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​UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - CAMPUS​ REITOR

JOÃO DAVID FERREIRA LIMA - ​TRINDADE


DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

EDERSON WALTER DA SILVA FILHO

​Ensaio Crítico de História

FLORIANÓPOLIS
2019
A Arquitetura Tradicional-Moderna segundo Kenzo Tange

Neste ensaio, buscou-se trazer uma disruptura dos segmentos de modernismo


profundamente estudados e tidos como os modelos que deram certo, que é o modernismo
europeu e o estadunidense. Aqui é apresentado um pouco sobre como a arquitetura
internacional foi moldada no Japão, por Kenzo Tange (Imagem 1), que apresentou ao
universo arquitetônico, os fatores que fariam com que as arquiteturas tradicionais-modernas,
em especial a tradicional-moderna japonesa, se tornassem a grande resposta para o mundo que
se estabeleceu após o término da segunda guerra mundial.
Em seus projetos, desde os primeiros anos do pós-guerra, apresentava uma evolução
encontrada nas obras que a até então chamada de arquitetura internacional iria utilizar apenas
no início da década de 1980. Tange possuía grandes influências dos arquitetos modernos que
se destacavam no primeiro1 e no segundo2 período da arquitetura moderna, mas tinha um
grande diferencial, ele projetava deixando de lado as estatísticas, a importação arquitetônica,
projetava segundo o que estudos e análises do povo diziam, o que eles precisavam, como se
sentiam e com base em suas tradições, portanto, os projetos de Tange possuem características
únicas, ao mesmo tempo em que possuem bases modernas extremamente similares, o que
fazem com que seus projetos possuam enormes erros na interpretação de seus sentidos​. ​Tange
inovou a arquitetura moderna, pois fazia ela vir à vida pelos seus traços originários, traços que
sempre acompanharam a dinâmica, a espiritualização e a cultura do local em que ela estava
inserida, porém, ele fazer isso não resultou em uma arquitetura de replicação, na verdade, o
arquiteto —por possuir amplos conhecimentos em arquiteturas tradicionais, tanto japonesas,
quanto indianas, africanas, européias, gregas e mexicanas pré-colonização― extrai
características do tradicionalismo que obrigam a arquitetura a ficar parada no passado, pois
tinha pleno conhecimento de que o verdadeiro tradicional japonês não se aplicava ao povo
pobre, algo que o moderno, com seus novos materiais capazes de serem produzidos em massa,
possui maior aplicabilidade.
Será realizado neste ensaio, um estudo de caso que possibilitará apresentar esse conceito
de arquitetura de forma mais direta. Trata-se do Centro da Paz de Hiroshima (Imagem 2), um

1
​Le Corbusier, Mies van der Rohe, Walter Gropius.
2
Alvar Aalto, Oscar Niemeyer, Eero Saarinen, Louis I. Kahn e Johannes Duiker.
memorial com uma escala monumental que foi criado para homenagear as vítimas da bomba
atômica.
A localização dessa obra é um detalhe essencial para entendermos para onde estamos
indo nesse texto. O Centro está posto a apenas algumas centenas de metros de onde foi o
hipocentro da explosão atômica que devastou a cidade de Hiroshima, matando milhares e
desintegrando a maior parte das estruturas e seres da região (Imagem 3) ao liberar uma onda
de calor comparável à temperatura do Sol. Como é possível verificar na imagem anterior, uma
estrutura, que está a 160 metros de onde foi o hipocentro, permaneceu de pé. Essa estrutura
fazia parte da obra do arquiteto tcheco Jan Letzel, o Salão de Exposições Comerciais da
Prefeitura de Hiroshima (Imagem 4) que hoje se tornou a Cúpula da Bomba Atômica
(Imagem 5). Esse fato fez com que em 1954 fosse erguido o Centro e que em 1966, apesar de
vários pensamentos contrários da população, o conselho da cidade decidisse pela preservação
da estrutura, visto que as outras que também haviam resistido já tinham sido demolidas.

“A resolução para preservar a Cúpula da Bomba Atômica


No ano passado, a cidade de Hiroshima completou uma pesquisa de um milhão de ienes
sobre métodos de preservação para a Cúpula da Bomba Atômica.
Foi determinado que, com reforço, a Cúpula vai resistir à preservação, e este resultado foi
anunciado à Câmara Municipal.
Junto com a demanda para parar a guerra nuclear e proibir todas as bombas de hidrogênio e
atômica, a preservação da Cúpula é o desejo sincero dos sobreviventes da bomba atômica, todos os
cidadãos e pessoas em todo o Japão que rezam pela paz.
Preservar a Cúpula em sua totalidade e passá-la para as gerações futuras é um dos nossos
deveres para com as mais de 200.000 almas que pereceram no bombardeio atômico, e para pessoas
de todo o mundo que rezam pela paz.
Portanto, aprovamos a resolução para tomar todas as medidas necessárias para preservar a
Cúpula.
11 de julho de 1966, Câmara Municipal de Hiroshima”

O Centro da Paz de Hiroshima, uma das primeiras obras onde é sintetizado tradição com
espírito moderno, foi erguido em 1954, fruto de um concurso, ganho por Kenzo Tange em
1946, em colaboração com Takasha Asada e Sacho Otani, onde tinha-se o intuito de construir
um memorial para todas as almas que foram perdidas no ataque. O projeto de Tange cria um
eixo monumental (Imagem 6) que liga as construções existentes no projeto e a Cúpula,
estabelecendo uma relação direta entre o tradicional e os modernos pré e pós guerra no Japão.
O complexo do Parque da Paz possui três edifícios principais, o Museu do Memorial da
Paz de Hiroshima (Imagem 7), um Centro Comunitário (Imagem 8) e o Centro Internacional
de Conferências de Hiroshima (Imagem 9), além dessas mega construções, há também um
Cenotáfio (Imagem 10) para as vítimas da bomba e, atualmente, há uma torre do
relógio-da-paz (Imagem 11), o Salão do Memorial da Paz das Vítimas da Bomba Atômica de
Hiroshima (Imagem 12), o Monumento das Crianças pela Paz (Imagem 13), um monte
memorial para a Bomba Atômica (Imagem 14) e um memorial às crianças e professores
(Imagem 15) que foram perdidos naquela data. De todas essas obras e memoriais, vamos falar
sobre os quatro originais, integrantes da obra de Kenzo, o Museu, o Centro Comunitário, o
Centro de Conferências e o Cenotáfio.
O Museu, originalmente construído para, segundo Tange, dividir o espaço central com as
estruturas vizinhas, possuiu por um tempo uma importância diferente da inicial, a qual era
igualitária, no período de sua inauguração, por possuir um local no meio do Parque e por suas
ligações com os outros prédios serem, até então, apenas via caminhos no solo, ele guardava
uma postura forte e de um caráter monumental em relação ao resto do Centro, como se a
intenção do arquiteto fosse fazer com que apenas o passado se prevalecesse sobre todo o
resto. O termo “passado” merece uma atenção, pois o projeto original de Tange buscava, tanto
arquitetônica como simbolicamente, mostrar que o passado, o presente e o futuro podem
andar juntos e que sim o passado não pode ser esquecido, tanto que se encontra no meio, pois
o caminho para o futuro sempre deve envolver o passado, mas o arquiteto não queria que o
bloco do museu ganhasse tanta importância a mais em relação aos outros, o que ele queria
passar era que todos momentos fossem igualmente importantes e não que devemos focar no
nosso passado e deixar o presente e o futuro em segundo plano.
Arquitetonicamente falando, o Museu possui a sua forma fundida com seu significado, o
bloco de concreto que se ergue sobre suportes, mostra o passado próximo da arquitetura
moderna no Japão, os segmentos corbusianos; a forma de encaixe pilar-viga (Imagem 16),
vem de uma arquitetura tradicional milenar, antes realizada com madeira, que através dos
conhecimentos de Tange sobre o passado e as novas técnicas construtivas, foi possível recriar
em uma escala monumental. Tirando o Museu um pouco do foco, as três estruturas foram
projetadas de forma que não se sobressaíssem umas às outras, postas com alturas em mesmo
plano, elas também têm em comum pontos que são tão tradicionais para os japoneses quantos
modernos para os ocidentais como, espaços amplos, integrados, sóbrios e com materialidade
(a coloração das paredes é a cor do próprio material, o que provoca não só uma percepção do
material sendo utilizado, como também do conteúdo contido dentro dessas paredes).
O Centro Comunitário e o Centro Internacional de Conferências de Hiroshima são
prédios com semelhanças arquitetônicas e que não possuem toda uma filosofia por trás, são
construções para reunir pessoas discutir numa representação do “presente” (Centro
Comunitário) e do “futuro” (Centro Internacional de Conferências de Hiroshima) para aquela
época. As construções possuem características modernas e tradicionais assim como o Museu,
com suas estruturas compostas também pelo sistema pilar-viga e elevada por suportes, porém,
a continuidade é quebrada sob os suportes através do fechamento utilizando grandes painéis
de vidro, um dos símbolos da arquitetura moderna.
A disposição dos jardins do Centro, assim como o posicionamento das estruturas de
forma a criar uma continuidade com o que seria a entrada e o memorial para garantir a paz
(Portão da Paz e Cúpula da Bomba Atômica) se assemelha a um antigo templo xintoísta,
Meiji-jingu Shinto shrine (Imagem 17), com suas construções sobre suportes, permitindo uma
integração de espaços, formalidade implementada na arquitetura moderna ocidental, tal qual a
arquitetura de Le Corbusier.
O Cenotáfio, com sua forma composta por uma parabolóide hiperbólica em concreto,
mostra o avanço da engenharia moderna ao mesmo tempo em que retorna ao tradicionalismo,
remetendo às casas Haniwa (Imagem 18) da pré história japonesa, objetos ritualísticos
confeccionados em terracota e postos sobre as tumbas dos grandes chefes que haviam
morrido, ali utilizada como forma de homenagear os mortos com um símbolo da maior
importância para seus antepassados. A Haniwa ocupa um espaço no Centro de forma que
“passado, presente e futuro” sempre estejam relacionados a ela, envolta por um espaço onde
50000 pessoas podem se reunir para prestar as homenagens.
Por fim, é possível compreender que Tange consegue realizar essa mescla entre
arquitetura tradicional e modernas, inovando a arquitetura e criando uma vertente que até hoje
possui uma importância gigantesca para o universo arquitetônico. Do início da arquitetura
moderna até o momento em que estamos atualmente, a importação arquitetônica vem se
mostrando muito presente e na sua vida profissional, Tange buscava acabar com essa ideia de
que uma arquitetura pode ser colocada em todos os locais do mundo. Uma visão que os
arquitetos atuais, se ainda não possuem, devem adotar é a de buscar seguir caminhos
parecidos com os desse arquiteto para a realização de projetos que se adequem ao local física,
urbanística e culturalmente.
Quando olhamos para as construções atuais, vemos projetos sem vida, sem significado,
muitas vezes até mesmo sem utilidade, enormes janelas de vidro onde são postas cortinas,
fachadas inteiras espelhadas em locais de clima frio. Pratica-se muito a arquitetura do “eu
quero isso” enquanto que Tange fazia a arquitetura do “eu sinto isso”, essa grande diferença
existente esses dois mundos é o obstáculo que deve-se ser superado para alcançar o tão
necessário objetivo que é: ​A Arquitetura Tradicional-Moderna segundo Kenzo Tange​.
IMAGENS

Imagem 1

Fonte: http://caxigalinas.blogspot.com/2012/01/kenzo-tange-el-reconstructor-de.html

Imagem 2

Fonte: https://www.urbipedia.org/hoja/Centro_de_la_Paz
Imagem 3

Fonte: http://moleskinearquitectonico.blogspot.com/2007/08/el-parque-de-la-paz-hiroshima.html

Imagem 4

Fonte: https://de.wikipedia.org/wiki/Friedensdenkmal_in_Hiroshima
Imagem 5

Fonte:https://alljapantours.com/japan-attraction/unesco-world-heritage-sites/world-cultural-heritage-sites/h
iroshima-genbaku-dome/

Imagem 6

Fonte: http://moleskinearquitectonico.blogspot.com/2011/10/el-metabolismo-japones.html
Imagem 7

Fonte: https://saku-raku.com/hiroshima-peace-memorial-museum

Imagem 8

Fonte: https://pt.wikiarquitectura.com/construção/museu-memorial-de-la-paz-de-hiroshima/
Imagem 9

Fonte: https://www.urbipedia.org/hoja/Centro_de_la_Paz

Imagem 10

Fonte: https://www.dreamideamachine.com/en/?p=7079
Imagem 11

Fonte: https://jonathanmcgee.wordpress.com/hiroshima/#jp-carousel-707

Imagem 12

Fonte: http://uncover.travel/national-peace-memorial-hall-for-the-atomic-bomb-victims-hiroshima/
Imagem 13

Fonte: lense.mycharminggirl.com/2015/10/hiroshima-peace-memorial-museum-bomb.html

Imagem 14

Fonte: https://flickr.com/photos/patcard/3350247360
Imagem 15

Fonte:https://tpcoughlinhomespunyarns.wordpress.com/2015/08/06/the-bombing-of-hiroshima-august-6-19
45-was-it-worth-it/

Imagem 16

Fonte: http://www.housedt.com/index.html
Imagem 17

Fonte: https://trevallog.com/tokyo-meiji-shrine-shibuya-odaiba/

Imagem 18

Fonte: https://webarchives.tnm.jp/imgsearch/show/C0010466
BIBLIOGRAFIA

HIROSHIMA, The City Of. ​History. ​Disponível em:


<http://www.city.hiroshima.lg.jp/www/dome/genre/1001000050008/index.html>. Acesso em:
05 dez. 2019
JREF. ​Haniwa. ​Disponível em: <https://jref.com/articles/haniwa.192/>. Acesso em: 09
dez. 2019
MUHL, H. R. Von der; KULTERMANN, Udo. ​Kenzo Tange. ​3. ed. Barcelona
[Espanha]: G. Gili, 1981. 240 p. ISBN 8425209064
KULTERMANN, Udo. ​Nueva arquitectura japonesa. ​Barcelona [Espanha]: G. Gili,
[1967]. lii,180 p.
KENZO Tange; architecture and urban design.. New York: Praeger, 1970
BOYD, Robin. ​Nuevos caminos de la arquitectura japonesa. ​Bercelona: Blume, 1969.
128 p.

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