Você está na página 1de 46

Composição e

Projeto Gráfico
Autor: Prof. Egidio Shizuo Toda
Colaboradores: Prof. Alexandre Ponzetto
Profa. Tânia Sandroni
Professor conteudista: Egidio Shizuo Toda

Pesquisador em Estética, Linguagem da Arte e Leitura da Imagem pelo IPCA de Barcelos, Portugal (2012).
Pesquisador pelo Grupo de Pesquisa em Arte e Mediação Cultural coordenado pela Profa. Dra. Mirian Celeste Martins.
Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2013). Especialista em
Comunicação e Mídia pela Universidade Paulista (2012). Graduado em Comunicação Digital pela Universidade Paulista
(2006). Técnico em Formação Avançada em Fotografia Profissional SENAC (2011). Professor de graduação no sistema
presencial em Comunicação Social e Comunicação Digital nos cursos de Publicidade e Propaganda, Jornalismo,
Propaganda e Marketing, Fotografia e Design Gráfico na Universidade Paulista (desde 2008) e professor de graduação
no sistema interativo de EaD em Artes Visuais na Universidade Paulista (desde 2014). Palestrante na Expo CIEE 2014,
FÓRUM 2014, Fórum Teenager de Universidades e Profissões, Congresso Mundial ICOM – Rio de Janeiro, Brasil 2013;
Congresso Internacional de Arte, Lisboa, Portugal, 2012; Congresso Mundial de Comunicação e Arte, Guimarães,
Portugal, 2012; Congresso Ibero‑americano de Docência Universitária, Porto, Portugal 2012; Diretor de Arte/Designer
Gráfico na Editora Abril S/A (1984 a 2003). Editor de arte/designer gráfico na Editora Peixes (2003 a 2008). Fotógrafo
profissional nas categorias de retrato, still‑life e turismo (desde 1994) e diretor de arte e fotógrafo free lancer pelo
estúdio EST Comunicação Visual (desde 2008).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

T633c Toda, Egídio Shizuo.

Composição de projeto gráfico. / Egídio Shizuo Toda. – São


Paulo: Editora Sol, 2014.

148 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XX, n. 2-050/14,ISSN 1517-9230.

1. Projeto gráfico. 2. Percepção e formas. 3. Imagem. I. Título.

CDU 766

U502.70 – 19

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor

Prof. Fábio Romeu de Carvalho


Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

Profa. Melânia Dalla Torre


Vice-Reitora de Unidades Universitárias

Prof. Dr. Yugo Okida


Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Maria Emilia de Amaral
Virgínia Bilatto
Sumário
Composição e Projeto Gráfico

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8

Unidade I
1 COMO LER UMA OBRA DE ARTE................................................................................................................ 13
1.1 Tipos de leitura....................................................................................................................................... 14
1.1.1 Descrição: a materialidade da obra e os aspectos formais..................................................... 15
1.1.2 Aby Warburg: o atlas Mnemosine e a montagem..................................................................... 17
1.1.3 Grupo µ: a retórica da imagem.......................................................................................................... 21
1.1.4 Âmbito contextual................................................................................................................................... 25
2 A PRODUÇÃO A PARTIR DA PESQUISA E A BUSCA DE REFERÊNCIAS........................................ 26
2.1 Contextos e pesquisa........................................................................................................................... 27
2.1.1 Contexto biográfico................................................................................................................................ 27
2.1.2 Contexto da história da arte............................................................................................................... 28
2.1.3 Contexto do curador.............................................................................................................................. 28
2.1.4 Contexto histórico, político, cultural ou tecnológico............................................................... 28
3 A HISTÓRIA DA ARTE E AS REFERÊNCIAS DO PASSADO.................................................................. 29
3.1 A evolução da arte visual na história e sua relação com o contemporâneo................ 30
3.1.1 A busca de referências no passado.................................................................................................. 33
3.1.2 Análise das obras antigas..................................................................................................................... 35
4 LEITURA DAS OBRAS E A INTERPRETAÇÃO NAS DIFERENTES ÁREAS DA ARTE...................... 37
4.1 Leitura de obra de arte........................................................................................................................ 37
4.1.1 A arte pela ótica do próprio artista.................................................................................................. 37
4.1.2 Pelo curador............................................................................................................................................... 38
4.1.3 Sob a perspectiva da retórica da imagem..................................................................................... 40

Unidade II
5 PERCEPÇÃO E FORMAS.................................................................................................................................. 48
5.1 Percepção: trabalhar os sentidos para uma comunicação eficiente................................ 48
5.1.1 A aplicação de todos os sentidos para a comunicação visual............................................... 49
5.1.2 As influências e os tipos de percepção........................................................................................... 50
5.1.3 Os tipos de configuração e a Escola de Gestalt.......................................................................... 53
5.2 Formas: a criação das formas geométricas e orgânicas........................................................ 56
5.2.1 Forma ponto e o início da construção da imagem.................................................................... 57
5.2.2 Forma linha e a base da estruturação dos projetos................................................................... 58
5.2.3 Forma plano e as figuras geométricas básicas e orgânicas.................................................... 60
6 IMAGENS, CORES E TIPOS............................................................................................................................ 63
6.1 Imagem: a evolução das principais linguagens e estilos da história da arte............... 63
6.1.1 O nascimento da imagem.................................................................................................................... 63
6.1.2 Um passeio pelos movimentos artísticos....................................................................................... 64
6.1.3 O uso da imagem na comunicação.................................................................................................. 67
6.2 Cores e tipos: as sensações e emoções na configuração cromática e tipográfica.................. 71
6.2.1 A Teoria e a Psicodinâmica das Cores.............................................................................................. 72
6.2.2 O estudo tipográfico e suas funções............................................................................................... 78
6.2.3 Classificação dos tipos e exemplos tipográficos......................................................................... 82

Unidade III
7 PROJETO GRÁFICO E TEORIA DA PÁGINA EM BRANCO.................................................................... 89
7.1 Teoria da Página em Branco e a quebra de barreiras............................................................. 89
7.1.1 Como começar um projeto.................................................................................................................. 89
7.1.2 O briefing de desenho............................................................................................................................ 91
7.1.3 Investigação e desenvolvimento....................................................................................................... 94
7.1.4 Orçamento e cronograma de trabalho........................................................................................... 95
7.2 Projeto gráfico: plano de realização da obra e seu desenvolvimento............................. 97
7.2.1 Arquitetando o projeto gráfico.......................................................................................................... 98
7.2.2 Da criação à arte final: a execução de projetos gráficos.......................................................100
7.2.3 Conceito e identidade visual: o melhor caminho para a mensagem visual..................101
7.2.4 Layout e diagramação: aprovação do cliente e execução da arte....................................102
8 TIPOS DE PROJETOS GRÁFICOS E ANÁLISE DE CASOS....................................................................104
8.1 Tipos de projetos gráficos de mídia impressa e digital........................................................104
8.1.1 O projeto gráfico editorial..................................................................................................................104
8.1.2 O projeto gráfico no desenvolvimento de produto e embalagem.................................... 110
8.1.3 O projeto gráfico na criação de marcas e logotipos............................................................... 118
8.1.4 Os projetos gráficos de mídias promocionais e de mídias no mundo digital.............. 122
8.2 Análise de casos e leitura das obras na atualidade...............................................................127
8.2.1 Leitura do artista consagrado: Cláudio Pastro.......................................................................... 127
8.2.2 As obras de convergência das quatro naves.............................................................................. 128
8.2.3 Leitura do artista consagrado: Ernesto Neto............................................................................ 134
8.2.4 Leitura do artista emergente: Ludgero Almeida...................................................................... 135
APRESENTAÇÃO

Este livro‑texto pretende apresentar a você, aluno de Artes Visuais, conhecimento para que possa
compreender a formação da Composição e Projeto Gráfico, fornecendo‑lhe subsídio para compreensão
dos conceitos sobre as teorias da composição e fundamentos dos projetos gráficos. No final do livro
constam todas as obras usadas como referência para elaboração desse conteúdo. Utilize as referências
para ampliar seu conhecimento.

Você está realizando um curso universitário para se tornar um profissional de mercado em


comunicação visual. Logo, terá que pesquisar, ler muitos textos e escrever bastante, uma vez que essas
ações fazem parte das ferramentas utilizadas no curso e na construção da profissão. Assim, para obter
qualquer conhecimento, você precisa ir buscar estas informações. Por falar em textos e leituras, acredito
que seja apropriado apresentar como foi a busca do saber e aprimoramento nas Artes Visuais por um
dos mais renomeados artistas sacros da atualidade, o brasileiro Cláudio Pastro.

No livro C. Pastro: arte sacra, o autor transcreve a apreciação do seu trabalho pelo italiano de Milão,
Gaetano Fermani, escrito em setembro de 2000. Neste texto, vemos a busca de referências e inspiração
para a evolução do trabalho artístico de Cláudio Pastro.

Todo o seu trabalho nasce de uma recusa teórica do novo como resultado
obtido ao longo dos séculos e das diversas vanguardas, resultado que levou
a uma nova academia, que há anos não satisfaz mais ninguém. Sua busca
pelo novo, por uma linguagem de expressão pessoal (que, aliás, é o objetivo
de todo artista verdadeiro) tem suas raízes nos séculos que precedem o
renascimento italiano – com o intuito de amadurecer o seu estilo, sem o
filtro e o condicionamento dos séculos sucessivos.

Obviamente, só é verdadeiro até certo ponto, porque ninguém pode ignorar


seis séculos (e que séculos!) de expressão artística.

Inspirar‑se nas grandes estações da alta Idade Média (os mosaicos de Ravena
in primis) permitiu‑lhe encontrar, antes de tudo, o seu ritmo de composição.
Contrapor a arte do Renascimento maduro à religiosidade dos mestres
do século XIV e do Gótico Cortês (segundo a lição de Lionello Venturi, em
Gusto dei primitivi, de 1926) conduziu a inspiração de Cláudio Pastro a um
primitivismo cultivado, embora fiel à noção clássica de ofício.

Ofício que sempre aprofundou, adotando a técnica da têmpera, preferindo


madeira à tela, confrontando‑se ao longo das décadas com a grande
decoração, do fresco ao mosaico e aos vitrais. Dentre as grandes obras‑primas
preferidas, Cláudio ama em particular – e bem se vê em seus trabalhos –
a estratificação semântica, a riqueza de significados que se expressa nas
narrações simbólicas (PASTRO, 2001, p. 303‑304).

7
Observação
Para entender melhor sua leitura, na universidade são necessárias certas
normas. Assim, vamos utilizar uma que se chama autor/data. Cada vez que
usarmos uma obra de algum autor, você verá o bloco de texto que foi copiado,
separado. Portanto, além do sobrenome e o ano, aparecerá também as páginas
onde o texto se encontra na obra. Por exemplo: PASTRO, 2001, p. 303‑304.

INTRODUÇÃO

Perceber, conhecer, pesquisar, distribuir e construir.

Para uma composição bem sucedida é necessário uma boa base de informações sobre a interpretação de
obras consagradas, a investigação sobre suas estruturas e desenvolvimentos, os estudos sobre as ferramentas
de comunicação e o melhor método de distribuição de toda a informação. A partir do entendimento destas
etapas, estamos aptos para executar os mais variados tipos de projetos gráficos mesclando a teoria e a prática. O
resultado desta mistura é a base de construção de projetos bem‑elaborados, bastando adicionar como tempero
sua criatividade e estilos personalizados.

Inicialmente, vamos entender os biólogos chilenos e as relações da percepção com o fenômeno do


conhecimento, desvendar John Dewey e a percepção através dos sentidos e buscar no filósofo Giorgio
Agamben referências de obras do passado para enxergar o presente.

Vamos aprender a “ler” uma obra de arte, suas possibilidades de leitura permitem aproximar‑se da
obra de diferentes maneiras e com olhares diversos. Anice Dutra Pillar acrescenta que a leitura variará
de acordo com as características formais do objeto a ser lido e, por outro lado, por outro lado mudará
de acordo com o conhecimento acerca do objeto, a imaginação, a memória, e as estruturas mentais e
fisiológicas que o leitor possuir no momento.

Para tanto, é preciso uma alfabelização para a leitura da imagem, seja analisando a materialidade
da obra, seja fazendo uma retrospectiva histórica da arte, ou ainda estudando a retórica da imagem tão
bem explorada pelo grupo µ.

Além disso, se discute o processo de investigação de referências na arte e a produção a partir


delas. A produção artística a partir do entendimento da intertextualidade da obra e do autor para o
entendimento da mensagem proposta. Além da intertextualidade, temos que entender vários contextos
sobre determinadas áreas de atuação nas artes, como: o contexto biográfico, o contexto da história da
arte, o contexto do curador, o contexto da política além de ferramentas tecnológicas para a execução
de trabalhos originais.

Outro aspecto relevante tratado é o da importância da pesquisa na história da arte para a produção
atual, a ressignificação e a transformação para novos produtos culturais. A busca por referências nas
obras do passado e para a criação do novo.
8
A maneira prática, alguns modos de descrever, refletir, analisar, ler, entender, interpretar e referir
sobre algumas obras atuais e seus artistas, como, por exemplo, o artista português contemporâneo Rui
Chafes que cria e percebe sua obra, faz com que o curador exercite sua sensibilidade para escolher e
decodificar os trabalhos para uma exposição e a interpretação do grupo de pesquisas µ com sua retórica
da imagem para ver, rever, significar e ressignificar a arte.

Posteriormente, a partir das teorias da composição vamos estudar quais são os tipos de percepção e
como elas agem na experimentação sensorial que nos imprimem em diversas mensagens que recebemos.
Criar a partir do ponto todos os elementos visuais da composição.

A exploração de todos os sentidos para a construção de uma comunicação visual arrojada força o
artista ao estudo e pesquisa do uso de vários tipos de percepção. O estudo dos cinco tipos de percepção
mais comuns, como a percepção visual, tátil, olfativa, gustativa e auditiva, soma‑se à percepção temporal
e espacial para o entendimento de todas as sensações relacionadas ao ser humano.

Na sequência, vamos ver como as categorias de configuração, real e esquemática, ajudam na


composição; e a Escola de Gestalt, por meio de algumas leis, responde por que algumas estruturas
visuais agradam mais que outras.

Com a compreensão e utilização sensoriais definidas, partiremos para o entendimento das formas
geométricas, como as figuras do quadrado, do triângulo, do círculo e das figuras orgânicas.

Vamos estudar as ferramentas de comunicação como elementos essenciais da mensagem e da


elaboração da comunicação visual. Mostrar como foi o nascimento da imagem nos primórdios da
história do homem e sua evolução artística. O entendimento das sensações e emoções emanadas pelas
configurações cromáticas, ver como as cores refletidas são captadas pelos nossos olhos e percebidas
pelo cérebro por meio da Teoria, Harmonia e da Psicodinâmica das Cores. E interfere simultaneamente
em nossos comportamentos e sentimentos, enquanto a Tipografia age no posicionamento do texto
dentro da comunicação.

Em seguida, teremos a oportunidade de acompanhar processos importantes sob o ponto de vista da


criação da arte. Para começar, estudar a Teoria da Página em Branco e estruturar o processo criativo a
fim de atingir as necessidades do cliente.

Na Teoria da Página em Branco vamos tratar de todas as etapas importantes para desenvolver um
projeto do zero. As recomendações são muito práticas e objetivas, tal como a de que se deve iniciar um
projeto a partir de uma ideia clara e bem-estruturada.

Vamos ver os planos de realização que antecede o projeto gráfico, iniciar sua engenharia de
construção, aprender sobre o brainstorming e sua tempestade de ideias e os conceitos que envolvem a
criação da identidade visual e sua concepção.

Em seguida, estudaremos o projeto gráfico e como tratar a organização de todos os elementos que
serão utilizados para a transmissão de um determinado conteúdo, independente do veículo gráfico que
9
é utilizado nas diversas áreas da comunicação visual, como nas mídias editoriais, no desenvolvimento
de embalagens, na criação de marcas, na área promocional e nas mídias do mundo digital. Como função
do projeto gráfico, garantir, por mais variáveis que sejam o tamanho da equipe, o consenso entre todos
os que trabalham, para que a obra final tenha caráter homogêneo.

Analisar as etapas de diagramação da revista e todo processo de criação e construção desta


importante mídia da comunicação de massa. Como começar o desenvolvimento de embalagens, sua
história, a evolução tecnológica e os cuidados para a garantia de uma excelente produção. Os cuidados
para a criação de marcas, a diferença entre símbolo e logotipo e a história da marca. Os projetos de mídias
promocionais, como os anúncios publicitários e seus objetivos. E por fim, os projetos que envolvem o
mundo digital, com o começo da internet, dos websites e as principais mídias sociais do universo digital.

Para dar suporte a esse arcabouço teórico, vamos desvendar as criações sob o ponto de vista de
artistas que deram forma à sua criação. Começamos pela leitura da obra do artista sacro Cláudio Pastro,
reconhecido mundialmente, e a elaboração da obra artística no interior da Basílica de N. Sra. Aparecida,
para através dela transmitir sua mensagem de evangelização. Trata‑se de uma obra monumental,
moderna, de 34 painéis medindo cada um 5 metros de largura por 7 metros de altura, narrando toda a
vida de Jesus, do nascimento à ressurreição.

Também faremos a leitura da obra do artista Ernesto Neto, igualmente consagrado, que já integrou
a Bienal de Veneza, expôs no Tate Modern de Londres, e no Moma de Nova Iorque. Trabalha com o
conceito de site‑specifics, nos quais leva à interação a obra e o observador. Suas obras precisam ser
tocadas, respiradas, experimentadas enquanto elementos físicos.

E, por fim, faremos a leitura do artista português emergente Ludgero Almeida, que na pintura procura
fazer algumas rupturas partindo do princípio de que “dissonar torna‑se uma maneira de entender o
mundo”.

Com esta obra esperamos que o leitor se sinta desafiado a buscar novos horizontes artísticos.
Interpretando, aprendendo, buscando referências, distribuindo toda a informação de forma consciente,
elaborando e construindo algo único e personalizado.

10
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

Unidade I
Percepção: entender a arte e a busca de referências nas obras do passado.

Para perceber, o espectador ou observador tem de criar sua experiência. E


a criação deve incluir relações comparáveis às vivenciadas pelo produtor
original. Elas não são idênticas, em um sentido literal. […] Sem um ato de
recriação, o objeto não é percebido como obra de arte. O artista escolheu,
simplificou, esclareceu, abreviou e condensou a obra de acordo com seu
interesse. Aquele que olha deve passar por essas operações, de acordo com
seu ponto de vista e interesse.
John Dewey

Primeiro, o que é percepção? Etimologicamente, percepção tem origem no latim perceptio, em que
o prefixo ‑per significa “por completo”, o verbo capere significa “capturar” e o sufixo tio, “ação e efeito”.
Pode‑se dizer, então, que é “a ação e o efeito de capturar por completo as coisas”.

De acordo com os biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, a percepção relaciona‑se
com o fenômeno do conhecimento sendo um ato cognitivo. Para os autores, a percepção que temos do
mundo não corresponde à certeza e à verdade, mas trata‑se da combinação entre a nossa configuração
interna, biológica e neuronal, e os estímulos externos, em que estes apenas desencadeiam, mas não
determinam os primeiros. Ou seja, nossa experiência, percepção, do mundo está “indissoluvelmente
atrelada à nossa estrutura” em que “não vemos o ‘espaço’ do mundo, vivemos nosso campo visual; não
vemos as ‘cores’ do mundo, vivemos nosso espaço cromático” (MATURANA; VARELA, 1984).

O filósofo e educador norte‑americano John Dewey relaciona percepção e arte – justamente o


que pretende fazer este capítulo. Dewey compara a “percepção” ao “reconhecimento”, em que “no
reconhecimento, tal como no esteriótipo, recaímos em um esquema previamente formado”, fazendo
do reconhecimento artifício para a identificação superficial de algo. A percepção, para Dewey, envolve
o tornar‑se aberto à coisa percebida, disponível e receptível, podendo absorvê‑la, permitindo que o ato
da percepção reverbere em ondas por todo o organismo, gerando uma consciência nova e viva (2010, p.
134‑135). Por isso – voltando à epígrafe que abre este capítulo –, para o autor, a percepção da obra de
arte envolve a recriação da experiência do artista criador, por meio do processo de atualização desta na
experiência e o pulsar de vida daquele que almeja perceber.

Estes três sentidos para “percepção”, quando entrecruzados, esboçam e apresentam o sentido
que aqui escolhemos para nos orientar nesta caminhada capítulo adentro. Nele o sujeito não
apenas “percebe” no sentido do “reconhecimento”, mas vivencia e experiencia a obra de arte, e
podemos dizer que pretende “capturar por completo as coisas”, fazendo‑se aberto e disponível

11
Unidade I

para que seja tomado por algo novo, por aquilo que vem de fora, porém será a sua própria
estrutura físiológica e biológica que determinará aquilo que é percebido, e não o contrário. E
se este sentido parece implicar um âmbito exclusivo de subjetividade, podendo resvalar para o
constante relativismo em que tudo pode ser “porque sim”, ao longo do caminho cruzaremos a
subjetividade individual com a objetividade coletiva, abordando a compreensão da percepção da
arte também como ação política.

Tendo isto dito, podemos avançar para a segunda abordagem‑chave deste capítulo: a busca de
referências de obras do passado. Propomos um olhar analítico, crítico e sistemático perante aquilo que já
foi feito, de modo a possibilitar as criações que virão, artísticas ou não. Olharemos do presente o passado,
sem nunca perder de vista de onde partimos, afinal, aqui também estamos recriando experiências, como
propõe Dewey. Sobre isto, fala‑nos o filósofo e historiador da arte, o francês Georges Didi‑Huberman,
referindo‑se ao pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben:

Agamben vê o contemporâneo na espessura considerável e complexa


de suas temporalidades emaranhadas. […] O contemporâneo, para ele,
aparece somente ‘na defasagem e no anacronismo’ em relação a tudo
o que percebemos como nossa ‘atualidade’. Ser contemporâneo, nesse
sentido, seria obscurecer o espetáculo do século presente a fim de
perceber, nessa mesma obscuridade, a ‘luz que procura nos alcançar e
não consegue’. […] Essa tarefa, acrescenta Agamben, pede ao mesmo
tempo coragem – virtude política – e poesia, que é a arte de fraturar
a linguagem, de quebrar as aparências, de desunir a unidade do tempo
(DIDI‑HUBERMAN, 2011, p. 81‑82).

Ao longo do capítulo desdobraremos o contemporâneo na sua complexa teia de emaranhados


temporais, como propõe Agamben. Faremos isto trazendo para o diálogo diversos autores, referências
teóricas que aqui nos ajudam a construir este tempo presente criado por este livro como facilitador de
aprendizagem. Cruzaremos pensamentos, épocas, culturas, teorias, e claro, as nossas próprias vidas, para
que daqui se produza alguma percepção, no sentido que mencionamos.

Inicialmente, abordaremos de maneira crítica o que pode ser “ler” uma obra de arte, e apresentaremos
algumas possibilidades de leitura que permitam aproximar‑se da obra de diferentes maneiras, com
olhares diversos.

Também abarcaremos o processo de investigação de referências na arte e a produção a partir delas,


trabalharemos sobre a importância da história da arte para a produção atual e apresentaremos cinco
exemplos de textos que realizam leituras de diferentes artistas e obras.

Esperamos fomentar um posicionamento aberto à obra de arte em cada um de nossos leitores,


criando uma estrutura teórica que lhes permita abordar, aproximar e emaranhar‑se na arte e no fazer
artístico, de modo a construirem as suas produções de maneira crítica, contextualizada e consciente da
sua pertinência histórica.

12
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

1 COMO LER UMA OBRA DE ARTE

[…] a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta


implica a continuidade da leitura daquele.

Paulo Freire

Lembrete

Antes de nos dedicarmos à leitura da obra de arte, gostaríamos de refletir


primeiro sobre o ato de ler. Isto porque este verbo, que se desdobrará numa
ação que constrói o nosso dia a dia, pode carregar diferentes sentidos, o
que por sua vez alterará o seu uso.

Para o educador brasileiro Paulo Freire, nós aprendemos a ler a palavra só depois de já estarmos
imersos num mundo de sons e significados que, por força das necessidades coditianas, aprendemos a
“ler”. Segundo o autor, nós sabemos “ler” o canto do pássaro como sendo o canto do pássaro, sabemos
“ler” a nuvem cinza como sinal de chuva que se aproxima, tal como a dor e o barulho em nossa barriga
como sendo a fome. Vamos experimentando as palavras nos seus usos diários, na significação que
elas criam imbricadas à nossa vida. Assim, a palavra tijolo para um pedreiro que é analfabeto, mas que
conhece bem como é a forma de um tijolo, como parti‑lo e até em que momento utilizar um tijolo
deste ou daquele tamanho, quando escrita numa lousa, pode ser‑lhe estranha à primeira vista, mas ao
reconhecer a palavra através do som que se produz ao lê‑la, poderá ver o seu “pão de cada dia” refletido
numa única palavra. A isto, Freire chama de “palavramundo”, nos dizendo que as palavras estão “grávidas
de mundo”, ou seja, “a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção
das relações entre o texto e o contexto” (2001, p. 11). A leitura da palavra, para Freire, dá‑se como um
ato político, em que o leitor apercebe‑se do seu contexto social, cultural, ambiental e econômico por
meio dos “mundos” que cada palavra carrega em relação à sua vida.

Neste sentido de leitura de Freire, o conhecimento não é compreendido como representacionismo.


O conhecimento como representacionismo baseia‑se na ideia de que o aprender realiza‑se por meio
da extração das informações que existem no mundo exterior ao cérebro, e que serão refletidas em
nossa mente. Há aí a visão de uma única realidade como verdade comum a qualquer um que se ponha
a conhecer e aprender. Esta concepção assemelha‑se aos nossos computadores atuais, em que por
meio de um input e output conseguimos ter a mesma informação em diversos locais. A este tipo de
compreensão do conhecimento, Freire chamou de “bancarismo”, no qual se pensa o aluno como sendo
um banco em que se depositam informações (FREIRE, 1996).

Ler o “texto” em relação ao seu “contexto” implica pensar e propor a alfabetização como ato
político e criador, em que o conhecimento se dará como sentido que é construído por aquele que
conhece e aprende, e não como imposição externa. O ato de ler a palavra, segundo Freire, deveria “vir
carregada de significação de sua experiência existencial e não da experiência do educador”, em que
o educando, ao ler, estará escrevendo e reescrevendo a sua própria experiência, o seu próprio mundo,
13
Unidade I

transformando‑o a partir da prática consciente (FREIRE, 2001, p. 20). Portanto, ler, para o autor
“implica sempre percepção crítica, interpretação e ‘reescrita’ do lido” (ibid., p. 21). Envolve o aprender
e o conhecer como processo de construção de sentido e não como transmissão de informação.

Freire reflete sobre a leitura da palavra, porém aqui leremos não palavras, mas imagens. No entanto,
assim como as palavras, as imagens também estão “grávidas de mundos”. Educamo‑nos visualmente
desde o nosso nascimento, e, portanto, aquilo que Freire aplica à leitura da palavra pode ser estendido
à imagem.

Mais do que ler imagens, iremos aqui nos debruçar sobre um tipo específico de imagem que é
a obra de arte. Dentro desta, abarcaremos apenas o leque das obras de arte visuais: as imagens bi e
tridimensionais, plásticas, digitais ou em movimento.

1.1 Tipos de leitura

Para fundamentar a leitura da obra de arte, traremos como referência a educadora brasileira e
investigadora em arte‑educação, Analice Dutra Pillar. A autora, no texto intitulado “Leitura e releitura”,
baseia‑se no pensamento de Freire, este que acabamos de ver, para fundamentar a leitura como uma
ação crítica e política. Sobre isto, ela diz “leitura, que inserida num contexto social e econômico, é de
natureza educativa e política, pois nossa maneira de ver o mundo é modelada por questões de poder,
por questões ideológicas” (PILLAR, 1999, p. 14).

Pillar, para pensar a leitura da obra de arte, recorre ao estudo da teórica literária brasileira Maria
Helena (MARTINS, 1994).Esta, diz que é possível sintetizar em duas as variadas concepções de leitura:
“como decodificação mecânica” e “como um processo de compreensão” (PILLAR apud MARTINS, 1994, p.
11), e que estes são dois processos complementares para a realização da leitura. Para Martins, “a leitura
é um processo de compreensão de expressões formais e simbólicas, não importando por meio de que
linguagem” (PILLAR apud MARTINS, 1994, p. 12), em que ler, conclui Pillar, “é atribuir significado seja a
uma imagem, seja a um texto” (PILLAR, p. 12).

Se a leitura envolve um processo de significação, envolverá um emissor – o artista –, uma mensagem


– a obra a ser lida – e um receptor – o leitor –, isto segundo a linguística. Pillar diz que a leitura dependerá
daquilo que está “em frente e atrás dos nossos olhos”, ou seja, por um lado a leitura variará de acordo com
as características formais do objeto a ser lido, e por outro mudará de acordo com o conhecimento a cerca
do objeto, a imaginação, a memória, e as estruturas mentais e fisiológicas que o leitor possuir no momento
(ibid., p. 13). Isto fará gerar múltiplas interpretações do mesmo objeto, em que nem uma, e nem outra, estará
mais perto da realidade ou verdade. Poderá se dizer que esta ou aquela satisfaz de maneira mais ampla os
objetivos que foram lançados pela ação da leitura. Isto resgata o que apresentamos na introdução deste
capítulo, ao falar do sentido de “percepção” para Maturana e Varela, que está estritamente relacionado
com as estruturas fisiológicas e biológicas atuais daquele que percebe.

Segundo Pillar, ler uma obra de arte difere de uma imagem porque as artes plásticas lidam com o
indizível, com um discurso que não é verbal, mas sim do âmbito do sensível (ibid., p. 16). A obra de arte
carrega consigo uma complexidade de significados, um emaranhado que, se for simplificado e reduzido,
14
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

deixa de fazer daquela imagem uma obra de arte. Por isso, Pillar diz que na leitura de uma obra de arte
é necessário entrecruzar diversas possibilidades de leitura, criar hipóteses e testá‑las. Trata‑se de uma
“aventura em que cognição e sensibilidade se interpenetram na busca de significado” (ibid., p. 17).

A investigadora brasileira em arte‑educação Ana Mae Barbosa aborda com outra profundidade a
leitura da obra de arte. Ela foi responsável pela implementação, no Museu de Arte Contemporânea de
São Paulo, da Abordagem Triangular, uma proposta de arte‑educação que deriva das concepções de
Freire sobre a leitura e que fundamenta‑se na triangulação entre a história da arte, a leitura da obra e o
fazer artístico (BARBOSA, 1991).

A autora diz que “temos que alfabetizar para a leitura da imagem”, afirmando que ao prepararmos
a criança para a leitura das artes visuais também a preparamos para o mundo das imagens. Sobre a
importância que Ana Mae dá ao estudo da história da arte, falaremos no subcapítulo 3. Sobre o âmbito
da leitura, a autora diz que, na Abordagem Triangular, pode‑se envolver “análise crítica da materialidade
da obra e princípios estéticos ou semiológicos, ou gestálticos ou iconográficos” (1991, p. 37). Aqui, ler
consiste em analisar e avaliar a obra, cruzando uma ou diversas metodologias de análise com informações
históricas, processos estes que poderão vir antes ou depois do fazer artístico dos alunos.

Ana Mae propõe, em suma, que a arte seja tratada e lida como forma de conhecimento. Que a sua
leitura e reflexão histórica possibilite a quem lê constituir‑se como um consumidor crítico de arte do
passado, do presente e do futuro. E que este olhar crítico, problematizador e contextualizador é revisto e
revisitado por cada fazer artístico do seu leitor, ao tentar experienciar o processo de criação da obra em
questão, para que nos aproximaremos da “percepção” da obra, como já vimos anteriormente em Dewey.

Lembrete

Agora apresentaremos diferentes tipos de leitura da imagem que


poderão e deverão ser entrecruzadas de modo a abarcar de maneira
alargada a complexidade de significados que advêm da obra de arte.

Apresentaremos algumas abordagens de análise que poderão lhes ser úteis para iniciar uma
aproximação às obras de arte.

1.1.1 Descrição: a materialidade da obra e os aspectos formais

Olhar com profundidade, com entrega e verdadeiro envolvimento entre o observador e o objeto
observado são essenciais numa leitura de imagem. Olhar envolve a ação física e prática de constatar os
elementos visuais que estão na obra, sem julgamento e sem atribuir uma camada de significação.

Olhar, apenas por si só, atua como processo de observar aquilo que existe na imagem, de maneira
crua e despropositada. Este processo não fundamenta e nem pretende encerrar a leitura de uma obra
como um todo – assim como nenhuma das outras propostas que virão a seguir –, mas complementa
outras perspectivas, podendo estar no início, meio ou fim da leitura.
15
Unidade I

Dedicar‑se à descrição de uma obra abarcará questioná‑la de diferentes maneiras. Colocaremos


aqui algumas das perguntas que poderão ser feitas e respondidas durante este processo, mas claro que
caberá ao leitor da obra lançar outras perguntas:

• De que materiais a obra é feita? Papel? Tinta acrílica? Tinta óleo? Barro? Ferro? Bronze?
Silicone? Areia? Vegetais? Madeira? Lápis? Guache? Aquarela? Nanquim? Cimento?
Tecidos? Arame?

• Quais são as técnicas utilizadas pelo artista? Pintura? Desenho? Gravura? Colagem? Fotografia?
Modelagem? Fundição? Projeção? Holografia? Vídeo? Grafitti? Estêncil? Cerâmica? Assemblage?

• Qual a dimensão da obra? Se estiver em frente à obra, ficará fácil percebê‑la espacialmente. Se
estiver em frente a uma reprodução, leve em consideração a dimensão real do trabalho, tentar
mantenha esta percepção espacial “imaginada” na continuidade da leitura, pois, a depender do
caso, poderá interferir.

• Quais elementos estão na imagem? Quando olhamos para a imagem, o que vemos?
Pessoas? Animais? Quadrados, retângulos, triângulos, círculos? Números? Palavras? Objetos
em geral? Se há pessoas, parecem ter alguma etnia? São adultos? Crianças? Velhos? Mulheres
ou homens? Plantas, vegetação, paisagem? Estes elementos têm cores? Há cores? Quais? Há
linhas? Com são? Grossas, finas, contínuas, irregulares, orgânicas, geométricas? Há manchas?
Qual o seu tamanho?

• Como esses elementos se relacionam entre si? Sobrepõem‑se? Estão alinhados na


horizontal, vertical, diagonal? Estão separados? Qual a relação de tamanho entre eles? Há
alguma proporção? Se há pessoas, elas se olham? Tocam‑se? Qual é a dinâmica que existe
entre os elementos?

• Como os elementos se relacionam com relação ao todo? Em que lugar da totalidade da obra
eles se localizam? Em cima, em baixo, canto inferior/superior, direito/esquerdo, centro, no todo?
Há zonas de vazio? Há zonas de ruído? Seria possível imaginar uma grade e posicionar cada um
dos elementos num ponto preciso desta grade?

• Qual o título da obra? A obra tem título? Quando foi feita? Qual o seu autor? Onde ele nasceu
e viveu? Há dados biográficos? A obra faz parte de algum acervo? Qual?

• No ambiente expositivo: se a obra a ser lida estiver em exposição, como é o espaço ao redor
dela? Há outras obras? Quão próximas/distantes estão umas das outras? Há algum foco de luz
sobre a obra? O que iluminam? O que deixam de iluminar? De onde a luz vem? A luz cria alguma
sombra projetada? Como a obra está exposta? Pendurada/fixada na parede/teto? Apoiada no
chão? Projetada na parede/teto/chão? Há algum dispositivo expositivo, como um pedestal, uma
caixa, uma vitrine, uma mesa? Há algo que sinalize a distância que o observador tem que manter
da obra? É possível tocá‑la?

16
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

Observação

Lançamos aqui algumas perguntas que desencadeiam o processo


descritivo da obra, e que, realçando mais uma vez, não pretende criar uma
camada de significação, ou seja, de criação de sentido, mas, antes, apenas
possibilitar ver aquilo que está na imagem, de forma despropositada e sem
julgamento.

Observação

Essas perguntas deverão ser reinventadas em cada ato de ler, dando


margem para que muitas outras questões surjam, de acordo com as
necessidades que o leitor encontrar em sua aproximação à obra.

1.1.2 Aby Warburg: o atlas Mnemosine e a montagem

Aby Warburg (1866‑1929) foi um historiador de arte alemão do final do século XIX, início do
século XX. Um dos seus grandes legados e projeto de vida inacabado é o Atlas de imagens Mnemosyne.
Mnemosyne era a deusa grega da memória, e foi o seu nome que Warburg escolheu para estar na
entrada de sua biblioteca, o seu outro grande legado.

A Biblioteca Mnemosyne recriava na sua organização e fisicalidade o


próprio pensamento e busca de Warburg. Philippi‑Allan Michaud diz
que “os livros não eram para este [Warburg] simples instrumentos de
pesquisa: da sua reunião devia nascer um universo de saber, regido por
leis simbólicas da organização do cosmos.” Uma possível visualização
da biblioteca pode ser encontrada aqui, por Michaud: “A biblioteca
devia conduzir da imagem visual (Bild) como primeira etapa da
consciência do homem, à linguagem (Wort) e, daí, à religião, à ciência
e à filosofia, todas elas produtos da procura do homem em busca de
orientação (Orientierung) – a própria razão de ser da história –, busca
que influencia os seus modelos de comportamento e as suas acções. A
acção, o cumprimento dos ritos, é ultrapassada pela reflexão, que leva à
formulação linguística e à cristalização dos símbolos‑imagens: assim se
fecha o ciclo. Warburg acabaria por ver nas civilizações mediterrâneas
a matriz dessas imagens persistentes que comandam e povoam o
espírito ocidental. Vivem nas nossas civilizações do mesmo modo que
as imagens da memória vivem no espírito individual, e fora por isso que
Warburg tinha colocado a palavra Mnemosine, memória, à entrada da
sua biblioteca” (MICHAUDS, apud FARIA, 2012, p. 213‑215).

17
Unidade I

Como historiador da arte, Warburg sempre esteve imerso e investigando a histórica da arte europeia,
principalmente a renascentista. O século XIX foi marcado pelo desenvolvimento da antropologia, tendo
alterado o pensamento e as metodologias até então existentes na história da arte. Segundo o crítico e
historiador de arte francês, Philippi‑Allan Michaud – aqui nossa referência no estudo de Warburg –, foi
por meio da viagem, da deslocação temporal e física – recurso utilizado pelos antropólogos da época
–, que Warburg passou a ver estritas recorrências e repetições de imagens, entre diversos povos e na
arte europeia. Sobre isto, Michaud salienta “evidentemente, para Warburg, não se tratava de tomar o
papel de antropólogo, mas, pelo contrário, de fazer ecoar as imagens índias no interior da história da
arte ocidental. Não se tratava de um reflexo eurocêntrico, mas, pelo contrário, de um gesto destinado a
destruí‑lo” (MICHAUD, 2012, p. 212).

Como metodologia de estudo, Warburg passou a criar pranchas com reproduções fotográficas de
obras de arte e fotografias de observações de suas viagens. Essas pranchas possuiam diversas imagens,
que quando postas umas ao lado das outras confluíam num mesmo espaço produções culturais,
distantes física e temporalmente. Warburg propõe olhar a história da arte europeia não numa linearidade
cronológica, mas quebra com a linha e com o tempo e organiza as imagens por um critério que antes é
imagético, baseado na memória e na sobrevivência das imagens.

Saiba mais

Para conhecer melhor o Atlas Mnemosine e as pranchas que o


constituem, visite o site <http://warburg.library.cornell.edu/>. Lá poderá
encontrar diversas pranchas e leituras detalhadas de cada uma delas.

Estas pranchas constituem o seu Atlas Mnemosyne, interrompido pelo seu falecimento. Michaud
nos diz que:

[…] as tensões e os anacronismos que Warburg põe em cena no seu atlas de


imagens são o desenvolvimento e talvez a forma mais acabada da colisão
que deliberadamente provocara entre duas realidades heterogêneas, uma
afastada no tempo e outra no espaço, a fim de produzir efeitos de saber que
não procedem da identidade, mas da alteridade (MICHAUD, 2012, p. 212).

Esta colocação enfatiza que Warburg não estava preocupado em criar distinções e “separatismos”
dentro da produção cultural humana. Ele passou a utilizar‑se de produções que não faziam parte apenas
do círculo da arte hegemônica europeia, burguesa e religiosa, passando a olhar e deixar‑se permear pelo
outro, pela alteridade, dando‑lhe igual ênfase, importância e complementariedade.

O Atlas Mnemosyne correspondia a um processo de montagem. Por meio da fotografia tornou‑se


possível destacar, ampliar e enquadrar detalhes das obras, para “ver melhor”. Warburg propôs reler a
história a partir de suas imagens, suas formas de representação e reapresentação, pois, como dissemos
anteriormente, as imagens sobrevivem, repetem‑se e recorrem em tempos e lugares diferentes.

18
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

Em 2012 inaugurou, na cidade de Guimarães, em Portugal, o Centro Internacional das Artes


José de Guimarães. Sua primeira exposição, patente de julho de 2012 a julho de 2013, chamou‑se
“Para além da História”, com curadoria de Nuno Faria. Esta exposição teve um projeto curatorial e
expositivo único no âmbito português, corporificando o aspecto de montagem do Atlas Mnemosyne.
A exposição conjugava no mesmo espaço peças de três coleções que constituem o seu acervo – arte
tribal africana, arte pré‑colombiana e arte milenar chinesa – oriundas das coleções pessoais do artista
José de Guimarães, organizadas e exibidas junto com peças de caráter católico, religioso, arqueológico e
popular, pertencentes aos acervos de instituições culturais da região, em diálogo constante com peças de
arte contemporânea. Assim, o espectador encontrava numa mesma sala peças com origens territoriais
e temporais completamente distintas, como, por exemplo, uma peça de 900 anos vinda de um sítio
arqueológico local, esculturas em cera de ex‑votos, peças de arte contemporânea e um instrumento
musical popular. “Para além da história” possibilitou estar‑se na presença das próprias peças ao invés
de reproduções, como acontece no Atlas Mnemosyne. Nela, pode‑se encontrar produções culturais tão
distintas, mas que quando aproximadas passavam a se ressignificar umas às outras.

Saiba mais

Para mais informações, acesse o site:

<http://www.ciajg.pt/>.

Para conhecer o catálogo da exposição, leia:

FARIA, N. (Ed.). Para além da história. Guimarães: Capital Europeia da


Cultura, 2012.

Se alguns dos nossos leitores não reconhecem o nome de Warburg, certamente conhecerão o
livro‑referência “A história da arte”, de Ernest Gombrich. Gombrich foi o biógrafo de Warburg, e teve o
seu pensamento integramente influenciado por seus estudos. O tipo de análise de imagem que propõe
Gombrich em seu livro baseia‑se nas proposições de Warburg.

Para finalizar este tópico, transcrevo o final do texto de Michaud, refletindo e analisando de
maneira densa o Atlas Mnemosyne, suas proposições e a maneira epistemológica de perceber a
história da arte:

Qual é a natureza de Mnemosyne? A sua constituição é tributária do


nascimento das primeiras agências de fotografia através das quais circulam
as reproduções de obras de arte (Alinari, Anderson, Braun...) e o seu inventário
sistemático. O material fotográfico empregue em Mnemosyne constitui um
equivalente geral que permite tornar comensurável o conjunto dos materiais
visuais empregues (baixos‑relevos, esculturas, pinturas, gravuras...) e de
distribuí‑los no espaço. Warburg teria possuído os meios para coleccionar

19
Unidade I

obras. Porém, apenas conservou as reproduções. O uso da fotografia traduz


a recusa do fetichismo do original. Corresponde a uma iniciativa concertada
de desvalorização radical do material visual: trata‑se de utilizar as obras
como documentos, ainda que um novo tipo de encantamento nasça in fine
da sua manipulação e distribuição.

Que permite a fotografia? Permite aceder a pormenores de obras subtraídos


ao olhar (como os frescos de Guirlandaio em Santa Trinita, por causa da
altura, da luz); fornece os elementos sintáticos de um discurso silencioso e
permite a aproximação de obras afastadas, a justaposição de pormenores e
de planos de conjunto, isto é, efeitos de montagem. Finalmente, devemo‑nos
interrogar sobre o estatuto do fundo negro das pranchas sobre o qual as
fotografias são colocadas em constelações. A este propósito, Warburg falou
de «iconologia dos intervalos»: trata‑se de construir relações intensivas entre
as imagens que correspondam analogicamente às distâncias que separam o
que elas representam.

Sob o efeito prolongado da sua experiência ameríndia, Warburg, no último


período da sua carreira, altera o próprio conceito de representação: já
não a pensa enquanto formação de conhecimento, mas como fenômeno
de comparecimento, inventando algo a que poderíamos chamar a cena
da história da arte. O Denkraum que constitui a biblioteca é um espaço
de projeção, e as pranchas de Mnemosyne são instalações: Mnemosyne
é um cosmos de imagens, como a biblioteca é um cosmos de textos,
um cosmos no qual o saber já não tende a interpretar o passado, mas
a reproduzi‑lo, um universo de imagens onde o investigador se coloca
como o índio se coloca no seio da natureza, um universo cujas forças
aprendeu a perceber e elucidar, que sabe solicitar e cujos efeitos sabe
organizar (MICHAUD, 2012, p. 219).

Lembrete

Apresentamos aqui Warburg e o seu Atlas Mnemosyne como maneira


de ler a obra de arte por meio de um pensamento de “montagem”, de
recorrência das imagens e de memória, resultando num método comparativo
e fundamentalmente imagético de análise.

Como as próprias imagens, quando postas umas perto das outras, criam as suas autonarrativas,
passam a conversar entre si e ressignificam a si mesmas e a história da arte? Caberá ao leitor ter
interesse e disponibilidade para se permitir entrar no “jogo” das imagens, pois, como diz Michaud ao
olhar para Warburg, “compreender historicamente é reviver” (MICHAUD, 2012, p. 203).

20
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

Saiba mais

Que tal pegar o livro A História da Arte, de Gombrich, e estudar alguns


casos de leitura de imagem que o autor faz, analisando‑os criticamente e
tentando enquadrar o pensamento de Warburg neles?

GOMBRICH, E. A História da arte. 16 ed. Trad. Álvaro Cabral. Rio de


Janeiro: LTC, 1999.

1.1.3 Grupo µ: a retórica da imagem

Talvez, muitos de nossos leitores já tenham ouvido falar de Semiótica, a ciência dos signos. Se
não, certamente realizarão um estudo aprofundado em algum momento da graduação desta que,
segundo a semioticista brasileira Lúcia Santaella, é a mais jovem ciência entre as ciências humanas.
Bem, e por ser toda uma ciência, um campo do conhecimento, precisaríamos de vários capítulos para
propor uma reflexão sobre a Semiótica. Como não é nosso intuito, apenas diremos aqui que a Semiótica
é a ciência geral de todas as linguagens, e as linguagens, por si, são meios de comunicação. Essas
linguagens constituem‑se a partir da leitura dos sinais, estímulos emitidos pelos objetos do mundo, e
pela transformação destes em signos, ou seja, em significações que criamos a partir de nossa consciência
(SANTAELLA, 1983).

Saiba mais

Para aqueles que quiserem iniciar‑se no mundo da Semiótica,


aconselhamos este pequeno livro, sintético e de fácil leitura:

SANTAELLA, L. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.

Bem, este parágrafo inicial foi para dizer que a retórica da imagem, que iremos esboçar
aqui, insere‑se dentro da semiótica como grande ciência, mas especifica‑se e foca‑se apenas
na linguagem visual. Enquanto a semiótica abarca todas as linguagens, a retórica da imagem
preocupa‑se em encontrar uma organização interna autônoma para a linguagem visual, criando um
sistema de significação. Tal como nós temos na linguagem verbal a sintaxe, gramática, metáfora,
metonímia, pleonasmo, adjetivos, substantivos e tantos outros elementos e figuras de linguagem
que nos permitem compreender e criar sentido, significação, a partir da linguagem verbal, oral ou
escrita, a retórica da imagem quer encontrar estruturas que possam ser utilizadas na leitura de
qualquer imagem. Por isso, a retórica da imagem é uma área de estudo fundamental no campo da
comunicação visual.

21
Unidade I

Observação

A retórica da imagem, como teoria, foi proposta por um grupo


interdisciplinar de linguistas e semióticos belgas, grupo µ (lê‑se “mi”). Sua
grande obra que apresenta ao mundo a estruturação da linguagem visual é
o Tratado do Signo Visual (GRUPO µ, 1993).

O grupo µ define como “retórica” a “transformação regulamentada dos elementos de um enunciado,


de tal maneira que, no grau percebido de um elemento manifestado no enunciado, o receptor deve
sobrepor dialeticamente um grau concebido” (ibid., p. 232, tradução nossa). Ou seja, a retórica atua sobre
um grau de percepção daquilo que está no enunciado, na linguagem, no meio lido, dando‑lhe outro
grau de concepção, um novo significado àquilo que é percebido. A diferença entre “grau percebido”
e “grau concebido” envolve justamente este processo de criação de significado, do ajustamento que
a nossa consciência faz para poder ler e interpretar o objeto em questão, que de um estranhamento
inicial, encontra uma posição mais confortável. Assim, uma retórica da imagem desdobra‑se no sistema
de significação sobre o desvio de um uso normal da linguagem visual.

Julián Irujo Andueza, professor e investigador catedrático na Faculdade de Belas Artes da Universidade
do País Basco, realizou uma apresentação no VII Congresso Internacional de La Asociación Española de
Semiótica, de 1996 (ANDUEZA, 1998). Intitulado “Utilización retórica del mito de la Gioconda en la
publicidad y en el arte”, descreve de maneira coesa e simplificada os principais elementos da retórica da
imagem do Grupo µ. Transcreveremos aqui a primeira e segunda parte deste texto porque o consideramos
uma boa introdução ao estudo da retórica da imagem. Seria também enriquecedor se os nossos leitores
tivessem acesso à terceira parte, em que o autor faz a leitura de diversas imagens da Monalisa, de
Leonardo da Vinci, a partir da retórica da imagem, ajudando a clarificar de maneira prática os aspectos
teóricos que apresenta nas partes anteriores, a seguir transcritas, na língua original e traduzidas pelos
autores deste livro:

A retórica da imagem tem sido aceita e estudada por autores como R. Barthes, Umberto
Eco, G. Peninou, F. Enel, G. Bonsiepe e J. Durand. Em 1992 o grupo µ publicou o livro Tratado
do Signo Visual. Por uma Retórica da Imagem, em que propõe uma classificação dos modos
e das figuras retóricas da imagem. A proposta deste grupo tem em conta a especificidade
do signo visual, que é analisado previamente. Neste trabalho vamos utilizar referida
classificação, simplificando‑a e adaptando‑a em alguns aspectos.

A retórica tem sido definida como o desvio do uso normal de uma linguagem. “O
recurso retórico é a modificação consciente, o desvio do uso normal e corrente que leva
a uma configuração artisticamente inovadora” (SPANG, 1979, p. 127‑128). Pois bem, para
reconhecer o que é retórica, será preciso saber qual é esse uso normal, não retórico, o
nível zero. Na linguagem falada, ainda que existam umas normas gerais que nos permitem
reconhecer muitos desvios, é terrivelmente complicado definir completamente o nível zero
e o emprego normal da língua. Nos sistemas visuais, que não estão fortemente codificados,

22
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

é mais complicado reconhecer as alotopias. Em grande parte da pintura contemporânea,


inclusive é difícil descobrir as normas que permitem interpretar minimamente os enunciados.
Segudo o grupo µ, a repetição de certas características, ou seja, a redundância do enunciado,
permite “diagnosticar o desvio”. “A redundância é produzida pela superposição de várias
regras numa mesma unidade do enunciado” (GRUPO µ, 1993, p. 239). No caso da citação
de obras pictóricas, não é necessário reconhecer o nível zero pela redundância, uma vez que
referido nível nos pode vir dado pela obra citada. Portanto, cremos que o estudo retórico
da imagem tem um campo de análise especialmente revelador nas citações de imagens, o
que é facilmente reconhecível na relação entre o nível percebido e o concebido ou citado.

Quando criamos uma figura, uma metáfora, por exemplo, seja ela verbal ou visualmente,
produzimos a sobreposição de dois níveis. Um é o nível percebido, manifestado em seu
desvio, e o outro é o nível concebido, quer dizer, o enunciado tal qual poderia ser se não
tivesse havido a substituição, o nível de distanciamento da normalidade (na citação, no
original citado). Lembremo‑nos que a metáfora tem sido definida como uma comparação
abreviada, na qual se suprime o termo a comparar. Se virmos em um quadro um rosto que
tem um telefone em lugar de uma orelha, perceberemos uma alotopia. Uma resolução de
tal irregularidade é conceber o telefone como nível percebido, e a orelha suposta comoo
nível concebido, a qual se compara ou associa com as marcas semânticas que definem o
telefone. A superposição de ambos os níveis provoca uma associação de ideias ou imagens
que costumam fazer as mensagens mais polissêmicas (com mais de um significado).

Figuras e modos retóricos da imagem, segundo o Grupo µ

Nesta seção vamos resumir alguns conceitos necessários para compreender a


classificação de figuras retóricas realizadas pelo grupo µ. Trata‑se da classificação que
se fundamenta no caráter específico do significado visual, que referido grupo define
previamente, atribuindo‑lhe diversas qualidades. A ideia básica parte da consideração de
que existem dois tipos de significados visuais: os icônicos e os plásticos. A partir disso se
distinguem três tipos de retórica: icônica, plástica e iconoplástica. Vamos deixar para outra
ocasião a difícil questão da retórica plástica.

Para o grupo µ: “O signo icônico pode ser definido como o produto de uma relação
entre três elementos, [...] o significante icônico, o tipo e o referente” (GRUPO µ, 1993, p.
120). Este triângulo relembra o de Ullmann, baseado por sua vez no de Ogden e Richards
(GONZÁLEZ, 1989, p. 33). Simplificando, podemos estabelecer que transforma o conhecido
binômio significante‑significado, desdobrando o significado em tipo e referente, (o conceito
e a realidade). A diferença entre tipo e referente é que “o referente é particular”, o objeto
real, concreto, com características físicas determinadas (esse gato do vizinho que estou
desenhando).

Por outro lado, o tipo “é um modelo”, um conceito ou representação mental. Entre os três
elementos que definem o signo icônico se estabelecem certas relações: em primeiro lugar para
passar do referente ao significante se dá uma série de transformações, mediante o emprego
23
Unidade I

dos recursos significantes: recursos especiais de cor, de linha. Se referidas transformações não
são homogêneas, podemos interpretar que se produziu uma figura retórica da transformação.
Como quando numa imagem tratada por quadricromia (técnica de impressão em quatro cores)
uma parte está em preto e branco. Em segundo lugar, para passar do significante ao tipo se
dá um processo de reconhecimento. Por exemplo, reconhecemos um círculo e umas linhas em
determinada posição como sendo um rosto (ver figura a seguir). Se o reconhecimento não
corresponde com um tipo coerente ou determinado, podemos considerar que se produziu
uma figura retórica tipológica. Imaginemos que nesta figura, em lugar da boca, estivesse
desenhada uma maçã. Em definitivo, a retórica tipológica se dá, por exemplo, quando, em
uma imagem da Gioconda, a figura ou alguma de suas partes deixem de ser como de fato
são. Quer dizer, quando vemos uma cara de rato no lugar do rosto da Gioconda, um homem
no lugar de uma mulher. Na retórica transformativa seguiremos reconhecendo Gioconda pelo
rosto, boca, porém, por exemplo, será uma boca com vermelho saturado.

Figura 1 – Rosto humano

Outra característica importante que define o signo icônico é que um mesmo elemento
pode significar coisas muito distintas em função de sua colocação. Numa imagem precedente
a mesma linha pode representar olho ou boca. Cada unidade, um olho, por exemplo, não se
reconhece como tal unicamente por ter uma forma determinada (determinação intrínseca),
como também por sua situação dentro do conjunto de unidades (determinação extrínseca).
Se as características globais intrínsecas não são homogêneas, por exemplo, se na figura
anterior o nariz estivesse desenhado com realismo, falaríamos de retórica transformativa. E
se as relações da situação estiverem alteradas, por exemplo, se o nariz, reconhecido como
tal, estivesse no lugar da orelha, falaríamos de retórica tipológica.

Segundo o grupo µ, uma imagem é um contínuo no qual se articulam unidades de diferentes


posições ou níveis. Se considerarmos a imagem de um rosto como uma entidade, poderemos
perceber que está composta por unidades menores: olhos, boca, nariz. Por sua vez em um
olho, poderemos ver sobrancelhas, iris, pálpebras. E também haverá unidades de amplitude
maior, que englobam o rosto: figura humana composta por rosto, braços, pernas, tronco.
Cada unidade mantém relações de posição em relação às outras unidades: de coordenação,
se são do mesmo nível, e de subordinação ou superordenação, se são de categorias diferentes.
Estas relações de situação nos permitem interpretar os diferentes tipos. Na “figura anterior, se
distinguimos a boca dos olhos, se deve à coordenada de localização de cada elemento.

Fonte: Andueza (1998).

24
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

Iniciamos aqui o leitor para a leitura da obra de arte a partir da retórica da imagem. Esta teoria sobre
uma decodificação geral da linguagem visual propõe‑se a ler qualquer imagem, seja obra de arte ou não,
podendo ser uma ferramenta estruturante para aqueles que produzirão e lidarão com as imagens no
seu dia a dia. Porém, assumimos aqui o caráter de esboço e mera introdução a este tema, que por si só
é complexo e vasto, desejando que esta porta que apresentamos possa ser aberta pelos nossos leitores,
de acordo com o seus interesses.

1.1.4 Âmbito contextual

Podemos também ler a obra de arte a partir de seus diferentes contextos. O contexto faz referência ao
ambiente, àquilo que a envolve. Aqui os contextos abarcarão as diversas circunstâncias que circundam,
contaminam, influenciam e possibilitam a criação da obra, tal como as diversas circunstâncias que
circundam, contaminam, influenciam e possibilitam a reapresentação da obra no tempo presente, como
por exemplo, um festival, uma exposição, uma amostra.

O âmbito contextual vem nos falar que a obra de arte nasce em diálogo com o ambiente que a
circunda, não querendo por isso afirmar que o ambiente determina o que será a obra, mas apenas
desencadeia e provoca estímulos em seu autor que estarão sintetizados e presentes, nem sempre de
maneira clara, objetiva e óbvia, na obra.

O âmbito contextual também pode se relacionar com a diferença entre visão e visualidade. O
crítico e historiador da arte britânico, Hal Foster, editou um livro cujos autores tratam justamente
das diferenças existentes entre visão e visualidade (FOSTER, 1988). Um dos pontos‑chave é que
a visão corresponde à dinâmica visual, ao processo mecânico e fisiológico que ocorre em nossas
retinas, enquanto visualidade é um processo de construção cultural do qual o significado emerge.
Enquanto a visão demanda a nossa capacidade biológica de ver, a visualidade é um regime criado
e instituído por todo um aparato cultural e, portanto, pode variar de cultura para cultura. Por isso,
estudar os diferentes contextos que envolvem a obra nos ajuda a ampliar a nossa visualidade,
aceitando que a leitura que fazemos não é a única leitura possível, mas apenas uma leitura realizada
em determinado enquadramento.

Apresentaremos aqui alguns dos contextos que poderão ser abordados durante uma leitura,
idealmente cruzando‑se uns com os outros. Claro que, tal como falamos anteriormente com relação
à leitura descritiva, caberá ao leitor privilegiar este ou aquele contexto durante a sua leitura, ou então
abordar outro que lhe pareça pertinente.

Ler a obra a partir de seus contextos envolve outras leituras paralelas, estudo e pesquisa, tomando‑se
conhecimento de investigadores, artistas, filósofos, curadores, políticos, entre outros autores que podem
vir a colaborar para uma leitura aprofundada da obra. Por esta perspectiva de leitura envolver um
processo de pesquisa e investigação, iremos apresentar os contextos que acabamos de mencionar
apenas mais adiante, colaborando assim para uma economia textual.

Vimos neste subcapítulo diferentes tipos de abordagens a partir das quais podemos nos aproximar
e desenvolver a leitura da obra de arte. Nenhuma das abordagens por si são suficientes para abarcar a
25
Unidade I

complexidade que existe na obra de arte, sendo a melhor solução conjugar múltiplos modos de leitura,
assim ampliando e tornando plurais as interpretações da obra.

2 A PRODUÇÃO A PARTIR DA PESQUISA E A BUSCA DE REFERÊNCIAS

Estivemos falando até agora sobre o ato de ler, seus desdobramentos e algumas possibilidades de
leitura. Propusemo‑nos a ler a obra de arte de modo a criar um olhar crítico sobre aquilo que já foi feito,
enriquecendo as produções que virão, sejam elas artísticas ou não.

Essas produções poderão reler ou então desenvolver um diálogo de citação e intertextualidade com
a referência, partindo de seu estilo, tema, abordagem, composição, entre outros. Analice Dutra Pillar, no
mesmo texto que já apresentamos anteriormente, tece reflexões acerca da releitura e cópia e da citação
e intertextualidade, que consideramos pertinentes trazer para a nossa discussão.

Por releitura a autora considera ser um ato de “ler novamente, é reinterpretar, é criar novos
significados” (PILLAR, 1999, p. 18), portanto, um ato que envolve uma reconstrução e recriação, dando
um outro contexto e sentido para o objeto referência.

Porém, por vezes, segundo a autora, releitura confunde‑se com cópia, principalmente num âmbito
escolar. Enquanto a cópia “diz respeito ao aprimoramento técnico, sem transformação, sem interpretação,
sem criação”, a releitura realiza‑se pela “transformação, interpretação, criação com base num referencial,
num texto visual que pode estar explícito ou implícito na obra final”, sendo a diferença essencial entre
os dois termos, o caráter da reprodução (cópia) e criação (releitura) (PILLAR, 1999, p. 18). Podemos ver
também que, nestes dois casos, o autor da obra de referência permanece intocado, sua autoria não é
desafiada. Quando ao invés da cópia tenta‑se falsificar a autoria de uma obra, dá‑se um crime com pena
prevista por lei, o plágio. Isto acontece tanto no campo das artes, quando na área científica e comercial.

A obrigatoriedade da citação e correta referenciação, na elaboração textual, é também uma questão


de ética, uma vez que, quando falamos e pensamos, nos embasamos em estudos anteriores realizados
por outras pessoas. Assim, ao citar um autor estamos por um lado agradecendo‑lhe a reflexão que nos
possibilita fazer no dia de hoje, a partir do seu legado intelectual, ao mesmo tempo em que colaboramos
para a construção coletiva do conhecimento. É por isso que neste presente texto citamos sempre as
referências teóricas e suas respectivas bibliografias, para que o leitor possa recorrer à “fonte” deste saber,
de maneira autônoma.

Já na arte, como Pillar nos disse, a obra referenciada pode estar implícita ou explícita na obra final,
portanto, aquilo que é uma citação na elaboração textual pode não ser tão direta na produção artística.
Porém, deverá ter‑se em conta que, frente ao estudo sobre leitura da obra que desenvolvemos, deixar
mais ou menos explícito o referente desencadeará outra interpretação da obra.

Pillar coloca que “as citações são jogos intertextuais que o artista faz para se amparar, para gozar,
para legitimar‑se” (1999, p. 19). Por intertextualidade a autora compreende, citando Peñuela, o jogo e a
dinâmica de espelhamento criada entre um texto e outro. Dá como exemplo a imagem de um espelho
plano, um convexo e um côncavo. Quando nos colocamos frente a cada um deles, a imagem criada parte
26
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

sempre de um mesmo referencial (nosso corpo), porém cada espelho irá refletir essa imagem a partir das
suas próprias características, contudo, permanecemos nos reconhecendo em cada um dos três. Assim, “a
relação intertextual é um modo de criar, é um jogo de espelhos” (PILLAR, 1999, p. 19), que possui “duas
modalidades”, a “explícita: que cita a obra referente” e a “implícita: que esconde a obra referente”.

Como exemplo de intertextualidade explícita, trazemos aqui a pintura “Le déjeuner sur l’herbe” (“O
almoço sobre a relva”) de Édouard Manet, 1863, e o “Le déjeuner sur l’herbe d’après Manet” (“O almoço
sobre a relva depois de Manet”) de Pablo Picasso, 1960. Picasso realizou uma série de releituras deste
quadro de Manet, sempre o recriando a partir de suas próprias dinâmicas internas, estéticas e artísticas.
Picasso assume também no próprio título da obra a referência à Manet, tornando a intertextualidade
da obra duplamente explícita.

Pillar traz como exemplo de intertextualidade implícita a relação formal evidente entre a obra “Noite
Estrelada”, de Van Gogh, 1889, e a “Grande Onda”, de Katsushika Hokusai, 1830‑1833, em que se vê no
céu de Van Gogh o mesmo movimento do mar de Hokusai.

Observação

A intertextualidade é uma maneira de aproximar diferentes textos e


contextos, interligá‑los e recriá‑los, em que existirá um texto dentro de
outro, tal como citações, mais ou menos evidentes.

Essa busca por referências, para além do diálogo formal que poderá se estabelecer, também ocorre
por meio da tentativa de compreensão da obra, de modo que a intertextualidade a ser realizada possa
se dar com outros aspectos oriundos da obra, integrando‑se aos seus contextos.

2.1 Contextos e pesquisa

Propomos alguns contextos a serem pesquisados e abordados, de modo que a leitura da obra e a
investigação intertextual se desenvolvam a partir de outros textos que a circundam, colaborando para
uma compreensão mais ampla dessa e para uma produção que envolva um conhecimento e reflexão
sobre a obra em profundidade.

2.1.1 Contexto biográfico

Diz respeito à vida do artista. Abarca desde o seu nascimento, o enquadramento familiar em que
cresceu, os estudos que desenvolveu, acadêmicos ou não, o âmbito profissional, a vida política, social
e cultural no país onde nasceu e/ou cresceu e/ou viveu, as produções artísticas que realizou, o meio
sociocultural no qual esteve envolvido, preocupações, problemas, temas e interesses nos quais se engajou
durante sua vida, características psicológicas e emocionais de sua personalidade, entre outros dados.

Ao se estudar o contexto biográfico do autor da obra, pretende‑se conhecer não a obra em si,
mas o seu criador, conjugando, por um lado, a leitura da vida do autor – e temos que aqui salientar
27
Unidade I

que as características da vida do autor são também uma das múltiplas leituras que podem ser feitas,
porém tomando sempre o cuidado de embasar‑se em biógrafos que recorram a fatos comprovados
e documentados para construir suas colocações ou hipóteses – e por outro, tecendo relações entre a
vida do autor e a obra lida, sendo que a sua biografia não irá determinar e encerrar a obra, mas nos
possibilitará compreender um dos seus contextos de criação, o contexto biográfico do autor.

2.1.2 Contexto da história da arte

Ao pesquisarmos uma obra de arte, consideremos que ela irá carregar consigo diferentes formas de
diálogo e intertextualidade com outras obras, estilos, artistas ou movimentos de arte. Assim, a partir
de uma obra é possível desdobrar a história da arte que a circunda, além de compreender a história
da arte no seu sentido cronológico. Podemos propor aqui uma leitura e pesquisa no modelo do Atlas
Mnemosyne de Aby Warburg, anacrônico e reconhecendo na obra características culturais que não
dizem respeito apenas ao “mundo da arte” como sistema artístico instituído.

Outro aspecto a ser evidenciado ao se enquadrar a obra na história da arte é o poder desta última de
legitimar tanto os movimentos artísticos quanto as obras. Pois a história é sempre narrada por alguém,
e essa narrativa tende a ser uma das versões, uma das leituras possíveis de uma mesma história – tal
como o jogo dos espelhos –, e as narrativas legitimam certas obras e artistas, excluindo outros. Ter
isto em mente permitirá, ao desenvolver‑se uma pesquisa embasada na história da arte, questionar
as legitimações que foram feitas, propondo‑lhe novas leituras a partir da obra da referência estudada.
Sobre o estudo da história da arte e sua relação com a leitura e produção em arte, iremos nos dedicar
mais no subcapítulo a seguir.

2.1.3 Contexto do curador

Se o artista cria obras, o curador cria apresentações. O curador é a pessoa responsável pela autoria
de exposições, ciclos, conferências e outras formas de apresentar ao público obras e projetos artísticos.
Atua elencando e selecionando artistas e obras, relacionando‑os por meio de um tema de interesse,
propondo um desenho expositivo que seja coerente e apropriado para aquilo que aborda e que, por sua
vez, será também um modo de ler as obras desses artistas em relação uns com os outros.

Se a obra a ser estudada e pesquisada tiver sido apresentada em contexto curatorial, conhecer
este contexto fornecerá a leitura do curador sobre a obra de arte em questão, porém enquadrada num
âmbito coletivo, o que nos possibilitará perceber a produção individual do artista em relação com outros
artistas, do seu tempo ou não.

2.1.4 Contexto histórico, político, cultural ou tecnológico

A pesquisa que aqui se desenvolver pode derivar do contexto biográfico do autor, ampliando‑se para
a busca da compreensão do contexto histórico, político, cultural e tecnológico que envolva a sociedade
humana enquanto produção artística em questão, numa esfera local, país de vida do artista, ou numa
esfera mundial. Assim, por exemplo, não podemos falar do impressionismo como movimento artístico
sem relacioná‑lo com o advento da fotografia. Nem tão pouco deixar de relacionar o surgimento dos
28
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

“ismos” da arte moderna com o horror das guerras do início do séc. XX. E desvincular as performances
do grupo Fluxos dos anos 1960/70 dos movimentos de liberalização sexual, ambientalismo e feminismo.

Por aí a fora, as produções artísticas relacionam‑se e dialogam com os seus contextos políticos,
econômicos e culturais, alterando‑se também a partir das descobertas tecnológicas e científicas, pois
fazem com que o artista olhe, percepcione e compreenda o mundo de diferentes maneiras, modificando
o seu modo de produção.

3 A HISTÓRIA DA ARTE E AS REFERÊNCIAS DO PASSADO

Abordar a história da arte como fonte de referências para a produção artística implica redescobrir e
reler a própria história da arte.

Ana Mae Barbosa, que tem a história da arte como um dos seus tripés da Abordagem Triangular,
fundamenta o seu uso na vertente construtiva e criadora, em que o estudo da história da arte será
sempre revisto e atualizado a partir do tempo presente de quem estuda. Portanto, não se tem a história
como algo morto, inerte e distante da vida de quem sobre ela pensa. Esta noção fica melhor explicitada
quando diz:

Não adotamos um critério de história da arte objetivo e cientificante que


seja apenas prescritivo, eliminando a subjetividade. Sabemos que em história
da arte é importante conhecer as características das classificações de estilo,
a relação de uma forma de expressão com as características sociais e com a
psicolocia social da época, mas analisar as características formais do objeto
no seu habitat de origem não pode ser o escopo máximo da história da arte.
Cada geração tem direito de olhar e interpretar a história de uma maneira
própria, dando um significado à história que não tem significação em si
mesma. […]

A reconstrução do passado é apenas um dado e não tem um fim em si


mesma. Especialmente no que se refere à história da arte.

Na história da arte o objeto do passado está aqui hoje. Podemos ter


experiência direta com a fonte de informação, o objeto.

Portanto, é de fundamental importância entender o objeto. A cognição em


arte emerge do envolvimento existencial e total do aluno. Não se pode impor
um corpo de informações emotivamente neutra (BARBOSA, 1991, p. 37‑38).

Ana Mae apresenta‑nos que a história da arte deverá ser revisitada, a partir do objeto referente de
estudo não para compreender a história da arte por ela mesma, mas para ressignificá‑la e transformá‑la
em novos produtos culturais para, além disso, colocar que o seu estudo deverá implicar o envolvimento
crítico e estético com o objeto.

29
Unidade I

Um entendimento crítico de como conceitos visuais e formais apareceram na


arte, como eles têm sido percebidos, redefinidos, redesenhados, distorcidos,
descartados, reapropriados, reformulados, justificados e criticados em seu
processo formativo necessita da contribuição simultânea da história e de
teorias da arte que iluminem a leitura da obra de arte assim como de uma
prática problematizadora. A prática sozinha tem se mostrado impotente
para formar o apreciador e fruidor de arte (BARBOSA, 1991, p. 40‑41).

Portando, buscar na história da arte referências que embasam a produção artística que virá é um
modo de desenvolver‑se crítica e esteticamente, compreendendo os critérios avaliativos que legitimam
ou excluem produções artísticas.

A história da arte não se quer aqui como um dado a ser revisto, ou um fardo a ser assumido. Para
possibilitar a feitura de novas produções, deverá ser pensada e estudada na sua relação intrínseca com
o tempo presente, em que se descortina, simultaneamente, a história da arte e a atualidade a partir
da qual é vista. Ao ressignificarmos o passado, estaremos também reinventando o nosso presente e
reprojetando o futuro.

3.1 A evolução da arte visual na história e sua relação com o


contemporâneo

Para entendermos melhor a relação da história da arte com a produção, faremos uma pequena
retrospectiva na evolução da arte e na história da civilização. De forma sintetizada, vamos rever alguns
movimentos e linguagens das artes visuais no decorrer da história, como na Pré‑história, Egito Antigo,
Grécia Antiga, no Bizantino, na arte gótica e na Idade Média. A partir do conhecimento sobre as diferentes
técnicas e linguagens adotadas nestes períodos e o uso de seus materiais, exemplificar como extrair as
principais características, para a criação do novo baseado no passado.

Arte rupestre: o começo da arte, que se inicia na Pré‑história, o homem nômade do Paleolítico,
representava em suas formas e desenhos, alusões á sobrevivência, astros ou gêneros. Ou seja, desenhava
com pigmentos que vinham pelo sangue, carvão vegetal ou minérios, formas que como uma magia iria
trazer o alimento para a sua sobrevivência. Nessa época os desenhos eram representações dos animais,
sua caça e o caçador. Assim, o alimento nunca faltaria. No Neolítico, o homem já fixava residência, e foi
nessa época que encontraram o primeiro registro de arquitetura. As imagens eram feitas para representar
o cotidiano como a plantação, família, pesca e vestuário. Com o domínio do fogo, além do material a
base de barro, artefatos e utensílios domésticos de metal começaram a ser fabricados. Exemplo de
produção atual: comunicação e mídia exterior das Olimpíadas de Pequim. A partir do primeiro registro
da escrita chinesa e as formas rupestres, os chineses criaram uma comunicação atual. Buscaram na
simplicidade de seus desenhos esta relação imagética.

No Antigo Egito, as representações eram feitas em homenagem aos deuses e seus faraós. Com uma
religião politeísta, com adoração de diversos deuses que misturavam às figuras de homens, animais e
metade homens com animais; os desenhos de formas simples, utilizavam a Lei da Frontalidade como
regra de construção artística. Também aplicada na arquitetura com toda a estrutura do corpo virada
30
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

para frente, esta lei definia, na pintura, a posição do corpo com os pés e cabeça viradas para o lado e
o tronco e os olhos virados para frente. Também na pintura as cores eram chapadas, variavam entre
o dourado, ocre, vermelho terra, azul, branco e preto e tinham traços simplificados. Os hieróglifos
eram considerados a escrita sagrada e eram representados por desenhos dos ou partes do corpo. As
construções mais famosas eram de templos para adoração aos deuses e dos túmulos dos faraós. Exemplo
de produção atual: na capa do livro O sinal da sombra, de Alberto Osório de Castro, o designer gráfico
utilizou além das cores da época, os desenhos de representação do Egito antigo, como as asas do deus
falcão e da flor do papiro.

A Antiga Grécia é marcada com a criação de uma arte que, devido a sua perfeição e qualidade,
definiu uma categoria na arte, a arte clássica. Nesta época, a arte atingiu um patamar de beleza jamais
conseguido pelo homem. Fincada na esculltura, sua evolução artística está dividida em três fases ou
períodos. Período Arcaico com a representação do Kouros, ou homem jovem, posicionado de frente
como na arte egípcia, parado ou com poucos movimentos. No Período Clássico, com as figuras humanas
esculpidas com movimentos corporais, temos os atletas como modelos. Já no Período Helenístico, a
estatuária ganha além do movimento, grupos de pessoas e emoções. Na pintura, em sua maioria, as
figuras humanas têm traços simplificados, cores chapadas, e são aplicadas em vasos. A originalidade
vem das cores utilizadas. Eram divididas em figuras vermelhas, pretas ou brancas se alterando nos
fundos coloridos de mesma cor. Por exemplo, figuras negras ou vermelhas em fundo branco, figuras
brancas ou vermelhas em fundo negro e figuras negras e brancas em fundo vermelho. Exemplo de
produção atual: o designer criou várias ilustrações vetorizadas gregas. Apropriou‑se da cor e da forma
de alguns personagens para um trabalho moderno e atual.

O mosaico é a expressão maior da arte bizantina. Com representações religiosas no cristianismo,


criou‑se a auréola como símbolo para diferenciar os homens dos santos. O material usado eram pastilhas
vitrificadas que coladas umas às outras formavam as figuras e suas cores. O dourado era muito utilizado,
pois, significava o bem maior da terra, o ouro. Diferentemente do mosaico romano, que utilizava pastilhas
opacas e era colocado, em sua maioria, no chão das residências mais nobres, o mosaico bizantino eram
painéis que ficavam nas paredes das igrejas e templos. Exemplo de produção atual: o artista buscou na
criação de seu painel a estrutura do mosaico, a cor dourada e o símbolo da auréola como representação
do bizantino para criar e fazer a obra. Utilizou um novo material, o azulejo.

Figura 2 – Painel da Basílica de Aparecida, de Cláudio Pastro

31
Unidade I

As igrejas construídas de forma vertical apresentam o tipo de arquitetura da arte gótica. Com seus
arcos ogivais ou quebrados, completavam sua estrutura com os vitrais multicoloridos denominados de
grandes rosáceas. Suas torres tinham pontas como grandes setas que direcionavam as igrejas para o céu.
Exemplo de produção atual: a ilustração moderna de Garland deformou a realidade. O artista tomou
posse da verticalidade, linguagem da arquitetura gótica, exagerando em sua concepção criando setas,
como foguetes, rumo ao céu.

Figura 3 – Garland criou setas gigantescas para a relação com o verticalismo

A construção da arte renascentista é baseada no resgate da arte clássica da Grécia Antiga.


O homem preocupa‑se com a razão, entendimento sobre todas as áreas do conhecimento e seu
individualismo. Domínio sobre as ciências exatas, humanas e biológicas, é marcada também na
criação das artes. Um mesmo artista tinha habilidades na pintura, arquitetura e escultura. Essa
época é marcada com a volta da preocupação estética e da busca pela beleza. Novos estilos
são desenvolvidos como o esfumaçado, a volumetria no claro e escuro, uso da perspectiva
e o naturalismo na pintura. Na escultura, o hiper-realismo é executado com maestria, com
as estátuas parecendo ter vida. Exemplo de produção atual: o artista Ron Mueck traz em
suas esculturas o hiper‑realismo e a evolução técnica. O uso de diferentes materiais traz a
modernidade em suas obras. Com o domínio das proporções e excelência da qualidade, cria
personagens que parecem descansar.

Com a chegada dos “ismos” como o realismo, romantismo, impressionismo, expressionismo, dadaísmo,
modernismo, surrealismo e os outros movimentos artísticos, a arte sofre transformações mais rápidas
e constantes. O artista busca a mudança em sua linguagem e a procura do novo estilo torna‑se uma
obsessão.

Com o realismo volta‑se o naturalismo e a representação da realidade; no romantismo a


emoção e a paixão ganham força em seu significado; o impressionismo busca inspiração na

32
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

impressão da luz natural na natureza sem se preocupar com o refinamento de suas pinceladas;
no expressionismo a expressão da emoção é a principal característica; no dadaísmo todas as
manifestações artísticas são consideradas obras de arte; o modernismo desconstrói e quebra
todos os laços com a arte clássica; e no surrealismo o subconsciente toma forma na representação
dos sonhos, fantasia e no lúdico.

Exemplo de aplicação

Para maior informação sobre todos os movimentos, escolas, linguagens, estilos, técnicas e
materialidade, serão necessárias leituras aprofundadas sobre a história da arte. Cada edição e autor
explora diferentes pesquisas e entendimento sobre as obras de arte. Nas referências bibliográficas há
várias indicações sobre os livros que atendem a estas informações. Tente descobrir qual é o seu interesse,
faça uma boa escolha e bom estudo!

3.1.1 A busca de referências no passado

A pertinência do estudo da história da arte, para Ana Mae, dentro do âmbito de ensino das artes,
mas que aqui compreendemos também fazer parte de qualquer nível de produção artística, se dá porque
o exercício e a busca pelo conhecimento aumenta nosso potencial criativo. Quanto mais entendermos
sobre a construção e o significado das artes produzidas, que podem ser de um ano atrás, há séculos
ou milênios, mais elementos teremos para construir, de forma bem-estruturada, a mensagem de
comunicação visual.

Quando não temos o contato com os estudos e os elementos comunicativos da arte antiga,
desenvolvemos uma construção parcial sobre a arte, usando apenas o emocional em seu desenvolvimento.
A razão, ou o racional, está embasada no estudo daquilo que foi bem-executado e pensado anteriormente.
Esse estudo, que é necessário, servirá de alicerce para que futuramente o trabalho que está sendo
desenvolvido seja o exemplo de outros pesquisadores.

O estudo e a pesquisa servem de parâmetros para a criação do novo. Se não houver este contato
com os padrões estabelecidos anteriormente através dos materiais, linguagens, estilos e técnicas que
envolvem a evolução da arte na história, não temos informações suficientes para comparar o projeto
que está sendo desenvolvido. Não vamos conseguir avaliar se este projeto é novo ou não, pois não
sabemos nada a seu respeito.

Ausência de contato com padrões avaliativos da arte, através da sua história,


impede que aquele que apenas realiza a sua catarse emocional através da
arte seja capaz de ser um consumidor crítico da arte não só de agora mas
da arte do futuro também. […] O conhecimento do relativismo dos padrões
avaliativos através do tempo flexibiliza o indivíduo para criar padrões
apropriados para avaliar o novo, o que ele ainda não conhece (BARBOSA,
1991, p. 40‑41).

33
Unidade I

Observação

Para começarmos nosso estudo pela história do passado e começarmos


a desvendar a história da arte, temos que entender como a arte se
comportou no decorrer da história do homem.

A origem da palavra arte fazia referência à habilidade de executar ou criar algo. Confundida com
o ofício de cada um, como, por exemplo, a arte de se fazer sapato ou a arte de se fazer pão, a palavra
estava associada ao exercício de determinada atividade.

Mais adiante, essa associação se deu com a Escola de Belas Artes, sua relação com a estética e a busca
pelo belo. No campo das artes visuais, tinham como forma de expressão a pintura, escultura e a arquitetura.

Hoje, a definição de beleza varia de acordo com o lugar, o povo e a cultura. Por isso, a relação com a
beleza também é questionável. Em um mesmo território podemos associar a questão sobre a beleza com
diferentes opiniões, e cada um defendendo‑se de acordo com o seu entendimento.

Maria Carla Prette, historiadora da arte e pesquisadora em Semiótica, em seu livro Para Entender a Arte,
defende que para que a produção artística visual ganhe força, é preciso que a obra, através da imagem, transmita
sentimentos, emoções ou sensações. E para transformar a arte em obra de arte é necessário mais um valor
verdadeiro agregado. O artista precisa ser capaz de fornecer, além dos elementos que trabalhem a emoção, outros
que também trabalhem a estética. Mesmo que esta estética, que é a busca do belo, se transforme a todo instante.

Por isso, hoje, no campo visual figurativo, definimos como artística qualquer
atividade que, por meio das imagens, procure comunicar sensações, emoções,
sentimentos. Para que se possa falar verdadeiramente de arte e de obras de
arte, é preciso que o artista procure dar (e seja capaz de dar) também um
valor estético ao seu trabalho: com efeito, a ideia do belo, apesar de mutável,
permanece fortemente ligada à ideia de produção artística (PRETTE, 2009, p. 8).

Prette ainda reforça que a arte é um poderoso meio de comunicação e que precisamos decodificar
sua mensagem para extrair todos os elementos necessários de compreensão sobre a arte no passado.

Antes da escrita o homem das cavernas desenhava símbolos para representar a realidade vivida por
ele. As imagens eram desenhadas ou pintadas com pigmentos à base de sangue, carvão, vegetais, minerais
e de origem animal. Quando esse homem começa a entender ou pensar sobre essas figuras, inicia‑se
a comunicação. Cheio de mistérios e significados, as imagens dessa época são objetos de estudos por
séculos. Por anteceder à escrita, ou seja, sem documentos oficiais, são as pesquisas mais fascinantes feitas
pelo homem moderno para entender o pensamento e a expressão artística do homem da Pré‑história.

As imagens chegam até nós por meios rústicos, como nas cavernas, ou por meios sofisticados, como
na escultura em mármore. Nossa missão é tentar entender todos os códigos carregados nessas artes. A

34
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

partir do entendimento desses códigos, é a função do receptor decifrar a mensagem que o artista, ou
emissor, quis passar com a obra e conhecer a sensibilidade e como era a forma de pensar e agir desse
artista, de uma sociedade ou época.

Segundo Carla Prette, o estudo da história da arte é importante para entender como os artistas, que
são grandes comunicadores de mensagens, utilizam através de suas obras visuais as informações para a
comunicação. Decodificar essas mensagens, que muitas vezes são complexas, é entender a linguagem e
a comunicação que o artista propôs. Além de ser muito rica e poderosa, essa mensagem nos ajudará a
interpretar a arte e apropriarmo‑nos de elementos para a criação do novo.

3.1.2 Análise das obras antigas

Prette desenvolve algumas formas para o entendimento da comunicação visual. Tomamos como
exemplo uma das mais importantes obras de arte de Leonardo da Vinci, a Santa Ceia.

Figura 4 – Reprodução da Santa Ceia, de Leonardo da Vinci

Prette começa a análise sob o ponto de vista da comunicação visual. Juntamente com a pintura da
Mona Lisa, A Santa Ceia é um dos mais famosos projetos de Leonardo da Vinci. Está exposto no convento
de Santa Maria delle Grazie, localizado na cidade de Milão, na Itália. Muito complexa e cheia de técnicas,
esta obra pode ser interpretada e lida de diferentes formas em sua comunicação visual.

A autora divide o estudo em oito partes: emissor, mensagem, código, meio, receptores, contexto,
comitente, e função da obra. Vamos entender melhor:

• Emissor: o artista ou autor, no caso desta obra, foi Leonardo da Vinci. Um gênio das artes,
engenheiro e cientista que viveu no séc. XV.

• Mensagem: o painel, também chamado de afresco, descreve uma parte da história do Evangelho.
Em forma de pintura, mostra a última reunião que Jesus participou antes de ser preso e crucificado.

• Código: é a própria forma de expressão. Uma pintura do séc. XV, na Idade Média e feita na Itália,
onde criou‑se um novo estilo chamado Renascimento. Aplicavam técnicas variadas desenvolvidas
35
Unidade I

nesse período, como a perspectiva e sua ideia de profundidade, o claro e escuro para acentuar o
volume e o perfeito aproveitamento do espaço.

• Meio: onde está localizada a pintura e a base de sua estrutura. Fica na parede do convento de
Santa Maria, onde o artista fez a obra. Este tipo de arte é chamado de afresco.

• Receptores: ou quem iria apreciar esta obra. No começo, os monges do convento, depois os pesquisadores
e hoje o mundo todo. Assim podemos entender quando uma obra se transforma em obra de arte, ou seja,
a partir do momento que a obra alcança como potencial de fruidores todos os seres humanos.

• Contexto: a Itália dos quatrocentos. Na Idade Média italiana, os ricos disputavam entre si os
melhores artistas, arquitetos, pintores e escultores.

• Comitente: o senhor da riqueza que encomendava a obra desses artistas.

• Função da obra: doutrina cristã. Como toda arte sacra, sua função principal é o ensinamento da vida e
morte de Jesus Cristo como crença e devoção a partir da morte e ressureição do filho de Deus. A obra exerce
a reflexão, oração e mostra os últimos instantes de Cristo na terra em sua última ceia com as pessoas mais
próximas. Retrata também a Eucaristia e a consciência da morte para um bem maior, a salvação do homem.
Antes das refeições, os monges oravam e refletiam sobre estas mensagens através do afresco.

Na sequência deste estudo, Carla Prette define o estilo do artista.

• Estilo: é o modo que cada artista se expressa em diversas áreas da arte. No caso da pintura, Leonardo
da Vinci criou técnicas originais que o destacava dos demais pintores da época. Nota‑se a aplicação
da Lei da Perspectiva por meio da qual é criada toda a profundidade do cenário. O esfumaçado que
deixa a pintura com leveza, melancolia e ternura. O claro e escuro para explorar a dramaticidade
da ação. O equilíbrio na distribuição das informações e elementos. E finalmente, a retratação das
fisionomias dos personagens como o desdém, surpresa, inquietação, tristeza e passividade.

Saiba mais

Leia o livro ou assista ao filme O Código Da Vinci. O romance policial


de Dan Brown foi reproduzido para o cinema sob a direção de Ron Howard
e o ator Tom Hanks no papel principal. Esta ficção dramática descreve
os códigos escondidos na obra da Santa Ceia de Leonardo Da Vinci e
alguns assassinatos que se relacionam com o desvendar dos segredos
desses códigos. Realidade ou ficção, o livro ou filme pratica o exercício da
semiologia na interpretação dos sinais desta obra de arte.

O CÓDIGO Da Vinci. Dir. Ron Howard. EUA: Columbia Pictures/Imagine


Entertainment, 2006. 149 minutos.

36
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

4 LEITURA DAS OBRAS E A INTERPRETAÇÃO NAS DIFERENTES ÁREAS DA ARTE

Nesta sequência, finalizaremos esta unidade com a apresentação do quarto tópico. Vamos estudar
a leitura e interpretação de três textos que abordam as diversas perspectivas e seus significados através
de projetos artísticos e seus autores. Esta sessão tem por objetivo apresentar de maneira prática alguns
modos de descrever, refletir, analisar, ler, entender, interpretar e referir‑se sobre algumas obras atuais
e seus artistas contemporâneos. Neste caso, vamos desvendar como esses artistas e obras, de alguma
forma, buscaram nas pesquisas de trabalhos antigos o entendimento da linguagem, estilo, construção
e elementos utilizados no passado para, a partir da apropriação e pensamento, executar uma produção
no tempo presente.

Exemplo de aplicação

Acompanhe sempre as colunas de crítica de arte que vêm junto com os jornais e revistas, impressas
ou digitais, ou nas mídias eletrônicas como o rádio e a televisão. Elas são uma boa maneira de conhecer
uma pluralidade de leituras a partir das mesmas exposições, reconhecendo padrões de escrita e de
análises de obra que permitem criar repertório e senso crítico.

4.1 Leitura de obra de arte

Apresentaremos leituras sob o ponto de vista de três áreas do conhecimento das artes visuais que
abordam a seleção, significação e interpretação acerca da arte: a produção do artista, a escolha do
curador e o estudo de um grupo de pesquisa sobre a leitura da imagem e a retórica da Arte.

A partir de três diferentes obras de arte, vamos desvendar os mistérios e entender com mais
profundidade a emissão, mensagem e a recepção desses projetos artísticos. A primeira leitura será com
um texto escrito pelo próprio artista, a segunda abordada por um curador, e a terceira leitura, sob a
perspectiva da retórica da imagem, estudada e pesquisada pelo grupo µ (grupo Mi).

4.1.1 A arte pela ótica do próprio artista

Aqui, o artista português Rui Chafes elabora o texto press release da sua própria exposição “Tranquila ferida
do sim, faca do não”. Podemos destacar a maneira como o artista tenta impregar o texto com a própria poética
que existe em seu trabalho, de maneira a não explicar, mas despertar no leitor a capacidade de imaginar:

Rui Chafes, “tranquila ferida do sim, faca do não”

A Galeria Filomena Soares apresentou a exposição individual de Rui Chafes (Lisboa, Portugal, 1966),
intitulada “Tranquila ferida do sim, faca do não”. A inauguração no dia 14 de março, contou com a
presença do artista e a exposição esteve patente até o dia 1 de junho de 2013.

Um espaço, dependendo da sua estrutura geométrica, poderá ser investido


de uma dimensão sacral que, normalmente, está ocultada. Muito mais difícil

37
Unidade I

do que enchê‑lo é esvaziá‑lo, virá‑lo do avesso, operar a sua inversão de


forma a aproximá‑lo do ‘quase nada’, do ‘antes do nada’. Torná‑lo magro,
como queria, desesperadamente, Alberto Giacometti. Um espaço austero, de
redução e ascetismo, de total despojamento e esvaziamento. Não podemos
ter medo do vazio, do silêncio e da ferida. A dimensão abstracta da religião
passa, também, por essa coragem.

Trata‑se de encher o vazio com o vazio, não de o encenar. Cada escultura


é um núcleo cerrado, retraído, fechado para dentro, obscuro, concentrado;
um espaço vazio, de clausura, uma prisão fechada sobre si mesma. Cada
uma é um cárcere vazio, onde a luz se dissolve nas estreitas frinchas que
definem a sua estrutura: uma concentração de escuridão que absorve a luz
e o espaço. As suas escuras fendas são feridas íntimas, entradas íntimas para
a obscuridade do corpo.

Uma escultura, no seu retraído formalismo e na sua impessoalidade icónica,


cria um lugar hierático e rígido, um núcleo de redução, austeridade e
ascetismo, uma transcendência através da depuração, da pobreza próxima
da essência. Ausência de encenação: o vazio dentro do vazio. Ela não
é só um objecto, é, também, a sua relação com o nosso corpo, a escala
do confronto entre a nossa dimensão e o seu tamanho. Faz‑nos pensar,
também, a distância que percorremos até chegar ao pé dela, o tempo que
demoramos, a consciência total do espaço que atravessamos e que, havendo
a necessária coragem e confiança, nos levará a saber que ‘a primeira coisa a
morrer são os olhos’ (CHAFES, 2013).

4.1.2 Pelo curador

Nuno Faria é o curador e diretor artístico do Centro Internacional das Artes José de Guimarães
(CIAJG), localizado na cidade de Guimarães, em Portugal. A exposição inaugural do CIAJG foi intitulada
“Para Além da História”, e reunia numa mesma montagem peças das coleções de José de Guimarães
de arte tribal africana, arte pré‑colombiana e arte milenar chinesa, com obras de arte contemporânea,
peças religiosas e de caráter arqueológico, além de produções culturais populares da região. Uma das
salas recebeu o nome do título do trabalho que acolhia, o “Alfabeto Africano”, realizado por José de
Guimarães.

O texto que segue é uma apresentação da sala e da obra, uma vez que as duas são a mesma coisa.
Estava presente na exposição como texto de parede e constitui parte do corpo do catálogo:

Alfabeto Africano

O período angolano operou uma transmutação radical no pensamento e


linguagem de José de Guimarães, sendo disso o testemunho mais palpável o
Alfabeto Africano, realizado entre 1970 e 1974, que é, em síntese, a aquisição
38
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

de uma nova linguagem influenciada pelo pensamento ideográfico, próprio


da cultura tribal africana. O Alfabeto é a aprendizagem de uma língua
baseada numa riqueza cosmogónica, numa reinvenção permanente do mito
fundador e não reificada ou mediada pela palavra. Dizer, comunicar com (o)
outro, implica uma negociação com a complexidade e a diversidade radical
da natureza, uma capacidade transformista e animista, o uso da imaginação
e a convocação das dinâmicas criadoras fundadoras.

Da aprendizagem da arte africana, na sua forma primitiva, ritualística e


iniciática, o artista tomou aquele que é o vocabulário, a base de todo o seu
trabalho, cuja gramática, operando por articulação de fragmentos recorrentes
em possibilidades combinatórias, remete para a linguagem ideográfica
própria de uma cultura de matriz oral que opera por transmissão e troca
directa, objectual e metafórica. Os ideogramas, a utilização do símbolo, a
forma clara, traduzida normalmente em negativo por via do uso da silhueta
tornaram‑se, mais do que uma importante forma de reconhecimento, a
possibilidade de superação de uma visão dialéctica e retórica do mundo
(FARIA, 2012).

Figura 5 – José de Guimarães, “Alfabeto Africano”, 1970‑1974, exposição


“Para Além da História” no Centro Internacional das Artes José de Guimarães, Portugal

39
Unidade I

4.1.3 Sob a perspectiva da retórica da imagem

A seguir, realizaremos a análise retórica da imagem Rails (da série “Ten Superfluous Gestures”), de
autoria de Tibor Gyenis, do ano de 1999. Utilizaremos, para esse fim, duas bases bibliográficas que são: os
capítulos IV e VI do livro Tratado del Signo Visual, do grupo µ (1993), e o texto de Júlian Irujo “Utilización
Retórica del Mito de la Gioconda en la Publicidad y en el Arte” (1996), ambos anteriormente citados. A
metodologia empregada consiste na análise componencial da imagem, seguida pelo levantamento da
figura retórica, chegando por fim ao modo retórico que atua na imagem. Na passagem entre esses três
momentos, serão definidos e contextualizados os conceitos‑chave de uma análise retórica.

Por retórica da imagem pode‑se entender “[...] o desvio do uso normal de uma linguagem” (IRUJO,
1996, p. 675). Assim sendo, para compreender como se dá o processo retórico na nossa imagem em
questão, devemos antes saber qual é o seu uso normal, norma ou nível zero, para então descobrir o
desvio sobre o qual o processo retórico irá atuar. A imagem em questão trata‑se de uma fotografia a
cores. Nela reconhecemos trilhos de ferro, indicando uma ferrovia. As plantas os cobrem em alguns
momentos, incorporando‑os à própria vegetação. Os trilhos estão avermelhados, revelando um processo
de oxidação. Em algumas partes, a cor original do trilho de ferro retorna à superfície. Há um homem,
ajoelhado sobre os trilhos, realizando sua limpeza. A cena situa‑se dentro da floresta fechada, sendo a
ferrovia o único caminho aberto aparente na imagem. Essas são as denotações da imagem, o que ela
exprime num primeiro contato. Elas compõem também aquilo que é o nível percebido da imagem, ou
seja, aquilo que percebemos na imagem – homem a limpar/polir os trilhos de uma ferrovia desativada.

O nível zero, segundo o grupo µ, é “[...] o elemento esperado em determinado ponto de um enunciado”
(1993, p. 238), assim sendo, é a norma, que no nosso caso é representado pela imagem dos trilhos,
podendo ser acolhida em nossa mente como paisagem bucólica. Esta é a isotopia da imagem, o lugar
comum, sem nenhum elemento desviante, ou seja, a fotografia dos trilhos em si não carrega nada de
inovador, permitindo que o leitor da imagem a perceba confortavelmente e sem grandes dificuldades. A
alotopia encontrada, ou seja, o elemento desviante que tira a imagem de seu lugar de conforto, isotópico,
é a representação do homem a limpar os trilhos. A alotopia, portanto, corresponde ao desvio da norma,
daquilo que desarranja o sentido esperado da imagem. A retórica atua quando surge esse desvio, por
meio da criação de um nível concebido que apaziguará em nossa mente esse enunciado desviante, em
que, segundo o grupo µ, “[...] a retórica é a transformação formal dos elementos de um enunciado, de
tal forma que, na mesma intensidade da percepção de um elemento manifesto no enunciado, o receptor
deve supor dialeticamente a intensidade da concepção” (1993, p. 231).

Desse modo, o nível concebido é um conteúdo que se projeta dando sentido ao enunciado desviante.
O nível concebido que surge no estudo de nossa imagem configura‑se junto com a mensagem externa
à imagem, constituída pelo título Rails (da série “Ten Superfluous Gestures”), ou mais precisamente,
da série na qual o trabalho se situa. É representado, dessa maneira, pelo gesto supérfulo, inútil, sem
resposta/retorno óbvio de estar limpando/polindo algo.

A imagem é um signo icônico, que por sua vez, segundo o grupo µ, “[...] pode ser definido como
o produto de uma tríplice relação entre três elementos [...] o significante icônico, o tipo e o referente”
(1993, p. 120). O grupo µ desmembrou a relação até então existente entre significante‑significado, no
40
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

qual “[...] o referente é particular e possui características físicas. Por outro lado, o tipo é uma classe e tem
características conceituais” (1993, p. 122). Para compreendermos onde a retórica atua nessa imagem,
qual é o local de origem do desvio, precisamos perceber como esses três elementos se relacionam, tendo
como consequência de tal relacionamento a definição do signo icônico, sendo este representado pelo
nível percebido. Júlian Irujo nos diz que:

Para passar do referente ao significante, se dá uma série de


transformações mediante o emprego dos recursos significantes:
recursos epeciais, de cor e de linha. Se referidas transformações não são
homogêneas, podemos interpretar que se produziu uma figura retórica
da transformação (1996, p. 676).

São, portanto, transformações relacionadas ao aspecto físico. Os trilhos e a ação do homem em


questão não nos chamam a atenção devido a nenhuma transformação em nível do referencial, pois não
sofrem modificações com relação ao espaço, cor ou linha. Estão representados através do recurso da
fotografia, que nesse caso relaciona significante e referente buscando oferecer ao leitor uma imagem
presente no imaginário comum, uma isotopia.

Júlian Irujo continua, dizendo que “[...] para passar do significante ao tipo se dá uma processo de
reconhecimento. (...) Se o reconhecimento não corresponde com um tipo coerente, que é o determinado,
podemos considerar que se produziu uma figura retórica tipológica” (1996, p. 676). Assim, na nossa
imagem, quando relacionamos o significante ao seu tipo, vemos aí uma incoerência, há o inesperado
que ocorre na imagem, surgindo através da adição do elemento de desvio “homem a limpar os trilhos”.
Isso porque o elemento de desvio de nossa imagem não altera aspectos físicos dos próprios trilhos ou
do próprio homem, mas, sim, altera o conteúdo, conceito, dessa cena enunciada, desse signo icônico.
Portanto, foi‑se produzida uma figura retórica tipológica – o desvio ou alotopia localiza‑se sobre o tipo
do signo icônico, desse modo, esse é o lugar, dentro da imagem, sobre o qual a retórica atuará.

As figuras retóricas tipológicas podem ser subdivididas, segundo o grupo µ, em figuras por
incoordenação e por insubordinação (1993, p. 268). Júlian Irujo sintetiza dizendo que “[...] a falta
de coordenação altera a relação das unidades do mesmo nível, quer dizer, das partes entre si. E a
insubordinação altera as relações de unidades de distintos níveis, ou seja, as relações entre aquele contém
e o conteúdo” (1996, p. 677). Nossa figura retórica tipológica em questão está situada no subgrupo das
figuras por insubordinação, isso porque, ao adicionarmos o elemento de desvio na imagem, a figura
do homem limpando/polindo os trilhos, transformamos a relação existente entre os trilhos, o homem
e o conteúdo que surge a partir desse encontro, criando o nível concebido que projeta um sentido de
inutilidade da ação feita sobre os trilhos, podendo, desse modo, a qualquer momento, dentro desse nível
concebido, os trilhos deixarem de ser trilhos e passarem a ser um coletivo de objetos ou coisas sobre as
quais se age, e essa ação acaba por não perdurar, não causar grandes efeitos.

Como acabamos de dizer, o desvio na imagem surge quando é adicionado o elemento “homem
limpando os trilhos” – se pensássemos apenas no elemento homem, ele por si só não seria um desvio,
mas a ação que ele faz na imagem passa a configurá‑lo como elemento de desvio. Se relacionarmos com
os quatro operadores retóricos fundamentais, ou seja, “[...] operações produtoras de efeitos retóricos”
41
Unidade I

(IRUJO, 1996, p. 677), tendo por finalidade analisar a ordem do desvio – é a partir da existência do desvio
que a retórica atua –, apresentados pelo grupo µ – adiectio, detractio, inmutatio e transmutatio – o que
aqui acontece é o adiectio, no qual há a adição, acumulação ou repetição de um dado elemento, nesse
caso, houve a adição do elemento de desvio. Cada operador retórico resultará numa figura retórica.
Sendo nosso caso por adição, surge uma figura retórica tipológica de adjunción de subordinación, que
segundo Júlien Irujo “[...] se utiliza especialmente para ampliar e mudar o contexto da figura” (1996, p.
678), ou seja, amplia‑se e muda‑se o contexto do signo icônico trilhos, sobre o qual passa a agir a figura
do homem, colocando os trilhos e a ação que sobre eles ocorrem em contradição, e é dessa contradição,
desse desvio ou alotopia, que surge o nível concebido da imagem, remetendo ao que dissemos no
parágrafo anterior.

Aqui retornamos a citação do grupo µ “[...] a retórica é a transformação formal dos elementos de
um enunciado, de tal forma que, na mesma intensidade da percepção de um elemento manifesto no
enunciado, o receptor deve supor dialeticamente a intensidade da concepção” (1993, p. 231). Ou seja, é
por meio da articulação entre os níveis percebido e concebido que se dão os modos retóricos, no qual
o nível concebido se sobrepõe ao percebido. Assim sendo, a retórica age de modo a atenuar o efeito do
desvio que existe no nível percebido, projetando sobre ele o novo sentido a partir do nível concebido.

Foi explicado a pouco como chegamos à conclusão de que, em nossa imagem, existe uma figura
retórica tipológica por adição de subordinação. Mas essa é a figura retórica, ou seja, localizamos e
descrevemos o papel desempenhado pelo desvio na nossa imagem, qual foi o recurso utilizado para
produzir a retórica tal como percebemos; em consequência, qual o nível concebido de nossa imagem e
sobre o que, do sígno icônico, ele se projeta – o nível concebido que aí surge amplia o contexto do signo
icônico, adiciona algo a ele. Falta agora compreender qual o modo retórico da imagem, ou seja, qual o
“[...] enfoque da intensidade concebida e da intensidade percebida” (GRUPO µ, 1993, p. 243).

Os modos retóricos podem ser quatro: tropos, interpenetrações, emparelhamentos e tropos projetados.
Eles irão variar de acordo com a relação nível percebido/concebido. Assim, de acordo com o grupo µ:
no tropo “[...] as duas entidades são conjuntas – quer dizer que ocupam o mesmo lugar do enunciado”
ocorrendo através da relação de ausência existente entre as entidades; nas interpenetrações “[...] as
duas estão conjuntas no mesmo espaço, porém com substituição parcial somente”, ocorrendo através
da presença das duas entidades; no emparelhamento “[...] as duas entidades ocupam lugares diferentes,
sem substituição”, ocorrendo através da presença das duas entidades; e nos tropos projetados “[...] uma
só entidade se manifesta, e a outra é exterior ao enunciado, porém projetada sobre ele”, ocorrendo
através da ausência existente entre as entidades (1993, p. 245).

O modo retórico que melhor pode dialogar com a imagem é o emparelhamento, pois o nível
concebido – gesto supérfulo, inútil, sem resposta/retorno óbvio de estar limpando/polindo/mantendo
algo – não se relaciona com o nível percebido – homem limpando/polindo os trilhos de uma ferrovia
desativada – de modo a substituí‑lo. O que acontece é que o nível concebido projeta um sentido que se
relaciona como uma comparação com o nível percebido, em que Júlien Irujo diz que “[...] o equivalente
linguístico desta forma retórica é a comparação” (1996, p. 677), ou seja, a limpeza dos trilhos como um
gesto supérfulo. A ideia do gesto supérfulo (nível concebido) apresenta‑se para além do que é a limpeza
dos trilhos (nível percebido), fazendo com que essas duas entidades estejam presentes na imagem,
42
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

porém separadas: o gesto supérfluo, que surge a partir do elemento desviante do homem, e que está
presente na imagem, não busca situar‑se sobre os trilhos, mas, sim, alterar e ampliar o sentido que pode
ter essa ação sobre os trilhos.

O processo retórico que aqui acontece traz à tona a reflexão sobre o ato contraditório representado
na imagem, no qual o gesto supérfluo, inútil, sem resposta/retorno óbvio de estar limpando/polindo
algo – o nível concebido – pode tomar o lugar de outras possíveis ações e trilhos hipotéticos.

A retórica atua como metodologia de análise de imagens e busca, desse modo, refletir sobre como
as imagens atuam e significam. Tendo em vista que nos dias atuais a representação visual tem sido a
mais utilizada por nossas sociedades, possibilitando que cada indivíduo seja produtor e consumidor de
imagens, uma retórica visual ajuda‑nos a compreender melhor esse processo de produção e digestão de
visualidades, por meio da apreensão de características de uma linguagem visual que não tem o objetivo
apenas de ler imagens, passivamente, mas, sabendo do modo como elas agem, atuar criticamente a
partir desse mundo de imagens.

Figura 6 – Tibor Gyenis: Rails, “The Ten Superfluous Gestures” (1999)

Resumo

Conforme biólogos chilenos, a percepção relaciona‑se com o fenômeno


do conhecimento, sendo um ato cognitivo. Para o filósofo e educador
John Dewey, percepção é o fazer‑se aberto à “coisa” percebida através dos
sentidos. Outro aspecto relevante está associado com o filósofo italiano
Giorgio Agamben e a busca de referências de obras do passado e seu olhar
do passado através do presente.

As questões abordadas vão desde o que pode ser “ler” uma obra de arte,
e algumas possibilidades de leitura que permitem aproximar‑se da obra
de diferentes maneiras, com olhares diversos. Uma questão contundente
é o processo educativo analisado por Paulo Feire, no qual o “texto” deve
43
Unidade I

ser lido guardando relação com o seu “contexto”. Ao que Analice Dutra
Pillar acrescenta que a leitura variará de acordo com as características
formais do objeto a ser lido, e por outro lado mudará de acordo com o
conhecimento a cerca do objeto, a imaginação, a memória, e as estruturas
mentais e fisiológicas que o leitor possuir no momento.

Para tanto, é preciso uma alfabelização para a leitura da imagem, seja


analisando a materialidade da obra e seus aspectos formais, seja fazendo
uma retrospectiva histórica da arte, como pretendeu Aby Warburg com seu
atlas de imagens Mnemosyne, ou ainda estudando a retórica da imagem
tão bem explorada pelo grupo µ, uma visão semiótica que se preocupa
em encontrar uma organização interna autônoma para a linguagem visual,
criando um sistema de significação.

Além disso, se discute o processo de investigação de referências na arte


e a produção a partir delas. Ler a obra de arte de modo a criar um olhar
crítico sobre aquilo que já foi feito, enriquecendo as produções que virão.

A produção artística a partir do entendimento da intertextualidade da


obra e do autor para o entendimento da mensagem proposta. Além da
intertextualidade, temos que entender vários contextos sobre determinadas
áreas de atuação nas artes, como: o contexto biográfico que diz respeito à
história e vida do autor da obra e as influências internas e externas que o
artista experimentou no decorrer de sua existência; o contexto da história
da arte para entender os padrões adotados ao longo da história do homem
e suas expressões artísticas. O contexto do curador que é responsável por
escolher as principais obras a serem expostas e o público que vai atingir; o
contexto da política, cultura e da tecnologia para buscar o entendimento
sobre o comportamento e pensamento do homem e da sociedade em
determinada época; além de ferramentas tecnológicas para a execução de
trabalhos originais.

Outro aspecto relevante tratado é o da importância da história da


arte para a produção atual, não para compreender a história da arte por
ela mesma, mas para ressignificá‑la e transformá‑la em novos produtos
culturais. A importância da pesquisa, da busca por referências nas obras do
passado e para a criação do novo. A evolução da arte na história tendo como
exemplos alguns períodos que marcaram, por suas técnica ou linguagens,
essas passagens e como utilizar estes estilos antigos em projetos atuais
e contemporâneos. Como buscar refências e analisar uma obra de arte
antiga, como, por exemplo, a Santa Ceia de Leonardo da Vinci.

E finalmente, a leitura e entendimento da arte em diferentes áreas do


conhecimento artístico. Vamos estudar a leitura e interpretação de três
44
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

textos que abordam as diversas perspectivas e seus significados a partir de


projetos artísticos e seus autores. Esta sessão tem por objetivo apresentar de
maneira prática alguns modos de descrever, refletir, analisar, ler, entender,
interpretar e referir sobre algumas obras atuais e seus artistas; como o
artista português contemporâneo Rui Chafes criou e percebe sua obra; a
percepção do curador e o exercício da sensibilidade para a atividade de
escolher e decodificar os trabalhos para uma exposição; e o estudo e a
interpretação do grupo de pesquisas µ e sua retórica da imagem para ver,
rever, significar e ressignificar a arte.

Exercícios

Questão 1. Dedicar-se à descrição de uma obra inclui questioná-la de diferentes maneiras. Colocamos
aqui algumas das perguntas que poderão ser feitas e respondidas durante o processo de descrição e
reconhecimento desta obra. Leia os seguintes grupos de perguntas:

Texto I – Papel? Tinta acrílica? Tinta óleo? Barro? Ferro? Bronze? Silicone? Areia? Vegetais? Madeira?
Lápis? Guache? Aquarela? Nanquim? Cimento? Tecidos? Arame?

Texto II – Você está em frente da obra ou de uma reprodução? Se você estiver em frente da obra
ficará fácil percebê-la espacialmente. Se estiver em frente de uma reprodução, você deve levar em
consideração a dimensão real do trabalho e tentar manter esta percepção espacial “imaginada” na
continuidade da leitura, pois, a depender do caso, isso poderá interferir.

Texto III – Os elementos sobrepõem-se? Estão alinhados na horizontal, na vertical ou na diagonal?


Estão separados? Qual é a relação de tamanho entre eles? Há alguma proporção? Se há pessoas, elas se
olham? Se tocam? Qual é dinâmica que existe entre os elementos?

Texto IV – A obra tem título? Quando foi feita? Qual é o seu autor? Aonde ele nasceu e viveu? Há
dados biográficos? A obra faz parte de algum acervo? Qual?

Assinale a alternativa correta:

A) O texto I refere-se aos tipos de materiais utilizados na obra.


B) O texto II refere-se ao título da obra.
C) O texto III refere-se à dimensão da obra.
D) O texto IV refere-se ao relacionamento dos elementos entre si.
E) As perguntas de todos os textos estão corretas.

Resposta correta: alternativa A.

45
Unidade I

Análise das alternativas

A) Alternativa correta.

Justificativa: realmente, o texto refere-se aos tipos de materiais que compõem a obra.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: o texto refere-se à dimensão da obra.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: o texto refere-se aos elementos da obra e à relação entre eles.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: o texto refere-se ao título da obra.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: apenas a alternativa A está correta.

Questão 2. Maria Carla Prette faz a análise da obra de arte do ponto de vista da comunicação visual.
A autora diz que a obra pode ser interpretada de diferentes formas em sua comunicação e divide o seu
estudo em oito partes: emissor, mensagem, código, meio, receptores, contexto, comitente e função da
obra. Escolha a alternativa cujo texto corresponde ao elemento em destaque:

A) Meio: “O artista ou autor, no caso desta obra, foi Leonardo da Vinci, um gênio das artes, engenheiro
e cientista que viveu no séc. XV”.

B) Emissor: “O painel, também chamado de afresco, descreve uma parte da história do Evangelho. Em
forma de pintura, mostra a última reunião que Jesus participou antes de sua prisão e crucifixão”.

C) Mensagem: “Uma pintura do século XV, da Idade Média e feita na Itália, onde se criou um novo
estilo chamado Renascimento. Aplicavam técnicas variadas desenvolvidas naquele período, como
a perspectiva e sua ideia de profundidade, o claro e escuro para acentuar o volume e o perfeito
aproveitamento do espaço”.

D) Código: “Fica na parede do convento de Santa Maria, onde o artista fez a obra. Este tipo de arte
é chamado de afresco”.

E) Receptores: “No começo, os monges do convento, depois os pesquisadores e hoje o mundo todo.
Assim podemos entender quando uma obra se transforma em obra de arte, ou seja, a partir do
momento que a obra alcança como potencial de fruidores todos os seres humanos”.

Resolução desta questão na plataforma.


46

Você também pode gostar