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EDIFÍCIOS E CIDADES
AULA 2
Prof.ª Wívian P. P. Diniz
CONVERSA INICIAL
Nesta etapa, nos aprofundaremos nos estudos sobre conforto térmico humano. Em razão da
especial dos animais homeotérmicos, a não satisfação quanto às condições térmicas é a declaração
mais comum entre as reclamações das pessoas em relação ao conforto ambiental.
CONTEXTUALIZANDO
A sensação de conforto térmico é instintiva e está presente em nossas vidas desde os primeiros
momentos de vida. O bebê recém-nascido, ao sentir calor ou frio, reagirá com o choro instintivamente.
À medida que seu equilíbrio fisiológico-ambiental vai se perdendo, ele dá sinais claros de agitação e
descontentamento.
Portanto, o nosso foco de atuação deve ser determinar as causas e situações de desconforto para
minorar ou prevenir, por meio dos nossos projetos arquitetônicos, a sua ocorrência.
(Ashrae, 2010), o conforto térmico seria “aquela condição mental que expressa satisfação com o
ambiente térmico, avaliada de maneira subjetiva”. O aspecto subjetivo está no fato de que não existe
um determinado parâmetro para “a condição térmica ideal”. Ou seja, são muitas variações, tanto
fisiológicas quanto psicológicas, de pessoa para pessoa, de modo a ser difícil satisfazer todas em um
mesmo ambiente. Desse modo, as condições ambientais necessárias para conforto não são iguais para
todas as pessoas.
Os parâmetros indicados nas normas técnicas são definidos com base na coleta de dados
climáticos que, analisados estatisticamente, definem as condições ambientais que uma porcentagem
Figura 1 – Ursa polar com seus filhotes: apesar do ambiente extremamente frio para os parâmetros
Crédito: AndreAnita/Shutterstock.
Vamos observe a Figura 1 anterior. Será que a mamãe ursa e seus filhotes estão com frio em razão
de haver tanta neve no ambiente? E nós, estaríamos com frio? Dependeria da nossa vestimenta?
Provavelmente nós, seres humanos, se não estivéssemos protegidos por roupas adequadas para baixas
temperaturas, morreríamos em poucas horas. Já esses animais têm sua fisiologia adaptada a ambientes
gelados e sua pelagem os protege naturalmente. Diferentemente de nós, no calor, sofrem desconforto.
No entanto, aquele parente que vive na Finlândia e que, quando vem ao Brasil no verão, chega a
passar mal? Percebemos assim que os seres vivos se adaptam às condições climáticas as quais estão
habituados. Em contrapartida, quando em contato repentino com um ambiente muito diverso daquele
ao qual está adaptado, seu organismo se ressente e sofre por algumas horas até sua fisiologia se
Leitura complementar
Para entender como tudo isso ocorre no corpo humano, recomendamos a leitura do capítulo
2, p. 43 a 53 do livro a seguir.
LAMBERTS, R.; DUTRA, L.; PEREIRA, F. O. R. Eficiência energética na arquitetura. 3. ed. Rio
seu metabolismo busca manter a sua temperatura interna constante. Em um organismo saudável, a
temperatura interna do organismo tem como limite inferior 32°C e, como superior, 42°C.
Quando somos expostos a ambientes com temperaturas acima da nossa temperatura corporal,
mecanismos fisiológicos são ativados para dissipar calor, ou seja, trocar calor com o ambiente de
maneira a cedermos temperatura para esse meio externo e assim equilibrar nossa temperatura
corporal. É por isso que, em ambientes quentes, devemos optar por vestimentas leves, que não criem
Em oposto, quando somos expostos a ambientes com temperaturas abaixo da nossa temperatura
corporal, precisamos gerar mais calor internamente ou reter o calor corporal por meio do uso de
vestimentas com alta resistência térmica, que dificultem a dissipação dessa energia térmica para o
ambiente.
Logo, para mantermos constante a nossa temperatura interna corporal, o organismo humano se
utiliza de mecanismos que atuam nas trocas térmicas entre o corpo e o ambiente, chamados de
sudação – em condições de calor, a ativação das glândulas sudoríparas para liberação de suor
pelos poros da pele é iniciada quando nossa temperatura interna alcança 35°C. Ao suarmos,
equilíbrio térmico. Quando estamos submetidos a um elevado esforço físico, também suamos
porque aumentamos nosso metabolismo. Consequentemente, elevamos a produção de energia
vasoconstrição – quando somos expostos ao frio, a circulação sanguínea da pele diminui, o que
reduz nossa temperatura e a torna um bom isolante térmico. Consequentemente, isso diminui a
quantidade de calor perdida pelo corpo para o ambiente, de modo a manter, assim, a energia
térmica interna.
Leitura complementar
LAMBERTS, R.; DUTRA, L.; PEREIRA, F. O. R. Eficiência energética na arquitetura. 3. ed. Rio
São várias as metodologias para o cálculo de um índice de conforto térmico indicado para um
o modelo preditivo ou Voto Médio Predito – PMV, do termo em inglês predicted mean vote
(Ashrae, 2010), desenvolvido por Fanger no seu livro seminal Thermal comfort: Analysis and
uma relação entre os dois índices (PMV-PPD) para facilitar a aplicação prática do PMV.
Os índices definem as condições humanas para conforto térmico com base em seis variáveis
tabela de referência[3].
3. Temperatura do ar: variável TAR, em °C (graus celsius), dado ou por medição com instrumentos.
4. Temperatura radiante: variável TRM, em °C (graus celsius), dado ou por medição com
instrumentos.
5. Velocidade do ar: variável V, em m/s (metros por segundos), dado ou por medição com
instrumentos.
6. Umidade relativa: variável UR, em % (porcentagem) dado ou por medição com instrumentos.
Uma pessoa, ao entrar em um ambiente que atenda, a princípio, aos requisitos de conforto, não
necessariamente precisa considerar as condições confortáveis de imediato. Isso ocorre porque a
sensação de conforto depende das condições ambientais as quais a pessoa esteve exposta
anteriormente; quanto mais diferentes, mais tempo para se adaptar. Desse modo, as condições
ambientais anteriores ou uma atividade anterior podem afetar as percepções de conforto por
aproximadamente uma hora, tempo médio necessário para o metabolismo humano se adaptar a novas
condições ambientais.
O modelo adaptativo da Ashrae 55-2010 foi elaborado para determinar condições térmicas
aceitáveis para o ser humano, desde que obedeçam aos critérios a seguir, ou seja, caso essas condições
não sejam cumpridas, o índice obtido por meio do modelo adaptativo não pode ser validado.
roupa formal de trabalho como paletó para os homens e camisa de manga comprida e calça/saia
social para as mulheres).
5. A temperatura exterior média deve estar maior que 10°C e menor que 33,5°C.
variáveis pessoais (atividade física met e isolamento da vestimenta clo). Para o cálculo do PMV, é
necessário que seis parâmetros sejam obedecidos:
Leitura complementar
Para complementação teórica acerca dos índices para conforto térmico, recomendamos as
LAMBERTS, R.; DUTRA, L.; PEREIRA, F. O. R. Eficiência energética na arquitetura. 3. ed. Rio
de Janeiro, 2014. 382 p. Disponível em: <https://labeee.ufsc.br/sites/default/files/apostilas/efi
26 jan. 2023.
cobertura, pisos e paredes (externas e internas), de modo a definir um sistema construtivo integrado às
estratégias bioclimáticas.
projeto.
Figura 3 – Detalhe de um componente construtivo na plataforma Projeteee
3/2005 e a NBR 15575-1/2013. Caso a nossa tipologia construtiva não esteja listada, utilizamos a
“Calculadora de Propriedades” no final da página para compor uma tipologia personalizada.
Saiba mais
anterior. Devemos ainda considerar o fator estético e econômico para uma decisão final.
Leitura complementar
Para um aprofundamento maior a respeito das propriedades térmicas dos elementos
LAMBERTS, R.; DUTRA, L.; PEREIRA, F. O. R. Eficiência energética na arquitetura. 3. ed. Rio
de Janeiro, 2014. 382 p. Disponível em: <https://labeee.ufsc.br/sites/default/files/apostilas/efi
edificação e diversas outras propriedades conforme exposto na NBR 15220-3 (ABNT, 2003) e na NBR
15575-4 (ABNT, 2013).
em climas frios, devemos reter o calor dentro da edificação, para evitar perdas térmicas para o
ambiente externo. Desse modo, a edificação deve “segurar” a energia térmica nos seus
componentes construtivos, por meio da utilização de materiais com baixo coeficiente de
transmitância (U). A configuração formal da edificação deve reduzir ao máximo as aberturas para
ventilação natural, de modo a evitar, assim, perdas constantes de energia para o ambiente
em climas quentes, as soluções projetuais visam à perda energia térmica para o ambiente externo,
o que reduz os efeitos da radiação solar nos ambientes internos. A escolha de cores claras ou
materiais reflexivos para acabamento externo dos componentes construtivos reduz a absorção da
radiação solar, em conjunto com o uso de elementos sombreantes nas aberturas, como brises,
Para aprofundamento sobre esse tema, recomendamos a leitura do capítulo 9, p. 135 a 151,
do livro indicado a seguir.
Vídeo
Para aprofundamento sobre esse tema, recomendamos assistir aos vídeos a seguir.
Para a efetivação das estratégias bioclimáticas no projeto arquitetônico, contamos com várias
ferramentas que auxiliam no diagnóstico e no prognóstico voltados ao projeto. Cada etapa do processo
projetual apresenta suas próprias demandas de informações, direcionando assim a escolha e o uso
dessas ferramentas.
A definição sobre qual diagnóstico será desenvolvido depende da etapa projetual que está sendo
para a etapa de utilização da edificação, é preciso avaliar a gestão energética na rotina dos
Como profissionais da arquitetura, devemos focar nossa atuação na etapa para definição formal e
técnica da edificação (o estudo preliminar), bem como na determinação dos seus componentes
construtivos, além das dimensões e posição das aberturas e como considerar as estratégias
As principais decisões projetuais relevantes para o desempenho térmico passivo da edificação são:
viabilização das estratégias bioclimáticas indicadas para o zoneamento do local (conforme NBR 15220-
construtivos e disposição dos ambientes internos, sempre conforme o padrão climático local.
o diagrama bioclimático de Givoni, para o diagnóstico das condições climáticas do local em que a
eventualmente necessários. São ferramentas que antes eram manuais, mas que na atualidade
O diagrama bioclimático foi desenvolvido pelo arquiteto Baruch Givoni[8], na década de 1960. Em
1994, ele mesmo adaptou essa ferramenta às condições climáticas de países do sul global, que pode ser
utilizada inclusive no Brasil. O diagrama de Givoni possibilita, de forma direta, a determinação das
estratégias bioclimáticas segundo o clima local e que devem ser incorporadas ao processo projetual,
O uso do diagrama é simples, conforme interpretamos com base na Figura 4 anterior. Sobre uma
carta psicrométrica, estão lançados polígonos coloridos que representam as zonas bioclimáticas, cada
uma identificada com uma numeração e descritas na coluna à esquerda da carta psicrométrica. As
Os pontos vermelhos representam 8.760 dados climáticos horários para a cidade de Belém-PA –
ano climático de referência (TRY) – o que representa um ano típico daquele local, entre 01/01 e 31/12,
disponibilizados “hora a hora”, durante 365 dias. O TRY não é definido por um ano específico porque
representa dados climáticos coletados por vários anos e tratados estatisticamente para representar, de
fato, a tipologia climática daquele local. O local em que os pontos vermelhos atingem os polígonos
Continuemos no nosso exemplo. As 8.760 horas que reúnem os dados climáticos são analisadas
com base na porcentagem desses dados que atingem determinada zona bioclimática. No caso de
Belém, apenas 0,708% das 8.760 horas climáticas atingem a zona de conforto. Ou seja, durante poucas
horas do ano, as pessoas que vivem em Belém sentem-se em condições confortáveis, sem necessitarem
do auxílio de nenhuma estratégia bioclimática para estarem bem com o clima natural. Nas restantes
99,1% das 8.760 horas, as pessoas estão desconfortáveis por causa do calor.
GERAL GERAL
CALOR CALOR
FRIO FRIO
SOMBREAMENTO SOMBREAMENTO
No Quadro 1 anterior, diferentemente de Belém, onde praticamente todo o tempo as pessoas estão
em desconforto por causa do calor, em Curitiba-PR, em 20% do ano as pessoas estão em conforto e,
em 80%, em desconforto. No entanto, nesses 80% de desconforto, 73,2% é desconforto por frio e
preferência cruzada, seguido por um pequeno período em que o ar-condicionado é necessário. Lá não
Já em Curitiba, a maior parte das estratégias são destinadas a resolver a condição de desconforto
por frio. Dessas estratégias, na maior parte do tempo a indicativa é utilizar a inércia térmica dos
materiais para aquecimento solar passivo durante o dia, para que a noite esse calor acumulado nos
componentes construtivos seja liberado lentamente para o interior da edificação. É importante observar
que uma parcela das condições em frio necessita do uso do aquecimento ativo (por equipamentos de
calefação ou lareiras). Não há indicativa para uso de ar-condicionado.
enquanto em Curitiba essa indicação é somente para 23,2%, mas horas de verão. Nas condições frias, a
Analysis Bio, software livre e gratuito disponibilizado no site do Laboratório de Eficiência Energética
da UFSC. Disponível em: <https://labeee.ufsc.br/downloads/softwares>. Acesso em: 26 jan. 2023.
Leitura complementar
Para nos aprofundarmos mais sobre esse tema, recomendamos a leitura do capítulo 3, p. 86 a
TROCANDO IDEIAS
Nesta etapa, relacionada ao conforto térmico em edificações, aprendemos que sentimos conforto
diversas ferramentas úteis para o reconhecimento das estratégias bioclimáticas conforme o clima local.
Propomos, nesse momento, tentar responder às seguintes questões para mobilizar o conteúdo
desta etapa.
Se, em Curitiba, não existe indicativa para uso do ar-condicionado, por que, mesmo assim,
interno?
Em Belém, são indicadas quatro estratégias para desconforto por calor: ventilação: 88,8%; ar-
condicionado: 9,05%; alta inércia p/ resfriamento: 4,46%; e resfriamento evaporativo: 2,33%. É
Em Belém, devemos sombrear as aberturas (janelas e vãos) da edificação durante todo o período
diário?
NA PRÁTICA
no website do LabEEE. Ele foi desenvolvido para avaliação bioclimática com base nos dados climáticos
plotados em cartas bioclimáticas e avaliação das condições de conforto térmico segundo a ISO 7730,
Na plataforma do Center for the Built Environment[9] (CBE), (tradução livre, “Centro de pesquisa
para o Ambiente Construído”), existem diversas ferramentas disponíveis on-line e gratuitas, que
suportam simulação avançada e compreensão do desempenho energético do edifício e a experiência do
usuário.
desenvolvida para análise do conforto térmico de acordo com o padrão Ashrae 55, com visualizações
de limites de conforto em gráficos psicrométricos ou de temperatura e umidade e geração automática
de documentação LEED para créditos de conforto térmico. Estão inclusos modelos para sistemas
construtivos convencionais (PMV) e para conforto por meio da utilização do modelo de conforto
adaptativo. A plataforma é originalmente no idioma inglês, mas caso seja necessário, basta clicar com o
botão direito do mouse do computador que o navegador fará a tradução automática.
FINALIZANDO
Nesta etapa, nos aprofundamos no atendimento das necessidades térmicas das pessoas que
ocuparão as edificações projetadas por nós. Todos esses conteúdos demandam que você pratique
muito quando estiver projetando. Somente assim incorporará facilmente o bioclimatismo ao seu
processo projetual. Pratique o uso das ferramentas de auxílio, vimos muitas por aqui.
REFERÊNCIAS
(ASHRAE). Ashrae 55-2010: Thermal Environmental Conditions for Human Occupancy. Atlanta,
LAMBERTS, R.; DUTRA, L.; PEREIRA, F. O. R. Eficiência energética na arquitetura. 3. ed. Rio de
Janeiro, 2014. 382 p. Disponível em: <https://labeee.ufsc.br/sites/default/files/apostilas/
[1] American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers (ASHRAE) é uma
instituição pioneira na área de eficiência energética. Sua colaboração abrange a criação de normas,
manuais, congressos e periódicos. Disponível em: <http://www.ashrae.org>. Acesso em: 26 jan. 2023.
[2] A pele é o principal dispositivo termorregulador do corpo humano. As roupas funcionam como
uma resistência térmica entre a pele e o ambiente, representando uma barreira para as trocas de
calor por convecção. Quanto mais elevada for essa resistência térmica, mais efetiva será a barreira para
evitar as trocas térmicas. A resistência das vestimentas depende do tipo de tecido, da fibra e do ajuste
ao corpo (o ar entre a vestimenta e a pele por ser um bom isolante térmico, incrementando a
resistência térmica). sua unidade de medida é conhecida como clo (do termo em inglês clothing,
vestimenta em português).
[5] O balanço energético da edificação, em uma definição simplificada, é a diferença entre a energia
que entra e a que sai da edificação. Essa diferença deve ser igual à variação de energia (Δ ganho ou
perdido) no interior da edificação.
resistir a mudanças de temperatura. Um elemento de elevada inércia térmica apresenta uma maior
resistência a mudanças de temperatura.
medidas de eficiência, não somente de energia, mas também de água e outras utilidades. O mercado
das Escos no Brasil vem crescendo e hoje se organiza em torno da Abesco, sociedade voltada para
[8] Baruch Givoni foi um arquiteto israelense nascido em 1920, reconhecido como um dos maiores
especialistas em arquitetura bioclimática após a publicação de seu livro Homem, clima e arquitetura
(título original Man, Climate and Architecture), em 1969. Foi professor e pesquisador em diversas
instituições e convidado para dar aulas em várias universidades nos Estados Unidos, América do Sul,
Austrália e Europa.
[9] Center for the Built Environment. Disponível em: <https://cbe.berkeley.edu/>. Acesso em: 26
jan. 2023.
[10] Website da Plataforma CBE para acesso a todas as ferramentas para auxiliar a atividade