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Da Produção ao Consumo:

A Arquitetura na segunda metade do século XX


ZARAH DE CAMPOS RESTON

Teoria 1 | 2022/23 | Grupo 4 | Turma 6

I. Introdução
O seguinte trabalho, realizado no âmbito da unidade curricular de Teoria 1, tem como
principal objetivo a relação da economia e da crescente cultura de consumo na segunda metade
do século XX, tendo em conta sua interligação com a arquitetura. Através das aulas teóricas da
unidade curricular e de uma análise de artigos da revista “ARQ./A: Arquitetura e Arte”, é
pretendido perceber o impacto socioeconômico na conjuntura arquitetônica vigente naquele
período e até os dias de hoje.
Em um primeiro momento, será feita uma cronologia da evolução do desenvolvimento
da arquitetura pós-moderna no âmbito internacional, tendo em vista os principais autores,
projetos e teorias do período posteriormente a 1960, com base nas aulas teóricas da U.C.
Posteriormente, através de artigos da revista selecionada, é feita uma análise sobre a relação da
produção e consumo inerente a globalização, no contexto geral e nacional. Por fim, no último
momento, crítico e sintetizo sobre as transformações teóricas da arquitetura no período Pós-
Moderno, em contexto nacional e internacional. Dessa maneira, evidencio a sua relação com o
consumo, com as indústrias de informação e com o pensamento do homem pós-moderno.

II. Enquadramento Geral


O movimento pós-moderno face à globalização
Os primeiros anos do segundo pós-guerra (1945/50) constituíram em um período de
transição e preparação, quando foram produzidas na Europa construções para eliminar os danos
ocorridos e abrigar milhares de refugiados.1 Foi uma fase de crise da burguesia européia face à
falência dos ideais de poder, a partir de quando o controle da economia mundial passou para os
EUA, o novo centro de discussão da arte e arquitetura mundiais.
A arquitetura pós-moderna é um estilo arquitetônico que emergiu na década de 1960,
como uma resposta ao modernismo, que dominou a arquitetura do século XX. Este estilo é
caracterizado por uma rejeição das formas simples, minimalistas e funcionalistas do
modernismo, em favor de uma estética mais eclética, ornamentada e contextualizada. Como
principais intervenientes, podemos citar Ludwig Mies Van der Rohe (1886-1969) e Frank Lloyd
Wright (1869-1959).
O pensamento funcionalista perpetuou-se através de uma ideologia de constante
mudança sobre si mesmo para o novo, ou seja, para aquilo que é garantido por ser produto da
invenção ou mesmo ato criativo. Assim, tornou-se insubstituível como a própria palavra
“moderno”. Daí os críticos da segunda metade do século XX passarem a adotar o termo “pós-
moderno”, o qual remeteria à sua superação e ao repúdio de uma continuidade. Um papel
fundamental na aceleração do corte com a ortodoxia modernista, foi desempenhado por Phillip
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Aula 15 – 17 de fevereiro de 2023.
Johnson, considerado como o patriarca do Pós-Moderno. Nos anos sessenta ele declarava o “fim
da arquitetura moderna’’, e, como exemplo de sua obra, podemos citar o prédio AT&T em
Nova Iorque. 2 (fig.1) Designadamente, a crítica literária nos anos 1950-60s sobre o pós-
moderno traduz um diagnóstico de uma nova situação cultural caracterizado pela
reconciliação/aceleração histórica, a ampliação da consciência relativista, e o risco de
fragmentação em pensamentos plurais. 3 Para além disso, A evolução da escrita pós-moderna
aumentou o questionamento de opressões racionalistas, e os novos modos de ver a arquitectura
como artefacto cultural.4
A arquitetura pós-moderna também é conhecida pela sua diversidade estilística. Os
arquitetos pós-modernos combinam elementos de diferentes estilos arquitetônicos em suas
obras, criando uma mistura eclética de estilos e referências. Charles Moore, por exemplo,
buscava, com uso de materiais e das cores vibrantes, uma alusão ao lúdico. 5 Eles também são
mais abertos a experimentar com novos materiais e tecnologias, criando edifícios mais
inovadores e surpreendentes.
Em seguida, há o declínio das metanarrativas, o pluralismo e o relativismo,
especialmente enfatizando a crítica às metanarrativas realizada por J. F. Lyotard em sua obra "A
Condição Pós-Moderna: relatório sobre o saber". Lyotard questiona a validade das ideias
universais e científicas da modernidade, propondo uma suspeição relativamente à lógica
científico-universal e ao progresso. Além disso, o autor destaca a oscilação presente na
modernidade em relação à ideologia universal. Em síntese, pode-se perceber a importância das
críticas à modernidade e a influência que autores como Lyotard e Marx exercem sobre a
reflexão acerca da validade das ideias e narrativas na contemporaneidade. 6
O ativismo crítico perante a arquitetura moderna surgiu como uma resposta à
insatisfação generalizada quanto à estética estática predominante nos anos 1950 e 1960. O
período pós-guerra trouxe consigo um desejo de retomar uma atuação visionária na arquitetura,
tendo em vista a criação de estruturas capazes de concentrar diversas funções em um único
lugar. Nesse contexto, surgiu o conceito de megaestrutura, proposto por Fumihiko Maki, que
consistia na utilização de uma grande estrutura adaptável e flexível, embora limitante. Essa ideia
foi exposta no Museu de Arte Moderna de Nova York e intitulada como “Visionary
Architecture” em 1961. Outro ideal forte para esse ativismo crítico é o da multifuncionalidade,
proposto por Arata Isozaki. Diante disso, é possível perceber a relevância das críticas à
arquitetura moderna e a busca por uma atuação mais inovadora e visionária na área. 7 Na época,
o ideal de que a arquitetura e o urbanismo da época estavam sendo influenciados por uma série
de fatores, incluindo a globalização, o neoliberalismo, a fragmentação da cultura e o colapso da
modernidade foi disseminado por diversos autores, que acreditavam que a arquitetura e o
urbanismo precisavam ser repensados e reinventados para se adequar a essa nova realidade. Um
exemplo dessa máxima é a obra ‘’S, M,L, XL’’, de Rem Koolhaas e Bruce Mau. 8
Ademais, o conceito de originalidade na arquitetura é colocado em questão pelo pós-
estruturalismo e pela receptividade crítica, tendo em vista a sua fragilidade. A discussão sobre
os problemas modernos e o impacto das estruturas político-culturais nas estruturas sociais foi
iniciada pela "Escola de Frankfurt". Nesse contexto, o pós-estruturalismo surge como uma

2
Philllip Johnson, AT&T, Nova Iorque, 1982.
3
Aula 13 – 03 de fevereiro de 2023.
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Aula 14 – 10 de fevereiro de 2023.
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Aula 16 – 24 de fevereiro de 2023.
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Aula 17 – 03 de março de 2023.
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Aula 18 – 10 de março de 2023.
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“OMA, “S,M,L, XL. New York: Monacelli”, 1995, p.1248-1264
forma de questionar e limitar as oposições. A revista Oppositions magazine (1973-82) destaca a
transição teórica do estruturalismo para o pós-estruturalismo. 9
Nos anos 70, a Revolução de 25 de abril trouxe mudanças significativas para a realidade
portuguesa. O Projeto Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL) (1974/76) direcionou a
arquitetura para a construção de habitações sociais, com a Direção de Habitação no norte de
Portugal liderada por Alexandre Alves Costa e Margarida Coelho, que focou a estética das
edificações na Escola do Porto. As ilhas habitacionais tornaram-se uma forma de recuperar as
ruínas das classes desfavorecidas, em vez de demolir. Na esfera teórica, a arquitetura portuguesa
teve maior divulgação internacional nas décadas de 70 e 80, após anos de reconhecimento
limitado em exposições internacionais. Em 1980, o edifício Bonjour Tristesse, de Álvaro Siza,
tornou-se um importante exemplo da arquitetura portuguesa a nível internacional. 10
Para o fim das décadas de 80/90, há um progressivo aumento do Pós-Estruturalismo e
desconstrução. Esse fenômeno acaba sendo contestado pelo movimento do New Urbanism, que
se preocupava com a desqualificação das cidades, pois devido essa necessidade de construir
grandes equipamentos, o espaço público e o bem-estar social foi sendo negligenciado causando
o êxodo do centro urbano.11
No contexto arquitetónico, o desconstrutivismo pode ser visto na obra de Peter
Eisenman e sua discussão com Jacques Derrida. Michael Foucault, um dos mais influentes
filósofos e teóricos sociais do século XX, cunhou o termo "panóptico" em sua obra "Vigiar e
Punir" para descrever um modelo arquitetônico e disciplinar que exerce um poder coercitivo
sobre indivíduos em uma sociedade. 12
Paralelamente ao surgimento do desconstrutivismo, está em ascensão o regionalismo
crítico. Este movimento teve uma preocupação com a análise crítica da história e cultura local
como ponto de partida para a criação de uma arquitetura contemporânea. Os arquitetos
envolvidos no regionalismo crítico acreditavam que a arquitetura regional poderia ser uma
forma de resistência à globalização, desde que houvesse a capacidade de adaptação às mudanças
sociais, políticas e econômicas. O movimento do regionalismo crítico tornou-se uma resposta
aos excessos do modernismo, reafirmando a importância da identidade cultural e das tradições
locais na arquitetura. Como exemplificação desse aspecto, é feita uma menção em um artigo da
revista ARQ./A que diz: ‘’(...) mesmo na grande maioria das obras concretizadas por essa
"geração nova" - principalmente nos seus mais extraordinários edifícios - a continuidade
sobrepôs-se à rutura e o carácter "conservador" da arquitetura prevaleceu. (...) 13 Dessa maneira,
a arquitetura passou a ser vista como um elemento capaz de influenciar e ser influenciada pelos
processos sociais e históricos, e não mais como algo autônomo e desvinculado da realidade
social.14
No final da década de 90, há a disseminação do conceito de ‘’indústrias criativas’’, com
surgimento na Austrália e extensão no Reino Unido. Na economia, é debatido o potencial
performativo das atividades intensivas de conhecimento para o desenvolvimento urbano, com a
criação da cidade criativa por Charles Landry em The Creative City, em 1995. Em Portugal, é
notório a falta de incentivo pelo governo português, juntamente com falta de planeamento e

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Aula 20 – 24 de março de 2023.
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Aula 22 – 14 de abril de 2023.
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Aula 19 – 17 de março de 2023.
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Aula 23 – 21 de abril de 2023.
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MILHEIRO, Ana Vaz, “Geração Z #1, Perspectivas Nacionais” in: “Arqa: Arquitetura e Arte”, Lisboa, 2016, p.54.

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Aula 24 – 28 de abril de 2023.
promoção cultural e artística. Ademais, é dito por Friedman que os princípios urbanos para o séc
XXI são: sustentabilidade ambiental, coesão social e governança econômica. 15

III. Enquadramento Específico


O impacto realidade mediatizada e globalizada em Portugal
A grande evolução da arquitetura portuguesa no contexto pós-moderno segue os
preceitos do modernismo, agora com o apoio da indústria tecnologicamente avançada, que
permitiu o aprimoramento da disseminação e dos meios de comunicação já estabelecidos na
primeira metade do século XX. Esse salto abriu margem para criação de uma nova arquitetura
portuguesa, avançada e alinhada com a metodologia internacional de um mundo globalizado e
influenciado pela cultura de produção e consumo. Portanto, a fim de aprofundar a compreensão
dessa relação entre a arquitetura portuguesa e à globalização emergente, propõe-se o estudo da
revista portuguesa ARQ./A Arquitectura e Arte.
É notório que a democratização da arquitetura portuguesa permitiu a criação de uma
arquitetura que refletia as necessidades e desejos da sociedade, contribuindo para a construção
de uma cultura arquitetônica mais aberta e inclusiva. Com o fim da ditadura salazarista, o país
vivenciou um momento de transformação política, social e cultural, que se refletiu também na
arquitetura. Houve um investimento significativo em habitação social, escolas e equipamentos
públicos, com a participação ativa de arquitetos como Nuno Portas, João Álvaro Rocha e Siza
Vieira, entre outros. A arquitetura pós- Revolução de 25 de abril de 1974 foi marcada por um
conflito estilístico e de métodos construtivos, de acordo com Siza para entrevista na revista
ARQ./A. com forte destaque para o ‘’destravamento’’ da indústria, que alavancou face à
globalização e investimento de capitais. 16 Um exemplo desse investimento em habitações pós-
Revolução seria Conjunto habitacional da Bouça, de Álvaro Siza para o projeto SAAL. (fig.2)
Num segundo momento, presencia-se uma explosão econômica e arquitetónica em
Portugal no final dos anos 80, consequência de uma maior amplitude na divulgação midiática,
que facilitou o estabelecimento de relações econômico-sociais a nível nacional e internacional.
Além disso, a descentralização da arquitetura e o consequente aumento de escolas de arquitetura
17
, foram capazes de ampliar a construção em si, bem como o número de atuantes na profissão
em Portugal. A Escola do Porto, por exemplo, ficou reconhecida internacionalmente, na qual
presencia-se um intercâmbio de influências internas e externas através da democratização da
arquitetura na década de 80. Segundo Luís Tavares Pereira, a Escola apresenta características
como o bem construir, o bom desenho e o bom detalhe.18

Todavia, Portugal também é alvo da impessoalidade arquitetónica advinda do período


pós-moderno. Embora a arquitetura-espetáculo possa ser vista como uma forma de expressão
artística, ela também é criticada por sua falta de consideração pelos valores humanos e sociais,
assim como pelo desperdício de recursos e pela falta de sustentabilidade. Ao buscar chamar a
atenção do público através do impacto visual e da grandiosidade, muitas vezes essa abordagem
sacrifica a experiência humana do espaço, colocando-a em segundo plano. Um exemplo desse
tipo de construção é o The Gherkin por Norman Foster, em Londres. (fig.3) A ênfase na estética
e na singularidade pode levar a uma falta de consideração pelos aspectos funcionais e práticos
da arquitetura, e pela forma como as pessoas interagem com o espaço construído. Nesse
contexto, essas grandes transformações e influência da mediatização da sociedade começaram a

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Aula 24 – 28 de abril de 2023.
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Victor Neves e Renata Amaral, ‘’Entrevista com Álvaro Siza Vieira’’ in: ‘’Arqa: Arquitectura e Arte’’, nº07, Lisboa, 2001, p.17-
23
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Aula 21 – 31 de março de 2023.
18
PEREIRA, Luís, “Arquitetura do Norte de Portugal: Inacção e Excelência”, in: “Arqa: Arquitetura e Arte’’, Lisboa, 2006, p.22
surtir efeitos em Portugal nas décadas de 80/90, sintetizando numa controvérsia teórica da
produção arquitetónica, onde tornava-se um mero ‘’espetáculo para o consumo’’. 19
Num terceiro momento, a corrente do Regionalismo Crítico tem como principal
objetivo a identificação de escolas regionais que valorizam a conexão com o lugar,
considerando fatores como a luz, o clima e a topografia em seus projetos, bem como o uso de
elementos arquitetônicos que respeitam as características locais. 20 Essas escolas possuem uma
postura reacionária em relação à internacionalização da arquitetura e à sua produção
homogênea, apresentando-se como uma alternativa aos contextos marcados pela globalização.
Nesse sentido, o Regionalismo Crítico busca promover a diversidade cultural na arquitetura,
respeitando as particularidades de cada lugar e suas tradições, ao mesmo tempo em que busca a
inovação e a experimentação, sem perder de vista o contexto em que o projeto está inserido.
Através de uma arquitetura com grande sensibilidade ao lugar, Siza é um arquitecto que explora
a dimensão geográfica, conseguindo que nas suas obras o novo entre em diálogo com o
existente. Uma exemplificação dessa qualidade é a obra Casa de Chá da Boa Nova, em
Matosinhos. (fig.4)
Nos anos seguintes, em decorrência da condição democrática que o país se encontrava e
da evolução tecnológica, bem como o uso intensivo dos novos meios de comunicação, é feita a
destruição de fronteiras internacionais e Portugal torna-se parte de uma rede globalizada.
Através da lógica de produção e consumo presente na conjuntura urbana atual, que exige
repostas rápidas e um apogeu da experimentação, o país passou a conviver com novas escalas
territoriais e criando uma rede de transporte automatizada e eficaz. A partir de 1990, a
‘’erupção da globalização cultural, a internacionalização económica e os progressos
tecnológicos, tal como uma diversidade de fenómenos urbanos’’ 21 foi capaz de gerar a
heterogeneidade do espaço humanizado.
Ao analisarmos exposições, publicações e prêmios de arquitetura, tanto nacionais como
internacionais, podemos obter uma visão do estado atual da arquitetura em Portugal. Nesse
sentido, é oportuno mencionar a participação da arquitetura portuguesa na Bienal de Veneza
(fig.5), que reforça a ideia da globalidade da arquitetura portuguesa, evidenciando a capacidade
dos arquitetos em incorporar as inovações tecnológicas em seus projetos, sem perder de vista a
dimensão artística e estética da arquitetura.
Portanto, conclui-se que, nas últimas décadas, presencia-se a cristalização de uma
adaptação a uma predita realidade massiva, multidiscursiva, globalizada e mediatizada em
Portugal, assim como uma capacidade de persistente resistência em contexto de crise econômica
(local/global) e cultural que atravessa a classe do país. 22

IV. Análise Crítica


O embate entre a impessoalidade e a transformação arquitetónica
A arquitetura perde seu funcionalismo que foi tão pregado por intervenientes como Le
Corbusier e Phillip Johnson na viragem do século, e dá lugar a uma máquina de produção a fim
de agradar a nova geração consumista emergente no mundo. ´´O Capital´´, de Karl Marx, ao
fazer uma crítica contundente ao sistema capitalista e suas consequências, busca se relacionar
19
FURTADO, Gonçalo, “Transitoriedade, Flexibilidade e Mobilidade… A necessidade de ponderar a condição contemporânea e
um resvalar para a a-política”, in: “Arqa: Arquitetura e Arte”, Lisboa, 2010, p.112.
20
Aula 24 – 21 de abril de 2023.
21
FURTADO, Gonçalo, “As Novas Formas Urbano-Territoriais – A Cidade e o Arquitecto (2000)”, in: “Arqa: Arquitetura e Arte”,
Lisboa, 2009, p.78.

22
FURTADO, Gonçalo, ‘’Notas sobre produções arquitetónicas portuguesas surgidas na última década’’ in: ‘’Arqa: Arquitetura e
Arte’’, Lisboa, 2018, p.100.
com a problemática da arquitetura pós-moderna: distancia-se das necessidades emocionais e
culturais dos usuários.23
Há margem, também, para um debate acerca do desejo megalomaníaco dos governos
em construir empreendimentos em massa, quando faltam elementos básicos de uma cidade,
como escolas, moradias, encanamento de esgoto, etc. Um dos exemplos dessa contradição de
vasta censura social é também retratada em um artigo da revista ARQ./A Arquitectura e Arte,
onde a construção de dez estádios para a realização do Euro-2004 demonstra um papel
proeminente da arquitetura. 24
Vários estudiosos da sociedade-cultura pós-moderna (entre eles Frederic Jameson,
David Harvey, Mike Featherstone, Laslie Sklair, Zygmunt Bauman e Jean Baudrillard),
destacam que a característica dela é, antes de tudo, a de ser uma sociedade-cultura de consumo,
que reduz o indivíduo à condição de consumidor como consequência da automatização do
sistema de produção. As novas formas referentes ao consumo estão relacionadas com os meios
de comunicação, com a alta tecnologia, com as indústrias da informação (buscando expandir
uma mentalidade consumista, a serviço dos interesses econômicos) e com as maneiras de ser e
de ter do homem pós-moderno.
Estes aspectos são marcadores fortes de diferença entre a sociedade-cultura moderna e a
pós-moderna, na qual se torna impossível negar que existe uma dinâmica de consumo diferente,
que entre outras coisas pode ser representada no slogan de Jean Baudrillard de que “já não
consumimos coisas, mas somente signos”25, ao contrário do que afirma Don Slater que a
sociedade-cultura de consumo está ligada à modernidade como um todo e que, portanto, não
existe diferença neste aspecto em relação à pós-modernidade. Esse aspeto, retratado desde o
início do século, como por exemplo na revista Arqa, ‘’(...)têm necessariamente de ser
confrontado com a realidade mediática na nossa contemporaneidade que tudo parece diminuir,
anular, ou convencer em favor da grande máquina imagética e dignidade do sistema capitalista.
´´26
Nessa perspectiva, é notório a falta de uma potenciação da intervenção cultural na
arquitetura contemporânea, como assim é debatido no regionalismo crítico, ao criticar a
globalização e homogeneização da sociedade refletida nas novas construções a partir de 1980. É
debatido a necessidade de superar tais debilidades através de uma reflexão e remodelação
sociopolítica da arquitetura, a fim de criar um modelo que comunique com a sociedade e a
represente de forma pertinente. De acordo com Elizabeth Diller em um artigo na revista Arqa, é
expresso o constante interesse da arquitetura em questionar as convenções do fazer espaço. 27
Por fim, para combater a linha de produção arquitetónica consequente da homogeneização, é
necessário fazer a autorreflexão defendida por Elizabeth Diller, para atingir os objetivos do
regionalismo crítico.
Pelos pensamentos de Levik, ‘’ a arquitetura pode ser um instrumento poderoso para
produzir transformação social’’.28 A aproximação do arquiteto com o contexto pode suprimir o

23
Marx, Karl, ‘’O capital’’, 1867.
24
JÜRGEN, Sandra Vieira, ‘’Dez estádios e o seu reverso’’ in: ‘’Arqa: Arquitetura e Arte’’, Lisboa, 2003, p.90.

25
BAUDRILLARD, J. Para uma crítica da economia política do signo, 1995.
26
SANTOS, David, ‘’Da singularidade na condição pós-moderna, ou a mediação possível da arte contemporânea’’ in: ‘’Arqa:
Arquitetura e Arte’’, Lisboa, 2002, p.76.

27
FURTADO, Gonçalo, ‘’Performing the Critical’’ in: ‘’Arqa: Arquitetura e Arte’’, Lisboa, 2008, p.70.

28
LEVIK, Andres. ‘’Building on Society’’, in: ‘’Small Scale Big Change’’. New York, MOMA, 2010,p.12.
campo problemático que é a produção em massa da arquitetura decorrente do mundo
globalizado.29
A partir desse preceito, é necessário abordar a problemática da mediatização na
arquitetura, sendo essa a busca de estabelecer uma relação entre a arquitetura e a sociedade. 30 A
relação indivíduo-comunidade foi, então, alvo de uma linha reformista e contextualizadora, que
prestava atenção aos lugares, comunidades e aos usuários, com o objetivo de distanciar-se de
um viés manufaturado e repetitivo, como de uma máquina. 31
Em suma, através de uma análise crítica da sociedade e do modo de ver arquitetônico
citados anteriormente, constata-se a cristalização de uma sociedade multidiscursiva, globalizada
e multifacetada ao longo das últimas décadas.

V. Conclusão
O presente ensaio, diante do exposto, buscou cumprir com todos os objetivos apontados
no capítulo introdutório. Em um primeiro momento, foi feita a análise do enquadramento geral
com embasamento teórico nas aulas de Teoria I, em conjunto com as referências bibliográficas
da matéria. A seguir, aprofundou-se o contexto nacional do pós-moderno na compreensão do
funcionamento da arquitetura em solo português, mediante relações com artigos da revista
ARQ./A Arquitectura. Por fim, é feita uma caracterização crítica do papel econômico da
arquitetura pós-moderna, com o intuito de evidenciar o papel transformador do consumo em
massa e sintetizar o papel da teoria nesse contexto. Dessa maneira, é concluído que a
interligação da arquitetura e economia deve ser feita de maneira consciente e efetiva no período
pós-moderno, a fim de distanciar-se do caráter consumista e repetitivo das linhas de produção.

VI. Ilustrações

Fig. 1- Philip Johnson, AT&T-Building, Nova-Iorque, 1982. (Fotografia por autor desconhecido).

29
BAPTISTA, Luís Santiago, ‘’Aproximações Locais: As conceções do lugar e a vinculação do arquiteto ao território’’ in: ‘’Arqa:
Arquitetura e Arte’’, Lisboa, 2015, p.17.

30
COLOMINA, Beatriz. ‘’Privacy and Publicity’’, 1996.
31
FURTADO, Gonçalo, “Recordar Alvar Aalto” , in Arquitetura e Arte, 2022
Fig.2 – Álvaro Siza, Conjunto habitacional da Bouça (Operação SAAL), Porto, 1974-7. (Fotografia por
Osnildo Adão Wan-Dall Junior).

Fig. 3 – Norman Foster, The Gherkin, Londres, 2003-2004. (Fotografia por John Rabon).

Fig. 4 – Álvaro Siza, Casa de Chá da Boa Nova, Matosinhos, 1956-63. (Fotografia por Paulo Ricca).

Fig.5 – Imagem do Pavilhão de Portugal na 17ª Bienal de Veneza, em 2021. (Fotografia por José
Campos).
VII. Bibliografia
 FURTADO, Gonçalo. Aulas teóricas, N.13 - 24
 JAMESON, Fredric, ‘’The cultural turn: selected writings on the postmodern 1983 / 1998’’,
Verso, London, 1998, p.1, 2
 Victor Neves e Renata Amaral, ‘’Entrevista com Álvaro Siza Vieira’’ in: ‘’Arqa: Arquitectura e
Arte’’, nº07, Lisboa, 2001, p.17-23

 SANTOS, David, ‘’Da singularidade na condição pós-moderna, ou a mediação possível da


arte contemporânea’’ in: ‘’Arqa: Arquitetura e Arte’’, Lisboa, 2002, p.76.

 JÜRGEN, Sandra Vieira, ‘’Dez estádios e o seu reverso’’ in: ‘’Arqa: Arquitetura e Arte’’,
Lisboa, 2003, p.90.

 PEREIRA, Luís, “Arquitetura do Norte de Portugal: Inacção e Excelência”, in: “Arqa:


Arquitetura e Arte’’, Lisboa, 2006, p.22

 FURTADO, Gonçalo, ‘’Performing the Critical’’ in: ‘’Arqa: Arquitetura e Arte’’, Lisboa, 2008,
p.70.

 FURTADO, Gonçalo , “As Novas Formas Urbano-Territoriais – A Cidade e o Arquitecto


(2000)”, in: “Arqa: Arquitetura e Arte”, Lisboa, 2009, p.78.

 FURTADO, Gonçalo, “Transitoriedade, Flexibilidade e Mobilidade… A necessidade de


ponderar a condição contemporânea e um resvalar para a a-política”, in: “Arqa: Arquitetura e
Arte”, Lisboa, 2010, p.112.

 BAPTISTA, Luís Santiago, ‘’Aproximações Locais: As conceções do lugar e a vinculação do


arquiteto ao território’’ in: ‘’Arqa: Arquitetura e Arte’’, Lisboa, 2015, p.17.

 MILHEIRO, Ana Vaz, “Geração Z #1, Perspectivas Nacionais” in: “Arqa: Arquitetura e
Arte”, Lisboa, 2016, p.54.

 FURTADO, Gonçalo, ‘’Notas sobre produções arquitetónicas portuguesas surgidas na última


década’’ in: ‘’Arqa: Arquitetura e Arte’’, Lisboa, 2018, p.100.

 FURTADO, Gonçalo, “Recordar Alvar Aalto” , in Arquitetura e Arte, 2022

 M. Scolari , ‘’Radical architecture’’, 1973.

 Philllip Johnson, AT&T, Nova Iorque, 1982.

 Marx, Karl, ‘’O capital’’, 1867.

 “OMA, “S,M,L, XL. New York: Monacelli”, 1995, p.1248-1264. (Aula 18)

 LEVIK, Andres. ‘’Building on Society’’, in: ‘’Small Scale Big Change’’. New York, MOMA,
2010,p.12.

 COLOMINA, Beatriz. ‘’Privacy and Publicity’’, 1996.

 BAUDRILLARD, J. ‘’Para uma crítica da economia política do signo’’, 1995.

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