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Artes Visuais

na História Antiga
Autores: Prof. Jorge Miklos
Profa. Janaina Santiago
Colaboradores: Profa. Roberta Borges Hoff Matarazzo
Prof. Adilson Silva Oliveira
Professores conteudistas: Jorge Miklos / Janaina Santiago

Jorge Miklos

Graduado em História e Ciências Sociais. Mestrado em Ciências da Religião e Doutorado em Comunicação em


Semiótica, ambos na PUC de São Paulo. Há mais de duas décadas atua como professor em diferentes contextos. Desde
2008, desenvolve trabalho como professor de História Antiga (Oriente e Ocidente) no campo da Licenciatura Plena em
História, contribuindo para a formação de professores.

Janaina Santiago

A professora é graduada e mestre em História pela Universidade de São Paulo. É docente no ensino superior com
experiência em graduação. Tem atuação universitária nas áreas de História da Arte; História da Imagem e do Som;
Teorias e Técnicas da Comunicação; Comunicação Aplicada e Metodologia do Trabalho Científico.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M636a Miklos, Jorge.

Artes Visuais na História Antiga. / Jorge Miklos, Janaina Santiago


– São Paulo: Editora Sol, 2020.

180 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Pré-história. 2. Antiguidade oriental. 3. Antiguidade ocidental.


I. Santiago, Janaina. II. Título.

CDU 7.01

U505.67 – 20

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
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Unip Interativa – EaD

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Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Giovanna Oliveira
Amanda Casale
Sumário
Artes Visuais na História Antiga

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 ARTE: DEFINIÇÕES E CONCEITOS..................................................................................................................9
1.1 Conceito de arte.......................................................................................................................................9
1.2 Origem e função da arte.................................................................................................................... 13
1.2.1 Origem da arte.......................................................................................................................................... 13
1.2.2 Função da arte.......................................................................................................................................... 17
2 A ORIGEM DO HOMEM E A VIDA DO HOMEM PRÉ-HISTÓRICO................................................... 19
2.1 O surgimento do homem................................................................................................................... 20
2.2 O surgimento do homem na América.......................................................................................... 31
2.3 A vida do homem pré‑histórico...................................................................................................... 34
2.3.1 Os primeiros povoamentos: caçadores e coletores nômades................................................ 35
2.3.2 O homem do Neolítico: pastores e agricultores.......................................................................... 40
3 ORIGENS DA ARTE PRÉ‑HISTÓRICA.......................................................................................................... 44
3.1 Homo sapiens e arte pré‑histórica................................................................................................. 44
3.2 A arte pré‑histórica.............................................................................................................................. 45
3.2.1 A arte pré‑histórica: sistemas de representações...................................................................... 45
3.2.2 A arte rupestre: definições e temáticas.......................................................................................... 49
4 A ARTE PRÉ‑HISTÓRICA DOS SÍTIOS INTERNACIONAIS: PINTURAS, GRAVURAS,
ESCULTURAS E ARQUITETURA........................................................................................................................ 53
4.1 As pinturas e gravuras rupestres da Europa: Espanha e França......................................... 53
4.2 A escultura, a arquitetura e a cerâmica pré‑históricas......................................................... 64

Unidade II
5 ARTE VISUAL NA ANTIGUIDADE ORIENTAL............................................................................................ 81
5.1 Antiguidade Oriental: contexto histórico.................................................................................... 81
5.2 A Mesopotâmia e seus povos........................................................................................................... 82
5.2.1 A arte sumeriana...................................................................................................................................... 82
5.2.2 Zigurates...................................................................................................................................................... 83
5.3 A arte assíria e caldeia......................................................................................................................... 85
5.3.1 Império Assírio (1300 a.C.‑612 a.C.)................................................................................................. 85
5.3.2 O Segundo Império Babilônico (612 a.C.‑539 a.C.).................................................................... 86
5.4 Arte babilônica....................................................................................................................................... 88
5.4.1 Primeiro Império Babilônico (2000 a.C.‑1750 a.C.).................................................................... 88
5.5 A arte persa.............................................................................................................................................. 90
5.6 Arte aquemênida................................................................................................................................... 91
6 A ARTE A SERVIÇO DA IMORTALIDADE: CIVILIZAÇÕES E A ARTE EGÍPCIA............................... 92
6.1 O direito divino....................................................................................................................................... 92
6.2 A coleção de Tutankhamon – joias e ornamentos.................................................................100

Unidade III
7 ARTE VISUAL NA ANTIGUIDADE OCIDENTAL.......................................................................................110
7.1 A arte egeia............................................................................................................................................111
7.2 A arte cicládica.....................................................................................................................................111
7.3 A arte minoica......................................................................................................................................112
7.4 A arte micênica....................................................................................................................................113
7.5 A arte característica bizantina e cristã primitiva...................................................................115
7.5.1 A arte cristã primitiva – a arte a serviço da nova religião.................................................... 116
7.5.2 A arte bizantina – retrato da riqueza e do poder..................................................................... 119
8 A ANTIGUIDADE CLÁSSICA GREGA E ROMANA................................................................................122
8.1 A antiguidade clássica grega..........................................................................................................122
8.1.1 Em busca da perfeição – a arte grega.......................................................................................... 122
8.1.2 Helênico.................................................................................................................................................... 133
8.2 A Antiguidade Clássica Romana...................................................................................................139
8.2.1 Monarquia (VIII‑VI a.C.)...................................................................................................................... 140
8.2.2 República (VI‑I a.C.)...............................................................................................................................141
8.2.3 Império (27 a.C.-V d.C.)....................................................................................................................... 144
8.2.4 A cultura romana.................................................................................................................................. 146
8.2.5 Arquitetura.............................................................................................................................................. 146
8.2.6 Outras obras de arte do Império Romano.................................................................................. 149
8.2.7 Arte etrusca..............................................................................................................................................151
APRESENTAÇÃO

Esta disciplina enfoca os estudos a respeito da arte pré‑histórica e de como os homens se expressavam
e se comunicavam artisticamente durante esse período.

Teremos a oportunidade de entrar em contato com conceitos como a definição e função da arte e a
sua importância para o homem do Paleolítico e do Neolítico. Iniciando o trajeto de aprendizagem com o
conhecimento sobre a origem do homem e sua dispersão pelo planeta, chegaremos à arte produzida
durante a Pré‑história e a sua importância na compreensão da história da humanidade e das artes visuais.

A História Antiga corresponde ao estudo das manifestações artísticas que abrangem a época da
criação da escrita até o paleocristianismo, no qual emergem expressões artísticas de vários estilos dos
períodos mesopotâmicos, a arte do vale do Nilo, celta e germânica, egeia, fenícia, a arte da Antiguidade
Clássica, a arte cristã e suas respectivas civilizações.

Este livro‑texto pretende reconhecer o estilo sumério, seus palácios e templos, o uso da madeira e a
influência em nosso tempo, bem como distinguir a arte assíria com seus palácios, suas esculturas, uso
dos tijolos e as portas das cidades.

Teremos a oportunidade de estudar a Babilônia, suas dinastias e seus monumentos que compuseram
as maravilhas do mundo, discutir as tribos persas, o uso de seus artefatos e o estilo animalista.

Vamos procurar entender as funções das pirâmides e mastabas na sociedade egípcia e a arte
funerária. Conheceremos a arte celta e seus objetos de vários metais. Estudaremos os povos germânicos,
a contextualização da arte e a migração dos povos bárbaros.

Conheceremos a arte na Antiguidade Clássica correspondente à arte etrusca, grega, helenística,


romana e ao Cristianismo.

Espera‑se que o aluno seja capaz, por meio desta disciplina, de conhecer a arte na Antiguidade com
seus respectivos estilos e as principais civilizações que influenciam até hoje as artes visuais.

INTRODUÇÃO

Para pensarmos em arte pré‑histórica, antes de mais nada, precisamos definir um conceito para arte. O
que é arte? Existe arte sem um artista e um observador? Podemos falar da existência de uma arte rupestre?
Essas são questões que surgem sempre que estudamos as artes visuais e, em particular, a arte Pré‑histórica.

O primeiro ponto ao analisarmos a arte do Paleolítico e do Neolítico é a própria origem do


homem. Quem são e como surgiram os artistas desses períodos? Qual é a localização espacial
desses homens? A arte rupestre só existe na Europa ou podemos encontrá‑la em todo o mundo?
Todos os objetivos a serem atingidos durante nossos estudos colaborarão diretamente para a
compreensão da arte visual na Pré‑história.

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Este livro‑texto abordará, ainda, as grandes tradições artísticas da Antiguidade Oriental num
contexto histórico, cultural e comparativo. Observa‑se que a maioria dos estudantes fica “encantada”
com a pirâmides do antigo Egito, mas reúne pouca informação a respeito dessa civilização, bem como
desconhece as articulações entre a arte, o modo de vida e de pensamento das sociedades antigas.
Em outras palavras, as pirâmides fascinam os estudantes pela sua grandiosidade e perenidade, mas, a
respeito do contexto no qual elas foram construídas, pouco sabem.

Qual o lugar da arte para as civilizações antigas? Por que esses povos (egípcios, sumérios, fenícios,
cretenses, gregos e romanos) produziram algo que, apesar de não ter uma utilidade imediata, estiveram
presentes em suas vidas e, de alguma forma, permanecem presentes em nossas curiosidades e devaneios?

Percebemos que os seres humanos não criam arte para um fim utilitário, mas, sobretudo, para
expressar seus sentimentos (temores, alegrias, crenças, valores, sonhos, esperanças, utopias e distopias).

O ser humano é um animal que, além da sua natureza biológica, é simbólico. Assim, suas demandas
não se resumem a alimento, água, abrigo, mas seu espírito se alimenta de sonhos, beleza, poesia e tudo
aquilo que possa transcender a realidade imediata.

Esperamos que ao estudar a produção artística produzida pelos antigos povos do oriente, você,
aluno, possa vislumbrar o melhor da humanidade.

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ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Unidade I
1 ARTE: DEFINIÇÕES E CONCEITOS

“A arte fora de um contexto histórico é arte sem memória.”

(Teixeira Coelho)

Qual é o conceito de arte? Realmente existe arte?

É difícil definir o conceito de arte, pois cada período histórico possui diferentes formas de expressão
artística e cultural. Porém, é consenso entre os pesquisadores que todos os grupos humanos, desde a
Pré‑história, produziram algo a que se pode dar o nome arte. Além disso, é também consenso que, ao
analisar uma obra artística, podemos reconstruir um momento histórico (roupas, costumes, crenças) sob
o ponto de vista do artista que a produziu, o que mostra que a arte é fundamental para se compreender
a história da humanidade.

1.1 Conceito de arte

O que podemos entender como arte? Qual é a melhor definição de arte? Existe um único conceito
para arte? Para alguns autores, os desenhos feitos com terra colorida em cavernas ou os desenhos em
diferentes superfícies feitos pelo homem contemporâneo são atividades que podem ser chamadas de
“arte, desde que conservemos em mente que tal palavra pode significar coisas muito diferentes, em
tempos e lugares diferentes” (GOMBRICH, 1998, p. 15).

Porém, se buscarmos a definição em outros autores, o que encontraremos? No dicionário, a palavra


arte está ligada à forma ou à maneira de se fazer algo, maneira esta concebida através de regras definidas.
A palavra pode estar associada à ideia de êxito ou de habilidade. Também encontramos uma correlação
com o ideal de beleza.

Certamente você deve ter uma ideia do significado do termo. Também já deve ter tido contato
com algumas obras chamadas artísticas e, com certeza, consegue citar as obras de arte que são do seu
agrado. Além disso, você, muito provavelmente, acredita que a arte está ligada à atividade humana e às
suas manifestações estéticas e comunicativas.

Porém, ainda temos outros significados: em latim a palavra arte, ligada ao radical ars, tem o
significado de técnica ou habilidade. A palavra latina ars ou artis corresponde ao termo grego tékne
e relaciona‑se à experiência, ao saber fazer, ou seja, à produção. Nesse sentido, mais do que a beleza,
o termo está associado à destreza e à especialização em determinado ofício. A visão de arte ligada à
inclinação racional para a produção faz parte da tradição aristotélica. Assim, faz parte dessa forma de
interpretação de arte concebê‑la como um devir, um fazer, um conjunto de regras.
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Unidade I

Observação

Aristóteles: nascido em 384 a.C., em Estagira, foi um influente filósofo


grego e discípulo de Platão. É considerado o criador do pensamento lógico.

A ideia de arte relacionada à produção faz com que o conceito não se limite ao campo artístico,
mas que se relacione também aos campos políticos e educacionais. Essa é a visão de arte proposta
por Aristóteles.

Saiba mais

Partindo, como Platão, do problema acerca do valor objetivo dos


conceitos, mas abandonando a solução do mestre, Aristóteles constrói um
sistema inteiramente original.

ARANHA, M. L. de A. Filosofando: introdução à filosofia. 4. ed. São Paulo:


Moderna, 2013.

ARISTÓTELES. São Paulo: Nova Cultural, 1991. 2. v. (Coleção os Pensadores).

Qual é a utilidade em conceber a arte como um conjunto de regras, um processo de produção?

A utilidade é a de perceber o quanto o conceito de arte pode ser problematizado e expandido,


desmistificar a ideia de uma arte ligada exclusivamente aos museus e a espaços pré‑concebidos. Ressignificar
a produção artística inserindo‑a em nosso dia a dia. Mas não podemos deixar de levar em consideração a
complexidade da definição e conceituação do termo.

Muito se tem discutido sobre o conceito de arte. Os autores não têm um consenso sobre seu significado,
entretanto podemos tentar delimitar seu campo de ação e ponderarmos sobre seu significado.

Vamos pensar na proposição de um importante estudioso de História da Arte:

É possível dizer, então que arte são certas manifestações da atividade


humana diante das quais nosso sentimento é admirativo, isto é: nossa
cultura possui uma noção que denomina solidamente algumas de suas
atividades e as privilegia (COLI, 1995 p. 8).

O autor nos remete à noção de sentimento admirativo e de privilégio. Mas o conceito de beleza varia
em função do tempo além do caráter pessoal e cultural do que é denominado belo. Janson e Janson

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ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

falam em “um impulso irresistível de reestruturar a si próprio e ao seu meio ambiente de forma ideal”
(JANSON; JANSON,1996, p. 6).

Podemos considerar o homem um inventor de símbolos. Dotado de uma imaginação criadora,


transmite suas ideias de múltiplas e variadas formas. Recria o ambiente ao seu redor e a si mesmo em
um processo carregado de símbolos de diversas interpretações. O próprio sonho dialoga com os símbolos
e suas interpretações.

Quando sonhamos (e todos nós sonhamos) estamos, através da imaginação, formando imagens,
estórias, representações em nossas mentes. O homem é capaz tanto de imaginar quanto de fazer relatos
daquilo que imaginou. Esses relatos podem se dar tanto através do diálogo quanto da produção, do
fazer artístico, quer seja em poesia, música, quadros ou em inscrições nas paredes. ”A imaginação é uma
faceta misteriosa da humanidade, é o elo entre o consciente e o subconsciente [...] é a cola que mantém
unidos a personalidade, o intelecto e a espiritualidade” (JANSON; JANSON, 1996, p. 7).

Não podemos deixar de levar em consideração que a arte é uma das primeiras manifestações do
ser humano, ser humano esse que marcou sua presença no mundo e deixou seus registros para a
posteridade. A produção artística faz parte da nossa vida e é essencial para a construção do mundo em
sociedade. Além disso, o que é extremamente importante, representa a reconstrução simbólica que o
homem faz do universo ao seu redor, da sua forma de ver o mundo: são os sentimentos, as emoções, as
ideias transmitidas e reinterpretadas à luz do criador do objeto artístico.

Figura 1 – Alma: representação egípcia da alma do morto sob a forma de ave

Não podemos deixar de levar em consideração que esse processo de produção insere‑se em um
ambiente cultural que tem papel determinante, tanto na criação quanto no processo de compreensão
do que foi produzido.

Compreender a produção artística significa interpretá‑la à luz desse ambiente cultural, e é esse
processo de interpretação que dá ao objeto o status de artístico. Dessa forma, cabe ao discurso e à
crítica especializada, constituídos na inter‑relação entre crítico, objeto cultural e público, o poder de
classificar, privilegiando um ou outro objeto.
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Unidade I

Nessa visão, é esse discurso, reconhecido como competente (COLI, 1995, p. 10), e os locais onde os
objetos artísticos são expostos (galerias, museus e até mesmo as ruas das cidades), que nos trazem uma
visão de arte sólida e privilegiada, porém com limites pouco precisos.

Podemos considerar a arte como processo, discurso; acreditamos que ela é repleta de imaginação,
simbolismos e de significados que competem ao observador desvendar. Como afirma um famoso dito
popular, “a arte é o tempero do mundo”. Essa ideia é abordada também no famoso verso da música
Comida, da banda Titãs: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

Exemplo de aplicação

Observe esses objetos:

Figura 2 – Cesta de basquete

Figura 3 – Carrinho de bebê, Dukley, 1919

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ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Figura 4 – Vênus de Milo (final do século II a.C.), Museu do Louvre, Paris

Você considera que podemos caracterizar todos como obras de arte? Justifique sua resposta.

1.2 Origem e função da arte

1.2.1 Origem da arte

Quando surgem as primeiras obras de arte? Qual a origem da arte?

Para termos arte, temos que ter a obra e o artista. Esse é um processo de codependência, no qual o
artista e o produto de sua produção estão inter‑relacionados, um não existe sem o outro. É pelas mãos
do artista que a matéria‑prima se torna uma obra de arte.

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Unidade I

Figura 5 – Atlas, de Michelângelo (Itália, 1475–1564), mármore – 1520

Figura 6 – Pietá, de Michelângelo (Itália, 1475–1564), mármore,


Basílica de São Pedro, Roma – 1498‑1500

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ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Essa conexão (artista/obra) nos remete a uma tríade composta pela formação de uma imagem na
mente do artista; a comunicação dessa imagem através do objeto, feito pelo artista e pelo observador,
que olha tanto a obra quanto o seu produtor.

Observador, obra e artista estão inseridos em uma dada realidade, em um determinado mundo.

Esse mundo pode ser entendido como um conjunto de significados articulados e com um sentido comum.
É a conjuntura, entendida como um conjunto de circunstâncias ou acontecimentos em um determinado
momento, que dá sentido a esse mundo. E é nele que a obra de arte ganha visibilidade, ele é o local privilegiado
para sua construção.

Expressão humana por excelência, é através da arte que o homem manifesta sua visão de mundo e
proclama suas ideias e sentimentos desde os tempos mais remotos.

Observação

Não podemos esquecer que a percepção da arte varia em função da


cultura e dos grupos sociais. Dessa forma, a compreensão da arte se dá a
partir de um contexto específico e não pode ser separada do grupo que
a construiu.

Figura 7 – No Egito antigo a arte, ligada à religião, refletia o


Estado teocrático e a sociedade estamental

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Unidade I

Figura 8 – Pintura de Diogo Rivera

No mundo contemporâneo, temos uma produção artística que se dissocia do contexto religioso e
que reflete uma diversidade cultural.

Se a arte se inicia com o aparecimento do artista e com a produção de suas obras, podemos nos
indagar em qual momento surgiram as primeiras manifestações artísticas e as primeiras obras de arte.

Podemos considerar que a origem da arte está nas produções e nos monumentos mais antigos que
encontramos – os quais, a propósito, em sua grande maioria, datam dos últimos estágios do Paleolítico.

Lembrete

Não podemos datar com precisão o início da arte. Porém, foi no final
do Paleolítico que foram elaboradas obras que se conservaram até os
dias atuais.

Contudo, nesses monumentos, já podemos perceber um refinamento e uma grande perfeição técnica.
A habilidade e a precisão dos artistas se mostram tão presentes nas obras, que fica difícil acreditar que
nelas resida a origem da arte.

Muito provavelmente a arte tem origem mais remota. É possível que tenha tido um longo e lento
desenvolvimento com uma produção elaborada com materiais que não resistiram à ação do tempo.
Desconhecemos completamente todo esse processo anterior de produção que pode ter ocorrido em
madeira, argila, em areia e de inúmeras outras formas, constituindo uma evolução gradativa que foge
completamente ao conhecimento e à observação do homem moderno. Porém, se a origem da arte não
pode ser datada, catalogada e estudada, pode ser inferida.

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ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Exemplo de aplicação

Observe as imagens:

Figura 9 – Almoço na Relva, Picasso (Espanha, 1881–1973),


114cm x 146cm, Museu Picasso, Paris

Figura 10 – Almoço na Relva, Manet (França, 1832–1883),


208cm x 264cm, Museu d’Orsay, Paris, 1863

Existem semelhanças entre elas? Podemos dizer que uma se inspira na outra, ou seja, que uma é
releitura da outra? Você acha que as duas obras foram feitas pelo mesmo motivo? Justifique.

1.2.2 Função da arte

Quanto à função da arte, estaria ela concentrada apenas no campo da percepção admirativa?

Proença nos indica que é através da arte que podemos ter a percepção, a sensibilidade, a cognição
do mundo, além da sua visão individual de trabalhar o próprio eu. Ela é uma forma de interpretar
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Unidade I

simbolicamente o mundo dentro da concepção do indivíduo e representa uma linguagem que ultrapassa
o processo de comunicação. É, portanto, uma forma simbólica de transmitir ideias e sentido ao que
nos cerca.

Proença (2005) ainda atribui três funções primordiais para a arte: a pragmática, a naturalista e
a formalista.

• Função pragmática: podemos considerar que a obra de arte tem um caráter utilitário, uma
finalidade em si mesma, que não a artística. Essa finalidade pode ser utilitária, pedagógica,
religiosa, política ou cultural.

• Função naturalista: nesse contexto, ressalta‑se a representação da realidade. O objetivo é ser o


mais natural e o mais próximo do real possível. A perfeição técnica é vista como forma de uma
produção onde podemos reconhecer o real.

• Função formalista: nessa concepção, valoriza‑se a forma, a concepção estética ganha destaque.
Transmitem‑se ideias e emoções minimizando os aspectos pragmático e naturalista.

Exemplo de aplicação

Observe os objetos e indique a qual função de arte cada um deles se aproxima:

Figura 11 – Vaso de cerâmica

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ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Figura 12 – A morte de Marat, Jacques‑Louis David (França, 1748–1825),


tela, 165cm x 128cm, Museu Real de Belas Artes, Bruxelas, 1793

Figura 13 – Primeira Aquarela Abstrata, Vassili Kandinsky


(Rússia, 1866–1944), aquarela, 50cm x 65cm, coleção Nina Kandinsky, Paris

2 A ORIGEM DO HOMEM E A VIDA DO HOMEM PRÉ-HISTÓRICO

Para compreendermos como o homem pré‑histórico produziu arte, é necessário saber um pouco
sobre o seu surgimento. Como era o homem na sua origem? Ele sempre possuiu a capacidade cognitiva
de produzir arte? Vejamos um pouco sobre essas e outras questões.

19
Unidade I

2.1 O surgimento do homem

Um químico pode, a qualquer instante, combinar vários elementos em


determinadas condições e proporções para comprovar um resultado obtido
anteriormente. [...] O pesquisador que tem como matéria‑prima o passado
não tem esse recurso. Pelo menos, enquanto a máquina do tempo não for
viabilizada (sonhar é preciso...), não temos como saber exatamente o que
aconteceu no passado (PINSKI, 2013, p. 31).

Apesar de não sabermos pontualmente como o homem surgiu na face da Terra, podemos chegar a
algumas hipóteses. Inúmeras discussões têm ocorrido quando se pensa na origem do homem na Terra.
A possibilidade de consenso é bastante remota, porém duas teses têm orientado os debates a respeito
dessa questão: a criacionista e a evolucionista.

A hipótese criacionista, extraída das concepções judaico‑cristãs, surgidas da Bíblia, acredita que
Deus tenha criado tudo e todos. Para o criacionismo, a posse de sentimentos, de vontade própria e de
inteligência diferencia os homens dos demais animais.

Figura 14 – A criação de Adão – hipótese criacionista

A teoria evolucionista tem por base o livro de Charles Darwin A Origem das Espécies e propõe que
todos os seres tiveram uma origem comum. Vivendo um processo de evolução gradual e contínuo, as
diferenças teriam se dado pelo processo natural de seleção. Assim, indivíduos mais capazes adaptaram‑se
melhor ao ambiente e sobreviveram, deixando seus descendentes, que acabam sofrendo alterações em
seu mecanismo biológico.

Darwin não foi o único a inovar o pensamento científico da época. Alfred Russel Wallace foi um
naturalista inglês que chegou a uma teoria similar às de Darwin na mesma época em que o renomado
cientista estava trabalhando na hipótese evolucionista. Wallace chegou a escrever uma carta relatando
o seu trabalho a Darwin, o que apressou a publicação da teoria evolucionista.

Vejamos um trecho do trabalho de Attico Chassot para compreendermos melhor o evolucionismo


defendido por Darwin.

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ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

[…] Durante cinco anos (1831‑1836), o jovem Charles viveu o que, até sua
morte, aos 73 anos, considerou como o acontecimento mais importante de
sua vida, determinando toda a sua carreira de pesquisador e sepultando seu
desejo de ser ministro religioso.

Nos cinco anos de viagem do Beagle, [...] estudou a floresta tropical


brasileira, o pampa argentino, a vegetação andina, os desertos australianos,
as formações geológicas da Terra do Fogo e do Taiti, as ilhas desflorestadas
do Cabo Verde. Viu terremotos e maremotos, vulcões extintos e ativos, seres
humanos que “de tão selvagens e destituídos de crenças, nem pareciam
homens” [...]

De todas as suas múltiplas observações, as que mais surpreenderam


Darwin ocorreram nas Ilhas Galápagos, no sudeste do Pacífico.
Ali ele encontrou e estudou animais que, depois, pôde comparar
com os existentes no continente sul‑americano. Verificou que,
embora semelhantes, esses animais apresentavam variados graus de
diferenciação. Ou seja, nas ilhas, haviam desenvolvido características
próprias, o que indicava processos evolutivos de adaptação aos
alimentos disponíveis, ao isolamento geográfico etc. Suas observações
tornavam cada vez mais difícil a crença no relato bíblico do Gênesis,
segundo o qual Deus criara cada uma das espécies já completa, e que,
portanto, deveriam ter chegado até nós inalteradas.

Ao retornar da longa viagem, Darwin discutiu suas observações com o


geólogo Charles Lyell, que, em 1830, causara sensação no mundo científico
ao publicar o primeiro dos três volumes da obra monumental Princípios
de Geologia, reunindo estudos sobre processos naturais da alteração da
superfície terrestre. Nos seis anos seguintes, Darwin leu uma grande variedade
de publicações, livros de viagens, manuais de agricultura e horticultura, de
criação de animais domésticos e de história natural; discutiu com criadores
e com peritos em diferentes cultivos; analisou e preparou esqueletos de aves
domésticas; criou e cruzou diferentes variedades de pombos; reexaminou
boa parte do material que havia coletado no Beagle. Em 1842, tinha o
primeiro rascunho, com 35 páginas, do que se tornaria A Origem das Espécies.
Dois anos depois, o esboço da obra estava mais completo. Em 230 páginas,
procurava explicar o aparecimento e o desaparecimento das espécies, por
que surgiam e se modificavam com o tempo, e por que muitas desapareciam
para sempre.” (CHASSOT, 1994, p. 135‑137).

A teoria evolucionista, apesar de ter passado por muitas revisões, recebeu e recebe amplo apoio dos
meios acadêmicos. Aceitar essa teoria significa aceitar uma visão de mundo “racional e científica que
não permite abordagens pessoais ou místicas.” (POLEGATTO; SILVEIRA JR; JOAQUIM. 2009, p. 74). Assim,
21
Unidade I

as atuais pesquisas sobre as origens do homem baseiam‑se nessa teoria.


Montar o quebra‑cabeça da história da humanidade não é um trabalho fácil. Para isso, ciências como a
antropologia biológica (que estuda fósseis humanos) e a arqueologia (estuda o passado humano a partir
dos vestígios e restos materiais deixados pelos povos) são fundamentais. A maior parte das informações
que temos hoje foi conseguida através da análise de vestígios encontrados em sítios arqueológicos
espalhados pelo mundo, onde os pesquisadores nem sempre trabalham em condições favoráveis. Além
disso, vale lembrar que, no início da humanidade, a escrita não era utilizada, complicando ainda mais a
interpretação e a análise dos fatos.

O que é sítio arqueológico? É o nome do local em que os vestígios das atividades humanas do
passado ficaram preservados. Existem vários tipos de sítios arqueológicos, como os sambaquis e os
abrigos rupestres. Além disso, eles são muito variados, podendo ser desde uma cidade, como Pompeia,
até um acampamento pré‑histórico.

É através dos variados vestígios materiais deixados pelas sociedades antigas encontrados nos sítios
arqueológicos que o arqueólogo procura reconstituir o modo de vida, as formas de sobrevivência, além
das crenças, comportamentos e ideias dos povos antigos.

Os vestígios materiais constituem, portanto, peças do quebra‑cabeça de que o arqueólogo dispõe


para reconstruir o passado. Eles podem ser fragmentos de cerâmica ou artefatos de pedra, restos de
sepulturas ou urnas funerárias, restos de fogueira, os buracos de estacas das cabanas, as pinturas
e gravuras rupestres e até mesmo estruturas construídas pelo homem como ruínas de moradias e
outros edifícios.

Figura 15 – Sítio arqueológico no Mato Grosso antes do início dos trabalhos

22
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Figura 16 - Sítio arqueológico no Mato Grosso: início dos trabalhos

Figura 17 – Sítio arqueológico no Mato Grosso: descoberta


de uma fogueira “fábrica” de líticos (pontas de flecha)

23
Unidade I

Infelizmente, as descobertas não traçam uma linha evolutiva firme e precisa, não existe roteiro,
mas descobertas que algumas vezes elucidam e outras complicam a problemática evolutiva da espécie
humana. Apesar disso, muito se avançou no estudo da Pré‑história e atualmente algumas conclusões
são consenso, como, o fato de que os primeiros hominídeos teriam surgido na África.

Observação

Hominídeo é o grupo a que pertencem todos os primatas mais próximos


dos humanos modernos que dos grandes macacos e, convencionalmente,
utilizamos esse termo para nos referirmos a todos os ancestrais do atual
ser humano.

Outra ideia comum é a que defende a existência há cerca de 12 milhões de anos, na Europa e na
África, de pequenos seres cujo desenvolvimento pode ser associado à evolução do Homem. Pinski (2013)
refere‑se a esses seres como Ramapithecus, os patriarcas.

Durante a década de 1960, os pesquisadores Louis e Mary Leakey concluíram que os primeiros
hominídeos teriam surgido há aproximadamente 2,5 milhões de anos numa região conhecida como as
gargantas do Olduvai, na Tanzânia.

Em 1974, o pesquisador Yves Coppens participava de uma escavação arqueológica na Etiópia quando
encontrou um esqueleto com aproximadamente 3,5 milhões de anos, representante de uma espécie que
seria, provavelmente, ancestral do homem: o Australopithecus.

As pesquisas realizadas a partir do esqueleto concluíram que ele seria feminino tanto por seu
tamanho (pequeno) quanto pela análise do osso da bacia. Assim, foi batizado de Lucy em homenagem
à música Lucy in the sky in Diamonds, da banda The Beatles. Além disso, concluiu‑se que a ela
teria uma altura aproximada de 1,10 metro, pesaria 30 quilos e possuiria um volume cerebral
de 430 centímetros cúbicos. A análise do esqueleto comprovou que os australopitecos seriam os
primeiros hominídeos bípedes.

Mas, qual é a importância do bipedismo? A principal consequência do seu surgimento é


a diminuição da mandíbula e o aumento da caixa craniana. Isso quer dizer que o fato de ele
se locomover sobre os dois pés liberou o uso das mãos para pegar objetos. O fato de não ser
mais necessário segurar objetos com a boca fez que, com o tempo, os ossos da mandíbula
diminuíssem, dando espaço para o aumento dos ossos da caixa craniana, consequentemente, o
cérebro também aumentou.

24
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Figura 18 – Crânio de um Australopithecus

As pesquisas realizadas pelo casal Leaky, na Tanzânia, descobriram fósseis que comprovaram a
existência de um novo gênero do qual seríamos descendentes: o gênero Homo. O esqueleto descoberto
foi classificado de Homo habilis, pois teria desenvolvido a habilidade de produzir ferramentas.

O Homo habilis vivia no mesmo período do Australopithecus e era detentor de grande habilidade
craniana e de uma postura ereta muito similar à dos seres humanos. Alguns estudiosos acreditam que
tanto o Australopthecus quanto o Homo habilis descendem do Ramapithecus. Porém, ainda nos dias de
hoje, não sabemos com certeza o motivo do sucesso de um grupo em detrimento do outro.

Durante muito tempo, acreditou‑se que os fósseis encontrados na Tanzânia, Etiópia e Quênia,
especificamente no Vale da Grande Fenda, uma grande formação geológica que atravessa essa região,
fossem os mais antigos. Porém, pesquisas realizadas por Michel Brunet, que encontrou em Chade um
crânio de 7 milhões de anos, levantaram a hipótese de que o primeiro hominídeo, chamado homem de
Toumai, seria muito mais antigo do que se acreditava inicialmente.

O Homo habilis, que até então vivia restrito à África, deu origem a uma espécie que se disseminaria
pelas Ásia e Europa: o Homo erectus, há aproximadamente 1,5 milhão de anos. Acredita‑se que essa
espécie, além de aperfeiçoar os utensílios de pedra (facas, machados, raspadores), provavelmente,
iniciou a linguagem falada, começou a abrigar‑se e a produzir fogo. Fisicamente, o Homo erectus não
ultrapassava 1,5 metro de altura, tinha a arcada superciliar saliente e uma mandíbula maciça, desprovida
de queixo. A cabeça articulava‑se com a coluna vertebral de modo a ficar ligeiramente projetada para
a frente.

25
Unidade I

Figura 19 – Reconstituição de duas subespécies do Homo erectus. Da esquerda para a direita: o Sinantropo e o Javantropo

Em aproximadamente 300.000 a.C., o Homo erectus sofreu uma série de adaptações que resultaram
no surgimento de uma nova espécie: o Homo sapiens.

Vestígios da subespécie mais antiga do Homo sapiens foram descobertos pela primeira vez no vale do rio
Neander, na Alemanha, e receberam o nome científico de Homo sapiens neanderthalensis. Posteriormente,
exemplares semelhantes foram encontrados em vários locais na Europa, na Ásia e na África do Norte.

E como era esse novo homem pré‑histórico? Ele não era muito alto, pois media em torno de 1,5 metro,
tinha um crânio levemente achatado, com a testa bastante inclinada para trás; seus maxilares eram robustos
e o queixo pequeno. A arcada superciliar era menos saliente que nas espécies precedentes. Os estudos dos
esqueletos encontrados mostram que ele era atarracado, robusto e que tinha as extremidades mais curtas.

Veja uma reconstituição facial de uma menina neandertalense.

Figura 20 – Menina de Neandertal

26
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

As pesquisas apontam que os neandertalenses caçavam em grupo e abrigavam‑se do frio em


cavernas. Eles teriam vivido entre 120.000 e 35.000 a.C. Sua extinção, como muitos acontecimentos
do período pré‑histórico, é um pouco nebulosa, porém uma das hipóteses mais aceitas é a de que uma
parcela desse grupo miscigenou‑se ou foi exterminada pela segunda e mais evoluída subespécie do
Homo sapiens, denominada cientificamente Homo sapiens sapiens – ou seja, o homem atual.

Descobertas recentes defendem que os neandertalenses teriam deixado uma herança genética na
população europeia.

Saiba mais

Nos últimos anos, muitas pesquisas foram realizadas sobre o homem


de Neandertal. Para saber um pouco mais sobre essa espécie, leia os textos:

PIRES, M. T. Nove mitos e verdades sobre os Neandertais. Veja, Ciência,


Evolução Humana, São Paulo, 30 set. 2014. Disponível em: http://veja.
abril.com.br/noticia/ciencia/nove‑mitos‑e‑verdades‑sobre‑os‑neandertais.
Acesso em: 24 mar. 2014.

WONG, K. Neandertais e Homo sapiens tinham comportamentos


semelhantes. Scientific American Brasil, Notícias, São Paulo, s.d. Disponível
em: http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/neandertais_e_homo_sapiens_
tinham_comportamentos_semelhantes.html. Acesso em: 24 mar. 2014.

A) Australopithecus afarensis B) Homo erectus C) Homo neanderthalensis

Figura 21 – Reconstituição de homens pré‑históricos

27
Unidade I

A)2,5 milhões de anos B)1 milhão de anos C)100.000 a 32.000 anos

Figura 22 – Esqueletos de homens pré‑históricos

As datações fósseis apontam que por volta de 40.000 a.C. surgiu o homem de Cro‑Magnon, que
recebeu essa denominação pelo nome da caverna no sul da França onde os primeiros vestígios dessa
espécie foram descobertos. Esses homens eram mais altos do que os neandertalenses, medindo em
torno de 1,70 metro e pesando, aproximadamente, 70 quilos. Além disso, seu volume cerebral era muito
maior do que o do homem de Neandertal, seus traços fisionômicos eram menos pesados e seu corpo era
longilíneo e robusto.

O Homo sapiens sapiens (também chamado homem moderno) foi o responsável pelo aperfeiçoamento
das técnicas utilizadas e pela estruturação de uma organização social e religiosa. Acredita‑se que todos
os grupos humanos do planeta tenham se originado desse homem moderno.

Lembrete

Os fósseis mais antigos dos seres humanos foram encontrados na África.

O clima tropical e as condições geográficas africanas, como a formação das savanas, permitiram
uma evolução lenta e gradativa. Apesar de raros, porém, alguns vestígios foram identificados, o que
evidência sua presença na região nesse período.

28
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

1- Australopithecus 3- Pithecanthropus (Homo Erectus)


2- Homo Habilis 4- Homo Sapiens Sapiens

Figura 23 – Principais sítios arqueológicos de ancestrais humanos

Porém, os seres humanos não permaneceram na África. Por razões ainda pouco identificáveis
saíram do território africano para povoar o mundo. Chegaram primeiramente à Europa e à Ásia e,
posteriormente, habitaram o continente americano.

Saiba mais

Para saber mais sobre a rota dos hominídeos, consulte o artigo a seguir:

OS PRIMEIROS hominídeos imigrantes. Historianet, s.d. Disponível em:


http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=196. Acesso
em: 24 mar. 2014.

29
Unidade I

Figura 24– A migração humana

Exemplo de aplicação

Observe o esquema simplificado do surgimento do homem

Homo Homo sapiens


neanderthalensis sapiens

Homo sapiens antigo

Homo erectus

Homo habilis

Australopithecus

Figura 25 – Esquema simplificado da evolução humana

A partir do esquema e do conteúdo apresentado, destaque a importância das contribuições de cada


grupo da evolução humana.

30
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

2.2 O surgimento do homem na América

Pouco se sabe a respeito da chegada do homem no território americano, pois ainda existem muitas
ambiguidades sobre a época e a origem do homem nesse continente.

Durante boa parte do século XX, acreditava‑se que a chegada do homem à América teria ocorrido,
basicamente, em dois momentos. O primeiro deles, aproximadamente entre 18 e 13 mil anos atrás,
corresponde à hipótese de ocupação como resultado das migrações que ocorreram a partir da Ásia na
época da glaciação. Essa teoria, chamada hipótese asiática, defende que a migração ocorreu da Ásia
para a América graças a uma ponte de gelo que teria se formado no estreito de Bering, ligando esses
dois continentes.

Observação

A ocupação da América pelo Estreito de Bering também é chamada de


Teoria Clóvis, pois foram encontrados vestígios em Clóvis, Novo México (EUA),
que comprovariam, pela sua datação, a travessia realizada entre a Ásia e a
América pelo homem pré‑histórico.

Outra hipótese de migração aceita é a malaio‑polinésia. Ela defende que os deslocamentos teriam
sido feitos por grupos de ilhas do Pacífico que navegaram em embarcações primitivas até a costa sul do
continente americano. Isso teria ocorrido há 10 mil anos.

Figura 26 – A hipótese de ocupação da América pelo Estreito de Bering

31
Unidade I

Entretanto, no final do século XX, as pesquisas arqueológicas levantaram a hipótese da existência de


uma outra onda migratória para a América.

Por que os pesquisadores começaram a defender essa nova hipótese? Simples, foi encontrado
um fóssil humano no Brasil na região de Lagoa Santa, em Minas Gerais. Ao fazerem a reconstrução
facial do fóssil, batizado de Luzia, os pesquisadores tiveram uma grande surpresa, pois os traços
apresentados eram negroides e apresentavam notável semelhança com os aborígenes australianos.
As datações comprovaram que o fóssil era muito mais antigo do que se acreditava, uma vez que
tem 11.500 anos.

Figura 27 – Reconstituição do fóssil que recebeu a denominação de Luzia

Vejamos um pouco mais sobre a descoberta de Luzia:

Desenterrado em 1975, o crânio de Luzia é o mais antigo fóssil humano


já encontrado nas Américas. Transportado de Minas Gerais para o Museu
Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, permaneceu anos
esquecido entre caixas e refugos do acervo da instituição. Foi ali que o
arqueólogo Walter Neves, da Universidade de São Paulo (USP), o encontrou
alguns anos atrás. Ao estudá‑lo, fez descobertas surpreendentes. Os traços

32
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

anatômicos de Luzia nada tinham em comum com o de nenhum outro


habitante conhecido do continente americano. A medição dos ossos revelou
um queixo proeminente, crânio estreito e longo e faces estreitas e curtas.
De onde teria vindo Luzia? Seria ela remanescente de um povo extinto,
que ocupou a América há milhares e milhares de anos e acabou dizimado
em guerras ou catástrofes naturais? A hipótese de Walter Neves acaba
de ser reforçada por um trabalho feito na Universidade de Manchester,
na Inglaterra. Com a ajuda de alguns dos mais avançados recursos
tecnológicos, os cientistas ingleses reconstituíram pela primeira vez a
fisionomia de Luzia. O resultado é uma mulher com feições nitidamente
negroides, de nariz largo, olhos arredondados, queixo e lábios salientes.
São características que a fazem muito mais parecida com os habitantes
de algumas regiões da África e da Oceania do que com os atuais índios
brasileiros (TEICH, 1999).

Além da descoberta do crânio de Luzia, outras pesquisas que questionam a hipótese do Estreito de
Bering como a primeira onda migratória do homem para a América são aquelas desenvolvidas por Niéde
Guidon e sua equipe na Serra da Capivara, no estado do Piauí. Os estudiosos alegam que encontraram
sítios com vestígios de cinzas de fogueira com datação de 48.500. Porém, muitos cientistas nacionais e
internacionais contestam essa datação, uma vez que, pelos vestígios encontrados, é impossível garantir
que essa fogueira tenha sido feita pelos hominídeos.

Como o campo da Arqueologia é dinâmico, novas descobertas podem ocorrer apoiando ideias
ou aposentando outras. Uma das hipóteses mais aceitas para a chegada do homem no Brasil é a
defendida por Walter Neves, que afirma que teriam ocorrido duas migrações separadas de dois
grupos diferentes, ambas, porém, provenientes da Ásia. Segundo ele, a primeira teria ocorrido
há cerca de 13 mil anos e seria de uma população com feições semelhantes às dos aborígenes
australianos. Para ele, esses homens pré‑históricos teriam entrado no continente americano pelo
Alasca, provavelmente com o auxílio de canoas. Essa teoria explicaria as características encontradas
na reconstituição do crânio de Luzia.

Saiba mais

Para saber mais sobre Luzia e os primeiros americanos, leia:

NEVES, W. A.; BEETHOVEN, L. O povo de Luzia – em busca dos primeiros


americanos. São Paulo: Editora Globo, 2008.

33
Unidade I

Figura 28 – Os mais antigos sítios arqueológicos da América

Seja como for, todas essas teorias e discussões fornecem pistas para responder a uma importante
questão: afinal, de onde vieram os brasileiros?

Exemplo de aplicação

Reveja a imagem de Luzia e a imagem da menina de Neandertal. Elas são semelhantes? Quais são os
traços da Luzia que mais causaram estranheza entre os pesquisadores?

2.3 A vida do homem pré‑histórico

Após analisarmos as diversas teorias sobre o surgimento e a evolução do homem, vejamos como ele
viveu, seus costumes, suas crenças e seu dia a dia.

34
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

2.3.1 Os primeiros povoamentos: caçadores e coletores nômades

O período anterior à descoberta da escrita é, comumente, designado de Pré‑história. É sobre esse


período que vamos nos debruçar para o conhecimento de sua história e de sua produção artística e visual.

A compreensão do universo artístico e simbólico desse homem, seu processo de se comunicar com
o mundo só chegou até os nossos dias devido à sua necessidade de deixar seus registros grafados nas
rochas e nas cavernas. É a partir da percepção visual que tentamos descobrir os mistérios desse passado
tão longínquo e tão misterioso aos olhos do Homem pós‑moderno.

Porém, só podemos adentrar no seu legado visual se tomarmos como ponto de partida sua
forma de vida, seu processo de organização econômica e social, desvendada através dos resquícios
por ele deixados.

É evidente que não temos de volta a sociedade que os produziu, mas


temos um rico acervo cultural que narra a passagem do homem em
determinadas regiões, em períodos cada vez mais remotos com estruturas
semiológicas, ou seja, elementos organizados entre si compostos de
significados que refletem, evidentemente, o presente de seus autores e
os grafismos de uma expressão comunicativa das populações humanas
primeiras. (ALVES, s.d., p. 62).

Muitos estudiosos realizaram uma periodização, tanto da história, quanto da Pré‑história. Devemos
considerar que toda e qualquer periodização tem finalidade didática e não qualifica um ou outro
período. Afinal, os períodos coexistem e se inter‑relacionam, não havendo linha divisória e nem mudança
instantânea de um período para outro.

Mas, de qualquer forma, devemos pensar um pouco nessa periodização que pode ser feita, tanto
através de utensílios (Idade da Pedra Lascada e Idade da Pedra Polida), quanto através do modo de vida
(caçadores e agricultores). Essas periodizações representam etapas de um processo evolutivo que devem
ser entendidas no seu conjunto.

Segundo Crosby (1993), apesar de a historiografia ter encarado esse processo como algo
repentino e revolucionário e separar a coleta e a agricultura como duas etapas distintas e que não
coexistiram, pesquisas atuais comprovam que essa transição aconteceu de forma lenta e gradual.
Durante muito tempo, defendeu‑se essa mudança repentina da forma de sobrevivência do homem
pré‑histórico, deixando de lado o fato de que a agricultura desenvolvida inicialmente era uma
atividade complementar que enriquecia a alimentação e garantia maior sobrevivência para esses
grupos de caçadores‑coletores.

Trataremos, em um primeiro momento, dos povos caçadores e nômades. Esses viveram entre
700.000 a.C. e 10.000 a.C. Eram povos nômades que viviam da caça, da pesca e da coleta vegetal.

35
Unidade I

Saiba mais

Pesquisadores da Universidade de Harvard estudaram uma comunidade


que ainda se mantém como caçadora‑coletora, a comunidade Kung.
Vivendo no deserto de Calaari, esse povo, além de viver da caça e da coleta,
é nômade e pratica a divisão sexual do trabalho. Os homens se dedicam
à caça e à coleta, atividade que implica mobilidade e silêncio total. Já as
mulheres se dedicam à coleta, acompanhada dos filhos (é responsabilidade
feminina o cuidado com os filhos devido à amamentação), atividade que
desenvolvem de forma ruidosa e socializadora.

Pesquise mais sobre os Kung no site:

KWONONOKA, A. Os !Kung (Khoisan). O País, 21 jul. 2009.

O homem desse período vivia em aldeias organizadas em sociedades, que tinham como principal
característica não se fixar por um longo período em um mesmo espaço geográfico, mas mudar de um
lugar para outro em busca do alimento necessário a sua sobrevivência.

Caso o local onde fixavam suas comunidades ou aldeias tivesse abundância de matérias e alimentos,
a permanência do grupo poderia se estender por um longo período, mas, no momento em que os
alimentos escasseavam, o grupo direcionava‑se a um local onde houvesse uma maior abundância de
recursos para sua sobrevivência.

Figura 29 – Grupos de caçadores e coletores nômades

36
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Esse foi um longo período, quando, além do nomadismo, o homem vivia de forma simples, sobrevivendo
da caça de animais e da coleta de vegetais. A possibilidade de se proteger das intempéries da natureza
era simples e limitada: peles de animais e a moradia em grutas e cavernas eram mecanismos de extrema
importância para garantir sua sobrevivência. Seus abrigos eram cabanas feitas de galhos sustentados
por pedras que, mesmo pequenas, protegiam do vento e dos animais carnívoros. Normalmente, essas
cabanas eram construídas à beira de riachos ou próximas a lagos.

Figura 30 – Reconstituição de um abrigo pré‑histórico

Inicialmente, esse homem pré‑histórico não caçava, vivendo de grãos vegetais retirados da natureza
e devorando a carne dos grandes animais, como mamutes e hipopótamos, encontrados mortos.

Com o tempo, esse hominídeo, organizado em plenos grupos, aprendeu a caçar. Provavelmente,
esses povos eram dotados de alguma técnica de caça, como, forçar os animais rumo a desfiladeiros sem
saída ou abismos. Uma vez acuados, esses animais eram direcionados a armadilhas feitas em covas ou a
arapucas feitas com paus pontiagudos.

Com o passar do tempo, o homem foi se aperfeiçoando e construindo ferramentas para suprir suas
deficiências corporais e favorecer sua luta contra uma natureza hostil.

Esse aprimoramento não ocorreu de forma isolada, mas sempre dentro de um complexo contexto.

Da mesma maneira que o desenvolvimento gradual da linguagem está necessariamente acompanhado


do correspondente aperfeiçoamento do órgão auditivo, assim também “o desenvolvimento gradual do
cérebro está ligado ao aperfeiçoamento de todos os órgãos do sentido” (MARX; ENGELS, 1967, p. 61).

Ossos, pedras e madeiras constituíam‑se em uma grande fonte de matéria‑prima, obtida na própria
natureza que o circundava, para a construção dos instrumentos que facilitavam o recolhimento dos alimentos.
Os homens pré‑históricos construíram enxadas e enxós que, se hoje nos parecem muito rudimentares, na
época eram utensílios que, além de essenciais, possibilitavam maior longevidade ao grupo. O sílex e a madeira
eram utilizados para a fabricação de armas, quer fossem de impacto, quer fossem lâminas ou lanças.

Nesse período, para fazerem esses instrumentos de pedra, também denominados de artefatos
líticos, usavam a técnica do lascamento de pedras, formando o que os arqueólogos chamam de
indústria lítica.
37
Unidade I

A técnica do lascamento, basicamente, consiste na modelagem de uma pedra retirando lascas


(fragmentos) por choque com uma pedra mais dura ou por pressão.

Por percursão
indireta
Retoque por
Por percursão pressão
direta

Figura 31 – Técnicas de lascamento

A fabricação de instrumentos cada vez mais aperfeiçoados é resultante da utilização das mãos
nesse trabalho. Ao fabricar essas ferramentas, os hominídeos permitiram operações mais complexas e
passaram a utilizar uma área do cérebro que é a mesma que nos permite falar.

Lenta e gradualmente e, de certa forma, auxiliado pelo acaso, o homem foi conseguindo dominar o
fogo, que a princípio era encontrado apenas pela queda dos raios. Com o passar do tempo, entretanto,
o homem dominou a técnica de produção através do atrito entre duas pedras ou da fricção de pedaços
de madeira em gravetos secos. Acredita‑se que, antes de dominar essa técnica, existia o chamado “fogo
cativo”, que era retirado de um incêndio natural e alimentado com ervas secas e galhos mortos. Para
preservá‑lo, cavavam pequenos buracos rodeados de pedra, onde as brasas ainda quentes podiam ser
reanimadas. Assim, o fogo era tratado com muito cuidado pelo grupo.

Quantos benefícios esse avanço tecnológico trouxe à vida!

Saiba mais

Os filmes a seguir podem trazer novas informações sobre esse período


da Pré‑história:

A GUERRA do fogo. Dir. Jean‑Jacques Annaud. Canada, França, EUA:


International Cinema Corporation/Ciné Trail/Belstar Productions/Stéphan
Films, 1981. 100 minutos.

HOMEM pré‑histórico: vivendo entre as feras. Dir. Pierre De Lespinois.


Reino Unido: British Broadcasting Corporation (BBC)/Discovery Channel/
ProSieben Television, 2003. 4 episódios.

38
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Assistimos a uma mudança radical do seu modo de vida, pois houve a conquista de certa independência
do meio natural. O fogo trouxe a possibilidade de aquecimento, iluminação e defesa dos animais que, à
noite, sentiam medo de chegar próximos ao grupo quando percebiam o brilho incandescente do fogo.
A sobrevivência em um clima rigoroso, onde o frio e a neve eram uma constante, tornou‑se mais fácil.
O homem também o utilizou de forma defensiva ou ofensiva, pois o dono do fogo acreditava‑se forte.

Pesquisas arqueológicas na Zâmbia e na Espanha mostram que muitas pontas de lanças eram
endurecidas passando‑as pelo fogo.

Figura 32 – Instrumento lítico

Observação

Instrumento lítico ou ferramenta lítica é o nome que se dá a qualquer


objeto pré‑histórico feito de pedra.

Que mudança na dieta alimentar! Foi uma verdadeira revolução gastronômica. Imagine, os vegetais
passaram a poder ser cozidos ou assados, facilitando o processo de digestão. Isso também levou à
produção de utensílios para cozinhar alimentos.

Como todos os outros animais, o homem pré‑histórico vivia em bandos, porém, ao contrário das outras
espécies, a cooperação era um fator circunstancial para a conquista do alimento necessário ao grupo.

Com os avanços da estrutura alimentar, esses grupos passaram a ser mais numerosos e, como já dito,
começaram a edificar moradias rústicas, construídas com peles de animais, gravetos ou rochas.

Em maior número e vivendo num habitat mais bem elaborado, esses grupos desenvolveram maior
sensibilidade para com o mundo que os cercava. Podemos perceber os rudimentos de uma vida espiritual
através da descoberta de sepulturas que constatam a existência do culto aos mortos. Arte e magia se
interligam na história de vida desses grupos. A presença de rituais funerários e a explosão de pinturas nas
grutas e nas cavernas comprovam a existência de um homem com maior percepção e mais relacionado
com o mundo, o que nos possibilita um maior conhecimento do período.
39
Unidade I

Figura 33 – Urna funerária

Acredita‑se que, na Europa, durante a existência do homem de Neandertal, as práticas de


sepultamento se tornaram mais comuns. Normalmente, cavava‑se uma cova retangular ou oval para
enterrar os mortos. A hipótese é que eram colocadas sobre as sepulturas flores e oferendas. A posição
dos corpos variava e, às vezes, eram encontrados objetos junto a eles cujos simbolismos só podemos
especular atualmente. Esse homem teria a crença numa existência após a morte? Existiria um lugar
especial para os mortos? Não sabemos, mas o que podemos afirmar com certeza é que esse homem
do Paleolítico já apresentava uma preocupação com a morte – evidenciando, assim, que se iniciava um
pensamento religioso.

2.3.2 O homem do Neolítico: pastores e agricultores

Por um longo período, grupos humanos viviam deslocando‑se de um lugar para outro em busca do
alimento necessário à sua sobrevivência. A caça, a pesca e a coleta vegetal garantiam a sobrevivência
dessas sociedades comunais que tinham como alimentos frutos, raízes, ervas e peixes, além dos animais
provenientes da caça. É a partir dessa sociedade de caçadores e coletores que assistimos à transformação
para uma sociedade de pastores e agricultores.

As marcas humanas que indicam o desenvolvimento da atividade agrícola surgem mais ou menos
no ano 10.000 a.C. Nessa viagem da evolução, já somos Homo sapiens sapiens.

Os historiadores acostumaram‑se a separar a coleta e a agricultura como


se fossem duas etapas da evolução humana bastante diferentes e a supor
que a passagem de uma à outra tivesse sido uma mudança repentina e
revolucionária. Atualmente, contudo, admite‑se que essa transição
aconteceu de maneira gradual e combinada. Da etapa em que o homem era
inteiramente um caçador‑coletor passou‑se para outra em que começava a

40
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

executar atividades de cultivo de plantas silvestres [...] e de manipulação dos


animais [...]. Mas tudo isso era feito como uma atividade complementar da
coleta e da caça.

(VICENTINO, 2005, p. 21).

Essa modificação ocorreu dentro de um processo revolucionário, comumente denominado de


Revolução Neolítica.

Pelos conhecimentos atuais supõe‑se que a primeira atividade


agrícola tenha ocorrido na região de Jericó, num grande oásis junto
ao mar Morto, há cerca de 10.000 anos. A hipótese que atribuía ao
Egito a condição de berço da agricultura já não tem tantos seguidores.
Estabelecer uma certeza a esse respeito torna‑se difícil. Não há como
levantar uma documentação indiscutível: os trigais desapareceram
com o tempo. Só por meio de comprovações indiretas – ruínas
arqueológicas dos silos em que os cereais eram armazenados – é que
se pode tentar datar o início de uma atividade agrícola sistemática
(PINSKI, 2013, p. 45).

O fim do período de nomadismo foi acompanhado de uma grande modificação climática. A glaciação
cedeu lugar a um novo clima (temperado, na Europa, ou semiárido ou desértico, norte da África) e, com
ele, o desaparecimento dos grandes animais. A partir do momento em que a caça tornou‑se mais difícil,
o homem buscou novas técnicas para sua sobrevivência.

A associação entre uma cuidadosa observação da natureza e a relação causa–efeito (observar que
o grão que cai no chão pode germinar e produzir) foi fator circunstancial para o desenvolvimento
da atividade agrícola. Não podemos deixar de levar em consideração certa dose de casualidade e
acidentalidade que contribui com o surgimento da agricultura.

A princípio, houve o cultivo de tubérculos, depois de plantas medicinais e, por fim, o desenvolvimento
de produtos suficientes para o abastecimento do grupo.

A vida adquiriu novo significado, o homem começou a dominar a natureza, colocando‑a a seu
serviço. Grãos maiores e mais nutritivos foram desenvolvidos a partir da escolha das melhores sementes
e, até mesmo, da produção de enxertos.

A mudança foi tão significativa que damos a ela o nome de revolucionária. E alterou‑se até mesmo a
densidade demográfica, pois mais alimentos significam uma maior longevidade e melhor sobrevivência.
Consequentemente, esse homem também teve mais tempo para outras atividades que não estavam
diretamente relacionadas com a procura de alimentos.

Contudo, não podemos pensar que essa foi uma mudança brusca, mas que ocorreu de forma gradual,
como assinala Pinsky (2013, p. 51):
41
Unidade I

O conceito de revolução agrícola não deve ser entendido como o de uma


mudança estrutural em ritmo acelerado, conotação que acompanha
habitualmente a palavra revolução. Não se deve pensar que a passagem
da atividade coletora para agrícola tenha se dado de uma maneira brusca
ou através de um toque de mágica. Deu‑se, antes, por meio de um longo
processo que inclui cuidadosa percepção dos fenômenos naturais, elaboração
de teoria causa/efeito e mesmo doses de acidentalidade. Um grão caído na
terra começa a germinar e é observado em seu crescimento por algumas
mulheres que estão coletando na área: aí temos, provavelmente, o ponto de
partida da transformação”.

Se, por um lado, o avanço foi gradativo, por outro, não foi um ato isolado: povos da Índia, China,
África Tropical e América de forma lenta, porém contínua, começaram a cultivar seus alimentos.

Esses grupos cultivavam produtos que variavam em função da região ou da necessidade: trigo,
cevada, batata doce, mandioca e arroz foram as principais espécies cultivadas.

As inovações não se propagam com rapidez, dessa forma, caçadores e coletores convivem em
conjunto. Porém, a existência da atividade agrícola para um determinado grupo requer a fixação em
um determinado local, possibilitando que a natureza feche o seu círculo (semeadura, cultivo e colheita).

O local escolhido para a fixação de residência, além de ter algum curso fluvial (rios, córregos e riachos),
tinha que ter recursos para o abastecimento do grupo. Algumas vezes, o crescimento populacional ia
além dos recursos da região, provocando uma divisão interna e a busca de novas regiões. O tamanho do
grupo variava em função da produtividade da terra.

O processo de sedentarização, então, seguiu‑se de forma gradual e não necessariamente definitiva.


Mesmo de posse do conhecimento da atividade agrícola, o bando enfrentava etapas de nomadismo e de
fixação ao solo, que variava em função das necessidades mais prementes.

Vivendo nessa constante migração em busca de sua sobrevivência, o homem pré‑histórico vivenciou
uma difusão cultural. A agricultura passou a ser uma atividade irresistível e, por isso, a irradiação dessa
nova forma de sobrevivência ocorreu de forma segura em direção a um futuro que, a princípio, se
mostrava extremamente promissor.

Sem dúvida, esse foi um período de muitas mudanças, dentre elas a domesticação dos primeiros
animais. Em busca dos restos de alimentos, os lobos aproximavam‑se dos locais onde as tribos estavam
fixadas. Os seres humanos, então, aproveitando‑se dessa proximidade, começaram a utilizar alguns
desses animais para facilitar a caça. O uso feito pelo homem desse animal promoveu uma seleção
artificial, criando uma nova espécie.

O cultivo de plantas medicinais e dos alimentos necessários à sobrevivência trouxe consigo a


proximidade dos animais. À medida que se aproximavam dos homens, uns habituavam‑se ao convívio
do outro, propiciando o surgimento da atividade criadora.
42
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

O confinamento de animais também deve ter ocorrido em um processo cheio de erros e acertos.
Esse processo ocorreu por meio de um aperfeiçoamento vagaroso, conforme afirma Pinsky (2013, p. 48):
como atividade complementar, “um pequeno número de animais, [ora] alimentados por pastos naturais
em volta do aldeamento e por restos de colheita”; ora confinados e utilizados como reserva de caça.

Na medida em que a atividade pastoril começa a ganhar corpo, o homem percebe que, além do alimento,
essa atividade traz consigo inúmeras outras vantagens, como o uso do leite, do couro, da lã, dentre outros.

Essas transformações possibilitam um tempo disponível que podia ser dedicado à construção de
casas e fabricação de ferramentas que facilitavam o dia a dia. A técnica utilizada não é mais o lascamento
e sim o polimento das ferramentas após sua confecção. Logo depois, o homem descobre a metalurgia.

Então, em vez da força, é a “tecnologia” a grande auxiliar na busca da sobrevivência. O homem desce das
montanhas, sai das grutas e fixa residência onde a vida é mais fácil; no litoral ou próximo ao leito dos rios.

Surgem os primeiros aldeamentos, suas residências são feitas em material mais durável, como pedras
e adobe. Posteriormente, essas aldeias dariam origem às cidades. O vestuário se modifica, deixando de
ser exclusivamente de pele de animais: desenvolve‑se a tecelagem.

Contudo, a evolução da sociedade não ocorre de forma harmônica e organizada. Não podemos
acreditar que agricultores e criadores vivessem em paz e harmonia. Além dos conflitos inevitáveis para
salvaguardar o grupo e suas posses, é razoável acreditar que esse processo revolucionário ocorreu em
conjunto com uma diferenciação social e o surgimento de grupos que passaram a governar os demais.

As crianças, anteriormente um grande fardo para o transporte e a alimentação, se transformam em


um importante fator para a sobrevivência do grupo. A mão de obra infantil, muito provavelmente, foi
largamente utilizada.

Podemos, então, afirmar que a Revolução Neolítica, que possibilitou a sedentarização do grupo,
junto com a agricultura e a domesticação dos animais, mudou a organização do grupo, instituiu a
divisão do trabalho entre homens e mulheres e alterou a relação com o tempo.

Existia um tempo muito importante: o tempo entre a semeadura e a colheita. Provavelmente esse
era um período dedicado à cestaria, à cerâmica e à tecelagem – além, naturalmente não podemos deixar
de salientar – às atividades místicas e artísticas, nas quais esses homens se empenhavam em busca do
auxílio divino e mágico em prol de uma colheita abundante para abastecer o grupo. As pinturas e as
gravuras, assim, se modificam e surgem os monumentos megalíticos que veremos a seguir.

Exemplo de aplicação

Com a passagem do Paleolítico para o Neolítico, mudanças ocorreram em relação ao modo de vida
e às formas de sobrevivência de nossos ancestrais. Reflita a respeito dessas mudanças e de como elas
contribuíram para uma possível mudança na arte.

43
Unidade I

3 ORIGENS DA ARTE PRÉ‑HISTÓRICA

Quando surgiu a arte pré‑histórica? Foi o Homo sapiens ou o Homo sapiens sapiens que a criou?
Muito se discute em relação à origem da arte pré‑histórica e, com a constante realização de novas
pesquisas, sempre se acrescentam informações sobre o tema.

3.1 Homo sapiens e arte pré‑histórica

Quem foi o primeiro hominídeo a produzir arte? Esse é o ponto de partida para pensarmos sobre a
antiguidade da arte paleolítica. Desde a descoberta das pinturas rupestres, muito se pensou a respeito.
Os primeiros pesquisadores acreditavam que o chamado homem primitivo não possuía a capacidade
artística e intelectual do homem moderno. Depois, atribuíram toda a produção artística pré‑histórica ao
Homo sapiens, pois este teria desenvolvido uma linguagem simbólica, abstrata e articulada.

O surgimento da arte pré‑histórica como um florescer simultâneo em várias


partes do mundo tem a ver com os processos de hominização, da evolução
e o aumento da capacidade craniana, ou seja, o aumento do volume do
cérebro, que permitiria o desenvolvimento dos processos de abstração no
gênero homo. Considerando‑se que o homem tem mais de dois milhões de
anos e que a arte pré‑histórica começou há 30.000, podemos aceitar que
a arte rupestre seja “uma arte moderna”, afirmativa formulada por autores
de áreas díspares do conhecimento estético como são o pré‑historiador
Eduardo Ripoll, o pintor Juan Miró e o romancista Ariano Suassuna (MARTIN,
1996, p. 245).

Para muitos pesquisadores, o Homo sapiens sapiens teria desenvolvido essa capacidade de
expressar‑se de forma simbólica graças à evolução cerebral ocorrida com o desenvolvimento do lóbulo
frontal. Outras características físicas, como a presença de uma visão binocular (permitida em decorrência
da verticalização da face), o bipedismo (que teria possibilitado a liberação das mãos, que passaram a
ter o polegar opositor) e a posição da laringe (em decorrência de uma postura ereta) também teriam
possibilitado as representações artísticas. O homem primeiro teria conquistado o universo simbólico da
fala, para depois dominar o universo da imagem e das representações visuais. É verdade que todas essas
mudanças ocorreram e foram importantíssimas para a nossa evolução,

porém, pesquisas atuais mostram que o uso precoce de pigmentos, considerado


um dos indicadores de modernidade, ao lado de outros como a coleta e o
transporte de cristais e fósseis, perfuração e gravação de objetos portáteis
de pedra e osso, todos ligados à atividade simbólica, encontrados em sítios
do Paleolítico Médio na Europa, não é recurso específico do homo sapiens
anatomicamente moderno, contradizendo, assim o modelo de uma única
espécie para a origem da modernidade comportamental (D’ERRICO et al, 2003).
Parece ter havido aquisição gradual das modernas técnicas e habilidades
cognitivas desde o Paleolítico Inferior em diante, mas na opinião de d’Errico
et al (2003) as evidências continuam limitadas. (MAGALHÃES, 2011, p. 43)
44
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Apesar dessas descobertas, como a ocorrida em Twin Rivers (Zâmbia), que datam as pinturas
rupestres em aproximadamente 400 mil anos, ainda é consenso entre os estudiosos que a arte rupestre
como prática teria sido desenvolvida pelo Homo sapiens em torno de 40 mil anos atrás. Assim, para
eles, a generalização do uso de pigmentos e o início das primeiras imagens e representações simbólicas
seria responsabilidade desse homem moderno, como comprovariam as últimas datações em pinturas
rupestres de regiões da Espanha e da França.

Para esses pesquisadores, a capacidade de um pensamento abstrato e de criar símbolos diferenciaria


o ser humano de outras espécies e a arte rupestre seria uma forma de se utilizarem símbolos como
forma de comunicação.

A arte rupestre refere‑se a uma intervenção voluntária e definitiva nos


abrigos, com potencial para atender a diferentes finalidades. Quaisquer que
tenham sido elas, seu atendimento deu‑se também por meio da comunicação
que a materialidade dos sítios gravados ou pintados engendrava, isto é, por
meio dos significados sociais, funcionais e simbólicos eles ajudavam a criar
(RIBEIRO, 2006, p. 57).
Exemplo de aplicação

E você, o que pensa sobre isso? Reflita sobre essas controvérsias entre os pesquisadores.

3.2 A arte pré‑histórica

“É a pedra que resiste ao tempo. Ela está presente em todas as épocas e em


todas as culturas!” (Águeda Vilhena Vialou)

3.2.1 A arte pré‑histórica: sistemas de representações

Estudar arte na Pré‑história nos leva a indagar se o conceito de arte se aplica aos povos da Pré‑história.
Se entendermos arte como um processo, como nos fala Argan (1994), ligado às técnicas desenvolvidas
pela ação humana e a relação entre sua capacidade mental e de ação podemos associar essa produção
aos povos anteriores ao aparecimento da escrita.

Podemos considerar que esses povos têm comportamentos semelhantes aos nossos, como prazer
visual ou tátil, porém a palavra arte é contemporânea, não existia na época.

Desde tempos remotos, o homem representa o seu mundo e sua realidade através de imagens.
Para os seres humanos, a ordenação visual sempre esteve presente, quer de forma figurativa, quer de
forma abstrata.

Essa ordenação do mundo através de imagens, da criação de símbolos não pode ser considerada obra
do acaso, deve ser admitida como representação do comportamento simbólico e social dos grupos que
o produziram.

45
Unidade I

Uma imagem é composta de uma sintaxe própria, uma gramática visual


que organiza a sua existência e conduz a sua compreensão. Para que esta se
estabeleça, então são agrupados elementos, tais como ponto, que exerce uma
visível e grande atração sobre o olhar, raramente apresentado isoladamente,
considerado o “átomo” de toda expressão pictórica (idem, 2007, p. 7), a linha,
que constrói as formas e determina sua complexidade e ainda o plano, a cor,
a textura e o movimento, os quais podem inscrever‑se sobre os mais variados
suportes. Todas as imagens, da pintura à imagética virtual, são constituídas e
dependem da articulação destes conceitos (SOUZA, 2009. p. 428).

A humanidade sempre teve necessidade de interpretar e organizar o mundo através dos


elementos visuais.

O que leva um homem que ainda não domina técnicas que garantam sua sobrevivência de forma
adequada a externar, através de símbolos, o mundo que o cerca?

Criando uma gramática visual própria, esse homem reproduz elementos de sua realidade, de acordo
com sua visão de mundo. Trata‑se de uma produção estética que foi feita para ser vista, logo, dá
supremacia à visão e concretiza de forma plástica o mundo que os rodeia.

É a partir de uma realidade dada que esse “artista” cria um elo entre o espectador e o mundo e
estabelece uma multiplicidade de percepções e de interpretações desse mundo circundante.

A seleção das imagens não é aleatória, expressa um recorte que não é apenas pessoal, mas que
representa informações que são relevantes tanto para quem as produziu quanto para o grupo que vai
visualizar e relacionar‑se com o objeto da produção. Mesmo levando em consideração que algumas
dessas imagens foram produzidas em grutas de difícil acesso, temos o período de produção e a observação
que está relacionada, inclusive, com a pouca luminosidade do local.

É a partir da visão que reconhecemos o mundo ao nosso redor e reagimos a ele. Formamos uma
imagem mental daquilo que vemos, e é a partir dessa imagem que decodificamos o mundo.

Essa é a mais primitiva forma de comunicação.

A compreensão de uma determinada imagem será feita a partir do repertório daquele que a observa.
Os processos referenciais pessoais e do grupo são fatores determinantes para isso. A produção dessa
imagem não pode ser considerada obra do acaso, pois está inserida em um universo de representações
e significados.

Os primeiros registros de representação visual do mundo encontram‑se na Pré‑história. Nas grutas, nas
paredes das cavernas e em pedras, os homens dessa época retratavam visualmente o mundo do período.

Surge uma representação estética de uma realidade que representa os registros dos nossos
antepassados mais longínquos. No Paleolítico, temos representações naturalistas e figurativas de
46
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

extrema fidelidade ao real; no Neolítico, vemos um mundo representado de forma geométrica. Mais do
que o real, são símbolos e conceitos que se desvendam aos olhos de um observador que vê um mundo
poetizado descortinando‑se em sua frente.

Enquanto espectadores, temos a possibilidade de desvendar os códigos de produção imagética e o


processo de fruição das imagens representadas. É a partir delas que podemos descobrir a relação que o
homem estabelecia com o mundo, seus símbolos, suas crenças e sua forma de compreensão do ”real”.

Antes da escrita, houve um sistema de comunicação potencialmente


capaz de registrar e conectar a linguagem com o real. A fala, se houve,
não se manteve, mas o registro plástico pré‑histórico nos possibilita acessar,
sustentar e compreender nossa necessidade de manifestar o que entendemos
como vida, morte, futuro e conquistas (SOUZA, 2009, p. 431).

Se podemos compreender um símbolo como um conceito ou figuração de uma determinada realidade,


esse processo de figuração traz uma simbologia moral e intelectual que representa o momento em que
foi produzido. O sentido só pode ser dado se for datado no momento mesmo em que é produzido.

Quando lemos imagens – de qualquer tipo, sejam pintadas, esculpidas,


fotografadas, edificadas ou encenadas – atribuímos a elas o caráter
temporal da narrativa. Ampliamos o que é limitado por uma moldura para
um antes e um depois e, por meio da arte de narrar histórias (sejam de amor
ou de ódio), conferimos à imagem imutável uma vida infinita e inesgotável
(MANGUEL, 2006, p. 27).

Quando encontramos os primeiros vestígios de que os homens enterravam os seus mortos,


entramos em contato com o universo simbólico do comportamento do homem pré‑histórico.
Podemos, então, inferir a existência de seres que apresentavam uma vida simbólica e um sistema
de expressão e de comunicação.

Ornamentos, utensílios, armas decoradas, chifres de rena gravados, quando encontrados e


catalogados, fazem que tenhamos de admitir, de forma inexorável, a ligação desse homem com o
universo de uma arte; arte essa entendida como o processo de fruição e de percepção visual e tátil,
arte que “desencadeia um sistema de relações, que produz interlocuções e faz andarem juntas duas
modalidades de discurso: o imagético e o verbal” (MAGALHÃES, 2011, p. 40).

A presença desses objetos não é circunscrita a um único povo ou agrupamento, mas recorrente nos
mais diversos sítios arqueológicos de múltiplas e variadas regiões. Onde quer que esses vestígios sejam
encontrados, encontramos também um universo simbólico e de representações.

O arqueólogo Denis Vialou estudou esses sistemas de representações e afirmou que existem símbolos
frequentes e recorrentes que podem ser classificados em função de um tema em comum ou dos locais
em que foram elaborados. Desse modo, Vialou (2007, p. 66–71) indica quatro categorias metodológicas
para pensarmos a arte pré‑histórica. A primeira dessas categorias é a universalidade antrópica da arte
47
Unidade I

pré‑histórica e envolve a pesquisa antropológica a partir da evolução cerebral alcançada pelo homem
moderno, disperso por todos os continentes. É a partir desse momento que surgem os primeiros sistemas
de representações rupestres.

A segunda categoria é a ubiquidade natural que pressupõe a existência da arte pré‑histórica em


todos os continentes habitados pelo homem (de fato, as pinturas rupestres são encontradas em todos
eles). A terceira é a unidade das representações, que parte do pressuposto de que a arte apresenta formas
limitadas com a representação de sinais (formas geométricas) ou as representações figurativas
(formas de seres vivos). Isso ocorreria, provavelmente, devido à homogeneidade cerebral dos “artistas”
e à ubiquidade natural. A quarta e última categoria é a heterogeneidade cultural da arte pré‑histórica
e refere‑se à grande diversidade de culturas existentes no mundo do homem moderno.

Ainda segundo Denis Vialou (2005, p. 245), os sistemas de representações que existem desde o
Paleolítico Superior, apesar de serem universais, por pertencerem a uma mesma espécie, também
compõem uma identidade cultural única. Assim, como sistemas de representações simbólicas, as artes e
as línguas representam aspectos de identidade cultural dentro de uma escala temporal.

As informações contidas numa imagem, seja ela produzida por nossos


antepassados ou não, são permeadas por símbolos, tanto as imagens
representacionais que são identificadas na natureza, quanto as abstratas, que
são resultado do desapego da forma, isso é, alheios a qualquer representação
figurativa. Ambas precisam ser compreendidas, codificadas, interpretadas e,
acima de tudo, visualizadas, porque visualizar é ter a capacidade de criar
imagens mentais, etapa que possibilita avanço para um novo passo, que é
reconhecê‑la (ALVES, [s.d.], p. 71).

O que podemos afirmar com certeza é que a arte pré‑histórica é uma arte que se apropria da
natureza que cerca o homem que a produz, demonstrando o vínculo dessas sociedades com o entorno
em que viviam. Dessa forma, podemos afirmar que o “artista” pré‑histórico representou o ambiente em
que estava inserido.

Pinturas e gravuras rupestres fazem parte de [...] sistemas visuais de


comunicação. Estão constituídos por elementos gráficos que fazem
parte dos padrões de apresentação social próprios das comunidades
pré‑históricas [...] A análise desses registros visuais deverá permitir
identificar os padrões gráficos de apresentação social de seus autores
e, portanto, segregar os grupos culturais responsáveis por essas obras
gráficas (PESSIS, 2002, p. 30).

A arte pré‑histórica, portanto, representa, entre outras coisas, a expressão das sociedades desse
período a partir de sua complexidade cultural e de sua relação com o seu entorno.

48
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Exemplo de aplicação

Reflita sobre o significado do sistema de representações da arte pré‑histórica.


3.2.2 A arte rupestre: definições e temáticas

O que é arte rupestre? O que induziu o homem pré‑histórico a produzir arte rupestre? Existe uma
arte rupestre? Essas são questões que, apesar de sua aparente simplicidade, geram muita polêmica até
mesmo na atualidade.

Alguns arqueólogos defendem que o termo arte para a Pré‑história seria equivocado. Para esses
pesquisadores, nas sociedades pré‑históricas não haveria um artista e, portanto, não existiria arte.

Porém, muitos são os estudiosos que defendem o conceito de arte rupestre e os arqueólogos que se
interessam por esses registros.

O arqueólogo não poderá ignorar os registros rupestres na sua dimensão estética,


considerando‑se a habilidade manual e o poder de abstração e de invenção
que levaram o homem a usar recursos técnicos e operativos nas representações
pictóricas pré‑históricas. Por muito que o arqueólogo queira inibir‑se da valorização
estética do registro rupestre, procurando utilizá‑lo apenas como uma parte do
contexto arqueológico, como ser humano sensível ao seu entorno, valorizará
também o seu conteúdo ”artístico”. Se assim não fosse, não se teriam intensificado
as pesquisas arqueológicas precisamente nas regiões onde os achados rupestres
se apresentavam com maior beleza e conteúdo estético (MARTIN, 1996, p. 235).

Apesar de muitos pesquisadores utilizarem termos como registros rupestres ou grafismos, a


expressão arte rupestre ainda é a mais comum, devendo ser mantida, principalmente, quando se parte
do pressuposto de que arte é “o conhecimento de regras que permitem realizar uma obra perfeitamente
adequada à sua finalidade” (GASPAR, 2003, p. 10).

Lembrete

Como já definimos, arte rupestre são todas as representações gráficas


feitas em paredes de cavernas pelos homens da Pré‑história.

Mas desde quando os pesquisadores se preocuparam em analisar a arte rupestre? Do século XV até
meados do século XX essas representações foram, basicamente, analisadas como arte pela arte, sendo
ignoradas como fonte de informação sobre os povos que as produziram. Somente a partir dos trabalhos
de Laming‑Emperaire e Leroi‑Gourhan é que se iniciou uma discussão em torno da necessidade de se
criar uma metodologia de estudo da arte parietal e se defendeu a existência de uma estruturação lógica
para as representações rupestres das cavernas da França, especialmente Lascaux e Chabot.

49
Unidade I

Observação

Arte parietal é outra expressão utilizada para as pinturas e gravuras rupestres.

Assim, as análises das representações rupestres procuraram compreender o homem e o mundo que
as produziram.

As populações humanas que constituíram suas singularidades culturais


antes do período da escrita alfabética fizeram das imagens grafadas seu
código de comunicação predominante, entre os grupos culturais da época
em que viveram. Num artifício de duplicar, no sentido de representar, os
utensílios, os animais e o próprio indivíduo, essas populações acabaram por
nos legar uma forma de comunicação cujos contextos e detalhes foram e
continuam sendo um enigma a ser decifrado (ALVES, [s.d.], p. 69).

A interpretação da arte pré‑histórica sempre foi motivo de muita polêmica, e todos os pesquisadores
desse período, de uma forma ou outra, abordaram seu significado e sua função. A maior parte das
interpretações, contudo, era vaga, e durante boa parte do século XX, os pré‑historiadores buscavam em
sociedades contemporâneas respostas para as questões da Pré‑história, ignorando, geralmente, as
especificidades de cada povo e de cada realidade.

Ao longo do século XIX e início do século XX, entretanto, surgiram algumas interpretações balizadas
pela concepção evolucionista de mundo. Essas interpretações defendiam, principalmente, a ideia da
“arte pela arte”. Segundo essa teoria, o homem do Paleolítico teria muito tempo livre em períodos como
o inverno, quando não ocorreria a caça. Assim, esse homem teria se preocupado em enfeitar o entorno
em que vivia durante o seu tempo livre.

Como vimos anteriormente, essa linha de interpretação foi questionada em meados do século XX
pelo trabalho de alguns pesquisadores franceses. Leroi‑Gourhan foi um dos primeiros a defender uma
linha estruturalista para a interpretação da arte pré‑histórica. Assim como esse autor,

Laming‑Emperaire enxerga o dualismo em relação aos gêneros masculino e


feminino nas pinturas do conjunto franco‑cantábrico e introduz a ideia de
uma ordem em sua disposição no espaço dos abrigos ou cavernas em que
foram realizadas (MAGALHÃES, 2011, p. 30).

Atualmente, a análise da arte rupestre é realizada por novos campos de interpretação, como o
estudo de gênero e de fenômenos astronômicos, biológicos e acústicos. Porém, apesar disso, a hipótese
mais corrente ainda é a que defende uma finalidade mágica para essas pinturas e gravuras relacionadas
com rituais que tinham o objetivo de garantir a sobrevivência do grupo.

50
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

O homem do Paleolítico Superior desconhecia a agricultura e a criação de animais. Vivia na incerteza


de uma boa caçada, dependente da sorte e das inclemências do tempo para a garantia de seu sustento.
Representar animais significava possuí‑los, propiciando a caça necessária.

[...] o pintor‑caçador do Paleolítico supunha ter poder sobre o animal desde


que possuísse sua imagem. Acreditava que poderia matar o animal verdadeiro
desde que o representasse ferido mortalmente num desenho. Assim, para
ele, os desenhos não eram representações de seres, mas os próprios seres
(PROENÇA, 2000, p. 11).

Dessa forma, a representação possuía o poder de aprisionar o animal, e, ao pintá‑lo, o caçador


praticamente convocava a caça, possibilitando que a capturasse com maior facilidade.

Nesse sentido, é significativa a presença de pinturas de animais atravessados com flechas. Além
disso, acredita‑se que se utilizava a imagem para assegurar a morte do animal mais difícil de capturar
ou para proteger‑se contra seus ataques. Por isso, na Europa, era comum a presença dos bisões na arte
rupestre, enquanto os cervos, principal fonte de alimentação segundo os vestígios encontrados nessa
região, está praticamente ausente, pois eram “fáceis de caçar”. Sob essa perspectiva de interpretação, a
caverna adquire o papel de santuário.

Não é amor realístico pelas formas dos animais, para com suas massas
plásticas, ou seus atos irrompentes, o que impele o homem do Paleolítico a
fixar‑lhes a imagem. É, porém, a fome; a terrível fome, individual e coletiva, de
uma humanidade que da caça obtém os meios de subsistência. A figuração,
como ato mágico, se acrescenta aos métodos de caça, à pederneira, às
armadilhas (PISCHEL, 1996, p. 12).

Como vimos, existe uma grande discussão acerca das interpretações da arte rupestre. Não podemos
esquecer que o ser humano é complexo, então, por que deveria ser simples analisar sua produção?
Um consenso, porém, entre os pesquisadores atuais é que, independentemente da linha interpretativa,
a análise de uma pintura ou gravura em rocha não pode ser feita de uma maneira isolada, mas sim
levando‑se em conta todo o contexto em que ela é encontrada.

Além disso, apesar de todas essas controvérsias, devemos nos lembrar de que o artista do Paleolítico
e do Neolítico

[...] que retratou nas rochas os fatos mais relevantes da sua existência, tinha,
indubitavelmente, um conceito estético de seu mundo e da sua circunstância.
A intenção prática da sua pintura podia ser diversificada, variando desde
a magia ao desejo de historiar a vida de seu grupo, porém, de qualquer
forma, o pintor certamente desejava que o desenho fosse ”belo” segundo
seus próprios padrões estéticos. Ao realizar sua obra, estava criando arte
(MARTIN, 1996, p. 235).

51
Unidade I

Assim, quais foram os elementos dignos de registros para os homens pré‑históricos? Como visto
anteriormente, o repertório do homem desse período envolvia a natureza que o cercava, tornando a
temática da arte rupestre mundial homogênea.

A principal temática presente nesse tipo de acervo é representada na maioria


das vezes por animais, seres humanos, desenhos geométricos e imagens
representando plantas, as quais são denominadas imagens “fitomortas”
(MARTIM, 1999). As figuras que representam desenhos de animais são
encontradas em abundância em determinadas regiões; em outras há uma
maior diversidade, aparecendo, além das representações de animais, figuras
humanas e geométricas, plantas e objetos [...] sendo que as representações
de animais são as que aparecem sendo desenhadas por um período de tempo
mais extenso (ALVES, s.d., p. 62).

A presença de figuras humanas, de animais, sinais geométricos e símbolos da natureza, como o Sol e
a Lua, são, portanto, elementos comuns na arte parietal das grutas e cavernas encontradas na Espanha,
na França, em Portugal, na África e no Brasil, entre outros países ao redor do mundo.

Na Europa, por exemplo, é comum a presença de imagens de bisões, cervos, cavalos, renas, cabras,
javalis e ursos representando o universo vivido por estes homens.

As cenas de caçada também são uma temática constante na arte rupestre mundial, demonstrando,
mais uma vez, segundo os pesquisadores, a preocupação do homem com a sua sobrevivência.

Exemplo de aplicação

Várias teorias de interpretação da arte rupestre foram apresentadas. Reflita sobre elas e escolha a
que você considera a mais indicada. Feito isso, tente interpretar a imagem.

Figura 34 – Gruta de Lascaux

52
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

4 A ARTE PRÉ‑HISTÓRICA DOS SÍTIOS INTERNACIONAIS: PINTURAS,


GRAVURAS, ESCULTURAS E ARQUITETURA

Em que regiões aparece a arte pré‑histórica? A arte pré‑histórica, como comentado anteriormente,
aparece em todos os continentes, com exceção da Antártida. O maior número de sítios existe no
continente africano. A Austrália é outro território rico em arte rupestre (região de Laura, Pilbara e terra
de Arnhem – Parque Nacional de Kakadu). Na Ásia, encontramos sítios na China, na Ásia Central, no
Oriente Médio e na Índia. O continente americano apresenta sítios de norte a sul. No Brasil, acredita‑se
que os sítios de São Raimundo Nonato, no Piauí, sejam os mais antigos.

As grutas e cavernas europeias ainda hoje são as mais estudadas. A descoberta e as análises
desses locais fizeram que, durante muitos anos, essa arte rupestre fosse considerada a mais antiga.
Por isso, as informações e as interpretações realizadas na Europa foram norteadoras de todas as
demais pesquisas.

Saiba mais

PESQUISADORES descobrem na África do Sul oficina de pinturas


pré‑históricas. R7, 13 out. 2011. Disponível em: http://noticias.
r7.com/tecnologia‑e‑ciencia/noticias/pesquisadores‑descobrem
‑na‑africa‑do‑sul‑oficina‑de‑pinturas‑pre‑historicas‑20111013.html.
Acesso em: 26 mar. 2014.

4.1 As pinturas e gravuras rupestres da Europa: Espanha e França

Se pensarmos na história da humanidade, o descobrimento das pinturas rupestres é relativamente


recente, pois foi somente no final do século XIX que se encontraram pela primeira vez exemplos dessas
representações paleolíticas e neolíticas. Na realidade, desde o século XVI, existem registros de “achados”
de pinturas e gravuras parietais, porém foi durante o século XIX que relacionaram, pela primeira vez,
essas pinturas com os homens pré‑históricos.

Em 1879, Marcelino Sanz de Sautuola escavava com sua filha de sete anos em busca de vestígios
pré‑históricos, quando descobriu, por acaso, as cenas de animais que recobriam o teto da gruta de
Altamira, no município cântabro de Santillana del Mar, Espanha. Apesar de defender que os desenhos
tinham sido feitos pelas mãos dos homens da Pré‑história, morreu em 1888 sem conseguir que se
reconhecesse o seu achado. Para muitos, essas pinturas eram meras falsificações ou a obra de pastores
da região que haviam vivido durante a Idade Média.

As descobertas das grutas de Altamira, seguidas pelas descobertas das pinturas e gravuras parietais
na França, levaram a comunidade científica do final do século XIX e começo do século XX a analisar essas
representações como produções do homem pré‑histórico. A partir daí, as descobertas foram sucessivas,
e a última grande descoberta ocorreu em 1994, na França.

53
Unidade I

Já sabemos que foi durante o Paleolítico que surgiram as primeiras representações de arte rupestre,
mas como analisar essa arte rupestre? Todas as cavernas e grutas encontradas apresentam desenhos da
mesma época?

Um dos aspectos mais importantes para a análise da arte rupestre é o processo de datação.
Muitas vezes, os arqueólogos recorrem às escavações em busca de vestígios que permitam uma
datação absoluta (aquela que utiliza o carbono 14, que é um método radioativo de análise). Para
isso, buscam pigmentos, instrumentos usados nas pinturas ou restos de carvão. Uma das técnicas
usadas atualmente é a chamada radiocarbônica, que mistura materiais na preparação de amostras de
carbono. Como essas técnicas de datação são muito recentes, no início, a interpretação dos desenhos
era o método mais utilizado para analisá‑las. Porém, como vimos anteriormente, nem sempre houve
consenso nas interpretações.

Os pesquisadores, para facilitar os estudos, dividiram o Paleolítico em períodos e organizaram uma


classificação levando em consideração a antiguidade dos vestígios encontrados e as técnicas utilizadas
pelos homens para a elaboração de suas ferramentas.

Assim, podemos afirmar que existiam várias culturas paleolíticas, sendo a aurignaciana a mais antiga
(40 mil a.C. – 28 mil a.C.). Foi durante essa época que começaram a ser produzidas as primeiras imagens
e representações simbólicas. A cultura aurignaciana foi sucedida pela cultura gravetiana (28 mil a.C. –
20 mil a.C.), que, por sua vez, foi sucedida pela solutreana (20 mil a.C. – 10 mil a.C.), que apresenta uma
quantidade significativa de gravuras, e, por fim, a última seria a magdaleniana (10 mil a.C. – 5 mil a.C.)
com pinturas como as encontradas em Niaux, França.

Observação

Não podemos esquecer que toda classificação sofre variações


dependendo das pesquisas realizadas, ainda mais quando trabalhamos com
um período tão longo como a Pré‑história e que apresenta apenas vestígios
de cultura material para a análise.

Durante o período aurignaciano, os desenhos apresentam traços simples realizados, entre outras
técnicas, com os dedos em argila mole. No repertório desse período, a presença de animais era comum,
e eram pouco frequentes as representações humanas.

Outra representação desse período são as pinturas de mãos encontradas em grutas como a de
Gargas, nos Pirineus franceses.

Não sabemos se, e até que ponto, o motivo rupestre da impressão da mão
aberta, contornada, se reveste de significado mágico, como acontece com
a maior parte das figurações do Paleolítico. Em todos os tempos, a arte
apreciará a figuração da mão: raramente, porém, conseguirá a sugestão
destas, que são gritos de presença e de conquista. Assinalando a meta
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ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

de uma longa evolução biológica, são revelações conscientes do Homo


sapiens, do Homo faber, o qual, com sua inteligência, sabe reagir em face
de um ambiente natural inóspito e adverso e usa a mão como recurso para
vencê‑lo e dominá‑lo. Trabalhos duros e árduos, no problema elementar da
sobrevivência, afligiram, mais do que em qualquer outro tempo, estas mãos.
Mas já aparece nítida a mão do homem (PISCHEL, 1996, p. 11).

Essas marcas de mãos apareciam em positivo ou negativo, dependendo da técnica utilizada. Quando
as mãos eram apoiadas cheias de tinta nas paredes, o efeito conseguido era denominado mãos em
positivo. A técnica utilizada para se obter as chamadas mãos em negativo era a seguinte:

“Após obter um pó colorido a partir da trituração de rochas, os artistas o sopravam, através de um canudo,
sobre a mão pousada na parede da caverna. A região em volta da mão ficava colorida e a parte coberta, não.
Assim, obtinha‑se uma silhueta da mão, como num filme em negativo” (PROENÇA, 2000, p. 12).

Para muitos, foi somente depois de dominar a técnica das mãos em positivo e em negativo que o
artista do Paleolítico passou a, efetivamente, desenhar, pintar e gravar nas paredes das grutas e cavernas.

Saiba mais

Para visualizar exemplos de mãos em negativo e saber um pouco mais


sobre elas, acesse o site:

GERSCHENFELD, A. Os neandertais poderão ter sido os primeiros


artistas das cavernas. Publico, 14 jun. 2012. Disponível em:
https://www.publico.pt/ciencia/noticia/os‑neandertais‑poderao
‑ter‑sido‑os‑primeiros‑artistas‑das‑cavernas‑1550349. Acesso em: 26
mar. 2014.

Partindo da hipótese interpretativa que considera que a arte rupestre possuía uma função mágica e
que, ao executá‑la, o homem garantia uma caça abundante para seu grupo, uma questão é levantada:
o homem teria a única intenção de matar com a sua arte, ou também buscaria criar animais?

Isso ajudaria a explicar o incrível realismo dessas imagens, pois um


artista que acredita estar realmente “criando” um animal tem maiores
probabilidades de lutar por essa qualidade do que outro que simplesmente
produzisse uma imagem para ser morta. Algumas das pinturas das cavernas
dão‑nos até mesmo uma indicação dessa magia de fertilidade: a forma de
um animal frequentemente parece ter sido sugerida pela formação natural
da rocha, de forma que seu corpo coincida com uma saliência ou que seu
contorno siga um veio ou fenda. Um caçador da Idade da Pedra, com a
mente repleta de pensamentos sobre as grandes caçadas das quais dependia

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Unidade I

para sobreviver, muito provavelmente reconheceria tais animais entre as


superfícies rochosas de sua caverna e atribuiria um profundo significado à
sua descoberta (JANSON; JANSON, 1996, p. 16).

Tudo isso, porém, são possíveis interpretações sobre a arte rupestre. O que podemos afirmar é que
a principal característica da arte rupestre do Paleolítico é o naturalismo, ou seja, o realismo de suas
representações. Além disso, outra característica da arte parietal paleolítica é o fato de os desenhos
serem feitos em grutas e cavernas de difícil acesso.

Ao falarmos de pinturas e gravuras rupestres na Europa, devemos, sem dúvida nenhuma, destacar aquelas
encontradas na região franco‑cantábria, pois, desde sua descoberta, muito se avançou em suas análises.

Figura 35 – Vestígios da arte pré‑histórica encontrados na Europa Ocidental

Observação

O termo pintura franco‑cantábria refere‑se às pinturas que são


encontradas na França (Dordogne, Lascaux) e no norte da Espanha (Altamira).

Mais uma vez, destacam‑se o naturalismo das imagens e a capacidade do homem do Paleolítico
de recriar a natureza que o cerca. Geralmente, os bisões são representados com traços que apresentam

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ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

força e movimento, mas, “nas imagens que representam renas e cavalos, os traços revelam leveza e
fragilidade” (PROENÇA, 2000, p. 12).

Nas pinturas rupestres franco‑cantábricas, como nas demais representações parietais do Paleolítico,
algumas características comuns são perceptíveis, sendo o naturalismo uma delas, com as figuras de
animais isoladas sem formar cenas. Outra característica se refere às cores utilizadas, que variam da
monocromia à policromia. Os homens pré‑históricos utilizavam o preto, que conseguiam a partir
do carvão vegetal, e cores como o amarelo e o vermelho, que obtinham do óxido de minerais. Esses
pigmentos naturais eram mesclados com gordura animal e se utilizavam, provavelmente, os dedos e
pincéis feitos de penas e pelos para a pintura. Além disso, era comum que os artistas se aproveitassem
das reentrâncias e das saliências das paredes para realizar as pinturas, encontradas, principalmente, nas
áreas pouco iluminadas do fundo das cavernas e grutas.

As famosas grutas de Altamira apresentam pinturas dos períodos aurignaciano e magdaleniano.


Provavelmente os artistas dessa gruta tenham utilizado inúmeras técnicas para os seus desenhos,
sendo comum a sobreposição ou a presença de figuras inacabadas. Acredita‑se que muitos “pintores”,
inicialmente, com o auxílio de uma pedra afiada, gravassem sobre a parede da gruta a figura que
desejavam. Na sequência, contornavam o desenho com carvão e o coloriam com os pigmentos nas
cores vermelho, ocre e marrom obtidos a partir do óxido de ferro.

A temática mais frequente nas pinturas de Altamira é o bisão. Ele aparece em variadas posições: em
repouso ou em movimento, com a cabeça voltada para o lado, mugindo e em outras posturas. Outros animais
também impressionam por seu realismo, como os cavalos, cervos e mamutes. Seu conjunto de pinturas é
muito impressionante e é o que fez essa gruta ganhar o título de “Capela Sistina da arte quaternária”.

Saiba mais

Para obter mais informações, visite o site da gruta de Altamira,


na Espanha:

http://museodealtamira.mcu.es/El_Museo/index.html.

Outra gruta que também impressiona pelas figuras representadas é Lascaux. As pinturas dessa gruta
demonstram diversas técnicas, desde as figuras monocromáticas, passando pelas bicromáticas (nas quais
se destacam as combinações amarelo e preto, vermelho e preto) e pelas policromáticas, com destaque
para vermelho, amarelo e preto.

A gruta de Lascaux, no sul da França, foi descoberta em 1940, por Marcel Ravidat, que passeava uma
tarde com seu cachorro pelos arredores. Como não conseguiu entrar num primeiro momento, voltou
dias depois, acompanhado por amigos, e, juntos, finalmente entraram na cova. Qual não foi a surpresa
dos rapazes quando, avançando pela gruta, chegaram a uma galeria estreita e, ao levantar a lanterna
viram que o teto estava cheio de representações de cavalos e touros? Impressionados com o achado,

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Unidade I

avisaram a um professor aposentado da região que, por sua vez, entrou em contato com o abade Henri
Breuil, uma das maiores autoridades em arte paleolítica da época.

Henri Breuil, ao iniciar seus estudos de Lascaux, chamou‑a de “Altamira francesa” e acreditava
que as pinturas e gravuras parietais encontradas na gruta fossem do período aurignaciano, porém as
pesquisas posteriores comprovaram que as figuras eram do final do Paleolítico Superior, ou seja, do
período magdaleniano. A temática comum é a presença de animais, com uma grande frequência de
cavalos, touros e bisões.

No sul da França, encontramos a gruta de Niaux, uma das mais famosas do mundo. As pinturas,
pertencentes ao período magdaleniano, destacam‑se pela sua policromia e pelo uso do carvão
e do óxido de ferro. A temática presente nas representações são animais como cavalos, cabras,
bisões e cervos.

Em Niaux, existe uma grande sala circular subterrânea chamada de Salão Negro, onde a arte parietal
se caracteriza pela presença de figuras delineadas em negro e policromáticas. Uma dessas figuras retrata
um bisão ferido por flechas com os traços negros delineados com grande efeito realista.

Figura 36 – Bisão ferido por flechas, Niaux, sul da França

Apesar de diversas grutas com arte parietal terem sido encontradas na região francesa de
Ardèche desde o século XIX, essas figuras não despertaram o mesmo interesse que aquelas da região
franco‑cantábrica. Porém, isso mudou quando, em 1994, três amigos descobriram uma gruta que
recebeu o nome de Chauvet.

O nome Chauvet foi uma homenagem a uma das descobridoras da gruta. Jean‑Marie Chauvet, e seus
amigos Éliette Brunel e Christian Hillaire, espeleólogos amadores, resolveram explorar as cavernas do
chamado círculo d’Estre, na região do rio Ardèche. Em expedições anteriores, haviam achado uma cavidade
pequena que apresentava uma corrente de ar. Desta feita, contudo, resolveram verificar se era ou não a
entrada de uma gruta. Quando finalmente o grupo entrou na gruta, realizou uma inspeção prévia, e ficou
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ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

óbvio para todos que aquele lugar, provavelmente, servira de abrigo para homens pré‑históricos. Porém, a
grande emoção só ocorreu quando pensavam em sair do local, pois uma das pessoas do grupo iluminou
as paredes, e eles puderam visualizar as pinturas e gravuras rupestres representadas com tanto realismo.

Logo que as autoridades francesas foram notificadas e os primeiros pesquisadores, como o


pré‑historiador Jean Clottes, chegaram à gruta para analisar a datação e a autenticidade das figuras, o
sítio foi fechado para o público. Isso ocorreu devido a uma preocupação, por parte dos envolvidos, com
a conservação do local, pois pretendiam evitar os danos que haviam ocorrido com algumas das pinturas
encontradas em Lascaux e Altamira devido a agressões bioquímicas, como a presença do gás carbônico,
relacionadas com a grande presença humana decorrente do turismo.

Além de ser o último descobrimento em relação a sítios de arte rupestre, o que mais ocasionou o
repentino interesse dos pesquisadores pela gruta? O que o fez foram as datações iniciais com carbono 14,
que comprovaram que as pinturas e gravuras não eram do período áureo da arte rupestre, como se
pensava pelas análises interpretativas – ou seja, não eram do final do Paleolítico Superior, mas sim dos
primórdios dessa arte durante o período aurignaciano.

As datações a partir dos carvões vegetais presentes nas pinturas e nos resíduos de tochas da gruta
comprovaram que o local fora ocupado em dois momentos pelos homens do Paleolítico. A primeira
ocupação teria ocorrido em torno do período de 32.000 a.C. a 29.000 a.C. A segunda ocupação, por sua
vez, seria do período que de 27.000 a.C. a 24.500 a.C. Essas ocupações englobariam então os períodos
aurignaciano e gravetiano.

Apesar dessa datação com o carbono 14, a discussão sobre a antiguidade desse sítio continuou
sendo resolvida somente em 2012, quando as pesquisas geológicas comprovaram que a entrada da
gruta tinha sido vedada por um terremoto há mais de 21 mil anos.

A arte rupestre da gruta de Chauvet é, atualmente, a representação humana mais antiga da Europa.
Esse status permanece, pelo menos, até que se faça uma nova datação radioativa da arte parietal da
gruta de El Castillo, na Espanha, a que se tem atribuído, inicialmente, uma idade de 40 mil anos.

Lembrete

Não podemos esquecer que o estudo da Pré‑história baseia‑se,


principalmente, em hipóteses que podem sofrer alterações de acordo
com novas pesquisas. Assim, toda temática desse período histórico é
aberta ao debate.

Mas por que tanta polêmica em torno da datação desse sítio de arte rupestre?

Toda essa discussão deve‑se ao realismo, à elegância dos traços, ao sombreamento e ao dinamismo
das imagens que levaram os pesquisadores a classificarem essa arte rupestre como contemporânea de
Altamira e Lascaux.
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Unidade I

O dinamismo e o realismo das representações são tão surpreendentes que podemos imaginar a cena
de criação dessa arte: o artista paleolítico, com a ajuda de tochas para iluminar seu caminho, adentra
a gruta e, ao encontrar o local ideal, pinta e grava animais de seu cotidiano. A possibilidade de que a
gruta seja local de hibernação de ursos durante o inverno não desanima; ao contrário, parece ser fonte
de inspiração, como mostra a figura do urso desenhado na parede da gruta.

Figura 37 – Urso desenhado na caverna de Chauvet

Como podemos observar na figura do urso, o artista lidava com o movimento e a perspectiva.
Aproveitava‑se das saliências e reentrâncias das paredes para conseguir o volume e representar a
musculatura das figuras, recriando o movimento e a ação.

Na pintura, os materiais mais usados eram o carvão, a argila vermelha e outros pigmentos minerais,
sendo as cores mais comuns o preto, o vermelho e o amarelo. Uma técnica utilizada nesse local era a
raspagem da superfície parietal até surgir uma camada mineral branca, onde os gravadores talhavam
com pedras as figuras por eles escolhidas, ou alguns pintores realizavam seus desenhos.

Muitas figuras eram diretamente esboçadas nas paredes com carvão vegetal sem a raspagem prévia.
Havia uma variedade de animais representados, como mamutes, cavalos, rinocerontes, leões, cervos
gigantes (megáceros), ursos e até mesmo representações únicas no mundo, como panteras e corujas.
Outra temática identificada foi a representação de mãos, principalmente, as que utilizavam a técnica de
passar tinta na parede e depois apoiar as mãos de modo que deixassem uma impressão.

Além de questionar a hipótese do avanço linear no processo artístico, outro questionamento


que se estabelece refere‑se ao debate antropológico, pois teriam sido esses artistas neandertais ou
Cro‑Magnon? Ambos habitavam a região no primeiro período de ocupação da gruta. A tendência
entre os pesquisadores é defender que essa produção foi levada a cabo pelo homem de Cro‑Magnon.
Além disso, os pesquisadores defendem a ideia de que esses homens da cultura aurignaciana foram os
responsáveis pelo desenvolvimento das técnicas.

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ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Saiba mais

Para saber outras informações sobre Chauvet, veja os textos:

AGENCE FRANCE‑PRESSE. Pigmento de pinturas rupestres


é usado para blindar sonda espacial. Estado de Minas, Belo
Horizonte, 26 mar. 2014. Disponível em: http://www.em.com.br/app/
noticia/internacional/2014/02/12/interna_internacional,497770/
pigmento‑de‑pinturas‑rupestres‑e‑usado‑para‑blindar‑sonda‑espacial.
shtml. Acesso em: 26 mar. 2014.

FEIX, D. Cineasta Werner Herzog usa 3D para investigar arte pré‑histórica.


Zero Hora, 27 fev. 2013. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/
rs/cultura‑e‑lazer/segundo‑caderno/noticia/2013/02/cineasta‑werner
‑herzog‑usa‑3d‑para‑investigar‑arte‑pre‑historica‑4057953.html. Acesso
em: 26 mar. 2014.

E no Neolítico, com todas as mudanças que ocorreram, a arte continuava igual à do Paleolítico?

A pintura do Neolítico é marcada por representações estilizadas ou simbólicas, ao contrário


do naturalismo do Paleolítico. A figura humana aparece mais frequentemente e se representam
cenas de caça e de dança. Outra característica é que essas pinturas são, predominantemente,
monocromáticas, com predomínio do vermelho, embora também existam algumas em preto e
branco. Primeiro faziam o contorno do desenho e depois o preenchiam completamente. Outra
característica é que essas pinturas foram realizadas ao ar livre, em abrigos rochosos, ao contrário
das pinturas e gravuras do Paleolítico.

Mas não foi apenas a maneira de desenhar e pintar que sofreu modificações.
Os próprios temas da arte mudaram: começaram as representações da
vida coletiva. Como as pessoas passaram a serem representadas em suas
atividades cotidianas, um novo problema se colocou para o artista: dar ideia
de movimento através da imagem fixa [...]. E o artista do Neolítico conseguiu
isso de maneira eficiente, como se pode notar nas pinturas de cenas de
danças coletivas, possivelmente ligadas ao trabalho de plantio e de colheita.

A preocupação com o movimento fez com que os artistas criassem figuras


leves, ágeis, pequenas e de pouca cor. Com o tempo, essas figuras foram
se reduzindo a traços e linhas muito simples, que comunicavam algo para
quem as via. Desses desenhos surge, portanto, a primeira forma de escrita, a
escrita pictográfica, que consiste em representar seres e ideias pelo desenho
(PROENÇA, 2000, p.14).

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Unidade I

Na região chamada de Levantino Espanhol, que engloba lugares como Valência, Castellón, Alicante,
Teruel, Lérida e Barcelona, entre outras, existe uma expressiva representação de arte rupestre que
data do final do Paleolítico e do Neolítico. Assim, a arte rupestre dessa região apresenta as principais
características da pintura neolítica citadas anteriormente. As representações levantinas esquematizam
a figura a tal ponto que podem ser reduzidas a ideogramas. O ser humano, muitas vezes, é representado
com traços que aludem à cabeça, ao tronco e às extremidades.

Mas não há uma norma que tenha validade universal para explicar a arte
esquemática: em cada cova ou em cada abrigo há soluções diferentes, o que
não impede estabelecer nexos ou círculos artísticos. Os paralelismos podem
ser fixados no campo da cor [...], nos recursos utilizados para sintetizar as
figuras, no ritmo das composições [...].

As pinturas neolíticas estão já muito perto dos esquemas que deram vida
às primeiras formas de escritura de algumas culturas (LOPERA, 1995, p. 26).

Figura 38 – Pintura estilizada

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ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Figura 39 – Ideia de movimento através da imagem fixa

Assim, o caminho da arte rupestre é longo, percorrendo um trajeto que vai do naturalismo e de uma
representação da realidade até as figuras esquemáticas quase abstratas, antecipando nossa tendência
contemporânea ao abstracionismo.

Saiba mais

Na atualidade, é comum um paralelo entre arte rupestre e grafite (tipo


de pintura mural). Para saber um pouco mais sobre essa arte contemporânea
comum em grandes metrópoles, leia:

CZAPSKI, R. Graffiti SP. São Paulo: Ricardo Czapski, 2013.

Exemplo de aplicação

Escolha uma imagem de arte rupestre do Paleolítico e uma do Neolítico e compare‑as, descrevendo
as características presentes em cada uma.

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Unidade I

4.2 A escultura, a arquitetura e a cerâmica pré‑históricas

Além da arte rupestre, o homem pré‑histórico desenvolveu a produção de esculturas e, posteriormente,


da cerâmica e da escultura.

O nosso homem do Paleolítico, preocupado em levar adiante a aventura de sua sobrevivência,


desenvolveu uma arte mobiliária, ou seja, pequenas estátuas que carregava consigo durante suas
migrações. Esses artefatos, provavelmente, estivessem relacionados ao culto de fertilidade e, mais uma
vez, representavam simbolicamente a realidade dos nossos ancestrais.

Acredita‑se que o homem pré‑histórico desse ênfase ao corpo feminino, pois ele representava a
fecundidade. Estátuas com formas femininas foram encontradas em quase todos os lugares por onde
ele passou.

Por serem representações femininas, essas estátuas receberam a denominação de “Vênus”. Eram
pequenas, mais ou menos do tamanho da palma da mão. Sobre o assunto, afirma Proença (1995, p.
12): “Predominam as figuras femininas com a cabeça surgindo como prolongação do pescoço, seios
volumosos, ventre saltado e grandes nádegas”.

Assim, todas apresentam um estilo comum: o corpo feminino é apresentado com um grande realismo
anatômico, apesar de exagerado, e o rosto está praticamente ausente ou é pouco detalhado. A mínima
preocupação com o rosto, as pernas e os braços contribui para a hipótese de que essas figuras fossem
realmente ligadas ao culto da fertilidade.

Esculpidas em marfim, madeira, pedra e ossos ou modeladas em terracota, por suas dimensões tão
pequenas, as estátuas podiam ser facilmente transportadas e, consequentemente, difundidas por esse
homem nômade que buscava na caça e na coleta a sua forma de sobrevivência.

Saiba mais

Para saber mais sobre acerca do assunto, acesse:

ARQUEÓLOGOS encontram a mais antiga oficina para trabalhos


em marfim. Veja, São Paulo, 26 set. 2012. Disponível em: http://
veja.abril.com.br/noticia/ciencia/arqueologos‑encontram‑a‑mais‑
antiga‑oficina‑para‑trabalhos‑em‑marfim. Acesso em: 26 mar. 2014.

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ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Figura 40 – Vênus de Lespugue, França (réplica) Figura 41 – Vênus de Brassempovy, França (réplica)

Figura 42 - Vênus de Willendorf, Áustria Figura 43 - Vênus de Willendorf, Áustria

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Unidade I

Como podemos perceber, a presença de representações masculinas é raríssima nas esculturas do


Paleolítico. Assim como existe uma grande discussão em torno da representação da arte rupestre, o
mesmo acontece com a escultura: existem hipóteses defendendo que a presença predominante dessas
estátuas femininas representaria a importância do papel da mulher na organização do grupo; outras
afirmam que essas estátuas com os exagerados traços femininos reforçariam a existência de uma
divisão de trabalho entre homens e mulheres e que o papel feminino seria somente o de procriação.
Não podemos provar nenhuma delas, porém a hipótese mais aceita é a de que essas estátuas estariam
relacionadas aos rituais de fertilidade.

Um grande destaque da arte pré‑histórica ocorre a partir do Neolítico e é a presença da arquitetura,


como comentado anteriormente.

As mudanças ocorridas durante o Neolítico possibilitam o aumento demográfico e, posteriormente,


o aumento da força de trabalho. A partir desse nosso ancestral Homo sapiens sapiens, que descobre a
agricultura e a domesticação dos animais, o sedentarismo acaba por se impor. Desse modo, esse homem
não precisa mais dedicar todo o seu tempo às atividades de produção, pois passa a ser produtor do seu
alimento e a garantir sua sobrevivência.

Além do tempo conquistado por não precisar mais buscar a subsistência de modo tão desgastante,
esse nosso antecessor não precisa mais mudar‑se com regularidade. Pode, então, passar a pensar na
construção de moradias utilizando matérias mais resistentes, como a pedra e o adobe, pois, para
alguém que precisa se proteger do frio e das intempéries da vida, nada melhor do que um abrigo
resistente e seguro.

É então que grupos agricultores se estabelecem próximo aos rios e lagos para garantir condições
favoráveis ao desenvolvimento da agricultura e iniciam, a partir da elevação de suas moradias, a
construção de aldeias. Dentre elas, vale notar que as estabelecidas na região dos rios Nilo, Tigre e Eufrates
deram origem às civilizações egípcia e mesopotâmica.

Figura 44 – Reconstituição de uma aldeia neolítica

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ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Ainda no período Neolítico, encontramos os chamados monumentos “megalíticos”, que são blocos
de pedras de dimensões gigantescas, provavelmente associados a questões de caráter religioso, já
que, na maioria das vezes, encontram‑se junto a eles sepulturas que apresentam um padrão de
enterramento. Esses monumentos aparecem dispostos de formas variadas, como, muitas vezes, numa
única estrutura de pedra fincada ao chão – menir, duas estruturas com mais uma sobreposta ou,
ainda, estruturas dispostas em forma de círculos.

Se todas as obras megalíticas, pré‑históricas ou de idade histórica, nos


causam estupefação, pelas dificuldades técnicas superadas, também
é certo que os menires e os dolmens originam em nós um estupor
particular, por outros motivos além do da aura mágica que os aureola.
Estes monólitos imanes, de grandes dimensões e peso, requereram, para
serem colocados nos respectivos lugares, soluções de problemas que
se nos afiguram sobre‑humanos. Muitas vezes, foram transportados de
muito longe, devendo ter sido rolados por cima de troncos de árvores,
depois do seu laborioso destaque da rocha. No lugar, sua base era levada
a deslizar para uma fossa profunda; depois, os blocos eram erguidos,
puxados por grossas cordas aplicadas à sua extremidade superior. Mais
complexa era a construção dos dolmens. Uma vez erigidos os suportes
verticais, como acontecia para os menires, o intervalo entre uns e outros
era momentaneamente enchido de terra de escavação; sobre esta, por
meio de rolos, fazia‑se deslizar a pedra de cobertura. Deste modo, o dólmen
representa o início do critério construtivo trilítico (dois suportes verticais,
sustentando um terceiro horizontal) (PISCHEL, 1966, p. 17).

Observação

Dentre os monumentos megalíticos, podemos destacar:

• menir: grandes pedras isoladas erguidas em sentido vertical;

• dolmen: duas pedras verticais que sustentam uma terceira,


posicionada horizontalmente;

• henge: aterro circular acompanhado por uma vala interna paralela;

• cromlech: pedras agrupadas em um ou mais círculos em torno de


um dólmen.

67
Unidade I

Figura 45 – Dólmen ou mesa de pedra

Um dos monumentos megalíticos mais conhecidos é o de Stonehenge.

Figura 46 – Stonehenge

O que levaria esse homem neolítico, que não conhecia a roda ou a carroça, a carregar enormes
rochas com cerca de quatro toneladas cada e empilhá‑las a mais de 320 quilômetros de distância do
lugar de onde foram retiradas?

Seu objetivo era religioso; aparentemente, o esforço contínuo necessário


para construí‑lo só poderia ter sido mantido pela fé – uma fé que, quase
literalmente, exigia que se movessem montanhas. A estrutura inteira é
voltada para o ponto exato em que o Sol se levanta no dia mais longo do
ano, o que leva a crer que deve ter‑se prestado a um ritual de adoração
do Sol. Mesmo atualmente, Stonehenge tem características majestosas e
sobre‑humanas, como se fosse obra de uma raça esquecida de gigantes. Se
devemos ou não chamar um monumento como esse de arquitetura, é uma
questão de definição: temos uma tendência a pensar a arquitetura em
termos de interiores fechados [...]. Talvez devêssemos consultar os gregos
antigos, que criaram a palavra. Para eles, ”arqui‑tetura” significa algo mais

68
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

alto que a “tetura” convencional (isto é, ”construção” ou ”edificação”),


uma estrutura diferenciada daquela de tipo exclusivamente prático e
cotidiano, em termos de escala, ordem, permanência ou suntuosidade de
propósitos. Um grego, certamente, chamaria Stonehenge arquitetura [...].
Se a arquitetura é a “arte de adaptar o espaço às necessidades e aspirações
humanas”, então, Stonehenge faz mais do que preencher esses requisitos
(JANSON; JANSON, 1996, p. 18).

Saiba mais

Alguns filmes que podem propiciar uma inter-relação com os conteúdos


da unidade.

A GUERRA do fogo. Direção Jean-Jacques Annaud, 1981, 100 min.

A ODISSEIA. Direção Francis Ford Coppola, 1997, 150 min.

300. Direção Zack Snyder. EUA: Warner Bross, 2007, 117 min.

O surgimento desse tipo de monumento megalítico é recorrente em toda a Europa; no entanto,


consideram‑se como os mais representativos, além do cromlech de Stonehenge, outros encontrados na
Grã‑Bretanha, na França e na Espanha.

Novas descobertas encontraram na região de Orkney, no norte da Escócia, um monumento megalítico


anterior a Stonehenge. Vejamos:

Novas descobertas parecem ter identificado um precursor do santuário pré‑histórico


de Stonehenge. Também na Grã‑Bretanha, o lugar fica no extremo norte da Escócia,
nas ilhas Orkney, e seria cerca de 200 anos mais velho. Chamado de Ness of Brodgar
(Promontório de Brodgar), apenas 10% desse enorme complexo neolítico está sendo
estudado. Delimitado por uma parede de pedras de 4 metros de espessura, provavelmente
milhares de pessoas se reuniam ali em rituais sazonais e para cultuar os mortos. 
De acordo com pesquisas recentes de datação por radiocarbono, Brodgar foi ocupado pela
primeira vez em 3200 a.C. e abrigou centenas de construções no interior de uma monumental
muralha. “Orkney é uma das chaves para entender o desenvolvimento da religião neolítica”,
diz o diretor do Centro de Pesquisas Arqueológicas da Universidade de Orkney, Nick Card.
Seus rituais podem ter prenunciado as festas de Stonehenge e Avebury, e suspeita‑se que
tenham surgido ali as cerâmicas entalhadas típicas da Inglaterra neolítica.

Fonte: UM PRECURSOR... ([s.d.]).

69
Unidade I

Observação

Uma curiosidade específica de Stonehenge é sua disposição, pois


sua base inferior tem uma orientação que coincide com o nascer do
Sol, justamente quando se dá o solstício, o que permite inferir que está
diretamente ligada a honrarias ao Sol.

Além da arquitetura, você imagina outras mudanças tecnológicas relacionadas com as novas
condições econômicas e sociais do homem do Neolítico? Com o excedente de produção, cresce a
preocupação em armazenar os grãos em recipientes e, assim, surge a cerâmica. É provável, entretanto,
que essa técnica tenha se desenvolvido graças a uma boa dose de acaso e observação. Acredita‑se que,
ao observar o que ocorria com a argila quando entrava em contato com o fogo, o homem tenha
criado essa nova técnica.

Figura 47 – Vaso de cerâmica do período Neolítico

A metalurgia é outro destaque que surge no Neolítico, já em sua fase final, permitindo que, aos
poucos, o homem do período possa substituir os instrumentos de pedra.

O conhecimento que foi se acumulando a partir da fusão de cobre, estanho, bronze, até chegar
ao ferro fortaleceu sobremaneira os grupos que puderam desenvolver essas técnicas, contribuindo,
então, para o exercício de supremacia na defesa e consolidação de seu território, o que coopera com a
sedentarização, que tem como consequência a formação das primeiras civilizações.

70
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Figura 48 – Guerreiros em bronze (norte da Europa):


produção do período de transição para a metalurgia

As esculturas de metais são encontradas principalmente na Escandinávia e na Sardenha. É provável


que utilizassem uma técnica chamada de método com fôrma de barro ou técnica da cera perdida para
ser feitas.

Para o escultor que usava o método da fôrma de barro, o primeiro passo consistia em fazer uma
fôrma com esse material. Nela era despejado o metal já derretido em fornos. O metal fundido era
deixado dentro da fôrma até que esfriasse. Depois de frio, a fôrma era quebrada. Obtinha‑se, assim, uma
escultura com uma configuração anteriormente dada ao barro.

Já o trabalho do artista que usava a técnica da cera perdida começava com a construção de um
modelo em cera. Esse modelo era revestido de barro aquecido. Com o calor do barro, a cera derretia e
escorria por um orifício que era propositalmente deixado na peça de cerâmica. Obtinha‑se, assim, um
objeto oco. Depois, por esse mesmo orifício, preenchia‑se o objeto com metal fundido. Quando o metal
estivesse derretido e frio, quebrava‑se o molde de barro. Dentro dele estava a escultura em metal igual
à que ele tinha moldado em cera (PROENÇA, 2000, p. 15).

Essa ordenação do mundo através de imagens, da criação de símbolos não pode ser considerada
obra do acaso, deve ser admitida como representação do comportamento simbólico e social dos
grupos que a produziram.

71
Unidade I

Resumo

Na sua origem latina, a arte está ligada ao processo de produção, à


habilidade técnica. Ela pode também ser concebida como um processo de
interpretação do mundo.

É difícil definir o conceito de arte, pois cada período histórico possui


diferentes formas de expressões artísticas e culturais. Porém, é consenso
entre os pesquisadores que todos os grupos humanos, desde a Pré‑história,
produziram algo a que se pode chamar arte. Além disso, é também consenso
que, ao analisar uma obra de arte, podemos reconstruir um momento histórico
(roupas, costumes, crenças) sob o ponto de vista daquele que a produziu,
sendo a arte fundamental para se compreender a história da humanidade.

O crítico de arte é um elemento importante no processo de definição de


arte, pois é ele quem julga, qualifica e dá a determinados objetos o status
de artísticos.

Para termos arte, é necessária a presença do artista, da obra e do


observador, sendo que todos esses elementos estão inseridos em uma
dada realidade e em um determinado mundo. Esse mundo é dotado de um
conjunto de significados que se inter‑relacionam.

Datar o aparecimento dos primeiros artistas é tarefa extremamente


difícil, porém é por volta de 30.000 a.C. que temos os registros mais antigos
das pinturas encontradas nas cavernas. Essas pinturas devem ter sido
precedidas por inúmeras outras obras que não resistiram à ação do tempo.

Podemos apontar que a arte tem a função de ver e interpretar o


mundo e o indivíduo. Dentre as funções atribuídas à obra de arte, devemos
considerar a cognição, a percepção, a sensibilidade e o simbolismo.

Graça Proença (2005) atribui ainda três funções à arte: utilitária,


valorizada pela sua finalidade; naturalista, ligada à representação do real e
formalista, associada à forma.

Duas teses têm orientado as discussões a respeito da origem do homem


na terra: a criacionista, que acredita na origem divina do ser humano, e a
evolucionista, de Charles Darwin, que propõe que ocorreu uma evolução
dos seres humanos, com base na teoria da seleção da espécie.

Existem indícios de que o Ramapithecus habitava o planeta há


cinco milhões de anos. Posteriormente, foram encontrados fósseis do
72
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Australopithecus africanus e do Australopithecus boisei que conviveram


com o Homo habilis. Esse, sim, deu origem ao Homo erectus, cujo lento
desenvolvimento originou os Homo sapiens e o Homo sapiens sapiens.

É importante ressaltar que nossa espécie não surge de uma hora


para a outra, mas resulta de um processo de evolução lenta e gradual,
significando mudanças ao longo do tempo. Nossos ancestrais não tinham
a mesma caixa craniana, a mesma altura média e o mesmo peso médio
que temos hoje e, com um cérebro menor, não eram tão inteligentes
como nós. Demorou para conseguirem uma postura totalmente ereta,
mas quando conseguiram, foram evoluindo cada vez mais até chegar ao
humano moderno.

Originário da África há aproximadamente cinco milhões de anos, o


homem, por razões ainda desconhecidas, saiu do território africano em
direção à América e à Europa, se espalhando pelo mundo, chegando ao
Brasil (segundo as pesquisas recentes, em torno de 13 mil anos), sendo que
o fóssil brasileiro mais antigo é de uma mulher que recebeu o nome de Luzia.

A chegada do homem ao Brasil causa controvérsias, pois os trabalhos


atuais questionam a teoria que foi aceita durante anos de que o ser humano
teria caminhado da Ásia até a América pelo Estreito de Bering durante a
época da glaciação, pois datam a presença humana no país muito antes
desse acontecimento. Dentre esses pesquisadores brasileiros, podemos citar
Walter A. Neves e Niède Guidon.

Além da clássica periodização da Pré‑história segundo as técnicas


utilizadas para a elaboração de ferramentas (Idade da Pedra Lascada
e Idade da Pedra Polida), podemos dividir os povos pré‑históricos em
caçadores e agricultores, mas devemos levar em consideração que toda
e qualquer periodização é pouco precisa e que os períodos passam por
lenta e gradual mudança.

Os povos caçadores eram nômades, viviam em bandos e retiravam sua


sobrevivência da caça, da pesca e da coleta vegetal. Suas ferramentas eram
de pedra lascada, ossos e madeira.

A descoberta do fogo concede a esse homem uma certa independência


do meio natural.

Podemos constatar a presença de um mundo mágico através da


presença de sepulturas, que indicam um culto aos mortos e às pinturas nas
paredes das cavernas.

73
Unidade I

A Revolução agrícola ocorre por volta de 10.000 a.C., durante o Neolítico.

Através de uma evolução lenta e gradativa, o homem começa a cultivar


raízes e tubérculos, plantas medicinais e, por fim, consegue desenvolver as
técnicas que propiciam o cultivo de alimentos para abastecer o grupo.

De posse do conhecimento da atividade agrícola, o homem inicia


o processo de sedentarização. Nomadismo e sedentarismo convivem em
um mesmo habitat, porém são desenvolvidos por grupos diferenciados.

O cultivo de plantas medicinais e dos alimentos necessários à


sobrevivência trouxe consigo a proximidade dos animais. Uma vez próximos
aos seres humanos, os animais começaram a ser domesticados, ampliando
significativamente a qualidade de vida do grupo humano.

Podemos, então, afirmar que a Revolução Neolítica, que possibilitou


a sedentarização, junto com a agricultura e a domesticação dos animais,
mudou a organização do grupo, instituiu a divisão do trabalho entre homens
e mulheres e alterou a relação com o tempo. A partir da sedentarização,
foram construídos abrigos em pedra ou adobe que, posteriormente,
originaram as primeiras cidades.

Desde tempos remotos, o homem representa seu mundo e sua realidade


através de imagens. Para os seres humanos, a ordenação visual sempre
esteve presente, quer de forma figurativa, quer de forma abstrata.

Essa ordenação do mundo através da criação de símbolos não pode


ser considerada obra do acaso, deve ser admitida como representação do
comportamento simbólico e social dos grupos que o produziram.

Desde a descoberta da arte rupestre, existem numerosos campos de


interpretação de análise dessa arte, como o estruturalismo, o estudo de
gênero, os fenômenos astronômicos, biológicos e acústicos. Contudo, a
hipótese mais corrente ainda é a que defende uma finalidade mágica para
essas pinturas e gravuras, que seriam relacionadas com rituais que teriam
o objetivo de garantir a sobrevivência do grupo, nos quais a representação
possuiria o poder de aprisionar o animal. Assim, ao pintá‑lo, o caçador
praticamente convocava a caça, capturando‑a com maior facilidade.

Um consenso entre os pesquisadores atuais é que, independentemente


da linha interpretativa, a análise de uma pintura ou gravura em rocha não
pode ser feita de uma maneira isolada, pois é necessário levar em conta
todo o contexto em que ela é encontrada.

74
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

Assim, quais foram os elementos dignos de registros para os homens


pré‑históricos? Como já visto, o repertório do homem desse período
envolvia a natureza que o cercava, tornando a temática da arte rupestre
mundial homogênea.

A presença de figuras humanas, de animais, sinais geométricos e


símbolos da natureza, como o Sol e a Lua, são elementos comuns na arte
parietal das grutas e cavernas descobertas no mundo todo. Na Europa, por
exemplo, é comum a presença de imagens de bisões, cervos, cavalos, renas,
cabras, javalis e ursos representando o universo vivido por esses homens.

Foi durante o período Paleolítico que surgiram as técnicas das mãos em


negativo e das mãos em positivo, o que deu início, junto com as representações
de animais, à arte rupestre. As características comuns da arte rupestre do
Paleolítico são o naturalismo e a presença de figuras de animais isoladas, sem
formar cenas. Outra característica se refere às cores utilizadas, variando da
monocromia à policromia. Eram muito utilizadas as cores preta (obtida a partir
do carvão vegetal), amarela e vermelha (obtidas do óxido de minerais). Como
ferramentas de pintura, eram usados, provavelmente, os dedos e pincéis feitos
de penas e pelos. Além disso, era comum que os artistas se aproveitassem das
reentrâncias e de saliências das paredes para realizar os desenhos com volume,
principalmente, nas áreas pouco iluminadas do fundo das cavernas e grutas.

A pintura do Neolítico é caracterizada por representações estilizadas


ou simbólicas. A figura humana é a que mais frequentemente aparece, e
representam‑se cenas de caça e de dança com regularidade. Outra característica
é que essas pinturas são, predominantemente, monocromáticas, com predomínio
do vermelho, embora existam pinturas em preto e branco. Acredita‑se que
primeiro fosse feito o contorno do desenho, que depois era preenchido
completamente. Essas pinturas foram realizadas ao ar livre, em abrigos rochosos.

O maior número de sítios arqueológicos e rupestres existe no continente


africano, embora eles também existam na Oceania, na Ásia e na América.
No Brasil, acredita‑se que os sítios de São Raimundo Nonato, no Piauí,
sejam os mais antigos. Os exemplares europeus são os mais estudados,
principalmente as grutas e cavernas encontradas em Altamira e na região
levantina, na Espanha, em Lascaux, Niaux e Chauvet, na França.

Durante o período Neolítico, encontramos os chamados monumentos


megalíticos, que são blocos de pedras de dimensões gigantescas,
provavelmente associados a questões de caráter religioso, já que, na maioria
das vezes, estão próximos a sepulturas que apresentam um padrão de
enterramento. Esses monumentos aparecem dispostos de formas variadas:
menir, dolmen, ou cromlech.
75
Unidade I

O surgimento desse tipo de monumento megalítico é recorrente em


toda a Europa; no entanto, consideram‑se como os mais representativos
aqueles encontrados na França, na Espanha e, sobretudo, na Grã‑Bretanha,
em que se encontra o cromlech de Stonehenge.

Acredita‑se que, ao observar o que ocorria com a argila quando entrava


em contato com o fogo, o homem criou a técnica da cerâmica.

A metalurgia é outro destaque que surge no Neolítico, já em sua fase


final, permitindo que, aos poucos, o homem do período possa substituir os
instrumentos de pedra.

O conhecimento que foi se acumulando a partir da fusão de cobre,


estanho, bronze, até chegar ao ferro, fortalece demasiadamente os grupos,
que podem desenvolver essas técnicas, contribuindo, então, para exercer
uma supremacia na defesa e consolidação de seu território, contribuindo
para a sedentarização, com a consequente formação das primeiras
civilizações. As principais técnicas eram o método da fôrma de barro e a
técnica da cera derretida.

Exercícios

Questão 1. O conceito de arte é abrangente e não consensual. Autores de diferentes épocas têm
posicionamentos distintos acerca do que pode ou não ser considerada arte. Observe as imagens que seguem:

I −


Figura 49 – Operários, de Tarsila do Amaral (1933)

76
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

II −

Figura 50 – Coruja

III −

Figura 51

77
Unidade I

IV −

Figura 52 – Busto

De acordo com os posicionamentos adotados neste livro-texto acerca do conceito de arte, podem
ser consideradas obras artísticas apenas as imagens:

A) I e IV.

B) I, II, III e IV.

C) I, II e IV.

D) I, III e IV.

E) II e III.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: a pintura Operários, de Tarsila do Amaral, é uma obra artística. Retrata o momento
da industrialização brasileira, principalmente a paulistana. Com Getúlio Vargas, o país passou a se
industrializar e a classe operária começou a surgir. O quadro mostra a diversidade cultural de um povo
78
ARTES VISUAIS NA HISTÓRIA ANTIGA

oprimido pela elite, representada pela fábrica ao fundo. Embora as pessoas estejam em primeiro plano
e todas tenham traços diferentes, não é fácil diferenciá-las. Elas parecem todas iguais, representando,
portanto, um sistema que massifica o cidadão.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: a coruja, feita com fios de cobre por um artista popular da cidade mineira de São
Thomé das Letras comprova a ideia de que a arte é resultado de uma imaginação criadora. O homem, ao
criar uma obra artística, transmite suas ideias de múltiplas e variadas formas. Recria o ambiente ao seu
redor e a si mesmo em um processo carregado de símbolos passíveis de diversas interpretações.

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a bola está sendo mostrada como objeto utilitário. Não há, nesta imagem, nenhuma
intenção artística.

IV – Afirmativa correta.

Justificativa: a escultura do busto, feita em argila, é uma criação artística, pois o escultor, ao criá-la,
representou simbolicamente o universo ao seu redor, a sua forma de ver o mundo. A obra artística é
repleta dos sentimentos e das emoções do seu criador.

Questão 2. Há, entre as esculturas do Período Paleolítico, predomínio de figuras femininas e ausência
de figuras masculinas. As mulheres são comumente representadas com ancas largas e seios grandes.
Essas características, observadas por estudiosos e historiadores, conduzem-nos à interpretação de que
a arte paleolítica:

A) cultua o padrão estético de beleza da época.


B) cultua a fertilidade.
C) valoriza o erotismo.
D) valoriza a sexualidade.
E) valoriza o ideal de sobrevivência.

Resposta correta: alternativa B.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: a representação da figura feminina com ancas largas e seios grandes não tem relação
com o padrão estético de beleza da época.

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Unidade I

B) Alternativa correta.

Justificativa: com base nos vestígios encontrados, atribui-se às “Vênus” as primeiras formas de arte
conhecidas pelo homem. Essas esculturas femininas com ancas largas, seios grandes e poucos detalhes no
rosto foram produzidas no Paleolítico Superior (30.000 a 18.000 a.C). Esculpidas em pedra ou marfim, elas
têm pequenas dimensões e estão associadas ao culto à fertilidade. A chamada Vênus de Willendorf é uma das
inúmeras estatuetas da fertilidade e, em forma arredondada e bulbiforme, sugere um “seixo sagrado” oval.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: a representação da figura feminina com ancas largas e seios grandes não tem relação
com a valorização do erotismo.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a representação da figura feminina com ancas largas e seios grandes não tem relação
com a valorização da sexualidade.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: a representação da figura feminina com ancas largas e seios grandes não tem relação
com a valorização do ideal de sobrevivência.

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