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TEORIA, ESTÉTICA E HISTÓRIA

DA ARQUITETURA,
URBANISMO E ARTES:
PÓS-MODERNO AO
CONTEMPORÂNEO
AULA 5

Prof. José Marcos Novak


CONVERSA INICIAL

O debate da arquitetura multifuncional ou híbrida nasceu durante a Era


industrial e na estética das Vanguardas Europeias, sem as quais a arquitetura
da atualidade teria pouca expressão. Nesta abordagem, analisaremos três
questões básicas relativas às tipologias da arquitetura contemporânea,
utilizando-se de paradigmas que se tornaram vitais tanto para a arquitetura
quanto para o urbanismo.
O primeiro deles se refere ao conceito que trata de programas
arquitetônicos distintos inseridos em um mesmo edifício sempre com a premissa
da inclusão social com interfaces no desenho urbano.
O segundo paradigma se refere à rearquitetura, em que serão tratados
temas como o restauro, reforma, retrofit e reabilitação, cujos objetivos se
tornaram urgentes em relação às questões de patrimônio histórico e cultural
muito discutidos no pós-modernismo.
Por fim, analisaremos as questões de sustentabilidade aplicada à
arquitetura híbrida sendo o foco principal o impacto da construção sobre o meio
ambiente.

CONTEXTUALIZANDO

A arquitetura híbrida ou multifuncional difere cada vez mais da arquitetura


unifuncional e vem conquistando mais expressividade diante das relações com
o contexto urbano e sua permeabilidade entre os indivíduos de uma cidade. Os
espaços privados, públicos e, mais especificamente, os semipúblicos, se
restabeleceram por conta da interação entre aquilo que determina os fluxos
sociais cada vez mais interativos entre si. A interatividade, a mobilidade e a
acessibilidade ganharam força e se afirmaram como premissas essenciais no
debate arquitetônico e urbano e legitimam ações cada vez mais inclusivas entre
os edifícios e a cidade com a sociedade.
Desse modo, agregar funções distintas que muitas vezes integram
espaços habitacionais, de comércio/trabalho e lazer num único edifício e ainda
possibilitar que vias urbanas sejam permeáveis a esses espaços favorecendo a
mobilidade urbana tem sugerido fórmulas cada vez mais convincentes dentro de
um contexto mundial para a arquitetura como um todo.

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TEMA 1 – ASPECTOS HISTÓRICOS

A pureza é um mito (Paola Berenstein Jacques)

Desde a Antiguidade, a ideia de ampliar o uso de um edifício para


múltiplas funções faz parte do cotidiano da sociedade. Na Grécia, a ágora
cumpria uma função de somar às atividades de comércio encontros cívicos que
adquiriram grande relevância entre o conceito de cidadania, sendo um espaço
circundante destinado ao comércio que incluía debates e discussões políticas.

Figura 1 – Ruinas de uma ágora grega, Grécia

Crédito: Kavalenkava/Shutterstock.

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Figura 2 – Ruínas das Termas de Caracalla, Roma

Crédito: Stefano Tammaro/ShutterStock

Roma tratou essa questão de modo distinto. Tanto a unidade habitacional


quanto os edifícios de uso coletivo utilizavam-se da multifuncionalidade como
base para a distribuição dos espaços, muitas vezes compartilhando o comércio
e a habitação no mesmo edifício. Este era o caso das domus e das ínsulas. As
termas ou banhos, igualmente cumpriam funções de lazer, entretenimento e
comércio. Mas entre todos os edifícios romanos, as basílicas foram as que
melhor cumpriram o papel da multifuncionalidade, pois serviam para funções
sociais, políticas e até religiosas. Além disso, serviram até como o modelo ideal
para os primeiros templos cristãos, quando os cultos se tornaram livres.

Saiba mais

BASÍLICA romana (trailer). Arquitectura Abreviada, 2020. Disponível


em: <https://www.youtube.com/watch?v=khKlxGeYOB0>. Acesso em: 13 mar
2023.
BASÍLICA de Majencio. Historia de la Construcción UN - 2020 – 1, 2021.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=afGkiLjbwAc>. Acesso em:
13 mar. 2023.

Na Idade Média, essa modalidade do espaço ficou completamente


obscura entre as primeiras cidades medievais em função da ênfase que se deu

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ao espaço habitacional, porém, se considerarmos as configurações espaciais de
um castelo, talvez possamos considerá-lo como um edifício que, entre suas
muralhas, mantinha características multifuncionais como estrutura espacial.
Os princípios iluministas que inspiraram a Revolução Francesa
contribuíram para que os programas arquitetônicos se transformassem
completamente, tanto em função das filosofias que buscaram suas referências
numa nova sociedade quanto na sugestão de propostas de espaços sociais mais
livres e higienizados.

Figura 3 – Edifício no estilo Haussmann. Paris, França (1)

Crédito: Spech/Shutterstock.

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Figura 4 – Edifício no estilo Haussmann. Paris, França (1)

Crédito: Alex Ionas/ShutterStock.

Durante o século XIX em Paris ocorreram as experiências mais


avançadas em termos de progresso em uma cidade. O plano idealizado pelo
barão Georges-Eugène Haussmann durante o império de Napoleão III
estabeleceu uma nova tipologia de edifícios entre 1853 e 1882 que introduziu
uma das primeiras ideias para edifícios multifuncionais. Trata-se dos edifícios do
estilo Haussmann e estes são os que melhor caracterizam a cidade de Paris nos
dias de hoje. Foram integrados junto aos grands boulevards, segundo as
seguintes características:

1. Pavimento térreo e 1º pavimento (mezzanine): comércio e escritórios;


2. 2º pavimento: étage noble são os apartamentos mais nobres – grandes
aberturas;
3. 3º, 4º e 5º pavimentos: apartamentos menores;
4. Último pavimento e cobertura: pequenas unidades ou quartos de serviço
– pequenas aberturas.

Por meio dessa análise é possível demarcar algumas etapas históricas na


evolução dessa tipologia esboçada durante os séculos XVIII e XIX até que se
torne um modelo para o século XX e XXI.

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Saiba mais

A INCRÍVEL transformação urbana de paris a partir de meados do século


19. Paris do Meu Jeito, 2022. Disponível em: <https://youtu.be/L_i5W0LshXY>.
Acesso em: 13 mar. 2023.
A PARIS de Haussmann. Olavo Avalone, 2020. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=kiCLbAXO2xY>. Acesso em: 13 mar. 2023.

TEMA 2 – ARQUITETURA HÍBRIDA E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

As bases mais importantes para se analisar a arquitetura híbrida ou


multifuncional como a compreendemos hoje vieram dos modelos franceses
descritos acima, mas também das mudanças ocorridas durante a Revolução
Industrial na Inglaterra e nos Estados Unidos. Após os manifestos apresentados
pelas Vanguardas Europeias e suas utopias urbanas tanto a filosofia iluminista
quanto a estética industrial colaboraram para que novas tipologias se
concretizassem junto às cidades. Isso se deu devido à grande transformação
adquirida durante a evolução do tecido urbano. As funções de uma cidade
ampliaram-se de modo vertiginoso durante a segunda metade do século XIX, e
os edifícios nela contidos foram se adaptando aos modos de vida cada vez mais
complexos.
A dicotomia entre edifícios de uso misto e edifícios monofuncionais torna-
se relevante junto ao advento da cidade moderna que culminou nas teorias
derivadas da Carta de Atenas de 1933. Ao investigar a origem das cidades
modernas, iremos perceber que houve uma busca além do desenho urbano, que
se relaciona com uma sociedade ideal sob três características básicas:

1. Comunidade ilhada, situada em uma paisagem livre do caos urbano;


2. Limitadas em suas dimensões e número de habitantes para fosse possível
o controle físico e social;
3. O estabelecimento de um zoneamento como meio para reduzir conflitos
sociais.

Saiba mais

LE CORBUSIER (1933): Princípios de urbanismo. La carta de Atenas.


Selim Castro, 2022. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=gsahym631d0>. Acesso em: 13 mar. 2023.
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Nesse âmbito, analisaremos alguns modelos elaborados conforme essa
tipologia entre a segunda metade do século XIX até o início da Segunda Guerra.
O que se apresenta ainda está associado tanto aos modelos tardios atrelados
ao ecletismo e ao neoclassicismo quanto aos modelos que manifestaram o total
rompimento com o classicismo. Foi sob essa ótica que nasceu grande parte das
obras do modernismo.

2.1 Auditorium Building (Edifício do Auditório)

Autor: Dankmar Adler e Louis Sullivan


Ano: 1889
Local: Chicago, EUA

Trata-se de uma edificação de uso misto que integra um auditório como


centro de um empreendimento que envolvia também escritórios comerciais e um
hotel de luxo. É uma obra que inaugurou o conceito de junção de modalidades e
programas arquitetônicos extremamente distintos na qual a gestão das
atividades do auditório era subsidiada pelos lucros dos escritórios e do hotel para
que assim o preço dos ingressos se mantivesse mais baixo. Essa relação entre
o uso múltiplo de um edifício com a cidade tornou-se perfeitamente justificável
em função das condições do contexto. Neste caso específico em Chicago, a
cidade vinha atravessando uma das piores crises de sua história por causa de
um incêndio devastador ocorrido em 1871 e assim a cidade necessitava resgatar
suas atividades culturais otimizando espaços e propostas inovadoras o que fez
com que Adler e Sullivam encontrassem esta alternativa absolutamente original
para o sucesso do conjunto arquitetônico.

Saiba mais

EL AUDITORIUM de Chicago (Louis Sullivan) – Arquitecturas (2003).


Gonzalo Arquipedia, 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=xo0Fp9semDw>. Acesso em: 13 mar. 2023.
AUDITORIUM Building – Virtual Tour. Roosevelt University, 2021.
Disponível em: <https://youtu.be/t-eELbxrJ-Y>. Acesso em: 13 mar. 2023.

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Figura 5 – Vista de Chicago em 1893

Crédito: Igor Golovniov/Shutterstock.

Figura 6 – Edifício do Auditório – 1889

Crédito: Sp_Tsek/Shutterstock.

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2.2 Downtown Athletic Club

Autor: Starret & Van Vleck


Ano: 1931
Local: Nova York, EUA
O Downtown Athletic Club hoje não possui mais o caráter original por ter
permanecido quatro anos inativo motivado pelos atentados de 2001 e no
momento ter sido transformado em um complexo de apartamentos. Entretanto
suas qualidades como um edifício híbrido permanecem como uma das primeiras
propostas verticais de arranha-céu de 35 andares e 163m de altura como agente
autónomo integrante de diversas funções como um clube social, e esportivo para
a elite de Nova York juntamente com um hotel que compartilhava estas funções.
Esse edifício representou um devaneio arquitetônico por compor um conjunto
extraordinário de modalidades esportivas verticalizadas entre piscinas, ginásios,
campos de tênis e até um minicampo de golf. Sua aparente conformidade urbana
apresentada externamente esconde a excentricidade interior.

Saiba mais

NEW YORK Athletic Club. Jason Walsh, 2013. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=DkePkBmt82o>. Acesso em: 13 mar. 2023.

2.3 Edifício Copan

Autor: Oscar Niemeyer/ Carlos Lemos


Ano: 1966
Local: São Paulo, Brasil

O edifício, iniciado em 1951 e concluído quinze anos depois, representou


um grande avanço para o progresso e a industrialização da cidade de São Paulo.
A distribuição do programa em edifícios incluindo habitação sobre a base
comercial é bastante recorrente, porém as dimensões extraordinárias dessa
proposta específica é que se destacou como um grande diferencial. O edifício
possui a maior estrutura de concreto armado do país, com 115 metros de altura
e 140 metros de comprimento na barra, contendo 1.160 apartamentos entre 3
tamanhos e mais de 70 estabelecimentos comerciais. Contava ainda com um
hotel no seu projeto original, porém não foi concretizado na prática. As

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sucessivas mudanças ocorridas causaram o desinteresse de Niemeyer pelo
projeto e assim a continuidade da obra passou a ser liderada por Carlos Lemos.
Além das dimensões, a obra se caracteriza como um híbrido arquitetônico
por apresentar uma grande diversidade de trânsitos e circulações internas e
também uma imensa rede de infraestrutura urbana o que demandou grandes
esforços tanto por parte dos empreendedores quanto dos governantes.
O prédio entrou em decadência durante os anos 70 e por muito tempo foi
considerado uma espécie de cortiço. Com a revalorização do centro a partir dos
anos 80 esse quadro mudou completamente. Hoje é considerado uma das
melhores opções de habitação para o centro da cidade.
Com relação às primeiras propostas de edifícios híbridos após a
Revolução Industrial, verifica-se uma total sintonia tanto com o desenho urbano
quanto com as ideias de uma nova gestão que sustentasse economicamente
esses empreendimentos. Esses edifícios e muitos outros imbuídos dessa
multiplicidade entre seus programas proporcionaram a otimização no uso de
espaços, o que representou o suprimento de gastos relativos ao número de
usuários, e isso também favoreceu um grande salto para o planejamento urbano.

Saiba mais

COPAN: as histórias do edifício com quase 5.000 moradores. Folha de S.


Paulo, 2017. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Mbenj4nwDz8. Acesso em: 13 mar. 2023.
COPAN: Cidade Vertical. QR Produções, 2020. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=c-GRMw_P1uI>. Acesso em: 13 mar. 2023.
5 FATOS que você não sabe sobre o Copan. Estadão, 2017. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=t53tzqaltVQ>. Acesso em: 13 mar.
2023.

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Figura 7 – Abóbada de berço e abóbada de aresta

Crédito: Cysun/Shutterstock.

TEMA 3 – ARQUITETURA HÍBRIDA E A REVOLUÇÃO PÓS-INDUSTRIAL

Após a Segunda Guerra Mundial, nasceu a contemporaneidade para a


arquitetura e o urbanismo e assim esses modelos híbridos desenvolvidos até a
metade do século XX ganham expressão compositiva sob o aspecto de
interfaces com a tecnologia, o desenho urbano e a sustentabilidade.
Nascidos durante as utopias urbanas do início do século XX, esses
edifícios renascem em amplitudes muito mais expressivas no final do século XX
e neste início do século XXI por meio da pós-modernidade e a Era da informação.
Faremos algumas análises de edifícios multifuncionais realizados entre os
anos 80 e 90 para que se possa ter uma ideia mais clara desses modelos.

3.1 Centro de Conferência em Milão

Autor: Aldo Rossi


Ano: 1982
Local: Milão, Itália

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Esse projeto do italiano Aldo Rossi é a síntese de uma pesquisa urbana
que integra os edifícios como cenário. Trata-se de uma investigação teórica
materializada em um edifício multifuncional que atende a um centro de
conferências, hotel, escritórios e um museu. O programa organiza-se em três
partes sobre um eixo bem demarcado, definindo a circulação e a hierarquia entre
os espaços.

Saiba mais

ALDO Rossi 720. Steffany, 2017. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=lenlk7Tk-w4>. Acesso em: 13 mar. 2023.

3.2 Potsdamer Platz

Autor: Renzo Piano


Ano: 1992
Local: Berlim, Alemanha

O Potsdamer Platz é, provavelmente, o principal projeto realizado em


Berlim durante os anos 90. A área é remanescente da destruição causada pela
Segunda Guerra e foi objeto de concurso internacional em 1992, no qual a
equipe de Renzo Piano foi a vencedora.
A grande área integra dimensões de “outra cidade” pois reinventa quadras
fechadas alinhados com passeios com calçadas largas e pistas de rolagem
estreitas. As pistas de alto trafego se desviam da área através de passagens
subterrâneas e avenidas perimetrais.
O resultado deste projeto agrega uma grande diversidade de pessoas em
uma miscigenação de usos em hotéis, cinemas, teatros, restaurantes, cafés. As
quadras residenciais ocupam o centro do complexo. O conjunto está construído
sobre quatro pavimentos no subsolo destinados aos estacionamentos.

Saiba mais

BERLIN Potsdamer Platz 12/03/2021. Synducer Robotics, 2022.


Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1zumLz_T5Ao>. Acesso
em: 13 mar. 2023.
POTSDAMER Platz, Renzo Piano, Berlino. Podcast – Architettura e un
po’ d’arte, 2021. Disponível em:

13
<https://www.youtube.com/watch?v=Qpa9hMULkU8>. Acesso em: 13 mar.
2023.

Figura 8 – Vista aérea do conjunto

Crédito: Immodium/Shutterstock.

3.3 Linked Hybrid


Autor: Steven Holl
Ano: 2009
Local: Pequim, China
O Programa distribuído sobre uma quadra une funções de habitação,
escritórios, hotel, comércio, atividades culturais como auditórios e galeria de arte.
O Linked Hybrid ocupa as bordas da quadra com vários edifícios que se unem
através de passarelas aéreas formando uma espécie de rua ao redor de uma
grande praça central como um espaço público aberto.

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Figuras 9 – Vista aérea do Blox

Crédito: Oliver Foerstner/Shutterstock.

Figura 10 – Linked Hybrid

Crédito: Xinran Zheng/Shutterstock.

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3.4 Blox

Autor: OMA (Official Metropolitan Architecture)


Ano: 2017
Local: Copenhage, Dinamarca

Sobreposição de usos sem hierarquia. O projeto propõe a sobreposição


desordenada de usos, rompendo com a habitual distribuição hierárquica de
programas, promovendo assim uma verdadeira interação entre as partes que
produzirá situações inesperadas se houver sinergia entre as atividades.

Saiba mais

LINKED Hybrid, Beijing – Exterior View. ArchiChef, 2022. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=edxdh94mNqo>. Acesso em: 13 mar. 2023.
32BNY: Linked Hybrid 7 Years Later (Steven Holl). Spirit of Space, 2022.
Disponível em: <https://youtu.be/HaVG4V25av0>. Acesso em: 13 mar. 2023.

TEMA 4 – REARQUITETURA (RESTAURO, REFORMA, RETROFIT E


REABILITAÇÃO)

A restauração constitui o momento metodológico do


reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na
sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua
transmissão para o futuro.

Cesare Brandi

O tema em si é vasto e abrange um campo que nasceu com a valorização


de edificações existentes que permaneceram no tempo tanto sob o aspecto
histórico quanto por conveniência prática.
Todo edifício existente necessita de uma pesquisa e um levantamento de
dados para avaliar os caminhos projetuais a serem tomados. O arquiteto é o
profissional habilitado para dar a orientação necessária às ações a serem
realizadas de acordo com as necessidades e desejos.
A multidisciplinaridade é uma das grandes virtudes do arquiteto, mas
muitas vezes ela pode confundir certas formas da compreensão prática da
profissão. Nesse sentido, termos como restauro, reforma, retrofit e reabilitação

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referem-se ao tema da intervenção em edifícios que já existem, mas necessitam
de um esclarecimento específico conforme uma breve análise a seguir.

4.1 Restauro

Sendo a disciplina dotada de um grande conjunto de critérios, o restauro


se justifica como um conhecimento autônomo altamente especializado que
dentro do campo da arquitetura vem, desde o século XIX, questionando a
preservação do patrimônio cultural de um passado que pode representar
décadas, séculos ou milênios.
Definir o restauro não é um trabalho simples, pois ele se constitui por meio
de critérios que se encontram muitas vezes entre opiniões opostas. Além disso,
pode haver casos em que o restauro não é recomendado em função de situações
econômicas onde, uma vez não havendo recursos, pode causar a completa
destruição do bem arquitetônico. Trata-se, portanto, de atividade dedicada às
artes, incluindo obras de arquitetura, que visa a proteger e perpetuar seus
valores artísticos e históricos. No Brasil, os arquitetos são os únicos habilitados
legalmente a restaurarem ou intervirem em bens tombados pelo patrimônio
histórico.

Saiba mais

CONCEITOS de conservação e restauro. Danielle Schütz, 2022.


Disponível em: <https://youtu.be/m-fknsu7fNc>. Acesso em: 13 mar. 2023.
RESTORATIVE Techniques: Historic Building Restoration, Stone
Cleaning. Restorative Techniques Ltd, 2017. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=z9XRM8TZsho>. Acesso em: 13 mar. 2023.

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Figura 11 – Restauro de um antigo edifício grego na Sicilia. Itália.

Crédito: Bestravelvideo/Shutterstock.

4.2 Reforma

Essencialmente, tudo aquilo que não se refere ao restauro se associa à


reforma, porém chamamos de reforma todo o projeto que se utiliza do edifício ou
infraestrutura que pode ser reaproveitado para uma nova obra sem a
preocupação em respeitar os significados arquitetônicos anteriores. Nesse caso,
não há o critério simbólico da preservação tanto do estilo quanto da autoria da
edificação, pois a reforma pressupõe apenas o atendimento às necessidades do
programa arquitetônico a ser implantado.

Saiba mais

TÁ PRONTO! Reforma completa apartamento modernista. Maurício


Arruda, 2022. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=ZYvsA6RnqEw>. Acesso em: 13 mar.
2023.

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4.3 Retrofit

O termo vem da junção da expressão retro, que significa “seguir para trás”
e fit, do inglês, que quer dizer adaptação. Desse modo, o significado para a
arquitetura manifesta a ação de algo que se constrói com o sentido de revitalizar
aspectos originais. Assim, retrofit representa uma construção que acompanha
certos padrões e demandas atuais, preservando as qualidades originais da obra.
Corresponde ao processo de revitalização de edifícios envolvendo demandas
contemporâneas de modo que o resultado esteja integrado com questões da
prática atual sem qualquer desvantagem com relação à modernização dos
edifícios.
Essa ação também ajuda a preservar a construção existente, caso esta
apresente qualidades históricas, revitalizando elementos deteriorados e
ampliando sua vida útil.

Saiba mais

VOCÊ SABE o que é retrofit? Comalmaarquitetura, 2020. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=z19QYUi22aw>. Acesso em: 13 mar. 2023.

Muito praticado hoje em dia, o retrofit envolve ações que tornam o edifício
um excelente articulador urbano pelo fato de já estar integrado ao contexto
urbano há anos, décadas ou, muitas vezes, trata-se de edifícios centenários que
não fazem parte dos registros patrimoniais e assim não estão sujeitos às leis
específicas de restauro, possibilitando maior liberdade ao arquiteto.

Saiba mais

TRIPTYQUE ARQUITETURA – Projeto de Retrofit| Red Bull Station –


LAB#3. LabDesign TV, 2021. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=nucctTfYIb8>. Acesso em: 13 mar. 2023.

4.4 Reabilitação

Dentro do campo da reforma, que é mais abrangente, a reabilitação é a


intervenção que pressupõe mudanças de uso no programa original do edifício.
Trata-se de algo mais complexo que o retrofit, que trata o edifício de forma
menos incisiva. Reabilitar um edifício requer princípios temáticos de grande

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escala que envolve a paisagem e todo o contexto. Pode conter em sua estrutura
física o restauro quando o conjunto envolve obras isoladas de valor cultural e
também integra a malha urbana como elementos de contexto.
Grandes projetos são realizados pelo mundo sob essa premissa que
define bem a questão de intervenções por não se restringirem apenas ao edifício
isolado, mas no seu diálogo com o meio em que está inserido. Geralmente são
obras que redefinem quadras, bairros e até cidades inteiras de acordo com a
dinâmica do lugar, pois este tema tem sido frequentemente aplicado em áreas
degradadas e inóspitas com o objetivo de atrair pessoas e fazer com que as
atividades governamentais e de iniciativa privada incentivem sua readequação.

Saiba mais

BEFORE and after: buildings reinvented. The B1M, 2019. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=HGtMta8vpbg>. Acesso em: 13 mar. 2023.
CONHEÇA o Cidade Matarazzo. Cidade Matarazzo, 2022. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=B5Wg-s2iXHo>. Acesso em: 13 mar.
2023.
DRONE sobrevoa o luxuoso complexo Cidade Matarazzo (Torre Mata
Atlântica e redondezas) – São Paulo. Drone na Trilha, 2023. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=DQkp__KAXs0>. Acesso em: 13 mar.
2023.

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Figura 12 – MOCAA – Museu de Arte Contemporânea da África – Cape Town –
África do Sul

Crédito: Nadezda Murmakova/Shutterstock.

TEMA 5 – EDIFÍCIOS MULTIFUNCIONAIS E A SUSTENTABILIDADE

A industrialização na arquitetura tem gerado um quadro alarmante com


relação aos impactos ambientais e suas consequências. Segundo pesquisas
recentes, 40% das emissões globais de carbono estão condicionadas ao
ambiente construído. Esse fato é preocupante e coloca uma imensa
responsabilidade sobre os profissionais da arquitetura e da construção.
A sustentabilidade na arquitetura veio como uma ideia a amenizar e, a
longo prazo, eliminar os danos ambientais por meio de uma produção ecológica.
Os chamados edifícios verdes empregam recursos integrados com o
ecossistema, resgatando tanto técnicas retrospectivas tradicionais quanto meios
da tecnologia de ponta para que, dentro de um cenário contemporâneo, o
conjunto se equilibre.
Junto à arquitetura de caráter industrial, iniciou-se um movimento de
resistência em prol da valorização alternativa dos recursos naturais e humanos,

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uma vez que também é fundamental considerar as condições do trabalho
humano.
Desse modo, o trabalho dos profissionais da arquitetura e da construção
se direciona tanto na integração e adaptação do projeto arquitetônico ao meio
ambiente quanto no uso de materiais de construção sustentáveis visando
sempre as condições humanas a que esse conjunto está submetido.
Apresentaremos a seguir alguns modelos executados neste início do
século XXI que expressam estes princípios de identidade verde e que estão
associados à cultura pós-industrial como um todo.

5.1 Taipei 101

Autor: C.Y. Lee


Ano: 2004
Local: Taipei – Taiwan

Um dos edifícios mais conceituados no âmbito sustentável é o Taipei 101,


em Taiwan, que, com 101 andares e 508 metros de altura, é considerado o mais
alto edifício verde do mundo. Depois de uma grande reforma e da instalação de
soluções de automação e eficiência energética, seu consumo de energia é 30%
menor em comparação a construções semelhantes.

Saiba mais

TAIPEI 101 – The World's Tallest Green Building. Siemens, 2012.


Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=b7VePsPphdM>. Acesso
em: 13 mar. 2023.
TAIPEI 101 – Structural Engineering Explained. Structures Explained,
2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1p2OJWpC2r4>.
Acesso em: 13 mar. 2023.

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Figura 13 – Taipei 101

Crédito: Jeffrey Liao/ShutterStock

5.2 Edifício Pop Madalena

Autor: Andrade Morettin Arquitetos Associados


Ano: 2015
Local: São Paulo, Brasil

A Vila Madalena é um dos bairros mais tradicionais da cidade e agrega


hoje um misto de edifícios residenciais, lojas, restaurantes, bares e escritórios.
Tendo se transformado num dos destinos mais vibrantes da metrópole, une
características de um lugar boêmio, comercial e residencial, sintetizando usos
mistos e uma vida urbana múltipla e intensa muito procurada por empresas e
profissionais da indústria criativa.
O programa desse edifício recebeu assim a energia e o espírito
descontraído do bairro, trazendo para seu uso toda a multiplicidade típica desse
bairro peculiar da cidade de São Paulo.
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O edifício destinado a apartamentos de variadas escalas de tamanho
integra ainda uma academia, sauna, uma piscina, um coworking, tornando-se
um edifício apropriado para habitação e trabalho. O conjunto se desenvolveu
com base em conceitos bioclimáticos, priorizando soluções sustentáveis.

Saiba mais

DEA!ZARVOS – Pop Madalena. Ideal Zarvos, 2016. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=i-ZUUuFAB9w>. Acesso em: 13 mar. 2023.

5.3 AQWA Corporate

Autor: Foster + Partners


Ano: 2017
Local: Rio de Janeiro, Brasil.

Saiba mais

AQWA. Tishman Speyer Brasil, 2018. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=LbphSA2LOCU>. Acesso em: 13 mar.
2023.

O AQWA Corporate é um complexo corporativo que integra espaços


públicos estrategicamente localizado ao longo da zona portuária do Rio. O Porto
Maravilha tornou-se uma das áreas de intervenção urbana mais significativas do
país cujo espaço favoreceu inúmeras propostas inovadoras.
O edifício é um Green Building com certificação Leed gold, a certificação
mais reconhecida do mundo hoje. Foi projetado para garantir sua eficiência no
uso de recursos reduzindo impactos ambientais, priorizando meios alternativos
desde a mobilidade urbana até a melhor utilização da iluminação, refrigeração e
o descarte de resíduos. Entre o programa, inclui espaços de uma grande praça
central para pedestres com uma galeria comercial linear, recriando o espaço
cívico da rua. Além disso, o edifício está integrado com ciclovias, rotas para
pedestres com áreas de descanso junto às áreas de lazer e comércio.

Saiba mais

AQWA Corporate, um projeto de Fosters+Partners. Casacor, 2019.


Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UQoxHLhV8qc>. Acesso
em: 13 mar. 2023.
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TROCANDO IDEIAS

Com base nos tópicos apresentados nesta abordagem, dê sua opinião,


fazendo uma análise sobre a aplicação desses conceitos nos dias de hoje
segundo os seguintes tópicos:

• Arquitetura unifuncional e multifuncional;


• Rearquitetura
 Restauro
 Reforma
 Retrofit
 Reabilitação

NA PRÁTICA

Diante dos tópicos abordados aqui com relação à arquitetura híbrida,


apresente uma análise desse conceito referente a três exemplares pesquisados,
segundo os seguintes aspectos:

• Programa arquitetônico;
• Aspectos formais e funcionais;
• Entorno;
• Sustentabilidade.

A apresentação será feita por meio de sorteio entre os integrantes da


turma.

FINALIZANDO

Ao apresentar uma análise da arquitetura híbrida ou multifuncional,


verificamos que houve um crescimento significativo entre suas tipologias ao
longo da história. A arquitetura contemporânea apresentou inúmeras soluções
em função de demandas urgentes em relação ao crescimento das cidades e
também em relação ao meio ambiente. A otimização da economia gerada e
consumida por esses edifícios e o impulsionamento tecnológico também
contribuíram para que o programa dessas obras se tornasse objeto de uma
intensa pesquisa.
Ao analisar as questões da arquitetura híbrida, surgiram também debates
relativos ao restauro e à rearquitetura, os quais, de uma maneira sistêmica,
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também se colocam sob óticas comuns, uma vez que muitos edifícios podem ser
requalificados e reutilizados para funções em que divergiram do programa
original, implementando assim melhorias em relação à criação de novas
propostas e evitando demolições e descarte de resíduos, o que acarreta
vantagens para a sustentabilidade.
Desse modo, um conjunto de conceitos associados a novas tecnologias
vem contribuindo para que a arquitetura, tanto de pequena quanto de grande
escala, seja concebida de maneira a atender às necessidades urgentes em
relação ao futuro da humanidade.

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REFERÊNCIAS

BRANDI, C. Teoria da restauração. Porto alegre: Artes&Ofícios, 2005.

CHING, F. D. K. Arquitetura: forma, espaço e ordem. São Paulo: Martins


Fontes, 1999.

ROTH, L. M. Entender a arquitetura: seus elementos, história e significado. São


Paulo: Gustavo Gili, 2017.

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