho. Brasil: Matizar, 2003. 74 minutos.

FALCÃO: meninos do tráfico. Direção: MV Bill e Celso Athayde. Brasil, 2006. 96 minutos.

FOR all: o trampolim da vitória. Direção: Buza Ferraz. Brasil: BigDeni Filmes, 1997. 95 minutos.

GORDURINHA; CASTILHO, A. Chiclete com banana. Intérprete: Jackson do Pandeiro. In: PANDEIRO, J.
do. Jackson do Pandeiro. Rio de Janeiro: Columbia, 1959. Vinil. Faixa 10.

GUERRA de Canudos. Direção: Sergio Resende. Brasil: Columbia Pictures, 1997. 165 minutos.

HÉRCULES 56. Direção: Silvio Da-Rin. Brasil: Antonioli & Amado Produções, 2006. 93 minutos.

O HOMEM do ano. Direção: José Henrique Fonseca. Brasil: Conspiração Filmes, 2003. 105 minutos.

A HORA e a vez de Augusto Matraga. Direção: Roberto Santos. Brasil: Difilm, 1965. 113 minutos.

A IDADE da terra. Direção: Glauber Rocha. Brasil: CPC Cinematográfica, 1980. 140 minutos.

KÉTI, Z. A voz do morro. Intérprete: Jorge Goulart. In: A Voz do Morro/A mão que afaga. São Paulo:
Continental, 1955. Vinil. Faixa 1.

LI, N.; MORENO, L.; QUELYNA. Antônia. Intérprete: Antônia. In: ANTÔNIA. Antônia. [s.l.]: Som Livre,
2006. CD. Faixa 1.

UM LUGAR chamado Notting Hill. Direção: Roger Mitchell. Estados Unidos: Polygram Filmed
Entertainment, 1999. 122 minutos.

O MAIOR amor do mundo. Direção: Cacá Diegues. Brasil: Globo Filmes, 2006. 106 minutos.

MATER dei. Direção: Vinicius Mainardi. Brasil: TeleImage, 2000. 83 minutos.

MEMÓRIA para uso diário. Direção: Beth Formaggini. Brasil: 4 Ventos, 2007. 94 minutos.

MENESCAL, R.; BOSCOLI, R. Rio de Janeiro. Intérprete: Wanda Sá e Roberto Menescal. In: MENESCAL,
R.; SÁ, W. Estrada Tokyio-Rio. Rio de Janeiro: Albatroz, 1998. CD. Faixa 11.
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AS MENINAS. Direção: Emiliano Ribeiro. Brasil: Ipê Artes Cinematográficas, 1995. 92 minutos.

MOREIRA, R. Inútil. Intérprete: Ultraje a Rigor. In: ULTRAJE A RIGOR. Nós vamos invadir sua praia.
Local: WEA, 1983. Vinil. Faixa 6.

UMA ONDA no ar. Direção: Helvécio Ratton. Brasil: Quimera Produções, 2002. 92 minutos.

ONDE a terra acaba. Direção: Mário Peixoto. Brasil: Brasil Vita Filmes, 1933. 75 minutos.

A OPINIÃO pública. Direção: Arnaldo Jabor. Brasil: Delfim, 1967. 80 minutos.

OS SETE gatinhos. Direção: Neville de Almeida. Brasil: Cineville Produções Cinematográficas, 1980.
109 minutos.

PÁTRIA redimida. Direção: João Baptista Groff. Brasil: Groff-Filme, 1930. 45 minutos.

PRA frente, Brasil. Direção: Roberto Farias. Brasil: Embrafilme, 1982. 105 minutos.

O PRÍNCIPE. Direção: Ugo Giorgetti. Brasil: SP Filmes de São Paulo, 2002. 102 minutos.

QUANTO vale ou é por quilo? Direção: Sergio Bianchi. Brasil: Agravo Produções, 2005. 104 minutos.

QUE bom te ver viva. Direção: Lúcia Murat. Brasil: Taiga Produções Visuais, 1989. 100 minutos.

O QUE é isso, companheiro? Direção: Bruno Barreto. Brasil: Columbia Pictures, 1997. 105 minutos.

RAÍZES do Brasil: uma cinebiografia de Sérgio Buarque de Hollanda. Direção: Nelson Pereira dos
Santos. Brasil: Regina Filmes, 2003. 150 minutos.

O RAP do Pequeno Príncipe contra as almas sebosas. Direção: Paulo Caldas e Marcelo Luna. Brasil: Luni
Produções, 2000. 75 minutos.

REVOLUÇÃO de 30. Direção: Sylvio Back. Brasil: Sylvio Back Produções Cinematográficas, 1980. 118 minutos.

RIO 40 graus. Direção: Nelson Pereira dos Santos. Brasil: Equipe Moacyr Fenelon, 1955. 100 minutos.

ROSA, N. Palpite infeliz. Intérprete: Aracy de Almeida. In: ALMEIDA, A. Aracy de Almeida apresenta
sambas de Noel Rosa. [s.l.]: Continental, 1954. Vinil. Faixa 8.

ROSA. N. Feitiço da vila. Intérprete: Noel Rosa. In: ROSA, N. Noel pela primeira vez. Rio de Janeiro:
Velas, 2000. CD 14. Faixa 3.

ROSA, N. São coisas nossas. Intérprete: Aracy de Almeida. In: ALMEIDA, A. Canções de Noel Rosa
com Aracy de Almeida. Continental LP-10, 1955.
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ROSA, N.; VADICO. Conversa de botequim. Intérprete: Noel Rosa. In: ROSA, N. Noel Rosa: inédito e
desconhecido. Rio de Janeiro: Fenab, 1983. Vinil. Faixa 11.

RUSSO, R. Geração Coca-cola. Intérprete: Legião Urbana. In: LEGIÃO URBANA. Legião Urbana. São
Paulo: EMI, 1985. CD. Faixa 6.

RUSSO, R. Que pais é esse? Intérprete: Legião Urbana. In: LEGIÃO URBANA. Que pais é esse? Rio
de Janeiro: EMI, 1987. CD. Faixa 1.

SILVA, I. Antonico. Intérprete: Ismael Silva. In: SILVA, I. Ismael canta... Ismael. [s.l.]: Mocambo,
1957. Vinil. Faixa 11.

O SOL: caminhando contra o vento. Direção: Tetê Moraes. Brasil: Vemver Brasil, 2006. 95 minutos.

TEMPO de resistência. Direção: André Ristum. Brasil: Sombumbo, 2003. 115 minutos.

TERRA em transe. Direção: Glauber Rocha. Brasil: Mapa Filmes, 1967. 106 minutos.

TOLERÂNCIA. Direção: Carlos Gerbase. Brasil: Casa de Cinema de Porto Alegre, 2000. 100 minutos.

TROPA de elite 2: o inimigo agora é outro. Direção: José Padilha. Brasil: Globo Filmes, 2010. 120 minutos.

TROPA de elite. Direção: José Padilha. Brasil: Zazen Produções, 2007. 116 minutos.

VALE, J.; CANDIDO, J. Carcará. Intérprete: Maria Bethânia. In: BETHÂNIA, M. Maria Bethânia. Rio de
Janeiro: Sony Music/RCA, 1965. Vinil. Lado A.

VANDRÉ, G. Réquiem para Matraga. Intérprete: Geraldo Vandré. In: VANDRÉ, G. 5 anos de canção. [s.l.]:
Som Maior, 1966. Vinil. Faixa 4.

VELOSO, C. Alegria, Alegria, Intérprete: Caetano Veloso. In: VELOSO, C. Caetano Veloso. Local: Phillips,
1967. Vinil. Faixa 4.

VELOSO, C. Sampa. Intérprete: Caetano Veloso. In: VELOSO, C. Muito dentro da estrela azulada. Rio de
Janeiro: Polygram, 1978. Vinil. Faixa 2.

VELOSO, C.; GIL, G. Cinema novo. Intérprete: Caetano Veloso. In: VELOSO, C.; GIL, G. Tropicália 2. Rio de
Janeiro: Philips/Polygram, 1993. CD. Faixa 2.

VELOSO, C.; GIL, G.; TELES, E. V. Divino maravilhoso. Intérprete: Gal Costa. In: COSTA, G. Gal Costa. Rio
de Janeiro: Philips Records, 1969. Vinil. Faixa 8.

VENENO. Direção: Gianni Pons. Brasil: Vera Cruz Studios, 1952. 80 minutos.

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VIANNA, H. Luís Inácio (300 picaretas). Intérprete: Paralamas do Sucesso. In: PARALAMAS DO SUCESSO.
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ZUZU Angel. Direção: Sérgio Resende. Brasil: Globo Filmes, 2006. 100 minutos.

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www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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