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CENTRO TECNOLÓGICO
DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO
Era pra ser Chapecó. Desde a primeira fase, em cada projeto e nos urbanismos a
idéia se confirmava: alguma intervenção na área central ou, quem sabe, um plano mais
amplo de reurbanização que pensasse na cidade como um espaço coletivo. Esse seria o
meu TCC. Mas aí surgiu a experiência da entrada no grupo Déco, que acabou colocando
em dúvida todas aquelas certezas e mudou o rumo do trabalho.
Em janeiro deste ano, fizemos o primeiro trabalho de campo de levantamentos,
quando permanecemos 15 dias em Lages, num exercício de apreensão daquela arquitetura
observada, medida a cada trenada e depois desenhada no computador. Os levantamentos
eram complementados pelas discussões do grupo, que já estudava o assunto junto há
pelo menos um ano. Ainda havia a convivência com os outros colegas, os professores, os
profissionais da Uniplac e de outras instituições que prestavam ajuda aos trabalhos.
Nesse clima enlevado surgiu a idéia do desenvolvimento de um TCC relacionado ao tema,
cogitada inicialmente por mais dois colegas. No retorno a Florianópolis, as reuniões
semanais do grupo foram contribuindo para o amadurecimento da idéia, que foi abraçada
juntamente com o amigo Ulisses, tendo o apoio e orientação irrestritos dos professores
Luiz Eduardo e Américo.
Desde o princípio, os assessoramentos foram sempre realizados pelos dois
professores e todos os quatro discutimos tanto minha proposta de intervenção na Galeria
Dr. Accacio como a do Ulisses de reanimar a produção e a valorização da cultura do
cinema de rua em Lages. Assim, os estudos vão para além do recorte escolhido por cada
um de nós e ainda recebem a contribuição dos demais colegas do grupo, que têm um bom
conhecimento de ambos os projetos.
Nossas propostas são desenvolvidas com enfoques um tanto centrados nos
objetos, porém acreditamos que contribuiriam bastante para um plano maior de
revitalização do patrimônio arquitetônico e da vida urbana de Lages, com intenções
explícitas de desenvolver um espírito de valorização da própria cultura nos moradores da
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cidade. A estagnação econômica pela qual passa o município tem afetado diretamente o
espaço urbano de Lages, que vem recebendo poucos investimentos além daqueles que
surgem da iniciativa privada (que, em sua atividade especulativa, normalmente contribuem
mais negativa do que positivamente). Assim, estamos nós buscando fazer o caminho
inverso, pensando e construindo espaços que valorizem a vivência coletiva, para que a
cidade exerça sua função de socialidade, proporcionando a ocorrência das mais diversas
experiências cotidianas em seus territórios.
No século XIX, tanto na Europa como na América, a vida urbana passa a sofrer
significativas mudanças em função do desenvolvimento da industrialização. A paisagem
começa a mudar com a construção das minas de carvão, moinhos e fábricas, que
estimulam o desenvolvimento das ferrovias, produzindo uma revolução social que faz com
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que a vida fique mais veloz e, mais importante, um A SOCIEDADE INDUSTRIAL NO SÉCULO XIX
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Mais ainda, as arcadas enquanto passagens foram o
primeiro estilo internacional da arquitetura moderna e,
portanto, parte da experiência vivida por uma geração
metropolitana e, mais amplamente, em escala mundial. Pelo
fim do século XIX, as galerias tinham se tornado o carimbo Galeria de máquinas na Exposição de Paris,
1889.
oficial de uma metrópole “moderna” (assim como de
É NESTE CONTEXTO QUE SURGEM AS
dominação imperialista ocidental) e haviam sido imitadas em PRIMEIRAS GALERIAS URBANAS.
artistas, dentre os quais Charles Baudelaire: Fonte das imagens: RISEBERO, 1995.
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definir senão toscamente. O observador é um
príncipe que frui por toda parte do fato de estar
incógnito.”(BAUDELAIRE, apud COELHO, 1996:
20,21).
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Fonte das imagens: BUCK-MORSS, 2002.
GALLERIA PRÍNCIPE, NÁPOLES.
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2.3. Galerias urbanas no Brasil
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Construída na década de 30, a Galeria Chaves
Barcellos chama a atenção pela “vitalidade” que mantém
até os dias atuais. Situada no coração urbano da cidade de
Porto Alegre, ela se aproveita do atributo da centralidade
para ser o cenário das mais diversas atividades. Os ramos
variam de lojas de roupas e discos ou livrarias, até
estúdios de tatuagem e prestação de pequenos serviços,
tais como conserto de relógios. As arcadas monumentais
das duas entradas contribuem para a atratividade exercida
pela galeria, que apresenta um movimento ininterrupto de
transeuntes durante todo o seu período de funcionamento.
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3.2. O caráter dos espaços: do público ao privado
“Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que
não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico
definirá um não-lugar.”(AUGÉ, 1994: 73) “Os não-lugares são tanto as instalações
necessárias à circulação acelerada das pessoas e bens (vias expressas, trevos
rodoviários, aeroportos) quanto os próprios meios de transporte ou os grandes centros
comerciais...”(AUGÉ, 1994: 36)
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As definições de Marc Augé para os não-lugares
parecem muito pertinentes para a caracterização do
espaço dos shoppings center. Os shoppings são frutos
de tempos onde predomina o fetiche da mercadoria.
Essa mistificação iniciou-se com a industrialização e
contribuiu para o aparecimento destes espaços
comerciais, semi-públicos que, em sua maioria, implicam
em ingresso controlado socialmente.
Curiosamente, muito próximo ao espaço da Galeria
Dr. Accacio e praticamente na mesma situação de
implantação, está situado o Serra Shopping, um centro
VISTA EXTERNA DO SERRA SHOPPING, EM
comercial com potencial de galeria urbana, mas LAGES.
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que anunciam os produtos da moda e identificam a presença de marcas e serviços,
caracterizando um tipo de arquitetura que prevê o espaço para a propaganda. No caso
específico da Galeria Dr. Accacio e do Serra Shopping, a fachada “cega”e a negação ao
entorno imediato praticados pelo segundo, em nada correspondem à liberdade de ação
que a primeira oferece. A arquitetura em estilo art-déco da galeria dificilmente recebe,
com harmonia, os adornos comerciais presentes na “fachada out-door” do shopping.
Os shoppings em cidades de porte relativamente pequeno como Lages têm um
grande objetivo geográfico que é a imitação dos grandes centros, o que possivelmente
tenha acontecido com as galerias na época de sua proliferação. Entretanto, as diferenças
de acessibilidade e diversidade de serviços já comentadas qualificam de forma bastante
distinta estes espaços e consistiram num dos estímulos ao desenvolvimento do presente
trabalho, que percebe o espaço da galeria como um grande potencial para a vida urbana
coletiva da cidade.
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Implantação
A situação no espaço urbano contribui decisivamente para a qualidade do espaço
das galerias. A centralidade, já comentada anteriormente, configura o elemento
fundamental, mas outras características também influenciam neste aspecto, como a
importância dos pontos ligados pela passagem, por exemplo. Este é um dos fatores que
diferenciam a Galeria Jacqueline e o Centro Comercial ARS (galerias que fazem a ligação
entre os calçadões das ruas Felipe Schmidt e Conselheiro Mafra) de outras como a
galeria do Edifício Visconde de Ouro Preto ou a do Ed. Adolfo Zigelli. Todos os cinco
exemplos de galerias analisadas estão situadas no centro de Florianópolis, mas algumas
delas atendem de forma muito mais adequada sua função em relação às outras.
1. CEÍSA CENTER
2. GLERIA ED. VISCONDE DE OURO PRETO
3. GALERIA ED. ADOLFO ZIGELLI
4. CENTRO COMERCIAL ARS
5. GALERIA JACQUELINE
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Ceísa Center: As três possibilidades de acesso potencializam o espaço, que é bastante
utilizado como travessia pública de ligação entre as ruas Gama D’Eça e Vidal Ramos.
Galeria Ed. Visconde de Ouro Preto: A passagem em “L” não liga dois pontos atrativos e
nem sequer representa um encurtamento de caminho, apresentando um fluxo mínimo de
passantes.
Galeria Ed. Adolfo Zigelli: Apesar de ligação de valor entre as ruas Saldanha Marinho e
dos Ilhéus, é muito pouca utilizada pela falta de qualidade do espaço.
Centro Comercial ARS: Um espaço muito utilizado, onde os calçadões das ruas Felipe
Schmidt e Conselheiro Mafra favorecem a atratividade e a ligação gradativa do público ao
semi-público.
Galeria Jacqueline: Situação idêntica à do ARS, considerando também a importância de
estar entre duas das ruas mais importantes do centro da cidade.
Acessos
Uma dos elementos mais modificados nas novas
galerias urbanas talvez sejam as portas de acesso.
Como visto anteriormente, nas galerias do início do
século XX, as entradas eram trabalhadas com
grandeza, através de marcações um tanto majestosas
(tomemos como exemplo as galerias de Porto alegre,
já apresentadas). Na cidade de Florianópolis, há uma
grave perda de qualidade devido ao descaso em
relação ao tratamento dos acessos que, muitas vezes,
se confundem com portas de outros estabelecimentos
comerciais. Chama a atenção o Centro Comercial ARS,
pela generosidade do tamanho das portas de entrada, IMAGENS DO ACESSO PRINCIPAL AO CEÍSA CENTER,
COM A MARQUISE DE CONCRETO COM DETALHE DA
bem marcadas, deixando evidente e mais convidativo o PORTA DE ENTRADA.
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Ceísa Center: Apesar do trabalho com a marquise,
que se estende até o alinhamento do passeio,
tornando o espaço mais convidativo, as portas são
muito deficientes, chegando a ter o vão reduzido à
metade do tamanho para a colocação de uma
esquadria totalmente fora da escala do edifício, que
não corresponde à importância da passagem. VISTA DE UMA DAS ENTRADAS DA GALERIA DO ED.
VISCONDE DE OURO PRETO.
Fotos da autora.
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Atributos Arquitetônicos
Fotos da autora.
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Caráter do espaço: A ausência de cobertura é
atributo fundamental na Galeria Jacqueline,
proporcionando abertura e iluminação agradáveis
à situação de confinamento entre os dois
prédios, qualidade que a distancia muito de
situações como a do Ceísa Center, tratado
praticamente como um centro comercial fechado.
Fotos da autora.
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4. Modernização conservadora na cidade
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residência, a estrutura sócio-espacial anterior (eclética, no caso das residências
burguesas). Assim, a modernização acontece de fora para dentro das arquiteturas. Torna-
se importante exibir um estilo moderno de vida que, no entanto, não corresponde aos
costumes cotidianos que se mantém praticamente os mesmos. Em muitas residências do
centro da cidade o art-déco é sobreposto às antigas fachadas em estruturas que
“maquian”os estilos precedentes.
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“Quando se tratar de edificação ou reforma em
esquina que estiver no alinhamento interno da
calçada da via pública, fica obrigado, como
condição para ser o objeto aprovado, que o
mesmo tenha o canto quebrado ou curvo, em
condições de permitir amplo ângulo visual para as
EDIFÍCIO DR, ACCACIO, TAMBÉM EM ESTILO
ART-DÉCO. NOTE-SE O ARREDONDAMENTO
ruas confluentes.”(Artigo 3º do Decreto nº 53 que DA ESQUINA, TAL COMO PREVISTO NO
CÓDIGO DE POSTURA.
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5. A galeria Dr. Accacio no espaço urbano atual
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A Galeria Dr. Accacio está situada na área mais
central da cidade de Lages, fazendo a ligação entre
duas vias importantes, que são as ruas Coronel Córdova
e Presidente Nereu Ramos. É constituída por duas
edificações isoladas, com uso residencial em seus pisos
superiores, sendo ao todo quatro pavimentos na rua
Cel. Córdova e apenas dois na Pres. Nereu Ramos. VISTA DO VÃO CENTRAL DA GALERIA DR. ACCACIO
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O fechamento da galeria para a realização de
atividades internas do condomínio poderia constituir um
elemento de valorização de mercado para o imóvel mas,
certamente, consistirão numa perda inefável para a
cidade devido ao alto grau de importância de um espaço
como este, um dos poucos lugares de apropriação do
coletivo no centro de Lages. Para tanto, pretende-se
trabalhar este espaço agregando as áreas do interior da VISTA AÉREA DA EDIFICAÇÃO ECLÉTICA QUE
SERVIU DE RESIDÊNCIA AO CEL. ARISTILIANO
RAMOS.
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A Galeria Accacio, desde a sua concepção, constitui-se num dos pontos
estruturadores do centro urbano da cidade, tendo sido idealizada pela elite dominante na
década de 40 e conservada até os dias atuais pelos familiares desta oligarquia de
importante renome para o desenvolvimento regional. Pensar em modificações naquele
espaço implica em causar situações inesperadas aos proprietários e moradores dos dois
prédios principais e das edificações cujos lotes fazem divisa com a área em que se
pretende desenvolver este projeto. No entanto, partimos do ponto de vista que os
ganhos para a cidade compensam os possíveis prejuízos que possam vir a ocorrer, os
quais buscaremos minimizar oferecendo alternativas que valorizem as propriedades
envolvidas contribuindo para o enriquecimento do novo espaço a ser desenvolvido.
Entende-se, fundamentalmente, que a construção social do espaço urbano implica a
compreensão de tais transformações particulares de sua paisagem e das socialidades que
nela operam. Todavia, as perspectivas de se oferecer um espaço onde as atividades
urbanas possam acontecer sem depender de grandes mecanismos de controle e com
liberdade tal que não exijam um espaço demasiadamente pré-determinado animam a pensar
idéias que concretizem a revitalização deste fragmento e, por que não, incentivem a
ocorrência de uma metástase positiva para o restante do centro urbano de Lages.
Assim, os anseios variam desde alterações simples como a melhoria dos acessos,
configurando espaços de transição mais agradáveis na gradação do público ao privado,
até a criação de novas atividades, como o uso noturno ou até ininterrupto do espaço (o
que seria o caso de usos 24h). Os novos usos comerciais ou de serviços poderão
construir não mais um centro de compras convencional como acontece no vizinho Serra
Shopping, mas têm pretensões de enriquecer a diversidade possível de tribos, de
indivíduos, das mais diversas situações cotidianas. A aspiração ao espaço público
democrático, com abertura e acessibilidade, permanece como o objetivo principal desde
o início e, desse ponto de vista, imaginamos ser possível a convivência num mesmo
espaço de personalidades que vão desde o artista ou o intelectual que estaria
freqüentando um café até o garoto que apenas cruzaria o trajeto com seu skate.
Possivelmente a função de passagem possibilite que essas relações diversas realmente
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aconteçam, estando o novo eixo transversal a oferecer alternativas para que os passantes
desinteressados usufruam ou não das atividades criadas.
Logo, não se está imaginando um espaço determinista, que limite as experiências
de uso e pré configure todas as futuras atividades, mas um lugar que, prescindindo de um
planejamento extremamente dirigido, abra possibilidades à plena apropriação por parte
dos indivíduos e à ocorrência de feiras itinerantes e outros pequenos acontecimentos
culturais para os quais, muitas vezes, quanto menos definido um local, mais bem sucedido
torna-se o evento efêmero.
O estudo ora apresentado não pretende ser a conclusão final acerca das diversas
reflexões realizadas, já que consiste apenas em parte de um trabalho de um ano inteiro,
indissociável das atividades que ainda estão por vir. O TCC I foi desenvolvido com o
objetivo de instrumentalizar e potencializar as atividades de planejamento que serão
desenvolvidas ao longo do próximo semestre no TCC II. Acredita-se que as discussões
que resultaram das leituras e assessoramentos em muito contribuíram para a definição de
um programa que realmente concretize as possibilidades imaginadas para a revitalização
do espaço da galeria Dr. Accacio. Os próximos passos consistem em delinear claramente
este programa, conceber um modelo volumétrico da situação existente e, a partir da
experiência acumulada, dar continuidade ao processo de concepção deste novo espaço
que será oferecido aos cidadãos de Lages.
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7. Bibliografia consultada
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• TEIXEIRA, Luiz Eduardo Fontoura. Espaços públicos da orla marítima do centro
histórico de Florianópolis: O lugar do mercado. Dissertação de Mestrado.
Florianópolis, 2002.
• www.prorext.ufrgs.br/salao/3salao/mostra/02_cultura/02_09.htm
• www.pmlages.com.br
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