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2003
SUMÁRIO
Apresentação
Cap. IV - Afrânio Gonçalves Barbosa e Célia Regina dos Santos Lopes (UFRJ)
– Corpora do Projeto para a História do Português Brasileiro de 1997 a 2003..................
139
Conclusões
Ataliba T. de Castilho (USP) – Planejando a continuação do Acordo Brasil / Alemanha
Apêndice
Afrânio Gonçalves Barbosa (UFRJ)
– Para uma Tipologia Textual do Português (Pós-) Classico: a pluriortografia em
documentos oficiais ............. 166
Apresentação
De 31 de maio a 5 de junho de 1999, realizou-se na Universidade Estadual de
Campinas o III Seminário do Projeto para a História do Português Brasileiro, o qual contou
com a participação dos pesquisadores brasileiros Afânio Barbosa [UFRJ], Ângela C. S.
Rodrigues [USP], Ataliba T. de Castilho [USP], Célia Maria Moraes de Castilho
[doutoranda, Unicamp], Clotilde Murakawa [Unesp/Araraquara], Dinah M. I. Callou
[UFRJ], Emílio Pagotto [UFSC], Gilvan Müller de Oliveira [UFSC], Gladis Massini-
Cagliari [Unesp/Araraquara], Heliana Mello [UFMG], Heitor Megale [USP], Ilza Ribeiro
[UEFS], Jânia Ramos [UFMG], Márcio Leitão [UFF], Maria Aparecida T. Morais [USP],
Maria Eugênia L. Duarte [UFRJ], Marlos Pessoa de Barros [UFPe], Mário E. Martelotta
[UFRJ], Marymarcia Guedes [Unesp/Araraquara], Mateus C. Oliveira [UFAM], Mônica
Alkmim [UFOP], Norma de Almeida [UEFS], Renato Venâncio [UFOP], Rosa Virgínia
Mattos e Silva [UFBa], Rosane Berlinck [Unesp/Araraquara], Sônia Cyrino [UEL], Tânia
Alkmim [Unicamp], Zenaide Carneiro [UEFS], e dos pesquisadores alemães Brigitte
Schlieben-Lange [Universidade de Tübingen], Wulf Oesterreicher [Universidade de
Munique], Eberhard Gärtner [Universidade de Dresden] e Roland Schmidt-Riese
[Universidade de Munique].
Além da agenda habitual a esses seminários, os pesquisadores brasileiros e alemães
ali presentes decidiram estabelecer um convênio de estudos que tinha por objetivos versar
conjuntamente os seguintes domínios:1[1]
1[1][1][1][1]
O documento completo do acordo Brasil – Alemanha circulou entre os pesquisadores, tendo sido
publicado em Tânia Alkmim (Org. 2002): Para a História do Português Brasileiro, vol. III: Novos Estudos.
São Paulo: Humanitas, pp.489-521.
contextual e autonomia formal do texto; (3) encaixamento institucional: o textos
surgiram em contextos relacionados com o alto grau de profissionalização ? (4)
caracterização das tradições discursivas em relação à força ilocutiva dominante
e ver em que medida elas podem ser caracterizadas como conjuntos de atos de
fala.
3. Contacto, variação e normas lingüísticas: em primeiro lugar, as realidades
lingüísticas devem ser descritas e avaliadas em relação ao nível historico da
língua portuguesa; em segundo, será considerada a dinâmica da mudança
lingüística resultante dos contactos e conflitos entre línguas, variedades e
normas. Este subprograma prevê um conjunto de pesquisas sobre a Sócio-
história do Português Brasileiro.
De acordo com a proposta, os trabalhos seriam desenvolvidos sob a forma de
missões de trabalho, abertas aos pesquisadores doutores, e missões de estudos, abertas aos
pesquisadores doutorandos. O financiamento foi posteriormente solicitado e obtido junto à
CAPES e ao DAAD, ao abrigo do Programa Brasil-Alemanha [PROBRAL], tomando no
Brasil o número de Projeto 109/00, com vigência de 2000 a 2003.
Foram indicados para coordenar o programa, do lado alemão, a Profa. Dra. Brigitte
Schlieben-Lange, da Universidade de Tübingen, e do lado brasileiro o Prof. Dr. Ataliba T.
de Castilho, da Universidade de São Paulo. Infelizmente, pouco tempo após aprovado o
financiamento, falece a Profa. Dra. Schlieben-Lange, substituída pela Profa. Dra.
Konstanze Jungbluth.
Durante os quatro anos do projeto de cooperação foram realizadas as seguintes
missões:
*
Em 2000, também o Prof. Dr. Eberhard Gärtner esteve no Brasil, financiado porém pela Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Ele ministrou na Universidade de São Paulo um curso de pós-
graduação e proferiu diversas conferências no país.
(Munique)
Johannes Kabatek
(Tübingen)
Ano 2001 Ano 2001
Jânia Ramos Konstanze Graziela Romanha
(UFMG) Jungbluth (Munique)
(Tübingen)
Cornélia Doll Ulrich Detges
(Leipzig) (Tübingen)
Christine Hundt
(Leipzig)
Ano 2002 Ano 2002
Helena Nagamine Johannes Kabatek
Brandão (Freiburg)
(USP)
Afrânio G. Barbosa Roland Schmidt-
(UFRJ) Riese
(Munique)
Ano 2003 Ano 2003
Ataliba T. de Verena Kewitz
Castilho (doutoranda, USP)
(USP)
Marilza de Oliveira
(USP)
Mário E. Viaro
(USP)
Apresentação
Jânia Ramos
2[2][2][2][2]
Este trabalho integra o projeto “Para a história do Português Brasileiro: gramaticalização e mudança
bramatical”. Bolsa de Produtividade Científica do CNPq (Proc. 306319/88-8)
3[3][3][3][3]
Este trabalho integra o projeto “Novos clíticos no Português Brasileiro”. Bolsa de Produtividade
Científica do CNPq (Proc. 521811/97-0)
(i)“Os autores de trabalhos sobre gramaticalização parecem entender a língua
como uma entidade heteróclita, estática, passível de representação através de uma
linha, na qual podemos reconhecer pontos e estabelecer derivações entre esses
pontos: Castilho (2003:9).
(ii) A gramaticalização é feita de estágios unidirecionais, de tal maneira que a um
estágio A se segue um estágio B, a este se segue um estágio C, e assim por diante:
Hopper / Traugott (1993: 95). Cada estágio corresponde a um ponto na língua-
linha, e portanto uma relação de seqüencialidade poderia ser estabelecida entre
esses pontos.
(iii) Depositadas sobre essa linha, categorias lexicais dão surgimento a categorias
gramaticais, e estas a categorias ainda mais gramaticais, entendendo-se por isto os
afixos. Quereria isto dizer que os itens lexicais não têm propriedades gramaticais,
suficientes para arranjá-los em categorias próprias? Nesse caso, como entender
que as palavras possam ser dispostas em classes lexicais, as conhecidas classes
maiores (Pronomes, Nomes e Verbos), intermediárias (Advérbios, Adjetivos), e
menores (Artigos, Conjunções e Preposições) que freqüentam estas páginas? Por
outro lado, teriam essas classes um estatuto categorial claramente configurado, a
ponto de se sucederem perceptivelmente umas às outras na língua-linha,
permitindo-nos testemunhar sua metamorfose? Nesse caso, e pensando nos estudos
funcionalistas sobre a gramaticalização, onde foi parar a Teoria dos Protótipos?
Seriam mesmo tão claros os limites entre as classes lexicais, de tal forma que
pudéssemos estabelecer uma relação de derivação entre elas ? (Castilho 2003:10).
(iv) Na literatura sobre gramaticalização ficam situados no mesmo nível fenômenos
tais como erosão fonética, descategorização / recategorização morfológica,
ampliação dos empregos sintáticos, perda semântica, sem falar nas pressões do
Discurso sobre o sistema. Esse ponto de vista levou diversos autores a dispor o
Discurso, a Gramática e a Semântica num(a) “(c)line”, admitindo implicitamente
uma hierarquia e uma decorrente derivação entre esses sistemas. Essa percepção
implicaria em que no momento da criação lingüística nossa mente funciona em
termos de instruções seqüenciais, isoladas umas das outras, indo linearmente de
uma classe lexical para outra, de um subsistema lingüístico para outro? (Castilho
2003:10).
A partir das questões (i)-(iv), é possível identificar a não explicitação de dois eixos
distintos no tratamento da gramaticalização. Em (i) o problema decorre da suposição de que
a noção de língua seria única. Entretanto, há pelo menos duas noções distintas, decorrentes
de duas distintas noções de gramática: aprimeira assume a noção de unidades estruturais
como um primitivo (tal como na gramática gerativa) e a segunda, de corte funcionalista, as
concebe como um processo em andamento, sempre em constante re-sistematização
(Coseriu, 1974, apud Bybee & Hopper, 2001: 2).
Em (ii) assume-se implicitamente haver uma correlação um a um entre item lexical
e definição categorial: cada item seria pré-definido quanto a seu estatuto categorial. Há aqui
uma simplificação. A noção de item lexical depende da definição do que se entende por
léxico. Novamente, pelo menos duas noções distintas se apresentam. A primeira noção,
reconhecida como dogmática entre os lingüistas, admite uma linha divisória entre gramática
e léxico (as noções de numeração e componente computacional, nos recentes trabalhos de
Chomsky estariam de acordo com essa vertente). A concepção alternativa é que o próprio
léxico não contém representações esquemáticas [indicadoras de categorias], mas sim
representações mais específicas e locais que dependem da freqüência de uso.(...) O léxico
não estaria separado da gramática. Como as pessoas não falam através de morfemas
isolados ou palavras, em muitos casos as unidades da memória e processamento contêm
múltiplos morfemas e múltiplas palavras. As unidades de uso são armazenadas, formando
uma cadeia, a partir da própria experiência com a língua e, a partir dessa cadeia, padrões
recorrentes emergem (Bybee, 1998 apud Bybee & Hopper, 2001:8-14). Em conseqüência,
palavras funcionais, por exemplo, não teriam representação independente, já que só
ocorrem em construções (idem,12).
Na questão (iii), a referência à noção de estatuto categorial deixa claro o problema
central: a suposição de que a categoricidade seria um axioma. Entretanto, conforme assinala
Chambers (1995: 33), a categoricidade é apenas uma dentre outras suposições que podem
ser adotadas no tratamento de fenômenos lingüísticos. Para esse autor, várias sub-áreas da
Lingüística têm adotado posicionamentos alternativos: a sociolingüística laboviana seria
um exemplo, com domínio e procedimentos metodológicos independentes. Cada um desses
tratamentos poderiam ser associados à dicotomia “percepts” e “concepts”, proposta por
James (1911), em que se distinguiriam, respectivamente, por um lado a apreensão da
realidade e, por outro, a idealização da realidade.
A questão (iv) focaliza a noção de aquisição da linguagem e o estatuto cognitivo dos
pressupostos teóricos assumidos. Se, por um lado, admitirmos uma hierarquia entre os
níveis Gramática e Discurso, estaremos assumindo que a noção de emergência não coincide
com a de ontogênese gramatical. A noção de emergência, surgida na sociologia, refere-se a
condições que regem a continuidade e dissolução de estruturas e tipos de estruturas
(Giddens 1977:120). Se, por outro lado, não aceitarmos essa hierarquia, estaremos
assumindo um modelo modular, tal como proposto por Chomsky (1981, e trabalhos
posteriores).
Os pontos acima resumem boa parte da complicação teórica da gramaticalização,
embora nunca se tenha deixado de reconhecer que se trata de um processo, não de um
produto lingüístico. Argumento nesta secção a favor de um tratamento formal do
epifenômeno da gramaticalização. Sustento que a adoção da categoricidade é não só uma
abordagem possível como também desejável. São também mostradas as conseqüências da
adoção de uma posição a favor da não categoricidade.
Para os formalistas, a gramaticalização é um fenômeno diacrônico que consiste no
desenvolvimento de núcleos lexicais em núcleos funcionais. Esse desenvolvimento estaria
encaixado na teoria da marcação, de caráter mais amplo, no aprendizado da língua e na
mudança lingüística em geral, sendo essa última essencialmente randômica do ponto de
vista da Gramática Universal. Uma conseqüência é que a irreversibilidade dos fenômenos
tratados como gramaticalização seria apenas aparente. Outra conseqüência é que as seis
propriedades da gramaticalização depreendidas por Lehmann (1985)4[4] decorreriam do
caráter imanente de um primitivo da Gramática Universal: a existência de categorias
funcionais, que, por definição, não possuem estrutura argumental nem outras propriedades
4[4][4][4][4]
As seis propriedades referidas são atrito, condensação, paradigmatização, coalescência,
obrigatoriedade e fixação (tal como traduzidos por Castilho, 1997:49).
semânticas, sendo por isso resultantes, diacronicamente, de categorias lexicais
empobrecidas fonética e semanticamente (Roberts & Roussou (1999:23) 5[5].
Dois mecanismos seriam responsáveis pela gramaticalização: a reanálise e o
Princípio Lexical de Subconjunto. A reanálise consistiria na simplificação estrutural, que é
o tipo de mudança preferido pelo mecanismo de fixação de parâmetro, conforme Clark e
Roberts (1993)6[6]. Ao lado da reanálise, um segundo mecanismo seria o Princípio Lexical
de Subconjunto, que requer que itens lexicais sejam interpretados no menor conjunto de
contextos consistentes com o “input”7[7] (Kiparsky, s/d apud Roberts e Roussau (1999).
Grosso modo, na gramaticalização teríamos o seguinte esquema:
(1) (1) (1) (1) (1) x> x [+F], onde F é um traço de
dependência relevante.
Para alguns autores, F é o traço que vai ser visível pela Teoria da Checagem8[8], tal
como definida em Chomsky, 1995. Para Roberts e Roussou, F seria o traço visível na
Forma Fonética9[9], como resultado das operações Merge, Move ou ambas.
Como é fácil ver, a abordagem formalista da gramaticalização entra em conflito
com a abordagem funcionalista quanto a questões basilares. Lightfoot, um formalista
bastante representativo, critica os funcionalistas por sua insistência em relação à
continuidade e direcionalidade da mudança tratada como gramaticalização. Já os
funcionalistas criticam Lightfoot por ignorar o desafio que os dados de gramaticalização
parecem colocar aos modelos que assumem a descontinuidade.
De acordo com Vincent (2001)10[10], os gerativistas teriam preterido, em suas
discussões, a gradualidade das mudanças, isto é, as mudanças de pequena escala, tendo
ficado atentos apenas às mudanças de larga escala. Já os funcionalistas deveriam se colocar
a seguinte questão: a direcionalidade faz parte da definição de gramaticalização ou é uma
hipótese empírica?
Para os funcionalistas11[11], a premissa de que a estrutura da língua é independente
do uso da língua é rejeitada. Segundo Bybee & Hopper (2001:1-3), estes lingüistas
começaram a pensar a estrutura da língua (a gramática) como uma resposta a
5[5][5][5][5]
Roberts, Ian & Roussou, Anna. A Formal Approach to Grammaticalisation. In
//A:A%20Formal%20Aproach%to%grammaticalisation.htm
6[6][6][6][6]
Por mecanismo de fixação de parâmetro entende-se................
7[7][7][7][7]
“Lexical Subset Principle: Interpret lexical items as being susceptible of occurence in the smallest set
of contexts consistent with the input.”(in Roberts & Roussou (1999:20)
8[8][8][8][8]
Por Teoria de Checagem entenda-se........
9[9][9][9][9]
Forma Fonética, ao lado da Forma Lógica, seriam as interfaces entre o sistema computacional da
gramática e os sistemas externos à gramática, a saber, sistemas perceptuais-auditivos e sistemas conceptuais-
intencionais. (Chomsky, N. The Minimalist Program. 1995).
10[10][10][10][10]
Vincent, Nigel (2001) LFG as a Model of Syntactic Change. In M.Butt & T.H. King (eds) Time
over Matter. Diachronic Perspectives on Morphosyntax. Stanford, CLSI Publications.
11[11][11][11][11]
De acordo com Nigel (2001), este grupo reuniria estudiosos que adotam a gramática funcional de
Halliday, a gramática funcional de Dik e a Gramática Léxico-Funcional. Os dois primeiros grupos
conceberiam a língua principalmente em sua dimensão comunicativa, enquanto que o último abrigaria
aqueles que considerariam princípios que dizem respeito à correspondência entre estruturas, comportando
uma base representacional para variantes em competiçào, a partir das quais uma mudança poderia evoluir.
Estes últimos não estariam comprometidos a ver mudança morfo-sintática como resultado de efeitos erosivos
de mudança sonora.
necessidades do discurso, e a considerar seriamente a hipótese de que a gramática vem
através da repetida adaptação de formas do discurso vivo. Situam-se nesta perspectiva
Hopper (1979), Givón (1979, 1983), Hopper e Thompson (1980, 1984), Du Bois (1985).
Um conceito central seria o de emergência (Hopper 1987, 1988, 1993), entendido
como processo de estruturação em andamento (Giddens 1984). Na sociologia recente,
estruturação refere-se a condições que regem a continuidade e dissolução de estruturas ou
tipos de estruturas (Giddens 1977:120). Emergência, nesse sentido, é distinta de
ontogênese: estruturas emergentes seriam instáveis e se manifestariam por acumulação. (...)
A noção de emergência constitui uma ruptura com as idéias padrão sobre gramática,(...) [na
medida em que concebe] a estrutura, como uma resposta em andamento a pressões do
discurso e não como uma matriz pré-exitente. Segue daí que para dar conta da estrutura
gramatical e fonológica é necessário ter em conta o modo pelo qual a freqüência e a
repetição afetam e, em última instância, contribuem para a forma da língua (Bybee 1985, to
appear; Bybee et al. 1994).
Nesse contexto, a afirmação de Langacker (1987) adquire um papel demarcador
entre as abordagens funcionalista e formalista no estudo da gramaticalização: A noção de
língua como sistema monolítico tem de dar lugar à noção de língua como uma coleção
massiva de construções heterogêneas, cada uma como afinidades com contextos diferentes
e em constante adaptação estrutural ao uso.
Portanto, para os funcionalistas a rejeição das noções de categoria e estrutura como
um primitivo, a atribuição de um papel central ao uso e, conseqüentemente, à freqüência
seriam as balizas do debate sobre gramaticalização. É no interior delas que se situam os
seguintes temas, que têm ocupado a agenda de discussão nos momentos mais recentes: o
caráter processual da gramaticalização (Traugott, 2001), a unidirecionalidade (Joseph,
2001), o estatuto teórico ou epifenomênico (Newmayer, 2001), se a ontogênese e a
mudança lingüística se dissociam (Hopper & Bybee, 2001) e ainda se a sintaxe é ou não
autônoma (Hopper & Bybee, 2001). Há também um conjunto de pseudoproblemas: relação
arbitrária ou não entre realização fonética e semântica dos items, unicidade entre forma e
função e caráter eminentemente sincrônico das abordagens formalistas. Conforme
argumenta Newmayer (2001), nenhum formalista assumiria qualquer um desses
pressupostos, ao contrário do que dizem os funcionalistas. Um fator muito importante, cujo
estatuto continua indefinido, é o da freqüência: os duas partes em debate fazem menção à
freqüência, embora atribuindo estatutos diferentes ao uso. Outro pseudoproblema seria o de
que a gramaticalização seria um processo autônomo. Traugott (2001) admite que não o é,
na medida em que, como qualquer processo de mudança, não se poderiam fazer predições,
não havendo determinismos.
Depois desta exposição sobre os pontos de controvérsia mais gerais entre
formalistas e funcionalistas, passo a abordar questões pontuais, que dizem respeito aos
temas tratados e ao modo como foram desenvolvidos no âmbito do projeto para a História
do Português Brasileiro.
De modo geral, a discussão da gramaticalização desenvolve-se através dos seguintes
passos: O primeiro consiste em identificar itens que foram recategorizados e descrever a
alteração em termos de: (i) [especificador > núcleo]; (ii) [núcleo>núcleo] e (iii)
[especificador>especificador], assim como o tipo de operação aplicada, “juntar” e/ou
“mover”. Tal alteração seria resultado de reanálise. O segundo passo consiste em detalhar
o processo com base na distribuição sintática, com o propósito de justificar ter ocorrido, de
fato, uma reanálise, como também identificar o momento esse fenômeno se deu. O
terceiro passo consiste em identificar o gatilho, isto é, o fator responsável pela reanálise.
Outro passo, consistiria em “traduzir” os resultados e generalizações elaborados, com base
em pressupostos não gerativistas, de modo a obter uma terminologia coerente com o
modelo gerativista e, desse modo, alcançar uma descrição dos fenômenos estudados que
seja coerente e legível. A ordem em que os passos acima foram apresentados não retrata
uma ordem cronológica do trabalho desenvolvido. Tendo essa última consideração em
mente, passemos a uma síntese dos resultados obtidos.
Inicialmente identificamos três temas: O primeiro foi a recategorização de sintagma
nominal em pronome: “Vossa Mercê”> você” e “a gente> a gente”. O primeiro, que era
uma forma de tratamento, passou a pronome pessoal. O segundo, que indicava
agrupamento de pessoas de um determinado local passou a indicar “nós”. Em termos
gerativistas, tivemos um processo spec> núcleo. Outro fenômeno foi a recategorização de
dois pronomes do português brasileiro em clíticos: “você>cê”; “eles>es”, que também
podem ser descrito spec>núcleo. O terceiro foi a recategorização de verbo principal em
auxiliar, isto é, núcleo>núcleo. O quarto foi a negação, que seria spec>núcleo. De fato,
como veremos mais adiante, estas descrições estão longe de serem avaliadas como
definitivas.
Nestas discussões ressentimo-nos, imediatamente, de uma definição formal dos
termos em (i)-(ii) e da explicitação das correlações (iii)-(iv), que aparecem abaixo em
formato de perguntas:
(i) o que é um pronome? Seria esse um primitivo?;
(ii) o que é um clítico?;
(iii) as alterações fonológicas e semânticas observadas decorrem ou não da
recategorização?;
(iv) que tipo de correlação se pode estabelecer entre sintaxe de uma construção e
“erosão fonética” e “empobrecimento semântico”?
(v) a recategorização, a erosão fonética e o empobrecimento semântico são
concomitantes?
12[12][12][12][12]
As noções de língua-E e língua-I foram formuladas por Chomsky (1986) nos seguintes termos
cliticização manifestada foneticamente através nos itens não/num seria, por sua vez, um
estágio de um processo mais longo e antigo, envolvendo o item “não”, presente na
expressão “não, senhor”. De acordo com Alkmim (2000), a expressão “não, senhor”, usada
com muita freqüência até o terceiro quartel do século XIX, no Brasil, caiu em desuso
abruptamente, pois o item “senhor” deixou de ser usado, por razões político-sociais. Essa
alteração teria constituído o gatilho para que o item “não”, que antes se ancorava no item
“senhor”, buscasse novo “hospedeiro”. A conseqüência imediata foi o surgimento da
negação do tipo [não V não], ausente no Português Brasileiro até aquele momento.
Vitral (1999), entretanto, discorda de que “não” seja um clítico. Argumenta a favor
da distinção entre núcleo>clítico> afixo,e sustenta que “não” é um núcleo. Argumenta que
línguas que possuem Neg, núcleo da categoria funcional, preenchido por um item cujo
estatuto fonético é forte, também apresentam Neg [+forte]; ao passo que línguas que
possuem item negativo com estatuto de clítico ou afixo possuem Neg [-forte], no sentido
chomskyano desse traço. Conclui que tal reconhecimento permite atribuir à
gramaticalização a vantagem de retirar o caráter estipulativo das distinção [+forte/-forte],
utilizada pela teoria de checagem.
No que diz respeito à correlação entre enfraquecimento semântico e erosão fonética
e o processo item lexical> item gramatical apresentados em Hopper & Traugott (1993),
Vitral e Ramos (1999) formulam a seguinte questão: haveria concomitância entre esses
processos? A partir dos contextos em que ocorrem os itens “você” e “cê”, os autores
confirmam a conclusão de Duarte (1997) de que o item “você” ocorre como expletivo, isto
é, sem referência. Esse resultado é surpreendente, pois, sendo a hierarquia (3) justificável ,
do ponto de vista semântico, e a hieraquia (4) justificável do ponto de vista fonético, era de
se esperar que o item foneticamente mais reduzido, isto é “cê”, fosse aquele que se
realizasse como expletivo.
(3) +ref,+def> +ref,-def> - ref (Croft, 1990)
(4) você > ocê > cê (Ramos, 1997)
Assim, o fato de o item ‘você” estar mais à esquerda da hierarquia (4) e apresentar
conteúdo semântico que na hierarquia (3) aparece mais à direita constitui uma evidência de
que não há concomitância entre os processos semântico e fonético.
Será que o fato de os processos não serem concomitantes constitui evidência de que
os processos semântico e fonético sejam independentes? Vitral (2003) argumenta que não,
pois , são as categorias gramaticais que atraem itens pertencentes a outras categorias
gramaticais, e também pertencentes às categorias. Essa “cooptação” de itens, exercida
pelas categorias gramaticais, provoca a redução fonética e a alteração da natureza do
significado (ou “esvaziamento semântico”) captadas por meio da noção de processo de
gramaticalização (p.14).
Outra recategorização identificada no Português Brasileiro foi eles>es. De acordo
com Correa (1998), o pronome “eles” foi reanalisado como clítico. Embora a ocorrência da
forma reduzida, “es”, seja registrada no português desde o século XIV, a atribuição do
estatuto de clítico é recente, datando século XX. Ramos (2003) retoma o processo eles>es,
e discute o estatuto teórico das noções de clítico e pronome. A partir das propostas
Cardinaletti (1997) e Dèchaine e Wiltschko (2002), argumenta a favor de que se deve levar
em conta que diferentes objetos sintáticos podem ter uma mesma realização fonética. No
que diz respeito ao item realizado como “es”, esse parece ter sido objeto de reanálise,
sendo-lhe atribuído, por alguns falantes, o estatuto de traços-phi, enquanto que outros
falantes lhe atribuem estatuto de DP. Conclui que assim como um pronome não seria um
primitivo, conforme argumentam Déchaine e Wiltschko, também um clítico não seria. Tal
reconhecimento permitiria descrever o comportanto de “es” nos contextos em que o verbo
aparece flexionado na terceira pessoa do plural, em que “es” é um elemento que entra numa
relação Spec/núcleo com o verbo, e nos contextos em que “es”ocorre com o verbo no
singular. Nesse último caso, “es” é o núcleo de T, comportando-se como uma flexão de
número afixada ao verbo. Os dados relevantes são:
(5) a. Eles vão embora.
b Es vai longe.
Aqui a marca de “plural”, presente em “es”, é capaz de “compensar” a ausência de
marca morfológica de plural no verbo. Portanto, seu estatuto aqui seria o de afixo.
Dando prosseguimento ao estudo do par você/cê, Vitral (2003) descreve a
cliticização como um processo diacrônico, previsto através de estágios discretos, a serem
percorridos pelos diferentes itens na língua (p.3). Conforme mencionamos, esse estudo
resulta da comparação entre “cê” e “sê” e visa a testar a hipótese (b), também já referida
acima, segundo a qual “cê” seria um clítico. Com base nos dados dos séculos XIV a XX,
Vitral argumenta inicialmente que o fenômeno da não contigüidade entre clítico e verbo
seria uma conseqüência desses diferentes estágios.
Em sua origem, “se” se vincularia à raiz indo-européia *SE, que significa “à parte,
separando para si”, de acordo com Romanelli (1975:169). Inicialmente, portanto, teria sido
uma categoria XP lexical. Por volta do século XIV, “se” teria sido atraído pelo
complementizador. No estágio seguinte, “se” é atraído pela categoria Flexão. A atração por
C acarreta a não contigüidade com o verbo, já a tração por Flexão acarreta contigüidade
com o verbo.Portanto, conclui Vitral, a propriedade (ii), referente à contigüidade de “se”
com V, seria uma manifestação superficial de um processo de mudança que envolveria
diferentes estágios.
A partir dessas conclusões, o autor aponta o seguinte paralelo entre “se” e ‘cê”:
ambos seriam XPs nos estágios iniciais da cliticização; e a não contigüidade presente hoje
entre “cê” e o verbo seria decorrente de seu surgimento no português ser mais recente do
que o surgimento de “se”.
Por fim, a recategorização verbo principal>verbo auxiliar, descrita como núcleo
lexical> núcleo funcional, foi analisada por Vianna (2000). Sua hipótese é que haveria um
processo de gramaticalização, afetando os verbos modais no português. Esse autor
comparou dados dos períodos arcaico, moderno e contemporâneo, e observou, no eixo do
tempo, o seguinte: aumento de freqüência dos modais, menor quantidade de material
interveniente entre modal e infinitivo, aumento progressivo da estrutura
Neg+Modal+Infinitivo, maior ocorrência de alçamento de clítico, menor número de formas
de flexão dos modais e aumento de uso de modais na acepção epistêmica. Estes resultados
foram interpretados como evidência da recategorização verbo lexical> verbo auxiliar.
Feita essa breve síntese dos resultados, passemos à parte final desse trabalho em
que, à guisa de conclusão, faremos um breve diagnóstico das complicações e
inconsistências detectadas na literatura atual sobre gramaticalização. Nosso propósito, ao
retomar esses problemas, é fazer deles diretrizes diretrizes a partir das quais definir nossa
futura agenda de trabalhos futuros no âmbito do Projeto Para a História do Português
Brasileiro.
PARTE II – PARA UMA ABORDAGEM COGNITIVISTA-FUNCIONALISTA DA
GRAMATICALIZAÇÃO
Ataliba T. de Castilho
2. Lexicalização de vez
Lexicalização é a criação das palavras via seleção de propriedades cognitivas e de
traços semânticos derivados, processando-se sua misteriosa concentração numa forma. A
etimologia e os usos de vez permitem identificar essas propriedades.
Vez tem por origem o lat. uicis, “turno, sucessão, alternativa, destino, retorno,
reciprocidade, o turno / o papel / o ofício de alguém ou de alguma coisa”. A palavra era
defectiva: não dispunha de nominativo, sendo uicis se genitivo, uicem seu acusativo, usado
adverbialmente no sentido de “no lugar de”, e uice seu ablativo, igualmente usado como um
adverbial, com o mesmo sentido, podendo vir preposicionado (in uicem “para tomar o lugar
de, no lugar de”, ad uicem, “no lugar de”): Gaffiot (1947: s.v. vicis), Ernout-Meillet (1967,
s.v. uicis, uice, uicem). Para sua história em português, ver Machado (1952-1959, s.v. vez),
Cunha (1982, s.v. vez).
Os bons dicionários da língua portuguesa mostram que os usos do termo revelam as
seguintes propriedades cognitivas de base, de que foram resultando outras propriedades:
• /LUGAR/, perceptível em “tirar a vez de alguém”, de que derivam (i)
“substituir / ocupar o lugar de outrem”, como em “fez as vezes do cobrador, para
ficar com o dinheiro”, “começou logo a gritar, em vez de discutir calmamente”, (ii)
lugar no eixo argumental, como em “em vez de entrar, saiu”, “uma vez que / de vez
que você não me ouve, desisto”, “uma vez que você me dê ouvidos, te atenderei”,
deslizando já para /TEMPO/ e /QUALIDADE – condição/, nestas acepções.
• /TEMPO/, que deriva metaforicamente de /LUGAR/, de que decorrem (i)
“momento de um evento, próximo ou remoto”, como em “era uma vez uma
princesa”, “na vez dele, fique quieto !”, “chegou sua vez”, “desta vez ele não me
escapa”, “esta fruta ainda está de vez” [isto é, antes de madura], (ii) “alternância
de momentos”, como em “falava de vez em quando / de quando em vez / por vezes”
• /QUALIDADE/, conceito abstrato que deriva metaforicamente de /TEMPO/, na
indicação de “momentos que se repetem”, de que decorre o Aspecto Iterativo, como
em “o trem-de-ferro às vezes chega no horário”, “muitas vezes reclamei contra
isso”, “por vezes acho que não tenho a razão”
Veremos adiante como o dispositivo sociocognitivo opera sobre essas categorias de
base, dando surgimento a diferentes categorias lexicais, gramaticais e afixais.
3. Discursivização de vez
A agenda da discursivização inclui indagações sobre topicalização (= hierarquia
tópica, desvios tópicos por digressão e por parênteses), correção sociopragmática,
tratamento da informação, entre outros temas. Alguns lingüistas brasileiros têm estudado a
discursivização, sem uma elaboração teórica maior: ver, pelo menos, Castilho (1997a: 60),
Bittencourt (1999) e Gorski / Gibbon / Valle / Rost / Mago (2002). Essas referências têm
entretanto o mérito de mostrar que há certo desconforto em tratar os temas acima como
casos de gramaticalização, o que significaria fazer confluir para uma mesma dimensão
processos lingüísticos de variada ordem.
Um estudo pormenorizado da utilização de vez na organização do texto deveria
explorar os seguintes aspectos:
(1) Introdução do tópico discursivo, como em:
(1) tinha vez que eu não jogava... mas lá em casa havia umas pessoas que achavam graça...
ouviu...(RJ 374)
(2) L1 uhn uhn ... que hoje:: dentro da nossa profissão ainda mais uma vez falando nela ...
até parece que sou emPOLGAdo por ela não é ? ((risos)) não acha? (D2 SP 62)
(2) Agregação de informação secundária, enriquecendo a elaboração do tópico, via
adjuntos:
(3) quando eu estive uma vez em Uberaba houve uma exposição de gado... impressionante
os fazendeiros daqueles lugares todos... (RJ 374)
(4) e muitas vezes era uma verdadeira luta domar o carneiro...(RJ 374)
(5) mas depois de você passar...várias vezes na porta da loja...sabendo que lá existia aquela
televisão...você...passou a querer... a televisão... (RJ 341)
(3) Determinação / indeterminação / impessoalização do tópico, como em
(6) A primeira vez a gente nunca esquece.
(7) Muitas vezes já é tedioso.
(4) Iniciação de narrativa: seu sentido primordial de “ocasiäo, oportunidade”
permite que vez inicie as narrativas, fato observado por Ilari (1992: 183). Nesse papel, a
palavra opera como argumento único de verbos monoargumentais apresentacionais, como
ser, ter (8), ou como estimulador de uma narração (9):
(8) tinha vez que eu não jogava... mas lá em casa havia umas pessoas que achavam graça...
ouviu...(RJ 374)
(9) L1 - por que o quê ? por onde passa a barata?... os caminhos que ela faz?... os caminhos...
L2 - ah ... verdade ‚...
D1 - e outros animais? como ‚ que fazem pra... pra... com esses animais pra se
livrarem deles...
L2 - eu uma vez...
L1 para?
D1 - pra se livrarem deles não ‚...
L1 - ah...
D1 - a senhora ia contar uma história... uma vez...
L1 - [ Baygon...
L2 - ah... eu fui a uma casa antiga... uma casa que pertencia a uma família amiga...
então eles queriam que nós fôssemos visitar aquela... aquele solar e... antes de eles
venderem queriam que a gente conhecesse (RJ 374)
(5) Articulação do discurso, papel em que vez ainda está engatinhando:
(10) Das vez, é isso mesmo que ela estava querendo [port. pop., exemplo recolhido por R.
Ilari].
(11) Uma vez, um rei procurava um príncipe para casar com sua filha..
Nesses exemplos, vez ocorre na cabeça do enunciado, articulando o que se segue
com o que precede, recuperando seu sentido original de “ocasião”, “momento”.
4. Semanticização de vez
Precisamos sem dúvida entender mais claramente os mecanismos semânticos das
línguas naturais, para configurar a agenda da semanticização. Parece inadequado derivar
sentidos abstratos de sentidos concretos, o que teria por fundamento pressupor mentes
primitivas, restritas à produção de sentidos concretos, de que teriam resultado mentes mais
desenvolvidas, capazes de alçar vôos para domínios abstratos. Outra dificuldade, como já
disse, está nas explicações que aludem a um desbotamento semântico (“bleaching”,
“fadindg”), como se a permanente criatividade de que é feita a língua implicasse em perdas,
sem ganhos, em desmaios, sem despertamentos. Em contrapartida, parece adequado
aprofundar as pesquisas sobre a dêixis, a referenciação, a predicação, a foricidade e a
conexidade, precedendo tudo isso com indagações sobre como criamos os sentidos.
A semântica de uicis mostra que “do sentido de ‘no lugar de’, passou-se ao sentido
de ‘no turno de’, ‘na vez de’” Ernout-Meillet (1967). Cunha (1982, s.v. vez) destaca outros
desdobramentos do sentido básico de lugar: “termo que indica um fato na sua unidade ou
na repetição, ensejo, ocasião”. Essas observações captam o processo de semanticização do
item, que desenvolveu por metáfora vários sentidos: da representação do ESPAÇO
(Locativo: “em determinado momento”, “no lugar de”) > TEMPO (“ocasião”) > QUALIDADE
(= Aspecto Iterativo / “repetição”, Conjunção / “condição”).
Esta seqüência foi formulada por Heine / Claudi / Hünnemeyer (1991a), a qual
fornece um quadro interessante para captar as translações de sentido e partir de categorais
cognitivas de base. Convém lembrar que na notação desses autores, as letras maiúsculas
remetem a sentidos abstratos; entre parênteses, anotei os sentidos específicos de vez,
sempre lembrando que em minha representação o sinal “>” significa disposição radial, não
linear.
Algumas palavras derivadas de vez preservaram os elos acima representados: lat.
uicario > port. vigário, “o que fica no lugar de”, “substituto”, preservou /LUGAR/; lat.
*uicata > port. arc. vegada “uma ocasião”, “uma vez” preservou /TEMPO/; revezar “ter seu
turno de novo” preservou /QUALIDADE/ - Aspecto.
Ilari (1992 e 1998) discrimina na semântica dessa palavra vez1, que “expressa a
reiteração cíclica de eventos”, construindo expressões que respondem à pergunta quantas
vezes?, e vez2, “ensejo”, “ocasião”, “oportunidade”, que “intervém nas expressões certa
vez, uma vez, normalmente utilizadas para introduzir desenvolvimentos narrativos
bastante amplos”. O arranjo que apresentei no item 2 inverte a indiciação proposta por
Ilari, pois considero /LUGAR/ mais básico que / TEMPO/. Seria necessário, também, debater o
estatuto da homonímia na perspectiva oferecida por este texto.
É alta a freqüência de uso de vez, seja compondo um adverbial predicativo
aspectualizador (Ilari 1992, Castilho 1999 a, b), seja compondo um adverbial semelfactivo,
como em:
(12) e uma vez por semana eu me dou o luxo de comer do::ces...sabe ? (DID RJ 328: 47).
(13) você disse... uma vez... em aulas passadas... que...(RJ 364)
e o iterativo, como em
(14) tu viajas deixa o apartamento e muitas vezes essa segurança também pifa (D2 POA
291: 1382).
(15) ao rever os seus objetivos muitas vezes o professor se dá conta de que (...) (EF POA
278: 60).
(16) a temperatura às vezes de 40 graus à sombra... o pessoal de gravata e calça comprida
(D2 POA 291: 788).
(17) o brasileiro come muito mal (...) às vezes... muitas vezes talvez seja o... o aspecto do...
do poder aquisitivo de cada um...né ? (D2 POA 291: 19)
(18) não... não come [peixe cru] já se fez várias vezes... na tua casa mesmo (D2 POA
291: 50).
(19) algumas vezes já vi [essas danças] até já enjoei (DID POA 45: 478).
(20) mandavam a gente copiar a mesma lição uma porção de vezes (DID POA 45: 344).
É comum omitir o núcleo do sintagma nominal constituído por vezes, em função
adverbial, restando apenas o especificador quantificador preenchido por muito, pouco,
bastante, numa forma aparentemente neutra, preservada a noção de iteratividade:
(21) se usa muito o termo extrapolação (EF POA 278: 221].
(22) eu que saio bastante (DID POA 45: 103),
isto é,
(21a) se usa
muitas vezes o termo extrapolação
(22a) eu que saio bastantes vezes
A iteratividade representada pelos adverbiais constituídos a partir do item vez pode
ser universal, partitiva ou distributiva, na dependência do especificador do sintagma
nominal de que ele é o núcleo.
Na iteratividade universal, o adverbial seleciona a totalidade dos indivíduos que
compõem o conjunto verbalizado pela classe-escopo:
(23) síntese é toda vez que for produzida uma nova comunicação (EF POA 278: 360)
(24) chove em São Paulo todas as vezes que saio sem guarda-chuva.
Na iteratividade partitiva, o adverbial seleciona uma parte dos indivíduos que
compõem o conjunto descrito pela classe-escopo, como em muitas vezes, poucas vezes, às
vezes, inúmeras vezes, várias vezes, algumas vezes, uma porção de vezes. A quantificação
partitiva se acentua naqueles casos em que antes de vezes aparece a preposição de, como
em a maior parte das vezes, a menor parte das vezes.
Finalmente, na iteratividade distributiva o adverbial seleciona alguns desses
indivíduos, omitindo outros:
(25) cada vez que chego à Universidade, lá está ele plantado na porta.
(26) esse meu orientando me procura umas vezes sim, outras vezes não, já estou ficando
maluco por causa dos prazos.
5. Gramaticalização de vez
5.1 - Fonologização: no singular, o item perdeu uma sílaba, continuando dissilábico no
plural. Isso mostra que a palavra não sofreu alterações fonológicas muito profundas, nem
mesmo quando usado como afixo.
5.2 - Morfologização: operando sobre o elenco de traços lexicais apresentado
anteriormente, o dispositivo sociocognitivo compôs diferentes classes de palavra:
(1) Substantivos, ativando /LUGAR/ e desativando as categorias derivadas de
/TEMPO/ e /ASPECTO/:
(27) Não pretendo tirar a vez de ninguém.
(2) Adverbiais semelfactivos e iterativos, ativando /QUALIDADE/ e /ASPECTO/, e
desativando /LUGAR/, podendo o N vir preposicionado ou não:
(28) não... tive uma vez com uma moça que era... trabalha na pesquisa... no Rio Grande do
Sul eh... e ela estava falando dessas coisas (RJ 374)
(29) você alguma vez jogou no bicho? (RJ 374)
(30) às vezes quando eu era pequena meu pai tinha uma fazenda em Queluz... cidade de
São nós íamos... lá ...
(31) de vez em quando a gente lê em jornal mesmo no Brasil e em outros países também
mais ( ) problemas ligados a certos animais que estão desaparecendo né ? (RJ 374)
Repetindo o item, e mantido o mesmo arranjo acima, obtém-se:
(32) De vez em vez penso que as coisas estão melhorando.
O papel das preposições precisaria ser aqui examinado com mais detalhe.
(3) Advérbio modalizador de dúvida, português arcaico tamalavez, moderno talvez,
ativando /QUALIDADE/ e /MODO/ e desativando /LUGAR/ e /TEMPO/:
(33) muitos de vocês tenham chegado à adolescência um pouco mais cedo… ou talvez…
um pouco mais tarde (RJ 364)
(34) é claro… e o ponto mais BACANA é o aspecto é… da história de ( ) talvez… mas
é que em muitos casos o ratinho se salva…(RJ 251)
(35) não sei se seria cobra não venenosa… não … talvez fosse…(RJ 374)
(4) Locução conjuncional, ativando /LUGAR/ como “substituição” e como “espaço
no eixo argumental”, /QUALIDADE/ como “condição”, e desativando /TEMPO/:
Primeiras conclusões
Os argumentos arrolados mostram que há certa urgência em debater teoricamente os
processos de lexicalização, discursivização, semantização e gramaticalização. Reconheço,
naturalmente, que muita pesquisa precisa ainda ser feita para arredondar meus argumentos.
Caminhando nessa direção, proponho a seguinte agenda para os debates futuros sobre a
gramaticalização:
(1) No que diz respeito ao Léxico, vamos temporariamente deixar de lado a
afirmação segundo a qual categorias menores derivam de categorias intermediárias, e estas
de categorias maiores, num ritmo unidirecional. Os movimentos sociocognitivos contínuos
e simultâneos de agrupamentos de propriedades parecem suficientes para explicar a criação
das palavras, e mostram a multidirecionalidade desse processo. A criação do Vocabulário
das línguas naturais deve proceder daqui, muito menos do que estranhas mudanças de uma
classe para outra. O grande desafio continua a ser a identificação das categorias cognitivas
básicas e dos traços semânticos derivados, tarefa que poderá desvendar esse mecanismo.
Será necessário refinar as pesquisas nessa direção, somando esforços com aqueles que vêm
trabalhando na Semântica Cognitiva e na Semântica de traços.
(2) Outra questão a retirar de nossa agenda é o tratamento derivativo que se
estabeleceu entre Gramática, Discurso e Semântica. Deixando de lado uma percepção linear
desses subsistemas da língua, compreenderemos melhor as relações entre eles se
postularmos que são de caráter (i) indeterminado, (ii) pancrônico, (iii) radial, (iv)
muldirecional. Juntamente com a lexicalização, os processos de constituição lingüística
gerados nessas instâncias precisariam ocupar nossas atenções, concentrando-se nossos
esforços para o entendimento das línguas naturais em sua dinamicidade. É claro para mim
que centralizar toda a criatividade lingüística na gramaticalização restringe e obscurece o
entendimento de como as línguas funcionam.
(3) A gramaticalização cinde-se em três subprocessos: fonologização,
morfologização e sintaticização, os quais ocorrem simultaneamente, sem uma hierarquia de
precedência entre eles. A unidirecionalidade só pode ser comprovada no tratamento das
palavras no interior de cada um desses subprocessos – e por aqui vai ficando o famoso
princípio da unidirecionalidade. Acredito que a ação do dispositivo sociocognitivo, uma
vez mais detalhado e melhor entendido, fornecerá as bases teóricas para o entendimento da
gramaticalização, da regramaticalização e da desgramaticalização.
PARTE III- RESENHA DOS ESTUDOS SOBRE
GRAMATICALIZAÇÃO
Apresentamos inicialmente uma relação não exaustiva dos estudos sobre
gramaticalização, desenvolvidos ultimamente no Brasil, assinalando com um asterisco
aqueles resumidos neste texto. Esses estudos, muitos dos quais realizados fora do PHPB,
cobrem os seguintes tópicos 13[13]:
• Trabalhos de conjunto: Martelotta / Votre / Cezario (Orgs. 1996), Castilho
(1997a), Neves (1999).
• Aspectos teóricos e metodológicos: Martelotta / Votre / Cezario (1996), Ferreira
/ Cezário / Oliveira / Martelotta / Votre (2000), Naro / Braga (2001), Gorski et
alii (2003).
• Nome: Bittencourt (1999), Castilho (2001).
• Verbo: Ilari (1986), Martelotta / Leitão (1996), Mattos e Silva (1999), Galvão
(2000, 2002), Callou / Avelar (2001), Kewitz* (2002a,b), Gonçalves (2003).
• Pronomes e expressões de tratamento: Freitas (1995), Omena / Braga (1996),
Vitral (1996), Vitral / Ramos (1999*), Lopes (1999 / 2003, 2002), Ramos
(2000*), Ramos / Oliveira (2002*), Salles (2002), Menon / Lambach / Mandarin
(2003), Souza (2003).
• Advérbios: Cunha (1996), Vitral (2000), Braga / Silva / Soares (2001), Ramos
(2002), Braga / Paiva (2003), Costa (2003), Martelotta / Barbosa / Leitão
(2002a,b*).
• Conjunções e integração de sentenças: Cezário / Gomes / Pinto (1996), Castilho
(1997b), Barreto (1999), Pezatti (2000), Ignácio / Hintze (2001), Longhin
(2003), Módolo (em andamento).
• Preposições: Viaro (1994), Baião / Arruda (1996), Macêdo (1997), Poggio
(1999), Castilho / Viaro et alii (2002*), Guedes / Berlinck (2002).
• Operadores discursivos e argumentativos: Risso (1993, 1996), Martelotta
(1996), Martelotta / Rodrigues (1996), Martelotta / Alcântara (1996), Braga /
Silva / Soares (2001), Souza (2001), Gorski / Gibbon / Valle / Rost / Mago /
Freitag (2002), Tavares / Görski (2002), Mago / Görski (2002).
1. Gramaticalização de Pronomes
1.1 - Célia Regina dos Santos Lopes - O percurso de a gente em tempo real de longa
duração. Em R. V. Mattos e Silva (Org. 2001, Volume II – Tomo I – Primeiros Estudos.
pp. 127-148). Resumo feito por Ilza Ribeiro.
13[13][13][13][13]
Desnecessário dizer que esses tópicos freqüentemente se recobrem. É o caso, pelo menos, das
entradas “advérbios”, “conjunções”, “preposições” e “operadores discursivos e argumentativos”.
O texto trata da gramaticalização ou pronominalização da forma substantiva gente
como pronome indicador de primeira pessoa: a gente. A autora traça um percurso histórico
desta forma, desde o português arcaico.
A análise mostra que, neste processo da gramaticalização, houve perdas e ganhos de
propriedades formais e semânticas. A identificação e interpretação dos traços formais e
semânticos de gênero, número e pessoa em relação a gente (substantivo) e a gente
(pronome), seguindo a perspectiva de Rooryck (1994) para as subespecificações destes
traços nas línguas humanas, ilustram esta questão:
a) GÊNERO: gente (nome) [+fem, FEM] > a gente (pronome) [fem, αFEM], com
perda do traço formal [+fem] e ganho de subespecificação para o traço semântico.
O exemplo a seguir mostra a não-correlação entre traço formal [+fem] e traço
semântico [FEM = neutro, não-marcado] de gênero no substantivo gente:
(1) ... quem governava, e mandava era elle Epifanio e Manoel Congo, e que todos os dias
de manhã mandava reunir a gente e contava o número della (Insurreição dos negros, fala de
Miguel Crioulo, p. 48/49, séc. XIX)
O substantivo a gente coocorre com o pronome della, indicando que o gênero
formal é [+fem]; contudo seu significado não é [+FEM], pois se refere a um agrupamento
de pessoas de ambos os sexos (o réu e seus companheiros escravos)
Por outro lado, a forma pronominal tem o gênero formal neutro ou não-marcado
[fem], mas o gênero semântico pode ser subespecificado para [+FEM] ou [-FEM], como
ilustrado nos seguintes exemplos:
(2) a) A gente ficou arrasada com as inundações
b) A gente ficou arrasado com as inundações
Também nos pronomes pessoais “legítimos” (eu, tu, nós,..), o gênero formal é zero
[fem], mas são subespecificados quanto ao gênero semântico [αFEM].
b) PESSOA: gente (nome) [eu, EU] > a gente (pronome) [eu, +EU], com ganho, para
o pronome, de subespecificação do traço semântico de pessoa, incluindo a pessoa que fala.
O traço formal de pessoa [eu] se mantém, por continuar a se combinar com verbos em
P3:
(3) a) a gente, dentro da nossa cabeça, ... (AC01, NURC/RJ)
b) a gente tem uma paisagem bonita no Rio (NURC/RJ)
c) NÚMERO: gente (nome) [αpl, +PL] > [pl, +PL] > a gente (pronome) [pl, PL],
com dois estágios evolutivos. No segundo, o traço formal de número passa a ter valor
default, mantendo a interpretação semântica [+PL]:
(4) a) Quando viu o mundo quel o eu vi, / e viu as gentes que eran enton (Canc. Ajuda, séc.
XIII)
b) mas o monge lla cuidou / fillar, mas disse-ll” a gente (Cant. de Santa Maria, séc.
XIII)
A autora trabalha com uma amostra de 270 ocorrências, sendo 126 do substantivo
gente e 144 da forma pronominal. As ocorrências de gente como pronome são atestadas na
segunda metade do século XIX; entre os séculos XVI e primeira metade do XIX, há
exemplos esporádicos que apresentam ambiguidades quanto a uma leitura de substantivo
(=pessoas) ou de pronome (=nós), como nos seguintes exemplos:
Séc. XVI
(8) Também há muita infinidade de mosquitos prinçipalmente ao longo dalgu Rio antre
huas aruores q se chamão manges não pode nenhua pessoa esperallos e pello matto
quando não há viração são muj sobeios e perseguem muito a gente. (GÂNDAVO, P.
1965:235)
Séc. XVII
(9) (...) E os tigres, em tanta cantidade (por não haver descampados), que, em se metendo
ua rês no mato, não sae, e o mesmo risco corre a gente, se não anda acompanhada, e
pelos rios e lagos dos jaguarés ... (BERNARDO, 1996:28)
Séc. XVIII
Rosinha - A prima Maricota disse-me que era uma coisa de pôr a gente de queixo
caído. (JÚNIOR, 1882:165)
Nos três exemplos, parece que a interpretação semântica de pessoa genérica do
substantivo gente começa a sofrer mudança. A possibilidade de incluir o falante na
interpretação dos exemplos indica uma mudança no traço semântico de pessoa.
O traço de subespecificação do número formal [αpl] está presente até o século XIX,
embora, paulatinamente, o traço [pl] ganhe terreno, apresentando uso categórico no
século XX. É no século XVI que se tem evidência da segunda fase do processo de
gramaticalização, com 75% dos dados apresentando os traços [pl, +PL].
Outro aspecto considerado atuante na pronominalização é a diminuição gradativa de
realização do artigo diante do substantivo gente: no séc XIII, é comum o uso do artigo (a
gente, as gentes); nos séculos subseqüentes, o artigo torna-se mais raro e outros tipos de
determinantes começam a ocupar sua posição (minha gente, essas gentes, muita gente, ...).
À medida que o artigo se cristaliza na forma pronominal (a gente), mais rara se torna sua
realização diante do substantivo gente.
1.2 - Célia Regina dos Santos Lopes - De gente para a gente: o século XIX como fase de
transição. Em: T. Alkmim (Org. 2002: 25-46). Resumo feito por Ilza Ribeiro.
O texto apresenta uma análise quantitativa e qualitativa da mudança categorial do
substantivo gente para o pronome a gente, com base em dados do século XIII ao XX,
mostrando que o processo de gramaticalização foi lento e gradual. Os pesos relativos
indicam os séculos XVII-XVIII como os períodos em que se inicia a pronominalização do
substantivo gente, embora as taxas de uso sejam baixas até antes do século XX. Dos 212
dados levantados em textos do século XIX, 31% são de a gente pronominal e 69%, de
emprego da forma substantiva; para os séculos XVII e XVIII foram levantados 125 dados,
dos quais 90.4% são da forma substantiva.
Nos séculos XIII-XVI, as ocorrências de gente não apresentam, em geral,
ambigüidade interpretativa; são poucas as ocorrências de usos de a gente ambíguos em
relação a uma leitura de "pessoas" (substantivo - a não-pessoa) ou de "nós" (pronome -
+EU). A partir do século XVI, começa uma escala de ampliação dessa ambigüidade
interpretativa, com 2 casos no século XVI; 2, no XVII; 9, no XVIII; e 36, no XIX.
Exemplos são dados a seguir:
(1) O jograr por tod' aquesto | non deu ren, mas violou como x' ante violava, | e a candea
pousou outra vez ena vyola; mas o monge lla cuidou fillar, mas disse-ll' a gente: "Esto vos
non sofreremos".
A virgem Santa Maria ....(p. 27, V.I, CSM, Século III)
(2) Quanto mais se chega a fim do mundo, atodo andar, tanto a gente é mais ruim!
(Gândavo, p. 230, século XVI)
(3) (...) E os tigres, em tanta cantidade (por não haver descampados), que, em se metendo
~ua rês no mato, não sae, e o mesmo risco corre a gente, se não anda acompanhada, e pelos
rios e lagos dos jaguarés ... (Bernardo, 1996: 28 - Século XVII)
(4) Rosinha - a prima Maricota disse-me que era uma coisa de pôr a gente de queixo caído
(Júnior, 1882:165 - século XIX)
O século XVII é visto como o início do período de transição, em que gradualmente
o traço de pessoa do a gente passa a permitir de forma mais nítida uma leitura incluindo o
falante: cresce o número de casos ambíguos, decresce o número de emprego de a gente
como sinônimo de "pessoa"; no século XIX, as interpretações ambíguas deixam de ser
possíveis, o que caracteriza este período como o momento decisivo neste processo de
gramaticalização. (Figura 4.5). Desta forma, a mudança é vista de forma dinâmica,
refletindo um continuum de perda gradativa de traços formais.
Além do fator relacionado com a categoria lexical (substantivo ou pronome), a
autora controlou os seguintes fatores:
I - Concordância interna no SN, para controlar a subespecificação de número formal no
substantivo (esta gente / estas gentes); os usos de formas no singular favorecem o processo
evolutivo gente > a gente. No século XVI, há 74% de casos sem o traço formal de número;
a partir desse período, o uso de gente só no singular ganha terreno, chegando a 100% no
século XX.
II - Traços formais e semânticos de gênero, desde que gente substantivo se refere a um
agrupamento de pessoas [+genérico], enquanto a gente pronome apresenta subespecificação
semântica quanto ao gênero [?FEM]. Do século XIII ao XV, há várias possibilidades de
concordância de um predicativo adjetival com o sujeito gente/a gente, ocorrendo 17 casos
no feminino (9 no plural) e 6 no masculino plural; nos séculos XIX e XX, a morfologia
realizada é de feminino singular. O uso significativo de dados que apresentam ambiguidade
interpretativa e a concordância de a gente com adjetivos no feminino referindo-se a
personagens masculinos evidenciam a transitoriedade do processo.
III - Traços de pessoa, verificando-se uma preferência pelos usos de P6 nos século XIII-
XIV (68%), comparados aos 28% no século XV, chegando a 0% no século XX. Assim, a
partir do século XVI é que a freqüência de P3 começa a se tornar relevante.
IV -Os dados do século XIX mostram, quanto ao fator gênero (sexo), uma maior realização
de a gente pronominal na fala feminina, com .77 de peso relativo. Nas obras analisadas, as
mulheres representam personagens populares, caricaturais. Isto permite concluir que a
disseminação desta gramaticalização resulta de um processo de baixo para cima, tendo sido
implementada pelas mulheres. Caracteriza-se também como conseqüência de uma mudança
encaixada lingüística e socialmente, iniciada com as reestruturações das formas nominais e
pronominais de tratamento entre interlocutores. O uso dêitico da forma a gente também é
apontado como favorecedor da gramaticalização, com peso relativo de .94. Também a
forma pronominal a gente é favorecida com a interpretação +genérica (.62) do que
específica (.44). Associados à interpretação genérica, os tempos verbais do subjuntivo (.92),
do presente do indicativo (.51) e formas infinitivas (.87) favorecem a forma pronominal a
gente.
Separando dados do português europeu dos do PB, a autora considera que a
mudança no Brasil ocorre realmente a partir do século XX, pois no século XIX o peso
relativo para a probabilidade de ocorrência de a gente pronominal é de .19, sendo de .84 no
século XX.
2. Gramaticalização de Advérbios
2.1 - Mário Eduardo Martelotta (UFRJ) / Afranio Gonçalves Barbosa (UFRJ) / Mário
Martins Leitão (UFRJ) -Ordenação de advérbios intensificadores e qualitativos em -mente
em cartas de jornais do século XIX: bases para uma análise discrônica. Em Duarte /
Callou (Orgs. 2002: 167-176).
O trabalho analisa as tendências de ordenação dos advérbios indicados em cartas de
jornais e em anúncios do século XIX, comparando-os com ocorrências do século XVI.
Foram considerados apenas os advérbios que têm um verbo por escopo, dada a
maior possibilidade de colocações nesse ambiente. A hipótese que anima o trabalho é a de
Pagotto (1999), segundo a qual até o século XVIII a posição pré-verbal era disponível para
qualquer tipo de advérbio, situação que se altera do século XIX em diante, continuando aí
apenas as estruturas comparativas.
As seguintes posições foram consideradas:
P1 – antes do sujeito
P2 – entre o sujeito e o verbo
P3 – antes do verbo sem sujeito expressso
P4 – depois do verbo, sem outros complementos ou advérbios
P5 – entre o verbo e o objeto
P6 - depois do objeto, sem outros complementos ou advérbios
P7 - entre o objeto direto e o objeto indireto
P8 - entre o verbo e o advérbio, sem complementos
P9 – depois do advérbio
No português arcaico, como no atual, predomina a posição pós-verbal, e, 67% dos
casos. Os advérbios em –mente e os intensificadores predominaram em P3, disposição não
considerada por Pagotto:
(1) (1) [P2] ... o padre e madre direitamente falando
(2) (2) [P3] honra esta que muito apreciará quem tem a satisfação de
confessar-se
Os intensificadores apurados nas cartas do século XIX não mudaram muito o
quadro do português medieval, com duas “novidades”: (1) ausência de ocorrências em P6 e
P9, o que pode ser interpretado como um movimento de aproximação do advérbio em
relação ao verbo; (2) diminuição dos casos de P2 e aumento dos de P3, ratificando a
hipótese de que a posição entre o sujeito e o verbo é mais típica do português arcaico. Os
qualitativos em –mente acentuam essas tendências, como se vê em
(3) (3) V. Ex. Considerava vago o lugar que ele dignamente enchia no senado
(4) (4) ... sobre os eleitores nós cordialmente lhe agradecemos
Observou-se nos anúncios de jornais a tendência à posição pré-verbal P3,
predominando P4, o que favorece a hipótese de Pagotto para este século.
Em conclusão, comparando as duas fases do português constata-se que no século
XIX diminui a liberdade de colocação dos advérbios estudados, o que aponta para uma
sintaxe mais rígida.
2.2 - Mário Eduardo Martelotta (UFRJ) / Afranio Gonçalves Barbosa (UFRJ) / Mário
Martins Leitão (UFRJ) – Advérbios qualitativos e modalizadores em –mente: do português
arcaico ao português do século XIX. Texto apresentado ao V Seminário do PHPB (Ouro
Preto, MG).
Este trabalho analisa os advérbios qualitativos em -mente, observando, em seus
usos, três aspectos que são aparentemente distintos, mas, que um estudo mais atento revela
estarem bastante relacionados: as suas tendências de ordenação, a polissemia que os
caracteriza e o fenômeno da gramaticalização.
Esses advérbios parecem poder se colocar, no português arcaico, não apenas depois
do verbo, como é normal atualmente, mas também antes do verbo, aparecendo, inclusive,
entre o sujeito e o verbo. Tudo indica, portanto, que havia uma situação de variação no que
diz respeito à colocação desses advérbios no português arcaico, que, salvo recurso de
estilização, desapareceu na fase contemporânea.
Levando em conta a mudança por gramaticalização, podemos observar que, com o
desenvolvimento desse processo, novos usos surgem, especializando-se em posições
específicas. É o caso dos advérbios em -mente, que, perdendo valor de qualitativo e
assumindo valor modalizador, assumem tendências de colocação diferentes. 0Isso
demonstra a importância de se observar a polissemia dos advérbios nos diferentes
momentos evolutivos da língua estudados.
Nossa análise pretende verificar a ocorrência e a posição dos advérbios em -mente
em textos do português arcaico e do século XIX. Para tanto, utilizamos os corpora: Bíblia
Medieval Portuguesa, organizado por Silva Neto (1958), Livro das aves, de Rossi et alii
(1965), Livros dos conselhos de El-Rei D. Duarte, transcrito por Dias (1982) e O Orto do
Esposo, de Maller (1956) e os Registros médicos, de Bastos (1993), para o português
arcaico. Já os exemplos do século XIX são retirados dos corpora do Projeto Para a História
do Português Brasileiro (PHPB): cartas publicadas em jornais oitocentistas e de cartas
pessoais manuscritas. Os dados recolhidos das cartas pessoais são do Rio de Janeiro,
Paraná, Minas Gerais e Bahia, ao passo que os dados retirados de jornais, além de oriundos
desses mesmos lugares, contam, também, com material de São Paulo. A referência à
atualidade está baseada em uma pesquisa feita em Pinto (2002), com base em dados de
língua falada e escrita, recolhidos do corpus do Projeto Discurso e Gramática, do
Departamento de Lingüística e Filologia da UFRJ.
Com respeito aos advérbios em –mente, Pereira (1935) propõe que um processo
novo desenvolveu-se em português e nas outras línguas românicas para a formação de
advérbios qualitativos: aglutinar o substantivo feminino mente (do latim mentem = maneira,
intenção) aos adjetivos, que, com isso passam à forma feminina: justamente,
honradamente, etc.
Mas há ainda determinados aspectos do uso de alguns advérbios em -mente que são
interessantes para a análise da gramaticalização relacionada a esses elementos. É o que
propõem Traugott (1995) e Tarbor e Traugott (1998). Esses autores repensam a noção de
unidirecionalidade, com o objetivo de englobar alguns usos de marcadores discursivos que
não podem ser explicados pela teoria da gramaticalização, tal como apresentada nas
primeiras propostas do início da década de 1990. Nesse sentido, os marcadores podem ter
seus usos explicados pela trajetória de gramaticalização advérbio interno à cláusula >
advérbio sentencial > marcador discursivo. Essa trajetória caracteriza alguns advérbios
portugueses como de fato, com certeza e formações em -mente, como certamente,
realmente, verdadeiramente, seguramente, fatalmente, praticamente, obviamente, entre
outros.
No que diz respeito ao português arcaico, os dados demonstraram uma a forte
tendência dos qualitativos em -mente para ocorrer em posições pós-verbais. Entretanto, há
uma quantidade significativa desses elementos em posição pré-verbal, sobretudo entre o
sujeito e o verbo. Esses fatos apontam para uma abertura às posições pré-verbais, que não é
comum ao português atual. Notamos também uma tendência mais geral que esses advérbios
apresentam de ocorrerem próximos ao elemento que modificam, no caso, o verbo. Percebe-
se ainda que, quando o sujeito ocorre antes do verbo, há uma tendência maior de o advérbio
assumir posição pós-verbal. Isso pode ser visto como uma espécie de processo de equilíbrio
entre os elementos na oração. Quanto aos modalizadores, esperávamos, uma quantidade
grande de desses advérbios no início da oração. Mas constatou-se quase um equilíbrio com
as ocorrências no meio da oração.
No que diz respeito ao português do século XIX, percebemos a mesma tendência do
português arcaico para as posições pós-verbais: com as posições pré e pós verbais
apresentando percentagens muito parecidas e, do mesmo modo, uma quantidade
considerável de ocorrências entre o sujeito e o verbo. Esses fatos vão contra nossa hipótese
inicial de que o século XIX apresentaria bem menos casos de qualitativos em -mente em
posição pré-verbal, especialmente entre o sujeito e o verbo. Esperávamos encontrar mais
modalizadores no início e, em menor escala, no fim da oração, já que esses advérbios se
referem à oração como um todo. De fato a maioria das ocorrências se deu no início da
oração. Entretanto, além de não encontrarmos ocorrências no final da oração, detectamos
alguns casos no meio da oração. Embora, nesses casos, o advérbio se refira à oração como
um todo, ele parece enfatizar um elemento que ocorre no seu interior.
3. Gramaticalização de Preposições
Ataliba T. de Castilho / Mário Eduardo Viaro / Marcelo Módolo / Verena Kewitz / Nanci
Romero / Rafael Coelho / Tasso A.C. dos Santos – Gramaticalização das preposições ante,
até, de, entre / com / para. Comunicação apresentada ao V Seminário do PHPB (Ouro
Preto, 2002).
O trabalho acima tem por objetivo o estudo da gramaticalização das preposições no
corpus do PHPB, a partir das seguintes questões, adiante detalhadas: (1) Propriedades
lexicais das preposições: do Léxico para a Gramática; (2) Propriedades discursivas das
preposições: do Discurso para a Gramática; (3) Propriedades semânticas das preposições:
das categorias cognitivas para a Gramática; (4) Propriedades sintáticas das preposições: a
estrutura argumental e as adjunções.
1 – Propriedades lexicais das preposições: do Léxico para a Gramática
Para avaliar a trajetória das preposições do Léxico para a Gramática, iniciamos o trabalho
pelo estudo de sua etimologia. Caso um mesmo étimo tenha dado origem a diferentes
classes de palavras, todas as ocorrências destas serão estudadas, para se comparar os
diferentes graus de gramaticalização das preposições em relação a essas outras classes.
Tendo por pano de fundo essa decisão metodológica, poderemos no final da pesquisa
identificar as condições da “preposicionalidade”, entendendo melhor o estatuto categorial
dessa classe. Como hipótese inicial, as preposições foram agrupadas em pelo menos três
pontos em sua escala de gramaticalização: (i) as mais gramaticalizadas, isto é, as que se
comportam exclusivamente como preposições (como parece ser o caso de de, em, a, para,
com, por), (ii) as medianamente gramaticalizados (sem, sob, sobre, até, entre, contra, desde,
após) e, finalmente, (iii) as menos gramaticalizadas (ante, perante, durante, exceto,
salvante, salvo, conforme, trás, segundo). Essa espécie de “escala interna” vai dos itens
mais freqüentes e com maior amplitude sintática, para os itens menos freqüentes, de menor
amplitude sintática.
2 – Propriedades textuais das preposições: do Discurso para a Gramática
Para o estudo das propriedades textuais das preposições, foram formuladas as
seguintes perguntas: (1) que expressões preposicionadas topicalizam o enunciado, vale
dizer, que expressões fornecem o quadro de referências dentro do qual deve ser entendido o
enunciado que se segue ? é possível identificar os papéis dessas construções de tópico ? (2)
que expressões preposicionadas operam como conectores do enunciado ? (3) há competição
entre as preposições que desempenham essas funções textuais? Vejam-se ss seguintes
exemplos:
2.1 - Preposições que atuam nas construções de tópico (= CTs), identificando-se seu papel:
(1) CT modalizadora:
De certo / sem dúvida, logo havendo o uniforme fica sempre o mesmo vicio que se quer
evitar [SP CJ 19, 1]. [hiperpredicaçãoda sentença por modalização asseverativa].
(2) CT delimitadora:
(a) Para nós, a situação de Ruanda é igual à de Botsuana.[o conteúdo proposicional é
considerado verdadeiro dentro do quadro de referências criado pela CT].
(b) Com respeito à globalização, eu gostaria que o senhor falasse sobre o significado da
globalização no mundo moderno.
Foram consideradas como CTs as expressões preposicionadas que tomam por
escopo toda a sentença, e não apenas um de seus constituintes. As CTs se situam fora das
fronteiras sentenciais. Isto quer dizer que se distinguiu “topicalização” (= [i] mecanismo
discursivo de seleção de um tópico textual; [ii] deslocamento de constituinte para a
esquerda da sentença) de “construção de tópico” (= estruturação de um constituinte extra-
sentencial). Adjuntos se movem na sentença, mas as CTs já são produzidas em sua
periferia. Tanto assim é que, adotado o expediente de movê-las para dentro da sentença,
altera-se o significado proposicional, como se pode constatar em
(2’) Eu gostaria que o senhor falasse com respeito sobre o significado da globalização,
isto é,
(2’’) Eu gostaria que o senhor colocasse respeitosamente o significado da globalização,
que não parafraseia (2b). Neste caso, o SP está em adjunção ao SV, funcionando como um
adjunto adverbial de qualidade.
2.2 - Expressões preposicionadas que funcionam como conectivos textuais:
(3) As chuvas chegaram com uma fúria incontrolável, as lavouras foram destruídas,perdeu-
se a criação. Com isso / desse modo os prejuízos se avolumaram, e a miséria se abateu
sobre a região.
3 – Propriedades semânticas das preposições: das categorias cognitivas para a Gramática
A literatura sobre as preposições tematiza continuadamente a difícil questão de seu
sentido. Teriam elas um sentido de base, de que decorreriam sentidos derivados ? Ou
seriam completamente vazias de sentido, e a semântica das expressões preposicionadas
decorreria dos termos que elas relacionam ?
Nesta pesquisa, hipotetizou-se que as preposições têm um sentido prototípico de
base, que se desdobra por metáfora em sentidos derivados.
Os sentidos prototípicos das preposições correspondem às categorias semântico-
cognitivas de POSIÇÃO NO ESPAÇO, DESLOCAMENTO NO ESPAÇO, DISTÂNCIA
NO ESPAÇO e MOVIMENTO. A categoria de ESPAÇO poderá ser descrita em termos
dos eixos horizontal, vertical e transversal, como se pode ver pelo quadro abaixo:
CATEGORIAS SEMÂNTICO-COGNITIVAS DE BASE
Eixo Origem
horizon-tal Meta
Eixo vertical Inferior
POSIÇÃO NO ESPAÇO Superior
Eixo Anterior
trans-versal Posterior
Conti-nente / Dentro
conteúdo For a
DESLOCAMENTO NO ESPAÇO + Movimento
- Movimento
DISTÂNCIA NO ESPAÇO Proximal
Distal
CATEGORIAS SEMÂNTICO-COGNITIVAS Imperfectivo
DERIVADAS Aspecto Perfectivo
Iterativo
Passado
Tempo Presente
Futuro
Causa
Modo
Posse
Qualida- Matéria
de Assunto
Instrumento
Condição
Finalida-de
Meio
Beneficiário
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1. Parâmetro pro-drop
As idéias iniciais que deram origem ao que hoje se conhece como Parâmetro do
Sujeito Nulo surgiram de estudos comparativos entre o inglês e línguas românicas como o
italiano e o francês. (Chomsky 1981, Rizzi 1982, Jaeggli & Safir 1989): em inglês, a
realização do sujeito pronominal é obrigatória, mesmo quando não-referencial ou expletivo
(it, there), caracterizando-se como uma língua [-pro-drop]; em italiano e em espanhol, ao
contrário, o sujeito pronominal só deve ser realizado sob certas condições sintático-
discursivas, em geral em contextos em que o pronome recebe um acento enfático ou
contrastivo, sendo, portanto, línguas [+pro-drop].
O Português europeu (PE) e o português brasileiro (PB) se distinguem em relação
aos valores atribuídos a este parâmetro, marcado positivamente para o PE e negativamente
para o PB. Essa diferença motivou o estudo do preenchimento do sujeito no PB por
pesquisadores com diferentes abordagens teóricas, quer numa abordagem sincrônica, quer
numa abordagem diacrônica. Entre eles, destacamos aqui só alguns, por a natureza do nosso
texto não permitir uma apresentação mais ampla da questão (sobre outros estudos, cf.
referências). Tarallo (1983/1985) apresenta evidências diacrônicas para a tendência,
observada no PB, ao preenchimento pronominal da posição de sujeito, a partir dos inícios
do século XIX; Duarte (1993/1995) também apresenta evidências de mudança em tempo
real e em tempo aparente, em direção à marcação negativa para o parâmetro pro-drop.
Ambos relacionam o fenômeno à redução da morfologia verbal no PB, devida aos usos do
pronome você(s) para segunda pessoa (em substituição a tu14[14] e vós) e a gente para
primeira pessoa do plural.
Kato (1993/1996/1999) procura explicar formalmente a perda da propriedade pro-
drop do PB como resultante de uma análise da morfologia verbal como [-pronominal], o
que condiciona a realização obrigatória do sujeito pronominal (pronome fraco). Para Galves
14[14][14][14][14]
Ainda em uso em algumas regiões, com formas verbais variando entre morfologia canônica de
2a. pessoa e morfologia de 3a. pessoa.
(1984/1991/1993), a perda da propriedade pro-drop também está relacionada com a
natureza da morfologia verbal, embora com uma proposta distinta da de Kato: a flexão
verbal contém pessoa apenas como um traço puramente sintático, não mais conseguindo
identificar a pessoa do sujeito nulo. Negrão (1999), Modesto (2000), entre outros,
consideram que o enfraquecimento da morfologia verbal leva a uma reanálise categorial do
sujeito nulo no PB, como uma variável A'-ligada.
2. Objeto nulo
O estudo das propriedades paramétricas do objeto nulo tem sido feito por Rizzi
(1986), Farrell (1987/1990) e Kato (1987,1991,1993), citando só alguns. O estudo inicial
deste fenômeno é o de Huang (1984), que analisa o objeto nulo como uma variável ligada a
um tópico discursivo nulo. O segundo estudo sobre este fenômeno, o de Raposo (1986),
também caracteriza o objeto nulo como uma variável, pois o objeto nulo sofre restrições em
ilhas sintáticas no PB. Para o autor, o objeto nulo, uma variável, deriva do movimento de
um OP vazio para a posição COMP; este OP nulo estaria vinculado ao tópico nulo do
discurso. Com isto, Raposo consegue explicar as restrições de objeto nulo em ilhas no PE.
As possibilidades de realização de objeto nulo, bem como o estudo das suas
características estruturais, também têm estado no âmbito dos estudos sobre a sintaxe do PB,
sincrônica e diacronicamente. Com base nos estudos de Huang (1984/1989), Galves
(1987/1989/1991, entre outros, aponta as diferenças entre objeto nulo no PB e no chinês.
No que concerne à comparação entre o objeto nulo no PE e no PB, Raposo (1986) e Galves
(cf. referências) sugerem que no PE o objeto observa as restrições de ilhas e que, no PB, as
possibilidades de objeto nulo são mais amplas, podendo ocorrer mesmo em ilhas. Cyrino
(1990/1992/1993/1997) traça um percurso diacrônico desta mudança paramétrica, no que
diz respeito ao PB.
Outros estudos surgiram mostrando que o fenômeno conhecido como objeto nulo
não é homogêneo, nem sempre se caracterizando como uma variável, como muitos dos
objetos nulos observados em PB, em quíchua e no italiano. Cole (1987), por exemplo,
mostra que o objeto nulo do quíchua imbabura se comporta como um pronome e não como
uma variável. Farrell (1987) compara diferenças entre PB e chinês e analisa o objeto nulo
do PB como um pronome. As propostas de Galves (1987, 1989) e Kato (1991, 1993)
também caracterizam assim o objeto nulo do PB como categoria pronominal.
Em artigo de 1991, Huang reformula sua análise, caracterizando o objeto nulo do
chinês como um epíteto nulo. Kato (1991) propõe que o objeto nulo dêitico seja analisado
como um nome nulo. Outros casos de "objeto nulo" são analisados como resultantes de
elipse de VP, aceita por todos os lingüistas citados acima, como possibilidades de
manifestação superficial de objeto nulo. Assim, vê-se que o fenômeno é complexo e pode
resultar de estruturas que podem ser confundidas com o chamado objeto nulo. Há uma
variação entre as línguas no que diz respeito a este fenômeno, apresentando ocorrências
bem restritas em umas, e mais amplas em outras. As diferenças entre PE e PB são
analisadas como definição de diferentes valores paramétricos.
3. Ordem VS
A possibilidade de inversão entre sujeito-verbo, em sentenças declarativas simples,
tem sido associada à possibilidade de sujeito nulo, como em (Chomsky 1981 e Rizzi 1982).
Assim, desde que a inversão livre de sujeito é considerada uma propriedade de línguas de
sujeito nulo, estudos têm observado a crescente fixação da ordem SVO no PB,
correlacionada com a perda da propriedade pro-drop (Torres Morais 1995, Lopes Rossi
1996, Berlinck 1995, Cyrino, Duarte & Kato 2000, e Kato 2000). Nascimento (1984) e
Kato & Tarallo (1988) e Kato (2000), entre outros, mostram que a ordem VS no PB
contemporâneo é restrita a ambientes de monoargumentos, ocorrendo sobretudo em
construções apresentativas. A hipótese de Kato (2000, cf. também outros textos da autora) é
que os afixos de concordância do PB não são pronominais, não funcionando como
argumento do verbo. Desse modo, o pronome fraco deve ocupar a posição de sujeito
(Spec/TP). A ordem VS ainda é possível em construções apresentativas (inacusativas e
existenciais) por o PB ainda manter um afixo -0 de concordância com valor pronominal,
que funciona como um tipo de expletivo neutro (tipo it do inglês / il do francês).
1. O sujeito referencial
A terceira pessoa
Partindo da constatação de que a 3a. pessoa resiste mais ao preenchimento do sujeito
(Duarte 1995, Oliveira 1996), pois a identificação do sujeito nulo pode ser realizada pela
coindexação com um antecedente (Negrão & Muller 1994), Oliveira (1999) analisou a
realização pronominal de 3a. pessoa nas estruturas de subordinada com correferente. A
autora observou que nesses contextos o sujeito podia ser realizado pronominalmente,
inclusive nos casos em que entre o sujeito da matriz e o da encaixada houvesse a
interveniência de um SN, contrariando a hipótese de Calabrese (1985).
A autora observou no corpus recorrente separação do sujeito, por meio de vírgulas,
o que a levou a hipotetizar que essa marca pode ser um indício da marcação de fronteira
entre a posição do sujeito e do tópico (SN [__VX]), uma evidência de que a posição de
sujeito estava se tornando vaga para o preenchimento do sujeito, o que teria permitido o
aparecimento da estrutura de duplo sujeito no PB (Duarte 1995).
Como o trabalho se restringe ao documento anúncios, a presença da vírgula
separando o sujeito do verbo pode ser uma estratégia de focalizar o elemento anunciado,
sem com isso estabelecer uma marcação da fronteira. A análise de outros documentos para
a averiguação dessa hipótese ainda não foi realizada, mas merece investigação, uma vez
que o sujeito duplo está sendo implementado no PB e tem importantes conseqüências na
aprendizagem da realização pronominal dos argumentos (Cordeiro, em andamento).
A segunda pessoa
No que concerne à segunda pessoa, Oliveira (2001a) observou nas cartas do século
XIX o uso das formas verbais de 2a. pessoa do singular para a 2a. pessoa do plural e vice-
versa. A presença das mesmas alterações na Demanda do Santo Graal levou a autora a
analisar as formas verbais da 2a. pessoa do plural, pois, de acordo com Mattos e Silva
(1994), essas formas verbais sofreram a queda do /d/ intervocálico.
Estudando a queda do /d/ intervocálico nas formas verbais no Português Medieval,
Oliveira (2001, 2001a) observou que a dissolução do hiato era feita com a semivocalização
e com a crase. A autora interpreta essas duas resoluções como a configuração de duas
gramáticas distintas: a que optou pela crase criou um paradigma com neutralização das
formas do singular e do plural, da qual deriva o PB; a que optou pela semivocalização
reconstituiu o paradigma de seis formas distintivas, derivando o PE.
A autora observa ainda que a queda do /d/ intervocálico coincide com o
aparecimento das formas de tratamento e correlaciona o preenchimento do sujeito do PB a
esses dois fenômenos lingüísticos, i.e. o enfraquecimento da morfologia verbal, decorrente
de um processo fonológico, e o aparecimento de formas pronominais de tratamento em
substituição ao pronome vós, cuja forma verbal apresentava-se morfologicamente
enfraquecida. O longo período de tempo entre a manifestação do enfraquecimento da
morfologia verbal, a partir da queda do /d/ intervocálico ocorrida no século XV, e o
preenchimento do sujeito no PB, que ocorre no século XX (Duarte 1993), se explica pelo
longo processo de gramaticalização das formas nominais de tratamento, assunto não
desenvolvido pela autora nesse trabalho.
Oliveira e Ramos (2002) recuperam a hipótese da correlação entre o
enfraquecimento da morfologia verbal e o surgimento das formas nominais de tratamento.
Na esteira de Oliveira (2001, 2001a), as autoras sugerem que o pronome você não foi o
gatilho do preenchimento do sujeito (Duarte 1993), ainda que a gramaticalização desse
pronome tenha sido uma escolha para a efetivação do preenchimento do sujeito. Nesse
trabalho as autoras discutem a avaliação das formas pronominais tu e você no Brasil e em
Portugal para explicar o avanço da forma você no PB. O trabalho é uma tentativa de dar
uma explicação, dentro da história social, à escolha do pronome você para a efetivação do
preenchimento do sujeito no PB. As autoras sugerem que a avaliação negativa de você em
Portugal se explica pela abertura da vogal nesse pronome, remetendo-o ao vós, e pela
concordância desse na 3a. pessoa do singular. O pronome você no PB, cuja vogal é fechada,
não remetendo, portanto, à segunda pessoa, pode estabelecer a concordância verbal com a
3a. pessoa. Essa proposta deve ser melhor investigada do ponto de vista diacrônico.
2. O sujeito arbitrário
Oliveira (2002) busca observar o aparecimento de para com verbos dativos. Partiu
da hipótese de que o uso de para com verbos dativos segue o percurso: verbo de
movimento > verbo híbrido > verbo dativo. Essa hipótese foi descartada porque, nos
contextos de verbo híbrido (levar, trazer, etc), a preposição a, e não para, é usada
categoricamente com os nomes [+pessoa].
Apoiando-se na proposta de Figueiredo Silva (s/d) de que para projeta os elementos
fora de VP, como os adjuntos, e nos dados extraídos do corpus do século XIX, em que o
verbo dar aparece com objeto indireto arbitrário nulo e com a preposição para introduzindo
um SP deverbal, com valor final e com função oblíqua, Oliveira postulou a hipótese de que
o uso de para no OI deriva da reanálise do SP com função oblíqua, i.e. com valor final. A
preposição para teria seguido o seguinte percurso: verbo final > deverbal > N [-animado] >
N [+humano]. A autora não explica os casos em que, no PB atual, tem-se o uso da
preposição a. Se considerarmos que a preposição a também aparecia em contextos
oblíquos, com valor final, o que é bastante saliente nos dados do corpus analisado,
podemos hipotetizar que tanto a quanto para com essa função foram reanalisadas, no
sentido de que passaram a introduzir os elementos selecionados15[15] pelo verbo.
Quanto à preposição a, com função de marcar Caso, Oliveira sugere que a sua
presença é marcada pelo traço [+pessoa] no complemento dos verbos híbridos, no
complemento acusativo preposicionado e na realização do argumento dativo pelo clítico
lhe. Portanto, a perda dessa preposição está relacionada a uma perda mais geral no PB, a
saber, a perda do traço [+pessoa], verificado na morfologia verbal (Galves 1993) e na
preposição a.
No que concerne à seleção do verbo, no caso dos verbos de dois lugares registrou-se
a variante zero. A realização do argumento na forma de um clítico acusativo e a forma da
15[15][15][15][15]
Vamos deixar em aberto a questão da seleção do verbo.
passiva são evidências da reanálise do OI como OD. No que concerne aos verbos
ditransitivos, não se verificou a variante zero. Há duas possíveis análises:
Três são os tipos de construções em que a preposição entra em variação com outras
preposições no PB do século XIX: 1) com verbos de movimento; 2) nas construções de
dativo de posse e 3) nas construções causativas e perceptivas.
No que concerne aos verbos de movimento, Guedes e Berlinck (2001) e Oliveira
(2002) apontam para o avanço da preposição em com verbos de movimento, em lugar da
preposição a. Com base nos verbos do tipo aparecer/comparecer, que apresentavam
variação no uso da preposição, Oliveira sugere que os verbos apresentativos constituem
contexto para o uso da preposição em com verbos de movimento, estabelecendo o seguinte
percurso para a extensão do uso de em: estado > existencial-apresentacional > movimento.
2. Dativo de posse
A análise dos NPs possessivos com verbos inacusativos (Ramos 1999) mostrou que
o licenciamento desses deixa de ocorrer no último quartel do século XIX, seguindo as
seguintes etapas: 1) NPs plenos ocupam a esquerda de VP; 2) NPs plenos ocupam a direita
de VP; 3) substituição da preposição a por de. A queda da preposição a tem o mesmo perfil
da queda do clítico lhe, evidência da correlação entre essa preposição e o clítico dativo.
A autora assume que aNP faz parte do DP e adota a estrutura de Small Clause para a
seqüência [NP possuidor NP possuído]. O clítico lhe tem a função de recuperar, através do
traço de concordância, a relação entre o NP possuidor, na posição de tópico, e o NP
possuído. Uma alteração no valor de Agr/D impede a projeção de Spec de Agr/D e, por
conseguinte, do movimento de aNP. Se Caso, este elemento deixa de ser visível na FF e a
construção passa a ser mal-formada. Para a autora, somente o movimento de núcleos é
licenciado, o que explica a realização de posse apenas com lhe no PB atual. Esta análise
deixa de captar a relação entre a queda do clítico lhe e a da preposição a, que, segundo
Ramos, apresentam o mesmo perfil.
3. As construções causativas
Baseando-se no italiano em que as construções causativas diferem das perceptivas
no que se refere à posição do NP em relação ao verbo infinitivo, mas se assemelham no que
concerne ao tipo de argumento acusativo ou dativo, em função da transitividade do verbo
não finito, Oliveira (2002) analisou essas construções nas cartas e anúncios do século XIX.
Observou-se que nas estruturas monoargumentais do verbo causativo tem-se a
ordem V+Vinf+NP e nas do verbo perceptivo predomina a ordem V+NP+Vinf. Nas
estruturas biargumentais, a ordem V+NP+Vinf é majoritária para os perceptivos e começa a
avançar no caso dos causativos.
No que concerne ao tipo de argumento, verifica-se que nas estruturas biargumentais
dos verbos perceptivos tem-se um NP ou clítico acusativo. No caso dos verbos causativos,
é mais alta a freqüência de SPs. Curiosamente, o clítico acusativo tem maior freqüência do
que o dativo nessas construções. Portanto, a mudança começa a partir dos verbos
perceptivos, atingindo a ordem e a realização do argumento. Além disso, a mudança no tipo
de clítico precede a mudança SP>NP. A autora não analisou em que medida a mudança na
ordem dos constituintes sentenciais nas declarativas (Berlinck 1989, 2000) está
correlacionada com a mudança na ordem dos constituintes das construções perceptivas e
causativas.
V- Estruturas negativas
Torres Morais (2001) observou que as estruturas de dupla negação do português
moderno apresentam uma assimetria na realização do não sentencial. Se o indefinido
negativo está em posição pré-verbal, a presença do não é excluída; se o indefinido negativo
está em posição pós-verbal, a presença do não é obrigatória. A análise da dupla negação no
português arcaico e no século XVI mostrou que, no português medieval, o licenciamento
dos itens negativos exigia a presença do marcador negativo. A dupla negação se manifesta
na posição pré-verbal e pós-verbal. Nas sentenças formulaicas observava-se já a variação
da concordância negativa em posição pré-verbal. No século XVI a obrigatoriedade da
presença do marcador negativo é relaxada quando os itens negativos se acham em posição
pós-verbal. A autora conclui que a dupla negação foi um fenômeno do galego-português.
Não foi possível datar a cronologia da perda da dupla negação em posição pré-verbal, pois
os séculos XV e XVI ainda atestam essas construções.
Alkmim (2002), analisando as estruturas negativas nos anúncios publicados nos
jornais do século XIX, atestou a dupla negação no século XIX. No que concerne
especificamente à partícula negativa não, verificou-se a sua ocorrência na posição pré e
pós-verbal. A partícula também aparece interpolada entre o verbo e o clítico, o que ocorre
em 33,5% dos dados. A autora salienta que a interpolação é um dos aspectos que
distinguem o PE do PB atual e que, nesse aspecto, as estruturas negativas devem ter sofrido
mudanças em período subseqüente. A autora observou também que, além da partícula não
ter escopo sentencial, os dados do século XIX mostram que ela pode negar outros
constituintes, formados por SP e por Adjetivo. A negação de constituinte nominais,
entretanto, não é atestada no material analisado, o que pode ser indício de que construções
como “o não-pagamento” sejam inovações lingüísticas que também remetem ao século XX.
Considerações finais:
Os trabalhos apresentados confirmam as hipóteses de Ribeiro (2001) e de Moraes de
Castilho (2001), a saber: (i) o PB é resultado de mais de uma gramática e não pode ser
descrito comparativamente apenas em relação ao PE moderno; (ii) algumas questões
gramaticais são derivadas das variantes lingüísticas do português quatrocentista, cujo
desenvolvimento está no domínio do PB.
As mudanças gramaticais creditadas ao português quatrocentista são as seguintes: a)
o enfraquecimento da morfologia verbal; b) o apagamento de um dos constituintes do
redobramento sintático, do qual deriva o uso do pronome tônico na posição de objeto e na
estrutura possessiva; c) a perda da ordem VS de inversão germânica.
No domínio do PB verificamos mudanças na realização dos argumentos e nas
preposições em complementos verbais. Na realização dos argumentos, observamos: a) o
preenchimento do sujeito nas encaixadas com sujeito correferencial; b) a gramaticalização
das formas pronominais, seja na posição de sujeito, seja na posição de objeto; c) a extensão
do uso das formas pronominais gramaticalizadas para a realização do sujeito arbitrário; e d)
a reorganização do sistema pronominal arbitrário, que sai da órbita da 3a. pessoa para as
pessoas do discurso. No que concerne às preposições em complementos verbais, foram
registrados os primeiros indícios da perda gradual da preposição a nos verbos de
movimento, nos verbos dativos e nas estruturas perceptivas e causativas.
No que diz respeito à gramaticalização das preposições nos complementos verbais e
à gramaticalização dos pronomes, seja para o sujeito referencial seja para o sujeito
arbitrário, parece que precisamos esperar o século XX para a implementação e difusão da
mudança. Nesse sentido, o século XIX apresenta apenas algumas poucas evidências do que
vinha a se firmar no século subseqüente.
De uma maneira geral, pode-se dizer que a realização dos argumentos verbais,
preposicionados ou não, depende do processo de gramaticalização dos elementos
pronominais, que se faz gradualmente, em um percurso de LONGA duração, como mostrou
Lopes, no estudo da gramaticalização do item a gente, e como mostraram os trabalhos de
Duarte e Cavalcante no estudo do sujeito referencial e arbitrário. Além disso, o
apagamento e o preenchimento de um elemento argumental se submetem à hierarquia da
Referencialidade (Cyrino, Duarte e Kato 2000), cujos pólos são atingidos após um LONGO
período de tempo, dada a interação dos diferentes traços semânticos envolvidos.
É possível que o enfraquecimento da morfologia verbal e o apagamento de um dos
constituintes do redobramento sintático sejam mudanças mais instantâneas, retardadas
apenas pelas diferentes gramáticas que se alinham com as diferentes ondas migratórias.
Em suma, pode-se dizer que os trabalhos de descrição lingüística desenvolvidos no
âmbito do PHPB são altamente elucidativos na explicação da formação do PB e a sua
continuidade se faz necessária para que possamos delinear o quadro descritivo da sintaxe
do Português do Brasil e para fornecer explicação gramatical dos epifenômenos descritos,
tarefas do PHPB, conforme Castilho (1999).
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Introdução
O Projeto Nacional para a História do Português Brasileiro (PHPB) estruturou-se,
desde a sua origem, a partir de três campos de atividades: a) estudos sobre mudança
gramatical; b) estudos sobre história social lingüística e c) organização de corpora. O
objetivo deste relatório é apresentar uma síntese das reflexões e das investigações
produzidas no âmbito do referido Projeto relativamente à história social lingüística do
Brasil, o segundo, portanto, dos três campos de atividades anteriormente mencionados; para
tal, foram considerados os textos publicados em Castilho (1998), Mattos e Silva (2001),
Alkmim (2002) e Duarte & Callou (2002)16[16].
Embora o critério para a leitura dos textos tenha sido o cronológico, obedecendo-
se, portanto, à seqüência da sua comunicação aos Seminários realizados, a apresentação que
a seguir se fará está pautada em critério temático, tendo-se agrupado os textos em três
subconjuntos, com o objetivo, assim, de que, para além de permitirem visualizar o já feito,
permitam também melhor planejar as investigações futuras:
1. 1. Projetos gerais para a história social lingüística do Brasil e/ou para a
história social do português brasileiro17[17];
2. 2. Questões relativas à constituição sócio-histórica do português popular
e do português culto brasileiros;
16[16][16][16][16]
Os textos apresentados ao V Seminário Para a História do Português Brasileiro, realizado em
Ouro Preto, em 2002, serão organizados para publicação por Jânia Ramos e Mônica Alkmim.
17[17][17][17][17]
ELIZAINCÍN, Adolfo. (1998a). Estado actual del Proyecto Historia del Español de América e
(1998b) Historia social del español de América: perspectivas não serão abordados neste trabalho.
3. 3. Projetos e investigações sobre a história social lingüística do Brasil
e/ou sobre a história social do português brasileiro em regiões específicas do
país18[18].
Ao final, referem-se, na Bibliografia, os textos a partir dos quais este relatório foi
elaborado, todos exclusivamente produzidos no âmbito do PHPB.
1. Projetos Gerais
No âmbito do PHPB, durante a realização do seu I Seminário, destacam-se dois
textos de caráter geral, programático, em que se explicitam concepções teórico-
metodológicas sobre o campo de investigação história social lingüística, mais
especificamente sobre a história social do português brasileiro. São eles: Idéias para a
história do português brasileiro: fragmentos para uma composição posterior de Rosa
Virgínia Mattos e Silva (1998) e História social do português brasileiro: perspectivas de
Jânia Ramos (1998).
18[18][18][18][18]
Coube a Tânia Lobo a redação dos itens 1 e 2 e a Klebson Oliveira, a do item 3.
19[19][19][19][19]
NETO, Serafim da Silva. (1986 [1950]). Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil. 5
ed. Rio de Janeiro: Presença.
20[20][20][20][20]
Afirma Mattos e Silva: “A defesa da tese do conservadorismo se funda basicamente em fatos de
mudanças fônicas que, talvez a partir do século XVII, mas com certeza no século XVIII, ocorreram no
português europeu e não se deram no português brasileiro. (...) são, fundamentalmente, aquelas relacionadas
ao sistema vocálico não-acentuado. Sustenta ainda essa tese o pressuposto do caráter conservador do mundo
rural, próprio ao Brasil até o nosso século.”
(1994)21[21], que, capitalizando “os conceitos teóricos de variação, mudança e norma
formulados pela lingüística contemporânea e os resultados de estudos e debates sobre o
português brasileiro, a partir dos anos 80 para cá, [vai] demonstrar argumentativamente que
o português brasileiro é não apenas heterogêneo e variável, mas também plural e
polarizado.” Segundo tal proposta, no diassistema heterogêneo do português do Brasil,
distinguem-se dois subsistemas igualmente heterogêneos – daí polarização e pluralidade –
, designados pelo autor como norma(s) culta(s) e norma(s) vernácula(s), designações que,
mutatis mutandis, se aproximariam das mais correntemente referidas português culto e
português popular. Enquanto a(s) norma(s) culta(s) tenderiam a perder características que
as aproximam do padrão europeu original, a(s) norma(s) vernácula(s) tenderiam a adquirir
características que as aproximam da(s) norma(s) culta(s), num processo de convergência,
mas com nítidas diferenças, entendendo-se que uma mesma comunidade de fala se poderia
caracterizar por sistemas de valores e padrões de uso lingüísticos distintos, ou mesmo
antagônicos. Mattos e Silva destaca ainda que a referida polarização tem sido tratada por
Kato (1993) como diglossia22[22].
Antes de passar à apresentação de propostas referentes à reconstrução e à escrita de
uma história do português brasileiro, Mattos e Silva discute duas questões: 1. Se a
construção da história de uma língua não pareceria extemporânea, anacrônica a lingüística
histórica, cuja motivação central, contemporaneamente, tem sido a busca de teorizações
sobre a mudança lingüística em geral, focalizando aspectos significativos de mudanças
lingüísticas em línguas específicas e 2. Se as mudanças lingüísticas são ou não tratáveis de
maneira rigorosamente científica, já que decorrem sempre de complexos condicionamentos
extra e intralingüísticos.
E ainda:
Quanto à história específica do português brasileiro nos seus cinco séculos de
constituição, o trabalho de 1950 de Serafim da Silva Neto (...) e seu artigo-síntese de 1960
ainda constituem os dois estudos mais aprofundados sobre questões referentes ao português
brasileiro, integrados nas concepções teóricas e ideológicas próprias do seu tempo. O
ensaio [de 1985] de Antônio Houaiss é uma renovada, mas sintética visão de conjunto
sobre o português brasileiro (...) (32)
21[21][21][21][21]
LUCCHESI, Dante. (1994). Variação e norma: elementos para uma caracterização
sociolingüística do português do Brasil. Revista Internacional de Língua Portuguesa, 12:17-28.
22[22][22][22][22]
KATO, Mary. (1993). Português brasileiro falado: aquisição em contexto de mudança
lingüística. Actas do Congresso Internacional sobre o Português. v. II. Lisboa: Colibri/APL.
sócio-história lingüística, tentando estabelecer – o que é difícil, e muito, para o passado – a
correlação entre fatores extralingüísticos e lingüísticos; palmilharemos, ainda, os caminhos
previstos por teorias de mudança intralingüística, quer sejam segundo os modelos teóricos
explicativos e considerados científicos da teoria da gramática de orientação chomskiana,
quer sejam caminhos interpretativos que outras vertentes da lingüística nos possam
fornecer, mesmo que hoje considerados não-científicos, porque meramente descritivos.”
(33-34)
23[23][23][23][23]
HOUAISS, Antônio. (1985). O português no Brasil. Rio de Janeiro: UNIBRADE/UNESCO.
24[24][24][24][24]
WEINREICH, U., LABOV, W., HERZOG, W. (1968). Empirical foundations for a theory of
language change. In LEHMANN, W. P., MALKIEL, Y. (eds.) Directions for historical linguistics. Austin:
University of Texas Press.
dupla face, transition na sociedade e transition na estrutura –, o embedding problem –
também na sua dupla face, embedding na sociedade e embedding na estrutura – e o
evaluation problem – ou seja, a questão da avaliação social das variantes.
Dentro do campo b – ou campo da sociolingüística histórica –, “que se moverá
numa perspectiva de estabelecer correlações entre fatores lingüísticos e fatores sociais”, as
investigações teriam como objetivo captar a variação histórica no âmbito (i) do embedding
problem, o encaixamento na sociedade, (ii) do transition, a difusão de variantes na
sociedade, e ainda (iii) do evaluation, a captação das avaliações que favorecerão ou não a
mudança. Para a realização dos objetivos apresentados em (i) e em (ii), prevê a organização
de um conjunto significativo de documentos, seriados tanto do ponto de vista estilístico
quanto do ponto de vista cronológico. A seriação estilística proporcionaria a visão da
variação sincrônica em momentos determináveis do passado, já que o objetivo é a
reconstrução histórica do chamado português popular e do português culto do Brasil, e a
seriação cronológica proporcionaria a visão do processo da mudança lingüística ao longo
do tempo. Já para a realização dos objetivos apresentados em (iii), prevê a exploração de
fontes indiretas, particularmente, porque passível de se fazer de forma sistemática, dos
instrumentos gramático-filológicos, não descartando, contudo, a recuperação de avaliações
dispersas em testemunhos históricos os mais inesperados.
Os campos c e d correspondem ao que, tradicionalmente, se designa como história
interna; movem-se ambos, pois, no âmbito de um dos aspectos do embedding problem.
Enquanto o objetivo do campo c seria o de “descrever e buscar explicitar ou explicar (...) o
encaixamento no interior das estruturas e a difusão da variante em mudança pela estrutura”,
a questão central do campo d seria “verificar se, em comparação com o português europeu,
as mudanças ocorridas no português brasileiro já estariam prefiguradas ou encaixadas nele.
Para tanto, terá de dispor do conhecimento do português europeu no seu processo histórico
de constituição.”
25[25][25][25][25]
LABOV, W. (1982). Building on empirical foundations. In LEHMANN, W. P., MALKIEL, Y.
(eds.) Perspectives on historical linguistics. Amsterdã/Filadélfia: John Benjamins Co.
histórica?”. A sua reflexão, portanto, será no sentido de contribuir com parâmetros que
norteiem a construção de uma história social não na perspectiva do campo a – conforme
proposto por Mattos e Silva e por ela designado campo da história social lingüística –, mas
na perspectiva do campo b – designado de campo da sociolingüística histórica.
A revisão da clássica dicotomia história interna x história externa é feita, partindo-se
da oposição entre uma concepção estruturalista e uma concepção sociolingüística de
sistema. A autora destaca, assim, que, ao conceber o sistema como homogêneo, o
estruturalismo “impede uma abordagem que investigue a força dos diferentes grupos socais
no interior de uma mesma comunidade de fala, porque esta é vista como um todo e a
mudança lingüística, concebida como resultado da atuação de forças internas à gramática.”
Todavia, ao conceber o sistema como heterogêneo, sendo tal heterogeneidade passível de
sistematização a partir da noção de que a unidade do sistema é uma variável, a
sociolingüística laboviana “leva à formulação de um quadro em que a dicotomia história
interna x história externa fica diluída.” A noção de variável / de variação lingüística
permite, pois, integrar ao sistema a heterogeneidade social.
A seguir, Ramos traz ao debate a hipótese, formulada por Kroch (1989)26[26], de
que a origem da mudança é sempre externa, hipótese que tem a força de recolocar em foco
a questão do contato na explicação da mudança, porém não mais em termos de contato
entre línguas, mas entre gramáticas. De tal hipótese, decorreria que “informações sócio-
históricas, principalmente as de natureza demográfica, vão ser de interesse central em
análises cujo objetivo é fornecer explicações para fenômenos de natureza diacrônica.”
Decorreria ainda que “[se se aceita] a variação/mudança como resultantes de contato e [se
se assume] que o contato tem como conseqüência a produção de enunciados representativos
de gramáticas distintas, [se podem buscar], na variação sintática presente no corpus
selecionado, evidências da presença das especificidades das gramáticas presentes na
comunidade de fala.” Finaliza essa primeira parte do seu texto, concluindo que a
investigação diacrônica, no sentido de “recompor o caminho de cada variante no contexto
sócio-histórico, de modo a identificar em que momento e em que lugar geográfico e social a
variante ocorreu, (...) equivale a responder à seguinte questão: com que gramática se deu o
contato, quando, onde, como?”
Na segunda parte do seu texto, justamente com o objetivo de “exemplificar um
tratamento [da mudança] que poderia ser rotulado de sócio-histórico”, conjuga os
resultados de dois estudos sobre as formas de tratamento você e cê: Ramos (1996)27[27] –
que as investiga no dialeto mineiro – e Faraco (1996)28[28] – que faz uma abordagem
histórica de você. A perspectiva a ser demonstrada, como já se disse, é a de que a busca de
respostas aos problemas clássicos da sociolingüística, formulados por Weinreich, Labov e
Herzog (1968) em termos de questões, torna evidente a imbricação entre os aspectos sociais
e lingüísticos no passado e no presente.
O estudo de Ramos (1996) “verificou que as formas você e cê são freqüentes no
dialeto mineiro e que os contextos em que a forma cê é usada constituem um subconjunto
daqueles em que você o é”, resultados que forneceram “evidência a favor da hipótese
26[26][26][26][26]
KROCH. (1989). Reflexes of grammar in patterns of language change. Language, variation and
change, 1:199-244.
27[27][27][27][27]
RAMOS, Jânia. (1996). O uso das você, ocê e cê no dialeto mineiro. In HORA, Dermeval.
(org.), Diversidade lingúística no Brasil.
28[28][28][28][28]
FARACO, Carlos Alberto. (1996). O tratamento você em português: uma abordagem histórica.
Fragmenta, 13:51-82.
formulada por Vitral (1996)29[29], segundo a qual cê seria um clítico no estágio atual do
português brasileiro.” A partir do exposto, formula Ramos, então, as seguintes questões:
(i) sabendo-se que no português europeu a forma você tem uso restrito e que a forma
tu é preferida, qual teria sido a razão da “opção” por você no dialeto mineiro?;
(ii) em que momento a forma você entrou no português brasileiro?;
(iii) qual a correlação entre a cliticização de cê e outras tendências sintáticas
manifestadas no português brasileiro contemporâneo?
29[29][29][29][29]
VITRAL, Lorenzo. (1996). A forma cê e a noção de gramaticalização. Revista Estudos da
Linguagem 4 (1):115-124.
30[30][30][30][30]
BOLÉO, M. Paiva. (1946). Introdução ao estudo da filologia portuguesa. Lisboa: Revista de
Portugal.
pessoa do plural; segundo momento: V+N -> 2a pessoa do plural (oscilação da 3a pessoa
do singular) concordância; terceiro momento: V+N -> 3a pessoa do singular -> Você ->
3a pessoa do singular. Inicialmente tem-se uma escolha lexical entre as várias formas
V+N, depois a escolha é morfossintática (2a ou 3a pessoa?) e, por fim, há a escolha entre
clítico ou não-clítico.
• Questão da implementação [actuation problem]: Por que a mudança tu/você/ocê ocorreu?
Quando ocorreu? Onde ocorreu? Essas respostas são obtidas através de informações de
natureza sócio-histórica e análise lingüística quantitativa (...)
• Questão da avaliação [evaluation problem]: Como os membros de uma comunidade
avaliam a mudança? Quais os efeitos dessa avaliação sobre o processo de mudança em si?
Novamente aqui informações tanto de natureza sócio-histórica quanto de natureza
propriamente lingüística são requisitadas, de modo a evitar a conclusão de que a extensão
do uso de tu no PE resulta do fato de você ser usado em contextos de relação assimétrica,
sem levar em conta as propriedades gramaticais abstratas, que se manifestam no PB
contemporâneo como tendência de preenchimento de sujeito e marcação não-redundante
da concordância.
Na finalização dos seu texto, Ramos retoma as quatro vias do plano de trabalho
para a sócio-história do português brasileiro apresentado por Houaiss (1985) e sugere
alternativas, justificando-as a partir do que expôs nos itens anteriores31[31]:
• Primeira via: (...) selecionar o mais brevemente possível um conjunto de tópicos sintáticos a
ser investigade e um conjunto mínimo de dialetos regionais e, em seguida, empreender o
levantamento sugerido.
• Segunda via: (...) um mapeamento da dialectologia brasileira que informe satisfatoriamente
sobre construções sintáticas á algo ainda por fazer. Por onde começar? Como? Um ponto
de partida, a meu ver, seria identificar duas microrregiões cujo perfil evidencie diferenças
sócio-históricas claras. O segundo passo seria tomar como referência um grupo de
informantes representativo do dialeto urbano e um grupo de informantes representativo do
dialeto rural: comparar-se-iam dados lingüísticos das duas comunidades, os quais
refletissem os tópicos sintáticos inicialmente definidos e, em seguida se faria um histórico
da formação de ambas as comunidades, evidenciando fatos relativos ao contato com
falantes de outras gramáticas.
• Terceira via: (...) essa via se confunde com a anterior, diferenciando-se apenas na ênfase
dada ao aspecto vertical. A alternativa de abordagem sugerida em relação à via anterior
permite integrar a dialetologia vertical e horizontal, uma vez que se adotam a noção de
variação sociolingüística e um conjunto mínimo de variantes (...).
• Quarta via: (...) o recorte alternativo inicialmente sugerido poderia ainda ser mantido. Se
se leva em conta, no conjunto global das informações, referentes às duas comunidades
inicialmente selecionadas, a penetração da língua escrita em diferentes momentos do
tempo e nos diferentes segmentos sociais, será possível depreender tendências lingüísticas
diretamente condicionadas pelo fator letramento.
31[31][31][31][31]
O plano de trabalho referido consta da síntese de Mattos e Silva (1998), feita anteriormente,
razão por que não é aqui retomado.
2. Questões relativas à constituição sócio-histórica do português popular e
do português culto brasileiros
Seis textos dedicam-se à constituição sócio-histórica do português brasileiro,
enfocando-o não como uma unidade, mas privilegiando o ponto de vista que o reconhece
como uma realidade heterogênea, para a qual, sempre dentro de enfoque sociolingüístico,
se distinguem caracterizações que ou o concebem como um diassistema constituído por
pelo menos dois subsistemas, também eles heterogêneos, designados de normas vernáculas
e de normas cultas, ou o interpretam como um diassistema constituído por três subsistemas,
grosso modo correspondentes a uma variedade rural inculta, uma variedade urbana inculta
e uma variedade urbana culta.
Os textos a serem apresentados a seguir, portanto, contribuem diretamente para uma
reconstrução mais aproximada da formação histórica daquilo que mais correntemente se
tem designado de português popular brasileiro e de português culto brasileiro. São eles:
De fontes sócio-históricas para a história social lingüística do Brasil: em busca de indícios
de Rosa Virgínia Mattos e Silva (2001); A variedade lingüística de negros e escravos: um
tópico da história do português no Brasil e Estereótipos lingüísticos: negros em charges do
século XIX de Tânia Maria Alkmim (2001 e 2002, respectivamente); Tentativa de
explicação diacrônica de alguns fenômenos morfossintáticos do português brasileiro de
Eberhard Gärtner (2002); Português padrão, português não-padrão e a hipótese do contato
lingüístico de Heliana Ribeiro de Mello (2002) e, finalmente, Quais as faces do português
culto brasileiro? de Ilza Ribeiro (2002).
32[32][32][32][32]
Esclarece a autora que utiliza a designação indícios no sentido proposto por GUINSBURG,
Carlo. (1989). Mitos emblemas sinais: morfologia e história. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, para
quem o “conhecimento histórico é indireto, indiciário, conjectural”.
33[33][33][33][33]
Para a caracterização referida, ver Mattos e Silva (1998), anteriormente sintetizado.
34[34][34][34][34]
FAUSTO, B. (1994). História do Brasil. São Paulo: EDUSP/FDE.
Os primeiros dados gerais sobre instrução mostram enormes carências nessa área. Em
1872, entre os escravos, o índice de analfabetos atingia 99.9% e entre a população livre
aproximadamente 80%, subindo para mais de 86% quando consideramos as mulheres.
Mesmo descontando-se o fato de que os percentuais se referem à população total
[estimada nesse recenseamento em 4.6 milhões], sem excluir crianças nos primeiros anos
de vida, eles são bastante elevados. Apurou-se ainda que somente 16.8% da população
entre seis e quinze anos freqüentavam a escola. Havia apenas 12 mil alunos matriculados
em colégios secundários. Entretanto, calcula-se que chegavam a 8.000 o número de
pessoas com educação superior no país. Um abismo separava, pois, a elite letrada da
grande massa de analfabetos e gente com educação rudimentar. (Fausto 1994:237)
(...) os europeus e os brancos brasileiros, que se supõe terem falado o português mais
próximo do português europeu, por causa da própria história familiar e conseqüente forma
de aquisição do português, constituíram, ao longo do período colonial, uma constante (...): à
volta de 30%, só crescendo para 41% na segunda metade do século XIX.
Ainda acerca do português europeu no período colonial, destaca que, para além da
necessidade de se ter em conta a existência de diferenças dialetais geográficas e de
diferenças dialetais sociais entre as variantes aqui chegadas, se deve considerar ainda que
“os portugueses e sua língua chegaram ao Brasil em 1500 e continuaram a vir por todo o
período colonial”, a fim de que se possa avaliar se é pertinente a postulação tradicional
segundo a qual o português brasileiro seria mais conservador em relação ao europeu,
mantendo características do período arcaico e quinhentista36[36].
35[35][35][35][35]
MUSSA, Alberto. (1991). O papel das língua africanas na história do português do Brasil. Rio
de Janeiro: UFRJ. Dissertação de Mestrado.
36[36][36][36][36]
A propósito desta questão, Mattos e Silva indica RIBEIRO, Ilza. (1998). A
mudança no PB é mudança em relação a que gramática? In: CASTILHO, A. T. (org.). Para
a história do português brasileiro. v. I. Primeiras idéias. São Paulo: Humanitas.
No tópico relativo às línguas gerais indígenas no Brasil, a autora discute uma uma
questão que considera fundamental na reconstrução de uma história lingüística do Brasil e,
conseqüentemente, na reconstrução da história do português brasileiro, ou seja, a questão
relativa a saber o que de diversidade lingüística recobre a designação língua geral, que,
utilizada no singular e genericamente, continua a ser repetida por lingüistas e historiadores:
O percurso histórico do conceito língua geral no Brasil teria de ser reconstruído para que
se tivesse uma aproximação mais exata dos valores semânticos recobertos pelo significante
língua geral.
[aquilo] que na documentação colonial se designa por usar a língua geral, falar a língua
geral, saber a língua geral se refira a um português simplificado, com interferências de
línguas indígenas e também de línguas africanas
deveria ter havido [dificuldade] em distinguir [as] línguas gerais [descendentes do encontro
do português europeu e de línguas da família tupi-guarani] do português geral brasileiro
das camadas sociais que constituíam a maioria, a base da sociedade colonial polarizada
37[37][37][37][37]
RODRIGUES, Aryon. (1986). Línguas brasileiras. São Paulo: Loyola.
38[38][38][38][38]
Admite que outras terá havido e menciona o caso da língua geral de base cariri, difundida pelos
interiores do Nordeste do Brasil, a que se refere Antônio Houaiss (1985).
39[39][39][39][39]
MONTEIRO, John Manuel. (1995). Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São
Paulo. São Paulo: Companhia das Letras.
40[40][40][40][40]
Cf. MUSSA op. cit.
41[41][41][41][41]
Apóia-se em MUSSA op. cit. e RIBEIRO, Darcy. (1995).O povo brasileiro: a formação e o
sentido do Brasil. São Paulo: Compahia das Letras.
geral brasileiro, antecedente histórico do PPB. A defesa desse ponto de vista baseia-se nos
argumentos apresentados a seguir:
42[42][42][42][42]
Cf. KROCH, A., TAYLOR, A. (1994). English verb-second constraint: case study in language
and language change. Mimeo.
43[43][43][43][43]
Cf. KARASCH, M. (1994). Escravidão africana. In: NIZZA DA SILVA, M. B. (org.). (1994).
Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil. Lisboa: Verbo.
44[44][44][44][44]
Cf. SCHWARTZ 1994
45[45][45][45][45]
REIS, J. J., GOMES, F. S. (orgs.) (1996). Liberdade por um fio: história dos
quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.
formação (...) de um português geral brasileiro, necessário à articulação com a sociedade,
sobretudo à do segmento escravo, mas não só, externa a esses espeços ilegítimos.
A língua falada pelos palmarinos, de acordo com o que li, era um tipo de português
misturado com elementos africanos, mas diferente o suficiente para que outros brasileiros
não a entendessem. Havia sempre intérpretes acompanhando as entradas com o objetivo de
interrogar os prisioneiros de guerra. (Price 1996)47[47].
Em ambos os casos, confirma-se, pois, que não seria uma língua africana a do
quilombo dos Palmares. Então, para concluir, reforça a autora o ponto de vista defendido:
46[46][46][46][46]
FUNARI, P. P. (1996). A arqueologia de Palmares: sua contribuição para o conhecimento da
cultura afo-americana. In: REIS. J. J., GOMES, F. S. (orgs.) (1996). Liberdade por um fio: história dos
quilombos no Brasil. São Paulo: Compahia das Letras.
47[47][47][47][47]
PRICE, R. (1996). Palmares como poderia ter sido. In: REIS. J. J., GOMES, F. S. (orgs.) (1996).
Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Compahia das Letras.
48[48][48][48][48]
CUNHA, Manuela Carneiro da. (1985). Negros, estrangeiros: os escravos libertos e sua volta à
África. São Paulo: Brasiliense.
Quanto aos dados extraídos de charges de jornais e de obras literárias, observa que,
“os dados relativos à linguagem coletados em obras literárias devem, antes de mais nada,
ser avaliados enquanto elementos que integram a criação artística. Além disso, como no
caso da reprodução de linguagem em charges, a análise de tais dados é inseparável da
questão dos estereótipos”. Chama ainda a atenção para o fato de que, apesar de as
informações e as fontes apresentadas serem muito distintas, não permitindo generalizações,
apontam fatos importantes para uma pesquisa sobre a linguagem de negros e escravos,
referindo-se a quase totalidade dos registros ao século XIX.
As informações coletadas foram organizadas nos sete grupos seguintes:
(i) Atitudes
(ii) Idade de escravos africanos
(iii) Consideração da influência de línguas africanas
(iv) Uso de línguas africanas
(v) Situações de contato e de interação
(vi) Aquisição e domínio da língua portuguesa
(vii) Dados lingüísticos
- formas de tratamento;
- uso do próprio nome em lugar do pronome de 1a pessoa;
- uso de forma verbal/pronominal de 3a pessoa;
- gênero incorreto;
- ausência da marca redundante de plural;
- omissão de artigo;
- concordância verbal incorreta;
- presente do indicativo em lugar do presente do subjuntivo;
- indefinido tudo em lugar de todos;
- uso da forma subjetiva do pronome em função de objeto;
- forma do pronome possessivo incorreta (mi, mê);
- ausência do reflexivo se;
- ausência do r final;
- ausência do l final;
- l em lugar de r;
- r em lugar de l;
- r fraco em lugar de r forte;
- fechamento do timbre da pretônica;
- fechamento do timbre da vogal de monossílabos;
- ieísmo;
- despalatalização;
- redução de ditongos;
- metátese;
- paragoge;
- prótese;
- epêntese de vogal em grupo consonantal;
- aférese;
- assimilação.
Neste trabalho, Alkmim analisa charges escritas entre 1831 a 1876 e observa que,
nelas, a fala de negros e escravos brasileiros faz contraste absoluto com a fala de
personagens brancas, o que permite caracterizar as formas lingüísticas identificáveis como
próprias ao grupo. Os negros e escravos são identificados como ‘negro’ (1831), ‘pretos de
ganho’ (1864), ‘negros minas’ (1868), ‘sargento pretalhão’ (1870) e ‘casal de pretos’
(1876) e, no que diz respeito às formas de tratamento atestadas, distinguem-se:
a) formas utilizadas dos negros para brancos: ssió (1831), meu sinhô (1864), seu
moço urbano (1868), sinhô velho (1868) e nhonhô;
b) formas utilizadas dos brancos para negros: paizinho (1864) e
c) formas utilizadas entre negros: pai Zuaquim (1868), mãe Zuana e pai Zuão.
1. Marcas fonéticas
- ausência de r final
- ausência de l final
- l pós-vocálico → r
- fechamento do timbre da pretônica
- fechamento do timbre da vogal de monossílabos
- aférese
- síncope de fone
- síncope de fone em paroxítono
- epêntese de vogal em grupo consonantal (CVV)
49[49][49][49][49]
LABOV, W. (1972). Sociolinguistic patterns. Philadelphia: University of Pensylvania Press.
- →z
- ditongação
- l→λ
- paragoge (CVC)
- l→r
- r→l
- desnasalização
- redução de ditongos – a) ew → e
b) oy → o
c) ow → u
d) õwn → o
- λ→y
2. 2. 2. 2. 2. Marcas gramaticais:
50[50][50][50][50]
Afirma, contudo, não perder de vista a possibilidade de coincidência entre os resultados
concretos e os esperáveis da deriva.
A primeira parte do texto é, pois, dedicada a discutir a formação do referido
diassistema, entre cujas variedades não supõe existirem barreiras rígidas. Segundo o autor,
as línguas africanas e as indígenas com as quais o português entrou em contato no Brasil
pertencem a grupos tipológicos que não conhecem o processo de flexão típico do
português. Dadas as condições em que foram obrigados aprender o português, os falantes
dessas línguas teriam simplificado todos aqueles elementos cuja função não lhes fosse
transparente, resultando deste processo o que é geralmente suposto ter sido um
pidgin51[51], crioulo ou semi-crioulo52[52], ou seja, um português extremamente
simplificado. É com base em um processo posterior de reaportuguesamento ou
descrioulização, que afirma ser decorrente da imposição do português a partir do século
XVIII, que vai explicar a formação das variedades incultas, a rural e a urbana, as quais
apresentariam traços lingüísticos também encontrados nas variedades não-padrão do
português de Angola e Moçambique:
51[51][51][51][51]
CARVALHO, Felix de. (1979). Sobre os falares crioulos do Brasil. Caderno de Letras,
Universidade Federal da Paraíba, 4:79-92.
52[52][52][52][52]
MELO, Gladstone Chaves de. (1946). A língua do Brasil. 3 ed. Rio de Janeiro: Agir. SILVA
NETO, Serafim da. (1950). Introdução ao estudo da llíngua portuguesa no Brasil. Rio de Janeiro: INL.
ELIA, Sílvio. (1979). A unidade lingüística do Brasil. Rio de Janeiro: Padrão. HOLM, John. (1987) Creole
influence on popular brazilian portuguese. In: GILBERT, G. G. (ed.). Pidgin and creole languages: essays in
memory of John E. Reinecke. Honololu, p. 406-429.
53[53][53][53][53]
ELIA, Sílvio. (1979). A unidade lingüística do Brasil. Rio de Janeiro: Padrão.
54[54][54][54][54]
AMARAL, Amadeu. (1920).
constituição da República em fins do século XIX, ela foi aceitando determinados
fenômenos do português popular, arraigados já irremediavelmente no uso oral.
parece antes tratar-se de mudança dentro de uma determinada variedade, provocada pela
entrada nela de fenômenos que tiveram a sua origem no contato lingüístico da época
colonial, e que se expandiram da linguagem rural para a urbana inculta e daí para a falada
culta.
55[55][55][55][55]
ROBERTS, Ian, KATO, Mary. (orgs.) (1993). Português brasileiro: uma viagem diacrônica.
Campinas: Ed. UNICAMP.
56[56][56][56][56]
Cf. KOSS, A. M. (1971). Sobre um fenômeno da linguagem corrente falada no Brasil
(reestruturação do paradigma de conjugação (em russo). Filologi_eskije nauki, 4:102-110 e DUARTE, Maria
Eugênia Lamoglia. (1993). Do pronome nulo ao pronome pleno: a trajetória do sujeito no português do Brasil.
In: ROBERTS, Ian, KATO, Mary. (orgs.) (1993). Português brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas:
Ed. da UNICAMP.
57[57][57][57][57]
DUARTE op. cit.
58[58][58][58][58]
VICENTE, Gil. (1943). Frágoa d’amor (1525). In: Obras Completas. Lisboa: Sá da Costa;
VICENTE, Gil. (1968). Clérigo da Beira (1526). In: Obras Completas. Lisboa: Sá da Costa e VICENTE, Gil.
(1943). Nau d’amores (1527). In: Obras Completas. Lisboa: Sá da Costa
59[59][59][59][59]
MIMOSO, Juan Sardina. Relación de la real tragicomedia com que los padres de la Compañia de
Jesus...recibieron a la magestad católica de Felipe II (1620), publicado pel primeira vez em Silva Neto.
(1963).
60[60][60][60][60]
FERREIRA, Carlota. (1985). Remanescentes de um falar crioulo brasileiro (Helvécia – Bahia –
Brasil). Revista Lusitana, Lisboa, Nova Série, 5:21-34.
61[61][61][61][61]
Atesta a mudança da expressão do sujeito nas imitações da fala dos negros, nas imitações da fala
dos índios, nos falares crioulos ou semi-crioulos de Helvécia, no folclore afro-brasileiro e no português não-
padrão de Angola e Moçambique.
62[62][62][62][62]
MARQUES, Irene Guerra. (1985). Algumas considerações sobre a problemática lingüística em
Angola. In: Congresso sobre a situação actual da língua portuguesa no mundo (Actas, v. 1). Liboa: ICLP, p.
205-223.
morfema é a ausência da flexão verbal nas línguas bantas, que exprimem estas categorias
mediante prefixos concordantes do sujeito:
Propões Gärtner que o sistema primitivo “terá ido sendo gradativamente alterado
posteriormente, sob a influência crescente do português normal, morfologicamente intato,
dos imigrantes portugueses a partir do século XVIII” e identifica na reconstituição do
morfema verbal na primeira pessoa do singular, com o que se obtém o sistema morfológico
característico da linguagem rural, o primeiro passo do gradativo processo de alteração. A
reconstituição do sistema terá tido como conseqüência a redundância da expressão do
sujeito, que também ocorre com as formas semicorretas das primeira e terceira pessoas do
plural. Finalmente, na sociedade urbana, “a confluência do sistema rural com o do PE terá
levado à constituição do sistema redundante, com o emprego obrigatório do pronome
sujeito e do morfema verbal de pessoa e número em todas as pessoas do verbo (ainda)
usadas no PB”.
63[63][63][63][63]
Atestada na imitação da fala de negros, em Helvécia e no dialeto caipira.
64[64][64][64][64]
Atestada na imitação da fala de negros e índios, em Helvécia, no folclore afro-brasileiro, no
dialeto caipira e no português angolano.
65[65][65][65][65]
Na imitação da fala de negros e de índios, no folclore afro-brasileiro, no dialeto caipira, no
português de Angola e de Moçambique.
Nas línguas bantas, cujos substantivos se subclassificam em classes semânticas,
caracterizadas por um prefixo característico com formas para o singular e o plural,
respectivamente, o número é designado pelos prefixos variáveis dos substantivos e pelos
prefixos concordantes dos adjetivos. A concentração no prefixos, elementos iniciais, terá
levado os aloglotas africanos a negligenciar, mais uma vez, os morfemas gramaticais dos
nomes portugueses, por se encontrarem no fim da palavra.
O comportamento divergente das preposições foi atestado não apenas no que toca
aos casos de omissão anteriormente comentados, mas também quanto ao fenômeno da
extensão funcional da preposição em. No PE, em complementos adverbiais, em designa
normalmente o ‘lugar onde’, tendo passado, no entanto, no português extra-europeu a
designar também o ‘lugar aonde67[67]. Apoiando-se mais uma vez em Marques (1985),
Gärtner afirma:
vemos a causa da confusão entre ‘lugar onde’ e ‘lugar aonde’, mais uma vez, na falta da
respectiva distinção nas línguas bantas. Segundo a referida autora angolana, ‘para casa’ e
66[66][66][66][66]
Atestada na imitação da fala de negros e de índios, no semicrioulo de Helvécia, no folclore afro-
brasileiro e no português inculto africano.
67[67][67][67][67]
Uso atestado no folclore afro-brasileiro, nas linguagens rural e urbana incultas brasileiras, assim
como no português angolano e moçambicano.
‘em casa’ dão indistintamente ‘ku nzo’ em kikoongo, ‘konjo’ em umbundo e ‘ku bata’ em
kimbundo
E ainda:
À mesma causa será devido o emprego da preposição em para designar proximidade (...),
função reservada em PE à preposição a. A tese da origem no contato de línguas é apoiada
adicionalmente pela grande extensão que o emprego da preposição em em vez da
preposição a tem tido no português africano e que ultrapassa de muito as possibilidades do
português arcaico. Usa-se em adjuntos modais (...), em objetos preposicionais (...), no
objeto direto pleonástico (...), mas sobretudo, e nomeadamente no português angolano, no
objeto indireto dativo (...)
Nas variedades incultas do PB, nos subsistemas dos pronomes pessoais, constata o
autor a neutralização da oposição entre o caso reto e o oblíquo, e, na terceira pessoa,
também entre o dativo e o acusativo etimológicos. A este respeito afirma que
68[68][68][68][68]
Foram atestados indícios dela nas imitações da fala de negros e de índios, no
folclore afro-brasileiro, nas linguagens rural e urbana inculta brasileiras, no português de
Angola e de Moçambique. Gärtner ainda chama a atenção parao o fato de que “No Brasil,
como é sabido, a realização zero já entrou na fala urbana culta (...) não se restringindo (...)
aos clíticos do objeto direto.”
69[69][69][69][69]
, defendida por Sousa da Silveira (1966), Rocha Lima (1998) e Chaves de Melo (1946) para as
formas de terceira pessoa.
sistema pronominal com distinção de pessoa, número, caso e gênero70[70]. Supõe ter tido o
processo do reaportuguesamento, a partir do século XVIII, o papel de fortaler o emprego
das formas átonas, mas a reconstituição deu-se apenas parcialmente, já que ainda se
encontram formas retas em função de objeto direto na linguagem urbana inculta. Destaca
ainda, a ocorrência da forma reta da terceira pessoa (ele, ela) em registros informais da
linguagem falada culta71[71]. Para o autor,
A maior aceitabilidade deste pronome em função de objeto direto se explicará pelo fato de
ele, como os substantivos e o pronome-substantivo você, não ter formas distintas para os
casos reto e oblíquo (...). Temos, portanto, que o resultado de uma simplificação efetuada
em situação de contato lingüístico passou tal e qual para a linguagem urbana inculta,
arraigando-se de tal maneira que o emprego das formas átonas do PE é hoje sentido como
pouco brasileiro. A substituição das formas oblíquas átonas pelas tônicas retas de primeira e
segunda pessoa parece ser mais acitável depois de verbos causativos (deixar, fazer,
mandar) e sensitivos (ver, ouvir, sentir) seguidos de infinitivo (...). Isto se deverá a uma
reinterpretação da função sintática do pronome.
Chama a atenção para o fato de que não haveria um corte abrupto entre PNP e PP e,
sim, gradações de marcas lingüísticas. Contudo, dentres outras, seriam cacterísticas apenas
de variedades do PNP as seguintes:
70[70][70][70][70]
explicação plausível, como aliás foi reconhecido em 1979 por Sílvio Elia (...)”
que antes reproduzia a explicação de Sousa da Silveira
71[71][71][71][71]
As imitações da fala dos aloglotas dos séculos XVI e XVII caracterizam-se
por uso preferencial (porém não exclusivo) das formas tônicas como objeto direto, sem
distinção de gênero na 3a pessoa, o que estaria de acordo com as línguas bantas, que não
têm a referida distinção. O uso de ele / ela como objeto direto também se encontra em
Angola.
72[72][72][72][72]
THOMASON KAUFMAN. (1988): “a história de uma língua é uma função da história de seus
falantes, e não um fenômeno independente que pode ser estudado em detalhes sem menção ao contexto social
em que está inserido”
a) redução do paradigma de concordância verbal;
b) marcação de concordância de número no primeiro elemento do SN;
c) predominância de construções analíticas (por exemplo a quasi-passiva em lugar
de passivas sintéticas);
d) relativas cortadoras e com estratégias de uso do pronome lembrete.
Pontos de aproximação:
d) “um dos processos fonológicos que aparentemente já estavam em andamento no PA e que se
manifesta no PNP é a desnalazação das vogais átonas em sílabas finais”
73[73][73][73][73]
Bandeirantes, mercadores e suas caravanas, movimentos de escravos das regiões canavieiras para
as mineradoras e, posteriormente, de volta às regiões agrárias, sendo o maior dos movimentos o que ocorreu
após o fim da escravatura com a ida de ex-escravos para as cidades.
74[74][74][74][74]
Fonte:
75[75][75][75][75]
ROSSATO. (1998).
Janeiro, teria tido início o ensino superior no Brasil. Em meados do século XVIII, os
jesuítas são expulsos do Brasil, resultando daí a destruição do sistema de ensino colonial,
pois inicialmente nada foi organizado para substituí-lo. Apesar dos cursos superiores que,
paulatinamente, foram surgindo, Ribeiro conclui, com base em Fávero76[76], ter havido, ao
longo do período que vai da Colônia à República, grande resistência à idéia de criação de
instituições universitárias. Relativamente à questão de saber quantos, no período colonial e
imperial, freqüentaram cursos superiores, sendo, assim, os prováveis falantes de um
português culto brasileiro, vai observar que, “com 30% de portugueses e descendentes na
composição demográfica da sociedade brasileira de então77[77], só uma parcela deles
deveria participar desses cursos, [já que] muitos dos portugueses que para cá vieram eram
adultos, analfabetos ou semi-alfabetizados e pobres”. De acordo com Ribeiro
(1978:20)78[78], ao longo de todo o período colonial, aproximadamente apenas 2.800
bacharéis e médicos se formaram em Coimbra; ainda segundo o mesmo autor, por ocasião
da Independência, seriam em torno de 2.000 os brasileiros com formação superior, número
que, segundo Fausto (1997), se eleva um pouco em 1872, quando se calcula que 8.000
pessoas teriam educação superior no país. Adverte ainda a autora para o fato de que “essas
prováveis 8 mil pessoas com curso superior correspondiam a uma pequeníssima parcela da
população, desde que eram analfabetos 99.9% dos escravos e aproximadamente 80% da
população livre.”
Com a criação do Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, a
República (1889), mais sensivelmente, vai instaurar a preocupação com a erradicação do
analfabetismo, com a expansão da educação escolarizada. Todavia, só a partir da década de
20 surgem as universidades, sendo a Universidade do Rio de Janeiro, de 1920, considerada
a primeira79[79] e cabendo ao período getulista (1930-1945) a organização teórica e prática
da universidade brasileira: cria-se o Ministério de Educação e Saúde Pública, fundam-se 95
novas instituições de ensino superior e elabora-se o primeiro estatuto da universidade
brasileira. Mais uma vez, relativamente à questão de saber sobre a progressão do número
dos que freqüentaram cursos superiores, os dados abaixo extraídos de Rossato são
elucidativos:
76[76][76][76][76]
FÁVERO
77[77][77][77][77]
Cf. MUSSA op. cit.
78[78][78][78][78]
RIBEIRO. (1978).
79[79][79][79][79]
Rossato relata que, por influência política e poder da economia local, foram criadas 3
universidades de 1909 a 1912, embora de duração efêmera.
O crescimento do número de matriculados no ensino superior, apesar de não
significativo na última década, e também do número de instituições superiores não teria
alterado significativamente o quadro geral do ensino escolarizado no país, já que, a partir de
Cunha (1978)80[80], diz a autora:
do número total de crianças com 7 anos de idade, zonas urbana e rural, só 30.9%
freqüentavam a 1a série em 1964 e so 34.4%, em 1970. (...) em 1960, de 1.000 alunos
matriculados na 1a série, só 63 chegaram à 3a série colegial; desses só 48 alcançaram a 1a
série superior (...). Para 1971, do número total de ingressos na 1a série (5.657.999
matrículas), apenas 40.1% chegaram à 2a série, apresentando-se índices de 28.3% de
reprovação e de 13.1% de evasão. Quando é observado o número de matrículas na 2a
série, para 1972, constata-se uma evasão de 35.7% durante as férias.
Finalmente, para o período que vai de 1991 a 1994, apresenta os seguintes dados:
- analfabetismo (pop. + 15 anos): 1991 – 20.1%; 1994 – 17.2%
- escolaridade (crianças 7-14): 1991 – 91.6%; 1994 – 92%
- repetência (1o grau): 1991, sem dados; 1994 – 33%
- evasão (1o grau): 1991, sem dados; 1994 – 5.6%
80[80][80][80][80]
CUNHA. (1978).
81[81][81][81][81]
Observa que os fatos referidos são bastante homogêneos na fala rural típica.
b) elisão de consoante final [‘õnibu]; c) metátese [frevenu]; d) confusão das líquidas
[‘gawfu] e e) simplificação de encontros consonantais [‘otu].
No que tange a fatos morfossintáticos, julga difícil definir características próprias às
normas populares, em oposição às cultas, exceto no que diz respeito ao fenômeno da
concordância, nominal e verbal. Adverte ainda para o fato de que “nem todos os casos de
não realização da concordância verbal e nominal podem servir de indicadores de norma
culta X popular”, como se pode notar a partir dos exemplos abaixo: a) Segue as blusas; b)
Vende-se casas e c) Pega essas cadeira aí e coloca tudo ali, naquele lugar.
Finalmente, lista algumas propriedades que não permitiriam distinguir normas
cultas de normas vernáculas:
Na conclusão destaca:
penso que a definição da norma culta em termos de escolarização superior não permite
delinear sintaticamente os dois pólos – culto e popular – identificados pelos pesquisadores
dos fenômenos da variação. Com exceção de alguns traços mais estigmatizadores da
concordância verbal e nominal, parece-me que a sintaxe dos falantes com e sem curso
superior não apresenta propriedades tão diferenciadoras como os fatos fonológicos levam a
supor.
Rio de Janeiro
CALLOU, Dinah. (2002). Da história social à história lingüística: o Rio de Janeiro
no século XIX.
CALLOU, Dinah; AVELAR, Juanito. (2002). Subsídios para uma história do falar
carioca: mobilidade social no Rio de Janeiro do século XIX.
Minas Gerais
VITRAL, Lorenzo. (2001). Língua geral versus língua portuguesa: a influência do
“processo civilizatório”.
VENÂNCIO, Renato Pinto. (2001). Migração e alfabetização em Mariana colonial.
RAMOS, Jânia Martins; VENÂNCIO, Renato Pinto. (2002). Topônimos mineiros:
uma fonte para a história social da língua portuguesa.
Região Sul
OLIVEIRA, Gilvan Müller. (2001). Matrizes da língua portuguesa no Brasil
Meridional (1680-1830).
AGUILERA, Vanderci de Andrade. (2002). Para uma história do português
paranaense: nas veredas do Atlas Linguístico do Paraná.
82[82][82][82][82]
WEHLING, WEHLING. (1994).
83[83][83][83][83]
QUEIROZ. (1992).
84[84][84][84][84]
MARCÍLIO. (1973).
registros de população, aparecem depois de 1765. No século XIX, o governo provincial vai
encarregar o Marechal Daniel Pedro Müller de um trabalho de recenseamento que vai ser
publicado em 1838 como Ensaios de um Quadro Estatístico da Província de São Paulo. Os
dados de ambos, segundo a autora, não são confiáveis.
Para o tópico que desenvolveu a seguir – O território e a ocupação -, Groppi apóia-
se em Marcílio (1973). Segundo ela, o estudo da ocupação do território de São Paulo traz
algumas diculdades dificilmente transponíveis, uma vez que:
Oliveira e Kewitz (2002) investigam no seu texto a noção do caipira no século XIX
e sua representação no linguajar paulista oitocentista a partir de dois eixos: Rio de Janeiro x
São Paulo e São Paulo-cidade x São Paulo-interior. Inicialmente pesquisam a representação
do caipira em obras literárias, sociológicas, depreendendo que se identificava com adjetivos
pejorativos: atrasado, preguiçoso, etc. Possivelmente os padrões europeus no modo de
trajar, de portar-se e de falar implantados no Rio teriam servido de contraponto para a
definição do paulista como ‘caipira’. Com esse objetivo, estruturam o trabalho em quatro
partes: (I) Levantamento numérico da população da cidade de São Paulo ao longo do século
XIX e os principais fatos sócio-econômicos responsáveis pela organização da cidade; (II)
dados extraídos dos jornais do século XIX a respeito do epíteto ‘caipira’ atribuído ao
paulista; (III) Comparação entre as estruturas morfossintáticas dos anúncios paulistas e
cariocas numa tentativa de buscar traços que caracterizam o falar paulista; (IV)
Alinhavamento das idéias principais.
Com base nos anúncios do século XIX do Rio e de São Paulo, as autoras fazem um
estudo morfossintático a fim de verificar o português paulistano e carioca do século XIX,
baseando-se nas seguinte dicotomia:
- Paulistas - rural, barbárie, ridicularizado, rústico e popular;
- Cariocas - urbano, progresso, civilizado, elegante e culto.
Eis os aspectos lingüísticos confrontados:
1) Concordância verbal e nominal - Embora os dados dos anúncios de São Paulo
apresentem maiores índices de ausência da concordância, não se podem diferenciar os dois
eixos, uma vez que os dados não são suficientes.
2) Grupos verbais - verbos de controle que selecionam uma sentença infinitiva cujo sujeito
é correferencial com o objeto da matriz para averiguar o fenômeno da concordância - o uso
categórico da preposição a e da concordância verbal nos grupos verbais nucleados por
verbos de controle nos dados paulistanos sugere o distanciamento das demais variedades.
3) Locuções prepositivas - RJ: predominância das locuções formadas pela preposição de.
SP: predominância das locuções formadas pela preposição a, assim como na Constituição
do Império
4) Emprego do advérbio onde/aonde - Rio: imperava o emprego do onde. SP: imperava o
emprego do aonde, exatamente a forma mais corrente na Constituição do Império.
Os dois textos que versam sobre a história social do Rio de Janeiro são de autoria de
Dinah Callou, um dos quais em co-autoria com Juanito Avelar.
O primeiro, apresentado ao III Seminário do PHPB, realizado em Campinas/SP,
pauta-se na afirmação de que dar conta da história linguística de uma língua implica,
necessariamente, dar conta da sua história social. Disso, começa a autora apresentando
aspectos da cidade do Rio de Janeiro no século XIX. Segundo ela, o ano de 1808 marca o
início de uma nova fase cultural do Rio de Janeiro. A vinda da família real e a conseqüente
fixação do centro político do Império determinou a elevação da cidade a centro de uma
civilização luso-brasileira e há, ao menos até 1822, uma unidade culural. Dentre as
mudanças promovidas pela permanência da Corte Portuguesa estão a criação das cátedras
de ensino, a fundação da Academia Militar e o processo de implantação da impresa. Desse
modo, a cidade do Rio de Janeiro começa a transformar a sua forma urbana e a apresentar
uma estrutura espacial estratificada em termos de classes sociais.
A vinda da família real impõe ao Rio uma classe social até então inexistente,
impondo também novas necessidades materiais que atendam não só aos anseios dessa
classe, como facilitem o desempenho das atividades econômicas, políticas e ideológicas
que a cidade passa a exercer. No que se refere à Divisão administrativa, a cidade do Rio
dividia-se em freguesias ou paróquias. Ao final da Monarquia, contava com 21. Havia
diferença social entre as 5 freguesias urbanas.
O grande volume de escravos deu à corte características de uma cidade quase negra
e, a partir de 1840, de uma cidade meio africana. Essa composição étnica e social vem a
modificar-se em consequência da imigração portuguesa. A expansão urbana não foi
acompanhada de uma preocupação social igualitária, uma vez que não beneficia as áreas
em que as camadas mais pobres da população residiam. O primeiro recenseamento oficial
de 1872 mostra diferenças quanto à composição étnica e quanto à alfabetização entre as
paróquias do Rio de Janeiro.
A mobilidade espacial e populacional como privilégios de poucos talvez possa
explicar, em parte, as diferenças linguísticas que existem hoje na fala dos moradores das
tradicionais áreas da cidade. Pode-se verificar uma possível influência do ambiente espacial
em que vive o falante carioca tomando como ponto de referência a distribuição do R.
Enfatiza a autora os anúncios de jornais como fontes ricas que permitem o
levantamento historiográfico da vida social, política e cultural do Rio de Janeiro de 1850 a
1870 e também o registro do panorama linguístico. Por fim, faz uma longa discussão para
afirmar que a palatalização do S, em posição de coda silábico, parece ter sido introduzida
no falar culto do RJ no início do século XIX, trazido pela corte de D. João VI.
85[85][85][85][85]
Cf. ELIAS, N. (1990). O processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar e SILVEIRA, M. A. (1996)
O universo do indistinto: Estado e sociedade nas Minas setecentistas. São Paulo: Hucitec.
86[86][86][86][86]
RODRIGUES op. cit.
quando, tanto em São Paulo, como no Maranhão e Pará, passou a designar as línguas de
origem indígena faladas, nas respectivas províncias, por toda a população originada no
cruzamento de europeus e índios tupi-guaranis (especificamente os tupis em São Paulo e os
tupinambás no Maranhão e Pará), à qual foi-se agregando o contingente de origem
africana e contingentes de vários outros povos indígenas, incorporados ao regime colonial,
em geral na qualidade de escravos ou de índios de missão.” O auge do predomínio das
línguas gerais ocorreu no século XVII. A partir do século XVIII, a balança começa a
pender para o lado da língua portuguesa. O que houve na passagem do seiscentos para o
setecentos que determinou a vitória da língua portuguesa no Brasil?
Dois acontecimentos da nossa história colonial são, normalmente, associados ao
sucesso da língua lusitana. O primeiro deles foi gerado pela política do Marquês de Pombal,
que incluiu um decreto, de 1758, tornando obrigatório o uso da língua portuguesa na
colônia. Além desse decreto, fez parte da política pombalina a expulsão dos jesuítas do
Brasil, cuja presença, nos dois primeiros séculos de colonização, foi determinante para a
primazia das línguas indígenas. O segundo acontecimento é a vinda de D. João VI e da
corte portuguesa para a colônia. Os cerca de quinze mil portugueses que se instalaram no
Rio de Janeiro contribuem, segundo Teyssier, para “relusitanizar” a então capital do Brasil.
Rejeita o autor a idéia de que a instalação da corte portuguesa no Rio de Janeiro
tenha contribuído para a vitória da língua portuguesa. Parece a Vitral mais adequado
considerar que esse evento contribuiu para a consolidação dessa vitória. Tal não parece ser
o caso da reforma pombalina. A decretação de obrigatoriedade da língua portuguesa teve,
provavelmente, um papel determinante na sua prevalência sobre as línguas gerais. É preciso
evitar, no entanto, assumir uma perspectiva “legalista” em relação à história. No que diz
respeito a fenômenos de linguagem, esse cuidado deve ser ainda maior: não parece possível
obrigar o uso de uma língua por meio de decreto. O principal instrumento do decreto
pombalino foi a reforma do ensino. Pretendeu-se subordinar ao estado português a
educação formal na colônia, que, até então, estava a cargo de inacianos e religiosos em
geral. O analfabetismo imperava e a submissão à língua portuguesa de grande parte da
população da colônia, prevista pela política pombalina, não se fez de forma indireta, quer
dizer, através da escola. Apesar disso, a política lingüística arquitetada por Pombal obteve
seu intento.
O trabalho do sociólogo alemão Norbert Elias mostrou que, a par das mudanças
políticas e econômicas, a idade moderna caracterizou-se por promover um processo de
revisão do mundo de crenças dos europeus, que foi nomeado de “processo civilizatório”.
Segundo Silveira: “a aristocracia de alguns países europeus passou por uma espécie de
refinamento de hábitos em virtude das alterações que ocorriam em sua composição como
grupo social dominante. Na França, em particular, tais mudanças resultaram da mescla de
camadas aristocráticas e burguesas e os cuidados com o comportamento tornaram-se cada
vez mais necessários como meio de se distinguir. Passava-se, assim, da courtoisie – isto é,
o modo de se comportar em corte, herdado da idade média – para os novos padrões da
civilité.” O prestígio da cultura francesa em Portugal permitiu a influência, em território
luso, dos novos padrões civilizados, que, como marcas de distinção de classe, encontraram
condições favoráveis de propagação devido à estrutura do estado português, controlado por
um reduzido grupo vinculado à monarquia (Faoro 1975, Silveira op. cit.)87[87]. Pode-se
considerar que a plena instalação do poder da monarquia foi aliada do processo
87[87][87][87][87]
FAORO, R. (1975). Os donos do poder. Porto Alegre: Globo-EDUSP.
civilizatório. A partir da segunda metade do século XVII, a concepção absolutista do estado
foi solidificada em Portugal onde a estrutura administrativa lhe foi, então, propícia. A
política do Marquês de Pombal, no início da segunda metade do século XVIII, foi
formulada, portanto, nesse contexto de busca de civilidade. A medida pombalina de
expulsar jesuítas é, por exemplo, vista por Lorde Kinnoull, embaixador inglês enviado a
Lisboa em 1760, como de inspiração civilizatória. A política lingüística do Marquês de
Pombal pode também ser considerada como uma das conseqüências da influência do
processo civilizatório em terras lusitanas. Parece, então, que o uso da língua portuguesa era
visto como critério de atribuição de civilidade, sendo inclusive aliado do poder absolutista.
Essa valorização do idioma luso não se fez sentir apenas em relação às línguas indígenas.
Também em comparação com o latim, a língua portuguesa passa a ser valorizada.
A instalação da ordem institucional de acordo com os interesses do absolutismo
português e a reforma pombalina parecem, portanto, poder ser analisadas com reflexos da
mentalidade do setecentos que restabeleceu, valorizando de forma diferente os modelos de
convívio social. Essa interpretação dos fatos, gerada de acordo com os modelos teóricos da
história das mentalidades (1997, Le Goff & Nora 1976)88[88], torna inteligível, como se
verá a seguir, o fato de a língua portuguesa ter suplantado uma de suas concorrentes na
colônia. Discutir-se-á o papel de um acontecimento da história de Minas Gerais, a saber, a
guerra dos Emboabas, em relação ao cerceamento da expansão da língua geral do sul.
No cenário descrito de busca de civilidade que descreve, o estado português buscou
controlar mais de perto a colônia, o que se tornou preemente devido à descoberta, no final
do século XVII, de ouro e diamante na região das Minas, para onde afluíram aventureiros
de todas as regiões do reino e da própria colônia. Importava, então, para a coroa portuguesa
estabelecer a ordem institucional numa região onde a ambição e o sonho de enriquecimento
rápido justificavam o desapego às leis, a crueldade e todos os excessos. Foi essa realidade
que teve de ser dominada pelo estado português e pelo discurso reformista e civilizador do
século XVIII. O embate entre a civilidade e a barbárie vai perpassar todo o setecentos
mineiro, caracterizando muitos dos relatos a respeito da vida da capitania e do
comportamento de seus habitantes (cf. Silveira op. cit.).Os esforços civilizatórios obtiveram
certo êxito na capitania das Minas, o que pode ser comprovado [dentre outros aspectos]
pela Inconfidência Mineira, que, como se sabe, foi influenciada pelas idéias da Ilustração,
cujos elementos racionalistas foram, segundo Ávila (1967:118)89[89], “trazidos da Europa
pelos moços mineiros.”
Como já se disse, há um acontecimento na história da capitania das Minas que pode
ser considerado como um “divisor de águas”, possibilitando a exposição da capitania à
mentalidade do setecentos. Trata-se da guerra dos emboabas, ocorida no ano de 1709, que
opôs, de um lado, os paulistas e, de outro, portugueses, mas também baianos,
pernambucanos e outros (cf. Golgher 1982). Nesse conflito pelo controle da região das
Minas, os paulistas, seus descobridores, foram derrotados pelos emboabas, apelido dado
aos portugueses pelos paulistas. Silveira (op. cit.: 63) sugere que a imagem da galinha de
plumagem está “ligada à crítica aos hábitos afetados e pretensamente refinados dos
estrangeiros ante a rusticidade dos “indianizados” paulistas de então.” (311). Essa visão
selvagem e rústica dos paulistas pode ser facilmente comprovada: eles eram
88[88][88][88][88]
LE GOFF & NORA. (orgs.) (1976). História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
89[89][89][89][89]
ÁVILA, A. (1967). Resíduos seiscentistas em Minas. Belo Horizonte: Imprensa da Universidade
Federal de Minas Gerais. 2 v.
majoritariamente bilingües, dominando a língua geral do sul e o português90[90], e eram
temidos, muitas vezes menosprezados, pela ferocidade e cobiça que expressavam (cf.
Taunay 1975, Golgher op. cit.).
Diante desse quadro, o autor propõe que a vitória dos emboabas, ao permitir o
estabelecimento da ordem institucional na região das Minas, que veio a se tornar, no
transcorrer do século XVIII, a capitania mais importante da colônia, cerceou a expansão da
língua geral do sul no Brasil. Assim, a dominação política daqueles que não falavam a
língua geral da terra foi, provavelmente, decisiva na atribuição de prestígio ao idioma
lusitano. Levando em conta tal hipótese, é possível afirmar, então, que as línguas gerais
eram associadas com a barbárie enquanto a língua portuguesa era vista como a língua da
civilização. O desprestígio das línguas indígenas é transparente em relatos de viajantes no
início do século XIX. Se se compara agora a visão concernente às línguas indígenas na
época de Anchieta com a emitida pelos viajantes no início do século XIX, fica evidente a
mudança de mentalidade que interessa aqui. O contraste enfim entre a atitude dos jesuítas e
a dos viajantes parece autorizar a seguinte conclusão: as línguas de base indígena serviram
ao colonizador quando seu domínio se dava através da fé cristã, enquanto que o uso da
língua portuguesa se tornou parte dos padrões civilizados necessários para o domínio do
colonizador através do estado absolutista. Pode-se concluir assim que a atitude pode ser o
mecanismo social que permite a manifestação lingüística da mentalidade.
90[90][90][90][90]
Cf. RODRIGUES op. cit.e VILLALTA, L. C. (1997). O que se fala e o que se lê: língua,
instrução e leitura. In: SOUZA, L. M.. (org.) (1997). História da vida privada no Brasil. Cotidiano e vida na
América portuguesa. v 1. São Paulo: Companhia das Letras.
indivíduos que sabiam desenhar, assinar ou simplesmente marcavam uma cruz entre o
nome e o sobrenome.
Venâncio pesquisa duas irmandades situadas em freguesias rurais (Catas Altas e
Barão de Cocais) e a Irmandade do Santíssimo Sacramento, em Mariana. O resultado revela
uma elite com um perfil extraordinariamente culto para a época. Os altos índices de
alfabetização devem-se ao fato de que 60% da elite de Mariana era formada por
portugueses. Dessa forma, é possível sustentar que a alfabetização, entre os setores
privilegiados da população de Mariana, foi uma variável relacionada à emigração de
metropolitanos.
Para saber o índice de alfabetização entre negros, utilizou o autor o Livro de
matrícula da irmandade de N. Senhora do Rosário dos Homens Pretos, em Mariana. Os
dados indicam que os nativos nascidos localmente, os ‘crioulos’, teriam maior chance de
aprender a escrever do que homens e mulheres provenientes de sociedades africanas.
nome descritivo > nome religioso > nome indígena > nome de pessoa > nome com
sufixo - pólis ou - lândia.
O texto de Oliveira (2001) pretende ser, como diz o próprio autor, uma tentativa de
escrever História e Lingüística, focalizando uma região e uma época específicas: o Brasil
meridional de 1680 a 1830. É parte de um trabalho maior em andamento, o ‘Projeto Última
Fronteira: problemas e perspectivas para uma sócio-história da língua portuguesa no Brasil
Meridional (1680-1830)”, que encaminha a discussão sobre alguns pontos da Teoria do
Conflito entre Gramáticas (TCG), como vem sendo desenvolvida por Kroch (1996)91[91].
Segundo o autor, a compreensão do fenômeno a que chamamos ‘português
brasileiro’ depende de entendermos que houve, por um lado, a aquisição desta língua por
aloglotas, cuja representatividade no número total de habitantes foi muito grande e em
certas partes do território maior do que em outras. A seguir, procura, apoiado em
bibliografia da História, chegar a um quadro histórico da ocupação da Região Sul,
identificando ali dois focos de expansão: um paulista e outro dos estrategistas da Coroa
Portuguesa. Esses fatos fundadores permitem a construção de uma história portuguesa no
Brasil merdional.
Os mapas produzidos pelo Projeto ALERS permitem relacionar características
lingüísticas sincrônicas presentes na Região Sul com os ciclos históricos que determinaram
91[91][91][91][91]
KROCH, A. (1996).Sintactic change and the nature of grammar. Porto Alegre, I Encontro de
Variação Lingüística do Cone Sul (Setembro de 1996). Mimeo.
a povoação dessa Região. Algumas isoglossas dividem quase que perfeitamente as áreas
paulista e açoriana da colonização. O autor analisa os seguintes fenômenos para comprovar
essa correlação: africação do /t/ antes do /i/; uso do ‘tu’ ou de ‘você’ no tratamento íntimo.
A partir de Silva Neto (1957), discute a autora a importância dos atlas linguísticos
como fonte de dados diacrônicos de determinada língua92[92]. A seguir, postula que a
distribuição de variantes conservadoras, pelo território do Paraná Tradicional, isto é, das
regiões povoadas entre os séculos XVII e XIX, abre perspectivas de associação com os
movimentos das bandeiras paulistas, por meio da (a) manutenção de tupinismos e (b)
palavras e expressões arcaicos e rurais setecentista ou oitocentista. A autora considera a
proposta pioneira, uma vez que parte dos dados coletados na linguagem oral para
subsidiar a pesquisa documental. A pesquisa constará das seguintes etapas: (a)
levantamento das cartas lexicais que apresentam registros não padrão e que, do ponto de
vista do falante urbano, seriam arcaicos e/ou rurais; (b) seleção das formas lexicais para
comporem o corpus de investigação; (c) estudo e registro da etimologia das palavras
selecionadas; (d) análise da correlação registro lexical x fato e momento histórico; (e)
pesquisa em documentos da época para verificar a vitalidade ou não dessas formas; (f)
elaboração de artigos de cunho filológico sobre o vocabulário rural paranaense e sua
relação com o vocabulário português.
BIBLIOGRAFIA
AGUILERA, Vanderci de Andrade. (2002). Para uma história do português paranaense: nas
veredas do Atlas Linguístico do Paraná. In: ALKMIM, Tânia Maria. (Org.). Para a história
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história do português no Brasil. In: MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. (Org.). Para a
história do português brasileiro. Primeiros estudos. v. II. t. 2. São Paulo:
Humanitas/FAPESP. p.
92[92][92][92][92]
SILVA NETO. (1957).
ALKMIM, Tania Maria. (2002). Estereótipos lingüísticos: negros em charges do séc. XIX. In:
ALKMIM, Tânia Maria. (Org.). Para a história do português brasileiro. Novos estudos. v.
III. São Paulo: Humanitas. p. 383-402.
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mobilidade social no Rio de Janeiro do século XIX. In: DUARTE, Maria Eugênia L.;
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português de São Paulo. In: MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. (Org.). Para a história do
português brasileiro. Primeiros estudos. v. II. t. 2. São Paulo: Humanitas/FAPESP. p. 337-
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morfossintáticos do português brasileiro. In: ALKMIM, Tânia Maria. (Org.). Para a
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GROPPI, Mirta. (2001). Problemas e perspectivas para um estudo da situação lingüística de São
Paulo no século XVIII. In: MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. (Org.). Para a história do
português brasileiro. Primeiros estudos. v. II. t. 2. São Paulo: Humanitas/FAPESP. p. 371-
389.
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fragmentos para uma composição posterior. In: CASTILHO, Ataliba T. de. (Org.). Para a
história do português brasileiro. Primeiras idéias. v. I. São Paulo: Humanitas/FAPESP. p.
MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. (2001). De fontes sócio-históricas para a história social
lingüística do Brasil: em busca de indícios. In: MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. (Org.).
Para a história do português brasileiro. Primeiros estudos. v. II. t. 2. São Paulo:
Humanitas/FAPESP. p.
MELLO, Heliana Ribeiro de. (2002). Português padrão, português não-padrão e a hipótese do
contato lingüístico. In: ALKMIM, Tânia Maria. (Org.). Para a história do português
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OLIVEIRA, Gilvan Müller. (2001). Matrizes da língua portuguesa no Brasil Meridional (1680-
1830). In: MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. (Org.). Para a história do português
brasileiro. Primeiros estudos. v. II. t. 2. São Paulo: Humanitas/FAPESP. p. 401-420.
OLIVEIRA, Marilza de; KEWITZ, Verena. (2002). A representação do caipira na imprensa paulista
do século XIX. In: DUARTE, Maria Eugênia L.; CALLOU, Dinah. (Org.). Para a história
do português brasileiro. Notícias de corpora e outros estudos. v. IV. Rio de Janeiro:
UFRJ/FAPERJ. p. 125-154.
RAMOS, Jânia. História Social do Português Brasileiro: Perspectivas. In: CASTILHO, Ataliba T.
de. (Org.). Para a história do português brasileiro. Primeiras idéias. v. I. São Paulo:
Humanitas/FAPESP. p.
RAMOS, Jânia Martins; VENÂNCIO, Renato Pinto. (2002). Topônimos mineiros: uma fonte para
a história social da língua portuguesa. In: DUARTE, Maria Eugênia L.; CALLOU, Dinah.
(Org.). Para a história do português brasileiro. Notícias de corpora e outros estudos. v. IV.
Rio de Janeiro: UFRJ/FAPERJ. p. 113-123.
RIBEIRO, Ilza. (2002). Quais as faces do português culto brasileiro?. In: ALKMIM, Tânia Maria.
(Org.). Para a história do português brasileiro. Novos estudos. v. III. São Paulo:
Humanitas. p. 359-381.
VENÂNCIO, Renato Pinto. (2001). Migração e alfabetização em Mariana colonial. In: MATTOS E
SILVA, Rosa Virgínia. (Org.). Para a história do português brasileiro. Primeiros estudos.
v. II. t. 2. São Paulo: Humanitas/FAPESP. p. 391-399.
VITRAL, Lorenzo. (2001). Língua geral versus língua portuguesa: a influência do “processo
civilizatório”. In: MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. (Org.). Para a história do português
brasileiro. Primeiros estudos. v. III. t. 2. São Paulo: Humanitas/FAPESP. p. 303-315.
Introdução:
GUEDES, Marymarcia & BERLINK. Rosane de Andrade (orgs.). (2000) E os preços eram
commodos...: Anúncios de Jornais Brasileiros Século XIX. São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP.
1.3) Para o V Seminário Nacional do PHPB (Ouro Preto-MG, 2002), as equipes da Bahia,
Minas Gerais, Paraná e do Rio de Janeiro distribuíram eletronicamente edições de cartas
manuscritas – de caráter público e privado – dos séculos XVIII e XIX. O material,
detalhado na produção regional a seguir, será ampliado para o VI Encontro Nacional do
PHPB (Bahia, previsto para 2004) e oportunamente publicado em versão impressa.
2. 1 BAHIA
2.1.1) Página na rede mundial de computadores com corpora da equipe da Bahia: em fase
final de construção. Informações e materiais por prohpor@ufba.br.
2.1.3) Edição de Atas oitocentistas da administração privada escritas por negros africanos e
brasileiros afro-descendentes. Material ao encargo de Tânia Conceição Freire Lobo,
Klebson Oliveira e bolsistas IC/CNPq e PET – Edição de atas da Sociedade Protetora dos
Desvalidos: contribuição para a escrita da história lingüística dos negros no Brasil.
Prevista até julho de 2003 a edição de dois livros de Atas da SPD e outros documentos do
século XIX. Distribuição eletrônica por prohpor@ufba.br.
CARNEIRO, Zenaide de Oliveira Novais; ALMEIDA, Norma Lúcia F. de; RIBEIRO, Ilza;
ALVES, Juvanete Ferreira; BATISTA, Vanúzia; CARVALHO, Elaine de; MALAFAIA,
Aldísia (2000). “Estado da Bahia” . In: GUEDES, Marymarcia & BERLINK. Rosane de
Andrade (orgs.). (2000) E os preços eram commodos...: Anúncios de Jornais Brasileiros
Século XIX. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP.
2.1.5) Cartas publicadas em jornais do século XIX em:
2.1.6) Documentos oficiais dos séculos XVIII e XIX – certidões, testamentos, inventários,
dentre outros – transcritos e em fase de edição por Zenaide de Oliveira de Novais e Norma
Lúcia Fernandes de Almeida. Material distribuído eletronicamente por zenaide@uefs.br e
analisado em:
2.1.7 Cerca de 200 cartas pessoais escritas por 125 diferentes remetentes letrados e com
influência na política brasileira. Material remetido de diversas localidades, como Rio de
Janeiro, Bahia, Maranhão, Cuiabá, São Paulo, Minas Gerais, do sul do Brasil e do exterior.
Material distribuído eletronicamente por zenaide@uefs.br e analisado em:
2. 2 MINAS GERAIS
2.2.1) Elaine Chaves e Mônica G. R. Alkmim. Publicação eletrônica com edição
diplomático-interpretativa e fac-similada de mais de uma centena de cartas do século XIX –
do Acervo Histórico Monsenhor Horta, localizado no Instituto de Ciências Humanas e
Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto (MG). Material organizado em:
CHAVES, Elaine & ALKMIM, Mônica G.R. (org.) (2002) Cartas pessoais do século XIX:
Acervo Histórico Monsenhor Horta. Mariana: Instituto de Ciências Humanas e
Sociais/UFOP, versão em CD-ROM. Informações por ramosjan@zaz.com.br.
ALKMIM, Mônica G.R.; BORGES, Júlia; RAMOS, Jânia; LEITE, Ana Maria; FREITAS,
Miriam Lúcia V. de (2000). “Estado de Minas Gerais”. In: GUEDES, Marymarcia &
BERLINK. Rosane de Andrade (orgs.). (2000) E os preços eram commodos...: Anúncios de
Jornais Brasileiros Século XIX. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP.
RAMOS, Jânia; ALKMIM, Mônica. “Cartas em jornais oitocentistas de Minas Gerais”. In:
BARBOSA, Afranio; LOPES, Célia Regina (orgs.). Críticas, queixumes e bajulações na
Imprensa Brasileira do séc. XIX: cartas de leitores e cartas de redatores. Rio de Janeiro:
Faculdade de Letras/UFRJ. No prelo. Distribuição eletrônica por celiar@unisys.com.br ou
afraniogb@letras.ufrj.br.
RAMOS, Jânia (2001). “Seleção do corpus para o estudo da língua portuguesa na Capitania
de Minas Gerais no século XVIII”. In: MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia (org.) Para a
história do português brasileiro: volume II – primeiros estudos. São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP/FAPESP, tomo II, p. 423-434.
2. 3 PARANÁ
2.3.1) Anúncios publicados em jornais do século XIX em:
CYRINO, Sônia Maria Lazzarini (2000). “Estado do Paraná”. In: GUEDES, Marymarcia &
BERLINK. Rosane de Andrade (orgs.). (2000) E os preços eram commodos...: Anúncios de
Jornais Brasileiros Século XIX. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP.
2. 4 PERNAMBUCO
2.4.1) Anúncios publicados em jornais do século XIX em:
2. 5 RIO DE JANEIRO
2.5.1) Página na rede mundial de computadores com corpora da equipe Rio de Janeiro:
www.letras.ufrj.br/phpb-rj. Materiais literários e não-literários dos séculos XVIII e XIX:
cartas pessoais, cartas das administrações pública e privada, peças populares; além de
anúncios, cartas de redatores e de leitores publicados em jornais oitocentistas.
BARBOSA, Afranio Gonçalves; CALLOU, Dinah Maria Isensee & LOPES, Célia Regina
dos Santos (2000). Corpora diacrônicos e sincrônicos do PHPB-RJ. Rio de Janeiro:
www.letras.ufrj.br/phpb-rj. Página do projeto Para uma História do Português Brasileiro
(equipe Rio de Janeiro) na rede mundial de computadores.
2.5.2) Página na rede mundial de computadores com corpora da equipe Rio de Janeiro:
www.letras.ufrj.br/nurc-rj. Transcrições de inquéritos do Projeto Norma Urbana Culta/RJ
gravados, na década de 70, em três modalidades: diálogo entre informante e entrevistador
(DID), elocuções formais (EF) e diálogo entre dois informantes (D2). Conta-se, também, de
um corpus complementar para estudos em tempo real, gravado na década de 90 com
informantes da de 70. (vide item 2.5.1).
2.5.3) Anúncios publicados em jornais do século XIX em:
CALLOU, Dinah Maria Isensee; AVELAR, Juanito Ornelas de; PORTELA, Kate Lúcia;
FRANCO, Ana Luísa (2000). “Estado do Rio de Janeiro”. In: GUEDES, Marymarcia &
BERLINK. Rosane de Andrade (orgs.). (2000) E os preços eram commodos...: Anúncios de
Jornais Brasileiros Século XIX. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP.
2.5.5) Cartas pessoais do século XIX: 15 escritas por naturais do Rio de Janeiro, 3 de
naturais de outros estados brasileiros, 4 escritas no Brasil sem identificação de naturalidade
e 4 cartas escritas no Brasil por portugueses. Material Distribuição eletrônica por
celiar@unisys.com.br ou afraniogb@letras.ufrj.br.
2. 6 SANTA CATARINA
2.6.1) Anúncios publicados em jornais do século XIX em:
2.6.2) Toda a produção da Série Filológica, edição crítica de fundos documentais de 1703 a
1830 do Arquivo Público do Estado de Santa Catarina (APE/SC) coordenada por Gilvan
Müller de Oliveira. Informações por gilvan@ipol.org.br e análise:
2. 7 SÃO PAULO
2.7.1) Página na rede mundial de computadores da equipe São Paulo:
www.fflch.usp.br/dlcv/lport/ .Em breve, essa página contará com os documentos editados
pela equipe.
CASTILHO, Ataliba Teixeira de; MÓDOLO, Marcelo; OLIVEIRA, Marilza de; KEWITZ,
Verena. “Cartas em jornais oitocentistas de São Paulo”. In: BARBOSA, Afranio; LOPES,
Célia Regina (orgs.). Críticas, queixumes e bajulações na Imprensa Brasileira do séc. XIX:
cartas de leitores e cartas de redatores. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. No
prelo. Distribuição eletrônica por celiar@unisys.com.br ou afraniogb@letras.ufrj.br.
3. 1 BAHIA
3.1.1) Conjunto de cerca de 200 cartas particulares de enclausuradas no Convento de Santa
Clara do Desterro editadas na tese:
LOBO, Tânia Conceição Freire (2001) Para uma sociolingüística histórica do português
no Brasil. Edição filológica e análise lingüística de cartas particulares do Recôncavo da
Bahia, século XIX. São Paulo: USP. Orientador: Professor Doutor Ataliba de Castilho.
3. 2 PARAÍBA
3.2.1) Conjunto de 203 cartas oficiais dos séculos XVIII e XIX guardadas no Arquivo
Histórico da Paraíba e editadas na dissertação:
3. 3 RIO DE JANEIRO
3.3.1.1) Edição de 93 cartas pessoais manuscritas por mercadores portugueses radicados no
Brasil na última década dos setecentos e reunidas em:
3.3.1.2) Edição de documentos oficiais (petições, textos anexos à devassa política e cartas)
escritos no Rio de Janeiro ao final do século XVIII. . Distribuição eletrônica por
afraniogb@letras.ufrj.br ou consulta direta à tese:
3.3.2) Edição de cerca de 60 cartas pessoais e oficiais escritas no Rio de Janeiro nos séculos
XVIII e XIX editadas em:
RUMEU, Márcia Cristina de Brito. Para uma História da Língua Portuguesa no Brasil:
formas de tratamento em cartas coloniais (título provisório). Dissertação de mestrado em
Língua Portuguesa: Pós-graduação em Letras Vernáculas/Faculdade de Letras/UFRJ.
(Defesa prevista para dezembro de 2003). (Orientadora: Professora Doutora Célia Regina
dos Santos Lopes; co-orientador: Professor Doutor Afranio Barbosa). Informações por
rumeu@bol.com.br.
3.3.3) Edição de documentos manuscritos diversos dos séculos XVIII e XIX: 5 cartas
pessoais escritas no Rio de Janeiro (01 datada em 1720, 3 em 1833 e 1 em 1851); 01 relato
histórico produzido no Rio de Janeiro em 1821 e 4 entremezes portugueses de 1706).
Documentação editada em:
LOPES, Célia Regina dos Santos (2001). Documentos dos séculos XVIII e XIX: Cartas
cariocas e peças portuguesas – Transcrição e fac-símile. Rio de Janeiro,
UFRJ/FUJB.(versão em CD). Informações por celiar@unisys.com.br.
LOPES, Célia Regina dos Santos & MACHADO, Ana Carolina Morito (Org.) (2003)
Cartas da Família Ottoni aos netos 1879-1889: corpora diacrônicos PB (fac-símile). Rio
de Janeiro, UFRJ/PIBIC-CNPq. (versão preliminar em CD). Informações por
celiar@unisys.com.br.
3.3.5) Edição de 17 entremezes portugueses do séculos XVIII e XIX que foram reunidos
em:
LOPES, Célia Regina dos Santos, VIANNA, Juliana Barbosa de Segadas & MACHADO,
Ana Carolina Morito (Org.) (2003) Peças Populares Portuguesas – 1783-1877: Corpora
diacrônicos para estudos contrastivos. Rio de Janeiro, UFRJ/PIBIC-CNPq. (Versão
preliminar em CD). Informações por celiar@unisys.com.br.
3. 4 SÃO PAULO
3.4.1) Edição de 27 cartas particulares do século XIX (de 15 diferentes redatores) da
correspondência passiva no fundo Washington Luís do Arquivo do Estado de São Paulo,
material editado por:
3.4.3) Edição eletrônica de documentos oficiais dos séculos XVII e XVIII do Estado de São
Paulo. Ver descrição dos materiais em: DUARTE, Maria Eugênia L.; CALLOU, Dinah.
(org.) Para a história do português brasileiro: volume IV – Notícias de corpora e outros
estudos. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ/FAPERJ. Material publicado em:
MARIOTTO, Lia Carolina Prado Alves & TOLEDO NETTO, Sílvio de Almeida (org.)
(2004) Documentos do ouro: corpus dos séculos XVII e XVIII. São Paulo, FFLCH-
USP/FAPESP,CD-ROM. Informações por tolnet@osite.com.br ou flc@edu.usp.br
3.4.6) Seleção e digitalização de cartas do século XVI: Dez cartas dos primeiros jesuítas no
Brasil, 58 pp. Trabalho feito por Marcelo Módolo a partir de cópia digitalizada de
correspondências do século XVI publicadas no livro:
LEITE, Serafim (1954) Cartas dos primeiros jesuítas no Brasil (1538-1553). São Paulo:
Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 3 volumes. Informações e distribuição
por modolo@usp.br ou marcelomodolo@hotmail.com
93[93][93][93][93]
As normas para transcrição dos documentos levantados pelas equipes do PHPB encontram-se
publicadas em: MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia (org.) (2001) Para a história do português brasileiro:
volume II – primeiros estudos. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP/FAPESP, tomo II, p. 553-555.
94[94][94][94][94]
Vale sempre lembrar que os esquemas de escrita – ou a preocupação em tentar seguir um
esquema qualquer preestabelecido pela tradição – independe da habilidade de quem escreve. Edith Pimentel
Pinto, em O português popular escrito, afirma que “Diferentemente do que ocorre na interação oral, que é
espontânea, (...) o monólogo epistolar acusa, não só um adestramento para a execução desse tipo de texto,
evidente no plano de disposição gráfica e orgânica do texto, mas também, e coerentemente, um senso de
responsabilidade manifesto no ato de escrever”.
textos a ele encaminhados. Esse contraponto pode ser recuperado no confronto entre
documentos oficiais e documentos privados.
Se uma dada pesquisa exigir maior rigor no controle da sintonia de escritura, essas
duas categorias podem ser desmembradas em três: administração pública, administração
privada e documentos pessoais. Escrever para ser lido por uma autoridade dentro de uma
instituição privada – da qual, muitas vezes, o próprio redator participa – segue diferentes
esquemas e tradições de escritura em relação ao material encaminhado ao rei, bem como ao
texto enviado a um amigo. Fosse numa ordem religiosa, num círculo literário ou entre
homens de negócios, de acordo com o período, enfim, era no espaço institucional não
público que se criaram condições de identificação de segmentos quase sempre sem registro
e desconsiderados pela máquina oficial. Eram contextos histórico-sociais peculiares que
produziram textos reveladores de marcas específicas.
Vem a ser esse o caso das irmandades religiosas de negros em Minas Gerais e na
Bahia: dois dentre outros filões de especial valor abertos, respectivamente, para os séculos
XVIII e XIX por diferentes equipes regionais do PHPB. De forma semelhante, ou seja,
apresentando marcas de determinados segmentos sociais, existem documentos de caráter
pessoal, por vezes trocados entre amigos ou parentes, que circularam em ambiente
administrativo não institucionalizado que permaneciam submetidos a ritos e cerimônias de
escritura diferentes tanto dos da máquina burocrática, quanto dos da circulação pessoal.
Trata-se, por exemplo, das cartas trocadas entre mercadores portugueses radicados no
Brasil e os donos de verdadeiras empresas intercontinentais não formalizadas que atuaram
durante o período colonial.
Por outro lado, se a opção de controle tipológico de uma dada investigação que
lance mão de nossos materiais não quiser considerar a administração privada como
categoria de análise, os materiais das Irmandades deverão ser incluídos aos da categoria
documentos oficiais, assim como as cartas de mercadores aos da documentos privados. O
importante é não enviesar os resultados.
O quadro geral dos corpora assume essa tripartição tipológico-textual que se
demonstrou produtiva como fator de controle extralingüístico em determinados estudos e a
ela somam-se os textos literários e de jornais. O critério subjacente é o do modo de
circulação dos textos: papéis que circulavam entre remetente e destinatário quando, de
certo modo, um deles fosse pessoa jurídica oficial, pessoa jurídica não oficial, ou quando
remetente e destinatário escrevessem na qualidade de pessoas físicas. Note-se que, no
século XIX, o próprio jornal transforma-se em categoria pois funcionava, e até hoje
funciona, como veículo para diferentes tipos de textos, imprimindo-lhes, contudo, a
diferente sintonia de serem escritos para circulação pública geral.
Vale dizer que sempre haverá certas sobreposições de critérios, inevitáveis a
qualquer tipologia. Dessa forma, os diários – quando não protocolares na administração,
por exemplo, como os diários de bordo em navios oficiais e da marinha mercante – são
colocados na categoria documentos particulares por seu caráter evidentemente pessoal,
ainda que o documento não circule, pois não há um outro destinatário senão o próprio
redator. De fato, o texto de um diário pessoal até pode circular, pois, apesar de não ter sido
concebido para tal, por vezes a vontade humana é a de que o itinerário de quem redige fique
registrado para além de sua própria existência, assumindo-se tacitamente a existência de um
leitor potencial não coevo. Nesse caso, poder-se-ia considerá-lo documento particular pois
o texto de um diário circula virtualmente na esfera pessoa-a-pessoa entre redator presente e
o leitor futuro. Reflexões à parte, para classificar os diários basta seu caráter essencialmente
pessoal ou administrativo.
Enfim, o leitor do presente, exatamente o deste relatório, conta, nas tabelas a seguir
– e no quadro complementar com os materiais dos séculos XVI e XX copiados de livros –
com uma visão ampla dos corpora reunidos e tratados nesses seis anos de trabalho do
PHPB nacional. Para agilizar a recuperação das informações, consta em cada célula das
tabelas a numeração do item deste relatório onde se encontra a descrição completa do
material em foco. Para evitar que se perca de vista a autoria de cada produção, os usuários
de qualquer um destes materiais não podem deixar de se referir às fontes sob forma de
indicação bibliográfica, exatamente conforme o indicado em cada item. Fundamental
mesmo é evitar a estagnação do conhecimento e agilizar o reconhecimento da produção
científica de qualidade.
Quadro Geral
Santa Catarina
burocracia oficial
(ver 2.6.2)
São Paulo
burocracia oficial
(ver 3.4.3)
diários oficiais
(ver 3.4.5)
Paraná
cartas pessoais (ver
2.3.3)
(em
construção) Minas Gerais
cartas pessoais (ver
2.2.1)
Rio de Janeiro
cartas pessoais
(ver 2.5.1, 2.5.5,
3.3.2, 3.3.3, 3.3.4)
São Paulo
cartas pessoais
(ver 3.4.1, 3.4.2)
Tipologia textual Século Século Século
XVII XVIII XIX
Textos em Bahia
Jornais: anúncios (ver 1.1, 2.1.4)
cartas de redatores e
cartas de leitores
(ver 1.2, 2.1.5)
Minas Gerais
anúncios (ver 1.1, 2.2.2)
cartas de redatores e
cartas de leitores
(ver1.2, 2.2.3)
Paraná
anúncios (ver 1.1, 2.3.1)
cartas de redatores e
(Não existiam no (Não existiam no cartas de leitores
Brasil) Brasil) (ver 1.2, 2.3.2)
Pernambuco
anúncios (ver 1.1, 2.4.1)
cartas de redatores e
cartas de leitores
(ver 1.2, 2.4.2)
Rio de Janeiro
anúncios (ver 1.1, , 2.5.1,
2.5.3)
cartas de redatores e
cartas de leitores
(ver 1.2, 2.5.1, 2.5.4)
Santa Catarina
anúncios (ver 1.1, 2.6.1)
São Paulo
anúncios (ver 1.1, 2.7.2)
cartas de redatores e
cartas de leitores
(ver 1.2, 2.7.3)
Uma primeira constatação diz respeito ao desigual tratamento desses itens. Pode-se
afirmar que os tópicos 1 (Gramaticalização e tipologia lingüística) e 3 (Contacto, variação e
normas lingüísticas) conheceram um considerável desenvolvimento, o que se deve à
existência prévia, nos dois ambientes, de interesses voltados para eles. Já o tópico 2
(Tradições discursivas entre oralidade e escrita) permaneceu por um bom tempo
representado pelas pesquisas do Prof. Marlos Barros Pessoa – pelo menos no que diz
respeito a uma atuação mais cingida às idéias de Brigitte Schlieben-Lange – e às
considerações filológicas de Heitor Megale, César Cambraia, Sílvio Toledo Neto e Afrânio
Gonçalves Barbosa (este, integrado como apêndice ao presente Relatório). Uma nova frente
teve início em 2002, com a participação de Helena Nagamine Brandão e Maria Lucia
C.V.O. Andrade no V Seminário do PHPB, as quais exemplificaram como poderia ser uma
Análise Diacrônica do Discurso.
Mas o problema fundamental não está aqui. Não parece possível aprofundar os
trabalhos mútuos se ignorarmos que os lingüistas brasileiros envolvidos atuam
exclusivamente na área da Lingüística Portuguesa, ao passo que os lingüistas alemães
dedicam-se habitualmente a pelo menos três línguas românicas, por requisitos profissionais.
Seu interesse continua a concentrar-se no francês, italiano e espanhol, notando-se também
que as línguas românicas de pequena difusão (o catalão, o galego) têm despertado sua
atenção. No panorama da “Nova România”, o espanhol da América tem atraído sua atenção
bem mais que o português americano.
Mas quê temas teriam o potencial de interessar e inspirar essa ação ? Bem, aqui
ingressamos no complicado terreno dos sonhos e dos projetos de cada um / “de cada
quien”. Impossível avançar sem conhecer esses sonhos para explorar seu possível
compartilhamento.
Ajudaria muito sondar o modo como estamos imaginando nossa atuação enquanto
lingüistas no séc. XXI. Ora, justamente Antônio Carlos Xavier e Suzana Cortez acabam de
publicar um inquérito entre 18 lingüistas brasileiros95[95]. Todos responderam às mesmas
perguntas, a última das quais foi “quais os desafios para a Lingüística no séc. XXI”?
1. Prosseguir nas análises do português e das línguas indígenas (pp. 48, 56, 128, 156),
preparando-se obras de referência (gramáticas e dicionários), com o objetivo de promover
uma interface com as ciências da computação (p. 76, 110, 199) e de entender melhor “esse
dentro da linguagem, como ela funciona, como é mesmo sua gramática, que regras regem
de fato uma língua”(p. 173). Impulsionar o caráter abstrato da Lingüística em sua
caminhada das regras, que se situam no nível da observação, para os princípios, que são
explicativos, e destes para as lei, inteiramente preditivas, refazendo a caminhada já
percorrida pela Física (p. 121).
2. Estimular o estudo sobre o passado do português, recuperando a história do português do
Brasil (p. 111).
3. Assumindo que “a linguagem é uma capacidade cognitiva” (p.187), aprofundar as relações
entre língua e cognição, acelerando a agenda cognitiva no que diz respeito às formas de
pensar, à criação de gêneros (p. 129, 140), à gramaticalização das categorias cognitivas (p.
61), e ao diálogo da Lingüística com a Neurobiologia, a Psicologia, a Filosofia da
Linguagem e a inteligência artificial (p. 192). Em suma, alargar a agenda da Lingüística,
tornando mais sistemáticos seus contactos com a Neurologia, a Psicologia e outras ciências
(p. 34), inserindo as pesquisas lingüísticas nas pesquisas experiencialistas da genética (p.
148).
4. Retomar os pressupostos de várias teorias e modelos já elaborados, na tentativa de “verificar
o que é possível conciliar [para] responder às grandes questões que se colocam sobre a
95[95][95][95][95]
Antônio Carlos Xavier e Suzana Cortez (Orgs. Conversas com Lingüistas. Virtudes e
controvérsias da Lingüística. São Paulo: Parábola Editorial, 2003, 199 páginas.
linguagem” (p. 22). Estimular a pluralidade teórica (p. 70). Redefinir do objeto da
Lingüística, retomando a linguagem como objeto, e não o sistema (p. 88). Estimular a
Lingüística Aplicada, para tornar mais eficaz o ensino da língua materna e das línguas
estrangeiras (p.90, 95).
5. Ganhar espaço público, “saltar os muros da academia”, fazendo ouvir nossa voz nos
grandes espaços institucionais (p. 70).
6. Construir a história das idéias lingüísticas no Brasil (p. 157).
Essa manifestação dos lingüistas brasileiros – que precisaria ser comparada à dos
romanistas alemães e hispanoamericanos – talvez nos possa ajudar na identificação dos
próximos passos a dar. Precisaríamos, portanto, identificar os interesses destes colegas, por
meio de algum tipo de questionário. Solicitarei à Profa. Cristina Altmann, coordenadora da
Comissão de Pesquisas em Historiografia Lingüística da ALFAL, que estude essa
possibilidade.
Mas o problema fundamental não está aqui. Não parece possível aprofundar os
trabalhos mútuos se ignorarmos que os lingüistas brasileiros envolvidos atuam
exclusivamente na área da Lingüística Portuguesa, ao passo que os lingüistas alemães
dedicam-se habitualmente a pelo menos três línguas românicas, por requisitos profissionais.
Seu interesse continua a concentrar-se no francês, italiano e espanhol, notando-se também
que as línguas românicas de pequena difusão (o catalão, o galego) têm despertado sua
atenção. No panorama da “Nova România”, o espanhol da América tem atraído sua atenção
bem mais que o português americano.
Mas quê temas teriam o potencial de interessar e inspirar essa ação ? Bem, aqui
ingressamos no complicado terreno dos sonhos e dos projetos de cada um / “de cada
quien”. Impossível avançar sem conhecer esses sonhos para explorar seu possível
compartilhamento.
Ajudaria muito sondar o modo como estamos imaginando nossa atuação enquanto
lingüistas no séc. XXI. Ora, justamente Antônio Carlos Xavier e Suzana Cortez acabam de
publicar um inquérito entre 18 lingüistas brasileiros96[96][96]. Todos responderam às
mesmas perguntas, a última das quais foi “quais os desafios para a Lingüística no séc.
XXI”?
7. Prosseguir nas análises do português e das línguas indígenas (pp. 48, 56, 128, 156),
preparando-se obras de referência (gramáticas e dicionários), com o objetivo de promover
uma interface com as ciências da computação (p. 76, 110, 199) e de entender melhor “esse
dentro da linguagem, como ela funciona, como é mesmo sua gramática, que regras regem
de fato uma língua”(p. 173). Impulsionar o caráter abstrato da Lingüística em sua
96[96][96][96][96]
Antônio Carlos Xavier e Suzana Cortez (Orgs. Conversas com Lingüistas. Virtudes e
controvérsias da Lingüística. São Paulo: Parábola Editorial, 2003, 199 páginas.
caminhada das regras, que se situam no nível da observação, para os princípios, que são
explicativos, e destes para as lei, inteiramente preditivas, refazendo a caminhada já
percorrida pela Física (p. 121).
8. Estimular o estudo sobre o passado do português, recuperando a história do português do
Brasil (p. 111).
9. Assumindo que “a linguagem é uma capacidade cognitiva” (p.187), aprofundar as relações
entre língua e cognição, acelerando a agenda cognitiva no que diz respeito às formas de
pensar, à criação de gêneros (p. 129, 140), à gramaticalização das categorias cognitivas (p.
61), e ao diálogo da Lingüística com a Neurobiologia, a Psicologia, a Filosofia da
Linguagem e a inteligência artificial (p. 192). Em suma, alargar a agenda da Lingüística,
tornando mais sistemáticos seus contactos com a Neurologia, a Psicologia e outras ciências
(p. 34), inserindo as pesquisas lingüísticas nas pesquisas experiencialistas da genética (p.
148).
10. Retomar os pressupostos de várias teorias e modelos já elaborados, na tentativa de
“verificar o que é possível conciliar [para] responder às grandes questões que se colocam
sobre a linguagem” (p. 22). Estimular a pluralidade teórica (p. 70). Redefinir do objeto da
Lingüística, retomando a linguagem como objeto, e não o sistema (p. 88). Estimular a
Lingüística Aplicada, para tornar mais eficaz o ensino da língua materna e das línguas
estrangeiras (p.90, 95).
11. Ganhar espaço público, “saltar os muros da academia”, fazendo ouvir nossa voz nos
grandes espaços institucionais (p. 70).
12. Construir a história das idéias lingüísticas no Brasil (p. 157).
Essa manifestação dos lingüistas brasileiros – que precisaria ser comparada à dos
romanistas alemães e hispanoamericanos – talvez nos possa ajudar na identificação dos
próximos passos a dar.
1. Objetivos
Historiar o Português Brasileiro nas cidades de Recife, Salvador, João Pessoa, Rio de
Janeiro,Ouro Preto, São Paulo, Curitiba e Florianópolis. Para atingir esse objetivo o PHPB
desenvolverá três subprogramas:
• Constituição do Corpus Diacrônico do Português Brasileiro.
• História Social do Português Brasileiro.
• Mudança gramatical do Português Brasileiro. Até aqui, os pesquisadores têm optado por
um dos seguintes modelos teóricos: variação e mudança, gerativista (princípios e
parâmetros), funcionalista (processos de gramaticalização).
2. Formas de atuação
4. Seminários Nacionais
• I, São Paulo, 1997, sob o patrocínio da Área de Filologia e Língua Portuguesa da USP e
da Fapesp.
• II, Campos do Jordão, 1998, sob o patrocínio da Fapesp.
• III, Campinas SP, 1999, sob o patrocínio do Programa de Pós-Graduação em Lingüística
da Unicamp.
• IV, Teresópolis RJ, 2001, sob o patrocínio da Faculdade de Letras da UFRJ, CNPq e
Faperj.
• V, Ouro Preto, 2002, sob o patrocínio da UFMG.
5. Equipes Regionais
• PERNAMBUCO
Coordenador: Marlos Pessoa de Barros (UFPe).
• BAHIA
Coordenadora: Rosa Virgínia Mattos e Silva (UFBa). Pesquisadores: Ilza Ribeiro (UFBa),
Tânia Lobo (UFBa), Zenaide de Oliveira Novais Carneiro (UEFS, doutoranda Unicamp),
Norma Lúcia Fernandes de Almeida (UEFS, doutoranda Unicamp). Discentes: Permínio
Ferreira (doutorando USP), Klebson Oliveira (doutorando UFBa), Soraia Oliveira
Rebouças (Unifacs), Lavínia Rodrigues de Jesus (Unifacs), Marcos Bispo dos Santos
(graduação UFBa), Margarida Maria Oliveira dos Santos (graduanda UFBa), Marina
Andari Hatty (graduanda UFBa).
• PARAÍBA
Coordenador: Dermeval da Hora (UFPB). Pesquisadores: Maria Elizabeth Affonso
Christiano, Eliane Ferraz Alves, Maria Cristina de Assis Pinto Fonseca, Maria das Graças
Ribeiro Carvalho, Fabrício Possebon (Doutorando - USP). Discentes: Ana Clarissa Santos
Bessera (Mestranda) Rubens Marques de Lucena (Doutorando-UFPB), Adryana de Araújo
Oliveira (graduanda), Elton Jones Barbosa Andrade (graduando), Renata Conceição Neves
Monteiro (graduanda), todos da UFPB.
• RIO DE JANEIRO
Coordenadora: Dinah I. Callou (UFRJ). Pesquisadores: Maria Eugênia Lamoglia Duarte
(UFRJ), Afrânio Gonçalves Barbosa (UFRJ), Célia Regina dos Santos Lopes (UFRJ),
Mário Eduardo Toscano Martelotta (UFRJ). Discentes: Carolina Ribeiro Serra (UFRJ),
Juanito Ornelas de Avelar (UFRJ), Márcia Cristina de Brito Rumeu (UFRJ), Márcio
Martins Leitão (UFRJ).
• MINAS GERAIS
Coordenadora: Jânia Ramos (UFMG). Pesquisadores: Mônica Alkmim (UFOP), Renato
Porto Venancio (UFOP), Candice Fernandez (UFMG), Raquel Dettoni (UFMG/UnB),
Ev’Angela Barros (UFMG). Discentes: Daniela Bassani (UFMG), Lillian Moura (UFMG).
• SÃO PAULO [www.fflch.usp/dlcv/lport]
Coordenador: Ataliba T. de Castilho (USP). Pesquisadores: Ângela C. S. Rodrigues (USP),
Helena Nagamine Brandão (USP), Maria Aparecida Torres de Morais (USP), Maria Lúcia
C.V.O. Andrade (USP), Marilza de Oliveira (USP), Mário Eduardo Viaro (USP),
Marymarcia Guedes (Unesp / Araraquara), Rosane Andrade Berlinck (Unesp / Araraquara),
Tânia Alkmim (Unicamp). Discentes: Célia Maria Moraes de Castilho (doutoranda
Unicamp), Marcelo Módolo (doutorando USP), Nanci Romero (mestranda USP), Verena
Kewitz (doutoranda USP), Vandersi Santana (doutoranda Unicamp), Rafael Coelho (IC,
USP), Tasso A. C. dos Santos (IC, USP).
• PARANÁ
Coordenadora: Sônia Maria Lazzarini Cyrino (Univ. Est. Londrina). Pesquisadores:
Vanderci de Oliveira Aguilera (UEL), Jerusa de Paula Barrichello (UEL), Flávia
Figueiredo (UEL).
• SANTA CATARINA
Coordenador: Gilvan Müller de Oliveira (UFSC).
6. Doutorados
• Célia Regina dos Santos Lopes - A inserção de a gente no quadro pronominal do
português: percurso histórico. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 1999.
• Afrânio Barbosa – Análise Lingüística do Gerúndio. Cartas de comércio do séc. XVIII. Rio
de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000, inédita.
• Tânia Lobo – Para uma Sociolingüística Histórica do Português no Brasil. Edição
filológica e análise lingüística de cartas particulares do Recôncavo da Bahia, século XIX.
São Paulo: Universidade de São Paulo, 2001, 4 vols, inédita.
• Miguel Salles – Pronomes de Tratamento do Interlocutor no Português Brasileiro: um
estudo de pragmática histórica. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2001, inédita.
• Mônica Alkmim- Negativas Sentenciais: uma abordagem sociolingüística. Belo Horizonte:
Universidade Federal de Minas Gerais, 2001.
• Sílvia Rita Magalhães Olinda – A Colocação dos Pronomes no Português Brasileiro, sécs.
XVIII e XIX: a questão revisitada. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2002.
• Eliana Pitombo Teixeeira – Era uma vez Você. Salvador: Universidade Federal da Bahia,
2002.
• Gilvan Müller de Oliveira – História Social do Português de Santa Catarina. Universidade
Estadual de Campinas, em andamento.
• Marcelo Módolo – Diacronia das sentenças correlatas. Universidade de São Paulo, em
andamento.
• Raquel Dettoni – Marcação de Gênero no Dialeto da Baixada Cuiabana. Universidade
Federal de Minas Gerais , em andamento.
• Ev’Angela Barros – Realizações de dativo de posse: o percurso de uma mudança.
Universidade Federal de Minas Gerais , em andamento.
• Vandersi Santana – Interface Dialetologia / Lingüística Histórica. Campinas: Universidade
Estadual de Campinas, em andamento.
7. Mestrados
• Marcelo Módolo – Um Corpus para a Diacronia do Português de São Paulo. São Paulo:
Universidade de São Paulo, 1998, inédita.
• Verena Kewitz - Gramaticalização de ser e estar locativos. São Paulo: Universidade de
São Paulo, 2002, inédita.
• Klebson Oliveira – Textos escritos por africanos e afro-descendentes na Bahia do século
XIC: fontes do nosso latim vulgar ? Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2003.
• Lavínia Rodrigues de Jesus – O relativo cujo em documentos do século XIX. Salvador:
UFBa, 2002, inédita.
• Candice Fernandez – Português Padrão: conceituação e avaliação por informantes
belorizontinos. Universidade Federal de Minas Gerais, Dissertação de Mestrado, em
andamento.
8. Convênio internacional
Sob o abrigo do “Programa Brasil-Alemanha” (PROBRAL), estebelecido pela CAPES e
pelo DAAD, foi assinado um convênio para o intercâmbio de pesquisadores e de
doutorandos envolvidos neste Projeto, com vigência de 2000 a 2003 (Projeto CAPES
109/00). Do lado alemão, coordenou o convênio a Profa. Dra. Brigitte Schlieben Lange,
substituída após seu falecimento pela Profa. Dra. Konstanze Jungbluth. Pelo lado brasileiro,
o convênio é coordenado pelo Prof. Dr. Ataliba T. de Castilho. Em 2000, estiveram na
Alemanha, os Profs. Gilvan Müller de Oliveira (UFSC), Sônia Cyrino (UEL) e Marlos de
Barros Pessoa (UFPE), tendo-nos visitado os Profs. Konstanze Jungbluth, Roland Schmidt-
Riese e Uli Reich. Em 2001, Jânia Ramos desenvolveu pesquisas com o Dr. Waltereit, de
Tübingen, tendo vindo ao Brasil Cornelia Döll e Christine Hundt (Universidade de Leipzig)
e o doutorando Lars-G. Wigger. Em 2002, Helena Nagamine Brandão esteve na
Universidade de Tübingen, tendo vindo ao Brasil Johannes Kabatek (Universidade de
Freiburg) e Richard Waltereit (Universidade de Tübingen). Em 2003, seguirão Ataliba T.
de Castilho (USP), Marilza de Oliveira (USP), Mário Eduardo Viaro (USP) e Verena
Kewitz (doutoranda, USP). Os participantes alemães realizaram de 4 a 6 de julho de 2003,
em Blaubeuren um seminário bilateral de avaliação das atividades desenvolvidas e análise
dos desdobramentos futuros deste convênio.
9. Publicações
Relacionam-se aqui os trabalhos publicados na série Para a História do Português
Brasileiro, tanto quanto aqueles apresentados por seus pesquisadores em eventos no país ou
no exterior.