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grupos focais
Bakhtin’s contributions to the creation and analysis of interviews and focus groups
Resumo
Apresentam-se referências para a análise do discurso registrado em situações de
entrevista e em grupos focais, com base em estudos sobre a filosofia da linguagem
de Bakhtin. Na pesquisa em ciências humanas, um dos grandes problemas é como
apreender os sentidos atribuídos por sujeitos a experiências vividas por eles com
objetos específicos, sem cair no erro de inferir de suas afirmações somente significados
gerais. Mikhail Bakhtin tenta elucidar como se dá a construção de sentidos a partir da
interação social, mostrando que tanto o discurso interior quanto o discurso exterior
verbalizados são constituídos de um mesmo material semiótico, a palavra. Esse autor
concebe a consciência como constituída a partir de um fluxo de enunciações nele
inserida e dele parte constitutiva. Refuta a ideia de que o conteúdo interior da mente
é qualitativamente diferente de sua expressão exterior, e afirma que os sentidos
atribuídos a uma enunciação específica não devem ser buscados no interior do
indivíduo que a produziu, mas sim nas relações exteriores nas quais ele está inserido.
Critica também a busca de sentidos expressos pelos significados dicionarizados das
palavras constituintes das enunciações, indicando o caráter neutro das palavras e
seu papel como signo, capaz de variar e tomar sentidos diferentes dependendo do
contexto em que se insere. Com base nessas referências, considera-se, em termos
metodológicos, um contexto de coleta de dados que eleja como unidade de análise as
enunciações dos sujeitos participantes da pesquisa, discutindo suas dimensões social
e histórica, além da situação imediata na qual são produzidas, no presente caso, em
entrevistas e grupos focais.
Abstract
References to analysing discourse registered in interviews and focal groups situations are 1 Aluno do Mestrado em
Educação Tecnológica –
presented. These references are based in Bakhtin language philosophy. In human science
CEFETMG. alissonrs@ufmg.br
research, an important problem is grasp the sense a subject assigns to your experiences
with specifics objects, without fall in the mistake of making inferences based in subject 2 Professor de Física da
enunciations that produce only general meanings. Mikhail Bakhtin try to elucidate how Coordenação de Ciências,
Campus I e colaborador
is sense production from social interaction, showing that both inner and outer discourse
do Mestrado em Educação
verbalized are constituted by the same semiotic material, the word. This author conceives Tecnológica – CEFET-MG.
O problema
Um problema relativo à coleta e à interpretação de dados é como obter informações
sobre os sentidos atribuídos pelos sujeitos a uma experiência vivenciada, sem
permanecer somente nos significados emergentes do conteúdo de sua fala.
Como possíveis caminhos a serem tomados para evitar essas dificuldades, os
estudos de Mikhail Bakhtin trazem uma discussão bem-pautada sobre o discurso, a
enunciação e a palavra, tomados em um contexto social específico e determinado, e
pelas características desse contexto, assim como das características sociais e históricas
daqueles que nele interagem.
Bakhtin defende a ideia da formação social da consciência, o que situa toda e qualquer
interação verbal em uma cadeia de enunciações que vão desde a constituição da
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consciência até a enunciação considerada. Bakhtin considera que a única definição
objetiva possível da consciência é de ordem sociológica.
No livro A formação social da mente, Vigotski trata com detalhes da formação da mente
a partir das interações sociais, mostrando que, assim como identifica Bakhtin, a função
principal da linguagem não é expressão, mas sim a comunicação. Inicialmente, a criança
utiliza-se da fala com o intuito de se comunicar, e utiliza essa função para conseguir
satisfazer seus desejos no ambiente social em que se encontra. Porém, tanto Bakhtin
quanto Vigotski chamam a atenção para o fato de que a fala não permanece somente
com essa função, passando a determinar e a orientar a organização da mente, dando
a ela condições de tomar consciência de si própria em um movimento de reflexão.
A palavra não tem sentido ou significado nela própria, mas constitui seu sentido
ao se tornar um identificador de algo exterior a ela. Como material privilegiado na
comunicação da vida cotidiana, a palavra toma grande importância na constituição da
consciência por não necessitar de nenhum material externo, nenhuma aparelhagem
exterior ao sujeito para ser produzida. Assim, a palavra torna-se o “material semiótico
da vida interior, da consciência (discurso interior)” (BAKHTIN, 1986, p. 37). Ao tornar-
se signo sem expressão externa, a palavra traz o problema da identificação dos
sentidos segundo a consciência individual, que, segundo Bakhtin, é um dos problemas
fundamentais da filosofia da linguagem.
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que afirma ser constituído de material diferente o conteúdo interior a exprimir e
sua objetivação externa, nega essa diferenciação, já que tanto a expressão externa,
palavra, gesto, ou outro tipo de externalização são conteúdos semióticos, ou seja, são
formados de signos, assim como a atividade mental. “Consequentemente, é preciso
eliminar de saída o princípio de uma distinção qualitativa entre o conteúdo interior e a
expressão exterior” (BAKHTIN, 1986, p. 112).
Cadeias de enunciações
Vigotski situa a gênese da consciência nas interações verbais (VIGOTSKI, 2007),
momento em que a mente se nutre de material semiótico, reconhece-se e desenvolve
uma série de processos psicológicos superiores. Bakhtin chama atenção especial para
esse processo, em que a mente se forma a partir da interação verbal, a partir de uma
série de enunciações em que ela toma consciência de si mesma e passa a interagir com
o mundo, tomando como instrumento o próprio material de que foi formada, os signos.
Assim, as interações verbais não são fatos isolados, mas fatos dentro de um contexto
histórico e social. Cada enunciação faz parte de uma cadeia maior de enunciações,
estando estas expressas ou não no discurso externo, externalizadas ou não em atos
de fala. O discurso interno mantém ativa a cadeia de enunciações. “Os enunciados
não existem isolados: cada enunciado pressupõe seus antecedentes e outros
que o sucederão; um enunciado é apenas um elo de uma cadeia, só podendo ser
compreendido no interior desta cadeia” (FREITAS, 1999, p. 138).
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podendo se apresentar como um elo isolado. Assim também a atitude do ouvinte
em relação às palavras não é passiva, não se toma um enunciado pelo significado
dicionarizado das palavras que o compõem, mas cada palavra vem sempre carregada
de conteúdo ideológico ou vivencial, tomada de valor simbólico. Bakhtin destaca que
somente “... compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam
em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida” (BAKHTIN, 1986, p. 95).
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A atividade mental do eu está mais próxima da atividade mental instintiva,
aproximando-se da reação fisiológica animal. Essa atividade tende à extinção, uma
vez que em seu limite perde a modelagem ideológica e seu grau de consciência. Uma
consciência incapaz de enraizar-se socialmente tende a levar a cabo atividades mentais
do eu isoladas ou mesmo sequências inteiras desse tipo de atividade.
A atividade mental do nós tende para um alto grau de consciência social. “Quanto
mais forte, mais bem organizada e diferenciada for a coletividade no interior da qual
o indivíduo se orienta, mais distinto e complexo será o seu mundo interior” (BAKHTIN,
1986, p. 115). Essa atividade possui diversos graus e tipos de modelagem ideológica.
Partindo do fato de que o discurso verbal seja o meio mais simples e direto da
constituição externa do discurso interior, ou seja, o meio mais direto da constituição
dos sentidos, acreditamos ser a modalidade de coleta de dados em que os indivíduos
enunciem sua experiências o meio mais direto de coleta de informações. Assim, as
modalidades de entrevista e os grupos focais se prestam a coletar um conjunto de
informações que instrumentos de coleta de dados estáticos ou quantitativos muitas
vezes não são capazes de registrar (GATTI, 2005).
Porém, alguns cuidados devem ser tomados tanto no contexto de entrevistas quanto
no de grupos focais. Com base na proposta de Bakhtin sobre as enunciações, pode-se
obter uma série de indicações metodológicas quanto à realização de entrevistas e de
grupos focais.
Bakhtin, todo o tempo, chama a atenção para o fato de que as enunciações não
são monológicas, mas uma corrente dialógica ininterrupta. Assim, ao se pensar nas
entrevistas, não se deve pensá-las como momentos estanques em que se para o
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tempo e faz-se uma coleta de dados para depois permitir que a realidade continue; ao
contrário, deve-se observar que tanto o contexto histórico quanto o contexto imediato
da entrevista estarão presentes nos enunciados, moldando sua forma e seu conteúdo.
Durante todas as fases, deve-se ter em mente os contextos históricos que envolvem
os elementos da coleta de dados. Assim, durante a fase de elaboração, deve-se levar
em consideração os fatores históricos que envolvem o entrevistado, o entrevistador e
também o objeto do qual se fala.
Quanto aos participantes da coleta de dados podemos questionar: Qual a posição deles
uns em relação aos outros? Qual a posição do entrevistado em relação ao entrevistador,
e deste em relação ao objeto? Qual o conhecimento anterior deles sobre o tema
em questão? Qual a sua condição social? Quais as possíveis relações de poder a se
configurar entre os sujeitos que irão interagir? Todos esses precedentes determinarão
a forma e o desenvolvimento, assim como as tomadas de posição durante a coleta de
dados, a entrevista ou o grupo focal.
Algum conhecimento histórico e social sobre o entrevistado deve ser obtido a priori pelo
pesquisador. De onde fala esse sujeito? Qual a relação dele com o objeto de discussão?
Pertence a que grupo específico no grupo social em que está imerso? Qual a relação
desse grupo com o tema estudado? Ou seja, deve-se buscar reconhecer qual o contexto
anterior em que as enunciações que serão apresentadas podem ter colhido seu material.
Conclusão
Com base nas indicações feitas neste texto, observamos que a busca pelos sentidos
expressos pelos sujeitos sobre suas experiências constitui-se, conforme Bakhtin, um
dos problemas fundamentais da filosofia da linguagem. Porém, o próprio autor indica
meios de como buscar esses sentidos.
Bakhtin chama atenção para o fato de que não existe diferença qualitativa entre o
conteúdo interior e a expressão exterior, e que, na maior parte dos casos, essa expressão
exterior somente prolonga e esclarece a orientação do discurso interior. Sendo assim,
as situações discursivas se prestam a fornecer os indícios de quais sentidos são
estabelecidos pelos sujeitos sobre suas experiências.
Outro fator importante a ser considerado é que a mente se forma a partir do conjunto
de enunciações em que está imersa e, por esse motivo, o material utilizado para
formação do discurso exterior é constituído pelo mesmo conteúdo do qual a mente se
nutriu. Ou seja, a consciência se forma quando entra em uma cadeia de enunciações,
se nutre dela e a realimenta. Os sentidos expressos no discurso exterior fazem parte
dessa cadeia de enunciações, não sendo qualitativamente diferente do discurso
interior, já que este também faz parte dessa cadeia.
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a partir da história desse sujeito. Cabe então ao pesquisador buscar esses significados
historicamente construídos para compreender os sentidos atribuídos aos enunciados
dos entrevistados
Vale ressaltar os contextos tanto histórico quanto imediato das enunciações proferidas
pelo sujeito. “A situação e os participantes mais imediatos determinam a forma
e o estilo ocasionais da enunciação. Os estratos mais profundos da sua estrutura
são determinados pelas pressões sociais mais substanciais e duráveis a que está
submetido o locutor” (BAKHTIN, 1986, p. 113-114). Conhecer o contexto histórico dos
envolvidos na entrevista ou no grupo focal e sua relação com o objeto pesquisado
fornece condições de reconhecer os sentidos atribuídos por determinado grupo a
certos signos e, então, identificar os sentidos atribuídos por aquele sujeito. Procurar
conhecer o ambiente da coleta de dados e tentar identificar as possíveis relações entre
os envolvidos, além de tentar antecipar os possíveis tipos de trocas que poderão se
estabelecer, ajudará a fornecer a compreensão necessária para avaliar os discursos
utilizados e os posicionamentos dos participantes.
Com esse conjunto de indicações, acreditamos constituir uma base para a preparação
de coleta de dados em situações discursivas em que se busque conhecer os sentidos
atribuídos pelos sujeitos participantes às suas experiências.
Referências
BAKHTIN, M. Marxistmo e Filosofia da Linguagem: Problemas fundamentais do Método
Sociológico na Ciência da Linguagem. 3 ed. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira.
São Paulo: Hucitec, 1986.
GATTI, B. A. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília: Líber Livro,
2005.
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