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Espaço Público:Conceitos e transformações fundamentais no urbanismo e na


política das cidades nos últimos cinquenta anos

Research · November 2015


DOI: 10.13140/RG.2.1.4986.8246

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Rui Camelo
University of Lisbon
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ENSAIO DE AMBIENTE SOCIAL URBANO
Rui Camelo, 35 383
rcamelo@campus.ul.pt

Universidade de Lisboa
Instituto de Geografia e Ordenamento do Território
Departamento de Geografia
Ambiente Social Urbano
Professor Doutor Jorge Macaísta Malheiros

Espaço Público: Conceitos e transformações fundamentais no


urbanismo e na política das cidades nos últimos cinquenta anos

Resumo: O espaço público urbano, na segunda metade do século XX é marcado


por duas grandes correntes de influência: o Modernismo e o Pós-Modernismo. O
urbanismo e as cidades passam por transformações estéticas, sociais e económicas
descritas por vários autores provenientes de várias áreas, como a filosofia,
arquitectura, a sociologia e a geografia. Através desta descrição resumida , procura-
se encontrar caminhos para o futuro.

Palavras-Chave: Espaço Público Urbano; Modernismo; Pós-Modernismo, Urbanismo;


Cidade; Bem - Estar Público.

Segundo Lamas (2000) as cidades desde a Antiguidade cresceram através de dois processos
fundamentais: um por espontaneidade, convencionado como «orgânico», e o outro por
planificação ou traçado idealizado, designado como «racional».
O primeiro não era necessariamente desordenado ou caótico, baseava-se em regulamentos
e regras de construção, estéticas e urbanísticas. No entanto, desde a Grécia até à
actualidade, muitas cidades foram minuciosamente pensadas como, por exemplo, Príamo,
Mileto, Ville Richelieu, ou as nossas Baixa Pombalina e Vila Real de Santo António; o
mesmo se aplica a algumas das cidades coloniais da América Latina ou da América do
Norte e a Barcelona de Cerdá1, ou as cidades novas já no século passado (Lamas:134).
Desde a Antiguidade, a preocupação com o espaço público foi sempre uma constante dos
seus dirigentes, nomeadamente nas cidades-estado gregas e nas do Império Romano,
herdeiras da ordem urbanística helénica. Havia uma real preocupação com o bem - estar
dos seus cidadãos, pavimentando e alinhando as ruas para uma melhor circulação e
segurança, assim como a criação de ágoras e fóruns como espaços de debate e convívio
político e social (Machado, 2006:9).

1Ildefonso Cerdá Y Sunyer (1815-1876) arquitecto e engenheiro catalão, autor da proposta do Plano de
Extensão de Barcelona. Escreveu em 1867 a Teoria General de la Urbanización. É considerado o inventor da
própria palavra urbanismo (urbanización), e o primeiro teórico da disciplina urbanismo.

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Estes eram depois alvo de processos de embelezamento, como por exemplo nos descreve
Car Stephen em Public Space (1992) citado por Machado (2006), «os imperadores romanos
procuravam ultrapassar os antecessores construindo mais e maiores fóruns, basílicas e banhos para
estimular a vida pública dentro de estilo elevado» (1992:6).
Isto demonstra o carácter estruturante atribuído ao Espaço Público, que segundo o autor
supra referido é «o palco sobre o qual o teatro da vida comum se desenvolve» sendo «as ruas, os largos e
os espaços de uma cidade que dão expressão formal ao percurso e ao declínio das mudanças humanas»
(ibidem), e absolutamente actual conforme nos demonstram Gehl & Gemzoe em Novos
Espaços Urbanos (1992), com a experiência de Copenhaga, onde nos deparamos com a
renovação dos espaços urbanos, estimulando o interesse pela vida pública e devolvendo à
cidade o seu papel de lugar de encontro.
Estes processos que se têm desenvolvido nos últimos cinquenta anos, tiveram a sua génese
nas transformações sociais, políticas e urbanísticas que entretanto aconteceram.
Mas para os compreendermos é necessário ver o percurso percorrido e as várias tendências
da filosofia, da política, do urbanismo e da sociedade em geral.
O espaço público para Jurgen Habermas2 «não preexiste à sociedade» mas deverá «ser socialmente
construído e politicamente conquistado», ou seja, essencialmente como local de confronto político
(Fortuna, 1999:140-1).
Por sua vez, a filósofa Hanna Arendt, conceptualiza a esfera política do espaço público
através da análise do enfraquecimento perante as transformações da sociedade urbana
contemporânea (Machado:8).
Essas influenciaram reciprocamente as correntes urbanísticas, modernistas e pós
modernistas, sendo o segundo a negação do primeiro, sendo esta dicotomia amplamente
explicitada por Paul Claval em Postmdernisme et Geographie (1992), onde explicita as várias
metodologias de actuação nos campos da arquitectura, sociologia e geografia.
O movimento modernista surge no início do século passado juntando arquitectos,
urbanistas e artistas plásticos, tendo sido influenciado por várias obras de referência,
destacando-se Der Städtebau de Camillo Sitte 3(1889) e Tomorrow: A Peaceful Path to Real Reform
de Ebzener Howard4 (1898), que no ano seguinte funda a Associação das Cidades-Jardim,
onde procura fazer a síntese entre as vantagens do dinamismo das cidades, e a beleza e as
delícias do campo (Howard:134), citado por Almeida Vasconcelos (1999). Estes princípios
difundiram-se rapidamente pela Europa, nomeadamente por França, utilizados com a
2 Pensador alemão, (Düsseldorf 1929-2…) da Escola Critica de Frankfurt, frequentemente envolvido nos debates
entre Modernismo e Pós-Modernismo.
3 Arquitecto austríaco (1843-1903), na sua obra supra referida defende o urbanismo como obra de arte.
4 Autodidacta e socialista inglês, (1850-1928).

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resolução de problemas sociais que afectavam os aglomerados urbanos, e na Alemanha,
onde se destaca o projecto da cidade-jardim Falkenberg/Berlim Grünau. Arquitectos como
Walther Gropius, Hannes Mayer ou Bruno Taut na Alemanha, Moïse Guinzburg na URSS e Le
Corbusier estabelecem pressupostos teóricos duma nova arquitectura de cariz funcionalista.
Com a 1ª Guerra Mundial e a destruição das cidades surgiu a oportunidade de aplicar as
novas técnicas de estruturação espacial e paisagística, sem restrições dos espaços públicos
urbanos. Destacou-se nesses pressupostos, a Escola de Arte Bauhaus, levando o seu
fundador W. Gropius a afirmar que «a nova arquitectura abre totalmente os muros como uma cortina
para admitir uma plenitude do ar preso, da luz e do sol» (Machado:28).
O modernismo atinge o seu expoente máximo com o arquitecto-urbanista Le Corbusier5,
sendo as suas ideias divulgadas no IV CIAM6 em 1933, posteriormente publicadas em 1942
com o nome de Carta de Atenas. Os regimes totalitários que entretanto surgiram na
Alemanha e na Itália, e em certa medida os seus sucedâneos espanhol e português,
estabelecem uma ruptura, e abrem caminho após a 2ª Guerra Mundial à estruturação pós-
modernista.
Conceitos apoiados por antigos defensores do modernismo como Frank L. Wright e Alvaar
Aalto, que o contrapuseram com «o prazer da arquitectura e a necessidade do arbítrio poético»
(Raposo Magalhães, 2001:142; citado por Machado:36).
Alguma crítica à cidade moderna centrou-se «no diagnóstico e enumeração dos seus males, à análise
dos problemas de alguns bairros» (…) «e à denúncia da pobreza formal e social das produções
urbanísticas» (Lamas:385).
Durante os anos cinquenta e sessenta vários autores criticam a planificação modernista,
destacando-se nesse plano activista a americana Jane Jacobs7, que preconiza a utilização dos
passeios bordejados de habitação, lojas e bares, criando uma maior proximidade e
segurança dos habitantes, em contraponto com a insegurança das baixas densidades dos
grandes espaços verdes e parques públicos das áreas de concepção modernista (Lamas:394).
Predominando a forma sobre a função, o pós-modernismo dá largas à fantasia e à liberdade
criadora (Machado:36).
A avaliação das fraquezas do planeamento urbano modernista revela as deficiências do
crescimento das áreas urbanas das cidades, com taxas de motorização excessivas,

5 Nascido na Suíça como Charles-Edouard Jeanneret,, conhecido como LE CORBUSIER (1887-1965), um


dos mais conceituados arquitectos urbanistas.
6 IV Congresso Internacional de Arquitectura Moderna.
7 Jornalista, (1916-2006), crítica da arquitectura e urbanismo, o seu livro publicado em 1961, The Death and Life

of Great American Cities (A Vida e Morte das Grandes Cidades Americanas), foi um sucesso, que foi muito
além da sua área profissional, e inspirou os movimentos de bairros e a reabilitação dos centros das grandes
cidades americanas.

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construção desenfreada nas diversas coroas suburbanas, tendo como consequência a
edificação de «de alguns conjuntos desarticulados e sem qualidade», bem como a «anulação dos
elementos tradicionais da estrutura urbana» (Barata Salgueiro, 1992:385, citado por Machado:16).
Essas mesmas fraquezas segundo ainda Barata Salgueiro levaram a uma «nova divisão do
espaço em resposta à nova divisão social do trabalho» (p.116).
Mudança sustentada num urbanismo de matriz racionalista, regulador e financiado pelo
investimento público de cariz marcadamente «fordista»8, marcando a estruturação do
espaço público.
Com o abandono das antigas áreas industriais afectas a este modelo abrem-se novos
desafios nesse campo, permitindo a sua recuperação para novas funções, sendo as mais
emblemáticas entre várias, os hipermercados, os centros comerciais, e as frentes ribeirinhas
das cidades portuárias.
Os dois primeiros, localizados em áreas periféricas, junto às vias de maior circulação,
funcionam como factores de polarização que no entender de Barata Salgueiro com o
reforço da mobilidade e o crescimento da suburbanização, contribuem para uma cidade
fragmentada cuja principal característica «é a existência de enclaves» (1998:226, substituindo a
verdadeira vocação do espaço público urbano, sendo definidos por Herculano Cachinho
(citado por Machado:40), como sendo «por excelência os espaços de síntese da sociedade pós-
moderna».
As frentes ribeirinhas beneficiaram de processos de regeneração no período pós-fordista,
com modelos organizacionais dos espaços públicos enriquecedores da oferta arquitectónica
e urbana do fim do século passado (Machado:44).
N actualidade as estratégias apontam para uma apropriação dos espaços públicos por
utentes de diferentes estratos etários e sociais.
Como é referenciado por Brandão Alves, «o espaço público urbano mais do que um suporte físico
específico representa uma “modalidade” de composição entre actividades e grupos, simultaneamente indutor e
induzido» (…) «deve ser acessível a qualquer utilizador, independentemente da sua capacidade física, classe
social, do seu nível etário ou da sua etnia» (Brandão Alves, 2003:297-8).
Ainda o mesmo autor preconiza cinco princípios metodológicos fundamentais – «o espaço
público deve ser coalescente, justo, significante, formativo e sustentável» (Brandão Alves:298).

8Fordismo: Conceito complexo que analisa as transformações no trabalho; as mudanças estruturais na


produção industrial; e por último as mudanças na organização da sociedade. (Knox & Pinch, 2006:26)

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Referências bibliográficas de base

Ghel J; Gemzoe, L (2002) Novos Espaços Urbanos. Editorial Gustavo Gìlì, Barcelona

Brandão Alves, F M (2003) Avaliação da Qualidade do Espaço Público Urbano, Proposta Metodológica. Fundação
Calouste Gulbenkian/Fundação para a Ciência e Tecnologia, Lisboa.

Serdoura, F. M; Nunes, F. (2006) Espaço Público. Lugar de Vida Urbana. Engenharia Civil, nº. 27.

Referências bibliográficas complementares


Almeida Vasconcelos, P (1999) Dois séculos de pensamento sobre a cidade. Editora da UESC, Ilhéus.

Barata Salgueiro, T (2002) Cidade, Território de mudança in Gestão Urbana. Edições ParqueExpo, pp. 22-33,
Lisboa.

Barata Salgueiro, T (2001) Lisboa, Periferia e Centralidades. Celta Editora, Oeiras.

Barata Salgueiro, T (1999) Ainda em torno da fragmentação do espaço urbano in Inforgeo 14. Edições Colibri, pp. 65-
76, Lisboa

Barata Salgueiro, T (1998) Cidade pós-moderna, Espaço Fragmentada in Inforgeo 12/13. Edições Colibri, Associação
Portuguesa de Geógrafos, pp. 225-236, Lisboa

Barata Salgueiro, T (1997) Lisboa, metrópole policêntrica e fragmentada in Finisterra , XXXII, 63, pp. 179-190.

Barata Salgueiro, T (1992) A Cidade em Portugal – uma geografia urbana, (2a ed)., Edições Afrontamento.

Carter, H. (1995) The study of Urban Geography (4th Ed.). Arnold, London.

Claval, P (1992) Postmodernisme et Géographie in Geographie et Cultures nº. 4. Editions L’Harmattan.

Fortuna, C (1999) Os novos Espaços Públicos: identidades e práticas culturais in Revista Crítica de Ciências Sociais, nº. 54,
Junho. Edições do Centro de Estudos Sociais, Coimbra.

Giddens, A (2009) Sociologia (7a ed.). Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.

Jacobs, J (1961) The Death and Life of Great American Cities, Vintage Books. New York.

Knox, P; Pinch, S (2006) Urban Social Geography. An Introduction (5thed.). 1a ed. 1982, Pearson, Prentice
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Machado, A. (2006) Os Espaços Públicos da Exposição do Mundo Português e da Expo’98. Colecção Expoente,
Edições ParqueExpo, Lisboa.

Massey, D (2005) For Space. Sage, London.

Mela, A (1999) A Sociologia das Cidades. Colecção Temas de Sociologia, Editorial Estampa, Lisboa.

Pacione, M (2003) Urban Geography - A Global Perspective. Routledge, London.

Ressano Garcia Lamas, J M (2000) Morfologia Urbana e Desenho da Cidade (3a ed.). Textos Universitários de
Ciências Sociais e Humanas. Edição Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e Tecnologia.

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