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Slovo – Revista de Estudos em Eslavística, V.1, N.1, Jul. – Dez.

2018 105

Lukács leitor de Dostoiévski

Rodrigo Alves do Nascimento 1

Recebido em 28 de abril de 2018.


Resumo: Este artigo analisa a presença do escritor Fiódor
Dostoiévski (1821-1881) em dois ensaios do filósofo e crítico
Aceito em 12 de junho de 2018. literário Georgy Lukács (1885-1871): A Teoria do
Romance (1916) e Dostoiévski (1943). Demonstra-se que o
escritor russo foi uma preocupação constante na obra do
pensador húngaro e é, ao mesmo tempo, um poderoso
termômetro para a compreensão do desenvolvimento e dos
principais impasses internos à estética do filósofo.

Palavras-chave: Fiódor Dostoiévski; Georgy Lukács; A


Teoria do Romance.

1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura Russa da FFLCH-USP

Rodrigo Alves do Nascimento


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Parece estranho render um estudo produtivos para entender os movimentos de


sobre a presença de Fiódor Dostoiévski na pensamento do que um que sugere uma
crítica do pensador Georgy Lukács, divisão estanque entre um pensador de
sobretudo se levamos em conta que, em sua “juventude” e outro de “maturidade” 3 .
fase marxista, sua preferência literária estava Evidentemente, há uma série de revisões
muito mais associada ao alto realismo de conceituais realizadas pelo pensador, mas
escritores como Tolstói. Além disso, se houve que, como veremos, são tão recheadas de
um interesse acentuado por Dostoiévski em contradições quanto o próprio momento
seus escritos de juventude, à primeira vista histórico no qual ele ativamente sempre
parece que ele foi vítima de mais um tomou partido. Desse modo, acreditamos
daqueles deslocamentos de preferência que, também evitar a situação algo incômoda à
no caso de Lukács, não foram poucos: Balzac qual Lukács se referiria de ver Ernst Bloch
tomou a frente de Flaubert, Fielding a de utilizar-se de A Teoria do Romance "para fazer
Sterne2 . As formulações estéticas de Lukács frente, durante a polêmica sobre o
presentes na A Teoria do Romance (1916), por Expressionismo, às posições do 'Georgy
exemplo, sofreram consideráveis revisões Lukács marxista'" (MAZZARI, in LUKÁCS,
epistemológicas ao longo de sua trajetória 2009).
intelectual até culminarem nos textos Dostoiévski nos permite mapear um
sistematizados em sua Estética. Isto porque o vínculo entre esses diferentes momentos da
crítico, conhecido pelo arrojo de seu trajetória intelectual de Lukács, por trás dos
pensamento e pela enérgica coerência, não quais sempre esteve presente uma tentativa
poderia deixar de colocar em revisão suas de entender os nexos entre indivíduo,
próprias escolhas do passado, ligadas que sociedade e a forma literária. Isso fica
estavam a diferentes movimentos de sua evidente ao longo de todos os textos que
práxis teórico-política. Ainda assim, uma tratam do escritor russo mais diretamente:
leitura mais profunda da obra do pensador nos manuscritos de um longo estudo sobre
húngaro mostra que Dostoiévski sempre foi Dostoiévski, escritos entre 1914 e 1915, mas
uma constante ao longo de sua trajetória nunca publicados4 ; em sua A Teoria do
intelectual, de modo que suas considerações Romance (1916) – inicialmente também
críticas a respeito do escritor russo são um concebida como uma vasta exegese sobre
termômetro bastante preciso de suas próprias Dostoiévski; nos ensaios Dostoiévski: novelas e
redefinições epistemológicas e de balanços A Confissão de Stavróguin (1922); no ensaio
políticos de época. Sobre o Legado de Dostoiévski (1931) e no seu
Para Galin Tihanov, “Dostoiévski foi
uma preocupação de toda a vida” de Lukács
(2018, p. 69). Este tipo de ponto de apoio, que 3 No que se refere ao pensamento estético de
nos permite mapear preocupações constantes Lukács, consideramos obras de "juventude" as
ao longo de sua trajetória, mostram-se mais escritas antes de seu período declaradamente
marxista, a saber, Die Seele und die Formen (A alma
e as formas, 1910), Enstwicklungsgeschichte des
2 "Poderíamos multiplicar os exemplos: Dickens e modernen Dramas (História do desenvolvimento
Walter Scott foram muito prejudicados em A do drama moderno, 1911), os manuscritos
Teoria do Romance: os textos estéticos de publicados postumamente intitulados Heidelberger
maturidade do marxista Lukács vão reabilitá-los Philosophie der Kunst 1912-1914 (Filosofia da arte
plenamente e conceder-lhes o lugar que lhes é de Heidelberg) e Heidelberger Ästhetik 1916-1918
devido na história do romance. Rabelais e Swift, (Estética de Heidelberg).
Fielding e Richardson, Stendhal e Manzoni, 4 Os manuscritos foram publicados pela primeira

totalmente ausentes na obra de juventude, serão, vez por Ferenc Fehér de Jerold Wikoff no artigo
por sua vez, colocados no primeiro plano pelo “The Last Phase of Romantic Lukacs' Response to
historiador marxista do romance." (TERTULIAN, the War” (New German Critique, 10 (1977), p.
2003, p.117) 139-54).

Rodrigo Alves do Nascimento


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mais longo e último ensaio sobre o autor: éticas e filosóficas profundas, que reflete as
Dostoiévski, de 1943. próprias tensões sociais oriundas do período
Neste artigo focarei sobre dois desses imediatamente anterior à Primeira Grande
textos, que representam "dois momentos" da Guerra, como o intenso impulso negativista
crítica estética lukacsiana e que são também que se abatia sobre a intelectualidade da
os únicos publicados no Brasil dentre os época.
acima mencionados: A Teoria do Romance, na Uma rápida incursão por seus escritos
qual Dostoiévski figura como estruturante anteriores torna este fundo mais evidente. O
ausente, bem como o alentado ensaio nome de Dostoiévski já aparecia
Dostoiévski, de 1943, publicado no Brasil na esporadicamente em textos de inícios do anos
coletânea Ensaios Sobre Estética (1968), 1910, como no ensaio Sobre a Pobreza de
organizada por Leandro Konder, a qual Espírito, de 1911, publicado na revista A Alma
reúne ensaios nos quais a perspectiva (Szellem). Nele, o pensador versa sobre a
marxista do pensador está mais acentuada. inautenticidade da cultura moderna. Os seres
Acredito que a comparação entre as duas humanos estariam envolvidos em formas de
leituras do escritor permitirá perceber os comportamento distanciadas dos conteúdos
pontos de contato e os impasses inerentes ao que lhes deram origem. Visivelmente
seu pensamento, para além do que permitiria abandonando sua influência kantiana
supor uma leitura binária de sua trajetória 5 . anterior, Lukács agora advoga que os
A Teoria do Romance fora concebida imperativos kantianos seriam apenas
por Lukács como uma introdução a uma componentes de uma ética formal petrificada,
"vasta exegese histórico-filosófica da obra “sem espírito”. A vida real, ou a vida dotada
literária dostoievskiana" 6 . O resultado final, de espírito, estaria para além dessas formas
no entanto, ficou bem distante do formulado que já impregnaram todo o cotidiano. Ou
inicialmente, e a referência ao escritor de seja, a redenção teria de vir de fora ou opor-
Crime e Castigo consiste em apenas algumas se a essa regulação mecânica e formal
afirmações a respeito do caráter utópico e generalizada. Para isso, a bondade, na forma
messiânico de sua obra. Desse modo, o do Bem mais elevado, com toda sua
primeiro problema que se coloca é: como gratuidade e inutilidade, cumpriria papel
avaliar a presença de Dostoiévski em A Teoria fundamental. E personagens dostoievskianas
do Romance se a referência ao escritor russo é como o príncipe Míchkin de O Idiota e Sônia
mínima e, em muitos casos, apenas suposta? de Crime e Castigo seriam modelares como
Ocorre que as poucas considerações sobre o viajantes entregues a essa jornada precária,
escritor, que em seu conjunto mal preenchem mas elevada, da vida autêntica (LUKÁCS,
uma página, já nos servem de rico material. É 1995, p. 42-56).
principalmente a partir delas que obtemos a Esta “autenticidade” seria uma
chave para entender todo o texto não apenas preocupação frequente dos ensaios de
como um estudo formalista dos gêneros, mas juventude de Lukács. Sob clara influência de
como um ensaio de preocupações sociais, Simmel, o pensador húngaro a conceberia
como aquilo que vem do espírito, uma
5 Galin Tihanov, em seu artigo “Ethics and
realidade metafísica alheia às normas do
Revolution: Lukác’s responses to Dostoievsky”
(1999), cuidou de fazer um amplo panorama sobre as Estado, às leis formais e às objetificações da
diferentes leituras de Lukács a respeito de cultura. Michael Löwy (1978), referindo-se a
Dostoiévski ao longo de todos estes ensaios depoimentos de Paul Honigsheim, afirma
mencionados. Aqui, me dedicarei a uma leitura mais
vertical de dois textos em específico.
que essa simbologia religiosa seria moda nos
6 Assim o filósofo classificou o estudo na primeira salões e cafés daquele período. Segundo ele,
vez que o publicou em um periódico em 1916. No esta seria a expressão de um anticapitalismo
entanto, esta explicação foi retirada da versão final neorromântico, com forte referência em
publicada em 1920 (TIHANOV, 1999, p. 619).

Rodrigo Alves do Nascimento


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românticos alemães como Novalis, o qual angústias éticas do pensador em relação a


atingiu muitos intelectuais universitários de uma Europa sombria, às voltas com a
relevo do período e marcou toda a produção Primeira Grande Guerra. Trata-se do mesmo
de Lukács em Heidelberg. O tema recorrente tipo de angústia já experimentada por
de tais intelectuais era a oposição entre Dostoiévski anos antes, a propósito de sua
cultura (kultur) e civilização (Zivilisation) - o viagem pela Europa que culminaria em suas
primeiro como referência aos valores éticos, Notas de Inverno sobre Impressões de Verão. Não
espirituais e religiosos da comunidade (a à toa, eram comum nas reuniões dos amigos
comunidade germânica) e o segundo visto de Max Weber a piada com Lukács e Ernst
como o progresso técnico e material da Bloch, vistos como dois dos quatro
modernidade (a "ética anglo-saxã" - elemento evangelistas, dado o modo "apocalíptico"
de choque para uma sociedade alemã que com que ambos se envolviam na crítica ao
naquele período vivia um processo de capitalismo, embebidos de uma "visão
industrialização muito acelerado) (LÖWY, p. desencantada do mundo" (para ficar na
53). formulação weberiana)7 .
Essa influência romântica é o que Por isso, não é de se estranhar que a
marca o impulso do pensador de afirmação presença de Dostoiévski nas conversas desse
da sensibilidade empírica direta, não círculo fosse tão constante8 . Ela funcionava
contaminada pelas formalizações “sem não só como um exemplo para uma teoria
espírito”. Por isso é que nos manuscritos de pré-estabelecida, mas também como fonte
1914-1915 Lukács leria Dostoiévski como um emanadora de sentido e que dava forma para
escritor tão pouco apegado à descrição de uma série de inquietações. O "misticismo
casamentos ou mesmo à necessidade de russo", associado às ideias de despojamento,
atrelar as personagens a ditames e rotinas de coletividade e abnegação, serviam como
uma profissão: tratava-se de uma forma de fermento para um grupo de intelectuais que
transcendência dos condicionantes diretos da buscavam alternativas ao individualismo
vida rotineira (LUKÁCS apud FEHÉR, 1977, crescente da sociedade burguesa. Como
p. 44). Ao mesmo tempo, não seriam essas vimos, o ensaio Sobre a Pobreza de Espírito
instituições, como o casamento, a família ou o expressa bem a ideia de superação da ordem
mundo do trabalho, os principais
responsáveis pela alienação humana. Aqui, 7 "Le Cercle Max Weber Heidelberg qui réunissait
como bem aponta Galin Tihanov (1999, p. régulièrement un groupe amis dans la maison du
615-616), Lukács destaca o Estado como sociologue été un des centres de diffusion les plus
significatifs des idées néo-romantiques et de la
instituição primeira a entrar em choque com
nouvelle religiosité des milieux universitaires Parmi
o indivíduo na obra dostoievskiana. O Estado les participants on trouve des sociologues comme
seria a forma alienada preponderante em um Tönnies Sombart Simmel Alfred Weber Robert
“mundo sem Deus”. Michels Paul Honigsheim des philosophes néo-
kantiens comme Windelband Emil Lask etc Du point
Desse modo, a violência – via de vue de la problématique religieuse il est
Dostoiévski – surge como um problema ético intéressant de noter la présence dans le cercle Ernst
no pensamento de Lukács. O niilismo e o Troeltsch sociologue des religions de tendance
social-chrétienne de Nikolai von Bubnov professeur
terrorismo presentes na obra do russo seriam
histoire du mysti cisme Heidelberg auteur de
lidos como formas de resistência à opressão travaux sur la philosophie religieuse et sur
de Estado, como se seu uso em nome da Dostoïevski en particulier de écrivain Feodor Step
bondade elevasse o poder do homem a um qui avait introduit auprès du public allemand
oeuvre du penseur mystique russe Vladimir
plano metafísico, um plano mais autêntico. Soloviev." (LÖWY, p. 53)
(Idem, p. 616). 8 "(...) et selon le témoignage de Paul Honigsheim il

Esta leitura de Dostoiévski funciona n'y a pas eu une seule réunion du cercle chez Weber
como chave para interpretar as próprias dans laquelle le nom de Dostoïevski ait pas été
mentionné" (Idem, p. 53)

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de coisas por uma "transcendência do Romance. Todo o projeto se baseia em uma


milagrosa", ou por uma violência em nome divisão entre uma ética do mundo, reificada e
do Bem. alienada, e uma ética transcendente, para a
Vale destacar que tal misticismo não qual indicadores sociais seriam supérfluos e
pode ser confundido com a institucionalidade cujo ambiente ideal seria a comunidade
religiosa, sobretudo porque Lukács utópica. Dostoiévski seria o exemplo desta
evidenciava uma visão muito específica a última transcendência, pois em suas obras as
respeito do ateísmo. Para ele, o ateísmo russo relações sociais se tornariam inevitavelmente
seria "humanamente autêntico e metafísicas. Ao mesmo tempo, esta divisão
profundamente religioso, em oposição ao estaria na base da distinção entre a epopeia e
ateísmo ocidental, 'pervertido', 'egoísta' e o romance. Este último seria a forma típica da
'mecânico'." (LÖWY, p.57). Esse paradoxal primeira ética, de um mundo desencantado;
"ateísmo religioso" tem raízes na prática do já a epopeia, produto de um mundo baseado
novo homem russo, que marca a prática da na comunidade orgânica e numa totalidade já
geração de narodniks9 e rebeldes que tomou perdida. (LUKÁCS apud FEHÉR, 1977).
conta das grandes cidades russas em fins do Aspecto também decisivo para
XIX. Os terroristas russos seriam modelo compreender a centralidade de Dostoiévski
dessa ação "ateia" portadora de um ideal nas reflexões lukacsianas desse período é a
coletivo e abnegado tão puro e autêntico que sua união com Elena Grabenko, ex-
funcionaria como uma espécie de revolucionária anarquista russa, emigrada, a
religiosidade .
10 quem Lukács dedicou A Teoria do Romance.
No entanto, dentre os textos escritos Béla Balázs, amigo íntimo de Lukács, diria
por Lukács neste período, os manuscritos de mais tarde que todas as lembranças e ações
1914-1915 são os que melhor iluminam o do passado relatadas por Elena pareciam
projeto por trás de A Teoria do Romance. oriundas de um romance dostoievskiano
Neles, Lukács se propunha a expor não só o (TIHANOV, 1999, p. 617). Esta é, portanto, a
estudo sobre Dostoiévski, mas a sistematizar atmosfera política, ideológica e pessoal que
sua ética metafísica e sua filosofia da história. percorre a relação de Lukács com Dostoiévski
O projeto, fracassado justamente por ser e chega a seu decisivo ensaio.
muito ambicioso, levanta uma série de O tom geral do ensaio de A Teoria do
problemas formais mediados pelos Romance, que vê no romance o gênero
problemas éticos do período (ver símbolo da modernidade burguesa, é
APÊNDICE) e desenvolve uma divisão que negativo. O romance seria uma forma
emergirá de modo mais acabado em A Teoria normativa que constrói uma totalidade
formal e tenta, apesar de ter as chances de
9 Os narodniks (palavra derivada de narod - povo) sucesso sempre adiadas, reatar os laços da
eram agitadores oriundos em grande parte da classe vida cotidiana com uma totalidade de sentido
média com grande influência ideológica no final do
século XIX. Foram bastante influenciados pelo
perdida. E os pequenos lampejos de
pensamento de Nikolai Tchernichévski e Aksandr esperança caberiam às poucas referências a
Herzen. Lutavam contra o tzarismo e contra as Dostoiévski:
tendências burguesas na organização da produção
que cresciam após a libertação dos servos. Seu
famoso lema “ir ao povo” (khojdiênie v narod) Somente nas obras de Dostoiévski
estava em sintonia com sua defesa da propriedade esse novo mundo, longe de toda a
comunal da terra, a obschina. luta contra o existente, é esboçado
10 Lukács também chegaria a dizer que depois de
como realidade simplesmente
Tolstói e Dostoiévski, Savinkov seria o continuador contemplada. Eis porque ele e sua
da grande tradição russa, possivelmente numa clara
forma estão excluídos destas
alusão ao romance Конь бледный (1909), sublinhando
a significação regilioso-mística dada pelo escritor ao considerações <o ensaio como um
movimento narodnik russa e aos seus personagens. todo>: Dostoiévski não escreveu

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romances, e a intenção expressão do indivíduo cindido, já sem o


configuradora que se evidencia em sentimento orgânico de pertencimento à
suas obras nada tem a ver, seja comunidade, imerso na vida ordinária e em
como afirmação, seja como busca constante pelo Sentido. Se o balanço da
negação, com o romantismo do forma romanesca é negativo, já que sua forma
século XIX e com as múltiplas
é um eterno adiamento da verdadeira
reações igualmente românticas
contra ele. Ele pertence ao novo conciliação, Dostoiévski só poderia ser um
mundo." (LUKÁCS, 2009, p. 160) escritor que está para além da própria arte,
do próprio romance – alguém cuja obra
A referência ao escritor russo, como estaria entre a epopeia e o drama (TIHANOV,
vemos, é positiva pois ele acenaria para uma 1999, p. 619). Daí a preocupação de Lukács
posteridade de viés claramente utópico. em apresenta-lo não só como "novo Homero",
Vemos aqui o fecho do romance apontando ou seja, alguém que resgata messianicamente
não para novas formas literárias, dado o fato - ou num salto transcendental - a imanência
de que Dostoiévski "não escreveu romances", de sentido perdida, mas também alguém que
mas sobre novas formas sociais - o que fica o faz por meio de uma épica renovada. Ao
evidente no reiterar da ideia de um "novo mesmo tempo, o filósofo deixa claro que a
mundo". Nos manuscritos, que iluminam proposta do escritor extrapola a ideia de que
estas reflexões, vemos que para além de uma a forma artística por si só seria capaz de
preocupação com o desenvolvimento resgatar essa unidade, já que o romance é
histórico-filosófico das formas, o pensador uma forma subjetiva, elaborada no mundo da
apontava para preocupações éticas de fundo. vida e, portanto, atravessada pela perspectiva
Ora, os dois últimos capítulos de seu estudo problemática do indivíduo que vive a vida
sobre o escritor russo se dedicariam a ordinária.
discussões como "O cristianismo", "O Para ele, Dostoiévski está atrelado à
Estado", "O socialismo", “o problema do Ideia, à transcendência e, assentada que está
terrorismo” e pontos que subjazem a uma na coletividade e na plana abnegação, ela
"ética dostoievskiana", como "metafísica do seria capaz de resgatar (em outro patamar,
socialismo", "comunidade mística russa", diferente do que originou a epopeia antiga)
"mística e polis" (ver APÊNDICE). Aqui um mundo diverso desse no qual reina a
resvalam todas as questões que pareciam ser "absoluta pecaminosidade". A forma
centrais para a eleição do escritor russo como romanesca de Dostoiévski é, portanto, uma
o "novo Homero" (LUKÁCS, 2009, p. 160). das portas de entrada para um novo mundo.
Esta comparação tem raiz em um No entanto, Lukács dá consequência a tais
diagnóstico que abre A Teoria do Romance, ou reflexões, já que o fechamento de A Teoria do
seja, o da era burguesa como o ápice de uma Romance é explícito em dizer que "apenas a
cisão entre o mundo da existência (as ações análise formal de suas obras" permitiria a
individuais, a sociedade, o Estado) e as comprovação dessas expectativas que se
intenções e o Sentido geral, que operavam abriam sobre o escritor russo (LUKÁCS, 2009,
organicamente na Grécia Antiga e davam p.161).
imanência de sentido à vida. A epopeia de Como se vê, Dostoiévski mantém n'A
Homero era a expressão das “culturas Teoria do Romance o papel messiânico a ele
fechadas”, ou seja, expressão de uma vida associado em todo período de Heidelberg. A
comunitária plena de sentido. Por isso, a comuna russa – aquela anterior ao soviete
forma épica epopeica seria não mais que um bolchevique - apresenta-se como a alternativa
pequeno estímulo que aciona o sentimento de redentora que será decisiva para, mesmo
participação na comunidade. Por outro lado, diante da Revolução de 1917, fazer com que
o romance, a "epopeia burguesa", seria a intelectuais conservadores como Paul Ernst,

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ou mesmo utópicos-messiânicos como Bloch social e economicamente, ele


e Lukács, vissem nesse processo uma tentou descrever a alma desse
efetivação da "promessa dostoievskiana". No homem vindouro. Os problemas
entanto, seria indevido atribuir a adesão ao individuais de Dostoiévski são
marxismo exclusivamente ao "pêndulo" de problemas humanos, que, no
entanto, - enquanto vestígios
Dostoiévski e da tradição populista do século
psicológicos da sociedade de
XX. As Revoluções Russa e Húngara - e nesta classes - só podem ser resolvidos,
última o pensador húngaro tivera presença com a profundidade e pureza com
direta – contribuiriam para que ele que ele tentou, apenas na
paulatinamente se deslocasse do messiânico- sociedade futura." (LUKÁCS apud
utópico ao materialismo dialético. O ensaio ANDERSEN, 1987, p. 193)
"Bolchevismo como problema moral", de
1918, já evidencia alguns desses elementos da Segundo Galin Tihanov, neste ensaio,
virada "politizante" do pensador, que agora aquilo que antes era visto como motivo de
tem materializado o sujeito ativo desse interesse pelo escritor é agora motivo de
processo de mudança: o proletariado. Cabe crítica: há excesso de metafísica, muito
destacar, no entanto, que essa classe social individualismo e invisibilização da questão
seria ainda vista em seu papel "redentor” e de classe (1999, p. 622). E em outro ensaio
“messiânico" e o próprio bolchevismo tratado deste mesmo de 1922, A confissão de
com reservas: "como a redenção da Stavróguin, Lukács propõe a existência de
humanidade poderá ser conquistada com dois escritores, um Dostoiévski esteta e um
violência e terror?" (LÖWY, p. 62-63). Posta Dostoiévski político-panfletário, como que a
nesses termos, a pergunta tem em sua base tentar resolver um impasse diante de um
um impasse ético tipicamente escritor que é maior que sua própria régua
dostoievskiano. crítica. De qualquer modo, acredita que a
Mas a caminhada em direção à despeito de qualquer falha ou esteticismo do
ortodoxia marxista e a revisão de sua leitura a escritor, o romance Os Demônios tem força
respeito de Dostoiévski não serão um rara, pois nele é justamente a falha em
processo linear. Com o fracasso da Revolução converter o elemento social da existência em
Húngara, a “justificação moral” para a espírito que se torna um triunfo (Idem, p.
violência passará a ser revista, e Dostoiévski 623).
aos poucos deixa de ser o “profeta” de uma Neste mesmo texto, Lukács conclui
possível revolução. É o que se vê, por que Stavróguin é um "homem supérfluo",
exemplo, no ensaio Dostoiévski: novelas. Nele, membro da intelligentsia russa, que não se
Lukács afirma que Dostoiévski é um identifica com um mundo deteriorado, que
"pregador do sofrimento". E que essa seria a possui forças e habilidades, mas não
única via para a verdadeira partilha em uma consegue agir. Ele vê ali com comoção o
comunidade de iguais. No entanto, afirma modo como os abismos psicológicos que
que os proletários não devem buscar em emergem em uma sociedade inaceitável
Dostoiévski o precursor da revolução, mas podem levar homens honestos da
sim, aquele que conseguiu expor de maneira intelligentsia (quando não entregues à inércia
poeticamente eficaz o turbilhão psicológico das personagens de Turguêniev e
de suas personagens, que expressam as Gontcharóv) a revolucionarismos pueris,
angústias febris de uma realidade: suicídios ou depravação. É como se o
Dostoiévski publicista condenasse a
Consequentemente, enquanto Revolução, mas a contrapelo glorificasse
preconizador do homem que vive poeticamente tais saídas como absolutas
uma vida interior, independente necessidades psicológicas. Para Lukács, aí

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reside a grandeza do texto (ANDERSEN, Em 1938, Lukács escreve um ensaio


1987). implacável contra o escritor, O Legado de
Vemos aqui como a visão de uma Dostoiévski, afirmando ser sua obra a de um
ética de Dostoiévski, uma espécie de verdadeiro "reacionário". Sob influência
fundador de uma nova cultura continua direta do estalinismo, afirma que Dostoiévski
presente, mas já abalada pelo contato com o seria apenas um defensor de posições
socialismo científico e a emergência de um pequeno-burguesas vacilantes diante de uma
novo sujeito revolucionário. Se n'A Teoria do situação revolucionária (TIHANOV, 1999, p.
Romance o novo mundo dostoievskiano era o 624). Aqui, obviamente, deixava-se
contraponto direto à realidade burguesa, contaminar mais por um julgamento externo
agora os novos agentes sociais (os proletários à obra, que contaminava negativamente tudo
- com os quais Lukács gradativamente se o que de profundo e iluminador já havia
identifica), começam a surgir como escrito sobre o escritor russo.
contraponto para julgar até que ponto No entanto, cinco anos depois, voltará
algumas de suas soluções continuam válidas. ao escritor em um outro ensaio alentado –
Crescem as reservas ao Dostoiévski não- talvez seu escrito mais popular sobre
revolucionário, apegado a certo cristianismo Dostoiévski. Ali, como numa espécie de
renovado, mas ainda prevalece a ideia de que retratação pelo sectarismo anterior, define
seu romance é um caso à parte na "saga dos melhor um procedimento metodológico que
gêneros", pois a ele não caberia somente já nos ensaios de 1922 aparecia apenas
estabelecer uma totalidade formal esboçado: a separação entre o universo
equilibrada, mas também apresentar uma ideológico do escritor e a autonomia formal
visão ácida da realidade que aponta da obra. Isto não significa trabalhar com a
positivamente para o futuro, pois há ali o oposição de dois universos completamente
resgate do elemento humano: o homem que distintos, mas entender que a obra literária
vê o outro não só a partir de si, ou tentando opera com leis internas que possuem sua
explicá-lo, mas que vê outro homem como historicidade. Do mesmo modo, leva a
confissão. entender que o elemento interno é
Podemos dizer, no entanto, que este é constitutivo, mas que se tomado
o último momento em que Dostoiévski isoladamente pode funcionar como pista falsa
figurará de maneira tão proeminente na obra para o verdadeiro entendimento da
de Lukács. Na medida em que seu contato problemática veiculada pela obra. É assim
com o marxismo ganha corpo, o escritor que Lukács opera de maneira límpida no
russo terá seu lugar redefinido, ensaio Dostoiévski (1943), exclusivamente
acompanhando pari passu o declínio da visão dedicado ao escritor russo:
messiânica e a crença idealista na "comuna
russa" idealizada como elixir para a Essa distinção tem uma
sociedade burguesa. Acredita-se, inclusive, importância particular, para uma
que um dos elementos decisivos do avaliação de Dostoiévski. De fato,
rompimento de Lukács com Ernst Bloch seria muitas de suas soluções políticas e
sociais são falsas; não têm
a consideração de que Dostoiévski seria um
nenhuma relação com os
escritor "reacionário", feita pelo primeiro em
problemas atuais, com os esforços
1938. Como se sabe, Bloch continuará adepto dos homens melhores de hoje; elas
de uma visão messiânica da superação do tiveram o seu tempo. Ademais,
capitalismo durante boa parte de sua vida - e tinham um caráter reacionário no
a guinada de Lukács lhe será particularmente momento em que foram
incômoda (LÖWY, p. 62-63). enunciadas. Apesar disso,
Dostoiévski é um escritor de

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grandeza mundial porque soube personagem se indagaria: seria possível uma


levantar, numa forma ação Napoleônica que em nome de um
poeticamente decisiva, os objetivo passa por cima dos corpos humanos?
problemas de uma época crítica Como afirma Lukács, "o problema concreto
para sua pátria, aliás para todo o para ele é quase exclusivamente o problema
mundo. (LUKÁCS, 1968, p. 156-
psicológico-moral (...) a ação em si torna-se
157)
ainda mais contingente (...)" (Idem, p. 158-
Ao restringir a produtividade da 159).
abordagem para os aspectos da poética - que Com esta especificação tipológica,
são os que garantem a permanência e o valor localizada no movimento da história, longe
da obra -, Lukács depura um procedimento da categorização absolutizante e a-histórica,
de análise que, ao contrário do que se pode Lukács amarra a problemática do homem
imaginar, já se esboçava em sua juventude de novo russo com a estrutura interna do
romance. Raskólnikov sintetiza e faz ver, com
maneira muito contundente: a crítica ao
maior velocidade do que a vida cotidiana
racionalismo lógico-teórico que, transposto
faria supor, um problema decisivo do
mecanicamente para o campo estético, não
momento: a ação e as ambições individuais
lhe garante sua particularidade. Como
não servem mais de ponto de apoio. O
vimos, em seu período de Heidelberg, o
individualismo de época já está de tal modo
pensador húngaro já esboçava considerações
na direção de garantir ao estético seu estatuto interiorizado nos seres, seu isolamento já está
específico, mas com vistas a localizá-lo dentro de tal modo presente na metrópole
de um contexto concreto onde tal autonomia capitalista, que o outro se torna uma potência
se realiza. Agora, tal metodologia vem estranha. A experiência dos indivíduos não se
atravessada pela necessidade inalienável de dá mais pela ação, agora relativizada, mas
garantir a historicidade de tais formas e da "não é nada mais que uma manifestação
própria problemática por elas veiculada. Daí espiritual sublimada, a realização psíquica
a sensível diferença entre o texto pouco das lutas pelo poder" (Idem, p. 162).
transparente d'A Teoria do Romance, mais Ora, se nos atentarmos para uma das
híbrido e aberto filosoficamente, e o texto principais definições de A Teoria do Romance,
didático de 1943, mais afeito à localização não podemos ignorar o paralelo possível com
histórica dos problemas e de categorias que este texto de maturidade. Aqui encontramos
emergem do concreto. um "eu" que se perde de suas raízes
É assim que, ao analisar os comunitárias e coletivas, sua ação é
personagens de Dostoiévski como tipos problemática e, cada vez mais dobrado sobre
"si mesmo", afasta-se do mundo exterior. E a
capazes de sintetizar de maneira vertiginosa
Ideia, por vezes um alívio para alma perdida,
os problemas de uma época, Lukács localiza
é também a chave para o ridículo da ação
Raskólnikov como um continuador da
deslocada e a monomania - típicas de quase
tradição balzaquiana (o Rastignac de As
todos os romances dostoievskianos. Estamos
Ilusões Perdidas). Trata-se de um tipo humano
sem sombra de dúvidas diante do indivíduo
que emerge em um país periférico e é capaz
de penetrar com força na literatura mundial. cindido, típico da era burguesa e elemento
Ao contrário de Balzac e Stendhal, escritores central do romance moderno:
que já haviam captado em suas obras que a
época heroica da burguesia já tinha passado e A contingência do destino
individual, em relação aos
formularam personagens que tinham a ação
movimentos da História, continua
como ponto final, o Raskólnikov de a ser, para o marxista Lukács, o
Dostoiévski emerge na Rússia tendo a ação verdadeiro assunto do romance.
como ponto de partida. Não à toa, tal

Rodrigo Alves do Nascimento


Slovo – Revista de Estudos em Eslavística, V.1, N.1, Jul. – Dez. 2018 114

(...) O ângulo pelo qual o petersburguesa. E se agudizam


romancista contempla a realidade, materializadas na emergência de um novo
e que assegura a unidade de grupo social, historicamente situado: os
perspectiva, não pode ser situado, narodiniks. Eles são símbolo da miséria dos
pelo romancista realista, em outro jovens intelectuais, indivíduos singulares,
lugar a não ser na imanência do
oriundos das camadas sociais (repletos de
devir histórico. Contudo, a
exigência de totalidade na pintura ideias-potência) que se veem apartados do
da realidade, presente no espírito próprio fluxo de vida do povo. Como se sabe,
da juventude, será reencontrada este será um problema crucial para a
nos textos de maturidade. intelligentsia russa da segunda metade do
(TERTULIAN, p. 117) século XIX. Aqui Dostoiévski também
manteria a linha balzaquiana que vê nas
O painel dostoievskiano não deixa de camadas populares um universo rico para a
comprová-lo e atravessa a linha dos "heróis representação, já que ali contradições de toda
do tempo": vai do homem supérfluo Ordílov ordem se agudizam. Nas classes altas, elas
em A Senhoria (apresentando um abismo estarão presentes, mas terão outro diapasão:
instransponível entre a ideia e ação prática) "Pense-se em Svidrigáilov, em Stavróguin,
ao homem novo Raskólnikov de Crime e (...) - para Dostoiévski, a razão de suas
Castigo, para quem a ação, na origem dos desesperadas solidões é sempre a vida ociosa
atos, se converte em algo profundamente que levam, ou, no melhor dos casos, ativa,
problemático. Como se vê, Lukács não deixa mas desprovida de sentido." (Idem, p. 168).
de considerar que em Dostoiévski esse sujeito Contudo, apesar da separação algo
moderno cindido tem sua especificidade. Se mecânica e determinista desses tipos,
na tradição balzaquiana o indivíduo não prevalece a linha já definida desde os tempos
ganhava o status de problemático, já que o de A Teoria do Romance: "uma inútil e
que se torna problemáticas são suas ambições desesperada luta pelo sentido perdido - ou
e seu egoísmo, em Dostoiévski o em vias de perder-se - da vida". Por vezes, o
individualismo se interioriza a tal ponto que Dostoiévski publicista tenta suplantar a
esse personagem, que busca isolar-se em si forma e, na opinião de Lukács, é neste
para se compreender, distancia-se de tal momento que o escritor russo "calunia" seus
modo de parâmetros objetivos da realidade personagens. Ao tentar julgá-los, ou atribuir-
que acaba por distanciar-se ainda mais de sua lhes palavras e soluções de ordem pessoal, o
verdade interior, levando a falta de escritor falha. Mas é quando a forma vence o
correspondência entre o interno e o externo publicista - o que ocorre na maioria das vezes
ao ridículo e à morbidez. - a obra se realiza, pois se apresenta de
Assim, Dostoiévski seria o primeiro a maneira poeticamente eficaz. E é nessa
fixar "os sintomas da deformação psíquica poética interna ao texto que, para Lukács, se
que necessariamente surge no campo social encontra o progressismo do russo. Segundo
da vida na grande cidade moderna (...) a ele, as personagens de Dostoiévski não vivem
estrutura psíquica e a existência particular o presente, pois almejam uma utopia futura.
dos seus personagens nascem da Aqui o contato com o período de juventude
particularidade da miséria nas grandes de Lukács se dá em partes, pois se antes a
metrópoles" (1968, p. 166). Como vimos, a chave utópica tinha características
noção de "tipo", já depurada por Lukács extraliterárias, aqui essa utopia é imanente à
desde O Romance Histórico (elaborado entre forma e aos tipos que se chocam e almejam
1936 e 37), tem aqui papel decisivo, pois as obstinadamente encontrar-se:
misérias individuais de seus personagens
nascem em terreno histórico - a metrópole

Rodrigo Alves do Nascimento


Slovo – Revista de Estudos em Eslavística, V.1, N.1, Jul. – Dez. 2018 115

A idade áurea é o genuíno e ARBAN, Dominique. Dostoievski. Trad.


harmonioso contato entre as Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: José
pessoas genuínas e harmoniosas. Olympio, 1989.
Os personagens de Dostoiévski
sabem que isso, em seu tempo, BIANCHI, Fátima. O "Sonhador" de A
não passa de um sonho: mas eles Senhoria de Dostoiévski: Um Homem
não podem nem querem separar- Supérfluo. Tese de Doutoramento
se desse sonho. Esse é o apresentada no Programa de Teoria Literária
verdadeiro núcleo, o verdadeiro e Literatura Comparada da Universidade de
conteúdo áureo das utopias de São Paulo. São Paulo, 2006.
Dostoiévski: uma situação do
mundo na qual os homens possam DOSTOIÉVSKI, Fiódor. A Senhoria. Trad.
se conhecer e se amar, no qual Fátima Bianchi. São Paulo: Editora 34, 2006.
cultura e civilização não sejam
obstáculos à evolução íntima do ______. Crime e Castigo. Trad. Paulo
homem (Idem, p. 173) Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2001.

Se aqui Dostoiévski já não é mais a via ______. O Idiota. Trad. Paulo Bezerra. São
única de acesso ao novo mundo de A Teoria Paulo: Editora 34, 2002.
do Romance, se sua obra não é mais o "fim" da
"saga dos gêneros", ou ainda: se Tolstói seria LÖWY, Michael. Idéologie révolutionnaire et
messianisme mystique chez le jeune Lukács
capaz, desde O Romance Histórico, captar com
(1910-1919). Archives des sciences sociales
mais força e acerto poético as linhas de força des religions. nº 45/1, p. 51-63, 1978.
de uma época, o escritor de Crime e Castigo
não é também o representante de alguma FEHÉR, Ferenc; WIKOFF, Jerold. The Last
degeneração, ou um "conservador Phase of Romantic Anti-Capitalism: Lukács'
descartável". Lukács redefine sua posição, já Response to the War. New German Critique,
que agora a autenticidade histórica (no nº. 10, p. 139-54, 1977.
sentido de substancialidade e não de
capacidade documental) são critérios LUKÁCS, Georgy. Ensaios sobre Estética.
Org. Leandro Konder. Rio de Janeiro:
decisivos na forma romanesca. Ainda assim,
Civilização Brasileira, 1968.
os nexos que conectam o crítico de
maturidade ao jovem pré-marxista não são ______. A Teoria do Romance. Trad. José
poucos - daí também a incapacidade de dar Marcos Mariani de Macedo. São Paulo:
ao escritor "reacionário" um lugar secundário: Editora Livraria Duas Cidades; Editora 34,
“É essa revolta [das personagens] que é 2009.
poeticamente grande, historicamente
progressista em Dostoiévski; e dela raia ______. The Lukács Reader. Nova Iorque:
efetivamente uma luz nas trevas de John Wiley & Sons, 1995.
Petersburgo, uma nova luz que ilumina os
caminhos do futuro da humanidade" (Idem, PASTA JR, José Antonio. A Forma
Angustiada de Lukács. Folha de São Paulo.
p. 173).
13 ago. 2000. (Disponível em:
http://letrasuspdownload.wordpress.com/2
Referências Bibliográficas 010/03/20/texto-a-forma-angustiada-de-
lukacs/. Acesso em 25 abr. 2018)
ANDERSEN, Z. B. The young Gyorgy Lukács
and Dostoievsky. Dostoievsky Studies, v. 8, SILVA, Arlenice Almeida. O Símbolo
p. 188-198, 1987. Esvaziado. A Teoria do Romance do Jovem
Georgy Lukács. Revista Trans/Form/Ação,
São Paulo, 29(1), p. 79-94, 2006.

Rodrigo Alves do Nascimento


Slovo – Revista de Estudos em Eslavística, V.1, N.1, Jul. – Dez. 2018 116

com o pano de fundo) dos personagens


TERTULIAN, Nicolas. Georgy Lukács - de D. (p. ex. o Eterno Marido)
Etapas de seu pensamento estético. Trad. II. O mundo sem deus
Renira Lisboa. São Paulo: Editora UNESP, Ateísmo russo e europeu - a nova moral
2008. (suicídio) (Modificação do mundo)
Jeová
TIHANOV, Galin. Ethics and Revolution:
Lukács's Responses to Dostoevsky. The O cristianismo
Modern Language Review, vol. 94, nº. 3, p. O Estado
609-625, Jul. 1999. O socialismo
A solidão
Tudo é permitido: problema do
APÊNDICE terrorismo (Judite: transgressão)
Projeto inicial de livro sobre Dostoiévski, que O homem natural: impossibilidade de
culminaria na versão hoje conhecida de A amor ao próximo
Teoria do Romance (MACEDO, José Marcos. O idealismo abstrato; linha: Schiller-D.
nota 36. in: LUKÁCS, G. A Teoria do III. A luz vindoura (Aurora no início)
Romance. São Paulo: Ed Duas Cidades/ Ed Pobreza de espírito - bondade (... - ...)
34, 2009, p. 161-163) Equívoco de D.:posição sobre o cristianismo e
a revolução
"I. A interioridade e a aventura 'Todos os homens': metafísica do
O problema do Romantismo - como socialismo
problema contrastante de D. Democracia ética: metafísica do Estado
<Dostoiévski> (relação com II.)
Romance e Epopeia Comunidade mística russa
O 'teórico' na épica Rússia e Europa (tema: Inglaterra,
A alma desperta como realidade França, Alemanha)
Intelectualismo: o romance policial de Filosofia da história sobre a forma de D.
D. e o romance de aventuras dos outros A tragédia alemã; mística e polis:
(crítica da convenção) conceito de dever
Psicologia alegórica da ação Sofrimento: paraclético-ensaístico
D. sobre psicologia 1ª-2ª Ética. Metafísica como canto de
Valor estético do crime consolo"
O problema da realidade (! II)
D. e Dante e a epopeia terrena
Posição sobre a tragédia ('Arte
Dramática' de D.) e o drama da graça Abstract: This paper analyses the presence of
também III composição de D. Fyodor Dostoevsky (1821-1881) in two essays of
A infantilidade dos heróis (maturidade the literary critic and philosopher Georgy Lukács
nos outros) (1885-1871): The Theory of the Novel (1916)
O ridículo and Dostoevsky (1943). We demonstrate that the
O pronto ato heroico (? III. relação com Russian writer was a permanent point of interest
Schiller; II) in Lukács' work and his presence is a powerful
Os valores do mundo thermometer for the understanding of the
Novelas de D. Boa invenção, mas - development and of the main inner impasses of the
philosopher's aesthetics.
(falta o esti<lo> - Humilhados como
transição -. Também Casa dos Mortos,
Keywords: Fyodor Dostoevsky; Georgy Lukács;
em que falta de amplitude é balanceada
The Theory of the Novel.
por '...') Relação com a não-solidão (e

Rodrigo Alves do Nascimento

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