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I Simpósio Internacional de

Lexicografia e Linguística
Contrastiva

(I SILLiC)
Volume II

Linguística Contrastiva
e Tradução

Florianópolis
2013

1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Reitora
Roselane Neckel
Vice-Reitora
Lúcia Helena Martins Pacheco
Coordenação Geral
Profa. Dra. Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão
Apoio
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Comunicação e Expressão
Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Realização
Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras
CALEPINO – Núcleo de Lexicografia Multilíngue
Pós-Graduação em Estudos da Tradução
Pós-Graduação em Linguística
Comissão Científica
Profa. Dra. Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão
Profa. Dra. Andrea Cesco
Profa. Dra. Andéia Guerini
Prof. Dr. Aylton Barbieri Durão
Prof. Dr. Delamar José Volpato Dutra
Prof. Dr. Sérgio Romanelli
Editoração e Revisão
Aden Rodrigues Pereira
Alex Sandro Beckhauser
Claci Ines Schneider
Gisele Tyba Mayrink Redondo Orgado

Os artigos são de responsabilidade de seus autores

Ficha Catalográfica:
DURÃO, Adja Balbino de Amorim Barbieri (org.)
Anais do I SILLiC – I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística
Contrastiva; Volume II – Linguística Contrastiva e Tradução.
Florianópolis: UFSC, 2013.

ISBN: 978-85-60522-81-1
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I Simpósio Internacional de Lexicografia
e Linguística Contrastiva

Volume II

Linguística Contrastiva e Tradução

SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ........................................................................................5
ARTIGOS .......................................................................................................9
Desvelando a interlíngua de aprendizes de línguas: uma experiência
sobre a modalidade oral
Otávio Goes de Andrade ..................................................................................9

O paradigma chomskyano em pesquisas centradas no ensino e na


aprendizagem de línguas não maternas
Otávio Goes de Andrade ................................................................................33

Análise sociolinguística da interlíngua de estudantes brasileiros no


processo de aprendizagem de espanhol
Eneida Maria Gurgel de Araújo e Thays Keylla Albuquerque ......................48

A tradução português-libras face ao fenômeno da ambiguidade lexical


Jorge Bidarra, Tania Aparecida Martins e
Keli Adriana Vidarenko da Rosa ....................................................................68

Marcas de atenuação retórica em artigos de pesquisa: estudo contrastivo


alemão-português
Ednúsia Pinto de Carvalho .............................................................................81

Bulas de medicamentos alemãs e brasileiras: emprego da análise


contrastiva para descrição de estratégias de redação
Adriana Dominici Cintra e Tinka Reichmann...............................................93

3
Culturemas: um breve histórico e as possibilidades de ressignificação na
tradução
Maria José Damiani Costa, Mirella Nunes Giracca e
Myrian Vasques Oyarzabal ..........................................................................107

Uso da ambiguidade nos gêneros humorísticos para ensino do significado


de palavras
Karine Dourado ............................................................................................123

A origem de “samba” e o estado da arte


Claudia Drucker ...........................................................................................134

O artigo neutro da língua espanhola numa perspectiva histórico-


contrastiva
Kleber Eckert ...............................................................................................146

Español – portugués y sus divergencias léxicas ¿Cómo enseñarlas?


Celia Cabezas Jaramillo e Geneva Lima da Silva ........................................159

Falsos amigos na relação espanhol-português em livros didáticos e em


um corpus linguístico
Maria Leticia Nastari Millás e Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão ...171

A música tradicional gaúcha e o contato linguístico-cultural na região da


fronteira oeste do rio grande do sul
Odair José Silva dos Santos e Giselle Olivia Mantovani Dal Corno ...........193

Formação de palavras
Chris Royes Schardosim ..............................................................................207

A utilização dos neologismos pela mídia


Ana Paula da Silva, Cristina Silva dos Santos e
Ana Cristina Jaeger Hintze ...........................................................................223

10 expresiones taurinas y su aplicación metafórica al lenguaje coloquial


José Suárez-Inclán García de la Peña ...........................................................232

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I Simpósio Internacional de Lexicografia
e Linguística Contrastiva

Volume II

Linguística Contrastiva e Tradução

APRESENTAÇÃO

É com grande satisfação que entregamos à comunidade científica os Anais


do I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva, vol 2:
Linguística Contrastiva e Tradução. Este evento foi projetado para congregar
alunos de graduação e de pós-graduação, assim como pesquisadores implicados
com estudos de Lexicografia e Linguística Contrastiva. Teve lugar na
Universidade Federal de Santa Catarina, no ano 2012, no Centro de
Comunicação e Expressão, como uma promoção do CALEPINO - Núcleo de
Lexicografia Multilíngue, contando com o patrocínio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), do Departamento de
Língua e Literatura Estrangeiras, do Programa de Pós-graduação em Estudos de
Tradução e do Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade
Federal de Santa Catarina.
Ao reunir estes artigos nesses Anais, pretende-se enriquecer os
horizontes daqueles que estão envolvidos com discussões que rondam a reflexão
sobre esses dois campos do saber.
No artigo "Desvelando a interlíngua de aprendizes de línguas: uma
experiência sobre a modalidade oral", Andrade descreveu erros produzidos na
oralidade de estudantes brasileiros de espanhol, evidenciando, com isso,
diferentes estágios de desenvolvimento de suas interlínguas. Nessas produções
orais apareceram problemas tais como o uso equivocado de falsos amigos,
expressões idiomáticas traduzidas literalmente, colocações léxicas do espanhol
que arremedam as colocações da língua portuguesa, e como problemas que se
situam entre uma língua e outra, daí a ter uma importância singular para aqueles
que estejam interessados no encaminhamento pedagógico dessas questões como
soluções para o trabalho em sala de aula.
Em "O paradigma chomskyano em pesquisas centradas no ensino e na
aprendizagem de línguas não maternas", Andrade discorreu sobre a vida e o
trabalho de Avram Noam Chomsky, destacando aspectos proeminentes de sua

5
produção científica num período de tempo que se inicia no ano 1951 e se
encerra em 1971.
Araújo e Albuquerque perpetraram, em seu texto intitulado "Análise
sociolinguística da interlíngua de estudantes brasileiros no processo de
aprendizagem de espanhol", uma revisão de aspectos basilares da
Sociolinguística, da Teoria da variação e da Linguística Contrastiva, realçando
as variações linguísticas identificadas nas redações que serviram de corpus para
a sua pesquisa, que se remonta sobre as mudanças de sufixos flexionais, ao uso
do infinitivo e ao emprego de tempos compostos do espanhol.
O texto "A tradução português-libras face ao fenômeno da
ambiguidade lexical", de autoria de Bidarra, Martins e Rosa, se inicia pela
revisão dos tipos de tradução propostos por Jakobson, mas concentra a sua força
argumentativa na exploração de um fenômeno bastante específico e
escassamente estudado, e portanto, inovador, qual seja o da ambiguidade lexical
na Língua Brasileira de Sinais.
Carvalho, em seu artigo "Marcas de atenuação retórica em artigos de
pesquisa: estudo contrastivo alemão-português", pesquisaram corpora
compostos por 120 artigos da área da medicina, redigidos em português e em
alemão, aplicando nessa tarefa recursos da Linguística de Corpus, mais
propriamente, da ferramenta computacional WordSmith Tolls, visando a
identificar estratégias de atenuação retórica típica desse gênero de texto, assim
como a comparar a frequência dessas estratégias em seu corpus.
Em seu artigo "Bulas de medicamentos alemãs e brasileiras: emprego
da análise contrastiva para descrição de estratégias de redação", Cintra e
Reichmann descreveram as estratégias peculiares da redação do gênero de texto
'bula de medicamento', destacando o fato de esse gênero ter função informativo-
instrutiva e, por isso, encerrar grande relevância social, merecendo, em
consequência, ser tomado como objeto de estudo e reflexão.
Em "Culturemas: um breve histórico e as possibilidades de
ressignificação na tradução", Costa, Giracca e Oyarzabal resgataram os
conceitos de culturemas, a partir da perspectiva de estudiosos da tradução que
seguem a vertente funcionalista e que, por isso, defendem o ponto de vista da
tradução como intermediação entre culturas. Com base nessa ideia, as autoras
defendem que os tradutores, ao realizarem seu trabalho, sofrem influências do
meio no qual estão inseridos.
Dourado sugeriu o emprego de piadas como recurso de ensino do
significado das palavras, em seu trabalho "Uso da ambiguidade nos gêneros
humorísticos para ensino do significado de palavras". Embora sua discussão
tenha se restringido ao âmbito do significado da mensagem transmitida em um
diálogo, esta presta-se a introduzir ou relembrar noções de figuras de linguagem
com ênfase na ambiguidade (intencional e acidental).
Drucker, em "A origem de “samba” e o estado da arte", fez uma
reconstrução do vocábulo 'samba'. Partiu do pressuposto de que esse vocábulo

6
além de ter origem incerta, não foi suficientemente explorado, já que uma
adequada indagação dependeria da contribuição de várias ciências históricas da
linguagem e ela oferece a sua contribuição, retomando pontos de vista advindos
de diferentes âmbitos do saber.
Em "O artigo neutro da língua espanhola numa perspectiva histórico-
contrastiva", Eckert discutiu algumas das dificuldades típicas de aprendizes de
espanhol lusófonos ao se depararem com peculiaridades do artigo neutro 'lo', da
língua espanhola, que se distinguem do artigo neutro do português.
Jaramillo e Silva partiram da identificação de algumas divergências
léxicas existentes entre a língua espanhola e a variante brasileira do português
que se constituem como problemas de ensino e aprendizagem em seu texto
"Español-português y sus divergéncias léxicas. ¿cómo enseñarlas?.
Millás e Durão, depois de identificarem os falsos amigos presentes em
catorze coleções de livros didáticos para ensino de espanhol a brasileiros, assim
como analizarem o tratamento dado a eles nesses livros, recorreram ao “Corpus
de Referencia del Español Actual” (CREA), para confirmarem se a escolha
dessas lexias tem por base o critério de frequência, em seu texto "Falsos amigos
na relação espanhol-português em livros didáticos e em um corpus linguístico".
Santos e Dal Corno, em "A música tradicional gaúcha e o contato
linguístico-cultural na região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul",
estudaram o fenômeno do empréstimo linguístico em letras de canções de César
Oliveira e Rogério Melo, que expõem fenômenos típicos de contato havidos
entre a língua portuguesa e duas variantes da língua espanhola faladas na região
fronteiriça do Brasil, Argentina e Uruguai.
Em "Formação de palavras", Schardosim apresentou os resultados de
uma coleta de dados que revelaram aspectos referentes à formação problemática
de palavras por parte de brasileiros aprendizes de espanhol como língua
estrangeira.
Silva, Santos e Hintze , no artigo intitulado "A utilização dos
neologismos pela mídia", justificaram a existência de neologismos como uma
necessidade criativa dos seres humanos, exemplificando alguns tipos de
neologismos mais recorrentes na língua portuguesa na atualidade.
Para fechar estes anais, Inclán apresenta, em forma de carta, mas
contando com uma inquestionável expertise nesse âmbito, dez expressões do
mundo taurino, material de grande valor para todos aqueles que se dedicam ao
campo da tradução ou do ensino da língua espanhola como língua estrangeira.
Recomenda-se a leitura desses artigos como uma forma de avançar no
conhecimento teórico e prático da Linguística Contrastiva e da Tradução.

Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão


Universidade Federal de Santa Catarina

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ANAIS

I Simpósio Internacional de Lexicografia


e Linguística Contrastiva

Volume II

Linguística Contrastiva
e Tradução

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I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

DESVELANDO A INTERLÍNGUA DE APRENDIZES DE LÍNGUAS:


UMA EXPERIÊNCIA SOBRE A MODALIDADE ORAL

Otávio Goes de Andrade1

RESUMO
Nosso propósito é relatar uma experiência de pesquisa numa modalidade da
interlíngua de aprendizes de línguas ainda carente de trabalhos em nosso
país: a modalidade oral. Para tanto, retomaremos nossa tese de doutorado
(2010), realizada junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da
Linguagem da Universidade Estadual de Londrina, sob orientação da Profª.
Drª. Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão, trabalho no qual tínhamos
como objetivo o estudo dos desvios léxico-semânticos produzidos por
universitários brasileiros estudantes de espanhol. Nessa época, superada a
etapa da construção do embasamento teórico, ancorado nos pressupostos da
Linguística Contrastiva, constituímos um amplo corpus composto por 24
transcrições de conversações gravadas. A partir do tratamento do referido
corpus de interlíngua oral (ILO), levantamos, descrevemos e analisamos
tanto os desvios léxico-semânticos relativos às unidades léxicas
monoverbais quanto os desvios léxico-semânticos relativos às unidades
léxicas pluriverbais, os quais tencionamos desvelar neste texto. Parte dessa
tese de doutorado foi publicada pela Editora da Universidade Estadual de
Londrina com o título “Interlíngua oral e léxico de brasileiros aprendizes de
espanhol” (ANDRADE, 2011).

Introdução
Nosso trabalho foi inspirado em Durão (1998, 1999 e 2004) e para
sua concretização partimos do princípio de que “[...] el método de análisis
de errores (AE) se constituye como un procedimiento científico orientado a
determinar la incidencia, la naturaleza, las causas y las consecuencias de
una actuación lingüística y cultural que, en alguna medida, se aleja del
hablante nativo adulto (SANTOS GARGALLO, 2004, p. 391)”. Valendo-
nos ainda da contribuição de Santos Gargallo (2004, p. 394), destacamos
que:

El estudio de los errores en la producción lingüística


de un hablante no nativo se incardina en los métodos
de investigación de la lingüística aplicada y
disciplinas afines, que presentan como denominador

1
Doutor em Letras. Professor Universidade Estadual de Londrina.
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I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

común el análisis de los problemas que plantea el


uso del lenguaje en una comunidad lingüística, con
el fin de que la consideración de los datos empíricos
oriente la adopción de procedimientos de enseñanza
que contribuyan a agilizar el proceso de aprendizaje
y a sustentar el logro de una competencia
comunicativa en la lengua meta.

Tendo em vista a vocação abarcadora da LC, esta área do saber


permite que nela se utilizem conceitos advindos de outras áreas do
conhecimento, postura que é defendida, entre outros, por Baralo Ottonello
(2004, p. 386), posicionamento este que também encampamos e
corroboramos:

El profesor de E/LE, curioso e inquieto por


entender el comportamiento interlingüístico de
sus alumnos, encontrará en cada una de ellas
[psicología de la cognición, la lingüística o la
sociolingüística] una explicación interesante
que lo llevará a reestructurar su concepto del
aprendiente, sus errores y de sus aciertos.

De acordo com Santos Gargallo (2004, p. 400), a metodologia de


AE situa-se no âmbito do “estudo de caso”, posto que “describe el
comportamiento y la actuación lingüística de un número de hablantes a fin
de generalizar las conclusiones al total de la población, o, al menos, con el
propósito de establecer hipótesis que podrán desarrollarse en
investigaciones futuras”. Nesse sentido, utilizamos conversações para delas
extrairmos nosso corpus de pesquisa. Entendemos que esse material
analisado à luz dos procedimentos do modelo de AE “nos adentra en los
procesos subyacentes y nos lleva a un mejor conocimiento del proceso de
aprendizaje mediante la determinación de la(s) causa(s) (SANTOS
GARGALLO, 2004, p. 405)”. A tipologia das causas de erros proposta por
Santos Gargallo (2004, p. 406) é a seguinte:

Quadro 1: Tipologia das causas de erros

Distração
Relacionada com o cansaço físico e mental, com o grau de
motivação, o grau de segurança em si mesmo e com o nível de
ansiedade.
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I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Interferência
Relacionada à adoção de formas ou estruturas da língua materna
(L1) ou de segundas línguas (L2) ou estrangeiras (LE) que o
estudante conhece. O resultado desse fenômeno são os erros
interlinguísticos.
Tradução
Afeta, sobretudo, as locuções e frases feitas, quando o aprendiz
transpõe literalmente uma forma ou estrutura da L1 na produção
linguística da língua meta.
Supergeneralização e aplicação incompleta das regras da língua
meta
Refere-se às hipóteses incorretas ou incompletas que o aprendiz
elabora baseando-se no que conhece do funcionamento da língua
meta. O resultado desse fenômeno são os erros intralingüísticos.
Induzidos pelos materiais e pelos procedimentos didáticos
São os erros motivados pelas amostras de língua, as
conceitualizações ou os procedimentos empregados no processo de
aprendizagem.
Estratégias de comunicação
Referem-se ao mecanismo que o estudante aciona quando lida com
um problema de comunicação.
Fonte: Elaborado pelo autor com base na proposta de Santos Gargallo (2004, p.
406).

Um corpus composto por conversações justifica-se pela


circunstância de a parte mais significativa dos trabalhos que consultamos
ser composta por análises de corpus escrito (ANDRADE, 2010; 2011).
Moreno Fernández (2004b, p. 293-294)2 considera a conversação como a

2
“Una conversación es una modalidad de interacción comunicativa capaz de
regular las relaciones interindividuales y que, a la vez, está condicionada
socialmente puesto que depende de ciertas convenciones y patrones
socioculturales. Por eso, una buena parte de los estudios sociales realizados sobre la
ASL tiene que ver con la identificación de posibles fuentes de transferencia entre L1
y L2 y la mejor comprensión de los errores de comunicación que se producen en los
encuentros interculturales. Es muy interesante, a propósito de las conversaciones,
observar cómo se cumple el proceso de socialización a través del discurso y de las
interacciones. La importancia de este proceso en la educación infantil en la L1 es
evidente, pero también lo es en la ASL, sobre todo cuando se producen
transferencias de modos de discurso y de recursos conversacionales de L1 a la L2. A
los especialistas en ASL les interesa conocer cómo se produce el aprendizaje y la
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I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

estrutura textual mais importante da língua falada, inclusive na IL falada por


aprendizes de línguas. Assim, a detecção dos erros léxicos na ILO dos
alunos, além de demonstrar os estágios de desenvolvimento de IL no qual se
encontram, também evidencia, no caso do qual nos ocupamos, os processos
de criação léxica que esses estudantes utilizam ao interagirem em situações
de uso oral da língua espanhola, assim como aqueles pontos da LE cuja
sistematização depende do contraste para que erros fossilizáveis /
fossilizados possam ser identificados.
Uma pesquisa dentro dos parâmetros do modelo de AE, segundo
resume Santos Gargallo (1993, p. 123) requer uma metodologia composta
pelos seguintes passos:

a) determinação dos objetivos;


b) descrição do perfil dos informantes;
c) seleção do(s) tipo(s) de prova;
d) elaboração da(s) prova(s);
e) identificação dos erros;
f) classificação dos erros de acordo com uma taxinomia previamente
estabelecida;
g) determinação estatística da recorrência dos erros;
h) descrição dos erros em relação à(s) causa(s);
i) identificação das áreas de dificuldade segundo uma hierarquia;
j) programação de técnicas para o tratamento dos erros na sala de aula;
k) determinação do grau de irritabilidade no ouvinte;
l) determinação das implicações didáticas no ensino.

Em nossa análise não contemplamos os passos j, k e l do modelo


de AE, em virtude de nosso estudo se caracterizar como um trabalho de
análise e de descrição linguísticas, por isso, não é meta deste trabalho
aprofundar questões didático-pedagógicas; interessam-nos os processos
mentais envolvidos no manuseio do vocabulário por aprendizes de línguas,
como bem pondera Torijano Pérez (2004, p. 67):

[...] No es ahora lo más importante conocer


exactamente cómo se enseña una segunda lengua,
sino qué y cómo se aprende. Se trata, en definitiva,
de dedicar mucha más atención al posible desfase
entre lo que el profesor enseña y lo que el estudiante
realmente procesa y hace suyo en su progresión

transmisión de modelos de conversación (MORENO FERNÁNDEZ, 2004b, p. 293-


294)”.
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I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

hacia la L2. Asistimos a la necesidad de estudiar


muy profundamente esa lengua especial o
interlengua del estudiante en lugar de reducir los
esfuerzos a un mero recuento de los errores, como
afirmaría el propio S. Corder.
No próximo segmento, descreveremos detalhadamente os
conceitos e procedimentos utilizados para a compilação do corpus de
análise.

1 A construção de um corpus de interlíngua oral


Utilizamos alguns dos pressupostos da Sociolinguística para
tratarmos os informantes e para constituirmos o corpus ILO, partindo do
que sustentam autores como Pride (1976), Silva-Corvalán (1989), Tarallo
(1997), Preston e Young (2000) e Moreno Fernández (2004). Segundo a
interpretação dos fatos históricos feita por Elia (1973, p. 40), o surgimento
da Sociolinguística contrapõe-se às pesquisas estruturalistas, que
desconsideravam fatores externos à língua, preocupando-se apenas com o
seu caráter imanente. Para Moreno Fernández (2004, p. 87):

[...] la Sociolingüística ha venido a reforzar la


prioridad que se concede a la lengua oral sobre la
lengua escrita en los métodos de enseñanza de
lenguas más recientes y ha hecho ver la necesidad de
incorporar variables sociales a las investigaciones
aplicadas que manejan informantes como fuentes
proveedoras de datos.

No campo de estudos da Sociolinguística, “el objeto de estudio es


el habla viva en su contexto social real, en contraposición a la lengua
altamente idealizada y aislada de todo contexto extra-lingüístico que
constituye el objeto de estudio de la lingüística estructuralista”, segundo o
postulado por Silva-Corvalán (1989, p. 16). De acordo com essa mesma
autora, ainda que não haja uma receita única para realizar uma pesquisa
pautada nos pressupostos sociolinguísticos, há alguns passos a seguir:

1) observação da comunidade e hipótese de trabalho;


2) seleção de informantes (a autora utiliza a denominação “falantes”);
3) coleta de dados;
4) análise dos dados (identificação da variável, identificação dos
contextos, codificação, quantificação e aplicação de procedimentos
estatísticos);
5) interpretação dos resultados.

13
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Os procedimentos metodológicos anteriormente citados se


aproximam dos que são próprios do modelo de AE, não obstante, o que esse
modelo não possui é uma forma específica de determinar a tipologia dos
informantes, por isso optamos pelo uso dos procedimentos da
Sociolinguística. Entretanto, cabe lembrar que o modelo de AE, no âmbito
da LC, tem preocupações didático-pedagógicas, por isso, numa pesquisa
que utilize esse modelo, os informantes são, em tese, os próprios estudantes
que estão no processo de ensino e aprendizagem; dessa forma, talvez se
possa explicar a não existência de critérios formais de seleção de
informantes na metodologia do modelo de AE, posto que o professor-
pesquisador, ao utilizar o modelo de AE, é quem define o perfil dos
informantes em função dos estudantes que possui e de acordo com seus
objetivos. Sendo assim, utilizaremos somente os passos 2 e 3 da
metodologia de pesquisa sociolinguística proposta por Silva-Corvalán
(1989), posto que para o passo 1, já tínhamos determinado a priori que
seriam universitários brasileiros do curso de graduação em Letras
Estrangeiras Modernas (LEM) com habilitação em espanhol. Com relação
aos passos 4 e 5, a análise e interpretação dos dados serão levadas a cabo a
partir dos parâmetros da LC e dos critérios do modelo de AE, como já
frisamos.
Para o delineamento desta pesquisa, foram feitas consultas a
documentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e ao
sitio desta instituição para complementarmos as noções sobre quais
deveriam ser as características dos nossos informantes, assim como a
metodologia de coleta de dados a ser seguida, na tentativa de encontrar
elementos concretos sobre como a questão linguística se atrelava aos
questionários de recenseamento no Brasil. Também consultamos o
questionário sócio-econômico que os alunos concursantes do vestibular da
UEL preenchem. Como resultado da consulta aos modelos de questionários
anteriormente referidos, elaboramos a “Sondagem do Perfil de Informantes
para Projeto de Pesquisa” (ANDRADE, 2010; 2011), a qual teve por base
os aspectos que mencionamos, assim como os aspectos teórico-
metodológicos que descrevemos a seguir.

2 Composição e tamanho da amostra


Depois de decidirmos trabalhar com um corpus de ILO, pareceu
prioritário estabelecer o número de informantes que, por possuírem
determinadas características, forneceriam o material oral que permitiria
conhecer a sua IL. Tarallo (1997, p. 19-20) defende que “a natureza do
objeto de estudo sempre precede o levantamento de hipóteses de trabalho e,
conseqüentemente, a construção do modelo teórico” e acrescenta que “como

14
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

o modelo é de natureza quantitativa, a representatividade do corpus [...] será


sempre avaliada em função da variável estudada e com base nos objetivos
centrais do estudo em questão”. Tendo em vista esta afirmação, entendemos
que a fixação de um número de informantes visa a garantir uma
representatividade estatística (quantitativa) e uma homogeneidade das
amostras obtidas na coleta de dados. Mesmo tendo critérios, a questão do
número representativo ótimo é algo que ainda não foi resolvido nos
domínios da Sociolinguística (SILVA-CORVALÁN, 1989, p. 19-20)3.
Tendo em vista essa ressalva, as variáveis que respaldaram a
representatividade estatística de nossa pesquisa são, respectivamente, o
sexo, a idade, o nível educacional e a classe social, como expomos a seguir.

3 Identificação e seleção dos informantes


A seleção dos informantes que formaram a célula social para as
entrevistas foi feita com base em quatro variáveis:

1) sexo (masculino e feminino);


2) idade (de 16 a 34 anos);
3) nível de instrução (no caso dos alunos do curso de graduação em LEM
da UEL, do 1º ao 4º ano de estudos da habilitação em língua espanhola
e respectivas literaturas);
4) classe social (classe baixa → “C”, classe média → “B” e classe alta →
“A”).

No que se refere à classe social, há que se lembrar que tal noção é


de difícil delimitação, ainda mais se tivermos como parâmetro o Brasil, país
continental que tem amplas diferenças socioeconômicas. Nesse sentido, a
noção de classe alta, de classe média e de classe baixa também está
vinculada ao lugar de procedência do informante, isto é, uma pessoa pode

3
“Tradicionalmente, los estudios lingüísticos se han basado en las intuiciones de
uno o dos hablantes, comprobadas a veces, al menos en el caso del español, por
medio de ejemplos sacados de la lengua escrita. En Sociolingüística, en cambio,
incluso dos hablantes por celda [...] parece ser insuficiente, pero el número óptimo
de individuos es difícil de determinar. Depende tanto de cuestiones teóricas como
prácticas, tales como la naturaleza del problema sociolingüístico que se desea
resolver y los recursos que el sociolingüista tiene a su disposición para llevar a cabo
su investigación. Mientras más grande sea la muestra y mayor el número de
individuos por celda, más variables sociales podremos examinar y al mismo tiempo
asegurar la validez de las conclusiones, pero el ideal frecuentemente no se logra por
limitaciones económicas y de tiempo (SILVA-CORVALÁN, 1989, p. 19-20)”.
15
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

ser classificada diferentemente dependendo se está numa região rural ou


urbana, central ou periférica, de grandes, médias ou pequenas proporções.
Silva-Corvalán (1989, p. 20) advoga pelo uso de estudos sociológicos que
pautem a noção de classe social para o estabelecimento desses extratos na
comunidade que se investiga ou, na falta desses estudos, o próprio
pesquisador, como membro da comunidade estudada, deve identificar esses
extratos. Segundo a autora, o primeiro modo é denominado como “objetivo”
e, o segundo, como “subjetivo” (SILVA-CORVALÁN, 1989, p. 20)4:
No caso específico dos estudantes do curso de graduação em LEM,
partindo dos resultados do questionário sócio-econômico que os alunos
concursantes do vestibular da UEL preenchem, nossa percepção indica
haver poucos representantes do que entendemos por ‘classe alta’, por
exemplo. Por não acreditarmos que nossa percepção seja suficiente para
propor uma divisão de classe social, posto que a percepção sobre a
estratificação social depende também da classe à qual o investigador
pertence, optamos por deixar que a noção de classe emanasse do próprio
grupo de informantes (SILVA-CORVALÁN, 1989, p. 20-21)5.
A definição de ‘classe C’, ‘classe B’ e ‘classe A’ foi refinada a
partir da aplicação e da tabulação das sondagens preenchidas pelos
estudantes do curso de LEM, entre os quais escolhemos o grupo de
informantes para nossa pesquisa. Para chegarmos a essa definição,

4
“El método subjetivo tiene ventajas y desventajas. Por un lado, es posible sostener
que las clases sociales existen porque los miembros mismos de una comunidad las
establecen y creen en su realidad, lo que hace posible que ellos mismos puedan
identificar la clase social a la que pertenecen diversos individuos. Pero por otro lado,
es también posible sostener que la percepción de clase social depende de la clase a
la que el individuo pertenece, lo que conduce a una falta de consistencia en las
evaluaciones subjetivas (SILVA-CORVALÁN, 1989, p. 20)”.
5
“En la práctica, los sociolingüistas se han basado tanto en su conocimiento de la
estructura social de una comunidad como en estudios sociológicos y antropológicos
que delimitan los varios estratos sociales. Esta delimitación se hace en relación a un
índice obtenido en base a ciertos factores socioeconómicos que incluyen,
principalmente, nivel de ingresos [grifo nosso], ocupación, educación, vivienda y
barrio. [...] El concepto de clase social parece ser demasiado amplio para nuestros
propósitos, pues incluye parámetros que no mantienen una correlación consistente
con el comportamiento lingüístico de los hablantes [...] Además, frente a la
variación individual observada dentro de la misma clase social, los sociolingüistas
han introducido nuevos constructos teóricos, el mercado lingüístico y la red de
enlaces sociales, que han mostrado tener clara influencia en la determinación de los
patrones de conducta lingüística (SILVA-CORVALÁN, 1989, p. 20-21)”.
16
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

elaboramos uma escala baseada no montante de salários mínimos 6 que


compõem a renda salarial familiar dos informantes, como demonstra o
gráfico a seguir:

RENDA DA SUA FAMÍLIA

7
6 6
6
5
5

3
2 2 2
2
1
1

Mais 10 SM
(R$1140,00)

(R$1900,00)

(R$2260,00)

(R$3800,00)

(R$5700,00)

(R$7600,00)
10-15 SM

15-20 SM
7-10 SM
1-3 SM

3-5 SM

5-7 SM

Gráfico 1 – Renda da família do informante. Extraída do tomo II.

A partir dessa escala, e, por meio de mais uma subdivisão baseada


na quantidade de salários mínimos, contemplamos os três níveis da variável
classe social:

 classe A→ mais de 10 salários mínimos;


 classe B→ de 5 a 10 salários mínimos;
 classe C→ de 1 a 5 salários mínimos).

Com base nos aspectos brevemente expostos anteriormente, ficou


estabelecida a estrutura de uma célula social composta por 24 informantes,
que são considerados como representativos das variáveis presentes nesta
pesquisa. Esses informantes distribuem-se na referida célula da seguinte
maneira:

6
O valor de referência do salário mínimo no Brasil à época da tabulação dos dados
era de R$480,00.
17
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Quadro 2 – Estrutura da célula social da pesquisa.


1º ano 2º ano 3º ano 4º ano
1 homem de classe 1 homem de classe 1 homem de classe 1 homem de classe
baixa baixa baixa baixa
1 homem de classe 1 homem de classe 1 homem de classe 1 homem de classe
média média média média
1 homem de classe 1 homem de classe 1 homem de classe 1 homem de classe
alta alta alta alta
1 mulher de classe 1 mulher de classe 1 mulher de classe 1 mulher de classe
baixa baixa baixa baixa
1 mulher de classe 1 mulher de classe 1 mulher de classe 1 mulher de classe
média média média média
1 mulher de classe 1 mulher de classe 1 mulher de classe 1 mulher de classe
alta alta alta alta

Fonte: Elaborado pelo autor.

Na seleção dos informantes foram levados em consideração outros


elementos secundários, mas sob certo aspecto, relevantes para a
configuração de um grupo de informantes que pudesse fornecer dados
fidedignos; sendo assim, os informantes deveriam ser brasileiros de
nascimento, cuja ascendência hispânica, caso existisse, fosse de pelo menos
de três gerações, sendo desejável que não tivessem estudado espanhol
anteriormente de maneira sistemática em escolas de idiomas ou cursos
afins, e que não tivessem vivido em países falantes de língua espanhola.
Esses elementos secundários, serviram, também, como critérios de
desempate durante o processo de seleção dos informantes, quando foi
necessário escolher um informante entre dois estudantes com perfis
semelhantes. Por fim, resta ressaltar que nosso método de seleção foi
intencional (em contraposição ao método de seleção ao acaso), de acordo
com Silva- Corvalán (1989, p. 23).

4 Contexto de seleção dos informantes


Os estudantes universitários selecionados para aplicação da
“Sondagem do Perfil de Informante para Projeto de Pesquisa” (ANDRADE,
2010; 2011) são alunos do curso de graduação em Letras Estrangeiras
Modernas (LEM), com Habilitação em Língua Espanhola e Respectivas
Literaturas, na modalidade Licenciatura, na Universidade Estadual de
Londrina (UEL), cujo currículo foi implantado em 2006. Esse currículo
18
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

gerou as turmas do 1º, 2º e 3º anos nas quais procedemos à sondagem.


Como este estudo é de natureza sincrônica e a sondagem foi aplicada no ano
letivo de 2008, utilizamos dados de alunos do 4º ano do currículo antigo do
curso de Letras Hispano-portuguesas em virtude de não haver à época da
aplicação da sondagem, 4º ano do currículo novo. Essa decisão, por um
lado, visou a complementar o número de informantes de que necessitamos,
e, por outro, serviu como uma espécie de contraponto, porque o número de
horas dedicadas ao estudo da língua espanhola naquele currículo é inferior
ao número de horas dedicadas ao estudo da língua espanhola no currículo
atual. Apesar desta não ser uma variável levada em consideração em nosso
trabalho, ela pode justificar o desempenho léxico diferenciado entre
estudantes pertences a um e outro currículo, em função, justamente, da
quantidade de tempo os alunos despendem no estudo da língua espanhola,
conforme pode ser observado na “carga horária e ementário das disciplinas
de língua espanhola do currículo atual e do currículo antigo” (ANDRADE,
2010; 2011).

5 A conversação gravada
Nossos dados de ILO foram coletados por meio do que
tradicionalmente se denomina “entrevista sociolinguística”, técnica
chamada por Silva-Corvalán (1989, p. 24)7 como “conversação gravada”.
Essa mesma autora lembra o conceito de “paradoxo do
observador”, proposto por Labov e que designa o problema que é o
propósito de colher amostras de fala espontânea resultantes de situações
informais e naturais a partir de situações que são criadas artificialmente por
um pesquisador / observador, entretanto posto que não há como contornar
essa limitação, procuramos dar ao nosso encontro com o informante um tom
de conversa e não o de entrevista propriamente dita, com intuito de minorar
a influência negativa da presença de um gravador no momento da interação,
assim como propõe Silva-Corvalán (1989, p. 24-25)8.

7
El objetivo central de la conversación grabada es obtener una muestra de habla
casual, natural, lo más cercana posible al habla vernácula espontánea de la vida
diaria. Este objetivo ha sido motivado por la observación de que los datos más
sistemáticos y regulares para el análisis lingüístico se dan en el estilo casual y
vernáculo, es decir, cuando el hablante presta la atención más mínima a sua habla
para concentrarse más bien en el contenido de lo que dice (SILVA-CORVALÁN, 1989,
p. 24).
8
“[...] es necesario evitar [...] la creación de un hecho de habla que los participantes
identifiquen como entrevista [...] La entrevista propiamente tal limita los posibles
tipos de interacción lingüística, y por tanto también las clases de datos lingüísticos
19
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Tendo essa perspectiva como norte, a seguir discorremos sobre o


contato com os informantes.

6 O contato inicial com os informantes / participantes da conversação


Como pertencemos ao quadro docente que ministra aulas no curso
de graduação em LEM da UEL, somos membro da comunidade à qual os
alunos entrevistados pertencem. Os contatos com os alunos começaram com
o pedido de preenchimento da “Sondagem do Perfil de Informantes para
Projeto de Pesquisa”. Por telefone e por e-mail agendamos as conversações
a serem gravadas. Os próprios informantes colaboraram no sentido de
facilitar o contato com outros colegas também selecionados como
informantes, como no caso da informante 4MA, que intercedeu para que
fosse viabilizada a entrevista com a informante 4MB, sua amiga pessoal. As
conversações foram individuais. É importante sublinhar o que Silva-
Corvalán (1989, p. 29) comenta sobre essa opção de coleta de dados:

Cuando la ‘conversación es individual’, la


responsabilidad de estimular un diálogo ameno y
casual recae casi exclusivamente sobre el
investigador. Aunque es posible que el hablante
resulte ser un buen conversador, es también
frecuente encontrarse en una situación en la que el
sociolingüista sea el que deba sondear sutilmente los
intereses del hablante de tal manera de poder guiarlo
hacia aquellos que lo estimulen a participar con
entusiasmo en la conversación. Por otra parte, la
grabación individual tiene varias ventajas: permite
obtener la cantidad de habla que el entrevistador
desee del individuo que se está estudiando; permite
dirigir la conversación hacia aquellos tópicos que se
presten mejor a la producción de las estructuras
gramaticales ya que no hay la sobreposición de
voces que puede ser frecuente en una sesión de
grupo.

que se pueden obtener. Para solucionar este problema y a la vez obtener


grabaciones de buena calidad de una gran cantidad de habla espontánea y lo más
cercana posible a la lengua vernácula [...] el investigador se propone a hacer uso de
[...] recursos necesarios para lograr que el hablante olvide que está siendo grabado
y para que su atención se aleje de su habla de tal manera que haya una mínima
cantidad de autoobservación y autocorrección [...].
20
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Acreditamos que não houve dificuldades para obter amostras de


fala espontânea, já que os entrevistados e o entrevistador fazem parte da
mesma comunidade linguística e que já se conheciam previamente, fato que
estimulou a descontração durante o registro das gravações.

7 A condução da conversação
Tendo em vista essas observações, os materiais que conformaram o
corpus de ILO foram colhidos mediante entrevistas semi-dirigidas, gravadas
com gravador a vista (SILVA-CORVALÁN, 1989, p. 32)9. O Instrumento
de áudio utilizado para gravação das conversações foi o modelo RR-US450
da Panasonic.
Os módulos temáticos versaram sobre a família, o trabalho, o lazer
e a cidade onde se vive, a modelo da proposta de Moreno Fernández no
Proyecto para el estudio sociolingüístico del español de España y de
América (PRESEEA). Segundo esse pesquisador, o uso de módulos
temáticos tem o propósito de provocar o aparecimento de determinadas
formas linguísticas ou de determinados tipos de discurso (descrições de
situações, contextos, ações, imagens, etc.), argumentos para convencer as
pessoas de algo, diálogos sobre situações hipotéticas ou futuras, narrações
(piadas, contos, “causos”, etc.). Esta proposta de usar módulos temáticos
não implicou que durante as entrevistas devêssemos tratar os temas sempre
na mesma ordem, tampouco recolhê-los exatamente durante o mesmo
período de tempo no desenrolar da conversação, mas de empregar um
mecanismo que buscasse equilibrar, na medida do possível, os principais
tipos de discurso surgidos na interação.
As entrevistas duraram, aproximadamente, entre 45 minutos e 1
hora e 30 minutos. Como fomos participantes da conversação gravada, vale
lembrar o que afirma Silva Corvalán (1989, p. 33), pautada na pesquisa de
Lavandera, sobre o fato de que “ni el diseño de la conversación, ni los

9
La ‘conversación semi-dirigida’ se conduce básicamente como una conversación
libre, pero durante su desarrollo el investigador introduce ciertos tópicos que de
antemano se han identificado como favorables al uso de ciertas fórmulas
gramaticales que interesa estudiar [em nosso caso, o léxico]. Esto implica un
periodo de preparación previo al inicio de las grabaciones durante el cual el
investigador prepara ‘módulos temáticos’ que sirven de guías para la conversación.
Estos módulos contienen listas de diferentes tópicos de interés para la comunidad a
estudiar, con sugerencias sobre como introducirlos, cambiarlos o mantenerlos [...]
En la práctica, los módulos consisten simplemente en series de preguntas y / o
aspectos informativos interesantes relacionados con un tópico (SILVA-CORVALÁN,
1989, p. 32).
21
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

temas, ni el lugar donde se desarrolla son tan importantes como la


personalidad del investigador para asegurar la obtención de una muestra
valiosa de habla para el estudio sociolingüístico”. Procuramos seguir os
preceitos postulados por Silva-Corvalán (1989, p. 33) no que se refere ao
nosso comportamento durante a conversação gravada, entre os quais
destacamos: 1) participar da conversa, respondendo perguntas e não apenas
formulando-as; 2) dar abertura para que o informante pudesse mudar os
turnos de conversa e propor novos tópicos, empregando silêncio ou
expressões semi-vazias; 3) demonstrar interesse no que o informante fala,
com uma atitude apropriada para uma conversa; e 4) falar de nós mesmos,
estimulando uma atmosfera íntima e pessoal que propiciasse que o
informante também falasse sobre si próprio.

8 A realização da conversação
Os informantes foram entrevistados em igualdade de condições, o
que pressupôs a realização das entrevistas em lugares nos quais os
informantes não se sentissem nem inibidos, nem exageradamente
desinibidos, conforme destaca Moreno Fernández no Projeto PRESEEA;
nesses locais de entrevistas, os informantes não deveriam estar rodeados de
pessoas. Procuramos privilegiar os espaços existentes no campus da UEL,
muito embora tenhamos utilizado também outros lugares.
Como nossa intenção é a de estudar os recursos utilizados para
suprir as necessidades léxicas na ILO de brasileiros aprendizes de espanhol,
no momento da coleta procuramos criar um contexto, como dissemos
anteriormente, o mais próximo possível de um ambiente natural de conversa
para que se abrisse espaço para a vazão da fluência (MORENO
FERNÁNDEZ, 2002, p. 64) que o informante possui, com o intuito de, por
um lado, coletar amostras de unidades léxicas que aparecem em situações
naturais de comunicação linguística (interação face a face) e de, por outro
lado, coletar grande quantidade de contextos de aparecimento dessas
unidades, primando pela geração de um material de boa qualidade sonora,
seguindo o postulado por Tarallo (1997, p. 19-21).
No próximo segmento detalhamos o levantamento dos desvios
léxico-semânticos encontrados na ILO de brasileiros aprendizes de
espanhol.

9 Levantamento dos desvios léxico-semânticos


As entrevistas foram transcritas ortograficamente com o auxílio de
programas específicos para essa finalidade (GALLARDO PAÚLS, 1998;
LLISTERRI, 1999; DURANTI, 2000; TELES e SILVA, 2008);
ISQUERDO, 2004; SANTOS, 2004; BERBER SARDINHA, 2002).

22
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Durante a coleta dos dados orais, alguns elementos externos tiveram certa
interferência na qualidade das gravações e, consequentemente, implicações
no processo de transcrição das conversações:

 entrevistador padecia de tosse, em virtude um estado gripal durante o


período de gravação das conversações;
 como a maioria das gravações foi feita nas dependências UEL, muitas
vezes houve excessivo ruído externo, interferindo na captação da
conversação, assim como também houve interrupção da gravação
ocasionada por terceiros ao adentrarem nos ambientes onde se
realizavam as conversações;
 a articulação oral dos alunos era bastante variada, por isso houve
dificuldade na transcrição das conversações nas quais a articulação dos
alunos não era clara;
 alguns informantes eram “bons conversadores”, com os quais a
conversação era mais fluida e natural, pois eles próprios introduziam
tópicos e também faziam perguntas, ao passo que com aqueles que não
possuíam esse perfil, a conversação tinha uma caráter mais próximo da
entrevista convencional.

Tendo em vista tais aspectos, o seguinte quadro sintetiza as


características gerais dos procedimentos de coleta de dados para nossa
pesquisa:

Quadro 3 – Características gerais dos procedimentos de coleta de dados


Critérios Descrição
Português brasileiro
Língua materna
BA, CE, MS, PR e SP
Origem geográfica
Mostra Grupo representativo
Habilidade linguistica Compreensão e expressão oral
Extensão da análise (microssistema) Léxico-semântico
Coleta de dados Pseudo-longitudinal
Fonte: Elaborado pelo autor com base em Santos Gargallo (2004, p. 397).

Seguindo a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que


aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo
seres humanos, foi encaminhada uma “Solicitação de autorização para uso

23
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

das transcrições” para cada um dos informantes da pesquisa, à qual todos


eles responderam positivamente (ANDRADE, 2010; 2011).
A seguir, destacaremos os desvios léxico-semânticos encontrados
nas transcrições.

10 Repertório dos erros


De acordo com Lado (1973), os aprendizes de línguas transferem
formas, significados e distribuições da LM para a LE:

Al ocuparnos del vocabulario de las lenguas,


debemos tener en cuenta tres importantes aspectos de
las palabras –la forma, el significado, la distribución-
y debemos considerar los varios tipos o clases de
palabras que funcionan en la lengua. Estas cosas
tienen una importancia especial cuando reaprende el
vocabulario de un idioma extranjero, puesto que las
formas, los significados, la distribución y las
clasificaciones de las palabras son diferentes en
varias lenguas. De estas diferencias surgen
problemas de vocabulario y niveles de dificultad que
constituyen problemas de enseñanza y de aprendizaje
(…).

De acordo com o exposto por Lado, os desvios léxico-semânticos


detectados no corpus analisado foram divididos em quatro categorias:

1) usos de falsos amigos (transferência de forma / significado);


2) expressões idiomáticas (transferência de forma / significado);
3) colocações (transferência de distribuição);
4) casos de fronteira (erros cometidos por aprendizes de línguas que
não podem ser explicados pela transferência linguística).

Ao classificarmos os erros, utilizamos como parâmetro de norma


linguística os seguintes dicionários:

 Novo dicionário Aurélio [DiAu (versão 5.0 – ed. revista e


atualizada)];
 Diccionario de la lengua española [DRAE (22ª ed., versão on-
line10)];

10
Este dicionário está disponível para consulta no sitio <www.rae.es>.
24
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

 Dicionário bilíngue de uso [DiBU (na direção português-


espanhol)];
 Diccionário bilíngue de uso [DiBU (na direção espanhol-
português)];
 Diccionario Salamanca de la lengua española [DiSa].

Para demarcar as amostras errôneas de língua é usado o asterisco


(*) imediatamente antes da UL considerada desviante.

11 Desvios léxico-semânticos relacionados ao uso de falsos amigos


Este tipo de desvio se deve à transferência de forma / significado
da LM para a LE. Nessa categoria encontramos os seguintes pares
contrastivos:

 acreditar / acreditar;
 apenas / apenas;
 assistir / asistir;
 aula / aula;
 brincar / brincar;
 carreira / carrera;
 competência / competencia;
 curso / curso;
 desligar / desligar;
 escritório / escritorio;
 grupo / grupo;
 investimento / inversión;
 ligação / ligación;
 mirar / mirar;
 olhar / Ø [mirar];
 pegar / pegar;
 quitar / quitar;
 sítio / sitio;
 tirar / tirar;
 turma / turma.

Os desvios acima relacionados perfazem um total de 20


ocorrências, correspondentes a aproximadamente 19% dos erros detectados
no corpus.

25
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

12 Desvios léxico-semânticos relacionados ao uso de expressões


idiomáticas
Este tipo de desvio se deve à transferência de forma / significado
da LM para a LE. A seguir, agrupamos as expressões idiomáticas
contrastantes que geraram desvios léxico-semânticos no corpus que
analisamos:

Quadro 4 – Usos incorretos de expressões idiomáticas na ILO.


Português Espanhol
ficar para trás quedar (estar) por detrás (DiBU, [PE], p. 513)
ir embora irse (DiBU, [PE], p. 639)
deixar nas mão de Deusestar en manos - las manos de [Dios] (DiBU
[EP], p. 488)
tirar sarro tomadura de pelo [tomar el pelo] (DiBU [EP], p.
800)
jogar dineiro fora echar la casa por la ventana (DURÃO e
ROCHA, 2005, p. 42)
abrir mão renunciar(DiBU, PE, p. 7)
ser bem humorado ser bien humorado (DiSa, p. 834)
muito pelo contrário al - por el contrario (DiBU [PE], p. 255)
prender a atenção meterse (o tener) a alguien en el bolsillo
(DURÃO e ROCHA, 2005, p. 152)
ter na cabeça meterse entre ceja y ceja (DURÃO e ROCHA,
2005, p. 152)
Ø no creo en brujas, pero que las hay, las hay
se Deus quiser Dios mediante (DiBU [EP], p. 249)
dar bobeira distraerse, despistarse, descuidarse (DiBU [PE],
p. 124)
passar necessidade pasar necesidades (DiBU [PE], p. 762)
carteira registrada libreta de trabajo [registrada] (DiSa, p. 940)
custo de vida costo de la vida (DiBU, [PE], p. 285)
dar-se bem com alguém hacer buenas migas (DURÃO e ROCHA, 2005,
p. 146) – llevarse bien (DURÃO e ROCHA,
2005, p. 146)
viagem de campo viaje de campo [por analogia com investigación
de campo (DiBU [PE], p. 158)
dar um passo em falso equivocarse, dar un mal paso, cometer un error
(DiBU [PE], p. 842)
dar bronca llamar a capítulo (DURÃO e ROCHA, 2005, p.
149) – traer a capítulo (DURÃO e ROCHA,
26
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

2005, p. 164)
de tudo um pouco batir el cobre (DURÃO e ROCHA, 2005, p. 135)
dar-se bem em algo llevarse el gato al água (DURÃO e ROCHA,
2005, p. 149)
algo dar futuro tener futuro, prometer (DiBU [PE], p. 545)
virada do ano cambio de ano [por analogia com virada do
século / cambio de siglo (DiBU [PE], p. 1228)]
fazer questão de empeñarse, exigir, obsesionarse, querer, isistir
en, no transigir (DiBU [PE], p. 958)
fazer aniversário cumplir años (DiBU [PE], p. 55)
por o dedo na ferida poner el dedo en la llaga (DiBU [EP], p. 468)
falar diante do público [hablar] en público (DiBU [PE], p. 943)
dar um pedal Ø
ter a língua presa tener lengua de trapo (DRAE, on-line)
não ser praia de alguém [no] ser mi ambiente (DiBU [PE], p. 909)
ser um mar de rosas ser un mar de rosas (DiBU [PE], p. 710)
estar às traças manga por hombro (DURÃO e ROCHA, 2005, p.
151) – dejar de la mano (DiBU [PE], p. 487)
ter jogo de cintura tener mano izquierda (DURÃO e ROCHA, 2005,
p. 151) e (RIOS, 2009, p. 409) – tener cintura
(PEDRO, 2007, p. 174)
comprar a causa romper lanzas [o una lanza] (DURÃO e
ROCHA, 2005, p. 158) – romper una lanza por –
o a favor de algo o alguien (DURÃO e ROCHA,
2005, p. 159)
ter um lugar ao sol tener buena posición (DiBU [PE], p. 691)
isso não me [te] Ø
pertence mais
pedir demissão pedir – presentar la dimisión (DiBU [PE], p. 302)
colocar-se à disposição a disposición (DiBU [PE], p. 346)
ficar em cima do muro estar entre dos águas (DiBU [EP], p. 20)
qualidade de vida calidad de vida (DiSa, p. 242)
trocar uma idéia echar un párrafo (DURÃO e ROCHA, 2005, p.
142)
ser a rapa do tacho ser [hijo, hermano] benjamin (DiBU [PE], p.
970)
a esta altura do a estas alturas [cuando ya se considera que há
campeonato pasado bastante tiempo] (DiSa, p. 76)
ser um(a) pobre ser el último mono (DURÃO e ROCHA, 2005, p.
coitado(a) 160)
27
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

ir em frente salir adelante (DiBU [EP], p. 12)


fogo de palha entusiasmo pasajero – flor de un día (DiBU [PE],
p. 527)
ter os pés no chão tener los pies en la tierra (DiBU [PE], p. 851)
Fonte: Elaborado pelo autor.

Os desvios acima relacionados perfazem um total de 48


ocorrências correspondentes a aproximadamente 45,7% do erros detectado
no corpus.

13 Desvios léxico-semânticos relacionados ao uso de colocações


Este tipo de desvio se deve à transferência de distribuição da LM
para a LE. A seguir, agrupamos as colocações contrastantes que geraram
desvios léxico-semânticos no corpus que analisamos:

Quadro 5 – Usos incorretos de colocações na ILO.


Português Espanhol
condomínio fechado condomnio de lujo (DiBU, PE, p. 233)
fazer a minha parte hacer lo que me toca [corresponde] (DiBU [EP],
p. 799)
estar desempregado estar desempleado - estar en el paro (DiBU [PE],
p. 318)
pacote fechado paquete cerrado (DiBU [PE], p. 502 e 811) e
(DiBU [EP], p. 131 e 585)
ficar com tudo encargarse de todo (DiBU [PE], p. 388)
(responsabilizar-se por
tudo)
pagar o preço pagar un precio (DiBU [PE], p. 912)
fazer o vestibular presentarse al examen de ingreso (DiBU [PE], p.
1218)
entrar na universidade entrar en la universidad (DiBU [PE], p. 1196)
prestar exame hacer examen (DiBU, [PE], p. 939)
pegar ônibus subir, coger, tomar, agarrar (DiBU, [PE], p. 855)
tirar carta de motorista sacar el carné – permiso de conducir – manejar –
conductor (DiBU [PE], p. 173)
algo ter dois lados /algo tener dos lados (DiBU [PE], p. 657)
ganhar presente recibir, hacer regalo (DiBU [PE], p. 917) e (DiBU
[EP], p. 691)
Criar educar [los hijos] (DiBU PE, p. 276)
não parecer a idade que no parecer la edad que tiene (DiBU [PE], p. 832)
28
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

tem
tomar a iniciativa [tomar] la iniciativa (DiBU [PE], p. 621)
dar um voto de dar - recibir un voto de confianza (DiBU [PE], p.
confiança 1239)
palito de sorvete palo – palillo de helado (DiBU [PE], p. 818)
sob a tutela do estado bajo la tutela del estado (DiBU [PE], p. 1190)
fazer concurso concursar – opositar (DiBU [PE], p. 232)
carta de motorista carné – permiso de conducir – manejar –
conductor (DiBU [PE], p. 173)
carta de motorista carné – permiso de conducir – manejar –
conductor (DiBU [PE], p. 173)
mexer com os llegar a alguien (DiBU [PE], p. 731)
sentimentos de alguém
ter escrúpulos [tener] escrúpulos, moral (DiBU [PE], p. 427)
não saber o dia de nadie sabe cómo serán las cosas mañana (DiBU
amanhã [PE], p. 45)
espelhar-se em alguém mirarse, imitar (DiBU [PE], p. 438)
aviso prévio dar la indemnización (DiBU [PE], p. 100)
estar parado [estar] desempleado – parado (DiBU [PE], p. 318)
(desempregado)
bula de remédio prospecto (DiBU [PE], p. 140)
esvaziar a cabeça vaciar la cabeza (DiBU [PE], p. 143 e 466) e
(DiBU [EP], p. 94 e 829)
ser o estopim ser el detonante (DiBU [PE], p. 458)
estar tocando no rádio estar poniendo en la rádio (segundo busca na
internet) e por analogia com poner en escena
(DiSa, p. 1244)
lavar a louça lavar la vajilla – fregar los cacharros (DiBU,
[PE], p. 666)
Fonte: Elaborado pelo autor.

Os desvios acima relacionados perfazem um total de 33


ocorrências, correspondentes a aproximadamente 31,4% dos erros
detectados no corpus.

14 Casos de fronteira
Esse tipo de desvio cometido por aprendizes de línguas,
normalmente, não são passíveis de serem explicados pela transferência
linguística. A seguir, agrupamos os casos de fronteira no corpus que
analisamos:
29
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Quadro 6: Casos Fronteira


Interlíngua Oral Forma correta na língua meta
*entones entonces
*importante importante
*didáctos didácticos
*tien tiene
Fonte: Elaborado pelo autor.

Os desvios acima relacionados perfazem um total de 04


ocorrências, correspondentes a aproximadamente 3.8% dos erros detectados
no corpus.

15 Conclusão
No corpus analisado foram detectados 105 desvios léxico-
semânticos, divididos estatisticamente da seguinte maneira:

 Falsos amigos (20 ocorrências, correspondentes a 19% do corpus);


 Expressões idiomáticas (48 ocorrências correspondentes a, 45,7%
do corpus));
 Colocações léxicas (33 ocorrências, correspondentes a 31,4% do
corpus));
 Casos de fronteira (04 ocorrências, correspondentes a 3.8% do
corpus)).

Esses desvios léxico-semânticos, aqui referidos de maneira


extremamente panorâmica, se consubstanciaram como os principais
recursos utilizados pelos universitários brasileiros aprendizes de espanhol
para suprirem suas necessidades léxicas em sua interlíngua oral.

16 Referências
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32
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

O PARADIGMA CHOMSKYANO EM PESQUISAS


CENTRADAS NO ENSINO E NA APRENDIZAGEM
DE LÍNGUAS NÃO MATERNAS

Otávio Goes de Andrade11

RESUMO
Durante aproximadamente duas décadas (anos 60 e 70 do século XX), os
estudos na área da Linguística Contrastiva se desenvolveram com a
utilização de modelos de análise que foram sendo paulatinamente propostos,
testados, refutados e remanejados com diferentes princípios e finalidades.
Alguns desses princípios estão ancorados no paradigma chomskyano, o qual
promoveu uma revolução no campo da Linguística, como procuraremos
demonstrar ao longo de nossa explanação. Apesar de ter sido concebida
com o intuito de amparar estudos em torno ao desenvolvimento de línguas
maternas, a obra de Noam Chomsky teve profundos reflexos também nas
pesquisas centradas em questões atinentes ao ensino e à aprendizagem de
línguas não maternas. Neste texto, retomaremos alguns dos principais
conceitos que compõem as proposições teóricas chomskyanas, os quais são
utilizados até os dias de hoje no variado campo de investigação dedicado às
línguas não maternas.

1 Alguns dados biográficos


Não poucas vezes, pesquisadores tratam de teorias como se elas
existissem por si mesmas, esquecendo que na sua concepção estiveram
pessoas, “de carne e osso”, que nasceram, cresceram, viveram, riram e
choraram, tiveram sucessos e fracassos, amaram, fizeram amigos e
inimigos... Sem essas pessoas e suas vivências, tais teorias não existiriam. É
com base nesse entendimento que abrimos este capítulo pontuando alguns
dados biográficos de Avram Noam Chomsky, nascido na Filadélfia, Estados
Unidos, aos sete dias do mês de dezembro de 1928, filho de William (Zev)
Chomsky e de Elsie Simonofsky. O pai de Chomsky foi autor de vários
trabalhos acerca da história e do ensino do hebraico, entre os quais se
destaca “Hebrew, the Eternal Language”, de 1957.
Por volta de 1945, Chomsky começou seu contato com Zelig
Harris, um importante linguista que foi o fundador do primeiro
departamento de Linguística dos Estados Unidos, na Universidade da
Pennsylvania. A partir de então, Chomsky começou a desenvolver seus
estudos no campo da Linguística.

11
Doutor em Letras. Professor da Universidade Estadual de Londrina.
33
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Em 1949, Chomsky casou-se com a linguista Carol Schatz


(Filadélfia, 01/07/1930 – Lexington, Massachusetts, 19/12/2008). Durante
1953, o casal viveu em HaZore’a, um kibbutz em Israel. Dessa união
nasceram duas filhas, Aviva (1957) e Diane (1960), e um filho, Harry
(1967).

2 A obra de Noam Chomsky


A opção teórica adotada por Chomsky é de base mentalista 12, posto
que trata de evidenciar uma realidade mental subjacente à uma conduta
linguística concreta (CHOMSKY, 1971, p. 6), nas palavras do próprio autor
temos que:

[...] se o objetivo é compreender seres humanos, isso


é exatamente o que você deve estudar [...] Isso é o
que integra o estudo da linguagem em particular, e as
ciências humanas de modo geral, nas ciências
naturais. [...] você quer é descobrir o que é um ser
humano. [...] Para se ter quaisquer capacidades, é
preciso ter uma determinada estrutura. Isso se
verifica em todo o mundo orgânico. Agora, é claro
que todo organismo é influenciado por seu meio [...]
se estamos no mundo natural, as mesmas
características devem ser válidas para nós. Devemos
ter características geneticamente programadas muito
amplas [...]. Como seres humanos, é importante que
estudemos como somos afetados pelo nosso meio,
mas isso deve estar baseado na nossa natureza. [...]
Uma abordagem naturalista busca descobrir a
verdade; todos devemos querer conhecer a verdade,
não há sentido em viver com ilusões. Nós queremos
conhecer a verdade sobre os seres humanos, qualquer
que seja ela. Isso é muito difícil. As ciências estão
longe de estar avançadas o suficiente para nos dizer
muito sobre esses tópicos (CHOMSKY, 1997, p.185-
188)”.

12
“[...] Insistimos em particular na natureza ‘mentalista’ da teoria, isto é, na
concepção de que o seu objecto de estudo consiste num sistema de regras e
princípios radicados em última instância na mente humana, e não em propriedades
absolutas das expressões linguísticas consideradas em si mesmas, ou consideradas
como um aspecto particular do comportamento humano independente das
propriedades mentais subjacentes à sua produção e compreensão” (RAPOSO, 1992,
p. 25).
34
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Em sua obra, Chomsky denomina como Linguística Tradicional os


estudos realizados sobre a linguagem antes do advento da obra de Saussure
em 1916 (Cours de linguistique générale)13 e como Linguística Moderna os
estudos linguísticos que se vem fazendo desde que se assentaram os
pressupostos teóricos saussureanos.
Para Chomsky, a dicotomia competência / atuação corresponde à
dicotomia língua / fala de Saussure, e propõe a existência da “faculdade da
linguagem”, segundo explica Raposo (1992, p. 15):

Tal como para Saussure o conceito de ‘langue’ é a


pedra central da linguagem, para Chomsky a
‘faculdade da linguagem’ tem como componente
fundamental um sistema mental de natureza
computacional, o qual gera de um modo explícito
representações mentais através da aplicação de um
conjunto de regras e princípios altamente específicos
sobre sequências de símbolos devidamente
categorizados pertencentes a um vocabulário de
formas primitivas (as palavras, ou, num nível mais
fino de análise, os morfemas). A este sistema
computacional existente na mente de qualquer
falante adulto de uma dada língua damos o nome de
‘gramática’. Ao estado inicial deste sistema no bebé
recém-nascido, chamamos de ‘Gramática Universal’.

Em mais de um momento em seus escritos, Chomsky deixa claro


que sua preocupação centra-se na construção de uma teoria linguística que
possa explicar a linguagem em abstrato como potencialidade humana, por
isso adota a concepção de um falante-ouvinte ideal, numa comunidade
linguística homogênea e que sabe sua língua perfeitamente, e que não é
afetado por condições extra-linguísticas de qualquer gênero. Nesse sentido,
é bastante claro que tendo essa preocupação, seu foco de estudos e seu nível
de reflexão centrem-se na discussão de como se constitui a competência do
falante nativo e não na atuação do mesmo, posto que, para o autor, a
atuação é um pequeno reflexo da competência, além de ser um fato
empírico relativamente inconsistente por si só para explicar um fenômeno
extremamente complexo que ocorre na mente do falante de uma língua.

13
Publicado postumamente, o livro é fruto das anotações dos alunos Charles Bally
e Albert Sechehaye, feitas durante as aulas de Ferdinand de Saussure na
Universidade de Gênova, entre os anos de 1906 e 1911. Esse livro é considerado
como o marco inicial do estruturalismo europeu e norte-americano na primeira
metade do século XX.
35
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Entretanto, o autor não desmerece os estudos no campo da atuação,


mas sim deixa patente que estudos que têm como finalidade a compreensão
da atuação linguística não estão na esfera da teoria linguística, mas sim em
áreas de estudos específicas, com proposições teóricas de outra natureza
(CHOMSKY, 1971, p. 5-6):

Lo que concierne primariamente a la teoría


lingüística es un hablante-oyente ideal, en una
comunidad lingüística del todo homogénea, que sabe
su lengua perfectamente y al que no afectan
condiciones sin valor gramatical, como son
limitaciones de memoria, distracciones, cambios del
centro de atención e interés, y errores
(característicos o fortuitos) al aplicar su
conocimiento de la lengua al uso real. Esta me
parece que ha sido la posición de los fundadores de
la lingüística general moderna, y no se ha dado
ninguna razón convincente para modificarla. Para
estudiar el uso lingüístico real debemos considerar
la interacción de muy varios factores, de los cuales
la competencia subyacente del hablante-oyente es
solamente uno. En este sentido, el estudio del
lenguaje no difiere de la investigación empírica de
otros fenómenos complejos.

Com vistas a essa posição investigativa de Chomsky, é


perfeitamente plausível que se tenha criado uma área de estudos dedicada
especificamente ao estudo da atuação linguística de falantes nativos e de
falantes não nativos, cujo foco esteja centrado na resolução de problemas
que o uso real da linguagem suscita; essa área consolidou-se como
Linguística Aplicada. Apesar da Linguística Teórica e da Linguística
Aplicada divergirem no concernente ao foco adotado sobre a linguagem
como objeto de estudos, é inegável que a Linguística Aplicada pode utilizar
os pressupostos da Linguística Teórica para explicar os fenômenos
linguísticos de uso, assim como a Linguística Teórica pode ter suas
proposições e hipóteses testadas para serem confirmadas e / ou refutadas em
pesquisas realizadas no campo da Linguística Aplicada. Nesse contexto,
sendo a Linguística Contrastiva entendida como vinculada à Linguística
Aplicada, também houve significativa contribuição dos pressupostos
chomskyanos nessa área, que por vocação é aberta à contribuição de outros
campos do saber, de acordo com a ponderação de Santos Gargallo (2004, p.
394).

36
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

El estudio de los errores en la producción lingüística


de un hablante no nativo se incardina en los métodos
de investigación de la lingüística aplicada y
disciplinas afines, que presentan como denominador
común el análisis de los problemas que plantea el
uso del lenguaje en una comunidad lingüística, con
el fin de que la consideración de los datos empíricos
oriente la adopción de procedimientos de enseñanza
que contribuyan a agilizar el proceso de aprendizaje
y a sustentar el logro de una competencia
comunicativa en la lengua meta (SANTOS
GARGALLO, 2004, p. 394).

Partindo do princípio de que a faculdade de linguagem 14 é uma


capacidade inata ao homem e exclusiva dessa espécie 15, Chomsky propõe
que o cérebro humano possui um dispositivo de aquisição de língua a partir
do qual lhe é dada a possibilidade da geração de frases infinitas a partir de
dados finitos e, sob certo aspecto, de má qualidade. Os desdobramentos
dessa proposição levaram ao surgimento de uma corrente de estudos
linguísticos denominada “gerativismo”. Cabe ressaltar que sua obra tem
origens que se remontam a idéias que já pairavam no âmbito dos estudos
sobre a linguagem, entre elas uma propriedade crucial sobre a linguagem
que, segundo Chomsky (2008, p. 27), foi apreendida intuitivamente, por
longo tempo: “Em uma formulação clássica, dizia-se que a linguagem
envolve um uso infinito de meios finitos, ou seja, a mente é obviamente
finita más há um número infinito de expressões que toda pessoa pode
dominar e usar”. Sobre esse aspecto, Anderson (2001) argumenta que:

[...] perhaps the central insight of ‘generative


revolution’ which Noam Chomsky initiated in the
late 1950’s, especially through his critique of

14
“É razoável considerar a faculdade de linguagem como um ‘órgão da linguagem’,
no sentido em que os cientistas falam de um sistema visual ou sistema imunológico
ou sistema circulatório como órgãos do corpo. Compreendido desse modo, um
órgão não é algo que possa ser removido do corpo, deixando o resto intacto. É um
subsistema de uma estrutura mais complexa. Esperamos compreender a
complexidade total investigando partes que têm características distintivas e suas
interações. O estudo da faculdade de linguagem procede da mesma forma
(CHOMSKY, 1998, p. 19)”.
15
“(...) a faculdade da linguagem humana parece ser uma verdadeira ‘propriedade
da espécie’, variando pouco entre as pessoas e sem um correlato significativo em
qualquer outra espécie (CHOMSKY, 1998, p. 17)”.
37
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Skinnerian behaviorism, (Chomsky 1959), was a shift


in our conception of the object of study in linguistics.
Chomsky stressed that the basic problem is not one
of characterizing what people do: it is rather one of
characterizing what they know. The central reality of
language is the fact that we call someone a speaker
of, say, Chinese, because of a certain kind of
knowledge that he or she has. If that is the case,
linguistics need to find a way to study the structure
of this knowledge, and while the things people say
and do can constitute important evidence, that is not
all there is.

A obra de Chomsky começou a ser desenvolvida precocemente. No


sentido espanhol do termo, sua “tesis de licenciatura” centrada em
pesquisas sobre o hebraico e defendida em 1951 é classificada por Peregrín
Otero (1971, p. 18) mais como uma “tesaza” do que como uma “tesina”.
Seu doutoramento se deu em 1955 com a defesa da tese intitulada
Transformacional analysis na Universidade da Pennsylvania, trabalho este
que foi uma versão do capítulo 8 de sua obra magna The logical structure of
linguistic theory, elaborada entre os anos de 1951-1955 nos quais foi
bolsista na Universidade de Harvard. Esse escrito, de acordo com Peregrín
Otero (1971, p. 18), é originalíssimo, rigoroso e verdadeiramente
monumental (“tres cuartos de millar de páginas”).
Em 1956 viu a luz Syntactic structures, volume condensado e
sucinto que Chomsky chamou de manifesto (PEREGRÍN OTERO, 1971, p.
18).
Em 1959 Chomsky publica uma extensa resenha do livro de
Skinner, Verbal behavior, na qual refuta todos e cada um dos pressupostos
comportamentalistas acerca da linguagem humana à luz dos conceitos
mentalistas que estavam no cerne de suas proposições teóricas. A
publicação de A review of B. F. Skinner’s Verbal Behavior por Noam
Chomsky parece ter sido o divisor de águas na transição do
comportamentalismo para o mentalismo nos estudos sobre a aprendizagem
de línguas maternas e, por extensão, de línguas não maternas.
O livro Aspects of the theory of syntax, publicado em 1965, é tido
como o arcabouço inicial de sua obra, sobre o qual o autor fez sucessivas
modificações, “(...) sempre com o objetivo de eliminar inadequações e
incorporar novas descobertas (LOBATO, 1998, p. 9)”. Naquele trabalho,
Chomsky deixa patente sua preocupação com a construção de uma teoria

38
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

linguística de recorte racionalista, ao contrário do empirismo de Skinner 16,


constituindo-se uma teoria sobre a capacidade humana para a língua que
pudesse estar de acordo com o que se sabia sobre a linguagem até aquele
momento e que pudesse oferecer pelo menos uma hipótese sobre a estrutura
intrínseca de um sistema de aquisição da linguagem que cumprisse a
condição de “adequação-em-princípio” e que pudesse faze-lo de uma
maneira suficientemente precisa e interessante para que a questão da
viabilidade pudesse ser discutida, pela primeira vez, seriamente, segundo as
palavras utilizadas pelo próprio Chomsky (1971, p. 54).
Para alcançar seus objetivos teórico-metodológicos, Chomsky
definiu o programa de investigação da Gramática Gerativa como o
desenvolvimento de quatro questões, de acordo com Raposo (1992, p. 27),
as quais reproduzimos no quadro a seguir:

Quadro: Programa de investigação da Gramática Gerativa.


1
Qual é o conteúdo do sistema de conhecimentos do falante de uma
determinada língua particular, por exemplo do Português? O que é que
existe na mente deste falante que lhe permite falar/compreender
expressões do Português e ter intuições de natureza fonológica, sintática e
semântica sobre a língua?
2
Como é que este sistema de conhecimentos se desenvolve na mente do
falante? Que tipo de conhecimentos é necessário pressupor que a criança
traz a priori para o processo de aquisição de uma língua particular para
explicar o desenvolvimento dessa língua na sua mente?
3
Como é que o sistema de conhecimentos adquirido é utilizado pelo falante
em situações discursivas concretas?
4
Quais são os sistema físicos no cérebro do falante que servem de base ao
sistema de conhecimentos linguísticos?
Fonte: Elaborado pelo autor com base em Raposo (1992, p. 27).

16
Segundo Chomsky (1970, p. 28), “[...] as teorias racionalistas se caracterizam pela
importância que atribuem às estruturas intrínsecas nas operações mentais, a
processos centrais e princípios de organização na percepção, e a idéias e princípios
inatos na aprendizagem. A atitude empiricista, ao contrário, acentuou o papel da
experiência e do controle por fatôres ambientais”.
39
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

O advento das idéias chomskyanas e sua própria obra teve muitos


desdobramentos. Segundo Greene (1976, p. 116), foi a obra de Chomsky
que fez surgir a Psicolinguística:

[...] foi em conseqüência do interesse dos psicólogos


em basearem modelos de linguagem na teoria
lingüística de Chomsky que nasceu a nova área da
‘Psicolngüística’ [...]. Isto se deve ao fato de
Chomsky ter enfatizado, desde o começo, que a
finalidade de uma teoria lingüística deve ser explicar
a capacidade do locutor numa língua para produzir o
número infinito de possíveis frases nessa língua.
Especialmente nas versões iniciais de sua teoria, isso
foi interpretado no sentido de que Chomsky está
apenas interessado nas regras sintáticas para a
geração de frases gramaticalmente corretas. Mas a
sua definição de gramática é muito mais ampla,
visando a descrever a capacidade do locutor nativo
para relacionar todas as possíveis seqüências de sons
com as suas interpretações significativas. Mesmo em
seu primeiro livro, Syntactic structures (1957),
Chomsky já argumentava que, embora se deva
chegar às regras sintáticas independentemente do
significado, elas devem fornecer, ao mesmo tempo, a
base para as intuições dos locutores nativos sobre as
relações som-significado. [...] essa idéia foi ampliada
e formalizada no livro subseqüente de Chomsky,
Aspects of the theory of syntax (1965).

Peregrín Otero (1971, p. 73) é outro autor que sustenta


explicitamente a contribuição da linguística chomskyana para diversas áreas
do saber:

(...) la revolución chomskiana tiene (...) un radio


mucho más amplio, el radio de lo humano, ya que
verdaderamente nada humano le es ajeno. Ni
siquiera sus implicaciones para la filosofía y la
psicología del lenguaje (...), para la pedagogía (...) y
para otros saberes (sin olvidar, naturalmente, los
lógicos, metodológicos y matemáticos) alargan lo
suficientemente el radio de su alcance (...) Hay que
destacar, por tanto, con trazos muy gruesos, que la
concepción chomskyana del lenguaje, como la de
Humboldt, sólo puede ser bien calibrada y
proyectada sobre el telón de fondo de sus escritos
40
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

políticos y sociales y del concepto de naturaleza


humana que los subyace.

Dessa forma, pode ser sintetizado o impacto do pensamento de


Chomsky nos estudos sobre a aquisição de línguas maternas e a aquisição /
aprendizagem de línguas não maternas que se sucederam nas últimas
décadas: a busca do conhecimento sistemático sobre a constituição da
linguagem como atributo intrinsecamente humano e, portanto, totalmente
diferenciado da linguagem rudimentar de outros animais, posto que há em
seu desenvolvimento o poder criativo, constituindo-se a linguagem como
uma potencialidade intelectual humana por excelência, como se pode ver a
seguir, nas palavras de Chomsky (2007, p. 99-103), as quais valem ser
citadas extensamente pelo seu admirável poder argumentativo:

[...] se aceitarmos que os seres humanos pertencem


ao mundo biológico, devemos esperar que sejam
semelhantes ao resto do mundo biológico. Sua
constituição física, seus órgãos e os princípios do
amadurecimento são determinados geneticamente.
Não há razão para supor que o mundo mental seja
uma exceção. A hipótese surgida naturalmente é a de
que esses sistemas mentais, raros no mundo
biológico devido à sua extraordinária complexidade,
exibem as características gerais de sistemas
biológicos conhecidos. [...] é difícil encontrar
qualquer outra explicação para o fato de que as
estruturas extremamente complicadas e intrincadas
são adquiridas, de maneira semelhante, por todos os
indivíduos, sobre as bases de dados muito limitados e
muitas vezes imperfeitos. [...] A construção da
gramática é devida à faculdade da linguagem. [...] É
o mecanismo de aquisição da linguagem que nasce
com a pessoa. Numa determinada comunidade
lingüística, as crianças com experiências muito
diferentes chegam a gramáticas comparáveis, aliás
quase idênticas, até onde sabemos. É isso o que exige
explicação. Mesmo no interior de uma comunidade
muito fechada [...] as experiências variam. Cada
criança tem experiência diferente, cada criança se
confronta com dados diferentes –mas, no fim, o
sistema é essencialmente o mesmo. Como
conseqüência, devemos supor que todas as crianças
têm as mesmas restrições internas que caracterizam,
estreitamente, a gramática que elas vão construir. [...]
Dizer que as propriedades geneticamente
41
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

determinadas de um organismo não podem


manifestar-se antes que existam as condições
apropriadas e que, em termos gerais, o programa
genético se manifesta de uma forma em parte
predeterminada e em parte de uma maneira que pode
ser influenciada por fatores ambientais, é um truísmo
virtual. No estudo do desenvolvimento físico, isso é
um lugar-comum e, mais uma vez, se for
abandonado o dualismo metodológico da doutrina
empiricista, não haverá razão para que alguém se
surpreenda com a descoberta de fenômenos
semelhantes no estudo das funções mentais
superiores (CHOMSKY, 2007, p. 99-103).

Ao longo das últimas décadas, a obra de Chomsky continuou a ser


refundida pelo próprio autor e pelos adeptos de suas postulações teórico-
metodológicas, em especial as sucessivas reformulações no que tange à
gramática gerativa17, como podemos ver pelo resumo feito por Lobato
(1998, p. 9), no qual se diz que as proposições teóricas 18 da obra de
Chomsky:

17
Nas palavras de Mitsou Ronat: “A evolução dessa teoria levou à complicação do
modelo em certos pontos e à sua simplificação em outros. [...] A história da
gramática gerativa parece ter três períodos principais, que colocaram
sucessivamente na linha de frente um dos aspectos essenciais da nova teoria. O
primeiro, que durou do início da década de 50 a meados da década de 60, procurou
fazer da lingüística uma ciência; a física parecia se o modelo de referência. Esse é o
período de The logical Structure of Linguistic Theory [...]. Depois, de 1965 a 1970, a
questão da semântica tornou-se mais central: a gramática deve dar conta do
significado das palavras e sentenças? Se sim, de que maneira? Uma controvérsia
muito acentuada acompanhou as diversas respostas apresentadas. Finalmente,
depois de 1970, a pesquisa tornou-se mais orientada para os problemas levantados
pela gramática universal (CHOMSKY, 2007, p. 110)”.
18
Nos parece bastante pertinente a ponderação feita por Lobato (1998, p. 9-10)
sobre o trabalho de Chomsky: “Certamente, a proeminência de Chomsky na
lingüística, em especial, e na ciência contemporânea, em geral, se deve muito a
esse persistente e incansável trabalho de elaboração teórica para incorporar numa
perspectiva científica moderna temas tradicionais a respeito da linguagem que
tinham sido há muito esquecidos. Relativamente à lingüística, o estudo gramatical
atual, em qualquer teoria que seja, ficou decididamente marcado por suas
propostas. Alguns conceitos que introduziu tornaram-se parte do vocabulário
gramatical comum (estrutura profunda / estrutura de superfície e gramaticalidade
/ aceitabilidade, por exemplo). Suas posições são ponto de referência dentro de
42
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

[n]as primeiras versões eram fortemente marcadas


pela presença de regras –por exemplo, regras
produtoras da ordem linear das palavras e da
hierarquia entre elas, chamadas regras sintagmáticas,
e regras produtoras de certas construções, tais como
interrogativas, relativas, passivas, chamadas regras
transformacionais-; a inadequação do sistema de
regras levou à busca de princípios gerais, a qual se
fortificou com o avanço da pesquisa, tendo-se
chegado a uma proposta em que as regras cederam
lugar a princípios e parâmetros. A primeira versão
dessa nova tendência foi a teoria de Princípios-e-
Parâmetros. O programa de pesquisa atual
(programa, e não teoria ou modelo), o minimalismo,
é uma continuação dessa tendência.

Atualmente, Chomsky está mais voltado para a Política do que


para a Linguística, demonstrando pela sua própria trajetória os argumentos 19

outros arcabouços. E outras teorias gramaticais surgiram, subsidiárias das suas


hipóteses sobre a estrutura lingüística. Com relação à ciência contemporânea em
geral, a volta de uma visão cognitiva da linguagem resultou num redirecionamento
da pesquisa científica sobre linguagem e línguas neste século, mesmo fora dos
círculos de pesquisa estritamente gramatical. Esse redirecionamento levou a uma
perspectiva de análise muito mais ampla e ambiciosa dos fenômenos de linguagem
e concretizou-se no surgimento de um novo campo de pesquisa: o da investigação
sobre as relações linguagem / mente. Tal campo incluiu inicialmente a psicologia
cognitiva, mas hoje é mais vasto e variado, abrangendo as ciências da mente em
geral e a área de educação e ensino de ciências, e extrapolando os limites da teoria.
Nesse campo, seus posicionamentos teóricos são ponto de referência mesmo para
defensores de idéias divergentes dentro de outros arcabouços (como é o caso de
sua hipótese de que as línguas trabalham com propriedades mínimas distintivas,
denominadas traços)”.
19
“[...] a diferença entre a atitude das ciências naturais, de um lado, e, do outro, a
atitude encontrada com freqüência nas ciências sociais e ‘humanidades’. As
últimas, sem o conteúdo intelectual das ciências naturais, estão em grau elevado
envolvidas com personalidades, mais do que com idéias. Na ciência, é auto-
evidente a mudança dos conceitos; é correto dizer que se espera aprender alguma
coisa. Afinal, isso não é teologia. Você não faz declarações e precisa mantê-las
imutáveis pelo resto da vida. Em contraste, nas ciências sociais ou nos estudos
humanísticos, as posições muitas vezes são personalizadas. Uma vez assumindo
uma posição, espera-se que você a defenda, aconteça o que acontecer. As posições
43
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

que sempre defendeu como valores: ouvir e ser ouvido, respeitando


posições diferentes, mudando de opinião, se necessário for. Considerado por
muitos como um homem controverso, já debateu com importantes
personagens da intelectualidade mundialmente reconhecidos, como Piaget e

de uma ou outra escola são identificadas com pessoas. Torna-se uma questão de
honra não mudar, ou seja, não aprender nada. Na lingüística, isso é surpreendente,
você ser acusado de refutar a si mesmo se mudar de posição. Li muitas críticas
desse tipo e tenho dificuldades para entendê-las. Se você está preocupado em
descobrir a verdade, trabalhando sozinho ou em grupo, é evidente mudar
freqüentemente de pensamento –cada vez que aparece um novo número de uma
publicação séria. Quando há progresso real, essas mudanças são significativas.
Você começa a pensar de forma diferente. As primeiras aproximações devem ser
transformadas em outras aproximações, melhores. [...] Acontece muitas vezes de
as hipóteses nas ciências naturais serem abandonadas por um certo período por
inadequação, mas são reconstruídas depois, quando se obtém um índice mais
elevado de compreensão. [...] As coisas progridem, novas perspectivas se abrem,
quando se reinterpreta aquilo abandonado antes. Não existe uma ‘derrota pessoal’
nisso. [...] Isso não seria o retorno a uma velha idéia, mas um avanço para uma
nova idéia, dando novo significado a um conceito antigo. Isso seria progredir.
Quando as teorias e os conceitos que nelas aparecem são personalizadas, olha-se
para ver ‘quem’ está errado; mas essa não é a maneira correta de pensar. O ‘quem’
pode ter estado correto no contexto de sua época, errado no contexto de uma
teoria mais rica, e talvez venha a se mostrar correto outra vez. Além disso, não há
nada errado em enganar-se. O progresso se baseia em idéias interessantes que
geralmente provam estar erradas –ou incompletas, ou mal-construídas, ou
totalmente erradas. [...] Qualquer um que ensine aos cinqüenta anos a mesma
coisa que ensinou aos 25 deve procurar outra profissão. Se em 25 anos não
aconteceu nada lhe provando que suas idéias estão erradas, isso quer dizer que
você não está em uma área viva, ou talvez que você faça parte de uma seita
religiosa. [...] Deve-se esperar de um cientista a descoberta de novos princípios,
novas teorias, até mesmo novos modos de verificação... Isso não vai acontecer se
ele ficar preso a um procedimento fixo. O mesmo acontece hoje com a lingüística. É
impossível explicar a alguém o procedimento a ser aplicado para encontrar a
gramática gerativa de um língua. O que se procura é a descoberta de um fenômeno
novo, capaz de demonstrar a falsidade das teorias propostas, a necessidade de
mudá-las –novas questões que ninguém pensou em apresentar anteriormente,
pelo menos de maneira clara, novas contribuições para a compreensão, obtidas
talvez com ‘métodos’ novos. E, finalmente, novas idéias e novos princípios, que
revelarão como são limitadas, falsas e superficiais as crenças consideradas válidas
hoje. (CHOMSKY, 2007, p. 177-180)”.
44
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Foucault (PIATTELLI-PALMARINI, 1983; ACHBAR, WINTONICK,


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I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

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46
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

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5 ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002. p. 648-654. (Col. 100)
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Janeiro: DIFEL, 2003. p. 401-406. (Col. 100)
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47
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA DA INTERLÍNGUA DE


ESTUDANTES BRASILEIROS NO PROCESSO DE
APRENDIZAGEM DE ESPANHOL

Eneida Maria Gurgel de Araújo20


Thays Keylla Albuquerque21

Introdução
Em todos os níveis, os estudantes brasi1eiros apresentam algumas
dificuldades na aprendizagem de algumas estruturas verbais da língua
espanhola, já que a forte herança linguística que une as línguas irmãs em
certos aspectos, é a mesma que as diferencia em outros. Neste caso, a língua
materna dos estudantes, o Português, impregna com sua fonologia,
morfologia, léxico e sintaxe a língua meta, o Espanhol.
Neste contexto, Almeida Filho (2001) afirma que tanto o professor
de português para hispanofalantes quanto o professor de espanhol para
lusofalantes devem ter cuidado para que o “portunhol”, língua intermediária
do estudante, entre o português e o espanhol, não se congele em um nível
determinado pelo fato de parecer comunicativamente suficiente na
percepção do usuário. Contudo, nos primeiros níveis “o portunhol” é uma
manifestação natural da interlíngua dos alunos, e por isso deve ser aceito.
Diante do exposto, levando em consideração a proximidade entre
os idiomas mencionados, pensamos em realizar uma pesquisa que tivesse
por objetivo analisar as variações linguísticas presentes nas redações de
alunos brasileiros, com relação aos aspectos morfológicos verbais, mais
precisamente a mudança dos sufixos flexionais, o infinitivo e uso dos
tempos compostos na língua espanhola.
Consideramos esse tema de fundamental importância, dada a
exiguidade de trabalhos nessa área. Nossa intenção, ao desenvolver esse
trabalho, é promover reflexões no sentido de contribuir para o entendimento
do professorado diante das peculiaridades próprias que envolvem línguas da
mesma origem. A partir destas premissas, dividimos o artigo em tópicos.
Num primeiro momento, julgamos pertinente uma descrição dos
pilares teóricos que subsidiaram as análises e encaminharam os dados
obtidos. Para isso, discutimos sobre Sociolinguística e Teoria da Variação,
baseados nos estudos de Preti (2003), Tarallo (1985), Mollica e Braga
(2007), etc. Em seguida, abordamos questões relacionadas aos estudos sobre

20
Mestre em Letras. Universidade Estadual da Paraíba.
21
Mestre em Letras.Universidade Estadual da Paraíba

48
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

línguas afins. Tratamos igualmente dos procedimentos metodológicos


abordados no trabalho e sobre o universo da nossa pesquisa. Partimos para a
análise dos dados e, finalmente, apresentamos as considerações parciais da
pesquisa, sugerindo futuras investigações.

2 Fundamentação Teórica
Propomo-nos, nesse momento, a apresentar breves considerações
acerca das teorias que serviram de base para a construção desse trabalho.
Inicialmente, fizemos uma rápida explanação sobre aspectos da
Sociolinguística e da Teoria da Variação, com o intuito de pontuar a
importância do estudo da língua em seu relacionamento com fatores
externos como o ambiente geográfico, a organização dos grupos sociais, o
gênero, as práticas culturais, a faixa etária, entre outras questões.
Também apresentamos alguns aspectos relacionados aos estudos
sobre línguas próximas, com o propósito de compreender as modificações
linguísticas provenientes do contato dialetal e de perceber como as
semelhanças ou diferenças entre os sistemas linguísticos, no nosso caso, o
português e o espanhol, podem interferir na variação linguística presente na
interlíngua de estudantes brasileiros.

2.1 Sociolinguística e Teoria da Variação


Conceitos como linguagem, grupos sociais e cultura estão
profundamente conectados, pois a realidade social construída e as
percepções do mundo são formadas e interpretadas pelo homem através da
linguagem. Segundo Sapir (1969, p. 205), “a língua não existe isolada de
uma cultura”, sendo a primeira condição fundamental no desenvolvimento
da segunda.
Assim sendo, não há como separar língua e cultura, já que os
sistemas sociais, linguísticos e culturais desenvolvem-se em consonância e
as transformações sociais são refletidas em sua estrutura linguística. Nessa
perspectiva, a estrutura social influencia ou mesmo determina a estrutura de
uma língua, tornando-a heterogênea e caracterizada por um conjunto de
regras variáveis relacionadas a essa estrutura social que a rege.
Sobre a relação entre língua e sociedade, comenta Preti (2003, p.
11):

Entre sociedade e língua, de fato, não há uma relação


de mera causalidade. Desde que nascemos, um
mundo de signos linguísticos nos cerca, e suas
inúmeras possibilidades comunicativas começam a
tornar-se reais a partir do momento em que, pela

49
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

imitação e associação, começamos a formular nossas


mensagens.

O interesse pela relação entre língua e sociedade intensificou-se no


início dos anos setenta, embora já em meados dos anos cinquenta, tenha
surgido o termo Sociolinguística, referindo-se a abordagem símile de
linguistas e sociólogos sobre a correlação dos aspectos linguísticos e
sociais. Sendo assim, considerando a importância social da linguagem, essa
subárea da Linguística passou a investigar o contato entre as línguas, as
questões relativas ao surgimento e extinção linguística, o multilinguismo e o
papel da variação linguística (MOLLICA E BRAGA, 2007).
Nos anos de 1960, o linguista americano William Labov
desenvolve um modelo teórico-metodológico conhecido como
Sociolinguística Variacionista ou Quantitativa, a partir de um estudo sobre
a centralização dos ditongos em Martha’s Vineyard, ilha de Massachussetts,
nos EUA. Esse modelo postula o papel preponderante dos fatores sociais na
explicação da variação linguística. Dessa forma, a variação linguística passa
a ser o objeto dos estudos sociolinguísticos e a ser compreendida como
“princípio geral e universal, passível de ser descrita e analisada
cientificamente” (MOLLICA E BRAGA, 2007, p. 10).
O principal campo de pesquisa da linguística laboviana é o estudo
baseado nos dados coletados nas práticas orais cotidianas e espontâneas,
pois, de acordo com as premissas da teoria, é na naturalidade das
realizações de fala que se percebem as diversas formas linguísticas
resultantes das inter-relações sociais. Essa ideia de mutabilidade e
heterogeneidade constitutiva estabelece os objetivos principais da Teoria da
Variação, que é analisar as variantes utilizadas nas comunidades de fala e
entender a relação entre variação e mudanças linguísticas (WEINREICH,
LABOV E HERZOG, 1968).
O objeto de estudo da Teoria da Variação está centrado, então, nos
padrões de comportamento linguístico observáveis dentro de uma
comunidade de fala, formado por unidades e regras variáveis. Esses padrões
são organizados num sistema heterogêneo e essas regras estão
condicionadas a fatores linguísticos (ou variáveis internas à língua) e
extralinguísticos (ou variáveis externas à língua). Mollica e Braga (2007, p.
11), a partir de um esquema geral, configuram uma classificação da
natureza dos fatores atuantes na variação:

No conjunto de variáveis internas, encontram-se os


fatores de natureza fono-morfo-sintáticos, os
semânticos, os discursivos e os lexicais. Eles dizem
respeito a características da língua em várias
50
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

dimensões, levando-se em conta o nível do


significante e do significado, bem como os diversos
subsistemas de uma língua. No conjunto de variáveis
externas à língua, reúnem-se os fatores inerentes ao
indivíduo (como etnia e sexo), os propriamente
sociais (como escolarização, nível de renda,
profissão e classe social) e os contextuais (como grau
de formalidade e tensão discursiva).

2.2 Breves Considerações sobre Línguas Próximas


Uma maior proximidade linguística permite uma melhor
compreensão e uma aprendizagem mais rápida e mais sólida da língua
estrangeira (LE). Contudo, tal semelhança pode provocar interferência
linguística e a origem comum das línguas em contato pode favorecer tal
interferência.
As línguas espanhola e portuguesa, de acordo com Masip (2003),
apresentam semelhanças linguísticas profundas, já que tem a mesma
origem, sendo provenientes do latim. Além disso, sofreram influências de
línguas germânicas, especialmente do gótico e do árabe que contribuíram
para o repertório lexical dos idiomas. Comparando-os, pode-se detectar ou
vislumbrar facilmente suas similitudes e discrepâncias, encontrando a raiz
de cada uma delas. Para ser mais preciso, português e espanhol não são
idiomas, estritamente falando, mais duas variantes dialetais do latim. Por ser
variantes tão semelhantes, é comum que os lusofalantes ou hispanofalantes,
quando tentem aprender o novo idioma, apresentem algumas dificuldades
muito marcadas.
Em muitos aspectos, a semelhança entre as duas línguas ajuda,
didaticamente, à aprendizagem nos primeiros níveis. Nesse período é mais
fácil para o aprendiz associar as regras de sua língua materna (LM) com
aquelas do idioma que pretende aprender. Pode-se dizer que isto ocorre
porque a semelhança contribui para uma compreensão inicial, que pode
desinibir o aprendiz nesta etapa, colocando-o como falso iniciante.
Hispanofalantes que entram em contato com o português brasileiro, a
princípio, podem compreender o novo idioma sem muita dificuldade,
devido às semelhanças já citadas. Contudo, quando começam a aprender as
particularidades do português falado no Brasil, percebem que existem
realizações não coincidentes com o espanhol.
Neste sentido, de acordo com Almeida Filho (2001), uma
percepção frequente e incômoda dos aprendizes hispânicos de língua
portuguesa é a de que estão falando ou escrevendo errado a própria língua
ao tentar falar e escrever na língua alvo nos primeiros estágios. Essa
impressão transparece na prática comum entre falantes e aprendizes do
51
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

português e do espanhol, na brincadeira de que português é espanhol mal


falado e vice-versa.
Desde meados dos anos de 1940 começou-se a publicar grande
quantidade de estudos e gramáticas contrastivas com o objetivo de facilitar
o trabalho dos sujeitos que estão diretamente implicados no processo de
ensino-aprendizagem de uma LE, ou seja, professor e aluno. Neste contexto,
o modelo de investigação da teoria da Análise Contrastiva (AC) surge como
um marco metodológico que se inicia com os estudos dos professores da
Universidade de Michigan, C. Fries (1945), Teaching and Learning English
as a Second Language e R. Lado (1957), Linguistics Across Cultures. Tais
autores afirmam que os estudantes tendem a transferir as estruturas e o
vocabulário de sua LM quando aprendem uma LE, em todo o processo de
aprendizagem, isto é, transferem para a LE hábitos linguísticos de seu
idioma materno. Além disso, destacam que as diferenças entre a LM e a LE
que se pretende aprender acarretam dificuldades, na medida em que a LM
pode interferir na LE, e que a distância entre ambas as línguas e a
interferência, são os fatores responsáveis pelos erros produzidos na
aprendizagem de uma LE. Para estes autores, a Análise Contrastiva entre a
LM e a LE é imprescindível, já que é a única forma de estudar quais serão
as dificuldades do aluno ao aprender uma LE.
A partir disso, desenvolveram-se pesquisas com relação à
comparação dos sistemas linguísticos da LM e da LE, com o objetivo de
demonstrar quais eram as diferenças e as semelhanças entre as duas línguas.
Segundo Gargallo (1993), a Análise Contrastiva mantém uma comparação
sistemática entre uma língua materna e uma língua estrangeira em todos os
níveis de suas estruturas, tendo também, a função de detectar as áreas de
dificuldade na aprendizagem de línguas estrangeiras, propondo ações
metodológicas com a finalidade de facilitar o processo de ensino-
aprendizagem.
É pertinente ressaltar que nos anos 50 surge uma corrente de
estudos linguísticos que se preocupa em apreender e compreender o
fenômeno da interferência dentro do universo da aquisição linguística. É um
processo segundo o qual o falante, ao tentar aprender uma LE, utiliza
analogicamente os mecanismos estruturais e fonéticos de sua língua
materna para “dar forma” ao novo idioma que está aprendendo. Este
fenômeno está relacionado com a incidência de elementos da língua
materna, como traços fonéticos, sintáticos ou léxicos (neste caso, o
espanhol) na produção linguística de uma língua estrangeira (o português).
Quando um estudante hispanofalante de português fala ou escreve, não se
pode negar a interferência de estruturas do espanhol em seu discurso.

52
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Em sua importante obra Languages in Contact, Weinreich (1953)


também abordou o conceito de interferência e a definiu como os desvios da
norma que aparece no discurso dos aprendizes quando estão aprendendo
uma nova língua, devido a seu conhecimento de mais de una língua.
Weinreich acreditava que a língua materna incide na língua alvo durante
todo o processo de aprendizagem.
Brown (1973) afirma que a transferência é um termo geral que
descreve a existência de conhecimento prévio para uma aprendizagem
subsequente. A transferência positiva ocorre quando o conhecimento prévio
beneficia a tarefa de aprender, quando um item prévio é corretamente
aplicado ao atual conteúdo. Por outro lado, a transferência negativa ocorre
quando o conhecimento prévio dificulta o progresso de aprendizagem do
novo idioma. A transferência negativa é denominada de interferência, na
qual o assunto anteriormente aprendido interfere no próximo, um item
prévio é incorretamente transferido ou incorretamente associado a um item
a ser aprendido. Lado (1957) afirma que muitas deformações linguísticas
que se escutam entre pessoas que falam dois idiomas correspondem a
diferenças descrítiveis que existem entre os idiomas em questão.
Quando se aprende uma língua estrangeira já se tem em mente
estruturas gramaticais da língua materna. O aprendiz tende, portanto, a
estabelecer parâmetros de comparação e relação entre as duas línguas, às
vezes com êxito, outras não. Assim, a aprendizagem se encontra vinculada à
interferência da língua materna, que ocorre com frequência nos primeiros
níveis da aprendizagem. Neste âmbito, pode-se destacar que as dificuldades
ou facilidades de aprender uma língua são consequências diretas ou
indiretas das diferenças ou das semelhanças que existam entre a LM e a LE.
Caso existam semelhanças, o aprendiz pode transferir as estruturas
linguísticas e padrões culturais de sua LM ao interagir com os falantes
nativos da LE. Sendo um fenômeno linguisticamente complexo, a
transferência está longe de chegar a ser um consenso para os linguistas, esse
fenômeno ainda reserva descobertas, pois pouco se sabe sobre as leis
responsáveis por sua formação e funcionamento.
Nesse contexto, o estudo de línguas próximas é importante para
nossa pesquisa na medida em que analisamos a variação lingüística presente
na interlíngua de alunos brasileiros estudantes de espanhol. Com relação a
tal estudo, mais precisamente Interlíngua, Análise Contrastivo, existem
numerosos trabalhos tanto no Brasil quanto no exterior que desenvolvem
pesquisas correlacionadas, como por exemplo: Durão (2004), Duarte (
2005), Moreno e Fernández ( 2007), entre tantos outros autores. Contudo,
no âmbito da análise da interlíngua desde uma perspectiva variacionista de
alunos que estudam línguas próximas, os estudos ainda são primários.

53
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Diante disso, nossa pesquisa, é de extrema importância, podendo revelar


novas descobertas nesse campo.

3 Metodologia
Para a realização desta pesquisa, selecionamos um corpus
constituído por vinte redações elaboradas por estudantes de Espanhol da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Para fins de análise
sociolinguística, como mencionamos, é necessário que levemos em
consideração as variáveis internas e externas à língua. Assim, com relação
às primeiras, elegemos analisar as variações linguísticas detectadas nos
textos escritos elaborados pelos alunos com os quais trabalhamos,
procurando nos deter nos fatores de natureza morfológico-verbal. No
conjunto de variáveis externas à língua, analisamos alguns fatores inerentes
ao indivíduo, como idade, gênero e tempo de exposição à língua espanhola.
Os textos pertencem a dois grupos distintos: o grupo de Espanhol
III (dez informantes), que abrange o nível A2, indicando o conhecimento
básico da língua espanhola; o de Espanhol VI (dez informantes), que
corresponde ao nível B2, equivalente ao nível avançado deste idioma. Estes
níveis são estabelecidos pelo Marco Común Europeo de referencia para las
lenguas: aprendizaje, enseñanza y evaluación.
Os grupos de espanhol III y VI foram formados por alunos que
estudavam no curso de idiomas oferecido pelo Departamento de Letras
Estrangeiras Modernas (DLEM) na UFPB. Cada nível tem quatro créditos
que equivalem a sessenta horas. Os alunos tem aula duas vezes por semana,
durante uma hora e meia cada dia. Os cursos estão abertos a todos os alunos
da instituição e às comunidades vizinhas, tendo esses alunos oportunidade
de estudar desde o nível A1 (espanhol I) até o B2 (espanhol VI). Como
material didático, os estudantes utilizam o livro Nuevo Ven 1 para os grupos
de Espanhol I e II, el Nuevo Ven 2 para os grupos de Espanhol III e IV e el
Nuevo Ven 3 para os grupos de Espanhol V e VI.
Com relação ao desenvolvimento das redações, os estudantes que
fizeram parte da pesquisa desenvolveram os textos durante as próprias aulas
do curso, seguindo a orientação de que deveriam estruturá-los, em média,
uma lauda. Sugerimos temas de natureza pessoal, com o objetivo de que as
idéias fluíssem com maior naturalidade e liberdade. Dessa forma, pedimos
aos informantes que escrevessem um texto e escolhessem entre um dos
seguintes temas: Mis vacaciones( Minhas férias), Mi familia (Minha
família) ou Mis proyectos profesionales (Meus projetos profissionais).
Preferimos, portanto, trabalhar com um tema semiguiado, para que o aluno
se mostrasse mais motivado e reconhecesse mais intensamente suas próprias
exigências. Desta forma, o aluno podia centrar-se mais na mensagem que

54
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

produzia, porque tinha a possibilidade de escolher um tema com o qual se


identificasse mais, ou seja, um tema mais relacionado com sua realidade
subjetiva e social.
Como último passo para a elaboração do corpus, os professores
escolhidos para dirigir a atividade explicaram os temas das redações, assim
como as instruções necessárias para a construção das mesmas. Preferimos
que os próprios professores do curso se encarregassem do trabalho de
campo, pois estavam mais habituados aos seus alunos e os conheciam
melhor. Para a realização desta atividade, utilizou-se uma hora de aula. Não
foi dito aos alunos o real motivo pelo qual estavam escrevendo, para que
isso não interferisse no resultado da pesquisa.
Posteriormente à leitura de todas as redações, iniciamos a fase de
transcrição e seleção daquelas que seriam utilizadas na elaboração deste
artigo. Preferimos trabalhar com vinte redações, onde detectamos,
identificamos e quantificamos um maior número de variação lingüística,
com relação ao aspecto morfológico dos verbos na língua espanhola. Cada
redação está codificada com um número, de um (1) a dez (10), em cada
grupo, seguido de uma letra que serve para identificar o nível: “a” para os
estudantes de curso de Espanhol III (A2), “b” para os alunos do curso de
espanhol VI (B2). Quando se tratar de gênero feminino, colocamos um “f”,
e masculino, um “m”, além do número correspondente à idade dos
informantes.
Todas as variações lingüísticas analisadas estão em negrito, para
facilitar a visualização. Exemplo retirado de uma redação: “Mas creo que
en el momento no es posible, mas tengo mucha esperanza que un día yo iré
conseguir realizar este sueño como tiengo amigos que ya conseguiram.”
(1am27)

4 Análise dos Resultados


Ao analisar as variações linguísticas que marcaram as redações da
pesquisa, preferimos examinar as realizações escritas dos alunos que
revelavam a interferência do português brasileiro no processo de
aprendizagem dos verbos em Espanhol, principalmente com referência à
mudança dos sufixos flexionais, o uso do infinitivo e o uso dos tempos
compostos, que são estruturas semelhantes em ambos os idiomas, porém
apresentam diferenças significativas.

4.1. Mudança dos sufixos flexionais


As flexões verbais portuguesas apresentam peculiaridades que
permitem aos sujeitos identificar o tempo e a pessoa do discurso, como a
presença das desinências -ra e -m como marcas da terceira pessoa do plural,

55
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

do pretérito perfeito e do pretérito-mais-que-perfeito do indicativo (este


último inexistente em español). Para ilustrar esta informação, delinearemos
algumas sentenças, como :(a)Ontem, os alunos apresentaram um seminário.
Ao decompor, morfologicamente, o verbo inscrito nesta frase, temos:
apresent (radical) + a (vocal temática) + ra (desinência modo-temporal) +
m (desinência número-pessoal).
Possivelmente, em nosso corpus, as variações nessa categoria são
provenientes do processo de inteferência da língua portuguesa. Isto pode ser
comprovado nos exemplos retirados dos textos: “…hoy no fueram
comprendidos como por ejemplo, algunos estudiosos dicen que los
homosexuales son así porque sofreram algun transtorno…” (3af20); Mis
vacaciones empezaram en el según semestre del diciembre, por supuesto
esto es un de los meses más calientes del año (1bm32). Nestes exemplos, os
verbos ser, sofrer e começar recuperaram os elementos desinenciais do
paradigma de conjugação da língua portuguesa, marcando assim sua
interferência.
Na língua espanhola, o elemento desinencial -ron surge somente
como marca caracterizadora da terceira pessoa do plural do pretérito
indefinido, o qual corresponde, em português, ao pretérito perfeito. Como
exemplo, podemos citar a frase: Mis amigos estudiaron mucho anoche.
Neste caso, a descrição do verbo compreende o seguinte desmembramento:
estudi (radical) + a (vogal temática) + ro (desinência modo-temporal) + n
(desinência número-pessoal). Para visualização das variações linguísticas
dos alunos envolvidos na pesquisa, organizamos tabelas e gráficos que nos
permitiram quantificar suas realizações.

Tabela 01- Mudanças da desinência número pessoal (NP) - on por am o an.


(Grupo A2)
Produção dos alunos Nº de Variação Redacciones
casos linguística

56
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

“…este sueño como tiengo 08 Cambio de (1am27) , (3af20),


amigos que ya la (3af20),(6am23),
conseguiram.” desinencia (8af28),(8af28)
“…hasta hoy no fueram NP - on (9af34) , (10af21) .
comprendidos como por por am o
ejemplo, algunos estudiosos an.
dicen que los homosexuales
son así porque sofreram
algun transtorno…”
“…Fueram días muy
buenos…”
“…Mis amigos empezaram
a hablar: llamen los
policiales…”
“…Enfim, mis vacaciones
fueram buenas e muy
chistosa…”
“…en química orgánica
como mis padres
estudiaran…”
“…el consultorio
trabajaram mucho en la
vida…”

Tabela 02- Mudanças da desinência número pessoal - on por am o an


(Grupo B2)
Produção dos alunos Nº de Variação Redacciones
casos linguística
“…mis vacaciones 05 Cambio de la (1bm32),
empezaram en el según desinencia (3bf28) ,
semestre del diciembre…” NP - on por (3bf28)
“…porque fueran nuestros am o an. (5bm34),
padres que nos enseñaran (10bf30).
todo lo que sabemos hoy…”
“…Fueram unas vacaciones
muy divertidas…”
“…Fueran tiempos muy
duros, pero muy felices…”

57
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Gráfico 01

Como já mencionado, podemos observar no gráfico que optamos


por trabalhar com a mesma quantidade de informantes pertencentes aos
grupos de Espanhol III e VI. Na metodologia, explicitamos que os alunos do
Espanhol III ficaram expostos à língua espanhola durante um ano e seis
meses. Os de Espanhol VI, durante três anos.

Gráfico 02

Ao recuperar as informações inscritas no gráfico, a partir da nossa


análise observamos que os informantes do gênero masculino do grupo A2,

58
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

representam uma porcentagem de 25% com relação à variação linguística


dos sufixos flexionais, enquanto o gênero feminino corresponde a 75%. No
grupo B2, o gênero masculino responde à margem de 40% das variações
linguísticas detectadas e o gênero feminino a 60%.

Gráfico 03

A partir de nossa análise, detectamos que 50% dos informantes do


grupo A2 corresponde a faixa etária de 20 a 25 anos, 37,5% se encontra
entre 26 a 30 anos e 12,5% tem entre 31 e 35 anos. Enquanto que no grupo
B2 40% corresponde a faixa etária entre 26 e 30 anos e 60 % entre 31 e 35
anos.

4.2 Infinitivo
No nosso corpus, em ambos os grupos analisados, foram
detectadas a ocorrência de variações lingüísticas com relação ao uso do
infinitivo na língua espanhola. Alguns informantes adicionaram aos
morfemas flexionais do infinitivo em espanhol, formas que são próprias do
paradigma português.
De acordo com a norma culta da língua espanhola, o infinitivo
deve conter o elemento verbal na sua forma impessoal, ou seja, não
conjugada. Os informantes recuperaram o grupo morfológico -armos para
materializar o infinitivo, realização que marca a interferência da língua
portuguesa. Visualizemos então dois exemplos: Siempre pensamos que para
59
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

sermos alguien en la vida tenemos que estudiar mucho (1am27); Es una


gran alegría conocermos cosas diferentes cada día del idioma que amamos
(2bm23).
O mesmo comportamento linguístico ocorreu, embora em menor
intensidade, no uso da terceira pessoa do plural. A terminação -ren foi
grafada pelos informantes seguindo, provavelmente, os parâmetros
pragmáticos que permitiram as construções híbridas com o sufixo –armos.
Como podemos observar nos enunciados retirados das redações: Para
teneren el consultorio (10af21) ; Geografía, Portugués, Inglés y otro
segundo idioma extranjero para conseguiren passar (6bf29). Nas tabelas,
podemos visualizar as variações lingüísticas identificadas com relação a
este fenômeno:

Tabela 03- Uso do infinitivo flexionado (Grupo A2)


Produção dos alunos Nº de Variação Redações
casos linguística
“…Siempre pensamos que 08 Presença (1am27) , (2af25),
para sermos alguien en la da (4am32), (7am33) ,
vida tenemos que estudiar desinencia (8af28),(8af28),
mucho…” -mos ou - (9af34) ,(10af21).
“…Todos los domingos ren para
nos encontramos para flexionar o
comer y charlarmos por infinitivo.
todo el día…”
“…Es siempre bueno
hacermos nuevos
amigos…”
“…esta es la única forma
de conseguirmos las
cosas…”
“…Yo fui con más tres
amigos para charlarmos y
caminarmos…”
“…cuando queremos
mucho una cosa debemos
hacer todo para
conseguirmos estos…”
“…Para teneren el
consultorio…”

60
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Tabela 04- Uso do infinitivo flexionado ( Grupo B2)


Produção dos alunos Nº de Variação Redacciones
casos lingüística
“…Es una gran alegría 04 Presença da (2bm23),
conocermos cosas diferentes desinência (4bf25),
cada día del idioma que mos y ren (6bf29),
amamos…” para flexionar (8bm24).
“…quiero ayudar a mis futuros el infinitivo.
alumnos a conseguiren
realizar…”
“…y otro segundo idioma
extranjero para conseguiren
pasar en la prueba…”
“…para así contribuirmos para
la construcción de un estado
menos problemático…”

Gráfico 04

Com relação à variação lingüística no uso do infinitivo, a partir de


nossas análises, identificamos no nível A2 que 37,5% dos homens
realizaram a variação linguística, utilizando o infinitivo flexionado em
espanhol, marcando uma vez mais a interferência da língua materna.
61
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Enquanto isso, quase o dobro de mulheres, 62,5% se valeram da variação.


Esta disparidade não existe no nível B2, já que 50% dos homens e mulheres
utilizaram o infinitivo flexionado.

Gráfico 05

No nível A2 observamos que 25% dos informantes que realizaram


a variação tem entre 20 e 25 anos, 37,5% se encontram na faixa etária de 26
a 30 anos e 37,5% tem entre 31 e 35 anos. Enquanto que, no nível B2, 75 %
tem de 20 a 25 anos e, 25%, de 26 a 30 anos.

4.3. Formação dos tempos compostos


Tanto em português como em espanhol, existem os verbos que
participam do processo flexional de outros, formando os chamados tempos
compostos. Esses verbos são denominados auxiliares por emprestar um
valor semântico ao verbo principal, que é responsável por conservar o
significado.
Na língua espanhola, o verbo utilizado comumente na formação
dos tempos compostos é o verbo haver (haber), enquanto que na língua
portuguesa ora se usa o verbo haver, ora o verbo ter. Em nossa pesquisa,
identificamos realizações de alguns informantes que marcaram a
interferência da língua portuguesa, textualizando enunciados que registram
o modelo do português brasileiro, usando o verbo ter na condição de
auxiliar. Essas ponderações convergem para o testemunho de Hermoso
(1998), quando afirma que o verbo haver em espanhol, é responsável pela
formação dos tempos compostos de todos os verbos e assegura que o verbo
62
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

ter constitui a forma verbal autêntica usada para indicar posse em espanhol,
sendo portanto muito usado. Vejamos exemplos retirados do corpus : Tengo
planeado esto hace mucho tiempo y cuando queremos (9af34); Antes nunca
tenía ido con tantas amigas divertidas a la playa (1bm32). As tabelas nos
propiciam una visão mais ampla das variações lingüísticas presentes nas
redações.

Tabela 05- Uso dos tempos compostos (Grupo A2)


Produção dos alunos Nº de Variação Redações
casos linguística
“…Tengo vivido con mí 10 Uso dos (2af25), (3af20),
madre y mís dos hermanos tempos (4am32),(4am32),
que son solteros…” compostos (5af29), (5af29),
. (6am23), (6am23),
“…Si puder hacer eso, ya (7am33), (9af34) .
tengo conseguido
mucho…”
“…Estas vacaciones tenía
planeado y tenía
economizado dinero…”
“…conocimientos y tener
conocido a otros países,
mismo que no tenga
sido…”
“…Embora tenga
trabajado mucho, tambien
salí…”
“…buenos momentos
tengo traído para recordar
algunos…”
“…Últimamente tengo
dedicado mucho
tiempo…”
“…Tengo planeado esto
hace mucho tiempo…”

Tabela 06- Uso dos tempos compostos (Grupo B2)


Produção dos alunos Nº de Variação Redações
casos linguística

63
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

“…Antes nunca tenía 04 Uso dos (1bm32),(4bf25),


ido con tantas amigas tempos (7bf22), (9bf26).
divertidas a la compostos.
playa…”
“…ya tendré
conseguido muchas
cosas en mi vida…”
“…Tengo trabajado
mucho para eso y sé
que voy conseguir…”
“…todavía no se
tienen desarrollado
en esa area…”

Gráfico 06

A partir da análise dos dados, observamos que no nível A2, com


relação aos gêneros masculino e feminino, a variação linguística com
relação ao uso dos tempos compostos não apresentou diferença, ambos
tiveram a ocorrência de 50%. Enquanto que no nível B2, houve uma
disparidade na variação linguística, no gênero masculino a ocorrência foi de
75% e no gênero feminino foi de 25%.

64
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Gráfico 07

Com relação à idade, no nível A2, observamos que 40% dos


informantes que realizaram a variação linguística com relação ao uso dos
tempos compostos se encontram na faixa etária de 20 a 25 anos, 20% entre
26 e 30 anos e 40% entre 31 e 35 anos. No nível B2, 50% tem entre 20 e 25
anos, 25% entre 26 e 30 anos e 25% entre 31 e 35 anos.

5 Considerações parciais
Faremos algumas considerações sobre os dados que se mostraram
relevantes na pesquisa desenvolvida. Contudo, queremos deixar claro que
essa foi uma primeira tentativa de fazer uma abordagem sobre a interlíngua
de alunos brasileiros estudantes de espanhol desde uma perspectiva
variacionista. Pretendemos seguir com futuras investigações, para obter
dados mais concretos, provavelmente, no campo fonético, um fator da
interlíngua que requer estudos devido às peculiaridades fonéticas das
línguas em questão.
Com relação à variação linguística dos sufixos flexionais, as
mulheres do grupo A2, utilizaram de forma mais acentuada que os homens,
marcando a interferência da língua portuguesa e, com relação a faixa etária,
note-se que os mais jovens (20 a 25 anos), realizaram a variação de forma
mais acentuada. Enquanto que no grupo B2, foram os de mais idade que
acentuaram essa variação.
Evidencia-se o fato de que no nível A2 o dobro de mulheres
realizaram a variação linguística, ao utilizar o infinitivo flexionado em
espanhol, seguindo o paradigma português. Isso vem demonstrar que a
65
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

interferência linguística no nível A2 foi muito acentuada no gênero


feminino. No caso do nível B2, a interferência ocorreu de forma equânime.
Mostrou-se relevante a ocorrência no nível B2 da variação linguística de 20
a 25 anos ser de 75% e de 25% entre 26 a 30 anos.
O nível A2 revelou que os homens e as mulheres se equipararam
no tocante às variações linguísticas, com relação ao uso dos tempos
compostos. Detectamos então, que no nível B2, os mais jovens foram os
que mais realizaram a variação com relação ao uso dos tempos compostos,
ou seja, 50% tem entre 20 a 25 anos.

6 Referências
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66
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

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Paulo: Parábola Editorial. 1968.
WEINRICH, M. Languages in Contact. Linguistics Circle of New York,
1953.

67
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

A TRADUÇÃO PORTUGUÊS-LIBRAS FACE AO


FENÔMENO DA AMBIGUIDADE LEXICAL

Jorge Bidarra22
Tania Aparecida Martins23
Keli Adriana Vidarenko da Rosa24

RESUMO
Para Steiner (2005), a existência de milhares de línguas diferentes
“mutuamente incompreensíveis” em nosso planeta põe às claras e desafia a
interminável e difícil tarefa que envolve a tradução interlíngua. Embora seja
uma prática antiga, ainda persistem muitas dúvidas e impasses sobre os
mecanismos e as formas de tratamento que precisam ser adotadas pelos
tradutores. Dentre as muitas complexidades presentes nesse trabalho, uma
delas nos chama mais a atenção: a ambiguidade lexical. Num segundo
plano, mas não menos importante e como não poderia deixar de ser, surge
em nossa pesquisa a questão da equivalência. Esse artigo tem como objetivo
principal discutir a ambiguidade lexical, bem como o problema da
equivalência, no contexto Português-Libras, as dificuldades e os impasses
impostos sobre o processo tradutório. Mais especificamente, abordamos
aqui o comportamento de signos lexicalmente ambíguos em Libras numa
situação particular em que o contexto não se mostra suficiente para a
desambiguação. Para ilustrar, vale citar o caso das palavras “julgamento,
julgar e juiz” que em Libras são representadas por um mesmo signo. À
primeira vista, pode-se dizer que os marcadores, tais como a alteração de
movimento das mãos ou de expressões não manuais, seriam recursos
suficientes para desambiguar. Todavia, não apenas para esse caso, mas para
muitos outros que ao longo do trabalho teremos a oportunidade de
explicitar, o que se pode observar é que, embora útil, eles não são capazes
de resolver o problema. Partindo-se desse ponto, com base num
levantamento prévio, que inclui consultas a dicionários impressos e online,
bem como pesquisas realizadas junto à literatura especializada, já nos foi
possível não apenas identificar um conjunto significativo de signos em
Libras com comportamentos semelhantes aos das palavras acima citadas,
como também mapeá-las. No momento, estamos em fase de análise e
discussão do material já coletado. Para permitir uma análise mais acurada,
trabalhamos sobre textos extraídos de jornais, revistas e livros didáticos.

22
Doutor; Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
23
Aluna de Mestrado; Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
24
Aluna de Mestrado; Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
68
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Para o estudo, além de Steiner, dentre outros, dão suporte a esse trabalho
Jakobson (2007), Cruse (1986), Quadros (2004), Arrojo (1986) e Kahmann
(2011).

Introdução
De acordo com Souza (1998), a falta de uma teoria unificada da
tradução dificulta uma definição universalmente aceita para o termo. Assim
que, segundo ele, por tradução podemos entender várias coisas, o que a
torna, ela mesma, uma palavra polissêmica. Para o autor, a tradução ora
pode se referir a um produto,ou o texto traduzido; a um processo,ou o ato
tradutório;a um ofício,ou a atividade de traduzir e ainda a um estudo
interdisciplinar. Se fosse somente por esse aspecto, discutir os meandros da
tradução já seria suficiente para o levantamento de uma quantidade
significativa de questões para serem resolvidas. Contudo, como o nosso
objetivo nesse artigo não é discutir a polissemia da palavra e seus efeitos,
deixaremos de lado o debate, assumindo como conceito básico de tradução
o trabalho que consiste em produzir numa língua de chegada uma
mensagem equivalente ou mais próxima, em termos de significado, da
informação contida na língua de partida.
No que diz respeito à tradução, Jakobson (1992) considera que o
processo se enquadra em três tipos, a saber: intralingual, interlingual ou
intersemiótica. A tradução intralingual, de acordo com o autor, é aquela que
acontece dentro de uma mesma língua em que determinados signos verbais
são substituídos por outros equivalentes. É um processo que envolve o texto
de partida, o leitor-textualizador e o texto de chegada. Com frequência, os
falantes de uma língua se utilizam deste tipo de tradução de forma
automática e, não raro, sem a devida consciência sobre o grau de
complexidade formal envolvido nesse trabalho. Diz-se da tradução
interlingual o processo tradutório que envolve duas (ou mais) línguas
diferentes, em que os signos linguísticos da língua de partida são
substituídos por signos, na medida do possível, equivalentes da língua de
chegada. Para realizar esse trabalho, há a figura do tradutor que, nesse caso,
atua, simultaneamente, como leitor e intérprete. A tradução intersemiótica,
também denominada transmutação, diferentemente dos tipos antecedentes,
consiste na interpretação de um determinado sistema de signos linguísticos
para outro sistema distinto constituído por signos não linguísticos ou não
verbais (Jakobson, 1992, p. 65). Esse tipo de tradução é aplicado mais
frequentemente em obras de ficção, muito usada na linguagem adotada pelo
cinema, na produção de vídeos e histórias em quadrinhos. Mas também se
aplica quando do processo tomam parte duas línguas de modalidades

69
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

diferentes, como é aqui o caso do Português, uma língua oral auditiva, e


Libras, uma língua de modalidade visual espacial.
Traduzir, ao contrário do que à primeira vista possa parecer, não é
uma atividade trivial, mas de altíssima complexidade. Sabe-se que uma
tradução para ser bem sucedida vai requerer do tradutor a consideração de
diferentes níveis de processamento linguístico, dos quais jamais poderá
abrir mão em seu trabalho. Apesar de ser essa uma verdade, para os
objetivos que traçamos em nossas pesquisas, vamos nos distanciar um
pouco de todas as análises envolvidas nesse processo, para colocar o nosso
foco num fenômeno bastante específico e altamente intrigante que acontece
ao nível do processamento lexical. Mais exatamente, interessa-nos discutir
aqui os desafios e os impasses que a ambiguidade lexical em Libras tende
impor não só para o tradutor/intérprete, mas também para o próprio surdo,
notadamente face à tradução da qual tomam parte textos e falas produzidas
em Português para Libras.Com o estudo, pretendemos mostrar que embora
seja ainda um assunto pouco explorado a ambiguidade presente em
determinados signos de Libras trazem mais problemas de compreensão do
que poderíamos suspeitar.

1 Os signos ambíguos em Libras em situação de tradução/interpretação


A tradução, como já mencionado antes, não é uma tarefa simples,
pois não se trata apenas de transferir o conteúdo de uma língua para outra
por meio de palavras e/ou expressões, até porque nesse tipo de trabalho não
há qualquer garantia de que na língua de chegada existam palavras ou
signos (para simplificar, daqui por diante, a esse conjunto vamos nos referir
apenas como termos) equivalentes que possam cobrir os
significados/sentidos contidos nos termos oriundos da língua de partida.
Para um bom trabalho de tradução, o profissional precisa ter a seu dispor
não somente um vasto conhecimento linguístico e dos vocabulários
envolvidos nas duas línguas, bem como da cultura dos povos que as falam.
Ainda assim, mesmo com uma gama de conhecimento considerável e tendo
em mãos estratégias para que os seus objetivos sejam alcançados, muitas
vezes algumas dificuldades surgem, obrigando o tradutor a buscar meios
que lhe permitam ultrapassar os obstáculos que encontra no meio do
caminho. A ambiguidade lexical é um desses problemas.
São muitas as controvérsias no entorno da ambiguidade lexical.
Apesar de atualmente os estudiosos das línguas considerarem que esse é um
fenômeno essencial e ao mesmo tempo complexo a serviço da comunicação
humana, o seu uso no passado não era aceito ou bem visto, especialmente,
pelos filósofos. Aristóteles, por exemplo, via a ambiguidade lexical como
uma espécie de manobra utilizada pelos sofistas, cujo intuito seria o de

70
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

desorientar os seus ouvintes. Durante muito tempo, as palavras de


significado ambíguo foram discutidas pelos filósofos como um defeito da
linguagem e como um obstáculo significativo não apenas para a
comunicação, mas também para um pensamento claro. Com o passar do
tempo e já superada essa visão, muito embora os falantes lidem com a sua
ocorrência nas línguas aparentemente sem dificuldades,o fenômeno é, ainda
hoje, um problema de difícil solução para estudiosos das línguas.
Em termos teóricos, a ambiguidade lexical se define como a
capacidade que certas palavras têm de suportar mais de um significado25 ou
sentido26, estejam eles relacionados entre si semanticamente ou não (Lyons,
1963, 1987; Ullmann, 1964; Silva, 2006; Biderman, 2001; Ilari, 1990;
Rehfeldt, 1980;Cruse, 1986; Mattoso Câmara, 1986, 1995). Nas línguas, a
ambiguidade lexical se manifesta de duas maneiras, por homonímia, tipo de
ambiguidade que acontece quando os significados de mesma palavra não
têm qualquer relação semântica entre si; ou polissemia,quando os possíveis
sentidos admitidos pela palavra estabelecem entre si uma mútua relação
semântica.
Assim como nas línguas orais, as línguas de sinais também se
submetem, por assim dizer, aos caprichos e, em alguns casos, às vicissitudes
das ambiguidades lexicais. Contudo, o modo como nelas se manifestam
tornam a investigação do caso um tanto quanto mais complexa, quando
comparada às línguas orais. Para começar, embora a ambiguidade lexical
seja um fenômeno reconhecido em Libras, não são poucos os pesquisadores
que consideram que, devido ao funcionamento da língua,os seus efeitos
podem ser minimizados via o uso de classificadores, marcações não
manuais e organização dos fatos no espaço de enunciação.Todavia, o
levantamento lexical que nós estamos realizando em nossas pesquisas,a
partir de consultas a dicionários e contextos diversos,nos tem apontado para
situações em que esses recursos não são se mostram, de fato, suficientes,
abrindo assim um espaço muito interessante e justificado para a presente
pesquisa.

25
Embora muitas vezes as palavras significado e sentido sejam tratadas como
sinônimos, Lyons (1963) estabelece uma diferença, e que adotamos neste trabalho.
Para Lyons (1963, p. 102), significado é muito mais que o “conteúdo” da palavra,
ele é independente da sinonímia, é concebido como um “conjunto de relações
(paradigmáticas) que a unidade em questão estabelece com outras unidades da
língua (no contexto ou contextos em que ocorre), sem que se faça qualquer
tentativa para estabelecer conteúdos para essa unidade”.
26
O sentido é o modo de apresentação através do qual uma expressão indica sua
referência, o modo como uma expressão apresenta a entidade que ela nomeia.
71
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Cabe mencionar, entretanto, que não é nova essa discussão sobre


ambiguidade lexical em Libras. Na verdade, o fenômeno já vem sendo
estudado há algum tempo, tendo como um de seus primeiros registros, no
Brasil,os trabalhos desenvolvidos por Ferreira Brito (1995). Para discutir a
sua ocorrência em Libras, a autora desenvolve, por exemplo, um debate
sobre ouso de co-referencial27 de classificadores. Para ilustrar, a autora se
vale da narração em Libras da “piada da carona”, que abaixo reproduzimos,
em português.

O narrador conta que o ouvinte que deu carona ao


surdo estava quase dormindo ao volante. Nesse
momento, devido à situação contextual (quem dirige,
no Brasil, deve estar do lado esquerdo), o surdo
estava localizado à direita. Olha para sua esquerda e
pergunta se o ouvinte quer que ele dirija. O ouvinte
aceita e então os dois trocam de lugar. (FERREIRA
BRITO, 1995, p. 120).

Para traduzir a troca de lugares entre o motorista e o surdo evitando


uma possível ambiguidade de co-referência, a autora menciona que a
maneira mais comumente utilizada seria com os seguintes recursos de
marcação:

CL: V (ouvinte, esq.) + CL: V (surdo, dir.) (= os dois trocam de lugar)


cruzamento dos braços:
Ferreira Brito ao entender que o uso de classificadores e
marcadores resolvem a situação que se coloca, vai dizer:

Talvez, por ser uma língua espaço-visual, a LIBRAS


dificilmente apresenta ambiguidade de co-referência.
O uso do espaço é sistemático e orações como as
apresentadas mostram claramente seu co-referente,
esteja o referente presente no ato da enunciação ou
não. (FERREIRA BRITO, 1995, p. 121).
Seguindo nessa mesma linha de raciocínio, a autora, quando se
referindo aos dêiticos28, vai dizer ainda que esse tipo de ocorrência

27
A co-referência em Libras pode ser realizada pelo uso de pronomes pessoais,
demonstrativos e possessivos, como nas línguas orais, mas também através do uso
do termo comparativo, da mudança de posição do corpo, do uso de classificadores
e também do olhar (FERREIRA-BRITO, 1995, p. 120-122).
28
A dêixis é uma característica das línguas de sinais.Em Libras, os dêiticos são
usados com frequência para referirem e correferirem; esclarece que a
72
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

dificilmente acarretaria ambiguidade (Ferreira Brito 1995, p. 121). No


entanto, com relação ao assunto o que poderia ocorrer, seria uma
ambiguidade provocada com o uso de certos sintagmas nominais. Os
exemplos que usa para ilustrar a situação são ‘desgraçado’, ‘safado’ e outros
do gênero, os quais são signos que não apresentam ambiguidade lexical,
mas por serem realizados deslocados dos referentes marcados no espaço, a
ambiguidade surge. Isso não ocorre apenas em Libras, mas também se
verifica em Português, como mostrado no extrato abaixo reproduzido:

PAULO3iBATER3j JOÃO MAS SAFADO3i ou 3j? NÃO FICAR


FELIZ
(=Pauloibateu em Joãoj, mas o safadoi ou j(?) não ficou feliz).

Para esse caso, a autora (1995, p. 121) conclui que há problemas de


co-referência tanto em Português quanto em Libras. Mas, afirma que,
“devido ao uso do espaço multidimensional, a Libras apresenta menos caso
de ambiguidade do que o português”. Sobre os co-referentes, vale ressaltar
que, de acordo com Cançado (2012, p. 79) esse é um tipo de ambiguidade
que não tem sua origem nem nos itens lexicais, tampouco na organização
sintática da sentença e nem no seu escopo”. Ela pode ser gerada pelos
pronomes em relação aos seus antecedentes.
Bernardino (2000) compartilha das mesmas observações de
Ferreira Brito, ao analisar enunciados em Libras que envolva mais de uma
pessoa. Para a autora, “o uso dos pronomes permite a co-referência explícita
e reduz a possibilidade de ambiguidade, o que pode ser visto também em
Libras” (Bernardino, 2000, p. 126).
Quando se trata de investigar a ocorrência da ambiguidade lexical
em Libras, verifica-se que as pesquisas se relacionam ao enunciado e não
especificamente às questões de natureza lexical. Assim, para retomar o
debate, com base nas pesquisas feitas através dos dicionários on line
LIBRAS dicionário da Língua Brasileira de Sinais (versão 2.1-2008),
DEIT- LIBRAS (2012) e livros ilustrados da Libras, organizamos para esse
momento um quadro (quadro 1),a partir do qual buscaremos discutir o
fenômeno, por um viés diferenciado.

correferência recobre termos que tradicionalmente eram chamados de anáfora e


catáfora, em que a primeira tem como seu correferente um termo antecedente
cujo referente é igual ao seu e a segunda tem como correferente um termo que
apenas é introduzido no contexto linguístico após sua menção e cujo referente é o
mesmo (BROCHADO, 2011, p. 4.077).

73
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

QUADRO 01
SINAIS / Em Libras estes sinais podem TIPIFICAÇÃO DA
PALAVRAS EM se referir: AMBIGUIDADE
LIBRAS
BANCO (Estabelecimento
onde se guarda dinheiro e }HOMONÍMIA (banco
presta serviços de ordem e Juiz; Banco e
Tribunal)
financeira)
}POLISSEMIA (Juiz e
JUIZ (Magistrado da justiça
Tribunal).
que tem autoridade e poder
Fig. 1: extraída do para julgar e sentenciar;
Novo Deit-Libras. árbitro, julgador.);
Capovilla, Raphael, TRIBUNAL (Espaço onde são
Maurício. (2012, p. discutidas e julgadas as
492). questões judiciais; lugar onde
uma pessoa é julgada).
JUSTIÇA (Faculdade de
garantir a cada um o que por
direito lhe pertence, o que é
seu; conformidade com o POLISSEMIA
direito.)
JULGAMENTO(Situação em
que alguém é julgado pelo juiz,
para que seja proferida sua
sentença de condenação ou
absolvição).
JULGAR(Formar juízo ou
Fig. 2: extraída do opinião acerca de alguém ou de
dicionário on line alguma situação; avaliar,
LIBRAS dicionário da decidir como juiz ou árbitro).
Língua Brasileira de
Sinais (versão 2.1-
2008).

Com base nesses exemplos, vamos supor que durante um processo


de tradução de uma sentença em Português para Libras nos deparemos com
os seguintes enunciados, fornecidos nos exemplos (01) e (02):

(01) “Em outubro de 1992, o presidente foi afastado do cargo e em


29, ele foi julgado, porque a justiça considerava que havia

74
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

muitas provas contra ele, só que antes de sair o resultado do


impeachment e o julgamento ele renunciou”29 [...]

(02) “O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas
para julgar segundo as leis”. (Platão).

Em (01), há três palavras (julgado, justiça e julgamento) que ao


serem traduzidas para Libras criam uma dificuldade para o
tradutor/intérprete, uma vez que o signo em Libras para representar essas
três palavras é o mesmo. Diante desse fato, a questão é saber que recursos
ou estratégias o tradutor/intérprete deveria usar para determinar, em
contexto, que apesar de o signo ser o mesmo, os conceitos envolvidos são
bem distintos. Na verdade, esse é um problema que tanto pode surgir
quando da tradução de um texto escrito em português para Libras ou ainda
quando em conversação aberta,da qual tomem parte apenas surdos ou
também ouvintes.
Seria possível dizer que o uso de marcação de referentes no espaço
de enunciação, ou de dêixis, anáforas e classificadores, recursos já
mencionados por Ferreira Brito, resolveria o problema. Até onde pudemos
perceber, a resposta é não. As circunstâncias nos obrigam aqui conduzir
essa discussão por outro caminho. Tudo leva a crer que, para a compreensão
do surdo, antes de tudo ele precisaria ter minimamente um conhecimento
prévio dos conceitos abrigados em cada uma dessas palavras; ou seja, ele
precisaria conhecer o contexto, bem como os papeis desempenhados pelos
referentes. O surdo precisaria saber, por exemplo, que JULGAMENTO é
um processo; que JUIZ é uma entidade e que JULGAR é uma ação. Mas
mesmo que isso aconteça, estamos iniciando um estudo paralelo para tentar
saber se seria possível garantir que a informação que está chegando ao
surdo é realmente compreendida por ele.
Na tentativa de encontrar soluções alternativas, uma ideia que nos
ocorreu seria acrescentar algum antecedente ao sinal de JUSTIÇA, por
exemplo, o sinal de PLATEIA. O objetivo com isso seria marcar no espaço
o sujeito com o sinal de PRESIDENTE, o qual está sendo julgado. Com
essa estratégia, estaríamos forçando retomadas anafóricas e assim, quem
sabe, a ambiguidade pudesse ser desfeita. Mas ocorre que, mesmo fazendo
uso de todos os signos necessários para a reconstrução do enunciado, ainda
não conseguimos nos convencer de que as ambiguidades presentes no
enunciado se desfariam. A nosso ver, tudo o que conseguiríamos com isso

29
Texto extraído a partir do recorte da transcrição de uma aula de História no
terceiro ano do Ensino Médio em um Colégio Público do Estado do Paraná.
75
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

seria apenas um deslocamento do problema. Agora, teríamos diante de nós a


ambiguidade estabelecida entre as palavras JULGAMENTO e JUSTIÇA.
Supondo que a estratégia para resolver o impasse fosse pela
associação do sinal de JUSTIÇA com o sinal de JUIZ posposto e vice versa
para se chegar ao conceito de JULGAMENTO, o uso desse expediente
acarretaria um novo problema. Isso porque em Libras o signo usado para
JUIZ é também ambíguo, podendo ser usado tanto para se referir a BANCO
quanto a TRIBUNAL.Em tais circunstâncias, o impasse permanece.
Em (02), a tradução para Libras impõe ao profissional um desafio
muito maior. De imediato, o tradutor precisaria encontrar algum termo em
Libras que fosse equivalente à palavra NOMEADO. Em princípio, um forte
candidato seria o mesmo signo usado em Libras para traduzir ESCOLHER.
Apesar de nos dicionários consultados (dicionário Libras on line e Novo
Deit-Libras), essa seja uma indicação possível, o fato é que os conceitos
estabelecidos por uma e outra palavra são bastante distintos entre si,
dificultando o processo.
No quadro abaixo, apresentamos apenas uma das diferentes
possibilidades de tradução dessa sentença para Libras.

QUADRO 02

01. Fig. 01 Fig. 02 Fig. 03 Fig. 04

NOME ESCOLHER COLOCAR JUIZ (banco+ justiça)

02. Fig. 05 Fig. 06 Fig. 07 Fig. 08

NÃO É EL@30 À FAVOR JUSTIÇA

30
“Na Libras, não há desinência para gênero (masculino e feminino). O sinal,
representado por palavra da língua portuguesa que possui marcas de gênero, está
76
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

03. Fig. 09 Fig. 10 Fig. 11 Fig. 12

EL@ O QUÊ? JULGAR31 OBEDECER


(dêixis anafórica) (repetição do movimento
várias vezes no espaço)
04. Fig. 13

LEI. (P-L-A-T-Ã-O)

Note-se que, na tentativa de solucionar a falta de um sinal


equivalente em Libras para a palavra ‘nomeado’, optamos por introduzir
dois marcadores, um deles que antecede o sinal de “escolher” e outro
colocado na sequência (fig. 2). A posição do olhar do tradutor (fig. 3)indica
que haverá marcação de referentes no espaço, tal como mostrado nas figuras
de 04, 05 e 06. São elas que marcam o ‘juiz’ em um determinado ponto do
espaço (lado direito). Já a mudança de posição e do olhar do tradutor (fig.07
e 08) marcam o referente ‘justiça’(lado esquerdo). Desse modo é possível a
retomada dos referentes por meio de dêixis e anáforas com a intenção de
determinar ou definir para o interlocutor a diferença entre JUIZ, JULGAR e
JUSTIÇA. Mas, assim como acontece com sentença (01), mesmo que ao
sinal de JUSTIÇA fossem acrescentados movimentos com o objetivo de
marcar o verbo JULGAR, ainda assim parece não haver possibilidade para a
desambiguação necessária. A fim de dar sentido à sentença, outros signos
precisariam ser adicionados à descrição do cenário; por exemplo, neste caso
NOME, COLOCAR, EL@, O QUE, OBEDECER. Mas, a questão é, será

terminado com o símbolo @ para reforçar a ideia de ausência e não haver


confusão”. (FELIPE, 2001, p. 22).
31
De acordo com os estudos de Ferreira Brito (1995), Quadros e Karnopp (2004, p.
97) há uma alteração da classe gramatical (substantivo/verbo) por meio da
repetição do movimento.
77
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

que esta tradução assegura a equivalência desejada? Como o surdo a


compreenderia?

2 Considerações Gerais
A investigação sobre as ocorrências de ambiguidade lexical ainda
carece de muitos aprofundamentos e muita reflexão. Apesar de o fenômeno
não ser novo, são poucos os trabalhos desenvolvidos sobre Libras que têm
se debruçado sobre o assunto. No entanto, temos observado que, para além
dos exemplos citados aqui, há muitos outros casos de ambiguidade lexical
para os quais nem sempre o contexto é capaz de resolver.O nosso estudo,
cabe enfatizar, encontra-se num estágio bastante inicial, mas já dá mostras
de que a investigação, além de necessária, é teoricamente motivada e,
portanto, merecedora de atenção. Não tivemos e nem temos a intenção de
trazer para o debate soluções para o problema. Antes, estamos interessados
em levantar as questões que temos encontrado e, em conjunto, debatermos o
problema, cujo intuito não é outro senão buscarmos pistas, ideias e
sugestões que permitam a evolução da pesquisa, como forma de contribuir
para os estudos que se desenvolvem em torno de Libras e suas aplicações.
Nesse artigo, tentamos mostrar que o processo tradutório
envolvendo línguas de modalidades diferentes não é uma tarefa simples. Os
recursos linguísticos que existem numa língua nem sempre se aplicam a
outra língua. O que nos chama a atenção é o fato de como os falantes de
Libras conseguem lidar com algumas dificuldades que normalmente
ocorrem em todas as línguas, como no caso específico da ambiguidade
lexical. A questão de fundo é mesmo saber ou pelo menos tentar descobrir
maneiras de as ambiguidades lexicais de signos em Libras serem
adequadamente desambiguados. Ao longo do texto trouxemos alguns
exemplos em que essa desambiguação nem sempre consegue ser executada
com os recursos disponíveis em Libras. Mas, se isso não é suficiente, o que
mais seria preciso?

3 Referências
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Série Princípios, 2007. 5ª ed.
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78
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

BROCHADO. S.M.D. Estratégias de articulação tópica na organização do


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2012.

80
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

MARCAS DE ATENUAÇÃO RETÓRICA EM ARTIGOS DE


PESQUISA: ESTUDO CONTRASTIVO ALEMÃO-PORTUGUÊS

Ednúsia Pinto de Carvalho 32

RESUMO
Este trabalho investiga, sob uma perspectiva retórico-contrastiva, os usos e
as funções das marcas metadiscursivas de atenuação retórica (hedges), em
artigos de pesquisa, considerados, aqui, textos especializados
(HOFFMANN, 1998), pertencentes ao contexto comunicativo: especialista-
especialista (PEARSON, 1998), produzidos por autores (as) brasileiros (as)
e alemães (as). Para cumprir tal objetivo, a pesquisa intenciona responder
aos seguintes questionamentos: (a) qual a frequência das estratégias de
atenuação retórica utilizadas nas seções introdução e conclusão? . Para
tanto, parte-se do pressuposto de que textos pertencentes a um mesmo
gênero discursivo, porém escritos em línguas distintas apresentam
diferenças retóricas marcantes. Tais diferenças no discurso acadêmico
escrito podem ser descritas pelo uso das marcas de atenuação retórica como
elemento discursivo-pragmático caracterizador de um “modus dicendi” de
uma determinada área do conhecimento, no caso, a Medicina. Para tanto,
selecionamos um corpus composto por 120 artigos de pesquisa em
Medicina de periódicos nacionais e internacionais, coletados, no site de
periódicos da CAPES, escritos em língua alemã e em língua portuguesa.Na
análise e tratamento dos dados, utilizamos os princípios metodológicos da
Linguística de Corpus, aplicando seu caráter instrumental. Para avaliar os
dados dessa pesquisa, utilizamos o programa computacional de análise
lingüística, WordSmith Tools versão 3.0, as ferramentas Wordlist e o
Concord. Para investigar e analisar os usos e as funções das marcas
metadiscursivas de atenuação, sob uma perspectiva do Metadiscurso
Interacional (HYLAND, 2005) e da Retórica Intercultural (CONNOR,
2008), tendo em vista os corpora em análise, propomos um modelo
classificatório, em conformidade com as taxonomias propostas por Hyland
(2005), Cabrera (2004) e Martín-Martín (2008). Conforme os resultados, a
seção de discussão concentra o maior número de ocorrências das marcas de
atenuação retórica nas duas línguas, seguida da seção de introdução. Ambas
apresentam um elevado número de ocorrências das estratégias de
indeterminação (as expressões epistêmicas, como verbos modais, lexicais,
semi-auxiliares) e os adjetivos/advérbios modais,) e desagentivação (as

32
Doutora. Professora Adjunto I do Departamento de Letras Estrangeiras da
Universidade Federal do Ceará.
81
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

expressões impessoais, voz passiva). A partir desses resultados, conclui-se


que os autores tanto em português como em alemão nos artigos de pesquisa
na Medicina fazem uso na mesma proporção de estratégias de atenuação
para atender aos propósitos comunicativos do gênero textual-artigo de
pesquisa.

Introdução
Atualmente o conhecimento especializado não é mais privilégio de
cientistas e seus pares, sendo agora partilhado com pessoas de grau variado
de especialidade. Assim, cresce cada vez mais a necessidade por divulgação
de informações no âmbito da comunicação especializada externa
(fachexterne Kommunikation). Porém, na tentativa de ter acesso ao
conhecimento especializado, deparamo-nos, enquanto leigos e até mesmo
iniciados, com a limitada fluência nas linguagens especializadas, que nos
fazem sentir verdadeiros “estrangeiros”, mesmo se o texto com o qual
estamos lidando estiver em nossa língua materna.
No âmbito da comunicação especializada interna, isto é, a
comunicação que se dá entre especialista e seus pares, como também entre
especialistas e iniciados, constitui-se em um verdadeiro problema para esse
iniciado, o não conhecimento dos padrões retóricos peculiares das práticas
de escrita de uma determinada comunidade discursiva, em que se insere ou
à qual pretende pertencer.
Este é o caso daquele que se inicia no meio acadêmico ou ainda
daquele que, mesmo sendo pesquisador experiente, desconhece padrões
retóricos utilizados em práticas discursivas em uma determinada língua
estrangeira. Ambos terão dificuldades em divulgar suas ideias, assim como
também em persuadir os colegas, seus possíveis leitores, quanto à
veracidade ou ainda à importância de suas pesquisas. Como consequências,
esses indivíduos, provavelmente, não serão aceitos como membros da
comunidade discursiva da qual desejam participar.
O presente artigo tem como objetivo investigar e analisar as marcas
metadiscursivas de atenuação retórica (hedges) e, assim, verificar seu
funcionamento, sob uma visão contrastiva, em textos acadêmicos
pertencentes ao contexto comunicativo: especialista-especialista, com base
na frequência de ocorrência e variação interlíngua dessas respectivas
marcas.
Dado o escopo deste trabalho, intencionamos aqui responder ao
seguinte questionamento: (a) qual a frequência das estratégias de atenuação
retórica utilizadas nas seções introdução e discussão?

82
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

1 Retórica Contrastiva
Retórica Contrastiva (doravante RC) apresenta como objetivo
principal a análise de textos produzidos por falantes de diferentes línguas,
com a finalidade de explicar (i) a influência de padrões e esquemas retóricos
típicos da língua materna em textos escritos em segunda língua; (ii) a
existência de estilos específicos em cada comunidade linguística ou ainda
(iii) a verbalização em cada cultura de diferentes formas para as mesmas
funções textuais-discursivas (OLMO, 2004,p.101).
Connor (2004, p.293) em seu artigo intitulado “intercultural
rhetoric research:beyond texts” expõe os novos rumos metodológicos da
RC, propõe inclusive novo termo para a área - Retórica Intercultural
(Intercultural Rhetoric).Segundo a autora, esse novo termo guarda-chuva
abrange dois tipos de estudos: os estudos interculturais, os quais
(intercultural studies) enfatizam a análise de textos (escritos ou orais) como
negociação entre autor e leitor em contextos atuais e os estudos
transculturais (cross-culture studies) priorizam a investigação de textos orais
ou escritos equivalente (comparação do mesmo conceito da Cultura 1 na
Cultura 2) e produzidos em diferentes contextos linguísticos e culturais.
Em uma entrevista dada à Ana Moreno e Luana Suaréz (2005,
p.166) a respeito da mudança do termo Retórica Contrastiva para Retórica
Intercultural, Connor argumenta que as pesquisas realizadas em RC
frequentemente forçavam seus pesquisadores a tratar das diferenças entre
culturas, ao invés de encorajá-los a buscar as similaridades interculturais.
Ao contrastar uma língua com a outra potencialmente faz com que uma seja
vista como inferior em detrimento da outra. Em resumo, com a nova visão
Intercultural da Retórica: (a) se investiga as conexões entre as culturas ao
invés de priorizar as diferenças retóricas e linguísticas; (b) incentiva a
examinar a comunicação (oral ou escrita) em ação; (c) desencoraja análises
puramente contrastivas e estereotípicas; (d) analisa a comunicação oral e
escrita, não somente enfatizando a modalidade escrita. Ainda com relação à
mudança de nome da disciplina Connor (2005, p.312) lembra que “o termo
Retórica Intercultural sugere que nenhuma tradição cultural é pura, mas que
tudo existe entre culturas” (tradução nossa) 33.

2 Metadiscurso: definição
A definição de metadiscurso adotada para os propósitos desse
trabalho é aquela proposta por Hyland (2004, p.156) como sendo termo
guarda-chuva que reúne em si “um conjunto de traços retóricos utilizados

33
“….the term intercultural rhetoric was expected to suggest that no rhetorical
tradition is pure but that everything exists between cultures. (Connor, 2005, p.312)
83
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

pelos autores explicitamente para organizar seus textos, engajar os leitores e


sinalizar as atitudes dos autores com relação ao conteúdo explicitado nos
textos e à audiência.” Segundo Hyland (1998), por ter como base uma visão
da escrita como prática social e comunicativa, o metadiscurso oferece
uma maneira importante de ver como os autores se projetam em seus textos
para alcançar suas intenções comunicativas.
É muito importante lembrar que os sinais, as marcas
metadiscursivas deixadas nos textos pelos autores para direcionar os leitores
na compreensão e apreensão do conteúdo proposicional, não fazem parte do
estilo individual da escrita do autor e que não podem assim variar de autor
para autor. Segundo Hyland (op.cit.p.437), o uso do metadiscurso e suas
formas de ocorrências estão intimamente ligadas às normas e às
expectativas de uma determinada comunidade profissional e cultural.
Hyland e Tse (2004, p.167) apresentam uma nova classificação de
metadiscurso, com base no aspecto interpessoal da comunicação. Para esses
autores, a visão de metadiscurso a partir desse momento se contrapõe a de
Crismore, Kopple e Williams ao sugerir que os aspectos textuais
contribuem tanto para as funções proposicionais como interpessoais. O
autor distingue dois tipos de metadiscurso, o interativo e o interacional. Para
o referido autor, metadiscurso interativo diz respeito à consciência do autor
sobre a sua audiência e a forma como essa audiência “acomodará” seus
conhecimentos, expectativas e interesses. Sua nova taxonomia das marcas
metadiscursivas encontra apoio na classificação de Thompson (2001). Esse
autor explorou os aspectos organizacionais e avaliativos da interação autor-
leitor na escrita acadêmica. Hyland (op.cit. p.49) afirma que seu modelo
oferece uma visão mais ampla da interação na escrita acadêmica ao incluir
duas novas dimensões: o posicionamento (stance) referindo-se à dimensão
interativa e o engajamento (engagement) que trata da dimensão interacional
do discurso acadêmico.
Hyland (2004, p.168) afirma que o metadiscurso interacional alerta
os leitores sobre o modo como o autor se projeta nos textos, com relação ao
conteúdo proposicional e aos próprios leitores. O metadiscurso interacional
ajuda a construir a relação autor-leitor no texto. Essa categoria é
essencialmente interacional, avaliativa e expressa a personalidade, atitudes e
visões do escritor. Subdivide-se34 em (1) marcas de atenuação; (2) marcas
de intensificação; (3) marcas de atitude; (4) marcas de auto-menção, (5)
marcas de engajamento. No presente estudo, examinaremos as marcas de

34
(1) hedges; (2)boosters; (3) atitude markers; (4) self mention; (5) engagement
markers
84
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

atenuação, enquanto elementos metadiscursivos, sob o enfoque pragmático-


semântico.
Para Hyland (2004, p.169), as marcas de atenuação reduzem a
força das proposições, indicando assim a falta de compromisso do autor
com o valor da verdade do fato informado no texto.

3 As Marcas Metadiscursivas de Atenuação


Zadeh e Weinrich (1966) foram os primeiros pesquisadores que se
ocuparam do fenômeno da atenuação retórica, sem denominá-los como tal
em sua teoria da imprecisão (Fuzzy-Set Theory”). Os autores denominavam
esse fenômeno retórico como “operadores metalinguísticos”.Lakoff (1972)
introduziu o termo “hedge” (em alemão Hecken) – marcas de atenuação
retórica- ao se referir a expressões ou palavras que denotam imprecisão.
A atenuação retórica geralmente está associada às expressões
epistêmicas, como também à concepção de probabilidade e suas realizações
linguísticas no discurso. É definida como uma importante característica.
Concordamos com Morales et al.(2008) quando definem as marcas de
atenuação como um “conjunto de mecanismos estilísticos, retóricos ,
semânticos e pragmáticos, altamente persuasivos e convencionais, que se
empregam na comunidade científica entre especialistas para minimizar ou
reduzir a forca do nível de certeza de uma proposição.” (tradução nossa) 35 .
Vale ressaltar que as marcas de atenuação retórica englobam
marcas lingüísticas cujo significado pode parecer difícil de analisar e
categorizar, como por exemplo, verbos modais, verbos semi-
auxiliares,verbos lexicais evidenciais, pronomes pessoais, para citar
algumas.Como bem lembra Varttala (1999, p.91), as funções que assumem
as distintas marcas de atenuação dependem do contexto de uso e da
perspectiva adotada pelo analista do discurso.O autor comenta ainda a
respeito da dificuldade do pesquisador em atribuir uma única função a uma
determinada unidade léxico-gramatical devido ao caráter polipragmático
das marcas de atenuação. Como resultado desse caráter multifuncional
observa-se uma sobreposição de funções dessas marcas retóricas.
As marcas de atenuação retórica apresentem as seguintes funções:
(a) expressam imprecisão, falta de claridade e incerteza da proposição; (b)
apresentam a verdade como relativa, uma tentativa e abrem a possibilidade
de outras alternativas, explicações, resultados, terapias, efeitos e etc; (c)

35
“conjunto de mecanismos estilísticos, retóricos, semânticos y pragmáticos,
altamente persuasivos y convencionales, que se empleam em la comunicación
científica entre especialistas para suavizar o reduzir la fuerza o El nível de
certidumbre de uma proposición ...” (MORALES et. a. 2008)
85
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

projetam modéstia, humildade, precaução, dúvida pessoal, amabilidade e


falta de compromisso com o conteúdo proposto; (d) envolvem os leitores
em uma interação para ter aceitação de seu trabalho; (e) evitam criticas
potenciais de parte de seus pares; (f) negociam a incorporação à
comunidade científica ao usar mecanismos (atenuadores) que são próprios.
Cabrera (2004) defende uma visão pragmático-semântica das
marcas de atenuação e de intensificação. O autor lembra a dificuldade em
torno da conceituação, terminologia e da classificação do termo hedges36.
Em inglês é conhecido como hedges, hedging, em espanhol como
mitigación, matizadores, atenuantes retóricos, escudos linguisticos ou ainda,
como denominou Cabrera, atenuantes assertivos, como tradução para
hedges.
Cabrera (2004, p.224) compreende essas marcas sob a ótica do
metadiscurso em uma perspectiva pragmático-semântica e interpessoal. O
referido autor define as marcas de atenuação como estratégias retóricas
persuasivas que indicam a imprecisão e a dúvida. A marca de intensificação
é definida pelo autor também como uma estratégia retórica persuasiva que
se opõe à atenuação e expressa certeza, convicção e firmeza. O autor lembra
ainda que apesar da oposição, elas se complementam, são duas faces da
mesma moeda, “uma harmoniosa combinação, igualmente necessária no
processo de negociação acadêmica”, como expõe Cabrera (2005, p.84).
O autor apresenta uma classificação das marcas de atenuação e de
intensificação com base em Quirk et al (1985). Para análise dos corpora
dessa pesquisa adotaremos de sua classificação apenas as marcas de
atenuação Sua taxonomia dessas respectivas marcas abrange: (1) expressões
aproximativas; (2) expressões epistêmicas; (3) expressões hipotéticas; (4)
limitações de investigação; (5) expressões indeterminadas; (6) expressões
de despersonificação da investigação e (7) negação da intensificação. Para
análise dos corpora dessa pesquisa adotaremos apenas as seis primeiras
categorias.
Martín-Martín (2008) em seu artigo intitulado “the mitigation of
scientific claims in research papers: a comparative study, aborda o
fenômeno atenuação retórica em uma perspectiva retórica e intercultural,
analisando artigos de pesquisa na modalidade escrita e oral na área da
psicologia. Sua classificação das marcas de atenuação retórica é descrita
com base em estratégias, tais como: (i) estratégia de indeterminação que
compreendem a modalidade epistêmica e os aproximadores; (ii) estratégia
de subjetivização inclui a primeira pessoa do singular ou plural seguida por
verbos de cognição, como por exemplo- acreditar, achar ou verbos

36
Esse termo foi cunhado por Lakoff em 1972.
86
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

perfomativos, como sugerir, apoiar e expressões que demonstram o


envolvimento do autor com o fato exposto na proposição; (iii)
intensificadores com valor enfático (equivalem às expressões atitudinais de
Hyland (2005; (iv) estratégias de despersonificação-referem-se aos casos
em que o autor diminui sua presença no texto ao utilizar expressões
impessoais, voz passiva, com a finalidade de minimizar sua
responsabilidade pela verdade das proposições. Observamos que há
semelhanças evidentes nesta taxonomia com aquela proposta por Cabrera
(2004).

4 Classificação adotada para a análise dos corpora


Para investigar e analisar o funcionamento das marcas
metadiscursivas de atenuação, sob uma perspectiva do Metadiscurso
Interacional e da Retórica Intercultural, tendo em vista os corpora em
análise, considerando os contextos sócio-pragmáticos, propomos aqui um
modelo classificatório, em conformidade com as taxonomias propostas por
Hyland (2005), Cabrera (2004) e Martín-Martín (2008). Da classificação de
metadiscurso de Hyland (2005, p.49), adotamos a macrocategoria,
metadiscurso interacional e a subcategoria marcas de atenuação (hedges).
Adotamos a tipologia de Cabrera (op.cit, p.230)37 na identificação e análise
das categorias formais que realizam pragmaticamente as marcas de
atenuação, a saber, (1) expressões epistêmicas; (2) expressões
aproximativas; (3) expressões hipotéticas; (5) despersonificação da
investigação. Da classificação de Martín-Martín (2008, p.137) utilizamos a
noção de estratégias. Apresentamos a seguir, o quadro da classificação
proposta:

37
Vale ressaltar que as classificações de Cabrera (2004) baseiam-se em critérios
pragmáticos e semânticos e não meramente lexicais.
87
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

5 Metodologia
Para compilação dos corpora desse estudo, selecionamos 120
artigos de pesquisa, subdivididos da seguinte forma: 60 artigos em
Medicina, escritos em língua alemã e 60 artigos em português. Os artigos de
pesquisa foram coletados do portal de periódicos da CAPES. Optamos por
esse gênero discursivo por ser um dos mais representativos na comunicação
acadêmica. Buscamos o portal da CAPES para assim, garantir a importância
das publicações selecionadas para o corpus, além de ter acesso livre a
inúmeros periódicos. Quanto à escolha das áreas disciplinares, optamos por
Medicina, especificamente, Cardiologia, pelo interesse particular pelo
assunto.
O corpus Medicina Alemão- (MA) possui 69.365 palavras em geral
(ocorrências), incluindo aqui as palavras repetidas e é composto com 121
arquivos. O corpus Medicina Português (MP) por sua vez, apresenta 10.996
ocorrências e é composto também por 121 arquivos.
Para avaliar os dados desse estudo, utilizamos, segundo os
princípios da Linguística de Corpus, a ferramenta computacional de análise
linguística WordSmith Tools (Scott, 1997), versão 3.0.
Dentre as diversas marcas linguísticas que realizam as estratégias
de atenuação comentaremos apresentamos aqui apenas as expressões
epistêmicas realizadas pelos verbos lexicais de juízo

88
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

6 Análise e Resultados
Ao comparar as frequências de uso das estratégias de atenuação
retórica nas duas seções retóricas (introdução e discussão), logo
percebemos, de acordo com o gráfico descrito abaixo, que a seção de
discussão, tanto em português como em alemão (MPD e o MAD) concentra
o maior número de ocorrências.

O elevado número de ocorrências de estratégias de atenuação


retórica na seção de discussão nos dois subcorpora se justifica em grande
parte, devido aos propósitos comunicativos típicos dessa seção, quais sejam:
(a) apresentar resultados de pesquisas já existentes na área com a finalidade
de contextualizar os resultados que serão apresentados ao leitor; (b)
apresentar os resultados de pesquisa com uso de tabelas e gráficos; (c)
comparar resultados das pesquisas com trabalhos prévios já existentes na
área, (d) avaliar os resultados da pesquisa (DUDLEY-EVANS, 1986).
Porém, para que a comunidade acadêmica aceite os resultados apresentados
nessa seção, o autor de artigos de pesquisa necessita fazer uso de um
grande número de estratégias de atenuação com a finalidade de diminuir o
seu compromisso com os resultados apresentados em sua pesquisa,
procurando assim evitar afirmações categóricas que possivelmente gerariam
críticas por parte de seus pares na academia ou poderiam ser entendidas
como ameaças.
Vejamos abaixo alguns exemplos coletados do subcorpus MAD e
MPD das estratégias de atenuação mais recorrentes:Exemplo (1)-
estratégia de indeterminação: “Die in der jüngeren Literatur
beschriebenen recht hohen Komplikationsraten wie auch eine zunehmende
89
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Inakzeptanz der endoskopischen Vorgehensweise durch die Patienten


konnten wir in unserer Klinik nicht beobachten. (Tab. 3)”. (MAD21-
MADGEF) (verbo- beobachten (obervar) uso expressão epistêmica);
Exemplo (2):Estratégia de indeterminação: “Eine mögliche Ruptur der
Plaque initiiert die Thrombenbildung, da subzelluläre Bestandteile wie
Kollagen und von-Willebrand-Faktor nach Kontakt mit Blut Adhäsionen
von Thrombozyten hervorrufen.” (MAD17-MADGEF).(o adjetivo
epistêmico – “möglich” (possível).
Ao examinarmos a frequência das estratégias de atenuação na
seção de introdução nos artigos de pesquisa em medicina, percebemos que
os autores tanto em português como em alemão também atenuam bastante
nessa seção e na mesma proporção. O predomínio de marcas de atenuação
retórica nessa seção em artigos de pesquisa também coincide com os
resultados encontrados por Varttala (2001) sobre a presença de atenuadores
em artigos de pesquisa em medicina, economia e tecnologia, assim como no
estudo de Hyland (1998) a respeito da distribuição de marcas de atenuação
em artigos de pesquisa em biologia, e na pesquisa de Salager-Meyer (1994)
em artigos de pesquisa em medicina. De acordo com o modelo de Swales
(1990) dos movimentos retóricos típicos da seção de introdução nos artigos
de pesquisa, os autores precisam “estabelecer um território de pesquisa”,
“estabelecer um contexto no qual a pesquisa faça sentido” e “ocupar um
espaço na academia ao sinalizar que sua pesquisa preenche um lugar ainda
não ocupado (gap)”. Tendo em vista essas funções comunicativas que se
realizam na seção introdução, os autores de artigos de pesquisa têm a
necessidade de preencher esses passos com bastante cautela, humildade e
por esse motivo fazem uso elevado das estratégias de atenuação retórica ao,
por exemplo, na introdução revisar as pesquisas já existentes na área e ainda
ao elaborar os objetivos ou mostrar a natureza de suas pesquisas.
Vejamos a seguir os exemplos retirados da seção de introdução das
estratégias mais frequentes nos subcorpora: Exemplo (03): Estratégia de
desagentivização –“Por sua vez, muitos estudos evidenciaram que a
realização de exercícios físicos também influencia o controle autonômico
cardiovascular.” (MPI13-MPIABC) – um verbo ativo com sujeito
inanimado. Exemplo (04): “Die Rationale für notfallmäßige
Revaskularisation basiert auf experimentellen und klinischen
Untersuchungen, die zeigen, dass die Entwicklung einer zerebralen
Ischämie einem progredienten Prozess mit protrahierter und selektiver
Neuronenzerstörung entspricht.” (MAI16-MAIGEF)
No exemplo (03) acima, podemos ver que a expressão “Muitos
estudos evidenciaram...” representa a estratégia de desagentivização com o
uso de expressão de despersonalização muito presente nos corpora das duas

90
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

línguas (exemplo 04 “... Untersuchungen, die zeigen...”). Ao citar estudos


anteriores o autor prefere utilizar um verbo ativo com um sujeito inanimado,
escondendo de certa forma a responsabilidade por ação concreta,
transferindo-a assim para a própria pesquisa.

7 Considerações Finais
De acordo com os dados e a análise contextual das estratégias de
atenuação retórica realizadas nos corpora dessa pesquisa, percebemos que
há uma semelhança na frequência das estratégias de indeterminação,
seguida da estratégia de desagentivação na seção discussão dos artigos de
pesquisa na medicina. Desta forma, entendemos que os pesquisadores na
medicina ao escreverem seus artigos em alemão ou em português
demonstram um alto grau de respeito e deferência aos seus pares, ou seja,
há uma preocupação com a relação interpessoal estabelecida em seu texto
entre o pesquisador e sua comunidade acadêmica.

8 Referências
CABRERA, G. M. Estudio comparado inglés/español del discurso
biomédico escrito: la secuenciación informativa, la matización asertiva y la
conexión argumentativa en la introducción y la discusión de artículos
biomédicos escritos por autores nativos y no-nativos. 2004, p.453.
Valladolid, Universidade de Valladolid, Tese de Doutorado. Disponível em
http/ www.cervantesvirtual.com/fichaobra.html. acessado em 06 outubro de
2007.
________________ e BARTOLOMÉ, Ana Isabel Hernández. La
matización asertiva en el artículo biomédico: una propuesta de clasificación
para los estudios contrastivos inglés-español. In: Ibérica. Castelló, v.10,
p.63-90, 2005.
CONNOR, U. Intercultural rhetoric research: beyond texts. Journal of
English for Academic Purposes.v.3, p.291-304, 2004.
HYLAND, Ken. Metadiscourse: exploring interaction in writing.
Continuum: Londres.2005.
___________ e TSE, Polly. Metadiscourse in academic writing: a
reappraisal. Applied Linguistics. v.25 n.2, p.156–177, 2004.
MARTÍN-MARTÍN, P. The Mitigation of scientific claims in research
papers: a comparative study. International Journal of English Studies.
V.8 n.2 , 2008,p.133-152.
MORALES, A; CASSANY, D; MARIN-ALTUVE, E. I.; GONZALÉZ-
PEÑA, C.. La atenuación en el discurso odontológico: casos clínicos em
revistas hispanas. CLAC. Vol 34, 2008.
91
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

SCOTT, M. Mike Scott´s Web Page [online] [cited


11.11.2004].http://www.lexically.net/wordsmith/index.html.
VARTTALA, T. Remarks on the Communicative Functions of Hedging in
Popular Scientific and Specialist Research Articles on Medicine. English
for Specific Purposes. vol 18, n 2, p.177-200, 1999.
THOMPSON, G. Interaction in academic writing.Applied linguistics. V 22
n.1, 2001, p.58-78.

92
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

BULAS DE MEDICAMENTOS ALEMÃS E BRASILEIRAS:


EMPREGO DA ANÁLISE CONTRASTIVA PARA DESCRIÇÃO DE
ESTRATÉGIAS DE REDAÇÃO

Adriana Dominici Cintra38


Tinka Reichmann39

RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar algumas estratégias para a redação de
bulas de medicamentos, identificadas a partir da análise contrastiva entre
dez bulas escritas em língua alemã e dez em língua portuguesa (Brasil). As
bulas de medicamentos constituem uma importante fonte de informação aos
pacientes, portanto a transmissão de informações técnicas de maneira clara
e exata a um público leigo se faz necessária, fato que motivou a escolha do
objeto de estudo. Para este trabalho, foram adotados procedimentos da
Textologia Contrastiva devido à possibilidade de analisar comparativamente
o texto em questão e de verificar a existência (ou não) de convenções
textuais/discursivas que diferem de uma língua para outra (HARTMANN,
1980). Inicialmente, foi realizado um estudo do gênero textual, que incluiu a
descrição de sua função e situação comunicativa, segundo critérios
propostos por Brinker (2010). Em seguida, foram contrastados alguns
aspectos de sua macroestrutura, ou organização das informações no texto, e
elementos microestruturais, sobretudo, relacionados aos níveis semântico e
sintático (ECKKRAMMER, 2009). Os resultados obtidos indicaram que,
entre o texto das bulas brasileiras e alemãs, há tanto semelhanças quanto
diferenças, sendo elas relacionadas às variantes gênero textual, língua e
cultura. A partir dessa descrição contrastiva foram identificadas estratégias
de redação para esse gênero textual que minimizam dificuldades de leitura,
permitindo que o paciente leia as bulas de maneira mais rápida e eficiente.
Entre as estratégias a serem comentadas estão a inclusão do sumário de
informações, a apresentação dos itens em forma de pergunta e resposta, a
combinação de termos técnicos e termos populares e o emprego de orações
subordinadas condicionais.

38
Mestranda em Língua e Linguística Alemã pela Faculdade de Filosofia Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo (USP).
39
Professora doutora da Área de Língua e Literatura Alemã na Faculdade de
Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo (USP); email:
reichmann@usp.br
93
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Introdução
A bula de medicamento chama a atenção pelo fato de se constituir
como um gênero de uso diário, com função informativo-instrutiva e, por
isso, de alta relevância para a sociedade. Segundo Caldeira (2008, p. 742),
além da consulta médica, esse texto é considerado uma das principais fontes
de informação aos pacientes.
Contudo, a bula é vista, muitas vezes, como um gênero
problemático devido, sobretudo, à linguagem técnica e, consequentemente,
à dificuldade de compreensão do texto por parte do cidadão comum, um
paradoxo que motivou substancialmente sua escolha como objeto de estudo.
Considerando a importância da bula de medicamentos como material
informativo para a sociedade, é necessário que a linguagem seja acessível e
adequada aos seus destinatários. A partir da análise contrastiva de um
corpus composto por dez bulas alemãs e dez bulas brasileiras de
medicamentos com princípio ativo paracetamol, foram identificadas e
descritas estratégias de redação que possam facilitar a leitura e o
entendimento desse texto técnico ao cidadão comum.
Além disso, duas grandes contribuições que tal estudo pode
oferecer com o aprimoramento do texto são a possibilidade de permitir a
uma parcela significativa da população o exercício de seus direitos como
consumidor, já que esse se apoderaria, efetivamente, das informações a
respeito de uma mercadoria adquirida e, a longo prazo, um contínuo
desafogamento do sistema público de saúde, pois os cidadãos ganhariam
autonomia para prevenir ou detectar problemas advindos do uso do
medicamento, tomar medidas imediatas e administrar adequadamente o
tratamento em todos os níveis, como dose, período, horário, procedimentos
específicos etc (SILVA et al., 2006, p. 232).
Neste artigo, serão comentadas quatro estratégias, sendo que duas
referem-se ao nível macroestrutural do texto em questão e outras duas estão
relacionadas a elementos analisados em nível microestrutural. Entretanto,
antes de dar início à parte principal deste estudo, é necessário identificar
certos aspectos importantes do texto das bulas, levando em consideração
não só características linguísticas, mas também detalhes funcionais e
aspectos culturais relacionados à comunidade na qual estão inseridos.

1 O gênero textual bula de medicamento


A bula é um texto que acompanha um produto. Sendo esse produto
um medicamento, ela pode ser considerada um texto técnico ou de
especialidade, uma vez que traz informações específicas a respeito do
composto e instruções de uso ou aplicação do mesmo.
Uma das principais características do texto da bula é a estrutura

94
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

rígida, tanto da escolha quanto da organização de informações, ou seja, não


está previsto que esses dois fatores variem de medicamento para
medicamento ou de laboratório farmacêutico para laboratório. Esses e
outros aspectos relacionados ao texto são pré-determinados por prescrições
jurídicas de cada país onde o medicamento está em circulação, sendo que,
no Brasil, a Anvisa, entidade pública com autonomia administrativa
vinculada ao Ministério da Saúde, é o órgão responsável pelas
Regulamentações de Diretoria Colegiada (RDC) e, na Alemanha, o próprio
Ministério da Saúde [Bundesministerium für Gesundheit] é quem
regulamenta questões relacionadas às bulas em legislação referente à
circulação de medicamentos [Arzneimittelgesetz ou AMG].
A respeito da situação comunicativa que está envolvida na
produção e recepção desse tipo de texto, é possível afirmar que, no caso das
bulas, essa se insere no âmbito comunicativo público, o que significa que
qualquer cidadão pode ter acesso a esse texto a partir do momento em que
adquire a mercadoria (embora, atualmente, com a Internet a divulgação das
bulas esteja muito mais ampla e desvinculada da compra do medicamento).
Sabe-se que a redação e a atualização das bulas de medicamento
são de responsabilidade de cada laboratório farmacêutico, entretanto o
desenvolvimento desses processos ainda é muito variado, razão pela qual
não é tão fácil apontar quem são os reais autores do texto da bula. De
acordo com Fandrych & Thurmair (2011, p. 181), a característica de
indeterminação dos autores da bula de medicamento assemelha-se ao que
ocorre com os manuais de instruções: no texto, apenas a empresa do
produto é mencionada como responsável, e por isso não se sabe quais
profissionais participaram dessa atividade, que, possivelmente, envolveu
técnicos de produção, representantes do departamento de redação técnica ou
redatores externos especializados em textos técnicos. Fandrych & Thurmair
(2011, p. 181) destacam também que os leitores da bula são uma grande
massa indefinida para aqueles que desenvolvem o texto, já que todo
paciente ou consumidor do medicamento é um leitor em potencial.
Neubach (2009, p. 79) atenta para o fato de que uma das principais
razões para a dificuldade de compreensão do texto das bulas por parte da
população possa ser atribuída aos diferentes níveis de conhecimento que
autores e leitores possuem: o autor deve, necessariamente, ser um
especialista em assuntos relacionados à farmacêutica e à medicina que tem a
obrigação de transmitir certas informações, já previstas pela lei, dessas áreas
enquanto o leitor é, na maioria das vezes, uma pessoa leiga que, muitas
vezes, desconhece especificidades desses âmbitos. Portanto, a falta de
adaptação do texto técnico ao público leigo leva a uma incongruência na
medida em que a bula não cumprirá com sua função de instruir porque é

95
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

provável que o leitor não compreenda o que foi dito no texto.


Schuldt (1992, p. 42-43) considera esse tipo de comunicação entre
leitor-paciente e autor da bula como sendo monológica e assimétrica, uma
vez que não há interação face a face entre os participantes e apenas o autor
contribui com as informações, sendo que, devido ao distanciamento
temporal e espacial entre eles, o leitor não tem a possibilidade de adicionar
informações ao texto nem de tirar dúvidas de interpretação ou de conteúdo
diretamente com o autor.

2 Estratégias relacionadas à macroestrutura

2.1 Organização tipo pergunta-resposta


Segundo Alves et al. (2000, p. 73-74), estão entre as principais
estratégias de análise macroestrutural de um texto o reconhecimento de seus
padrões retóricos, a verificação de seu formato convencional e a
identificação de sua estrutura genérica. Essa última refere-se,
principalmente, à organização global normalmente utilizada no gênero
estudado.
Nas bulas de medicamento, a forma com que as informações estão
dispostas no texto é de grande importância, visto que esse aspecto pode ser
um recurso facilitador da interação do consumidor com o texto.
Recentemente, no Brasil, a RDC n° 47/2009, que é uma das
regulamentações mais eficientes dos últimos anos no que diz respeito ao
aprimoramento das bulas no país, determinou o seguinte:

§ 1° As bulas para o paciente devem conter os itens


relativos às partes Identificação do Medicamento,
Informações ao Paciente e Dizeres Legais e os seus
textos devem:
I – ser organizados em pergunta e resposta

Na legislação alemã, também há uma consideração semelhante:

A instrução para o uso de um medicamento necessita


de uma formulação exata e, muitas vezes, específica.
A principal preocupação desta sugestão é por uma
redação mais direcionada ao paciente na bula de
medicamento. Por isso, determinados títulos são
formulados em forma de pergunta.

96
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

(DEUTSCHLAND, 2002, p. 1, tradução nossa) 40

Dessa forma, é possível encontrar tanto em bulas brasileiras,


quanto em bulas alemãs, os seguintes títulos às seções: Como este
medicamento funciona? (modo de ação), Por que este medicamento foi
indicado? (indicações), Quando não devo usar este medicamento?
(contraindicações), Como devo usar este medicamento? (posologia e modo
de usar), Quais são os males que este medicamento pode causar? (reações
adversas), O que fazer se alguém usar uma grande quantidade deste
medicamento de uma só vez? (superdose), Onde e como devo guardar o
medicamento? (modo de armazenamento); Was ist _________ und wofür
wird es angewendet? [O que é _________ e para que ele é utilizado?]
(indicações), Was müssen Sie vor der Einnahme von _________ beachten?
[O que você deve considerar antes da ingestão de _________?]
(precauções), Wie ist __________ einzunehmen? [Como ________ deve ser
ingerido?] (posologia e modo de usar), Welche Nebenwirkungen sind
möglich? [Quais são os possíveis efeitos colaterais?] (reações adversas),
Wie ist __________ aufzubewahren? [Como _________ deve ser
armazenado?] (modo de armazenamento).
A estratégia de organizar as informações obrigatórias da bula em
forma de pergunta e resposta simula uma espécie de diálogo entre o
profissional de saúde e o paciente. Neubach (2009, p. 111) ressalta que a
forma direta de tratamento ao leitor propiciada por essa estratégia cria um
efeito de proximidade entre os participantes da comunicação, embora
temporal e espacialmente distantes, contribuindo, dessa forma, para a
desmistificação da bula como um gênero impessoal e pouco dinâmico.
Além disso, a colocação de perguntas no texto já antecipa possíveis dúvidas
que o leitor-paciente possa apresentar durante o consumo do medicamento,
fazendo com que a instrução da bula lhe pareça mais concreta e objetiva, o
que também contribui para facilitar a leitura.
Devido a suas características, essa estratégia está relacionada às
variantes gênero textual e cultura, pois é um elemento já incorporado ao
texto, por determinação de regulamentações específicas dos respectivos
países, e que pretende satisfazer a necessidades particulares do gênero bula.

40
Die Anleitung für den Gebrauch eines Arzneimittels bedarf einer genauen und oft
spezifischen Formulierung. Hauptanliegen dieser Empfehlungen ist eine
patientengerechte Formulierung der Packungsbeilage. Bestimmte Überschriften
sind deshalb in Frageform gehalten.
97
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

2.2 Sumário

A partir da análise contrastiva entre as macroestruturas das bulas


alemãs e brasileiras, foi constatado que as primeiras possuem componentes
pré e pós-textuais que não aparecem nas segundas, como título,
aconselhamento de leitura, sumário e desejo de melhoras.
Desses quatro componentes, apenas o título ‘Informação de uso:
Informação para o paciente’41 é previsto pela AMG. Em um estudo que
analisou minuciosamente a estrutura das bulas de medicamento alemãs,
Neubach (2009, p. 109) destaca que, embora não seja um item obrigatório
por lei, 80% das 104 bulas analisadas apresentou uma espécie de sumário
logo no início do texto, antecedendo a parte principal das instruções. A
autora atribui a incorporação desse componente na maioria das bulas alemãs
a uma recomendação do Guia para a Legibilidade em Bulas e Embalagens
de Produtos Médicos para Uso Humano 42, publicado pela Comissão
Europeia em 1998, no qual há um modelo para esse item, em inglês,
adaptado posteriormente para as bulas alemãs, como é possível observar
abaixo:
In this leaflet:
1. What X is and what it is used for
2. Before you take/ use X
3. How to take/ use X
4. Possible side effects
5. Storing X
(EUROPEAN COMMISSION, 1998: 13)

Diese Packungsbeilage beinhaltet:


1. Was ist Paracetamol AbZ 500mg und wofür
wird es angewendet?
2. Was müssen Sie vor der Einnahme von
Paracetamol AbZ 500mg beachten?
3. Wie ist Paracetamol 500mg einzunehmen?
4. Welche Nebenwirkungen sind möglich?
5. Wie ist Paracetamol 500mg aufzubewahren?
6. Weitere Informationen
(PARACETAMOL ABZ 500mg, 2008)

41
Gebrauchsinformation: Information für den Anwender
42
Guideline on the Readability of the Label and Package Leaflet of Medicinal
Products for Human Use
98
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

A função do sumário em um texto de bula é indicar: 1) quais


informações serão contempladas no texto seguinte; 2) a ordem na qual essas
informações estarão dispostas no texto. Essa estratégia facilita a busca por
informações procuradas, permitindo ir diretamente ao item desejado, além
de contribuir para o entendimento da organização do texto.
Essa estratégia poderia facilmente ser transposta para os exemplares
brasileiros por estar mais ligada à variante gênero textual, devido à
satisfação de uma necessidade prática inerente a ele, do que à cultura, já que
não há menção nas regulamentações dos respectivos países a respeito de
qualquer obrigatoriedade do item, conforme mostra a representação abaixo:
Esta bula de medicamento contém as seguintes informações:
1. Como este medicamento funciona?
2. Por que este medicamento foi indicado?
3. Quando não devo usar este medicamento?
4. Como devo usar este medicamento?
5. Quais os males que este medicamento pode causar?
6. O que fazer se alguém usar uma grande quantidade deste
medicamento de uma só vez?
7. Onde e como devo guardar o medicamento?

3 Estratégias relacionadas à microestrutura

3.1. Emprego de orações subordinadas condicionais


Em princípio, qualquer item lexical ou gramatical é passível de ser
analisado contrastivamente em nível microestrutural. Entretanto, convém
escolher para estudo elementos que estejam intensamente relacionados ao
gênero textual e às suas características, como a função textual ou aspectos
da situação comunicativa.
No caso das bulas de medicamentos, é comum que, principalmente
nos tópicos de indicações, contraindicações, advertências e precauções,
sejam empregadas muitas construções com oração subordinada condicional,
indicando, assim que procedimentos devem ser adotados ou não em
determinadas situações do tratamento com o medicamento.
Segundo Kobashi (2006, p. 454), existe uma relação direta entre a
ordem dos componentes desse tipo de oração (oração principal ou núcleo e
oração subordinada) e os valores semânticos e pragmáticos que se deseja
transmitir. Sendo assim, foi investigado neste estudo qual seria a ordem
preferencial nas orações condicionais e em que medida ela facilitaria a
leitura e a compreensão do texto das bulas ao paciente-leitor.
Após a análise das 20 bulas que compõem o corpus desta pesquisa,
constatou-se que, nas bulas alemãs, do total de 27 períodos condicionais, 17

99
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

apresentaram orações subordinadas condicionais antepostas ao núcleo, o


que corresponde a 63% das construções; já nos textos das bulas brasileiras,
foram identificados 32 períodos condicionais, dos quais 17 trazem a oração
condicional anteposta, ou seja, 53%. Construções do tipo ‘Caso seu quadro
clínico piore ou não apresente melhora após 3 dias, você deve de qualquer
modo procurar um médico’43 e ‘Em caso de alergia ao paracetamol ou a
qualquer um dos componentes da fórmula, a administração do medicamento
deve ser descontinuada.’ revelam, inicialmente, que esse gênero textual
apresenta condições que devem ser cumpridas ou sugestões de como
proceder em determinadas causas. Além disso, percebe-se que há uma
tendência, tanto no corpus em alemão, quanto no corpus em português, de
privilegiar a anteposição da oração condicional ao núcleo. Essa tendência
pode ser considerada uma estratégia do próprio gênero que, de acordo com
Ferreira et al. (2005), recorre ao princípio de iconicidade.
Com relação a esse princípio, “[...] o que a oração condicional
anteposta apresenta, em geral, é uma parte do conhecimento partilhado entre
falante e ouvinte, e, como tal, constitui uma base selecionada pelo falante
para assentar a porção seguinte de seu discurso” (NEVES, 2000, p. 834).
Alguns gêneros textuais, como anúncios, editoriais, manuais de instrução e
inclusive bulas de medicamento adotam esse tipo de organização
informacional no período a fim de persuadir o leitor e ganhar sua adesão.
No caso das bulas, a intenção é fazer com que o paciente-leitor siga a
instrução necessária e a informação conhecida em evidência é,
normalmente, a descrição de uma situação hipotética com a qual ele deve se
identificar, em primeiro lugar, como por exemplo, ‘se você tomar uma dose
muito grande deste medicamento acidentalmente’; ‘se a dor ou febre
persistirem ou piorarem’ ou ‘caso você tenha uma reação alérgica’, para
depois adotar a medida sugerida, se necessário.
A quantificação das ocorrências mostrou que, em ambos os
corpora predomina a oração condicional anteposta ao núcleo e que,
portanto, o motivo para isso não está em alguma característica ligada ao
sistema linguístico do alemão ou do português, mas sim em satisfazer uma
necessidade da função do próprio gênero textual.

3.2 Combinação de termos


A combinação de termos técnicos com seus respectivos termos
leigos é uma estratégia recorrente em bulas por se tratar de um texto técnico
que pertence a duas áreas específicas do conhecimento (medicina e

43
Wenn sich Ihr Krankheitsbild verschlimmert oder nach 3 Tagen keine Besserung
eintritt, müssen Sie auf jeden Fall einen Arzt aufsuchen.
100
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

farmacêutica), mas que precisa ser compreendido por uma grande parcela
da população que não é especialista nessas áreas.
Tanto o Guia de Redação de Bulas (2009), documento com dicas
de redação para bulas disponibilizado pela Anvisa, quanto o do Guia para a
Legibilidade em Bulas e Embalagens de Produtos Médicos para Uso
Humano da Comissão Europeia (1998) indicam essa estratégia como um
dos princípios para a escolha e uso das palavras no texto. De acordo com o
primeiro, “médicos e farmacêuticos possuem um léxico repleto de termos
técnicos [...] que podem ser substituídos por sinônimos ou explicações mais
acessíveis ao leigo” (ANVISA, 2009, p. 7); o segundo afirma também que
“termos médicos devem ser traduzidos para uma linguagem que os
pacientes possam compreender” 44 (EUROPEAN COMMISSION, 2009, p.
9, tradução nossa).
Embora as sugestões dos guias não configurem regulamentações e,
portanto, não precisem ser obrigatoriamente seguidas pelos laboratórios
farmacêuticos na escrita das bulas, notou-se nos corpora analisados que já
existe uma grande adesão à combinação de termos. Foram identificadas três
principais combinações, conforme mostra a tabela a seguir:
Termo técnico > Termo leigo
- solução oral > gotas
Termo leigo > Termo técnico
überempfindlich< allergisch dose maior < superdose
Termo técnico > Explicação ou exemplo
reichlich Flüssigkeit = z. B. 1 Glass
Wasser cada ml= 14 gotas
Tabela 1: Principais combinações de termos em bulas de medicamento
brasileiras e alemãs
No corpus em alemão, foi possível notar que a combinação termo
técnico > termo leigo foi descartada em favor da combinação de ordem
inversa, que privilegia o termo leigo, visto que não foram encontradas
ocorrências desse tipo. O Guia para a Legibilidade em Bulas e Embalagens
de Produtos Médicos para Uso Humano esclarece que a escolha dessa
estratégia é consciente: “É necessário garantir a consistência na explicação
das traduções, fornecendo o termo leigo com uma descrição primeiro e

44
Medical terms should be translated into language which patients can
understand.
101
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

depois, logo a seguir, o termo médico específico”. 45 Incluir o termo mais


conhecido ao leitor no próprio texto é uma estratégia facilitadora, pois não é
preciso que a leitura seja interrompida. Entretanto, nos textos de bulas em
português, verificou-se que há a aplicação de combinações dos três tipos e
que, aparentemente, essas escolhas são aleatórias, visto que nenhum aspecto
diferenciador chamou a atenção nelas.
Nas bulas em português, também foi observado o grande número
de ocorrências de termos técnicos sem qualquer combinação com um
exemplo/ uma explicação ou com o termo leigo correspondente. Nesses
casos, Silva et al. (2000, p. 187) esclarecem que alguns termos da
linguagem técnica e, portanto, específicos das áreas da medicina e da
farmacêutica, como certos nomes de doenças, sintomas, substâncias ou
procedimentos médicos muitos comuns tendem a ser incorporados nessa
mesma forma técnica pela linguagem cotidiana; palavras como
‘taquicardia’, ‘náusea’, ‘diurético’, ‘diabetes’ designam referentes bastante
conhecidos por grande parte da população, o que elimina a necessidade do
uso de um segundo termo, paráfrase ou explicação no texto da bula em
português. Os autores também indicam uma situação oposta a essa, na qual
também não se empregam correspondências, porém devido ao enraizamento
do termo leigo na linguagem técnica; por exemplo, ‘dor de cabeça’ substitui
‘cefaleia’ inclusive tecnicamente, assim como ‘dor de dente’ está
frequentemente no lugar de ‘odontalgia’ e ‘amamentação’ no lugar de
‘lactação’.
Entretanto, também foram encontrados muitos termos e locuções
que, mesmo não se encaixando em nenhuma das situações citadas, não
apareciam combinados no texto. O trecho abaixo foi extraído de uma das
dez bulas que compunham o corpus em português; nele, havia a necessidade
de esclarecer, substituir ou combinar as partes grifadas por se tratarem de
construções técnicas pouco comuns às pessoas leigas na área. Com o auxílio
de outras palavras ou locuções mais simples e explicativas, o trecho em
questão foi reescrito e, assim, adaptado ao tipo de público que lê a bula:

XXXXXXXX é em geral bem tolerado. Quando empregado nas doses


indicadas são raras as reações adversas e os efeitos colaterais. Não foi
descrita produção de irritação gástrica nem capacidade de promover úlceras.
Em raras ocasiões, apresentaram-se erupções cutâneas ou outras reações
alérgicas. 46

45
Consistency should be assured in how translations are explained by giving the lay
term with a description first and the detailed medical term immediately after.
46
Pontuação de acordo com o texto original.
102
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

XXXXXXXX é, em geral, bem tolerado. Quando empregado nas doses


indicadas, são raras as reações adversas e os efeitos colaterais. Não foram
descritos desconforto (produção de irritação gástrica) nem
desenvolvimento de feridas no estômago (capacidade de promover
úlceras). Em raras ocasiões, apresentaram-se manchas e bolhas na pele
(erupções cutâneas) ou outras alergias (reações alérgicas).

Sendo assim, constata-se que a estratégia de combinar termos


técnicos com termos leigos ou explicações e exemplos, a fim de facilitar a
compreensão do texto pelo paciente-leitor, está diretamente relacionada a
uma necessidade do gênero textual. Entretanto, deve-se considerar também
a variante língua, já que é provável que, por conta de características de sua
própria gênese, existam mais possibilidades de combinações ou mesmo uma
necessidade maior de aplicar a técnica.
Herget & Alegre (2010) acreditam que, pelo fato de na língua
alemã haver uma distância maior entre uma palavra técnica, geralmente
com origem no latim ou no grego, e sua forma comum, a necessidade de
explicações aumenta; ao mesmo tempo, há mais possibilidades de
duplicação de um determinado termo por causa dessa distância. Sendo
assim, o texto da bula alemã pode empregar tanto a forma erudita da
palavra, quanto a sua forma popular correspondente, com origem na própria
língua alemã, para esclarecê-lo, como é o caso do lexema ‘hepatite’, cuja
forma erudita é Hepatitis e popular Leberentzündung, no alemão. Com
relação à língua portuguesa, as autoras comentam a respeito da língua de
Portugal, mas é fácil transportar as considerações para o português do
Brasil; nesse caso, as possibilidades de diferenciação são menores por conta
da origem comum que esse idioma e a maioria dos termos específicos da
medicina e da farmacêutica têm no latim. Dessa forma, há, muitas vezes,
grande semelhança entre o termo técnico e o termo leigo, fazendo com que
a necessidade de esclarecimento, consequentemente, diminua, pois ambos
podem ser facilmente reconhecidos.

4 Considerações finais
Este artigo buscou indicar a importância da necessidade de
adaptação de determinados aspectos do texto técnico da bula de
medicamentos ao público leigo e apresentar alguns exemplos dessa prática.
Os resultados da análise contrastiva, que apontam diferenças e
semelhanças entre textos pertencentes ao mesmo gênero textual, porém
escritos em línguas distintas ou inseridos em culturas diversas, podem
ajudar a revelar eficientes estratégias de redação, no caso das bulas. A partir

103
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

da identificação das diferentes maneiras de tratar um texto comum, podem


surgir ideias a respeito das formas mais apropriadas de desenvolvê-lo tendo
em vista características como função textual e público-alvo, por exemplo.
Conforme foi constatado neste estudo, transposições de estratégias
são possíveis, embora seja necessário atentar, sobretudo, para as variantes
língua e cultura, pois as línguas comparadas possuem especificidades que
aceitam ou não determinadas construções, da mesma foram que cada cultura
segue suas próprias convenções e, quando se trata dos textos das bulas,
existe uma legislação que varia de país para país e que deve ser respeitada.

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106
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

CULTUREMAS: UM BREVE HISTÓRICO E AS POSSIBILIDADES


DE RESSIGNIFICAÇÃO NA TRADUÇÃO

Maria José Damiani Costa47


Mirella Nunes Giracca48
Myrian Vasques Oyarzabal49

RESUMO
O objetivo do presente trabalho é apresentar um breve resgate histórico
sobre os conceitos de culturemas e propor uma ampliação destes como
signos ideológicos. Visto que, os culturemas, carregam as marcas culturais
de uma sociedade, estão diretamente relacionados com as estruturas que a
compõe e são construídos através da realidade sócio histórica dos sujeitos.
Compartilhamos dos paradigmas dos teóricos Nida (1945), Newmark
(1992), Vermeer, (1983), Nord (1994), Molina (2001), Bakhtin (2006) que
compreendem a relação entre o texto e o contexto imprescindível na
produção do discurso, pois o texto, fora das informações de seu entorno, é
uma entidade linguística que carece de sentido e não promove a construção
dos propósitos da comunicação. Segundo essa perspectiva, traduzir é mais
que uma transcodificação linguística, é a intermediação entre culturas.
Defendemos que o tradutor deve dominar as culturas (original e meta) para
superar as barreiras tradutórias causadas pelos culturemas. Destacamos
algumas técnicas e estratégias de tradução, aplicadas para a ressignificação
dos culturemas.

Introdução
Nas últimas décadas os estudos na área da tradução vem
ampliando suas linhas de pesquisa. Essa ampliação permite que a tradução,

47
Professora doutora do Departamento de Língua e Literatura Estrangeira e do
Programa de Pós graduação em Estudos da Tradução – PGET/UFSC, realização do
Estágio Pós doutoral na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de
São Paulo – USP. Membro do Grupo de pesquisa Tradução e Cultura/CNPq-UFSC.
48
Mestranda do Programa de Pós graduação em Estudos da Tradução –
PGET/UFSC, Bolsista CAPES/DS, Membro do Grupo de pesquisa Tradução e
Cultura/CNPq-UFSC.
49
Mestranda do Programa de Pós graduação em Estudos da Tradução –
PGET/UFSC, Bolsista CAPES/DS, Membro do Grupo de pesquisa Tradução e
Cultura/CNPq-UFSC.
107
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

estabeleça uma interface com outras áreas e linhas teóricas, entre elas, o
funcionalismo.
Os teóricos que norteiam este trabalho são Reiss & Vermeer (1996) e Nord
(1988/1991), diretamente ligados à tradução funcionalista e trazemos
Bakhtin (2004) para elucidarmos o conceito da palavra como signo
ideológico. Tecemos um breve panorama histórico sobre os conceitos de
culturemas, as técnicas e estratégias de tradução expostas por Molina
(2001).
Esse diálogo teórico ocorre por partilharmos da ideia de que existe
em todo texto, seja ele oral, gestual ou escrito, barreiras tradutórias
constituídas culturalmente já que o texto sofre influências externas e
internas durante sua produção, possibilitando uma gama de interpretações
dependendo do contexto sócio – histórico – cultural em que se encontra.
Por outras palavras, todo texto (oral, gestual ou escrito) possui uma
função, apresenta um propósito, que só será construído seu sentido quando
recebido pelo leitor seja este de qualquer cultura. Segundo Nord (1991), o
texto possui um propósito voltado a algum leitor final, dentro de um dado
contexto:

A tradução é a produção de um texto-alvo funcional,


mantendo a sua relação com o texto-fonte dado que,
é especificada de acordo com a função pretendida ou
exigida do texto-alvo (escopo/propósito da tradução).
A tradução permite que aconteça um ato
comunicativo o qual, em razão da existência de
barreiras linguísticas e culturais, não seria possível
sem a tradução. (NORD, 1991, p. 28, tradução
nossa).

Apoiados nesses paradigmas defendemos neste trabalho que o autor de um


texto ao realizar suas escolhas lexicais, sejam estas concientes ou não, sofre
influencias do meio em que se encontra inserido. Portanto , cabe ao tradutor
realizar uma transposição do texto para o contexto sócio-histórico-cultural
de seu leitor, e assim, proporcionar um diálogo entre ele e o texto traduzido.
Tal diálogo propõem superar os possiveis obstáculos tradutorios
encontrados e ultrapasar as barreiras linguísticas, concretizando-se entre
culturas e gerando um sentindo compartilhado entre autor-tradutor-leitor.

1 Uma visão funcional da tradução


As práticas e análises sobre a tradução estão pautadas em
diferentes paradigmas e como resultado dessa diversidade de enfoques é

108
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

difícil abarcarmos em apenas um conceito os diferentes propósitos de seu


estudo.
Esta diversidade conceitual, também, se pauta na concepção de
linguagem, língua, texto, gêneros textuais, cultura, ou seja, sobre a
importancia desses aspectos nas práticas sociais dos sujeitos e sua
determinação na construção de sentidos.
Compartilhamos com Arrojo (2003) ao defender que o ato
tradutorio não é apenas uma transposição de significados estáveis de uma
lingua para outra lingua, pois acreditamos que o texto-fonte e o texto-meta
são resultados de uma prática social, de um contexto socio-historico cultural
específico e vinculado a um gênero textual determinado pelo ato
comunicacional.
Assim, o texto-meta não poderá apenas ser o reflexo do texto-
fonte, ser uma representação “fiel”, capaz de se concretizar de maneira
isolada de um contexto socio-histórico, desvinculado de uma determinada
cultura e de uma prática social.
Nessa perspectiva, ocorre um deslocamento conceitual sobre a
tradução, pois tanto o texto-fonte como o texto-meta, não apresentam um
significado fixo, estável. Eles exigem à construção de sentido o contexto, o
seu entorno e a prática social do sujeito autor, leitor e/ou ouvinte.
Conforme Vermeer (1986) para a construção de sentido em uma
tradução, o texto deve estar concebido como um todo, pois é resultado da
atividade verbal de indivíduos que participam socialmente de distintas
práticas, que compreendem processos, estratégias cognitivas, textuais
concretizadas em ações.
Então, traduzir um determinado texto, em consonância com esta
visão, exige do tradutor um olhar além das palavras escritas, um olhar que
considere o texto como fruto de uma situação comunicacional, de um
propósito determinado, materializado em um gênero textual, vinculado a um
contexto cultura, histórico e social. Destacamos que “o objetivo de uma
comunicação, seja face-a-face ou por escrito, ou ainda uma comunicação
‘intercultural’, como é o caso da tradução, é o de transmitir ‘algo’ a um
interlocutor, ao ‘receptor’.” (Vermeer 1986, p.12)
Vermeer (1986) ressalta que durante o processo tradutório o centro
da atenção deve estar na ‘produção’ do texto de chegada e não tanto na
‘reprodução’ do texto de partida, visto que, ao produzir um texto, os
propósitos e restrições de tal texto derivam de leitores específicos, com
perfil previamente definido. Portanto, antes de iniciar a construção do texto-
meta, o tradutor deverá pensar no perfil do leitor- meta, nos propósitos e
funções de seu texto, permitindo assim um diálogo entre o leitor e a
tradução.

109
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

De acordo com Reiss (1971) o processo tradutório deve estar


fundamentado na macro-escala textual, ir além das dificuldades tradutórias
pontuais apresentadas no texto, pois tanto a estrutura interna e externa de
produção do texto-fonte (TF), como os fatores intra e extras textuais
relacionados às diferentes culturas envolvidas na produção do texto-meta
(TM), são determinantes para o êxito da comunicação.
Reiss & Vermeer (1996) legitimam dois aspectos a serem
considerados no processo tradutório: a) o primeiro se refere à condição da
tradução como uma ação humana, intencional e repleta de propósitos e que
ocorre em uma determinada situação, b) o segundo considera como
processo principalmente cultural, no qual o ato de traduzir é uma ação
humana, que materializa um propósito, está inserida em um determinado
contexto social e por esta razão, está enriquecida de inúmeros elementos
culturais.
Vermeer (1986) ressalta sobre a importância do aspecto cultural na
tradução:

Cada cultura tem as suas formas habituais. Cada


texto ou reflete tais hábitos e tradições ou diverge
deles duma maneira particular. [...] Se, portanto, cada
cultura tem as suas expressões individuais, a
tradução tanto quanto possível “literal” cria um texto
de chegada, na cultura de chegada, que diverge do
que aqui é habitual e tradicional, porque repete o que
mais bem pertence à outra cultura. A tradução literal
torna o texto mais distanciado do leitor de chegada
do que o era para o leitor de partida. (VERMEER,
1986, p.7, tradução nossa).

Indo ao encontro das reflexões de Reiss e Vermeer, Christiane


Nord (1991), entende o ato tradutório como uma comunicação intercultural.
Ou seja, para a autora e para os demais autores funcionalistas, a tradução é
uma atividade de mediação cultural e, portanto, o eixo central desta
perspectiva está na ação comunicativa.
Esta ação está composta de elementos verbais e não verbais
marcados culturalmente pelos contornos de um determinado grupo social,
comunidade e sociedade, então, o tradutor ao tratar reelaborar a ação
comunicativa do texto-fonte para o texto-meta se confronta com barreiras
culturais que devem ser transpostas, devem ser mediadas culturalmente.

110
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

2 Tradução e Cultura
Ao ponderarmos o apresentado anteriormente, compreendemos que
a tradução compõe a prática social dos indivíduos e que se realiza através
das interações sociais. Estas interações estão emolduradas por uma cultura
através da linguagem, porém, quando realizadas entre culturas distintas,
ambas passam a ser concretizadas dentro de um marco mais amplo, pois se
dá através da comunicação intercultural.
Deste modo, traduzir é muito mais que obter um domínio
linguístico dos dois idiomas, é transitar nos domínios de outra cultura, é
perceber a natureza ideológica dos signos que está determinada pelos
contextos de onde surge a manifestação discursiva. A tradução na
perspectiva funcionalista exige que o tradutor conheça intimamente as duas
culturas com as quais irá trabalhar, seja, portanto, bilíngüe e bicultural.
De acordo com Bakhtin, “o próprio signo e todos os seus efeitos -
todas as ações, reações e novos signos que ele gera no meio social
circundante - aparecem na experiência exterior”. Ou seja, o signo verbal é
composto pela ideologia, materializa-se na palavra e tece todas as relações
sociais. (BAKHTIN, 2010, p.33).
Ampliamos este conceito de Bakhtin com a proposta de
Goodenough, para ele a cultura consiste em representações de emoções,
ações, comportamentos que são aceitos e defendidos por uma comunidade e
seus membros. Esta cultura corresponde a um universo coletivo, organizado
por todos seus componentes e por esse motivo, o sujeito social trará para
sua percepção e interpretação do mundo, esse filtro cultural coletivo.
Nord (1993), ressalta sobre a configuração dos espaços sociais que
podem transcender unidades politicas, linguísticas egográficas. Assim, a
autora esclarece ainda mais o conceito de cultura que compartilhamos:

Entendo por “cultura” uma comunidade ou grupo


que se diferencia de outras comunidades ou grupos
por formas comuns de comportamento e ação. Os
espaços culturais, portanto, não coincidem
necessariamente com unidades geográficas,
linguísticas ou mesmo políticas (Nord, apud
ZIPSER, 2002, p.38).

Alguns defensores do papel do tradutor como mediador cultural


ressaltam que ao tratar de comunicações interculturais, o tradutor sempre
terá uma máxima que conduzirá o seu fazer tradutório: traduzir o que está
por trás do texto-fonte, isto é, sua intenção comunicativa embebida por uma
cultura-fonte que deverá ser transposta à cultura-meta.

111
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Segundo Vermeer (1986), precursor da Skopostheorie, a tradução é


primordialmente uma transferência transcultural, e, sendo assim, o tradutor
deve ser bicultural, senão multicultural. De acordo com a teoria do escopo
(o “para quê”) antecede o modo (o “como”) de uma ação: o propósito
determinará o que e como será elaborado.
Ao realizar sua tarefa o tradutor deve contemplar os seguintes
tópicos:

 A função ou as funções comunicativas que deve conseguir o TM;


 Os destinatários do texto meta;
 As condições temporais e locais previstas para a recepção do TM;
 O meio pelo qual se transmitirá o TM;
 O motivo por ou para o qual se produz o texto.

Recorremos, aqui, a metáfora do iceberg, mencionada por Koch


(2011) e a aplicamos à tradução: todo texto-fonte mostra apenas uma
pequena superfície representada pelos elementos intratextuais e uma imensa
área submersa repleta de elementos extratextuais que sustentam a
possibilidade de construção de sentido pelo receptor-fonte. Então para que o
tradutor possa “chegar às profundezas do implícito e dele extrair um
sentido”, deve mergulhar com vários cilindros: culturais, históricos, sociais
e ideológicos. Desta maneira, o tradutor poderá transpor barreiras culturais e
poderá reconstruir o texto-meta tendo como sustentação o contexto social,
histórico, cultural e ideológico do receptor-meta. (KOCH, 2011, p.30).

2.1 Os elementos culturais na tradução: culturemas


De acordo com Vermeer (1983), embora o tradutor seja bicultural e
circule com propriedade em ambas culturas, muitas vezes ao compará-las
percebe que há elementos culturais que são específicos de uma determinada
cultura-fonte e não há correspondentes na cultura-meta. Estes elementos
culturais são denominados por Vermeer como culturemas. Nord (2009,
p.216), atribui a Vermeer a seguinte definição de culturema:

O culturema é um fenômeno cultural o qual pertence


a uma cultura X, considerado como relevante pelos
membros dessa cultura e que se comparado com um
fenômeno social análogo em uma cultura Y, ele
aparece como algo específico da cultura X.
Entendemos por analogia que os dois fenômenos
possam ser comparados segundo determinadas
definições (VERMEER, 1983 p.8, tradução e grifos
nossos).
112
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Porém, vale a pena ressaltar, que o culturema não é,


necessariamente, exclusivo de uma cultura, pois como defende Nord, “um
fenômeno culturalmente específico será, então, um fenômeno que existe
em uma forma ou função determinada, somente em uma das duas culturas
que estejam sendo comparadas. Isto não significa que seja exclusivo
somente de uma cultura”, já que tais fenômenos podem ser observados em
outras culturas não confrontadas ou comparadas durante a ação tradutória
(NORD, 2009, p.216).
Então, podemos concluir que os culturemas podem, também,
ultrapassar fronteiras linguísticas, políticas e geográficas e apresentarem
compartilhamento em algumas culturas e, sendo assim, não seriam
culturemas entre elas, ou seja, só se tornariam culturemas ao serem
confrontados com outra cultura que não apresente um correspondente.
Tomamos como exemplo a “tortilla”. A tortilla faz parte da culinária e da
cultura de vários países da America Central, ou seja, compartilham o
mesmo culturema. Porém não encontramos um referente para tortilla aqui
no Brasil, ou seja, o mais próximo para identificar para o público brasileiro
a tortilla da América Central, seria compará-la a uma panqueca. Porém
pecaríamos porque não se trata da mesma coisa. A tortilla é feita
geralmente com farinha de milho ou trigo, os ingredientes são distintos da
nossa conhecida panqueca. Então, tortilla é um culturema, pois não há uma
correspondência fiel na cultura brasileira.
Nord (2009) complementa seu conceito advertindo que os
culturemas podem ser diferentes quanto as suas formas, mas semelhante em
suas funções. Por exemplo, um torito tuc tuc -, veículo de três rodas
fabricado para o transporte de passageiros, típico da Guatemala - e um taxi
(carro), são dois elementos distintos, mas que possuem a mesma função: o
transporte de passageiros. Então, ao compararmos as duas culturas – a
guatemalteca e a brasileira, encontraríamos um elemento, o torito tuc tuc,
com a mesma função do taxi, porém com forma diferente, específica de tal
cultura, o que o identifica como um culturema. Então, como traduzir torito
tuc tuc para a cultura brasileira?
Estas questões sobre os elementos culturais específicos e suas
traduções são uma constante nos estudos dos especialistas da área. Durante
décadas investigadores propõem classificações e técnicas que ajudem o
fazer tradutório.
Portanto, com a finalidade de contemplar estas questões Nida
(1945) em seu livro “Linguistics and Ethnology in Translation Problems”
apresenta um estudo sobre os problemas na tradução, identificando cinco

113
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

âmbitos distintos que poderiam dificultar o ato tradutório. Nida denomina


tais problemas como elementos culturais e os categoriza da seguinte forma:

 Ecologia: pela imensa diversidade geográfica de nosso planeta.


 Cultura material: a finalidade ou sentido que os objetos têm para
um povo em uma determinada cultura.
 Cultura social: diretamente ligada aos hábitos sociais, regras,
normas, etc.
 Cultura religiosa: O sagrado e profano para cada cultura, os mitos
e as crenças de cada povo.
 Cultura Linguística: abrange os problemas de tradução próprios
de cada língua e subdivide-se em: fonológicos, morfológicos,
sintáticos, semânticos e diferenças léxicas.

Vlakhov e Florin (1970) apresentam uma reorganização – os


realias - de algumas categorias apresentadas por Nida. Os autores unem
elementos culturais sob uma determinada categorização e as ampliam
apresentando os elementos históricos como elementos culturais específicos.
São, assim, definidos: geográficos e etnográficos; folclóricos e
mitológicos; objetos cotidianos, sociais e históricos.
Bodeker y Freese (1987), e Koller (1992) ampliam o termo realia.
Os teóricos “definem como um termo usado para fazer referência às
realidades físicas ou ideológicas peculiares de uma cultura concreta”
(Molina 2001 p.74). Porém é em 1992, com Koller, que o conceito de realia
é ainda mais amplo, pois para o autor, realia também faz referencia ao
cunho político e ao contexto cultural específico de alguns países.
Em 1988, Newmark publica seu livro Manual de Tradução e traz a
discussão sobre a “palavra incontrável”. Usando este conceito o autor
denomina a busca incessante do tradutor por um equivalente linguístico na
outra cultura, mas se caracteriza em uma busca frustrada, sem êxito.
Neste sentido o autor apresenta uma reformulação da categorização
proposta por Nida sobre os elementos culturais, faz um detalhamento dos
elementos que compõem cada categoria e apresenta a nova categoria
intitulada Gestos e Hábitos, por acreditar que os elementos paraverbais,
devem ser contemplados separadamente.
Também, nesta reformulação, Newmark substitui o termo
elementos culturais por palavras culturais ou categorias culturais e propõe
a seguinte categorização:

 Ecologia: fauna, flora, ventos, entre outros.


 Cultura Material: comida, bebida, roupa, casa, entre outros.
114
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

 Cultura social: trabalho e lazer


 Organizações, costumes, atividades, procedimentos.
 Conceitos: politica, religião, artes.
 Gestos e hábitos

O autor, também, apresenta uma nomenclatura às questões


linguísticas, adotando o termo foco cultural ou linguagem cultural para
definir a linguagem utilizada e compreendida por membros de uma mesma
cultura, diferenciando-a da linguagem universal, que pode ser
compreendida por “todos” os falantes da língua, e da pessoal ou idioleto,
própria de cada indivíduo.
No ano de 1994, Nord se refere aos elementos culturais como
pontos ricos ou indicadores culturais, para identificar os aspectos de difícil
tradução entre duas culturas que formam, segundo a autora, uma barreira
cultural. (MOLINA, 2001).
Em 1997, a autora alemã aproxima seu conceito ao proposto por
Vermeer em 1983 – culturemas - adotando a mesma terminologia. Porém,
retoma os pressupostos de Newmark e amplia o conceito de Vermeer
adicionando aos culturemas os elementos paraverbais.
Molina em 2001 pautada nas definições de Vermeer (1983), Nord
(1997) e Nida (1945), sobre os culturemas, cria um modelo bastante amplo
de classificação dos culturemas agrupando-os de acordo com os âmbitos
culturais em que se encontram.
Tais classificações englobam subcategorias que fazem parte de um
eixo comum, ou seja, ao classificar um culturema como pertencente à
determinada categoria, tal classificação justifica-se por este culturema estar
diretamente relacionado à subcategorização proposta pela autora. Molina
salienta que “os elementos culturais não são somente representados por
palavras culturais, uma catalogação coerente deve partir de uma catalogação
na qual o entorno cultural seja levado em consideração”. (MOLINA, 2001,
p.92). A partir desta reflexão da autora, podemos desprender que os
culturemas abrangem muito mais do que palavras, eles são constituídos pela
soma entre palavras e o contexto sócio-histórico-cultural.
Ao elaborar sua classificação Molina (2001) amplia os conceitos e
categorias apresentados por Nida, já que o autor preocupou-se em
denominar categorias, sem detalhar ao certo quais os elementos
pertencentes a cada uma delas e retoma algumas classificações de Nord,
Newmark e Vlakov e Florin. A autora, leva em consideração alguns
critérios - utilizar um número mínimo de categorias e disponibilizar
conceitos culturais mais amplos - acrescenta subcategorizações para
esclarecer e exemplificar as categorias propostas.
115
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Tais categorias de âmbito cultural são:

 Meio Natural
 Patrimônio Cultural
 Cultura Social
 Cultura Linguística

A primeira categoria denominada por Molina é o Meio Natural que


compreende o âmbito da “ecologia” apresentado por Nida - abrange flora,
fauna, fenômenos atmosféricos, ventos, climas, entre outros – e inclui o
“ambiente cultural” proposto por Nord (1994) - que compreende as
paisagens, não só naturais, como as criadas pelos homens.
A segunda categoria proposta é Patrimônio Cultural, abrange os
aspectos referenciais, físicos ou ideológicos compartilhados por membros
de uma mesma cultura. Nesta categoria estão incluídos os comportamentos
culturais referentes ao que Nord (1994) designa de “comunicação
referencial” e “comportamento fático”; “ a cultura religiosa” e “a cultura
material” apontadas por Nida; “a cultura material” de Newmark, bem como,
“folclore e mitologia” de Vlakov e Florin.
A Cultura Social é a terceira categoria, equipara-se com a
categoria “cultura social” de Nida, assim como as “organizações e
costumes” expostas por Newmark.
A quarta categoria Cultura Linguística envolve as partes
fonológicas e léxicas da subcategoria de Nida apresentada como “cultura
linguística”, englobando também, as interjeições, blasfêmias e os insultos.
Molina, também, propõe a categoria Interferência Cultural que
abrange os Falsos Amigos Culturais e Intercessão Cultural, sendo os Falsos
Amigos Culturais elementos culturais encontrados em duas culturas, porém
com sentidos contrários, enquanto a Intercessão Cultural é uma interferência
e ou adaptação cultural.
Abaixo são apresentadas sumariamente as categorias e
subcategorias propostas por Molina (2001):

Âmbitos Culturais
Meio Natural Flora, Fauna, fenômenos atmosféricos,
climas, ventos, paisagens (naturais e
criadas), topônimos.
Patrimônio Cultural Personagens (fictícios ou reais), fatos
históricos, conhecimento religioso,
festividades, crenças populares, folclore,
obras e monumentos emblemáticos,
116
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

lugares conhecidos, nomes próprios,


utensílios, objetos, instrumentos
musicais, técnicas empregadas na
exploração da terra, da pesca, questões
relacionadas ao urbanismo, estratégias
militares, meios de transportes, etc.
Cultura Social Convenções e hábitos sociais: o
tratamento e a cortesia, a maneira de
comer, de vestir, de falar; costumes,
valores morais, saudações e gestos, a
distância física que os interlocutores
mantém, etc.
Organização social: sistemas políticos,
legais, educativos, organizações, ofícios
e profissões, moedas, calendários, eras,
medidas, etc.

Cultura Linguística Transliterações, refrãos, frases feitas,


metáforas generalizadas, associações
simbólicas, interjeições, blasfêmias,
insultos, etc.
Quadro 1 - Proposta de classificação de Âmbitos Culturais segundo
Molina (2001)

Interferência cultural

Sabedoria – cultura ocidental


Falsos amigos culturais Ex.: A coruja Azar- cultura árabe
Ex.: “hasta la vista baby” (original inglês)
Intercessão cultural
“Sayonara baby” (tradução espanhola)
Quadro 2 – Proposta de classificação de Interferência Cultural segundo
Molina (2001)

2.1.1 Possibilidades de ressignificação dos Culturemas: técnicas de


traduções
A tradução de elementos culturais é, portanto, um desafio visto que
cada culturema apresenta características específicas da cultura em que está

117
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

inserido, e os conhecimentos dos leitores, fonte e meta, podem não


coincidir.
Sendo assim, o tradutor deve encontrar estratégias/técnicas para
solucionar e transpor as barreiras encontradas, fazendo com que seu texto
atinja as funções desejadas. Compartilhamos dos conceitos de Hurtado
Albir (2001) que entende como estratégias de tradução os mecanismos de
caráter individual utilizados pelo tradutor para solucionar as “barreiras”
tradutórias e como técnicas de tradução a aplicação concreta, visível no
resultado, que afeta diretamente as menores zonas do texto.
Estas técnicas, conforme nossa concepção de tradução, devem
respeitar as funções e os propósitos dos textos fonte e meta, ou seja, antes
de elencar a melhor maneira de traduzir os culturemas devemos observar o
texto/ fato fonte e perceber os fatores intratextuais e extratextuais Assim, ao
reconhecermos tais fatores, a identificação dos culturemas será mais eficaz
e a técnica da tradução será em prol de tornar o texto mais funcional para o
leitor.
Molina (2001) em sua tese de doutorado apresenta as principais
técnicas usadas pelos tradutores. A autora destaca que as técnicas devem ser
avaliadas e julgadas dentro de um contexto concreto, nunca fora dele, pois
isto anularia o principio de funcionalidade e dinamicidade do ato tradutório.
As técnicas de Tradução analisadas por Molina50 (2001, p. 116):

 Adaptação Substituição de elemento cultural.


Exemplo: o rugby→ o futebol.
 Ampliação linguística Adiciona elementos linguísticos.
Exemplo:cállate → cala a boca
 Ampliação Introduz detalhes inexistentes no texto
original. Exemplo:Finados → día de
los muertos
 Imitação/ Reprodução Traduzir literalmente uma palavra ou
sintagma estrangeiro. Exemplo:Tortilla
→ Tortilha

50
Molina exemplificou a tabela das técnicas de tradução trazendo exemplos nas
línguas espanhol-árabe-inglês. Para um melhor entendimento dos nossos leitores,
modificamos os exemplos, e os mantivemos somente nas línguas espanhol-
português.
118
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

 Compensação Introduzir em outro lugar do texto meta


um elemento de informação ou efeito
estilístico que não pode permanecer no
mesmo lugar do original.
Exemplo:América Latina → Latino
America
 Compreensão linguística Sintetiza elementos linguísticos.
Exemplo: Muchísimas gracias →
obrigada
 Criação discursiva Estabelece uma equivalência efêmera,
totalmente imprevisível e fora do
contexto. Exemplo:The Godfather →
O Poderoso Chefão → El Padrino.
 Descrição Substituir um termo ou expressão por sua
descrição, forma ou função. Exemplo:
Tortilla → um gênero de pão ázimo
 Equivalente criado Utilizar um termo ou expressão
reconhecida (pelo dicionário ou pelo
uso). Exemplo: Ir como sardinas en lata
→ estar muito apertado
 Generalização Excluir as especificidades dos elementos.
Exemplo: casa, domicílio, moradia,
morada → hogar.
 Modulação Efetuar uma mudança de ponto de vista.
Exemplo: Maria está comprometida→
Maria está namorando
 Particularização Especificar os elementos (contrária à
generalização)
Exemplo: hogar→ casa
 Empréstimo Puro: cusco
Naturalizado: galpón → galpão

 Redução Suprimir algum elemento de informação


no texto meta.
Exemplo: Tikal es una de las ciudades
más importantes de la civilización maya
→ Tikal cidade maia.
 Substituição Substituir elementos linguísticos por
(Linguística/ paralinguísticos.
paralinguística) Exemplo: Para dar oi → acenamos a mão
com a palma aberta, virada para a pessoa
119
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

a quem estamos cumprimentando.

 Tradução Literal Traduzir palavra por palavra.


Exemplo: Hacerse el tonto = se fazer de
bobo
 Transposição Trocar a categoria gramatical.
Exemplo: Hasta pronto → até amanhã

 Variação Introdução ou troca das marcas dialetais,


troca de tons, etc. Exemplo: Don Quijote
de la Mancha → Don Quijote de la
Mancha para niños.

Molina (2001, p. 113) acrescenta que existem alguns fatores -


gênero textual; tipo de tradução (técnica, literária...); modalidade (escrita,
interpretação, simultânea...); finalidade e características do destinatário;
método escolhido (comunicativo, livre, interpretativo...) – que devem ser
contemplados pelo tradutor ao eleger determinada técnica.

3 Considerações finais
Este trabalho demonstra que as normas culturais coletivas se
apresentam através de fatores externos e internos de um texto, e ao
modificar a situação contextual e as expectativas do receptor, muda também
a função textual, a disposição e a textura do discurso.
Por esse motivo, entendemos que o tradutor, na perspectiva
funcional, precisa levar em conta vários aspectos durante suas atividades
tradutórias, entre eles estão: abordar diversas funções comunicativas; saber
selecionar bem os signos verbais e não verbais constituintes em um texto,
reconhecer que os textos dependem de uma série de fatores situacionais /
culturais (tanto o texto fonte, como o meta); reconhecer e ressignificar os
culturemas apresentados em um texto; possuir bons conhecimentos culturais
e linguísticos das culturas com as quais trabalha; solucionar conflitos
culturais existentes, atentando ao fato de que, nem sempre dois idiomas
aparentemente semelhantes usam as mesmas estruturas e possuem a mesma
freqüência de uso em situações análogas pela comunidade cultural referente,
e que o mal uso de uma palavra pode ameaçar a função textual.
E, finalmente, concluímos que os culturemas são elementos
carregados de marcas culturais de uma dada cultura-meta, que geram
possíveis problemas de tradução, pelo fato de não apresentarem um
correspondente na cultura de chegada.

120
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

4 Referências
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2003.
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linguagem. 11.ed. Tradução: M. Lahud e Y. Vieira. São Paulo: Hucitec.
1929/2004.
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Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial. 2009.
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2011.
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121
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

POLCHLOPEK, S. A Interface Tradução-Jornalismo - Um Estudo dos


Condicionantes Culturais e de Verbos Auxiliares Modais em Textos
Comparáveis das Revistas Veja e Time. Dissertação apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em Estudos da Tradução, Universidade Federal de Santa
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REISS, K.; VERMEER, H. J. Fundamentos para una teoría funcional de
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VERMEER, H. J. Esboço de uma teoria de tradução, Porto, Asa. 1986.
ZIPSER, M. E. Do fato a reportagem: as diferenças de enfoque e a
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literatura alemã)- Departamento de Letras Modernas da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, USP.
2002.

122
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

USO DA AMBIGUIDADE NOS GÊNEROS HUMORÍSTICOS PARA


ENSINO DO SIGNIFICADO DE PALAVRAS51

Karine Dourado52

RESUMO
O objeto de estudo é o livro didático de português para estrangeiros Brasil:
língua e cultura (2002), a fim de identificar na obra os diferentes usos de
ambiguidades associadas a gêneros humorísticos com a intenção de ampliar
o léxico do falante-aprendiz de português do Brasil como segunda língua e,
com isso, identificar os pontos positivos e negativos dessa associação e
como ela é abordada no livros didáticos de PBSL com a divulgação e o uso
mais amplo. Baseado nos estudos da Cançado (2008), que procura explicitar
que o significado pode ser: semântico, aquele contido nas palavras e nas
sentenças, o que diz respeito ao chamado sentido literal; representacional,
aquele ancorado em nossas representações mentais; pragmático, aquele
fundado especialmente nos elementos contextuais, e de um método
descritivo-analítico, o percurso metodológico utilizado foi: a seleção de um
livro destinado ao ensino de português do Brasil como segunda língua;
análise dos quadros rotulados como Um pouquinho de humor e, por fim, a
seleção de uma página específica para que pudéssemos fazer uma análise
crítica/reflexiva e propor uma atividade que contemplasse o conteúdo de
ambiguidade (p. 249). A obra em análise apresenta ampla divulgação e uso
no contexto de ensino-aprendizagem de PBSL, possuindo, portanto, grande
destaque em sua área de aplicação e tornando-se um dos materiais mais
procurados por esses aprendizes.

Introdução
O presente artigo se destina à investigação do uso da ambiguidade
nos gêneros humorísticos para ensino do significado de palavras e busca
compreender o conceito de ambiguidade. Paralelo ao processo de
ambiguidade, que constantemente influencia os atos de comunicação e que
é característica fundamental da linguagem, dando-lhe seu movimento
necessário, haverá uma análise dos gêneros humorísticos, que recorrem a
esse efeito para trabalhar os variados significados de uma palavra. Trabalhar

51
Artigo produzido sob a orientação da Profa. Michelle Machado de Oliveira
Vilarinho para obtenção de menção da disciplina Lexicologia, Semântica e
Pragmática Constrastivas do curso de licenciatura em letras Português do Brasil
como Segunda Língua (PBSL) da Universidade de Brasília (UnB).
52
Graduanda do curso de licenciatura em letras PBSL da UnB.
123
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

a ambiguidade com alunos aprendizes de português do Brasil como segunda


língua é essencial, portanto, desenvolver-se-á, nessa pesquisa descritiva-
analítica, uma metodologia que minimize o distanciamento entre a
gramática e a língua, utilizando outros meios de comunicação, como a
semiótica e a linguagem publicitária, para fixar o conteúdo e colaborar na
habituação do aprendiz com a língua alvo.

1 Seções
1.1 Fundamentação teórica

Significado de Ambiguidade: substantivo


feminino.1 Característica ou condição do que é
ambíguo. 2 Rubrica: linguística. 3 Propriedade que
apresenta diversas unidades linguísticas (morfemas,
palavras, locuções, frases) de significar coisas
diferentes, de admitir mais de uma leitura;
anfibologia [A ambiguidade é um fenômeno muito
frequente, mas, na maioria dos casos, os contextos
linguístico e situacional indicam qual a interpretação
correta; estilisticamente, é indesejável em texto
científico ou informativo, mas é muito us. na
linguagem poética e no humorismo.]
Houaiss da Língua Portuguesa (2009)

‘(...) o ambíguo é um sinal que codifica mais de uma


mensagem e que a ambiguidade provém de uma
imperfeição do falante ou de uma deficiência do
sistema’.
(LYONS, 1987, p. 15)

‘(...)a multiplicidade de sentidos imanente em toda


palavra que possui estrita dependência do contexto e
que tem como resultado a sinonímia’.
(ROCHA LIMA, 2005, p. 485-487)

1.2 Atividade didática de livro didático de PBSL: descrição e análise


crítica da proposta
A proposta é utilizar ambiguidade nos gêneros humorísticos para
ensino do significado de palavras, trabalhando com piadas. Levando os
alunos a entenderem o efeito humorístico que reside justamente na forma
inusitada em que a expressão se encontra, podendo passar de um sentido
denotativo para um sentido literal. Chamando a atenção sobre os sentidos de
certas expressões, uma vez que a maioria das piadas trabalham com sentidos
indiretos, implícitos (ambíguos).
124
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Para analisarmos como esse conteúdo é abordado retiramos do


livro ‘Brasil Língua e Cultura Third Edition’, dos autores Tom Lathrop e
Eduardo M. Dias, a Lição 11, na página 249. A seguir vamos descrever o
que o autor nos apresenta e segue anexada a atividade do livro.

Figura 1: Capa do livro utilizado na pesquisa.

125
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Figura 2: Exercício analisado

126
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Figura 3: Contra capa do livro

127
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Texto: Um pouquinho de humor


O contrabandista inexperiente (e muito nervoso) chega no
aeroporto Tom Jobim, no Rio de Janeiro, com duas malas em que escondia
uma grande quantidade de objetos de ouro [gold]. O inspetor da alfândega
[customs] estava bem disposto e disse para ele:
- Bom dia, tudo joia?a
- Não, também trago minha roupa.

NOTE:
a
Joia also means jewel (s)
A linguagem, para ser completamente inteligível precisa estar
inserida num contexto. Nesse caso, é o contexto que nos causa à sensação
de humor. Muitas vezes, ele pode modificar totalmente o sentido de uma
frase. Na piada, a fala do contrabandista “-Não, também trago minha roupa”
exemplifica a confusão provocada por uma referência ambígua na fala do
inspetor da alfândega “... tudo joia?” que utiliza uma expressão corrente na
linguagem popular. O contrabandista entende essa expressão no seu sentido
literal não entendendo que joia se refere ao seu estado de humor e não ao
fato de suas malas estarem cheias de ouro, uma vez que a palavra joia
também signifique matéria preciosa (ouro, prata, etc.).
Os autores do livro exemplificam muito bem, mesmo que com
bastante superficialidade, um caso de ambiguidade e ainda trazem aspectos
culturais do povo brasileiro, mas deixam de lado a oportunidade de falar um
pouco mais sobre essa figura de linguagem muito utilizada e marcada no
discurso dos falantes brasileiros do português. A discussão fica somente no
campo do significado do diálogo apresentado e na atribuição de humor à
piada. Não é questionado ao menos se o aluno realmente entendeu a
anedota.
A sessão seria um ótimo momento para, com alunos que já
possuem ao menos o nível intermediário da língua-alvo, introduzir as
noções de figuras de linguagem, enfocando a ambiguidade, tanto a
intencional quanto a acidental, que causa muitos problemas de escrita para
os aprendizes de línguas estrangeiras. Poderiam ser propostos exercícios
que ajudassem os alunos a reconhecer casos de ambiguidade acidental e a
corrigi-los de forma que fossem separados os dois significados.

2 Considerações finais: apresentação de nova proposta de atividade


didática para o ensino do PBSL, aplicando a Lexicologia
128
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Esse trabalho aponta a ambiguidade para a linguagem e defende o seu


caráter dialógico com a língua, porque o domínio da significação é uma
relação complexa dependente do funcionamento. Assim, a língua é
compreendida como um sistema aberto em que os enunciados tomam
valores referenciais a partir dos sistemas de operação, o que torna esse
domínio um processo de construção e reconstrução por meio da atividade da
linguagem.
Para que se possam atingir os objetivos específicos desta atividade,
como por exemplo, o fato dos alunos, ao final das tarefas realizadas, serem
capazes de definir ambiguidade, reconhecê-la nas sentenças, em textos
publicitários, contextos de humor, músicas e também produzir textos com
slogans ambíguos, desenvolver-se-á atividades direcionadas ao alcance
dessas metas propostas.
 Proposta de aula
O que o aluno poderá aprender com esta aula:
1) compreender e refletir sobre a ambiguidade como forma de humor;
2) observar a relação existente entre mensagem e contexto.
Duração das atividades
4 aulas de 50 minutos
Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno
Habilidades avançadas de leitura;
Estratégias e recursos da aula.
Público alvo:
Aluno de nível avançado.

ETAPA 1
Antes de exibir a figura abaixo, pergunte aos alunos o que eles
compreendem por “começar o ano com o pé direito”. Provavelmente, eles
responderão que significa começar “bem” o ano - trata-se de uma expressão
conotativa que, conscientemente ou não, eles fazem uso no cotidiano. Agora
exiba a figura. Pergunte a eles se, nesse contexto, há outra interpretação
possível para a mesma expressão:

129
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

PROFESSOR: O autor da figura explorou o universo bastante


caricatural em que pigmeus (conhecidos, nas histórias em quadrinhos e
desenhos animados, pela estatura pequena, pele negra e prática do
canibalismo) estão prestes a devorar um explorador europeu (identificável
por seu chapéu de caçador, típico dos aventureiros do século XIX).
Leve-os a perceber que o efeito humorístico reside justamente na
forma inusitada em que a expressão se encontra, podendo passar de um
sentido denotativo para um sentido literal. No entanto, o autor expressa essa
dubiedade de sentido, propositadamente. Este é um bom momento para
chamar-lhes a atenção sobre os sentidos de certas expressões.

ETAPA 2
Pergunte aos alunos quais formas de cumprimento eles conhecem.
Exemplos presumíveis: “Olá, como vai?”; “Tudo certo?”; “Que que tá
pegando?”. Pergunte se eles conhecem a expressão “tudo em cima” e qual o
seu significado. Em seguida, exiba a seguinte figura:

130
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Agora, para se entender o efeito do humor, há de se prestar atenção


no detalhe do contexto. O “cliente” cumprimenta “seu Gregório” utilizando
uma expressão corrente na linguagem popular, que não pode ser entendida
ao “pé da letra”. Gregório decodifica facilmente a mensagem, já que,
provavelmente, esteja bastante familiarizado com ela. O autor do Cartum ,
no entanto, utiliza a expressão “Tudo em cima” como referência aos preços
altos, estampados nas prateleiras. Dessa forma, poderíamos entendê-la no
seu sentido literal: tudo = todos os preços / em cima = altos.

ETAPA 3
Pergunte aos alunos se eles conhecem a expressão “Bom pra
burro” e qual significado dela. Em seguida, exiba a seguinte propaganda
publicitária:

Nesse momento, pergunte a eles que relação poderia haver entre o


dicionário em questão e a palavra “burro”. Leve-os então a considerar a
ambiguidade expressada propositadamente. Podemos entender a frase duas
formas, todas as duas, entretanto, em sentido figurado. Tratar-se-ia de um
“bom dicionário”, um dicionário “bom pra Chuchu”, como também se diz
em algumas regiões. Mas também como um dicionário fundamental para os
“burros”, forma depreciativa com a qual algumas pessoas
inapropriadamente chamam aqueles a quem elas consideram de uma cultura
inferior (sobretudo inferir a delas própria). Na segunda opção, far-se-ia,
então, uma referência ao ditado “o dicionário é pai dos burros”.

ETAPA 4
Depois de trabalhados mensagens e contextos, seria interessante
aprofundar um pouco mais nessa matéria. A linguagem, para ser
completamente inteligível precisa estar inserida num contexto. Nos casos
estudados acima, é o contexto que nos causa a sensação de humor. Muitas
vezes, ele pode modificar totalmente o sentido de uma frase. Para levá-los
a perceber isso, escreva no quadro a seguinte frase: "Aplausos, ele é um
grande comediante!" Agora, perguntes que sentido ela adquire nos seguintes
contextos:
131
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

1)

2)

No, primeiro caso, ela assume sentindo literal, porquanto se trata


realmente de um artista circense, o reconhecido palhaço Carequinha. Na
segunda, situação, entretanto, a frase adquire uma conotação irônica, pois se
trataria, caso a cena fosse real, de um discurso abusivo, que causaria a
indignação nos expectadores – o povo, em geral -, a ponto de, no mínino, se
ouvir semelhante frase.

AVALIAÇÃO
PROFESSOR: A ambiguidade causando humor é um recurso
muito utilizado nas letras de música. Peça aos alunos para pesquisarem na
internet uma letra de música que contenha uma ambiguidade e por esse
motivo seja engraçada. Depois cada aluno deverá apresentar sua pesquisa
para toda a classe. A ambiguidade causando humor é um recurso muito
132
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

utilizado nas letras de música. Os alunos deverão pesquisar na internet uma


letra de música que contenha uma ambiguidade e por esse motivo seja
engraçada. Depois cada aluno deverá apresentar sua pesquisa para toda a
classe.

Exemplo:

Lembranças De Amor
Victor e Leo
Composição: Victor Chaves
(REFRÃO)
Preciso te dizer o que acontece com meu sentimento
Chego em casa, não te vejo
O meu desejo é te ligar correndo (...)

3 Referências
CÂMARA, J. M. Problemas de linguística descritiva. 12. ed. Petrópolis:
Vozes, 1986.
CANÇADO, Márcia. Manual de semântica. Belo Horizonte: UFMG,
2005.
DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1988.
FIORIN, José Luiz. (Org.). Introdução à linguística: objetos teóricos. São
Paulo: Contexto, 2002.
LYONS, J. Lingua(gem) e linguística - uma introdução. Rio de Janeiro:
Livros Técnicos e Científicos Editora S. A., 1987.
ROCHA LIMA, C. H. da. Gramática da língua portuguesa. 44. ed. Rio
de Janeiro: José Olympio, 2005.

133
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

A ORIGEM DE “SAMBA” E O ESTADO DA ARTE

Claudia Drucker53

RESUMO
Sobre o vocábulo “samba”, diz Heli de Chatelain em 1893 que ele ainda não
recebeu uma explicação satisfatória quanto à origem (p. 311). Dentro do
meu conhecimento, cento e vinte anos mais tarde este estudo ainda não foi
feito, pelo menos no que se refere ao Brasil. A origem da palavra “samba”,
tal como usada no Brasil, é dada como incerta. A autoridade consagrada,
nestes assuntos, é o dicionário etimológico, mas aqui ele não nos ajuda
muito. O Dicionário etimológico da língua portuguesa de Antônio Geraldo
da Cunha não oferece uma etimologia de “samba”, apenas uma
identificação de sentido e origem: “dança cantada, de origem africana de
provável origem africana [como registrado pela primeira vez em] 1890”.
As fontes usadas não são enunciadas, e nem mesmo essas indicações
sumárias são incontestes sobre a origem e o sentido primeiro de “samba”,
antes de a palavra vir a designar um gênero musical identificado com o Rio
de Janeiro.

Introdução
Os dicionários etimológicos de português se concentram na análise
da origem de termos derivados do latim e do grego. Isso é o esperado,
considerando que a linguística histórica, enquanto estudo metódico do
desenvolvimento das línguas, nasceu da identificação de uma família de
línguas, a indo-europeia. Nesse momento, a disciplina que hoje, por
influência anglo-saxônica, é chamada “linguística histórica”, era chamada
“filologia”, por influência alemã. A lingüística histórica ou filologia
apresentava a facilidade do registro escrito fonético e de ser a família
lingüística do estudioso. As línguas nativas africanas, por sua vez, são ou
completamente orais ou possuem escritas não fonéticas (Ki-Zerbo 1990, pp.
95-100). Para o lingüística tais sistemas de escrita não são úteis, pois ela se
baseia na transcrição fonética, de modo que esta ficou a cargo inicialmente
dos europeus. Eles não tinham o ouvido treinado para captar as nuances de
cada língua, ou transcreveram o que ouviram influenciados pela pronúncia e
grafia de suas próprias línguas.
O estudo das línguas africanas que nos interessam –as línguas dos
povos trazidos à para o Brasil-- ainda é um campo recente. O primeiro
dicionário de uma língua banto é o dicionário de Brusciotto, de 1652, bem

53 a
Doutora em Filosofia pela UFRJ; Prof . do Departamento de Filosofia da UFSC.
134
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

como a descoberta da regra mais básica destas línguas: o sistema de classes


(De Kind, Schryver e Bostoen 2012, pp. 160-1). O verdadeiro impulso para
um estudo metódico das línguas banto pertence aos últimos anos do século
XIX e ao século XX. Ainda não há condições de os lexicógrafos, na sua
maioria, considerarem bem estabelecidas as hipóteses aventadas sobre
“samba”. Alguns dicionários adotam as etimologias mais correntes no
Brasil de “samba”, mas os dicionário não etimológicos necessitam de maior
segurança.
Além disso, o estudo que interessa aos brasileiros é mais amplo.
Se é verdade que os pais fundadores do samba urbano carioca foram
predominantemente descendentes de escravos africanos, isso ainda nada
prova sobre a palavra. Se é verdade que a palavra “samba” se encontra em
diversas línguas africanas, isso tampouco prova a relação entre a dança
cantada brasileira e o que “samba” nomeia na África. Embora seja uma
palavra presente em diversas línguas e tenham uma vasta extensão de
sentido, nos dicionários mais antigos nenhum parece artístico, ligado à
dança e ao canto. Veremos que apenas dicionários africanos mais recentes
o fazem. A migração da palavra “samba” para o continente americano, se
aconteceu, mudou o seu sentido.
Em resumo, o problema a ser enfrentado exigiria a contribuição de
várias ciências históricas e da linguagem, que caminhariam juntas, pois os
estudos sobre a música popular brasileira e sobre o negro brasileiro são
igualmente recentes. Um estudo sistemático da palavra “samba” e do
sentido que veio a adquirir ainda está longe de ser realizado, uma vez que
enfrentamos a necessidade de somar contribuições não só de um estudo
formal da língua, mas também de história e antropologia. O presente estudo
é filosófico, ainda que algumas considerações históricas sejam essenciais
sobre a origem do samba (o gênero musical) e o “samba” (seu nome). O
estudo histórico é essencial ao nosso proceder: em todo relato histórico
existe um pouco de filosofia e vice-versa. As discussões histórico-
científicas serão reduzidas ao mínimo necessário ao desenvolvimento da
reflexão filosófica, porque é necessário escolher um viés para o trabalho a
ser realizado e porque nem sequer seria possível usar as contribuições das
ciências empíricas sem uma discussão especializada e profunda.
Uma ordem sumária a ser dada à discussão poderia ser: 1) as
hipóteses sobre a origem hispânica de “samba”, com seus prós e contras; 2)
as hipóteses sobre as origens indígenas de “samba”, prós e contras; 3) as
hipóteses sobre as origens africanas de “samba” e sua diversidade
considerável. Comecemos pela consideração da palavra “samba” e da sua
origem pelos partidários de origens não-africanas, ou não diretamente
africanas. O mais ilustre entre eles deve ser Mário de Andrade.

135
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Considerando que o Dicionário musical brasileiro é uma obra póstuma,


moldada por Oneyda Alvarenga e outros a partir de anotações, ele não
encerra a palavra definitiva do autor sobre o assunto. Nas notas de Mário
de Andrade verifica-se, porém, uma preocupação constante com a
recorrência de nomes de danças, na América hispânica que têm uma
sonoridade semelhante: semba (tomada por ele apenas como o nome de uma
dança uruguaia) zamba, zamacueca ou zambacueca (dança peruana ou
chilena). Segundo um certo Pfandl, a palavra zamba já se usava na
Espanha no séc XVI. Sua descrição corresponde ao que Mário de Andrade
diz ter visto negros dançarem no Brás em 1930-32. Será preciso à discussão
das variações internas do samba paulista abaixo. A herança africana ou
baiana, neste relato, é distante ou inexistente: o autor faz questão de
registrar que não há umbigada na semba, e que a zamba se parece com o
fandango gaúcho (Andrade 1989, p. 454, p. 469). Mário de Andrade frisa
também que, em espanhol, “zambra” significa “alarido” e “zumbra”
“guizo”. Até que ponto o argumento de Mário de Andrade é lingüístico?
No que diz respeito à Espanha, a aproximação parece forçada. O encontro
de uma consonante com um “r”, ao ser pronunciado pelo falante de uma
língua bantu (como foi a maioria dos escravos africanos no Brasil) tende a
se desdobrar em duas sílabas. Assim é que a palavra portuguesa “cruz” se
transformou em “Curuzu” (nome de um bairro de Salvador, capital da
Bahia). Em Angola, o nome próprio Pedro se transformou em Petolo
(Apontes 2010, pp. 51-52). O mais provável seria que as palavras
espanholas zambra e zumbra, ao ser apropriadas pelo africano ou seus
descendente nas Américas, não perdessem o “s”, mas se transformassem
trissílabos.
Ademais, a semelhança tanto do som como de sentido, por si sós,
não garantem a derivação: ambas podem ser cognatos (duas palavras que
vêm de uma terceira), ou pode simplesmente ter havido uma importação,
com maior ou menor proximidade de significado. As considerações de
Mário de Andrade sobre a existência de danças americanas que soam mais
ou menos como “samba” nos interessam por reforçar a possibilidade que só
no Brasil e seu entorno imediato tenha se dado o deslocamento semântico
que aproximou “samba” da música e da dança (a questão da umbigada será
analisada abaixo). Pela sua delimitação geográfica, excluindo a origem
desde a Espanha, podemos supor que este deslocamento é recente; talvez
um empréstimo do Brasil para o Chile, Peru e Uruguai ou vice-versa.
Tratar-se-ia de um mesmo fenômeno com várias facetas, não de vários
fenômenos diferentes. Além disso, não haveria uma origem espanhola, pré-
colonial, de “samba”. Seria preciso voltar a falar da questão levantada por
Mário de Andrade quando considerarmos se não houve também uma

136
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

espécie de fusão cultural entre o índio e o africano na origem de algumas


formas de dança brasileiras ou sul-americanas em geral.
Existe quem, aproximando-se do final do século XX, e diante de
um conjunto de conhecimentos a que grandes estudiosos como Sílvio
Romero e Mário de Andrade não tiveram acesso, continue a sustentar a
origem indígena do samba, negligenciando o elemento africano. É o caso
de João Batista Siqueira, cuja argumentação, a meu ver, repousa
principalmente sobre o fato de a língua dos índios cariris de fato conter a
palavra “samba” –ou melhor, “sâmbá”. Siqueira foi encontrá-la em um
Catecismo da doutrina cristão na língua brasílica da nação cariri (1698) e
na Arte de gramática da língua brasílica da nação kiriri do Pe. Luís
Vincêncio Mamiano (1699): “graças a estes instrumentos valiosos de
divulgação, podemos informar com certeza absoluta que o termo ‘samba’,
significando local onde pessoas do povo se reuniam para festejar algum
evento social, foi esclarecido ainda no século XVII” (Siqueira 1978, p. 19).
Mas em que se baseia tanta certeza? O termo “samba”, como ele informa
algumas páginas abaixo, significa cágado em português e jabuti em tupi
(1978, pp. 21, 30).
Siqueira não foi inocentemente enganado por uma semelhança
sonora. A verdadeira tese do maestro é outra, como enunciada nas
primeiras páginas do livro: “estuda-se aqui, com seriedade, o significado do
termo samba ligado às atividades rurais observadas no Nordeste brasileiro,
já bastante nítidas no início do século XIX” (Siqueira 1978, p. 16). O
samba teria uma origem ameríndia: que o seu objetivo principal é escantear
a influência africana é o que fica claro em várias passagens. Vê-se então
que os argumentos de base etimológica real não têm prevalecido.
Considerações etimológicas são postas a serviço de teses históricas, às quais
ainda retornaremos, não sem antes investigar as explicações da origem
africana de “samba”.
Assim chegamos aos partidários da origem africana da palavra ou
da coisa mesma, em muito maior número: José Veríssimo, Macedo Soares,
Oneyda Alvarenga, Arthur Ramos, Floriano Lemos, Mozart Araújo, Renato
Almeida, Edison Carneiro, Muniz Júnior, Nei Lopes e Muniz Sodré.
Embora a escravidão tenha acompanhado a formação do Brasil desde o
primeiro século, só o quinto viu o nascimento de um interesse letrado pela
contribuição que o africano e negro lhe trouxeram. A opinião majoritáia
hoje é que os estudos sobre o negro brasileiro se iniciam com Raimundo
Nina Rodrigues, ainda que nem fosse o seu interesse principal. 54 Assim, os

54
Sílvio Romero pode ser considerado antes o incitador a tais estudos: “A
Escravidão no Brasil, de Perdigão Malheiro, publicado pela primeira vez em 1867, é
137
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

nomes citados pertenceram aos últimos anos do séc. XIX ou ao século XX.
À exceção de Macedo Soares, nenhum é lingüista. A importância da obra
dos africanologistas brasileiros não deve ser avaliada por conhecimentos
que eles não declararam realmente possuir.
A José Veríssimo, o mais antigo entre os citados, é conhecida a
referência de Mário de Andrade: “José Veríssimo dá a palavra ‘samba’
como ‘de origem africana perfeitamente assentada’” em Cenas da vida
amazônica, na edição de 1886 (Andrade 1989, p. 454). A busca de uma
comprovação da origem africana de “samba” nos põe diante da necessidade
de escolher como atacar o problema. Para começar, “samba” pode ser
encontrado em várias línguas africanas. É até o nome de algumas delas,
faladas na região da República Democrática do Congo. Em Angola, é um
nome próprio dado a bebês do sexo masculino, mas na língua do povo
duala, nos Camarões, significa “sete”. A recorrência de “samba” como
palavra ou componente em mais de uma língua africana não autoriza
grandes esperanças de localizar precisamente qual delas migrou para o
Brasil, e, uma vez aqui, inspirou o que os brasileiros vieram chamar
“samba” (inicialmente, “baile”). Alguém preparado para esta tarefa poderia
tentar mapear a diversidade de ocorrências de “samba”, com as prováveis
origens e derivações na África. Depois, as relações de derivações entre
palavras teriam de ser estudadas com o auxílio dos conhecimentos
adequados. Sabe-se que a formação de palavras nas línguas bantas, para
falar apenas da família de línguas africanas mais importante na história do
Brasil, obedece a regras bem diferentes das do português (mais sobre isso
abaixo). Finalmente, todas as contribuições dos linguistas teriam de ser
ponderadas à luz de hipóteses históricas plausíveis. Seria preciso averiguar
quais línguas africanas deram uma contribuição importante ao português,
com o auxílio de diferentes linhas de investigação, para chegarmos a poder
descartar as hipóteses distantes ou menos plausíveis. É desnecessário
acrescentar que nada disso será sequer tentado aqui.
Passemos aos prós e contras das derivações já sugeridas. Na
reportagem pioneira Na roda do samba, Francisco Guimarães sugere que
“samba” é a união de “sam” (“pague”) e “ba” (“receba”) (Guimarães 1933,
p. 19). A associação entre aquilo a que “samba” se refere e os comandos

um exemplo da emergente preocupação em ver o negro não apenas como


máquina econômica, mas sobretudo como objeto de ciência, postura que
encontrará em Sílvio Romero outro de seus grandes defensores. É, no entanto,
Nina Rodrigues que inaugura os estudos científicos sobre o negro no Brasil”
(Queiroz 2002, p. 49). Sobre o projeto intelectual integral de Nina Rodrigues, cf.
Corrêa 2001.
138
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

“Pague!” e “Receba!” é justificada por uma suposta fábula africana sobre


um filho pródigo que retorna à casa paterna. O mérito desta etimologia é
afirmar a origem africana de “samba”, no momento em que a contribuição
africana à cultura brasileira encontrava uma inédita acolhida –lembremos
que Casa grande e senzala de Gilberto Freyre fora publicado três anos
antes. De resto, é bastante artificial e forçada, seja pela falta de referência
histórica, seja pela implausibilidade da explicação.
Há ainda a questão da sua plausibilidade gramática. Os sufixos e
prefixos nas línguas bantas formam classes de palavras. Por exemplo,
tomemos a palavra “bantu” ou “banto” (como será usada neste estudo). Em
português, nomeia um grupo lingüístico. Às vezes, os falantes das línguas
deste grupo. Mas essa palavra é formada pelo substantivo muntu, pessoa,
no singular. O plural de muntu é bantu. O prefixo ba- indica o plural, e mu-
, o singular. Para os falantes das línguas banto, “banto” é a língua que “as
pessoas, nós” falamos (pergunta-se se os não-falantes são não-humanos).
Donde o lingüista treinado divide a palavra bantu nos componentes ba- e –
ntu, pois compreende -ba como um “morfema pluralizador” (Apontes 2012,
p. 51). A divisão silábica e de radical no português não leva este aspecto
em consideração, pois a formação de palavras pro classes nada significam
no português. Se “samba” for um étimo composto, a sua divisão mais
provável seria “sa” e “mba”, ao invés de “sam” e “ba”. Se não for, de
qualquer modo palavras ou radicais começados por “b”, nas línguas bantas,
são frequentemente precedidos por “m”. Sobre o quimbundo, escreve Assis
Júnior que aí o “n” e o “m” “não nasalizam a vogal precedente, mas a
consoante imediata” (Assis Júnior 194x, p. 4). Em umbundu o “b” é sempre
nasal.
Assim, uma explicação muito favorecida pelas letras brasileiras é a
derivação de “samba” a partir de “semba”, por sua vez significando
“umbigada” em quimbundo: um passo de dança praticado na África e
importado para o Brasil, e narrado no contexto do lundu e do samba. É o
sentido consagrado por Arthur Ramos: “foi essa umbigada ou semba de
onde provavelmente se originou o termo ‘samba’, de início tomado como
sinônimo de batuque” (Ramos 2007, p. 108). É preciso realçar, contudo,
que ele considerou o samba uma “música mestiça que empolga a cidade”,
pertencente ao “folclore” (Ramos 1934, p. 98, 168). Edison Carneiro já
nem expressa dúvidas quanto a este ponto: “a dança de umbigada, desde o
século passado conhecida por samba no Nordeste” (Carneiro 1974, p. 85).
Na monografia pioneira “Samba de umbigada”, Carneiro até identifica
formas de dança popular que se chamam “samba” e não apresentam a
umbigada (Carneiro 1961). Mas a identificação permanece: o nome samba
pode até ter se generalizado e espalhado pelo Brasil, mas na sua origem é

139
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

uma “dança de umbigada”. Esta explicação tem a vantagem de oferecer


uma narrativa histórica coesa. Já estamos, desde o começo, dentro de um
campo de sentido que aponta para a dança e para a música. A semba
uruguaia a que refere o Dicionário musical brasileiro teria origens muito
mais remotas. Há na Angola do séc. XIX uma dança cantada caracterizada
essencialmente por certo passo --indecente, pelos padrões católicos. Ao
chegar ao Brasil, o passo em questão foi modificado por pressão do
moralismo português, chegando a desaparecer, não sem antes já ter dado o
seu nome ao gênero musical nascente, que recebeu o nome, ligeiramente
modificado, de “samba”.
Há referências a semba entre viajantes portugueses à África
precisamente no período de formação do samba brasileiro, e talvez outras
chegassem até nós, se tivéssemos maior conhecimento das letras africanas.
Edison Carneiro transcreve Alfredo Sarmento, autor de Os sertões d’África,
que legou uma narrativa de colorido depreciativo, na qual no entanto
aparece pela primeira vez a palavra “semba”, definida como umbigada e
esta como passo de dança. A pergunta aqui é se o “samba”, neste mesmo
período de formação, provém de “semba”, uma vez que Sarmento não
chega a falar em samba.
Nei Lopes, no Novo dicionário banto do Brasil, refere-se à “raiz
multilinguística semba, rejeitar, separar” (Alves 1951 apud Lopes 2012, p.
226). Esta raiz estaria presente no léxico da língua cokwe do povo quioco,
que “registra um verbo samba, com a acepção de ‘cabriolar, divertir-se
como cabrito’ (Barbosa 1989 apud Lopes 2012). Finalmente, no quicongo,
a mesma raiz se encontraria em samba, de acordo com o dicionário de
Laman, que apresenta uma entrada “nsàmba, de sàmba, espécie de dança,
na página 755, e na página 870 refere-se a “sàmba, pl. masàmba” espécie de
dança em que se batem, um contra o outro, os peitos”. O verbo –sàmba é
traduzido na mesma página como “curvar, inclinar, pender pelo lado”
(Laman 1936, pp. 755, 870, citado também por Lopes 2012, p. 226).
Assim, as etimologias mais correntes no Brasil se referem a movimentos
corporais, seja o de separa-se, seja o movimento oposto, de buscar o
choque. Supõe-se que estejam presentes na dança, mas impede que sejam
considerados por is sós, abstratamente.
Esta parece ser uma resposta óbvia à nossa pergunta de onde vem
“samba”. No entanto, ela é também bastante banal, remetendo a umbigos,
tóraxes ou cabritos. É impossível negar a influência de tais palpites, que
obviamente incluem já certas tomadas de posição sobre o que algo é: o
pesquisador decide se vai se deter diante da derivação mais óbvia (e
frequentemente falsa) ou não também por suspeitar que o samba, ele
mesmo, é algo muito rico para receber seu nome desta origem. Há, além

140
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

disso, argumentos lingüísticos para recusar a derivação de “samba” a partir


de “semba”. Ayres Mata Machado Filho, autor de um Dialeto crioulo de
São João da Chapada, estudou a língua dos vissungos, que mescla palavras
em umbundo e quimbundo com português arcaico. Muniz Júnior se apóia
nele para afirmar que “ainda hoje os negros corrigem para semba (no
sentido de umbigada) se alguém lhes fala em samba” (apud Muniz Júnior
1976, p. 38). Sem querer tirar conclusões precipitadas ou exageradas,
podemos no mínimo afirmar que existem falantes de dialetos bantos ou
descendentes deles que não conheceram ou aceitaram “samba” como
corruptela de semba. No verbete “semba” do Dicionário Cravo Albin da
música popular brasileira se menciona a “impossibilidade técnica da
transformação de um ‘e’ nasal tônico, entre um fonema constritivo e outro
oclusivo, transformar-se num ‘a’ nasal também tônico e também colocado
entre os mesmos fonemas constritivo e oclusivo”. Na mesma linha, Arthur
Loureiro de Oliveira Filho cita Renato Mendonça: “as tônicas, em geral,
conservam-se na passagem para o português” (Oliveira Filho 2002, p. 44).
Ele fez um teste: “nas listas de vocábulos africanos de Sílvio Romero,
Macedo Soares, João Ribeiro, Renato Mendonnça Jaques Raimundo, e
especialmente no mais completo do todos [sic], o de Nei Lopes, que estuda
alguns milhares de termos, quase não foram encontrados exemplos de
alteração de tônica. O “e”, mesmo quando não tônico, nunca é substituído
por “a” (vogal mais aberta) (Oliveira Filho 2002, p. 44). Assim é que, ao
contrário, o “a” cede lugar a um “e”. Por exemplo, o termo quimbundo
“sanzala” (residência separada da principal, residência de serviçais)
transformou-se em “senzala”.
Eis o estado da arte: por um lado, temos algumas etimologias tão
óbvias que se tornam suspeitas. Seria um pouco decepcionante que algo tão
rico como o samba fosse nomeado a partir de um movimento corporal
abstrato de chocar-se ou, ao contrário, separar-se. Por outro lado, ainda
não existe, dentro do meu conhecimento, nenhum projeto mais promissor de
abordagem da questão alicerçado no conhecimento lingüístico. Tal como
indicado pelos dicionários de Alves, Barbosa, Laman e outros, que passarei
a discutir, o âmbito de sentido de “samba” e afins é desanimadoramente
extenso. Por “afins” me refiro, entre outros, ao caso já mencionado de
palavras formadas por um prefixo indicador de plural ou singular como –ma
(pl.) e –mu (sing.): masamba, musamba. O capítulo seguinte poderia ser os
das simples sugestões alternativas, ainda à espera de um estudo
aprofundado.
A título de ilustração desta longa extensão de significado,
transcrevo na íntegra os verbetes de alguns dicionários além daqueles já
reportados por Nei Lopes. O leitor que pular esta parte não perderá o fio da

141
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

discussão principal. O Dicionário da língua bunda ou angolense explicada


na portuguesa e latina, do Frei Bernardo de Cannecattim, traz o verbete
rezar: cussámba co Ngáma Zámbi (Cannecatim 1804, p. 638) Segundo a
Gramática elementar do quimbundo de Héli Chatelain, publicada pela
primeira vez em 1889 segundo a Bantu Online Bibliography, -samba
significa o mesmo que “orar, to pray” (Chatelain 1964, p. 119)
O Dicionário e gramática da língua Congo do Reverendo Holman
Bentley dá o seguinte sentido para “samba”: “contar folhas de mbadi
[justaposição] ou papel segurando um canto e virando para cima os outros”
(Bentley 1895, p. 906). Uma definição que, aparentemente, para nós é um
beco sem saída, pois nos remete novamente ao número e ao contar.
Contudo, o mesmo reverendo nos explica abaixo na sua gramática que
sufixo –ilu dá a ideia de “meio, oportunidade, circunstância, método”
(Bentley 1895, p. 950). Podemos supor que é o caso de esambilu, que é
dada como tradução para “chapel”( capela) (Bentley 1895, p. 733). Assim,
embora não haja entrada para “prayer” (prece em inglês) nem “samba” seja
dado como sinônimo de prece ou súplica, esambilu diz literalmente “meio
oportunidade ou circunstância para a prece”. O acréscimo “lu”, diante da
palavra, dá a ideia de fazer: ´”lusambu” é dado no dicionário como “benção
invocada ou pronunciada”; daí que -sambu é remetido a benção. De fato, o
reverendo não dá nenhum sinônimo para “prayer”, seja “samba” ou
qualquer outro, mas o que ele diz sobre as regras de formação de palavras e
as classes de palavras promete um sentido de “samba” em congo que não
tem a ver com contar ou com a umbigada. De fato, na p. 607 semba é dado
como sinônimo de tumba, e ambos como sinônimos de “to blame etc.”.
O Ensaio de Dicionário quimbundo-português, de 1893,
coordenado por Cordeiro da Matta, traduz samba por “conhecido”: Tumba
ni sámba: amigo e conhecido (Cordeiro da Matta 1893, p. 142). Note-se
que tumba foi traduzido como “acusar” por Chatelain, acima. O padre
Domingos Vieira Baião, autor de O quimbundo sem mestre (do ano de 1939
segundo a BOB) traz o seguinte verbete: “ku-samba: rezar, orar” (Vieira
Baião, p. 97).
O único africano nativo vem a seguir: Antônio de Assis Júnior,
autor do icionário quimbundu-portugu s, lingu stico, bot nico, hist rico e
corográfico, dado pela Bantu Online bibliography como redigido durante a
década de 1940. O verbete é extenso: Sámba sub. (IX) 1. charneca,
savanna. 2. Corte: mu ___la soba: pessoa que vive na intimidade de alguém
ou faz parte da família, tumbamukaje__ mukuavalu ke. V. plural: jisamba.
3. Med. doença que faz urinar sangue. 4. Mit: divindade protetora dos
caçadores. 5. Constelação do zodíaco: nâmbua ni ___. 6. ___lu jiji: as três
estrelas centrais da constelação de Órion. 7. Boldrié. 8. Bot: planta da

142
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

família das combretáceas. V. muhondongolo. 9. Corog. ___ni kaju. Povo e


sede do povoado deste nome, conc. de Ambica, dist. do Quanza-Norte,
prov. de Luanda. (Assis Júnior, 194x, p. 354).
Este olhar de sobrevoo nos permite voltar ao comentário de
Chatelain mencionado acima sobre os padres angolanos terem escolhido
samba e cu-samba como primeira opção para traduzir “orar”: “este nome
próprio banto difundido merece uma investigação especial da sua história,
uma vez que é sem dúvida o étimo de nosso Sambo. Seu significado não é
claro. Em quimbundo, ku-samba significa ‘saudar um grande chefe batendo
palmas’, e na terminologia cristã significa ‘adorar, rezar’” (Chatelain 1893,
p. 311). Chatelain implicitamente alude a Samba ser um nome para
crianças primogênitas do sexo masculino. Elas são as primeiras, as que
iniciam, do verbo quimbundo sàmbà: “marcar os caminhos, começar uma
obra, iniciar, abrir a pista ou fundar os primeiros pilares”. 55 Por tudo que
foi visto, não podemos nem aceitar nem rejeitar com segurança estas
sugestões. Contudo, ao menos o campo semântico aberto por esta proposta
é promissor.

2 Referências
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do-kongo Acessado em 22 de janeiro de 2013.

55
Em quimbundo: “o mesmo sentido que leva Samba, nome do filho mais velho,
verifica-se também como teónimo no sentido em que Deus é o primogénito de
todos. O termo tem, entre outras, esta forma verbal que deriva de sàmbà: marcar
os caminhos, começar uma obra, iniciar, abrir a pista ou fundar os primeiros
pilares” (Batsîkama, 2010, p. 26)
143
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145
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

O ARTIGO NEUTRO DA LÍNGUA ESPANHOLA NUMA


PERSPECTIVA HISTÓRICO-CONTRASTIVA

Kleber Eckert56

RESUMO
O presente trabalho faz parte de uma pesquisa que tem por objetivo
principal discutir as dificuldades que o aprendiz lusófono encontra ao se
deparar com o artigo neutro ‘lo’ da Língua Espanhola, em situações de
escrita, oralidade e leitura. Sabe-se que, ao aprender uma segunda língua,
esse aprendiz utiliza, inicialmente, as estruturas morfossintáticas da língua
materna e tenta adaptá-las à língua meta. Essa sistemática, embora possível
para algumas estruturas, não ocorre em outras, e uma das quais em que a
transposição não é possível é no uso do artigo neutro ‘lo’ da Língua
Espanhola. Para situar, de forma um pouco mais ampla, o lugar dos artigos
no Português e no Espanhol, é feita uma breve introdução sobre essa classe
de palavras e, para tanto, discute-se o uso dos artigos definidos e indefinidos
nas duas línguas em relação ao seu significado e aos papéis gramaticais que
lhes correspondem, tais como a introdução de elementos novos no texto e as
referências específicas e genéricas. Após, faz-se uma síntese da evolução
histórica dos artigos, recuperando sua procedência latina, como o pronome
demonstrativo que dá origem aos artigos definidos e o numeral do qual se
originam os indefinidos. Essa perspectiva histórica passa também pelos
períodos do Português e do Espanhol arcaicos, até chegar à forma corrente
que é usada na atualidade. E como o foco deste trabalho é o artigo neutro da
Língua Espanhola, há uma seção em que se discute, numa perspectiva
contrastiva com a Língua Portuguesa, as funções e os usos desse artigo, para
chegar, finalmente, às dificuldades que o falante de Português apresenta
para compreender os significados e os usos do ‘lo’.

Introdução
Na Língua Portuguesa e na Espanhola, o artigo localiza-se na
subcategoria dos determinantes e faz parte do sintagma nominal, no qual
ocorre sempre antes do substantivo57. Na perspectiva da Gramática

56
Doutorando em Letras pela Universidade de Caxias do Sul – UCS. Professor do
Centro Universitário UNIVATES.
57
No decorrer deste trabalho, ver-se-á que o artigo neutro da Língua Espanhola
ocorre em vários contextos gramaticais, mas nunca diante de substantivos, embora
ele substantive os termos (adjetivos, advérbios, etc) que o sucedem. Mais detalhes
sobre o uso do artigo neutro aparecem no item 4 deste trabalho.
146
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Tradicional, as duas línguas classificam os artigos em duas categorias: o


definido e o indefinido, cada qual com origem e características próprias
(DUBOIS, 2006).
Neves (2000) destaca alguns usos do artigo indefinido. Entre eles,
afirma que se empregam os artigos indefinidos “quando não se deseja
apontar ou indicar a pessoa ou coisa a que se faz referência, nem na situação
nem no texto” (p. 513) e também quando se quer introduzir num texto um
elemento novo que poderá, na sequência, ser retomado por qualquer uma
das palavras fóricas58. Esse ponto de vista é compartilhado por Bon (1995):
“todas as vezes que o enunciador emprega ‘um’ ou ‘uma’ está introduzindo
no mundo da comunicação o elemento do qual quer falar” (p. 199, tradução
nossa).
Por outro lado, os artigos definidos são usados para fazer referência
a algum elemento que já está no contexto (ou no texto), ou seja, é usado em
sintagmas cujas informações são conhecidas pelo falante e pelo ouvinte.
Conforme Neves (2000), “o que determina sua presença, entretanto, é a
intenção do falante e o modo como ele quer comunicar uma determinada
experiência. O uso do artigo é, pois, extremamente dependente do conjunto
de circunstâncias, linguísticas ou não, que cercam a produção do
enunciado” (p. 391).
Ainda em relação ao uso dos artigos definidos, tanto no Português
quanto no Espanhol, existem as referências específicas e as genéricas. As
específicas ocorrem quando o falante faz referência a um elemento que está
presente na situação de enunciação ou ainda quando a definição é dada pelo
próprio contexto linguístico (NEVES, 2000). É o que pode ser percebido no
exemplo Um sapo apareceu na sala da casa e ficou sentado entre as
pessoas, (...) mais tarde, o sapo já fazia parte da família.
Já as referências genéricas ocorrem quando é empregado um
substantivo que se refere aos indivíduos que formam a categoria a que
pertence o substantivo, como no exemplo O sapo é um anfíbio. Nesse caso,
o uso do artigo definido deixa claro que não é um sapo em específico, e sim
a categoria ou a espécie. Conforme preconiza Bechara (2006), nessa
situação o artigo definido identifica o nome de toda uma classe de objetos,
mesmo que a palavra não tenha sido anteriormente determinada.
Bechara (2006) afirma que os artigos definidos seriam os
verdadeiros artigos e que os indefinidos simplesmente são chamados de
artigos, na tradição gramatical, por também funcionarem como adjunto de
substantivos. Além dos usos destacados acima, o autor ressalta ainda que

58
Especialmente pelo artigo definido, mas também por um possessivo ou
demonstrativo ou ainda por um termo genérico.
147
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

entre ambos existem diferenças relativas aos papéis gramaticais, ao valor


semântico, ao comportamento no discurso, à tonicidade e à origem.

1 A origem dos artigos na Língua Portuguesa


1.1 Os artigos definidos
A origem dos artigos definidos na Língua Portuguesa remete aos
últimos tempos do Latim Vulgar e aos escritores latinos tardios, uma vez
que a Língua Latina – ou Latim Clássico – não possuía artigos. No entanto,
quando havia a necessidade de determinar um substantivo em especial,
acrescentava-se o pronome demonstrativo ille (ou ipse59), que podia ser
colocado antes ou depois do substantivo, processo empregado tanto na
linguagem literária quanto na popular. Conforme Nunes (1975), a Língua
Portuguesa atual ainda utiliza demonstrativos antes de substantivos, em
casos nos quais poderia perfeitamente usar artigos, como em estes homens
que aqui estão, esse indivíduo que me recomendas, aqueles estudantes que
são aplicados. O autor conclui que “... o artigo definido é um verdadeiro
pronome, quer com respeito a seu emprego, quer sobretudo relativamente à
sua origem” (p. 251).
Os demonstrativos latinos ille, illa e illud, usados no acusativo
como illum, illam e illud, deram origem aos artigos definidos da Língua
Portuguesa. O percurso dos artigos, embora não unívoco entre os autores
pesquisados, apresenta-se, segundo Coutinho (1971) estruturado conforme
sequência a seguir. Artigo masculino: ĭllu > elo (ou ilo) > lo > o / ĭllos >
elos (ou ilos) > los > os. Artigo feminino: ĭlla > ela (ou ila) > la > a / ĭllas >
elas (ou ilas) > las > as. Hauy (2008) corrobora os dados de Coutinho
(1971) ao afirmar que, com base em documentos históricos analisados em
galego-português, os artigos definidos assumiam as formas o, a, os, as, lo,
la, los, las, ilo, ila, ilos, ilas.
Diversos processos ocorreram na transformação dos
demonstrativos latinos em artigos na Língua Portuguesa, entre os quais:
a) o ‘ĭ’ (i breve) do Latim Clássico transforma-se em ‘e’ já no Latim
Vulgar, com timbre vocálico fechado, e é assim que passa para o Português
(CARVALHO; NASCIMENTO, 1971).
b) as consoantes internas duplas do Latim, na passagem para o Português,
ficam reduzidas a simples, com exceção das sequências formadas pelas
letras ‘r’ e ‘s’ (NUNES, 1975).

59
Apesar de haver dois demonstrativos para determinar o substantivo, a forma ille
era mais usada, o que pode ser percebido na extensa representação dessa forma
nas línguas românicas (Nunes, 1975).
148
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

c) a queda do ‘e’ (ou ‘i’) inicial ocorreu por ser o artigo uma palavra
essencialmente proclítica (COUTINHO, 1971), processo semelhante
ocorrido na maioria das línguas60 que são congêneres ao Português
(NUNES, 1975).
d) Em algumas situações específicas, em que o os artigos ocorriam em
posição intervocálica, o ‘l’ caiu, o que fez surgir as formas atualmente
usadas: a, as, o, os. Essas formas, que inicialmente estavam circunscritas a
contextos muito exclusivos, foram se generalizando com a evolução da
língua (COUTINHO, 1971). Essa transformação contribuiu para que, em
sua forma, o artigo definido se afastasse tanto da forma que existe nas
outras línguas românicas (NUNES, 1975).
Coutinho (1971) afirma que no Português atual ainda existem
resquícios da época em que os artigos definidos apresentavam as formas
‘la’, ‘las’, ‘lo’ e ‘los’. Entre os exemplos que o autor cita, estão as
combinações com a preposição ‘per’, cujo percurso histórico configura-se
como no exemplo: perlo > pello > pelo. O autor também apresenta locuções
estereotipadas que apresentam os mesmos resquícios, embora atualmente
essas locuções sejam de uso pouco comum: alfim < a + la + fim, alvez < a +
la + vez, almenos < a + lo + menos.
Na evolução histórica dos artigos definidos, a Língua Portuguesa
apresenta outro artigo, ‘el’, que hoje é empregado somente diante da palavra
rei, daí ‘el-rei’, ainda que antigamente se antepusesse também a outras
dignidades, como conde e alcaide (NUNES, 1975). Em relação à sua
origem, os estudiosos da história da Língua Portuguesa não estão em
acordo. Uma corrente afirma que o artigo é uma importação do Espanhol,
em cuja língua o artigo masculino singular é ‘el’. Outra defende que é a
forma apocopada do artigo ‘elo’61 (COUTINHO, 1971). Já Nunes (1975, p.
252) tem outro ponto de vista, ao afirmar que “não me parece que a mesma
forma latina illu- tivesse produzido, sob a influência idêntica, a próclise,
duas diferentes, antes afigura-se-me que ele representa apenas o caso
nominativo deste pronome, ou seja, o pessoal masculino da terceira pessoa.”
O autor baseia sua argumentação em exemplos de escritos antigos, nos
quais aparecem, indistintamente, as formas ‘ele’ e ‘el’.

60
Os artigos se mantiveram com o ‘l’ inicial, de acordo com Nunes (1975) no
francês, no provençal, no espanhol, no italiano, no rético e no romeno.
61
Coutinho (1971, p. 251-2), para explicar a apócope, cita Antenor Nascentes: “a
rapidez com que os arautos da corte deviam pronunciar a expressão elo rei ao
anunciarem a presença do soberano, acarretou a apócope do –o final do artigo,
criando-se então a locução estereotipada el-rei.”
149
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

1.2 Os artigos indefinidos


Diferentemente dos artigos definidos, cuja origem está nos
demonstrativos latinos, os artigos indefinidos têm sua origem no numeral
latino ‘unus’62. Coutinho (1975) afirma que já no Latim Clássico o numeral
desempenhava a função de artigo indefinido, embora raramente; e que foi
na fase do Latim Vulgar que o emprego passou a ser mais frequente. Masip
(2005) acrescenta que “o traço de indefinição já existia no âmago do
numeral latino, que extrapolava a dimensão do mensurável” (p. 214).
Segundo Coutinho (1975), a evolução do artigo indefinido deu-se
conforme descrição a seguir. Artigo masculino: unu > ũu > um / unos > ũos
> ũus > uns. Artigo feminino: una > ũa > uma / unas > ũas > umas. Alguns
processos fonológicos atuaram na evolução dos artigos indefinidos, tais
como:
a) a queda da consoante medial ‘n’ na passagem para a fase arcaica do
Português fez com que a marca da nasalização recaísse sobre o ‘u’
precedente, registrando-se ‘ũ’. Processo semelhante ocorreu na evolução da
palavra bom < bõo < bonu- (COUTINHO, 1975).
b) o ‘m’ e o ‘n’ que apareceram depois são, simplesmente, outra forma de
registrar a nasalização que já existia no Latim.

2 A origem dos artigos na Língua Espanhola


2.1 Os artigos definidos
De maneira semelhante ao que ocorreu no Português, no Espanhol
os artigos definidos também têm origem no demonstrativo latino ille (o
ipse). Lapesa (2011) afirma que no Latim Vulgar aumentou sobremaneira o
uso dos demonstrativos que acompanhavam os substantivos em referência a
um ser ou objeto citado anteriormente. O autor ainda acrescenta que o
demonstrativo latino foi perdendo o valor anafórico para aplicar-se também
a qualquer substantivo que indicasse seres ou objetos conhecidos, mas que
ainda não haviam sido citados, e complementa “tal foi o ponto de partida da
formação do artigo definido, instrumento desconhecido para o Latim
Clássico e que se desenvolveu durante a formação das línguas romances”
(LAPESA, 2011, p. 74, tradução nossa).
Embora a origem do artigo definido no Português e no Espanhol
tenha sido o mesmo demonstrativo latino ille, em ambas as línguas o
caminho percorrido foi um pouco diferente. Enquanto no Português o artigo
surgiu do demonstrativo no acusativo singular illum, illam e illud, no

62
No caso nominativo latino, o numeral era ‘unus’ no masculino, ‘una’ no feminino
e ‘unum’ na forma neutra. Os artigos indefinidos originaram-se das formas ‘unus’ e
‘una’.
150
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Espanhol a origem está baseada no nominativo 63 singular ille, illa, illud.


Masip (2008) apresenta o percurso histórico dos artigos, consoante
sequência a seguir. Artigo masculino: ĭlle > ell > el / ĭllos > elos > los.
Artigo feminino: ĭlla > ela > la / ĭllas > elas > las. A maior diferença entre
as duas línguas reside na existência de um artigo neutro no Espanhol ‘lo’,
cuja origem é: ĭllud > elo > lo.
Em relação à evolução dos artigos no Espanhol, há um fato
histórico que deve ser registrado. As palavras femininas que iniciam com
‘a’ ou ‘ha’ tônicos, não recebem o artigo feminino ‘la’, e sim, a forma ‘el’.
Esta última, numa perspectiva sincrônica, pode parecer a forma do artigo
masculino ‘el’, mas o fato não se confirma, uma vez que os substantivos são
do gênero feminino64. Acontece que, na história da evolução da língua,
quando o artigo feminino era ‘ela’, diante de palavras que iniciavam com
vogal, caía o ‘a’ e assim se usava a forma feminina apocopada ‘el’. Com o
passar do tempo, por questões que são fundamentalmente de eufonia, essa
tendência se manteve somente diante de substantivos que começavam com
‘a’ ou ‘ha’ tônicos (RAE, 2005).

2.2 Os artigos indefinidos


O surgimento dos artigos indefinidos na Língua Espanhola ocorreu
de forma análoga ao processo que fez com que surgissem em Português. O
numeral latino ‘unus’, usado com valor indefinido, passou a acompanhar o
substantivo para designar entes ainda não mencionados no discurso e assim
passou a ser usado como artigo (LAPESA, 2011).
De acordo com Masip (2005), a diferença entre a forma dos artigos
nas duas línguas remete à sua transcrição, que é condicionada por fatores
fonéticos característicos do Português: a forte nasalização e a tendência ao

63
Não existe concordância entre os estudiosos da história da Língua Espanhola em
relação ao caso latino que deu origem aos artigos do Castelhano. Há aqueles que
afirmam que os artigos – no singular – surgiram a partir do nominativo singular e
que a respectiva forma no plural tem sua origem no acusativo plural. Outros
afirmam que as formas no singular e plural têm sua origem no acusativo, assim
como ocorreu no Português.
64
El agua fría – Las aguas frías. Percebe-se que o gênero da palavra água é
feminino porque o adjetivo que a acompanha está flexionado no feminino e,
quando o sintagma é passado para o plural, o artigo transforma-se em ‘las’. A regra
de uso de ‘el’ diante de palavras que iniciam por ‘a’ ou ‘ha’ tônicos não se aplica a
duas situações: a) quando a palavra que sucede o artigo é um adjetivo, como em la
amplia habitación – las amplias habitaciones; b) diante das letras do alfabeto ‘a’ e
‘h’, usam as formas la a e la hache.
151
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

relaxamento da sílaba átona em fim de palavra. Por isso, em Português


temos ‘um, uns, uma, umas’; e em Espanhol ‘uno 65, unos, una, unas’.

3 O artigo neutro ‘lo’ do Espanhol


3.1 Usos
Assim como ocorre na tradição gramatical da Língua Portuguesa,
na Língua Espanhola os artigos também são classificados em dois grandes
grupos: os indefinidos e os definidos. O lugar do artigo no sintagma
nominal em ambas as línguas é sempre antes do substantivo, exceto o artigo
neutro ‘lo’, que ocorre em outros contextos gramaticais. Segundo Llorach
(1999), o artigo neutro tem por função substantivar palavras e é chamado de
neutro porque não se associa a nenhum substantivo masculino ou feminino,
tampouco concorda em número com o segmento que o acompanha.
O artigo neutro ‘lo’ pode ser considerado um fóssil idiomático,
pois provém do demonstrativo neutro illud latino no nominativo singular 66.
É chamado de fóssil, assim como o são o pronome pessoal de terceira
pessoa ‘ello67’ e os demonstrativos ‘esto, eso, aquello 68’, porque não
existem nomes classificados gramaticalmente como neutros na Língua
Espanhola, apenas masculinos ou femininos (MASIP, 2005).
Ainda sobre a história e evolução do artigo neutro, Marrone (2005)
deixa claro que entre as línguas românicas ou neolatinas, o Espanhol a única
que conserva o artigo neutro e invariável, que substantiva os adjetivos e
adquire a significação do neutro latino. A autora ainda afirma que, numa
perspectiva contrastiva entre o Português e o Espanhol, o emprego do artigo
neutro evidencia uma das principais diferenças em relação a uso dos artigos
nas duas línguas.
Sobre o uso desse artigo, Bon (1995) salienta que, por não
existirem substantivos neutros no Espanhol,

65
Na Língua Espanhola, a tendência ao relaxamento da sílaba átona em final de
palavra também atingiu o artigo indefinido, na forma singular diante de
substantivos masculinos. A queda do segmento ‘o’ em ‘uno’ é chamada forma
apocopada do artigo, e pode ser vista nos exemplos a seguir: un muchacho, un
perro, un problema (MASIP, 2005).
66
illud bueno > ilo bueno > lo bueno. O nominativo é, numa língua de casos como o
latim, o caso que exprime a função gramatical de sujeito.
67
Na Língua Espanhola, ‘ello’ tem valor de demonstrativo neutro, e pode ser usado
como sinônimo de ‘eso’. Em Português, as duas formas podem ser traduzidas pelo
demonstrativo neutro ‘isso’.
68
Isto, isso, aquilo – em Português.
152
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

emprega-se esta forma nos casos em que há alguma


dificuldade no uso de um substantivo, ou quando o
enunciador não quer empregar um substantivo – seja
porque ele não pode ou não quer fazer o esforço, ou
ainda, porque sobrecarregaria demais seu discurso
com elementos insignificantes para a relevância
daquilo que diz e para sua intenção comunicativa
(1995, p. 218, tradução nossa).

Por ser usado em contextos gramaticais que não diante de


substantivos, é um elemento de difícil aprendizagem para o falante de
Português, uma vez que não há nesta língua um artigo neutro equivalente.
Sarmento e Sánchez (1989) ainda afirmam que o ‘lo’ é de difícil
classificação dentro do grupo dos determinantes ou artigos, como tem sido
feito tradicionalmente, mas que esse elemento tem uma estreita relação com
eles.
Sarmento e Sánchez (1989) analisam o artigo neutro a partir de três
pontos de vista. Morfologicamente, o ‘lo’ é invariável (Lo bueno que es el
pan - Lo hermosa que es la chica – Lo hermosos que eran los claveles),
independente do gênero e do número do adjetivo que é substantivado.
Sintaticamente, sempre é usado em contextos não verbais, seja com
adjetivos, com advérbios, com particípios, com adjetivos possessivos (Lo
guapa que eres – Lo bien que escribe – Lo prohibido me gusta más – Lo
mío es mejor).
Semanticamente, o ‘lo’ comporta vários usos e interpretações.
Pode intensificar o valor do adjetivo (No sabes lo linda que fue la fiesta) ou
do advérbio (Fíjate lo rápido que secó la pintura) ou do particípio com
valor de adjetivo (Mira lo roto que está este traje). Em outro contexto, faz
referência, de maneira vaga, a fatos ou situações passadas (Lo del año
pasado) e pode ser substituído por um demonstrativo neutro (Aquello del
año pasado) (SARMENTO; SÁNCHEZ, 1989).
Em outra perspectiva de análise, o ‘lo’ pode ainda referir-se a algo
não especificado, porém conhecido pelo falante e pelo ouvinte (¿Estás listo
para lo de mañana?) ou fazer referência à residência de alguém (Quedamos
a las ocho en lo de Juan). Também pode aludir a um assunto (¿Sabes lo del
asalto?), em que o ‘lo’ representa o assunto que se está comentando
(MILANI, 2011).

3.2 Contraste com o Português


Em construções que apresentam o ‘lo’ seguido por adjetivo,
advérbio ou particípio com valor de adjetivo, o artigo neutro substantiva
essas palavras e ainda intensifica o valor que elas têm. Por isso pode ser
153
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

traduzido pelo advérbio ‘quão’, como nos exemplos a seguir (MILANI,


2011):

a) Ayer se comentaba lo linda que fue la ceremonia. Ontem se comentava


quão linda foi a cerimônia.
b) No te imaginas lo despacio que anda aquel tren. Não imaginas quão
devagar anda aquele trem.
c) Mira lo roto que está este traje. Olha quão rasgado está este terno.

Uma segunda possibilidade de tradução é aproximar o artigo neutro


‘lo’ dos elementos neutros também presentes na Língua Portuguesa. Por
isso é possível substituir o ‘lo’ pelo demonstrativo neutro ‘aquilo’, ou ainda
pelo demonstrativo neutro ‘aquilo’ seguido do relativo ‘que’ e do verbo
‘ser’, como nos seguintes exemplos:

a) ¿Encontraste lo69 que buscabas? Encontraste aquilo que procuravas?


b) Lo mío es mejor. Aquilo que é meu é melhor.
c) Lo prohibido es mejor. Aquilo que é proibido é melhor.

Há também construções em que o artigo neutro ‘lo’, quando


substantiva adjetivo ou orações introduzidas pelo pronome relativo que,
pode ser traduzido pelo artigo definido masculino ‘o’:

a) Lo importante es que se hayan salvado todos. O importante é que todos


tenham se salvado.
b) ¿Encontraste lo que buscabas? Encontraste o que procuravas?

Por fim, há aquelas construções com o artigo neutro, cuja tradução


nem sempre é simples, uma vez que exprimem diversos valores semânticos.
O artigo pode referir-se a algo não especificado, mas conhecido pelo
ouvinte e pelo falante; pode referir-se à casa de alguém; pode referir-se ao
assunto que se comenta. Para Bon (1995) essas construções são usadas
“para referir-se a qualquer entidade que o enunciador não queira ou não
possa nomear (economia do discurso, dificuldade de encontrar uma palavra
adequada, etc.)” (p. 219).
a) ¿Estás listo para lo de mañana? Estás pronto para o que vamos fazer
amanhã?70

69
No exemplo citado, a própria Língua Espanhola aceita expressar a mesma ideia
com um demonstrativo neutro no lugar do artigo ¿Encontraste aquello que
buscabas?.
154
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

b) Quedamos a las ocho en lo de Juan. Marcamos às oito na casa do João.


c) ¿Sabes lo del asalto? Sabes do assalto?71

4 Algumas dificuldades dos lusofalantes na aprendizagem do artigo


neutro do Espanhol
Em primeiro lugar, o artigo neutro ‘lo’ é um elemento de difícil
aprendizagem para os falantes do Português, porque nesta língua os artigos
classificam-se somente em masculinos e femininos. Nos contextos em que
deveriam usar o artigo neutro, por uma inferência gramatical equivocada,
esses falantes utilizam o artigo definido masculino, o que é explicado por
Durão (2005), quando afirma que “na língua espanhola há uma forma para o
artigo definido masculino e outra para o neutro, que correspondem a
somente uma forma em português” (p. 142).
Um erro cometido por brasileiros aprendizes de espanhol é uma
construção com o artigo neutro no lugar do artigo definido, como em: Lo
hombre era flaco*72. Nesse exemplo, o erro se dá por falsa analogia, uma
vez que o aluno faz a relação entre os artigos femininos ‘la – las’ e
consequentemente ‘lo – los’, e os compara ao Português ‘a – as’, ‘o – os’.
Durão (2005) afirma que o problema, no exemplo acima, não está na
utilização do neutro propriamente dito, mas no fato de inferir, a partir do
modelo em Português, que a forma singular do artigo ‘los’ é ‘lo’ e não ‘el’.
A autora ainda complementa ao asseverar que

a única forma que escapa da consciência morfológica


é a masculina ‘el’. Como o português está muito
presente na memória dos aprendizes, eles se
confundem com a forma contrastiva e por falsa
analogia empregam ‘lo’ no lugar de ‘el’. O emprego
de ‘lo’ em contextos que não o admitem é, [...]
gramaticalmente, um erro de falsa seleção (DURÃO,
2005, p. 143).

Numa perspectiva diacrônica, a confusão entre o uso de ‘el’ e ‘lo’


como artigos masculinos no singular também aparece na expansão e
consolidação do Espanhol nos primitivos dialetos da Península Ibérica.
Conforme Lapesa (2011), em algumas regiões onde atualmente estão
localizadas as Comunidades Autônomas de León e da Cataluña, não havia

70
Tradução aproximada.
71
Tradução aproximada.
72
As formas agramaticais serão marcadas com um *. A forma correta seria El
hombre era flaco, que em Português significa O homem era magro.
155
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

uniformidade no uso do artigo definido masculino no singular, embora o


castelhano se inclinasse para o uso de ‘el’ desde o início de sua formação
como romance.
Há um segundo tipo de construção que oferece dificuldades na
escolha do artigo adequado, e o estudante de Espanhol fica em dúvida se
usa ‘el’ ou ‘lo’. Os dois exemplos abaixo são formas correntes e corretas
usadas na Língua Espanhola: El vino es el mejor que he probado e El vino
es lo mejor que he probado. Se um falante de Português não realiza as
inferências adequadas, não conseguirá compreender a diferença de sentido
ao ler as duas construções. No primeiro exemplo, o artigo ‘el’ pressupõe um
substantivo já mencionado, e a tradução fica O vinho é o melhor (vinho) que
provei; já o segundo exemplo, com o artigo neutro ‘lo’, generaliza um
conceito e pode ser substituído por ‘la cosa’, ficando a tradução O vinho é a
melhor coisa que provei (FANJUL, 2005).
Portanto, nos exemplos acima, a dificuldade não está simplesmente
no uso de um ou outro artigo, e sim, nas diferenças que a escolha de um ou
de outro implica. Ademais, se o brasileiro aprendiz de Espanhol não tem
clareza sobre as implicações que recaem sobre a sua escolha, terá,
consequentemente, dificuldades em expressar aquilo que quer dizer. Em
síntese, a dificuldade dos aprendizes de Espanhol pode estar em dois níveis:
na não compreensão da diferença de significado na leitura de construções
como as mencionadas acima e também na imprecisão do significado na sua
produção (oral ou escrita) ao usar ‘el’ ou ‘lo’.
Masip (2005) afirma que o brasileiro aprendiz de Espanhol sente
dificuldades no emprego dos artigos e que lhe custa, especialmente, usar o
artigo neutro ‘lo’. A afirmação pode ser evidenciada a partir de certas
construções com o artigo neutro que são de difícil assimilação para esse
aprendiz, como nas que se usa o ‘lo’ com valor enfático diante de adjetivos,
advérbios ou particípios. Logo, construções como: Ayer se comentaba lo
linda que fue la ceremonia, No te imaginas lo despacio que anda aquel
tren, Mira lo roto que está este traje. A inferência que o falante de
Português precisa fazer é que a ênfase que se quer dar ao adjetivo ou ao
advérbio reside exatamente no uso do artigo neutro. Se o falante não realiza
essa inferência, acabará por utilizar outra estrutura que, por sua vez, está
mais próxima à estrutura sintática do Português: Ayer se comentaba que la
ceremonia fue muy linda, No te imaginas como aquel tren anda despacio,
Mira como este traje está roto.
Outra dificuldade que o brasileiro aprendiz de Espanhol enfrenta é
no uso dos artigos ‘el’ e ‘lo’ diante de pronome possessivo. Nos exemplos
No me agrada que se metan en el mío e no me agrada que se metan en lo
mío os artigos estão empregados corretamente. A diferença reside,

156
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

novamente, no significado das duas construções, e também no contexto em


que elas ocorrem. A primeira precisa estar inserida num contexto que tenha
um substantivo masculino no singular que seja substituído pela sequência
‘el mío’, e por isso é usado o artigo definido masculino; já a segunda não
tem esse referente, e o artigo neutro faz referência a algo não especificado,
isto é, possui um papel generalizador (MILANI, 2011).
Por fim, um exemplo que depende muito mais do conhecimento da
Língua Espanhola do que da capacidade de realizar inferências sobre o
significado do artigo neutro ‘lo’ é o que ocorre em construções como
Cenamos a las diez en lo de Juan. Nesse exemplo, o artigo neutro refere-se
à casa de Juan, embora não haja nenhuma pista explícita em relação à
palavra ‘casa’, e por isso o aprendiz de Espanhol sente dificuldades em
compreender o significado global dessa construção no processo de leitura.
Sem o conhecimento da língua, no momento da produção (oral ou escrita),
esse aprendiz utilizará outra estrutura, como Cenamos a las diez en la casa
de Juan, que também é aceitável em Espanhol, mas que é mais parecida
com o Português.

5 Referências
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Lucerna, 2006.
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158
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

ESPAÑOL – PORTUGUÉS Y SUS DIVERGENCIAS


LÉXICAS ¿CÓMO ENSEÑARLAS?

Celia Cabezas Jaramillo73


Geneva Lima da Silva74
RESUMO
O presente trabalho propõe-se identificar algumas divergências léxicas
significativas existentes entre a língua espanhola e a variante brasileira do
português. Algumas divergências entre esses idiomas podem ser
imperceptíveis para os estudantes brasileiros de espanhol, dada as
semelhanças existentes entre as duas línguas. O que justifica este trabalho é
a intenção de buscar elementos que favoreçam um ensino significativo
dessas divergências, evitando cair na pratica da memorização sem sentido e
a superação do portunhol. Este trabalho se fundamenta no emprego de uma
abordagem de base sociointeracional ou sócio-histórica, conforme indicam
os Parâmetros Curriculares para ensino de línguas estrangeiras de Santa
Catarina. Esta perspectiva destaca o papel da cultura e da língua na
formação do indivíduo e sua identidade na construção de sentidos através
da interação verbal. O ensino do espanhol no Brasil tem o respaldo da Lei nº
9394 de 20.12.1996, artigo 26, parágrafo 5º, que estabelece a
obrigatoriedade da oferta de ensino de pelo menos uma língua estrangeira a
partir da 5ª série do ensino fundamental, e neste mundo contemporâneo com
tantas formas de linguagem, apreender outra língua significa também
compreender a cultura da língua que se estuda, suas expressões, significados
gestuais que são próprios de cada povo. Entre a língua espanhola e a língua
portuguesa existem muitos aspectos semelhantes, porém, também, grandes
diferenças, entre as quais, destacaremos, aqui, algumas divergências léxicas.
Proporemos que isso seja feito de forma contextualizada e com base na
cultura local e nos conhecimentos prévios dos alunos.

Introducción
Aprender lengua extranjera no es tarea fácil, ni para quien aprende
ni para quien enseña y en este mundo contemporáneo con tantas formas de
lenguaje, aprender otra lengua significa comprender culturas y más aún
comprender la esencia de ciertos conceptos, expresiones, gestos, que son
propios de cada pueblo o cultura.
En español y portugués existe mucha semejanza lingüística, mas
con grandes divergencias léxicas. Este será el tema de este trabajo, abordar

73
Estudante de Graduação UFSC
74
Estudante de Graduação UFSC
159
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

estas divergencias que surgen en cualquier estudio y aprendizaje de español.


Esto significa aprender a usar los nuevos conceptos dándoles su real
sentido, factor que se torna el mayor desafío al proponerse aprender español
como lengua extranjera.
En el escenario actual de un mundo globalizado, cuya evolución
tecnológica, ha modificado el lenguaje de los pueblos, trayendo palabras
extranjeras que tienen relación directa con el resultado de las nuevas
tecnologías, la identificación y comprensión de lo que son las divergencias
léxicas, ayudará al aprendiz a evitar mal entendidos o situaciones
incómodas cuando surge una situación comunicativa.
Como ya fue dicho Español y Portugués son dos lenguas muy
semejantes, factor en parte, positivo por la facilidad de comprensión, que el
aprendiz aparenta luego obtener. Sin embargo, también es factor negativo
justamente por aparentar una falsa comprensión resultante de conceptos
semejantes pero que poseen significados diferentes.
Por esta razón, el objetivo de este trabajo es abordar una manera
sobre como se pueden enseñar las divergencias léxicas, muchas veces tan
parecidas, existentes entre la lengua española y el portugués de Brasil, a luz
de una perspectiva socio-histórica. Perspectiva esta que nortea la educación
primaria y secundaria en Brasil.
Este trabajo es una pesquisa bibliográfica, exploratoria y deductiva,
pues ha sido necesario pesquisar en diversas fuentes a respecto de lo que ya
se ha escrito y comprender como diversos profesionales comprometidos con
la educación y con la enseñanza de la lengua española en Brasil y en Santa
Catarina se posicionan al respecto.
La pesquisa bibliográfica, ha sido una etapa fundamental para
encontrar el referencial teórico que ha dado respaldo a este trabajo.
Por último se mostrará una conclusión resultante de los principios
formulados a priori como un raciocinio lógico de toda la pesquisa.

1 Objetivos
 Objetivo Principal: ¿Cómo enseñar las divergencias léxicas?
 Objetivo Secundario: describir la teoría interacional o socio
histórica.

Aprender y enseñar español en Brasil hoy es un objetivo nacional


de acuerdo con lo registrado en la Ley nº 9394 de 20.12.96, artículo 26,
párrafo 5º en la cual se declara la obligación de enseñar por lo menos una
lengua extranjera a partir del 5º año de la enseñanza primaria.
Con esto se abrió espacio para discutir temas involucrados en la
temática de enseñanza de lengua extranjera. Además los acuerdos
160
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

bilaterales de grande importancia para el desarrollo económico que han


resultado en la creación del MERCOSUR (1991), Mercado Común del Sur,
del cual participan, además de Brasil, 4 países de lengua española:
Argentina, Uruguay, Paraguay y Venezuela, además de Chile, Colombia y
Ecuador que participan como asociados. De estos, la lengua oficial es el
español. Siendo solamente Brasil el único país en el cual se habla
portugués.
Aprender español, significa por lo tanto, una exigencia actual del
mundo contemporáneo, además de ser un deber de todo ciudadano capaz de
comprender su responsabilidad social, su posición geográfica, su
envolvimiento en las relaciones económicas y laborales.
Cabe entonces pensar que los contenidos y metodologías para
nortear la enseñanza del español como lengua extranjera es un campo basto
a ser explotado por educadores licenciados y comprometidos con el tema
“enseñanza de español” para un público brasileño.

2 Divergências Léxicas
Esta pesquisa pretende abordar apenas, y muy superficialmente el
tema de las divergencias léxicas existentes entre el portugués y el español.
Tema que causa mucha inseguridad cuando un estudiante se depara con
textos o situaciones comunicativas donde las palabras aparentan trasmitir
un determinado mensaje, pero el significado real del mensaje es otro.
Consta en la Enciclopedia Española “El Pequeño Larousse
Ilustrado” que en el transcurso de la historia de la humanidad muchas
lenguas se perdieron, en cuanto otras prevalecieron, entretanto el español, a
pesar de la variedad de culturas en contacto, no ha perdido su unidad
efectiva, presentando en la actualidad una riqueza inigualable de
diversidades léxicas, si consideramos los tantos pueblos que tienen el
español como lengua materna.
Si nos remontamos al mundo hispanohablante, observaremos que
son 21 países los que fueron colonizados por españoles a los cuales les ha
quedado esa herencia lingüística y cultural que sin duda ha sufrido
interferencias por existencia de los diversos otros pueblos que ya existían en
esta tierra, dicha hoy, latinoamericana, pueblos estos que ya poseían sus
propias culturas, su identidad, sus costumbres.
Cabe considerar también, que vinieron a establecerse en diferentes
países latinoamericanos, otros pueblos, no españoles, como africanos,
húngaros, judíos, griegos, rusos, ucranianos, alemanes, italianos, entre
tantos otros. Todos ellos han influenciado en la lengua española, que si bien
no ha perdido su integridad, reconoce hoy una diversidad léxica propia de
su pueblo o nación que la habla.

161
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Conforme ya mencionado, este trabajo se limitará a mostrar parte


de las divergencias léxicas existentes entre el español y el portugués, sin
entrar en el mérito de la diversidad léxica que se puede encontrar entre los
diversos países de habla hispana:
Así, el recorte se refiere a los Heteregráficos, Heterotónicos,
Heterogenéricos, y los Heterosemánticos, también llamados de Falsos
Cognatos o Falsos Amigos.
No se pretende mostrar listas de estas palabras y sí observar cómo
enseñarlos, a quien interesar, de acuerdo con las concepciones de enseñanza
existentes en la legislación brasileña, con perspectivas de inclusión en los
currículos escolares de enseñanza y aprendizaje de Lengua extranjera.
Son ellos:
Vocablos Heterográficos, aquellos que presentan una ortografía
diferente, siendo su pronuncia muy semejante. Ej.: 75producir – produzir,
viaje – viagem, amistad – amizade, etc.

a) Vocablos Heterotónicos, son aquellos que presentan, a veces,


alguna diferencia mínima en la escrita, pero la sílaba tónica es
diferente, Ej.: alguien – alguém, héroe – herói, nivel – nível, océano –
océano, etc.
b) Vocablos Heterogenéricos son aquellos cuyo género es diferente.
Ej.: la nariz – o nariz, la costumbre – o costume, la leche – o leite, el
puente – a ponte, etc.
c) Vocablos Heterosemánticos son aquellos que se escriben igual o
parecido pero tienen significado diferente, generalmente existen en
ambas lenguas, pero con otros sentidos, a veces muy sutil, otras con
significados completamente opuestos. Ej.: oficina – escritorio, taller –
oficina, cubiertos – talheres, sábanas – lençóis, rato – momento, ratón –
rato.

El desconocimiento de la existencia de estas semejanzas, causa


dificultad para adquirir el dominio de la lengua, y su mal uso provoca un
lenguaje deformado, conocido hoy popularmente como “portunhol”.
¿Cómo trabajar pedagógicamente com estas divergencias lexicas,
sin caer en el aburrimiento de inducir al alumno a memorizar listas de
palabras sin sentido?

75
Español – português.
162
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

3 ¿Cómo enseñarlos?
Los Parámetros Curriculares de Santa Catarina indican la
perspectiva socio - histórica-cultural representada por autores como
Leontiev Vygotsky y Mikail Bakthin, los cuales destacan el papel de la
cultura y particularmente el del lenguaje en la formación del individuo y su
identidad.
Consecuentemente cultura y lenguaje están intrínsicamente juntos,
en cualquier grupo socialmente identificado, ambos –cultura y lenguaje -
revelan identidad y esto es muy perceptible en la diversidad léxica del
mundo hispano hablante. No hay como negar que el acento de los diferentes
individuos que componen este mosaico cultural latinoamericano, identifica
el individuo, ya sea argentino, chileno, mexicano, etc.
La lengua de un pueblo está vinculada al pensamiento, a los
intereses del pueblo que la usa, a la evolución tecnológica, a la religiosidad,
a sus tradiciones, a sus deseos y ambiciones, pistas estas que dan margen a
una reflexión de cómo enseñar, si tenemos en cuenta que la educación hoy
orienta para una enseñanza con perspectiva socio-histórica.
En el ámbito de Santa Catarina, no se puede ignorar la vocación
turística que posee, por lo que los campos de trabajo o laborales tienen
relación directa con la lengua hispana. En este contexto es imperativo hablar
español, pues el dominio de la lengua garante mejores negocios, agiliza la
comunicación y da señal de competencia, respeto y ética profesional.
Por esta razón, el desconocimiento de las armadillas que las
divergencias léxicas pueden ocasionar, es motivo de ingenuidad de los que
se proponen a trabajar en Santa Catarina. Hay muchos ejemplos de mal
entendidos cometidos tanto por los brasileños que se proponen a hablar
español, como por los castellanos que se proponen hablar portugués, como
registrado en el ejemplo a seguir:
“Un empresario brasileño hace negocios con un banquero
argentino y acuerdan algunos detalles burocráticos que deben quedar
escritos y ser enviados a las reparticiones aduaneras: en un determinado
momento el brasileño le pregunta al argentino: “em que termos devo fazer
essa carta? El argentino responde: ¿Qué? ¿Ahora querés termos?
Bueno el dilema solo fue resuelto después de llamar a una persona
que de hecho hablaba español, la cual simplemente preguntó: Señor: ¿En
qué términos debemos hacer la carta?
La palabra termo en español, significa garrafa térmica. Mientras
que en portugués la palabra termo significa término = palabras, conceptos.
El significado de los conceptos, es por lo tanto lo que forma la
cultura de los pueblos, ese sentimiento que a veces no se ve más se siente,
como gestos, miradas, moda, intereses, deseos, sueños, en fin la

163
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

idiosincrasia de un pueblo, todo eso es perceptible en el lenguaje, de


cualquier naturaleza, ya sea oral, literario, sencillo o complejo, en cualquier
manifestación humana, cualquier tipo de lenguaje, de una manera o de otra
irá reflejar la cultura del pueblo que usa ese lenguaje.
Así la enseñanza de español no puede estar ajena a esta realidad,
pues la comunicación, la comprensión, el habla de los diversos individuos
debe estar impregnada en la realidad cotidiana de las personas. Tanto quien
enseña como quien aprende, deberá tener claro estos preceptos y tentar
seguir lo que Paulo Freire (1992, in PIANA) enseña: “Lenguaje y realidad
se prenden dinámicamente. La comprensión del texto a ser alcanzada por
su lectura crítica implica en la percepción de las relaciones entre texto y
contexto”
Se deduce por lo tanto, la necesidad de comprensión cultural para
poder comprender la letra, las palabras.
Comprender estas divergencias léxicas puede ser comprendido
pedagógicamente como aprender vocabulario, lo que debe inducir a
comprender significados culturales, simbólicos y aprender a respetar las
diversas identidades individuales y culturas.

4 Divergencias x Vocabulario
Reflexionar a respecto de cómo enseñar las divergencias léxicas, o
cualquier tópico gramatical o vocabulario de una lengua extranjera, es una
preocupación que no puede distanciarse de lo que se ha dicho y registrado
en la Propuesta Curricular, la cual menciona que no se puede omitir
justamente aquello que constituye la razón de ser de la lengua, cual es: la
construcción de sentidos a través de la interacción verbal.
Cabe mencionar que todas los vocablos que forman los dichos
divergentes, son palabras que forman un léxico, o un vocabulario de la
lengua española, y que debe ser comprendido no solo en la comparación
con su semejante en portugués, sino también en sus significados reales,
dentro de un contexto socio-cultural. En ese sentido, GATTOLIN (2006,
p.140,141), escribe:

Reconhecer e identificar itens lexicais,


substituí-los por sinônimos ou indicar seus
antônimos são apenas alguns dos aspectos
envolvidos no conhecimento de uma palavra.
Conhecer a palavra, entretanto, é muito mais do que
isso e tem a ver com não só reconhecê-la, mas
também saber usá-la no momento e no contexto
adequados, facilitando a comunicação entre
interlocutores, e não só perceber os efeitos de sentido

164
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

por ela exercidos, mas também saber selecionar a


palavra que venha a exercer no interlocutor o efeito
de sentido pretendido (GATTOLIN in ROTTAVA,
2006 p. 140, 141).

De acuerdo aún con esta autora, Gattolin, la idea de aprender


vocabulario está asociada a una extensa lista de palabras aisladas,
acompañadas por sus significados, que se encuentran organizados en
diccionarios, sin embargo, ejercicios con el uso de vocabulario deben
promover condiciones para que el alumno conozca las palabras en sus
diversos niveles, asociando esos conocimientos con otros que ya posea y
perciba las palabras no como unidades portadoras de significado absoluto,
sino como elementos que construyen un discurso. (GATTOLIN, in
ROTTAVA, 2006, p. 148).
Así aprender los “falsos amigos”76, por ejemplo, no es otra cosa,
sino aprender un vocabulario de la lengua española que tiene semejanza con
vocablos de la lengua portuguesa brasileña, con significados diferentes.
Luego comprender los vocablos divergentes, como parte de un
vocabulario lexicográfico de la lengua española, es fundamental para
alcanzar el dominio de la lengua. Comprenderlos en su contexto cultural, no
solo en la confrontación con su semejante en portugués, pues esto es
factible de inducir a errores y mal interpretaciones en la comunicación o
interpretación de cualquier texto.

5 Teoria Interacionista o Socio-Histórica


Esta concepción de aprendizaje considera que el sujeto a través del
lenguaje, se apropia del conocimiento históricamente construido, re-
elaborándolo y en su interacción con el medio y con los otros, construye
nuevos conocimientos. El lenguaje humano es un sistema simbólico que
permite el desenvolvimiento de los hombres como seres sociales y
culturales que se comunican y expresan ideas, opiniones, emociones,
intenciones, etc. (RIZZATTI, 2002, p. 27). Esto significa que el lenguaje y
la cultura son fundamentales en el proceso enseñanza-aprendizaje.
Uno de los autores que sustentan la teoría referenciada es LEV
VYGOTSKY (1896 – 1934), Psicólogo e teórico judío quien declara
también que la postura del profesor debe ser una postura mediadora (REGO
1995, p.118, in FAGHERAZZI, 2002) capaz de promover avances en el

76
Falsos amigos son vocablos heterosemánticos, que se escriben igual o parecido
tanto em español como em português, pero tienen significado diferente.
165
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

desarrollo educativo del alumno, bien como debe promover situaciones que
incentiven la curiosidad y el diálogo.
Si aplicamos este principio a la enseñanza de la lengua española, y
de las divergencias léxicas, la apropiación de la lengua albo se dará a través
de interpretación de textos, de prácticas dialógicas, de identificar palabras
con sus significados reales dentro de un contexto, de ver películas, de
escuchar música, de actividades lúdicas, de completar frases, de observar
signos simbólicos, etc.
Y en el contexto de Santa Catarina, esta metodología parece
bastante coherente, pues direcciona la práctica pedagógica para una
interpretación de contexto. Considerando las bellezas naturales del Estado,
unidas las diversidades geográficas, étnicas, históricas, folclóricas, etc.,
parece un desafío factible de realizar, ocasionando contenidos significativos
para el aprendiz de español.
Cabe recordar las conocidas palabras de FREIRE (1992):

A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí


que a posterior leitura desta não possa prescindir da
continuidade da leitura daquele. Linguagem e
realidade se prendem dinamicamente. A
compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura
crítica implica a percepção das relações entre texto e
o contexto (FREIRE, 1992 p. 11 – 12).

En ese sentido y de acuerdo con todo lo arriba expuesto y


siguiendo en el contexto de Florianópolis y Santa Catarina, a modo de
ejemplo se puede planear una clase con la finalidad de comprender mejor
palabras que cambian de género y su debida concordancia.

6 Aplicación de la Teoría Socio Histórica para enseñar y aprender


sobre palabras divergentes:
Considerando la teoría socio-historia, y en el deseo de aplicarla de
manera practica en la enseñanza de conceptos divergentes, podemos
organizar una clase para aprender sobre palabras que cambian de género,
para tal usaremos la palabra “puente”, elección de esta palabra por ser
considerada de conocimientos previos de los alumnos, si la clase fuera
ministrada en Florianópolis o en cualquier ciudad del Estado de Santa
Catarina.
Se puede mostrar un puente, mostrar una película que tenga
puentes. Se puede hablar de los puentes que unen la isla al continente, que
tienen una historia, conocida por aquellos que son nativos y conocida por
todos los que llegan a vivir en la isla, capital del Estado. Esta palabra
166
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

“puente” exige una concordancia de género, además una identificación


histórica, geográfica, social, económica, en otras palabras se puede obtener
un conocimiento mayor y más significativo para el aprendiz.
Muchos adjetivos se le pueden agregar a la palabra “puente”
ampliando el vocabulario del aprendiz y aprendiendo siempre a tener en
cuenta la concordancia de género, como ser: el puente es largo, el puente es
corto, es alto, es bajo, etc..
La comprensión del género de esta palabra “puente” y la
internalización por parte del aprendiz, al ver la imagen del puente, fijará no
solo el aprendizaje de esta palabra sino de muchas otras, como: costumbre,
cumbre, árbol, viaje, pasaje, reportaje, que también cambian su género.
De la misma forma si queremos entrar en el campo de las palabras
heterosemánticas, palabras que pueden escribirse igual o parecido pero que
tienen significados diferentes, podemos trabajar con la palabra “rato”. En
español esta palabra significa “momento” o “espacio de tiempo”, en cuanto
en portugués, la misma palabra “rato” significa lo que en español es “ratón”
(pequeño mamífero roedor).
Podemos trabajar con la idea de las islas “Ratones”, llamadas así
por su propia forma y siendo herencia de la lengua española, una vez que
fueron los conquistadores españoles los que bautizaron esas islas con el
nombre de “Ratones Grande y Ratones Pequeña”(TONERA, 2001),
pedagógicamente se puede presentar un texto sobre este episodio, o
simplemente mostrar fotografías de las islas, o solicitar pesquisa a los
alumnos de estas islas para luego trabajar la palabra “rato” que significa
“momento” en español y nada tiene a ver con ratón.
Semejante a esta palabra “rato” hay muchas otras que pueden ser
cables conductores para pesquisas históricas, geográficas o culturales,
ejemplo: “encajes” o rendas de bilros, pueden fornecer actividades de
pesquisa histórica, comprendiendo esta actividad artesanal como factor
importante en la preservación de las tradiciones del pueblo colonizador
(azoriano), En portugués la palabra semejante sería: encaixe, que nada tiene
a ver con rendas.
Comprender las divergencias léxicas ayudará al individuo a
comunicarse mejor, factor fundamental para contribuir con la vocación
turística del Estado.
Concluyendo, la enseñanza y aprendizaje de divergencias léxicas,
puede representar un campo fértil de actuación pedagógica fundamentada
en aspectos históricos y sociales de conocimientos previos de los alumnos,
por lo tanto significativa, una vez que los nuevos vocablos o vocablos
divergentes están contextualizados dentro de su cultura local, no separados,
luego el aprendiz puede expresar algo que ya conoce en otra lengua,

167
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

además que esta forma de enseñanza fornece a la persona que aprende un


saber más amplio con relación al objeto de estudio, en el presente caso las
divergencias léxicas.
Además de obtener un dominio mayor de cómo utilizar los
vocablos semejantes, el aprendiz obtendrá una visión más real del mundo
que lo rodea, dándoles a sus palabras el real sentido, hecho que le
permitirá posicionarse mejor en sus interacciones verbales, en diferentes
campos de laborales y avanzar de manera más consciente hacia adquisición
plena de la lengua española y la construcción de un mundo mejor.

7 Referencias
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem, São Paulo:
Hucitec, 1979.
BOHN, HILARIO I. e VANDRESEN, Paulino (org.) Tópicos de
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------------------ Interdisciplinaridade: História, Teoria e Pesquisa..
Campinas, SP: Papirus, 1994.( Col. Magistério: Formação e trabalho
pedagógico)
------------------ Dicionário em construção: interdisciplinaridade. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2002.
-------------------Integração e Interdisciplinaridade no ensino Brasileiro.
Efetividade ou ideologia. São Paulo. Ed. Loyola, 1993

168
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

FREIRE, Paulo. Pedagogía do Oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 1987.
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Freire. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
--------------------Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro. Paz
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Estrangeira. O ensino de vocabulário no livro didático e na voz do
professor. Ijuí, RS, Ed. Unijuí, 2006. (Coleção linguagens)
HEBERLE, Viviane M. Língua Ensino e Ações. Um olhar sobre a sala de
aula de língua estrangeira. Florianópolis: UFSC/NUSPPLE/ DLLE/ CCE,
2002.
OLIVEIRA, M. Kohl. Vygotsky Aprendizado e desenvolvimento: um
processo histórico. São Paulo: Scipione, 1993.
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na Sala de aula de LE. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
SANTA CATARINA. SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E
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TONERA, Roberto. Fortalezas multimídia. Florianópolis: Projeto
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ENCICLOPEDIA ILUSTRADA. El Pequeño Larousse Ilustrado 2003. El
lenguaje, La escritura y las lenguas. Editorial S.A. Barcelona, 2003.

169
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

FALSOS AMIGOS NA RELAÇÃO ESPANHOL-PORTUGUÊS EM


LIVROS DIDÁTICOS E EM UM CORPUS LINGUÍSTICO

Maria Leticia Nastari Millás77


Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão 78

RESUMO
O presente texto tem o objetivo de apresentar um conjunto de informações
extraídas de uma pesquisa que tinha por finalidade identificar falsos amigos
em catorze coleções de livros didáticos para ensino de espanhol a
brasileiros, publicadas entre 2001 e 2011. Examinou-se o tratamento dado
aos falsos amigos nesses livros, tentando avaliar se esse tratamento era
pertinente em função das necessidades do público. Norteiam a pesquisa
cinco perguntas: 1. Qual a ocorrência de cada falso amigo dentro de cada
coleção? 2. Qual a ocorrência de cada falso amigo em todas as coleções? 3.
Quais os falsos amigos mais recorrentes em todas as coleções? 4. Qual o
ocorrência de cada falso amigo no CREA? 5. Em quais contextos os falsos
amigos selecionados aparecem? Para responder a essas perguntas, a
metodologia aplicada consistiu na verificação da frequência de uso dos
falsos amigos nos livros didáticos e no “Corpus de Referencia del Español
Actual” (CREA).

Introdução
Neste trabalho, relatamos os resultados de uma pesquisa que teve
por finalidade examinar o tratamento dado a falsos amigos em livros
didáticos para ensino de espanhol a brasileiros, identificando quais falsos
amigos eram comuns a todas as coleções e as ocorrências de cada um desses
falsos amigos em cada volume. Tomou-se como fundamentação informação
e exemplos reunidos no Corpus de Referencia del Español Actual (CREA).
A escolha do livro didático para ensino de espanhol foi usado como objeto
de estudo porque este costuma ser o material didáticos mais frequentemente
utilizado nos contextos de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras.

1 Aportes metodológicos da Linguística de corpus


Conforme Stubbs (2004, p. 106), a Linguística de corpus tem sido

77
Mestre em Estudos da Tradução pela Universidade Federal de Santa Catarina.
78
Professora do Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras da Universidade
Federal de Santa Catarina. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.
Professora do Programa de Pós-graduação em Linguística e do Programa de Pós-
graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina.
170
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

entendida como “grande coleção de textos, legível por computador e


projetada para a análise linguística”. Este autor explica que os dados de um
corpus são essenciais para descrever os usos linguísticos com precisão.
Embora a Linguística de corpus se ocupe de quase todas as áreas da
pesquisa linguística, contudo o léxico vem sendo um dos campos que vem
recebendo mais atenção por parte de linguistas que se voltam para essa
vertente:

A Linguística de Corpus ocupa-se da coleta e


exploração de corpora, ou conjuntos de dados
linguísticos textuais que foram coletados
criteriosamente com o propósito de servirem para a
pesquisa de uma língua ou variedade linguística.
Como tal, dedica-se à exploração da linguagem
através de evidências empíricas, extraídas por meio
de computador. (SARDINHA, 2000, p. 325)

Embora Stubbs (2004, p. 112) explique que nenhum corpus pode,


na verdade, representar toda uma língua, uma vez que ninguém sabe
exatamente o que deveria ser representado (Sardinha, 2002, p. 15-16)
destacou que sua utilização de corpus na pesquisa linguística "deixou de ser
uma opção”. A aplicação da Linguística de corpus em pesquisas
relacionadas ao ensino é muito recente no Brasil, mas isto não impediu que
optássemos por essa abordagem. Ao contrário: serviu como uma motivação.

2 Metodologia
O propósito da pesquisa que relatamos neste trabalho consistiu em
identificar, como dissemos, os falsos amigos presentes em 14 coleções de
livros didáticos para ensino de espanhol a brasileiros, amplamente usadas
em escolas de Ensino Fundamental e de Ensino Médio no Brasil: 1. El arte
de leer Español; 2. Enlaces; 3. Entérate; 4. Expansión; 5. Espanhol série
Brasil; 6. Español. Curso de Español para hablantes de portugués; 7.
Español Esencial; 8. Listo; 9. Nuevo ¡Arriba!; 10. Radix; 11. Saludos; 12.
Síntesis; 13. ¡Por Supuesto!; e 14. ¡Vale!.
Os falsos amigos do espanhol em relação ao português sempre ou
quase sempre são incluídos em todos os tipos de materiais de ensino desta
língua, por isso cada uma das coleções citadas foi analisada, livro por livro,
página por página, em busca das seções destinadas aos falsos amigos.
Na pesquisa que deu origem a este artigo, os falsos amigos estão
organizados em tabelas seguindo a ordem em que aparecem nos livros, com
a indicação das páginas onde se encontram, mostrando, também, os falsos
amigos separados por coleções e organizados por ordem alfabética bem
171
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

como a indicação da página e volume a qual pertencem. Por fim, os falos


amigos são exibidos em dois quadros gerais que contêm os vocábulos, sua
frequência de aparecimento em todas as coleções e a tradução de cada um
deles para o português. Neste trabalho, por seu caráter sintético, são
apresentadas apenas essas dois quadros, como se verá na sequência.
Para verificar se os livros didáticos apresentam os falsos amigos
usados nas interações reais da língua, se contabiliza o número de ocorrência
dos falsos amigos encontrados nos livros didáticos no “Corpus de
Referencia del Español Actual” (CREA).

2.1- Corpus de Referencia del Español Actual (CREA)


O "Corpus de referencia del español actual" é um conjunto de
textos armazenado em suporte informático, do qual é possível extrair
informação para estudar as palavras, seus significados e seus contextos. Um
corpus de referência está desenhado para proporcionar informação
exaustiva sobre uma língua em um determinado momento de sua historia e,
portanto, deve ser suficientemente extenso para representar todas as
variedades relevantes da língua em questão. O CREA é composto de textos
escritos e orais, produzidos em todos os países de fala hispânica de 1975 até
2004.

2.2- As consultas efetuadas no CREA


As consultas efetuadas no CREA seguiram o seguinte critério de
seleção: Meio: miscelânea. Região geográfica: todos. Tema: todos
(miscelânea). Cronológico: 2001 à 2011. A escolha do meio se justifica
pelo fato dos livros didáticos trazerem matérias retiradas de livros, de
jornais e revistas ou são transcrições de oralidade. As escolhas do tema e
região geográfica justificam pelo fato de os livros didáticos costumarem
abordar uma grande variedade de temas, com materiais oriundos de
diversas regiões. A escolha do critério cronológico, que abrange os anos de
2001 à 2011, por ser nosso interesse analisar uma década de produções
didáticas.
As buscas efetivadas no CREA restringem-se aos falsos amigos
que apareceram 5 vezes ou mais em pelo menos 2 das coleções analisadas.
Esta opção justifica-se pelo fato de considerarmos que os vocábulos que
apareceram menos de cinco vezes não são relevantes estatisticamente,
portanto, não são significativos para esta pesquisa.

2.3- Quadros que reúnem, de forma sintética, os falsos amigos identificados

172
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Quadro 1: Lista geral dos falsos amigos

N. Palavra Tradução Freq.


1 abonar adubar 1
2 abono adubo 5
3 aborrecer odiar 3
4 abrigo agasalho 1
acontecer (usado para acontecimentos de
5 acontecer 1
grande magnitude)
6 acordar lembrar 1
7 acordarse lembrar-se 4
8 acreditar creditar 2
9 acreditarse creditar-se 1
10 adicción vício/ vício às drogas 2
11 adobe espécie de tijolo 1
12 agasajar acolher/ receber bem 1
13 ala asa de pássaros 1
14 alargar alongar/ aumentar o comprimento 1
15 almohada travesseiro 1
16 anhelo anceio/ ância/ desejo 1
17 ano ânus 2
18 apellido sobrenome 22
19 apenas quase não/ tão somente 3
20 aperrear trazer preso como um cão 1
21 aposentar alojar/ hospedar 2
22 aposento alojamento 1
23 apresado preso 1
24 apresar alojar 1
25 apurado refinado/ apressado 3
26 apurar aperfeiçoar/ purificar/ limpar 1
27 asignar assinalar 1
28 asignatura matéria/ disciplina 4
29 asistir frequentar 1
30 aterrar aterrorizar 1
31 atestar abarrotar/ encher 1
32 aula sala de aula 3
33 avalar avalizar 1

173
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

34 ayuntamiento prefeitura 1
35 balcón sacada 1
36 balón bola 1
37 barata de baixo preço 1
38 basura lixo 7
39 batata batata-doce 2
40 beca bolsa de estudos 3
41 berro agrião 18
42 billete nota/ cédula 2
43 billón trilhão 3
44 bizcocho pão-de-ló/ bolo 1
45 blanco alvo/ branco 2
46 bolsa sacola 1
47 bolso bolsa 1
48 borracha bêbada 3
49 borracho bêbado 3
50 borrador rascunho 1
51 borrar apagar 11
52 bota chuteira 1
53 botar quicar a bola/ chutar (no futebol) 1
54 bote pulo/ balsa 1
55 botiquín caixa de remédios 2
56 bozal focinheira 1
57 brincar pular/ saltar 8
58 brinco salto/ pulo 9
59 cacho pedaço 3
60 cachorro filhote 24
61 caco ladrão 1
62 calzada leito da rua 5
63 camarero garçom 1
64 capa camada 1
65 caprichoso teimoso 2
66 careta máscara 1
67 carnicería açougue/ matadouro 1
68 carnicero açougueiro 1
69 carpa barraca 1
70 carro carroça 3
71 carroza carruagem 2
174
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

72 cartel cartaz 1
73 cazadora casaco/ japona 1
74 cena jantar 9
75 cepillo escova 2
76 cerca perto 2
77 chapa lataria 1
78 charlatán conversador/ falador 1
79 chatear entrar em um chat/ bater papo 2
80 chavalo menino/ jóven 1
81 chico jovem/ menino/ pequeno/ rapaz 2
82 chorizo linguiça 2
83 cigarrilo cigarro 2
84 cigarro charuto 1
85 cimiento estrutura 1
86 cinta fita 5
87 ciruela ameixa 5
88 clase aula 1
89 clausura formatura 1
90 cobijar hospedar/ tapar 1
91 cobra nome de uma espécie de cobra venenosa 1
92 coche automóvel 1
93 cola fila/ rabo 6
94 colar coar/ entrar sem autorizção 1
95 comedor sala de jantar 3
96 cometa pipa 2
97 competencia competição/ concorrência 7
98 concierto acordo/ show/ concerto 1
99 confiado crédulo 2
100 contestar responder 5
101 copa taça/ cálice 8
102 copo floco (de neve/ de espuma) 6
103 corrida tourada 1
104 corvo curvo/ curvado/ arqueado 2
105 costa custo 1
106 crear criar 1
107 creditar dar crétido 1
108 crianza criação 7
109 cubiertos talheres 6
175
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

110 cubo balde 2


111 cuello pescoço 11
peça de jogo (não expressa acepção de
112 dado 1
informação)
113 dependiente balconista/ vendedor 1
114 desgrasado sem gordura 2
115 despejado desimpedido/ livre 1
116 dibujo desenho 1
117 dirección enderço 1
118 distinto diferente 8
119 doce doze 3
120 droguería loja de produtos de limpeza 1
121 ducha banho 1
122 embarazada grávida 17
123 emparedado sanduíche 2
124 en cuanto assim que 3
125 encapotado nublado 2
126 engrasado engordurado/ engraxado 1
127 enojado zangado 7
128 enojar zangar 2
129 enseñar ensinar 1
130 escenario palco do teatro 3
131 escenografía cenário 1
132 escoba vassoura 22
133 escobar varrer 1
134 escritorio escrivaninha 10
135 esposas algemas 2
136 estafa fraude/ negócio mal intencionado 4
137 estante prateleira 3
138 estofado refogado 3
139 estrellar quebrar 1
140 éxito sucesso 1
141 expediente documentos 1
142 experto especialista 3
143 explorar examinar 1
144 exprimir espremer 1
145 exquisito refinado/ especial/ saboroso/ delicioso 25
146 extrañar ter saudade 2
176
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

147 farol lampião 1


148 fechar datar 2
149 ferias feiras 1
150 firma assinatura 5
151 firmar assinar 1
152 flaco magro 9
153 frente testa 1
154 funda fronha 4
155 gallo galo (animal) 2
156 gamba camarão 1
157 ganancia lucro 2
158 garfio gancho 1
159 garrafa botijão 1
160 gaseosa refrigerante 1
161 general geral 1
162 gira excursão/ turnê 1
163 globo balão 1
164 goma borracha 1
165 gracioso engraçado 1
166 grada arquibancada 1
167 granja fazenda-escola 1
168 grasa gordura 4
169 guitarra violão 2
170 halagar elogiar 1
171 helado sorvete 1
172 hipo soluço 2
173 honda atiradeira/ profunda 1
174 impartir dar (aulas) 1
entrar para uma instituição/ internar-se/
175 ingresar 1
dar entrada
176 interés juros 3
177 jato bezerro/ terneiro 1
178 jornal salário 1
179 jubilación aposentadoria 8
180 judía vagem 4
181 jugar brincar 5
182 jugo suco 3
183 juguete brinquedo 1
177
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

184 ladrillo tijolo 8


185 largo comprido 24
186 lastimar machucar 1
187 latido batida/ batimento 6
188 latir bater/ palpitar 4
189 lentilla lente de contato 4
190 lienzo tela 3
191 ligar paquerar 1
192 ligero leve 2
193 lista esperta/ pronta 1
194 listo inteligente/ esperto/ astuto/ pronto 2
195 llamada ligação/ telefonema/ chamada 1
196 lograr conseguir 4
197 logro conquista 3
198 luego depois 1
199 maestro mestre/ professor 1
200 magra carne magra de porco/ presunto 2
201 mala má (feminino de mal) 4
202 manco maneta 1
203 manteca gordura 2
Dama de familia nobre que desde muito
204 menina joven entrava a servir à reinha ou às 1
princesas.
205 mermelada geléia 1
206 mijar milharal 2
207 mirar olhar 1
macaco (animal)/ papagaio/ lindo/ fofo/
208 mono 2
macacão
209 motorista motoqueiro 1
210 muela dente do siso 1
211 muñeca pulso/ estopa/ boneca 1
212 neto nítido/ preciso 1
213 niñada infantilidade/ criancice 1
214 niño criança 3
215 novio namorado 1
216 ocio lazer 2
217 oficina escritório 18
218 ola onda 1

178
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

219 oleado que recebeu os óleos santos 1


220 olla panela 1
221 ordenador computador 1
222 oso urso (animal) 11
223 padre pai 1
224 palco camarote 11
225 parvo pequeno 1
226 pasta massa 4
227 pastel bolo confeitado 5
pessoa extremamente acomodada/ pessoa
228 pastelero que tem como ofício fazer ou vender 1
bolos.
229 patilla costeleta 2
230 patio platéia/ pátio 1
231 pegamento cola 4
232 pegar colar/ grudar/ bater 9
233 pelado careca 10
234 pelo cabelo 2
235 periódico jornal 2
236 pipa cachimbo 5
237 plancha perro de passar roupa 1
238 plátano banana/ bananeira 2
239 poltrón preguiçoso/ vadio 1
240 polvo pó/ poeira 15
241 portero goleiro/ porteiro 1
242 prejuicio preconceito 4
243 presunto suposto/ pressuposto/ presumível 12
244 presupuesto orçamento 3
245 pronto logo/ brevemente 5
246 puro charuto 2
247 quitar tirar 1
248 rato momento/ instante/ espaço de tempo 20
249 ratón rato/ bíceps/ mouse 2
250 rayas listra/ risca 1
251 refresco refrigerante 2
252 restar diminuir 1
253 rienda rádea 1
254 rojo vermelho 5
179
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

255 rubio loiro 9


256 ruin pequeno/ raquítico/ mirrado 1
257 saco paletó 3
258 salada salgada 1
259 salsa molho 11
260 sereno guarda-noturno 1
261 seta cogumelo 1
262 sitio lugar/ local 11
263 sobre envelope 4
264 sobremesa bate-papo depois do almoço 1
265 sobrenombre apelido 8
266 sótano porão 6
267 subtítulos legenda 1
268 suceso acontecimento/ fato/ sucedido 4
269 suciedad sujeira 3
270 sumir afundar/ submergir 1
271 tachar riscar/ rasurar 1
oficina onde se realizam trabalhos manuais
272 taller 15
diversos
273 tapa petisco/ aperitivo/ tira-gosto/ tampa 9
274 tarta bolo/ torta 1
275 tasa taxa 1
276 taza xícara 12
277 tela tecido 2
278 tienda loja/ barraca 1
279 tirar lançar/ jogar fora/ puxar 9
280 titular manchete/ titular 1
281 todavía ainda 7
282 tonto bobo 2
283 torpe burro 4
284 trozo pedaço 1
285 tuerto caolho 3
286 turma testículo/ grupo/ conjunto/ classe 1
287 vajilla baixela 1
288 valla cerca/ tapume/ barreira 1
289 vaso copo 19
290 vuelta troco 1
291 zapatería sapataria 1
180
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

292 zapatillas tênis 1


293 zorra raposa (animal) 1
294 zueco tamanco 3
295 zurdo canhoto 20

Quadro 2: Lista geral de falsos amigos por índice de frequência

Palavra Tradução Freq.


exquisito refinado/ especial/ saboroso/ delicioso 25
cachorro filhote 24
largo comprido 24
apellido sobrenome 22
escoba vassoura 22
rato momento/ instante/ espaço de tempo 20
zurdo canhoto 20
vaso copo 19
berro agrião 18
oficina escritório 18
embarazada grávida 17
polvo pó/ poeira 15
oficina onde se realizam trabalhos manuais
taller 15
diversos
presunto suposto/ pressuposto/ presumível 12
taza xícara 12
borrar apagar 11
cuello pescoço 11
oso urso (animal) 11
palco camarote 11
salsa molho 11
sitio lugar/ local 11
escritorio escrivaninha 10
pelado careca 10
brinco salto/ pulo 9
cena jantar 9
flaco magro 9
pegar colar/ grudar/ bater 9
rubio loiro 9

181
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

tapa petisco/ aperitivo/ tira-gosto/ tampa 9


tirar lançar/ jogar fora/ puxar 9
brincar pular/ saltar 8
copa taça/ cálice 8
distinto diferente 8
jubilación aposentadoria 8
ladrillo tijolo 8
sobrenombre apelido 8
basura lixo 7
competencia competição/ concorrência 7
crianza criação 7
enojado zangado 7
todavía ainda 7
cola fila/ rabo 6
copo floco (de neve/ de espuma) 6
cubiertos talheres 6
latido batida/ batimento 6
sótano porão 6
abono adubo 5
calzada leito da rua 5
cinta fita 5
ciruela ameixa 5
contestar responder 5
firma assinatura 5
jugar brincar 5
pastel bolo confeitado 5
pipa cachimbo 5
pronto logo/ brevemente 5
rojo vermelho 5
acordarse lembrar-se 4
asignatura matéria/ disciplina 4
estafa fraude/ negócio mal intencionado 4
funda fronha 4
grasa gordura 4
judía vagem 4
latir bater/ palpitar 4
lentilla lente de contato 4
lograr conseguir 4
182
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

mala má (feminino de mal) 4


pasta massa 4
pegamento cola 4
prejuicio preconceito 4
sobre envelope 4
suceso acontecimento/ fato/ sucedido 4
torpe burro 4
aborrecer odiar 3
apenas quase não/ tão somente 3
apurado refinado/ apressado 3
aula sala de aula 3
beca bolsa de estudos 3
billón trilhão 3
borracha bêbada 3
borracho bêbado 3
cacho pedaço 3
carro carroça 3
comedor sala de jantar 3
doce doze 3
en cuanto assim que 3
escenario palco do teatro 3
estante prateleira 3
estofado refogado 3
experto especialista 3
interés juros 3
jugo suco 3
lienzo tela 3
logro conquista 3
niño criança 3
presupuesto orçamento 3
saco paletó 3
suciedad sujeira 3
tuerto caolho 3
zueco tamanco 3
acreditar creditar 2
adicción vício/ vício às drogas 2
ano ânus 2
aposentar alojar/ hospedar 2
183
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

batata batata-doce 2
billete nota/ cédula 2
blanco alvo/ branco 2
botiquín caixa de remédios 2
caprichoso teimoso 2
carroza carruagem 2
cepillo escova 2
cerca perto 2
chatear entrar em um chat/ bater papo 2
chico jovem/ menino/ pequeno/ rapaz 2
chorizo linguiça 2
cigarrilo cigarro 2
cometa pipa 2
confiado crédulo 2
corvo curvo/ curvado/ arqueado 2
cubo balde 2
desgrasado sem gordura 2
emparedado sanduíche 2
encapotado nublado 2
enojar zangar 2
esposas algemas 2
extrañar ter saudade 2
fechar datar 2
gallo galo (animal) 2
ganancia lucro 2
guitarra violão 2
hipo soluço 2
ligero leve 2
listo inteligente/ esperto/ astuto/ pronto 2
magra carne magra de porco/ presunto 2
manteca gordura 2
mijar milharal 2
mono macaco (animal)/ papagaio/ lindo/ fofo/ macacão 2
ocio lazer 2
patilla costeleta 2
pelo cabelo 2
periódico jornal 2
plátano banana/ bananeira 2
184
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

puro charuto 2
ratón rato/ bíceps/ mouse 2
refresco refrigerante 2
tela tecido 2
tonto bobo 2
abonar adubar 1
abrigo agasalho 1
acontecer (usado para acontecimentos de grande
acontecer 1
magnitude)
acordar lembrar 1
acreditarse creditar-se 1
adobe espécie de tijolo 1
agasajar acolher/ receber bem 1
ala asa de pássaros 1
alargar alongar/ aumentar o comprimento 1
almohada travesseiro 1
anhelo anceio/ ância/ desejo 1
aperrear trazer preso como um cão 1
aposento alojamento 1
apresado preso 1
apresar alojar 1
apurar aperfeiçoar/ purificar/ limpar 1
asignar assinalar 1
asistir frequentar 1
aterrar aterrorizar 1
atestar abarrotar/ encher 1
avalar avalizar 1
ayuntamiento prefeitura 1
balcón sacada 1
balón bola 1
barata de baixo preço 1
bizcocho pão-de-ló/ bolo 1
bolsa sacola 1
bolso bolsa 1
borrador rascunho 1
bota chuteira 1
botar quicar a bola/ chutar (no futebol) 1
bote pulo/ balsa 1
185
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

bozal focinheira 1
caco ladrão 1
camarero garçom 1
capa camada 1
careta máscara 1
carnicería açougue/ matadouro 1
carnicero açougueiro 1
carpa barraca 1
cartel cartaz 1
cazadora casaco/ japona 1
chapa lataria 1
charlatán conversador/ falador 1
chavalo menino/ jóven 1
cigarro charuto 1
cimiento estrutura 1
clase aula 1
clausura formatura 1
cobijar hospedar/ tapar 1
cobra nome de uma espécie de cobra venenosa 1
coche automóvel 1
colar coar/ entrar sem autorizção 1
concierto acordo/ show/ concerto 1
corrida tourada 1
costa custo 1
crear criar 1
creditar dar crétido 1
peça de jogo (não expressa acepção de
dado 1
informação)
dependiente balconista/ vendedor 1
despejado desimpedido/ livre 1
dibujo desenho 1
dirección enderço 1
droguería loja de produtos de limpeza 1
ducha banho 1
engrasado engordurado/ engraxado 1
enseñar ensinar 1
escenografía cenário 1
escobar varrer 1
186
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

estrellar quebrar 1
éxito sucesso 1
expediente documentos 1
explorar examinar 1
exprimir espremer 1
farol lampião 1
ferias feiras 1
firmar assinar 1
frente testa 1
gamba camarão 1
garfio gancho 1
garrafa botijão 1
gaseosa refrigerante 1
general geral 1
gira excursão/ turnê 1
globo balão 1
goma borracha 1
gracioso engraçado 1
grada arquibancada 1
granja fazenda-escola 1
halagar elogiar 1
helado sorvete 1
honda atiradeira/ profunda 1
impartir dar (aulas) 1
entrar para uma instituição/ internar-se/ dar
ingresar 1
entrada
jato bezerro/ terneiro 1
jornal salário 1
juguete brinquedo 1
lastimar machucar 1
ligar paquerar 1
lista esperta/ pronta 1
llamada ligação/ telefonema/ chamada 1
luego depois 1
maestro mestre/ professor 1
manco maneta 1
Dama de familia nobre que desde muito joven
menina 1
entrava a servir à reinha ou às princesas.

187
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

mermelada geléia 1
mirar olhar 1
motorista motoqueiro 1
muela dente do siso 1
muñeca pulso/ estopa/ boneca 1
neto nítido/ preciso 1
niñada infantilidade/ criancice 1
novio namorado 1
ola onda 1
oleado que recebeu os óleos santos 1
olla panela 1
ordenador computador 1
padre pai 1
parvo pequeno 1
pessoa extremamente acomodada/ pessoa que
pastelero 1
tem como ofício fazer ou vender bolos.
patio platéia/ pátio 1
plancha perro de passar roupa 1
poltrón preguiçoso/ vadio 1
portero goleiro/ porteiro 1
quitar tirar 1
rayas listra/ risca 1
restar diminuir 1
rienda rádea 1
ruin pequeno/ raquítico/ mirrado 1
salada salgada 1
sereno guarda-noturno 1
seta cogumelo 1
sobremesa bate-papo depois do almoço 1
subtítulos legenda 1
sumir afundar/ submergir 1
tachar riscar/ rasurar 1
tarta bolo/ torta 1
tasa taxa 1
tienda loja/ barraca 1
titular manchete/ titular 1
trozo pedaço 1
turma testículo/ grupo/ conjunto/ classe 1
188
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

vajilla baixela 1
valla cerca/ tapume/ barreira 1
vuelta troco 1
zapatería sapataria 1
zapatillas tênis 1
zorra raposa (animal) 1

3 Resultados e discussão
Quase todas as coleções analisadas apresentaram seções destinadas
aos falsos amigos, menos a coleção ¡Entérate!, entretanto, não apresentou,
em nenhum de seus volumes, seções destinadas a este tipo de vocábulo. Não
há nenhum falso amigo que seja comum a todas as coleções analisadas. O
vocábulo “exquisito” foi o que apareceu o maior número de vezes em todas
as coleções (25 vezes), entretanto, esta não é, dos falsos amigos, a de mais
frequência segundo as buscas feitas no CREA. Dos vocábulos analisados, o
falso amigo mais frequente, é “salsa”, com 120 casos em 29 documentos.
Nos livros didáticos analisados, por sua vez, esse falso amigo nem está
presente em todas as coleções e aparece apenas 11 vezes no total.
“Cachorro” foi o segundo vocábulo mais frequente nas coleções de
livros didáticos, aparecendo 24 vezes. Curiosamente, após realizar as buscas
no CREA, nos deparamos com a informação de que não existem dados para
esse vocábulo. Empatado em segundo lugar, com 24 aparições, está o
vocábulo “largo”, que apresenta frequência bastante alta no CREA: 81
casos em 40 documentos. O vocábulo seguinte, “apellido”, que aparece 22
vezes nas coleções, no CREA 11 vezes em 9 documetos, e também 22 vezes
nas coleções, está “escoba”, que no CREA tem somente 4 casos em 4
documentos. Osbservamos que os falsos amigos mais recorrentes nos livros
analisados não são os mais frequentes no Corpus CREA.
Conforme as buscas realizadas no CREA, osfalsos amigos mais
recorrentes, em ordem decrescente, são: “salsa” (120 casos); “sitio” (104
casos); “todavía” (102 casos); “largo” (81 casos); “oficina” (70); “pronto”
(68); “rato” (65); “taza” (47); “rojo” (39); “cena” (37); “cuello” (30);
“taller” (29); “cola” (26); “polvo” (23); “jugar” (21); “competencia” (20);
“vaso” (19); “basura” (19); “escritorio” (14); “copa” (14); “cubiertos” (13);
“firma” (12); “apellido” (11); “borrar” (11); “cinta” (11); “tapa” (10) e
“tirar” (10). O CREA informou não haver dados para os seguintes
vocábulos (organizados por ordem decrescente de frequência nas coleções
de livros diáticos): “cachorro”, “berro”, “presunto”, “palco”, “brinco”,
“ladrillo”, “sobrenombre”, “copo”, “latido”, “sótano”, “calzada” e “pipa”.
Além disso, no CREA, os seguintes falsos amigos (também organizados por
189
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

ordem decrescente de frequência nas coleções de livros diáticos analisadas),


só apareceram uma única vez: “zurdo”, “pelado”, “flaco”, “brincar”,
“jubilación” e “ciruela”.
Outra observação importante é que a coleção Enlaces trabalha os
falsos amigos somente em 1 exercício. Nele, não existem seções ou tabelas
destinadas a este tipo de vocábulo. A maior parte dos livros didáticos,
segundo o que encontramos no Corpus CREA, não se fundamentam no
critério de frequência para a escolha dos falsos amigos que incluirão no
vocabulário a ser aprendido pelos seus usuários.

4 Conclusão
O vocabulário tem um papel muito importante na aprendizagem de
línguas. A partir dos resultados obtidos, percebe-se a necessidade de um
tratamento dos falsos amigos mais específico e adequado às necessidades de
brasileiros aprendizes de espanhol.

5 Referências
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cognatos em espanhol como língua estrangeira. Dissertação de Mestrado
em Lingüística. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
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español como LE. Boletín de ASELE n° 37. Málaga: ASELE, 2007, p. 11-
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Nacional & I Simpósio Internacional de Letras e Lingüística,
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bilíngue contrastiva. Londrina: UEL, 2009, v. 1, p. 79-97.
MILLÁS, M. L. N. Lidando com os falsos amigos: um estudo com base
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190
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

RIBEIRO, G. C. B. Tradução técnica, terminologia e lingüística de corpus:


a ferramenta Wordsmith Tools. Cadernos de Tradução, v. 2, Nº 14, p.
159-174, 2004.
SARDINHA, T. B. Corpora eletrônicos na pesquisa em tradução. Cadernos
de Tradução (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, v. 9, n. 1, p. 15-60,
2002.
SARDINHA, T. B. Lingüística de Corpus: Histórico e problemática.
DELTA. Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada,
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SHEPHERD, T. M. G. e SARDINHA, T. B. Panorama da Linguistica de
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(Org.). Caminhos da Linguística de Corpus. Campinas: Mercado das
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STUBBS, M. Language Corpora. Em: Alan Davies & Catherine Elder (eds.)
The handbook of applied linguistics (p. 106-32) Oxford: Blackwell, 2004,
p. 106-132.

191
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

A MÚSICA TRADICIONAL GAÚCHA E O CONTATO


LINGUÍSTICO-CULTURAL NA REGIÃO DA FRONTEIRA OESTE
DO RIO GRANDE DO SUL

Odair José Silva dos Santos79


Giselle Olivia Mantovani Dal Corno80

RESUMO
Ao se concretizar socialmente, o léxico de uma língua pode sofrer variação,
adaptando-se às necessidades comunicativas de seus falantes, inclusive sob
a forma de empréstimos recebidos de outras línguas. Partindo do
pressuposto de que os aspectos sociais e culturais influenciam a construção
linguística de um determinado grupo linguístico, a presente pesquisa tem o
objetivo de investigar os empréstimos linguísticos identificados nas canções
de César Oliveira e Rogério Melo, motivados pelo contato entre as variantes
da língua espanhola e da língua portuguesa na região de fronteira entre
Brasil, Argentina e Uruguai, já que a música tradicionalista gaúcha se
caracteriza pelo hibridismo linguístico-cultural propiciado pelo contato
entre estes países. A partir disso, observa-se a questão cultural, identitária e
linguística concretizada no espaço de fronteira, sendo que os sujeitos que ali
habitam exercem uma dupla troca, tornando não só os aspectos sociais
híbridos, mas também a língua. Neste cenário, as produções de César
Oliveira, natural de Itaqui (fronteira com Argentina), e Rogério Melo,
natural de São Gabriel (próximo ao Uruguai), têm repercussão no cenário
estadual por revelar as tradições do sujeito gaúcho, e nacional em 2008 com
o “Prêmio Tim” por revelar-se melhor dupla regional do país. O foco deste
trabalho é a letra da canção “Os ‘loco’ lá da fronteira”, dessa dupla
tradicionalista, e será analisado numa perspectiva linguístico-cultural, tendo
embasamento nos estudos de Calvet (2002), Hall (2005) Hannerz (1997),
Garcia (2010), Pesavento (2005) e De Heredia (1989). Este trabalho é um
recorte da pesquisa para dissertação de mestrado, em andamento, e se
justifica pelo fato de que, considerando os muitos aspectos históricos e
linguísticos comuns no espaço de fronteira supracitado, ele se constitui
numa região cujos produtos culturais, como a música, merecem ser
estudados.

79
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Letras, Cultura e Regionalidade
da Universidade de Caxias do Sul (UCS) – odairzile@hotmail.com
80
Doutora em Letras. Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras,
Cultura e Regionalidade - gomdcorn@ucs.br
192
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Introdução
Partindo da ideia de Pesavento (2005, p. 11) de que “fronteiras são
janelas e portas, que tanto no plano da literalidade como no da metáfora
permitem a passagem, mas também impedem a entrada”, o presente
trabalho pretende discutir a questão do contato linguístico-cultural dado na
fronteira entre Brasil, Argentina e Uruguai 81. Dada essa proximidade
política, social e cultural, há uma diversidade de palavras da Língua
Espanhola que são utilizadas pelos falantes da Língua Portuguesa, muitas
vezes registradas nas produções culturais, como a literatura e a música.
Nesse contexto, o presente trabalho pretende fazer uma breve incursão no
tema do contato linguístico-cultural na fronteira oeste do Rio Grande do
Sul, enfatizando os empréstimos lexicais e a presença de bilinguismo nessa
região, a partir da análise da canção tradicionalista “Os ‘Loco’ lá da
fronteira”, de César Oliveira e Rogério Melo.

1 Cenário histórico-cultural do Rio Grande do Sul


De acordo com Pozenato, “se a região se apresenta como um
espaço, ela é um espaço definido por uma história diferente da do espaço
vizinho e externo” (POZENATO, 2003, p. 152.). Para o Rio Grande do Sul,
a construção de uma região nasce à luz das disputas e acordos entre
Portugal e Espanha, trasnplantadas para o Novo Mundo.
Os limites territoriais entre as possessões de Portugal e Espanha na
América do Sul começam a ser disputados desde o tratado de Tordesilhas
(1494), e foram continuamente modificados com outras tentativas de
acordos, como os tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777). Assim
foi se moldando o Brasil enquanto território nacional. Isso pode ser
visualizado no mapa a seguir.

81
A menos que especificado de forma diferente, o termo fronteira neste trabalho
refere-se à região entre Brasil, Argentina e Uruguai.
193
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Figura. Os tratados de Tordesilhas, Madri e Santo Ildefonso


Fonte: http://graxaimecoturismo.blogspot.com.br/2012_01_01_archive.html

Pode-se visualizar no mapa que os tratados firmados entre Portugal


e Espanha concretizaram fronteiras móveis que, ao longo da história,
“limitam, encerram e fecham, negam o diálogo e o contato, tal como podem
abrir, comunicando e aproximando as partes, criando laços,
correspondências, percursos de vida em paralelo, convergências, oposições
e competição” (PESAVENTO, 2005, p. 11).
O território que hoje compreende o estado do Rio Grande do Sul (à
semelhança de boa parte do território brasileiro) foi se constituindo
gradativamente, à medida que os interesses políticos e econômicos
moldaram suas fronteiras, fosse com o restante do Brasil, fosse com os
países vizinhos a oeste. As últimas demarcações de divisas com Uruguai e
Argentina se deram em 1819 e 1851. Garcia (2010, p. 15) enfatiza que se
tratou de uma “fronteira móvel” com “limites disputados com ferro. Guerras
e contendas.” Por outro lado, houve e ainda há um grande fluxo comercial e
cultural, que Garcia (2010, p. 15) resume como “trânsito de gentes, de
mercadorias, diálogo entre culturas.” Tal configuração é comum em
contextos de fronteira, tanto que se afirma que “se as fronteiras tivessem um
deus a presidir sua existência, um deus grego que tutelasse a existência, ele
seria Hermes, o deus do movimento e do comércio” (PESAVENTO, 2005,
p. 11).
Deste modo, considerando os muitos aspectos históricos comuns
da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, pode-se dizer que esse espaço
194
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

constitui uma região de cultura híbrida. Recordando os estudos de Bakhtin,


Hannerz afirma que “a hibridez representava antes de tudo a coexistência de
duas línguas, duas consciências linguísticas, mesmo dentro de uma única
fala, comentando uma a outra, criando contradições, ambiguidades, ironias”
(HANNERZ, 1997, p. 26).
Garcia pontua:

Choque e permeabilidade, sobrepondo-se,


intercalando-se, entrelaçando-se. A ponto de
produzir uma cultura singular, um modo de vida,
com seus sabores, costumes e dizeres. O gaúcho
nasceu na fronteira. E é a fronteira que ele carrega
dentro de si. Para onde quer que vá, é o espírito da
fronteira que o anima (GARCIA, 2010, p. 15).

É consolidado, assim, um cenário de acordos e de “uniões”,


constituindo não só uma região, mas também uma identidade regional
advinda do contato entre culturas.

2 As fronteiras da linguagem
Diante das construções históricas da fronteira e de seus fluxos
comerciais e culturais, torna-se evidente a ocorrência de interferências
lexicais, predominantemente, no caso do Rio Grande do Sul, entre o
português e o espanhol. Segundo Calvet (2002, p. 39), a interferência
lexical pode produzir o empréstimo: mais do que procurar na própria
língua uma equivalente a um termo de outra língua difícil de encontrar,
utiliza-se diretamente essa palavra adaptando-se à própria pronúncia.
Confluindo língua e cultura constrói-se, assim, a ideia de uma
região que “vem a ser, portanto, o espaço criado por uma interação. Daí se
segue que, num mesmo lugar, há tantas ‘regiões’ quantas interações ou
encontros entre programas” (CERTEAU, 1994, p. 212). O espaço regional e
as interações entre seus interlocutores hibridam tanto línguas quanto
culturas.
Para Altenhofen, Mello e Raso:

É importante, também, notar que a história de uma


língua está diretamente associada à história das
gerações de seus falantes. Nenhuma língua jamais foi
estática. O processo de mudança linguística ocorre
tanto sincrônica quanto diacronicamente, e toda
língua será sempre uma abstração, formada por
variedades e registros distintos em um mesmo

195
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

momento no eixo temporal (ALTENHOFEN;


MELLO; RASO, 2011, p. 29).

Sabe-se que nenhuma língua é totalmente homogênea e pura, mas


sim que há o envolvimento com outras línguas e dialetos, especialmente em
se tratando de línguas em contato, como o que pode ser encontrado na
linguagem falada na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Em uma visão
diatópica e sociolinguística, pode-se visualizar que um falante, dentro de
seu contexto,

está constantemente adaptando seus hábitos de


fala aos de seu interlocutor, ele abre mão de
formas que tem usado, adota novas e, talvez
mais frequentemente que tudo, muda a
frequência das formas faladas sem abandonar
inteiramente as velhas ou aceitar qualquer uma
que seja realmente nova para ele
(BLOOMFIELD apud WEINREICH; LABOV;
HERZOG, 2006, p. 93-4).

Observa-se, assim, que linguagem e cultura estão interligadas, uma


vez que se encontram “enredadas nessas diversificadas correntes de cultura
presentes em seus hábitats, as pessoas, como seres culturais, provavelmente
estão sendo moldadas, e modelam a si mesmas, por peculiaridades de sua
biografia, gosto e cultivo de talentos” (HANNERZ, 1997, p. 18).
O indivíduo da fronteira, envolvido por culturas e línguas de
nações diferentes, acaba por “incorporar” aspectos linguístico-culturais ora
de uma nação ora de outra. Pode ser encontrada, neste contexto, a presença
de bilinguismo, fenômeno visto como a utilização de uma ou mais
habilidades linguísticas. O bilinguismo é considerado por Calvet (2002, p.
36) como “um fenômeno individual, e considera que as línguas estavam em
contato quando eram utilizadas alternadamente pela mesma pessoa”.
O uso de mais de uma língua por uma mesma pessoa pode revelar
que, além de bilingue, ele é um ser bicultural, o que tem implicações para
sua autoimagem e as atitudes que tem para com as línguas que fala.
Conforme Frosi, Faggion e Dal Corno:

A fala de um indivíduo revela a seus interlocutores


algumas das marcas que lhe são peculiares, podendo
informar tanto sua etnia, classe sociocultural, faixa
etária quanto e, principalmente, suas atitudes em

196
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

relação à sua própria linguagem. (FROSI;


FAGGION; DAL CORNO, 2006, p. 98-9).

Vejamos a seguir essas implicações na canção “Os ‘loco’ lá da


fronteira”.

3 A canção “Os ‘loco’ lá da fronteira” e o contato linguístico-cultural


As relações entre cultura e linguagem ganham destaque no âmbito
da música, considerada como um produto cultural, habitando no universo de
crenças e vivências. A música tradicionalista gaúcha, assim como aquelas
construídas em contatos interculturais e interlinguísticos, revela uma
realidade bicultural e híbrida. Neste cenário, destacam-se as canções de
César Oliveira e Rogério Melo.
César Oliveira (1969-) nasceu em Itaqui, a oeste do Rio Grande do
Sul, fronteira com a Argentina. Desde cedo apreciador da música
tradicionalista gaúcha, ainda jovem mudou-se para São Gabriel, cidade
gaúcha próxima ao Uruguai. Rogério Melo (1976-) é natural de São
Gabriel, carregando desde sempre o gosto pela arte folclórica e a música
produzida na região. Em 2002, os amigos de infância formaram uma dupla
musical, tendo como objetivo trazer aos palcos a alegria e riqueza do
cancioneiro campeiro do Rio Grande do Sul (OLIVEIRA, MELO)82. As
produções de César Oliveira e Rogério Melo têm repercussão no cenário
estadual por revelar as tradições do sujeito gaúcho, e o reconhecimento
nacional veio em 2008 com o “Prêmio Tim” como a melhor dupla regional
do país.
Propomos aqui uma breve análise da letra da canção canção “Os
‘Loco’ lá da fronteira”, de César Oliveira e Rogério Melo 83. Procuraremos
indentificar itens lexicais que apontem para a questão do bilinguismo
presente na região focalizada, manifestada através de empréstimos lexicais e
formas híbridas. Para atestar esse hibrisismo, observa-se a presença ou não
dos itens destacados em dois dicionários gerais de língua portuguesa: o
MICHAELIS, Moderno dicionário da língua portuguesa (1998, doravante
Michaelis) e o xx Houaiss. O Dicionário Gaúcho Brasileiro, contendo
acepções regionais do Rio Grande do Sul (2003, doravante BOSSLE). E um
dicionário de língua espanhola: o DELP, Dicionário Español-Portugués/
Portugugués-Español (2005, doravante DELP).

82
Disponível em: http://www.cesaroliveira.com.br/web/dueto/cesar-oliveira.html.
Acessado em 29 de novembro de 2012.
83
Disponível em http://letras.mus.br/cesar-oliveira-rogerio-melo/520042/.
Acessado em 29 de novembro de 2012.
197
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Os ‘loco’ lá da fronteira

Não “afroxemo” nem os “lançante” Quando o sangue ferve, e “viremo” a


Pois “semo” loco de dá com um pau cabeça
“Cruzemo” a nado se o rio não dá vau Por Deus, paysano...! Ninguém ataca
Neste mundo “véio” flor de cabuloso
E o “mala bruja” quando esconde o toso Nós “semo” loco lá da fronteira
Nós “esporiemo” bem no sangrador De raça tranqüila, mas de pouca cincha!
Em rancho de china, se “campiemo” E de vereda quando o lombo incha
amor Saiam de perto, que a xucreza é tanta
“Entremo” sem sono e “garantimo” o Cremo em “percanta” que seja
poso “percanta”
“Apartemo” os “maula” pra outra
“Semo” medonho no cabo da dança invernada
“Gostemo” mesmo é de bochincho E a nossa bebida mais sofisticada
grosso É canha gelada, num “samba com fanta”
Que é pra sair tramando o pescoço
Ao trote largo nalguma rancheira Nós “semo” loco, mas não “semo” bobo
E bem “campante”, levantando poeira “Semo” parceiro de quem é parceiro
Coisa gaúcha, vício de campanha Nas horas brabas e no entrevero
“Limpemo” a goela num trago de canha Nunca “dexamo” um amigo solito
Pois “semo” loco de lá da fronteira Pode ser feio... pode ser bonito
Mas é nosso jeito de levar a vida
Refrão: Por ser de campo e por gostar da lida
“Semo” bem loco... Loco de Bueno É que volta e meia nós “preguemo” o
Mas “temo” veneno na folha da faca grito.
Considerando-se que o léxico representa a janela através da qual
uma comunidade pode ver o mundo, uma vez que esse nível da língua é o
que mais deixa transparecer os valores, as crenças, os hábitos e costumes
de uma comunidade (OLIVEIRA; ISQUERDO, 1998, p. 9), uma breve
análise da letra dessa canção tradicionalista pode revelar muito a respeito da
região em que se insere e do sujeito que a habita, como veremos a seguir.
A canção aborda, de forma descontraída, as características do
sujeito da fronteira, com suas virtudes e adversidades. Mostra a força e os
costumes do pampa na vida dos indivíduos que ali nasceram (ser de campo
e gostar da lida), construindo uma marca identitária.
O léxico evidencia de maneira marcante a ligação entre linguagem
e cultura, o que pode ser percebido, na letra da canção, nos itens de
vocabulário presentes na fala diária dos indivíduos, na menção aos
costumes diários, como pode ser visto no trecho abaixo:

Nós “semo” loco lá da fronteira


De raça tranqüila, mas de pouca cincha!
198
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

E de vereda quando o lombo incha


Saiam de perto, que a xucreza é tanta
Cremo em “percanta” que seja “percanta”
“Apartemo” os “maula” pra outra invernada
E a nossa bebida mais sofisticada
É canha gelada, num “samba com fanta” 84

Os maula seriam os cavalos ou outros animais de carga e montaria


de má índole, não completamente domados ainda, que por isso devem ficar
afastados dos demais até a próxima invernada – mas metaforicamente pode
também representar as pessoas cujo convívio é evitado por sua má índole. A
simplicidade do homem da fronteira está estampada em sua bebida: a canha
gelada, palavra que é usada informalmente Brasil afora para referir-se à
cachaça, e sua mistura com refrigerante a base de laranja (fanta, aqui usado
como nome comum) para gerar a bebida popularmente conhecida como
samba.
A canção enfatiza características necessárias aos que vivem em
situações adversas: o companheirismo e a lealdade:

“Semo” parceiro de quem é parceiro


Nas horas brabas e no entrevero
Nunca “dexamo” um amigo solito
Pode ser feio... pode ser bonito

Percebe-se ao longo da canção que a construção do perfil desse


indivíduo da fronteira é feita pelo emprego de itens lexicais que variam
entre expressões em português padrão, em espanhol e em formas não padrão
da língua portuguesa (observe-se as formas verbais entre aspas).85 Os
termos em língua espanhola são comuns dada a proximidade geográfica
com a Argentina e o Uruguai e a confluência de culturas. Os termos cincha
e maula, por exemplo, podem ser encontrados no Houaiss, no Michaelis e
no Bossle, porém o primeiro destaca que se trata de um regionalismo do sul
do Brasil, enquanto os outros dois fazem menção à origem dos termos como

84
A letra original da canção marca com aspas as formas verbais representativas da
fala coloquial, diferentes das formas padrão da língua portuguesa.
85
A letra original da canção marca com aspas as formas verbais correspondentes a
variantes coloquiais, diferentes das formas padrão da língua portuguesa,
representativas da linguagem oral.
199
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

variantes do castelhano86. Já em “Nas horas brabas e no entrevero.../ Nunca


‘dexamo’ um amigo solito” pode-se identificar a presença do sufixo
derivacional –ito a partir do adjetivo espanhol solo (esse é o sufixo típico da
formação de diminutivos em espanhol). Ainda, a palavra entrevero tem
registro no Bossle e no Michaelis, que fazem menção à origem do
castelhano, enquanto o Houaiss a situa como um regionalismo do Rio
Grande do Sul.
A letra da canção reflete a bravura, a autoconfiança, a capacidade
de enfrentar o perigo, tão exacerbados que podem parecer aos outros uma
espécie de loucura, que é explicada que no refrão – Loco de Bueno:

“Semo” bem loco... Loco de Bueno


Mas “temo” veneno na folha da faca
Quando o sangue ferve, e “viremo” a cabeça
Por Deus, paysano...! Ninguém ataca

A expresão Loco de Bueno é desdobrada em dois termos: Loco,


que foi encontrado apenas no DELP; com a tradução de louco, e Bueno, que
está no Houaiss (marcado como um estrangeirismo, do espalnhol), no
Bossle e no DELP, significando bom. Assim, a expressão louco de bom
caracteriza os personas como bons demais em tudo o que fazem.
Destaca-se, também, a utilização do termo percanta, que significa
tanto “mulher jovem”, como “mulher que dança tango” (BOSSLE, 2003, p.
391). Percebe-se, então, que além da proximidade há a troca intercultural
entre as nações vizinhas, já que o tango é uma forma musical típica da
Argentina.
O quadro a seguir sistematiza o paralelo traçado entre as definições
dos itens lexicais analisados, assim como trazidos pelos dicionários
consultados (de língua portuguesa, gaúcho brasileiro e de língua espanhola).

Itens HOUAISS MICHAELIS BOSSLE DELP


lexicais (tradução dada)
bochincho o mesmo que Bochinche (do Baile de Bochinche –
bochinche castelhano) baixa tumulto, brulho
(Regionalismo: categoria;
sul do brasil) arrasta-pé
1 baile das (variante de
classes menos bochinche)

86
Costuma-se chamar castelhano à variedade da língua espanhola falada na
Argentina e no Uruguai.
200
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

favorecidas;
arrasta-pé
2 espécie de
batuque ou
divertimento
próprio da
plebe
3 3 perturbação
da ordem;
arruaça,
desordem,
briga
bueno (espanhol) ---------- Bom, útil, Bom.
de boa índole; bondoso,
bom, bondoso agradável.
cincha peça de arreios Cilha (do Peça Tento, tira de
constituída de castelhano) geralmente couro
tira de couro de couro,
ou pano forte componente
(barrigueira) dos arreios,
que passa por usada para
baixo da apertar
barriga do como uma
animal e de um cinta o
travessão para lombilho ou
segurar a sela o serigote,
ou o lombilho; passando
chincha pela barriga
(Regionalismo: do animal
sul do Brasil) de montaria
entrevero 1 ato ou efeito Regressiva de Mistura, Confusão,
de entreverar(- entreverar, confusão, desordem,
se) misturar (do desordem, bagunça
2 castelhano) entre
(Regionalismo: pessoas,
Rio Grande do animais ou
Sul) objetos
encontro,
choque de
forças
combatentes,
201
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

tropas
adversárias etc.
que se
misturam, se
confundem
durante o
combate
3
(Regionalismo:
Rio Grande do
Sul)
confusão,
desordem,
mistura (entre
animais,
pessoas ou
objetos)
loco ---------- ---------- ---------- Louco.
mala ---------- ---------- Pessoa Mala: má.
bruja ruim; Bruja: bruxa;
velhaca sem dinheiro
(registrado
como mala-
bruxa)
maula (Regionalismo: Covarde, sem Diz-se de Pessoa
Rio Grande do brio (do cavalo ou de desprezível ou
Sul. Uso: castelhano) homem pouco confiável
pejorativo) ruim, fraco,
diz-se de mole,
animal ou covarde,
pessoa mole, frouxo,
fraca, sem tímido,
préstimo medroso,
ordinário,
caborteiro
paysano (Grafia ---------- ---------- (Grafia
modificada: modificada:
PAISANO) PAISANO)
que ou o que é compatriota;
compatriota, camponês
patrício
202
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

percanta ---------- ---------- Mulher Mulher que


jovem, dança tango
china,
chinoca,
pinguancha
rancho 11 habitação Habitação Choupana, Fazenda onde
precária, rústica (do palhoça, se cria gado,
pobre; choça, castelhano) moradia choupana
choupana humilde
11.4
(Regionalismo:
Sul do Brasil)
casebre feito
de pau a pique
e coberto de
folhas
solito (Regionalismo: Sozinho (do Sozinho, só, Solo: só
Sul do Brasil) castelhano) isolado
só, sozinho
Fonte: Elaboração dos autores.
4 Considerações finais
Considerando-se que o fenômeno do bilinguismo
português/espanhol é uma realidade na fronteira oeste do Rio Grande do
Sul, infere-se então, que a música tradicionalista da fronteira é um exemplo
do efeito da interiorização lexical, revelando assim uma assimilação de
valores, crenças e hábitos por parte de ambas as culturas.
A análise da canção “Os ‘Loco’ lá da fronteira” revela um encontro
de duas culturas, a gaúcho-brasileira e argentina/uruguaia, numa região
caracterizada por uma fronteira comum, configurando uma única
identidade, uma vez que as culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre
“a nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem
identidades (HALL, 2006, p. 51). [grifo do autor]
Então, além da presença de empréstimos lexicais da língua
espanhola, há uma identificação do persona como um ser fronteiriço, que
possui uma identidade híbrida, constituída por meio do contato com as
nações vizinhas. Como bem aponta De Herádia:

O bilíngue não é mais o “lócus” em que se


adicionam duas línguas mas alguém que dispõe de
um “repertório verbal” (a expressão é de Gumperz)
que lhe é próprio mas que compartilha também com
203
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

outros bilíngues. Algumas partes deste repertório são


identificáveis por ele mesmo ou por outros, como
pertencendo à língua X, outros à língua Y, outros,
enfim, são mais difíceis de classificar. [...] Mas esses
elementos inclassificáveis retomam seu lugar na
óptica do repertório bilíngue. X e Y seriam aí dois
polos de um continuum que admitiria palavras
híbridas, enunciados mistos e alternância no emprego
das línguas (DE HEREDIA, 1989, p. 212).

Há, neste caso, além da incorporação de termos da língua


espanhola, utilização de um vocabulário próprio do dialeto da fronteira do
Rio Grande do Sul, sendo que o léxico, neste caso, marca a região
concretizando uma identidade regional, linguística e cultural, a qual é
orgulhosamente divulgada através da música. Conclui-se, assim, por uma
atitude positiva dos persona frente a essa variedade linguística empregada
na região descrita.

5 Referências
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linguístico e o Brasil. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2011.
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Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2002.
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Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1994.
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de Tordesilhas (1420-1920). Porto Alegre: Sulina, 2010.

204
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz


Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2006.
HANNERZ, Ulf. Fluxos, fronteiras, híbridos: palavras-chave da
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POZENATO, José Clemente. Processos culturais: reflexões sobre a
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São Paulo: Parábola, 2006.

205
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

FORMAÇÃO DE PALAVRAS

Chris Royes Schardosim87

RESUMO
Este trabalho pretende mostrar a análise da primeira coleta de dados
efetuada na pesquisa de doutoramento sobre a formação de palavras de
brasileiros aprendizes de espanhol como língua estrangeira. Esta pesquisa
pretende realizar um diagnóstico das construções lexicais efetuadas pelos
alunos de três diferentes semestres da Licenciatura em Língua Espanhola da
Universidade Federal de Santa Catarina. Trata-se de uma pesquisa de
natureza aplicada, com abordagem quantitativa e qualitativa,
caracterizando-se como descritiva e explicativa (GIL, 2002). O objetivo
principal deste trabalho é diagnosticar e analisar as construções lexicais
efetuadas por estes aprendizes, buscando depreender que estratégias
esses aprendizes utilizam para escrever palavras cuja forma morfológica
é desconhecida na língua alvo. Por isso o tópico de investigação é
formação de palavras a partir dos pressupostos teóricos da Linguística
Contrastiva, principalmente com base em Durão (2004a, 2004b, 2007) e
Santos Gargallo (2004); além de Bogaards (1994), Koda (1997), Lang
(2002) e Nation (2002) sobre a formação de palavras. Esta pesquisa
encontra-se no início da análise dos dados, portanto serão relatadas
considerações iniciais sobre as construções lexicais encontradas nos textos
dos alunos, analisadas em critérios morfológicos.

Introdução
Nos últimos anos, houve no Brasil um aumento do número de
alunos que optaram por aprender a língua espanhola (CAMARGO,
2004; MORENO FERNÁNDEZ, 2005). Tal procura deve-se muito ao
interesse que o idioma despertou nas últimas décadas em vários países,
tanto pelo crescimento econômico dos Estados onde o espanhol é a
língua oficial, quanto pelas questões de proximidade geográfica com o
Brasil.
O interesse por essa língua depara-se, no Brasil, com a questão do
senso comum de que a proximidade entre as línguas significaria
facilidade de aprendizagem. Moreno Fernández (2005, p. 21) afirma
que88 “la proximidad de las lenguas española y portuguesa hace que se

87
Doutoranda em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina
88
Peço a permissão do(a) leitor(a) para manter as citações na língua estrangeira
original, acompanhadas das respectivas traduções, todas realizadas por mim.
206
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

sienta la cultura en español como algo afín” 89. Em algumas questões as


similaridades entre o português e o espanhol podem dar suporte ao
aluno. No entanto, é necessário estudo, esforço, análise e reflexão para
não fossilizar erros advindos da língua materna.
Além disso, a língua expressa pelos estudantes vai se
modificando com o passar do tempo, alguns traços da LM continuam
aparecendo, mas torna-se cada vez mais próxima da LE. Ao ter contato
com a LC, compreendi que as interferências são chamadas de
transferência, podendo ser negativa ou positiva, e que essas
modificações ao longo do processo de aprendizagem são os diferentes
estágios que ocorrem, chamados de interlínguas (DURÃO, 2007).
A partir destas reflexões, apresento este trabalho, fruto da tese de
doutorado que se iniciou no primeiro semestre de 2011, no Programa de
Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), na área de concentração Linguística Aplicada, no
contexto da linha de pesquisa Ensino e aprendizagem de línguas
estrangeiras. Este trabalho foi desenvolvido entre 2011 e 2012 sob
orientação da Prof.ª Dr.ª Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão,
contando com auxílio de uma bolsa do Ministério da Educação, pelo
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais – REUNI.
Aqui será relatada a análise da primeira coleta de dados para esta
pesquisa. A proposta foi fazer um diagnóstico das construções lexicais
realizadas pelos alunos de três diferentes semestres da Licenciatura em
Língua Espanhola da UFSC, a saber: Língua Espanhola II, Língua
Espanhola V e Língua espanhola VII. Também será feita a análise dessas
invenções a partir de Basilio (1987), Bogaards (1994), Koda (1997),
Durão ([1999] 2004a, 2004b, 2007), Lang (2002) e Nation (2002). A
questão principal aqui são as construções que os alunos elaboram utilizando
conhecimentos da LM e da LE em estudo. O diagnóstico e a análise serão
feitos no nível morfológico, ou seja, o foco é a formação de palavras, com
descrição dos afixos utilizados pelos estudantes em suas produções escritas
e análise das estratégias usadas nos processos de formação de palavras. Para
mais detalhes sobre a pesquisa consultar Schardosim (2011a; 2011b), Durão
e Schardosim (2012).
O objetivo principal deste trabalho é diagnosticar e analisar as
construções lexicais e as estratégias utilizadas no processo, no que se
refere aos procedimentos de formação de palavras, elaboradas por

89
“a proximidade das línguas espanhola e portuguesa faz com que se sinta a
cultura em espanhol como algo afim”
207
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

aprendizes de Espanhol falantes nativos do Português. Os dados foram


coletados de textos escritos pelos alunos como parte das atividades de
Estágio de Docência realizado pela doutoranda em 2012 com os alunos
da 7ª fase do curso de Licenciatura em Letras Espanhol na modalidade
presencial na UFSC.
As perguntas de pesquisa são voltadas para questões sobre o
reconhecimento, por parte dos aprendizes, das partes das palavras em
língua espanhola; da diferenciação entre os afixos da LM dos da LE;
sobre a interferência da LM no que diz respeito aos conhecimentos
morfológicos e que estratégias esses aprendizes utilizam para escrever
palavras cuja forma morfológica é desconhecida na língua-alvo.
A partir disso, as hipóteses são que os aprendizes são capazes de
reconhecer adequadamente as partes das palavras; estabelecem, em
parte, uma diferenciação entre os afixos da LM e da LE, havendo
confusão, principalmente nos sufixos onde ocorre ditongação; utilizam
os conhecimentos morfológicos da LM e da LE para formar novas
palavras na LE, muitas vezes misturando os dois, inventando uma nova
forma lexical; ao escrever na LE os aprendizes se utilizam
principalmente da estratégia de transferência negativa.

1 A base teórica
Esta pesquisa desenvolve-se com base nos pressupostos da teoria
da LC, tomando como campo de estudo o ensino presencial de LE. Para
analisar os erros produzidos na interlíngua serão averiguadas que
estratégias são utilizadas pelos alunos nos processos de formação de
palavras, analisando as invenções lexicais realizadas a partir dos
objetivos e perguntas de pesquisa descritos acima e de critérios
arrolados na metodologia.
Como este texto deriva da apresentação no I Simpósio
Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva e se propôs a
descrever a análise dos dados iniciais da pesquisa, a base teórica será
apresentada brevemente.
A LC possui três modelos de análise que se complementam num
continuum (GUILLEMAS apud DURÃO, [1999] 2004b, p. 10). São
eles: Modelo de Análise Contrastiva (AC), Modelo de Análise de Erros
(AE) e Modelo de Interlíngua (AI).
Neste trabalho a base é a Análise de Erros (AE), justamente
porque houve uma mudança em relação ao erro, que passou de ser
indicativo do fracasso a indicativo de aprendizagem, embora ainda
houvesse foco no estudo dos erros, não valorizando os acertos. Também
será utilizado o conceito de interlíngua (IL) de aprendizes de línguas não

208
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

maternas proposto por Selinker (1972 apud DURÃO, 2004b), que


postula uma ‘estrutura psicológica latente’ que entra em funcionamento
quando os aprendizes iniciam o estudo de uma LE.
Para Baralo Ottonello (2004) a interlíngua é um sistema
linguístico independente, com especificidade, sistematicidade e caráter
transitório, que evolui, tornando-se cada vez mais complexo. Essa
autora, concordando com a maior parte dos teóricos que seguem essa
corrente, afirma que no processo cognitivo da interlíngua “el aprendiente
se forma hipótesis sobre las propiedades estructurales de la lengua meta a
partir de los datos del input al que está expuesto90”. (BARALO
OTTONELLO, 2004, p. 374). Ainda para essa autora, a interlíngua
apresenta transferência (que pode ser positiva ou negativa), fossilização,
permeabilidade e variabilidade, e uso de estratégias de aprendizagem.
Durão (2004b, p. 19) coloca esses fatores como características da
interlíngua, acrescentando a sistematicidade e de ser passível de ver -se
afetada pelo fenômeno plateau (DURÃO, 2004b, p. 19). O fenômeno
plateau ocorre quando os aprendizes deixam de melhorar sua produção
por acreditarem ter alcançado um nível que lhes permite a comunicação,
o que pode gerar fossilizações.
Nesta pesquisa se diferencia entre o modelo teórico e o construto,
assumindo com Durão (2007, p. 28) que “la interlengua, en su acepción
de producto lingüístico de aprendices de lenguas no nativas, abarca el
continuum que se constituye desde que empieza el contacto del aprendiz
con la lengua meta, hasta que avanza a una etapa en la que, al menos en
teoría, LM y LO coexisten 91.”.
Sobre a interferência da LM para a LE, Ellis (1994 apud
MARTÍN MARTÍN, 2004, p. 268) explica que existem três grupos de
fatores que intervêm na aprendizagem de uma LE: a) externos – input,
contexto e situação; b) internos – língua materna, conhecimento de
mundo e linguístico; c) individuais. Atenho-me neste trabalho ao fator
interno língua materna para tratar da questão da transferência. Baralo
Ottonello (2004, p. 377) resume a questão da transferência como uma
estratégia disponível para compensar a carência de saberes linguísticos
da LE. Fernández (apud DURÃO, 2004b) aponta alguns usos da LM no

90
“o aprendiz elabora hipóteses sobre as propriedades estruturais da língua meta a
partir dos dados do input ao qual está exposto”
91
“a interlíngua, em sua acepção de produto linguístico de aprendizes de
línguas não nativas, abrange o continuum que se constitui desde que inicia o
contato do aprendiz com a língua meta, até avançar a uma etapa na qual, pelo
menos em teoria, LM e LO coexistem”
209
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

processo de ensino-aprendizagem de LE: trazer conhecimentos da LM para


facilitar a compreensão de determinado assunto em LE, checar a
compreensão e comparar estruturas. Koda (1997) trata o conceito de
transferência como uma linguagem específica na qual as diferenças de
processamento de LE podem ser analisadas e explicadas. O autor supõe que
os mecanismos de processamento da L1 e da L2 são os mesmos, já que são
específicos da linguagem e afirma que o conceito de transferência pode
explicar a variação de desempenho entre a L1 e a L2.
Para discutir brevemente sobre morfologia, tomo as palavras de
Monteiro (2002, p. 12), ao pontuar seu objeto de estudo:

a) a forma interna das palavras, ou seja, sua


estrutura;
b) a relação formal entre palavras;
c) os princípios que regem a formação de
novas palavras.

Quanto à definição de palavra, também tomo por base Monteiro


(2002, p. 12) ao afirmar que “reservamos o termo palavra somente para
os vocábulos que apresentam significado lexical.” (grifos do autor). A
palavra é o que Mattoso Camara Jr. (1977, p. 59-60) chama de forma
livre em oposição às formas presas – morfemas de flexão e derivação.
Morfema é aqui entendido como “‘unidad gramatical mínima
distintiva’, una subunidad de la ‘palabra’, que no puede ya ser
significativamente subdividida en términos gramaticales 92” (LANG,
2002, p. 22). E, de acordo com essa autora, os morfemas são de três
tipos: flexionais, derivacionais e lexicais. Como corrobora Basilio
(1987, p. 13), “temos basicamente dois tipos de morfema: afixo e raiz”.
Traçando um paralelo com Lang (2002), os afixos são os morfemas
flexionais e derivacionais, enquanto que a raiz é o morfema lexical. As
duas nomenclaturas serão utilizadas neste trabalho.
Os processos de formação de palavras por derivação ocorrem, em
muitos casos, automaticamente, a partir do conhecimento que cada
falante nativo tem do idioma. Como aponta a autora, “se encontrarmos
em algum texto, digamos, a palavra sinuosamente93, é provável que a
interpretemos sem a mínima dificuldade.” (BASILIO, 1987, p. 5, grifos

92
“‘unidade gramatical mínima distintiva’, uma subunidade da ‘palavra’, que
não pode mais ser significativamente subdividida em termos gramaticais”
93
Esta forma não está dicionarizada no Houaiss (INSTITUTO..., 2009). A forma
similar encontrada é sinuosidade.
210
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

da autora). Isso ocorre porque o sufixo –mente está no léxico do falante


nativo, podendo se combinar com o adjetivo sinuoso para formar o
advérbio.
Para Nation (2002), a carga de aprendizado de palavras pode ser
mais leve se consistir em conhecer as partes, os afixos. Ter conhecimento
sobre uma palavra envolve saber as partes que podem estar presentes em
outras palavras. Evidências apontam que para palavras de baixa frequência,
formações regulares e sufixos semanticamente transparentes a cada uso a
palavra é recomposta. A frequência de uso e a velocidade de
reconhecimento indicam que a relação morfológica entre as palavras são
representadas no léxico mental (NATION, 2002, p. 47). Afirma o autor que
os fatores que afetam o conhecimento sobre as partes das palavras são o uso
(frequência, produtividade, regularidade), o significado (transparência
semântica, predicabilidade) e a forma (forma livre, regularidade na base e
no afixo).
Sobre a derivação morfológica, Lang (2002) afirma que “el sistema
derivativo queda muy lejos de ser algo estático; por el contrario, se
encuentra en constante evolución, eliminando algunos procesos y
sustituyéndolos por otros nuevos” 94 (LANG, 2002, p. 56) e, ainda, que “el
léxico se caracteriza por un proceso de expansión y recesión dentro de un
sistema morfológico unitario”95 (LANG, 2002, p. 57). Essa dinamicidade da
derivação morfológica tem relação com a criatividade léxica e com a
evolução diacrônica pela qual todo idioma passa.
Acerca das estratégias de aprendizagem lexical, Koda (1997) afirma
que a L1 é base fundamental para a aprendizagem de um novo sistema
linguístico, e não uma interferência. Estudos demonstraram que as
propriedades específicas de cada língua são consideradas pelas crianças, ou
seja, elas são sensíveis aos traços específicos da L1 e da L2.
Quando dois idiomas são tipologicamente semelhantes (DURÃO,
[1999] 2004a; KODA, 1997; NATION, 2002), os mecanismos de
processamento são mais eficientes da L1 para a L2, como é o caso do
português e do espanhol. Koda (1997) afirma que o espanhol é altamente
regular na relação fonologia e ortografia. Os processos ortográficos e
fonológicos ocorrem paralelamente e o processo fonológico nunca fica
atrasado na geração de output. Na relação entre a língua espanhola e a

94
“o sistema derivativo está muito longe de ser algo estático; ao contrário,
encontra-se em constante evolução, eliminando alguns processos e substituindo-os
por outros novos”
95
“o léxico caracteriza-se por ser um processo de expansão e contração dentro de
um sistema morfológico unitário”
211
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

língua portuguesa muitas palavras têm sentido muito próximo e o grau de


correspondência é bastante alto. Isso leva a inferir, considerando o estudo
de Scherfer (1985 apud BONGAARDS, 1994, p. 147) que os alunos se
guiam pela LM para atribuir significado ao léxico da LE porque o grau de
correspondência entre os sentidos das palavras é bastante alto.
Sobre o aluno tomar ou não o léxico da L1 como ponto de partida
para construir o léxico da L2, Bogaards (1994, p. 151) conclui que se o
aluno infere que a L2 e a L1 são próximas, vai esperar encontrar mais
equivalências, o que pode dificultar a aprendizagem, já que no caso do
espanhol e do português há uma extensa lista de falsos amigos. Entendo
que o autor não está se referindo a tomar consciência das semelhanças e
diferenças de forma estrutural como era realizado na AE e sim ter
conhecimento dos dois idiomas em questão para interferir positivamente
no processo de aprendizagem dos alunos, prevendo algumas das
principais dificuldades.

2 Os Procedimentos Metodológicos
Esta pesquisa é de natureza aplicada, com abordagem quantitativa
e qualitativa, caracterizando-se como descritiva e explicativa, pelos
critérios de Gil (2002, p. 42), já que haverá descrição de características
de um fenômeno – nesse caso a formação de palavras – em um grupo e a
tentativa de determinar as variáveis envolvidas. De acordo com Gil
(2002, p. 42), este tipo de pesquisa é realizado por “pesquisadores
sociais preocupados com a atuação prática”. O delineamento da
pesquisa, relacionado com a coleta de dados, será através do
procedimento técnico estudo de coorte prospectivo (GIL, 2002, p. 50)
Os procedimentos metodológicos para a coleta de erros seguiram
a proposta de Santos Gargallo (2004). Como afirma essa autora, o
método de análise de erros para o estudo da interlíngua do falante não
nativo (FNN96) da língua espanhola começou na década de 1990. O
laboratório foi a sala de aula. O instrumento principal (SANTOS
GARGALLO, 2004, p. 401) para a expressão escrita a elaboração de
textos e como instrumentos complementares para a compilação dos
dados houve um questionário assim como a observação participativa da

96
O termo encontrado na literatura consultada em língua espanhola é Hablante no
nativo (HNN). Neste texto será utilizada a sigla traduzida, em referência às fontes
consultadas.
212
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

investigadora. O perfil do sujeito será tabulado considerando a idade, a


origem, a língua materna, a língua estrangeira e a fase 97.
A coleta de dados foi realizada levando em conta os
procedimentos metodológicos propostos por Santos Gargallo (2004)
para análises de erros foi definido neste trabalho o seguinte: 1) o
laboratório foi a sala de aula; 2) o instrumento para a expressão escrita
foi a redação de um tema no gênero de texto 'artigo de revista de
entretenimento'; 3) como instrumentos complementares para a
compilação dos dados se empregaram um questionário e um registro de
observação participativa (SANTOS GARGALLO, 2004, p. 401).
O perfil do sujeito foi tabulado levando em conta a idade, a
origem, a língua materna, conhecimentos de outras línguas estrangeiras
além do espanhol e semestre letivo no qual o sujeito estava inscrito. Da
tipologia que sintetiza o trabalho de vários pesquisadores apresentado
por Santos Gargallo (2004, p. 206), serão utilizados aqui a interferência,
a tradução, a hipergeneralização e a aplicação incompleta das regras da
língua meta. Os critérios gramaticais foram estabelecidos com base na
análise realizada por Durão ([1999] 2004a, p. 94-154): erros ortográficos e
fonológicos, erros morfológicos, sintáticos ou morfossintáticos e léxico-
semânticos.
A coleta da pesquisa piloto I foi feita com redação de tema
assinalado. A realização ocorreu no semestre 2012/1 na turma da 7ª fase,
esquematizada em 6 encontros, com leitura, compreensão e produção
textual. Cada participante escreveu três textos ao longo dos dois meses
de Estágio de docência realizado em 2012/1. Os textos foram escritos
após exposição teórica sobre morfologia, leitura e discussão de textos.

3 Os Dados
A seguir a análise das invenções lexicais apresentadas pelos
participantes. A análise é realizada com base na Linguística Contrastiva:
Durão ([1999] 2004a, 2004b, 2007), Santos Gargallo (2004), Vez
Jeremías (2004); na formação de palavras e seus aspectos: Mattoso
Camara Jr. (1977), Basilio (1987), Lang (2002), Monteiro (2002) e
Nation (2002); e sobre ensino e aprendizagem de léxico: Bogaards
(1994), Koda (1997), Lang (2002) e Nation (2002), como apresentado
no capítulo sobre as escolhas teóricas.

97
Na UFSC, fase é sinônimo de semestre e no caso deste curso de letras, indica
também o semestre de estudo do aluno. Por exemplo, um aluno da 4ª fase do
espanhol estará cursando o 4º semestre de língua espanhola.
213
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Com base no questionário aplicado, depreenderam-se as


informações constantes na caracterização dos participantes. Identificarei
os tipos de desvios encontrados por sujeito e por categoria, e analisarei os
desvios encontrados de acordo com a base teórica.
Foram selecionadas as invenções lexicais presentes nos textos de
sete alunos, aqui nomeados como P1 a P7. A seguir os dados estão
organizados primeiramente por participante, com a caracterização de
cada um e a análise das estratégias utilizadas; na sequência as palavras
estão categorizadas por tipo de desvio conforme Durão ([1999] 2004a).
A P1 tem 23 anos. Conhece inglês, declarando-se com pouco
conhecimento no idioma. Também conhece alemão, não declarando seu
conhecimento e afirma ter proficiência em língua espanhola, com
exceção do item escrita, no qual se declara suficiente. Na infância ouvia
alemão, italiano e espanhol. Trabalha com pesquisa em movimentos
sociais e utiliza o espanhol em seu trabalho. Interessou-se pelo estudo de
língua espanhola porque gosta de línguas estrangeiras em geral e
acredita que o espanhol é uma língua útil para o futuro, além de ser o
idioma dos países vizinhos. É uma língua útil porque abre novos
horizontes no mercado de trabalho. Sua maior dificuldade é a gramática
e a maior facilidade é a compreensão.
Na produção escrita de P1 foram selecionados quatro exemplos de
desvios caracterizados como invenções léxicas:
No tienes vontad* de nada/ la solidad*./la insustentable* leveza del
seer.
*As formas corretas são, respectivamente, ganas, soledad,
insostenible, ser.
Essas formas acima são caracterizadas, de acordo com a
classificação de Durão ([1999] 2004a) como desvio:
 léxico-semântico por transferência léxica: vontad.
 ortográfico e fonológico por confusão de fonemas: solidad, seer.
 morfológico, sintático ou morfossintático, dentro de paradigma
verbal: insustentable.
O P2 tem 29 anos. Conhece inglês, declara-se com conhecimento
suficiente em inglês e espanhol. Não ouviu outros idiomas além do
português na infância. Não trabalha no ensino e não utiliza os
conhecimentos da língua espanhola no trabalho. Interessou-se pelo estudo
de língua espanhola porque gosta de línguas estrangeiras em geral e acha
interessante estudar qualquer idioma para ampliar o conhecimento, já que
acha importante saber uma língua estrangeira. Vê o espanhol como
instrumental. A maior dificuldade é o léxico e a maior facilidade é a
semelhança com o português.
214
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

O P2 cometeu os seguintes desvios caracterizados como invenção


léxica:
Independentemiente* de la idad*./Capacidad infectiva
*As formas correspondentes são: independientemente, edad,
infecciosa.
Talvez por pensar que a semelhança entre os dois idiomas é fator
facilitador, ocorreram os desvios ortográficos e fonológicos por confusão de
fonemas em: independentemiente e idad. No entanto, a forma
independentemiente é vista nesta pesquisa também como desvio
morfológico.
Para os objetivos desta pesquisa, a taxionomia de Durão ([1999]
2004a) será ampliada a partir dos tipos de desvios encontrados aqui.
Portanto, dentro da categoria “Erros morfológicos” será acrescentada a
categoria “Desvio por derivação ou composição”. É o caso da forma
independentemiente é vista nesta pesquisa também como desvio
morfológico por derivação ou composição.
No exemplo Capacidad infectiva ocorre algo curioso: a forma em
espanhol seria igual à forma em português: infecciosa. Mas, algumas vezes,
ocorre de os estudantes pensarem que a forma deveria ser diferente, embora
não haja certeza sobre isso. Por isso em alguns casos os alunos criam uma
outra forma para a palavra que seria idêntica ortograficamente nos dois
idiomas. Esse caso também é classificado como desvio morfológico por
derivação ou composição.
A P3 tem 28 anos. A aluna conhece espanhol e inglês, declarando-se
proficiente em inglês e suficiente em espanhol. Não ouviu outros idiomas
além do português na infância. Trabalha com suporte técnico internacional,
utilizando o espanhol diariamente. Gosta de línguas estrangeiras em geral,
acredita que o espanhol é útil para o futuro e importante para o mercado de
trabalho. A maior dificuldade é a gramática e a facilidade é a compreensão.
Essa aluna apresentou três casos de erro ortográfico por confusão de
fonemas, ora acrescentando ditongos, ora trocando e por i.
alimientos*/Enfermidades*/Disminuición*
*As respectivas formas, em espanhol, são: alimentos, enfermedades,
disminución.
O P4 tem 29 anos. Conhece somente o espanhol. Não ouviu outros
idiomas além do português na infância. Trabalha no comércio e não utiliza
o espanhol diariamente. Gosta de línguas estrangeiras em geral. Acredita
que o espanhol é interessante e útil para o futuro. Interessa-se pelo idioma
pelo mercado de trabalho e porque é falado nos países vizinhos, sendo útil
para o turismo, a comunicação e o mercado de trabalho. A maior
dificuldade é a gramática e a facilidade a compreensão.

215
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Apresenta erro ortográfico por confusão de fonemas em:


Abuso del azúlcar*/Personas perecosas*/Es inprencindibleu*
Podemos estar con el cansacio* físico, más* no mental.
*As formas corretas são, respectivamente: azúcar, perezosas,
imprescindible, cansancio, pero.
Além disso, nessa última frase aparece o advérbio equivocado (más
em lugar de pero). Portanto, além de ser erro ortográfico por confusão de
fonemas, é erro morfológico – foco desta pesquisa. É também um erro por
transferência e um erro semântico. Isso porque em português a forma
correta seria mas para conjunção adversativa. Na frase o aluno colocou o
que corresponde ao advérbio de quantidade. E é também um erro semântico
pela mudança de significado na frase.
Outro desvio que ocorreu nos textos de P4 foi:
Posibilidad de vir* a sufrir.
* Forma correta: venir.
Esta forma (vir) é desvio morfológico de paradigma verbal. Houve
erro no radical da forma verbal: venir.
A P5 tem 23 anos. Conhece o inglês, declarando-se proficiente no
idioma. Ouvia inglês na infância dos parentes. Declara-se com
conhecimento suficiente em língua espanhola. Trabalha com educação, no
ramo de pesquisa, não de ensino. Acredita que o espanhol é útil para seu
trabalho porque amplia a capacidade de domínio de diversas áreas. Gosta de
estudar línguas estrangeiras em geral e acha o espanhol uma língua bonita e
interessante. Acredita que estudar qualquer idioma é interessante para
ampliar o conhecimento e o espanhol é útil para o futuro. Também acredita
ser importante o fato de o idioma ser falado nos países vizinhos, sendo
importante para o mercado de trabalho, abrindo novos horizontes. Sua
maior dificuldade é a gramática e sua maior facilidade é a compreensão.
Essa aluna apresentou erro ortográfico por confusão de fonemas em:
Problemas imunológicos. Também caracterizado como desvio morfológico
de paradigma verbal, já que erro no radical da forma verbal. Em espanhol
existem duas formas: inmunitario e inmunológico.
O P6 tem 20 anos. Na infância escutava alemão, mas não declara seu
conhecimento nessa língua. Em espanhol declara-se suficiente, exceto na
fala, onde atesta como pouco o seu conhecimento. Trabalha com aulas de
violão. O idioma espanhol não é útil para o seu trabalho, somente para as
aulas na faculdade. É prazeroso estudar o idioma porque é bonito e
interessante. Acredita também que é útil para o futuro, já que é uma língua
em ascensão no mundo, abrindo novos horizontes no mercado de trabalho.
Sua maior dificuldade é a pronúncia e sua maior facilidade é a
compreensão.

216
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Para una vida saudable*/Legumes*/Caso estea* fuera/Interfere*


Se desperte* por la noche/Depiende*
* As formas correspondentes são saludable, legumbres, estea,
interfiere, despierte, depende.
Aqui aparece novamente erro morfológico por derivação ou
composição. Em Para una vida saudable o aluno sabe a terminação do
advérbio em espanhol, bastante produtivo, -ble, mas erra na raiz da palavra.
A forma correspondente é saludable.
Em Legumes há também erro morfológico por derivação ou
composição, além de se encaixar na categoria transferência léxica. A forma
correspondente é legumbres, havendo, portanto, erro no sufixo. Já em: Caso
estea fuera é caso de erro morfológico na conjugação verbal. O aluno
acrescenta a terminação verbal do português para o subjuntivo, ao mesmo
tempo em que sabe da ausência da letra j, pois em português a forma é
esteja. Em espanhol o correto é esté.
Mais uma vez aparece erro ortográfico por confusão de fonemas, que
nesses dados foi o tipo de erro com maior número de ocorrências. Essa
confusão de fonemas, normalmente causada pela ditongação, ocorre tanto
em nomes quanto em verbos e muitas vezes o aluno inverte: coloca ditongo
onde não há e não coloca onde deveria haver. As respectivas formas para o
espanhol são: interfiere, despierte, depende.
A P7 tem 22 anos, conhece o idioma inglês, mas se declara com
pouco conhecimento nessa língua. Na infância não escutava outro
idioma além do português. Trabalha há um ano com o ensino de língua
espanhola, gosta de línguas estrangeiras, acredita que o espanhol é uma
língua útil para o futuro, em ascensão no mundo e abre novos horizontes
no mercado de trabalho. Pensa que sua maior dificuldade no espanhol é
a gramática e a maior facilidade é a pronúncia.
Aqui também aparece erro por derivação ou composição. Em La
sociedad cada día evolue a aluna sabe que as formas em espanhol em
português são diferentes, mas não sabe a forma correta – evoluciona – e cria
essa nova forma verbal com sufixo diferente.
Agora, agrupando os desvios encontrados de acordo com os critérios
estabelecidos, tem-se, tomando como base Durão ([1999] 2004a), há os
seguintes tipos de desvios:
a) Ortográficos e fonológicos:
 Por confusão de fonemas: la solidad/Independentemiente de la
idad/alimientos/Enfermidades/Disminuición/azúlcar/perecosas/Es
inprencindible/ cansacio físico/Interfere/Se desperte por la noche/Depiende
Aqui dois fatores ocorrem: a interferência da LM – solidad para
soledad, por causa de solidão; a abundância de ditongos, característica
217
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

da língua espanhola – depiende para depende. São as considerações


fonológicas analisadas por Lang (2002).
b) Morfológicos, sintáticos ou morfossintáticos:
 Paradigma verbal: la insustentable leveza del seer/Posibilidad
de vir a sufrir/Caso estea fuera
 Por derivação ou composição98: Para una vida
saudable/Independentemiente/Capacidad infectiva/Para una vida
saudable/La sociedad cada día evolue
É a estratégia linguística de criatividade morfológica, nomeada por
Bongaerts e Poulisse (1989). Como em seer, já que em espanhol há várias
palavras com vogal dobrada.
 Outros paradigmas
o Uso incorreto de advérbios99: más no mental
Caso de transferência negativa (também chamada de interferência)
da LM para a LE (BONGAERTS e POULISSE, 1989; DURÃO, 2004b).
c) Léxico-semânticos:
 Por transferência léxica: No tienes vontad de nada
 Alteração por semelhança100: La sociedad cada día evolue
Estratégia linguística, de criatividade morfológica (BONGAERTS,
POULISSE, 1989). Essa dinamicidade da derivação morfológica tem
relação com criatividade léxica (LANG, 2002, p. 57).
Os dados foram de grande valia para as reflexões sobre os
processos de formação de palavras e sobre as estratégias de construção
lexical utilizadas. Foram encontradas, por exemplo, construções como
gripado para griposo. Embora coerentes com os mecanismos pertinentes
de cada língua, nem sempre seguem as regras de formação a serem
usadas como dispositivos de produção válidos para cada situação,
havendo em consequência um grande índice de interferências nas
interlínguas desses aprendizes.
O tipo de desvio identificado aqui como mais frequente foi a
confusão de fonemas. Um tipo de confusão de fonemas é causado pela
ditongação. Muitas vezes, o aluno coloca ditongo onde não existe e não o
coloca onde deveria haver. Houve também número expressivo de desvios
morfológicos no paradigma verbal. Também significativa a ocorrência de
um desvio que chamo aqui de por derivação ou composição. O aluno sabe
que as formas em espanhol em português são diferentes, mas não sabe a
forma correta e cria essa nova forma verbal com afixo diferente.

98
Categoria incluída pela doutoranda.
99
Categoria incluída pela doutoranda.
100
Categoria incluída pela doutoranda.
218
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Apareceram, ainda, desvios para os quais foram criadas duas novas


subcategorias: alteração por semelhança e uso incorreto de advérbios. A
categoria alteração por semelhança justifica-se porque tem relação com o
desvio léxico-semântico, mas não é uma transferência léxica e sim uma
alteração na palavra que se deve a que o sujeito, por pensar que deveria ser
diferente.

4 Considerações Finais
O tipo de desvio identificado aqui como mais frequente foi a
confusão de fonemas. Um tipo de confusão de fonemas é causado pela
ditongação. Muitas vezes, o aluno coloca ditongo onde não existe e não o
coloca onde deveria haver. Houve também número expressivo de desvios
morfológicos no paradigma verbal. Também significativa a ocorrência de
um desvio que chamamos aqui de por derivação ou composição. O aluno
sabe que as formas em espanhol e em português são diferentes, mas não
sabe a forma correta e cria esse novo léxico com sufixo diferente.
Apareceram, ainda, desvios para os quais criei duas novas subcategorias:
alteração por semelhança e uso incorreto de advérbios. A categoria
alteração por semelhança justifica-se porque tem relação com o desvio
léxico-semântico, mas não é uma transferência léxica e sim uma alteração
na palavra que se deve a que o sujeito, por pensar que deveria ser diferente.
Depreende-se que a interlíngua desses alunos, embora devesse
manifestar fenômenos linguísticos característicos de níveis mais avançados
de conhecimento do idioma, ainda revela etapas bastante iniciais de
desenvolvimento linguístico, com um número significativo de interferências
de sua língua materna.

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221
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

A UTILIZAÇÃO DOS NEOLOGISMOS PELA MÍDIA

Ana Paula da Silva 101


Cristina Silva dos Santos102
Ana Cristina Jaeger Hintze103

RESUMO
Seria simplório dizer que a língua não tem papel significativo na sociedade,
pois tal afirmação desconsideraria seu poder e a influência que exerce sobre
todos os diferentes grupos sociais, dos mais baixos aos mais altos. Pode-se
entender o homem como sujeito a partir do uso que ele faz da língua em
suas relações com os demais indivíduos, em que ele retrata o conhecimento
de si próprio e do mundo. Pela linguagem que usam é possível reconhecer e
diferenciar sujeitos de diferentes agrupamentos, os estratos sociais a que
eles pertencem, seu grau de escolaridade e muitos outros aspectos. A esse
respeito, segundo Leite e Callou (2002) a linguagem é um parâmetro que
permite classificar o indivíduo de acordo com a nacionalidade e
naturalidade, sua condição econômica e social, e é frequentemente usado
para discriminar e estigmatizar o falante. Palhano (1958), por sua vez,
afirma que a língua é o veículo comum de interação entre os membros de
uma comunidade, não importando a camada social a que pertençam.
Acrescente-se que aqui devem ser considerados não só os aspectos
socioeconômicos, mas também os fatores étnico-culturais, que são
condicionantes do fenômeno da variação linguística observada no léxico.
Neste artigo, tem-se como enfoque o uso dos neologismos em textos
publicados nas diferentes esferas da mídia e também mostrar de que forma
essa utilização contribui para a criatividade do texto. Discute-se a
possibilidade de institucionalização desses novos vocábulos, uma vez que,
os neologismos fazem parte da necessidade sócio-cultural dos grupos
sociais. Além disso, exemplifica-se quais são os tipos de neologismos mais
recorrentes na sociedade, assim como o processo de formação dessas
palavras. A base teórica pauta-se nos seguintes autores: Alves (2004),
Basílio (2003), Bagno (2001), Barbosa (1996), Chomsky (2009), Cunha e
Cintra (2007), Henriques (2007), Laroca (1994), Leite e Callou (2002),
Palhano (1958).

101
Mestranda pela Universidade Estadual de Maringá; apsaninha_29@hotmail.com
102
Mestranda pela Universidade Estadual de Maringá;
Cristina_silva19@hotmail.com
103
Prof.ª Dr.ª na Universidade Estadual de Maringá; acjhintze@wnet.com.br
222
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Introdução
Seria simplista dizer que a língua não tem papel significativo na
sociedade, pois tal afirmação desconsideraria seu poder e a influência que
exerce sobre todos os diferentes grupos sociais, dos mais baixos aos mais
altos. Pode-se entender o homem como sujeito a partir do uso que ele faz da
língua em suas relações com os demais indivíduos, em que ele retrata o
conhecimento de si próprio e do mundo. Pela linguagem que usam, é
possível reconhecer e diferenciar sujeitos de diferentes agrupamentos, os
estratos sociais a que eles pertencem, seu grau de escolaridade e muitos
outros aspectos. A esse respeito, expressivas são as considerações de Leite e
Callou (2002) ao exporem que a linguagem é um parâmetro que permite
classificar o indivíduo de acordo com a nacionalidade e naturalidade, sua
condição econômica e social, e, por isso, é frequentemente usada para
discriminar e estigmatizar determinado falante.
Palhano (1958), por sua vez, afirma que a língua é o veículo
comum de interação entre os membros de uma comunidade, não importando
a camada social a que pertençam. Acrescente-se que aqui devem ser
considerados não só os aspectos socioeconômicos, mas também os fatores
étnico-culturais, que são condicionantes do fenômeno da variação
linguística observada no léxico, o conjunto das palavras de uma língua em
que se dá a realização e a transformação dos recortes culturais da sociedade
que por ela se expressa.
Neste artigo, tem-se como enfoque o uso dos neologismos em
textos publicados nas diferentes esferas da mídia, mostrando de que forma
essa utilização contribui para a criatividade do texto.

1 Um panorama geral sobre a formação de palavras


A Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha
e Lindley Cintra (2007), define formação de palavras da seguinte maneira:

chama-se formação de palavras o conjunto de


processos morfossintáticos que permitem a criação
de unidades novas com base em morfemas lexicais.
Utilizam-se assim, para formar as palavras, os afixos
de derivação ou os procedimentos de composição
(CUNHA; CINTRA, 2007, p.97).

Dessa definição infere-se que, por meio do processo de formação


de palavras, o falante é capaz de criar novos vocábulos a partir de suas
necessidades diárias. Assim, concebe-se o léxico como um fenômeno
maleável, no qual é impossível evitar alterações, uma vez que seu uso pelo
falante é que determina sua transformação. O léxico é, de modo geral, o
223
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

conjunto das unidades vocabulares de uma língua, contemplando tanto as


formas privilegiadas pela gramática, quanto as não privilegiadas. Segundo
Laroca (1994), a criação de novas palavras vem atender às necessidades
sociais, culturais e psicológicas. Ainda segundo a autora, a língua dispõe de
vários recursos para expandir o léxico, entre eles, os elementos que ela
denomina recursos autóctones, além de empréstimos culturais e
estrangeirismos. Os processos de maior uso, para a autora, são a derivação e
composição.
A derivação consiste na formação de novas palavras por meio de
“formas” chamadas de afixos, que se adicionam ao início de uma base
lexical – chamados então prefixos – ou, ao final dessa base, os denominados
sufixos. Por exemplo, na palavra infeliz tem-se o prefixo in e base lexical
feliz; em gostoso tem-se a base lexical gosto mais sufixo oso. Tanto os
sufixos como os prefixos formam novas palavras que conservam, de regra,
uma relação de sentido com o radical derivante.
O segundo processo é a composição, que forma palavras cujo
sentido é, não raro, dissociado em relação ao sentido de suas bases
componentes. É diferente da derivação, que, para Laroca (1994), é um
processo sincrônico, visto que o falante nativo tem a possibilidade de
depreender os morfes constituintes, assim como ter consciência do acervo
de afixos disponíveis e produtivos para a formação e decodificação de
novas palavras, a exemplo da palavra amante, que deriva de amar, segundo
os critérios acima postulados.
Dentro desses dois processos de formação é possível encontrar
outros que formam novos vocábulos. Existem palavras em que a ocorrência
de afixos se dá de maneira singular, isto é, prefixos e sufixos concorrem de
forma simultânea e, às vezes, inseparável para a formação e abonação do
vocábulo. Os vocábulos assim formados são denominados de vocábulos
parassintéticos. Em ensurdecer, por exemplo, é inviável a existência isolada
de surdecer/ensurd, de modo que é fundamental a presença concomitante
do prefixo e do sufixo no processo parassintético. Vale ressaltar que esse
processo é muito usado na formação de verbos.
Outro processo de relevância semelhante ao de parassíntese é a
derivação regressiva, que, diferentemente do processo acima mencionado,
consiste na eliminação de determinado afixo. Esse processo assume
importância maior na criação de substantivos deverbais ou pós-verbais,
formados pela junção de uma das vogais o-a-e ao radical do verbo, a
exemplo de sustentar, de que se forma sustento, suprimindo-se o morfema r
e substituindo-se a vogal a por o.
A derivação imprópria também tem importância significativa no
campo da formação de palavras. É nesse processo que se observa que as

224
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

palavras passam de uma classe gramatical para outra sem sofrer alterações
na sua forma. Para que isso ocorra, é preciso adicionar um artigo anteposto
à palavra em questão. Em os prós e os contras, construção bastante utilizada
pelos falantes de língua portuguesa, passa-se de uma classe (preposições) à
outra classe (substantivos).
Somam-se aos processos acima a composição e a recomposição. A
primeira consiste em formar uma nova palavra pela união de duas ou mais
bases; a palavra composta representa, via de regra, uma ideia única e
autônoma, muitas vezes, dissociada das noções expressas pelos seus
componentes, como em criado-mudo (nome de um móvel). Observa-se que
nessa formação não houve perda de nenhum dos vocábulos, característica
da composição por justaposição. Todavia, a composição ainda pode truncar
determinada “parte” da palavra à qual está se agregando, fenômeno que é
denominado composição por aglutinação. Por exemplo, em pernalta (perna
+ alta) houve uma adaptação fonológica ou fusão da vogal a, presente no
final da primeira base com a mesma vogal que inicia a segunda. Por sua
vez, o segundo processo de composição, a recomposição, é entendida como
um processo de formação no qual ocorre a agregação de bases gregas e/ou
latinas. Estes são chamados de pseudoprefixos, pois apresentam autonomia
semântica, têm significação mais ou menos delimitada e presente na
consciência dos falantes e, por fim, têm menor rendimento do que os demais
afixos. Como exemplos, têm-se aeroclube, aeromoça, agroindustrial e
agropecuário, em que aero e agro são considerados pseudoprefixos.
Outros dois processos bastante produtivos na língua são os
hibridismos e as siglas. No hibridismo, têm-se elementos de línguas
distintas na formação de vocábulos. Desse modo, em automóvel, o primeiro
elemento (auto) tem origem grega e o segundo (móvel) é originário do
latim. Vale ressaltar que, em geral, tais tipos de formação são condenados
pelos gramáticos. Entretanto, eliminar essas formas tão presentes e
abonadas pelos falantes seria uma tarefa impossível. Sobre as siglas,
entende-se que são, basicamente, palavras formadas pelas letras iniciais de
um sintagma e remetem a um significado que pode ter cunho institucional.
ISS, por exemplo, é a sigla que representa Imposto sobre Serviço, do
mesmo modo que PV abrevia Partido Verde.
Na formação das siglas ainda pode ocorrer outro processo,
denominado de acrossemia, pois, quando criada e vulgarizada, a sigla passa
a se incorporar ao léxico como uma palavra primitiva capaz, portanto, de
formar outras palavras derivadas. A partir disto, encontra-se na mídia e no
próprio falar das pessoas construções como: petista, petebista, aidético,
aliança PT-PDT, entre muitos outros.

225
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

A abreviação vocabular também merece destaque no processo de


formação de palavras. O ritmo caótico da vida humana, atualmente, força os
falantes a realizarem uma elocução cada vez mais rápida, o que leva a
economizar tempo e palavras. Em todos os momentos, é possível observar a
redução de frases e palavras até um limite em que não fique comprometida
a compreensão dos interlocutores. Assim, formas como foto, TV, quilo, não
prejudicam a comunicação entre os falantes nativos de língua portuguesa.
Um processo menos conhecido, mas que vem aparecendo
frequentemente na formação de novas palavras é o cruzamento vocabular ou
palavra valise, que é definida por Gonçalves (2003) como um processo mais
econômico, porque tende a preservar a estrutura da base prosódica e
segmental. Essas construções permitem a vinculação de certos segmentos a
mais de um morfema, garantindo o maior número possível de relações entre
formas linguísticas. O autor trata o cruzamento vocabular como blend
lexical e o define como: “junção de dois vocábulos, sendo que o segundo é
utilizado para completar parte do primeiro” (LAUBSTEIN, 1999, p. 1. in
GONÇALVES, 2003 [2005], p. 150). Para Gonçalves (2003), o fenômeno é
diferente do processo de composição porque constitui um caso claro de
morfologia não concatenativa, visto que a sucessão de bases pode ser e é, na
maioria dos casos, rompida por sobreposições.

2 Neologismos
Não é raro encontrar palavras cuja estrutura possa parecer estranha
ou, simplesmente, suscitar a seguinte indagação: “Isso existe ou estou
inventando?” Nesse caso, o que ocorre é a presença de vocábulos
denominados neologismos. São, basicamente, palavras não registradas pelos
compêndios da língua nem estabelecidas nas gramáticas, mas produzidas a
partir da ocorrência de novas situações, conceitos, fatos etc. Ao mesmo
tempo, o novo só o é por um determinado período temporal. No caso de
novos vocábulos, essa temporalidade efêmera pode ou não ocorrer. Um
vocábulo que seja usado pelo falante, mas não faça parte do léxico
conhecido, abonado pelo seu uso, é, depois de certo tempo, incorporado aos
dicionários e deixa de ostentar essa condição de vocábulo novo, isto é, passa
a fazer parte do léxico da língua.
Nesse âmbito, Basílio (1980) considera que a competência lexical
de um falante nativo tem a ver com o conhecimento de uma lista de entradas
lexicais. Sendo assim, essa competência relaciona-se com o conhecimento
da estrutura interna dos itens lexicais, assim como das relações entre os
vários itens. Além disso, a competência lexical é o conhecimento subjacente
à capacidade de formar entradas lexicais gramaticais novas. Embasando-se
nessa teoria, conclui-se que o falante pode criar novas palavras, mesmo que

226
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

estas ainda não estejam instituídas pela gramática. Exemplos de casos


possíveis são palavras que ainda não são utilizadas, mas podem ser
acionadas pela competência do falante em determinadas situações.
Em relação ao fenômeno, por assim dizer, da língua, entende-se a
afirmação de Noam Chomsky: “A língua humana é livre de controle de
estímulos e não serve a uma função meramente comunicativa, mas é antes
um instrumento para a livre expressão do pensamento e para a resposta
apropriada às novas situações” (1972, p. 23). O falante, diariamente,
encontra situações que o impelem a buscar em sua gramática imanente
verbos/substantivos para usar em diferentes contextos. É dessa forma que a
flexibilidade da língua e a capacidade inventiva do falante suprem as
diferentes situações, acarretando, então, a aparição de formas não previstas
pela gramática formando palavras não registradas nos dicionários.
Podemos dividir os neologismos em diferentes tipos: os
neologismos lexicais ou formais, semânticos, formados por siglas
(acronímia) ou abreviaturas, e os formados por estrangeirismos.
Os neologismos lexicais são formados a partir de critérios
variados, de modo que, admite-se, em um extremo, a própria invenção da
palavra (sem nenhuma lógica linguística) ou a simples junção de sons, os
chamados neologismos fonológicos, segundo Alves (2004). Os
neologismos, na maior parte das vezes, têm inspiração em outros vocábulos.
Os neologismos semânticos são formados por palavras que
assumem uma significação diferente daquela dicionarizada, ou seja,
atribuem a determinadas palavras significados distintos do convencional,
sem que para isso haja uma mudança formal em sua estrutura.
Os estrangeirismos, caso especial de neologismos, ocorrem
comumente sob a forma de palavras não vernáculas, empregadas – por uma
necessidade linguística – em sua ortografia original, ou seja, no idioma ao
qual pertencem. Os estrangeirismos podem ser subdivididos em: lexicais –
quando a forma da palavra em uso é escrita da mesma forma do original;
semânticos – quando se tem a marcação da tradução/substituição de
morfemas a fim de preservar a ideia que é importada; e estrutural que
consiste na importação de um modelo que não é vernáculo. Ainda no caso
dos neologismos lexicais, há também casos de empréstimos que soam como
um tipo de violação da língua em contato. Essa presença de estrangeirismo
na língua portuguesa, assim como em qualquer outra, resulta de contatos
linguísticos que podem se apresentar de diferentes maneiras.
O combate aos estrangeirismos não é algo novo, podendo-se
encontrar vários exemplos, em diferentes momentos da história da língua
portuguesa, em que houve tentativa de excluir palavras vindas de outras
línguas. Nesse sentido, é válido considerar que palavras da língua

227
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

portuguesa também se estendem para outras línguas, sendo estrangeirismos


em outros países, como Japão. Evitar o uso de estrangeirismos pelos
falantes, assim como construções não previstas, é tarefa difícil. A
resistência à adoção de neologismos lexicais deve-se, em parte, ao próprio
aspecto conservador da língua, que impede que esse fato se verifique com
frequência. Há sempre uma reação ao novo elemento, considerado como um
mal falar. O preconceito vem da dificuldade de os falantes nativos
aceitarem as diferenças. Quando elas são admitidas por certo grupo social,
no entanto, são tachadas de “erradas” ou de uso “não padrão”.

3 Emprego de neologismos em gêneros virtuais e impressos


A seguir, são exemplificados alguns neologismos e suas diferentes
manifestações na sociedade.
“O problema da Eurol ndia deve ser visto de uma perspectiva
histórica. Evoluiu de uma zona de livre comércio nos anos 50 para a
construção de uma federação inconclusa.”
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/13407-eurolandia.shtml.
Acesso em: 10/06/2012.
EUROLÂNDIA: é um neologismo lexical, incorporado no meio
das ciências econômicas que diz respeito aos países onde a moeda corrente
é o euro. No caso dessa formação, ocorreu a redução de EUROPA, que
forma regressivamente a palavra EURO para designar a moeda comum do
continente europeu, a que se somou a palavra inglesa LAND, que significa
terra/região e foi “abrasileirada” para LÂNDIA, com o acréscimo do sufixo
IA. As duas bases desse vocábulo, então, uniram-se por um processo de
aglutinação.

“Ter um ‘namorido’ é opção das mulheres modernas”


Fonte:
http://mulher.terra.com.br/noticias/0,,OI1438772EI16610,00Ter+um+namo
rido+e+opcao+das+mulheres+modernas.html. Acesso em: 08/06/2012.
NAMORIDO: neologismo lexical de uso popular (gíria) usado para referir-
se a casais que namoram há muito tempo e estão praticamente casados, a
não ser pelo fato de que não moram juntos. Deu-se o vocábulo pelo
processo de aglutinação. NAMORADO e MARIDO, no caso, dois
substantivos.

“O Brasil é brasilhante/ No alto de um morro/ Tem um jesus gigante/...”


Fonte: http://brasilbrasilhante.blogspot.com.br/2010/10/brasil-
brasilhante.html.
Acesso em: 23/06/2012.

228
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

BRASILHANTE: neologismo lexical formado pelo uso do substantivo


BRASIL com o adjetivo BRILHANTE, por meio do processo de
aglutinação.

“No ano passado, o portunhol virou estrela de um divertido movimento


literário que nasceu no Paraguai e não para de fazer seguidores no
Brasil.”
Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/confira-manifesto-em-defesa-do-
portunhol-selvagem-3607777. Acesso em: 10/07/2012.
PORTUNHOL: neologismo lexical formado pelo processo de truncamento
da palavra português com a palavra espanhol. O vocábulo portunhol traduz
uma forma de falar em que se misturam elementos das duas línguas e que é
empregado por pessoas que não conhecem bem uma delas e mesmo assim
tentam usá-la.

“Se voc se empolgou com o post de cabelos coloridos e resolveu se


aventurar, preparamos algumas dicas.”
Fonte: //capricho.abril.com.br/blogs – acesso em: 02/02/10.
Post: neologismo formado por estrangeirismo. É uma palavra de origem
inglesa, que pode ser traduzida como expedido pelo correio (virtual),
utilizada para dar nome aos recados deixados pelos internautas nas páginas
virtuais.

“Quando estivermos testando um make bronze que combina com o look


vermelhinha de sol.”
Fonte: Revista Capricho – 03/01 (p. 05).
Make: é um neologismo formado por empréstimo (estrangeirismo) do
inglês, que tem como significado fazer (seu sentido original). Contudo,
neste caso, a palavra make está utilizada com o sentido de maquiagem
porque remete à expressão make up da mesma língua.
Look: é um neologismo formado por empréstimo (estrangeirismo) do
inglês, que tem como significado olhar. No entanto, nesse caso, a palavra se
generalizou para o sentido de visual.

“Gisele Bündchen está embuchada.”


Fonte: Revista de fofoca OnLine “Sr Hype”. Acesso em: 12/05/2012.
EMBUCHADA: Aqui se tem um neologismo lexical formado por
derivação parassintética. A palavra embuchada é um termo de uso popular
(gíria), que quer dizer mulher grávida. Em um sentido literário, ter-se-ia:
cheio, com o bucho cheio.

229
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

“Sempre fui picareta”.


Fonte: http://www.terra.com.br/istoegente/12/reportagens/rep_rato.htm.
Acesso em: 23/05/2012.
PICARETA: neologismo semântico. A palavra picareta, no sentido literal,
é uma ferramenta. No entanto, na expressão em questão, é uma gíria e diz
respeito ao sujeito que é malandro, enganador.

“Tomou, papudo?”
Fonte: http://parmerista.blogspot.com.br/2009/02/tomou-papudo.html.
Acesso em: 23/05/2012.
PAPUDO: neologismo semântico faz menção às pessoas que falam demais,
ou contam muitas vantagens mentirosas. Seu sentido literal é: que tem papo
grande.

“Gato feito por parque de diversões na praça de Heli polis causa queda
de energia na rua Tabera e Itabapuã”.
Fonte:http://www.br101.org/ligacao-clandestina-gato-feita-por-parque-
diversoes-na-praca-heliopolis. Acesso em: 21/05/2012.
GATO: neologismo semântico que se refere a uma ligação clandestina de
redes elétricas com o intuito de poupar energia e diminuir a conta. O sentido
literal desse termo é: mamífero da ordem dos carnívoros, tipo da família dos
felídeos, de que há varias espécies, uma das quais é o gato doméstico.
“O primeiro paredão desse BBB”.
Fonte: http://capricho.abril.com.br/blogs/moda. Acesso em: 18/01/10.
BBB: neologismo formado por siglas e abreviaturas. Nesse caso, ocorre a
redução de “Big Brother Brasil”.

“Hoje tem Atletiba.”


Fonte: http://www.parana-
online.com.br/colunistas/12/7330/?postagem=HOJE+TEM+ATLETIBA.
Acesso em: 12/07/2012.
ATLETIBA: nesse caso, notamos a presença de uma palavra valise, uma
vez que há a junção de dois vocábulos, sem que haja um processo
específico.

4 Considerações Finais
Pode-se constatar que alguns dos neologismos encontrados são
empréstimos da língua inglesa, em virtude do meio tecnológico em que os
vocábulos aparecem. Termos compostos e derivados aparecem com uma
frequência muito mais baixa do que seria de esperar, dadas as características
da produtividade lexical em português. Embora alguns casos tenham sido

230
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

contabilizados, a sua utilização é menos recorrente do que a importação de


termos em língua estrangeira, tendência instaurada nas áreas de
especialidade. É conhecido o interesse na observação dos diferentes
contextos em que a produtividade de um grupo social cria/empresta novos
vocábulos.
A recorrência do uso de neologismos nos leva a pensar que a
observação desse tipo de unidade tem um alcance mais vasto do que se
poderia supor, podendo contribuir para a discussão de alguns aspectos
concernentes à própria teoria lexical. Denota-se, portanto, que as unidades
léxicas atualizam-se por meio da articulação no interior das práticas
linguísticas que os interlocutores de diferentes saberes socioculturais
compartilham.
Quanto às criações neológicas populares (gírias) evidencia-se que
são dois os principais motivadores interferentes no processo de criação: a) a
busca pela maior expressividade da linguagem e b) a função criptológica, ou
seja, o fato de essas criações terem a intenção de ser decodificadas apenas
pelos membros de um mesmo grupo. Entre os tipos de gíria, prevalece o que
ocorre com léxico (ou expressão) próprio. Vale ressaltar, ainda, que a
maioria apresenta mudança de sentido. Dessa forma, fica claro que os
interesses e as características peculiares a um grupo refletem-se no próprio
conjunto de expressões linguísticas por ele utilizado, na relação que
estabelece com determinado vocábulo e, por último, em sua abonação.

5 Referências
BASÍLIO, M. Teoria lexical. 7. ed. São Paulo: Ática, 2003.
CHOMSKY, N. Apud. SILVA BRAZ, Shirley Lima da. Recepção
lingüística: o caso dos neologismos lexicais (UERJ): 2009.
CUNHA, C. e CINTRA, L. Nova gramática do português
contemporâneo. 5 ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2007.
GONÇALVES, C. A. Blends lexicais em português: não-concatenatividade
e correspondência. Veredas: revista de estudos lingüísticos, Juiz de Fora,
vol. 7, n. 1 e 2, p.149-167, 2003.
HENRIQUES, C. Morfologia: estudos lexicais em perspectiva sincrônica.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
LAROCA, M. N. C. Manual de morfologia do português. Campinas,
Pontes; Juiz de Fora, UFJF, 1994.
LEITE, Y. e CALLOU, D. Como falam os brasileiros. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2002.
PALHANO, H. A língua popular. Rio de Janeiro: Organizações Simões,
1958.

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I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

10 EXPRESIONES TAURINAS Y SU APLICACIÓN METAFÓRICA


AL LENGUAJE COLOQUIAL

José Suárez-Inclán García de la Peña104

Estimada Kalila

Todas las expresiones, como sabes, pertenecen a elementos, situaciones y


actividades de la lidia en las corridas de toros. En los países de influencia
taurina (partiendo de España, donde se generalizó su uso hace más o menos
dos siglos) estas expresiones se trasladaron por vía metafórica o de
asociación al lenguaje familiar y al castizo, y se utilizaron para nombrar o
aludir a otros elementos, situaciones y actividades de la vida en general.
Decía el filósofo madrileño D. José Ortega y Gasset que para entender la
vida y la sociedad española había que seguir las corridas de toros y en ello
cabe englobar, como pieza indispensable, su lenguaje. Otro personaje
fundamental de nuestra cultura, el gran poeta granadino Federico García
Lorca, ya decía que los toros eran la fiesta más culta de mundo, y es que en
gran medida es la única heredera de las grandes representaciones trágicas
del mundo Mediterráneo.

- Poner banderillas: Taurinamente significa colocar, clavándolos sobre lo


alto del lomo del toro, en la parte que continúa tras el morrillo, dos palos
adornados con flores, o filigranas de papel de colores, que terminan en
sendos rejoncillos y que también se conocen como rehiletes o garapullos. El
banderillero lo hace a pecho descubierto, sin más ayudas ni engaños que su
agilidad y pericia. Sirven para castigar al toro antes de que llegue a la faena
de muleta y para comprobar su fuerza y bravura si este se emplea a fondo
persiguiendo e intentando empitonar (coger) al banderillero. Por vía
metafórica significa castigar a alguien por su actitud dándole una lección
con buen aire y gallardía. Un acto de ingenio con cierta malevolencia.

- Volver al ruedo: Taurinamente significa retomar la labor de lidiador una


vez que se había abandonado por cualquier causa. Es símbolo de valor y
pundonor, se dice que los toreros son toreros para siempre. Por vía
metafórica consiste en volver o retomar un trabajo, generalmente costoso y
arduo. Se entiende en el buen sentido como una prueba de valor. Ej.: "El ex-

104
Doctor en Filología Hispánica. Asesor de Educación en Brasil, Embajada de
España en Brasilia.
232
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Ministro de Educación volvió al ruedo de la enseñanza en la Universidad


Autónoma de Madrid".

- Pararle los pies: Taurinamente significa parar y recoger con la capa o


percal al toro que sale galopando y sin ánimo de acudir al capote o al
engaño. Por vía metafórica significa "poner en su sitio" o cortar a alguien
una actitud voraz, arrogante, engreída o cargada de razón. Devolverle,
reposándolo, a la realidad y eliminar su arrogancia.

- Coger el toro por los cuernos: Taurinamente significa ir derecho y sin


rodeos por el toro, quedarse quieto y enfrentarse a él para torearlo. De
frente, sin dudas y sin rodeos ni demoras. Por vía metafórica consiste en
abordar algo o a alguien sin rodeos, cumplir sin remilgos con la tarea que
uno tiene que hacer. "Ir al grano". Es lo contrario a lo que se designa como
"marear la perdiz".

- Escurrir el bulto: Taurinamente significa esquivar la embestida del toro y


evitar enfrentarse a él directamente. Es lo contrario a "Coger el toro por los
cuernos".Por vía metafórica es demorar aquello que se tiene que hacer y a
ser posible dejar de hacerlo. Evitar la responsabilidad y la obligación.
- Dar una estocada: Taurinamente significa matar al toro de forma eficaz,
rápida, certera, con pericia y valor y causando el menor dolor. Estas
estocadas se dan en lo alto y, sin degollar, causan una muerte fulminante y
poco tortuosa. Por vía metafórica consiste en realizar una acción con
eficacia y rapidez. O bien en terminar brillantemente con algo o alguien que
se interponía en nuestro camino.

- Cambio de tercio: Taurinamente significa variar las acciones y suerte en


la lidia de un toro. Hay varios tercios: Capote y varas o puyas, banderillas,
muleta: y muerte. Por vía metafórica alude a variar un tema, conversación,
actitud... y abordarlo desde otra perspectiva y punto de vista o bien a
abandonar aquello en lo que estábamos y acometer una nueva labor.

- Sacar a hombros: Taurinamente significa llevar, como a un héroe clásico,


al torero triunfante sobre los hombros de los aficionados. El torero que ha
hecho una faena extraordinaria, se pasea con los trofeos en la mano (las
orejas y a veces el rabo del toro) por todo el círculo de la arena, en hombros
de los aficionados, recibiendo el aplauso clamoroso del público. Otra parte
de la afición le espera a la salida de la plaza (de la que sale en hombros
vestido de oro, como el santo de una procesión) para aclamarlo. Para más
datos sobre esto puedes leer el capítulo "Héroes de oro" de José Suárez-

233
I Simpósio Internacional de Lexicografia e Linguística Contrastiva

Inclán en el libro "A los toros". Por vía metafórica supone salir bien
triunfante de cualquier faena o tarea que se aborde.

- Rematar la faena: Taurinamente significa terminar airosa y


graciosamente cualquiera de los tercios (pases de capote, par de banderillas,
pases de muleta, etc., con un pase final que muestra arte, gracia y dominio).
Hay pases fundamentales y remates. Por supuesto no hay mejor remate de
una faena que una buena estocada. Por vía metafórica consiste en dar un
buen colofón a cualquier labor que se emprenda. Por ej.: terminar un
cogreso con un vino de confraternización donde los participantes muestran
su satisfacción por el evento, una reunión con una canción o un partido de
fútbol con un gol de gran belleza o una gran jugada. Rematar: dar un buen
final a algo.

Va por usted, Kalila.

234

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