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Internalização: seu nar a relação interna e o fundonamento dinâmico entre o pensamento e a fala.
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15. Cam: ...um saco desse tamanho, não é? simplesmente "para dentro'' e se tornam internalízadas. Seus múltiplos sen-
16. Raq: A minha já saiu porque eu tirei com o negócio... tidos circulam à medida em que os processos de significação transcendem
17. Fer: Já seio Já seio com espeto. Um espetinho pequeno. as palavras.
18. Joa: Eu como pouco doce. Nos processos de enunciação das crianças nesse evento específico,
19.Cam: Eu também. podemos perceber jogo de poder. disputa e barganha, pactos e acordos. (por
20. Raq: Eu também. exemplo,entre as meninas:turnos 1, 3, 6, 81 entre o meninoe o adulto:
21. Fer: Sabe. meu pai disse que ele vende um montão de sorvetes turnos 9 e 11). Uma disputa muito sutil entre o menino (Fer) e uma das
22. Raq: E se comer sorvete você fica resfriado. Não come mais! E se correr... meninas (Cam) pode ser identificada. à medida em que observamos e traçá-
23. Fer: Eu vou trazer pra vocês// Eu vou trazer pra vocês. E só vocês ficar mos os processosde enunciação.Cam. nunca fala diretamentepara Fer.,
de bem de mim que eu trago sorvete. mas ambos. Cam. e Fer. falam com Joa. e Raq. Podemosobservaras
Dentre as muitas e diferentes possibilidades de análise deste episódio, crianças negociando perspectivas, trocando de posições, solicitando ao adulto
procuramos inicialmente apreender e identificar aspectos pragmáticos e ideo- confirmação e legitimação de afirmações (turno 9).
lógicos no fluxo do discurso. Para tanto, os conceitos de fa/a -- como inter Como locutores. elas enuncíam normas, colocando em pauta alguns
/ação -- e voz -- envolvendo a memória histórica -- tornam:.se epistem?ló- argumentos de domínio público. Vozes sociais -- dos pais, dos meios de
gica e metodologicamente relevantes para se realizar a análise, na medida comunicação etc -- podem ser ouvidas nos movimentos enunciatívos das
em que tais constructos configuram a dimensão discursiva. Ainda: o conceito crianças. algumas vezes anonimamente. como no turno 2: "chicletes es.traga
de po//fon/a (Bakhtin, 19841Authier, 1982; Ducrot, 1987) permite explorar os dentes"l por vezes em forma de discurso indireto, como no turno 21: "meu
diversos modos de múltiplas vozes estarem em cantata pai disse que". A enunciação de normas socialmente válidas pode conferir
Na concretude deste movimento de interlocução, são muitas as vozes prestígio epoder. E a voz anónima na fala da criança soa como uma voz de
que se encontram na enunciação das crianças. .As palavras. enunciadas autoridade e de saber (turnos 2, 4, 7). todavia, a necessidade de ser aceito.
estão carregadas de significados sociais já constituídos e estabilizados. Mas, o sentimento de exclusão. o querer "estar de bem", parecem estar forte-
no momento da enunciação concreta e única. as "frases feitas" .ganham menteem questãopara as crianças.Assim, aconteceo jogo de barganha.
nuanças, marcas, ênfases específicas. Imersas em um contexto cultural, as que configura mudanças nas posições de cumplicidade dos interlocutores
crianças não se "apropriam" simplesmente de palavras de um sistema aces- (turnos 21 e 23).
sível 'e fixo, de expressões ''já prontas", mas efetivamente participam no Como Bakhtin diz, "entre a palavra e seu objeto, entre a palavra e o
processo de produção de conhecimento e de sentido. Como isso acontece? sujeito falante. existe um meio elástico do outro". Ainda, ''uma palavra forma
As crianças conversam sobre chicletes. balas, sorvete, escavação de o conceito de seu objeto de uma forma dialógica". Esta parece diversificada
dentes. resfriado. Conversa típica de criança. Mas, no caso, é esse "típico e heterogénea na medida em que os objetos simbólicos tornam-se repletos
de criança que se torna interessante investigar, uma vez que o discurso das de significação na multiplicidadede interpretações.
crianças' se configura a partir de parâmetros e. .pontos .de referência no Nesse jogo interpretativo, as crianças não só usam a linguagem. mas
discurso dos adultos. Se podemos ou não considerar o "discurso infantil operam discursivamentecom a linguagem, sobre a linguagem. sobre obje-
como um "género" (no sentido bakhtiniano) ou um tipo, fica para uma dis- tos. sobre os outros, sobre si mesmas. Aqui, podemos destacar duas carac-
cussão posterior. O que nos interessa aqui é identificar alguns.pontos de terísticas particularmente relevantes do signo verbal: a característica
referência que dão sustentação (e sentido) à fala das crianças Procurando impregnante da palavra, com seu caráter difuso, permeante e gerativo; e sua
compreender mais de perto essa conversa, podemos perguntar ou examinar. característica reversível. envolvendo a idéia de múltiplos movimentos e dire-
por exemplo, qual o significado de "chicletes" no contexto em questão. ções da palavra(incluindo o movimento sobre si própria) em qu alquer processo
As crianças não estão comendo chicletes. Elas nem têm chicletes na de enunciação.
escola. Pelas'palavras. elas colocam em cena o chicletes. assim como Observando tal dinâmica discursiva, plural e complexa, levantamos a
também a bala e o sorvete. Aparentemente elas estão argumentando sobre questão das relações e da produção de sentidos no processo coletivo de
o chicletes. Mas o que está implícito, ou o que está realmente em jogo, são construção do conhecimento. Significados e sentidos são produzidos nas
posições e papéis sodais sendo sutilmente disputados. O chicletes serve relações dialógicas, na mesma medida em que sujeitos e objetos no mundo
como pretexto. se constituem como sujeitos e objetos do e no discurso.
De fato, as palavrasnão significampor e em si mesmas, mas.por Se tomarmos a palavra ''sentido" nas suas múltiplas acepções em
quem fala, ou pelos lugares sociais que os sujeitos falantes ocupam no jogo português -- sentido relacionado a afeto (sensibilidade, sentimento)l sentido
discursivo. Daí a necessidadede ler por trás das palavras, no subtexto. no relacionado à significação; sentido relacionado à direção, à orientação; pode-
intertexto, procurando entender o movimento de produção de sentido..Quem mos perceber a trama das relações de sentido e trabalhar na polissemia do
está falando? Que vozes são estas? Nesse sentido. as palavras não vão termo. A produção de sentido implica. assim, múltiplos significados, múltiplas
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DUCROT. O. -- (1987/84), O dzer e o d/fo. Campinas. Pontes.
relações, múltiplas direções, múltiplos efeitos, múltiplos sentidos.(dos quais
GERALDI, J. -- (1991), Portos de passagem. São Paulo. Martins Fontes.
podemos, como pesquisadorestraçar uns poucos) sendo dialogicamentee
HICKMANN. M.. (Ed.) -- (1987), Soc/a/ and funcf/or?a/ approaches fo /ar7guage and
historicamente produzidos.
fhoughf. Nova lorque. Academia Press.
O que queremos ressaltar é que quando nos propomos a estudar LAKOFF, G. & JOHNSON. M. -- (1980), Mefaphors we //ve b/. Chicago, University of
processos de elaboração de conhecimento focalizando a dinâmica discursiva Chicago Press
(em situações escolares) fica praticamenteinviável traçar movimentos de ORLANDI. E. -- (1987). .4 /fr?guageme seu hr7c/amamenta.Campinas, Pontes:
TODOROy. T. -- (1984), Mlkha// Bakhifn. fhe d/a/ogfca/prfnc/p/e. Minneapolis. Univer-
internalizaçãoe movimentosde externalização
como algo que vai ''para
dentro" ou "para fora" do indivíduo. O que observamos é um in-fer7sopro- sity of MinnesotaPress
ROGOFF. B. -- (q990), Aprenticeship in thinking: cagnitive develapment in social
cesso de produção de sentido, ao mesmo tempo inter e intra-subjetivo,na conlexf. Nova porque,Oxford University Press.
medida em que a palavra/signo é orientada para o outro, para muitos outros. ROMMETVEIT. R. -- (1979), On negative rationalism in scholarly studies of verbal
para o objeto. para o sujeito que fala... Os processos de significação acon- communication and dynamic residuais in the construction of human intersubjec-
tecem, portanto, simultaneamente, constituindo a atividade entere intramental. tivity. In Rommetveit,R. and Blakar,R.M. (eds).Sfudfesof/arlguage, thought
and verba/ commun/cat/on. Nova porque, Academia Press.
Isso nos leva a considerar com parcimónia a lei de dupla formação
vYGOTSKY. L.S. -- (1984), Famação socfa/ da mente. São Paulo. Martins Fontes. 1984
formulada por Vygotsky, que estabelece que ''qualquer função no desenvol- -- (1987), The co//ected works of LS. Vygofsky. Vol.l Proa/ems ofgenera/
vimento cultural de uma criança aparece duas vezes --prime/ro entre pessoas psycho/ogy. Nova lorque: Plenum Press, 1987.
e deão/s dentro do indivíduo". Como podemos ler e interpretar esse principio WERTSCH. J.V. -- (1985), Vygofsky and the soc/a/ lormaffor70f mfr7d. Cambridge.
geral? O processo implica necessariamente uma sucessividade? Como abor- CambridgeHarvardU. Press.1985
dar a simultaneidade no processo? jed. \ :- {1985Ü, Culture. communication and cognition: vygotskian perspecti-
ves.Cambridge,
CambridgeU. Press,1985.
Parece então que o problema central que nos concerne na investiga- --(1989), Semiotic mechanlsms in join cognitive activíty. Infância y Aprendi-
ção do constructode internalízação
diz respeitoao espaço-"' "dentro' za/e. 47, pp. 3-36
fora" -- e ao tempo -- "antes". "depois" -- de transformações identificadas -- {q99q\. Voltes of the mind. A socio-cultural approach ta mediated actlon.
no desenvolvimento da criança. Mas isso nos leva a problematizar a própria Cambridge, MA, Harvard University Press.
noção de desenvolvimento, relacionada, por sua vez, aos modos como inter-
pretamos as ações, as inter-ações. e a imersão da criança na esfera.simbólica.
Ao priorizarmos os processos de significação na dinâmica dialógica,. levan-
tamos indicadores que apontam para a necessidade de uma reconsideração
do princípio da internalização.
Essas colocações nos remetem de volta ao âmago de uma das ques-
tões fundamentais'tematizadaspor Vygotsky,e que hoje formulamosda
seguinte maneira: como concebemos o processo de constituição do sujeito
no contexto cultural? Que categorias seriam. atualmente, mais adequadas
ou pertinentes para se pensar o espaço e o tempo dessa constituição?
Bibliografia
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