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ROBERT VENTURI • COMPLEXIDADE E CONTRADIÇÃO EM ARQUITETURA

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A publicação de C o m p le x id a d e e c o n tra d iç ã o e m a rq u ite tu ra , e m 1966, por inicia­
tiva do M u s e u de A rte M oderna de Nova York, lançou a prim eira tendência im por­
ta n te da arquitetura norte-am ericana desde o Estilo Internacional, ta m b é m pro­
apresentação

m ovido pelo M O M A e m 1932. Esse influente m an ifesto, traduzido e publicado


em dezesseis idiom as, firm ou o nom e de R obert Venturi com o um dos principais
teóricos pós-m odernos. C oube-lhe o m érito de inaugurar a crítica norte-am ericana
à hegem on ia da corporação m odernista e de resgatar os a n te ce d en tes históricos.
Entre os que atribuíram essas virtudes ao livro de Venturi estão V incent Scully, historiador
da arquitetura da U niversidade de Yale, que percebeu a necessidade p re m e n te de um a
crítica do m o d e rn is m o ,1 e seu protegido, Robert A. M . Stern, que, com o editor estu dante,
publicou e ste excerto e m P e rs p e c ta : The Yale A rc h ite tu ra l J ournal.
O problem a da arquitetura e do urbanism o m odernos, diz Venturi, é serem excessiva­
m en te reduciom stas. Lim itando c autelosam ente os problem as que deveria resolver, a ar­
quitetura m oderna ofereceu soluções puras, m as enfadonhas. O resultado disso é que a
arquitetura m oderna não está à altura da ciência, da poesia ou da arte m odernas, as quais
recon hecem a com plexidade e a contradição. (P eter Eisenm an faz a m es m a com paração
desfavorável à arquitetura m oderna com as obras m odernas de outras disciplinas no seu
ensaio "Pós-funcionalism o".) A crítica de Venturi contrapõe a esse reducionism o um a teo­
ria includente que se expressa nos term os "tanto... c om o", "e le m en to s de dupla função",
"m ais não é m en o s" e a "difícil unidade de inclusão". A inclusão, alega Venturi, cria um a
tensão artística positiva e conduz a uma condição plena de possibilidades interpretativas.
A posição de Venturi em C o m p le x id a d e e contradição é influenciada pela sem iótica, pela
psicologia da Gestalt e pela teoria literária que afirm a o valor poético da am biguidade. Bus­
cou tam b ém apoio na teoria e na psicologia evoluciom stas, além da com unicação, onde
descobre o lócus do significado arquitetônico em associações form adas pelo conhecim ento
da história da disciplina. A dm ite que o livro é uma apologia ao seu trabalho profissional e
confessa suas preferências pela história da arquitetura europeia, especialm ente o m aneiris­
m o e o barroco. U m aspecto de sua contribuição teórica é a renovação da consciência da
história, senão uma adesáo total a ela, o que aliás perm eia toda a arquitetura pós-m oderna e
a distingue da arquitetura moderna. M as nem todos os usos que os arquitetos historicistas
pós-m odernos m enores fizeram dessa tradição recuperada foram bem -sucedidos. Assim , o
surgim ento da teoria de Venturi, que estim ula uma apropriação eclética da história, centrada
nas im agens, pode ser com parado à abertura de uma caixa de Pandora de estilos
Um dos principais alvos da crítica de Venturi em C o m p le x id a d e e con tra d iç ã o é o edifício
modernista de esqueleto de aço e revestim ento em cortina de vidro, ou seja, cuja estrutura é
independente da vedação. Ao sugerir a reintegração dessas duas funções, Venturi prepara o
caminho para suas obras recentes, que adotam a parede portante com o solução mais rica e
significativa do ponto de vista fenomenológico e tectônico (caps 9 e 12).

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Nas últimas páginas do livro, Venturi inicia um a análise do urb anism o norte-americano
a partir da Main Street de cidade pequena. A sua atitu d e c om relação ao "corredor" co­
mercial das autoestradas, a Strip, e a seu sim bolism o seria desenvo lvida e m A prendendo
co m Las Vegas (escrito em coautoria com Denise Scott B row n e S te ve n Izenour, em
1972), que insiste na aceitação e adaptação às condições dadas (cap. 6). |

1. Robert Venturi, Complexity and Contradiction in Architecture. Nova York: Museum of Modern Art, 1966

ROBERT VENTURI

Trechos selecionados de um livro em preparação

A COMPLEXIDADE V E R S U S 0 PITORESCO

A complexidade deve ser uma constante na arquitetura. Ela deve estar tanto na iorma como
na função. A complexidade que se limita exclusivamente ao program a alim enta um forma­
lismo de falsa simplicidade; a complexidade que se refere m eram ente à expressão tende a um
formalismo de multiplicidade - de um lado, supersimplificação em vez de simplicidade, de
outro, mero pitoresco em vez de complexidade. Ninguém mais discute se o prim ado cabe à
forma ou à função, mas é impossível ignorar sua interdependência.
Os arquitetos m odernos ortodoxos reconheceram a com plexidade, m as geralm ente
o fizeram de modo insuficiente ou inconsistente. Na tentativa de ro m p er com a tradição
e começar tudo de novo, eles idealizaram o prim itivo e elem entar à custa da diversidade
e da sofisticação. Como participantes de um m ovim ento rev olucionário, aplaudiram
a novidade da função m oderna em detrim ento de sua com plexidade. Na q u alid ad e de
reformadores, trabalharam puritanam ente em prol da separação e exclusão de elem en­
tos em vez da inclusão de elementos diversos e de suas justaposições. A com plexidade

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do program a m uitas vezes coincidiu com um a sim plicidade de form a, tal com o nas
“grandes form as prim árias” de Le C orbusier,“que são nítidas [...] e sem am biguidades”.
A arquitetura m oderna, com raras exceções, evitou a am biguidade. Mais recentem ente,
argum entos de racionalidade em favor da sim plicidade na arquitetura - m ais sutis do
que os argum entos iniciais da arquitetura m oderna - encontram -se entre as diversas
derivações do esplêndido paradoxo de Mies de que “m enos é m ais”. Paul Rudolph falou
recentem ente sobre as implicações do ponto de vista de Mies:

Nunca será possível resolver todos os problemas. Na verdade, uma característica do


século xx é o fato de que os arquitetos são altamente seletivos ao elegerem os proble­
mas que querem resolver. Mies, por exemplo, faz edifícios maravilhosos simplesmen­
te porque ignora muitos aspectos de uma construção. Se ele resolvesse mais proble­
mas, seus edifícios seriam muito menos poderosos.1

A doutrina do “ menos é mais” deplora a com plexidade e justifica a exclusão em nome


de finalidades expressivas. Essa doutrina, de fato, permite que o artista seja “altamente
seletivo na determ inação de quais problemas [ele quer] resolver” . Mas, se o arquiteto
deve estar “ integralmente comprometido com seu modo particular de ver o universo” -’
- isto é, se ele deve ser seletivo no modo de tratar os problemas não deve selecionar
quais problemas vai examinar. Ele pode excluir problemas importantes sob o risco de
isolar a arquitetura da experiência de vida e das necessidades da sociedade. E, se alguns
de seus problemas se mostrarem insolúveis no quadro de uma arquitetura includente,
também isso ele poderá exprimir. Há espaço na arquitetura para o fragmento, a con­
tradição, a improvisação e as tensões que os acompanham.
Os prim orosos pavilhões de Mies tiveram realmente valiosas implicações para a
arquitetura, mas não seria a sua seletividade de conteúdo e linguagem uma limitação
e uma força ao mesmo tempo? Tenho dúvidas acerca das analogias com os pavilhões,
principalmente os japoneses, em nossa arquitetura residencial recente. Essa sim plici­
dade forçada é supersimplificação. A Wiley House de [Philip] Johnson, por exemplo,
separa e articula as “ funções íntimas” da casa na parte inferior do prédio e a função
social, aberta, na parte superior, mas o edifício resvala para o diagramático. Acaba se
transformando em uma dualidade árida - uma teoria abstrata do “ou isso ou aquilo” -
antes de ser uma casa. Onde não há lugar para a simplicidade, o resultado é o simplismo.
A simplificação espalhafatosa indica uma arquitetura frouxa. Menos é um tédio.
O reconhecimento da complexidade e da contradição na arquitetura não nega o que
[Louis] Kahn chamou de “desejo de simplicidade” . Mas a simplicidade estética, uma sa­
tisfação para o espírito quando legítima e profunda, nasce de uma complexidade interior.
A simplicidade visual do templo dórico é fruto das suas famosas sutilezas e da precisão
de sua geometria distorcida. Robertson chamou a atenção para as contradições e tensões

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implícitas na posição singular dos tríglifos de canto na ponta da arquitrave e no desvio
das colunas em relação ao centro, alargando, em consequência, a métopa final.3A apa­
rente simplicidade do templo dórico resultaria de uma complexidade real.
Kenneth Burke referiu-se à supersimplificação como um processo válido na análise-
“Nós supersimplificamos um acontecimento quando o caracterizamos do ponto de vista
de um determinado interesse”.4Mas a arte não procede desse jeito. Os críticos literários
têm destacado a complexidade da linguagem da arte, que, em essência, é tão pouco sim­
ples quanto seu conteúdo. Outros caracterizaram a interpretação de uma obra de arte
como um jogo consciente entre a percepção do que ela parece ser e do que ela é. O seu
sentido preciso está nas discrepâncias e contradições de uma justaposição complexa.
Já me referi a algumas justificativas da simplicidade nos prim órdios da arquitetura
moderna - sua clareza exagerada como uma técnica de propaganda sua estreiteza
excludente, quase puritana, como um instrumento de reforma. Mas uma outra razão
é que as coisas eram mais simples naquela época. As soluções eram mais óbvias, se
não mais fáceis de atingir. O obstinado Wright cresceu ouvindo o mote “a verdade
contra o mundo”. Esse lema não mais nos parece adequado e a atitude que adotamos
tem mais a ver com a que August Hecksher assim descreveu:

A passagem de uma visão da vida como algo essencialmente simples e disciplinado


para a visão de algo complexo e irônico é uma experiência pela qual todos passam
num processo de amadurecimento. Mas certas épocas estimulam esse desenvolvimen­
to; nelas, a perspectiva paradoxal ou dramática colore todo o panorama intelectual [...].
O racionalismo nasceu em meio à simplicidade e à ordem, mas se mostra inadequado
em um período de convulsão. Nesse momento, é preciso criar o equilíbrio a partir
das oposições. A paz interior que os homens adquirem deve representar uma tensão
entre as contradições e as incertezas. [...] Uma sensibilidade especial para o paradoxo
permite que coisas aparentemente dessemelhantes existam lado a lado, a sua própria
incongruência sugerindo uma espécie de verdade.5

Edmund W. Sinnot assim referiu-se à complexidade da evolução orgânica:

A evolução foi, antes de tudo, um processo de aumento de tamanho e de complexidade.


A seleção natural, assim creio, não deu importância especial à forma enquanto tal, mas
sim à crescente diferenciação e divisão do trabalho que torna um organismo mais efi­
ciente e capaz de sobreviver. Esse processo teve como resultado necessário uma maior
elaboração da forma, as leis da matéria e da energia permanecendo o que são/’

Insisto em afirmar que uma arquitetura da complexidade e da contradição não é o mesmo


que o pitoresco ou o expressionismo deliberado. Se sou contra a pureza, também sou
contra o pitoresco. A falsa complexidade conta hoje com a falsa simplicidade e encontra
paralelo em outra arquitetura usual, chamada por um dos seus integrantes de serena.
Essa reação é um novo formalismo, muitas vezes tão dissociado da experiência e do
programa quanto o culto à simplicidade. Mesmo no nível do detalhe, não se compara à
fluência e exuberância de técnica, como no rendilhado de pedra do gótico tardio ou no
entrelaçado maneirista do Norte, legitimamente ostentados em sua arquitetura.
Nossa melhor arquitetura muitas vezes rejeitou a simplicidade através da redução
de modo a promover a complexidade no todo. As obras de [Alvar] Aalto, Le Corbusier
(que, às vezes, menospreza os próprios escritos polêmicos) e às vezes as de [Frank Lloyd]
Wright são exemplos disso. Mas as características de complexidade e contradição em
seus trabalhos são frequentemente ignoradas ou mal compreendidas. Críticos de Aalto,
por exemplo, nele preferiram outras características, como a sensibilidade para os
materiais naturais e o esmerado detalhamento. Eu não acho pitoresca a igreja de Aalto
em Vvokenniska, tampouco um exemplo legítimo de quase expressionismo a Igreja da
Autostrada, de Giovanni Michellucci. A complexidade de Aalto é parte integrante do
programa e da estrutura do todo, e não um artifício expressivo justificado unicamente
pelo desejo de expressar alguma coisa. A complexidade deve ser no mínimo o resultado
do programa mais do que da vontade do autor. O edifício complexo cria um todo
vibrante a despeito de sua variedade.

1. Paul Rudolph,“ Rudolph” , Perspecta 7,1961, p. 51.


2. Ibid.,p. 51.
3 . D.S. Robertson, Greek and Roman Architecture. Cambridge: 1959.
4 . Kenneth Burke, Permanence and Change. Los Altos: Hermes Publicalions, 1954.
5 . August Heckscher, The Public Happiness. Nova York: 1962, p. 102.
6. Edmund VV. Sinnott, The Problern ofOrganic Forni. New Haven: 1963, p. 195.

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PETER E IS E N M A N ■ 0 PÓ S -FU N C IO N A LIS M O
Neste editorial para a revista O p p o s itio n s , órgão do In s titu te o f A rc h ite c tu re a n d U rba n
S tu d ie s (IAUS), do qual era diretor na época. Peter Eisenman discorda do term o "pos-
apresentação

-m odernism o''. alegando nunca ter havido uma arquitetura moderna e, portanto, tor­
nando a arquitetura pós-moderna uma impossibilidade. Eisenman baseia sua inusitada
declaração no argum ento de que a re la çã o entre forma e função é uma característica
definidora da arquitetura desde 0 Renascimento. A arquitetura humanista procurou
estabelecer um equilíbrio entre a distribuição programática e a "articulação formal de
tem as ideais", tam bém chamada de tip o (cap. 5). No entanto, a industrialização introduziu fun­
ções novas e de tal complexidade que as soluções tipológicas se tornaram inadequadas para

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