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Shcila Grillo 1 1 1111 1111wdu1ó rio 57
cação social dos organismos, para depois entrar no II h Ip,111, 1.1 nro do contínuo processo histórico de ~r_iação
organismo e se tornar a palavra interior. f1 ,1111111 ,1, qua nto materializam os produtos da at1V1dade
No entanto, o psicologismo também tem ra- "' lt 1111· 111dividual e coletiva. Vemos aqui as influências de
zão. Não há o signo exterior sem o signo interior. \\ !1111 1111 vrn1 l lumbold t e da filosofia de Chpiet, pa ra quem a
Um signo exterior, incapaz de entrar no contexto ~ 1111 111 t' 11 " rnrne" do pensamento que nasce junto com ela.
dos signos interiores, ou seja, incapaz de ser com- t l 1,q,111d11 sobre a " interação discursiva" é centra l pa-
preendido e vivido, deixa de ser um signo e toma- i 111111d 1·11110s as propostas teórico-metodológicas de MFL.
-se um objeto físico. ( Ih , , 11•1111 ,, cum atenção o longo fragmento a seguir:
O signo ideológico vive por meio da sua rea-
lização psíquica, assim como a realização psíquica " /\ rn11sciê11cia é uma ficção fura da objetiva-
vive por meio d o seu conteúdo ideológico. \ ,lo, /ur11 da encarnação em um material determi-
[...) 11,1,/11 (o materia l do gesto, da palavra interio r, do
Essa síntese dialética viva entre o psíquico e o 1111111). l'r:ita-se aq ui de uma construção ideológica
ideológico, ~tre o interior e o exterior, se realiza 1111111 , criada por meio de uma abstração d os fatos
sempre reiteradamente na palavra, em cada enun- , 1111l Mos da expressão social. Todavia, a consciên-
ciado, po r mais insignificante que seja." (Volóchi- , 111 l umo uma expressão material o rganizada (no
nov, 2017 [19291, pp. l 27-30, 137-8, 140) 111,11 ,•ri.d ideológico da palavra, do signo, do dese-
111111, d.1~ ti ntas, d o som musical etc.) é um fato 06-
Ao estabelecer, em MFL, o material sígnico como o ter- 11 11\U l' uma enorme força social. Entretanto, essa
reno comum entre a ideologia e o psiquismo, é lançad a a ba- , 1,11,l 1t·ncia não se e ncontra acima da existênc ia
se para a superação dos dois métodos, postulados por Engel- 11, 111 pode determiná-la de mo do constitutivo, pois
hardt24 (1924), de estudo dos produtos da criação huma na , 11111:-.ciência é uma parte da existência, uma das
ou dos monumentos da cultura espiritual: o método fenome- ~,111 ~ forças e, portamo, possui a capacid ade de agir,
nológico, que entende esses produtos como processo na cons- d,· dl',cmpenhar um papel no palco da existência.
ciência do criador e do receptor, e o método projetivo, que 1 11q1111 mo a co nsciência permanece na ca beça da-
os concebe situad os fora da consciência, já que estão engen- q1wk l lllC pensa como um embrião verba l da ex-
drados na relação genética entre as obras. O s conceitos d e 1111•,~:w , ela é a penas uma parte muito pequena da
signo ideo lógico e de enunciado como objetos do método so- •''mtência, com um campo d e ação red uzido. No
cio lógico buscam superar a divisão entre o interior e o exte- 11111 ,11110, quando ela passa todos os estágios da ob-
rior, entre o individual e o social, entre a atividade conscien- 1• 1t l'.11; iio social e entra no campo de força da ciên-
te (enérgeia) e seus produtos externos (érgon), p o is os signos , 111, d.1 arte, da mora l, do direito, ela se torna uma
I•11,.1 verdade ira, capaz até de exercer uma influên-
24 ' 1,1 111vcrsa nas bases econô micas da vida social. "
Boris Mikháilovitch Engclhardt ( 1887-1942), fi lólogo, crítico li-
terário russo e professor na Faculdade de Letras do Instituto de História ( V, ilochinov, 2017 [1929), pp. 211 -2)
da Arte de Leningrado, nos anos 1920.
sirer, postulador es do papel ativo da consciência humana na 1l11111l111ldt e retomadas por Potebniá e depois Cassirer.
determinaç ão da sua existência, e o materialism o histórico l l111 ra síntese import.ante iniciada no fragmento acima
defensor da tese oposta: de que a existência determina a cons~ 11111pll·tnda a baixo é a relação dos signos ideológicos com
h 25
c1enc1a umana. O autor de MFL não assume nenhum des- 1111~ul·111.:ia.
•A •
material influen<:)a na constituiçã o da ljnguagem e, por ou- li11,1.1nrc complexa das causas e condições do retar-
tro, a consciência age sobre a existência material isto é a d.1111e11to). Por sua vez, a expressão realizada exer-
l l' 11m:t potente influência inversa sobre a vivência:
consciência humana, ao formar-se nos signos ideoiógicos: é
capaz de exercer uma influência transforma dora sobre a ba- 1·l,1 rnmeça a penetrar na vida interio.r, dando-lhe
se econômfra , principa l elemento da existência material na 11111.1 expressão mais estável e definida. " (Volóchi-
visão marxista. 1111v, 20 17 (19291, p. 212)
Outro princípio importante expresso nesse fragmento é
o d~ que ~ objetificação da consciência se dá não apenas por ( ,~ <li ve rsos sistemas sígnicos (música, pintura, gestos,
me10 de signos verbais, mas também musicais e plásticos, o ll11~1111~cm verbal) exercem uma função estabilizado ra e de-
que, a nosso ver, ecoa a tese de Potebniá de que não há igual- ll111d11m dn consciência humana. Essas duas funções são am-
dade entre pensamento e palavra, uma vez que a criança pen- l 11tll' 1tle desenvolvidas nos trabalhos de Humboldt e Pote-
sa ames de f~J~r, que o ~ensamento artístico do pintor, does- t 1111 que, :t nosso ver, contribuem para a síntese dialética ope-
cultor, do musico se realiza sem palavras; e o matemático em- r il,1l'lll MFL. Conforme expusemos anteriorme nte, Hum-
preend~ sua _ciência por meio de fórmulas. Com isso, quere- 111lih postula que a forma linguística confere estabilidad e e
mos ev1denc1ar que, em MFL, o papel ativo do pensament o 111111 tdl' conceituai às propriedad es materiais apreendida s pe-
humano na constituiçã o das linguagens verbais e nãu verbais l•l!l ~rotidm,; e Potebniá argumenta que a palavra contém a
i,11 .rn tnçào do elemento unificador do objeto, bem como
11111~1·111 partilhada. Forma linguística e palavra compõem
25
t lc 1111·mo está vel da representaç ão, ao mesmo tempo em
Em t~rmos um pouco diferentes, C raig Brandist (2002, pp. 54, llll I lll crram a possibilidad e do novo, do inesperado , pois o
!)
6 2, 8 ~ -mbém ressalta que Volóchinov (e Mcdviédcv) buscou uma sín-
1 J\lu ,o pode ser percebido em contraste com o velho, o da-
t ica entre " filosofias idealistas de cultura e marxismo", "sociolo-
t ~ dralc_
gia marxista e neokantismo" , .. psicologia e filosofia da linguagem". d }1 11 w 11hecido .
No capítulo de MFL "Tema e significa ção na língua", ao 1111 como exposto anterior mente, Humbo ldt entende
criticar o monolog ismo da ciência da linguage m, propõe- se 1 11, ,, l11114ua é um elo entre os homens , pois este só co~-
que a construç ão do sentido decorre d o d iálogo entre locutor 1
11, 1 1•11dl' :1 si mesmo depois de certifica r-se da compree nsao
e interlocu tor, em que ambos desempe n ham um papel ativo:
11 " "'" palavras pelos outros. Em consonâ nc ia com sua con-
11.,,1,, de língua como atividad e linguística, tanto locutor
"O problem a da significa ção é um dos mais di- lfil 1111 11 mtcrlocu tor estão imersos n_
ela. Poteb~á , por sua vez,
fíceis da linguísti ca. À medida que esse problem a é 1 111\nlvc n princípi o do papel anvo do ouvmte em termos
solucion ado, o monolog ismo unilatera l da linguís- 1111tl11 111.,is próximo s ao de MFL:
tica se revela d e modo especial mente claro. A teo-
ria da compree nsão passiva não abre a possibili da- "A forma interna da palavra, pronunc iada pe-
de de uma aproxim ação às especificidades mais fun- lt 1 1111:inrc, orienta os pensame ntos do ouvinte, mas
damenta is e essencia is da significa ção linguísti ca. " 1•111 ,,penas o estimula , isto é, somente dá os meios
(Volóchi nov, 2017 [19291, p. 227) 1111111 Jcscnvo lver os significa dos nele, sem fixar os
li1111ll'' para a sua compree nsão da palavra. A pa-
"Desse modo, cada element o semânti co isolá- luvi.1 pertence tanto ao falante quanto ao ouvinte,
vel do enuncia do, assim como o enuncia do em sua 11 p, 1r1:1nro seu significa do consiste não no fato de
62 Sheila Grillo 63
11 h1t111il111 i1riu
que ela cem um sen tido determinado para
o falan- 111111 ,,,d"' cm MFL para I-1ustrar o método sociológ.ico
te, mas no fato de que ela é capaz de ter 1111 ,. , 111d11-. reti rado s de obr as liter ária
um senti- s (La Fontame,
do em geral. A palavra pode ser um mei
o de com- hi 111, 1l11, 111iévski). b )d p tebniá
preensã o do out ro somente porque o con , 11111 1 p111xianidade entr e
teúdo de- MFL, Hum O r ~ 0 .
la é capaz de crescer. " (Potebniá, 2010 l l 111 , , 111, . 1 co11 stn11'd a cont ra O conceito de sistema 1in-
[18921, pp. •
162-3) 1 111 li 1\11 .,, ,um ir uma concepça- 0 de linguagem com o an-
. .
1 1 , 11,111 l t11m> produto, H. umbold t afirma
qdue do qu~ s_e
A concepção do papel ativo do destinat 1 nd, 11111 l111gua (1ex1c
, · mática) é resulta o a auvi-
ário ou interlo o e gra
cuto r na construção do sentido é ainda dese 1 , h 111il1l ,1e não a condição natural da , S Ih -
nvolvida por Po li~gua; _eme an
tebniá em sua abordagem da obra de arte 111, ' ,111 l ri! ic:ir a realidade do siste
que, assim como li ma lingu1snco, o au-
palavra, é um trabalho de constante cria 1 ~111 .dirm:i:
ção. Segundo Pote
bniá, embora a obra de arte concretize
o projeto, a ideia do
artista, ela se torna independente após a .. /\ 1,,,~ua com o um sistema estável de
criação; seu conreú
,., ,, ,1111 ,,,s idênticas é som ente
[º'':1ª 5
do desenvolve-se com a participação do 11 e1e1:1-
uma absrr_açado
espectador e sobre- 1
tudo nele, sendo que o próprio artista se
torn a um dos seus 111,.. ,.p,uJ ut1vaa penas diante de derermm
·
_ a_ os 6
, od -
espectadores. Ainda de aco rdo com o auto , . , ·
l• li\" ' pran cos e teon cos. Essa abstraçao nao e a e-
r russo, a força da , .
obra de arte não está na ideia do autor, mas q11,nl,1 :, realidade concreta da língua.,,
em como ela age (Voloch1-
sobre o leitor ou espectador e, consequente 11m.111 17 11929], P· 224)
mente, nas possi
bitidades inesgotáveis do seu conteúdo.
O mérito do artista ...
está na força que a forma interna da obr n1 MFL a' idei a de sistema do objetivismo
a de arte tem para " 1 llll l ,I C abs-
produzir os mais variados conteúdos. Em 111 1,1,,,1,1v:1 presente no rra ba Iho de Humboldt ou se1a ·
,o
particular, a pala- . d',v,'d 1· f ece as ferramentas,
vra poética possui capacidade de adensar 11 l• li\ , ~11111 111 ua isca orn para a su-
o pensamento.
Se, por um lado, a ideia do papel ativo ' , ,111 do objetivismo a bstrato. Ent ret~n~o
do interloc utor , as Hpropbostlads
está presente na concepção de arre de Pote ,·
ca comu são d1st1nta
11,, d,•,"' rcm dessa cnn m s: um
do-o das ideias de MFL, por outr o, nest
bniá, aproximan-
,11111 • " " ' viés idealista em que
. .d d 1 o t
a obra reje ita-se a a língua é a anv1 a e rnma-
identificação da cria tividade linguística com \ 1, 111111, formação d os sons na expressão do pensamento
a criativid ade ar- . , .
tística: " A criação da língua não coincide
com a criação ar- 1111111 11111; l ' VO 10,chinov estabelece uma síntese .
d1al et1ca entre
tística ou com qualquer out ra criação espe 11 1, 1111,1110 de Humboldt/Porebniá e · ·
cificamente ideo ló- a soc1_olog1a ~adr~sta,
gica" (Volóchinov, 201 7 11929], p. 224 ).
Isso porque o viés 111'• 1tpor que a esse~ ac1a . d I' a está na interaçao iscu r-
a mgu
sociológico postula o papel ativo e oniprese . d
\ ' 11 ,1m enuncia os concretos qu e resultam de1a, ou seJa .•
nte da linguagem - 1· .
em todos os "sistemas ideológicos formado
s" e na " ideo lo- A /w,i:11, 1 e 11111 processo mm . • t rupto de formaçao, rea 1za-
er
gia do cotidiano" .26 No entanto, cabe dest
acar que os exem-
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Shciln Grillo 1111 1111rml111ó rio
do por meio da interação sociodiscursiva dos falantes" (Vc - 1 1 1111 , ,wrn dos produtos dos sistemas ideológicos consti-
lóchinov, 2017 [1929], p. 224). 11111111, 1,,, MFL, a situação social, imediata e ampla, é to-
Em MFL, o diálogo é a forma básica de compreensão do •ili, 1111110 um dos elementos constitutivos do material ver-
outro e de si mesmo, bem como a forma mais importante da 1 111 1 ,ltl ncntemente de Iakubínski, não explica a falta de
interação discursiva. Essa centra.lidade do diálogo na filoso- , 11~1111 .111 l'. omponente verbal.
fia da linguagem tem sua origem, como vimos, nos trabaU1os 1 111 Vinográdov, encontramos anál ises de obras literá-
filosóficos de Vossler, nas obras de Vinográdov e Iakubínski. 11 • 11i1 •• q11:1is o diálogo é tomado como um procedimento
Vale relembrar que, para Vossler, o diálogo é, em primeira 1 11t , , de rnnstituição da semântica o u da simbologia dos
instância, a forma mais natural dos discursos retórico e coti- 111111 ,, N.io percebemos, porém, afirmações sobre a essen-
diano e, em última instância, a forma estruturadora de toda 1111111ll· do diá logo à compreensão da linguagem humana,
a Linguagem, pois o monólogo nada mais é que uma conver- ,,,_, 11,111 dl't:orrente, provavelmente, de sua recusa em pro-
sa consigo mesmo e as obras literárias não podem ser conce- l 111111~,pios gerais de uma teoria da literatura e de sua vi-
bidas fora do endereçamento a um público. De acordo com li 11. q 11t :1 estilística deveria orientar-se pelos resu ltados e
Iakubínski, o diálogo é a forma mais natural da linguagem e 1,, ,11,•1ndologia da linguística.
sua presença marcante na linguagem prático-cot idiana reves-
te-se de um caráter automático e inconsciente a ser desauto-
matizado na linguagem poética. Se a concepção de diálogo 1 I N< ,IJA, SENTIDO E SUJEITO
de MFL parece, por um Lado, muito próxima da de Vossler,
por outro, ela é resultado de uma leitura crítica das proposi- 1\ 111d.1 sobre a relação entre o papel do sistema linguis-
ções de Iakubínski e Vinográdov. A excelente caracterização 11 11,1,11 iviuade da língua de Hwnboldt e no enunciado con-
do diálogo direto em Takubínski funda-se em uma análise da 111 d,· M 1-'L ., vemos uma semelhança entre ambos: a língua,
situação mais imediata de comunicação, que em MFL é ape- 111ti 111l1d11 1.:01110 os elementos estáveis do léxico e da gramá-
nas um dos elementos, ao lado do contexto valorativo e do 1 1, 1 11111a parte tanto da atividade da fala em Humboldt,
horizonte social mais amplo. lsso fica claro na análise que en- 11111111, d11 rl'ma do enunciado em Volóchinov- "Juntamen-
contramos, tanto no texto " Sobre o discurso dialógico" de 111111 11 11·111a, ou melhor, dentro dele, o enunciado possui
laku bínski, quanto em MFL, de um fragmento do Diário de 11111li1•111 ,1 ~ignificação" (Volóchinov, 2017 [1929], p. 228).
um escritor de Dostoiévski: em ambos os textos enfatiza-se 1 ,,hc aqui destacar os contrapomos entre a filosofia de
o papel da entonação na constituição do enunciado oral, po- f '"' 11\ t hpict e a filoso fia da linguagem em MFL, no que se
rém Iakubínski a teoriza do ponto de vista do sujeito fal an- 11 ft 11 1\ ~ompreensão da linguagem e do seu sentido. Confor-
te individ ual, enquanto em MFL desenvolve-se o conceito do 111• 1 ~1111Ni:111os anteriormente, Cbpiet concebe a linguagem
papel das avaliações sociais expressas na entonação para a 1111111111111 pda sua capacidade de produzir sentido, assim co-
constituição do sentido do enunciado. Em MFL não encon- 1,,,11111 i\•IH., no qual "a abstração da significação da pala-
tramos formulações a respeito do caráter automatizado do , • 11m lt-va :1 perder de vista a própria palavra, restando ape-
diálogo cotidiano, apenas sobre a sua constituição sociológi- 1111, 11 ~1· 11 som físico e o processo fisiológico da sua pronún-
ca e sua importância, como gênero da ideologia do cotidia- 11 1 ,, " g11i ncação que faz com que uma palavra seja uma
Chpiet entre duas rusciplinas científica s: a filosofia da lingua- , ,I Vl' I~ (cidadão, pessoa juríd ica, sujeito político etc.). Já em
gem se ocupa do sentido lógico e objetual da linguagem, tan- ~ 1H. d istingue-se a "vivência do eu", próxima à reação fisio-
to em sua expressão idea l quanto real; e a psicologia étnica 1111~11.:n de um animal, e a " vivê ncia do nós", cuja diferencia-
estuda o modo particular como um povo expressa a sua re- '• 111 ideológica ga ra nte fi rmeza à consciência.
lação com a natureza, consigo próprio, com os outros e com
a cultura; aquj, a significação é tomada como a " expressão"
ou modo espiritual concreto de dado povo. () SISTEMA LINGUÍSTICO
Em MFL, os signos ideológicos são constituídos no pro- E A TRADIÇÃO FILOLÓG ICA
cesso de interação social em que os interesses das diversas
classes sociais direcio nam o processo de construção das re- As in flu ências d os teóricos russos a linhados ao o bj eti-
presentações materializa das na palavra, ou seja, a relação \'" '"º nbstrato, apesar de menos evidentes, também se fazem
entre o sujeito e a realidade ocorre mediada pela interação 111 ,·sentes nas proposições do método sociológico de MFL. A
entre sujeitos sociais, na qual os signos ideológicos são en- 1111is explícita delas está na interpretação de que o conceito de
gendrados. Esses signos, por sua vez, constituem a vivência l•l1•111a linguístico decorre da a nál ise filológica de documen-
psíquica ao fazerem a mediação entre o homem e o meio ex- 111-. escritos em líng uas mortas:
terio r. Em M FL, a significação se localiza entre os falantes,
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70 Sheila Grillo 1 1111111 1111 ro<l utório
MFL, formado por filósofos da linguagem e linguistas alinha- 11t1 Nl rva suas particularidades, serão fundamentais nas teses
0
dos tanto ao subjetivismo individualista quanto ao objetivis- ,hiM'nvolvidas em MFL sobre: o caráter onipresente dos sig-
m~ abstra~o._ Esse propósito funda-se na percepção de que 0 llllN verbais em todas as esferas ideológicas; a síntese opera-
leitor bras1le1ro contemporâneo poderá acessar novas cama- 1111, 11111 a sociologia marxista em que a ideologia, por um la-
d~s de sentido de MFL não só por meio de um texto vertido 1111, 1· iníluenciada pelas condições materiais de existência,
dtretamente do origi.nal russo, mas também da recuperação tl hP•, por outro, exerce uma influência transformadora sobre
do seu contexto de p.rodução, que está distante em termos de , .,,,~ condições; a mediação dos signos ideológicos na forma-
espaço, tempo e cultura. '• ''" d., consciência e na constituição dos referentes do mun-
O ~ri~eiro dado relevante refere-se às diferenças entre 1111 d11ra11re o processo de interação discursiva; o papel ativo
as r~ferenc1as sobre a linguística do leitor brasileiro contem- ,lo dr,tinatário ou interlocutor na co nstrução do sentido.
porane? e do momento de produção e recepção de MFL. N os Ainda no terreno da filosofia, encontramos reflexos dos
manuais e cursos de Letras no Brasil, o nome que costuma fi- 11,1l111 lhns do filósofo russo Chpiet em MFL: a produção de
gurar como o pai da linguística moderna é o de Ferdinand 11;111 idos na linguagem é um processo ininterrupto (enérgeia)
de Saussure. No contçxto acadêmico de MFL, e mesmo no il, 1 r1:1ção regulado por leis socioculturais, formando a es-
contexto russo contemporâneo, apesar de Saussure ser uma 1 lll 1.1 da linguagem humana; a consciência nasce e existe en-
forte referência da Linguística do século XX, é Wilhelm von , ,ti 11,Hb na palavra, por meio da qual a pessoa sofre a influên-
~umboldt que parece ocupar o lugar de iniciador da linguís- • h, d., coletividade do seu grupo; por fim, o contato com a
uca, sobretudo por sua forte influência sobre Potebniá, um 11hr11de Chpiet nos permfre compreender por que o sentido
dos fun~adores da linguística russa no século XIX. A nosso ltiK" <> e objetual nunca é descartado nas obras de Bakhtin,
ver, a discussão sobre a relação entre pensamento e lingua- " l1•dviédev e Volócrunov, em que o enunciado e a palavra vol-
gem presente_em MFL pode ser mais bem compreendida com 1 1111 ~l ' para os objetos do mundo orientados pela interação
base nas teonas desenvolvidas por Humboldt e Potebma, ·, en _ 1ltH1. 11rsiva, pelos interesses das diversas classes sociais e pela
tre outros.
111 l u~e va lorativa.
~~ MFL, e nas demais obras de Bakhtin, Volóchinov e O estudo do diálogo em MFL é influenciado pelas obras
Medv1:dev, ª. filjação a teorias filosóficas permite uma com- 111• Vosslcr, Iakubínski e Vinográdov. Para Vossler, o diálogo,
~reensao mais profunda de questões de base da análise da , 11111 prccndido tanto como a interação face a face, quanto
linguagem~ a relação entre pensamento, linguagem e mun- 111(111umido em textos escritos, é a forma mais natural de lin-
do, ~e e~tre linguagem e sociedade - , assim como o cerne da ti,1111~c111. Já Takubínski e Vinográdov caracterizam o diálogo
polermca com o formalismo russo. , 11111 bnse no principio formalista segundo o qual a lingua-
No que diz respeito à relação entre pensamento e lin- M• 111 prática e cotidiana é automatizada. Em MFL, opera-se
guage~~ os pressupostos ideaListas de Cassirer, HWTiboldr e 1111111 lcirura crítica dessas fontes no sentido de orientar odiá-
P~tebm: sobre o papel do conhecimento humano na forma- l11w1em uma chave sociológica, compreendendo não apenas
çao e n~o somente na reprodução do real, e a assunção de , ,, c•li:mcntos da situação imediata de comunicação, mas tam-
que os signos verbais exercem uma função mediadora que ao l11 111 ns ênfases valorativas, as esferas da atividade humana,
mesmo tempo está presente em todas as formas do espírito e , hlt·ologia do cotidiano, entre outros.
72 Sheila GrilJo 73
111•,1ln i111rodutório
Baudouin de Courtenay e Mikolaj Kruszews ki, repre- . /azikoviédenie i iazik: issliédova11ia, zametchánia, program-
111i liéktsi [Ling11ística e lí11g11a: pesquisas, observações, programas
sentantes do objetivism o abstrato, também se fazem presen-
,/11 cursos(. Moscou: LKI, 20 1O 118701,
tes em MFL, por meio da teorização sobre os gêneros orais
11/\1-.1ITIN, Mikhail. Questões de estilística 110 ensino da língtta. Tradu-
cotidiano s, uma vez que, em termos metodológicos, a aná li- \'.lC> de Sheila Grillo e Ekatcrina Vólkova Américo. São Paulo: Edi-
se desses gêneros implica o trabalho com línguas vivas em tora 34, 20 13.
sua contemp oraneidad e. _ . " O problema do conteúdo, do material e da forma na cria-
Por fim, é importan te sa lientar que, embora nosso estu- \JO literária". ln: Questões de literatura e de estética: a teoria do ro-
do enfatizasse as influências dos autores analisados, MFL não 111<111ce. Tradução de Aurora Bernardini et ai. São Paulo: Hucitec, 3•
é apenas uma cópia ou continua ção desses aurores, mas an- rJ., 1993 [1924), pp. 13-70.
tes uma resposta ao seu contexto intelectua l, pois, sem igno- _ _ . Vopróssi stilístiki rússkogo iaúká v sriédnei chkole [Questões
rar as formulações anteriores da cadeia da comunicação cien- .le estilística nas aulas de /f11gua russa no ettsi110 médio). Sobránie
~11tcl1i11ié11i [Obras reunidas! vol. 5. Rabóti 1940kh-11a tchala l 960kh
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