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CPL EWI) IDEIAS LINGUISTICAS Construgdo do Saber Metalingiiistico e Constituigéo da Lingua Nacional Eni P. Orlandi (Org) Universidade do Estado de Mato Grosso a HISTORIA DAS Pré-Reitora de Ensino e Extenséio Vera Licia da Rocha Maquéa Pré-Reitora de Pesquisa e Pés-Graduagéo Aurea Regina Alves Ignacio IDEIAS Pré-Reitor de Administracdo e Finangos Ronilton Souza Carlos ‘ns es Unemat Editors -Consato dtr LINGUISTICAS Presidente Leila Salomao Jacob Bisinoto Membros César Henrique de Melo Jogo Edson de Arruda Fanaia i Maria do Horto Salles Tiellet Marvin Gerardo Olivas Bonilla Otavio Ribeiro Chaves Roberto Leiser Baronas Vera Lucia da Rocha Maquéa Vitérico Jabur Maluf ie « Construgio do Saber Metalingiiistica e Constituigée da Lingua Nacional y Eni P. Orlandi (Org,) Pontes UNEMAT - EDITORA R. Coronel Faria 328 Centro + Fone 65 223.0087 UNEMAT 78200.000 Caceres MT Brasil editora@unemat.br Caceres * Mato Grosso * Brasil 2001 APRESENTACAO INTRODUGAO As pesquisas que esto na base dessa publicagao trabalham a historia da produgao de idéias lingiiisticas, af compreendidos instrumentos tecnol6gicos comogramatica’e diciondrios, no Brasil, e 0 processo de constituigiio dallingua nacional — Em um programa de pesquisas em colaboragio cientifica coma Fran- ¢a, estabelecido em 1988, propus que nosso programa de pesquisa alias- se a hist6ria da_construgao do saber metalingitistico coma histéria da constitui¢io da lingua nacional, visando trazer contribuigdes especificas +4” ao modo de pensar e trabalhar a questao daJingua nos paises de coloniza— ao. Tomava assim uma posi¢gdo face A histéria das ciéncias. Buscava ai anossa singularidade, em relagdo ao modo de se considerarem estas ques- t6es no continente europeu. Restava conhecer os nossos ganhos teéricos © compreender os aportes com respeito & histéria da ciéncia em geral. Algumas das observagGes que faco na apresentagao desse livro coletivo dizem respcito a essa compreensio. . Na medida em que, de um lado, alia Gram: itica da Sociedade e Ideologia e, de outro,.Saber Lingiii nal - observando as relag6: ( it ente ao Estado - uma forma de conhecimento como esta dé uma configuracao particular 4 histéria da ciéncia/Em nossa proposta, isso se asseverou possivel por- que, do interior do conhecimento lingiifstico, organizamos uma reflexiio que se inscreve nas chamadas novas praticas de leitura, propostas pela andlise de discurso francesa e que trabalham de maneira caracteristica a construgio de arquivos,ou seja,.aleitura da_hist6ria, sua interpretacio. © O proprio dessas praticas €relacionar.o dizer como niio dizer, como dito em outro lugar e com o que poderia ser dito. Essa escuta tem de particu- Diciondrio, Histéria % lar o ser sensivel as relagdes de sentido - seja pelo trabalho da meméria (o interdiscurso) seja pela mengao (a intertextualidade). O que pratica- mos,.entdo, sio novos gestos de leitura, percorrendo os caminhos dos sentidos. Em nosso caso, os sentidos que sustentam a produgao dé um conhecimento lingiiistico que se foi produzindo junto 4 constituigio de nossa lingua. No que consiste a especificidade desses gestos, ou, em outras pala- vras, 0 que caracteriza essa histéria quando operamos com a mediagao estabelecida por este dispositivo tedrico da interpretagio? Ja que se trata da compreensio e interpretagao da nossa histéria lingiifstica. a » objetos histéricos, com conseqiiéncias sobre as politicas da _aquestio do ensin Ver a Gramatica e 0 Diciondrio - os instrumentos lingiiisticos como os denomina S. Auroux (1992) - como parte da relago com a sociedade e coma historia (E.Orlandi,1997) transforma esses instrumentos em obje- tos vivos, partes de um processo em que os sujeitos se constituem em. suas relagdes e tomam parte na construgao histérica das formagdes soci- ais com suas instituicdes, e sua ordem cotidiana. Quando refletimos sobre a presenca desses instrumentos na Escola, na perspectiva em que consideramos a produgio do saber metalingiiistico, nao se trata de pensar o mero uso de um artefato mas da construcao de Quando se constréi uma gramatica, um diciondrio, de imediato impoe-se ‘io falamos, entéo, dessa perspectiva, na fungao da gramatica ou do diciondrio na escola mas do funcionamento deles na relacio do sujeito com a sociedade na histéria, Nao se trata apenas de aplicagio mas da constituigao do saber e da Iingua, na instituicdo. ‘A nossa sociedade, do ponto de vista da linguagem, funciona com 0 saber e com a escrita enquanto materialidade que constitui a prépria for- ma das instituigdes. A escrita é uma forma de relagao social, historica-_ mente determinada. A gramatica, 0 diciondrio so objetos de conheci- mento determinados sécio-historicamente. O ensino nao prescinde desses objetos e dessas relagGes. Veremos, na leitura dos diferentes trabalhos, que ha uma certa con- centracao de pesquisas.emtorno do século XIX, momento em que desem- bocampraticas des-colonizadorapque jd vinham ‘se estabelecendo ao longo “de nossa histéria e adquirem concretude historica nesse momento. Entre «que significa a cidadania/A forma politica dessa cidadania é a Indepen estas praticas esto as relativas & Hossa lingua, O século XIX, no Brasil, é um momento critico na reivindicagao por uma lingua e sua escrita, por uma literatura e sua escritura, por institui- Ges capazes de assegurar a legitimidade e a unidade desses objetos sim- bélicos sécio-histéricos que constituem a materialidade de uma pratica 8 linguas., ye dénciae, em soguida, a Reptblica, A forma simbélica e a forma do sujei- to que Ihe copesponte nao siio menos decisivas. Essas praticas tém, de um lado, asInstituigées, de outro, a sua textualidade: gramiticas, dicio- narios, obras literdrias, manwais € programas de ensino., oor Nossa tarefa foi, através da andlise dessa textualidade, compreender 0 processo de construgao e os sentidos d instituigdes e dos sujeitos s6cio-histéricos que as habi am. Passageiros de espagos ambi- guos e de miltiplas temporalidades esses sujeitos vivem muitas vezes indistintamente experiéncias de sentidos que se produzem na coloniza~ cio, na imigragio, no seu territdrio proprio ou atravessado por toda sorte_ ‘de diferencas, que ora se complementam, ora se rivalizam, ora se indiferem. ~~ Os textos que fazem parte desse livro expdem esses processos ¢ nos levam A compreensiio de que, enquanto objeto histérico, tanto a gramati- ca como 0 diciondrio, ou o ensino e seus programas, assim como.as ma- \_ nifestagGes literdrias sao uma necessidade.que_pode e deve ser trabalhada de modo a promover ¢felagio do sujeito com os: sentidosrelacao que faz, historia e configura as formas da sociedade. O que nos leva a dizer que, por isso mesmo, eles sao um excelente observatério da constituigado dos sujeitos, da sociedade e da historia. Antes de passarmos 4 leitura dos textos, mostremos um pouco da hist6ria que deu origem ao programa de pesquisa que resultou nessa pro- dugiio - agora j4 apreciével - sobre as idéias lingiifsticas no Brasil e a constituigao da nossa lingua nacional. \gpleo HISTORICO E DESENVOLVIMENTO “"/ ny Oconhecimento dailfngua nacional tem-se dado em nosso pais a pat- tir de estudos esparsos, sejam gramaticais ou com finalidades edagdégi- cas ou ainda com fins apenas descritivos. Com nosso projeto, 0 que visa- mos desde 0 inicio, foi estabelecer.c difundir-estudos sistematicos que_ a ques is jo. conhecimento lingiiisticee davhist6ria da sua) articuladamente, explorando novas tecnologias de pesquisa. Samos conhecer a lingua ¢ 0 saber que se constréi sobre ela ao mesmo} “tempo em que pensamos a formagao da sociedade e dos sujeitos que nela,” existem. Nao menos importante, nessa perspectiva, é pensar a relagiol Lingua/Nagio/Estado e 0 cidadao que essa relagao constitui. iad ‘Enquanto professora dos cursos de pés graduagio, e visando o me- Ihor aproveitamento da permanéncia do aluno no programa, propus, em 1987, um projeto de drea intitulado “Discurso, Significagao, Brasilidade” que objetivava trazer para a reflexdo sobre nossa histéria a forma de conhecimento produzida pela andlise de discurso, articulando andlise de 9 3 prponhT ~ anelur%ea f ‘ discursos distintos mas que se relacionam pela producao da “brasilidade”, \ ou ou dos processos identitarios que resultam na chamada identidade nacio- \ nal (0 ser br Ieiro) quanto a: lingua, 4 cultura chamada popular (canti- i gas, “causos”, humor), aos seus aspectos juridico-politicos (independén- cia, constituig6es, escravatura etc), a suas determinagées religiosas (religides, crengas, benze¢io, catecismo etc), relatos (viajantes, religio- sos, naturalistas etc), relagdo lingua/literatura, imigragéo, colonizacao, migragées, discursos “sobre” o Brasil etc ~ De maneira critica As pesquisas que fazem da‘ “demidade’) objeto de trabalhos “‘militantes” Be yroanehdached estabelécer bases tedrico- metodoldgicas para compreender o imagindrio social brasileiro que se contituiu.ao longo de uma complexa historia que ie produziu processos de_ identificagao do br. rasileiro,),, © objetivo era colocar questdes que vinculassem estudos da lingua- gem com assuntos relevantes de nossa histéria e da constitui sociedade: que histéria nos é contada e com a qual nos identifi S enquanto brasileiros? Quais so os mecanismos de constituigio e funcio- namento dessa historicidade que podem ser apreendidos pela andlise de sua configuragio nos processos discursivos?, Que_mecanismos de Subjetivagio> no caso, do sujeito nacional - podem ser af observados? A articulagdo do material pesquisado em fungao das questes postas me levou a identificar trés temas dorhinantes em nossas pesquisas: a. Formas institucionais do discurso ¢.a determinagio dos seus pro- cessos de significagéio: discurso religioso, politico, juridico, pedagdégico, cotidiano ete; 15 b. Formas do discurso Iidico: cantigas, humor, literatura, teatro, len- das, Composi¢6es musica __ © Formas de identificagao lingiifstica e cultural. Sao aqui objeto de investigacdo tanto aspectos da identidade da lingua portuguesa no Brasil (sua relagao com outras linguas faladas no Brasil, sua normativizacaio etc), como a histéria da constituigao da identidade nacional, observada na histéria de contato inter-étnico, pela andlise de funcionamentos discursivos tipicos como os dos missionarios, dé viajantes, em que nossa atencio se volta para a forte presenga da lingua, ai representada. Este tiltimo item, o que trata da identidade lingiiistica na constituig&o do. Brasil, ganhou realce por arregimentar, no dominio da lingiifstica e na area de discurso, questdes de natureza hist6rica ¢ ideolégica relativas pouco tratadas por metodologias do campo de andlise de linguage: lingua, %\ Foi assinado, em 1989, um convénio (Unicamp/ParisVII), que coor- | deno no Brasil, estabelecendo-se assim um canal institucional adequado para uma relacio de trabalho regular interuniversitario, a nivel internaci- 10 | becimento dos trabalhos que desenvolviamos no Brasil ~ onal, para o desenvolvimento de nosso projeto, em que acentuamos o aspecto da nossa hist6ria lingiiistica e social. Desse convénio resultou uma primeira reunido em Paris onde apre- sentamos trabalhos relativos 4 questéio da constituigio da cidadania. Esses trabalhos esto publicados no livro Lingua e Cidadania: O Portugués no Brasil, Pontes, 1996, organizado por mim e por Eduardo Guimaraes. Além dos textos af publicados, faz também parte do conjunto de textos apresentados nesse primeiro encontro o texto “Um Sentido Positivo para , 0 Cidadiio Brasileiro” que publiquei em livro coletivo com Otavio Ianni e Mariza Lajolo (1996). Nessa primeira fase da pesquisa, procurdévamos situar nossa compre- ensiio da relagiio lingua/histéria social Em estagio de pds doutorado em Paris (1987/1988), tive a oportuni- dade de conhecer 0 projeto coordenado pelo prof. Dr. Sylvain Auroux , entdo na Universidade de Paris VIL (CNRS URA 381), que trata justa- mente dajhistoria do conhecimento metalingilistico fem uma perspectiva (abrangente inscrita na[Histéria ia. [Esse encontro foi fundamen- tal para o desenvolviménto de nosso projeto, que pode ent&o contar com oconcurso de bases metodolégicas bem sustentadas pelo trabalho ja rea- do pela equipe de S. Auroux, em relagio & histéria das teorias lin- asé Essa equipe, que articula 1 pesquisadores com seus trabalhos em diversos paises nao sé da Europa, j4 vem produzindo conhecimento - reunido, entre outros, em trés volumes da Histoire des Théories Linguistiques - onde se encontram bem definidas nogGes e conceitos como os de gramatizaciio, de hiperlingua, de_acontecimento discursivo, que vieram contribuir para nossos trabalhos j4 iniciados, servindo-nos como um forum internacional de discusses tanto do método de pesquisa como dos resultadosy Tratava-se entéo de aliarmos aos nossos objetos de traba- Tho essa forma original de reflexdo ja estabelecida em bases sdlidas e com varias publicagdes da equipe de S. Auroux. Fizemos um projeto comum, apoiado pelo Acordo Capes/Cofecub que nos deu sustentagao material para que pudéssemos consolidar nossas reunides de trabalho sistemati- cas. JA de inicio, traduzi o texto de S. Auroux A Revolugao Tecnolégica da Gramatizagéo, publicado pela editora da Unicamp (1993), que deu o impulso inicial para a nossa colaboragio, colocando nossgs pesquisado- res a par dos pressupostos que conduziam 0 projeto coordenado por S. Auroux. Ao mesmo tempo, a equipe dirigida por S. Auroux tomava co- Para nao perder de vista a especificidade de nossa histéria colonizac , trouxemos essa especificidade para dentro de nos y ragdo,, visando dar uma contribuigio prépria ao projeto coletivo. Para ¥ IL \ al, aliamos, ao estudo da produgiio do conhecimento sobre a lingua, a hist6ria de constituiga _processos 840 insepardveise sua articulagao tornaria visivel o que € prd- prio a historia do pensamento lingiifstico brasileiro ja que sc trata de um pais que, pelo fato da colonizagio, tem na sua origem uma lingua que lhe foi imposta. Aliamos assim a histéria de constituicao da nossa lingua enquanto lingua nacional com nossa histéria de produgdo de conheci- mento sobre ela. E os resultados nao se fizeram esperar. Essa articulagaio | “permitiu que déssemos visibilidade a toda uma producio brasileira de cophecimento e de legitimagio de nossa lingua intimamente relaciona- dagfOs resultados dessas pesquisas conjuntas foram publicadas, na Fran- ca, em um niimero da revista Langages (130, Larousse, 1998) s6 com textos produzidos pela nossa equipe brasileira. O niimero da revista tem. 6 titulo “L’Hyperlangue Brésilienne” e foi organizado por mim, por S. Auroux e F. Maziére. Este livro traz os resultados desse projeto de trabalho comum realizado que desenvolveu uma nova forma de conhecimento sobre a histéria das idéias lingiifsticas no Brasil, explicitando a constitui¢ao do portugué 4 sileiro como lingua nacional, avaliando os trés modelos tradicionai absolutista, o da lingua literdria eo comunitario. O modelo brasileiro, tomado em sua especificidade de lingua que se constitui em processo de colonizacao, nao se enquadra precisamente em nenhum deles embora te- nha muitos de seus componentes. Procuramos ent&o mostrar a especificidade desse modelo que é também prdprio as linguas dos paises colonizados em geral. Além disso, desenvolvemos estudos para a com- preensio da hist6ria de constituigao do saber metalingiiistico em nosso meio, um meio oral, escrito e multilingiie, sob a influéncia da tradi¢aio ocidental. z Um conjunto de encontros, realizados no Brasil e na Franga, a parti- cipac&o em eventos e a publicagdo de artigos em revistas especializadas foram configurando a nossa produ¢iio dentro de nossos objetivos. O presente livro cumpre a parte brasileira do acordo que visava uma publicagao também do lado de ca do Atlantico. PARCERIA CIENTIFICA E CONSIDERAGOES TEORICAS Uma palavra sobre a relagdo Estado/Nagio quando se trata da questo da lingua, Por termos trabalhado em cooperagao com franceses observa- mos muitas vezes a dificuldade em falarmos em Lingua Nacio Nagiio face a questio da lingua e do Estado. Nem sempre coi termos nas tradugées. Até que finalmente, e em uma atividade especifica, que 12 da prpria lingua. Minha hipstese é que estes, foi a traduciio de nossos textos para a publicagao do mimero 130 da revista Langages, esta questio ficou mais clara. Para os franceses era-dificilmente aceitavel que faléssemos em Nagao ante: da existéncia do Estado. Ora, se para os europeus - ¢ hoje vejo que devo distinguir europeus do ‘Leste e euro- peus do Oeste (cf. P. Sériot, 1998) - entio, digamos, se, para os europeus do Oeste, é inadmissivel falar em Nagio sem pr existéncia do Estado, para nés brasileiros e, creio para os povos cua histéria passa pela coloniza- Gio ou outras formas de dominagiio em que o estrangeiro domina, temos elementos para falar em formagio da lingua nacional antes_mesmo_que.o- Estado brasileiro ja esteja constitu ido com todas as letras. Desde_o fim do( século XVI, a lingua falada no Brasil j4 néio 6 a mesma que se fala em ( Portugal/Da vida e das praticas dos sujeitos que aqui se encontravam se) formava progressivamente a sociedade brasileira. Mas a legitimidade dessa sociedade com suas proprias instituigGes, seu saber, suas praticas lingiifsti- cas, seu poder politico é elaboragao particular do século XIX. Com a inde- pendéncia, em 1822, o Estado brasileiro se constitui como tal e a questao da ‘Lingua Nacional se c+ loca/Até entao, embora jd existissem variagGes con- cretas, politicamente nao se dava visibilidade a essa diferenga. Coma. inde~ pendénciaea institucionalizaciio da sociedade brasileira a questo da Lingua Nacional se apresenta de forma determinada: Lingua e Estado devem se con- jugar em sua fundagao.t Gostaria ainda de acrescentar que a nogio de lingua nacional é que faz ter sentido distingdes como a de lingua n a/lingua nacional quan- do diferentes memérias entram em confronto (cf. E. Orlandi, 1993, 1996, lingua brasileira/portugués europeu, e, para a imigracdo italiana, M. O. Payer, tese de doutorado, TEL, 1999). Bem relacao a essas consideragées que merece nossa atengao 0 texto que elaborei em conjunto com Sylvain Auroux, como introdugao ao nu- mero da revista Langages, sobre a Hiperlingua B: rasileira, publicado na Franca em 1998. Transcrevo abaixo algumas dessas formulagdes talcomo, as enunciamos naquela ocasiao.y, A CIENCIA, A LINGUA, O ESPACO Nosso modo de conceber os fendmenos jntelectuais conduz freqiientemente a abstragbes mutilantes, que visam unificar sua diversi- dade em uma! temporalidade nao ramificdvel;_ em matéria de historia das ciéncias: hd preferentemente a referéncia da construcio de conceitos, de teorias, até mesmo de descobertas factuais,A Cuma hist tica, universal e linear? A conseqiiéncia imediata desta atitu- SS a : Baers ‘de é que ha lugares e tempos onde nao se passaria nada cientificamente; 13 y ak -em matéria de fenémenos de linguagem: todos os-acontecimentos_ sioreferidos, em geral, a uma entidade abstrata, a lingua, que existiria de forma quase-natural ¢ evoluiria segundo sua propria temporalidade. A conseqiiéncia imediata desta concepgiio é que ou se aceita considerar esta entidade fora de qualquer realidade material, ou é preciso pensar que a ‘ligagaio de uma lingua a uma populagio ¢ a um territério, é automatica, ‘situacao que a histéria nos apresenta no entanto como rara € acidental./” Aceitar a primeira abstrago é recusar que a ciéncia seja um dos Jos quais uma cultura organiza_seu modo de vida € suas r = como seu ambiente. Ora, em todo espago, o tempo traz acon- tecimentos (ou antes os acontecimentos repartem as possibilidades de mudanga). Precisamos aprender a conceber que ha uma histéria das ciéncias fora da linha que p $ corihecimentos que as Instituigdes dominantes oficializam em um gesio evolucionista./Nao se trata de ce- der a qualquer relativismo (0 conhecimento cientifico possui sua subs- tancia propria), mas de compreender que é importante chegar a se re- presentar o desenvolvimento cientifico em sua diversidade. Concretamente, é possivel que para um perfodo N, em um pais X, 0 que se passou nao vai ser, como contetido, agregado a histéria universal da ciéncia; isso nao significa que nao haja para este periodo N no pais X histdria cientifica. Aceitar a segunda abstragiio resulta em nao levar em conta as contri- buigdes recentes dos historiadores das ciéncias da linguagem que pude- ram mostrar como, a longo termo, a criagdo de instrumentos lingitisticos (desde a escrita até as gramaticas ¢ diciondrios) ou gramatizagao mu- dou consideravelmente a ecologia da comunicagiq, dada a complexidade “dos espacos de comunicagio que se constituem pela relagao entre lin- iguas. s grandes linguas de cultura sio de algum modo artefatos, produ- “tos da instrumentagao em um contexto particular, o do monolingiiismo “dos Estados-Nacées. E crucial recusar estas duas abstragdes no dominio das ciéncias da linguagem. Estas nao so um saber desprovido de engajamento e de con- seqiiéncias praticas; elas est§o-irremediavelmente ligadas a linguas, a territérios, a individuos quéfalam umas': habitam outros)Talvez seja a_ diversidade lingiiistica que nos impde uma Concepgio particularmente ramificada das ciéncias da linguagem. » x Em matéria de constituigao das linguas nacionais e dos saberes \ lingiifsticos, pensamos imediatamente em trés modelos, proximos de nés e historicamente bem documentados, mesmo se sua oposigio fica taricatural J - Construgio de umailingua literdria (irlandés no século VII ou, a partir do XII, o provengal nao somente para os Toulousinos, catalaos e Italianos), 14 - Construgao de umajlingua, .comumipelo desenvolvimento hegeménico da burguesia (0 caso alemao e o(Hochdeutsch); a construgio se faz a partir de varios centros, fora da claboragiio de um Estado (pensamos nos paises de lingua alema, mas igualmente na peninsula italiana); aceitagio conseqiiente dos dialetos locai u a lingua Nacioné avontade de um Estado forte e cuja centralizagao se marca pela existéncia de uma capital em que esté um poder central de natureza absolutista (Franga, Espanha); erradicagio conseqiiente das variantes locais ou das outras Ifnguas que ocupam o territério. b 9 Empiricamente, no entanto, constatamos a existéncia de numerosos outros modelo: ) dos instrumentos lingiiisticos sobre uma escrita comum que deixa subsistir as variagées locais do oral (China), lingua crudita instrumentada e vernaculares deixadas para a pratica ¢ variagdes cotidianas (latim medieval, sAnscrito), etc. Hd casos extremamente com- plexos em que a gramatizagio parece liberada de toda hipétese territorial u estatal (yiddish) (Cada um dos casos deriva da hist6ria das ciéncias da, “Vinguagem e deve dar lugar a programas de pesquisa especificos,/ ~Se prosseguirmos na légica desta atitude caimos fatalmente em modelos nos quais nao pensarfamos logo de inicio. Trata-se dos casos, em que hé extensfo do uso de uma lingua jé instrumentalizada (ou em curso de instrumentalizagao sobre um territério dado) para outr ritério. B 0 caso que se produziu nas grandes colonizagoes ocidentais (inglesa, francesa, portuguesa, espanhola, na América, em especial). A situagio pode ser complexificada pela presenga de varias outras competéncias lingiiisticas sobre o mesmo territério e pela sua histéria politica. A extens&o do espaco de col icdo_portugués, que chamamos hiperlingua (cf. Auroux “A realidade da hiperlingua”, in Langages 127, 1997), ao Brasil corresponde certamente a diferenciacdes{O. espago_ ‘referenci: al}é diferente (niio é a mesma natureza, e ha igualmente outros ‘artefatos culturais).As competéncias dos sujeitosjque definem a confi- /guragiio desse espago sao novas (linguas indfgenas, linguas africanas,. © tradiciio lingilistica oral).(s gestos histdricos'sdo diferentes. Quando a colénia adquire independéncia coloca-se fatalmente a questo da rela-) gio da nova nagiio i “sua” (?) lingua. Resulta disto necessariamente | \ mecanismos que correspondem & gesto pela comunidade tanto de sua’ “ | priticas de linguagem quanto da imagem de sua unidade lingitistica: “ constituigdes de instrumentos lingiifsticos especificos, literatura, politi- | ca lingiiistica, alfabetizagao etc. Sio esses mecanismos que s40 0 obje- |\to deste volume. 15 \ SABER METALINGUISTICO, SABER LINGUISTICO, NACIONALIDADE E HISTORIA DAS CIENCIAS Antes de prosseguirmos € preciso explicitar um ponto fundamental de nossa pesquisa: nés fazemos histéria das idéias lingitfsticas e nado historiografia. Essa uma diferenga com conseqiiéncias importantes. Fazer hist6ria das idéias nos permite: de um lado, trabalhar com a histéria do pensamento sobre a linguagem no Brasil mesmo antes da Lingilistica se instalar em sua forma definida; de outro, podemos trabalhar a especificidade de um olhar interno a ciéncia da linguagem tomando posi- co a partir de nossos compromissos, nossa posicao de estudiosos espe- cialistas em linguagem. Isto significa que nao tomamos 0 olhar externo, 0 do historiador, mas falamos como especialistas de linguagem a propésito da histéria do conhecimento sobre a linguagem. Nao se trata de uma historia da Lingiiistica, externa, o que poderia ser feito por um historia- dor da ciéncia simplesmente. Trata-se de uma histéria feita por especia- listas da drea e portanto capazes de avaliar teoricamente as diferentes filiagdes tedricas e suas conseqiiéncias para a compreensio do seu pro- prio objeto, ou seja, a lingua. Em nosso caso, temos, na equipe, especia- listas das varias areas da lingiifstica (sintaxe, seméntica, andlise de dis- curso, pragmatica, sociolingiiistica, lingiiistica indigena, lexicologia etc), da filosofia da linguagem, da histéria, dos estudos classicos, das ciéncias - da informagio e da cognigao, e também da literatura. Em particular, insistimos na abordagem discursiva que nos permite, analisar os discursos da e sobre a lingua, 0 que nos da contribuigdes valiosas na consecugiio de nossos resultados-e;coma dissemos mais aci- ma, nos permite praticar as novag leituras de arquivo) Ao produzirmos noss X40, organizamos, ao mesmo tempo, um arquivo dessa hist6- ria que fica a disposi¢ao para novas leituras de outros pesquisadores, ~~ Nesse programa de trabalho, tomamos inicialmente como objeto de observagiio os instrumentos lingiiisticos: diciondrios (mo: bilingiies) e gramaticas. Trabalhamos com a ma gramat iZagao da lingua x “portuguesa, centrando nossa atengiio sobre a emergéncia das peimeires Iingua portuguesa no Brasil, produzida por bri Analisamos a forma das gramaticas, as suas denominagGes, as suas partes constitutivas, as suas diferentes edigdes, notas, prefacios etc. Analisamos 0 lugar dado aos comentarios semanticos, lexicais, de na- tureza regional etc no corpo da prépria gramatica. Refletimos sobre as diferentes filiagdes das gramaticas no Brasil e no seu processo de auto- ria. Pesquisamos, também, o papel dos primeiros diciondrios quer in- seridos nos relatos de viagem, quer publicados, seja como dicionarios 16 de lingua, seja como de especialistas (enciclopédicos) no Brasil e em Portugal /Analisamos os aparatos em torno dos diciondrios (prefacios, notas, listas de dominios etc) Além dos dicionarios, na pesquisa desses instrumentos que, como diz S. Auroux, sfio uma extensio da relagaio do falante com a lingua, também analisamos catecismos, fragmentos de textos didaticos inscritos em relatos, listas de palavras. Além disso, analisamos ensaios, textos cientificos diversos, periddicos e outros ma- teriais que concorrem para a formagio do\imagin constituic&o da (unidade da) Ifngua nacional yfalando s sua natureza etc. Paralelamente, nos dedicamos, como equipe, a andlise das informa- ¢Ges que nos levam A formagito de idéias lingtifsticas e ao estudo das conseqiiéncias que o reconhecimento de que estas teorias tém histéria (raz, para a representagiio dessas teorias e seus efeitos sobre a produgio dg imag) jo que nos destina uma lingua, enquanto somos um povo, com uma cultura definida. Nesse passo so cruciais questGes a respeito da diferenga entre 0 portugués do Brasil e o portugués europeu pensada em termos de diferentes graméticas, a relagio entre a escrita e a oralidade_* em nossa histéria, assim como o reconhecimento de acontecimentos lingiiisticos (cf. E. Orlandi, 1993) que definiram nossa relago com a lingua e ao mesmo tempo definiram nossa historia (por exemplo a expul- sio dos jesuitas do Brasil ¢ a proibigdo da lingua geral nas escolas). Analisamos os instrumentos de jurisdigdo da lingua, aspectos da | oficializag&o de seu ensino, processos de censura, de regulamentagao,. i acordos, etc. Tratamos extensamente da questio da alfabetizagao no Brasil (desde Anchieta até nossos dias) e da relagao da escrita com a oralidade assim como da producdo de textos sobre a retdrica e seu papel na escola, relativamente a escrita. Dedicamos nossa pesquisa 4 observagao das lin- guas africanas’e as linguas(indfgenas)no Brasil e trabalhamos com os processos lingiiisticos elaborados pela imigragao. Com 0 desenvolvimento desse programa de trabalho, e considerando— gramaticas e diciondrios, em suas discursividades, como objetos histéri- cos em relagio ¢ com a hist6ria da ciéncia e da sociedade, pudemos im- plantar essa area de estudos de hist6ria da lingua nacional no Brasil as- simcomoa do conhecimento lingtifstico; pudemos ainda estabelecer novas metodologias de trabalho na 4rea da pesquisa da lingnagem e, finalmen- te, endo menos importante, re-definir esse campo de estudos, pela produ- do de subsidios para o ensino da lingua materna no Brasil. Alias, a partir dessas nossas pesquisas, fica claro que o sentido do que se cl deve ser ‘declinado de maneiras diferentes quando pen-, bre sua pureza, 17 J io) que sustenta,a KK Integrando, de forma sistematica, a pesquisa sobre caracteristicas da lingua (em sua relagao com suas concorrentes: 0 portugués de Portugal, as Ifnguas indigenas, as linguas africanas e as dos grandes movimentos migratérios ) com estudos histéricos (relatos de viagem em que esto inscritos dados da lingua, de acordos, da produgio de gramiticas, voca- buldrios, diciondrios, de decretos que uniformizam a nomenclatura gra- matical etc) pudemos estudar como a disputa por uma gramiatica matica & por uma literatura se articula ao projeto de organizagio da Nagao bri >< A possibilidade de unir conhecimento s\ a lingua e constituig&o da_ propria lingua nos da uma perspe ‘ica em relagdo ao movimento da ciéncia. Produzimos assim subsidios para os que, trabalhando com a descrigdo do portugués, terfio 4 sua disposigio reflexdes que permitem conhecer a formagio do portugués do Brasil como lingua nacional. Pode- se entio refletir como a unidade do Estado se materiali acon ins tancias institucionai Entre estas, a construgdo daGnidade da lingua)de um saber sobre ela ¢ os meios de seu ensino (a criagaio de Colégios e de Seus programas) ocupa uma posicao primordial/ A gramatica, e 0 dicio- io, enquanto objetos histéricos disponiveis para a sociedade brasileira sio lugares de construgao e de repr ‘esentagéo dessa(tinidade’ '¢ dessa iden- tidade (Lingua/N actio/Estado)] Mas nao paramos ai. Nesse livro, so alguns resultados dessa primeira fase de pesquisa coletiva que estéio documentados. Nossa pesquisa conti- nua, agora com o concurso de uma equipe da USP, coordenada pela profa Dra Diana Luz Pessoa de Barros. Nosso tema, agora, tem como centro, de um lado, a instalagéo dos estudos Lingitisticos no Brasil no século XX.e, de outro, as politicas puiblicas, o ensino e as normatividades. Desemboca- mos assim na institucionalizagao dos estudos lingiifsticos (da sintaxe, da significacdo, incluindo enunciagao e discurso), ao lado da filologia e da gramatica (E. Orlandi, 1999) e sobre _a produgao de politicas da linguaem, “nosso territério, observadas_as_quest6es de Pesquisamos entio a éria do ensino do portugués no Brasil onde nos interessam os saberes lingit ticos e suas praticas mas também.a fundagao fagdo dos Colégios s que de-. “yam ao cidadio brasileiro um perfil social definido. Toda histéria comega sempre antes: Quando escrevi Terra 4 Vista (1990), muitas dessas questGes estavam ali j4 contempladas. E um trecho deste livro, que foi utilizado na quarta capa marcava realmente um proje- to de maior félego. Dizia eu, entao: “Assim, se o brasileiro deve observar sua hist6ria necessariamente através do discurso europeu, uma aborda- gem critica deve lhe permitir atingir o lugar da produgéio desses efeitos de sentido para que ele possa compreender o deslocamento que preside a produciio de sua identidade (...) E para que 6 analista possa compreender 18 esse processo ele tem de tomar uma posigfio face a histéria das ciéncias”. Hoi esse compromisso que assumi. Nesse empreendimento, que se realiza com a responsabilidade de um conjunto de pesquisadores especialistas em estudos da linguagem, visa- mos compe reender a hist6: de nossas disciplinas no interior aa historia das partir desse c nhecimento, em nossas praticas do saber lingitfstico. O que é& uma(gramética ho século XIX eo que é hoje? Que forma deve tera gramiatica hoje, com o Estado brasileiro j4 constituido e em que a relagao nao é mais entre Brasileiros e Portugueses mas entre Brasileiros e Brasi- leiros (E. Orlandi, 1997a) em sua prépria lingua? Como deve ser um 1 Vicionario $e ja bemos que ele se apresenta, enquanto objeto historico, como um discurso sobre sua época e mostra o estado do conhecimento _/ lingiifstico de entio? ~ Para finalizar, no posso deixar de mencionar aqui meu mestre, res- ponsdvel pela criag&o da Lingiiistica na Universidade de Sio Paulo, o indo-europeista Dr. Theodor Henrique Maurer. Quando era sua aluna no primeiro curso de especializagao (depois transformado em péds-gradua- fio) em Lingitistica Geral, ministrado por ele na USP, em 1967, e ja iniciava meu trajeto académico como instrutora de Filologia Romanica nessa Universidade, ouvi dele uma critica 4 minha enorme admiragao ] por L. Hjelmslev, meu autor etn a entior “Nunca esquegai conheceré_ saber uma coisa no meio di ”. Era assim que ele me Iembrava uma forma de fazer Conhecimento, De cial histéria. Nao “fora” dela. Bé isto que estamos procurando fazer, em equipe. Eni P. Orlandi Campinas, Setembro de 2000. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS AUROUX, S. (1992). A Revolugdo Tecnolégica da Gramatizagao. Campinas, Ed. da Unicamp. . (1997). “La Realité de I'hyperlangue”. In: Langages, 127. Paris, Larousse. ORLANDI, EP. (1990). Terra a Vista. Sio Paulo, Cortez/Ed. da Unicamp. —___.. (1993). “A Lingua Brasileira”. In: Boletim, 14. Abralin, Sao Paulo. . (1996). “O Teatro da Identidade: a Pardédia como indice da Mistura das Linguas”, In: Interpretagéo. Petrépolis, Vozes. 19 . (1997). “Gramética, Gramatizagio e a Emergéncia das Primeiras Gramiticas Brasileiras”. In: Estudos da Linguagem: Limites Espacos. ASSEL, Rio de Janeiro. . (1997a). “O Estado, a Gramatica, a Autoria”. In: Rela- tos, 4. Campinas, HIL, Unicamp. 20 FORMAGAO DE UM ESPACO DE PRODUGAO LINGUISTICA: A GRAMATICA NO BRASIL Eni P. Orlandi Eduardo Guimardes DL/EL-Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) INTRODUGAO A articulago da histéria das idéias (teorias) lin; ticas com a hist6- ria da constituigao da lingua nacional traz novos elementos para- - preensao da gramitica e a explicagio da relag&o dalingua, Estado; Ela trabalha a ligagiio necessaria entre a unidade (formal)¢ aj diver sidade __(concreta)ino campo dos estudos da linguagem. Dhue Detm lado, a histéria das idéias lingiifsticas se produz nas Lol bes determinadas em que se inscreve a constituigdo da “Lingua nacional”. De outro, como a questo da “lingua nacional” deriva do dominio do Estado, a produgaio nbs metalingiifstico inscreve-se em um. 1 jOg0 complexo entre, o papel egislador do Estadoj}o papel regu lado: instrugao ea wadigo gramatical.) 2 dtropéio) wre Como se di esta articulagdo em um pafs da América do Sul de coloni- zag&o européia? 1 O PORTUGUES NO BRASIL O Brasil foi “‘descoberto” em 1500 mas akolonizagao] 6 comeca efeti- vamente em(1532X0m a instalagao dos Portugueses no Brasil. Desde en- tio, a lingua portuguesa, transportada (Orlandi, [993a) para o Brasil, co- mega a ser falada em um novo espaco-tempo. Estas novas condigdes de 21 of ced Que EASA funcionamento do Ne nao sao homogéneas ao Slonso dos séculos de inicio da colonizagao, os Portugueses tiveram relagdes diferentes com colonizagio. Podemos distinguir quatro momento diferentes de 1532 até o sua lingua no territorio brasileiro. ‘< fim do século XIX, momento em que o portugués se constitui em lingua Odese nacional no Brasil. uso dad ling ancas gena (a af FPO eros — (63,2. o~ 168 4 ’ seu progresso no processo de colonizagio. ooh _ 4-40 primeiro momento vai do inicio da colonizagiio até a.expulsio dos Assim como € dificil caracterizar 0 conjunto da populagio, é também 5" Holandeses em 1654, Durante este periodo a lingua portuguesa € falada por dificil atribuir um; ee ecifica A lingua q aa al disting uiria do portu- um pequeno ntimero de pessoas, notadamente por letrados, grandes proprie- ) _.gués de origem. Esta ining - é 0 primeiro tarios de terras (os Senhores de Engenho) e uma pequena minoria de funcio- »., \ indice da historicizaciio do portugués no pea etal Oquen woca em desvio narios. As linguas do: Indios predominam entéio com 0 uso de uma espécie ~“y na relagao com a evolucao lingiiistica em Portugal (Orlandi, 1993a). “/ de lingua franca, a “lingua. geral”' falada pela maioria da populacio. Os - A acio do Estado se faz sentir pela pratica colonizadora em geral mas “contadés entre Indios de diferentes tribos, entre Indios e Portugueses sao mais precisamente pela imposicio do ensino dé a_portuguesa na > ¢ feitos pela lingua geral. A colonizagiio portuguesa sofre entiioa concorréncia escola. E necessério aqui sublinhar a ago do Marqués de Pombal que. de outros projetos coloniais como o dos holandeses que entram em confronto ~~) proibiu o ensino das linguas indfgenas nas escolas dos Jesuitas ¢ que. iN lingiifstico com 0 portugués. Mas no decorrer deste periodo, o portugués.¢ tornou obrigatério o ensino do portugués’, ensinado nas escolas catélicas e empregado em documentos oficiais, de tal_ Neste novo espago- fempo © portugués é a uma sé vez a ‘lingua do” ~~ ‘modo que que ele parece coma lingua de Estado. Estado alingua dominante) \- (~"Mas havia uma forte predominancia de I Indios e Negros ao lado de ag / uma populagio euro] ‘Um recenseamento feito por Anchieta em 1538 1.3 Umi tetceiro momento comega com a chegado da familia real por- "| nos diz que havia no Brasil, nas regides do Sul (Estado de Sao Paulo), tuguesa no Brasil, terminando enl80 data na qual a questo da lingua { numa populagio de 57.000 habitantes, 25.000 brancos, 18.000 indios e portuguesa como lingua nacional 10Brasil € oficialmente formulada. | 14.000 Negros. Estas populagGes falavam a lingua geral. A vinda da familia real portuguesa para o Brasil desloca em torno de a a 15.000 Portugueses para a nova sede da Coroa portuguesa.-Este aconte- 1.2 Um segundo momento vai de\ 1654)a (1308) data da chegada da_ ciménto vai mudar as relagGes entre as linguas faladas no Rio de Janeiro. _familia real portuguesa ao Brel “quando da invasio de Portugal por Além disso, 0 reDom Joao VIferiou, neste momento, a imprensa no_ >< ~Napoleao. ane, edoVot aA 2 omen dou a Biblioteca Nacional, instituigiio cujo papel serd funda- Coma expulsio sod EES os Portugueses tomaram efetivamente mental na vida cultur, telecutal brasileira até hoje. posse do territério e com o crescimento de sua agiio colonizadora o ntimero Resulta disso um(feitd)de unidade do portugués no Brasil,)O portu- dos Portugueses no Brasil cresce, aumentando ao mesmo tempo o ntimero ~~) gués 6a lingua do Rei cujo governo tem sede no Ric Rio de Janeiro, entao - dos que falavam o portugués. A relacdo entre 0 portugués, lirigua da colo- , capital do Reino Portugués. eas diferentes Tinguas faladas no Brasil € entéo modificada. A mudanga deve-se muito a chegada crescente de Portugueses mas 1.4.0 quarto momento comega. em(l 826)quatro anos depois da Indepen- também. mn de Negros, ou seja, a ‘ao desenvolvimento da escravidao no Brasil. déncia do Brasil, proclamada em 1822, Em 1826, um deputado propés que > ) No século XVI,100.000 Negros-sio_trazidos para o Brasil, sendo que, _ , 0s diplomas dos médicos no Brasil fossem redigidos em linguagem brasilei- 7 4 hoséculoXVIL, este néimero atinge 600.000 e 1.300.000 no século XVIII. “ra. No ano se} uinte, depois de Jongas discusses que se seguiram a essa_ A medida que aumenta a escraviddo aumentam também os contatos entre emensinaralerea Saescte-,, os locutores das linguas africanas e os que falam o portugués. r d atica dain iL JAssim, ao se colocar a ques- Por outro lado, os Portugueses que chegam ao Brasil vém de diferen- i fic. tes regides de Portugal. Assim, uma grande variedade regional de falares portugueses dividem o mesmo espago de comunicagao no Brasil. Desde o SFE Waste, tonne ds Merion’ 1. Cf. aqui mesmo, Borges. 3, Sobre este assunto ver Os Sentidos do Idioma Nacional (Dias, 1996). 22 23 O que est4 em questiio, nao é somente a predominancia de uma lingua _. sobre as outras, nem esto da lingua do Estado, mas a lingua ‘é enquanto signo de facionalidade) ou seja, em sua relagao com ' ““€neste sentido que sera percebida a diferenga da lingua no Brasil em relagao a lingua em Portugal. z gy A_questio da lingua nacional esté ligada aqui ao processo de Gramatizagio? brasileira do portugués que € posto em curso a partir da segunda metade do século XLX, Desde entio o Brasil tem seus préprios instrumentos lingiifsticos de gramatizacag, diferentes dos de P wtugal. A _gramatizagio brasileira aparece como umnovo elemento constitutivo deste outro espago de produgao lingiiistica (Guimaraes, 1994. E. Orlandi, 1997). Tomando a definigao de hiperling' uae S. Auroux (1994), podemos con- siderar que o portugués do Brasil inclui a partir de 1830 a questo da lingua nacional em virtude do processo brasileiro de gramatizagio de que y falamos acima. ~ vite 2B : C Wo® Wns pleutlos Lomuncdacies cam Cale ©) 248 GRAMATICA BRASILEIRA NO FINAL “* DO SECULO XIX No final do século XIX, hé uma proliferagio de trabalhos brasileiros _para dar um lugar explicito a su vida intelectual; constituigao das disci- | plinas e de um ensino escolar, publicagées nos dominios da lingua e da literatura. A gramdatica é um destes objetos que. consciente ou inconsci- entementé, os intelectuais desta época produziram visando formar Brasi- Teiros emuma. sociedade em qui aber ti Com relagiio a lingua nao se trata somente de saber a lingua que se fala mas de construir _um aparelho institucional (tecnologia cientifica e instituigdes) para queo_ Brasil saiba que ele sabe sua lingua. K neste sentido que o processo de ramatizacao brasileira do portugués faz_parte de um novo espago d roducao lingitistica, © que caracteriza esta nova instrumentagao nfo é necessariamente 0 fato de que a gramatica no Brasil seja uma outra gramatica; é essencial- mente_o processo segundo o.gual.a gramitica no Brasil se distancia do. modelo da gramatica filosdfica do portugués Jerdnimo Soares Barbosa, em particular, e da tradigao tical portuguesa em geral. Formulada | ‘pelos ‘gramaticos que iniciaram a gramatizagao brasileira do portugués, £ no final do século XIX, este processo est4 ligado ao ensino da lingua portuguesa no Brasil como veremos a seguir. 4, “Por gramatizagao deve-se compreender o processo que conduz.a deserever uma lingua na base de duas tecnologias ainda hoje os pilares de nosso saber metalingiffstico: a gramatica io” (Auroux, 1992). vy o 2.1 O Ensino do portugués no Brasil ea gramatizacao © processo de gramatizagio brasileiro é fortemente marcado, de um lado, pela relaga Brasi asidéias filosdficz i S de outros paises diferentes de Portugal e, de outro, pelainstituicdéo escos lar brasileira que foi posta em funcionamento.a partir da fundaciio-do, asileia | “Um fato decisivo neste processo de gramatizagio b - solicitagao do Diretor Geral da Instruga: série de gramaticas aparecem como resposta a esta solicitagao. Blas res- peitam as instrugdes do programa e dizem querer romper com a tradigio portuguesa da gramatica filosofica. ¢ 2) a) Alguns Aspectos do Programa de Fausto Barreto O programa’ se organiza em torno de 46 itens. Os 5 primeiros tratam de “observagées gerais sobre 0 que se compreende por gramiatica geral, por gramatica histérica ou comparativa e por gramética descritiva ou expositiva,/Objeto da _gramatica portuguesa e divisiio de seu_estudo. Fonologiaf os sons e as letras; classificagao dos sons ¢ das letras; vogai grupos vocdlicos; consoantes; grupos consoninticos; silaba; grupos silé- bicos; vocdbulos; notagao lexicais. O item 6 ‘compreende | Moroloziay estrutura da palavra; raiz; tema; terminagao, afixos; do sentido das pala- /Wras deduzidos dos elementos morfolégicos que os constituem; desenvol- vimento dos novos sentidos das palavras”. Ositens 7 a 11 dizem respeito aslclasses de palavras) O item 12 trata do “Grupos de palavras por fami- 4lias e por associagao de idéias. Dos sindnimos, dos homénimos e dos parénimos”. Os itens de 17 a 20 tém por objeto a formagdo das palavras os itens 21 a 28 a etimologia portuguesa. Os itens 30 a 41 tratam da sintaxe) O item 41 trata da colocacio das pronomes péssoais}(este é um ‘elemento constante das discussées que incidem sobre as diferengas.entre © portugués do B, asil e o de Portugal). Os itens 42 a 46 tratam da retori- b) O que diziam os gramiticos da'época sobre este programa Jiilio Ribeiro disse em seu jornal Procellarias que o Programa se fez sobre bases cientificas e acrescenta: “Nao se pode negar, o Programa é cientificamente organizado sobre as bases sélidas da ciéncia da lingua- 5, O Colégio Pedro Il foi criado em 2 de dezembro de 1837 pela transformagao do Semit Siio Joaquim. 6. Os exames preparatérios eram uma condigZo para a entrada nos cursos universitérios. 7. O programa que consultamos foi publicado por Jilio Ribeiro no seu livro Procellarias (887) em que cle renniu texto que tinha publicado no jornal de mesmo nome. 25 gem” (Julio Ribeiro, 1887, 92). Para sustentar sua argumentagao, ele ressalta que o programa distingue lexicologia e sintaxe como partes da gramética, em conseqiiéncia a ortografia nao é mais considerada como uma parte aut6noma. Por outro lado, cle mostra que, no Programa, a thorfologia nao depende da etimologia. Assim se justifica 0 fato de que se propoe o estudo dos grupos de palavra por familia e por associagdo de idéias (id., 93). Analisemos agora a posigiio de Maximino Maciel, que apresenta 0 argumento do “novo” no processo de gramatizacao brasileiro, argumento que também esté na base dos comentarios de Jtilio Ribeiro (1881) a que fizemos referéncia acima. Maximino Maciel publicara em 1887 sua Grammatica Analytica, reeditada como Grammatica Descriptiva com um apéndice intitulado “Breve Retrospecto sobre o Ensino da Lingua Portugeza”. Maximino Maciel (1894) diz j no inicio que “em 1887, a ciéncia da linguagem passa por uma transi¢io”, i para Julio Ribeiro, o método histérico-compara 1D I “qqitigios gramaticos portugueses Soares Barbosa, Bento de Oliveria, Lage e outros”. Conseqiientemente, diz ele, “muitos professores que seguiam os fildlogos estrangeiros dedicaram-se a difundir as novas doutrinas seja no ensino privado seja em diversas publicag6es”. Eles contribufam assim para abrir o caminho as novas formas de estudo. Fausto Barreto era 0 centro deste grupos ao qual pertenciam igualmente Hemetério dos San- tos, Alfredo Gomes, Joao Ribeiro, Pacheco Silva, Lameira de Andrade, Said Alie era a partir dele “que irradiavam as linhas gerais” (idem, 501). Fausto Barreto era professor no Colégio Pedro I ¢ esta posigao favore- cia a difusio do programa e a formulagiio das novas doutrinas. Maximino Maciel acresce ainda que “este programa marcou uma nova_ época no ensino das lingua e emancipou o verndculo das doutrinas retr6- ‘Bradas dos autores portugueses que eram adotados”” idem, 502). Ao mes- “jho tempo, diz-cle, “a partir desté programa varias graméticas aparece- tam, como as de Joao Ribeiro, Pacheco Silva e Lameira de Andrade (ja “citada) ou ainda como a fredo Gomes. As gramaticas de Joao Ribei-_ 10 e Alfredo Gomes eram utilizadas sobretudo para 0 ensino, a de Lameira ‘de Andrade e de Pacheco Silva para consulta” (idem, 504). Assim “hou- e.com a publicagéo do Programa. emGss7>um renascimento dos estu- dos da lingua verndcula: na imprensa, no ensino privado, esclaréciam-s¢ fatos da lingua & luz das novas ‘doutrinas’ (idem, 504). 2.2 Os nomes das gramaticas O argumento do “novo” coloca no plano da lingua a questio da diferenca entre a lingua falada no Brasil e em Portugal. No final do 26 en século XIX, os titulos das gramati enyolyi s.estudos. | ramaticais se inscrevem em um. rocesso de gramatizagao que cri espaco da diferenga com a lingua de Portugal sem no entanto atentar GOiitra a unidade com Portugal. A gramatica.de.[élio Ribeiro, um dos iniciadores da gramatizacdo. brasileira do portugués, tem. como. tit zrammatic , tal eJuma “Como a gramatica de Jo&o Ribeiro. Este titulo tuncion ‘ano da publicagao da gramitica de Joao Ribeiro, a GrammaticadaLingua, a partind P posigdo de denominacao arca a relago com Portugal. Em Portuguesa de Pacheco Silva.e Lameira d de introduz,a palawra “[ingua” no titulo, deslocando assim emaneiraa qualificar de “p 5 itica mas pago paraad {eterminaciio“do Brasil’) E necessario também, no campo. lexicologia e da lexicografia, prestar atengdo a0 nome do Dicionario a eug-Partuguesa.de Antonio Joaquim de Macedo Soa-. e que retoma uma posicdo j4 anunciada pelo “Vocabulario Brasileito para servir de Complemento dos Diciondrios de Lingua Portugueza de Bras da Costa Ri da lingua Nacional, A posicio de denominagao evita a discussaio do “nome da lingua e coloca a especificidade da lingua no Brasil pelo sintagma “Jingua nacional”. Tamesma posi¢io tomada por Fausto Barreto ¢ Carlos ) no titulo dado a um dos manuais ilizado i ‘ileiro: Antologia N Ce ee errr aes sta questéio adquire todo seu interesse quando se observa a posi¢aéo a artir da qual foram dados os titulos as gramiticas atuais. E. Bechara chama sua gramatica de Moderna Gramdtica Portuguesa. Ade- (erminagao “moderna” implica a tnidade do portugues: a lingua é sel ne Amesma, a pramatica ¢ que ¢ modema, A gramatica de Celso Cunha (1970) = Gramiatica do Portugués Contemporaneo — reivindica 0 cara- (er universal da lingua portuguesa (Gramatica do Portugués). e coloca a questiio de sua Ynidad® hoje (contemporaneo). Ele restitui esta unidade na diferenga das épocas. Isto é tanto mais significativo se se observa que em seguida Celso Cunha (brasileiro) publica com o portugués Lindle} Cintra uma gramatica intitulada Nova Gramdtica do Portugués ‘onteporaneo.. A. unidade € aqui mostrada pela alianca de dois autores: um Portugués e um Brasileiro, 0 nento do “novo”. igfio assim comoa.a fio da nidade_lingiiistica com Portugal, sto, pois, os dois pontos fortes day amatiz cio brasileira no final do século XIX. E neste contexto que a | 27 nogao de “autor” toma sentido como nogio fundamental ps a Para iaeee brasileira, O novo e.a afirmaciio de unidade nao so contraditérios,. Sao, _meios de referir a existéncia de u ma, fungdo-aut O- autor-bi bre rasileiro sileiro da gramdtica, ‘que distin gue a gramatizacio l, “““Além disso, os diferentes au 7: no século XIX — so também professores, escritores, historiadores ou jornalistas, ocupan- do assim uma dupla posigéo institucional. E pois de mais de um lugar que eles operam na produgio dos efeitos de sentido da brasilidade. Joao. Ribeiro éno momento um dos historiados mais significativos do Brasil, Ele rompeu com uma certa tradi¢o lusitana que se limitava a histéria dos fatos administrativos e politicos. Ele introduz uma outra forma — resultante da filiagdo alema (a Kulturgeschichte) ~ que privilegia a hist6- tia do povo, da cultura, permitindo ao brasileiro se representar e se dizer _de uma outra maneira, ._que no a insiaurada pela historia portuguesa, portuguesa, Julio Ribeiro é muito conhecido como autor do mais importante romance naturalista no Brasil (A Carne), o que lhe confere uma posi¢do singular. em relagio a literatura que se faz em Portugal. Estas diferentes posicGes de autores significam implicitamente se a lingua, a hist6ria, a literatura, lesempenham, a partir de um mesmo lu ugar, uM pay _Brasil No entanto, para que se tome consciéncia desta situagdo, é neces- ~ Sario eSperar que o trabalho intelectual se institucionalize. Com efeito, & pela Escola, pelos debates, manuais, publicagdes em geral que se formu- Jara esta relagiio da ciéncia e da lingua com a ee da Nagiio. A. » politica intervird coma proclamagiiod publi ie erica mente com nite las 10 a lingua, se _ = a (NGB). Bs ee aca foi’ estabel eae Bs por um, Ministério da Educagao e da Cultura e tornou obrigatéria (oficial) para oensino no Brasil uma nomenclatura (fixa) dos fatos gramaticais: par- tes da gramitica, classes das palavras, etc. Esta Nomenclatura decreta- gramaticos. Estes nao falam mais dos fatos da linguagem, eles repetem uma nomenclatura que lhes foi oficialmente imposta. 2.3 A Definicao e as filiacdes das gramaticas brasileiras O que acontece com as filiagdes reivindicadas neste processo de explicitagao de uma fungdo-autor-brasileiro- -gramatico? Em que espago Os graméaticos constréem a gramdtica? Para responder a estas questées, vamos estudar segundo que procedimentos certos gramaticos brasileiros 28 qe SW Gramiatica Geral: a que expde os prinelpi definiam a gramatica, no final do século XIX, e quais sao suas filiagdes ilical mesmo que por vezes estas nfo correspondam a Julio Ribeiro, de Sao Paulo, professor do Colégio Culto 4 Ciéncia. de Campinas, representa a tendéncia da Gramatica Filosofica na sua lista. Ele considera que os estudos gramaticais como os do imo Soares Barbosa derivam de uma metafisicae propte a san auma exposi¢do dos fatos (ele cita Whitney): “a_ a dos fatos da linguagem” (1881, 1).Ele,, acrescenta as nao formula leis regras, mas “expée seus fatos. ordenados aneira a que possam ser mais facilmente aprendidgs’’(id.) \ Niilio Ribeiro ter, HO muito nitida com a gramitica filos6fi- “i, na tendéncia de’ “a linguagem é a expressao do pensa- mento por meio dos sons articulados” (1881, 2), distinguindo os tipos de graméticas como segue: a) Gramatica geral: exposicao metédica dos fa- tos da linguagem em geral; b) gramatica particular; exposigéo metédica dos fatos de uma lingua determinadat; c) gramatica portuguesa: exposi- ¢iio metédica dos fatos da lingua portuguesa. B importante observar que Jili i aa i > bom uso por seus bons radores ou pela gramatica: “ouvindo bons or: “dores, falando com pessoas instruidas, lendo textos de livros bem escri- tos, muitas pessoas chégam a falar bem ea escrever corretamente sem ter seguido curso de gramatica, Nao-se pode negar no entanto que as regras do bom uso da lingua expostas como elas o sio nas graméticas tornam mais facil a aprendizagem’ (1881, 1). fi b) Joao Ribeiro, Professor de Histéria no Colégio Pedro II no Rio de _Janeiro, define a gramatica como “a coordenacdo € aemposicaa das re- gras da linguagem’ (1887, 9). Como Julio Ribeiro fala d gem ¢ Joao Ribeiro fala de regras, poder-se-ia pensar que a ernie de Jofio Ribeiro é mais formal que a de Jiilio Ribeiro, que leva em conta a diversidade dos fatos,, No entanto nao é bem assim. Com efeito, Joao Ribeiro, mesmo privilegiando a nogio de regra na sua definigio, acrescenta que “é necessdrio no entanto compreender que rqniio ha, propriamente falando, leis como queriam os neogramiticos (...). if As leis representam sobretudo as tendéncias em um grupo étnico e \ lingitistico dado” (1887, 9). a ee ressalta 6 é sua filiagio a}gramatica pram Ele distingue: “a) a linguagem (0 an- “igo conceito da gramética filos6fica); b) a Gramatica Particulay: a que expe os principios e as particularidades especiais de-um. idioma; c) a _ Gramiatica Historica: a que estuda os fatos de lingua nos seus diferentes 29 dos, desde sua origem até a época atual e d) a.Gramatica Compara; é hoje a verdadeira Gramatica Geral, a que estuda os fatos _pett d ‘comuns ou diferentes em grupos de Ifnguas que téma mesma origem”. Joao Ribeiro explicita diretamente sua filiagAo: ‘a gramatica geral ou filosGfica, de valor antigo, jd caiu no esquecimento. anto “esteril quando se funda nos conceitos de historia ¢ de comparagao hoj _indispensaveis.a Iinguas”. Além disso ele considera ior de falarea _tas1887, 10). ’ ¥ necessdrio ainda mencionar Maximino Maciel. E ele ques introduz_ explicitamente a nogiio de norma na definigao da gramé sil, Segundo M. Maciel (1894, 1) “a gramatica é a sistematizag: ica dos fatos c das normas de uma lingua qualquer’. O que nao significa que os outros gramaticos tenham negligenciado a nogao de norma. 2.4 Léxico, sentido, lingua nacional Nesta rede de filiagdes, o argumento do “novo” trabalha também 9 confronto das tradicdes, Assim, a consideragio dos_brasileirismos na. ramdtica da Lingua portugueza de Pacheco Silva e] de Andrade sublinha, no scio mesmo da gramitica, uma diferenca entre o Brasil ¢ Ul. Esta gramatica inscreve-se na linha da gramatica de Joao beiro. Publicada sob a influéncia do Programa para os Exames Preparat6ri- os, a gramatica de Pacheco Silvae Lameira de Andrade inclui um desen- volvimento sobre o léxico em que aparecem as diferencas entre o portu- gués do Brasil e o de Portugal. Esta caracterizaciio do portugués do Brasil pelo Jéxico ja.¢ cepti- Q XIX,cm um texto do Visconde de “brasileirismos”. O francés funcioiracomo uma espécie de metalingua; para caracterizar a diferenga lingilistica entre o Brasil e Portugal, como um dos fatores de separacio entre a antiga colénia e sua metropole. Se; _xgundo o Visconde de Pedsa Branca o portugués do Brasil apresenta duas diferengas com relacdo ao de Portugal: a) o portugués do Brasil é mais. : doce noritme; b) o portugués do Brasil compreende “palavras que muda- Ti ted id vras, na verdade vai ‘am completameiite de sentido” ¢, além. das pala’ ‘varias. 2 30 \ expresses que néio existem na lingua portuguesa e que foram atribuidas “aos indios portadas para o Brasil por habitantes de outras col6nias... portuguesas.. Como apoio a sua tese, ele apresenta duas listas de palavras: uma lista das palavras que tém sentido diferente e uma outra que indica as palavras usadas no Brasil mas que sao desconhecidas em Portugal. Eis alguns exemplos da primeira lista: Mots Significagao em Portugal Significagao no Brasil ” Chacota Chanson grivoise. Moquerie Sotio Souterrain Mansarde Vejamos agora alguns exemplo da segunda lista: Capeta Lutin Yaid Demoiselle Batuque Danse de Négres Este género de dado estd na base do trabalho de varios lexicégrafos do final do século XTX no Brasil tal como Macedo Soares e Baptista Caetano. E necessério_ incluir ai també i 2 Grammatica Histériadc da Lingua Portugueza (18 intr incianismas, dos brasileirismos, dos indigenismos e dos africanismos, Cifemos alguns exemplos tomados por Pacheco Silva. Primeiro, pala- vras que tém sentidos diferentes no Brasil em Portugal: zi Portugal Brasil Faceira Carnes das faces do boi Mulher casquilha Xacara Romance Casa de campo, arrebalde A seguir exemplos de palavras que s6 existiam no Brasil: Aipim Mandioca (Rio de Janeiro) Amolar Enfadar alguém Batuque Danga de Negros Boquinha Beijo A lista recorre seja a um sinénimo supostamente comum, seja a uma definigio em portugués do Brasil. O gramitico trabalha aqui no interior da Ifngua mostrando a variagdo: aipim e mandioca (Rio de Janeiro), os 31 dois utilizados no Brasil. Diferentemente do Visconde de Pedra Branca, Desde entio o estudo di do port ugués como. wa nacional eca a Pacheco Silv. irige a Brasileiros. Podemos reconhecer aqui um trago influcnciar ¢ constituiczo. iifsticas no Brasil, Antes a ques- de panes Y a ip regoupal Ges lingitisticas brasileiras e, a eee tempo, a (io da Lingua néo era sen’o uma forma de apropriagéo do Brasil por. Portugal, Sarat A maa Ht ‘necessario oe 1 Outro lado observar que a questao da diferenga im- plica sempre questées de sentido: 0 importante nao é dizer simplesmente > ha unc oe a t. que ha uma nova palavra mas que a palavra significa e que ela significa j D or outro, lado, odes se dizer g que a. da lingua nacional no A. TE a ee s amati Gio do “novo’ o” comrelagao a Tingua falada em Portugal. Suste niandoa idea de que a iamatizactod cum iny gua. =uma parte da, arte da esta lingua, podemos afirmar que as \tecnologias lingitistic: ticas|, somente os rodutos de um saber mas ‘que. jas contribuem para, " 3 GRAMATIZAGAO E IDENTIDADE LINGUISTICA ~ fatos da lingua Quando falamos das idéias lingiiisticas, referimo-nos a definicaio da “Pela ena dos materiais a partir dos quais se constréem os ins- >» Iingua, 4 construgio de um saber sobre a lingua..a producao de instru- (umentos lingiiisticos desde a descoberta (século XVI) até os jesuitas e mentos tecnolégicos que Ihe sao ligados ¢ também a sua relacdo coma | Yantes (séculos XVII e XIX) pode-se observar © processo seguinte. L6ria do © povo que a fala, c No presente caso trata-se da hist6ria das idéias lingiiisticas nas condi- Ges préprias 4 histdria brasileira: uma.colénia portuguesa que torna-se Estado independente no inicio do século XIX. Como dissemos, concebe- instrumentos tecnolégicos da gramatizagao do portugués brasileiro /no sentido em que este termo € definido por S. Auroux (1992, 65). Ora a, struciio das tecnologias faz parte da histéria de uma _sociedade. iv Ms coneiaose sone unciativa portu guesa (situagio J). Mas como gicos, podemos compreen- i estamos no Brasil, este deslocamente utros contornos para a enunciagao. dade rasileira construiu-se. A diferenga torna-se cada vez mais uma diferenca da ordem da a lingua | I a de.sua institucionalizacao, (relagio nom nome/nome) e nao de relacio nome/coisa, {Disto resulta 0 taba : temos meios para compreender como uma sociedade, constituindo um noyo lho de classificagao, de fixagao, de organizagao ‘das listas de palavras, de sspaco politico-social, se dé uma consciéncia histérica de sua lingua, neste definigdes (Maziére, 1994, J.H. Nunes, 1996). hy caso o portugués dos brasileiros./ Nesta conjuntura enunciativa, o portugués “transportado” acaba por Nossa abordagem nos conduz assim a levar em consideragao, em nos- so estudo lingiiistico do Brasil, o fato de que a questo da lingua é primei ro colocada a propésito da evangelizacaa. A primeira iniciativa de andli- ses lingiifsticas foi o da gramatizagio de uma lingua indigena®. estabelecer no seu proprio espago de enunciagao uma Ouira relacao pala- yra-coisa cuja ambivaléncia se traduz pela distincao: na Europa/no Bra- Um espago de interpretagdo comega a se construir com deslizamentos ntido, efeitos metaféricos diferentes entre o portugués do Brasil [eO- Nenticda secunda metadedo século(XIX)como dissemos acima, de Portugal. Produzem-se assim ‘ “transferéncias”.’ fe studos de lin nguagem no Brasil tornam-se_uma tarefa brasileira, oS (uestiio néio Sendo mais ado portugués mas a.do partugués do Brasil. 9, Esta distingdo entre “transporte” e “transferéncia” é unt distingdo discursiva proposta por E, Orlandi (1993p): nao é sendo quando ha trabalho da meméria local, do saber discursivo 8. A primeiragramética no Brasil foi a Arte de Gramdtica da Lingua mais Usada na Costa produzindo deslizamentos historicizados, que temos transferéncia. Caso contrério temos do Brasil de José de Anchieta. Bra uma gramétgica do tupi feita no século XVI como apenas o transporte de processos de significagio que no se inscrevem na historia, crista- instrumento para ensinar o tupi ¢ tornar mais fiiceis as relagdes com os Indios no trabalho lizando situagGes discursivas e sentidos. Isso diz respeito & materialidade discursiva que de catequese, produz efeitos de sentido diferenciados ou nao. BZ 33 0/ dL § Fz. 7 A desterritorizalizagao do portugués de Portugal desloca com efeito Diante desta realidade ambivalente, ha configuragiio de novas situa- seu campo de validade inicial eo destitui de sua posigao amt com Ges enunciativas, itlagao De novo, emum movimento de saber paralelo ao precedente, a constru- ( 10 universalizante. Por sua hi i utro territdrio, 0 cao discursiva do referente cede seu lugar a distingao, A Glassiticagso: Em i ) Brasil, o processo.de constituicgdo da lingua portuguesa se wel nao a outros termos, a opera¢: 5 1 um model Atico exterior a Seu. campo de yalidade, mas a seu_uso real. pratica conceptial nome nome (lista de nomes, vdiciondtios monolingiies. ! ) CHL novo espaco- tem Li Mm. etc. i) que da a lingua praticada nestas condicées — situacdo enunciativa II — “umregime de Tuncionamento outro mas igualmente dominado pela relagéo unidade/diversidade: a unidade aqui nao refere 0 portugués do Brasil ao de’ Portugal mas as variedades existentes no Brasil, A unidade necessaria do portugues brasileiro referido a seu funciona- mento hist6rico determinada é uma marca de sua singular idade. | Nestas condig6es, a variacao nao tem como referencia Portugal mas a -adiver sidade concreta produzida neste outro territorio, este novo espaco de linguagem. 4s, etc, Este reconhecimento é 0 proprio da constituig¢fo da unidade do Podemos fazer intervir aqui a nocao de hiperlingua(S. Auroux, 1994), pot ue ués brasileiro, compreendida como um4 espaco de circulagiio, como a de lingua fluida'? A ambivaléncia do processo de unificagao do portugués brasileiro sublinhando a historicidade presente nesta nogio e introduzindo a dimen- mostra bem, no jogo entre unidade/diversidade, o jogo da relacdo entre a cultura ocident sao discursiva (nao da lingua mas na lingua). Esta definigao encontra eco a. ciéncia £sua instituicd tura nao gcide nes Seti fe condictes, significa ter direito 4 universalidade, ter direito 4 uni- dade (imagindria) constitutiva de toda identidade. Por outro lado, falar dos “usos variados” é defender uma “‘outra’’ lingua, Com efeito, uma vez conquistado o direito a unidade, imediatamente recomeca-se a econhe-~ s variedades:/a influéncia da lingua dos indios, das linguas africa- sobretudo em um_dos lingiiistas brasileiros mais interessantes, iniciador de F dita exética, A unida irde uma toda uma tradicao lingiiistica brasileira. Trata-se de Mattoso Camara (1970) ‘Tingua ocidental instrumentada ( leuma escri its) vendo uma filiagio, que diz: “as diferengas com relagao a lingua standard entre 0 Brasil e Por- (0 latim) que a legitima na sua relagdo com outras linguas (as linguz S tugal (...) resultam essencialmente do fato de que a lingua se falaem dois, latinas) no. conjunto lingiiistico ocidental (cf. 0 indo-europeu), Isto ja é territorios nacionais distintos e separados”. Ele tinha assim jé afirmado a lima garantia cientifica para a gramética brasileira que reivindica uma importancia da materialidade hist6rica do territ6rio, a geografia material particularidade lingitistica gramatical. Dito de outro modo, seu trabalho do pajs sendo parte da determinagao da historicidade da lingua sobre a lingua se inscreve no interior da histéria cientifica ocidental. Por Com relagiio a situagaio do portugué brasileiro, podemos dizer que a outro lado, o fato do portugués ter esta histéria seguramente contribuiu extensio deste espaco, esta desterritorializagao do” portugués, se faz por para a impossibilidade da lingua geral de se apresentar como uma alter- praticas que instituem:o que estamos chamando “‘diferente situagi nativa histérica real na_construga: asil, uma nagao com_sua_ unidade lingiiistica e sua legitimidade Fastitrcionls puunciativa’ Para compreender bem 0 sentido deste percurso 4 GRAMATICA E POLITICA LINGUISTICA, historicizagdo da lingua — é necessdrio considerar_o funcignamento discursivo e ‘fo -somente as-regras formals. Mais uma vez, podemos dizer que nao s4o os aspectos empiricos ou abstratos que nos fazem com- preender este fato mas a-materialidade, a historicidade da Ifngua (B. A forma hist6rica dos sujeitos e da sociedade se definemnasxelagies.. Orlandi, 1993a, 1997a). re Lingua, Ciéncia e Politica, Ao mesmo tempo ¢ que a lingitistica.se,) Tudo isto nos permite dizer que 0 portugués-brasileiro nao se limi- constitui_ como ciéncia, a questdo da lingua é afetada pela relagio.do. " ta 4 “contextualizacio” (efeito pragmatico) do portugués de Portugal - sujeito com. tado. As politicas gerais de um pais manifestam esta: (tendo este uma literalidade original), no Brasil. O por tugués brasilei- relagio cuja forma mais visivel 6 a formulagao especifica das Poli- ro é uma historicizagao singular, efeito da instauragao de um espaco- ticas Lingiifsticas: as invasGes, as exclus6es, as hierarquias. A nogao de_ politi lingiistica adquire aqui um outro sentido, Quando se define que ie conga da “lingua imaginéria” construida como objeto fixado pela gramética, a “Iingua ) Alingua s, com que estatuto ou quando se determina este ou estd em constante mudanga, eminentemente tomada na historicidade e no movimento. f Inc do. de acesso a esta lingua — pelo ensino, pela produgao dos i ae 35 ( tos lingitisticos, pela leitura das publicag6es, pelos rituais de linguagem, \ pela legitimidade dos acordos, pela construcao das instituigdes lingiifsti- } £as— ‘praticamos concomitantemente diferentes formas de politica da lin- / gua. Ao mesmo tempo, para identificar esta lingua, prod imos uM sa-_ 4 ber, uma andlise que Ihe garante uma configuracao singular, \ Com efeito, nao ha politica lingiifstica sem gramiatica ¢, inverso, a forma da gramatica define a i relagdo com a lingua/a relagio com as linguas). CONCLUSAO Nao ha continuidade direta entre estas abordagens da lingua no Bra- sil, no século XIX, e a Lingiiistica tal como se constitui como disciplina cientifica com Saussure e sua constituigao mais tarde no Brasil”. Mas ha, J4_um trabalho de filiagdes que prepara o terreno | instalagfio da_ lingiiistica e ha soe um. trabalho de institucionalizacao d. relacao_ do sujeito brasileiro com a lingua ao mesmo tempo em que s . os lugares de representacao de saberes (escola, gramatica, manuais, ratura) em nossa sociedade. A escrita, os saberes sobre a lingua e a iden- tificagao com uma lingua nacional so decisivos para a forma institucional jue se dao nossa sociedade e nossa politica. Assim podemos dizer que — mesmo de maneira indireta e nao numa relagio de causa e efeito — a explicitagdo da relacdo sujeito-lingua pela instituigao escolar e a produ- cao das graméticas Ihe dé um estatuto cientifico, E um momento decisivo ao Mesmo tempo para a constitui¢géo da forma histérica do sujeito brasi- Jeiro (um sujeito que tem uma Jingua e que conhece sua lingua) e para o estabelecimento da Lingiifstica. ici No Brasil, no final do século XIX, 0 projeto de uma gramitica brasi- leira do portugués € reivindicadg nao somente pelos gramiticos fiéis & tradigdo da gramitica filos6fica mas sobretudo pelos filélogos vindos da filiagdo a gramatica hist6rico-comparativa, Estes gramaticos produzem, a partir deste momento, um conhecimento da lingua que sera substituido pouco a pouco pelo estudo da lingiistica, Esta mudanca sé acentia a -paitie doo moe ISS quaada.o est nurse de Mattoso Camara abre o_ caminho para a gramdtica descritiva (cf. seu Estrutura da Lingua Portu- guesa, 1970). E € entao que a NGB ¢ instituida, acontecimento que mar- ca_ uma mudanca fundamental na normalizacao da lingua no Brasil. A homogeneizagio da terminologia atinge também as discussoes dos gramaticos. io da lingua n&o, é mais s6_da competéncia 11, Lembremos que o Curso de Letras € institufdo no Brasil nos anos 30). que a lingiifstica sé entra oficialmente na universidade nos anos 60, a p6s-graduagao datando de 1968. 36 gvamiatico, cla torna-se uma questio dos Jingilistas. Desde entio, a Lin- gistica intervém na produgao das gramaticas do-portugués no Brasil, o que nao é sem conseqiiéncia para a discussao das diferengas entre o por- tugués do Brasil ¢ o de Portugal. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS AUROUX, S. (1992). A Revolugdo Tecnolégica da Gramatizagéo. Campinas, Rd. da Unicamp. . (1994). “A Hiperlingua e a Externalidade da Referén- cia”. In: Gestos de Leitura. Campinas, Ed. da Unicamp. BECHARA, E. (1968). Moderna Gramdtica Portuguésa. Si0 Paulo. Nacional. HARBOSA, J.S. (1822). 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Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1907. 38 enone LAL capes GRAMATIZACAO E NORMATIZACAO: ENTRE O DISCURSO POLEMICO E O CIENTIFICO Emilio Gozze Pagotto Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Nas discuss6es a respeito da gramatizacio no Brasil uma questio nao tem sido explicitamente colocada: o quanto os estudos lingiifsticos inter- feriram no processo de codificag&éo da norma culta escrita. Trabalhos como o de Guimaraes (1996) tém apontado para a diregdo de uma cres- cente independéncia dos estudos gramaticais no Brasil, que se vaio vol- {ando para o portugués do Brasil, desvinculando-se de uma postura normativa e unificadora do portugués. Esse tipo de visio deixa entrever que 0 efeito desses estudos, sobre a questio lingitfstica do Brasil, seria, OULe ido, o de colocar 0 portugués do Brasil na pauta de estudos, com um suposto abandono da questio normativa, entrevendo-se que esta tilti- ma (eria, assim, perdido forga no jogo de relagées lingilfsticas no Brasil. Pretendo argumentar que quanto maior o mergulho do saber brasilei- 10 no universo lingiiistico do Brasil, maior é a distancia entre os resulta- dos desse trabalho e 0 conjunto de formas da norma culta escrita. Essa distincia teria aumentado na tiltima fase proposta por Guimaraes, em fungiio do proprio cientificismo do periodo. Ao fugir completamente do discurso polémico, o trabalho deste perfodo jamais consegue trazer, para 4 codificagao da norma culta escrita, as formas lingiifsticas do Brasil. Assim, a0 acentuar a diferenga, permitem a volta ao discurso pela unida- de da norma culta, agora reforgado pelo discurso cientifico. Dividiria a constituigdo da norma culta escrita no Brasil em dois gran- des periodos: um de fixagao e outro de manutengao. O primeiro teria abrangido a segunda metade do século XIX ¢ 0 segundo teria vindo até os 39

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