Você está na página 1de 30

Unidade II

Unidade II
5 SÉCULO XX: A TRANSFORMAÇÃO DO HOMEM MODERNO EXPRESSA NA ARTE

O século XX inicia-se ampliando as conquistas técnicas e o progresso


industrial do século anterior. Na sociedade, acentuam-se as diferenças
entre os mais ricos e os mais pobres. O capitalismo organiza-se e surgem
os primeiros movimentos sindicais, que passam a interferir nas sociedades
industrializadas (PROENÇA, 2009, p. 250).

A modernidade é marcada por grandes transformações, novas conquistas técnicas e grandes


revoluções tecnológicas, progresso econômico, reviravolta na sociedade e conturbação política. O início
do século XX foi marcado por grandes conflitos na história da humanidade, como a implantação do
capitalismo e o processo de industrialização. Os principais acontecimentos do Ocidente nessa época
foram a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa e o surgimento de movimentos extremistas, como
o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha. Destes dois últimos movimentos resultou uma reviravolta
política na Europa, influenciando as artes. Nasce, assim, o expressionismo alemão como representação
da perplexidade humana.

Nas primeiras décadas do século XX ocorrem também profundas conturbações


políticas: a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa, o surgimento do
fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Não demorou muito para que
a situação política criada pela Itália e Alemanha levasse os países europeus e
americanos a se envolver em novo conflito mundial. Com a Segunda Guerra
Mundial, intensificaram-se as pesquisas sobre energia nuclear e posteriormente
sua aplicação para fins bélicos, trazendo como consequência uma ameaça à
sobrevivência da humanidade (PROENÇA, 2009, p. 250).

Assim, a arte sofreu as consequências desses conflitos. Com o avanço das forças alemãs pela Europa,
muitas obras foram confiscadas, queimadas e destruídas pelos nazistas. Hitlert tentou ridicularizar alguns
dos maiores nomes da pintura, como Picasso, Matisse e Kandinsky, entre outros famosos, promovendo
uma exposição intitulada de “Arte Degenerada”.

Dentro desse complexo contexto social, a arte vem refletir as angústias e a perplexidade dos
indivíduos nesse tempo histórico. Então, o homem moderno debruçou-se na profundidade das relações
humanas que estavam ameaçadas pelos perigos da guerra.

As obras artísticas produzidas a partir daí irão fugir dos padrões impostos pelo Realismo, Naturalismo
e Classicismo, rompendo relações com a escola clássica da Grécia, com as linguagens do período
romano antigo, do renascimento italiano da Idade Média e dos “ismos’, como o Romantismo, Realismo,
70
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Impressionismo, Pontilhismo ou Expressionismo, produzindo com isso novas tendências. A proposta


era a de expressar, para além da realidade vista e representada do cotidiano e das paisagens, a própria
realidade de cada artista, como veremos a seguir.

5.1 Expressionismo: distorção da realidade para expressar os próprios sentimentos

Os artistas expressionistas romperam com as ideias impressionistas, em que a arte se debruçava


sobre as técnicas de luz e cor, voltando-se totalmente para os sentimentos humanos. De origem alemã,
o movimento nasceu por volta de 1904 e 1905 e teve grandes obras que até hoje fazem parte do
imaginário individual e coletivo. Um dos principais exemplos é a obra O Grito, de Edvard Munch.

Figura 70 – O Grito. 1893. 91 cm x 73 cm. Quadro de Edvard Munch

Essa obra, com enfoque direto na emoção humana como nunca havia sido expressada, foi a alavanca
temática que fomentou os artistas expressionistas.

Nessa obra, a figura humana não apresenta suas linhas reais, mas se contorce
sob o efeito de suas emoções. As linhas sinuosas do céu e da água, e a
linha diagonal da ponte, conduzem o olhar do observador para a boca da
figura, que se abre num grito perturbador. Essa atitude, inédita até então
para as personagens da pintura, e a ênfase para as linhas fortes evidenciam
a emoção que o artista procura expressar (PROENÇA, 2009, p. 251).

71
Unidade II

Dentre os artistas precursores do expressionismo, temos o grupo intitulado Die Burcke, traduzido
para o português como A Ponte. Ele foi composto por Erickh Heckel (1883-1970), Ernst Ludwig Kirchner
(1880-1938) e Karl Schimidt-Rottluff (1884-1976). Com as linhas alongadas, os artistas representavam
seus personagens distorcidos para ilustrar uma realidade paralela por meio dos sentimentos humanos.
Os expressionistas tinham um conceito pessimista sobre o mundo moderno: uma característica da
complexidade do pensamento humano dentro de um contexto histórico marcado por conflitos.

Seus membros acreditavam que poderiam ser “a ponte” para o futuro, e mal sabiam eles que estavam
realmente corretos, pois a arte nunca mais foi a mesma depois dessa e de outras tendências que veremos
mais adiante. Esses artistas lutavam contra as ideias ultrapassadas que cerceavam a liberdade estética
de produzir arte.

O artista Piet Mondrian (1872-1944), juntamente com um grupo de artistas na Holanda, tentou
livrar a arte da emoção. A ideia era de uma arte mais precisa, geométrica e delimitada. O neoplasticismo
consistia em criar algo que a natureza fosse incapaz de construir, com precisão absoluta.

Outra contribuição importante dos artistas expressionistas foi na xilogravura, em que o gênero
ganhou novos tons e seus representantes produziram figuras impactantes, explorando os inúmeros
subtons do preto ao branco.

Houve um grupo de jovens muito importante que encabeçou o movimento impressionista, pois
foi o precursor da tendência de romper com a forma tradicional de pintar. Esse grupo se firmou com o
começo do Realismo, mas foi totalmente negado no Modernismo. Retratar o movimento e a luz foram
os principais elementos na busca dos pintores impressionistas, além de valorizarem a utilização das
cores reproduzidas pela luz. Os principais nomes do Impressionismo são Claude Monet (1840-1926),
Edgar Degas (1834-1917) e Pierre-Auguste Renoir (1841-1919).

Saiba mais

Leia:

STRICKLAND, C. Arte comentada: da Pré-história ao Pós-moderno. Rio


de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 142-144.

A fuga do tradicional é uma das grandes características que marcaram o expressionismo como
primeiro movimento da arte moderna. Esse movimento será revisitado por artistas em geral ao longo
dos séculos.

5.2 Fauvismo: o primeiro movimento importante do século XX

A expressão fauves, do francês, que significa feras, foi utilizada pelo crítico Louis Vauxcelles para
denominar a obra de alguns pintores na cidade de Paris, no ano de 1905, pela utilização das cores em
72
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

seu estado puro. Cores fortes e marcantes e traços bem-definidos são as principais características das
obras, que não possuem preocupação alguma com as cores reais dos objetos retratados.

Os principais nomes do fauvismo são: Maurice de Vlaminck (1876-1958), André Derain (1880-1954),
Othon Friesz (1879-1949) e Henri Matisse (1869-1954), expoente desse movimento artístico.

As principais características da obra de Matisse estão relacionadas à composição de seus quadros,


nos quais o realismo não é uma preocupação relevante e a forma de representar é sempre mais marcante
que o objeto representado em si. A obra A Dança é uma das mais emblemáticas, trazendo claramente
todas as tendências do movimento.

Figura 71 – A Dança. 1909-1910. 2,60 m x 3,91 m. Óleo sobre tela de Henri Matisse

Maurice de Vlaminck teve sua obra considerada pela crítica como uma “bomba”, pois era conhecido
por levá-la aos extremos, e isso se refletia até em sua vida pessoal. Alguns consideravam que ele era
mesmo uma das “feras” mais fortes do fauvismo, pois essa atitude extrema e confiante, associada a uma
personalidade forte, tornava-o uma pessoa muito peculiar. Era amigo pessoal de Derain, e a principal
característica de suas obras eram os borrões de tinta e a atitude de espremê-las diretamente do tubo,
trabalhando com cores e contrastes.

Derain caracterizou sua obra pelo emprego de pontos e uso constante das cores primárias,
provocando a sensação de movimento. Considerado o criador do movimento fauvista e um dos
pioneiros do movimento cubista, esse artista teve sua obra modificada ao longo dos anos para um
conservadorismo acadêmico.

Por esse descompromisso com o realismo, os artistas desse movimento inicialmente não foram muito
bem-aceitos, mas essa técnica vem sendo utilizada até hoje, guardando as características desse período.
73
Unidade II

As novas tendências da arte moderna através do cubismo, do abstracionismo e do futurismo

O Cubismo derivou-se em várias técnicas para a construção da arte: o Cubismo sintético, com suas
partes reconhecíveis, e o Cubismo analítico, com a fragmentação total e irreconhecível das partes. A
colagem apareceu como estrutura artística, e os artistas trabalhavam com poucas cores, pois o mais
importante era definir um tema e poder mostrar todos os lados simultaneamente.

O Abstracionismo chega para eliminar a relação entre formas e cores e mostrar um outro lado da
realidade, o não real. Entre suas características mais precisas, aparecem o Abstracionismo informal e o
Abstracionismo geométrico.

Por fim, com o Futurismo, vemos a exaltação do futuro e a velocidade do crescimento moderno. O
movimento foi a representação das rápidas mudanças tecnológicas, marcadas pela mecanização das
indústrias e pelas variações da sociedade diante das transformações.

5.3 Cubismo: a ausência da perspectiva para a formação das novas faces


do objeto

Imagine o mundo sem perspectiva, com todos os objetos no mesmo plano. Foi nesse clima que se
criaram as obras cubistas, feitas pelos artistas no início do século XX. A decomposição dos objetos foi
além dos padrões e propunha uma desconstrução total da realidade. Houve duas tendências distintas:

• Cubismo analítico: o artista mais conceituado foi Pablo Picasso (1881-1973). Ele leva a técnica
ao extremo, apresentando simultaneamente todos os lados de um objeto e utilizando poucas
cores, como na obra O Poeta, em que é praticamente impossível definir a figura retratada.

Figura 72 – O Poeta. 1911. 1,30 m x 89 cm. Óleo sobre tela de Pablo Picasso

74
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Essa tendência se fortaleceu de tal maneira que houve um movimento que buscou tornar novamente
as figuras reconhecíveis:

• Cubismo sintético: como obra mais expressiva podemos citar Mulher com Violão, de Georges
Braque. Há um retorno à representação do objeto por meio da simultaneidade, demonstrando a
falta das três dimensões dos seres, mas ainda sendo possível identificá-los.

Os artistas cubistas mais expressivos passearam pelas duas tendências, levando ao nível máximo a
representação de sua arte, tanto na pintura quanto na escultura.

Figura 73 – Mulher com Violão. 1913. 1,30 m x 73 cm. Óleo sobre tela de Georges Braque

O Cubismo teve também outra tendência denominada colagem, marcada pela inserção de materiais,
pedaços de madeira, vidro e metal, bem como letras, palavras e números.

Os principais nomes foram Juan Gris, Vieux Marc e Pablo Picasso, citado anteriormente. A colagem
procurava explorar as experiências táteis do observador com a obra.

Pablo Picasso, entre todos os artistas cubistas, com certeza merece grande destaque, não só por
sua reconhecida genialidade, mas também por sua versatilidade, que o fez criar obras em todas as
tendências do Cubismo e ser o pioneiro no desenvolvimento desse movimento.

75
Unidade II

A primeira grande obra do artista que demonstrou os padrões estéticos do Cubismo foi Les Demoiselles
d’Avignon, em 1907. Entretanto, antes disso, Picasso recebeu forte influência da arte africana, pois
foi assim que descobriu a liberdade de criar sem obedecer ao rigor realista até então muito presente.
Podemos observar que essa obra se ″fundamenta na destruição da harmonia clássica e na fragmentação
da realidade″ (PROENÇA, 2009, p. 256).

Figura 74 – Les Demoiselles d’Avignon. 1906-1907. 2,43 m x 2,33 m. Óleo sobre tela de Pablo Picasso

Diferentemente da arte do Ocidente, a arte africana não se organiza por movimentos estéticos. Foi
somente com a dominação europeia, após o século XIX, que as obras foram classificadas em naturalistas,
expressionistas e abstratas. Tais denominações não foram incorporadas pelo povo africano, apenas pelos
colonizadores. O reconhecimento da arte africana é algo ainda a ser conquistado, uma vez que o foco
da mídia na atualidade é nos conflitos e problemas sociais do continente, o que acaba prejudicando a
divulgação de sua produção artística para o resto do mundo.

Outra obra expressiva de Picasso é Guernica, nome da cidade bombardeada durante a Guerra Civil
espanhola. Tons escuros entre preto e cinza são predominantes. Nela, Picasso demonstra o que parece ser
um cenário com um amontoado de corpos. A expressão de angústia nitidamente vista nas figuras, que
estão representadas em ambiente caótico, revela a fragmentação da realidade num clima de desespero.

76
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Figura 75 – Guernica. 1937. 3,49 m x 7,76 m. Painel de Pablo Picasso

Além de pintor, Picasso era gravador e escultor e tinha domínio dessas técnicas, expressando as
características cubistas também nessas modalidades artísticas.

A característica mais marcante da obra gravada de Picasso – que se estende


de 1907 a 1972 – está na força expressiva do desenho e na oposição entre
áreas de claridade e de sombra, como podemos ver em Natureza-morta sob
lâmpada. Nessa obra, a oposição se dá especialmente entre os tons escuros e
a força do vermelho e do amarelo-ouro intensificada pela luz que se origina
da lâmpada sobre a mesa (PROENÇA, 2009, p. 258).

No campo da escultura, Picasso também foi um grande revolucionário. Em obra feita em mármore,
rompeu todas as barreiras do conservadorismo e das formas tradicionais de se conceber trabalhos
esculturais. Uma de suas características marcantes como escultor era utilizar materiais incomuns e
aleatórios em suas peças, o que o fez pioneiro dessa forma de criar.

Durante o período em que Pablo Picasso rompeu totalmente com as formas tradicionais de produzir
arte com o quadro Les Demoiselles d’Avignon, nos Estados Unidos, um grupo de pintores, denominado
“Os Oito”, lideraram um movimento intitulado Precisionismo. Esse movimento dava maior importância
à forma de representar do que ao tema em si e utilizava muitas formas geométricas para simbolizar
figuras e objetos retratados.

Em contraposição ao pensamento pessimista dos artistas modernos do início do século XX, entre os
cubistas, podemos citar a obra de Fernand Léger (1881-1955), que coloca na industrialização a possibilidade
de se construir um mundo novo. Esse ponto de vista, considerado otimista, aponta a industrialização e a
utilização das máquinas como uma revolução que irá construir um novo homem, muito mais avançado
e repleto de recursos, privilegiando esse processo como a representação de um novo tempo histórico na
humanidade. Supera-se a distinção entre obra de arte e objeto utilitário, valorizando o desenho industrial, de
sorte que o objeto produzido pela máquina se torne uma das autênticas expressões da beleza contemporânea.

77
Unidade II

Sua obra utiliza muitos desenhos geométricos e pode ser considerada muito sintetizada. Passou por
uma fase em que se inspirou na arte mural, como forma de envolver o observador no ambiente urbano.
Como exemplo, podemos citar Elementos Mecânicos, em que vemos o caráter valoroso que o pintor
expressa pelas máquinas e pelos objetos da modernidade.

Figura 76 – Elementos Mecânicos. 1918-1923. 2,11 m x 1,67 m. Óleo sobre tela de Fernand Léger

5.4 Abstracionismo: o corte da relação imediata entre formas e cores

No Abstracionismo não há identificação ou preocupação em expressar um tempo histórico ou


contar alguma história. As cores utilizadas pelos artistas não condizem muitas vezes com aquelas dos
seres ou objetos que representam.

Os principais representantes do abstracionismo são Wassily Kandinsky (1866-1944), cuja obra


Batalha inaugura esse estilo de representação artística, e Vladimir Tatlin (1885-1953), que busca
no cubismo sua inspiração e nos traz obras que incorporam materiais como madeira, vidro e metal,
explorando o relevo em várias formas.

78
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Figura 77 – Batalha (Cossacos). 1910. 95 cm x 1,30 m. Óleo sobre tela de Wassily Kandinsky

Na antiga União Soviética, mais precisamente na Rússia, por volta de 1914, Tatlin inaugurou a arte
geométrica russa. Foi chamada de arte abstrata porque queria refletir a tecnologia moderna. Paralelo
a essa nova linguagem, nascia também o Construtivismo, pois os artistas queriam que a arte fosse
construída, e não mais criada. Esse novo estilo usava materiais industrializados, como o vidro, o metal e
o plástico, em obras tridimensionais.

A partir daí, a vanguarda russa floresceu com artistas chamados de construtivistas e abstratos. Na
verdade, dentro do abstracionismo houve um movimento que recebeu a nomenclatura de Construtivismo,
pois suas obras incluíam materiais diversos como parte relevante de sua expressão. Os principais artistas
desse movimento são Antoine Pevsner (1886-1962) e Naum Gabo (1890-1977). Na década de 1920,
porém, o governo revolucionário russo interferiu nas produções artísticas da época, o que fez ambos os
artistas deixarem o país. Em 1931, retomaram suas atividades e fundaram um movimento internacional
de artistas abstratos, chamado de Criação Abstrata.

O grupo fortaleceu o movimento artístico abstracionista, e duas fortes tendências o marcaram:

• Abstracionismo informal: suas obras têm um traço livre, totalmente despreocupado em parecer
ou representar especificamente a realidade; essa liberdade também se expressa no uso das cores.

• Abstracionismo geométrico: “[as formas] devem ser organizadas de maneira que a composição
resultante seja apenas a expressão de uma concepção geométrica” (PROENÇA, 2009, p. 262). Esse
movimento, entre as décadas de 1920 e 1930, vai ao extremo apenas utilizando linhas verticais
e horizontais e as cores em seu estado puro, sem mistura ou dégradé. Apesar de haver harmonia
entre as estruturas, não significa que fossem simétricas, uma vez que a assimetria fazia parte do
que eles chamavam de composição.

79
Unidade II

Outro artista que não podemos deixar de citar é Paul Klee (1879-1940), que produziu muitas reflexões
sobre o abstracionismo e o cubismo e foi professor na escola de arte Bauhaus. Seu descompromisso com
as formas reais e a história a ser contada se refletiram em sua obra.

Klee presenciou duas grandes guerras e, apesar de ter convivido com grandes artistas de sua época,
desenvolveu um estilo próprio de pintar, reunindo um conteúdo único que tornou sua obra tão expressiva.
Acreditava que a essência da pintura fosse a imagem, e isso a condicionaria a uma liberdade estética.

5.5 Futurismo: a exaltação do futuro e da velocidade industrial

As inspirações dos artistas do movimento futurista vieram inicialmente da literatura, em especial


da obra do poeta e escritor Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), que, em 1909, tinha como foco o
destaque ao futuro e o aprimoramento da velocidade que as máquinas deram aos homens.

Tanto na pintura quanto na escultura, podemos visualizar a expressão de movimento, com a ideia
de velocidade implícita na utilização das cores. Outro recurso é a utilização das linhas curvas e das retas,
explorando o potencial para ideia de velocidade, além de uma representação que foge de qualquer
padrão realista ou tradicional.

Os artistas futuristas foram muito bem-aceitos pelo público, mas, na intenção de provocar e
romper com a passividade do papel de observador, os artistas usaram alto-falantes para gritar
frases como: “Matem o luar! Queimem os museus!”. A multidão começou a atirar alimentos nos
manifestantes, e isso, para os artistas, foi considerado um trunfo, pois o objetivo de provocar o
público havia sido concretizado.

Em meio à efervescência dos movimentos que se desconectavam da realidade, vemos um artista


independente surgir, e sua obra atualmente é reconhecida em todo o mundo. Amedeo Modigliani
(1884-1920), apesar de nascido em Livorno, na Itália, desenvolveu sua arte na França e, embora tenha
convivido com o pintor Pablo Picasso, foi reconhecido por pintar retratos. As suas figuras fugiam dos
padrões abstratos, mas também não eram completamente realistas. As pessoas representadas em seus
quadros tinham em geral pescoços alongados e cores fortes que não eram compatíveis com sua cor
real. Podemos observar essas características em Retrato de Jeanne Hébuterne Sentada.

80
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Figura 78 – Retrato de Jeanne Hébuterne Sentada, 92 cm x 60 cm, de Amedeu Clemente Modigliani

6 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO SEM AS AMARRAS DO RACIONAL E A ENTRADA


DO BRASIL NA ARTE MODERNA

Nos primeiros vinte anos do século XX, os estudos de Freud e a psicanálise associados às
mudanças políticas criaram um clima favorável para o aparecimento de uma arte mais complexa
que criticava a cultura europeia. Surgem os movimentos estéticos, que representavam a realidade
de maneira irracional e fantasiosa. Ao questionar a civilização contemporânea, os artistas criaram
uma arte inquietante.

No Brasil, o movimento modernista começou com a organização e apresentação da Semana de


Arte de 1922. A Semana de 22, em São Paulo, que era o centro econômico brasileiro da época, foi
marcada pela formação de um grupo de artistas que defendiam a implantação de uma nova linguagem
artística: o Modernismo. Tendência expressiva da Europa, esse grupo foi responsável por tirar o País de
um marasmo criativo nas artes. Assim, com a Semana de 22, iniciou-se no país o Modernismo, cuja
linguagem já vinha sendo trabalhada na Europa.

81
Unidade II

6.1 Dadá e Surrealismo: a libertação da racionalidade e a expressão


do subconsciente

A realidade da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e os estudos freudianos na psicanálise


formaram o cenário que trouxe à tona o debate sobre a fragilidade humana diante da complexidade
do universo. A cultura europeia começa a sofrer fortes críticas, e um movimento literário surge para
questionar a ciência, a filosofia e a religião.

O Surrealismo, que floresceu na Europa e nos Estados Unidos nos anos


1920 e 1930, começou como um movimento literário promovido por
seu padrinho, André Breton, e nasceu da livre associação e da análise
dos sonhos freudiana. Os poetas e, mais tarde, os pintores faziam
experiências com o automatismo – uma maneira de criar sem o controle
consciente – para despertar o imaginário inconsciente. O Surrealismo,
que implica ir além do realismo, buscava deliberadamente o bizarro e
o irracional para expressar verdades ocultas, incansáveis por meio da
lógica (STRICKLAND, 2004, p. 149).

As críticas tinham um teor satírico, questionavam os valores tradicionais da época e se preocupavam


com uma grande destruição que poderia assolar a Europa em contexto de guerra.

O nome Dadá origina-se da palavra infantil francesa que significa cavalo. Com os estudos freudianos,
o movimento dadaísta propôs romper com todas as barreiras do pensamento racionalista e, com isso,
libertar a arte e torná-la sem limites estéticos. Foi o poeta húngaro Tristan Tzara (1896-1963) quem deu
essa denominação ao movimento que originou o surrealismo.

Kurt Schwitters (1887-1948), utilizando materiais aleatórios encontrados nas ruas ou espaços
por onde transitava, respondeu à pergunta “O que é arte?”, que permeava os novos movimentos
artísticos com outra pergunta: “O que não é?”. Com isso, rompeu diversos paradigmas e criou obras
que usavam esses elementos diversos em combinações que ele intitulou de “merz”. Tinha como
objetivo dar à experiência artística a possibilidade de mergulhar nos parâmetros da imprevisibilidade.

André Breton (1896-1966), poeta e escritor, foi o principal líder do movimento que procurava
mostrar que a arte não precisa ser fruto da lógica. Por isso, as obras desse período tinham características
que mostravam um universo de sonho ou de alucinação.

Na pintura, as obras de Salvador Dalí (1904-1989) são as que melhor exploram esse universo; seus
traços têm muita precisão e riqueza de detalhes. Na peça Casal com as Cabeças Cheias de Nuvem,
podemos observar o alto realismo nos traços da paisagem na parte interna. Porém, o contexto geral
em que ela se apresenta não está pautado por essa lógica, especialmente o formato da moldura que
representa um casal. Encontramos essas características também na obra Descoberta da América por
Colombo. Outro exemplo emblemático é o quadro A Persistência da Memória, peça que com certeza é a
mais reconhecida pelo público.

82
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Figura 79 – Casal com as Cabeças Cheias de Nuvem. 1934. 91 cm x 61 cm. Óleosobre madeira de Salvador Dalí

Figura 80 – Descoberta da América por Colombo. 1959. 4,10 m x 3,10 m. Óleo sobre tela de Salvador Dalí

83
Unidade II

Figura 81 – A Persistência da Memória. 1931. 24 cm x 33 cm. Óleo sobre tela de Salvador Dalí

Dalí foi um pintor espanhol que teve reconhecida fama por ser considerado de personalidade
excêntrica. As fotos de seus experimentos e seu estilo de vida são tão queridas por seus admiradores
quanto sua obra.

Observação

Recentemente, em 2014 e 2015, o Brasil recebeu algumas obras do


artista, que ficaram expostas no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB),
do Rio de Janeiro, e no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. O acervo
continha pinturas, esculturas e detalhes sobre a vida do pintor e foi recorde
de público em ambas as cidades.

Salvador Dalí não foi o único pintor que criou obras de grande expressão nesse movimento: temos
também Marc Chagall (1887-1985) e Joan Miró (1893-1983), cada um deles representando facetas
específicas do Surrealismo. O primeiro, a tendência figurativa com a obra Passeio, e o segundo, a abstrata,
com A Estrela da Manhã.

84
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Figura 82 – Passeio. 1917-1918. 1,70 m x 1,63 m. Óleo sobre tela de Marc Chagall

Figura 83 – Estrela da manhã. 1940. 38 cm x 46 cm. Guache e pintura a essência de terebintina sobre papel de Joan Miró

Na cidade de Barcelona, encontramos a Fundação Joan Miró, inaugurada pelo próprio artista em
10 de junho de 1975. Miró tinha o desejo de que a fundação se tornasse um espaço onde artistas
85
Unidade II

contemporâneos pudessem divulgar suas obras. Em funcionamento até hoje, o espaço contém o acervo
do artista e suas esculturas disponíveis para visitação.

Outro artista importante que possui uma obra considerada inquietante é Giorgio de Chirico
(1888‑1978), pintor e escultor que conseguiu reproduzir uma de suas pinturas em uma escultura,
alcançando o mesmo resultado artístico e ampliando, assim, a percepção dos observadores. Ao reproduzir
as obras em bronze, o artista conseguiu dar vida às personagens da pintura. A crítica considera que sua
obra desperta o observador, quase como se fosse impossível não ser tocado pelo clima de mistério que
envolve as peças. Veja a seguir a obra As Musas Inquietantes.

Figura 84 – As Musas Inquietantes. 1924. Figura 85 – As Musas Inquietantes. 1824. Altura:


65 cm x 50 cm. Óleo sobre tela de Giorgio 37,2 cm. escultura em bronze dourado de Giorgio
de Chirico de Chirico

Observação

Chirico já pintava imagens muito parecidas com pesadelos quinze anos


antes da existência do Surrealismo. O universo sinistro, a exploração de
espaços vazios que criam ar de suspense e mistério, até ameaçador, são
marcas da expressão desse artista em suas obras.

86
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Marx Ernst (1891-1976), pintor dadaísta e surrealista, explorou em sua obra a ambiguidade muito
comum nos títulos das obras do gênero. Ernst se denominava “a mãe macho da loucura metódica” e
descobriu desde cedo como produzir as suas obras: em um incidente com sarampo na infância, teve sua
primeira alucinação. Ele acreditava que era necessário apenas manter os olhos fixos até que sua mente
forjasse o universo da mesma forma como o viu quando ficou doente.

Dessas experiências surgiu o frottage, que consistia em usar superfícies ásperas de diferentes
materiais, como madeira, criando a lápis padrões que permitissem o surgimento das imagens.

Outro artista em destaque é René Magritte (1898-1967). Sua carreira se iniciou na área comercial,
pois atuava mais no campo da moda, desenhando anúncios e papéis de parede.

Em sua obra surrealista, a característica principal é a de um desenho incrivelmente realista, mas


mostrando em seus quadros universos absurdos e fantásticos, inserindo elementos comuns do cotidiano,
mesmo sem relação entre si.

Suas obras possuem um universo onírico, e as figuras representadas são justapostas de maneira
a provocar os nervos do observador, num clima que remete a um pesadelo, com uma enxurrada de
imagens desconexas.

Figura 86 – Rua de Erradias. 1956. 1,15 m x 1,43 m. Óleo sobre tela de Lasar Segall

O nascimento da arquitetura moderna

Com a chegada do século XIX, a arquitetura se ramificou em várias direções, e o movimento


modernista entrou com força nas construções. A arquitetura neoclássica ainda ganhava as grandes
construções, como os edifícios públicos, bibliotecas e prefeituras. Entretanto, com a chegada de

87
Unidade II

novos materiais, novas tecnologias, novas necessidades e um grupo de arquitetos de vanguarda,


novos estilos e formas inteiramente diferentes começaram a surgir nas pontes, praças, estações de
trens, fábricas e nos novos escritórios. Em Paris, surge a Art Noveau, com seus domos, arcos e ferros
distorcidos. Com a evolução dos elevadores, os arranha-céus começam a surgir, abandonando-se
os estilos romanos e gregos na arquitetura.

A partir da segunda metade do século XIX, com o aprimoramento do alumínio, cimento, vidro e
ferro, os prédios ganharam novas estruturas. A criação de materiais pré-fabricados também acelerou
o processo de construção e aumentou o tamanho dos prédios. Como exemplo podemos citar o Edifício
Cristal Palace, por Joseph Paxton (1801-1865), no ano de 1851. Em seguida, temos a Torre Eiffel,
construída em estrutura metálica por Alexandre Gustave Eiffel (1832-1923), em 1889, com 300 metros
de altura.

Na Cidade do Porto, em Portugal, Gustav Eiffel deixou também uma de suas obras, que por sua
magnitude tornou-se o cartão postal do local. A Ponte Dom Luís I foi construída entre 1881 e 1888,
ligando a Cidade do Porto à cidade de Vila Nova de Gaia, que fica do outro lado das margens do Rio
Douro. Foi inaugurada em 1886, sendo inicialmente apenas o tabuleiro superior e, em seguida, o inferior.
Os visitantes do mundo todo que passam diariamente por esse local podem apreciar o pôr do sol com
uma vista soberbamente privilegiada.

Nos EUA, a Art Noveau conseguiu transformar completamente todas as formas de construção. Ela
foi substituída por uma tendência que recebeu a denominação de racionalista somente entre 1929 e
1932, época de arranha-céus como o Empire State Building, com 102 andares e que foi, durante anos,
o maior do país.

De volta à Europa, mais precisamente na cidade de Weimar, na Alemanha, surge a Escola de Arte
Bauhaus, que acreditava no caráter social da arte e visava conciliar a arte com a indústria. Seu método
de ensino era pautado pela prática.

Walter Gropious (1883-1969), arquiteto alemão que criou essa escola, revolucionou a forma como
os itens utilitários do cotidiano e a arte em geral iriam se relacionar. A escola Bauhaus recebeu a
colaboração de muitos artistas plásticos.

A natureza também foi explorada de maneira a realçar a arquitetura. Podemos observar essa
tendência nas construções de Frank Lloyd Wright (1867-1959), que fundou o “organicismo”. Essa
tendência permitia ao arquiteto grande liberdade de criação, mas por ser mais eficaz em prédios
de pequeno porte, suas obras mais reconhecidas são residências como Fallingwater House (Casa da
Cascata), construída na Pensilvânia, em 1936.

Explorando diferentes formas de se construir, Wright foi o autor do Museu Guggenheim, em


Nova Iorque. Essa construção tem a forma de caracol, facilitando o trânsito dos visitantes, que têm a
possibilidade de subir de elevador e vir descendo pelas rampas para apreciar as obras de arte. O teto foi
projetado de maneira a absorver a iluminação externa, o que mostra a tendência do uso da natureza
para colaborar com o realce das obras.
88
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Saiba mais
Para conhecer melhor o museu Guggenheim e a obra do arquiteto Frank
Lloyd Wright, acesse o site do museu:
Disponível em: http://www.guggenheim.org/new-york. Acesso em:
16 ago. 2016.

Figura 87 – A Casa da Cascata (1936), projeto de Frank Lloyd Wright

Fonte: Proença (2009, p. 176).

Com o desenvolvimento do concreto armado, as estruturas pré-fabricadas foram aprimoradas. Hoje,


podemos observar prédios que possuem amplos espaços embaixo de suas estruturas, como o vão do
Museu de Arte Moderna de São Paulo – Masp.

O precursor dessa tendência foi o arquiteto Le Corbusier (1887-1965), uma grande influência para
Lúcio Costa e Oscar Niemeyer no projeto de Brasília, mudando completamente a concepção plástica da
construção moderna brasileira.

Oscar Niemeyer merece destaque, pois suas obras célebres representam alguns cartões-postais do
País. Dentre suas obras mais famosas, podemos citar: Conjunto Arquitetônico da Pampulha (1940), com
a Igreja de São Francisco, que recebeu a contribuição de Portinari na decoração externa e na interna;
Pavilhão Brasileiro da Feira Mundial de Nova Iorque (1939-1940); Conjunto do Ibirapuera, que contém
vários prédios, em São Paulo; em Brasília, Palácio dos Arcos, Teatro Nacional, Palácio da Alvorada, Palácio
do Planalto, Palácio da Justiça e Congresso Nacional.

Na cidade de São Paulo, existem diversos edifícios que simbolizam a arquitetura moderna. Um
deles é o Edifício Martinelli, considerado um arranha-céu, pois recebeu a influência das construções
norte‑americanas. Foi o primeiro do gênero na América Latina, com 130 metros de altura e 30 andares.
89
Unidade II

Até hoje é aberto para visitação gratuita, e, do alto, é possível ter uma visão ampla da cidade. Foi
projetado por Giuseppe Martinelli entre 1922 e 1929. Inicialmente, possuía um cinema, lojas e
residências, além de ter abrigado um hotel, o que era muito comum na época.

No Rio de Janeiro temos o exemplo do Conjunto Residencial de Pedregulho, que recebeu fortes
influências de Le Corbusier, contribuições de Cândido Portinari na criação de painéis e de Burle Marx nos
jardins. Esse edifício, projetado por Afonso Eduardo Reyd (1909-1964), foi construído com a intenção de
ser moradia de funcionários públicos de baixa renda.

No campo da escultura, com o aprimoramento dos novos materiais disponibilizados pela


industrialização, surgiram as seguintes tendências:

• Construtivismo: explora o tema da mecanização que a industrialização proporcionou à vida moderna.


• Abstracionismo: inspirada na cultura africana, utiliza a natureza como fonte e a valorização das
formas simples para romper com o paradigma da escultura como experiência visual, passando
para o sentido tátil com recursos diversificados, por exemplo, o brilho das obras.
• Surrealismo: como a pintura, essa tendência nega a realidade. O espaço da escultura começa
a ser tão importante quanto a obra em si; a interação de observador, espaço e obra passa a ser
fortemente explorada com os recursos visuais e táteis.

Contudo, mesmo com o realismo em baixa pela Europa naquele período, na Rússia, com o contexto
de afirmação do socialismo como contraponto ao capitalismo, utilizou-se a arte como forma de divulgar o
estilo de vida soviético. Para isso, o realismo foi o ponto central para criar a identificação das pessoas
com a mensagem da obra. Esse recurso foi crucial para que o observador tivesse uma compreensão
imediata e, em geral, sentisse através dela o conceito do povo soviético representado pelos heróis.

6.2 O Brasil e o Modernismo: a implantação de novas linguagens artísticas


a partir da Semana de 22

Quando as primeiras obras de artistas do modernismo chegaram ao Brasil, houve muitas divergências
entre os críticos da época, uns de linha conservadora e outros favoráveis ao movimento modernista.

As duas principais exposições que conectaram os brasileiros com o movimento modernista foram
de Lasar Segall, no ano de 1913, e de Anita Malfatti, em 1917. A segunda gerou maior reação e duras
críticas por parte dos artistas conservadores, que acreditavam na obra de arte como imutável e como
representação fiel da realidade.

Mário de Andrade contrapôs-se ao pensamento conservador e defendeu a liberdade artística de


criação de outras realidades que não só a realidade tal qual a conhecemos. Embora houvesse um
grande espaço de tempo entre uma crítica e outra, elas se consolidaram na Semana de Arte Moderna,
que ocorreu de 13 a 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. Essa divergência de
pensamentos trouxe grandes reflexões acerca da arte e de seu papel social e mudou completamente a
forma de apreciá-la e interpretá-la.
90
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

A capa do catálogo da exposição foi concebida por Di Cavalcanti, e as informações contidas nele
propunham quão conservador era o espaço do teatro em contraposição às obras expostas. O Teatro
Municipal tinha cerca de dez anos de existência nessa época e tinha a função de ilustrar o avanço do
progresso do Brasil.

As obras de Lasar Segall (1891-1957) foram um marco e a maior influência do movimento


expressionista no Brasil. Nascido na Lituânia, ele desenvolveu sua arte na Alemanha e tinha como tema
os sentimentos humanos e suas complexidades, utilizando cores que destacavam o conceito. Como
exemplo, podemos citar Rua de Erradias, obra que se destaca pela expressão das personagens femininas.
Segall não ficou só no campo da pintura e estendeu sua arte à escultura em madeira, gesso e pedras.

Anita Malfatti (1889-1964), artista brasileira, nascida em São Paulo, cursou a Academia de
Belas Artes de Berlim, na Alemanha. Apesar de ter voltado ao país e feito sua primeira exposição
em 1914, foi a semana de Arte Moderna que a tornou reconhecida e gerou tanta reação nos artistas
favoráveis ao academicismo.

Malfatti recebeu apoio de muitos outros artistas que apreciavam a liberdade estética da arte. Com o
movimento, ela se tornou uma pintora que representava tudo o que havia de inovador e revolucionário
na forma de fazer arte no Brasil. As principais obras que geraram a reação conservadora foram Mulher
de Cabelos Verdes e O Amarelo. O uso das cores foi fortemente criticado por Monteiro Lobato, pois, como
os títulos sugerem, eram formas de representação totalmente fora dos padrões da realidade da época.

Figura 88 – Mulher de Cabelos Verdes. 1915. 61 cm x 51 cm. Óleo sobre tela de Anita Malfatti

91
Unidade II

Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo (1897-1976), mais conhecido como Di


Cavalcanti, sofreu grandes influências sobre a forma de utilizar o recurso das cores e explorou
bastante essa técnica em seus quadros. Foi influenciado por artistas como Picasso, Matisse e Gauguin,
mas adquiriu um estilo próprio, e as figuras mais ressaltadas em suas pinturas são as mulheres, em
particular, a mulher brasileira e a sua diversidade.

Saiba mais

Di Cavalcanti não foi reconhecido só como pintor, mas também como


desenhista. Duas caricaturas famosas feitas por ele são do escritor Mário
de Andrade e da cantora norte-americana Josephine Baker, a primeira em
1928 e a segunda em 1929. No endereço a seguir, é possível encontrar essas
e outras caricaturas do artista:

BUENO, D. O ilustrador Di Cavalcanti. Sociedade dos Ilustradores do


Brasil, 24 set. 2012. Disponível em: https://bit.ly/3l5EyKl. Acesso em:
8 jan. 2016.

Outro artista que apresentou suas obras na Semana de Arte Moderna foi Vicente do
Rego Monteiro (1899-1970). Em seus quadros predominavam formas geométricas. O pintor
conseguia, através do uso de linhas retas, transformar os corpos humanos, e, com isso, suas
figuras adquiriam volume.

Vicente é da cidade de Recife, em Pernambuco, e estudou na Europa com apenas 12 anos de idade.
Em Paris, mantinha atividades no Salão dos Independentes, ficando, por um tempo, com a vida dividida
entre os dois países, Brasil e França. Os temas de sua obra exploraram questões religiosas, o que deu uma
característica muito própria ao seu trabalho.

Com tanta riqueza cultural, a arte moderna foi se configurando no Brasil, como a antropofagia
na literatura de Mário de Andrade, inspirado na obra de Tarsila do Amaral, Abaporu, palavra
indígena para antropofágico. A artista, que não teve nenhuma de suas obras expostas na Semana
de Arte Moderna, conseguiu se unir a um grupo de artistas modernos, propondo que bebessem
da fonte europeia, mas que configurassem e incorporassem às suas obras as características e os
elementos da cultura brasileira.

92
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Figura 89 – Abaporu. 1928. 85 cm x 73 cm. Óleo sobre tela de Tarsila do Amaral

Tarsila do Amaral se uniu a artistas como Picasso, De Chirico, Brancusi, entre outros, enquanto esteve
na Europa, além de ter contato também com o movimento impressionista. No Brasil, formou com Mário
de Andrade, Oswald Andrade e outros artistas um grupo chamado Klaxon, que envolvia vários tipos de
intelectuais da época.

Tarsila teve várias fases na pintura. Para uma delas deu o nome de “Pau-brasil”; utilizava cores como
rosa e azul, e os elementos que apareciam em suas obras eram relacionados a plantas tropicais e figuras
da cultura brasileira, como o caboclo e cidadezinhas bucólicas. Em seguida veio a fase antropofágica,
que já citamos. Depois de uma viagem aos países socialistas, suas obras ganharam forte caráter social,
como podemos observar na obra Os Operários, de 1933.

No campo da escultura moderna brasileira, Victor Brecheret (1894-1955) trouxe grandes mudanças
no formato de suas peças, pois trabalhava muito com objetos geometrizados e um pouco menos de
detalhes, o que dava certo volume às obras.

Estudou no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e depois na Europa. Na Itália, ganhou o primeiro
lugar da Exposição Nacional de Belas Artes. Entretanto, apesar do grande talento e prestígio do meio
artístico europeu, sua carreira de escultor demorou alguns anos para se fortalecer. Na cidade de São
Paulo, encontra-se uma de suas obras mais famosas: o Monumento às Bandeiras, que se tornou um dos
cartões-postais da cidade.

93
Unidade II

Nesse mesmo período, na América Latina, podemos citar a obra de Frida Kahlo, que, além de uma
pintora muito talentosa, foi uma grande figura feminina à frente de seu tempo e lutou contra o
conservadorismo de sua época. Suas obras tinham forte apelo pessoal. Casou-se com outro pintor, Diego
Rivera, mas sempre manteve sua autonomia.

Após a Semana de Arte Moderna, muitos artistas vieram marcar presença no cenário artístico e
tinham como prioridade dominar as técnicas para criarem suas obras com muita liberdade, retratando
a cultura brasileira de um modo diversificado.

Dentre eles, podemos citar Cândido Portinari (1903-1962), que estudou na Escola de Belas Artes e
viveu dois anos na Europa, tendo tido contato com obras de renascentistas italianos. Até então, suas
técnicas estavam relacionadas mais ao caráter conservador. Somente após retornar ao Brasil é que o
artista começou a criar sua identidade como pintor, com um estilo próprio, inclusive na arte mural. Seus
murais foram feitos tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, e os temas de suas obras eram bem
diversificados, desde aspectos da infância até retirantes da seca no nordeste brasileiro, como no painel
Retirantes, que se tornou uma de suas peças mais conhecidas.

Figura 90 – Retirantes. 1944. 1,90 m x 1,80 m. Painel de Cândido Portinari

94
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Aspectos da vida cotidiana, elementos de forte cunho histórico e social, bem como o modo de
trabalho rural, muito típicos da sua terra natal Brodósqui, estão presentes na sua obra.

Outro membro do grupo desses novos artistas é Bruno Giorgi (1905-1993), nascido no interior do
estado de São Paulo. Quando retornou da Europa, onde viveu durante muitos anos, tornou-se amigo de
Mário de Andrade, que estava engajado no movimento modernista. Suas esculturas foram inicialmente
feitas em granito e depois bronze. As formas tinham visível influência dos traços modernos.

Cícero Dias (1907-2003) era pernambucano e, apesar de ter cursado a escola de Belas Artes do
Rio de Janeiro, abandonou a academia para buscar seu estilo próprio de pintar. Também teve a
experiência de viver no exterior, onde teve contato com artistas do surrealismo, diversificando a forma
de representar suas obras. Na sua juventude costumava retratar o cotidiano da vida no Nordeste com
uma simplicidade que chegava a ser sua marca registrada, com o uso de tons azuis e vermelhos
predominando em suas obras.

No Rio de Janeiro, em 1931, surgiram mais grupos que desejavam contestar a arte conservadora
tradicionalista, denominados “Núcleo Bernardelli”. Esse nome homenageava os irmãos Rodolfo e
Henrique Bernardelli, que atuaram no século XIX pela mudança do cenário da arte no Brasil.

Desse grupo, os principais artistas que o compunham eram José Pancetti (1902-1958), Milton
Dacosta (1915-1988) e Ado Malagoli (1906-1994).

Em São Paulo, surgiu o grupo denominado Sociedade Pró-Arte Moderna – Spam, composto por Lasar
Segall (1891-1957), Tarsila do Amaral (1886-1973), Anita Malfatti (1889-1964), entre outros. Esse grupo
abriu caminho não só para artistas brasileiros como para a chegada das obras de artistas estrangeiros
como Pablo Picasso e De Chirico, entre outros, e ainda se tornou espaço para exposição das obras de
seus membros.

Nos anos posteriores ao da Semana de Arte Moderna de São Paulo, os artistas Di Cavalcanti
(1897‑1976), Carlos Prado (1908-1992) e Flávio de Carvalho (1899-1973) também criaram um
grupo, chamado Clube dos Artistas Modernos (CAM), que ampliou as atividades dos artistas para
conferências, concertos musicais e apresentações de peças teatrais.

Ainda em São Paulo, no Edifício Santa Helena, em 1930, dois trabalhadores tinham seus
escritórios comerciais em salas próximas e acabaram se conhecendo: Rebolo Gonzales, que era
pintor de paredes, e Mário Zanini (1907-1971), artesão. O local era frequentado por trabalhadores
que apreciavam arte, e alguns tiveram suas obras reconhecidas, como Alfredo Volpi (1896‑1988), que
também era pintor de paredes.

Volpi era italiano e veio criança para o Brasil. O artista tinha muitas profissões, como carpinteiro,
pintor de paredes e encanador, mas desde pequeno já fazia informalmente suas pinturas com cavalete,
ganhando reconhecimento somente após ingressar no Grupo Santa Helena.

95
Unidade II

A denominada arte mural remonta aos tempos do Egito antigo e tinha a função de propagar as
questões políticas e religiosas, por exemplo. Já na Grécia antiga, chegaram a utilizar essa forma de arte
para satirizar a política e a religião.

A arte muralista teve grandes representações em todo o mundo. No México, por exemplo, alguns
nomes são muito conhecidos, como David Alfaro Siqueiros (1896-1974), Diego Rivera (1886-1957) e José
Clemente Orozco (1883-1949). Siqueiros era conhecido por sua arte de cunho altamente revolucionário
e sempre relacionada a temas sociais e políticos.

Ademir Martins (1922-2006), desde muito jovem, desejava renovar a forma de fazer arte em sua
terra natal, o Ceará. Em um grupo com vários outros artistas na cidade de São Paulo, em 1947, faziam
exposições coletivas. Embora trabalhassem juntos, cada artista tinha um estilo próprio.

O regionalismo estava muito presente em sua obra, e as personagens desse universo, como os animais
da região, sempre eram retratadas, tornando-se sua marca registrada. Muitos de seus desenhos foram
gravados em itens utilitários do dia a dia como copos, jarras, pratos etc.

Após o movimento modernista no Brasil, surgiu um grupo que valorizava todos os elementos
originários da cultura nacional, denominado Artistas Primitivos. Esse grupo de jovens artistas autodidatas
criava um universo poético em suas produções.

Entre os nomes dos artistas desse grupo, estão Heitor dos Prazeres (1898-1966), Djanira da Motta e
Silva (1914-1979) e Mestre Vitalino (1909-1963).

O mais expressivo é o trabalho com cerâmica de Mestre Vitalino: além de ser uma referência para o
movimento dos artistas primitivos, é influência no artesanato nordestino. Vitalino inicialmente pintava
suas peças, mas posteriormente passou a deixá-las em seu estado natural com cor do barro, e os temas
de sua obra estão fortemente ligados ao Estado de Pernambuco e denotam o estilo de vida local com
personagens típicos, como vaqueiros, cangaceiros e retirantes da seca.

No mesmo período, em Cuba, alguns artistas tinham traços muito semelhantes aos das obras
brasileiras produzidas. Artistas como Jorge Arché, Victor Manuel García e René Portocarrero são alguns
que mostram essas características em comum em algumas de suas obras.

Saiba mais

Para aprofundar seus estudos sobre os artistas regionalistas do


pós‑movimento modernista, leia “Os artistas primitivos do Brasil”, em:

PROENÇA, G. História da arte. São Paulo: Ática, 2009.

96
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Resumo

Nesta unidade, vimos que o século XX foi marcado por grandes conflitos
mundiais e significativas conquistas no âmbito científico que mudaram o
modo de vida, os padrões de saúde e de conforto, bem como o processo de
comunicação, acelerando a transmissão de ideias e de imagens de forma
vertiginosa ao longo desse século. O mundo das artes não poderia passar
incólume a essa realidade.

Começando pelo Expressionismo, como o primeiro movimento da arte


moderna, e que se caracteriza pela fuga do tradicional e de distorção da
realidade para expressar os próprios sentimentos, e pelo Fauvismo, vimos
desfilar na arte moderna um número expressivo de tendências bastante
relevantes que darão nova tônica à arte, situando-a no contexto de intensas
e rápidas mudanças na civilização humana.

Desde o Cubismo, com a ausência de perspectiva, ou o Abstracionismo,


desassociando formas de cores, diversas tendências se sucederam e podem
ser apreciadas através da representação de suas principais obras. Entre elas
vale destacar o Surrealismo, como forma de libertação da racionalidade
e de expressão do subconsciente, tendo revelado expoentes do porte de
Salvador Dalí e Joan Miró. Os movimentos que se seguiram também relevaram
grandes artistas de destaque, como Picasso, Portinari, Di Cavalcanti e outros.

É evidente que essas mudanças não se restringiram à pintura, mas


alcançaram a escultura, a arquitetura, a literatura, a poesia. Não sem razão,
o movimento modernista brasileiro, a partir da Semana de Arte Moderna
de fevereiro de 1922, conhecido como “Semana de 22”, reuniu artistas dos
mais diversos segmentos, como fotografia, cinema, arquitetura, escultura,
poesia, literatura etc.

97
Unidade II

Exercícios

Questão 1. Na época em que Clarice Lispector morou na Itália, o pintor Chirico quis pintar seu
retrato. No dia em que a obra estava sendo terminada, 9 de maio de 1945, o pintor e a escritora ouviram
os gritos de fim da guerra.

Disponível em: https://bit.ly/3CJZrAU. Acesso em: 12 jan. 2016.

Com base nessas informações e nos seus conhecimentos, analise as afirmativas a seguir:

I – Observam-se, no retrato de Clarice Lispector, as características da pintura realista, que marcou a


obra do pintor.

II – Chirico é considerado um dos pioneiros do surrealismo.

III – O retrato da escritora transmite tranquilidade, sensação presente em toda a obra de Chirico.

Está correto o que se afirma somente em:

A) I.
B) II.
C) III.
D) I e II.
E) II e III.

Resposta correta: alternativa B.


98
ARTES VISUAIS BRASILEIRAS E MODERNAS

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o pintor não apresenta características realistas. É conhecido como pintor metafísico
e surrealista.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: Chirico foi um dos precursores do surrealismo.

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a obra do pintor é marcada pela inquietude, não pela tranquilidade.

Questão 2. (Enem 2010) Após estudar na Europa, Anita Malfatti retornou ao Brasil com uma
mostra que abalou a cultura nacional do início do século XX. Elogiada por seus mestres na Europa,
Anita se considerava pronta para mostrar seu trabalho no Brasil, mas enfrentou as duras críticas de
Monteiro Lobato. Com a intenção de criar uma arte que valorizasse a cultura brasileira, Anita Malfatti
e outros modernistas:

A) Buscaram libertar a arte brasileira das normas acadêmicas europeias, valorizando as cores, a
originalidade e os temas nacionais.

B) Defenderam a liberdade limitada de uso da cor, até então utilizada de forma irrestrita, afetando
a criação artística nacional.

C) Representavam a ideia de que a arte deveria copiar fielmente a natureza, tendo como finalidade
a prática educativa.

D) Mantiveram de forma fiel a realidade nas figuras retratadas, defendendo uma liberdade artística
ligada à tradição acadêmica.

E) Buscaram a liberdade na composição de suas figuras, respeitando limites de temas abordados.

Resposta correta: alternativa A.

Análise da questão

Os modernistas almejavam a valorização da cultura brasileira, libertando-se das normas acadêmicas


europeias, o que causou certo estranhamento no meio artístico brasileiro da época.

99

Você também pode gostar