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Projeto Gráfico
Autor: Prof. Egidio Shizuo Toda
Colaboradores: Prof. Alexandre Ponzetto
Profa. Tânia Sandroni
Professor conteudista: Egidio Shizuo Toda
Pesquisador em Estética, Linguagem da Arte e Leitura da Imagem pelo IPCA de Barcelos, Portugal (2012).
Pesquisador pelo Grupo de Pesquisa em Arte e Mediação Cultural coordenado pela Profa. Dra. Mirian Celeste Martins.
Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2013). Especialista em
Comunicação e Mídia pela Universidade Paulista (2012). Graduado em Comunicação Digital pela Universidade Paulista
(2006). Técnico em Formação Avançada em Fotografia Profissional SENAC (2011). Professor de graduação no sistema
presencial em Comunicação Social e Comunicação Digital nos cursos de Publicidade e Propaganda, Jornalismo,
Propaganda e Marketing, Fotografia e Design Gráfico na Universidade Paulista (desde 2008) e professor de graduação
no sistema interativo de EaD em Artes Visuais na Universidade Paulista (desde 2014). Palestrante na Expo CIEE 2014,
FÓRUM 2014, Fórum Teenager de Universidades e Profissões, Congresso Mundial ICOM – Rio de Janeiro, Brasil 2013;
Congresso Internacional de Arte, Lisboa, Portugal, 2012; Congresso Mundial de Comunicação e Arte, Guimarães,
Portugal, 2012; Congresso Ibero‑americano de Docência Universitária, Porto, Portugal 2012; Diretor de Arte/Designer
Gráfico na Editora Abril S/A (1984 a 2003). Editor de arte/designer gráfico na Editora Peixes (2003 a 2008). Fotógrafo
profissional nas categorias de retrato, still‑life e turismo (desde 1994) e diretor de arte e fotógrafo free lancer pelo
estúdio EST Comunicação Visual (desde 2008).
CDU 766
U502.70 – 19
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Maria Emilia de Amaral
Virgínia Bilatto
Sumário
Composição e Projeto Gráfico
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8
Unidade I
1 COMO LER UMA OBRA DE ARTE................................................................................................................ 13
1.1 Tipos de leitura....................................................................................................................................... 14
1.1.1 Descrição: a materialidade da obra e os aspectos formais..................................................... 15
1.1.2 Aby Warburg: o atlas Mnemosine e a montagem..................................................................... 17
1.1.3 Grupo µ: a retórica da imagem.......................................................................................................... 21
1.1.4 Âmbito contextual................................................................................................................................... 25
2 A PRODUÇÃO A PARTIR DA PESQUISA E A BUSCA DE REFERÊNCIAS........................................ 26
2.1 Contextos e pesquisa........................................................................................................................... 27
2.1.1 Contexto biográfico................................................................................................................................ 27
2.1.2 Contexto da história da arte............................................................................................................... 28
2.1.3 Contexto do curador.............................................................................................................................. 28
2.1.4 Contexto histórico, político, cultural ou tecnológico............................................................... 28
3 A HISTÓRIA DA ARTE E AS REFERÊNCIAS DO PASSADO.................................................................. 29
3.1 A evolução da arte visual na história e sua relação com o contemporâneo................ 30
3.1.1 A busca de referências no passado.................................................................................................. 33
3.1.2 Análise das obras antigas..................................................................................................................... 35
4 LEITURA DAS OBRAS E A INTERPRETAÇÃO NAS DIFERENTES ÁREAS DA ARTE...................... 37
4.1 Leitura de obra de arte........................................................................................................................ 37
4.1.1 A arte pela ótica do próprio artista.................................................................................................. 37
4.1.2 Pelo curador............................................................................................................................................... 38
4.1.3 Sob a perspectiva da retórica da imagem..................................................................................... 40
Unidade II
5 PERCEPÇÃO E FORMAS.................................................................................................................................. 48
5.1 Percepção: trabalhar os sentidos para uma comunicação eficiente................................ 48
5.1.1 A aplicação de todos os sentidos para a comunicação visual............................................... 49
5.1.2 As influências e os tipos de percepção........................................................................................... 50
5.1.3 Os tipos de configuração e a Escola de Gestalt.......................................................................... 53
5.2 Formas: a criação das formas geométricas e orgânicas........................................................ 56
5.2.1 Forma ponto e o início da construção da imagem.................................................................... 57
5.2.2 Forma linha e a base da estruturação dos projetos................................................................... 58
5.2.3 Forma plano e as figuras geométricas básicas e orgânicas.................................................... 60
6 IMAGENS, CORES E TIPOS............................................................................................................................ 63
6.1 Imagem: a evolução das principais linguagens e estilos da história da arte............... 63
6.1.1 O nascimento da imagem.................................................................................................................... 63
6.1.2 Um passeio pelos movimentos artísticos....................................................................................... 64
6.1.3 O uso da imagem na comunicação.................................................................................................. 67
6.2 Cores e tipos: as sensações e emoções na configuração cromática e tipográfica.................. 71
6.2.1 A Teoria e a Psicodinâmica das Cores.............................................................................................. 72
6.2.2 O estudo tipográfico e suas funções............................................................................................... 78
6.2.3 Classificação dos tipos e exemplos tipográficos......................................................................... 82
Unidade III
7 PROJETO GRÁFICO E TEORIA DA PÁGINA EM BRANCO.................................................................... 89
7.1 Teoria da Página em Branco e a quebra de barreiras............................................................. 89
7.1.1 Como começar um projeto.................................................................................................................. 89
7.1.2 O briefing de desenho............................................................................................................................ 91
7.1.3 Investigação e desenvolvimento....................................................................................................... 94
7.1.4 Orçamento e cronograma de trabalho........................................................................................... 95
7.2 Projeto gráfico: plano de realização da obra e seu desenvolvimento............................. 97
7.2.1 Arquitetando o projeto gráfico.......................................................................................................... 98
7.2.2 Da criação à arte final: a execução de projetos gráficos.......................................................100
7.2.3 Conceito e identidade visual: o melhor caminho para a mensagem visual..................101
7.2.4 Layout e diagramação: aprovação do cliente e execução da arte....................................102
8 TIPOS DE PROJETOS GRÁFICOS E ANÁLISE DE CASOS....................................................................104
8.1 Tipos de projetos gráficos de mídia impressa e digital........................................................104
8.1.1 O projeto gráfico editorial..................................................................................................................104
8.1.2 O projeto gráfico no desenvolvimento de produto e embalagem.................................... 110
8.1.3 O projeto gráfico na criação de marcas e logotipos............................................................... 118
8.1.4 Os projetos gráficos de mídias promocionais e de mídias no mundo digital.............. 122
8.2 Análise de casos e leitura das obras na atualidade...............................................................127
8.2.1 Leitura do artista consagrado: Cláudio Pastro.......................................................................... 127
8.2.2 As obras de convergência das quatro naves.............................................................................. 128
8.2.3 Leitura do artista consagrado: Ernesto Neto............................................................................ 134
8.2.4 Leitura do artista emergente: Ludgero Almeida...................................................................... 135
APRESENTAÇÃO
Este livro‑texto pretende apresentar a você, aluno de Artes Visuais, conhecimento para que possa
compreender a formação da Composição e Projeto Gráfico, fornecendo‑lhe subsídio para compreensão
dos conceitos sobre as teorias da composição e fundamentos dos projetos gráficos. No final do livro
constam todas as obras usadas como referência para elaboração desse conteúdo. Utilize as referências
para ampliar seu conhecimento.
No livro C. Pastro: arte sacra, o autor transcreve a apreciação do seu trabalho pelo italiano de Milão,
Gaetano Fermani, escrito em setembro de 2000. Neste texto, vemos a busca de referências e inspiração
para a evolução do trabalho artístico de Cláudio Pastro.
Todo o seu trabalho nasce de uma recusa teórica do novo como resultado
obtido ao longo dos séculos e das diversas vanguardas, resultado que levou
a uma nova academia, que há anos não satisfaz mais ninguém. Sua busca
pelo novo, por uma linguagem de expressão pessoal (que, aliás, é o objetivo
de todo artista verdadeiro) tem suas raízes nos séculos que precedem o
renascimento italiano – com o intuito de amadurecer o seu estilo, sem o
filtro e o condicionamento dos séculos sucessivos.
Inspirar‑se nas grandes estações da alta Idade Média (os mosaicos de Ravena
in primis) permitiu‑lhe encontrar, antes de tudo, o seu ritmo de composição.
Contrapor a arte do Renascimento maduro à religiosidade dos mestres
do século XIV e do Gótico Cortês (segundo a lição de Lionello Venturi, em
Gusto dei primitivi, de 1926) conduziu a inspiração de Cláudio Pastro a um
primitivismo cultivado, embora fiel à noção clássica de ofício.
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Observação
Para entender melhor sua leitura, na universidade são necessárias certas
normas. Assim, vamos utilizar uma que se chama autor/data. Cada vez que
usarmos uma obra de algum autor, você verá o bloco de texto que foi copiado,
separado. Portanto, além do sobrenome e o ano, aparecerá também as páginas
onde o texto se encontra na obra. Por exemplo: PASTRO, 2001, p. 303‑304.
INTRODUÇÃO
Para uma composição bem sucedida é necessário uma boa base de informações sobre a interpretação de
obras consagradas, a investigação sobre suas estruturas e desenvolvimentos, os estudos sobre as ferramentas
de comunicação e o melhor método de distribuição de toda a informação. A partir do entendimento destas
etapas, estamos aptos para executar os mais variados tipos de projetos gráficos mesclando a teoria e a prática. O
resultado desta mistura é a base de construção de projetos bem‑elaborados, bastando adicionar como tempero
sua criatividade e estilos personalizados.
Vamos aprender a “ler” uma obra de arte, suas possibilidades de leitura permitem aproximar‑se da
obra de diferentes maneiras e com olhares diversos. Anice Dutra Pillar acrescenta que a leitura variará
de acordo com as características formais do objeto a ser lido e, por outro lado, por outro lado mudará
de acordo com o conhecimento acerca do objeto, a imaginação, a memória, e as estruturas mentais e
fisiológicas que o leitor possuir no momento.
Para tanto, é preciso uma alfabelização para a leitura da imagem, seja analisando a materialidade
da obra, seja fazendo uma retrospectiva histórica da arte, ou ainda estudando a retórica da imagem tão
bem explorada pelo grupo µ.
Outro aspecto relevante tratado é o da importância da pesquisa na história da arte para a produção
atual, a ressignificação e a transformação para novos produtos culturais. A busca por referências nas
obras do passado e para a criação do novo.
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A maneira prática, alguns modos de descrever, refletir, analisar, ler, entender, interpretar e referir
sobre algumas obras atuais e seus artistas, como, por exemplo, o artista português contemporâneo Rui
Chafes que cria e percebe sua obra, faz com que o curador exercite sua sensibilidade para escolher e
decodificar os trabalhos para uma exposição e a interpretação do grupo de pesquisas µ com sua retórica
da imagem para ver, rever, significar e ressignificar a arte.
Posteriormente, a partir das teorias da composição vamos estudar quais são os tipos de percepção e
como elas agem na experimentação sensorial que nos imprimem em diversas mensagens que recebemos.
Criar a partir do ponto todos os elementos visuais da composição.
A exploração de todos os sentidos para a construção de uma comunicação visual arrojada força o
artista ao estudo e pesquisa do uso de vários tipos de percepção. O estudo dos cinco tipos de percepção
mais comuns, como a percepção visual, tátil, olfativa, gustativa e auditiva, soma‑se à percepção temporal
e espacial para o entendimento de todas as sensações relacionadas ao ser humano.
Com a compreensão e utilização sensoriais definidas, partiremos para o entendimento das formas
geométricas, como as figuras do quadrado, do triângulo, do círculo e das figuras orgânicas.
Na Teoria da Página em Branco vamos tratar de todas as etapas importantes para desenvolver um
projeto do zero. As recomendações são muito práticas e objetivas, tal como a de que se deve iniciar um
projeto a partir de uma ideia clara e bem-estruturada.
Vamos ver os planos de realização que antecede o projeto gráfico, iniciar sua engenharia de
construção, aprender sobre o brainstorming e sua tempestade de ideias e os conceitos que envolvem a
criação da identidade visual e sua concepção.
Em seguida, estudaremos o projeto gráfico e como tratar a organização de todos os elementos que
serão utilizados para a transmissão de um determinado conteúdo, independente do veículo gráfico que
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é utilizado nas diversas áreas da comunicação visual, como nas mídias editoriais, no desenvolvimento
de embalagens, na criação de marcas, na área promocional e nas mídias do mundo digital. Como função
do projeto gráfico, garantir, por mais variáveis que sejam o tamanho da equipe, o consenso entre todos
os que trabalham, para que a obra final tenha caráter homogêneo.
Para dar suporte a esse arcabouço teórico, vamos desvendar as criações sob o ponto de vista de
artistas que deram forma à sua criação. Começamos pela leitura da obra do artista sacro Cláudio Pastro,
reconhecido mundialmente, e a elaboração da obra artística no interior da Basílica de N. Sra. Aparecida,
para através dela transmitir sua mensagem de evangelização. Trata‑se de uma obra monumental,
moderna, de 34 painéis medindo cada um 5 metros de largura por 7 metros de altura, narrando toda a
vida de Jesus, do nascimento à ressurreição.
Também faremos a leitura da obra do artista Ernesto Neto, igualmente consagrado, que já integrou
a Bienal de Veneza, expôs no Tate Modern de Londres, e no Moma de Nova Iorque. Trabalha com o
conceito de site‑specifics, nos quais leva à interação a obra e o observador. Suas obras precisam ser
tocadas, respiradas, experimentadas enquanto elementos físicos.
E, por fim, faremos a leitura do artista português emergente Ludgero Almeida, que na pintura procura
fazer algumas rupturas partindo do princípio de que “dissonar torna‑se uma maneira de entender o
mundo”.
Com esta obra esperamos que o leitor se sinta desafiado a buscar novos horizontes artísticos.
Interpretando, aprendendo, buscando referências, distribuindo toda a informação de forma consciente,
elaborando e construindo algo único e personalizado.
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COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
Unidade I
Percepção: entender a arte e a busca de referências nas obras do passado.
Primeiro, o que é percepção? Etimologicamente, percepção tem origem no latim perceptio, em que
o prefixo ‑per significa “por completo”, o verbo capere significa “capturar” e o sufixo tio, “ação e efeito”.
Pode‑se dizer, então, que é “a ação e o efeito de capturar por completo as coisas”.
De acordo com os biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, a percepção relaciona‑se
com o fenômeno do conhecimento sendo um ato cognitivo. Para os autores, a percepção que temos do
mundo não corresponde à certeza e à verdade, mas trata‑se da combinação entre a nossa configuração
interna, biológica e neuronal, e os estímulos externos, em que estes apenas desencadeiam, mas não
determinam os primeiros. Ou seja, nossa experiência, percepção, do mundo está “indissoluvelmente
atrelada à nossa estrutura” em que “não vemos o ‘espaço’ do mundo, vivemos nosso campo visual; não
vemos as ‘cores’ do mundo, vivemos nosso espaço cromático” (MATURANA; VARELA, 1984).
Estes três sentidos para “percepção”, quando entrecruzados, esboçam e apresentam o sentido
que aqui escolhemos para nos orientar nesta caminhada capítulo adentro. Nele o sujeito não
apenas “percebe” no sentido do “reconhecimento”, mas vivencia e experiencia a obra de arte, e
podemos dizer que pretende “capturar por completo as coisas”, fazendo‑se aberto e disponível
11
Unidade I
para que seja tomado por algo novo, por aquilo que vem de fora, porém será a sua própria
estrutura físiológica e biológica que determinará aquilo que é percebido, e não o contrário. E
se este sentido parece implicar um âmbito exclusivo de subjetividade, podendo resvalar para o
constante relativismo em que tudo pode ser “porque sim”, ao longo do caminho cruzaremos a
subjetividade individual com a objetividade coletiva, abordando a compreensão da percepção da
arte também como ação política.
Tendo isto dito, podemos avançar para a segunda abordagem‑chave deste capítulo: a busca de
referências de obras do passado. Propomos um olhar analítico, crítico e sistemático perante aquilo que já
foi feito, de modo a possibilitar as criações que virão, artísticas ou não. Olharemos do presente o passado,
sem nunca perder de vista de onde partimos, afinal, aqui também estamos recriando experiências, como
propõe Dewey. Sobre isto, fala‑nos o filósofo e historiador da arte, o francês Georges Didi‑Huberman,
referindo‑se ao pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben:
Inicialmente, abordaremos de maneira crítica o que pode ser “ler” uma obra de arte, e apresentaremos
algumas possibilidades de leitura que permitam aproximar‑se da obra de diferentes maneiras, com
olhares diversos.
12
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
Paulo Freire
Lembrete
Para o educador brasileiro Paulo Freire, nós aprendemos a ler a palavra só depois de já estarmos
imersos num mundo de sons e significados que, por força das necessidades coditianas, aprendemos a
“ler”. Segundo o autor, nós sabemos “ler” o canto do pássaro como sendo o canto do pássaro, sabemos
“ler” a nuvem cinza como sinal de chuva que se aproxima, tal como a dor e o barulho em nossa barriga
como sendo a fome. Vamos experimentando as palavras nos seus usos diários, na significação que
elas criam imbricadas à nossa vida. Assim, a palavra tijolo para um pedreiro que é analfabeto, mas que
conhece bem como é a forma de um tijolo, como parti‑lo e até em que momento utilizar um tijolo
deste ou daquele tamanho, quando escrita numa lousa, pode ser‑lhe estranha à primeira vista, mas ao
reconhecer a palavra através do som que se produz ao lê‑la, poderá ver o seu “pão de cada dia” refletido
numa única palavra. A isto, Freire chama de “palavramundo”, nos dizendo que as palavras estão “grávidas
de mundo”, ou seja, “a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção
das relações entre o texto e o contexto” (2001, p. 11). A leitura da palavra, para Freire, dá‑se como um
ato político, em que o leitor apercebe‑se do seu contexto social, cultural, ambiental e econômico por
meio dos “mundos” que cada palavra carrega em relação à sua vida.
Ler o “texto” em relação ao seu “contexto” implica pensar e propor a alfabetização como ato
político e criador, em que o conhecimento se dará como sentido que é construído por aquele que
conhece e aprende, e não como imposição externa. O ato de ler a palavra, segundo Freire, deveria “vir
carregada de significação de sua experiência existencial e não da experiência do educador”, em que
o educando, ao ler, estará escrevendo e reescrevendo a sua própria experiência, o seu próprio mundo,
13
Unidade I
transformando‑o a partir da prática consciente (FREIRE, 2001, p. 20). Portanto, ler, para o autor
“implica sempre percepção crítica, interpretação e ‘reescrita’ do lido” (ibid., p. 21). Envolve o aprender
e o conhecer como processo de construção de sentido e não como transmissão de informação.
Freire reflete sobre a leitura da palavra, porém aqui leremos não palavras, mas imagens. No entanto,
assim como as palavras, as imagens também estão “grávidas de mundos”. Educamo‑nos visualmente
desde o nosso nascimento, e, portanto, aquilo que Freire aplica à leitura da palavra pode ser estendido
à imagem.
Mais do que ler imagens, iremos aqui nos debruçar sobre um tipo específico de imagem que é
a obra de arte. Dentro desta, abarcaremos apenas o leque das obras de arte visuais: as imagens bi e
tridimensionais, plásticas, digitais ou em movimento.
Para fundamentar a leitura da obra de arte, traremos como referência a educadora brasileira e
investigadora em arte‑educação, Analice Dutra Pillar. A autora, no texto intitulado “Leitura e releitura”,
baseia‑se no pensamento de Freire, este que acabamos de ver, para fundamentar a leitura como uma
ação crítica e política. Sobre isto, ela diz “leitura, que inserida num contexto social e econômico, é de
natureza educativa e política, pois nossa maneira de ver o mundo é modelada por questões de poder,
por questões ideológicas” (PILLAR, 1999, p. 14).
Pillar, para pensar a leitura da obra de arte, recorre ao estudo da teórica literária brasileira Maria
Helena (MARTINS, 1994).Esta, diz que é possível sintetizar em duas as variadas concepções de leitura:
“como decodificação mecânica” e “como um processo de compreensão” (PILLAR apud MARTINS, 1994, p.
11), e que estes são dois processos complementares para a realização da leitura. Para Martins, “a leitura
é um processo de compreensão de expressões formais e simbólicas, não importando por meio de que
linguagem” (PILLAR apud MARTINS, 1994, p. 12), em que ler, conclui Pillar, “é atribuir significado seja a
uma imagem, seja a um texto” (PILLAR, p. 12).
Segundo Pillar, ler uma obra de arte difere de uma imagem porque as artes plásticas lidam com o
indizível, com um discurso que não é verbal, mas sim do âmbito do sensível (ibid., p. 16). A obra de arte
carrega consigo uma complexidade de significados, um emaranhado que, se for simplificado e reduzido,
14
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
deixa de fazer daquela imagem uma obra de arte. Por isso, Pillar diz que na leitura de uma obra de arte
é necessário entrecruzar diversas possibilidades de leitura, criar hipóteses e testá‑las. Trata‑se de uma
“aventura em que cognição e sensibilidade se interpenetram na busca de significado” (ibid., p. 17).
A investigadora brasileira em arte‑educação Ana Mae Barbosa aborda com outra profundidade a
leitura da obra de arte. Ela foi responsável pela implementação, no Museu de Arte Contemporânea de
São Paulo, da Abordagem Triangular, uma proposta de arte‑educação que deriva das concepções de
Freire sobre a leitura e que fundamenta‑se na triangulação entre a história da arte, a leitura da obra e o
fazer artístico (BARBOSA, 1991).
A autora diz que “temos que alfabetizar para a leitura da imagem”, afirmando que ao prepararmos
a criança para a leitura das artes visuais também a preparamos para o mundo das imagens. Sobre a
importância que Ana Mae dá ao estudo da história da arte, falaremos no subcapítulo 3. Sobre o âmbito
da leitura, a autora diz que, na Abordagem Triangular, pode‑se envolver “análise crítica da materialidade
da obra e princípios estéticos ou semiológicos, ou gestálticos ou iconográficos” (1991, p. 37). Aqui, ler
consiste em analisar e avaliar a obra, cruzando uma ou diversas metodologias de análise com informações
históricas, processos estes que poderão vir antes ou depois do fazer artístico dos alunos.
Ana Mae propõe, em suma, que a arte seja tratada e lida como forma de conhecimento. Que a sua
leitura e reflexão histórica possibilite a quem lê constituir‑se como um consumidor crítico de arte do
passado, do presente e do futuro. E que este olhar crítico, problematizador e contextualizador é revisto e
revisitado por cada fazer artístico do seu leitor, ao tentar experienciar o processo de criação da obra em
questão, para que nos aproximaremos da “percepção” da obra, como já vimos anteriormente em Dewey.
Lembrete
Apresentaremos algumas abordagens de análise que poderão lhes ser úteis para iniciar uma
aproximação às obras de arte.
Olhar com profundidade, com entrega e verdadeiro envolvimento entre o observador e o objeto
observado são essenciais numa leitura de imagem. Olhar envolve a ação física e prática de constatar os
elementos visuais que estão na obra, sem julgamento e sem atribuir uma camada de significação.
Olhar, apenas por si só, atua como processo de observar aquilo que existe na imagem, de maneira
crua e despropositada. Este processo não fundamenta e nem pretende encerrar a leitura de uma obra
como um todo – assim como nenhuma das outras propostas que virão a seguir –, mas complementa
outras perspectivas, podendo estar no início, meio ou fim da leitura.
15
Unidade I
• De que materiais a obra é feita? Papel? Tinta acrílica? Tinta óleo? Barro? Ferro? Bronze?
Silicone? Areia? Vegetais? Madeira? Lápis? Guache? Aquarela? Nanquim? Cimento?
Tecidos? Arame?
• Quais são as técnicas utilizadas pelo artista? Pintura? Desenho? Gravura? Colagem? Fotografia?
Modelagem? Fundição? Projeção? Holografia? Vídeo? Grafitti? Estêncil? Cerâmica? Assemblage?
• Qual a dimensão da obra? Se estiver em frente à obra, ficará fácil percebê‑la espacialmente. Se
estiver em frente a uma reprodução, leve em consideração a dimensão real do trabalho, tentar
mantenha esta percepção espacial “imaginada” na continuidade da leitura, pois, a depender do
caso, poderá interferir.
• Quais elementos estão na imagem? Quando olhamos para a imagem, o que vemos?
Pessoas? Animais? Quadrados, retângulos, triângulos, círculos? Números? Palavras? Objetos
em geral? Se há pessoas, parecem ter alguma etnia? São adultos? Crianças? Velhos? Mulheres
ou homens? Plantas, vegetação, paisagem? Estes elementos têm cores? Há cores? Quais? Há
linhas? Com são? Grossas, finas, contínuas, irregulares, orgânicas, geométricas? Há manchas?
Qual o seu tamanho?
• Como os elementos se relacionam com relação ao todo? Em que lugar da totalidade da obra
eles se localizam? Em cima, em baixo, canto inferior/superior, direito/esquerdo, centro, no todo?
Há zonas de vazio? Há zonas de ruído? Seria possível imaginar uma grade e posicionar cada um
dos elementos num ponto preciso desta grade?
• Qual o título da obra? A obra tem título? Quando foi feita? Qual o seu autor? Onde ele nasceu
e viveu? Há dados biográficos? A obra faz parte de algum acervo? Qual?
• No ambiente expositivo: se a obra a ser lida estiver em exposição, como é o espaço ao redor
dela? Há outras obras? Quão próximas/distantes estão umas das outras? Há algum foco de luz
sobre a obra? O que iluminam? O que deixam de iluminar? De onde a luz vem? A luz cria alguma
sombra projetada? Como a obra está exposta? Pendurada/fixada na parede/teto? Apoiada no
chão? Projetada na parede/teto/chão? Há algum dispositivo expositivo, como um pedestal, uma
caixa, uma vitrine, uma mesa? Há algo que sinalize a distância que o observador tem que manter
da obra? É possível tocá‑la?
16
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
Observação
Observação
Aby Warburg (1866‑1929) foi um historiador de arte alemão do final do século XIX, início do
século XX. Um dos seus grandes legados e projeto de vida inacabado é o Atlas de imagens Mnemosyne.
Mnemosyne era a deusa grega da memória, e foi o seu nome que Warburg escolheu para estar na
entrada de sua biblioteca, o seu outro grande legado.
17
Unidade I
Como historiador da arte, Warburg sempre esteve imerso e investigando a histórica da arte europeia,
principalmente a renascentista. O século XIX foi marcado pelo desenvolvimento da antropologia, tendo
alterado o pensamento e as metodologias até então existentes na história da arte. Segundo o crítico e
historiador de arte francês, Philippi‑Allan Michaud – aqui nossa referência no estudo de Warburg –, foi
por meio da viagem, da deslocação temporal e física – recurso utilizado pelos antropólogos da época
–, que Warburg passou a ver estritas recorrências e repetições de imagens, entre diversos povos e na
arte europeia. Sobre isto, Michaud salienta “evidentemente, para Warburg, não se tratava de tomar o
papel de antropólogo, mas, pelo contrário, de fazer ecoar as imagens índias no interior da história da
arte ocidental. Não se tratava de um reflexo eurocêntrico, mas, pelo contrário, de um gesto destinado a
destruí‑lo” (MICHAUD, 2012, p. 212).
Como metodologia de estudo, Warburg passou a criar pranchas com reproduções fotográficas de
obras de arte e fotografias de observações de suas viagens. Essas pranchas possuiam diversas imagens,
que quando postas umas ao lado das outras confluíam num mesmo espaço produções culturais,
distantes física e temporalmente. Warburg propõe olhar a história da arte europeia não numa linearidade
cronológica, mas quebra com a linha e com o tempo e organiza as imagens por um critério que antes é
imagético, baseado na memória e na sobrevivência das imagens.
Saiba mais
Estas pranchas constituem o seu Atlas Mnemosyne, interrompido pelo seu falecimento. Michaud
nos diz que:
Esta colocação enfatiza que Warburg não estava preocupado em criar distinções e “separatismos”
dentro da produção cultural humana. Ele passou a utilizar‑se de produções que não faziam parte apenas
do círculo da arte hegemônica europeia, burguesa e religiosa, passando a olhar e deixar‑se permear pelo
outro, pela alteridade, dando‑lhe igual ênfase, importância e complementariedade.
18
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
Saiba mais
<http://www.ciajg.pt/>.
Se alguns dos nossos leitores não reconhecem o nome de Warburg, certamente conhecerão o
livro‑referência “A história da arte”, de Ernest Gombrich. Gombrich foi o biógrafo de Warburg, e teve o
seu pensamento integramente influenciado por seus estudos. O tipo de análise de imagem que propõe
Gombrich em seu livro baseia‑se nas proposições de Warburg.
Para finalizar este tópico, transcrevo o final do texto de Michaud, refletindo e analisando de
maneira densa o Atlas Mnemosyne, suas proposições e a maneira epistemológica de perceber a
história da arte:
19
Unidade I
Lembrete
Como as próprias imagens, quando postas umas perto das outras, criam as suas autonarrativas,
passam a conversar entre si e ressignificam a si mesmas e a história da arte? Caberá ao leitor ter
interesse e disponibilidade para se permitir entrar no “jogo” das imagens, pois, como diz Michaud ao
olhar para Warburg, “compreender historicamente é reviver” (MICHAUD, 2012, p. 203).
20
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
Saiba mais
Talvez, muitos de nossos leitores já tenham ouvido falar de Semiótica, a ciência dos signos. Se
não, certamente realizarão um estudo aprofundado em algum momento da graduação desta que,
segundo a semioticista brasileira Lúcia Santaella, é a mais jovem ciência entre as ciências humanas.
Bem, e por ser toda uma ciência, um campo do conhecimento, precisaríamos de vários capítulos para
propor uma reflexão sobre a Semiótica. Como não é nosso intuito, apenas diremos aqui que a Semiótica
é a ciência geral de todas as linguagens, e as linguagens, por si, são meios de comunicação. Essas
linguagens constituem‑se a partir da leitura dos sinais, estímulos emitidos pelos objetos do mundo, e
pela transformação destes em signos, ou seja, em significações que criamos a partir de nossa consciência
(SANTAELLA, 1983).
Saiba mais
Bem, este parágrafo inicial foi para dizer que a retórica da imagem, que iremos esboçar
aqui, insere‑se dentro da semiótica como grande ciência, mas especifica‑se e foca‑se apenas
na linguagem visual. Enquanto a semiótica abarca todas as linguagens, a retórica da imagem
preocupa‑se em encontrar uma organização interna autônoma para a linguagem visual, criando um
sistema de significação. Tal como nós temos na linguagem verbal a sintaxe, gramática, metáfora,
metonímia, pleonasmo, adjetivos, substantivos e tantos outros elementos e figuras de linguagem
que nos permitem compreender e criar sentido, significação, a partir da linguagem verbal, oral ou
escrita, a retórica da imagem quer encontrar estruturas que possam ser utilizadas na leitura de
qualquer imagem. Por isso, a retórica da imagem é uma área de estudo fundamental no campo da
comunicação visual.
21
Unidade I
Observação
Julián Irujo Andueza, professor e investigador catedrático na Faculdade de Belas Artes da Universidade
do País Basco, realizou uma apresentação no VII Congresso Internacional de La Asociación Española de
Semiótica, de 1996 (ANDUEZA, 1998). Intitulado “Utilización retórica del mito de la Gioconda en la
publicidad y en el arte”, descreve de maneira coesa e simplificada os principais elementos da retórica da
imagem do Grupo µ. Transcreveremos aqui a primeira e segunda parte deste texto porque o consideramos
uma boa introdução ao estudo da retórica da imagem. Seria também enriquecedor se os nossos leitores
tivessem acesso à terceira parte, em que o autor faz a leitura de diversas imagens da Monalisa, de
Leonardo da Vinci, a partir da retórica da imagem, ajudando a clarificar de maneira prática os aspectos
teóricos que apresenta nas partes anteriores, a seguir transcritas, na língua original e traduzidas pelos
autores deste livro:
A retórica da imagem tem sido aceita e estudada por autores como R. Barthes, Umberto
Eco, G. Peninou, F. Enel, G. Bonsiepe e J. Durand. Em 1992 o grupo µ publicou o livro Tratado
do Signo Visual. Por uma Retórica da Imagem, em que propõe uma classificação dos modos
e das figuras retóricas da imagem. A proposta deste grupo tem em conta a especificidade
do signo visual, que é analisado previamente. Neste trabalho vamos utilizar referida
classificação, simplificando‑a e adaptando‑a em alguns aspectos.
A retórica tem sido definida como o desvio do uso normal de uma linguagem. “O
recurso retórico é a modificação consciente, o desvio do uso normal e corrente que leva
a uma configuração artisticamente inovadora” (SPANG, 1979, p. 127‑128). Pois bem, para
reconhecer o que é retórica, será preciso saber qual é esse uso normal, não retórico, o
nível zero. Na linguagem falada, ainda que existam umas normas gerais que nos permitem
reconhecer muitos desvios, é terrivelmente complicado definir completamente o nível zero
e o emprego normal da língua. Nos sistemas visuais, que não estão fortemente codificados,
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COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
Quando criamos uma figura, uma metáfora, por exemplo, seja ela verbal ou visualmente,
produzimos a sobreposição de dois níveis. Um é o nível percebido, manifestado em seu
desvio, e o outro é o nível concebido, quer dizer, o enunciado tal qual poderia ser se não
tivesse havido a substituição, o nível de distanciamento da normalidade (na citação, no
original citado). Lembremo‑nos que a metáfora tem sido definida como uma comparação
abreviada, na qual se suprime o termo a comparar. Se virmos em um quadro um rosto que
tem um telefone em lugar de uma orelha, perceberemos uma alotopia. Uma resolução de
tal irregularidade é conceber o telefone como nível percebido, e a orelha suposta comoo
nível concebido, a qual se compara ou associa com as marcas semânticas que definem o
telefone. A superposição de ambos os níveis provoca uma associação de ideias ou imagens
que costumam fazer as mensagens mais polissêmicas (com mais de um significado).
Para o grupo µ: “O signo icônico pode ser definido como o produto de uma relação
entre três elementos, [...] o significante icônico, o tipo e o referente” (GRUPO µ, 1993, p.
120). Este triângulo relembra o de Ullmann, baseado por sua vez no de Ogden e Richards
(GONZÁLEZ, 1989, p. 33). Simplificando, podemos estabelecer que transforma o conhecido
binômio significante‑significado, desdobrando o significado em tipo e referente, (o conceito
e a realidade). A diferença entre tipo e referente é que “o referente é particular”, o objeto
real, concreto, com características físicas determinadas (esse gato do vizinho que estou
desenhando).
Por outro lado, o tipo “é um modelo”, um conceito ou representação mental. Entre os três
elementos que definem o signo icônico se estabelecem certas relações: em primeiro lugar para
passar do referente ao significante se dá uma série de transformações, mediante o emprego
23
Unidade I
dos recursos significantes: recursos especiais de cor, de linha. Se referidas transformações não
são homogêneas, podemos interpretar que se produziu uma figura retórica da transformação.
Como quando numa imagem tratada por quadricromia (técnica de impressão em quatro cores)
uma parte está em preto e branco. Em segundo lugar, para passar do significante ao tipo se
dá um processo de reconhecimento. Por exemplo, reconhecemos um círculo e umas linhas em
determinada posição como sendo um rosto (ver figura a seguir). Se o reconhecimento não
corresponde com um tipo coerente ou determinado, podemos considerar que se produziu
uma figura retórica tipológica. Imaginemos que nesta figura, em lugar da boca, estivesse
desenhada uma maçã. Em definitivo, a retórica tipológica se dá, por exemplo, quando, em
uma imagem da Gioconda, a figura ou alguma de suas partes deixem de ser como de fato
são. Quer dizer, quando vemos uma cara de rato no lugar do rosto da Gioconda, um homem
no lugar de uma mulher. Na retórica transformativa seguiremos reconhecendo Gioconda pelo
rosto, boca, porém, por exemplo, será uma boca com vermelho saturado.
Outra característica importante que define o signo icônico é que um mesmo elemento
pode significar coisas muito distintas em função de sua colocação. Numa imagem precedente
a mesma linha pode representar olho ou boca. Cada unidade, um olho, por exemplo, não se
reconhece como tal unicamente por ter uma forma determinada (determinação intrínseca),
como também por sua situação dentro do conjunto de unidades (determinação extrínseca).
Se as características globais intrínsecas não são homogêneas, por exemplo, se na figura
anterior o nariz estivesse desenhado com realismo, falaríamos de retórica transformativa. E
se as relações da situação estiverem alteradas, por exemplo, se o nariz, reconhecido como
tal, estivesse no lugar da orelha, falaríamos de retórica tipológica.
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COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
Iniciamos aqui o leitor para a leitura da obra de arte a partir da retórica da imagem. Esta teoria sobre
uma decodificação geral da linguagem visual propõe‑se a ler qualquer imagem, seja obra de arte ou não,
podendo ser uma ferramenta estruturante para aqueles que produzirão e lidarão com as imagens no
seu dia a dia. Porém, assumimos aqui o caráter de esboço e mera introdução a este tema, que por si só
é complexo e vasto, desejando que esta porta que apresentamos possa ser aberta pelos nossos leitores,
de acordo com o seus interesses.
Podemos também ler a obra de arte a partir de seus diferentes contextos. O contexto faz referência ao
ambiente, àquilo que a envolve. Aqui os contextos abarcarão as diversas circunstâncias que circundam,
contaminam, influenciam e possibilitam a criação da obra, tal como as diversas circunstâncias que
circundam, contaminam, influenciam e possibilitam a reapresentação da obra no tempo presente, como
por exemplo, um festival, uma exposição, uma amostra.
O âmbito contextual vem nos falar que a obra de arte nasce em diálogo com o ambiente que a
circunda, não querendo por isso afirmar que o ambiente determina o que será a obra, mas apenas
desencadeia e provoca estímulos em seu autor que estarão sintetizados e presentes, nem sempre de
maneira clara, objetiva e óbvia, na obra.
O âmbito contextual também pode se relacionar com a diferença entre visão e visualidade. O
crítico e historiador da arte britânico, Hal Foster, editou um livro cujos autores tratam justamente
das diferenças existentes entre visão e visualidade (FOSTER, 1988). Um dos pontos‑chave é que
a visão corresponde à dinâmica visual, ao processo mecânico e fisiológico que ocorre em nossas
retinas, enquanto visualidade é um processo de construção cultural do qual o significado emerge.
Enquanto a visão demanda a nossa capacidade biológica de ver, a visualidade é um regime criado
e instituído por todo um aparato cultural e, portanto, pode variar de cultura para cultura. Por isso,
estudar os diferentes contextos que envolvem a obra nos ajuda a ampliar a nossa visualidade,
aceitando que a leitura que fazemos não é a única leitura possível, mas apenas uma leitura realizada
em determinado enquadramento.
Apresentaremos aqui alguns dos contextos que poderão ser abordados durante uma leitura,
idealmente cruzando‑se uns com os outros. Claro que, tal como falamos anteriormente com relação
à leitura descritiva, caberá ao leitor privilegiar este ou aquele contexto durante a sua leitura, ou então
abordar outro que lhe pareça pertinente.
Ler a obra a partir de seus contextos envolve outras leituras paralelas, estudo e pesquisa, tomando‑se
conhecimento de investigadores, artistas, filósofos, curadores, políticos, entre outros autores que podem
vir a colaborar para uma leitura aprofundada da obra. Por esta perspectiva de leitura envolver um
processo de pesquisa e investigação, iremos apresentar os contextos que acabamos de mencionar
apenas mais adiante, colaborando assim para uma economia textual.
Vimos neste subcapítulo diferentes tipos de abordagens a partir das quais podemos nos aproximar
e desenvolver a leitura da obra de arte. Nenhuma das abordagens por si são suficientes para abarcar a
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Unidade I
complexidade que existe na obra de arte, sendo a melhor solução conjugar múltiplos modos de leitura,
assim ampliando e tornando plurais as interpretações da obra.
Estivemos falando até agora sobre o ato de ler, seus desdobramentos e algumas possibilidades de
leitura. Propusemo‑nos a ler a obra de arte de modo a criar um olhar crítico sobre aquilo que já foi feito,
enriquecendo as produções que virão, sejam elas artísticas ou não.
Essas produções poderão reler ou então desenvolver um diálogo de citação e intertextualidade com
a referência, partindo de seu estilo, tema, abordagem, composição, entre outros. Analice Dutra Pillar, no
mesmo texto que já apresentamos anteriormente, tece reflexões acerca da releitura e cópia e da citação
e intertextualidade, que consideramos pertinentes trazer para a nossa discussão.
Por releitura a autora considera ser um ato de “ler novamente, é reinterpretar, é criar novos
significados” (PILLAR, 1999, p. 18), portanto, um ato que envolve uma reconstrução e recriação, dando
um outro contexto e sentido para o objeto referência.
Porém, por vezes, segundo a autora, releitura confunde‑se com cópia, principalmente num âmbito
escolar. Enquanto a cópia “diz respeito ao aprimoramento técnico, sem transformação, sem interpretação,
sem criação”, a releitura realiza‑se pela “transformação, interpretação, criação com base num referencial,
num texto visual que pode estar explícito ou implícito na obra final”, sendo a diferença essencial entre
os dois termos, o caráter da reprodução (cópia) e criação (releitura) (PILLAR, 1999, p. 18). Podemos ver
também que, nestes dois casos, o autor da obra de referência permanece intocado, sua autoria não é
desafiada. Quando ao invés da cópia tenta‑se falsificar a autoria de uma obra, dá‑se um crime com pena
prevista por lei, o plágio. Isto acontece tanto no campo das artes, quando na área científica e comercial.
Já na arte, como Pillar nos disse, a obra referenciada pode estar implícita ou explícita na obra final,
portanto, aquilo que é uma citação na elaboração textual pode não ser tão direta na produção artística.
Porém, deverá ter‑se em conta que, frente ao estudo sobre leitura da obra que desenvolvemos, deixar
mais ou menos explícito o referente desencadeará outra interpretação da obra.
Pillar coloca que “as citações são jogos intertextuais que o artista faz para se amparar, para gozar,
para legitimar‑se” (1999, p. 19). Por intertextualidade a autora compreende, citando Peñuela, o jogo e a
dinâmica de espelhamento criada entre um texto e outro. Dá como exemplo a imagem de um espelho
plano, um convexo e um côncavo. Quando nos colocamos frente a cada um deles, a imagem criada parte
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COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
sempre de um mesmo referencial (nosso corpo), porém cada espelho irá refletir essa imagem a partir das
suas próprias características, contudo, permanecemos nos reconhecendo em cada um dos três. Assim, “a
relação intertextual é um modo de criar, é um jogo de espelhos” (PILLAR, 1999, p. 19), que possui “duas
modalidades”, a “explícita: que cita a obra referente” e a “implícita: que esconde a obra referente”.
Como exemplo de intertextualidade explícita, trazemos aqui a pintura “Le déjeuner sur l’herbe” (“O
almoço sobre a relva”) de Édouard Manet, 1863, e o “Le déjeuner sur l’herbe d’après Manet” (“O almoço
sobre a relva depois de Manet”) de Pablo Picasso, 1960. Picasso realizou uma série de releituras deste
quadro de Manet, sempre o recriando a partir de suas próprias dinâmicas internas, estéticas e artísticas.
Picasso assume também no próprio título da obra a referência à Manet, tornando a intertextualidade
da obra duplamente explícita.
Pillar traz como exemplo de intertextualidade implícita a relação formal evidente entre a obra “Noite
Estrelada”, de Van Gogh, 1889, e a “Grande Onda”, de Katsushika Hokusai, 1830‑1833, em que se vê no
céu de Van Gogh o mesmo movimento do mar de Hokusai.
Observação
Essa busca por referências, para além do diálogo formal que poderá se estabelecer, também ocorre
por meio da tentativa de compreensão da obra, de modo que a intertextualidade a ser realizada possa
se dar com outros aspectos oriundos da obra, integrando‑se aos seus contextos.
Propomos alguns contextos a serem pesquisados e abordados, de modo que a leitura da obra e a
investigação intertextual se desenvolvam a partir de outros textos que a circundam, colaborando para
uma compreensão mais ampla dessa e para uma produção que envolva um conhecimento e reflexão
sobre a obra em profundidade.
Diz respeito à vida do artista. Abarca desde o seu nascimento, o enquadramento familiar em que
cresceu, os estudos que desenvolveu, acadêmicos ou não, o âmbito profissional, a vida política, social
e cultural no país onde nasceu e/ou cresceu e/ou viveu, as produções artísticas que realizou, o meio
sociocultural no qual esteve envolvido, preocupações, problemas, temas e interesses nos quais se engajou
durante sua vida, características psicológicas e emocionais de sua personalidade, entre outros dados.
Ao se estudar o contexto biográfico do autor da obra, pretende‑se conhecer não a obra em si,
mas o seu criador, conjugando, por um lado, a leitura da vida do autor – e temos que aqui salientar
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Unidade I
que as características da vida do autor são também uma das múltiplas leituras que podem ser feitas,
porém tomando sempre o cuidado de embasar‑se em biógrafos que recorram a fatos comprovados
e documentados para construir suas colocações ou hipóteses – e por outro, tecendo relações entre a
vida do autor e a obra lida, sendo que a sua biografia não irá determinar e encerrar a obra, mas nos
possibilitará compreender um dos seus contextos de criação, o contexto biográfico do autor.
Ao pesquisarmos uma obra de arte, consideremos que ela irá carregar consigo diferentes formas de
diálogo e intertextualidade com outras obras, estilos, artistas ou movimentos de arte. Assim, a partir
de uma obra é possível desdobrar a história da arte que a circunda, além de compreender a história
da arte no seu sentido cronológico. Podemos propor aqui uma leitura e pesquisa no modelo do Atlas
Mnemosyne de Aby Warburg, anacrônico e reconhecendo na obra características culturais que não
dizem respeito apenas ao “mundo da arte” como sistema artístico instituído.
Outro aspecto a ser evidenciado ao se enquadrar a obra na história da arte é o poder desta última de
legitimar tanto os movimentos artísticos quanto as obras. Pois a história é sempre narrada por alguém,
e essa narrativa tende a ser uma das versões, uma das leituras possíveis de uma mesma história – tal
como o jogo dos espelhos –, e as narrativas legitimam certas obras e artistas, excluindo outros. Ter
isto em mente permitirá, ao desenvolver‑se uma pesquisa embasada na história da arte, questionar
as legitimações que foram feitas, propondo‑lhe novas leituras a partir da obra da referência estudada.
Sobre o estudo da história da arte e sua relação com a leitura e produção em arte, iremos nos dedicar
mais no subcapítulo a seguir.
Se o artista cria obras, o curador cria apresentações. O curador é a pessoa responsável pela autoria
de exposições, ciclos, conferências e outras formas de apresentar ao público obras e projetos artísticos.
Atua elencando e selecionando artistas e obras, relacionando‑os por meio de um tema de interesse,
propondo um desenho expositivo que seja coerente e apropriado para aquilo que aborda e que, por sua
vez, será também um modo de ler as obras desses artistas em relação uns com os outros.
Se a obra a ser estudada e pesquisada tiver sido apresentada em contexto curatorial, conhecer
este contexto fornecerá a leitura do curador sobre a obra de arte em questão, porém enquadrada num
âmbito coletivo, o que nos possibilitará perceber a produção individual do artista em relação com outros
artistas, do seu tempo ou não.
A pesquisa que aqui se desenvolver pode derivar do contexto biográfico do autor, ampliando‑se para
a busca da compreensão do contexto histórico, político, cultural e tecnológico que envolva a sociedade
humana enquanto produção artística em questão, numa esfera local, país de vida do artista, ou numa
esfera mundial. Assim, por exemplo, não podemos falar do impressionismo como movimento artístico
sem relacioná‑lo com o advento da fotografia. Nem tão pouco deixar de relacionar o surgimento dos
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COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
“ismos” da arte moderna com o horror das guerras do início do séc. XX. E desvincular as performances
do grupo Fluxos dos anos 1960/70 dos movimentos de liberalização sexual, ambientalismo e feminismo.
Por aí a fora, as produções artísticas relacionam‑se e dialogam com os seus contextos políticos,
econômicos e culturais, alterando‑se também a partir das descobertas tecnológicas e científicas, pois
fazem com que o artista olhe, percepcione e compreenda o mundo de diferentes maneiras, modificando
o seu modo de produção.
Abordar a história da arte como fonte de referências para a produção artística implica redescobrir e
reler a própria história da arte.
Ana Mae Barbosa, que tem a história da arte como um dos seus tripés da Abordagem Triangular,
fundamenta o seu uso na vertente construtiva e criadora, em que o estudo da história da arte será
sempre revisto e atualizado a partir do tempo presente de quem estuda. Portanto, não se tem a história
como algo morto, inerte e distante da vida de quem sobre ela pensa. Esta noção fica melhor explicitada
quando diz:
Ana Mae apresenta‑nos que a história da arte deverá ser revisitada, a partir do objeto referente de
estudo não para compreender a história da arte por ela mesma, mas para ressignificá‑la e transformá‑la
em novos produtos culturais para, além disso, colocar que o seu estudo deverá implicar o envolvimento
crítico e estético com o objeto.
29
Unidade I
Portando, buscar na história da arte referências que embasam a produção artística que virá é um
modo de desenvolver‑se crítica e esteticamente, compreendendo os critérios avaliativos que legitimam
ou excluem produções artísticas.
A história da arte não se quer aqui como um dado a ser revisto, ou um fardo a ser assumido. Para
possibilitar a feitura de novas produções, deverá ser pensada e estudada na sua relação intrínseca com
o tempo presente, em que se descortina, simultaneamente, a história da arte e a atualidade a partir
da qual é vista. Ao ressignificarmos o passado, estaremos também reinventando o nosso presente e
reprojetando o futuro.
Para entendermos melhor a relação da história da arte com a produção, faremos uma pequena
retrospectiva na evolução da arte e na história da civilização. De forma sintetizada, vamos rever alguns
movimentos e linguagens das artes visuais no decorrer da história, como na Pré‑história, Egito Antigo,
Grécia Antiga, no Bizantino, na arte gótica e na Idade Média. A partir do conhecimento sobre as diferentes
técnicas e linguagens adotadas nestes períodos e o uso de seus materiais, exemplificar como extrair as
principais características, para a criação do novo baseado no passado.
Arte rupestre: o começo da arte, que se inicia na Pré‑história, o homem nômade do Paleolítico,
representava em suas formas e desenhos, alusões á sobrevivência, astros ou gêneros. Ou seja, desenhava
com pigmentos que vinham pelo sangue, carvão vegetal ou minérios, formas que como uma magia iria
trazer o alimento para a sua sobrevivência. Nessa época os desenhos eram representações dos animais,
sua caça e o caçador. Assim, o alimento nunca faltaria. No Neolítico, o homem já fixava residência, e foi
nessa época que encontraram o primeiro registro de arquitetura. As imagens eram feitas para representar
o cotidiano como a plantação, família, pesca e vestuário. Com o domínio do fogo, além do material a
base de barro, artefatos e utensílios domésticos de metal começaram a ser fabricados. Exemplo de
produção atual: comunicação e mídia exterior das Olimpíadas de Pequim. A partir do primeiro registro
da escrita chinesa e as formas rupestres, os chineses criaram uma comunicação atual. Buscaram na
simplicidade de seus desenhos esta relação imagética.
No Antigo Egito, as representações eram feitas em homenagem aos deuses e seus faraós. Com uma
religião politeísta, com adoração de diversos deuses que misturavam às figuras de homens, animais e
metade homens com animais; os desenhos de formas simples, utilizavam a Lei da Frontalidade como
regra de construção artística. Também aplicada na arquitetura com toda a estrutura do corpo virada
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COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
para frente, esta lei definia, na pintura, a posição do corpo com os pés e cabeça viradas para o lado e
o tronco e os olhos virados para frente. Também na pintura as cores eram chapadas, variavam entre
o dourado, ocre, vermelho terra, azul, branco e preto e tinham traços simplificados. Os hieróglifos
eram considerados a escrita sagrada e eram representados por desenhos dos ou partes do corpo. As
construções mais famosas eram de templos para adoração aos deuses e dos túmulos dos faraós. Exemplo
de produção atual: na capa do livro O sinal da sombra, de Alberto Osório de Castro, o designer gráfico
utilizou além das cores da época, os desenhos de representação do Egito antigo, como as asas do deus
falcão e da flor do papiro.
A Antiga Grécia é marcada com a criação de uma arte que, devido a sua perfeição e qualidade,
definiu uma categoria na arte, a arte clássica. Nesta época, a arte atingiu um patamar de beleza jamais
conseguido pelo homem. Fincada na esculltura, sua evolução artística está dividida em três fases ou
períodos. Período Arcaico com a representação do Kouros, ou homem jovem, posicionado de frente
como na arte egípcia, parado ou com poucos movimentos. No Período Clássico, com as figuras humanas
esculpidas com movimentos corporais, temos os atletas como modelos. Já no Período Helenístico, a
estatuária ganha além do movimento, grupos de pessoas e emoções. Na pintura, em sua maioria, as
figuras humanas têm traços simplificados, cores chapadas, e são aplicadas em vasos. A originalidade
vem das cores utilizadas. Eram divididas em figuras vermelhas, pretas ou brancas se alterando nos
fundos coloridos de mesma cor. Por exemplo, figuras negras ou vermelhas em fundo branco, figuras
brancas ou vermelhas em fundo negro e figuras negras e brancas em fundo vermelho. Exemplo de
produção atual: o designer criou várias ilustrações vetorizadas gregas. Apropriou‑se da cor e da forma
de alguns personagens para um trabalho moderno e atual.
31
Unidade I
As igrejas construídas de forma vertical apresentam o tipo de arquitetura da arte gótica. Com seus
arcos ogivais ou quebrados, completavam sua estrutura com os vitrais multicoloridos denominados de
grandes rosáceas. Suas torres tinham pontas como grandes setas que direcionavam as igrejas para o céu.
Exemplo de produção atual: a ilustração moderna de Garland deformou a realidade. O artista tomou
posse da verticalidade, linguagem da arquitetura gótica, exagerando em sua concepção criando setas,
como foguetes, rumo ao céu.
Com a chegada dos “ismos” como o realismo, romantismo, impressionismo, expressionismo, dadaísmo,
modernismo, surrealismo e os outros movimentos artísticos, a arte sofre transformações mais rápidas
e constantes. O artista busca a mudança em sua linguagem e a procura do novo estilo torna‑se uma
obsessão.
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COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
impressão da luz natural na natureza sem se preocupar com o refinamento de suas pinceladas;
no expressionismo a expressão da emoção é a principal característica; no dadaísmo todas as
manifestações artísticas são consideradas obras de arte; o modernismo desconstrói e quebra
todos os laços com a arte clássica; e no surrealismo o subconsciente toma forma na representação
dos sonhos, fantasia e no lúdico.
Exemplo de aplicação
Para maior informação sobre todos os movimentos, escolas, linguagens, estilos, técnicas e
materialidade, serão necessárias leituras aprofundadas sobre a história da arte. Cada edição e autor
explora diferentes pesquisas e entendimento sobre as obras de arte. Nas referências bibliográficas há
várias indicações sobre os livros que atendem a estas informações. Tente descobrir qual é o seu interesse,
faça uma boa escolha e bom estudo!
A pertinência do estudo da história da arte, para Ana Mae, dentro do âmbito de ensino das artes,
mas que aqui compreendemos também fazer parte de qualquer nível de produção artística, se dá porque
o exercício e a busca pelo conhecimento aumenta nosso potencial criativo. Quanto mais entendermos
sobre a construção e o significado das artes produzidas, que podem ser de um ano atrás, há séculos
ou milênios, mais elementos teremos para construir, de forma bem-estruturada, a mensagem de
comunicação visual.
Quando não temos o contato com os estudos e os elementos comunicativos da arte antiga,
desenvolvemos uma construção parcial sobre a arte, usando apenas o emocional em seu desenvolvimento.
A razão, ou o racional, está embasada no estudo daquilo que foi bem-executado e pensado anteriormente.
Esse estudo, que é necessário, servirá de alicerce para que futuramente o trabalho que está sendo
desenvolvido seja o exemplo de outros pesquisadores.
O estudo e a pesquisa servem de parâmetros para a criação do novo. Se não houver este contato
com os padrões estabelecidos anteriormente através dos materiais, linguagens, estilos e técnicas que
envolvem a evolução da arte na história, não temos informações suficientes para comparar o projeto
que está sendo desenvolvido. Não vamos conseguir avaliar se este projeto é novo ou não, pois não
sabemos nada a seu respeito.
33
Unidade I
Observação
A origem da palavra arte fazia referência à habilidade de executar ou criar algo. Confundida com
o ofício de cada um, como, por exemplo, a arte de se fazer sapato ou a arte de se fazer pão, a palavra
estava associada ao exercício de determinada atividade.
Mais adiante, essa associação se deu com a Escola de Belas Artes, sua relação com a estética e a busca
pelo belo. No campo das artes visuais, tinham como forma de expressão a pintura, escultura e a arquitetura.
Hoje, a definição de beleza varia de acordo com o lugar, o povo e a cultura. Por isso, a relação com a
beleza também é questionável. Em um mesmo território podemos associar a questão sobre a beleza com
diferentes opiniões, e cada um defendendo‑se de acordo com o seu entendimento.
Maria Carla Prette, historiadora da arte e pesquisadora em Semiótica, em seu livro Para Entender a Arte,
defende que para que a produção artística visual ganhe força, é preciso que a obra, através da imagem, transmita
sentimentos, emoções ou sensações. E para transformar a arte em obra de arte é necessário mais um valor
verdadeiro agregado. O artista precisa ser capaz de fornecer, além dos elementos que trabalhem a emoção, outros
que também trabalhem a estética. Mesmo que esta estética, que é a busca do belo, se transforme a todo instante.
Por isso, hoje, no campo visual figurativo, definimos como artística qualquer
atividade que, por meio das imagens, procure comunicar sensações, emoções,
sentimentos. Para que se possa falar verdadeiramente de arte e de obras de
arte, é preciso que o artista procure dar (e seja capaz de dar) também um
valor estético ao seu trabalho: com efeito, a ideia do belo, apesar de mutável,
permanece fortemente ligada à ideia de produção artística (PRETTE, 2009, p. 8).
Prette ainda reforça que a arte é um poderoso meio de comunicação e que precisamos decodificar
sua mensagem para extrair todos os elementos necessários de compreensão sobre a arte no passado.
Antes da escrita o homem das cavernas desenhava símbolos para representar a realidade vivida por
ele. As imagens eram desenhadas ou pintadas com pigmentos à base de sangue, carvão, vegetais, minerais
e de origem animal. Quando esse homem começa a entender ou pensar sobre essas figuras, inicia‑se
a comunicação. Cheio de mistérios e significados, as imagens dessa época são objetos de estudos por
séculos. Por anteceder à escrita, ou seja, sem documentos oficiais, são as pesquisas mais fascinantes feitas
pelo homem moderno para entender o pensamento e a expressão artística do homem da Pré‑história.
As imagens chegam até nós por meios rústicos, como nas cavernas, ou por meios sofisticados, como
na escultura em mármore. Nossa missão é tentar entender todos os códigos carregados nessas artes. A
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COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
partir do entendimento desses códigos, é a função do receptor decifrar a mensagem que o artista, ou
emissor, quis passar com a obra e conhecer a sensibilidade e como era a forma de pensar e agir desse
artista, de uma sociedade ou época.
Segundo Carla Prette, o estudo da história da arte é importante para entender como os artistas, que
são grandes comunicadores de mensagens, utilizam através de suas obras visuais as informações para a
comunicação. Decodificar essas mensagens, que muitas vezes são complexas, é entender a linguagem e
a comunicação que o artista propôs. Além de ser muito rica e poderosa, essa mensagem nos ajudará a
interpretar a arte e apropriarmo‑nos de elementos para a criação do novo.
Prette desenvolve algumas formas para o entendimento da comunicação visual. Tomamos como
exemplo uma das mais importantes obras de arte de Leonardo da Vinci, a Santa Ceia.
Prette começa a análise sob o ponto de vista da comunicação visual. Juntamente com a pintura da
Mona Lisa, A Santa Ceia é um dos mais famosos projetos de Leonardo da Vinci. Está exposto no convento
de Santa Maria delle Grazie, localizado na cidade de Milão, na Itália. Muito complexa e cheia de técnicas,
esta obra pode ser interpretada e lida de diferentes formas em sua comunicação visual.
A autora divide o estudo em oito partes: emissor, mensagem, código, meio, receptores, contexto,
comitente, e função da obra. Vamos entender melhor:
• Emissor: o artista ou autor, no caso desta obra, foi Leonardo da Vinci. Um gênio das artes,
engenheiro e cientista que viveu no séc. XV.
• Mensagem: o painel, também chamado de afresco, descreve uma parte da história do Evangelho.
Em forma de pintura, mostra a última reunião que Jesus participou antes de ser preso e crucificado.
• Código: é a própria forma de expressão. Uma pintura do séc. XV, na Idade Média e feita na Itália,
onde criou‑se um novo estilo chamado Renascimento. Aplicavam técnicas variadas desenvolvidas
35
Unidade I
nesse período, como a perspectiva e sua ideia de profundidade, o claro e escuro para acentuar o
volume e o perfeito aproveitamento do espaço.
• Meio: onde está localizada a pintura e a base de sua estrutura. Fica na parede do convento de
Santa Maria, onde o artista fez a obra. Este tipo de arte é chamado de afresco.
• Receptores: ou quem iria apreciar esta obra. No começo, os monges do convento, depois os pesquisadores
e hoje o mundo todo. Assim podemos entender quando uma obra se transforma em obra de arte, ou seja,
a partir do momento que a obra alcança como potencial de fruidores todos os seres humanos.
• Contexto: a Itália dos quatrocentos. Na Idade Média italiana, os ricos disputavam entre si os
melhores artistas, arquitetos, pintores e escultores.
• Função da obra: doutrina cristã. Como toda arte sacra, sua função principal é o ensinamento da vida e
morte de Jesus Cristo como crença e devoção a partir da morte e ressureição do filho de Deus. A obra exerce
a reflexão, oração e mostra os últimos instantes de Cristo na terra em sua última ceia com as pessoas mais
próximas. Retrata também a Eucaristia e a consciência da morte para um bem maior, a salvação do homem.
Antes das refeições, os monges oravam e refletiam sobre estas mensagens através do afresco.
• Estilo: é o modo que cada artista se expressa em diversas áreas da arte. No caso da pintura, Leonardo
da Vinci criou técnicas originais que o destacava dos demais pintores da época. Nota‑se a aplicação
da Lei da Perspectiva por meio da qual é criada toda a profundidade do cenário. O esfumaçado que
deixa a pintura com leveza, melancolia e ternura. O claro e escuro para explorar a dramaticidade
da ação. O equilíbrio na distribuição das informações e elementos. E finalmente, a retratação das
fisionomias dos personagens como o desdém, surpresa, inquietação, tristeza e passividade.
Saiba mais
36
COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
Nesta sequência, finalizaremos esta unidade com a apresentação do quarto tópico. Vamos estudar
a leitura e interpretação de três textos que abordam as diversas perspectivas e seus significados através
de projetos artísticos e seus autores. Esta sessão tem por objetivo apresentar de maneira prática alguns
modos de descrever, refletir, analisar, ler, entender, interpretar e referir‑se sobre algumas obras atuais
e seus artistas contemporâneos. Neste caso, vamos desvendar como esses artistas e obras, de alguma
forma, buscaram nas pesquisas de trabalhos antigos o entendimento da linguagem, estilo, construção
e elementos utilizados no passado para, a partir da apropriação e pensamento, executar uma produção
no tempo presente.
Exemplo de aplicação
Acompanhe sempre as colunas de crítica de arte que vêm junto com os jornais e revistas, impressas
ou digitais, ou nas mídias eletrônicas como o rádio e a televisão. Elas são uma boa maneira de conhecer
uma pluralidade de leituras a partir das mesmas exposições, reconhecendo padrões de escrita e de
análises de obra que permitem criar repertório e senso crítico.
Apresentaremos leituras sob o ponto de vista de três áreas do conhecimento das artes visuais que
abordam a seleção, significação e interpretação acerca da arte: a produção do artista, a escolha do
curador e o estudo de um grupo de pesquisa sobre a leitura da imagem e a retórica da Arte.
A partir de três diferentes obras de arte, vamos desvendar os mistérios e entender com mais
profundidade a emissão, mensagem e a recepção desses projetos artísticos. A primeira leitura será com
um texto escrito pelo próprio artista, a segunda abordada por um curador, e a terceira leitura, sob a
perspectiva da retórica da imagem, estudada e pesquisada pelo grupo µ (grupo Mi).
Aqui, o artista português Rui Chafes elabora o texto press release da sua própria exposição “Tranquila ferida
do sim, faca do não”. Podemos destacar a maneira como o artista tenta impregar o texto com a própria poética
que existe em seu trabalho, de maneira a não explicar, mas despertar no leitor a capacidade de imaginar:
A Galeria Filomena Soares apresentou a exposição individual de Rui Chafes (Lisboa, Portugal, 1966),
intitulada “Tranquila ferida do sim, faca do não”. A inauguração no dia 14 de março, contou com a
presença do artista e a exposição esteve patente até o dia 1 de junho de 2013.
37
Unidade I
Nuno Faria é o curador e diretor artístico do Centro Internacional das Artes José de Guimarães
(CIAJG), localizado na cidade de Guimarães, em Portugal. A exposição inaugural do CIAJG foi intitulada
“Para Além da História”, e reunia numa mesma montagem peças das coleções de José de Guimarães
de arte tribal africana, arte pré‑colombiana e arte milenar chinesa, com obras de arte contemporânea,
peças religiosas e de caráter arqueológico, além de produções culturais populares da região. Uma das
salas recebeu o nome do título do trabalho que acolhia, o “Alfabeto Africano”, realizado por José de
Guimarães.
O texto que segue é uma apresentação da sala e da obra, uma vez que as duas são a mesma coisa.
Estava presente na exposição como texto de parede e constitui parte do corpo do catálogo:
Alfabeto Africano
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Unidade I
A seguir, realizaremos a análise retórica da imagem Rails (da série “Ten Superfluous Gestures”), de
autoria de Tibor Gyenis, do ano de 1999. Utilizaremos, para esse fim, duas bases bibliográficas que são: os
capítulos IV e VI do livro Tratado del Signo Visual, do grupo µ (1993), e o texto de Júlian Irujo “Utilización
Retórica del Mito de la Gioconda en la Publicidad y en el Arte” (1996), ambos anteriormente citados. A
metodologia empregada consiste na análise componencial da imagem, seguida pelo levantamento da
figura retórica, chegando por fim ao modo retórico que atua na imagem. Na passagem entre esses três
momentos, serão definidos e contextualizados os conceitos‑chave de uma análise retórica.
Por retórica da imagem pode‑se entender “[...] o desvio do uso normal de uma linguagem” (IRUJO,
1996, p. 675). Assim sendo, para compreender como se dá o processo retórico na nossa imagem em
questão, devemos antes saber qual é o seu uso normal, norma ou nível zero, para então descobrir o
desvio sobre o qual o processo retórico irá atuar. A imagem em questão trata‑se de uma fotografia a
cores. Nela reconhecemos trilhos de ferro, indicando uma ferrovia. As plantas os cobrem em alguns
momentos, incorporando‑os à própria vegetação. Os trilhos estão avermelhados, revelando um processo
de oxidação. Em algumas partes, a cor original do trilho de ferro retorna à superfície. Há um homem,
ajoelhado sobre os trilhos, realizando sua limpeza. A cena situa‑se dentro da floresta fechada, sendo a
ferrovia o único caminho aberto aparente na imagem. Essas são as denotações da imagem, o que ela
exprime num primeiro contato. Elas compõem também aquilo que é o nível percebido da imagem, ou
seja, aquilo que percebemos na imagem – homem a limpar/polir os trilhos de uma ferrovia desativada.
O nível zero, segundo o grupo µ, é “[...] o elemento esperado em determinado ponto de um enunciado”
(1993, p. 238), assim sendo, é a norma, que no nosso caso é representado pela imagem dos trilhos,
podendo ser acolhida em nossa mente como paisagem bucólica. Esta é a isotopia da imagem, o lugar
comum, sem nenhum elemento desviante, ou seja, a fotografia dos trilhos em si não carrega nada de
inovador, permitindo que o leitor da imagem a perceba confortavelmente e sem grandes dificuldades. A
alotopia encontrada, ou seja, o elemento desviante que tira a imagem de seu lugar de conforto, isotópico,
é a representação do homem a limpar os trilhos. A alotopia, portanto, corresponde ao desvio da norma,
daquilo que desarranja o sentido esperado da imagem. A retórica atua quando surge esse desvio, por
meio da criação de um nível concebido que apaziguará em nossa mente esse enunciado desviante, em
que, segundo o grupo µ, “[...] a retórica é a transformação formal dos elementos de um enunciado, de
tal forma que, na mesma intensidade da percepção de um elemento manifesto no enunciado, o receptor
deve supor dialeticamente a intensidade da concepção” (1993, p. 231).
Desse modo, o nível concebido é um conteúdo que se projeta dando sentido ao enunciado desviante.
O nível concebido que surge no estudo de nossa imagem configura‑se junto com a mensagem externa
à imagem, constituída pelo título Rails (da série “Ten Superfluous Gestures”), ou mais precisamente,
da série na qual o trabalho se situa. É representado, dessa maneira, pelo gesto supérfulo, inútil, sem
resposta/retorno óbvio de estar limpando/polindo algo.
A imagem é um signo icônico, que por sua vez, segundo o grupo µ, “[...] pode ser definido como
o produto de uma tríplice relação entre três elementos [...] o significante icônico, o tipo e o referente”
(1993, p. 120). O grupo µ desmembrou a relação até então existente entre significante‑significado, no
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COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
qual “[...] o referente é particular e possui características físicas. Por outro lado, o tipo é uma classe e tem
características conceituais” (1993, p. 122). Para compreendermos onde a retórica atua nessa imagem,
qual é o local de origem do desvio, precisamos perceber como esses três elementos se relacionam, tendo
como consequência de tal relacionamento a definição do signo icônico, sendo este representado pelo
nível percebido. Júlian Irujo nos diz que:
Júlian Irujo continua, dizendo que “[...] para passar do significante ao tipo se dá uma processo de
reconhecimento. (...) Se o reconhecimento não corresponde com um tipo coerente, que é o determinado,
podemos considerar que se produziu uma figura retórica tipológica” (1996, p. 676). Assim, na nossa
imagem, quando relacionamos o significante ao seu tipo, vemos aí uma incoerência, há o inesperado
que ocorre na imagem, surgindo através da adição do elemento de desvio “homem a limpar os trilhos”.
Isso porque o elemento de desvio de nossa imagem não altera aspectos físicos dos próprios trilhos ou
do próprio homem, mas, sim, altera o conteúdo, conceito, dessa cena enunciada, desse signo icônico.
Portanto, foi‑se produzida uma figura retórica tipológica – o desvio ou alotopia localiza‑se sobre o tipo
do signo icônico, desse modo, esse é o lugar, dentro da imagem, sobre o qual a retórica atuará.
As figuras retóricas tipológicas podem ser subdivididas, segundo o grupo µ, em figuras por
incoordenação e por insubordinação (1993, p. 268). Júlian Irujo sintetiza dizendo que “[...] a falta
de coordenação altera a relação das unidades do mesmo nível, quer dizer, das partes entre si. E a
insubordinação altera as relações de unidades de distintos níveis, ou seja, as relações entre aquele contém
e o conteúdo” (1996, p. 677). Nossa figura retórica tipológica em questão está situada no subgrupo das
figuras por insubordinação, isso porque, ao adicionarmos o elemento de desvio na imagem, a figura
do homem limpando/polindo os trilhos, transformamos a relação existente entre os trilhos, o homem
e o conteúdo que surge a partir desse encontro, criando o nível concebido que projeta um sentido de
inutilidade da ação feita sobre os trilhos, podendo, desse modo, a qualquer momento, dentro desse nível
concebido, os trilhos deixarem de ser trilhos e passarem a ser um coletivo de objetos ou coisas sobre as
quais se age, e essa ação acaba por não perdurar, não causar grandes efeitos.
Como acabamos de dizer, o desvio na imagem surge quando é adicionado o elemento “homem
limpando os trilhos” – se pensássemos apenas no elemento homem, ele por si só não seria um desvio,
mas a ação que ele faz na imagem passa a configurá‑lo como elemento de desvio. Se relacionarmos com
os quatro operadores retóricos fundamentais, ou seja, “[...] operações produtoras de efeitos retóricos”
41
Unidade I
(IRUJO, 1996, p. 677), tendo por finalidade analisar a ordem do desvio – é a partir da existência do desvio
que a retórica atua –, apresentados pelo grupo µ – adiectio, detractio, inmutatio e transmutatio – o que
aqui acontece é o adiectio, no qual há a adição, acumulação ou repetição de um dado elemento, nesse
caso, houve a adição do elemento de desvio. Cada operador retórico resultará numa figura retórica.
Sendo nosso caso por adição, surge uma figura retórica tipológica de adjunción de subordinación, que
segundo Júlien Irujo “[...] se utiliza especialmente para ampliar e mudar o contexto da figura” (1996, p.
678), ou seja, amplia‑se e muda‑se o contexto do signo icônico trilhos, sobre o qual passa a agir a figura
do homem, colocando os trilhos e a ação que sobre eles ocorrem em contradição, e é dessa contradição,
desse desvio ou alotopia, que surge o nível concebido da imagem, remetendo ao que dissemos no
parágrafo anterior.
Aqui retornamos a citação do grupo µ “[...] a retórica é a transformação formal dos elementos de
um enunciado, de tal forma que, na mesma intensidade da percepção de um elemento manifesto no
enunciado, o receptor deve supor dialeticamente a intensidade da concepção” (1993, p. 231). Ou seja, é
por meio da articulação entre os níveis percebido e concebido que se dão os modos retóricos, no qual
o nível concebido se sobrepõe ao percebido. Assim sendo, a retórica age de modo a atenuar o efeito do
desvio que existe no nível percebido, projetando sobre ele o novo sentido a partir do nível concebido.
Foi explicado a pouco como chegamos à conclusão de que, em nossa imagem, existe uma figura
retórica tipológica por adição de subordinação. Mas essa é a figura retórica, ou seja, localizamos e
descrevemos o papel desempenhado pelo desvio na nossa imagem, qual foi o recurso utilizado para
produzir a retórica tal como percebemos; em consequência, qual o nível concebido de nossa imagem e
sobre o que, do sígno icônico, ele se projeta – o nível concebido que aí surge amplia o contexto do signo
icônico, adiciona algo a ele. Falta agora compreender qual o modo retórico da imagem, ou seja, qual o
“[...] enfoque da intensidade concebida e da intensidade percebida” (GRUPO µ, 1993, p. 243).
Os modos retóricos podem ser quatro: tropos, interpenetrações, emparelhamentos e tropos projetados.
Eles irão variar de acordo com a relação nível percebido/concebido. Assim, de acordo com o grupo µ:
no tropo “[...] as duas entidades são conjuntas – quer dizer que ocupam o mesmo lugar do enunciado”
ocorrendo através da relação de ausência existente entre as entidades; nas interpenetrações “[...] as
duas estão conjuntas no mesmo espaço, porém com substituição parcial somente”, ocorrendo através
da presença das duas entidades; no emparelhamento “[...] as duas entidades ocupam lugares diferentes,
sem substituição”, ocorrendo através da presença das duas entidades; e nos tropos projetados “[...] uma
só entidade se manifesta, e a outra é exterior ao enunciado, porém projetada sobre ele”, ocorrendo
através da ausência existente entre as entidades (1993, p. 245).
O modo retórico que melhor pode dialogar com a imagem é o emparelhamento, pois o nível
concebido – gesto supérfulo, inútil, sem resposta/retorno óbvio de estar limpando/polindo/mantendo
algo – não se relaciona com o nível percebido – homem limpando/polindo os trilhos de uma ferrovia
desativada – de modo a substituí‑lo. O que acontece é que o nível concebido projeta um sentido que se
relaciona como uma comparação com o nível percebido, em que Júlien Irujo diz que “[...] o equivalente
linguístico desta forma retórica é a comparação” (1996, p. 677), ou seja, a limpeza dos trilhos como um
gesto supérfulo. A ideia do gesto supérfulo (nível concebido) apresenta‑se para além do que é a limpeza
dos trilhos (nível percebido), fazendo com que essas duas entidades estejam presentes na imagem,
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COMPOSIÇÃO E PROJETO GRÁFICO
porém separadas: o gesto supérfluo, que surge a partir do elemento desviante do homem, e que está
presente na imagem, não busca situar‑se sobre os trilhos, mas, sim, alterar e ampliar o sentido que pode
ter essa ação sobre os trilhos.
O processo retórico que aqui acontece traz à tona a reflexão sobre o ato contraditório representado
na imagem, no qual o gesto supérfluo, inútil, sem resposta/retorno óbvio de estar limpando/polindo
algo – o nível concebido – pode tomar o lugar de outras possíveis ações e trilhos hipotéticos.
A retórica atua como metodologia de análise de imagens e busca, desse modo, refletir sobre como
as imagens atuam e significam. Tendo em vista que nos dias atuais a representação visual tem sido a
mais utilizada por nossas sociedades, possibilitando que cada indivíduo seja produtor e consumidor de
imagens, uma retórica visual ajuda‑nos a compreender melhor esse processo de produção e digestão de
visualidades, por meio da apreensão de características de uma linguagem visual que não tem o objetivo
apenas de ler imagens, passivamente, mas, sabendo do modo como elas agem, atuar criticamente a
partir desse mundo de imagens.
Resumo
As questões abordadas vão desde o que pode ser “ler” uma obra de arte,
e algumas possibilidades de leitura que permitem aproximar‑se da obra
de diferentes maneiras, com olhares diversos. Uma questão contundente
é o processo educativo analisado por Paulo Feire, no qual o “texto” deve
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Unidade I
ser lido guardando relação com o seu “contexto”. Ao que Analice Dutra
Pillar acrescenta que a leitura variará de acordo com as características
formais do objeto a ser lido, e por outro lado mudará de acordo com o
conhecimento a cerca do objeto, a imaginação, a memória, e as estruturas
mentais e fisiológicas que o leitor possuir no momento.
Exercícios
Questão 1. Dedicar-se à descrição de uma obra inclui questioná-la de diferentes maneiras. Colocamos
aqui algumas das perguntas que poderão ser feitas e respondidas durante o processo de descrição e
reconhecimento desta obra. Leia os seguintes grupos de perguntas:
Texto I – Papel? Tinta acrílica? Tinta óleo? Barro? Ferro? Bronze? Silicone? Areia? Vegetais? Madeira?
Lápis? Guache? Aquarela? Nanquim? Cimento? Tecidos? Arame?
Texto II – Você está em frente da obra ou de uma reprodução? Se você estiver em frente da obra
ficará fácil percebê-la espacialmente. Se estiver em frente de uma reprodução, você deve levar em
consideração a dimensão real do trabalho e tentar manter esta percepção espacial “imaginada” na
continuidade da leitura, pois, a depender do caso, isso poderá interferir.
Texto IV – A obra tem título? Quando foi feita? Qual é o seu autor? Aonde ele nasceu e viveu? Há
dados biográficos? A obra faz parte de algum acervo? Qual?
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Unidade I
A) Alternativa correta.
Justificativa: realmente, o texto refere-se aos tipos de materiais que compõem a obra.
B) Alternativa incorreta.
C) Alternativa incorreta.
D) Alternativa incorreta.
E) Alternativa incorreta.
Questão 2. Maria Carla Prette faz a análise da obra de arte do ponto de vista da comunicação visual.
A autora diz que a obra pode ser interpretada de diferentes formas em sua comunicação e divide o seu
estudo em oito partes: emissor, mensagem, código, meio, receptores, contexto, comitente e função da
obra. Escolha a alternativa cujo texto corresponde ao elemento em destaque:
A) Meio: “O artista ou autor, no caso desta obra, foi Leonardo da Vinci, um gênio das artes, engenheiro
e cientista que viveu no séc. XV”.
B) Emissor: “O painel, também chamado de afresco, descreve uma parte da história do Evangelho. Em
forma de pintura, mostra a última reunião que Jesus participou antes de sua prisão e crucifixão”.
C) Mensagem: “Uma pintura do século XV, da Idade Média e feita na Itália, onde se criou um novo
estilo chamado Renascimento. Aplicavam técnicas variadas desenvolvidas naquele período, como
a perspectiva e sua ideia de profundidade, o claro e escuro para acentuar o volume e o perfeito
aproveitamento do espaço”.
D) Código: “Fica na parede do convento de Santa Maria, onde o artista fez a obra. Este tipo de arte
é chamado de afresco”.
E) Receptores: “No começo, os monges do convento, depois os pesquisadores e hoje o mundo todo.
Assim podemos entender quando uma obra se transforma em obra de arte, ou seja, a partir do
momento que a obra alcança como potencial de fruidores todos os seres humanos”.