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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO TECNOLÓGICO
DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

Realização espacial da esfera pública através das arcadas e passagens:


a Galeria Dr. Accacio no centro urbano de Lages

RELATÓRIO DE PESQUISA DESENVOLVIDA PARA A DISCIPLINA TCC I - TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO I

ORIENTAÇÃO: Professor Luiz Eduardo Fontoura Teixeira


ACADÊMICA: Adriana Freitag Migott

Florianópolis, setembro de 2003.


1. Introdução

1.1. A escolha do tema

Era pra ser Chapecó. Desde a primeira fase, em cada projeto e nos urbanismos a
idéia se confirmava: alguma intervenção na área central ou, quem sabe, um plano mais
amplo de reurbanização que pensasse na cidade como um espaço coletivo. Esse seria o
meu TCC. Mas aí surgiu a experiência da entrada no grupo Déco, que acabou colocando
em dúvida todas aquelas certezas e mudou o rumo do trabalho.
Em janeiro deste ano, fizemos o primeiro trabalho de campo de levantamentos,
quando permanecemos 15 dias em Lages, num exercício de apreensão daquela arquitetura
observada, medida a cada trenada e depois desenhada no computador. Os levantamentos
eram complementados pelas discussões do grupo, que já estudava o assunto junto há
pelo menos um ano. Ainda havia a convivência com os outros colegas, os professores, os
profissionais da Uniplac e de outras instituições que prestavam ajuda aos trabalhos.
Nesse clima enlevado surgiu a idéia do desenvolvimento de um TCC relacionado ao tema,
cogitada inicialmente por mais dois colegas. No retorno a Florianópolis, as reuniões
semanais do grupo foram contribuindo para o amadurecimento da idéia, que foi abraçada
juntamente com o amigo Ulisses, tendo o apoio e orientação irrestritos dos professores
Luiz Eduardo e Américo.
Desde o princípio, os assessoramentos foram sempre realizados pelos dois
professores e todos os quatro discutimos tanto minha proposta de intervenção na Galeria
Dr. Accacio como a do Ulisses de reanimar a produção e a valorização da cultura do
cinema de rua em Lages. Assim, os estudos vão para além do recorte escolhido por cada
um de nós e ainda recebem a contribuição dos demais colegas do grupo, que têm um bom
conhecimento de ambos os projetos.
Nossas propostas são desenvolvidas com enfoques um tanto centrados nos
objetos, porém acreditamos que contribuiriam bastante para um plano maior de
revitalização do patrimônio arquitetônico e da vida urbana de Lages, com intenções
explícitas de desenvolver um espírito de valorização da própria cultura nos moradores da

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cidade. A estagnação econômica pela qual passa o município tem afetado diretamente o
espaço urbano de Lages, que vem recebendo poucos investimentos além daqueles que
surgem da iniciativa privada (que, em sua atividade especulativa, normalmente contribuem
mais negativa do que positivamente). Assim, estamos nós buscando fazer o caminho
inverso, pensando e construindo espaços que valorizem a vivência coletiva, para que a
cidade exerça sua função de socialidade, proporcionando a ocorrência das mais diversas
experiências cotidianas em seus territórios.

1.2. Considerações iniciais acerca do objeto de intervenção

Pensar a cidade é, sem dúvida, um tema que tem


suscitado amplos debates na contemporaneidade. No
entanto, pensá-la enquanto espaço coletivo, imaginando as
infinitas possibilidades de vivência que pode oferecer aos
indivíduos, tem se tornado cada vez mais difícil considerando-
se a redefinição das relações em função da realidade
capitalista, numa atividade feroz de acumulação onde os
espaços, as pessoas e as experiências também passam a ter
seu valor de mercado, sendo mais ou menos importantes
segundo a hierarquia estabelecida pela conjuntura da dinâmica
vigente.
FACHADA DA GALERIA DR. ACCACIO NA
RUA CEL. CÓRDOVA

Longe de ser uma cidade com traços de metrópole1, o


“jogo” da urbanidade não é diferente em Lages. Os espaços
mais valorizados do perímetro urbano sofrem os efeitos da
especulação do capital que elimina, progressivamente, as
possibilidades de criação de espaços alternativos,
descomprometidos com os valores regulados pelas relações FACHADA DA GALERIA DR. ACCACIO NA
RUA PRES. NEREU RAMOS

de mercado. Se isto consiste numa crítica ao desgaste da


questão dos espaços urbanos como lugares do coletivo, um
dos objetivos mais importantes deste trabalho, senão o Fotos da página: Ulisses Munarin

maior, busca recriar novas possibilidades em um espaço


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bastante estruturador do centro de Lages, com a intenção
de resgatar ou conceber outras funções que estimulem a
maior, busca recriar novas possibilidades em um espaço bastante estruturador do centro
de Lages, com a intenção de resgatar ou conceber outras funções que estimulem a
vivência neste local.
O recorte escolhido compreende uma galeria urbana situada na área central do
município de Lages e um miolo de quadra, desocupado, anexo ao espaço da galeria.
Ligada a este miolo, existe a casa que pertenceu ao Cel. Aristiliano Ramos, edificação
tombada pelo Patrimônio Histórico Estadual, que desabou quase totalmente no ano de
2000.
A galeria Dr. Accacio foi construída em 1941, em estilo Art Déco, numa época em
que a prosperidade econômica do município de Lages, com o ciclo da madeira, se refletia
muito no espaço urbano da cidade. A arquitetura foi um dos campos que espelharam a
hegemonia político-econômica de Lages, através do estilo Art Déco, que representava a
modernização da cidade.
A escolha deste espaço sugeriu o estudo de uma série de aspectos relativos ao
tema, que vão desde a investigação do surgimento das galerias urbanas, até os estudos
específicos acerca da galeria Dr. Accacio, desenvolvidos a seguir.

2. O espaço das passagens

2.1. Surgimento das galerias urbanas

“Nos teus olhos também posso ver/ As vitrines te vendo


passar/ Na galeria/ Cada clarão/ É como um dia depois de outro dia/
Abrindo um salão/ Passas sem ver teu vigia/ Catando a poesia/ Que
entornas no chão” (As Vitrines – Música de Chico Buarque)

No século XIX, tanto na Europa como na América, a vida urbana passa a sofrer
significativas mudanças em função do desenvolvimento da industrialização. A paisagem
começa a mudar com a construção das minas de carvão, moinhos e fábricas, que
estimulam o desenvolvimento das ferrovias, produzindo uma revolução social que faz com

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que a vida fique mais veloz e, mais importante, um A SOCIEDADE INDUSTRIAL NO SÉCULO XIX

desenvolvimento das atividades de comércio e do


capitalismo.
A alta do comércio têxtil e os primórdios da
construção com ferro apresentaram-se como condições
essenciais para o surgimento das primeiras galerias urbanas
Uma das primeiras minas de carvão em
Northumberland, Inglaterra.

na Europa. O aumento do consumo torna-se um estímulo à


A PAISAGEM ESTAVA MUDADO COM A
CONSTRUÇÃO DAS MINAS DE CARVÃO,
produção e auxilia na expansão do capitalismo. O mundo de MOINHOS E FÁBRICAS...

sonhos criado pelas passagens ofereceu o espaço perfeito


para a instalação das grandes casas comerciais, que
expunham nas vitrines suas mercadorias de luxo.
O ferro foi utilizado, juntamente com o vidro, para
Ponte de ferro sobre o Severn em
Coalbrookdale (1779)
cobrir com glamour estas vias do luxo industrial. Este
elemento apareceu como o primeiro material artificial da OS PRINCÍPIOS DA ENGENHARIA DO
FERRO COMEÇAM A SE DESENVOLVER...

história da arquitetura, muito empregado em galerias, salas


de exposições e estações de trem, porém evitado nas
residências da época. Simultaneamente, se ampliou o campo
de aplicação arquitetônica do vidro.
Além de morada dos sonhos de consumo, as galerias
foram, no século XIX, espaços públicos da memória coletiva, Estação de Paddington (1852)

dos sonhos-fetiche que se transformaram em parte de um


E A DIVERSIFICAR SUAS APLICAÇÕES...

passado histórico comum.


“As arcadas cobertas dos centros comerciais do
século XIX eram a imagem central das passagens para
Benjamin por serem a réplica material precisa da consciência
interna, ou, melhor dito, o inconsciente do sonho coletivo.
Todos os erros da consciência burguesa poderiam ser Hall Central Paris (1853) de Victor Baltard

encontrados ali (fetichismo da mercadoria, coisificação, o


mundo como“interioridade”) assim como (na moda, na
Fonte das imagens: RISEBERO, 1995.
prostituição, na jogatina) todos os seus sonhos utópicos.

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Mais ainda, as arcadas enquanto passagens foram o
primeiro estilo internacional da arquitetura moderna e,
portanto, parte da experiência vivida por uma geração
metropolitana e, mais amplamente, em escala mundial. Pelo
fim do século XIX, as galerias tinham se tornado o carimbo Galeria de máquinas na Exposição de Paris,
1889.
oficial de uma metrópole “moderna” (assim como de
É NESTE CONTEXTO QUE SURGEM AS
dominação imperialista ocidental) e haviam sido imitadas em PRIMEIRAS GALERIAS URBANAS.

todo o mundo, de Cleveland a Istambul, de Glasgow a


Johanesburgo, de Buenos Aires a Melbourne. E, como
Bejamin bem sabia, elas podiam se encontradas em cada
uma das cidades que tinham sido pontos cardeais de sua
bússola intelectual: Nápoles, Moscou, Paris, Berlim.”(BUCK-
MORSS, 2002: 66, 67)
As galerias urbanas colocaram todas as classes em
contato com o luxo burguês, mesmo que isso tenha
acontecido somente através das vitrines. “O brilhantismo e
o luxo urbano não eram novos na história, mas, sim, o
acesso público e secular a eles.”(Walter Benjamin, apud
BUCK-MORSS, 2002: 112). As galerias urbanas surgiram
como propriedades privadas, porém como travessias
públicas enquanto espaços de passagem. Esta
“peregrinação” por entre as extensas vitrines de vidro deu
Galeria Vittorio Emanuel II, Milão (1829), de G.
origem à atividade do flâneur, figura evocada por diversos Mengoni.

artistas, dentre os quais Charles Baudelaire: Fonte das imagens: RISEBERO, 1995.

“Para o perfeito flâneur, para o observador apaixonado, é um imenso júbilo fixar


residência no numeroso, no ondulante, no movimento, no fugidio e no infinito. Estar fora
de casa, e contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no
centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos prazeres
desses espíritos independentes, apaixonados, imparciais, que a linguagem não pode

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definir senão toscamente. O observador é um
príncipe que frui por toda parte do fato de estar
incógnito.”(BAUDELAIRE, apud COELHO, 1996:
20,21).

2.2. Galerias urbanas na Europa

No final do século XIX, as galerias já tinham se


espalhado por quase todo o mundo. Símbolo de
modernização, sua tipologia é repetida em larga
escala em grande parte das principais cidades
européias.
Tendo sido concluída em 1867, a galeria
Vittorio Emanuel II, situada em Milão, foi uma das
precursoras no uso do ferro e do vidro na arcada
que a cobre. Inovador também foi o conceito de
galeria coberta, com lojas no térreo, escritórios e
apartamentos nos pisos superiores, mais tarde
copiado em outras cidades européias. Fazendo uma
conexão entre a Praça Duomo e a Praça do Teatro
La Scala, a galeria é considerada o coração social
de Milão, freqüentada por escritores, cantores de
ópera e artistas, assim como a grande sociedade.

GALERIA VITTORIO EMANUEL ii EM MILÃO.


IMPLANTAÇÃO, VISTA DE UMA DAS ENTRADAS E
VISTA INTENA DA ARCADA.

Fonte: KATO, 1996.

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Fonte das imagens: BUCK-MORSS, 2002.
GALLERIA PRÍNCIPE, NÁPOLES.

PASSAGE DU GRAND CERF, PARIS.

PASSAGE CHOISEUL, PARIS.

KAISERGALERIE, BERLIM. GUM, MOSCOU.

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2.3. Galerias urbanas no Brasil

Também no Brasil a tipologia galeria urbana se


multiplicou com muito sucesso. Atualmente, não só as
metrópoles e grandes cidades têm as suas, mas
muitas estão instaladas em pequenas cidades de
todo o país. O estudo de caso no Brasil limitou-se à
análise de duas galerias da cidade de Porto Alegre e
a outras cinco situadas em Florianópolis, estas
apresentadas mais adiante.
A edificação do antigo Hotel Majestic, em
Porto Alegre, é um projeto do arquiteto alemão
Theodor Wiederspahn, tendo sido executado entre
1910 e 1933. O conjunto é composto por dois
prédios interligados por passarelas, cuja parte
inferior compõe as arcadas que cobrem a galeria de
passagem no térreo. Quando ainda tinha a função de
hotel esta galeria servia para proporcionar o acesso
de automóvel até a entrada do hotel, num local mais
protegido das intempéries. Atualmente, a galeria
permite exclusivamente a passagem de pedestres e
conforma um lugar importante de ligação entre duas
vias centrais da cidade, além de permitir a
visualização do cais do porto (Rio Guaíba). Desde
1983, o prédio abriga a instituição cultural Mário
Quintana e, a partir de 1985, passou a integrar o
Patrimônio Histórico e Artístico do Rio Grande do
CASA DE CULTURA MÁRIO QUINTANA. ACIMA, FOTO
Sul. DE UMA DAS ENTRADAS E, LOGO ABAIXO, POSTAL
COM ÓLEO SOBRE TELA DE AFRÂNIO VIEIRA.

Foto: Monna M. Faleiros da Cunha.

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Construída na década de 30, a Galeria Chaves
Barcellos chama a atenção pela “vitalidade” que mantém
até os dias atuais. Situada no coração urbano da cidade de
Porto Alegre, ela se aproveita do atributo da centralidade
para ser o cenário das mais diversas atividades. Os ramos
variam de lojas de roupas e discos ou livrarias, até
estúdios de tatuagem e prestação de pequenos serviços,
tais como conserto de relógios. As arcadas monumentais
das duas entradas contribuem para a atratividade exercida
pela galeria, que apresenta um movimento ininterrupto de
transeuntes durante todo o seu período de funcionamento.

3. A natureza do espaço das galerias

3.1. O atributo da centralidade


A função galeria urbana está diretamente relacionada
com a qualidade do espaço que a abriga. No estudo dos
diversos exemplos encontrados para a realização deste
trabalho, uma característica chama a atenção como
predominante em absolutamente todos os casos: a
centralidade. Estar situada numa área central, ligando dois
pontos importantes no espaço da cidade é condição
fundamental para a manutenção da vida de uma galeria GALERIA CHAVES BARCELLOS, EM
PORTO ALEGRE. VISTA DE UMA DAS
ENTRADAS E PERSPECTIVA EXTERNA.
urbana. É certo que inúmeras outras características
contribuem para o enriquecimento deste espaço, mas o
elemento centralidade é tão forte que chega a ser o
responsável pelo sustento de alguns exemplos analisados,
desprovidos de outros tipos de qualificação arquitetônica
ou de usos. Esta situação será exposta mais adiante, no
Fonte:www.prorext.ufrgs.br/salao/3salao/most
estudo das galerias da cidade de Florianópolis. ra/02_cultura/02_09.htm

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3.2. O caráter dos espaços: do público ao privado

A concepção original do espaço das galerias, com sua característica de local


destinado ao consumo, parece não ter limitado as possibilidades de vivência que o mesmo
proporciona, diversamente de outros tipos de espaço aos quais estamos acostumados
nos dias atuais.
As atividades privadas da galeria (lojas) são postas em contato com o transeunte
através das vitrines, mas existem de maneira tal que não intimidam o usuário, pois este
apreende o espaço da passagem como de seu domínio. Assim, a transição dos diferentes
espaços acontece quase que naturalmente: do espaço totalmente público dos passeios,
o espaço semi-público da passagem é penetrado e depois o local privado das compras.
Para tanto, uma perfeita integração das entradas com os passeios públicos torna-se
requisito fundamental.
A evolução por entre estes diferentes espaços acontece de forma bastante diversa
em relação a outros tipos de centros comerciais. Nas galerias existe, sim, algum tipo de
controle, talvez um controle social, exercido pelos demais usuários em relação uns aos
outros. Porém, este controle tem características diversas do que acontece num shopping
center por exemplo, onde as câmeras e os seguranças fazem o domínio do espaço,
transformando-o num local panóptico, onde sempre está implícita a forma de conduta ideal
dos usuários para a utilização do espaço.

3.3. Uma abordagem prática: Galeria Dr. Accacio X Serra Shopping

“Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que
não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico
definirá um não-lugar.”(AUGÉ, 1994: 73) “Os não-lugares são tanto as instalações
necessárias à circulação acelerada das pessoas e bens (vias expressas, trevos
rodoviários, aeroportos) quanto os próprios meios de transporte ou os grandes centros
comerciais...”(AUGÉ, 1994: 36)

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As definições de Marc Augé para os não-lugares
parecem muito pertinentes para a caracterização do
espaço dos shoppings center. Os shoppings são frutos
de tempos onde predomina o fetiche da mercadoria.
Essa mistificação iniciou-se com a industrialização e
contribuiu para o aparecimento destes espaços
comerciais, semi-públicos que, em sua maioria, implicam
em ingresso controlado socialmente.
Curiosamente, muito próximo ao espaço da Galeria
Dr. Accacio e praticamente na mesma situação de
implantação, está situado o Serra Shopping, um centro
VISTA EXTERNA DO SERRA SHOPPING, EM
comercial com potencial de galeria urbana, mas LAGES.

trabalhado como um espaço de consumo, segregado de


maneira a ser monitorado, controlado, com uma certa
previsão de todas as atividades que o usuário pode
Foto: Ulisses Munarin.
desenvolver a partir do momento em que o penetra.
Diferentemente do que tenta ser o espaço da galeria, buscando a aproximação de
uma realização espacial da esfera pública, o Serra Shopping é afetado por alguns dos
elementos que caracterizam o mundo temático do consumo: espetáculo, vigilância e
controle. As circulações dirigidas prevêem, com antecedência, os caminhos possíveis,
oferecendo os visuais, as sensações e as experiências planejadas para o estímulo ao ato
de comprar.
As diferenças de caráter entre galerias e shoppings não se restringem ao espaço
interno. Sua relação com o entorno da cidade também acontece de maneira bastante
diversa: enquanto a galeria oferece ao pedestre o conforto de uma via coberta de
passagem, sem exigir nada em troca (numa ação onde o público invade o privado), a
entrada em um shopping exige que o cidadão ultrapasse as portas de vidro (uma secção
bem clara) para penetrar o ambiente onde quase tudo é controlado, inclusive o clima.
Assim, a atração ao indivíduo, que passa a ser visto como um cliente, também está
relacionada ao consumo e se dá através dos out-doors e luminosos colocados no exterior

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que anunciam os produtos da moda e identificam a presença de marcas e serviços,
caracterizando um tipo de arquitetura que prevê o espaço para a propaganda. No caso
específico da Galeria Dr. Accacio e do Serra Shopping, a fachada “cega”e a negação ao
entorno imediato praticados pelo segundo, em nada correspondem à liberdade de ação
que a primeira oferece. A arquitetura em estilo art-déco da galeria dificilmente recebe,
com harmonia, os adornos comerciais presentes na “fachada out-door” do shopping.
Os shoppings em cidades de porte relativamente pequeno como Lages têm um
grande objetivo geográfico que é a imitação dos grandes centros, o que possivelmente
tenha acontecido com as galerias na época de sua proliferação. Entretanto, as diferenças
de acessibilidade e diversidade de serviços já comentadas qualificam de forma bastante
distinta estes espaços e consistiram num dos estímulos ao desenvolvimento do presente
trabalho, que percebe o espaço da galeria como um grande potencial para a vida urbana
coletiva da cidade.

3.4. A qualidade do espaço da galeria: estudos de caso em Florianópolis

Se aos centros comerciais e aos shoppings tende a faltar espaços de convivência, no


caso das galerias o oposto costuma ser verdadeiro. A galeria urbana busca uma
integração maior entre pessoas de diferentes tipos, de estratos sociais desiguais,
distanciando-se da esfera de espetáculo dos shoppings para ser o espaço do público,
mesmo que o conceito do significado deste tipo de espaço varie segundo as diversas
“tribos”, como comenta Diane Ghirardo: “Talvez o reconhecimento mais convincente seja
o de que não há “um” público, mas sim os públicos diversos, muitas vezes em conflito
entre si e com seus próprios rumos de ação – na verdade, com suas próprias definições
de ação.”(GHIRARDO, 2002: 47)
Na busca de identificar os elementos que contribuem para a função pública do espaço
da galeria, alguns exemplos encontrados na cidade de Florianópolis foram analisados
segundo características específicas selecionadas, estando eles apresentados a seguir.

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Implantação
A situação no espaço urbano contribui decisivamente para a qualidade do espaço
das galerias. A centralidade, já comentada anteriormente, configura o elemento
fundamental, mas outras características também influenciam neste aspecto, como a
importância dos pontos ligados pela passagem, por exemplo. Este é um dos fatores que
diferenciam a Galeria Jacqueline e o Centro Comercial ARS (galerias que fazem a ligação
entre os calçadões das ruas Felipe Schmidt e Conselheiro Mafra) de outras como a
galeria do Edifício Visconde de Ouro Preto ou a do Ed. Adolfo Zigelli. Todos os cinco
exemplos de galerias analisadas estão situadas no centro de Florianópolis, mas algumas
delas atendem de forma muito mais adequada sua função em relação às outras.

1. CEÍSA CENTER
2. GLERIA ED. VISCONDE DE OURO PRETO
3. GALERIA ED. ADOLFO ZIGELLI
4. CENTRO COMERCIAL ARS
5. GALERIA JACQUELINE

Fonte: Elaborado a partir de mapa do IPUF – Instituto de Palnejamento Urbano de Florianópolis

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Ceísa Center: As três possibilidades de acesso potencializam o espaço, que é bastante
utilizado como travessia pública de ligação entre as ruas Gama D’Eça e Vidal Ramos.
Galeria Ed. Visconde de Ouro Preto: A passagem em “L” não liga dois pontos atrativos e
nem sequer representa um encurtamento de caminho, apresentando um fluxo mínimo de
passantes.
Galeria Ed. Adolfo Zigelli: Apesar de ligação de valor entre as ruas Saldanha Marinho e
dos Ilhéus, é muito pouca utilizada pela falta de qualidade do espaço.
Centro Comercial ARS: Um espaço muito utilizado, onde os calçadões das ruas Felipe
Schmidt e Conselheiro Mafra favorecem a atratividade e a ligação gradativa do público ao
semi-público.
Galeria Jacqueline: Situação idêntica à do ARS, considerando também a importância de
estar entre duas das ruas mais importantes do centro da cidade.

Acessos
Uma dos elementos mais modificados nas novas
galerias urbanas talvez sejam as portas de acesso.
Como visto anteriormente, nas galerias do início do
século XX, as entradas eram trabalhadas com
grandeza, através de marcações um tanto majestosas
(tomemos como exemplo as galerias de Porto alegre,
já apresentadas). Na cidade de Florianópolis, há uma
grave perda de qualidade devido ao descaso em
relação ao tratamento dos acessos que, muitas vezes,
se confundem com portas de outros estabelecimentos
comerciais. Chama a atenção o Centro Comercial ARS,
pela generosidade do tamanho das portas de entrada, IMAGENS DO ACESSO PRINCIPAL AO CEÍSA CENTER,
COM A MARQUISE DE CONCRETO COM DETALHE DA
bem marcadas, deixando evidente e mais convidativo o PORTA DE ENTRADA.

espaço da galeria para os transeuntes. Fotos da autora.

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Ceísa Center: Apesar do trabalho com a marquise,
que se estende até o alinhamento do passeio,
tornando o espaço mais convidativo, as portas são
muito deficientes, chegando a ter o vão reduzido à
metade do tamanho para a colocação de uma
esquadria totalmente fora da escala do edifício, que
não corresponde à importância da passagem. VISTA DE UMA DAS ENTRADAS DA GALERIA DO ED.
VISCONDE DE OURO PRETO.

Galeria Ed. Visconde de Ouro Preto: Os acessos


são tão carentes de qualidade que chegam a se
confundir com portas de acesso ao edifício ou
mesmo de garagem de automóveis. Fica muito
prejudicada a compreensão da existência de uma
galeria por parte de qualquer pedestre que
desconheça esta função do local. O estacionamento ACESSO PRINCIPAL À GALERIA DO ED. ADOLFO
ZIGELLI.

de automóveis em frente à porta principal contribui


ainda mais para o fracasso desta galeria.
Galeria Ed. Adolfo Zigelli: Portas pequenas, que se
confundem com as demais e sem nenhuma marcação
de maior importância.
Centro Comercial ARS: Os grandes vãos de entrada,
favorecidos pelo calçadão, são facilmente
ACESSO AO CENTRO COMERCIAL ARS PELA RUA

identificados pelos pedestres e potencializam a


CONSELHEIRO MAFRA.

intenção da entrada dos passantes.


Galeria Jacqueline: Os calçadões de pedestres em
ambos os lados enriquecem a entrada, que é um
tanto carente na rua Felipe Schmidt e seria um pouco
melhor na Conselheiro Mafra, não fossem os
telefones públicos instalados com tanto descuido
exatamente em frente à passagem. ACESSO Á GALERIA JACQUELINE, PREJUDICADO PELA
MÁ COLOCAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS PÚBLICOS.

Fotos da autora.

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Atributos Arquitetônicos

A atração do pedestre para com uma galeria


depende muito do nível de conforto que esta
proporciona, atingido principalmente pela arquitetura
que define tal espaço. Nas galerias estudadas,
elementos diversos como o conforto visual, as
entradas de luz natural, a qualidade do tipo de
espaço (aberto ou fechado), os níveis e rampas,
foram identificados como responsáveis pelo
enriquecimento dos espaços.

Iluminação zenital: Talvez o único elemento que


qualifique a galeria do Ed. Visconde de Ouro Preto,
presente também no ARS e na galeria Jacqueline. A
entrada da luz natural proporciona uma sensação de
abertura do espaço e parece contribuir para o
caráter semi-público das galerias, a partir do
momento em que as diferencia dos shoppings, nos
quais a iluminação é totalmente artificial.

ILUMINAÇÃO ZENITAL NAS GALERIAS


VISCONDE DE OURO PRETO E ARS, EM
CONTRAPOSIÇÃO Á LUZ ARTIFICIAL DO CEÍSA
CENTER.

Fotos da autora.

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Caráter do espaço: A ausência de cobertura é
atributo fundamental na Galeria Jacqueline,
proporcionando abertura e iluminação agradáveis
à situação de confinamento entre os dois
prédios, qualidade que a distancia muito de
situações como a do Ceísa Center, tratado
praticamente como um centro comercial fechado.

Conforto Visual: Praticamente desconsiderado


nas galerias analisadas. As placas e painéis
informativos são dispostos aleatoriamente, sem
cuidados ou preocupações a partir de critérios
pré-estabelecidos, empobrecendo os espaços.
Elementos arquitetônicos: As rampas do Centro
Comercial ARS e a escadaria na galeria
Jacqueline contribuem para a apropriação do
espaço por parte do usuário.

NA PRIMEIRA IMAGEM A AUSÊNCIA DE


COBERTURA NA GALERIA JACQUELINE. ABAIXO,
RAMPAS NO ARSE ESCADARIA NA JACQUELINE,
ENQUANTO ELEMENTOS DE VALORIZAÇÃO DO
ESPAÇO.

Fotos da autora.

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4. Modernização conservadora na cidade

4.1. O quadro histórico-econômico de Lages nas décadas de 40 a 60

O município de Lages passa por transformações econômicas e políticas importantes a


partir da década de 40, que contribuem para o enriquecimento da cidade e refletem em
significativas alterações no seu espaço urbano.
“A década de 40 é um período de transição econômica e social para Lages, de uma
cidade residencial com grande proeminência dos fazendeiros e voltada para as atividades
do campo, para uma cidade fornecedora de bens e serviços para a indústria madeireira. É
o período em que novos grupos de poder econômico se instalam na cidade e novas
alianças se fazem necessárias. É também um período de grande visibilidade e expressão
regional e nacional da oligarquia Ramos, bem como de suas fissuras e conflitos que
ganham proeminência estadual.”(PEIXER, 2002: 102,103)
A família Ramos, além de destaque no cenário político, é uma das mais privilegiadas
socialmente, sendo a responsável pela edificação de diversas obras no período. A própria
galeria abordada neste trabalho, tem seu nome dedicado a um dos membros da família
Ramos, o médico Dr. Accacio e é conservada até hoje, pelos herdeiros da família.
Com o auge da exploração da madeira na região de Lages nos anos 50 e 60 e o
conseqüente aumento da circulação de dinheiro, o Estado apareceu como um dos sujeitos
centrais na estruturação de ações e definição do crescimento da cidade. Desse modo,
aumentam significativamente os investimentos públicos na urbanização, assim como a
intervenção pública na construção de hospitais, colégios, estradas, a proliferação dos
bairros periféricos e crescem também os problemas sociais.
Essa sociedade que está diretamente ligada com os novos empreendimentos da
época anseia por uma certa modernização de sua cidade como símbolo de progresso,
desejos estes refletidos no estilo da maioria das novas edificações: o Art Déco. A
modernização, porém, acontece na maioria dos casos de forma bastante conservadora,
sendo o estilo impresso somente nas fachadas e permanecendo, no interior da

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residência, a estrutura sócio-espacial anterior (eclética, no caso das residências
burguesas). Assim, a modernização acontece de fora para dentro das arquiteturas. Torna-
se importante exibir um estilo moderno de vida que, no entanto, não corresponde aos
costumes cotidianos que se mantém praticamente os mesmos. Em muitas residências do
centro da cidade o art-déco é sobreposto às antigas fachadas em estruturas que
“maquian”os estilos precedentes.

4.2. O Art Déco

O art déco não surge como um estilo. O termo


aparece pela primeira vez na Exposition Internationale dês
Arts Décoratives et Industrielles Modernes, em Paris, em
1925. Não se restringiu à arquitetura mas, ao contrário,
inicia com uma produção em móveis, moda, utensílios
domésticos e jóias que seguiam esta tendência, tendo
sido reconhecido com estilo arquitetônico bem mais
tarde, a partir da década de 70.
É um estilo com grande senso de modernismo, além
de fazer parte do processo de produção em série,
quando diversas artes se propagam muito rapidamente,
como o cinema. Na arquitetura, apresenta abundância de
linhas retas, simplificadas, valorização das esquinas,
volumes simétricos, elementos geométricos, com
referências náuticas, muitas vezes, combinados ou não
entre si. Em Lages algumas dessas características chegam
a entrar no código de postura para as edificações da
EXEMPLARES DO ESTILO ART-DÉCO NA
ARQUITETURA DE LAGES: ACIMA O TEATRO
época, como foi o caso do arredondamento das esquinas, MARAJOARA E, ABAIXO, O PRÉDIO DA
EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E
TELÉGRAFOS.
tornado obrigatório em artigo municipal:

20
“Quando se tratar de edificação ou reforma em
esquina que estiver no alinhamento interno da
calçada da via pública, fica obrigado, como
condição para ser o objeto aprovado, que o
mesmo tenha o canto quebrado ou curvo, em
condições de permitir amplo ângulo visual para as
EDIFÍCIO DR, ACCACIO, TAMBÉM EM ESTILO
ART-DÉCO. NOTE-SE O ARREDONDAMENTO
ruas confluentes.”(Artigo 3º do Decreto nº 53 que DA ESQUINA, TAL COMO PREVISTO NO
CÓDIGO DE POSTURA.

regulamentava a construção de prédios no


perímetro urbano. Guia Serrano, 11/09/1938,
pág.09)
No Brasil, muito importante foi o suporte dado pelo Estado para a construção neste
estilo, já que o governo varguista (no período do Estado Novo) pretendia imbuir a
arquitetura de um sentimento de nacionalismo. Muitos prédios públicos foram edificados
neste estilo, dos quais se destacam os da Empresa de Correios e Telégrafos que em
Lages também são um exemplar do art-déco.
O Estado de Santa Catarina possui um grande acervo arquitetônico deste estilo em
muitas de suas cidades, porém Florianópolis e Lages são as que apresentam maior
incidência, ambas do período de destaque político da oligarquia Ramos.
Na cidade de Lages, o Art Déco imprime seu estilo em diferentes tipologias: desde
construções mais grandiosas como o cinema ou o primeiro edifício residencial em altura
até as construções residenciais um tanto mais modestas. A escolha da galeria Dr. Accacio
como tema central deste trabalho baseou-se, de certa forma, numa intenção de
valorização desta arquitetura “pequena” onde, ao contrário do senso contemporâneo
comum (que despreza os objetos desprovidos de genialidade), são valorizados os temas
cotidianos e modestos. Daí optar por um objeto de estudo que, mesmo prescindindo de
genialidade e consagração arquitetônica, é uma obra de interesse público, com o
potencial de adquirir um caráter de espaço de feitos culturais coletivos.

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5. A galeria Dr. Accacio no espaço urbano atual

5.1. Localização e caracterização da área

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A Galeria Dr. Accacio está situada na área mais
central da cidade de Lages, fazendo a ligação entre
duas vias importantes, que são as ruas Coronel Córdova
e Presidente Nereu Ramos. É constituída por duas
edificações isoladas, com uso residencial em seus pisos
superiores, sendo ao todo quatro pavimentos na rua
Cel. Córdova e apenas dois na Pres. Nereu Ramos. VISTA DO VÃO CENTRAL DA GALERIA DR. ACCACIO

Ambas as edificações foram construídas em estilo art-


déco, seguindo as tendências da época.
Construída em 1941, ainda abriga sua função
primordial de reunir estabelecimentos comerciais numa
via semi-pública para pedestres e preserva viva a função
de passagem. No entanto, alterações como a colocação
de portões nas entradas (uma medida de prevenção
contra a violência urbana atual), que permanecem VISTA PARA UM DOS PÁTIOS INTERNOS

fechados à noite e nos fins de semana, têm prejudicado


um melhor desempenho de suas funções. É conhecida
por muitos moradores da cidade como “canal de Suez”,
por apresentar grande incidência de estabelecimentos
de propriedade de descendentes de imigrantes turcos.
No entanto, o considerável descuido com sua
manutenção causa um aspecto de abandono, estando
VISTA DE UMA DAS ENTRADAS ONDE FORAM
algumas das lojas de seu interior desocupadas. Fatores COLOCADOS OS PORTÕES.

como este estimulam ainda mais a elaboração de um


plano de revitalização espacial para a localidade, que
torna-se iminente tendo em vista as vertiginosas ações
de elementos externos como a especulação imobiliária. Fotos: Ulisses Munarin

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O fechamento da galeria para a realização de
atividades internas do condomínio poderia constituir um
elemento de valorização de mercado para o imóvel mas,
certamente, consistirão numa perda inefável para a
cidade devido ao alto grau de importância de um espaço
como este, um dos poucos lugares de apropriação do
coletivo no centro de Lages. Para tanto, pretende-se
trabalhar este espaço agregando as áreas do interior da VISTA AÉREA DA EDIFICAÇÃO ECLÉTICA QUE
SERVIU DE RESIDÊNCIA AO CEL. ARISTILIANO
RAMOS.

quadra que encontram-se em anexo, inclusive o terreno


e a edificação da antiga residência do Coronel Aristiliano
Ramos. Esta casa, tombada pelo Patrimônio Histórico
Estadual, encontra-se em ruínas desde o ano de 2000,
mas por decisão judicial seus proprietários deverão
reconstruí-la tal como se encontrava antes do incidente.

5.2. Potencialidades e intenções de projeto ESTADO ATUAL DO MIOLO DE QUADRA ANEXO À


GALERIA DR. ACCACIO

Em termos de revitalização do espaço urbano,


muitas são as possibilidades que o espaço onde está
inserida a galeria proporciona a um projeto que busque
recriar o lugar de vivência coletiva, talvez não de fato
como ele foi, mas com o que de melhor possa vir a
oferecer aos seus usuários. Se este é, por assim dizer,
um objetivo pertinente à construção de uma nova VISTA INTERNA DO CORREDOR DE PASSAGEM DA
GALERIA.
realidade para este local, cabe recompor um pouco de
sua trajetória histórico-social, a partir de uma reflexão
sobre o estudo realizado até aqui, como uma
contribuição às estratégias de planejamento a serem
adotadas. Fotos: Ulisses Munarin

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A Galeria Accacio, desde a sua concepção, constitui-se num dos pontos
estruturadores do centro urbano da cidade, tendo sido idealizada pela elite dominante na
década de 40 e conservada até os dias atuais pelos familiares desta oligarquia de
importante renome para o desenvolvimento regional. Pensar em modificações naquele
espaço implica em causar situações inesperadas aos proprietários e moradores dos dois
prédios principais e das edificações cujos lotes fazem divisa com a área em que se
pretende desenvolver este projeto. No entanto, partimos do ponto de vista que os
ganhos para a cidade compensam os possíveis prejuízos que possam vir a ocorrer, os
quais buscaremos minimizar oferecendo alternativas que valorizem as propriedades
envolvidas contribuindo para o enriquecimento do novo espaço a ser desenvolvido.
Entende-se, fundamentalmente, que a construção social do espaço urbano implica a
compreensão de tais transformações particulares de sua paisagem e das socialidades que
nela operam. Todavia, as perspectivas de se oferecer um espaço onde as atividades
urbanas possam acontecer sem depender de grandes mecanismos de controle e com
liberdade tal que não exijam um espaço demasiadamente pré-determinado animam a pensar
idéias que concretizem a revitalização deste fragmento e, por que não, incentivem a
ocorrência de uma metástase positiva para o restante do centro urbano de Lages.
Assim, os anseios variam desde alterações simples como a melhoria dos acessos,
configurando espaços de transição mais agradáveis na gradação do público ao privado,
até a criação de novas atividades, como o uso noturno ou até ininterrupto do espaço (o
que seria o caso de usos 24h). Os novos usos comerciais ou de serviços poderão
construir não mais um centro de compras convencional como acontece no vizinho Serra
Shopping, mas têm pretensões de enriquecer a diversidade possível de tribos, de
indivíduos, das mais diversas situações cotidianas. A aspiração ao espaço público
democrático, com abertura e acessibilidade, permanece como o objetivo principal desde
o início e, desse ponto de vista, imaginamos ser possível a convivência num mesmo
espaço de personalidades que vão desde o artista ou o intelectual que estaria
freqüentando um café até o garoto que apenas cruzaria o trajeto com seu skate.
Possivelmente a função de passagem possibilite que essas relações diversas realmente

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aconteçam, estando o novo eixo transversal a oferecer alternativas para que os passantes
desinteressados usufruam ou não das atividades criadas.
Logo, não se está imaginando um espaço determinista, que limite as experiências
de uso e pré configure todas as futuras atividades, mas um lugar que, prescindindo de um
planejamento extremamente dirigido, abra possibilidades à plena apropriação por parte
dos indivíduos e à ocorrência de feiras itinerantes e outros pequenos acontecimentos
culturais para os quais, muitas vezes, quanto menos definido um local, mais bem sucedido
torna-se o evento efêmero.

6. Considerações finais e procedimentos seguintes

O estudo ora apresentado não pretende ser a conclusão final acerca das diversas
reflexões realizadas, já que consiste apenas em parte de um trabalho de um ano inteiro,
indissociável das atividades que ainda estão por vir. O TCC I foi desenvolvido com o
objetivo de instrumentalizar e potencializar as atividades de planejamento que serão
desenvolvidas ao longo do próximo semestre no TCC II. Acredita-se que as discussões
que resultaram das leituras e assessoramentos em muito contribuíram para a definição de
um programa que realmente concretize as possibilidades imaginadas para a revitalização
do espaço da galeria Dr. Accacio. Os próximos passos consistem em delinear claramente
este programa, conceber um modelo volumétrico da situação existente e, a partir da
experiência acumulada, dar continuidade ao processo de concepção deste novo espaço
que será oferecido aos cidadãos de Lages.

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7. Bibliografia consultada

• AUGÉ, Marc. Não lugares: Introdução a uma antropologia da


supermodernidade.Campinas, SP: Papirus, 1994.
• BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade Organização: Teixeira Coelho. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1996.
• BENJAMIN, Walter. Rua de mão única. São Paulo: Editora Brasiliense S. A., 1995.
• BUCK-MORSS, Susan. Dialética do olhar Walter Benjamin e o projeto das
passagens. Belo Horizonte: Ed. UFMG, Chapecó,SC: Ed. Univ. Argos, 2002.
• GHIRARDO, Diane. Arquitetura contemporânea Uma história concisa. São Paulo:
Martins Fontes, 2002.
• GIMENEZ, Luis Espallargas. Arquitetura pequena Quando a simplicidade e correção
substitui a genialidade. Revista Óculum 3, FAUPUCCAMP,março 1993.
• ISHIDA, Américo. Desenho, desejo e desígnio na arquitetura de Flávio de Carvalho.
Dissertação de Mestrado. São Paulo: 1995.
• KATO, Akinori. Plazas of Southern Europe. Impresso por Toppan Printing PTE(s) CO.
LTD/ Isozaki Printing CO., LTD, Tokyo, Japan.
• KOTHE, Flávio R. Organizador. Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1985.
• PEIXER, Zilma Isabel. A cidade e seus tempos: o processo de constituição do
espaço urbano em Lages. Lages: Editora da Uniplac, 2002.
• PESAVENTO, Sandra Jatahy. Memória Porto Alegre Espaços e Vivências. Porto
Alegre: Ed. da Universidade/ UFRGS, 1991.
• REVUE URBANISME. Novembre, décembre 2001, nº 321
• RISEBERO, Bill. Historia dibujada de la arquitectura. Madrid: Celeste Ediciones,
S.A.,1995.
• ROTEIRO Remanescentes da arquitetura que personalizou o passado de Porto
Alegre. Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1991.

27
• TEIXEIRA, Luiz Eduardo Fontoura. Espaços públicos da orla marítima do centro
histórico de Florianópolis: O lugar do mercado. Dissertação de Mestrado.
Florianópolis, 2002.
• www.prorext.ufrgs.br/salao/3salao/mostra/02_cultura/02_09.htm
• www.pmlages.com.br

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