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Cohen

Jean-Louis
mundia
história Uma
1889 desde
arquitetura da
Introdução
Ocampo ampliado
da arquitetura
10 - Dois limiares no tempo
13 -Um carrossel de hegemonias
14-Acontinuidade dos tipos
15 - Historiadores versus arquitetos:
inclusãoou exclusão

03
derna Inovação residencial
e expressão tectônica
O campo
ampliado da
arquitetura

Dois livros do fim do século XIX, Notícias de lugar nenhum (1890), mudança de escala e, sobretudo, comoaparecimento de novas
de William Morris, e When the Sleeper Wakes (Quando o
homem classes de usuários. A arquitetura deixou de ser uma disciplina
adormecido acorda, 1899], de H. G. Wells, descrevem sociedades exclusivamente a serviço dos ricose passoua se dirigir aclientelas
do futuro - uma utopia socialista no primeiro caso, uma
distopia mais variadas, como municipalidades, associações e um extenso
capitalista no segundo - com as quais seus protagonistas deparam leque de grupos sociais. +2
ao sair de um longo sono. Se os habitantes dagquela época acor
Além disso, ela foi afetada pela ruptura com os códigos clássi
dassem no começo do século XXI, teriam dificuldade em reconhe cos, pela rejeição da imitação historicista e pela introdução de novos
cer não s as constelações de cidades na face do planeta, como
materiais. Suas relações com a tecnologia, com as artese com a
também os edifícios que as constituem. Tanto as cidades quanto os cidade viram-se alteradas por condições externas e internas. E, por
edifícios passaram por transformações fundamentais, mais do que vezes, a arquitetura recorreu a fontes externas à sua disciplina, ado
em qualquer outra época no passado. Do mesmo modo, o patrimô- tando metáforas baseadas em organismos biológicos, em máqui
nio imobiliário produzido desde 1900 ultrapassou a soma total dos nas ou na linguagem; em outras ocasiões, buscou inspiração em
edifícios que existiram até então na história da humanidade. suas próprias tradições disciplinares. *3 Em vista de todas essas
Não apenas a população das áreas urbanas superou a do transformações, foi impossível restringir a definição de arquitetura,
campopela primeira vez logo após oano 2000, as próprias formas neste livro, apenas a obras construídas. Também foram levados em
da presença humana também refletiram mudanças profundas. No conta projetos não realizados, bem como livros, revistas e manifes
século XIX,a estação ferroviária e a loja de departamentos juntam- taçöes públicas que dão
-se àcasa, ao palácio e ao templo no inventário de tipos edilícios. No
corpoà cultura arquitetônica em seu sen
tido mais amplo. Com efeito, os prédios que estão diante de nossos
século XX,seguiram-se as torres de escritórios e de apartamentos, olhos fundamentam-se sempre em ideias, narrativas e memórias
os grandes conjuntos habitacionais, os galpões abrigando fábricas reprimidas de outros projetos.
eshopping centers, além de uma ampla variedade de infraestru
turas, de represas a aeroportos. Contradizendo o historiador Niko- Dois
laus Pevsner, autor da famosa frase "um abrigo de bicicletas é uma
limiares no tempo
construção; a Catedral de Lincoln é uma obra de arquitetura", 1os Aprópria delimitação de "século XX" estásujeita ao
debate. Rejeitando
programas mais prosaicos passaram a ser considerados merece uma definição estritamente cronológica,esta narrativa se inicia com o
dores de atenção estética. Esse surto sem precedentes de cons- período que vai de 1880 a 1914. Ela
encontra suas balizas temporais
trução foiuma parcacompensação pelo nível antes inimaginável de entre o"Breve Século", queo historiador Eric Hobsbawm condensou
destruição de recursos naturais e tesouros culturais, como efeito da no período de 1914 a1991,’4e um intervalo mais longo que situaas
industrialização, da urbanização eda guerra. origens do século XX em um continuum que remonta ao lluminismo.
As transformações na arguitetura não se limitaram à invencão Aquele momento inicial se caracteriza pela convergência da indus
de programas para atender a novas demandas da produção e do
trializaçãoe da urbanização, pela instauração da social-dernocracia
consumo. O campo da arquitetura também se amplioucoma sua na Europa, pelo surgimento das ciências sociais como disciplinas

Introdução O campo ampliado da arquitetura


autônomas e pela difusão das ideias de filósofos do porte de Friedrich A automação de processos na era digital teve como efeito a
Nietzschee Henri Bergson. Coincide também com o surgimento de modificação da divisão do trabalho profissional e da relação entre o
movimentos artísticos revolucionários, comoo simbolismo na poesia escritório de projeto eocanteiro deobras. O Museu Guggenheim,
e nas artes plásticas e o cubismo na pintura. Enquanto as potências em Bilbao, na Espanha, projetado por Frank Gehry e finalizado em
europeias travavam uma guerra pela dominaçãomundial eorquestra- 1997,é um exemplo de grande visibilidade dessas novas práticas,
vam otriunfo do imperialismo, os projetistas - e as ilustrações de suas além de uma demonstração da importância potencial da arqui
obras- estavam começando ase tornar conhecidos por todo oglobo, tetura para o planejamento urbano e as políticas públicas. Junta
graças àaceleração, sem precedentes, dos modos de transportee ao mente com dezenas de outros edifícios surpreendentes, o museu
estabelecimentode novas redes de informação impressa, que disse- de Gehry coloca em questão a definição tradicional do objeto
minavam as normas culturais das nações líderes. arquitetônico. Com os escritórios de arquitetura,os clientes e as
Dois eventos quase contemporâneos foram cruciais para essa organizações culturais desfrutando de uma mobilidade sem pre
transformação: a Exposição Universalde Paris, em 1889, e a Expo- cedentes, o aporte de uma geração de projetistas promovidos pela
sição Universal Colombiana de Chicago, em 1893. Afeira pari- mídia internacional - por vezes oriundos de atividades teóricas e
siense coincidiucom o clímax do colonialismo europeu, ao passo críticas e abertos a discursos utópicos - coincidiucom uma crise
que ade Chicago assinaloua afirmação do Novo Mundo no cenário nas políticas sociais gestadas ao longo do século XX. Entrando
internacional. Ambas colocavam em questão a própriadefinição em cena após várias gerações de arquitetos animados por nobres
de arquitetura, tanto em seus objetivos - na medida em que seus ideais de transformação social, muitos profissionais abdicaranm, em
destinatários passavam a pertencer a grupos sociais muito mais favor de empreendedores e políticos, dos instrumentos que pode
amplos - como em suas formas. Aprodução em massa, que teve riam utilizar para afirmar a dimensão social da sua prática e obter
no fordismo o mais importante sistema de organização, leva ao apa- reformas substantivas.
recimento de um mercado mundial e estimula os arquitetos mais O períodoentre 1889 e 2000 não se presta com facilidade a uma
fadicais a procurar novas formas, em consonância com a estética divisão em segmentos ordenados e independentes. Pelo contrário,
da máquina. Ao mesmo tempo, os tradicionalistas, com frequência épreciso levar em conta múltiplas e superpostas temporalidades
não menos engajados socialmente e não menos hostis ao ecletismo, por todo o período, para tanto valendo-se da metáfora arquitetônica
buscam perpetuar arquétipos mais reconfortantes do passado, de "planos multidimensionais" adotada por Fernand Braudel em
adaptando-os às novas demandas. Sua interpretação da história do mundo mediterrâneo. ’ 5 Na argui
Quase um século mais tarde - após adescolonização, que cul- tetura do século XX, tais temporalidades incluem as politicas esta
minou com a libertação de Nelson Mandela da prisão, em 1990, e o tais e suas voláteis configurações, os ciclos de vida de instituições
Tim da Guerra Fria, marcado pelo triunfo do Ocidente sobre o bloco e organizações, bem como as transformaçõese os processos de
SOVietico, em 1989 -, os estertores do segundo milênio pareciam crescimento e declínio por que passam cidades e regiões; e, mais
Sinalizar mais uma ruptura extrema na cultura arquitetônica. Eesse simplesmente, a construção de edifícios importantes e a vida de
Omomento que serve de fecho para o presente livro. arquitetos, críticos, clientes e historiadores. Háque se levar em conta,

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Rohe no llinois
3 Ludwig Mies van der
Institute of Technology, EUA, c. 1945

lado
também, temporalidades mais fugazes, nas quais conceitos e ideais compreensão dessas ressonâncias e reverberações. Lado a
apareceme desaparecem,para ressurgir poucas décadas depois. com as vistas de edifícios construídos, por vezes em seus Contex
A dificuldade ao se escrever uma história da arquitetura no tos urbanos, foram incluídas páginas de revistas, capas de livros e
séculoXX reside precisamente em relacionar esses diferentes rit retratos de arquitetos para ajudar a reconstruir a complexidade das
fluidas redes de signos e formas aqui abordadas.
mos de mudança temporalcom projetos e edifícios especificos.
Em vista do exposto, resisti àtentação de escrever uma histó
ria doque se convencionou denominar de "movimento moderno" Um carrossel de hegemonias
desde que Nikolaus Pevsner sectariamente identificou os seus "pio
neiros" em 1936, celebrando Walter Gropius como a sua fiqura de Nas páginas que se seguem, os diferentes cenários nacionais da
proa. ’6 Eviteitambém perpetuar o culto do "International Style", o arquitetura foram tratados como permeáveis a estratégias e deba
Estilo Internacional,conforme divulgado em Nova York, em 1932, ’7 tes internacionais - como contextos em que tais estratégias e deba
preferindo uma definição mais abrangente de modernidade que tes estavam submetidos a discussão, modificação e adaptação -,
não se reduzisse ao fetiche da novitas, da novidade pela novidade. e não como territórios com fronteiras instransponíveis. A história
Desse ponto de vista, não se deve descartar as interpretações arqui- da arquitetura do século XX poderia ser escrita seguindo ofio - ou,
tetônicas da modernidade apoiadas em conceitos conservadores melhor, desatando o nó - de consecutivos sistemas de hegemo
outradicionalistas, quase sempre rejeitados ou ridicularizados pelos nia impostos aculturas nacionais e regionais. 90 período em tela
historiadores e críticos militantes, os quais frequentemente atuam se caracterizou,sob aspectos cruciais, por conflitos económicos
afavor dos arquitetos de maior renome. Ressurgimentos do classi- epolíticos recorrentes entre estados dominantes.,e inclusive por
cismo e aerupço ocasional e subversiva do vernáculo fazerm parte Suas consequências militares. Tais conflitos tiveram um impacto
desse quadro maior. Com efeito, longe de ser uma categoria rígidae, enorme sobre a cultura. Em 1941, Henry Luce, o magnata das
menos ainda, estéril, a tradicão - ainda que, às vezes, inteiramente comunicações, declarou que o século XX estava predestinado a ser
forjada, artificial - tem servido consistentemente como um estimu- o "século americano", após um século considerado implicitamente
lante intelectual. ’8 "francês" e outro "inglês". 10 Não resta dúvida de aue os Estados
Uma exploração das fronteiras movediças entre a arquitetura e Unidos exerceram considerável influência na arguitetura - assim
OS campos correlatos da arte, do urbanismo e da tecnologia tam como em várias outras áreas da cultura - mesmo antes do feno
bem se mostrou imprescindível para a compreensão dos variáveis menal aumento de seu poder, decorrente da vitória sobre as forcas
métodos de criaco de formas. Os ideais elevados com que arqu do Eixo em 1945, vitória esta duplicada nadécada de 1990com
tetos radicais têmconstantemente se identificado - comoaestética o fim da Guerra Fria. ’ 11 O vocabulário da arguitetura reflete fiei
da máquina ou oorganicismo - tiveram de ser considerados, assim mente tais mudanças. O léxico italiano que surgiu na Renascença
como os manifestos, aparentemente tão abstratos, cuja influência foicomplementado nos séculos XVIlle XIX por locuções francesas
pode perdurar por várias décadas.As ilustrações que acompanham ou inglesas;depois, no século XX, por categorias alems e, ao cabo,
esta exposição foram selecionadas de modo a permitir uma melhor pela terminologia americana. ’ 12

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Entretanto, a hegemonia dessa civilizaço relativamente jovem A continuidade dos tipos
não foi o único fato a afetar a arquitetura mundial. Considerar cada
cenário nacional um dominio permeável, e não estangue, revela Em cada cenário nacional, era corrente que os grupos que compe
sistemas de dominação de variados tipos, intensidades e durações, tiam pela posição dominante no campo da arquitetura se enfrentas
desde modos industriais de produção a padrões de lazer. Os con sem em polêmicas desmedidas a fim de consolidar o seu próprio
textos nacionais têm se mantido abertOs, apesar das recorrentes "capital simbólico", no sentido que o sociólogo Pierre Bourdieu con
tentativas, por parte de regimes autoritários e/ou xenófobos, de fere àexpressão. 14 Por conseguinte, seriaimpossível limitar uma
impediro acesso a seus territórios. Longe de cedera um internacio história das relações que estruturaram aarquitetura do século XX a
nalismo homogeneizador, esses sistemas têm se redefinido cons uma lista de "influências" estéticas - termo que conscientemente
tantemente, moldados pela interação de forças internas e externas. evitei. Como alternativa, e acompanhando Hans Robert Jauss, jul
Muito antes do advento das viagens aéreas e das novas tecnologias gueiessencial analisar a recepção dada a obras e ideias, fato que
da informação, a circulação global de ideias e imagens por meio do frequentemente redefiniu a identidade profissional de arquitetos.
navio a vapor, do telégrafo e da reprodução mecânica de ilustra mesmo daqueles que trabalhavam a uma distância considerável
Ções - inovações do século XIX - influenciou e deu forma a todos dos edifícios que estavam interpretando e, por vezes, imitando. *1
os cenários locais. Este livro pretende mapear as relações estabelecidas entre sis
Tais dispositivos de hegemonia podem ser detectados tam temas teóricos, conceitos influentes, planos urbanos, projetos no
bém no interior dos impérios coloniais, que tanto alcançaram seu papel e edifícios acabados. Todavia, ao lado dos próprios arquitetos.
apogeu quando conheceram sua derrocada noséculo XX, para esse último item permanece como o foco central, ainda que, mais
serem parcialmente perpetuados em condições pós-coloniais uma vez, levando-se em conta suarecepção local e internacional.0
depois de 1945.Contudo, arelação do colonizador com o colo- vínculo entre espaços imaginados e construídos foi particularmente
nizado nunca foi unidirecional; a hibridização que caracterizouo intenso no século XX, tanto assim que os principais tipos de estru
urbanismo e a arquitetura de muitas colônias,onde temas locais turas inventados no período quase sempre passaram, como que de
eram assimilados em obras feitas pela potência dominante, tam um salto, da "biblioteca ideal de projetos" - conforme a expressão
bém atuava transversalmente entre as nações colonizadoras,’ 13 de Bruno Fortier >16 - para a experimentação no canteiro de obras.
Oplano geralde Chandigarh, capital do Punjab - a princípio con Por exemplo, as torres de vidro imaginadas por Ludwig Mies van
fiado ao arquiteto americano Albert Mayer e, posteriormente, a Le de Rohe em 1921 só foram erguidas na década de 1950. Desde
Corbusier -radicava-se em princípios urbanísticos aperfeiçoados então, elas se tornaram um chavào cansativo - alvo fácil para os
pelos britânicos. Aarquitetura da cidade marroquina de Casa- criticos que defendiam o"pós-modernismo" -, antes de renasce
blanca foi definida não apenas em relação a Paris, a capital do rem, no fim do século, graças a novos avanços tecnológicos. Do
poder colonial, como tamnbém a Berlim e Los Angeles, ao passo mesmo modo, o seu contemporâneo immeuble-villa, concebido
que Buenos Aires evoca tanto Madri ou Budapeste, como Milão, por Le Corbusier em 1922, associando estrutura coletivaeapro
Nova York e Paris. priação individual, continua a inspirar projetos no terceiro milènio.

Introdução | O
campo ampliado da arquitetura
Oedifício-máquina, conforme concebido por Antonio Sant'Elia Latina. ’ 24 Em 2002, Alan Colquhoun publícou um levantamento
pouco antes da Primeira Guerra Mundial, iria se concretizar no Cen- conciso, enão menos empenhado que ode Frampton na apologia
tre Pompidou (1970-77), em Paris. E as esculturas distorcidas e bio- do modernismo. ’25
Análises mais subversivas também foram propostas, como a de
mórficas, sonhadas pelos expressionistas, tornaram-se exequíveis
hoje, em uma eraem que amodelagem digital possibilitoudecom- Reyner Banham, que jáem 1960 detectava no futurismo italiano e
por formas complexas em componentes que podem ser calculados em determinadas teorias clássicas francesas as raízes das estraté
e produzidos industrialmente. gias arquitetônicas modernas. +26 Manfredo Tafuri e Francesco Dal
Co analisaram arelação entre estética e política na arquitetura do
Historiadores versus arquitetos: século XX,ressaltando as forças ideológicas que deram forma ao
inclusão ouexclusão campo profissional, 27 forças que o próprio Tafuri havia examinado
anteriormente em um livro enigmático, porém magistral: Progettoe
Até a década de 1970, as histórias contadas por Sigfried Giedion, utopia (1973). Várias gerações de dicionários e enciclopédias per
Bruno Zevi, Henry-RussellHitchcock e Leonardo Benevolo perpe mitem uma leitura paralela de biografias de arquitetos, para além
tuaram - cada uma com o seu viés próprio - uma mitologia da da proporcionada por essas narrativas históricas. Recentemente,
arquitetura modernaque privilegiava ocaráter radical de suas ino- Adrian Forty buscou, em Words and Buildings, delimitar o campo
vações. ’ 17 Jáem 1929,Giedion estava interessado em observar o semântico da arquitetura moderna mediante a identificação de
que chamava de "constarntes nacionais". 18 E, em 1941, ele falava alguns de seus termos-chave, ao passo que Anthony Vidler expôs
da criação de uma "novatradição', noção proposta por Hitchcock as estratégias presentes em muitas dessas obras fundadoras. ’28
desde 1929. 19Em reação a Giedion,ém 1951 Zevi propôs uma No entanto, são poucos Os livros que procuraram revelar as conti
história da cultura arquitetônica que dava destaque asuas rela- nuidades que caracterizam aarquiteturacontemporânea - um fio
ções com a política, pormeio da análisede um extenso número de condutor muitas vezes rompido e ciclicamente retomado, que per
edifícios. ’ 20 Em 1958, Hitchcock destacou a "reintegração" das corre todas as peripécias examinadas neste livro.
artes do engenheiro e do arquiteto, e deu preferência àanálise de De Giedion a Tafurie Frampton, os discursos sobre a história da
edificios que tivera a oportunidade de visitar pessoalmente. *21 Já arquitetura demonstram que a suposta autonomia ou objetividade
Benevolo situou o desenvolvimento da arquiteturamoderna em dos seus autores équase uma ficção. Muitos desses livros são fru
Um quadro otimista do encontro entre a invenção formal, a tec tos da encomendapor determinado arquiteto - no caso de Giedion,
nologica e os avanços sociais. ’ 22 Passados vinte anos, mas em por Le Corbusier e Walter Gropius - ou refletem uma posição
uma linha semelhante, Kenneth Frampton propôs uma "história intelectual desenvolvida em contato próximo com arquitetos - no
critica" do movimento moderno, procurando prolongar seu "pro- caso de Tafuri, com Aldo Rossi eVittorio Gregotti. Por meio de tais
jeto incompleto", +23 Logo em sequida, William Curtis conside- relações, os arquitetos inegavelmente moldaram o pensamento e
rou aexpansão global da arguitetura moderna, perspectVa esta os textos dos historiadores,às vezes condicionando tendenciosa
gue tempor base suaprópria experiênciana Ásiae na América mente suas interpretações.

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Aspaginas que se seguem procuram dar menos ênfase àcriati asua própria modernidade, para examinar as mudanças trazidas
vidade de "mestres" incontestáveis da arquitetura moderna, como pela convergência do lluminismo, da Revolução Industrial e da
Frank Lloyd Wright, Le Corbusier e Mies, ’29 do que à produção, às ascensão do estado-nação. O ajuste de códigos edilícios conser
vezes injustamente esquecida, de arquitetos que seguiram carreiras vadores aos requisitos funcíonais da modernização - o processo
menos heroicas, redescobertos graças àpublicação de uma ple- objetivo da transformação material da sociedade - pertence a esta
tora de estudos monográficos nas últimas décadas. O significado crônica, tanto quanto as inovações na tipologia e na forma das edi
desses "mestres" pode ser medido tanto pela análise cuidadosa de ficações, ainda que os primeiros respondam mais às prescrições do
sua formação e ascendência quanto pela celebração de suas reali- poder estatal e do capital do que a ideais de reforma social.
zações. Desse ponto de vista - e diferentemente de muitos dos volu Seriadifícil, se não impossível, transmitir em uma únicanarra
mes mencionados , o presente livro tenta ser tão inclusivo quanto tiva todo o espectro de experiências que milhares de monografias,
possivel, nos limites do seu formato ecorrendo orisco de, aqui eali, catálogos de exposiço, teses de doutorado eestudos temáticos
simplificar demais trajetórias complexas. Com frequência, dediquei já não tenham esgotado. No entanto, alternando pinceladas largas
mais atencão aos inícios ainda experimentais das carreiras dos pro- com detalhes especificos, tentei evocar uma paisagem de temas
fissionais do que aseus períodos posteriores, quando seus traba- recorrentes e, por vezes, revelar diferentes modos de pensar sobre
Ihos muitas vezes retrocederam ou simplesmente se congelaram opassado. Entre tais temas estáa busca apaixonada dos arquitetos
devido a0 sucesso ou årepetição. modernos por uma arquitetura considerada "racional" - termo que
Para evitar areprodução da narrativa épica com que muitas gozou de grande sucesso durante muitas décadas -ou que fosse,
histórias acimacitadas interpretaram as teorias e os projetos dos ao menos, justificada por uma razão construtiva, funcional ou eco
arquitetos mais inovadores do século XX - reduzindo seus prede- nômica. Em casos extremos, tal atitude reduziu a concepção do
cessores imediatos àdúbia condição de "pioneiros" - procurei edifício "racional" a pouco mais do que a otimização da ventilação
traçar um panorama amplo do processo de desdobramento da ouuma implantação que garantisse máxima insolação. Outro tema
modernidade arquitetônica. Não hácomonegar acontinuidade recorrente naarquitetura do século XX foi a relação entre os pro
entre os ideais e as estratégias de reforma forjadas durante as pri- gramas arquitetônicos e as necessidades das classes sociais explo
meiras décadas da Revolução industrial e aqueles da modernidade radas - questão levada em conta por arquitetos profissionais pela
"madura" da década de 1920. Ademais, uma definição de moder- primeira vez na história. Por todo o século XX,diversos movimentos
nidade limitada aos preceitos estéticos do auge do modernismo populistas abordaram o assunto, quer estruturalmente por exem
torna-se ainda mais obsoleta trinta anos após a erupção do último plo, em termos de conjuntos habitacionais para segmentos de baixa
dos muitos efêmeros pós-modernismos. renda , quer esteticamente, buScando transpor poeticamente lin
Sem chegar ao ponto de estender a definição da condição guagens vernáculas sem a mediação das formas ditas eruditas.
moderna às vastas configurações do pensamento científico e políi Apar das realizações fascinantes dos "mestres" e de seus expe
tico, exploradas, por exemplo, por Bruno Latour, +30 aventurei-me rimentos vanguardistas,que alegavamaliberação da arquitetura do
para além dos limites dos movimentos que literalmente proclamam peso da história, pretendi examinar projetos que refletissem melhor

Introdução | O
campo ampliado da arquitetura
oprocesso lento, cumulativo e irresistível de modernização. Durante
a idade de ouro do cinema de Hollywood, os principais estúdiose
os grandes produtores classificavam seus filmes como A, B ou C,
segundo os seus orçamentos. Esta narrativa, ainda que no mais
das vezes focando edifícios A,foi escrita como propósito de não
negligenciar a relação entre a "grande'" arquitetura das obras mais
espetaculares e a arquitetura "menor" da produçãoem massa,que
constituio pano de fundo urbano para os projetos excepcionais.
As limitações físicas de um volume único inibiram essaambição.
Entretanto, se as páginas que se seguem não são capazes de reve
lar todos os mistérios da arquitetura do século XX,elas pretendem,
acima de tudo, ser um convite à sua descoberta e sugerir uma pers
pectiva pela qualcompreender seus aspectos mais característicos.

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