Apresentaremos em dois momentos as características do movimento e uma
análise do objeto de estudo escolhido, a Torre Cápsula de Kisho Kurokawa.
Com o fim da segunda guerra mundial, a vida política e religiosa japonesa foi remodelada com o intuito de produzir uma nova nação democrática e desmilitarizada. O Japão influenciado pelos Estados Unidos, passou por um forçoso, porém necessário, processo de abertura comercial e cultural ao ocidente.
Historicamente o Japão esteve sempre sujeito a súbitas invasões de ideias novas
procedentes do estrangeiro, seguidas por longos períodos de contato mínimo com o mundo exterior. Ao longo do tempo, os Japoneses desenvolveram a habilidade de absorver, imitar e acabar por assumir os elementos da cultura estrangeira que serviam para complementar suas preferencias estéticas. As manifestações artísticas mais antigas que se desenvolveram no Japão datam dos séculos VII e VIII e estão relacionadas ao Budismo.
A luta do Japão para encontrar uma nova identidade cultural e arquitetônica
depois da segunda grande guerra foi extremamente árdua até o início dos anos 1960. A influência sobre a nova geração de arquitetos até então era Le Corbusier, que se refletia por intermédio de Kenzo Tange e Tadao Ando no cenário cultural japonês. Nesse mesmo período um grupo de jovens arquitetos e críticos surge com uma nova filosofia fundadora de novas ideias provenientes da arquitetura tradicional japonesa e da arquitetura pop contemporânea dando a esse movimento o nome de Metabolismo. O Metabolismo foi o mais importante movimento urbano, arquitetônico, artístico e filosófico, que o Japão produziu no século XX. Sua influência ultrapassou os conceitos utópicos de uma sociedade que estava a experimentar um rápido crescimento econômico no início dos anos 60 e materializada em projetos específicos, não só no Japão mas também para além do arquipélago.
O nome metabolismo pretendia sugerir uma nova abordagem biológica a
arquitetura, nos edifícios e cidades que cresciam para fazer frente as novas exigências da sociedade de uma maneira orgânica, fazendo uso pleno das mais recentes e inovadoras tecnologias de construção e formas de comunicação, exibindo de início uma serie de conceitos imaginários, utópicos. O movimento, argumentou que os edifícios e as cidades devem ser concebidas como seres vivos e, portanto, devem crescer organicamente, de acordo com as necessidades dos seus habitantes. O ano 1960 é marcado pelo surgimento da contracultura, caracterizada em um contexto de total transformação de ideias, e por sua vez, estratégias projetuais, diferentes daquelas criadas pelo movimento moderno até então. O movimento inicialmente tinha como ponto central a grande crítica ao estilo internacional e seu individualismo, porem ao mesmo tempo reavaliava a importância do contexto histórico no desenvolvimento de nova arquitetura. Um número crescente de arquitetos nos anos 1960 estava a questionar a arquitetura comercial populista e o mercado de consumo, que sufocava os centros urbanos. Nesse período fortes questionamentos surgiram a respeito da arquitetura rigorosamente racionalista, pondo em questão sua expressividade e seus símbolos de liberdade e democracia. Em oposição ao tal racionalismo rigoroso, surgiram as formas orgânicas, vibrantes, arredondadas e assimétricas, simbolizando um desenvolvimento livre de restrições físicas ou espirituais. Essa tendência, conhecida sob a designação de “arquitetura orgânica”, baseava-se nas teorias platônicas de proporção, que já haviam determinado a arquitetura do renascimento. Os edifícios deixaram de ser tratados como peças autônomas, procurando uma harmonização entre o corpo e a envolvente. Não obstante, buscou-se tratar a arquitetura como escultura; portanto, a construção massificada de habitações, na maioria das vezes efetuadas com meios financeiros extremamente reduzidos, tinha de estar no centro da atividade conceitual dos arquitetos, ao contrário do que teria acontecido no modernismo clássico entre as duas guerras. Diante da diversidade de conceitos arquitetônicos desenvolvidos no pós- modernismo, surgem diferentes correntes arquitetônicas, o que tornou a segunda metade do século XX num celeiro fértil para novos tipos de arquitetura. Entre os novos tipos de arquitetura destaca-se a chamada “Arquitetura Tecnológica”, desenvolvida especialmente na Inglaterra. Os arquitetos ingleses visavam desenvolver uma arquitetura fundamentada no processo industrial, baseados na ideia em que existe uma racionalidade oculta no mundo da tecnologia e da ciência, gerando dessa forma, uma arquitetura “descartável” e de fácil produção como qualquer objeto do mercado de consumo. Na concepção destes arquitetos ingleses, os archigram, a arquitetura era subentendida como um pacote de peças que poderiam ser substituídas. Essa ideia da arquitetura reciclável foi apresentada e explorada pela revista criada pelo próprio grupo, chamada igualmente de revista Archigram. O movimento inglês ficou apenas no mundo das ideias sem sequer uma edificação construída. Apesar do fracasso no implementar de suas ideias, os conceitos ingleses serviram de fundamentos para os mais diversos projetos de arquitetura e urbanismo, entre eles, o movimento Metabolista. Kenzo Tange era profundamente influenciado pela arquitetura de Le Corbusier e apresentava vontade de ressaltar as formas estruturais deixando aparente o funcionamento do edifício em sua maioria em betão armado, juntamente com elementos tradicionais da arquitetura e da cultura japonesa, que, a partir de um olhar atento à crise de falta de território para a expansão das megalópoles japonesas, buscava na tecnologia e nos grandes trabalhos de engenharia uma resposta viável (RIBEIRO, 2009). A alternativa mais imediatista encontrada para a expansão das cidades era a ocupação dos oceanos, devido à escassez de espaço territorial para o crescimento civilizacional, e sob este olhar foram desenvolvidos diversas ideias projetuais tais como o plano de expansão para a nova Baia de Tóquio. O pensamento construtivo de Tange era voltado para a pré-fabricação, considerada a solução mais adequada; e a elaboração de sistemas de ampliação utilizando adições sucessivas de componentes celulares geriu a concepção espacial de grande parte dos arquitetos metabolistas. Esses consideravam que edifícios e espaços urbanos estariam sujeitos às mesmas condições de crescimento natural a que também estava sujeita a população (RIBEIRO,2009). Dentro da corrente do Metabolismo destacaram-se os arquitetos Kenzo Tange, Kiyonori Kikutake, Kisho Kurokawa, entre outros. A influência do movimento metabolista japonês ultrapassou os conceitos utópicos de uma sociedade experimentalista que vivenciava um rápido e forte crescimento económico no início dos anos 1960. As condições urbanas deste contexto histórico incluíam a rápida modernização e capitalização dos centros urbanos, um processo que evidenciou a falta de planeamento urbano japonês e o quão caóticos eram os sistemas urbanos, que deram origem a métodos emergenciais que buscavam a resolução sistemática de problemas complexos. Por influência do pensamento dominante pós-moderno de valorização da individualidade, os projetos Metabolistas consideraram que nesse sistema todo indivíduo teria liberdade para a criação de sua própria habitação de acordo com seus gostos e capacidades financeiras, contrariando portanto a produção padronizada e em massa do sistema industrial regente. O Metabolismo, apesar de tudo, também sofreu forte influência do estilo internacional, facto que podemos comprovar pelos alinhamentos arquitetônicos de Tange com Le Corbusier. Projetos de Le Corbusier no Japão, como o Museu de Arte Moderna de Tóquio, se tornaram grandes referencias para a arquitetura japonesa. Os projetos Metabolistas, possuidores de grande expressionismo formal, desencadeou uma arquitetura que exaltava a força e protagonismo da estrutura como linguagem construtiva e uma interpenetração conceitual modernista com elementos tradicionais japoneses. As soluções propostas para as edificações eram ostentosas, dotadas rigor estrutural, resultado das influencias ocidentalizadas na economia, cultura e até mesmo nos hábitos da população após a guerra. Os projetos tinham o ideal de expressar o que seria uma sociedade em constante desenvolvimento e transformação. O período em questão foi também o momento mais glorioso e de destaque da evolução arquitetônica japonesa, fazendo uso de sistemas tecnológicos para problemáticas complexas. Kenzo Tange possuiu uma confiança de que um novo tipo de possibilidades tecnológicas suportaria a demanda, e necessidade, pelo planeamento sistemático, oferecendo respostas funcionais para as questões energéticas e a demanda pelo crescimento contínuo ordenado. Em 1960, Kenzo Tange apresentou o plano para a Baía de Tóquio, com ideias inovadoras acerca de como expandir a cidade para além de seus limites terrestres através de um “eixo monumental” construído através da Baia de Tóquio aonde os carros poderiam circular, metendo os pedestres em áreas especiais através de uma hierarquia de avenidas expressas. Com base na influência de Le Corbusier, Tange propôs a construção de zonas suportadas por pilotis e ligações especiais entre zonas de hierarquias diversas, públicas e privadas. Os projetos de Tange evoluíram em utopias urbanas que previam megacidades mediante a geração de gigantes formas geométricas. Entre toda a criação da corrente Metabolista, o ícone mais importante realizado foi o projeto da Nakagin Tower, projetada por Kisho Kurokawa, aluno de Kenzo Tange. O projeto englobou a primeira cápsula intercambiável da história, e uma das únicas edificações construídas do grupo Metabolista. Kurokawa estudou arquitetura na Universidade de Quioto, completando os estudos em 1957. Participou da corrente Metabolista e foi profundamente influenciado pelo discurso do Archigram, especificamente no que diz respeito a consideração de um espaço mínimo vital. Com o projeto de casas cápsulas, executou um programa de habitação social e previu uma tecnologia de ponta para os equipamentos internos. Visionário, tentou traduzir as necessidades do homem moderno em seu projeto. O projeto da torre cápsula, construído seguindo o preceito da substituição, foi executado em Tóquio no ano de 1971, suas unidades dão-se em forma de células intercambiáveis fixadas a um núcleo rijo central de betão, uma torre, que permite a alteração de posição das cápsulas e a substituição das mesmas. As cápsulas foram pensadas para um público solteiro, trabalhador e que precisaria de um espaço mínimo para habitar e foram fabricadas em aço e ligadas às torres de betão previamente. Desde a sua construção, o edifício nunca passou por manutenção e hoje encontra-se em estado deplorável, antes de sua morte Kisho Kurokawa defendeu a preservação da torre através da reposição das cápsulas e esclareceu que o projeto previa a substituição das mesmas a cada 25 anos. Parece Contraditório que um edifício concebido de maneira a prever atualizações seja simplesmente demolido e considerado como algo ultrapassado em relação as tendências contemporâneas, Levando em consideração o ideal de “regeneração” que a estrutura possuí.