Você está na página 1de 27

DO QUE NÃO FALAMOS QUANDO FALAMOS DE POESIA

Algumas Aporias do Jornalismo Literário ∗

Marjorie Perloff

Trad.: Osvaldo M. Silvestre e Pedro Serra

As recensões de poesia ou crítica de poesia nos jornais e revistas


de referência mantêm uma curiosa relação com as recensões em
disciplinas humanísticas afins. Tomemos, a título de exemplo, duas
recentes recensões surgidas com apenas alguns meses de distância no
Times Literary Supplement. A primeira é uma recensão, por Richard
Sennett, de quatro livros sobre teoria contemporânea de arquitectura (18
de Setembro de 1992, 3-4), a segunda, por Glyn Maxwell, de oito livros
sobre poéticas contemporâneas (29 de Janeiro de 1993, 9-10).
Richard Sennett é um crítico social amplamente conhecido (de
momento, professor de sociologia e humanidades na New York
University), cujo livro mais recente, The Conscience of the Eye (1991),
tem o subtítulo The Design and Social Life of Cities. Os livros
recenseados, neste número especial intitulado «Cidades» (que incluía
também artigos de Gavin Stamp, David Rieff e Saskia Sassen), eram Le
Corbusier and the Mystique of the USSR: Theories and Projects for
Moscow, 1928-1936, de Jean-Louis Cohen (Princeton, 1991), The Built,
the Unbuilt, and the Unbuildable, de Robert Harbison (Thames and
Hudson, 1992), a reunião de artigos de Beatriz Colomina, Sexuality and
Space (Princeton, 1992), e The Architectural Uncanny, de Anthony
Vidler (MIT, 1992). Sennett escreveu sobre estes livros como um
especialista informado: ele próprio tem estado activo nos simposia
realizados na Princeton University School of Architecture, onde algum
do material em pauta tinha sido divulgado. O seu ensaio parte do
princípio de que os espaços urbanos são agora, em grande medida, áreas
de catástrofe mas defende que não se deve inculpar os arquitectos por
este estado de coisas, nem esperar que eles apareçam com projectos de


Texto coligido no livro Poetry On & Off the Page. Essays for Emergent Occasions,
Evanston Illinois, Northwestern University Press, 1998.
um qualquer tipo de renovação utópica. Em alternativa, ele sugere, em
sintonia com os teóricos sob escrutínio, que aquilo que é necessário de
momento é talvez um melhor conhecimento de como estes espaços
realmente funcionam, de como os edifícios, as ruas e os espaços abertos
se relacionam com o corpo humano.
O livro de Cohen sobre Le Corbusier fornece a Sennett o seu
quadro histórico, pois analisa em detalhe o projecto do grande arquitecto
para o Palácio dos Sovietes em Moscovo, um projecto baseado na
tentativa de integrar interior e exterior, a forma construída no seu espaço
circundante, de modo a esbater o cerimonial e a criar uma arquitectura
verdadeiramente popular. A rejeição do plano pelas autoridades em 1923
“em favor de um monumento padronizado em estilo neo-clássico por
Zhotovsky” é considerado, tanto por Cohen como por Sennettt,
emblemática das dificuldades de tentar inventar uma arquitectura
genuinamente “popular”. Talvez, então, como Robert Harbison e os
colaboradores do volume Sexuality and Space defendem, o mais que os
edifícios podem fazer seja criar o que Harbison chama “ficções de
valor”. Harbison “vê a experiência da ruína industrial como uma
incitação a uma resposta radicalmente inovadora”; no caso do Lloyds
Building, de Richard Rogers, por exemplo, as sofisticadas «falsas-
ruínas» inesperadamente geradas do aço e do vidro têm uma curiosa
maneira de alterar o nosso sentido do tempo. E The Architectural
Uncanny, de Anthony Vidler (um livro que, desde então, se tornou
célebre nas discussões das artes pós-modernas) leva esta noção ainda
mais longe. Para contrariar a apatia dos neutralizados espaços urbanos
contemporâneos, sugere Vidler, temos de nos abrir à “estranheza” dos
cruzamentos, temos de tentar derrubar as fronteiras existentes entre
subúrbio, cintura urbana e centro urbano e ver o que a sua intersecção
produzirá. Perda, deslocação, invasão tornam-se valores positivos.
Um outro resenhador, que não Sennett, poderia ser menos
compreensivo para com os resenhados, mas julgo que a maioria dos
leitores concordará que a sua recensão é interessante, sofisticada,
informada e ajuda-nos a perceber o que se passa na teoria urbanística
recente. E o conhecimento que Sennett tem do contexto social, a sua
própria participação no debate sobre o que fazer com os espaços
urbanos, faz dele um excelente expositor.
Glyn Maxwell vê o seu papel de forma muito diferente. Os
livros que lhe foram atribuídos para recensear são, sejamos justos para
com ele, a mais curiosa misturada que se pode imaginar1. Para começar,
dois estudos críticos de poetas reconhecidos: The Art of Derek Walcott,
uma colecção de ensaios organizada por Stuart Brown (Seren, 1989) e a
monografia de James Booth, Philip Larkin, Writer (Harvester, 1992). Em
seguida, uma biografia, My Proper Ground: A Study of the Work of
Philip Larkin and Its Development (Edinburgh, 1992), de A. T. Tolley.
A estas seguiam-se três obras mais teóricas: Language Poetry: Writing
as Rescue (Louisiana, 1992), de Linda Reinfeld, A Poetics (Harvard,
1992), de Charles Bernstein, e Contemporary Poetry Meets Modern
Theory (Harvester, 1991), de Anthony Easthope e John O. Thompson.
Estes três livros estão relacionados: os manifestos, os poemas de índole
teórica em prosa e as explorações culturais do poeta Charles Bernstein
coligidos em A Poetics são o pano de fundo da história analítica do
movimento da Language Poetry nos Estados Unidos, produzida por
Linda Reinfeld; Easthope e Thompson, por seu lado, reuniram uma série
de críticos que perfilham a posição segundo a qual a mais radical poesia
de hoje tem muito em comum com a teoria pós-estruturalista. Em
qualquer caso, os três nada têm em comum com os estudos sobre
Walcott e Larkin, por um lado, ou com The Long View: Essays on the
Discipline of Hope and Poetic Craft (Massachusetts, 1991), de Robert
Pack, por outro. Pack é um poeta americano, activo há já muito tempo, e
mais conhecido como antologiador. Os seus ensaios são
confessadamente pessoais, impressionistas e informais. Finalmente, a
recensão inclui um estudo da poética emersoniana-jamesiana, Poetry and
Pragmatism (Faber, 1992), por um dos mais distintos críticos
académicos dos Estados Unidos, Richard Poirier.
Ao invés dos quatro livros recenseados por Sennett, que são
intimamente relacionados, quer histórica quer ideologicamente, a lista de
Maxwell não tem qualquer consistência, se exceptuarmos que, de alguma
forma, os oito livros (publicados, já agora, num período de quatro anos)
lidam com a poesia contemporânea, seja lá isso o que for. Deve referir-se
que a Maxwell foram atribuídas quatro colunas para abarcar oito livros,
contra as seis colunas dispensadas a Sennett. Mais importante: enquanto
Sennett está à altura dos autores que recenseia, já que escreveu livros e
ensaios comparáveis como pesquisador dessa área, Maxwell parece ter
sido incumbido desta tarefa não na sua capacidade de crítico, erudito ou
teórico de poesia com obra editada (já que nada disso é) mas como
poeta. De facto, tem-se tornado cada vez mais comum no jornalismo
literário a recensão de estudos teóricos ou históricos de poesia como os
de Reinfeld ou Poirier — isto quando chegam a ser recenseados — por
poetas reconhecidos. (Um poeta reconhecido é alguém que publicou um
livro ou dois de poemas numa das editoras conceituadas e obteve
algumas recensões respeitáveis na imprensa conceituada). O paralelo, no
caso dos livros de arquitectura, consistiria em pôr um arquitecto, talvez o
sócio de uma firma respeitada e especializada em edifícios de escritórios
em Park Avenue ou em residências de subúrbio, a recensear The
Architectural Uncanny, de Anthony Vidler.
Maxwell começa com um série de afirmações: (1) o «grande
poema» induz emoções fortes e conflituantes em cada leitor que o lê no
seu idioma; (2) «é sempre instantaneamente memorizado»; (3) assim que
o seu autor morre, o poema é rapidamente objecto de sobreinterpretação,
são-lhe projectados significados e surge um mito do seu autor que
ameaça deslocar o poeta “autêntico” que o escreveu; (4) “os poetas
sabem aquilo que vale a pena dizer sobre outros poetas”; e (5) o conceito
de “escola” é “especialmente inútil”. Todos estes teoremas são colocados
à nossa frente como se fossem uma simples questão de senso comum,
apesar de a teoria crítica do último meio século ter desmantelado, ponto
por ponto, a noção do autêntico “ur-poema” destruído por posteriores
leituras erróneas [misreadings], o poema como catarse de “emoções
conflituantes” (sombras de I. A Richards), melhor entendido pelos outros
poetas. Quanto ao critério da memorização, que Maxwell adianta como
se se tratasse da segunda lei da termodinâmica, tal critério não admite o
verso livre (difícil de memorizar), a poesia em prosa ou as poesias
visuais – todas elas muito proeminentes e instigantes hoje. A
memorização depende, é claro, da rima e do metro; é muito mais fácil
memorizar Don Juan do que The Prelude, as estâncias dos hinos curtos
de Emily Dickinson do que os poemas longos de Whitman, Robert Frost
do que William Carlos Williams. E como se poderiam memorizar as
composições poéticas de Ian Hamilton Finlay? Ou as de Susan Howe?
Maxwell não se aflige com tão espinhosas questões. Ele sabe do
que gosta, e os livros sobre Walcott e Larkin são considerados valiosos
não porque os seus colaboradores façam algo de especial, mas porque
Walcott e Larkin são valiosos. O resenhador não se preocupa muito com
eles, nem com Pack e Poirier (o último é alvo de um olhar pouco
complacente), reservando os seus comentários ásperos para os chamados
poetas language discutidos por Linda Reinfeld, por alguns dos
colaboradores de Anthony Easthope e pelo próprio Charles Bernstein,
um dos fundadores do movimento. Maxwell não aprecia o conceito de
movimento ou escola que anima a discussão da poesia language em
Reinfeld, mas nunca se preocupa em investigar se os poetas em causa —
Bernstein, Howe, Michael Palmer, Lyn Hejinian, Clark Coolidge, Ron
Silliman — constituem, de facto, um. Não importa: o importante é que
estes evidentemente medíocres poetas, para Maxwell, continuam a
escrever uns sobre os outros “muito depois de a revista que lhes deu o
nome [L=A=N=G=U=A=G=E] ter desaparecido, e bem assim qualquer
vestígio de interesse público nela”. E mais: a sua é uma poesia de
“completa e deliberada impenetrabilidade”, uma poesia que “descarta a
noção de que a linguagem pode comunicar”. Os fins gémeos da poesia
— ensinar e deleitar — são deste modo totalmente violados.
Ao contrário de Richard Sennett, pois, Glyn Maxwell não
manifesta qualquer empenho nas perspectivas adoptadas por aqueles que
analisa. Pelo contrário, ele não demonstra ter alguma vez lido um único
poema de Charles Bernstein ou dos outros poetas que Reinfeld discute; é
na verdade duvidoso que ele tenha sequer olhado para A Poetics, dado
que os argumentos de Bernstein são citados apenas a partir do livro de
Reinfeld, como se a descrição desta, que é afinal uma interpretação da
teoria de Bernstein, lhe fosse simplesmente equivalente. Quanto ao
volume de Easthope-Thompson, posso certificar o facto de que ele não
leu o meu próprio ensaio nessa obra, sobre o qual escreve: “Noutro
lugar, Marjorie Perloff celebra a opacidade da obra de Steve McCaffery
invocando Ezra Pound — estranho, como estes escritores radicais e
desmistificadores engolem por inteiro as máximas (‘Make it new!’) de
um velho apologista do fascismo”. Ponto final. O meu ensaio sobre Lag
de McCaffery nunca menciona o nome de Pound nem digo nele nada
sobre “Make it new!” Mas mesmo que dissesse, a pressuposição de que
um eco de Pound em McCaffery ligaria de algum modo este poeta ao
fascismo é de cortar a respiração. E, já agora, como e por que é que o
poema de McCaffery é “opaco”? Será suficiente dizê-lo apenas?
A recensão de Maxwell ignora pois ostensivamente os factos, já
para não mencionar os princípios poéticos envolvidos. A sua asserção de
que “ninguém” se interessa pelo movimento da poesia language é
desmentida por tantos artigos, livros e colóquios, não apenas nos Estados
Unidos mas também no Reino Unido (como na França, na China, no
Japão e na Austrália), que a afirmação não chega a justificar uma
refutação séria. Na verdade, esta recensão dificilmente justificaria uma
discussão, não fosse ela tão típica. Pois o facto é que enquanto as
recensões do TLS sobre livros de teoria arquitectónica, estudos
feministas, teatro isabelino ou filosofia (o mesmo número incluía um
texto brilhante e cáustico de Arthur Danto sobre Ehics of Authenticity, de
Mark Taylor) são textos largamente responsáveis, escritos por peritos
nos seus vários domínios, o discurso do jornal sobre a poesia
contemporânea (sobre as formas literárias contemporâneas em geral,
provavelmente) é largamente impressionista, desinformado e filisteu. E o
TLS não é, de modo nenhum, o pior caso.
Tomemos, por exemplo, Anthony Libby, um poeta-crítico que
ensina na Ohio State University, falando sobre New and Selected Poems:
1974-94 (Norton, 1994), de Stephen Dunn, e Velocities: New and
Selected Poems, 1966-92 (Viking-Penguin, 1994), de Stephen Dobyns,
no New York Times Book Review de 15 de Janeiro de 1995:

Serão todos os melhores poemas sobre perda? Não são,


provavelmente, sobre a felicidade ou a suave plenitude do amor, e
o poeta que ambiciona atravessar esses territórios agradáveis
escolhe uma estrada difícil... O núcleo do volume [de Dunn]
regista o longo combate para desenvolver uma voz fiel às
afirmações cândidas de Mr. Dunn e protectora face à resistência do
leitor cínico... [Quanto a Dobyns], trata-se de um estilo de
masculinidade mais tradicional, de certo modo controlado e
reprimido, zangado, dilacerado pela constante consciência de que
“somos as criaturas que amam e devastam”... A glória da poesia de
Stephen Dobyns reside talvez em que ela mantém esse sentido do
jogo intacto, sem negar horrores... A sua imaginação caprichosa
afirma celebrando-se a si mesma, se não ao mundo tenebroso e
enevoado2.

O que quererá isto dizer? Porque deveria a “imaginação


peculiar” do nosso tempo “celebrar-se a si mesma”? Porque haveremos
de querer poesia que exprime «um estilo de masculinidade de certo
modo controlado e reprimido”? E será que precisamos mesmo de poesia
que nos diga que “somos as criaturas que amam e devastam”?
Ou, para dar um terceiro exemplo, considere-se a recensão, pelo
poeta David Kirby, de Selected Poems, 1965-1990 (Norton, 1994), de
Marilyn Hacker, de novo no New York Times Book Review (12 de Março
de 1995, 6). Kirby começa por anunciar que “A história da literatura
recente é a história da frase ‘Only connect’. Escritores e leitores
tomaram estas palavras de Howard’s End, de E. M. Forster, como uma
exortação na qual ‘only’ significa ‘meramente’ ou talvez
‘exclusivamente’ ”. Aqueles de nós que não subscrevam a tese de que a
poesia americana dos anos 90 é escrita sob o signo de E. M. Forster
escusam de se preocupar. A referência funciona apenas como um
aceitável intróito literário, e Kirby rapidamente avança para as suas
impressões mais pessoais: “Num tempo em que tantos escritores
parecem analisar a vida a partir de uma distância considerável, é
animador ver Marilyn Hacker fazendo o seu caminho pelo mundo com
uma cálida facilidade. E um formalismo tão coloquial que desmonta
qualquer estereótipo erudito”.
O New York Times Book Review tem sido atacado por não
dedicar espaço suficiente à poesia. No período de Janeiro a Junho de
1995, de aproximadamente quinhentas recensões, apenas cinco — 1 por
cento — tratam de nova poesia. Mas a quantidade não é a resposta. De
facto, se o discurso jornalístico sobre poesia não consegue ser melhor do
que estes exemplos, será preferível uma moratória sobre a tentativa
pouco convicta de incluir, por respeito a uma qualquer noção residual de
“cultura”, a recensão ocasional de poesia a par do poema ocasional, este
último invariavelmente apresentado dentro de uma caixa como que para
o isolar de matérias mais importantes. Mas a minha modesta proposta
não é tão pessimista quanto possa parecer. Pois eu gostaria também de
sugerir que o estado abissal da crítica de poesia não afecta,
paradoxalmente, a causa da própria poesia, a qual está, em meu entender,
de excelente saúde, neste momento. Parece, sim, que existe um
mecanismo em acção que torna o “jornalismo literário” irrelevante, no
que toca à produção literária contemporânea. É este mecanismo que
desejo explorar.

Lições da História
Eram as recensões de poesia melhores nos Bons Velhos
Tempos? Só em anos recentes, graças à crescente comodificação da
nossa cultura, é que a poesia parece não ter um lugar na arena pública?
Os críticos conservadores como Dana Gioia gostariam de nos levar a
pensar que sim3, mas uma pesquisa estatística da efectiva recensão de
livros conduz-nos a outras conclusões. Os meus exemplos são aqui
extraídos daqueles que são geralmente considerados os dois suplementos
de livros de referência nos Estados Unidos: o New York Times Book
Review, no momento em que escrevo com exactamente cem anos de
idade e ainda o suplemento que pode fazer ou desfazer um livro, no que
às vendas diz respeito, e o New York Review of Books, que começou a
ser publicado em 1963 em resposta à longa greve no New York Times e
rapidamente se estabeleceu como o suplemento preferido dos
intelectuais.
A primeira edição do New York Times Book Review (em seguida
referido como NYTBR) apareceu a 10 de Outubro de 1896, chamando-se
então Saturday Book Review Supplement. O seu objectivo declarado, de
acordo com o ensaio introdutório para a Arno Press Reprint (1968) pelo
então editor do suplemento, Francis Brown, era “trazer aos leitores
notícias sobre livros, notícias sobre autores, notícias sobre edição,
notícias literárias de todo o tipo”4. Em 1896, esta última categoria incluía
coisas como “informações sobre o estado de Oscar Wilde em Reading
Gaol”. De facto, há uma continuidade noticiosa, ao longo de 1897, sobre
a situação de Wilde, que é declarada “para lá do humanamente
suportável”, e a sua consequente viragem para a espiritualidade (vide
Rowland Strong na edição do dia 12 de Junho de 1897). As recensões
eram então vistas como uma forma de informação, sendo o seu fim
confesso, nas palavras de Brown, “ajudar o leitor e comprador, não o
escritor ou o editor”. O resenhador, sugere Brown, tinha em mente os
interesses do leitor não-especializado; ele (o pronome é usado
genericamente) funciona como “o guia, filósofo e amigo do seu leitor. A
sua função é a de dizer sobre os novos livros aquilo que neles existe, de
forma tão ponderada que o seu leitor possa perceber se o livro referido
lhe interessará ou não. Conhecimento, equidade e singeleza são os
elementos decisivos no apetrechamento do resenhador”.
Dois pressupostos governam estas afirmações e outras
relacionadas. Em primeiro lugar, pressupôs-se que juízos objectivos
sobre livros podiam ser produzidos por resenhadores profissionais mais
ou menos anónimos. (Nos anos iniciais, o destaque da primeira página
era de facto anónimo). Em segundo lugar, dava-se como adquirido que
uma recensão de “literatura” era apenas isso — uma recensão de
romances, poemas, peças de teatro, talvez belles-lettres, e não, como
prevalece hoje, livros dominantemente sobre temas políticos, históricos,
psicológicos e antropológicos, sobre eventos actuais, ou biografias e
memórias. Recordando os anos da pré-Iª Guerra Mundial, Brown
escreve:

Retrospectivamente, foram grandes anos literários, esses anos


antes da Iª Grande Guerra. No verso, estavam a surgir nomes que
dominariam durante um longo período posterior: Yeats e
Masefield, Ezra Pound, William Carlos Williams, Edward
Arlington Robinson. No romance, foi a era de Conrad e Thomas
Mann, Galsworthy, Anatole France, o ainda não-apreciado Dreiser.
Willa Cather escreveu “O Pioneers”, D. H. Lawrence, “Sons and
Lovers”, e havia ainda Mrs. Wharton. Kipling recebeu, em 1907, o
Prémio Nobel, aos 42 anos. (Introdução, não paginada)

O cânone não se descreveria de modo muito diferente, hoje. E


Brown orgulha-se também de referir que em 1922 o NYTBR declarou o
Ulisses de Joyce “a contribuição mais importante para a literatura
ficcional no século vinte”, e que À la recherche de Proust obteve uma
pontuação alta. Na edição de 6 de Fevereiro de 1897, Lyrics of Lowly
Life, de Paul Lawrence Dunbar, publicado por Dodd, Mead, com
introdução de W. D. Howells, recebeu um extravagante (e anónimo)
elogio pelo seu engenho, a sua sátira ferina, o seu humor subtil, e as suas
“cores ricas”. Richard Le Gallienne, ao recensear os Complete Poems de
Dunbar, a 18 de Janeiro de 1914, foi ainda mais longe: os poemas,
declarou, “têm uma certa qualidade clássica na literatura americana em
virtude de uma excelência que não necessita de condescendência alguma
por conta da raça do poeta”. Dunbar conseguiu “um autêntico triunfo que
lhe dará um lugar destacado e permanente entre os poetas de dialecto do
mundo”, e poemas como “The Debt”, escrito em inglês padrão, são
também apontados como elogiáveis e citados na íntegra. Ver-nos-íamos
hoje em palpos de aranha para encontrar um poeta afro-americano que
tenha recebido tais atenções do New York Times.
Mas a menos que nos tornemos nostálgicos, é também verdade
que a recensão como divulgação (mais publicidade do que crítica) se
tornou problemática assim que o volume de livros aumentou
pronunciadamente após a Iª Guerra Mundial. A verdade é que o aumento
não foi apenas em volume mas em variedade. Afinal, em 1909, F. T.
Marinetti tinha conseguido publicar o seu primeiro manifesto Futurista
na primeira página do parisiense Figaro, na qual competia com pouco
mais do que as notícias das corridas, da bolsa e de «sociedade». Após a
guerra — um separador de águas para as recensões de livros como para
tanta coisa — uma população letrada (e eleitoral) bem mais vasta exigia
mais informação política, histórica e social, em recensões como em
artigos noticiosos e em editoriais. Ao mesmo tempo, a nova poesia
modernista era muitas vezes intencionalmente difícil e exigente. The
Waste Land (1922), por exemplo, não podia ser digerido tão prontamente
como os volumes de poemas líricos curtos a que as audiências estavam
acostumadas, mesmo que esses poemas, como os de Dunbar, fossem de
um negro. O longo poema-colagem de Eliot, com as suas frases em
línguas estrangeiras e as suas notas enervantes, não foi sequer
recenseado no NYTBR. De qualquer modo, por esta altura “livros” já não
significava apenas obras literárias. A 6 de Janeiro de 1924, por exemplo,
a primeira página do suplemento (agora maior devido ao aumento do
espaço para publicidade) era dedicada a um livro francês de memórias,
do antigo primeiro-ministro e ministro da guerra Paul Painlévé,
Comment j’ai nommé Foch et Pétain. O mesmo número contém uma
recensão das memórias do Conde Burian sobre o Imperador Franz
Joseph e de ABC of Atoms, de Bertrand Russell. E pelo início dos anos
30, o esquema e concepção básica que caracteriza o NYTBR até hoje já
está operacional. O artigo principal (na primeira página, geralmente com
uma foto grande no centro) tendia a ser uma recensão de um «importante
romance novo» ou de uma crítica histórica ou social de grande escala. A
14 de Janeiro de 1934, por exemplo, o artigo principal é uma recensão de
The Mother de Pearl Buck; a 28 de Janeiro, de Work of Art, de Sinclair
Lewis; a 4 de Fevereiro, de A Modern Tragedy, de Phyllis Bentley (com
o destaque “Um romance que ilumina o nosso tempo”); e a 11 de
Fevereiro, Hour of Decision de Oswald Spengler.
Romances grandes, ideias grandes! O que sucede, neste
contexto, à poesia ou às produções literárias mais vanguardistas? A
poesia dificilmente podia ser eliminada, já que um fundo cultural neo-
Vitoriano e neo-romântico continuava a exigir a sua «alta» presença,
como aliás ainda hoje sucede no New Yorker, no New Republic ou na
Atlantic. Mas enquanto os livrinhos de poesia proliferavam, a recensão
colectiva [group review] tornou-se normativa, sendo uma das tarefas
principais do resenhador a descoberta de um elo comum do tipo do «only
connect» de Kirby. Os resenhadores tendiam a ser poetas menores ou,
como nos dias fundadores do NYTBR, jornalistas profissionais. Não
existia seguramente nenhum precedente de convidar um especialista de
poesia (e.g. um crítico académico ou um teorizador) para recensear tais
livos. Pois a poesia — e este preconceito continua entre nós — tinha
passado a ser considerada uma categoria de escrita à qual as usuais
questões da especialização não se aplicavam. Como Pierre Bourdieu
demonstrou no seu estudo da recepção literária:

A poesia, em virtude da sua audiência restrita ... do fraco


rendimento consequente, que dela fazem a actividade
desinteressada por excelência, e também do seu prestígio, ligado à
tradição histórica iniciada pelos Românticos, está destinada à
legitimação carismática... Embora a ruptura entre a poesia e a
leitura massificada tenha sido praticamente total desde os finais do
século dezanove ... a poesia continua a representar o modelo ideal
da literatura para os consumidores menos cultos»5.

A recente incursão de Jimmy Carter na poesia é um caso


exemplar. «Sempre me pareceu possível», disse Carter aquando da
publicação do seu best-seller Always a Reckoning (1995), «dizer coisas
nos meus poemas que teria sido impossível dizer em prosa». Coisas
como o triste que ele ficou por ter de matar o seu velho cão:

Matei-o ontem. Sabia


há meses que não poderia deixá-lo viver. Poderia
ter pago a alguém para matá-lo, mas sabia
que após quinze anos de vida em comum
a bala que lhe tiraria a vida tinha de ser minha6.

Ora tentem dizer este naco de verso branco em prosa! Os


resenhadores de jornal, claramente impressionados com o absoluto
desinteresse dos esforços do antigo presidente, não quiseram ser duros. E
não tardou que Jimmy Carter embarcasse num «book tour» pelos
Estados Unidos e pela Gales de Dylan Thomas.
A edição de 14 de Janeiro de 1934 (a que inclui a recensão de
The Mother, de Pearl Buck, por J. Donald Adams, na capa) tem um
típico artigo de página inteira sobre «Seis novos livros de versos por uma
diversidade de poetas». Entre os poetas estão Kimi Gengo, Adelaide
Love, C. Arthur Coan, e Mary Owens Lewis. O resenhador, Percy
Hutchinson, louva os poemas do livro The Slender Singing Tree, de
Adelaide Love (o seu «título altamente atractivo» é notado), que são
«escritos com arte contra um fundo de pensamentos densos». Ele cita
«The Lien»:

Inexorável pressão de pequenas coisas;


Pressa eterna por fazê-las todas;
A anterior demanda sobre os nossos dias
Abandonada pelo trivial.

As nossas obrigações nunca cumpridas


Mas intermináveis e imperativas.
Ó vida, porque tens de sempre deixar
Tão pouco tempo para viver?

«De algum modo», nota Hutchinson, «isto parece-nos a possível dicção


de uma Emily Dickinson disciplinada. Não, é claro, que a Emily
Dickinson real pudesse alguma vez ser disciplinada, quer quanto ao
pensamento quer quanto à dicção poética... Mas ... a poetisa-solteirona
de Amherst simbolizará sempre a auto-expressão do seu sexo na poesia.
Parece-nos, pois, que Adelaide Love prolonga aquilo que pode ser
designado como a tradição de Emily Dickinson, quer dizer, ela exprime-
se fragmentariamente ao mesmo tempo que vê com uma visão
abrangente, e arranca os mais fundos sentimentos, mas sempre com o
toque mais suave, detectando e transferindo a beleza».
Da nossa perspectiva actual, sessenta anos mais tarde, podemo-
nos rir da própria ideia de a musiquinha sonante de Adelaide Love ser
favoravelmente comparada à obra da (infelizmente) «indisciplinada»
Emily Dickinson. Mas os problemas da recensão de poesia que afectam
Percy Hutchinson não eram assim tão diferentes dos experimentados por
David Kirby na sua recensão de Marilyn Hacker ou até dos de Glyn
Maxwell na sua recensão colectiva no TLS. A tarefa — dizer algo de
marcante e original acerca de cinco ou dez livros de poesia lírica
desiguais e geralmente vulgares — não é de desempenho fácil. Podemos
constatar isto mesmo nas revistas literárias mais especializadas como a
Georgia Review ou a Hudson Review. Tomemos um artigo na PN
Review 80 (1991), no qual T. J. G. Harris discute Eating Strawberries in
the Necropolis, de Michael Hulse, e Love in a Life, de Andrew Motion,
juntamente com o primeiro livro, Tale of the Mayor’s Son, do mesmo
Glyn Maxwell que, enquanto benjamin do grupo, tem direito a um longo
parágrafo:

Glyn Maxwell combina fixidez formal com arbitrariedade


abrupta, uma espécie de improvisação precipitada, apressada e
desigual que, se é muitas vezes pouco atraente ao ouvido, contém
seguramente, como nota Joseph Brodsky na contracapa do livro,
uma «propulsão...., devida em parte à sua tendência para extrair
metáforas da própria sintaxe». Mas a propulsão, muitas vezes, não
é real mas aparente, e tem-se frequentemente a impressão de que
um dispositivo (uma astuta auto-referência ou interpelação ao
leitor, a extracção da metáfora a partir da sintaxe, uma flagrante
obscuridade de um ou de outro tipo — existindo aqui demasiados)
foi activado não tanto para manter algo em andamento mas para
impedir que esmoreça. A «propulsão» faz também com que a
leitura deste livro, que ganharia em ter sido encurtado, seja uma
experiência cansativa — e não entusiasmante, como deveria ser —
, já que tudo vai soando, de um modo exausto e cortante, ao
mesmo, agredindo e ecoando no labirinto do ouvido. Maxwell
necessita de um editor. Mas ele é bom a criar uma atmosfera de
ameaça arbitrária, urbana ou suburbana, e consegue ser divertido.
Sente-se a presença de um estilo definido e característico, neste
seu primeiro livro7.

Isto pode ter uma patina mais sofisticada do que uma recensão
análoga no NYTBR, mas o que é que de facto aprendemos sobre Glyn
Maxwell com a recensão de Harris? Acima de tudo, que o livro tem o
imprimatur de Joseph Brodsky, o que provavelmente explica, antes de
mais, a sua publicação pela Bloodaxe. Que mais nos diz Harris? Bom,
que Maxwell usa formas «fixas» (presumivelmente estrofes com versos
rimados) de modo a conter a sua «improvisação desigual». Mas uma vez
que «improvisação» é por definição uma forma de composição
extemporânea, com a intenção de parecer natural e não ensaiada, por que
razão é ela mais bem servida pela «fixidez da forma» do que por,
digamos, o verso livre ou as parole in libertà de Marinetti? Mais ainda:
se Maxwell é, como Harris sugere, complicado e desnecessariamente
obscuro, de que modo e onde é que ele é «engraçado»? Mas a frase mais
gratuita da recensão é a referência à tal «atmosfera de ameaça arbitrária,
urbana ou suburbana», que Maxwell é claramente «tão bom a criar».
Significa isto que ele não é bom a criar uma atmosfera de ameaça rural?
Cordeiros roubados por pérfidos vagabundos? Vacas em correria e a
saltar por cima de vedações? Ou quer ele dizer que Maxwell não se
entusiasma com as ameaças da natureza bravia e sem peias? Do fogo e
do sangue e do tremor de terra? Mas também, qual é o poeta de língua
inglesa de hoje que escreve sobre tais assuntos? Urbano ou suburbano —
isso cobre quase todas as ameaças que a maioria dos leitores de Maxwell
terão sofrido.
A culpa, aqui, não é evidentemente de Maxwell, nem, em rigor,
do seu resenhador, T. J. G. Harris. É a incumbência, a exigência do
parágrafo marcante, que é o problema. O resenhador pura e
simplesmente não tem espaço para definir os seus termos. Mesmo em
recensões mais longas, este vocabulário vago, juntamente com a
necessidade de produzir juízos definitivos, coloca problemas, como
quando Katha Pollit, numa recensão de página inteira a The Figured
Wheel: New and Collected Poems, 1966-1996, de Robert Pinsky, para a
NYTBR (18 de Agosto de 1996, 9), louva o longo poema «Essay on
Psychiatrists» porque ele «é de facto um ensaio, que parte de um retrato
de grupo de psiquiatras enquanto tipo social burguês... para uma
conclusão ampla e inteiramente justificada: “Mas é tudo treta, a falsa /
Ligação entre génio e doença”». Da mesma maneira que com o «urbano
ou suburbano» de Harris, esta afirmação não resiste a um escrutínio. Pois
porque quereremos nós que um poema seja «de facto» um «ensaio»? Já
há por aí ensaios que cheguem, seguramente. E depois, se um ensaio
chega de facto à conclusão, acima citada, de que «é tudo treta», não
acharia a maioria dos leitores esta análise demasiado fácil, se tivermos
em conta a vasta biblioteca de trabalhos que analisaram a relação entre
génio e loucura?
O The New York Review of Books, (NYRB daqui em diante), que
agora analiso, não pratica este tipo de impressionismo vazio. A sua
solução (e a da London Review of Books é similar) consiste em limitar a
lista de poetas a recensear, confinando-se a um círculo muito reduzido e
dedicando então longas recensões individuais aos seus membros. Desde
a sua fundação em 1963, a NYRB limitou-se largamente à poesia de
Robert Lowell (o então marido de Elizabeth Hardwick, uma das editoras
fundadoras da NYRB) e ao círculo de Lowell, que inclui John Berryman,
Elizabeth Bishop, Randall Jarrell, Sylvia Plath e James Merrill. Auden é
uma figura venerável pertencente ao grupo, como o é, no outro extremo
da escala etária, Adrienne Rich. Uns poucos poetas ingleses — Seamus
Heaney, Philip Larkin, Thom Gunn, o James Fenton tardio — foram
convidados a integrar o clube, juntamente com americanos nas zonas
limítrofes do círculo, como Theodore Roethke. W. S. Merwin e Howard
Nemerov. Helen Vendler, uma resenhadora regular no NYRB, tentou
trazer John Ashbery para o redil, mas Ashbery parece não ser levado
muito a sério por outros resenhadores de poesia do NYRB como Denis
Donoghue e Frank Kermode; vários dos seus livros recentes não foram
sequer recenseados no NYRB.
Por muito que este paroquialismo possa ter sido justificado nos
anos 60 e 70, quando, refira-se, a NYRB ignorou os Objectivistas (Louis
Zukofsky, George Oppen, Carl Rakosi, Charles Reznikoff, Lorine
Niedecker), os Beats, os poetas Black Mountain e de São Francisco,
assim como John Cage, Ian Hamilton Finlay, e todos os poetas Dada,
Surrealistas e Fluxus, ele tornou-se, a meio dos anos 90, uma forma de
negar à poesia a sua própria vida. Pois a maioria dos acima referidos está
agora inofensivamente morta, e onde estão os jovens que os deveriam
substituir? Terá o tempo tão simplesmente parado para que «poesia»
possa significar apenas uma recensão da edição póstuma das cartas de
Elizabeth Bishop ou um ensaio necrológico sobre James Merrill? A
maior parte do «jornalismo literário» de hoje gostaria de nos fazer crer
que sim. Num artigo recente no Economist (8 de Julho de 1995, 82), por
exemplo, somos informados de que «a voz poética [da América] reduziu-
se a um sussurro», e «desde a morte de Robert Lowell em 1977, falta um
grande poeta à América. Na verdade, a maior parte das pessoas nem
sequer tem ideia das preocupações dos poetas americanos, nos nossos
dias. Tornou-se uma arte menor, subsidiada principalmente pelas
universidades». A ocasião para estas ruminações é a publicação, pela
prestigiada Faber and Faber, de três jovens poetas americanos (na
verdade, já não tão jovens assim): Charles Simic, Chase Twitchell e
August Kleinzahler. Mas uma vez que se acha (acertadamente, em minha
opinião) que estes não são assim tão notáveis, o anónimo redactor do
Economist sente que o seu argumento foi demonstrado.
O raciocínio é aqui puramente circular. Se Chase Twitchell
«representa» a Nova Poesia Americana, então a Nova Poesia Americana
não pode ser muito boa. E uma vez que muitos de nós argumentariam
que nem Robert Lowell pode representar a grande poesia americana de
um modo tão convincente como o fizeram Walt Whitman ou Emily
Dickinson ou T. S. Eliot, as coisas devem estar mesmo más. Assim,
enquanto a New York Review of Books e o TLS dedicam uma especial
atenção ao New Historicism, ao New Gender Criticism ou aos New
Cultural Studies, não dedicam uma atenção comparável — na verdade,
atenção nenhuma — às Novas Poéticas. Vejamos porquê.

Poesia Grau Zero


Suponham que um resenhador é encarregado de escrever um
texto sobre estudos neo-historicistas que tratem do Renascimento. Ele ou
ela sabem (ou depressa aprendem) que o pai fundador deste movimento é
Stephen Greenblatt, professor em Berkeley, cujo novo livro deverá ser
tratado na recensão, juntamente com outros de Thomas Lacqueur,
Richard Helgerson e Nancy Vickers. O resenhador lê material de apoio,
pondera opiniões discordantes, estando então preparado para escrever o
texto. Um processo semelhante ocorre quando o resenhador se dispõe a
escrever, por exemplo, sobre o livro mais recente de Jean-François
Lyotard ou Hélène Cixous.
Todavia — e é aqui que reside o problema — o que é a
poesia afinal? Tem alguém uma ideia clara do que seja? O problema não
é insolúvel se a recensão versa sobre estudos de Milton ou Eliot, ou até
H. D., pois estes autores canónicos proporcionam, pelo menos em parte,
as normas estéticas em função das quais os livros sobre as suas obras têm
sido e serão avaliados. Mas, e Charles Bernstein? E Charles Wright? E
Charles Simic? Quem sabe o que devemos procurar no caso dos seus
livros?
Uma outra complicação tem sido gerada, de há algumas
décadas para cá, pelo posicionamento relativo da poesia e da teoria no
currículo universitário. Esperamos que licenciados em Inglês ou
literatura comparada estejam familiarizados com a distinção de Saussure
entre significante e significado, a distinção de Roman Jakobson entre
metáfora e metonímia, com as reflexões de Lacan sobre tal distinção, e
com o debate, relacionado com aqueles, de Paul de Man sobre a ironia e
a alegoria. A «morte do autor», tal como foi definida por Barthes e
Foucault, é hoje um tópico frequente de debate. As noções de Judith
Butler de «gender performativity» são regularmente citadas, como
também as interpretações de Fredric Jameson sobre a cultura de
consumo e as teorias de Homi K. Bhabha sobre o hibridismo e
porosidade das nações. Todavia, quando se trata de um livro de poemas,
o leitor, de repente, parece esquecer tudo o que ele ou ela aprendeu sobre
literariedade, sobre a construção cultural do sujeito, a naturalização da
ideologia, ou a relação de género [genre] e sexo [gender]. O princípio
relativamente simples de que a escolha da forma versificada nunca é
arbitrária, de que uma pessoa não escreve, «por capricho», sonetos às
segundas-feiras, verso livre fragmentado às terças, e prosa às quartas-
feiras, é muito ignorado, assim como o é a questão afim de saber por que
razão um poeta X — por exemplo, Philip Larkin — nunca escreveu
poesia em prosa. E, para além do poeta individual, que dizer do estilo
epocal? E dos estilos nacionais ou étnicos? Os «enunciados» de uma
«imaginação caprichosa» são os mesmos em 1990 que os de um
Wordsworth quando escreveu «Resolution and Independence»?
Um sentido da história e um sentido da teoria: estes são os
pólos gémeos da crítica ausentes da maior parte do discurso poético nos
nossos dias, consequentemente ausentes de uma revista de poesia típica.
O poeta X, lemos frequentemente, «encontrou uma voz própria». Mas
vale a pena encontrar essa voz? O poeta Y nunca permite que o
formalismo interfira com o coloquialismo. Mas, por que razão queremos
que a poesia seja coloquial? «Há um mundo próprio na poesia de
Michael Longley», escreve um poeta colega seu, Eavan Boland, «criou-o
a partir de um sentimento de valores perdidos, a partir da ironia lírica, e
com uma considerável fortaleza»8. Todavia, hoje, na maioria dos
discursos, essa ideia de um «mundo próprio» é suspeita, e no que
respeita a tais «valores» a serem recuperados com «considerável
fortaleza», talvez seja melhor que estejam «perdidos».
A recensão de poesia (um poeta recenseando outro poeta)
procede, directa ou indirectamente, da oficina da poesia, e a oficina da
poesia (ou, em rigor, a oficina criativa da escrita em geral) encontra-se
ainda dominada por um regressivo conceito romântico do poeta como o
de um homem falando aos homens (ou uma mulher falando às mulheres
— o princípio é o mesmo), pela noção de que a poesia é emoção
recordada em tranquilidade, falando o poeta por todos nós — se bem que
de modo mais sensível, perceptível e com mestria. E como poderia ser
essa oficina de outro modo sem desaparecer? Como poderia não estar
baseada na presunção de que um determinado estudante pode
simplesmente ter «talento», que o talento necessita de encontrar um meio
de expressão, podendo então ele ou ela tornarem-se poetas legítimos?
Escreve-se sobre um determinado assunto ou utiliza-se uma determinada
forma, o professor e os colegas estudantes fornecem críticas construtivas
e, se se é diligente e se tem sorte, os poemas nascem — e são publicados
na American Poetry Review.
Ironicamente, este discurso de jornalismo de oficina colide
completamente não apenas com os discursos da arquitectura, da
antropologia, das ciências sociais e da filosofia, como também com o
surpreendente corpus de escrita sobre poética (frequentemente elaborada
por poetas) ao longo do nosso século. Desde o brilhante estudo de
Roman Jakobson sobre Khlebnikov intitulado A Nova Poesia Russa
(1921), o «How to Read» (1928) de Ezra Pound e o How to Write (1931)
de Gertrude Stein, até aos manifestos concretistas dos anos 50,
produzidos pelo grupo Noigrandes no Brasil, até Silence (1962) e A Year
from Monday (1969) de John Cage, até ao Wir müssen wahre Satze
finden (1983) de Ingeborg Bachmann, e ao The Birthmark (1993) de
Susan Howe, temos um corpo emocionante de poética, um discurso
sobre poesia impressionante pela sua riqueza e emoção. Isto não
significa que exista um amplo acordo entre os poetas-teóricos
individualmente considerados, mas o que se pode dizer é que, a partir do
Futurismo e de Dada em diante, o ímpeto poético internacional tem sido
mais construtivista do que expressivista: está comprometido, por outras
palavras, com o teorema básico de que a poesia é arte da linguagem, a
arte em que o «quê» não se pode separar do «como», em que o dito
existe apenas no dizer. No seu amplamente debatido «Artifice of
Absorption» (reeditado em A Poetics), Charles Bernstein chama a esta
qualidade a «non-absorbability» do discurso poético. Contudo, outro
tanto disse já Yeats, quando declarou que «As nossas palavras devem
parecer inevitáveis». Ao mesmo tempo — e há um princípio sobre o qual
existe escassa dissenção na arena da poética (se comparada com a arena
do jornalismo poético) — a linguagem poética não é nunca
simplesmente única, natural e universal; é o produto, em grande medida,
de configurações sociais, históricas culturais. E estas configurações
pedem estudo.
Não há, pois, nenhuma razão intelectual válida pela qual a
poesia recenseada, por exemplo, no TLS, não seja tão útil e interessante
como as recensões de textos de urban ou gender studies. Mas — e neste
ponto temos de ter presente a paisagem cultural mais ampla — isto não é
provável que venha a ocorrer na nossa cultura porque, com toda a
franqueza, não há muito em jogo. Enquanto auto-proclamados poetas
aparecerem em cena em todas as cidades e pequenas aldeias da Grã-
Bretanha ou da América — e, facto bastante estranho, a poesia ainda
desfruta de capital cultural para ser este o caso9 —, enquanto os editores
de NYTBR, NYRB, TLS, etc., tiverem de escolher, a fim de ser
recenseados, livros de uma ampla variedade de disciplinas e áreas, não
há forma de separar o trigo do joio, joio que é aproximadamente 90 %
das chamadas publicações de poesia. Quem, dizemo-lo de modo
democrático e valente, pode decidir quais dos inumeráveis poetas que
fazem ostentação do seu ofício merecem a nossa atenção? E por que
razão é um conjunto de princípios poéticos — por exemplo, aqueles que
antes esbocei — mais válido do que outro?
Reparem que nunca dizemos isto sobre historiadores ou
antropólogos — ou até arquitectos, talvez porque a legitimação nestas
áreas é um processo complexo. Um determinado arquitecto ou crítico de
arquitectura pode, por exemplo, não gostar pessoalmente do trabalho de
Frank Gehry ou de Denise Scott-Brown. Mas esse trabalho não será
rejeitado como sendo irrelevante ou sem importância. No jornalismo
sobre poesia, contudo, acontece quase sempre: vejam o texto intitulado
«Getting Rid of the Burden of Sense» de James Fenton, uma recensão
sobre os Selected Poems de John Ashbery, publicado no NYTBR (29 de
Dezembro de 1985, p. 10). O poeta, declara Fenton, «pede ao leitor
proezas de atenção impossíveis... concedendo apenas um mínimo de
recompensa». E confessa que «houve momentos durante a minha leitura
destes “Selected Poems” [uma compilação de trinta anos de trabalho] em
que cheguei mesmo a pensar que desataria a chorar lágrimas de tédio».

Novos Umbrais, Novas Anatomias


Diante de tamanho juízo arbitrário e subjectivo, o que pode
ser feito para reforçar a escrita de crítica de poesia? Muito, na verdade,
mas talvez já não na imprensa literária popular. Nas últimas décadas,
graças ao mundo da internet e do hiperespaço, da edição electrónica e da
produção de pequenas editoras, a poesia, como inclusivamente os jornais
não se cansam de repetir, é de novo uma forma de arte popular e
amplamente praticada, e o discurso sobre ela está a tornar-se muito mais
interessante. Um bom exemplo é um longo e luxuoso volume intitulado
Exact Change Yearbook No. 1: Yearbook 1995, editado por um jovem
poeta chamado Peter Gizzi, que se formou no «Buffalo Poetics Program»
de Charles Bernstein, Susan Howe e Robert Creeley, co-editado pela
Exact Change em Boston e pela Carcanet Press no Reino Unido10. A
apresentação, elegante e talvez muito extravagante, do livro foi
elaborada por uma equipa de assistentes de produção, tendo sido
impresso em Hong Kong. O Yearbook I destaca Michael Palmer, com
uma imagem glamourosa na capa do livro, e representado por uma
excelente entrevista com Peter Gizzi e uma selecção de doze páginas do
seu trabalho. E — sinal dos tempos — o Yearbook inclui um CD de
leituras de poemas feitas por doze poetas, de Palmer a Ted Berrigan11.
A dupla Damon Krukowski e Naomi Yang, na «Nota do
Editor» preliminar, escrevem que quiseram substituir a hoje defunta New
Directions Annual (editada durante quarenta anos por James Laughlin)
por «uma extensa miscelânea de trabalho de vanguarda, tanto
contemporâneo como histórico, escolhida não tanto para representar uma
“escola” particular, mas sim com o espírito de saber o que se está a
fazer». Para este fim os editores pediram a Gizzi «que os ajudasse a
encontrar um leque de trabalhos contemporâneos que se inscrevam na
tradição daquilo que publicamos nos nossos livros de experimentação
surrealista e dos princípios do século XX... Àquele material que nos
proporcionou acrescentámos trabalho de autores da Exact Change [Stein,
Cage, de Chirico, Aragon], assim como algumas outras descobertas que
estávamos ansiosos por partilhar».
Aquilo que torna o projecto pouco habitual é que ele
justapõe poetas de vanguarda e artistas dos Estados Unidos (indo,
cronologicamente, desde as Imaginary Elegies de Jack Spicer e uma
apresentação feita por Fanny Howe de excertos do diário de John Wiener
707 Scott Street, até uma «galeria» de poetas mais jovens francamente
desconhecidos como Paul Beatty, Tory Dent, e ainda Jennifer Moxley)
com os seus equivalentes no estrangeiro — especialmente na Grã-
Bretanha, França, Alemanha, China, Rússia — e, mais perto de casa, no
Caribe e no Canadá. Como se não bastassem estas justaposições,
podemos também ler, por exemplo, Clark Coolidge ou Susan Howe em
contraste com Gertrude Stein, cujo Before the Flowers of Friendship
Faded Friendship Faded é reeditado pela primeira vez (como explica
Julianna Spahr em nota introdutória) em conjunto com o texto que serviu
de fonte a Stein, «Enfances» de Georges Hugnet, exactamente como fora
publicado originalmente na revista Pagany (1930). Ou podemos ler,
ainda, a conferência de Barbara Guest «Poetry the True Fiction» em
confronto com «Grand Hotel Metaphysics» de Hugo Ball; os «Radio
Happenings» de John Cage e Morton Feldman ao lado de «Dried
Embryos» de Erik Satie; ou, ainda, Michael Palmer a par de «Peasant's
Dream» de Louis Aragon ou dos «Fragments» de Chirico.
Este collage confere, pelo menos para mim, um sentido —
perdoem-me a palavra tabu — de transcendência ao conjunto. Pois em
vez das habituais guerras das antologias (quem está, quem fica de fora,
qual o editor suficientemente multicultural), o Exact Change Year Book
oferece a mais convincente evidência que vi até hoje de que as nossas
próprias poéticas radicais não são (como Maxwell e Fenton nos queriam
fazer acreditar) uma espécie de aberração local — geradas por um bando
de poetas fanáticos da teoria e de esquerda, sediados em Nova Iorque e
São Francisco, e perpetrada pelos jovens de Buffalo e outros lugares
excêntricos — poesias que supostamente mereceriam muito
simplesmente ser ignoradas. De facto, aquilo que as justaposições,
levadas a cabo por Gizzi, de dossiers americanos e estrangeiros sugerem
é que a atenção prestada à materialidade da linguagem de que falei mais
acima, à disjunção sintáctica e à constelação visual, e especialmente à
reconfiguração da lírica como respondendo, uma vez mais, não pelo
hipotético «sensível» ou pelo «autêntico» indivíduo («Aqui têm uma
visão que tive quando ontem estava a arrancar ervas-daninhas no
jardim»), mas sim pelo amplo momento cultural e filosófico em que se
insere — todas estas são, hoje, características das poesias produzidas por
todo o globo.
Veja-se o dossier de Jeff Twitchell sobre o «Original
Chinese Language Group». Como explica Twitchell, «Original não no
sentido de único, mas em virtude do interesse dos primeiros significados
e associações que podem ser lidos nos caracteres escritos chineses...
Ainda, a recuperação do ímpeto original da poesia como jogo de
linguagem». Os poetas Original, refere Twitchell, vão mais além do que
os predecessores, os chamados poetas Misty (por terem sido
classificados «obscuros» pelos críticos oficiais) dos finais dos anos 70,
dos quais Bei Dao é o mais conhecido nos Estados Unidos. O manifesto
Original de 1988, reproduzido aqui, contrasta vivamente com o
localismo, etnocentrismo e nacionalismo que acossou a China comunista
até há pouco tempo. O objectivo é contactar com «a arte moderna
Ocidental», e o veículo para esse contacto, declara o manifesto, é a letra
escrita que, comparada com a língua falada, se encontra «menos poluída
e tem menos preconceitos». «Não evitamos», declaram ainda, «a
expressão “jogos de palavras” que já suscitou imensos mal-entendidos.
Até gostamos dela. “Jogo” [yóuxi] é uma palavra que conota o profundo
e misterioso espírito da arte e da filosofia». E o texto continua com a
imagem visual de uma grande cruz negra que representa a intersecção de
«mergulhar» [yóu] — entrar em contacto com a realidade — e «jogar»
[xì].
O dossier de Twitchell foi retirado da selecção que apareceu
na revista britânica Parataxis (#7, 1994), editada pelo poeta Drew Milne.
Traduzidos, os próprios poemas — de Che Qian-Zi, Zhou Ya-Ping, Yi
Cun, Huang Gan, Xian Meng e Hong Liu (a única mulher deste grupo)
— não estão à altura do manifesto12. «Jogos de palavras», no sentido do
jogo paragramático de Steve McCaffrey ou Charles Bernstein, são
menos frequentes que a imagética neo-surrealista ou que a observação
arguta do «tratamento directo da coisa», no sentido imagista de Pound.
Tal como a fabulosa «invenção da China» de Pound não tem nada a ver
com os modelos clássicos chineses que lhe serviram de fonte, também a
versão da poesia Language pelos poetas Original é mais gráfica e precisa
que, digamos, a de Lyn Hejinian ou Bob Perelman. Veja-se, por
exemplo, a 3ª parte do poema «Vulgar Beauty» de Zhou Ya-Ping:

A placenta desdobra-se, tomando a forma de um guarda-chuva.


As costuras de um guarda-chuva em linhas amarelas.
Um feto como cinza de carvão há muito crescido nele,
Acendido por mim, emitirá luz.
Uma grua branca, inesperadamente coberta por uma rede preta
Uma cobra, presa com um fio de cobre, corpo
Como uma primavera tensa, as partes macias brilhando.

Devemos recordar que na língua chinesa, como refere J. H.


Prynne numa nota final, o «desenvolvimento icónico [da linguagem]
através do jogo de pincelada e contextura interage com o olho
condicionado por um diferente espaço-plano». Num determinado
momento os tradutores pensaram incluir alguns dos textos chineses, de
modo a mostrar como o elemento táctil funciona, mas os próprios
membros de Original se opuseram à ideia porque, como diz Prynne,
«sugeriria exotismo ou ornamentação estrénua de chinoiserie; para eles,
somos nós os exóticos, com a nossa visão do acto de fala em jeito de
cartão de crédito».
Esta «visão de cartão de crédito» — a poesia como o dispêndio
de palavras que não são sustentadas por uma moeda real — é satirizada
no próprio livro de poemas de Prynne intitulado Bands around the
Throat, originalmente publicado em Cambridge numa pequena edição, e
inteiramente reproduzido no Exact Change Yearbook. E o dossier de
Tom Raworth «Anglo-Irish Alternative», também impresso na antologia,
proporciona um rico contexto para compreender o trabalho de Prynne.
Esta contextualização (deveríamos, sem dúvida, ler o dossier de
Rosmarie Waldrop em confronto com o de Raworth) fornece um tipo de
informação que está ausente da pequena recensão, ainda que elegante, do
poeta individual. As justaposições de Gizzi têm equivalentes num
número considerável de antologias recentes. Só desde 1993 apareceram
as seguintes: American Poetry Since 1950: Innovators and Outsiders, de
Eliot Weinberger (Marsilio, best-seller no México em versão espanhola);
A Norton Book of Postmodern Poetry, de Paul Hoover (Norton); From
the Other Side of the Century: A New American Poetry 1960-90, de
Douglas Messerli (Sun & Moon); o primeiro volume de Poems for the
Millenium, de Jerome Rothenberg e Pierre Joris (California); e, mais
recentemente, Out of Everywhere: Linguistically Innovative Poetry by
Women in North America & UK, de Maggie O' Sullivan (Reality Street
Editions). Algumas destas antologias mal foram recenseadas e, contudo,
facto que constitui um desenvolvimento surpreendente, estão já a ser
utilizadas nas salas de aula e são debatidas em conferências. Romana
Huk, professora da Universidade de New Hampshire, por exemplo,
organizou um encontro internacional de poesia chamado «Assembling
Alternatives» (Setembro de 1996), amplamente baseado, no que respeita
à poesia anglo-americana, nestas antologias ainda não recenseadas e
livros de pequenas editoras, tendo tomado contacto com muitos deles
durante um ano, usufruindo uma fellowship, no Reino Unido.
Todavia, podemos perguntar-nos, como se dissemina este
trabalho se não for através dos jornais mais importantes? É neste ponto
que intervêm os grupos electrónicos de debate e a internet. No «Poetics
Discussion Group» patrocinado pelo «Poetics Program» na State
University of New York em Bufffalo, aberto a todo aquele que tenha
ouvido falar dele e queira juntar-se, a conversa diária consta, hoje, de
uma média de mil e duzentas linhas, incluindo comentários remetidos de
todo o mundo. Muita da «conversa» é trivial: quem disse o quê a quem e
onde, o que queria dizer X quando disse Y, etc. Todavia, tem havido
conversas prolongadas sobre a natureza do verso livre, sobre «close
reading» (Peter Quartermain começou este debate quando perguntou, na
net, «Porquê a animosidade contra o «close reading»? Queremos uma
leitura distante e/ou descuidada?»), e a relação da poesia Language com
outros movimentos contemporâneos. O novo livro de crítica de Bob
Perelman, The Trouble with Genius: Reading Pound, Joyce, Stein, and
Zukofsky (California, 1995) tem sido debatido por uma série de
comentários enviados: de facto, a discussão sobre o que o livro de
Perelman faz e quais as implicações que pode ter, tem funcionado como
uma espécie de suplemento (no sentido derridiano de substituto e adição)
à mais convencional recensão.
Buffalo também patrocina o Electronic Poetry Center onde se
pode solicitar, por exemplo, um ficheiro de «Autores» e aceder a uma
impressionante lista de poetas, cada um representado por uma fotografia,
seguida de uma selecção de poemas, textos em prosa, bibliografia, etc. O
Electronic Poetry Center publica ainda a sua própria revista, Rif/t, que
contém poemas, ficção, ensaios críticos e recensões, como também a
publicação on line Postmodern Culture, publicada pela Universidade da
Virgínia. Um novo grupo acaba de ser formado em São Francisco que
debate sobre poesia concreta, poética visual, e sobre as relações entre
arte e linguagem; chama-se Majordomo e podemos aceder assinando
algo chamado Wr-eye-tings; um grupo relacionado é Silence, entregue ao
trabalho do último John Cage; este grupo é extremamente activo,
partilhando informação sobre gravações de Cage, partituras,
interpretações musicais, textos poéticos, etc. O recente livro de James
Pritchett sobre a música de Cage (Cambridge, 1994) foi analisado e
debatido numa série de comentários enviados.
As recensões que encontramos nestas listas e nas novas e-zines
não são, de modo nenhum, ideais. Os resenhadores na internet não são
tão fiáveis como os seus homólogos da imprensa escrita, e os editores
não são propensos a pedir muitas revisões e confirmação de factos. A
imaterialidade do meio digital controla o discurso: um toque com o dedo
— e este é um erro fácil de cometer — e o texto desaparece do écran,
talvez para não ser encontrado de novo. Por outro lado, o debate on line
sobre poesia e poética é concebido para um auditório limitado (e
maioritariamente jovem), que dispõe em casa das novas tecnologias.
Isto levanta o espectro do «público» nominal que, nos últimos
cem anos, tem ostensivamente dependido de resenhadores que o ajudem
a decidir que livros de poesia ler. Não deve um jornal como o TLS algo a
este público não profissional, e não é consequentemente melhor «cobrir»
um amplo espectro de livros, mesmo como Glyn Maxwell faz na sua
recensão colectiva? Dois livros sobre Larkin, um sobre Walcott, alguns
tratados teóricos dos Estados Unidos: porque não deixar o leitor decidir
quais valem a pena a ler?
A minha percepção da questão é a de que um público classe-
média de poesia já não existe, e que a poética é hoje um discurso tão
especializado como o discurso sobre a arquitectura; na verdade, este
último dirige-se a um mais amplo auditório do que a poesia, dado que
toda a gente vive e trabalha em edifícios específicos, e portanto revela
interesse pelo aspecto e sensação que provoca o espaço construído. No
caso da poesia, contudo, a sua vinculação à universidade é muito
possivelmente um facto consumado13. E é por isso que a recensão de
poesia no TLS e no NYRB pode muito bem estar a caminho de se tornar
obsoleta.
Tomem como exemplo A Poetics de Charles Bernstein, o livro
que Maxwell rejeitou de modo tão brusco. Esta colecção de «ensaios» (o
primeiro e mais longo texto, «Artifice of Absorption», é um tratado de
versificação, escrito predominantemente em pentâmetros jâmbicos) não
foi recenseado nem no NYTBR, nem no NYRB, nem no New Republic ou
no Village Voice Literary Supplement, nem tão-pouco no Washington
Post Book World, para mencionar apenas os mais óbvios diários e
semanários. Todavia, no prazo de dois anos desde a sua publicação,
apareceu nos programas de disciplinas ao longo dos Estados os Unidos
(e no Reino Unido e Austrália também), tornou-se uma referência
popular nos exames de qualificação de doutoramento, e é citado, em
conjunto com uma colecção de ensaios críticos anteriores, Content's
Dream (Sun & Moon, 1986), com crescente frequência. A relação da
«absorção» e da «anti-absorção» em poesia é debatida em revistas
especializadas. E A Poetics vendeu já cerca de cinco mil cópias e
conheceu duas reedições e numerosas traduções.
Como funciona o processo de disseminação num caso como o de
Bernstein? Como se constrói a leitura de um livro como este? Pode um
Electronic Poetry Center e outras e-zines, em conjunto com as revistas
especializadas mais tradicionais em que A Poetics foi recenseado14, fazer
diferença? Ou a distribuição depende do boca-a.-boca nos campus e no
sempre florescente número de conferências? Ou é controlado por um
grupo particular de colegas-poetas, professores e editores? Estas são
questões a que ainda não posso responder satisfatoriamente. O que posso
dizer é que o jornalismo literário, tal como o conhecíamos e muitos de
nós ainda o praticam, não teve nada a ver com o assunto.

1 A escolha dos livros a recensear, aqui como em todo o lado, cabe, como é evidente, ao

editor. Mas devemos ter presente que, no caso das recensões colectivas [omnibus reviews], o
resenhista reserva-se normalmente o direito de omitir itens específicos (e poderá, em
qualquer caso, declinar a tarefa). Naquilo que se segue, pois, atribuo a responsabilidade a
Maxwell, mais do que ao editor do TLS.
2 New York Times Book Review, 15 de Janeiro de 1995, p. 15.
3 Veja-se Dana Gioia, Can Poetry Matter? (New York: Graywolf Press, 1992). Gioia defende
que, até cerca de 1960, a poesia tinha uma vasta circulação — aparecia em jornais e revistas
populares, ao lado do jornalismo político, do humor, da ficção e das recensões — e era
intensamente recenseada e discutida nos jornais de referência. Mas a qualidade dessa
«poesia» é questionável, como defendo aqui.
4 A introdução de Brown (não paginada) é reimpressa como cabeçalho/a abrir cada um dos
setenta e dois volumes da reimpressão da Arno, seguida de «A Sense of History», de Alfred
Kazin.
5 Ver Pierre Bourdieu, «The Field of Cultural Production; or, The Economic World
Reversed» (1983), trad. Richard Nice, The Field of Cultural Production: Essays on Art and
Literature, ed. Randal Johnson (New York: Columbia University Press, 1993), p. 51, e cf. fig.
2 na p. 49.
6 Jimmy Carter, «Sport», Always a Reckoning (New York: Random House, 1995), p. 23.
7 T. J. G. Harris, «In the Labyrinth», PN Review 80 (Julho/Agosto 1991): p. 71.
8 Eavan Boland, «Identities and Disguises» (recensão de Poems 1963-1983, de Michael
Longley, e de Living in Disguise, de E. A. Markham), PN Review 55 (1987): p. 95.
9 Para um excelente balanço sociológico de como e porquê a poesia ocupa ainda esta
prosição de privilégio, nominalmente se não de facto, ver Pierre Bourdieu, The Field of
Cultural Production: Essays on Art and Literature, ed. Randal Johnson (New York: Columbia
University Press, 1993), cap. 6, «Principles for a Sociology of Cultural Works», pp. 176-91.
10 Uma versão anterior desta discussão de Exact Change pode ser encontrada em Sulfur 37
(Outono 1995): pp. 236-50, e comparo o Yearbook com várias antologias de poesia pós-
moderna em «Whose New American Poetry? Anthologizing in the Nineties», Diacritics 26, nº
3-4 (1997): 119-22.
11 O CD é decepcionante, não havendo explicação alguma da mistura ecléctica de poetas
representados, muitos dos quais (e.g., Alice Notley, Kenward Elmslie) não estão sequer no
livro; algumas leituras, como a que Jack Spicer faz de «Imaginary Elegies» (1957) e John
Ashbery de «They Dream Only of America» (1962), provêm de décadas anteriores. Poder-
se-ia argumentar que o objectivo aqui, como no livro, é o de produzir justaposições
marcantes, mas na prática a sequência de Michael Palmer a Ted Berrigan confunde mais do
que esclarece.
12 Ming-Qian Ma, uma estudante chinesa de doutoramento em Stanford que publicou
ensaios sobre Carl Rakosi, George Oppen, Susan Howe e Lyn Hejinian, e que está a
trabalhar em novas traduções dos poetas Originais com Jeff Twitchell, diz-me que em
Mandarim os poemas em questão são muito mais não-sintácticos e disjuntivos do que nestas
traduções.
13 Devemos ter presente que nos Estados Unidos quase 50% da população em causa
frequenta a universidade e que o campus universitário atrai também um público mais vasto
que partilha as preocupações de departamentos específicos, frequenta conferências e leituras,
etc. Mas este público, embora surpreendentemente vasto, não é de modo nenhum
equivalente ao leitor geral do TLS ou do NYTBR.
14Até esta data, nos Estados Unidos, A Poetics foi recenseado no seguinte conjunto de

revistas académicas e revistas literárias: Agni Review, American Literature, College Literature,
Common Knowledge, Comparative Literature Studies, Contemporary Literature, Harvard Review,
Modernism/Modernity, Sulfur, Virginia Quarterly Review, West coast Line, World Literature Today.

Você também pode gostar