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Artes Visuais

Brasileiras e Modernas
Autores: Profa. Profa. Nancely Huminhick Vieira
Prof. Egidio Shizuo Toda
Colaboradoras: Profa. Roberta Matarazzo
Profa. Tânia Sandroni
Professora conteudista: Nancely Huminhick Vieira / Egidio Shizuo Toda

Nancely Huminhick Vieira

É graduada em Artes Plásticas pela Unesp (1994), além de mestre (2004) e doutora em Educação (2010) – sendo
que em ambas as titulações a fotografia foi seu objeto de pesquisa. Atuou durante dois anos como professora da
pós‑graduação EaD em Artes pelo projeto Redefor em parceria com a Secretaria da Educação e a Unesp. É professora
da UNIP e do Mackenzie em diversas disciplinas da área fotográfica. Trabalhou como fotógrafa durante vários anos nas
seguintes áreas: book, cult, still e eventos. Atualmente desenvolve pesquisa com o tema fotografia cultural.

Egidio Shizuo Toda

Pesquisador em Estética, Linguagem da Arte e Leitura da Imagem pelo IPCA de Barcelos, Portugal (2012). Pesquisador
pelo Grupo de Pesquisa em Arte e Mediação Cultural, coordenado pela Profa. Dra. Mirian Celeste Martins. Mestre em
Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2013). Especialista em Comunicação e
Mídia pela UNIP – Universidade Paulista (2012). Graduado em Comunicação Digital pela UNIP – Universidade Paulista
(2006). Técnico em Formação Avançada em Fotografia Profissional pelo Senac (2011). Professor de pós-graduação lato
sensu, no sistema presencial do curso do Centro de Comunicação e Letras da UPM-Mackenzie (desde 2014), professor
titular da Universidade Paulista.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

V658a Vieira, Nancely Huminhick.

Artes Visuais Brasileiras. e Modernas / Nancely Huminhick Vieira,


Egidio Shizuo Toda. – São Paulo: Editora Sol, 2022.

160 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Artes visuais. 2. Artes brasileiras. 3. Fotografia. I. Título.

CDU 77

U514.01 –22

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor

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Reitora em Exercício

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Vice-Reitor de Extensão

Prof. Fábio Romeu de Carvalho


Vice-Reitor de Planejamento e Finanças

Profa. Melânia Dalla Torre


Vice-Reitora de Unidades do Interior

Unip Interativa

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Vannini
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático

Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Angélica L. Carlini
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. Deise Alcantara Carreiro

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Kleber Souza
Vitor Andrade
Sumário
Artes Visuais Brasileiras e Modernas

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 A ARTE RUPESTRE NO BRASIL.................................................................................................................... 13
1.1 A Pré‑História......................................................................................................................................... 13
1.2 Tradições da arte rupestre brasileira.............................................................................................. 18
2 AS ARTES INDÍGENAS..................................................................................................................................... 24
2.1 O grafismo................................................................................................................................................ 25
2.1.1 Pintura corporal....................................................................................................................................... 28
2.1.2 Cerâmica e cestaria................................................................................................................................. 33
2.2 Arte plumária.......................................................................................................................................... 38
3 A ARTE COLONIAL NO BRASIL..................................................................................................................... 43
3.1 O período jesuítico................................................................................................................................ 43
3.2 O Aleijadinho........................................................................................................................................... 51
4 ARTE IMPERIAL.................................................................................................................................................. 56
4.1 Fotografia e ofícios no Brasil............................................................................................................ 56
4.2 Preços dos retratos praticados no País......................................................................................... 59
4.3 O salão de pose...................................................................................................................................... 62
4.4 Fotografia de paisagem e experiências pictóricas................................................................... 63

Unidade II
5 SÉCULO XX: A TRANSFORMAÇÃO DO HOMEM MODERNO EXPRESSA NA ARTE................... 70
5.1 Expressionismo: distorção da realidade para expressar os próprios sentimentos............... 71
5.2 Fauvismo: o primeiro movimento importante do século XX............................................... 72
5.3 Cubismo: a ausência da perspectiva para a formação das novas faces do objeto.............. 74
5.4 Abstracionismo: o corte da relação imediata entre formas e cores................................. 78
5.5 Futurismo: a exaltação do futuro e da velocidade industrial............................................. 80
6 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO SEM AS AMARRAS DO RACIONAL E A ENTRADA DO
BRASIL NA ARTE MODERNA............................................................................................................................ 81
6.1 Dadá e Surrealismo: a libertação da racionalidade e a expressão
do subconsciente.......................................................................................................................................... 82
6.2 O Brasil e o Modernismo: a implantação de novas linguagens artísticas a
partir da Semana de 22.............................................................................................................................. 90
Unidade III
7 A COMPLEXIDADE DO TERMO...................................................................................................................100
7.1 Modernidade e pós-modernidade................................................................................................103
7.2 A modernidade.....................................................................................................................................103
7.3 A pós-modernidade............................................................................................................................105
7.4 Regimes da arte...................................................................................................................................107
7.4.1 Regime de consumo ou arte moderna.........................................................................................108
7.4.2 Regime de comunicação ou arte contemporânea....................................................................111
7.4.3 Marcel Duchamp: um artista no regime de comunicação................................................... 115
7.5 Pós-modernismo: a Segunda Guerra Mundial como o divisor de águas da
Arte Moderna...............................................................................................................................................121
7.5.1 A fotografia, o cinema e a arquitetura pós-moderna........................................................... 127
7.5.2 O Brasil no pós-modernismo e a arquitetura contemporânea.......................................... 132
8 TENDÊNCIAS ARTÍSTICAS CONTEMPORÂNEAS..................................................................................141
8.1 Arte conceitual.....................................................................................................................................142
8.2 Minimalismo..........................................................................................................................................143
8.3 Land Art...................................................................................................................................................145
8.4 Pop Art.....................................................................................................................................................146
8.5 Performance Art..................................................................................................................................148
8.6 As relações da arte com a atualidade.........................................................................................149
8.6.1 Arte e tecnologia.................................................................................................................................. 149
8.6.2 Arte e comunidade................................................................................................................................151
APRESENTAÇÃO

A disciplina Artes Visuais Brasileiras e Modernas se baseia no conhecimento dos principais períodos
e estilos da arte brasileira: arte indígena, pré‑colonial, colonial, arte imperial, neoclássica, barroco,
rococó, arte moderna, ecletismo, contemporânea, abstração e novos meios.

Este livro‑texto pretende apresentar a você os conhecimentos para que possa compreender a formação
da Arte Moderna e das atualidades, fornecendo‑lhe subsídio para entender características, períodos,
escolas, exposições, instalações, técnicas e linguagens da arte no modernismo e na contemporaneidade,
assim como os contextos históricos e principais acontecimentos em que essas artes se fundamentam
no Brasil e no mundo.

Utilize-se das referências textuais e imagéticas para ampliar seu conhecimento sobre a bibliografia
e as artes desenvolvidas em cada período, nas diferentes áreas de interesse.

Você está realizando um curso universitário para se tornar um profissional de mercado. Logo, terá
de ler muitos textos, enxergar e compreender as artes visuais e conhecer um pouco a respeito das duas
melhores exposições do mundo. O livro-texto foi baseado em um recorte do tempo e do espaço para
podermos estudar a arte moderna e a contemporânea.

Para Strickland (2004, p. 128-168):

A arte do século XX não apenas decretou que qualquer tema era adequado,
mas também libertou a forma (como no Cubismo) das regras tradicionais
e livrou as cores (no Fovismo) da obrigação de representar com exatidão
os objetos. Os artistas modernos desafiavam violentamente as convenções,
seguindo o conselho de Gauguin, para “quebrar todas as janelas velhas,
ainda que cortemos os dedos nos vidros”.

No coração desta filosofia de rejeição ao passado, chamada Modernismo,


havia a busca incessante de uma liberdade radical de expressão. Liberados
da necessidade de agradar a um mecenas, os artistas elegiam a imaginação,
as preocupações e as experiências individuais como única fonte de arte. A
arte se afasta gradualmente de qualquer pretensão de retratar a natureza,
seguindo na direção da pura abstração, em que dominam a forma, as
linhas e as cores [...] O problema de avaliar a arte contemporânea é que
ela ainda está viva e em crescimento. A história irá dizer quem viverá na
memória e quem desaparecerá. O que é claro, entretanto, é que desde 1960
os movimentos vêm e vão num piscar de olhos. O fio condutor comum
a todos é a oposição ao Expressionismo abstrato. É como se a sombra
projetada por Jackson Pollock se estendesse tão longe que os ramos
futuros tivessem que se esgueirar por baixo da árvore até encontrarem
seu próprio lugar ao sol.

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Conforme Strickland (2004), para começarmos o entendimento da arte moderna e da contemporânea,
precisamos derrubar paradigmas preexistentes criados desde a arte clássica da antiga Grécia até o
Renascimento, desconstruir a arte ensinada nas academias, que retratava a realidade tal qual ela é, e
criar novos conceitos de interpretação dessa realidade. Após o estudo sobre o Modernismo, abordaremos
os dias de hoje e o funcionamento da arte na atualidade: uma arte em crescimento que será marcada
em nossa memória de acordo com a força de sua construção.

Os textos e as imagens são ferramentas que usamos para compreender os temas produzidos, e você
terá de utilizá-los também, como aluno, profissional, cientista e pesquisador.

Na busca do saber e do aprimoramento nas Artes Visuais, foram escolhidos, entre outros autores,
escritores renomados no estudo e da pesquisa das artes, como a historiadora da arte e pesquisadora
em semiótica Maria Carla Prette, a historiadora da arte moderna e pós-moderna Carol Strickland, e os
estudiosos e pesquisadores em arte contemporânea, Enrico Criposlti e Anne Cauquelin.

Na obra Para Entender a Arte, Maria Carla Prette (2009) divide em duas seções os estudos dos
caminhos das artes plásticas no decorrer dos séculos. Na primeira seção, utiliza os conhecimentos sobre
a semiótica no entendimento das construções das artes através de formas, cores, profundidade, sombra,
luz, linhas, simetria, perspectiva, dos elementos da composição das obras e da visão dos artistas com
suas criações na aplicação dessas técnicas. Na segunda seção, o estudo gira em torno das grandes obras
artísticas, seus artistas, suas linguagens e escolas. Cheio de ilustrações, o objetivo do livro é ensinar a ver
a obra de arte ilustrada. Tem como principal eixo os esboços e as reproduções das pinturas e esculturas
mais importantes e que marcaram a arte no decorrer da história da civilização.

Outra autora de peso que nos ajudou na busca do conhecimento é a pesquisadora no estudo em
arte moderna e pós-moderna Carol Strickland (2004), com sua obra Arte Comentada: da Pré-história
ao Pós‑Moderno. Nesse livro, a autora busca a percepção da composição em uma abordagem visual e
textual. Através da análise de movimento, desenhos, cor e composição dos grandes mestres, Strickland
estuda como o observador olha uma obra de arte. Nessa ação, o espectador avalia o clima, a luz e a cor
para entender como o artista cria efeitos em suas obras.

Na arte moderna, segundo Strickland (2004), a grande mudança é a ruptura com o passado. O artista
moderno busca elementos da arte antiga, não necessariamente da arte da antiguidade, para produzir
algo novo, fresco. Para alguns pesquisadores e estudiosos da arte moderna e da contemporânea, não há
arte nova sem as referências do passado. Uma arte está estreitamente ligada à outra. Na arte moderna,
a quebra das estruturas, acadêmicas ou clássicas, é necessária para a produção do moderno. Já a arte
contemporânea se constrói conforme o estudo da antiga é feito, para depois criar o novo. Como a
autora define:

Em toda a evolução da arte ocidental, o século XX produziu a ruptura


mais radical com o passado, levando ao extremo o que Coubert e Manet
iniciaram no século XIX – retratos da vida contemporânea e não de
ventos históricos. A arte do século XX não apenas decretou que qualquer
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tema era adequado, mas também libertou a forma (como no Cubismo)
das regras tradicionais e livrou as cores (no Fovismo) da obrigação de
representar com exatidão os objetos. Os artistas modernos desafiavam
violentamente as convenções, seguindo o conselho de Gauguin, para
“quebrar todas as janelas velhas, ainda que cortemos os dedos nos
vidros” (STRICKLAND, 2004, p. 128).

No quesito do entendimento da arte na atualidade, Crispolti (2004) faz a pergunta: como se


estuda a arte do nosso tempo? Para respondê-la, o autor analisa o comportamento e seus problemas
na sociedade atual, criando instrumentos para a formulação crítica das obras nos dias de hoje. A
partir do entendimento dos problemas modernos, do homem e da sociedade é que entenderemos
a arte contemporânea. Por meio desse universo, muitas vezes complicado e problemático, é que
encontraremos o caminho para a apreciação mais consciente da arte do nosso tempo.

Em Arte Contemporânea: Uma Introdução, Anne Cauquelin (2005) se aprofunda nos entendimentos
das obras de Marcel Duchamp, Andy Warhol e Leo Castelli. Estuda a transformação dos mecanismos
desses artistas, do ready-made, das etapas criativas e seus caminhos. Estuda também a sociedade atual
e a comunicação, a indústria, seu consumo, os salões e as galerias. Da obra ao espaço da arte, a autora
apresenta uma análise crítica da arte contemporânea e seus desdobramentos no pós-modenismo.

INTRODUÇÃO

O potencial de criação do homem é a mola propulsora da evolução. Ele afeta não só o mundo físico
ao qual estamos acostumados, mas também a própria condição humana e os contextos culturais. Para
tanto, “a percepção consciente na ação humana se nos afigura como uma premissa básica da criação,
pois além de resolver situações imediatas, o homem é capaz de a elas se antecipar mentalmente”
(OSTROWER, 2001, p. 10).

Nossa capacidade de expressar a percepção vem de formas simbólicas de comunicação, como a fala,
mas aquela que se encontra na essência da criação é a habilidade de expressar por meio de ordenações,
ou seja, pelas formas. “Se a fala representa um modo de ordenar, o comportamento também é ordenação.
A pintura é ordenação, a arquitetura, a música, a dança, ou qualquer outra prática significante”
(OSTROWER, 1998, p. 24).

Apesar de as formas de convivência coletiva dos primórdios da vida do homem primata serem
desconhecidas, entendemos que seu comportamento era social, como observaram os arqueólogos a partir
dos fósseis encontrados: mãos livres, caninos atrofiados, postura ereta, maior capacidade craniana em
comparação com a dos outros primatas. Apesar de inconclusivos, vários indícios apontam a hominização
do nosso ancestral. A manifestação artística é um deles.

Será a partir dessa premissa que adentraremos no mundo da arte, mais precisamente, das artes
visuais brasileiras.

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Veremos a linguagem da arte rupestre presente como as primeiras manifestações artísticas
do nosso homem pré‑histórico, as diversas formas de arte produzidas pelos povos indígenas, bem
como a do período colonial, desde o período jesuítico à riqueza do barroco mineiro.

Iniciaremos entendendo a arte moderna e tentando responder à seguinte pergunta: como as


transformações do século XX marcaram o homem e sua arte?

Ao buscarmos as respostas para essa questão, vamos aos poucos entender o pensamento do homem
diante de sua complexidade e como ele se expressa nas artes para retratar as dificuldades, paixões ou
vivências. A arte moderna nasce diante desses dilemas e representações.

O aparecimento da arte moderna foi marcado pela desconstrução da arte clássica vinda da Grécia
antiga, do renascimento do clássico do século XV e do fim do novo clássico. A arte modernista marcou
a entrada de uma linguagem desconhecida até então. Novos movimentos foram criados, manifestações
artísticas apareceram e linguagens únicas foram representadas.

Vamos estudar os conflitos da humanidade na implantação do capitalismo e a industrialização da


sociedade, novas tecnologias e máquinas, fabricação de produtos, seu consumo e a chegada da modernidade.

Durante a Segunda Guerra Mundial, muitas obras foram confiscadas, queimadas e destruídas pelos
nazistas. O próprio Hitler foi declarado um artista frustrado, pois mandou queimar obras importantes
da literatura. Ainda tentou ridicularizar alguns dos maiores nomes da pintura, como Picasso, Matisse e
Kandinsky, entre outros, quando promoveu uma exposição intitulada “Arte Degenerada”.

Dentro desse complexo contexto social, a arte vem refletir as angústias e a perplexidade dos
indivíduos no tempo histórico. Então, o homem moderno debruçou-se na profundidade das relações
humanas que estavam ameaçadas com os perigos da guerra.

As obras artísticas produzidas a partir daí fogem dos padrões impostos pelo Realismo, Naturalismo
e Classicismo, rompendo as relações com a escola clássica da Grécia, das linguagens do período
romano antigo, do renascimento italiano da Idade Média e dos “ismos”, como Romantismo, Realismo,
Impressionismo, Pontilhismo e Expressionismo, produzindo novas tendências, expressando para além da
realidade vista e representada do cotidiano e das paisagens e mostrando a própria realidade em si e a
individualidade do artista.

O Expressionismo virá marcado como a expressão da emoção. As pinceladas fortes, as cores estridentes
e a não preocupação com o refinamento dos trabalhos em seus detalhes perpassam o academicismo,
buscando o sentimento mais puro do artista e a geração dos sentimentos nos observadores. Com uma
intenção de distorção da realidade, Munch, em sua obra O grito, por exemplo, mostra a emoção e
a angústia emanadas pelo personagem central. O interessante é que o artista não deixa claro se o
personagem é homem ou mulher, pois o mais importante é o sentimento proposto pelo artista.

Estudaremos o mestre Picasso com suas obras geométricas e a ausência da profundidade. O artista
retrata a realidade em apenas dois planos, trazendo com o cubismo sintético e o cubismo analítico
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formas de apresentar a arte abstrata e sua relação com o real. Já os artistas do futurismo foram muito
bem‑aceitos pelo público, mesmo com a intenção de provocar o observador.

Veremos como os estudos freudianos e o movimento dadaísta se encontraram para romper as


barreiras do pensamento racionalista e fazer arte sem limites estéticos.

Salvador Dalí vai nos surpreender com suas obras inspiradas nos sonhos e no subconsciente,
determinando uma nova linguagem artística: o surrealismo. Breton, principal nome desse movimento,
irá mostrar que a arte não precisa ser fruto da lógica, e sim de um universo de sonho ou de alucinação.

Não deixaremos de mostrar o Modernismo no Brasil e como essa nova tendência nas artes afetou
nosso País e os artistas que aqui viviam. Essa mudança tão importante marcou a entrada de uma
novíssima arte importada da Europa, desenvolvida por um grupo de artistas determinados a acabar de
vez com o marasmo das artes brasileiras e chamar a atenção para uma diferente linguagem artística.
Foi uma mudança necessária para o futuro nacional das artes, com a execução das artes plásticas, a
produção da linguagem do cinema novo, a composição e construção da fotografia e as linhas, formas
e cores da arquitetura.

Na entrada do pós-modernismo, temos o movimento do Op Art e sua arte ótica. Veremos a ilusão
visual marcada por grandes criações de artistas, como Victor Vasarely e suas telas que parecem se
movimentar sozinhas, e Alexander Calder, com seus móbiles que eram manipulados pelos próprios
observadores. Com o Pop Art, ou arte popular, estudaremos os artistas que utilizavam os recursos da
TV, do cinema e das propagandas para representar produtos da indústria cultural comuns nos meios de
comunicação em massa. Grandes artistas apareceram nessa época, como Andy Warhol e Roy Lichtenstein,
e foram os responsáveis por trazer o foco das artes, que era na Europa, para as Américas. Nessa mudança
pós‑moderna, o Brasil também será afetado em artes plásticas, fotografia, escultura e arquitetura. Com
uma linguagem minimalista, vamos entender a obsessão da artista Tomie Ohtake na criação de suas
gravuras e esculturas com grande valor pictórico relacionado às cores e à composição.

Em seguida, tentaremos desvendar a seguinte questão: como entender a arte nos dias de hoje?

Descobriremos o significado do termo contemporâneo. Depois do ready-made de Duchamp, em


que qualquer obra seria arte de acordo com as provocações e determinações do autor, muitas dúvidas
pairaram diante do que seria ou não arte. No esclarecimento dessas dúvidas, vamos desvendar com
mais profundidade as características da arte moderna e a pós-modernidade na visão de alguns autores
e depois enveredar pela contemporaneidade com mais propriedade.

Seguindo esse caminho, para entendermos melhor a arte contemporânea, estudaremos a relação
do termo e do significado da construção da arte atual com a teoria da complexidade, de Edgar Morin.

Veremos como a rede de ações para entender a complexidade de Morin se encaixará na construção
do processo de criação do contemporâneo e como o pensamento complexo implica um modo de pensar
em forma de rede, cujo conhecimento do mundo e das coisas se dá a partir da relação entre os diversos
contextos e as diversas partes que compõem o objeto de estudo.
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Crispolti (2004) defende que a arte contemporânea busca, na arte do passado, elementos construtivos
para uma arte nova. Nessa complexa rede que envolve a arte antiga é que nos embasaremos para a
criação da obra na atualidade.

Vamos analisar também as teorias de Sturken e Cartwright (2001) sobre a reflexividade, na qual a obra
artística comenta em si o seu próprio processo de produção. A reflexividade possibilitou que a obra de arte
moderna se transformasse em autorreferencial, pois seu conteúdo e sua forma fazem referência a ela mesma,
conferindo-lhe a característica da mobilidade e a autonomia para circular livremente.

Observaremos as diferenças entre a arte moderna e a arte contemporânea, relacionando o regime


de consumo e o regime de comunicação. Entenderemos o significado do “estado contemporâneo” para
o sistema da arte e qual é o sistema que prevalece até hoje entre as obras criadas.

Estudaremos as tendências artísticas contemporâneas, quais os caminhos que estão tomando as


artes na atualidade, sua identidade artística, linguagens e características.

Vamos entender a razão que leva a arte conceitual a valorizar mais o conceito (ou a ideia) por trás da
obra e descobrir por que a maneira de produzir essa arte é mais importante que a própria obra acabada.
A arte conceitual vai entrar para consolidar a divisão entre os caracteres estético e artístico.

No Minimalismo, veremos como os artistas tentaram reduzir a obra de arte à sua forma básica,
negando a expressão gestual do artista – apagando o vestígio do autor – e buscando alcançar uma
forma pura de beleza.

Com os desdobramentos da arte conceitual, veremos o aparecimento da Land Art, com seus trabalhos
concebidos intrinsecamente em lugares físicos específicos, estabelecendo uma relação triádica.

Vamos conhecer a Performance Art e seus artistas, que trabalhavam interdisciplinarmente com
diversas linguagens artísticas – pintura, escultura, gravura, vídeo, desenho, poesia, teatro, música etc. –,
utilizando o seu próprio corpo como meio e executando ações que se tornam a própria obra de arte.

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ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Unidade I
1 A ARTE RUPESTRE NO BRASIL

Quase sempre a história da arte rupestre é o ponto de partida para analisar o princípio da
transformação de nossa sociedade sob o aspecto midiático e imagético, afinal os registros das pinturas
e desenhos na PréHistória são testemunhos dessa transformação. Os grupos étnicos foram evoluindo
culturalmente, a princípio como desenhistas, na sequência, escultores, e, após, pintores, tendo em vista
a maior capacidade de abstração que foram adquirindo, o que era exigido pela pintura. Tais mudanças
não eram resultado de eventualidades, mas de uma mutação social que se manifestou gradativamente
de diversas maneiras no ser humano.

1.1 A Pré‑História

A Pré-História é marcada por uma das épocas mais extraordinárias da evolução humana. Por conta
de sua longa duração, os historiadores a dividiram, de acordo com a evolução técnica, em três períodos
significativos: Paleolítico (ou a Idade da Pedra Lascada), que vai desde o aparecimento do homem até
12 mil anos atrás; Neolítico (ou a Idade da Pedra Polida), de 12 mil até 6 mil anos atrás; e Idade dos
Metais, datada de 6 mil anos atrás até o aparecimento da escrita.

A linguagem gráfica observada na arte rupestre era o manifesto do código social dos grupos
étnicos da Era Paleolítica Superior (30 mil a 18 mil a.C.), que reproduzia a imagem na sua verdade
visual, sem deformações ou estilizações. Temáticas dominadas pela crença nos poderes mágicos, pelo
cotidiano que envolvia a luta pela sobrevivência. A abundância de sítios arqueológicos encontrados
até hoje decifra as diferentes culturas que se formaram a partir dessas manifestações artísticas.
Características particulares incluem o tipo da tinta, representações humanas pequenas ou grandes,
cores dominantes, traçados geométricos cuidadosamente executados, animais desenhados por uma
linha de contorno aberta, entre outras. Por meio das peculiaridades, técnicas ou não, foi possível traçar
um estudo histórico das sociedades que se manifestavam culturalmente registrando seu cotidiano em
imagens reproduzidas nas cavernas.

O apogeu da arte rupestre paleolítica foi descoberto em 1880, nas cavernas de Altamira, na Espanha,
também conhecida como gruta de Altamira, onde se conserva um dos conjuntos pictóricos mais importantes
da Pré‑História. Até aquele momento se duvidava de que grupos étnicos e selvagens dispusessem de
arte e cultura. A arte era sinônimo de civilização, e acreditava‑se que esses povos da Idade da Pedra
fossem desprovidos de tal característica. Nos tetos e paredes das cavernas de Altamira, foram reproduzidos
desenhos coloridos de bisões, cavalos e vários outros animais, em repouso, ou, o mais surpreendente, em
movimento. Estudos iconográficos apontam as imagens de Altamira como símbolos sexuais e religiosos,
ritos de fertilidade, cerimônias de súplicas aos deuses para caças bem‑sucedidas, bem como batalhas entre
clãs. Independentemente dos motivos que levaram a tais manifestações do homem paleolítico, resta a
13
Unidade I

certeza de que advinham de planejamento e organização, o que implica o processo cognitivo pelo qual as
tribos buscavam codificar suas informações, registrando‑as em símbolos gráficos.

Apesar da inegável importância histórica da gruta de Lascaux, um complexo de cavernas ao sudoeste


de França descoberto em 1940 (famosa pelas suas pinturas rupestres), ela é relativamente pequena se
comparada à gruta de Altamira.

As cavernas espanholas proporcionaram maior impacto social no século XX, diante de sua variedade
de riqueza cultural e artística. No mundo artístico moderno, por exemplo, influenciou a criação da
Escola de Altamira, quando o artista espanhol Pablo Picasso, após uma visita, exclamou que, depois
de Altamira, tudo parecia decadente. Apelidada de Capela Sistina da Arte Paleolítica, ela foi declarada
Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1985.

Figura 1 – Bisonte – La Cueva de Altamira, Espanha

Disponível em: https://bit.ly/3xf8fxz. Acesso em: 16 ago. 2016.

Figura 2 – Bull – State XI, Pablo Picasso, 1946

Fonte: Picasso (2010, p. 76).

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ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Na Era Neolítica o homem começa a desenvolver um novo estilo de expressão artística, momento
que ficou conhecido como o período das criações de armas e apetrechos mediante polimento das pedras,
tornando‑as mais afiadas. Foi nessa época que o ser humano fixou residência, iniciou‑se na agricultura
e dedicou‑se à domesticação de animais. Com a construção de moradias e o domínio da tecelagem e da
cerâmica, desenvolveu‑se a divisão de tarefas na comunidade.

O homem neolítico refletiu sua arte das conquistas técnicas. Uma característica que predominou
na pintura foi a ausência da imitação da natureza, passando para a representação do cotidiano em
grupos coletivos. Outra grande revolução nas artes visuais foi sugerir movimentos por meio da imagem
fixa; com essa preocupação, o artista desenvolveu figuras cada vez mais leves, ágeis, pequenas e com
poucas cores.

Na última fase do Neolítico, por volta de 3000 a.C., vemos um novo material dando forma à
beleza. Com o domínio do fogo e da transformação de minerais, o homem cria peças metálicas muito
benfeitas. Ornamentos, esculturas e armamentos, com riqueza de detalhes impressionantes, servem de
documentação do período em que viveu esse homem pré‑histórico.

Os sítios arqueológicos também no Brasil testemunham as primeiras evidências humanas em


nosso continente. A riqueza de diversidade que se encontra na América do Sul já se manifestava
desde 13.000 a.C., deixada por caçadores, pescadores e horticultores, cuja presença foi preservada por
diferentes grupos sociais e em vários períodos através das pinturas e gravuras produzidas em paredes
de grutas, abrigos, pedras, lajes e costões, perpetuando mensagens correlacionadas, principalmente, aos
aspectos mais importantes da vida cotidiana da sociedade.

À parte o campo de saber da arqueologia, a arte rupestre pode ser definida como um domínio
associado às demais características da história social do grupo que a elaborou. Os desenhos rupestres
eram uma forma de comunicação no qual as experiências eram trocadas, como complemento da
expressão verbal e gestual, representando relações ancestrais, nação e sonhos de referências semânticas.
Sob essa perspectiva, devemos entender que a linguagem visual, e não somente a verbal, é passível de
possibilidades em termos de eficácia e viabilidade. A habilidade exclusiva do homem de desenvolver
mensagens visuais só virá pelo desenvolvimento de sua inteligência visual.

Lembrete

Representações são sistemas de símbolos que chamamos de linguagem.


São inventados pelo homem e já foram um dia percepção de uma imagem.

Os números e os idiomas são exemplos de representação, assim como


os ideogramas japoneses e hieróglifos egípcios são bons exemplos de
linguagens de representações da forma e do conteúdo.

15
Unidade I

o céu
o firmamento estrangeiro rosto

o Sol
cabeça
casa
a noite
a escuridão cabelo, dor, luto
porta, aberto

caixa, sarcófago olho


as estrelas
atividade do olho
escrínio (estojo),
o fogo, o calor esteira
nariz, olfato
barca, navegação
orelha, sentidos
o vento
a respiração, o ar barca sagrada dente canino,
gosto, rir
as pedras boca
o gado
os metais tocar

Figura 3 – Símbolos pictográficos egípcios

Fonte: Mella (1998, p. 22).

Espirais, círculos, ondas, e outros grafismos comuns na arte rupestre, por exemplo, são simples
desenhos geométricos que representam um significado realista, como ressalta a autora:

[...] podem significar, ao mesmo tempo, dependendo do grupo cultural,


símbolos femininos ou masculinos, incesto, movimento das águas ou
piroga anaconda que transporta a humanidade. Quem poderia imaginar
que uma simples linha, considerada em nossa cultura uma das mais
elementares formas geométricas, pode conter tantos significados?
(GASPAR, 2006, p. 12‑3).

Figura 4 – Gravura da tradição Meridional. Sítio D. Josefa (RS)

Fonte: Gaspar (2006, p. 46).

16
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Figura 5 – Grafismo da tradição Litorânea Catarinense. Ilha dos Corais (SC)

Fonte: Gaspar (2006, p. 47).

Figura 6 – A Pedra Lavrada, de Ingá (PB): tradição Geométrica (setentrional)

Fonte: Gaspar (2006, p. 48).

Figura 7 – Tradição Geométrica (meridional). Morro do Avencal (SC)

Fonte: Gaspar (2006, p. 49).

17
Unidade I

Figura 8 – Grafismos de animais, comuns na tradição Planalto, Iapó e Tibagi (PR)

Fonte: Gaspar (2006, p. 49).

Lembrete

O processo pelo qual reduzimos as linhas e traços mais fundamentais e


típicos da representação denomina‑se abstração, podendo ser pura ou total.

A abstração pura significa deduzirmos os elementos básicos, o que confere


subtrair da mensagem visual a experiência representacional adquirida do
meio. Por sua vez, a abstração total é direcionada para o simbolismo, seja
ele decifrável, seja atribuído a ele uma significação aplicada.

1.2 Tradições da arte rupestre brasileira

No Brasil a arqueologia classifica o ordenamento das diferentes manifestações iconográficas da arte


rupestre em tradições, respeitando as semelhanças no estilo e na técnica de elaboração. Os principais
costumes arqueológicos da arte rupestre brasileira são: Tradição Agreste, Nordeste, Planalto, São
Francisco, Geométrica, Litorânea, Meridional e Amazônica.

Veja no gráfico a seguir a ordenação praticada no Brasil que norteia as pesquisas arqueológicas em
nosso teritório na Pré‑História:

18
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Amazônia Planalto brasileiro

ni

Tradição Rupestre
1.000 Inciso-

ra

Taquara
ponteada Policrônica

ua

Itararê
Meridional
Geomêtrica
d. C.

pi g

Unã
Tu
Saldoide-

Aratu
Barracóide

Tradição Rupestre Agreste


a. C.

Sambaquis
Hachurado-
1.000 zonada

Cerâmico
Sambaqui
3.000 minã

Humaitã
Umbu
Nordeste
Taperinha
5.000

Rupestre

Homem de Lagoa Santa


7.000
Arcaico
Holoceno

Tradição

Luzia
10.000
Pleistoceno

Sítios esparsos com vestígios humanos que podem


remontar até cerca de 50.000 anos

Figura 9 – Tradições pré‑históricas do Brasil

Adaptada de: Melatti (2009, p. 29).

Identificar as características estéticas de cada grupo permite perceber as identidades culturais


pré‑históricas por região e das condições de vida daquele homem (apesar de serem interpretações
subjetivas, tendo em vista que é complexo determinar os significados das pinturas). Veja os principais
traços de cada tradição da arte rupestre brasileira.

• Tradição agreste

Surgiu por volta de 9 mil anos atrás na região da Serra da Capivara; tem predominância de
grafismos de imagens humanas, em geral masculinas e estáticas, ou seja, são raras cenas de ação;
e possui pouco refinamento nas pinturas, o que dificulta a identificação das figuras.

19
Unidade I

Figura 10 – Antropomorfos e animais estáticos da tradição Agreste. Parque Nacional Serra da Capivara (PI)

Fonte: Gaspar (2006, p. 52).

• Tradição Nordeste

É a mais antiga e complexa tradição, surgiu por volta de 23 mil anos atrás e se concentra na
área do Parque Nacional Serra da Capivara, mas se espalhou para outros estados do Nordeste,
Centro‑Oeste e Sudeste; suas pinturas são monocromáticas, com aproximadamente 15 cm.

Representa homens, animais, plantas e algumas figuras geométricas com conotação narrativa e
interativa, ou seja, cenas de caça, guerra, dança, sexo, entre outras, onde se nota movimento na ação.

Figura 11 – A tradição Nordeste é marcada por representações de figuras humanas


e de animais como emas e cervídeos. Toca do Boqueirão da Pedra Furada (PI)

Fonte: Gaspar (2006, p. 51).

• Tradição Planalto

Está localizada em algumas áreas do Planalto Central, desde a Bahia até o Paraná; seu principal
foco encontra‑se nos sítios de Lagoa Santa e da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais. Tem a

20
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

predominância de peixes e cervídeos, muito coloridos (embora existam formas geométricas e


humanas em tamanho menor ao dos animais).

Figura 12 – Peixes e outros animais, assim como a cor vermelha, são típicos da tradição
Planalto. Essa pintura encontra‑se no abrigo de Santana do Riacho (MG)

Fonte: Gaspar (2006, p. 51).

• Tradição São Francisco

Os grupos denotavam extrema habilidade compositiva, combinavam em painéis figuras com cores
vivas mesmo com a pouca variedade temática; possuía grafismos situados em lugares visíveis e
uma tradição concentrada na região do Vale do Rio São Francisco, além de alguns focos na Bahia,
Minas Gerais e Goiás.

Figura 13 – Os répteis são formas frequentes na tradição São Francisco. Figuras com
decoração interna simétrica demonstram forte sentido de efeito dos pintores. Lapa do Boquete, Januária (MG)

Fonte: Gaspar (2006, p. 52).

21
Unidade I

• Tradição Geométrica

Os grafismos eram mais abstratos, com gravuras complexas e diversificadas. Ela se concentra mais
na região central do País, atravessando‑o pelo Centro‑Oeste e o Sudeste, chegando à região Sul
(pouca presença na Serra da Capivara). Na parte setentrional brasileira, os grafismos se situam em
áreas próximas a rios e cachoeiras; na meridional estão localizadas longe das águas e retocadas
com pigmentos, predominantemente círculos, setas e linhas tracejadas.

Figura 14 – Itaquatiaras de Cachoeira do Letreiro, em Carnaúba dos Dantas (RN): exemplo da tradição Geométrica

Fonte: Gaspar (2006, p. 53).

• Tradição Litorânea

Limita‑se a algumas ilhas de Santa Catarina, a 20‑5 km de distância uma das outras; possui
grafismos em locais de difícil acesso e foram feitos de granito; utilizava‑se da técnica do polimento,
com predominância de formas geométricas.

Figura 15 – Tradição Litorânea Catarinense, com os desenhos e


a forma humana geométrica característicos. Ilha Campeche (SC)

Fonte: Gaspar (2006, p. 50).

22
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

• Tradição Meridional

Está presente no Rio Grande do Sul, sobretudo em escarpas de planalto, blocos isolados, grutas
e abrigos diversos; suas gravuras são predominantemente limitadas à combinação de traços
retos ou curvos e círculos de vários tamanhos, muitos formando pegadas de felinos; é feita sobre
superfíceis de arenito, utilizando‑se técnicas de incisão ou polimento.

Figura 16 – Essas gravuras parecem representar pisadas de aves


e mamíferos. Exemplo da tradição Meridional. Canhemborá, Nova Palma (RS)

Fonte: Gaspar (2006, p. 50).

• Tradição Amazônica

É extremamente rica e diversificada, espalhada por toda a região Norte, tendo os principais sítios
arqueológicos em Monte Alegre e Alenquer, no Pará; considerada a mais antiga das Américas; tem
grande variedade de temas e tipos de grafismos, como figuras antropomorfas estilizadas e humanas
de várias dimensões (de até um metro), animais, parte de corpos e formas geométricas etc.

Figura 17 – Antropomorfo da tradição Amazônica. A riqueza de detalhes chama a atenção: traços do rosto,
cabelos e até outra figura humana na região da barriga, sugerindo gravidez. Serra da Careta, Prainha (PA)

Fonte: Gaspar (2006, p. 53).

23
Unidade I

2 AS ARTES INDÍGENAS

A arte brasileira surgiu da combinação das manifestações artísticas pré‑históricas, com as artes
primitivas dos povos indígenas e os estilos artísticos de outras sociedades.

Entretanto, a arte indígena, também denominada tribal, tradicional ou nativa sofreu julgamentos
calcados na visão colonialista como a própria nomenclatura sugere, ou seja, designa todos os povos que
foram encontrados no território brasileiro pelos portugueses. Confundido com as Índias, o Brasil possuía
vários grupos espalhados por todo o território e diferentes entre si quanto à cultura, costumes, rituais,
idiomas, entre outras particularidades, como os Xavantes, Kadiwéu, Yanomami, Asurini, Kayapó, Bororo,
Karajá etc., que somam cerca de 200 etnias diferentes.

A partir dessa premissa, pensemos a arte e estética indígena brasileira como a expressão de várias
manifestações e formas produzidas por diversos povos nativos brasileiros. Assim não teríamos a arte
indígena, mas as artes indígenas. “Como não existe algo chamado índios do Brasil, não há também a arte
de nossos índios” (VIDAL, 2000, p. 290).

A nova forma de pensar esse conceito significa considerar a diversidade, diferenças e especificidades nas
manifestações artísticas desses povos. O grafismo, principalmente, é produzido sobre uma rica e variável gama
de suportes: máscaras, cestarias, madeira, esculturas, cerâmicas, painéis decorativos, couro, cascas, pedra e, enfim,
a própria pele (a última, além dos grafismos, recebe ainda outro tipo de tratamento estético: escarificações
e tatuagens). Além da diversidade cultural, os povos indígenas são extremamente habilidosos em artefatos
decorativos como a arte plumária, de miçangas, tecelagem com fios e trançados de fibras vegetais.

Saiba mais

Os escravos moçambicanos, quando trazidos ao Brasil, vinham com a


pele marcada por escarificações, que os identificavam como pertencentes
a um determinado grupo. A escarificação era uma tatuagem “feita com
espinho introduzido sob a pele, ao longo de traços previamente desenhados”.
Depois “a pele [era] levantada, para em seguida ser cortada por lâmina de
pedra ou de metal”. Outras informações estão em: MARQUES, T. O Brasil
tatuado e outros mundos. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

O reducionismo com relação às artes indígenas não se limita apenas à imensa variedade de estilos
e manifestações que cabe ao tema, mas o problema se remete à maneira de como definimos arte,
pois os povos indígenas não designam o termo com a prática social a qual mantemos relação. Para
eles, simplesmente não existe um domínio específico de objetos que possuem uma funcionalidade
exclusivamente estética, apenas para serem contemplados.

A cultura indígena não é, portanto, voltada para o mundo das artes dentro de um contexto específico,
bem como não há, para eles, a necessidade de explicá‑la, defini‑la ou igualmente teorizá‑la. Esse

24
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

imperativo veio incorporado à visão ocidental de raiz eurocêntrica, a qual justificamos e recolocamos
em perspectiva a nossa própria atividade artística. A partir dessa concepção, Darcy Ribeiro nos fornece
uma definição sobre a arte indígena:

Que é arte índia? Com tal expressão designamos certas criações conformadas
pelos índios de acordo com padrões prescritos, geralmente para servir a usos
práticos, mas buscando alcançar a perfeição. Não todas elas, naturalmente,
mas aquelas entre todas que alcançam tão alto grau de rigor formal e de
beleza que se destacam das demais como objetos dotados de valor estético.
Então a expressão estética indica certo grau de satisfação dessa indefinível
vontade de beleza que comove a alenta aos homens como uma necessidade
e um gozo profundamente arraigados. Não se trata de nenhuma obrigação
imperativa como a fome ou a sede, bem o sabemos; mas de uma sorte de
carência espiritual, sensível, na qual faltam oportunidades para atendê‑la;
e de presença observável, gozosa e querida, em que floresce (RIBEIRO In
ZANINI, 1983, p. 49).

Para o antropólogo, a função estética e a efetiva se confundem na produção indígena, pois na fabricação
de um artefato não há espaço para inovações que possam eliminar sua funcionalidade, conferindo a
perfeição prática à tradição formal. Assim define o autor sobre a real função das artes indígenas:

A verdadeira função que os índios esperam de tudo que fazem é a beleza.


Incidentalmente, suas belas flechas e sua preciosa cerâmica têm um valor
de utilidade. Mas sua função real, vale dizer, sua forma de contribuir para a
harmonia da vida coletiva e expressão de sua cultura, é criar beleza (RIBEIRO,
1999, p. 160).

Será essa perfeição a percepção de arte a qual o observador atribui à arte indígena, mesmo que esse
valor estético seja mais facilmente percebido por antropólogos, etnólogos e por historiadores da arte.

Observação

Para Platão, o belo era a própria ideia da perfeição, como unidade


absoluta e imutável, pois não dependeria do plano material. Somente
através da razão seria possível exprimir um juízo estético, capaz de conduzir
o homem à perfeição pela união eterna entre o belo, a beleza, o amor e o
saber. Seria a ideia, portanto, que determinaria o padrão do que é belo ou
não, segundo o platonismo.

2.1 O grafismo

A arte gráfica indígena brasileira é considerada de grande autenticidade e qualidade estética,


empregando técnicas na pintura corporal e na decoração de objetos utilitários como cestarias e cerâmicas.
25
Unidade I

Habilidade culturalmente transmitida e herdada pelos seus antepassados, o aprendizado do grafismo


começa na infância do grupo, seja com o propósito ornamental, seja para o preparo para lutas e batalhas.

O significado representativo do grafismo indígena brasileiro, além do estético, possui conceitos


sociológicos e religiosos. As formas geométricas variam entre abstrações e formas naturalísticas
simplificadas que demonstram não apenas códigos internos, mas coloca o artista/artesão indígena
como protagonista pelo reconhecimento étnico do grupo ao qual pertence.

Veja alguns exemplos de representação pictográfica utilizada entre os grupos Tukano como sistema
de comunicação:

Órgão secual Uma espiral


feminino não simboliza
impregnado. o incesto e
representa
as mulheres
proibidas.

Sol - símbolo Fileiras verticais


que representa de pequenos
o princípio pontos
fertilizador. representam a
via láctea, que é
imaginada como
um rio celestial.

Figura 18 – Representações pictográficas indígenas

Adaptada de: Vidal (2000, p. 47).

Também temos os povos Xerente, localizados no cerrado do estado do Tocantins, que


possuem dois motivos básicos na pintura que servem como identificação do clã e da própria
comunidade a que pertencem: o traço ( wahirê ) e o círculo ( doí ). Observe os padrões aplicados
na pintura corporal:

Figura 19 – Padrões de pintura corporal Xerente

Adaptada de: Vidal (2000, p. 98).

26
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Entrecasca de palmeira tucum


Borboleta

Casco de jabuti
Caixinha de fósforo

Casco de jabuti ou vértebra de cobra Ã-KA-PRUK enviezado

Vértebra de cobra

U:Ã-OIRO: ziguezague

Quadriculado
Espinho de peixe

Figura 20 – Motivos decorativos da face

Adaptada de: Vidal (2000, p. 151).

As cores usadas pelos indígenas na aplicação de motivos no corpo humano, nas máscaras, nas
cestarias e nas flechas são confeccionadas a partir de materiais vegetais como o urucum, que dá o tom
vermelho, além do jenipapo e da fuligem, que dão a cor negra. Utilizam ainda pigmentos de origem
mineral que fornecem cores como o branco, o ocre, o vermelho‑castanho e o cinza‑azulado, empregados
no adorno de cerâmicas, bandanas, rodas de teto, bancos etc.

27
Unidade I

Figura 21 – Roda de teto maruana representando as lagartas sobrenaturais, Aldeia Apalai, Rio Paru de Leste

Fonte: Vidal (2000, p. 61).

Observação
Maruana imirikut, literalmente “motivos da roda de teto”, é um
painel cuja principal finalidade é permitir a visualização dos elementos
constitutivos da alteridade Wayana: os sobrenaturais, os espíritos e o
xamanismo, os inimigos e os homens brancos.

Vejamos a seguir onde o grafismo é mais empregado pelos povos indígenas no Brasil: na pintura
corporal, na cerâmica e na cestaria.

2.1.1 Pintura corporal

A pintura corporal indígena é chamada de tonophé, mesmo termo usado para designar pintura, e
é dotada de uma técnica complexa de significação. A característica mais peculiar dos índios Asurini,
por exemplo, são os desenhos geométricos, utilizados também na decoração de objetos. São figuras
relacionadas ao próprio sistema de comunicação ligado à cosmologia, obedecendo às regras estéticas
e morfológicas. Elaborada pelas mulheres, divide‑se o corpo em áreas que, sujeitam‑se às formas
geométricas dos signos visuais e critérios como sexo, idade e atividade que exerce. A posição que ocupa
no grupo é um traço importante para muitos povos indígenas, como os Xerente. Observe:

A pintura corporal Xavante marca, antes de mais nada, a participação


do indivíduo em rituais e cerimônias, separando o cotidiano e a esfera
doméstica da vida pública e cerimonial. Ela é exercida predominantemente
pelos homens, os quais, por isso mesmo, são os que mais frequentemente
se ornamentam. As mulheres o fazem, principalmente, em duas ocasiões: o
casamento e a nominação (VIDAL, 2000, p. 134).
28
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

A pintura corporal nos povos Kayapó difere entre as crianças e os adultos, mas ambos os sexos
recebem o mesmo desenho. As mães passam horas ornamentando seus filhos, pois sabem da importância
que têm no processo de socialização da criança; por sua vez, ela serve como laboratório e tela da jovem
mãe, que ensaia, aprende e se qualifica como pintora.

Figura 22 – Menina com pintura facial de jenipapo

Fonte: Vidal (2000, p. 55).

Figura 23 – Sequência de aplicação do motivo decorativo

Fonte: Vidal (2000, p. 150).

Observação

Os Asurini do Tocantins – índios da família linguística tupi‑guarani –


residem na Reserva Indígena do Trocará, localizada na margem esquerda
do rio Tocantins, a 24 quilômetros ao norte do Tucuruí, cidade conhecida
pela hidrelétrica ali construída. A população, que já esteve reduzida a
aproximadamente 30 indivíduos na década de 1960, é atualmente de
150 pessoas.

29
Unidade I

Saiba mais
Para saber mais sobre os Asurini do Tocantins, leia:
VIDAL, L. (Org.). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. 2. ed.
São Paulo: Edusp, 2000.

Entre as mulheres Xikrin, a pintura facial e corporal é organizada em sessões coletivas a cada oito
dias mais ou menos. Pertencem a essa sociedade das mulheres somente as casadas e com filhos, que
escolhem com antecedência o motivo decorativo, que deve ser o mesmo no corpo e podendo variar na
face. Sobre essa ocasião da vida dos Xikrin, a autora expõe o seguinte:

Exigem‑se muito tempo e prática para o domínio da técnica de aplicação


correta dos desenhos no corpo. O produto final é uma obra de arte
culturalmente orientada, na qual o ideal está relacionado à perfeição
da técnica e ao prazer estético intimamente ligado a um sentimento de
valorização pessoal e grupal (VIDAL, 2000, p. 147).

Figura 24 – Instrumentos da pintura Xikrin: feixe de estiletes feitos com nervura de folha de babaçu, recipiente
de ouriço de coco‑inajá contendo jenipapo misturado com água e carvão, pentes riscadores e carimbos

Fonte: Vidal (2000, p. 146).

30
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

1. 2. 3.

4. 5. 6.

Figura 25 – Desenhos‑base para a face. 1 e 2) Variante do desenho duas faces,


3) Atravessado, 4) Rabo de peixe, 5) Resguardo feminino e 6) Resguardo masculino

Fonte: Vidal (2000, p. 148).

Outro exemplo de como a pintura corporal possui um sistema visual rigidamente estruturado
são os corpos decorados dos povos Kayapó‑Xikrin por sinais gráficos que simbolizam a vida social
comunitária e em atividades próprias a cada sexo e idade, mesmo que seja uma fase transitória.
Funcionam como a exposição de uma comunicação publicamente por intermédio de mensagens
visuais, como demonstra a autora:

O resguardo e o seu fim pelo nascimento do primogênito de um casal afetam


um certo número de pessoas da aldeia durante um período de tempo. Esse
fato se expressa na pintura do corpo, pois cada pessoa recebe uma diferente,
obedecendo‑se a uma sequência própria a cada categoria e com duração
variável de acordo com o grau de proximidade com o recém‑nascido. Cada
cor ou substância (jenipapo, urucum, carvão e resina) possui, em dado
contexto e momento, um significado particular (VIDAL, 2000, p. 158).

Interessante são os conjuntos de pinturas corporais referentes aos rituais de iniciação e a ocasiões
especiais do homem Xikrin, como podemos observar na imagem a seguir:

31
Unidade I

1. 2. 3. 4. 5.

Figura 26 – Pinturas masculinas para ocasiões especiais: 1) a‑mi‑kra: dedo de jacaré, fim do ritual de iniciação masculina,
2) djoi‑mrõ‑ko: fim de resguardo, 3) katob‑ôk: pintura cerimonial, 4) me‑ã‑tonk: pintura cerimonial,
5) mêmu‑bitchiangki: fim de resguardo

Fonte: Vidal (2000, p. 167).

Figura 27 – À esquerda, forma de aplicação da pintura corporal, e à direita, a mão paleta da pintora Xikrin

Fonte: Vidal (2000, p.154).

Figura 28 – Pintura corporal Asurini

Fonte: Vidal (2000, p. 234).

32
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

2.1.2 Cerâmica e cestaria

Assim como cada povo indígena possui suas características, técnicas e outras peculiaridades na
pintura corporal, a produção da cerâmica e da cestaria não é diferente. São manifestações culturais que
expressam a identidade da tribo, de seus indivíduos e das atividades atribuídas a cada um deles.

Como ainda observamos anteriormente, o grafismo também é predominante na cerâmica e no


entrelaçamento (ou cestaria). Nas imagens subsequentes podemos observar a arte gráfica desenhada
criada pelas mulheres Asurini na produção de suas cerâmicas:

Figura 29 – Desenhos feitos por mulheres Asurini no papel

Fonte: Vidal (2000, p. 236).

33
Unidade I

A) B)

C) D)

Figura 30 – Cerâmica japepaí, utilizada nos principais rituais Asurini para servir mingau.
Trata‑se da mesma forma da grande parte da cozinha, objeto símbolo da atividade de subsistência
feminina por excelência. (A e B) padrão tayngava, (C) motivo kwasiarapana, (D) padrão tayngava

Fonte: Vidal (2000, p. 237).

Fator predominante na economia de alguns povos indígenas, a produção da cerâmica utiliza técnicas
tradicionais, como podemos visualizar na sequência de imagens da produção entre os Kadiwéu:

34
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

A) Superposição roletes de barro B) Utilização do cordão de caraguatá

C) Detalhe da pintura – utilização D) Pintura com o branco da cal


de resina do pau‑santo sobre as marcas do cordão

E) Acabamento com os barros coloridos F) Peças finalizadas

Figura 31 – (A‑F) Etapas da confecção da cerâmica Kadiwéu

Fonte: Vidal (2000, p. 266).

Entre as cerâmicas mais antigas feitas por indígenas brasileiros está a marajoara, produzida pelas
índias da Ilha de Marajó. Sofisticadas e extremamente elaboradas, as mais antigas compreendem os
anos entre 600 e 1.200 d.C. Estudos arqueológicos mostram que a região foi ocupada por agricultores
e ceramistas provenientes dos Andes, o que explica o grau de acabamento muito detalhado em baixo e
alto‑relevo, ou seja, produzidos por grupos com elevado nível de organização em camadas sociais.
35
Unidade I

Além da sofisticação, a cerâmica marajoara apresenta grande diversidade de objetos que vai além
dos famosos vasos, como estatuetas, carrancas, brinquedos, urnas funerárias, apitos, chocalhos e até
tangas (tapa‑sexo).

Figura 32 – Tanga de cerâmica, 19,9 x 14,1 cm, fase marajoara, procedente do Lago de Arari, Ilha de Marajó, PA,
coleção do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP – MAE – USP

Fonte: Beuttenmüller (2002, p. 14).

Símbolo da cultura e objeto, a cestaria, como outras manifestações artísticas, materializa a subjetividade
do grupo indígena, constituindo‑se em linguagem da vida cotidiana, mas expondo ainda referências mais
profundas e complexas, como a ancestralidade, o sagrado e a natureza, como corrobora a autora:

A arte do trançado é uma das mais antigas que o homem conhece. Representa
diferentes categorias artesanais indígenas e revela seu modo de vida e sua
adaptação ao meio. As formas e técnicas de entrelaçamentos representam
as tramas sociais e uma visão cosmológica particular (IOKOI, 1998, p. 63).

O povo Munduruku, do sul do Pará, é conhecido pela habilidade na produção da cestaria. O cesto
carqueiro é confeccionado com palha de tucumã, costurado com cordéis de caroá e uma alça de envira.
Ele é oferecido à esposa ou filha solteira, sendo usado no transporte de frutos e apetrechos de viagem.
A pintura vermelha é produzida com urucum, e o grafismo dela informa o clã da linhagem paterna à
qual pertence o artista.

Figura 33 – Krikati, Cesto cargueiro Figura 34 – Técnica de entrelaçamento

Fonte: Iokoi (1998, p. 64).

36
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

O trançado dos Wayana, habitantes do norte do Pará, por sua vez, representa “suas concepções
a respeito da formação e constituição do universo, e essas concepções podem ser percebidas e
compreendidas pelos membros dessa sociedade” (IOKOI, 1998, p. 64). O grafismo do cesto cargueiro
Wayana destaca formas míticas, como a anaconda, a cobra sobrenatural.

Figura 35 – Cesto que simula a malha das cobras urutu e coral confeccionado como antigamente (sem coloração)

Fonte: Barbosa (2012, p. 61).

Figura 36 – Coroa trançada em processo de confecção: talas de pecíolo do buriti entramadas


com cascas do cipó imbê. Índios Juruná, Rio Manitsauá‑misu (Parque Indígena do Xingu)

Fonte: Barbosa (2012, p. 55).

37
Unidade I

Figura 37 – Artesã Guarani M’byá no início da confecção de um cesto

Fonte: Barbosa (2012, p. 62).

2.2 Arte plumária

Considerada a maior manifestação artística do índio brasileiro, a arte plumária é a personalização


corporal de seu grupo étnico e mítico produzida pela combinação de penas, plumas e penugens de aves.
Traduz esteticamente simbologias e mensagens sobre sexo, idade, posição social, cargo político, filiação
e importância cerimonial.

Para a tribo Kayapó‑Xikrin, a plumária é uma simbologia mítica, já que as aves, habitantes dos
céus, são a luz eterna e origem de seus ancestrais e são símbolos de conquista da sua existência,
diferenciando‑os dos demais.

Figura 38 – Kayapó‑Xikrin do Cateté. Ritual de iniciação masculina tokok

Fonte: Iokoi (1998, p. 61).

Rica e variada, utiliza‑se de resinas para ter a durabilidade necessária para suportar as danças,
cerimônias e comemorações que podem durar vários dias.
38
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Figura 39 – Coroa radial da tribo Asurini usada por homens em danças rituais. A emplumação é feita de rêmiges
primárias e secundárias de gavião‑carijó; rêmiges primárias, retrizes e coberteiras da asa de socó‑boi, apresentando,
igualmente, plumas dorsais e rêmiges secundárias da fêmea da espécie. Também é confeccionada para comercialização

Fonte: Cury (2000, p. 47).

Os membros da tribo Bororo se distinguem uns dos outros, além de seus próprios nomes e demais
objetos variados, pelo emprego das penas de determinadas aves na ornamentação de seus corpos.
Considerada uma das mais suntuosas, a arte plumária Bororo utiliza uma enorme variedade de penas e
tamanhos, e varetas como suportes.

Figura 40 – Diadema. Bororo Ocidental (do Jauru). Emplumação de coberteiras


da asa de arara‑vermelha e suporte de cordel‑base de fibra de tucum

Fonte: Cury (2000, p. 51).

39
Unidade I

A arte plumária é uma tarefa elaborada exclusivamante pelos homens da tribo, que recolhem as penas
e plumas durante as caçadas guardando‑as em um estojo de bambu, ou criam as aves desde filhotes.
Estas são alimentadas pelas mulheres e crianças, passando a maior parte da vida sem a plumagem. A
plumária possui uma variedade de utilidades como diademas, braceletes, cocares, bandoleiras, testeiras,
colares, coroas, narigueiras, capacetes, viseiras, braçadeiras, além de ornamentos dorsais e flechas.

Figura 41 – Coroa vertical Guarani, emplumação de plumas dorsais de ema


e suporte de aro trançado com fasquias de taquara e fitas de cipó‑imbé

Fonte: Cury (2000, p. 105).

Figura 42 – Mantelete Chamacoco, emplumação de rêmiges secundárias, plumas dorsais e do ventre de pato‑selvagem; rêmiges
secundárias, retrizes e plumas do corpo em geral, da cabeça, do encontro da asa e do calção, em particular, de papagaio‑verdadeiro;
plumas de dorso de socó‑boi; plumas dorsais e/ou coberteiras da asa de tachã, retrizes de aracuã‑do‑pantanal; retrizes de
gralha‑picaça; plumas de arara‑vermelha; retrizes e coberteiras da asa de falconiformes; plumas da região abdominal de cracídeo

Fonte: Cury (2000, p. 81).

40
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Além desses objetos mencionados, há ainda uma rica diversidade de outras manifestações artísticas
elaboradas a partir das necessidades de cada povo, aproveitando a matéria‑prima existente em seu
habitat. Veja a diversidade desses objetos executados por diversas tribos brasileiras:

Figura 43 – Muiraquitã. Esteatita, Pará, 64 x 57 mm

Fonte: Iokoi (1998, p. 65).

Figura 44 – Bonecas. Índios Karajá e Ramkokamekrá‑Canela

Fonte: Iokoi (1998, p. 65).

41
Unidade I

Figura 45 – Boneco de cera. Índios Tapirapé, MT, alt. 490 mm. Máscaras, índios Tukuna, AM

Fonte: Iokoi (1998, p. 66).

Figura 46 – Viradores de beiju e paus de cavar. Índios Waurá, MT

Fonte: Iokoi (1998, p. 66).

42
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Figura 47 – Bordunas (armas). Da esquerda para a direita: Bororo, Krahó, Kayapó‑Gorotire, Karajá, Tukano e provavelmente Kayapó

Fonte: Iokoi (1998, p. 67).

Figura 48 – Banco monóxilo zoomorfo. Índios Guarani, SP, 460 x 110 x 140 mm.
Estatueta antropomorfa de cerâmica. Santarém, PA, 270 x 180 mm

Fonte: Iokoi (1998, p. 68).

3 A ARTE COLONIAL NO BRASIL

3.1 O período jesuítico

A arte no primeiro período colonial no Brasil se constitui principalmente pelo estilo jesuítico
influenciado diretamente por Portugal, projetado nas construções de igrejas, com influência mais forte
onde a Colônia era mais ativa, ou seja, em cidades costeiras como Salvador, Bahia (a primeira capital do
Brasil Colônia). Nesse cinturão costeiro, localiza‑se um terço das igrejas construídas no período colonial,
que engloba, além de Salvador, Recife e Rio de Janeiro.
43
Unidade I

Os missionários jesuítas da Companhia de Jesus no Brasil Colônia (1549‑1759), em um primeiro


momento, se concentraram na tarefa de criar assentamentos indígenas. Depois voltaram sua energia
para a educação dos índios a fim de promover a essencial conversão católica. Apesar de esta ser o alvo
principal, a Coroa Portuguesa dependia dos jesuítas na educação dos filhos dos colonos e assumiram,
ainda, a formação de candidatos ao sacerdócio.

De missionários e professores, a partir do segundo século de colonização, os jesuítas passaram a ser


empreendedores entre os primeiros construtores da colônia, tornando‑se ainda os principais expoentes
do desenvolvimento da arquitetura e das artes no Brasil, como explica o autor:

Com efeito, ainda hoje está em uso a expressão estilo jesuítico, para descrever
toda uma fase de arquitetura e decoração do primeiro período colonial,
que abrange também obras sem conexão direta com os próprios jesuítas.
Entretanto, a designação não é imprópria, uma vez que a Companhia
constituía naquele período o canal de transmissão mais influente da cultura
europeia para a América portuguesa (BURY, 2006, p. 64).

Entre as maiores contribuições arquitetônicas jesuíticas estão as igrejas da Companhia em Salvador,


antiga igreja do Colégio dos Missionários (atual Catedral de Salvador), de 1672, e de Belém do Pará
(atual igreja de Santo Alexandre), construída em 1719.

Figura 49 – Catedral de Salvador, Bahia

Fonte: Bury (2006, p. 75).

44
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Figura 50 – Igreja de Santo Alexandre, Belém do Pará

Fonte: Bury (2006, p. 75).

A Companhia de Jesus no Brasil Colônia foi expulsa em 1759, e a ideia de arte jesuítica que abrange
todo o barroco brasileiro apresenta‑se como o que temos de mais antigo. Nesse período introduzia‑se
no Brasil o barroco tardio italiano, logo seguido pelo rococó francês.

Saiba mais

O Barroco foi um estilo caracterizado por sua oposição aos conceitos de


simetria, proporcionalidade, racionalidade e equilíbrio, tão importantes no
Renascimento. A arte barroca primou a assimetria, o excesso, o expressivo
e a irregularidade. Mais informações podem ser encontradas em:

AMARAL, W. L. Barroco e Rococó nas igrejas de Minas. Joinville: Clube


de Autores, 2015.

Certamente as igrejas foram as obras arquitetônicas jesuíticas mais importantes da Companhia,


porém a Ordem construiu outras edificações de grande valor, como o Solar de São Cristóvão, em Salvador.
Fundado no século XVI, tinha 18 quartos e era usado pelos padres e alunos do colégio, mas que, em
1784, foi transformado em leprosário, tendo sua estrutura sofrido grandes alterações, mas conservando
suas feições básicas do projeto original.
45
Unidade I

Saiba mais

Em vista da proeminência dos jesuítas como aristocracia intelectual


e cultural da Colônia, e do interesse de seus monumentos, a destruição e
a desfiguração em larga escala que os atingiu são lastimáveis para o patrimônio
brasileiro. Outros dados estão em:

BURY, J. Arquitetura e arte no Brasil Colonial. In: OLIVEIRA, M. A. R. (Org.).


Brasília: Iphan/Monumenta, 2006.

No Brasil, o rococó é uma das fases do Barroco (e foi se desenvolvendo paralelamente), enquanto o
segundo pode ser definido em quatro fases distintas:

• 1ª fase: barroco jesuítico, caracterizada por altares e retábulos muito altos e com influência
renascentista;

• 2ª fase: período da antiguidade mineira, surgiu entre 1710 e 1730, e é marcada por fachadas
simples e requinte interior, colunas retorcidas ou torsas, ornamentos com motivos fitomorfos e
zoomorfos, arcos concêntricos e envoltórios dourados ou policromos em azul e vermelho;

• 3ª fase: irrompe em Minas Gerais entre 1730 e 1760, distingue‑se pelos dosséis no alto
dos retábulos, fachadas um pouco mais elaboradas com trabalhos de cantaria, excesso de
motivos ornamentais predominantemente escultóricos, revestimentos em branco e dourado
e falsas cortinas com anjos;

• 4ª fase: nasceu também em Minas Gerais a partir de 1760, destaca‑se pela alteração dos
retábulos, falta de dosséis, maior harmonia dos ornatos, mais simplificados, pelas fachadas mais
elaboradas com composição escultórica no estilo rococó, com invólucros de fundo branco e
dourado nas partes principais.

A seguir o autor nos auxilia, antes de adentrar no universo do barroco mineiro, na definição de Barroco:

Quanto à origem da palavra barroco, existem várias posições[,] sendo


que a mais aceita é a de que a palavra teria originado da palavra
espanhola barrueco, usado pelos joalheiros para designar um tipo de
pérola irregular. [...] O estilo barroco traduz a tentativa angustiante
de conciliar forças antagônicas: bem e mal; Deus e Diabo; céu e terra;
pureza e pecado; alegria e tristeza; paganismo e cristianismo; espírito e
matéria. Relações que contrariavam o racionalismo da arte renascentista
(AMARAL, 2015, p. 11).

46
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Observação

Apesar da classificação das fases do Barroco, é importante observar que


grande parte das igrejas mineiras demorou muito tempo para ser concluída
e, dessa forma, podemos perceber a mistura de vários períodos do barroco
mineiro em uma só igreja.

Passado o período dos imigrantes portugueses, uma geração de nativos, entre eles muitos mestiços e
mulatos (como o artista Aleijadinho), formava‑se juntamente a muitas mudanças sociais, principalmente
no estado de Minas Gerais, devido à descoberta de ouro e diamantes na região.

Entre a primeira e segunda fase do Barroco, podemos verificar a diferença e transição de estilos no
conjunto arquitetônico de Congonhas do Campo, projetado por Aleijadinho. Enquanto a igreja ainda
conserva o estilo jesuítico, predominando severas linhas retangulares, e mesmo ainda tendo incorporado
novos elementos no projeto, o Adro, construído muitos anos depois, mostra‑nos o estilo barroco de
Aleijadinho, dando lugar a complexas curvas e representando um desvio drástico e radical do estilo
anterior, e não uma mera modificação.

As severas linhas retangulares do estilo jesuítico dão lugar a complexas


curvas; as fachadas das igrejas são decoradas com esculturas em alto‑relevo;
a ornamentação aplicada aos altares e em todo o interior é intermitente
e mais contida, menos imponente que a suntuosa decoração do estilo
jesuítico, porém mais sutil e harmoniosa (BURY, 2006, p. 44).

Entre os anos de 1717 e 1721, Minas Gerias atingiu seu ápice na produção aurífera, e, por
volta de 1760, várias cidades se transformaram em centros urbanos e surgiram as grandes igrejas
matrizes, como a de Vila Rica, de Mariana, de Congonhas do Campo, de Sabará, de Barbacena e de
São João Del‑Rei, a maioria de influência jesuítica. A partir daí foram introduzindo novas formas
barrocas e conceitos rococó oriundos da Europa.

47
Unidade I

Figura 51 – Fachada da igreja matriz de Nossa Senhora da Piedade, em Barbacena,


Minas Gerais, construída no segundo quartel do século XVIII e consagrada em 1748

Fonte: Bury (2006, p. 109).

Dessa miscelânea de formas viu‑se emergir um estilo arquitetônico original, batizado de estilo
Aleijadinho, em homenagem ao seu maior expoente. Esse período foi marcado pelas aspirações de
emancipar o Brasil de Portugal, como explana o autor:

Na arquitetura, tais aspirações conduziriam à criação de um estilo brasileiro


original e, na política, a um Brasil independente. Se fracassaram politicamente
com a malsucedida conspiração ou Inconfidência, de 1789; na arquitetura, em
compensação, obtiveram sucesso. Desenvolveram na colônia um estilo próprio
que, pela primeira vez no Brasil, superou a mera imitação de modelos europeus.
A originalidade não mais resultava, como anteriormente, de execução inábil
ou do provincianismo (BURY, 2006, p. 110).

O estilo Aleijadinho, tanto na arquitetura como na escultura, tem seu monumento clássico na igreja
de São Francisco de Assis, em São João Del‑Rei. Aleijadinho manteve o habitual traçado português da
fachada, porém todos os princípios e concepções do estilo jesuítico foram abandonados. Eles estão nas
torres da igreja, onde se manifesta mais nitidamente essa emancipação arquitetônica: elas possuem
“formato cilíndrico, guarnecidas por balaustradas e encimadas por elegantes cúpulas semiovais
coroadas de obeliscos” (BURY, 2006, p. 112).

48
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Figura 52 – Fachada da igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, de São João Del‑Rei. Iniciada em 1774 e terminada
durante o primeiro quartel do século XIX. O projeto é atribuído a Aleijadinho, sendo considerado uma de suas obras‑primas

Fonte: Bury (2006, p. 111).

Apesar de a igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, de São João Del‑Rei, ser considerada
a obra que mais representa as características do estilo Aleijadinho, outras de transição mostram o seu
desenvolvimento, como as igrejas da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, de Sabará, de Ouro
Preto, de São João Del‑Rei e de Mariana.

Figura 53 – Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, de Ouro Preto. Iniciada em 1776. A tradição atribui o projeto a
Aleijadinho, que recebeu pagamento para fazer a ornamentação interna entre 1771 e 1794

Fonte: Bury (2006, p. 112).

49
Unidade I

Figura 54 – Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, de Sabará. Iniciada


pelo pedreiro Tiago Moreira em 1763, teve sua fachada refeita por Aleijadinho em 1771

Fonte: Bury (2006, p. 113).

Figura 55 – Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, de Mariana

Fonte: Bury (2006, p. 113).

50
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Figura 56 – Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, de Ouro Preto. A igreja é o exemplo máximo da transição do
maneirismo local para o rococó. Iniciada em 1776 por Manoel Francisco Lisboa (pai do Aleijadinho), o corpo do edifício pertence ao
primeiro estilo, mas a fachada revela claramente a inspiração do Aleijadinho, podendo ser considerada uma de suas obras‑primas

Fonte: Bury (2006, p. 115).

No que se refere à ornamentação, o estilo Aleijadinho busca a originalidade em sua combinação, e


o aspecto mais marcante é ser esculpida em alto‑relevo estilo rococó. A pedra‑sabão local propiciava
bons acabamentos devido a sua maciez, além de uma variedade de tonalidades que obtém efeitos
ornamentais. Diante disso, apesar da fachada entalhada das igrejas não ser uma novidade no século XVII,
Aleijadinho a tornou inédita, complexa e delicada.

O ineditismo também se nota no aspecto arquitetônico do estilo Aleijadinho, particularmente na


diferença da procedência portuguesa do rococó, e que se evidencia no “tratamento da ornamentação
– relação de equilíbrio entre os elementos decorativos estruturais – como no gracioso efeito alcançado
pelo uso de seções curvas nas paredes, harmoniosamente relacionadas entre si e com as superfícies
planas adjacentes” (BURY, 2006, p. 118).

3.2 O Aleijadinho

Maior artista do barroco mineiro, Antônio Francisco Lisboa, vulgo Aleijadinho, nasceu em Vila Rica
(atual Ouro Preto) em 1738. Filho de um mestre de obras e senhor de escravos português, Manoel
Francisco Lisboa, e de uma escrava africana provavelmente de nome Isabel, aos 60 anos Aleijadinho foi
contratado para esculpir 64 imagens de madeira e 12 estátuas de pedra para a igreja de Congonhas
do Campo (1800‑1805), período em que os sintomas da doença degenerativa que o acometeu (e que
permanece inconclusiva até hoje) estavam em seu pior estágio até aquele momento.
51
Unidade I

Adepto à leitura da bíblia e entusiasta de esculturas sacras, em 1790 Aleijadinho já estava tão
doente, que era carregado para onde quer que fosse, e seu trabalho era executado com formões e
marretas amarrados às mãos, que se atrofiaram e curvaram, chegando a cair, restando‑lhe somente os
polegares e os indicadores sem movimento. Como se não bastassem as fortíssimas dores, perdeu todos
os dentes e sua face e corpo se deformaram, adquirindo um aspecto assustador e asqueroso, como
observa o autor:

Qualquer que tenha sido a doença do Aleijadinho e a natureza exata


dos sintomas, é claro que seu corpo ficou horrivelmente deformado. [...]
A curiosidade e os olhares indiscretos provocados pela sua aparência
humilhavam e mortificavam sua natureza orgulhosa e sensível.
Tornou‑se amargo, desconfiado e sujeito a violentos acessos de raiva
(BURY, 2006, p. 31).

A carreira inicial de Aleijadinho é associada ao estilo rococó curvilíneo e tridimensional, principalmente


nas fachadas das igrejas que projetou, e que representa uma revolução criativa na arquitetura. Sua vida
artística pode ser dividida em três períodos distintos:

• 1º período (1770‑1794): igrejas franciscanas de Ouro Preto (fachada e interior) e de São João
Del‑Rei (fachada) e igrejas carmelitas de Ouro Preto (fachada e interior) e Sabará (fachada e
interior), e outra meia dúzia de igrejas e capelas particulares pertencentes a fazendeiros, mas de
pouca importância artística comparada às demais.

• 2º período (1795‑1807): Santuário dos Profetas em Congonhas do Campo, que constitui o Adro
e o Jardim dos Passos.

• 3º período (1807‑1812): incapacitado pela doença, somente dirigiu e inspecionou o trabalho de


seus assistentes, um deles seu escravo Maurício.

Ficou cego em 1812 e morreu em 1814. Seu corpo foi sepultado na Matriz Nossa Senhora da
Conceição, em Ouro Preto. Seu trabalho suntuoso e requintado encontra‑se espalhado pela cidade de
Ouro Preto, Sabará, Congonhas do Campo e em outras cidades mineiras.

Localizada na região montanhosa de Minas Gerias, Congonhas do Campo possui o magnífico


cenário de onde se ergueu a Igreja do Bom Jesus de Matosinhos dos Profetas em 1761, o Adro
no fim do século XVIII e as estátuas no início do século subsequente. O conjunto arquitetado por
Aleijadinho representa o ápice de seu desenvolvimento como artista e o reconhecimento do estilo
perpetuado por ele.

52
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Figura 57 – Adro dos Profetas e Jardim dos Passos. Santuário de Congonhas

Fonte: Bury (2006, p. 27).

Para se chegar à igreja, passa‑se por uma série de capelas chamadas Passos, e que cada uma delas
representa as cenas da Paixão de Cristo por grupos de imagens em tamanho natural esculpidas em
madeira por Aleijadinho. No fim da ladeira, encontram‑se o Adro dos 12 profetas, estátuas também
em tamanho natural esculpidas em pedra‑sabão pelo artista.

Figura 58 – Passo da prisão. Santuário de Congonhas

Fonte: Bury (2006, p. 40).

53
Unidade I

1. Isaias 5. Daniel 9. Amós


2. Jeremias 6. Oséias 10. Naum
3. Baruc 7. Jonas 11. Abdias
4. Ezequiel 8. Joel 12. Habacuc

7 5 6 8

3 4

9 10

11 1 2 12

Figura 59 – Prospecto do Adro dos Profetas

Fonte: Bury (2006, p. 45).

Sobre a relação entre a arquitetura e a escultura em Congonhas do Campo e a diferença nas fachadas
das igrejas executadas por Aleijadinho no período anterior, observa‑se que nas igrejas a escultura tem
papel subordinado, enquanto em Congonhas ela domina a arquitetura, como esclarece o autor:

Entretanto em nenhum dos dois períodos de sua carreira é possível


estabelecer uma distinção nítida ente sua atuação como escultor e como
arquiteto. Claro que nem ele nem seus contemporâneos consideravam a
fachada ou adro fronteiro de uma igreja e seus elementos ornamentais
como trabalhos independentes e separados. Portanto, apesar do papel
predominante desempenhado pelos profetas, eles não podem ser apreciados
de um ponto de vista limitado à escultura. Ao contrário, constituem apenas
uma parte, ainda que central, de vários elementos interdependentes que
formam o grandioso projeto de Congonhas, abrangendo todo o conjunto da
igreja e seus monumentos satélites (BURY, 2006, p. 43).

O conjunto arquitetônico projetado por Aleijadinho trata de uma solução extremamente adequada,
na qual as esculturas desempenham seu tradicional papel arquitetônico constituindo uma sequência
de pináculos nas quais as linhas ascendentes formam o contraste necessário com os parapeitos planos
e horizontais. Dessa forma podemos observar que Aleijadinho utilizou as linhas e volumes de suas
esculturas estilizadas com arrojada assimetria, libertando todo o conjunto da rigidez, proporcionando
movimento e ritmo ao projeto.

54
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Figura 60 – A Igreja do Bom Jesus de Matosinhos dos Profetas

Fonte: Bury (2006, p. 26).

Figura 61 – Profetas do Santuário de Congonhas do Campo

Fonte: Bury (2006, p. 102).

Figura 62 – Entrada do Adro dos Profetas, com Isaías e Jeremias em primeiro plano

Fonte: Bury (2006, p. 49).

55
Unidade I

Figura 63 – Passo do Senhor com a ”Cruz às costas”. Santuário de Congonhas

Fonte: Bury (2006, p. 29).

4 ARTE IMPERIAL

4.1 Fotografia e ofícios no Brasil

A daguerreotipia trouxe sem sombras de dúvidas grandes avanços para a fotografia e a possibilidade
dessa arte tornar‑se um ofício e ganha‑pão de muitos adeptos. O processo inventado por Louis Jacques
Mandé Daguerre (1787‑1851) consistia:

[...] em uma placa de cobre amalgamada a uma fina lâmina de prata cuja
superfície, extremamente polida, lembrava um espelho. Essa superfície
era tornada fotossensível por meio de iodeto de prata. A imagem obtida
diretamente na placa já era o produto final (KOSSOY, 2002, p. 23).

O potencial de consumo foi logo absorvido pelos pioneiros da fotografia, e nesse sentido podemos
afirmar que a fotografia foi desde seu início utilizada para fins comerciais.

Segundo Kossoy (2002) D. Pedro II foi um aficionado pela fotografia, e esse fato muito ajudou a
proliferação da técnica em nosso país:

Outros eventos que ocorrem posteriormente ilustram a receptividade do


Brasil em relação à fotografia no momento mesmo em que ela começa a ser
exportada pela Europa enquanto produto cultural, artístico e comercial. Em
1840 D. Pedro II assume o trono do Brasil. É conhecido o interesse que ele,
desde muito jovem, manteve pela fotografia; o depoimento do reverendo
norte‑americano Daniel Parish Kidder acerca da atividade do daguerreotipista
Augustus Morand, no Rio de janeiro, em 1842 (e a curiosidade que o novo
processo despertou no imperador), além do relato extraído do diário do
príncipe Adalberto da Prússia, comentando as experiências do próprio
56
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Pedro II com a daguerreotipia (também na mesma época), bem atestam


essa antiga ligação do monarca com o recém‑descoberto sistema de
representação visual (KOSSOY, 2002, p. 15).

A principal atividade desenvolvida pelos fotógrafos no mundo todo foi a arte do retrato, porém
foi muito usada para fins de documentação. Devido ao desejo de representação, as pessoas aderiram
fortemente ao retrato fotográfico, visto que se contratar uma pintura seria muito mais caro e de acesso
somente aos nobres e pessoas de maiores posses.

Os fotógrafos divulgavam seus serviços através de anúncios, cada qual detalhando suas especialidades,
veja dois anúncios:

Figura 64 – Anúncio de Marc Ferrez do fim da década de 1870

Fonte: Kossoy (2002, p. 24).

Anteriormente, vimos o anúncio de Marc Ferrez do fim da década de 1870. Nessa época já se destacava
nacionalmente pela sua principal atividade, que era a de execução de vistas e paisagens fotográficas.

Figura 65 – Anúncio de José Ferreira Guimarães do fim da década de 1870

Fonte: Kossoy (2002, p. 24).

57
Unidade I

Observamos o anúncio de José Ferreira Guimarães do fim da década de 1870, no qual destaca seus
retratos inalteráveis sobre esmalte. Guimarães, de nacionalidade portuguesa, foi um dos mais afamados
retratistas do país.

Kossoy (2002, p. 24) complementa:

Através dos anúncios nos periódicos[,] os fotógrafos divulgavam quase


exclusivamente informações sobre suas atividades enquanto retratistas,
por exemplo, os sistemas fotográficos empregados, os formatos e
acabamentos utilizados para a execução dos retratos, os preços que
cobravam pelos serviços e outros dados afins conectados a essa produção,
como sugestões quanto ao vestuário apropriado a ser usado, os cenários
de que dispunham etc.

Entretanto devemos ressaltar aqui que é ainda a mobilidade do ambulante, que sai à procura e
divulgação do seu trabalho, que propaga ainda mais a daguerreotipia no Brasil.

Muitos retratos foram feitos fora dos estúdios sofisticados com cenários ornamentados. Os
ambulantes viajavam por diversas cidades do interior e capitais costeiras em busca de clientes e dessa
maneira iam retratando crianças, adultos, idosos e grupos de famílias. Fotógrafos esses que acabaram
por perpetuar a fixação da imagem do homem brasileiro.

Foram esses desconhecidos viajantes que, com suas pesadas câmaras


e estranhos equipamentos, captaram a imagem do indivíduo e do grupo
familiar: suas fisionomias, seus ritos de passagem, seus eventos mais
representativos. Representações que, gravadas nos diferentes suportes
fotográficos, são vestígios documentais de múltiplas existências: deles
próprios enquanto retratistas e de seus retratados. Dentre esses fotógrafos,
muitos se anunciavam nos periódicos das cidades por onde passavam.
Outros tantos (jamais saberemos quantos) nunca se anunciaram. Alguns se
aventuraram na profissão, não tiveram sucesso e mudaram de ramo, outros
se estabeleceram por períodos mais longos. Alguns, poucos, obtiveram a
permissão da Corte de se promover como fotógrafos de “SS. MM. Imperiaes”
(KOSSOY, 2002, p. 25‑6).

Contudo a maioria dos fotógrafos não foi condecorada com tal distinção, mas podemos afirmar
que a contribuição fotográfica que tiveram foi tão importante quanto a dos outros para a memória
fotográfica do Brasil.

Nas décadas de 1840 a 1850, a presença de fotógrafos europeus no Brasil era algo muito significativo,
visto que existiam aproximadamente 30 retratistas em atividade no país. Na sua maioria eram franceses,
ingleses (norte‑americanos), alemães, suíços etc., podendo ter alguns anônimos nesse meio, porém com
pequena chance de serem brasileiros.

58
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

De 1850 a 1860, o número de fotógrafos cresceu, “já eram cerca de noventa fotógrafos em
atividade. Alguns deles – poucos, aliás – já se encontravam operando desde a década anterior [...]”
(KOSSOY, 2002, p. 26).

Posteriormente houve uma inversão, nos anos de 1860‑1869 encontrava‑se em atividade mais de
200 fotógrafos. Deles, apenas 40% eram estrangeiros, porém essa queda no número de estrangeiros
dependia da região do país.

Conclui:

Nas Províncias (depois Estados) do sul, a presença de estrangeiros na profissão foi


sempre acentuada ao longo de todo o século XIX e princípio do XX. O exemplo
da cidade de São Paulo é significativo: na década de 1880, dos nove fotógrafos
atuando na cidade[,] apenas dois eram nacionais. O primeiro salto significativo
decorrente da economia cafeeira acaba repercutindo na fotografia. Na última
década do século[,] mais que quadruplica o número de estabelecimentos da
modalidade. Seus proprietários eram estrangeiros em uma proporção de 90% e,
deles, 27% de origem italiana. Na primeira década do século XX[,] eram
34 os estúdios na cidade, sendo sempre os estrangeiros a dominar o negócio
fotográfico (88%). Desse total, 50% dos fotógrafos eram italianos, isto é,
praticamente dobraria o número de peninsulares em relação à década anterior
(KOSSOY, 2002, p. 26‑7).

Foi no Rio de janeiro que se concentrou o maior número de estabelecimentos no ramo fotográfico.
Podemos dizer que 50% dos fotógrafos daguerreotipistas se encontravam na cidade carioca e a outra
metade distribuída pelas demais províncias do Brasil. Com o passar dos anos, essa porcentagem foi
caindo e estados como São Paulo foram crescendo, tanto nas cidades do interior como na capital, que
na primeira década do século XX já contava com 27% dos estabelecimentos do país.

4.2 Preços dos retratos praticados no País

Os dados a seguir, extraídos dos verbetes, permitem‑nos mostrar tabelas de preços em réis praticados
em diferentes pontos do País durante o século XIX.

Tabela 1 – Período 1840‑1849

Ano Produto/serviço Preço Nome Local


1842 daguerreótipo $ 5000 Schmidt, H. Rio de Janeiro
1843 ‘‘ $ 5000 Anônimo 1 Bahia
1844 ‘‘ $ 5000 Gerbig, C. Rio de Janeiro
1845 ‘‘ $ 6000 Roberto Pernambuco
1847 ‘‘ $ 5000 Micolci, C. Bahia
1848 ‘‘ $ 5000 Walter, F. Ceará

Fonte: Kossoy (2002, p. 29).

59
Unidade I

Por esses dados, vê‑se que o preço de um retrato pelo sistema de daguerreotipia era praticamente o
mesmo ao longo dos primeiros anos que se seguiram à introdução da fotografia.

Tabela 2 – Período 1850‑1859

Ano Produto/serviço Preço Nome Local


1850 daguerreótipo $ 4000 Paul, J. Rio de Janeiro
1850 calótipo $ 3000 Anônimo 7 Rio de Janeiro
1857 daguerreótipo $ 6000 a $ 16000 Villela, J. F. Pernambuco
1859 ambrótipo $ 3000 a $ 30000 Azzaly, J. Santa Catarina

Fonte: Kossoy (2002, p. 30).

Nesta década os preços dos retratos através de diferentes sistemas (o sistema negativo‑positivo
ainda não se achava francamente disseminado) são bastante variáveis. Podemos ter uma ideia do valor
desses produtos fotográficos se o compararmos com os de outros artigos à venda, em réis, no Rio de
Janeiro, conforme anúncios no principal periódico:

Tabela 3 – Exemplos de valores comparativos

Produto Preço
bacalhau (arroba*) $ 2500
chouriço (libra*) $ 320
gravata de seda ou cetim $ 1500 a $ 2400
luvas de pelica $ 320 a $ 1200
papel de parede (peça) $ 1000
peras em lata de Lisboa (libra**) $ 1200
tecidos para escravos $ 140
*equivale a 14, 69 quilos **equivale a 459,5 gramas

Fonte: Kossoy (2002, p. 30).

Tabela 4 – Período 1860‑1869

Ano Produto/serviço Preço Nome Local


1862 carte de visite (dúzia) $ 15000 Camara, N. P. São Paulo
ambrótipo $ 2 a $ 10000 Camara, N. P. São Paulo
1863 carte de visite (dúzia) $ 15000 Basto, M. Rio de Janeiro
ambrótipo $ 3 a $ 12000 Basto, M. Rio de Janeiro
1863 carte de visite (dúzia) $ 15000 Vasconcelos, T. A. Rio de Janeiro
1863 carte de visite (dúzia) $ 15000 Ribeiros, M.A. da S. Rio de Janeiro
1864 carte de visite (dúzia) $ 10000 Nogueira, P.J. Rio de Janeiro
ambrótipo $ 3 a $ 30000 Nogueira, P. J. Rio de Janeiro

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ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Ano Produto/serviço Preço Nome Local


1865 carte de visite (dúzia) $ 6000 Villa, G. Rio de Janeiro
ambrótipo $ 3000 Villa, G. Rio de Janeiro
1867 carte de visite (dúzia) $ 10000 Janvrot, A. Rio de Janeiro
1867 carte de visite (1/2 dúzia) $ 6000 Potter, G. Amazonas
ambrótipo $ 4 a $ 10000 Potter, G. Amazonas
ferrótipo $ 10000 Potter, G. Amazonas
1868 carte de visite (dúzia) $ 10000 Sampaio, P. de. Ceará
1869 carte de visite (dúzia) $ 6000 Barros, J. J. de. Rio de Janeiro
1869 carte de visite (dúzia) $ 5000 Villa, G. Rio de Janeiro
1869 carte de visite (dúzia) $ 5000 Vasconcelos, T. A. Rio de Janeiro

Fonte: Kossoy (2002, p. 31).

Calótipo

Termo derivado do grego kalos, que significa belo e typos, que significa imagem, o
calótipo designava o processo negativo‑positivo desenvolvido pelo inglês William Henry Fox
Talbot (1800‑1877), razão pela qual também era conhecido como talbótipo. Tal processo,
desenvolvido a partir de 1834 e difundido comercialmente a partir de 1841, empregava
negativos de papel translúcido, tendo sido muito popular na Inglaterra entre 1841 e 1851,
sendo usado até o início da década de 1860. Teve penetração mais restrita nos demais
países do mundo em virtude do alto preço cobrado por seus direitos de utilização, ao
contrário do daguerreótipo, em que não era preciso pagar nada. Menos sensíveis à luz,
menos estáveis, menos nítidos do que os daguerreótipos e de produção mais lenta (porque
havia a necessidade de revelar o negativo, para só então produzir uma cópia, enquanto o
daguerreótipo, sendo um processo positivo direto, ficava pronto de imediato), os calótipos
tinham a vantagem de não apresentar a imagem invertida (no sentido direita‑esquerda,
como no caso dos daguerreótipos), de serem bem menos onerosos e de terem uma
agradável textura – quente e aveludada; além disto, por ter o papel como base, os calótipos
podiam ser montados em álbuns ou serem mais facilmente enviados pelo correio, tendo
ainda a vantagem suplementar de não apresentar o problema dos reflexos que dificultam a
visualização da imagem, inerentes ao processo de daguerreotipia.

Ambrótipo

Processo fotográfico que emprega negativos de vidro de colódio úmido, subexpostos


e montados sobre fundo negro para produzir o efeito visual de positivos. Concebido pelo
inventor do processo de colódio úmido, o inglês Frederick Scott Archer (1813‑1857) em
1851, em parceria por Peter W. Fry, mais tarde foi aperfeiçoado por James Ambrose Cutting
(1814‑1867). Como uma opção mais barata para o daguerreótipo, era apresentado nos

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Unidade I

mesmos estojos luxuosos. Muito empregado para retratos entre 1850 e 1860, o ambrótipo
tinha a mesma denominação – derivada do grego ambrotos (imortal) e typos (imagem) –
na Inglaterra, nos Estados Unidos e aqui no Brasil, sendo ocasionalmente denominado de
melanótipo no continente europeu.

4.3 O salão de pose

Os estúdios fotográficos eram na sua maioria no último pavimento dos sobrados, visto que era
necessário construir o salão de pose com teto de vidro, pois o retrato nessa época se fazia através da
luz natural.

Figura 66 – Aspecto do interior do salão de pose do italiano Oreste Cilento, São Paulo, 1900

Fonte: Kossoy (2002, p. 37).

A imagem prévia retrata o interior do salão de pose do estabelecimento fotográfico do italiano


Oreste Cilento, em São Paulo, por volta de 1900. Pela foto, pode‑se observar a notável iluminação
natural proporcionada pelo teto envidraçado assim como pela parede à esquerda; as cortinas podem ser
reguladas de modo a permitir o controle da luz. A foto registra também uma série de objetos que eram
utilizados para compor o cenário teatral dos retratos.

Alguns fotógrafos na época se pronunciaram sobre o uso desse tipo de estúdio e da arte de se fazer
retratos (KOSSOY, 2002):

• Bischoff, fotógrafo do Piauí em 1888, afirmava que o retrato podia ser executado com o tempo
encoberto.

• Antonio de Oliveira, do Pará, em 1893, declarava que nos dias chuvosos podia se fazer todos os
trabalhos fotográficos.
62
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

• Christiano Júnior, no Rio de Janeiro, em 1867, dizia que não havia necessidade que o Sol aparecesse
muito claro para se fazer bons retratos.

• Henrique Deslandes, do Espírito Santo, em 1871, destacava que os melhores dias eram o de sol
coberto, de nuvens brancas, ainda que estivesse chovendo.

Por outro lado, o fotógrafo podia controlar a entrada de luz no estúdio envidraçado, da maneira que
desejasse. Kossoy (2002, p. 38) diz: “Além disso, o fotógrafo tinha a possibilidade de intervir criativamente
na iluminação, através de cortinas no teto e na parede lateral envidraçada”.

Conclui:

Apreciando os retratos do passado, veremos os demais acessórios de um


estúdio: cortinas balaustradas, pedestais, cadeiras e mesas de diferentes
estilos, degraus artificiais, plantas etc. [...] os cenários artificiais dos ateliês
acabam por se constituir em uma ficção assumida e assimilada pelos
fotógrafos em cumplicidade com seus clientes (KOSSOY, 2002, p. 39).

Kossoy muito contribuiu para registrar em seu livro intitulado: Dicionário histórico‑fotográfico
brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil. A obra destaca esses e outros assuntos referentes
ao cenário fotográfico no Brasil no início do advento do início da história da fotografia.

4.4 Fotografia de paisagem e experiências pictóricas

A pintura de paisagem, ao oferecer‑se como tema de fácil reconhecimento, estabelecendo relações


mais explícitas com o mundo sensível, procura romper o círculo restrito de seus consumidores, sendo
considerada por isso uma forma de arte própria do perfil burguês. Apesar da acessibilidade do tema, a
formação tradicional do público retardou a aceitação da paisagem como gênero de viabilidade plástica.
Na década de 1850, entretanto, a paisagem torna‑se tema de sucesso consagrado no Salon e nas
exposições universais.

No Brasil a pintura de paisagem será vista ao longo de quase todo o século como um gênero
menor. Em 1826, a Academia Imperial de Belas‑Artes, formada pelos integrantes da Missão Francesa,
cria a disciplina Paisagem, o que significava a conquista de uma relativa autonomia. Nessa época,
a maioria das paisagens foram concebidas dentro dos ateliês da Academia, restritas à luminosidade
controlada das janelas envidraçadas. Em um ambiente fechado e inflexível, são reafirmadas as
convenções plásticas, que não permitem a experimentação que o tema natureza poderia oferecer.

63
Unidade I

Seguem duas obras comparativas com as técnicas de pintura e fotografia:

Figura 67 – Henri Nicolas Vinet, vista da Baía do Rio de Janeiro da praia de Icaraí,
em Niterói, 1872 – Museu Nacional de Belas Artes – Pintura

Fonte: Fabris (1991, p. 212).

Figura 68 – Auguste Stahl Ilha, Pernambuco, 1858 – Rio de Janeiro Coleção Gilberto Ferrez – Fotografia

Fonte: Fabris (1991, p. 216).

Annateresa Fabris nos auxilia:

Se na obra final, aquela apresentada e aceita pelo público, o tema era


tratado de maneira sintética, portanto, de forma ampla e totalizadora, nos
esboços e estudos dessa mesma obra, Peter Galassi encontrou os registros
de uma atitude marcada pela observação de fenômenos da natureza, com
reprodução de detalhes cujos tipos de cortes, justaposições e pontos de vista
estarão mais tarde presentes na fotografia. Assim, a fotografia só teria sido
concebível graças às experiências pictóricas (FABRIS, 1991, p. 228).
64
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Entretanto a fotografia não apenas se constitui enquanto linguagem própria, mas será responsável
pela transformação em senso comum de uma visualidade, que germinava no círculo restrito dos
produtores de obra de arte.

Ao nível temático, a fotografia marca nítidas diferenças com a pintura. Ela privilegia a imagem
industrial e urbana, pautando‑se no ideário de difusão do progresso técnico e econômico para toda a
humanidade. Nesse sentido, a fotografia possui um caráter projetivo e se afasta do realismo pictórico, o
qual procura banir de suas telas qualquer referência ao futuro.

Observe uma fotografia desse mesmo segmento da Coleção Gilberto Ferrez:

Figura 69 – Alameda central do Jardim Botânico do Rio de Janeiro 1870‑1875 – Foto Fritz Busch. Coleção Gilberto Ferrez

Fonte: Fabris (1991, p. 227).

Na pintura o renascimento do paisagismo parece estar associado não só a uma reação interna a
determinadas tradições no campo da arte, mas a uma tentativa de recuperar valores e situações que se
viam ameaçados pelas transformações que o crescimento da indústria pressupunha.

65
Unidade I

Resumo

A hominização do nosso ancestral pode ser identificada de várias formas,


uma delas é a manifestação artística encontrada nos sítios arqueológicos
brasileiros que datam de 13.000 a.C. A linguagem da arte rupestre, como
pudemos observar, era um complemento da expressão verbal e gestual, mas
representa muito mais que simples signos: foi uma forma de comunicação
e representação de relações ancestrais, nação e sonhos de referências
semânticas. No Brasil a arqueologia classifica o ordenamento das diferentes
manifestações iconográficas da arte rupestre em tradições, respeitando as
semelhanças no estilo e na técnica de elaboração.

Tão expressiva quanto a arte rupestre, as artes indígenas combinam as


artes primitivas com os estilos artísticos de outras sociedades considerando
a diversidade, distinções e especificidades nas manifestações artísticas dos
grupos indígenas brasileiros, que somam cerca de 200 etnias diferentes. O
significado representativo do grafismo indígena brasileiro, além do estético,
tem também valores sociológicos e religiosos. As formas geométricas
variam entre abstrações e naturalísticas simplificadas, que demonstram
não apenas códigos internos, mas coloca o artista/artesão indígena como
protagonista pelo reconhecimento étnico do grupo ao qual pertence. O
grafismo, aplicado em diversos artefatos, como no corpo, na cerâmica
e na cestaria, do mesmo modo que a arte plumária, possuem sistemas
visuais que simbolizam a vida social comunitária e em atividades próprias
a cada sexo e idade, ou seja, que expressam a identidade da tribo, de seus
indivíduos e das atividades atribuídas a cada um deles.

Com a vinda dos missionários da Companhia de Jesus no Brasil


Colônia, vimos os jesuítas, a partir do segundo século de colonização,
passarem a serem empreendedores entre os primeiros construtores do
Brasil, tornando‑se ainda os principais expoentes do desenvolvimento da
arquitetura e das artes brasileiras. A Missão foi responsável pelas obras
da 1ª fase do barroco brasileiro, o chamado barroco jesuítico, até serem
expulsos, em 1759. Nessa época introduzia‑se no Brasil o barroco tardio
italiano, logo seguido pelo rococó francês, e, posteriormente, o barroco
mineiro, originário da miscelânea de estilos que emergiram em uma forma
arquitetônica original, batizada de estilo Aleijadinho, em homenagem ao
mestre ícone do barroco brasileiro.

O período imperial no âmbito artístico no Brasil foi marcado pelo


aparecimento da técnica do daguerreótipo, a expansão dos estúdios
fotográficos e estabelecimentos comerciais que atendiam principalmente

66
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

à técnica do retrato. São apresentados também os fotógrafos estrangeiros


que passaram pelo Brasil, tabelas comparativas de valores dos praticados
no país, traçando um paralelo com os valores de produtos comuns da
época. Por fim são destacadas fotografias de paisagens relacionadas com
experiências pictóricas.

Exercícios

Questão 1. No Brasil a arqueologia classifica o ordenamento das diferentes manifestações


iconográficas da arte rupestre em tradições, respeitando as semelhanças no estilo e na técnica de
elaboração. Analise algumas características da arte rupestre brasileira quanto à tradição:

I – Surgiu por volta de 9 mil anos atrás na região da Serra da Capivara; predominância de grafismos
de figuras humanas, em geral masculinas e estáticas, ou seja, são raras cenas de ação; pouco refinamento
nas pinturas, o que dificulta a identificação das figuras.

II – Tradição localizada em algumas áreas do Planalto Central, desde a Bahia até o Paraná; principal
foco encontra‑se nos sítios de Lagoa Santa e da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais; predominância
de peixes e cervídeos, muito coloridos (embora haja formas geométricas e humanas em tamanho menor
ao dos animais).

III – Se limita a algumas ilhas de Santa Catarina, a 20‑5 km de distância uma das outras; grafismos
se encontram em locais de difícil acesso; feitos de granito, utilizavam‑se a técnica do polimento, com
predominância de formas geométricas.

A partir das afirmativas, assinale a alternativa correta.

A) As características apontadas nas afirmativas I e II pertencem à Tradição Agreste e Tradição Planalto,


respectivamente.

B) As características apontadas nas afirmativas II e III pertencem à Tradição Agreste e Tradição


Litorânea, respectivamente.

C) As características apontadas nas afirmativas I e III pertencem à Tradição Planalto e Tradição


Litorânea, respectivamente.

D) As características apontadas nas afirmativas II e III pertencem à Tradição Litorânea e Tradição


São Francisco, respectivamente.

E) Nenhuma das alternativas anteriores está correta.

Resposta correta: alternativa A.

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Unidade I

Análise das alternativas

A) Alternativa correta.
Justificativa: a alternativa está correta, pois as características predominantes da Tradição Agreste
são: surgimento por volta de 9 mil anos atrás na região da Serra da Capivara; predominância de
grafismos de figuras humanas, em geral masculinas e estáticas, ou seja, são raras cenas de ação; pouco
refinamento nas pinturas, o que dificulta a identificação das figuras; e as características da Tradição
Planalto são: localizada em algumas áreas do Planalto Central, desde a Bahia até o Paraná; principal
foco encontra‑se nos sítios de Lagoa Santa e da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais; predominância
de peixes e cervídeos, muito coloridos (embora haja formas geométricas e humanas em tamanho menor
ao dos animais).

B) Alternativa incorreta.
Justificativa: as características apontadas na afirmativa III estão corretas, mas a afirmativa II
corresponde à Tradição Planalto.

C) Alternativa incorreta.
Justificativa: as características apontadas na afirmativa I estão corretas, mas a afirmativa III
corresponde à Tradição Litorânea.

D) Alternativa incorreta.
Justificativa: as características apontadas nas afirmativas II e III correspondem às Tradições Planalto
e Litorânea, respectivamente.

E) Alternativa incorreta.
Justificativa: a alternativa está incorreta, pois a afirmativa I está correta.

Questão 2. No Brasil, o período Barroco pode ser definido em quatro fases distintas:

• 1ª fase: chamado de período da antiguidade mineira, surgiu entre 1710 e 1730, caracterizada
por fachadas simples e requinte interior, colunas retorcidas ou torsas, ornamentos com motivos
fitomorfos e zoomorfos, arcos concêntricos e revestimentos dourados ou policromos em azul
e vermelho.
• 2ª fase: o chamado barroco jesuítico, caracterizado por altares e retábulos muito altos e com
influência renascentista.
• 3ª fase: surgiu em Minas Gerais entre 1730 e 1760, caracteriza‑se pelos dosséis no alto dos
retábulos, fachadas um pouco mais elaboradas com trabalhos de cantaria, excesso de motivos
ornamentais predominantemente escultóricos, revestimentos em branco e dourado e falsas
cortinas com anjos.

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ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

• 4ª fase: surgiu também em Minas Gerais a partir de 1760, caracteriza‑se pela alteração dos
retábulos, falta de dosséis, maior harmonia dos ornatos, mais simplificados, pelas fachadas mais
elaboradas com composição escultórica no estilo rococó, com revestimentos de fundo branco e
dourado nas partes principais.

Analisando as afirmativas, qual das alternativas a seguir é a correta?

A) As afirmativas I e II estão corretas.


B) As afirmativas II e III estão corretas.
C) As afirmativas III e IV estão corretas.
D) As afirmativas I e IV estão corretas.
E) Nenhuma das afirmativas anteriores está correta.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.
Justificativa: a alternativa está incorreta, pois as características do Barroco brasileiro estão invertidas,
ou seja, da 1ª fase pertence à 2ª e vice-versa.

B) Alternativa incorreta.
Justificativa: a alternativa está incorreta, pois embora a afirmação III esteja correta, as características
apontadas na afirmação II pertencem à 1ª fase do Barroco brasileiro.

C) Alternativa correta.
Justificativa: a alternativa está correta, pois a 1ª fase do chamado Barroco Jesuítico, é caracterizada
por altares e retábulos muito altos com influência renascentista, e a 2ª fase, chamada de período da
antiguidade mineira, surgiu entre 1710 e 1730, caracteriza-se por fachadas simples e requinte interior,
colunas retorcidas ou torsas, ornamentos com motivos fitomorfos e zoomorfos, arcos concêntricos e
revestimentos dourados ou policromos em azul e vermelho.

D) Alternativa incorreta.
Justificativa: a alternativa está incorreta, pois embora a afirmação IV esteja correta, as características
apontadas na afirmação I pertencem à 2ª fase do Barroco brasileiro.

E) Alternativa incorreta.
Justificativa: a alternativa está incorreta, pois as afirmativas III e IV estão corretas, conforme mostrou
a alternativa C.

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