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Já na introdução de MFL, justifica-se a importância do i:iências individuais.

E a própria consciência indivi-


trabalho com a filosofia da linguagem por sua abordagem de dual está repleta de signos. Uma consciência só pas-
aspectos essenciais para o marxismo, entre eles a psicologia: i-:1 a existir como tal na medida em que é preenchi-
d:i pelo conteúdo ideológico, isto é, pelos signos,
"Na primeira parte do trabalho, tentamos jus- portanto apenas no processo de interação social.
tificar a importância dos problemas da filosofia da Apesar das profundas divergências metodoló-
linguagem para o marxismo como um todo. Como
já havíamos dito, essa importância está longe de ser

,,i,as a filosofia idealista da cultura e os estudos
'
, ulturais psicológicos cometem o mesmo erro cru-
suficientemente analisada. Entretanto, os proble- ~:ín 1. Ao localizarem a ideologia na consciência,
mas da filosofia da linguagem se encontram no cru- eles transformam a ciência das ideologias em uma
zamento dos campos mais importantes da visão de , iência da consciência e suas leis, sejam elas trans-
mundo marxista, sendo que atualmente essas áreas ,endentais ou empírico-psicológicas." (Volóchinov,
gozam de grande atenção da nossa sociedade.» (Vo- 2017 [1929), p. 95)
lóchinov, 20l 7 l1929], p. 85)
A questão da consciência (soznánie) e da sua relação
Em seguida, na primeira parte, o papel da linguagem na , 11111 11 linguagem é central, porque o autor visa estabelecer
constituição da consciência humana (soznánie) e do psiquis- 1 11111ureza da ideologia na formação da consciência huma-
mo humano é um dos principais temas abordados. Normal- 1111, hem como superar a dicotomia entre -o s chamados méto-
mente, essa não é uma questão discutida entre teóricos do il11 tcno menológico e método projetivo (expostos abaixo) no
discurso, do texto e da enunciação, os principais leitores de 111111du científico das criações humanas (Engelhardr, 1924).
MFL na linguística brasileira, mas é central para filósofos da \1 l(lllldo MFL, qual é essa natureza? A ideologia não é uma
linguagem tanto de orientação idealista quanto materialista: 1111111ulação da consciência, mas, ao contrário, a ideologia
lt11111a, constitui a consciência por meio de sua realidade ma-
"O que o idealismo e o psicologismo ignoram 11•1t,11, isto é, dos signos ideológicos. Esses signos ideológicos,
é que a própria compreensão pode ser realizada p111 sua vez, são constituídos no processo de interação social
apenas em algum material sígnico (por exemplo, no , 111 que os interesses das diversas classes sociais direcionam
discurso interior). Eles desconsideram que um sig- 11 prm:csso de construção das representações materializadas
no se opõe a outro signo e que a própria consciên- 1111 pnla vra:
cia pode se realizar e se tornar um fato efetivo ape-
nas encarnada em um material sígnico." (Volóchi- "A língua elucida a personalidade interior e
nov, 2017 (1929], p. 95) a sua consciência, criando-as, diferenciando-as e
nprofundando-as, e não o contrário. É verdade que
" Essa cadeia ideológica se estende entre as a própria personalidade se constitui não somente
consciências individuais, unindo-as, pois o signo nas formas abstratas da língua, mas também nos
surge apenas no p rocesso de interação entre cons- seus cernas ideológicos. A personalidade, do ponto

54 Sheila Grillo l 11\,l io introdutório 55


de vista do seu conteú do subjet ivo interio r, é um te-
.. Do po nto de vista do conteú do ideoló gico
ma da língua , e esse tema se desenv olve e se diver-
11,10 h:i e não pode haver fronte iras entre o psiqui
s ifica na direçã o das constr uções linguís ticas mais s-
11111 l' :1 ideolo gia. Qualq uer conteú do ideoló gico,
estáve is. Por conseg uinte, não é a palavr a que ex-
-.1·111 exceçã o, indepe ndente mente do tipo de mate-
pressa a person alidad e interio r, mas a person alida-
11,tl sí~nico em que ele estiver encarn ado, pode ser
de interio r que é uma palavr a extern alizad a o u in-
\ 11111prcendido e, por conseg uia te, assimilado psi-
ternali zada. A palavr a, por sua vez, é uma expres -
q111\. ,1mcnte, isto é, pode ser reprod uzido no mate-
são da comun icação social, da interação de perso-
11.d "~nico interior. Por outro lado, qualqu er fenô-
nalida des materi ais e dos produ tores. As condiç ões
11w11n ideoló gico passa, no proces so de sua criaçã o,
dessa comun icação inteira mente materi al determ i-
prlu psiquismo, por ele ser uma instân cia necess á-
na m e condic ionam a defiruç ão temáti ca e constr u-
11,1. l{ cireram os: qualqu er signo ideoló gico exterio r,
tiva que a person alidad e interio r recebe rá em uma
111dl'pcndente menre do seu gênero , banha -se por to-
dada época e em um dado ambie nte, como ela con-
do., os lados nos signos interio res, ou seja, na coa s-
ceberá a si mesma , quão rica e segura será essa au-
, 11·1Kia. Esse signo exteri or tem sua origem no mar
tocons ciência1 como ela motiva rá e avalia rá os seus
dm s1µnos interio res e nele contin ua a viver, pois a
atos." (Volóc hinov, 2017 [1929], p. 31 1)
""" vi<la se desenv olve no processo de renova ção
d,, ,11:1 compr eensão , vivênc ia e assimi lação, ou se-
A conjun ção entre as forma s da língua e os temas ideo-
i•' , l ' III sua inserçã o contín ua no contex to interio r.
lógico s realiza da na comun icação social (ou interaç ão discur-
1... 1
siva) compõ e os signos ideoló gicos, que são respon sáveis pe-
Se, po r um lado, o conteú do do psiqui smo in-
la forma ção da person alidad e interio r e da consci ência.
d1v1dual é rão social qua nto a ideolo gia, por outro,
Outra questã o é a relaçã o entre pensamento, lingua gem
" " k11ômenos ideoló gicos são tão individ uais (no
e realida de. No idealis mo psicoló gico repres entado por Hum-
,,1'11t1do ideoló gico da palavra) quanto os psíquic os.
boldt e Potebn iá, a Linguagem não é reflexo da realida de e
l ,1d,1 produ to ideoló gico carreg a consig o a ma rca
sim uma ativida de que simultaneam ente consti tui a consci ên-
d,1 111dividualidade do seu criado r ou de seus cria-
cia human a e as repres entaçõ es do mundo , por meio da es-
d, 11 l'"• mas essa ma rca é tão social quanto todas as
tabilid ade dos concei tos, da seleçã o de determ inado aspect o
dt·11111is parricu laridad es e caract erístic as dos fenô-
do o bjeto a ser fixado na denom inação , enfim, da coloca ção
llH' llllS ideoló gicos.
em forma das impres sões sensor iais pelo espírit o human o.
1... 1
A relaçã o entre psicol ogism o e ideolo gia é tratad a no () antips icolog ism o tem razão ao recusa r de-
terceir o capítu lo da primei ra parte, em que o autor estabe le-
d11 ~1r a ideolo gia do psiqui smo. Mais do que isso,
ce tanto o terren o comum entre ambos , os signos , quanto os
11 thi4ui.,mo deve ser deduz ido da ideolo gia. A psi-
limites e as inter-r elaçõe s entre eles:
\ nlogia precisa apoiar -se sobre a ciência das ideo-
l11111,1, . Era necess ário que a palavr a primei ramen -
11· 11.1scesse e amadu recess e no proces so da comun
i-

56
Shcila Grillo 1 1 1111 1111wdu1ó rio 57
cação social dos organismos, para depois entrar no II h Ip,111, 1.1 nro do contínuo processo histórico de ~r_iação
organismo e se tornar a palavra interior. f1 ,1111111 ,1, qua nto materializam os produtos da at1V1dade
No entanto, o psicologismo também tem ra- "' lt 1111· 111dividual e coletiva. Vemos aqui as influências de
zão. Não há o signo exterior sem o signo interior. \\ !1111 1111 vrn1 l lumbold t e da filosofia de Chpiet, pa ra quem a
Um signo exterior, incapaz de entrar no contexto ~ 1111 111 t' 11 " rnrne" do pensamento que nasce junto com ela.
dos signos interiores, ou seja, incapaz de ser com- t l 1,q,111d11 sobre a " interação discursiva" é centra l pa-
preendido e vivido, deixa de ser um signo e toma- i 111111d 1·11110s as propostas teórico-metodológicas de MFL.
-se um objeto físico. ( Ih , , 11•1111 ,, cum atenção o longo fragmento a seguir:
O signo ideológico vive por meio da sua rea-
lização psíquica, assim como a realização psíquica " /\ rn11sciê11cia é uma ficção fura da objetiva-
vive por meio d o seu conteúdo ideológico. \ ,lo, /ur11 da encarnação em um material determi-
[...) 11,1,/11 (o materia l do gesto, da palavra interio r, do
Essa síntese dialética viva entre o psíquico e o 1111111). l'r:ita-se aq ui de uma construção ideológica
ideológico, ~tre o interior e o exterior, se realiza 1111111 , criada por meio de uma abstração d os fatos
sempre reiteradamente na palavra, em cada enun- , 1111l Mos da expressão social. Todavia, a consciên-
ciado, po r mais insignificante que seja." (Volóchi- , 111 l umo uma expressão material o rganizada (no
nov, 2017 [19291, pp. l 27-30, 137-8, 140) 111,11 ,•ri.d ideológico da palavra, do signo, do dese-
111111, d.1~ ti ntas, d o som musical etc.) é um fato 06-
Ao estabelecer, em MFL, o material sígnico como o ter- 11 11\U l' uma enorme força social. Entretanto, essa
reno comum entre a ideologia e o psiquismo, é lançad a a ba- , 1,11,l 1t·ncia não se e ncontra acima da existênc ia
se para a superação dos dois métodos, postulados por Engel- 11, 111 pode determiná-la de mo do constitutivo, pois
hardt24 (1924), de estudo dos produtos da criação huma na , 11111:-.ciência é uma parte da existência, uma das
ou dos monumentos da cultura espiritual: o método fenome- ~,111 ~ forças e, portamo, possui a capacid ade de agir,
nológico, que entende esses produtos como processo na cons- d,· dl',cmpenhar um papel no palco da existência.
ciência do criador e do receptor, e o método projetivo, que 1 11q1111 mo a co nsciência permanece na ca beça da-
os concebe situad os fora da consciência, já que estão engen- q1wk l lllC pensa como um embrião verba l da ex-
drados na relação genética entre as obras. O s conceitos d e 1111•,~:w , ela é a penas uma parte muito pequena da
signo ideo lógico e de enunciado como objetos do método so- •''mtência, com um campo d e ação red uzido. No
cio lógico buscam superar a divisão entre o interior e o exte- 11111 ,11110, quando ela passa todos os estágios da ob-
rior, entre o individual e o social, entre a atividade conscien- 1• 1t l'.11; iio social e entra no campo de força da ciên-
te (enérgeia) e seus produtos externos (érgon), p o is os signos , 111, d.1 arte, da mora l, do direito, ela se torna uma
I•11,.1 verdade ira, capaz até de exercer uma influên-
24 ' 1,1 111vcrsa nas bases econô micas da vida social. "
Boris Mikháilovitch Engclhardt ( 1887-1942), fi lólogo, crítico li-
terário russo e professor na Faculdade de Letras do Instituto de História ( V, ilochinov, 2017 [1929), pp. 211 -2)
da Arte de Leningrado, nos anos 1920.

58 Sheila Grillo l tt 11111111roduró rio 59


Neste longo fragmento é realizada, a nosso ver, uma sín- ,111~ ~,, temas de refe.rência por meio dos quais se tem aces-
tese dialética entre o idealismo de Humboldt, Potebniá e Cas- são influenciados pelas teses idealistas lançadas por
111 1t•,al

sirer, postulador es do papel ativo da consciência humana na 1l11111l111ldt e retomadas por Potebniá e depois Cassirer.
determinaç ão da sua existência, e o materialism o histórico l l111 ra síntese import.ante iniciada no fragmento acima
defensor da tese oposta: de que a existência determina a cons~ 11111pll·tnda a baixo é a relação dos signos ideológicos com
h 25
c1enc1a umana. O autor de MFL não assume nenhum des- 1111~ul·111.:ia.
•A •

ses dois polos, mas realjza a seguinte síntese: a consciência


material_izada em ~~gn~s e objetificada em sistemas ideológi- " Desde o princípio, a vivência está orientada
cos particulares (c1enc1a, a rte, ética, direito) é, por um lado, p.i ra uma expressão exterior bastante atualizada, e
uma parte da existência, uma de suas forças e, por outro ca- 11'11dc para ela. Essa expressão da vivência pode ser
~az de influenciar, de transforma r a existência material. Com 1l'll lizada, mas ta mbém pode ser atrasada e retar-
isso, o autor assevera que a relação entre existência e cons- 1!.id,1. Nesse último caso, a vivência é uma expres-
ciência é uma via de mão dupla: por um lado, a existência ~110 retardada (não abordarem os aqui a questão

material influen<:)a na constituiçã o da ljnguagem e, por ou- li11,1.1nrc complexa das causas e condições do retar-
tro, a consciência age sobre a existência material isto é a d.1111e11to). Por sua vez, a expressão realizada exer-
l l' 11m:t potente influência inversa sobre a vivência:
consciência humana, ao formar-se nos signos ideoiógicos: é
capaz de exercer uma influência transforma dora sobre a ba- 1·l,1 rnmeça a penetrar na vida interio.r, dando-lhe
se econômfra , principa l elemento da existência material na 11111.1 expressão mais estável e definida. " (Volóchi-
visão marxista. 1111v, 20 17 (19291, p. 212)
Outro princípio importante expresso nesse fragmento é
o d~ que ~ objetificação da consciência se dá não apenas por ( ,~ <li ve rsos sistemas sígnicos (música, pintura, gestos,
me10 de signos verbais, mas também musicais e plásticos, o ll11~1111~cm verbal) exercem uma função estabilizado ra e de-
que, a nosso ver, ecoa a tese de Potebniá de que não há igual- ll111d11m dn consciência humana. Essas duas funções são am-
dade entre pensamento e palavra, uma vez que a criança pen- l 11tll' 1tle desenvolvidas nos trabalhos de Humboldt e Pote-
sa ames de f~J~r, que o ~ensamento artístico do pintor, does- t 1111 que, :t nosso ver, contribuem para a síntese dialética ope-
cultor, do musico se realiza sem palavras; e o matemático em- r il,1l'lll MFL. Conforme expusemos anteriorme nte, Hum-
preend~ sua _ciência por meio de fórmulas. Com isso, quere- 111lih postula que a forma linguística confere estabilidad e e
mos ev1denc1ar que, em MFL, o papel ativo do pensament o 111111 tdl' conceituai às propriedad es materiais apreendida s pe-
humano na constituiçã o das linguagens verbais e nãu verbais l•l!l ~rotidm,; e Potebniá argumenta que a palavra contém a
i,11 .rn tnçào do elemento unificador do objeto, bem como
11111~1·111 partilhada. Forma linguística e palavra compõem
25
t lc 1111·mo está vel da representaç ão, ao mesmo tempo em
Em t~rmos um pouco diferentes, C raig Brandist (2002, pp. 54, llll I lll crram a possibilidad e do novo, do inesperado , pois o
!)
6 2, 8 ~ -mbém ressalta que Volóchinov (e Mcdviédcv) buscou uma sín-
1 J\lu ,o pode ser percebido em contraste com o velho, o da-
t ica entre " filosofias idealistas de cultura e marxismo", "sociolo-
t ~ dralc_
gia marxista e neokantismo" , .. psicologia e filosofia da linguagem". d }1 11 w 11hecido .

60 Sheila Grillo 1 li,1111 1111rodu1ó rio 61


Em MFL, a relação entre psiquism o e sistema de signos tota lidade, é traduzid o por nós para outro contex-
é outro e.l emento em que se revela a busca de uma síntese dia- 10 ativo e responsi vo: Toda compreensão é dialógi-
lética do idealism o psicológ ico de Humbol dt e sobretu do de n 1." (Volóch inov, 2017 (19291, p. 232)
Po tebniá com as teses sociológ icas marxista s. No mesmo pa-
rágrafo, assume- se, por um lado, que " A realidade do psi- Ideias semelha ntes sobre o papel ativo dos falantes no
quismo interior [éj a realidade do signo. Não há psiquism o I", ,l l'' ~º de constitu ição do sentido podem ser encontr adas
fora do material sígnico" (Volóch inov, 2017 l} 929J, p. 116),
11111 l l11111hold t:
ou seja, o material ismo dialético impõe-s e sobre o mo do de
pensar o psiquism o que só existe material izado em signos, "Falar - mesmo nas mais simples formas do
diferent emente do que propõem Humho ldt e Potebniá . Por di,~urso - significa unir suas sensaçõe s individu ais
o utro, a visão humbo ldtiana d e que a linguage m faz a me- ,, 11.1tureza humana geral.
diação entre o mundo objetivo e o mundo subjetiv o está pre- O mesmo deve ser dito sobre a compree nsão
sente em afirmaçõ es como " o organismo e o mundo se en- d., mensage m. No espírito d o ho mem, tudo acon-
contram no signo." (Vo lóchinov, 2017 [1929], p. 116). 1n t· so mente por meio da sua atividad e autônom a,
,. ., compree nsão da mensage m e a comunic ação
por meio da palavra são somente ações distintas
A QUESTÃO DO DIÁLOG O d., mesma capacid ade." (Humboldt, 2013 [1859],
COMO FORMA ESSENCI AL DA LINGUAG EM
11 Q )

No capítulo de MFL "Tema e significa ção na língua", ao 1111 como exposto anterior mente, Humbo ldt entende
criticar o monolog ismo da ciência da linguage m, propõe- se 1 11, ,, l11114ua é um elo entre os homens , pois este só co~-
que a construç ão do sentido decorre d o d iálogo entre locutor 1
11, 1 1•11dl' :1 si mesmo depois de certifica r-se da compree nsao
e interlocu tor, em que ambos desempe n ham um papel ativo:
11 " "'" palavras pelos outros. Em consonâ nc ia com sua con-
11.,,1,, de língua como atividad e linguística, tanto locutor
"O problem a da significa ção é um dos mais di- lfil 1111 11 mtcrlocu tor estão imersos n_
ela. Poteb~á , por sua vez,
fíceis da linguísti ca. À medida que esse problem a é 1 111\nlvc n princípi o do papel anvo do ouvmte em termos
solucion ado, o monolog ismo unilatera l da linguís- 1111tl11 111.,is próximo s ao de MFL:
tica se revela d e modo especial mente claro. A teo-
ria da compree nsão passiva não abre a possibili da- "A forma interna da palavra, pronunc iada pe-
de de uma aproxim ação às especificidades mais fun- lt 1 1111:inrc, orienta os pensame ntos do ouvinte, mas
damenta is e essencia is da significa ção linguísti ca. " 1•111 ,,penas o estimula , isto é, somente dá os meios
(Volóchi nov, 2017 [19291, p. 227) 1111111 Jcscnvo lver os significa dos nele, sem fixar os
li1111ll'' para a sua compree nsão da palavra. A pa-
"Desse modo, cada element o semânti co isolá- luvi.1 pertence tanto ao falante quanto ao ouvinte,
vel do enuncia do, assim como o enuncia do em sua 11 p, 1r1:1nro seu significa do consiste não no fato de

62 Sheila Grillo 63
11 h1t111il111 i1riu
que ela cem um sen tido determinado para
o falan- 111111 ,,,d"' cm MFL para I-1ustrar o método sociológ.ico
te, mas no fato de que ela é capaz de ter 1111 ,. , 111d11-. reti rado s de obr as liter ária
um senti- s (La Fontame,
do em geral. A palavra pode ser um mei
o de com- hi 111, 1l11, 111iévski). b )d p tebniá
preensã o do out ro somente porque o con , 11111 1 p111xianidade entr e
teúdo de- MFL, Hum O r ~ 0 .
la é capaz de crescer. " (Potebniá, 2010 l l 111 , , 111, . 1 co11 stn11'd a cont ra O conceito de sistema 1in-
[18921, pp. •
162-3) 1 111 li 1\11 .,, ,um ir uma concepça- 0 de linguagem com o an-
. .
1 1 , 11,111 l t11m> produto, H. umbold t afirma
qdue do qu~ s_e
A concepção do papel ativo do destinat 1 nd, 11111 l111gua (1ex1c
, · mática) é resulta o a auvi-
ário ou interlo o e gra
cuto r na construção do sentido é ainda dese 1 , h 111il1l ,1e não a condição natural da , S Ih -
nvolvida por Po li~gua; _eme an
tebniá em sua abordagem da obra de arte 111, ' ,111 l ri! ic:ir a realidade do siste
que, assim como li ma lingu1snco, o au-
palavra, é um trabalho de constante cria 1 ~111 .dirm:i:
ção. Segundo Pote
bniá, embora a obra de arte concretize
o projeto, a ideia do
artista, ela se torna independente após a .. /\ 1,,,~ua com o um sistema estável de
criação; seu conreú
,., ,, ,1111 ,,,s idênticas é som ente
[º'':1ª 5
do desenvolve-se com a participação do 11 e1e1:1-
uma absrr_açado
espectador e sobre- 1
tudo nele, sendo que o próprio artista se
torn a um dos seus 111,.. ,.p,uJ ut1vaa penas diante de derermm
·
_ a_ os 6
, od -
espectadores. Ainda de aco rdo com o auto , . , ·
l• li\" ' pran cos e teon cos. Essa abstraçao nao e a e-
r russo, a força da , .
obra de arte não está na ideia do autor, mas q11,nl,1 :, realidade concreta da língua.,,
em como ela age (Voloch1-
sobre o leitor ou espectador e, consequente 11m.111 17 11929], P· 224)
mente, nas possi
bitidades inesgotáveis do seu conteúdo.
O mérito do artista ...
está na força que a forma interna da obr n1 MFL a' idei a de sistema do objetivismo
a de arte tem para " 1 llll l ,I C abs-
produzir os mais variados conteúdos. Em 111 1,1,,,1,1v:1 presente no rra ba Iho de Humboldt ou se1a ·
,o
particular, a pala- . d',v,'d 1· f ece as ferramentas,
vra poética possui capacidade de adensar 11 l• li\ , ~11111 111 ua isca orn para a su-
o pensamento.
Se, por um lado, a ideia do papel ativo ' , ,111 do objetivismo a bstrato. Ent ret~n~o
do interloc utor , as Hpropbostlads
está presente na concepção de arre de Pote ,·
ca comu são d1st1nta
11,, d,•,"' rcm dessa cnn m s: um
do-o das ideias de MFL, por outr o, nest
bniá, aproximan-
,11111 • " " ' viés idealista em que
. .d d 1 o t
a obra reje ita-se a a língua é a anv1 a e rnma-
identificação da cria tividade linguística com \ 1, 111111, formação d os sons na expressão do pensamento
a criativid ade ar- . , .
tística: " A criação da língua não coincide
com a criação ar- 1111111 11111; l ' VO 10,chinov estabelece uma síntese .
d1al et1ca entre
tística ou com qualquer out ra criação espe 11 1, 1111,1110 de Humboldt/Porebniá e · ·
cificamente ideo ló- a soc1_olog1a ~adr~sta,
gica" (Volóchinov, 201 7 11929], p. 224 ).
Isso porque o viés 111'• 1tpor que a esse~ ac1a . d I' a está na interaçao iscu r-
a mgu
sociológico postula o papel ativo e oniprese . d
\ ' 11 ,1m enuncia os concretos qu e resultam de1a, ou seJa .•
nte da linguagem - 1· .
em todos os "sistemas ideológicos formado
s" e na " ideo lo- A /w,i:11, 1 e 11111 processo mm . • t rupto de formaçao, rea 1za-
er
gia do cotidiano" .26 No entanto, cabe dest
acar que os exem-

o11 ,il 1d1•11lo~y" n:io é uma boa trad ução


para a expr essã o russa jíz.11e11·
l6 Con cord amo s com Tiha nov (200 2, p. 1 ji/111/1 IJ,!11111 ,
89) que a exprcss:io ~hchn-

64 65
Shciln Grillo 1111 1111rml111ó rio
do por meio da interação sociodiscursiva dos falantes" (Vc - 1 1 1111 , ,wrn dos produtos dos sistemas ideológicos consti-
lóchinov, 2017 [1929], p. 224). 11111111, 1,,, MFL, a situação social, imediata e ampla, é to-
Em MFL, o diálogo é a forma básica de compreensão do •ili, 1111110 um dos elementos constitutivos do material ver-
outro e de si mesmo, bem como a forma mais importante da 1 111 1 ,ltl ncntemente de Iakubínski, não explica a falta de
interação discursiva. Essa centra.lidade do diálogo na filoso- , 11~1111 .111 l'. omponente verbal.
fia da linguagem tem sua origem, como vimos, nos trabaU1os 1 111 Vinográdov, encontramos anál ises de obras literá-
filosóficos de Vossler, nas obras de Vinográdov e Iakubínski. 11 • 11i1 •• q11:1is o diálogo é tomado como um procedimento
Vale relembrar que, para Vossler, o diálogo é, em primeira 1 11t , , de rnnstituição da semântica o u da simbologia dos
instância, a forma mais natural dos discursos retórico e coti- 111111 ,, N.io percebemos, porém, afirmações sobre a essen-
diano e, em última instância, a forma estruturadora de toda 1111111ll· do diá logo à compreensão da linguagem humana,
a Linguagem, pois o monólogo nada mais é que uma conver- ,,,_, 11,111 dl't:orrente, provavelmente, de sua recusa em pro-
sa consigo mesmo e as obras literárias não podem ser conce- l 111111~,pios gerais de uma teoria da literatura e de sua vi-
bidas fora do endereçamento a um público. De acordo com li 11. q 11t :1 estilística deveria orientar-se pelos resu ltados e
Iakubínski, o diálogo é a forma mais natural da linguagem e 1,, ,11,•1ndologia da linguística.
sua presença marcante na linguagem prático-cot idiana reves-
te-se de um caráter automático e inconsciente a ser desauto-
matizado na linguagem poética. Se a concepção de diálogo 1 I N< ,IJA, SENTIDO E SUJEITO
de MFL parece, por um Lado, muito próxima da de Vossler,
por outro, ela é resultado de uma leitura crítica das proposi- 1\ 111d.1 sobre a relação entre o papel do sistema linguis-
ções de Iakubínski e Vinográdov. A excelente caracterização 11 11,1,11 iviuade da língua de Hwnboldt e no enunciado con-
do diálogo direto em Takubínski funda-se em uma análise da 111 d,· M 1-'L ., vemos uma semelhança entre ambos: a língua,
situação mais imediata de comunicação, que em MFL é ape- 111ti 111l1d11 1.:01110 os elementos estáveis do léxico e da gramá-
nas um dos elementos, ao lado do contexto valorativo e do 1 1, 1 11111a parte tanto da atividade da fala em Humboldt,
horizonte social mais amplo. lsso fica claro na análise que en- 11111111, d11 rl'ma do enunciado em Volóchinov- "Juntamen-
contramos, tanto no texto " Sobre o discurso dialógico" de 111111 11 11·111a, ou melhor, dentro dele, o enunciado possui
laku bínski, quanto em MFL, de um fragmento do Diário de 11111li1•111 ,1 ~ignificação" (Volóchinov, 2017 [1929], p. 228).
um escritor de Dostoiévski: em ambos os textos enfatiza-se 1 ,,hc aqui destacar os contrapomos entre a filosofia de
o papel da entonação na constituição do enunciado oral, po- f '"' 11\ t hpict e a filoso fia da linguagem em MFL, no que se
rém Iakubínski a teoriza do ponto de vista do sujeito fal an- 11 ft 11 1\ ~ompreensão da linguagem e do seu sentido. Confor-
te individ ual, enquanto em MFL desenvolve-se o conceito do 111• 1 ~1111Ni:111os anteriormente, Cbpiet concebe a linguagem
papel das avaliações sociais expressas na entonação para a 1111111111111 pda sua capacidade de produzir sentido, assim co-
constituição do sentido do enunciado. Em MFL não encon- 1,,,11111 i\•IH., no qual "a abstração da significação da pala-
tramos formulações a respeito do caráter automatizado do , • 11m lt-va :1 perder de vista a própria palavra, restando ape-
diálogo cotidiano, apenas sobre a sua constituição sociológi- 1111, 11 ~1· 11 som físico e o processo fisiológico da sua pronún-
ca e sua importância, como gênero da ideologia do cotidia- 11 1 ,, " g11i ncação que faz com que uma palavra seja uma

66 Sheila GriJlo l 1111111 11111·11d11rório 67


palavra" (Volóchino v, 2017 [1929], p. 117). Esta formu la- 11111 d11o significado objetual determinado e transformado pe-
ção é muito próxima das reflexões de C hpiet em Estetítche- h1 ,iv.di ação social e.histórica. Enquanto em Chpiet o com-
skie fragmiénti lFragmentos estéticos! (C hpiet, 2007 [1922- p11111·nrc va lorativo é secundário e pode ser distinto do con-
23]), levando-nos a pensar ser esta uma das influências de 1• 11dn o ntológico, em MFL não só esses dois componentes
MFL nesta q uestão. Além disso, sob a nítida influência de 111 111dissociáveis, quanto a aval iação precede e determina o
Humboldt, ambos os pensadores compreendem que a pro- 111111ri'1<lo objetual. Consequentemente, em MFL o sentido ló-
dução de sentidos na linguagem é um processo ininterrupto 11h II e ob jetua l só existe na relação com o modo como dado
(enérgeia) de criação regulado por leis socioculturais. p11v11 o u g rupo socia l se relaciona com a realidade natural e
No entanto, ambos os pensadores djferem na orienta- 111111,ral.
ção da co nstituição do sentido da Linguagem. C hpiet procura T:rnro na obra de C hpiet quanto em MFL, a consciência
garantir a autonomia do mundo material em relação à ativi- tlll Nl'l' e existe encarnada na palavra, que é a formadora da
dade constitutiva do sujeito por meio do componente lógico 11 1111rnnsciência e atribui estabilidade conceituai a ela. Em
da forma interna da palavra. Essa orientação faz com que o 1111hn:-. as o bras tematiza-se a pessoa individual como sujeito
filósofo estabel~a uma distinção entre o componente onto- hl1oc'>rico e social, cujas vivências, impressões e reações so-
lógico na linguagem, pois é na relação entre esta e o mundo 111•111 a influência da coletivid ade do seu grupo por meio da
que se dá a constituição do sentido, e a "cossignificação", 11 11d11;:fo popular. Entretanto, Cbpiet separa o sujeito psico-
que é a função expressiva e secund ária responsável pelas re- 111►1 1 ~<• - autoconsciência individual em um dado contexto
presentações individuais e subjetivas. Essa distinção entre for- • •~ 111 1 e histórico - do sujeito histórico - po rtador de uma
ma lógica e forma expressiva o rienta a djvisão operada por , 1 11 11 (ombinação de potenciais lüstóricos e sociais objetifi-

Chpiet entre duas rusciplinas científica s: a filosofia da lingua- , ,I Vl' I~ (cidadão, pessoa juríd ica, sujeito político etc.). Já em
gem se ocupa do sentido lógico e objetual da linguagem, tan- ~ 1H. d istingue-se a "vivência do eu", próxima à reação fisio-
to em sua expressão idea l quanto real; e a psicologia étnica 1111~11.:n de um animal, e a " vivê ncia do nós", cuja diferencia-
estuda o modo particular como um povo expressa a sua re- '• 111 ideológica ga ra nte fi rmeza à consciência.
lação com a natureza, consigo próprio, com os outros e com
a cultura; aquj, a significação é tomada como a " expressão"
ou modo espiritual concreto de dado povo. () SISTEMA LINGUÍSTICO
Em MFL, os signos ideológicos são constituídos no pro- E A TRADIÇÃO FILOLÓG ICA
cesso de interação social em que os interesses das diversas
classes sociais direcio nam o processo de construção das re- As in flu ências d os teóricos russos a linhados ao o bj eti-
presentações materializa das na palavra, ou seja, a relação \'" '"º nbstrato, apesar de menos evidentes, também se fazem
entre o sujeito e a realidade ocorre mediada pela interação 111 ,·sentes nas proposições do método sociológico de MFL. A
entre sujeitos sociais, na qual os signos ideológicos são en- 1111is explícita delas está na interpretação de que o conceito de
gendrados. Esses signos, por sua vez, constituem a vivência l•l1•111a linguístico decorre da a nál ise filológica de documen-
psíquica ao fazerem a mediação entre o homem e o meio ex- 111-. escritos em líng uas mortas:
terio r. Em M FL, a significação se localiza entre os falantes,

68 Sheiln Grillo 1m ,1111 1nrrodutório 69


t 111•1m conve rsacio nais orais (faku bínsk i ).
27
t. bem verda -
" Na base daqu eles méto dos lingu ístico s de
1 q11,· .1 tercei ra parte de MFL , " Para uma histó ria das for-
pensa ment o que cond uzem à criaç ão da língu a co- é dedic ada
flhl - cio t·nu nciaJ o nas const ruçõe s da língu a",
mo sistem a de forma s norm ativa s idênt icas está a i-
, 11 1htl1~e de fragm entos escrit os de obras literá rias, aprox
orientação teórica e prática para o estud o das lín-
'" rnd,, ,e do mate ria l de pesqu isa da filologia. A nosso ver,
g11as estrangeiras mort as conservadas nos monu- aplic ação do método
, 1 11111ll1:1 desse mater ial para ilustr ar a
ment os escritos. lóchi nov na seção
, ,, Hd, ,gi.:o é motiv ada pela atuaç ão de Vo
É ~reciso subli nhar com absol uta firmeza que tuto da Histó-
1, 11w1m lolog ia da litera tura do [LIAZ V (Insti
e~sa 0~1entação filológica deter mino u de modo sig- Ocid ente e do
111 1 n111pnrada das Liter atura s e Língu as do
nificativo rodo o pensa ment o linguístico do mund o ão de estu-
11, 11•111 l°) e pelo diálo go estabelecid o com a tradiç
europ eu. " (Voló chinov, 2017 (1929J, p. 182)
lct , nhre a ling uagem : por um lado, o méto do de estud o do
tex-
1111111l ,mio concreto está mais próxi mo do traba lho com
Baud ouin de Cour tenay e Kruszewski, ao consi derar em as unida des
ma l, 1 d,1 1r.1dição filo lógica e retór ica do que com
que a essên cia da língua está na atividade da fala c ritica Poteb niá ou
ou- 11111\111-.1il'.as (fone ma , morfe ma) estud adas por
linguística histórica qwe, influenciada pela filologi~, dedic a em
s an- l\,111d1111111 de Cou rrenay; por outro , a análi se da língu
-~e ao estud o de docu ment os escritos em .línguas morta r na comp reens ão
sta Voss- ,, 11, d., fala, do papel a tivo do interl ocuto
tigas. Do ponto de vista do subjetivism o individuali
ato tln 1•11111,c iado, da relaç ão dos signo s ideol ógico s com a cons-
le~, ~o defen der que na base de qualq uer língu a estã; 0 a filoso-
, propõ e co- 1t 11~,.,, -.,io orien taçõe s assum idas em d iálog o com
cnat1vo do indivíduo e os atos de fala individuais os XIX e XX. Tan-
de " 1 d,1 lingu agem e a lingu ística dos sécul
m_o tarefa o estud o do processo de "fala ", que é O o bjeto MFL opero u
que é 111 1•111 11 m senrid o q uanto no outro , o autor de
est_ud o dos lingui stas em contr apon to ao ouvir /ler, 0
vez que o estud o so-
de MFL parec e rer se 1111i.1 ki1urn crític a das tradiç ões, uma
?bJe~o de estud o dos filólo gos. O autor
e de 11,lnw rn do enun ciado concreto se const ituiu em diálo go es-
inspir ado ~anto na crítica de Baud ouin de Cour tenay
sti- 111 1111 l Olll a tradiç ão.
Kruszewsk1 quan to na distin ção entre os objetos da linguí
propó -
~ e da filologia estabelecida por Vossler, porém com O
e
sito de fund~r um ~urro méto do de estud o da Jjngu agem
con- 1. CONC LUSÕ ES
um outro obJeto de investigação: o estud o do enunciado
tura socio ideo lógica .
creto como um comp onen te da estru
<) objet ivo de nosso ensa io introd utóri o foi recup era r
A defesa por Baud ouin de Cour tenay e Kruszewski de
ser do conte xto intelectual da época de produ ção de
que a ~ssên~ia da língua está na ativid ade da fala pode
1111111 p .1rtc
gêne-
perce b,~a ainda em MFL na valor izaçã o dos pequenos
de salão , bate- papo de rra-
ros orais do cotid iano (conversas dis-
iares em 1
11111 cxce lenre exemp lo de como os princí pios da ímera ção
balha dores no horár io do almo ço, conve rsas famil 111 h ,1 r11dern orienta r a a ná lise de enunc iados conve rsac ionais encon -
den-
c~sa etc.). No capítulo em que a interação discu rsiva é •• 1 1111 .i rrigo de Beth Brait, "O proces so
inrerac iona l", em Dino Preti,
se aicas/F FLCH -USP, 200 l,
ruda co~~ a realidade funda menta l da língua, argum enta- \ .. lli•r ,!,, 1,•x/0s orais, s• ed., São Paulo, Huma
nos
q ue a a r1v1da de da fala se realiza de modo mais concreto 1 •' 111 11 l 14.

71
70 Sheila Grillo 1 1111111 1111 ro<l utório
MFL, formado por filósofos da linguagem e linguistas alinha- 11t1 Nl rva suas particularidades, serão fundamentais nas teses
0

dos tanto ao subjetivismo individualista quanto ao objetivis- ,hiM'nvolvidas em MFL sobre: o caráter onipresente dos sig-
m~ abstra~o._ Esse propósito funda-se na percepção de que 0 llllN verbais em todas as esferas ideológicas; a síntese opera-
leitor bras1le1ro contemporâneo poderá acessar novas cama- 1111, 11111 a sociologia marxista em que a ideologia, por um la-
d~s de sentido de MFL não só por meio de um texto vertido 1111, 1· iníluenciada pelas condições materiais de existência,
dtretamente do origi.nal russo, mas também da recuperação tl hP•, por outro, exerce uma influência transformadora sobre
do seu contexto de p.rodução, que está distante em termos de , .,,,~ condições; a mediação dos signos ideológicos na forma-
espaço, tempo e cultura. '• ''" d., consciência e na constituição dos referentes do mun-
O ~ri~eiro dado relevante refere-se às diferenças entre 1111 d11ra11re o processo de interação discursiva; o papel ativo
as r~ferenc1as sobre a linguística do leitor brasileiro contem- ,lo dr,tinatário ou interlocutor na co nstrução do sentido.
porane? e do momento de produção e recepção de MFL. N os Ainda no terreno da filosofia, encontramos reflexos dos
manuais e cursos de Letras no Brasil, o nome que costuma fi- 11,1l111 lhns do filósofo russo Chpiet em MFL: a produção de
gurar como o pai da linguística moderna é o de Ferdinand 11;111 idos na linguagem é um processo ininterrupto (enérgeia)
de Saussure. No contçxto acadêmico de MFL, e mesmo no il, 1 r1:1ção regulado por leis socioculturais, formando a es-
contexto russo contemporâneo, apesar de Saussure ser uma 1 lll 1.1 da linguagem humana; a consciência nasce e existe en-
forte referência da Linguística do século XX, é Wilhelm von , ,ti 11,Hb na palavra, por meio da qual a pessoa sofre a influên-
~umboldt que parece ocupar o lugar de iniciador da linguís- • h, d., coletividade do seu grupo; por fim, o contato com a
uca, sobretudo por sua forte influência sobre Potebniá, um 11hr11de Chpiet nos permfre compreender por que o sentido
dos fun~adores da linguística russa no século XIX. A nosso ltiK" <> e objetual nunca é descartado nas obras de Bakhtin,
ver, a discussão sobre a relação entre pensamento e lingua- " l1•dviédev e Volócrunov, em que o enunciado e a palavra vol-
gem presente_em MFL pode ser mais bem compreendida com 1 1111 ~l ' para os objetos do mundo orientados pela interação
base nas teonas desenvolvidas por Humboldt e Potebma, ·, en _ 1ltH1. 11rsiva, pelos interesses das diversas classes sociais e pela
tre outros.
111 l u~e va lorativa.
~~ MFL, e nas demais obras de Bakhtin, Volóchinov e O estudo do diálogo em MFL é influenciado pelas obras
Medv1:dev, ª. filjação a teorias filosóficas permite uma com- 111• Vosslcr, Iakubínski e Vinográdov. Para Vossler, o diálogo,
~reensao mais profunda de questões de base da análise da , 11111 prccndido tanto como a interação face a face, quanto
linguagem~ a relação entre pensamento, linguagem e mun- 111(111umido em textos escritos, é a forma mais natural de lin-
do, ~e e~tre linguagem e sociedade - , assim como o cerne da ti,1111~c111. Já Takubínski e Vinográdov caracterizam o diálogo
polermca com o formalismo russo. , 11111 bnse no principio formalista segundo o qual a lingua-
No que diz respeito à relação entre pensamento e lin- M• 111 prática e cotidiana é automatizada. Em MFL, opera-se
guage~~ os pressupostos ideaListas de Cassirer, HWTiboldr e 1111111 lcirura crítica dessas fontes no sentido de orientar odiá-
P~tebm: sobre o papel do conhecimento humano na forma- l11w1em uma chave sociológica, compreendendo não apenas
çao e n~o somente na reprodução do real, e a assunção de , ,, c•li:mcntos da situação imediata de comunicação, mas tam-
que os signos verbais exercem uma função mediadora que ao l11 111 ns ênfases valorativas, as esferas da atividade humana,
mesmo tempo está presente em todas as formas do espírito e , hlt·ologia do cotidiano, entre outros.

72 Sheila GrilJo 73
111•,1ln i111rodutório
Baudouin de Courtenay e Mikolaj Kruszews ki, repre- . /azikoviédenie i iazik: issliédova11ia, zametchánia, program-
111i liéktsi [Ling11ística e lí11g11a: pesquisas, observações, programas
sentantes do objetivism o abstrato, também se fazem presen-
,/11 cursos(. Moscou: LKI, 20 1O 118701,
tes em MFL, por meio da teorização sobre os gêneros orais
11/\1-.1ITIN, Mikhail. Questões de estilística 110 ensino da língtta. Tradu-
cotidiano s, uma vez que, em termos metodológicos, a aná li- \'.lC> de Sheila Grillo e Ekatcrina Vólkova Américo. São Paulo: Edi-
se desses gêneros implica o trabalho com línguas vivas em tora 34, 20 13.
sua contemp oraneidad e. _ . " O problema do conteúdo, do material e da forma na cria-
Por fim, é importan te sa lientar que, embora nosso estu- \JO literária". ln: Questões de literatura e de estética: a teoria do ro-
do enfatizasse as influências dos autores analisados, MFL não 111<111ce. Tradução de Aurora Bernardini et ai. São Paulo: Hucitec, 3•
é apenas uma cópia ou continua ção desses aurores, mas an- rJ., 1993 [1924), pp. 13-70.
tes uma resposta ao seu contexto intelectua l, pois, sem igno- _ _ . Vopróssi stilístiki rússkogo iaúká v sriédnei chkole [Questões
rar as formulações anteriores da cadeia da comunicação cien- .le estilística nas aulas de /f11gua russa no ettsi110 médio). Sobránie
~11tcl1i11ié11i [Obras reunidas! vol. 5. Rabóti 1940kh-11a tchala l 960kh
tífica na filosofia da linguagem , na estilística e na li nguística,
>111cln11. Moscou: Rússkie Slovarí, 1997, pp. 141 , 1.56, 510 e 532.
lança as bases para um método sociológico de aná lise dos
11, IIWA, Francisco da Silva. /11trodução aos estudos li11g11ísticos. 12" ed.
enunciad os concretos produzidos no processo social da inte-
l .1111pinas: Pomes, 1998.
ração discursiva. • 111 ,t 1< JI JET, Simon; GRTLLO, Sheila. "Mikha'il Bakhrinc: enjeux er pers-
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74 Sheila Grillo l 11 1111 111trodutório 75

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