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O Ensino de Línguas

em Perspectiva

Eduardo Henriques
Guilherme de Oliveira Barbosa
(Organizadores)
O Ensino de Línguas em Perspectiva
Conselho Editorial Técnico-Científico Mares Editores e Selos Editoriais:

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O ensino de línguas
em perspectiva

1ª Edição

Eduardo Henriques
Guilherme de Oliveira Barbosa
(Organizadores)

Cabo Frio
Mares Editores
2016
Copyright © da editora, 2016.

Capa e Editoração
Mares Editores

Dados Internacionais de Catalogação (CIP)

O ensino de línguas em perspectiva / Eduardo Oliveira


Henriques de Araújo; Guilherme de Oliveira Barbosa
(Organizadores). – Cabo Frio: Mares, 2016.
309 p.
ISBN 978-85-5927-019-8
1. Linguagem. 2. Línguas – Estudo e ensino I. Título.

CDD 418.007
CDU 372.65

2016
Todos os direitos desta edição reservados à
Mares Editores
Rua das Pacas, s/n. Qd 51/Lt 2431. Nova Califórnia.
CEP 28927-530. Cabo Frio, RJ.
Contato: mareseditores@gmail.com
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...................................................................................................... 9

A LINGUAGEM E A APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS À LUZ DA ABORDAGEM ECOLINGUÍSTICA ... 21

O ENSINO DA ORTOGRAFIA DA LÍNGUA PORTUGUESA: AS REPRESENTAÇÕES MÚLTIPLAS EM


PRODUÇÕES ESCRITAS DE ALUNOS DO 5º ANO ............................................................ 40

PROGRESSÃO TEXTUAL: REVISÃO LITERÁRIA E POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS PARA O ENSINO DE


ESCRITA ............................................................................................................... 73

ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA POSSIBILIDADE DE ANÁLISE TEXTUAL .................. 93

NORMA E VARIAÇÃO NO ENSINO DE PORTUGUÊS BRASILEIRO COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA


........................................................................................................................ 125

A INFLUÊNCIA DOS REA NA CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DO PROFESSOR DE LÍNGUAS NO


SÉCULO XXI ........................................................................................................ 158

ERRANDO É QUE SE APRENDE: ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA PARA ALÉM DO ERRO .... 181

LA EXPLORACIÓN DE LA INFERENCIA Y DEL CONOCIMIENTO SOCIOCULTURAL EN EL LIBRO


CERCANÍA JOVEN................................................................................................. 196

PERSPECTIVAS SOBRE O ENSINO DA CULTURA E DA LITERATURA EM AULAS DE LÍNGUA


ESPANHOLA PARA BRASILEIROS .............................................................................. 217

A CORREÇÃO DIALÓGICA COMO PROPOSTA PARA O ENSINO DO GÊNERO ABSTRACT ......... 233

O USO PEDAGÓGICO DO BLOG COMO FERRAMENTA PARA PRÁTICA DE ESCRITA DE LÍNGUA


INGLESA ............................................................................................................. 265

SOBRE OS AUTORES ............................................................................................. 303


APRESENTAÇÃO

Acreditava-se que uma pessoa aprendia uma língua,


tanto a primeira como a segunda, como ela e os ratos
aprendiam qualquer outra coisa: através da
repetição, do exercício e da assimilação de coisas
novas sobre uma estrutura antiga já aprendida. [...]
Achava-se que era perigoso deixar uma pessoa pensar
sobre as frases que elas estavam aprendendo
(LAKOFF1, 1972, p. 60-1).

A reflexão histórica realizada por Lakoff no caput deste texto traz


à baila uma realidade do limiar da década de 1970 concernente ao ensino
de línguas nas escolas e nos cursos de idiomas. Nesta época, havia um
duro processo de ensino, cristalizado com ajuda do Humanismo e do
Cognitivismo, o qual empreendia uma prática pedagógica centrada na
superaprendizagem em detrimento às proposições didáticas que
concebiam a fragmentação do aprendizado em estágios subsequentes,
sequenciados, pautados em práticas de uso e reflexão da língua (LEFFA2,
1988).
Vivia-se, na educação linguística, sob um paradigma ainda
deveras cartesiano, respaldado pela psicologia da educação. Esse
contexto rejeitava quaisquer automatismos, e chancelava práticas

1
LAKOFF, Robin. Transformacional grammar and language teaching. In ALLEN, Harold
& CAMPBELL, Russell N. (Orgs.). Teaching English as a second language: a book of
readings. Bombay, Tata McGraw-Hill, 1972. p.60-80.
2
LEFFA, Vilson J. Metodologia do ensino de línguas. In BOHN, H. I.; VANDRESEN, P.
Tópicos em linguística aplicada: O ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Ed. da
UFSC, 1988. p. 211-236.

-9-
docentes que impunham aos educandos aulas baseadas na exploração
da estrutura da língua, através da repetição, da cópia e da transcrição.
Portanto, verifica-se um ensino com “ênfase na forma, em detrimento
do significado”, em sucessivas aulas que “faziam os alunos papaguear
frases que não entendiam”, caracterizando o ensino de línguas (materna
e estrangeira) como uma exploração estrutural de espelhos de línguas,
de línguas cristalizadas e inacessíveis ao usuário (LEFFA, 1988).
Em virtude de ainda se verificarem os resquícios desta prática
pedagógica formalista e do ensino de uma língua prototípica, “Ensino de
Língua em Perspectiva” lança mão de onze pesquisas acadêmicas que se
propõem a refletir acerca do ensino de línguas e a convocar o seu leitor,
seja ele um curioso, um estudante, um pesquisador ou um professor, a
problematizar a experiência de imersão em uma língua, com a sua
significação sociocultural e a sua imensurável relevância identitária. Isto
porque apenas munido desta compreensão, faz-se possível a imersão e
o empreendimento tanto docente quanto discente de ensinar e
aprender uma língua superando o código desta para atingir o patamar
dos sentidos e da cultura.
A fim de orientar o leitor acerca da organização da obra, a mesma
inicia com uma reflexão tocante ao ensino de língua, introduzindo uma
concepção ainda pouco percebida nos espaços pedagógicos: a
ecolinguística. Em seguida, três capítulos vão trabalhar o ensino do
português como língua materna (LM), elucidando problemas e
oferecendo sugestões de natureza teórica e metodológica. Após isto, o

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português muda de aspecto e é explorado segundo língua estrangeira
(LE), de maneira a colocar o leitor frente a frente com questões de ordem
tanto internas à língua quanto externas, evocando um prisma
sociocultural para dentro das experiências de ensinar e de aprender uma
língua. Esta última reflexão didática serve como mote para dois capítulos
que teorizam o ensino da língua estrangeira no Brasil, os quais são
seguidos por dois capítulos centrados no ensino do espanhol e outros
dois no ensino do inglês. Logo, este livro traz para o seu leitor um amplo
campo de investigação e de análise relativo à língua e à apreensão desta
pelos sujeitos, conforme será explanado a seguir.
No primeiro capítulo, denominado “A Linguagem e a
Aprendizagem de Línguas à Luz da Abordagem Ecolinguística”, autoria de
Amaral e Córdoba (2016), oferta-se um panorama dos fundamentos
teóricos basilares de uma área da linguística emergente no cenário
acadêmico brasileiro: a ecolinguística. Assim, os autores centram-se em
introduzir aspectos teóricos da Abordagem Ecolinguística e a gama de
vantagens desta perspectiva para a didática das línguas. A ecolinguística
está interessada em investigar as relações entre os falantes e o ambiente
sociocultural e físico no qual estão inseridos. Torna-se, portanto, um
capítulo relevante ao oferecer uma alternativa de ensino aos métodos
pedagógicos canônicos.
Por sua vez, o segundo capítulo vai orienta-se para o ensino de
língua portuguesa, mantendo o enfoque do ensino de língua na figura do
aprendiz. Assim, o segundo capítulo “O Ensino da Ortografia da Língua

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Portuguesa: As Representações Múltiplas em Produções Escritas de
Alunos do 5º Ano” elucida o processo de ensino da língua em sua
modalidade escrita com enfoque na representação a partir de grafemas
e das relações fonológicas destes com o processo de aquisição da
linguagem. Por meio de produções textuais em gêneros variados, assim
como da refacção destes textos, Carvalho e Quadros (2016) expõem um
experimento metodológico que evidencia significativos avanços na
aquisição das convenções ortográficas da língua concernentes à
representação grafológica das correspondências múltiplas da unidade
sonora /s/ entre alunos do 5ª ano.
Certamente, uma questão de nodal importância ao ensino de
língua no Brasil é a Produção Textual, como visto acima, pois essa habilita
o sujeito ao exercício de direitos e deveres sociais, bem como a participar
de manifestações com variada natureza de sua cultura cuja inserção ou
mesmo todo o trâmite dá-se segundo a égide do grafocentrismo. Nesse
contexto, o terceiro capítulo “Progressão Textual: Revisão Literária E
Possíveis Desdobramentos Para O Ensino De Escrita” aborda uma
reflexão teórico-metodológica que perpassa diversas pesquisas sobre o
assunto de modo a instrumentalizar professores, pesquisadores e
também estudantes acerca das mais variadas proposições didáticas
orientadas à textualidade, à progressão textual e à correlação semântica,
pragmática e discursiva. Portanto, o estudo de Machado e Strenzel
(2016) dá novo fôlego aos debates alusivos ao desenvolvimento das
habilidades de textualização, em atenção a práticas de letramento que

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enfoquem a metarregra Progressão Textual como elemento conferidor
de qualidade, através da promoção da coesão e da coerência
textual/discursiva.
Mais adiante, o quarto capítulo “Ensino de Língua Portuguesa:
uma Possibilidade de Análise Textual” vai glosar acerca do
desenvolvimento das habilidades de textualização centradas na
argumentação, contemplando a coesão e a coerências como
mecanismos de garantia da progressão textual e do desenvolvimento
argumentativo. Por meio de práticas de escrita e reescrita textuais
realizadas no gênero Capítulo de Opinião, Silveira (2016) leva o seu leitor
a uma investigação dos mecanismos coesivos como operadores da
unidade textual e do estabelecimento da imagem discursiva do locutor.
Sendo assim, o trabalho consiste em uma pesquisa que culmina na
proposição metodológica da autora vocacionada aos anos finais do
Ensino Fundamental II e/ou Ensino Médio.
Aproveitando a reflexão provocada pelos debates concernentes
ao ensino de português como língua materna, no quinto capítulo traz-se
o português sob outra perspectiva. Em “Norma e Variação no Ensino de
Português Brasileiro como Língua Estrangeira”, explora-se o universo da
língua viva e as peculiaridades idiossincráticas de ordem cultural que
permeiam o processo de aquisição em contexto de LE. As dicotomias
teórico-metodológicas entre o ensino da “língua ideal” e o da “língua dos
usos” rouba a cena a fim de promover um debate acerca da importância
de se levar o aprendiz ao contexto cultural que constitui e é constituído

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pelo idioma. Das aulas de reprodução e conversação aos livros didáticos,
Henriques e Barbosa (2016) convidam o seu leitor a se pôr ora no lugar
do educador e ora no do educando, problematizando desde as políticas
linguísticas até o processo de ensino de LE.
Expandindo as considerações sobre o ensino de língua
estrangeira, no sexto capítulo traz-se à baila um questionamento nodal:
como as novas tecnologias e os letramentos digitais acarretam mudanças
nos modos de construção de conhecimento e nos papéis dos sujeitos
envolvidos no ensino e aprendizagem de línguas? Para responder esta
questão tão atual e necessária, Marzari (2016) empreende em seu artigo,
“A Influência dos REA na Constituição da Identidade do Professor de
Línguas no Século XXI”, uma discussão sobre o deslocamento do papel
do professor nos cursos online gratuitos e massivos de idiomas. Se no
cenário das salas de aulas tradicionais o professor predominantemente
exerce o papel de protagonista, ou seja, é apontado como o (único)
responsável pelo sucesso ou insucesso da aprendizagem do aluno, nos
cursos online o professor exerce o papel de coadjuvante, isto é, um dos
possibilitadores da construção do conhecimento (e não o único). A
autora explana que esta nova construção identitária do docente advém
da aprendizagem híbrida da sociedade contemporânea, que ora se
consolida na relação entre sujeitos (alunos ↔ professores, alunos ↔
alunos) ora na relação entre os alunos e os artefatos digitais disponíveis.
Já o sétimo capítulo, “Errando é que se Aprende: Ensino de Língua
Estrangeira para além do Erro”, põe no centro de sua investigação o

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tratamento dado ao erro nas situações de ensino e de aprendizagem de
uma língua estrangeira. Retirando da ação de errar a estigma de uma
infração ou de uma incompetência, esta pesquisa traz à baila o não
acerto como uma ferramenta de avaliação de desempenho, pela qual o
desenvolvimento da prática docente e da aquisição do educando são
evidenciadas e ressignificadas a partir de demandas que emerge do ato
de realizar experimentos com uma língua não materna. Desta forma, vê-
se a figura do estudante como nodal não só ao processo de
aprendizagem, mas também ao processo de ensino, haja vista que é ele
o beneficiário da prática docente, a qual se torna indistanciável de um
diálogo professor-aluno.
Com foco sempre no ensino e na aprendizagem, este livro
buscará sempre refletir sobre os materiais que chegam às mãos dos
estudantes, o que é extremamente pertinente, afinal na aula de línguas
o objetivo primordial é a produção e a negociação de sentidos. Portanto,
nunca é demais investigar que tipos de significados os livros didáticos,
por exemplo, têm incentivado os estudantes a produzir. São significados
de relevância política e de questões que assolam nosso mundo ou tratam
de temas banais, alienadores? No oitavo capítulo, intitulado “La
Exploración de la Inferencia y del Conocimiento Sociocultural en el
Libro Cercanía Joven”, verifica-se uma análise das atividades de leituras
em um livro didático de espanhol. Abreu (2016) discute mais
especificamente como as questões inferenciais do livro analisado exigem
a ativação de conhecimentos socioculturais prévios e incentivam à

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leitura crítica do texto / do mundo, haja vista que estas questões versam
sobre temas de cunho social e político como migração, xenofobia e
desigualdades de gênero. O autor chega à guisa de conclusão que o livro
discute temas relevantes, no entanto, apresenta uma ressalva que o
número de questões inferenciais deveria ser maior e se sobrepor à
quantidade de questões que não exigem esta habilidade de inferência,
como os exercícios de mera decodificação dos sentidos do texto.
Mantendo-se o olhar sobre o ensino de língua espanhola, no
nono capítulo denominado “Perspectivas sobre o Ensino da Cultura e da
Literatura em Aulas de Língua Espanhola para Brasileiros”, Farias (2016)
focaliza o papel da cultura como uma oportunidade de explorar o
letramento crítico dos alunos. Para a autora, tratar de questões culturais
além dos estereótipos ou da superficialidade pode incentivar os
discentes a experienciar os valores culturais veiculados pela língua
estrangeira estudada, primeiramente através do estranhamento e
depois pela aceitação das tradições do outro. O texto centra-se na
imprescindibilidade de não ignorar nas aulas de espanhol a relação
intrínseca entre língua e cultura e contribuir para o exercício de uma
cidadania que saiba conviver com as diferenças. Além de uma discussão
teórica, Farias (2016) elabora duas sugestões didáticas que exemplificam
como trabalhar questões interculturais críticas através da literatura, e
que ilustra a importância da escolha por uma educação linguística-
cultural reflexiva.

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Saindo do espanhol e entrando no ensino da língua inglesa, o
nono capítulo aponta para um engenho docente urdido segundo
pressupostos sociointeracionais. Neste sentido, “A Correção Dialógica
como Proposta para o Ensino do Gênero Abstract” vai conclamar o
ensino de língua afinado com postulados de diversos teóricos, os quais
evidenciam os gêneros textuais como o lugar da aprendizagem da língua
viva, pois são nestes artefatos culturais que as ações de linguagem dos
sujeitos se empreendem (MARCUSCHI3, 2008). Nesse capítulo, a
produção e a refacção textuais são exploradas em função de se
evidenciarem procedimentos dialógicos de correção que ponham o
educando no cerne de seu próprio processo de letramento. As
considerações de Silva (2016) explicitam estratégias de escrita que
munem professores e estudantes com uma perspectiva bakthiniana de
ensino e de aprendizagem da escrita como forma de diálogo com o “Eu”
e o “outro”.
Por fim, o décimo primeiro e último capítulo, denominado “O Uso
Pedagógico do Blog como Ferramenta para Prática de Escrita de Língua
Inglesa”, conta com as observações que Souza e Reis (2016)
compartilham sobre a experiência de (multi)letramento crítico em aulas
de inglês. Fica claro, neste texto, o quão é crucial adaptar as salas de
aulas para a era da informação e utilizar-se de recursos digitais (como o
blog) a fim de engajar os alunos na produção discursiva de significados

3
MARCUSCHI, L. A. Produção Textual, análise de gênero e compreensão; São Paulo:
Parábola Editorial, 2008.

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que tornem o mundo mais pacífico e menos desigual. Assim, as autoras
relatam como os seus discentes se reconheceram, a partir da leitura e
produção de textos sobre os temas paz e guerra, como cidadãos imersos
em um contexto social envolto em relações de poder, mas que podem
colaborar com a construção de uma sociedade mais justa a partir de
ações em contexto local. Deste modo, os aprendizes, por meio do
letramento digital e crítico não apenas desenvolveram suas capacidades
de interação em uma língua estrangeira mas como também tiveram
oportunidade de utilizar os significados produzidos nesta outra língua
para (refletir sobre) intervir no mundo.
Por todo o exposto, “O Ensino de Língua em Perspectiva”
disponibiliza para o seu leitor um rico acervo de pesquisas teórico-
metodológicas que objetivam promover melhoramentos nos processos
de ensino de língua materna e estrangeira, bem como possibilitar um
salto qualitativo na aprendizagem ao sugerir situações de experiência
pedagógica com a língua que ponham o usuário e a língua viva no cerne
e no controle do ensinar e do aprender. Através de onze textos com
apurada valia acadêmico-científica, esta obra posiciona a língua sob os
holofotes da didatização, mas em atenção à manutenção da natureza
fluida, intangível e impossível de se cristalizar do idioma. É neste sentido
que “Perspectiva” figura como destacado frame da noção do a que se
propõe este trabalho: reunir pontos de vista de pesquisadores com
currículo respeitável, segundo trabalhos de pesquisa refinados, que

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revelassem a riqueza com a qual a língua pode ser explorada quando
objeto de ensino e de aprendizagem.
Esperando que estes textos inspirem renovações dentro das
experiências pedagógicas de ensino de língua, seja materna seja
estrangeira, os organizadores aqui subscritos almejam realçar a língua
como relevante foco de estudos contínuos, de âmbito científico e de
âmbito pedagógico, haja vista ser através da língua(gem) que o ser
humano constrói a si, ao seu semelhante e ao mundo que o rodeia, pela
interação, relações sociais, cultura e identidade. Portanto, esta obra não
esgota em si, mas alarga os horizontes de uma temática já há muito
discutida e sem quaisquer vislumbres de esgotamento ou conclusão,
como está bem assinalado ao longo da profusão de abordagens e
explanações contidas nos capítulos a seguir.

Eduardo Henriques & Guilherme Barbosa


Recife, 19 de Novembro de 2016

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A LINGUAGEM E A APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS À

1 LUZ DA ABORDAGEM ECOLINGUÍSTICA

Maria da Graça Carvalho do Amaral (FURG)


Alexander Severo Córdoba (UFPEL)

Introdução

Ao longo da história do ensino de línguas na humanidade, muitos

estudiosos sobre o assunto têm discutido e investigado diferentes

maneiras de ensinar e aprender línguas estrangeiras. Os estudos sobre o

processo de ensino/aprendizagem de línguas constituem grandes

discussões entre linguistas e educadores, cuja meta principal é

compreender como funciona o processo de aquisição da linguagem.

Até a década de setenta com o advento da abordagem

comunicativa, os métodos mais usados, até então, eram os seguintes: a)

o método Gramática-tradução considerado como pré-científico, pois não

apresentava uma base teórica que o sustentasse; b) o método Direto; e

c) o Audiolingual, esses dois últimos eram oriundos da psicologia do

associacionismo e o behaviorismo, respectivamente, mas ambos não

apresentavam uma teoria da linguagem que fosse capaz de dar-lhes o

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suporte semântico necessário para consolidar-se no cenário do

ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras. O método audiolingual

seguia o princípio estruturalista baseado na teoria de Bloomfield que, na

prática, consistia na formulação de um receituário a ser seguido pelo

professor.

Com a abordagem comunicativa, surge um novo paradigma no

ensino de línguas propondo que a língua seja ensinada não só para

comunicação, mas também na comunicação, ou seja, aprender a língua

em contextos reais de comunicação (WIDDOWSON, 2005). Assim, a

concepção de linguagem passa a ser compreendida como um conjunto

de estruturas com organização semântica, reforçando a noção de

competência comunicativa.

Nesse contexto, o objetivo deste capítulo focado no ensino de

línguas é refletir e discutir sobre a relação entre a linguagem e o

ensino/aprendizagem de línguas à luz da perspectiva da linguística

ecológica.

Dentro dessa perspectiva, a abordagem ecolinguística,

doravante, AE, é o estudo das relações entre a língua e o meio ambiente,

a princípio, aparenta não ser uma teoria linguística inédita porque nos

seus pilares apresenta alicerces teóricos tradicionais. Entretanto, a AE

pode unir, de forma original, essas tradições estabelecidas na

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aprendizagem de línguas, principalmente quando ela é ancorada numa

visão ecológica de mundo (COUTO, 2009; VAN LIER, 2004).

Na seção que segue: A abordagem ecolinguística de ensino de

línguas, será apresentada o conceito de ensino/aprendizagem de língua

sob a perspectiva da AE. Nas seções seguintes: Emergência na

aprendizagem de línguas e O affordance como input ecológico abordar-

se-á os conceitos de emergência e affordance; e como ambos os

conceitos acontecem no contexto de aprendizagem de línguas. E, por

fim, na última seção, das considerações finais, pretende-se, por meio dos

conceitos explanados no desenvolvimento do texto, proporcionar aos

professores e linguistas, através de uma reflexão motivadora o quão

relevante é aplicar esses pressupostos teóricos que envolvem a

linguística ecológica aplicando-a no contexto ensino-aprendizagem de

línguas.

A abordagem ecolinguística de ensino de línguas

A linguística ecológica trata o ensino-aprendizagem de línguas

como as relações entre as pessoas e o mundo. Etimologicamente

ecologia surge da palavra grega oikos que significa casa e também do

grego logia que quer dizer estudo. Por isso, costuma-se dizer que é o

estudo das coisas da casa, porque estuda a língua materna ou a língua

estrangeira (LE) e suas relações com o entorno sociocultural e ambiental

- 23 -
dos aprendizes em seu processo de ensino/aprendizagem. Este mundo é

social assim como físico.

A complexidade existente entre os conceitos de língua/linguagem

gera discussões que levam a refletir na impossibilidade da existência de

uma teoria que trate a língua por meio de uma visão ampla, ou seja,

ilimitada. Entretanto, há teorias, como por exemplo, sobre a origem das

línguas, a variação linguística, a gramática, entre outras. E, por isso, uma

teoria ecológica da língua não tem o objetivo de ser uma teoria unificada

ou total da linguagem, porém é importante evitar relacionar essa teoria

com as duas formas reducionistas mencionadas a seguir:

• o reducionismo ligado a gramática, pois a língua não pode ser

resumida a uma gramática;

• o reducionismo em certos aspectos, relacionado às

combinações com a língua/linguagem e outras áreas de estudo, como

por exemplo, a ciência social e cognitiva (VAN LIER, 2004).

Por isso, Van Lier (2004) defende o estudo da linguagem através

da contextualização. Sendo assim, o conceito de ecologia surge como

uma ferramenta para lidar com a língua. Por conseguinte, a ecologia é a

totalidade das relações de um organismo com todos os outros

organismos em contato. Além disso, a ecologia é uma maneira específica

de estudar a cognição, a linguagem e a aprendizagem. Dessa maneira, a

- 24 -
AE, tem recebido um forte impulso a partir das teorias do caos e da

complexidade, bem como das teorias do sistema e da ecologia da mente.

Na perspectiva cognitivista de ensino de línguas a aprendizagem

é um fenômeno que estuda os processos internos do indivíduo, ou seja,

o indivíduo nasce dotado da linguagem e à medida que se desenvolve

suas capacidades inatas e atua no meio em que vive, pressupõe que a

compreensão humana opere através de estruturas decorrentes da

interação do organismo com o meio ambiente que o rodeia; o cérebro

humano é comparado a um computador, sendo o meio ambiente

irrelevante nesse processo (PIAGET, 1978).

Na perspectiva social o ensino de línguas é um fenômeno em que

o meio social atua sobre o indivíduo, a princípio por processos

interpessoais e finalmente por processos intrapessoais (VYGOTSKY,

1978). Assim, a AE concebe a aprendizagem como uma relação entre os

aprendizes e o seu meio ambiente. Isso não implica em negar os

processos cognitivos e sociais, mas estabelecer uma conexão entre esses

processos.

Desse modo, podemos argumentar que a AE reconhece e situa a

língua como o foco central de seu estudo e observa o todo por uma

determinada situação questionando o seguinte: O que existe no

ambiente para que as coisas aconteçam da maneira que acontecem? E

também, como a aprendizagem acontece? (VAN LIER, 2004).

- 25 -
Assim, segundo Van Lier (2004):

a ecologia é a totalidade das relações de um


organismo com todos os outros organismos em
contato. Além disso, a ecologia é uma maneira
específica de estudar a cognição, a linguagem e a
aprendizagem (VAN LIER, 2004, tradução nossa).

De acordo com Van Lier (2004), a língua na educação é uma


mistura de emoções, o autor argumenta o seguinte relacionando à AE e
à escola:

Imagine uma escola sem a língua/linguagem, sem


as explicações do professor, sem as conversas
dos alunos, sem os correios eletrônicos, sem o
celular. É possível? (VAN LIER, p.1, 2004,
tradução nossa).

A língua é parte do sistema de mensagens que é amarrado ao

nosso sistema sensorial, as nossas memórias, as nossas histórias e a

nossa identidade. Sendo assim, não é possível separar a língua de todos

esses laços e ainda a educação ter que fazer sentido. Essa observação é

a chave para ligar a língua à ecologia.

A AE, portanto, envolve o estudo do contexto, ou seja, ela vê a

língua como relações entre as pessoas de acordo com o meio em que

vivem. E também, estuda os organismos e as maneiras mais eficazes de

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como esses organismos relacionam-se entre si no mundo e com o

mundo.

Sob essa perspectiva, a linguística ecológica estuda a língua como

uma relação (pensamento, ação, energia, capacidade) em vez de estudá-

la como objeto (palavras, frases, regras). Além disso, a AE relaciona

expressões verbais a outros aspectos que façam sentido, como por

exemplo: gestos, desenhos, artefatos, etc (VAN LIER, 2004).

Por um lado, Krashen (1981) introduziu o termo input no processo

ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras que seria um insumo que

o professor deveria fornecer ao aprendiz durante esse processo,

consequentemente, com esse insumo mais informação o aprendiz seria

capaz de aprender uma nova língua. Por outro lado, Swaim (2001)

introduz o termo output a esse processo, argumentando que somente o

input não é suficiente, o aprendiz tem que produzir o output, assim ele

(aprendiz) terá a oportunidade de comparar a sua produção na língua

estrangeira com a produção de seu professor e refletir sobre seus

próprios erros.

Van Lier (2004, 2000), introduz os conceitos de emergência (do

inglês emergence) e affordance cujos conceitos são palavras-chave da

sua fundamentação ecológica, porque a emergência caracteriza o

desenvolvimento das complexas habilidades ou potencialidades

- 27 -
linguísticas; enquanto que affordance é a origem e o princípio da

conexão entre o indivíduo, o físico, o social e o mundo simbólico.

Conforme acentuou Van Lier (2004), a emergência acontece

quando simples organismos ou elementos reorganizam-se dentro de um

complexo e inteligente sistema. Neste sentido, significa ver como um

indivíduo na sua totalidade age, compreende e percebe o seu ambiente

natural e também como suas ações afetam ao meio em que vive.

Emergência na aprendizagem de línguas

A emergência ou emergentismo é um termo abordado pela

primeira vez pelo o filósofo John Stuart Mill (apud VAN LIER, 2004) para

diferenciar causas mecânicas de causas químicas. Em processos

químicos, a mistura de alguns elementos não significa somente a soma

desses elementos, porque a soma entre elementos químicos, em muitos

casos, pode produzir resultados totalmente diferentes. Por exemplo, ao

observarem-se os átomos de hidrogênio e os átomos de oxigênio

separadamente, poderia ser pensando na hipótese da formação de outro

elemento (água) quando esses estivessem unidos?

Nessa ótica, entende-se que a emergência, tanto em ciências

físicas como em sociais, é o resultado de eventos ou atividades que

podem ser totalmente diferentes do input inicial. Isso significa que se

amplia, assim, a visão de que o input é uma mola propulsora capaz de

- 28 -
ativar e ampliar o potencial cognitivo dos indivíduos tornando-os capazes

de compreenderem, reconhecerem, aceitarem o ambiente em que

vivem e as mudanças que ocorrem cotidianamente, agindo como seres

ativos dentro desse ambiente e não apenas, recebedores passivos de

mensagens (VAN LIER, 2004).

Por conseguinte, a emergência em aprendizagem de língua trata-

se da combinação entre recursos linguísticos e recursos semióticos, os

quais podem tornar a aprendizagem mais significante. Neste caminho, o

contexto proporciona o affordance, ou seja, quando possibilidades de

ações produzem oportunidades para o engajamento e a participação.

Então, affordances podem estimular a intersubjetividade

relacionado ao social e a atenção no que tange questões cognitivas

possibilitando ao indivíduo a capacidade de relacionar-se com o seu

semelhante, desencadeando ao mesmo tempo o desenvolvimento das

habilidades sociais e cognitivas as quais, são especificamente humanas.

Dentro dessa perspectiva, Van Lier (2004) afirma o seguinte:

A disponibilidade do contexto de falar sobre algo


e a disponibilidade dos recursos para engajar e
estimular favorece a ação - incluindo ação verbal
- no qual resulta sempre numa interação social
(VAN LIER, p. 81, 2004, grifo nosso).

- 29 -
A explicação de Van Lier (2004) para esse fenômeno está

relacionada ao uso dos recursos semióticos do meio ambiente em que

eles estimulam a emergência da linguagem. Nesta direção, o meio

ambiente é constituído de uma variedade de signos estimuladores da

percepção, da reflexão, da imaginação e da ação nos quais, favorecem o

aprender.

Na concepção de Van Lier (2004), a aprendizagem através do

meio ambiente não é aquela na qual o professor joga signos linguísticos

sobre os aprendizes, e sim, aquela o qual o professor ensina como o

entorno linguístico funciona procurando estabelecer relações entre

aluno/realidade do meio em que vive. Os aprendizes somente aprendem

as regras do sistema linguístico quando participam de certas práticas que

os tornem participantes ativos desse sistema, pois a partir do momento

que se pratica algo, as regras começam a fazer sentido, o sentimento

pelo aprender emerge e as regras tornam-se aprendidas

instantaneamente.

O affordance com input tecnológico

O conceito de affordence foi criado pelo psicólogo James Gibson

em 1979 (apud VAN LIER, 2004) para tratar no que diz respeito no que o

ambiente pode nos oferecer de bom ou mal ao animal, em outras

palavras, para referir-se como acontece a relação entre indivíduo e o

- 30 -
meio ambiente. Então, o affordance está relacionado ao potencial de

significação (HALIDAY, 1978, apud VAN LIER, 2004).

Gibson (apud VAN LIER, 2004) refere-se também ao potencial de

ação, o qual emerge quando os indivíduos interagem com o mundo físico

e social. Ainda segundo o autor, existem precondições para a significação

emergir, ou seja, a ação, a percepção e a interpretação precisam,

necessariamente, estar em constante reforço mútuo, para que, desse

modo, a significação aconteça.

Levando em conta essas três precondições, é importante

considerar que a qualidade das nossas funções cognitivas aumenta e

emerge através da interação com outros indivíduos e com o meio social.

Em (1) observa-se a ilustração dessas precondições expostas por

Van Lier (2004):

(1)
Ação

Interpretação
Affordance

Percepção
Fig 1 – Precondições

- 31 -
Van Lier (2004) cita Varela, Thompson e Rosch (1991, p. 253) os
quais afirmam o seguinte:

affordances consistem nas oportunidades para


interação que as coisas no ambiente possuem em
relação às capacidades sensório-motoras do
animal (apud VARELA; THOMPSON; ROSCH, p.
91, 2004).

Existem, portanto, dois determinantes importantes para que

ocorra o affordance: a relação indivíduo/indivíduo e indivíduo/meio.

Essa relação não é direta, e sim mediada por um instrumento chamado

linguagem (VAN LIER, 2004).

Além disso, seguindo essa perspectiva, Amaral (2009), defende a

ideia de que o affordance é a visão ecológica do input. Isso quer dizer

que os affordances são oportunidades de aprendizagem que o ambiente

brinda ao aprendiz, porém eles precisam ser adaptados de acordo com

as necessidades, limitações, desejos e opções desse aprendiz.

Van Lier (2004) enfatiza que o ambiente com todos os seus

significados, são capazes de transformar o indivíduo em participante

ativo, porque, ao mesmo tempo em que ele transforma o meio de acordo

com suas necessidades, transforma-se a si mesmo. Ainda sobre isso, o

autor afirma que o affordance resulta da interação entre

percepção/atividade e agente/ambiente. Em seu ponto de vista, o meio

- 32 -
ambiente está cheio de significados em potencial, o qual disponibiliza ao

aprendiz condições necessárias para que ele seja o protagonista dessa

interação. E, assim, para que esses significados tornem-se importantes,

depende do aprendiz perceber se os mesmos são relevantes ou não para

o seu aprendizado.

Van Lier (2001), então, introduz o termo affordance ao processo

de ensino/aprendizagem de línguas que, nesse contexto, seriam as

oportunidades que o ambiente oferece ao aprendiz para que a

aprendizagem se desenvolva num perspectiva ecológica. Por isso, dentro

da AE, o affordance pode ser definido como o input ecológico.

A ecolinguística baseia-se na teoria da percepção do psicólogo

James Gibson (apud VAN LIER, 2002) que defende que a ativação do

cérebro humano se dá de forma muito rápida. É no cérebro que somos

capazes de armazenar, por muito mais tempo, aquelas informações que

nos despertam emoções e lembranças de fatos que nos foram

significativos em algum momento de nossas vidas. Assim, nesse processo

de ativação do cérebro, em um campo de tensão entre o individual e o

social, a abordagem ecológica apresenta o conceito de affordance.

A aprendizagem se produz em um processo análogo ao da zona

de desenvolvimento próximo, segundo Vygotsky (1978). Então, essa

interação ambiente/indivíduo se produz através das relações

- 33 -
interpessoais que o indivíduo as interioriza e as transforma em relações

intrapessoais (VYGOTSKY, 1987).

Dentro dessa perspectiva, a concepção de linguagem dentro da

AE é uma representação passiva dos objetos, porém uma produção de

novos objetos de acordo com nossas percepções e nossas emoções.

Então, se o aprendiz está ativo e engajado, ele vai perceber os

diferentes affordances da sala de aula e usá-los em suas ações

linguísticas. Por exemplo: numa floresta uma folha pode oferecer

diferentes affordances para diferentes organismos. A folha é a mesma,

as suas propriedades são as mesmas, mas ela é percebida de maneira

diferente pelos diferentes organismos que habitam a floresta (VAN LIER,

2004).

Existem, portanto, dois determinantes importantes para que

ocorra um affordance: a relação indivíduo/indivíduo e indivíduo/meio.

Sendo assim, o affordance é um potencial de significação

(HALLIDAY, 1978, apud VAN LIER, 2004). Sobre este tema, Gibson (apud

VAN LIER, 2004) se refere ao potencial de ação o qual emerge quando os

indivíduos interacionam com o mundo físico e social. De acordo com o

autor, existem precondições para a significação emergir o seja, a ação, a

percepção e a interpretação necessitam estar em constante esforço

mútuo para que, dessa maneira, a significação ocorra.

- 34 -
De acordo com as três precondições expostas anteriormente, é

importante ressaltar que a qualidade de nossas funções cognitivas

aumentam e emergem por meio da interação com outros indivíduos e

com o meio social.

Segundo Amaral (2009) na concepção de affordance o aprendiz é

visto através de outra perspectiva assim como a relação com o mundo e

o conhecimento, pois se refere à relação das propriedades do ambiente

e do aprendiz ativo. Na AE o processo de ensino/aprendizagem gera

emergências e autoorganização, porque se caracteriza como um sistema

semiótico, não-linear (VYGOTSKY, 1978).

Assim, para exemplificar o conceito de affordance, AMARAL

(2009) argumenta o seguinte dentro de una perspectiva de

ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira:

De certa forma, affordance é a visão ecológica do


input. Ou seja Affordances são oportunidades de
aprendizagem que o ambiente provém para o
aprendiz, mas que precisam ser adaptadas de
acordo com as necessidades, limitações, desejos,
opções desse aprendiz. Essa perspectiva
ecológica dá ênfase à contextualização da língua
dentro de outros sistemas semióticos tais como
gestos, objetos, ilustrações e também a língua
materna dos aprendizes, surgindo nesse
contexto o entorno histórico-cultural do aprendiz
como detentor dos insumos para efetivar sua

- 35 -
aprendizagem na língua alvo (AMARAL, 2009; p.
932).

Existem, portanto, dois elementos importantes e conectados

entre si para que ocorra o affordance:

• a relação indivíduo/indivíduo;

• a indivíduo/ambiente.

Sobre esse tema, o autor argumenta que o affordance é o

resultado da interação entre a percepção/atividade e agente/ambiente.

Do ponto de vista do autor, o meio ambiente está cheio de significações

em potencial, que disponibiliza ao aprendiz condições necessárias para

que ele seja o protagonista dessa interação. Então, para que esses

significados sejam importantes, dependerá do aprendiz perceber se eles

são relevantes ou não para sua aprendizagem.

Além disso, Amaral (2009) afirma que na concepção de

affordance o aluno é visto por meio de outra perspectiva assim como a

relação com o mundo e o conhecimento porque se refere à relação das

propiedas entre o ambiente e o aluno ativo.

Considerações finais

Neste capítulo a intensão foi a de explicar, de forma geral, alguns

dos conceitos teóricos chave que envolvem a AE. Esta abordagem tem o

objetivo de tratar sobre o ensino de línguas e mostrar que é possível

- 36 -
desenvolver o processo de ensino/aprendizagem por meio desta

perspectiva teórica. Uma abordagem ecológica, além de contemplar a

competência comunicativa da língua também propicia ao aprendiz o

desenvolvimento da sua competência ecológica, à medida que promove

a relação corpo/mente/meio ambiente.

- 37 -
Referências

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espanhol no extremo sul do Brasil. Cadernos do CNLF, Volume XIII, no.04
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- 39 -
O ENSINO DA ORTOGRAFIA DA LÍNGUA

2 PORTUGUESA: AS REPRESENTAÇÕES MÚLTIPLAS

EM PRODUÇÕES ESCRITAS DE ALUNOS DO 5º ANO

Ailma do Nascimento Silva4


Francisco Romário Paz Carvalho5
Maria Aldetrudes de Araújo Moura Paula Quadros6

Questões Introdutórias
A escola é tida como uma das principais instituições sociais, o
local onde os alunos adquirem e expandem os seus conhecimentos. Esse
ambiente privilegiado de ensino objetiva ampliar nos educandos
diversos tipos de aprendizagens, como as linguísticas, as matemáticas, as
geográficas, entre outras, e é, portanto, o lugar propício para que isso
ocorra de forma significativa, especialmente por meio do
desenvolvimento das habilidades de ler e escrever.
A função primordial da escola é preparar o aluno para se
comunicar, formalmente, por meio da oralidade e da escrita e para

4
Doutora em Linguística, PUCRS. Atua na graduação e no Mestrado Profissional em
Letras_ PROFLETRAS, UESPI. E-mail: ailmanascimento@yahoo.com.br
5
Graduado em Letras/ Português, UESPI e em Pedagogia, pela Faculdade Evangélica do
Piauí; Pós- Graduando em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e em Docência
para o Ensino Supeior. E-mail: f.mariocarvalho@gmail.com
6
Mestre em Letras (PROFLETRAS), UESPI. E-mail: aldetrudes@gmail.com

- 40 -
compreender o que ouve e o que lê nas mais diversas circunstâncias
comunicativas, mas o panorama educacional brasileiro está longe de ser
condizente com essa realidade e as dificuldades encontradas na
efetivação do ensino-aprendizagem ainda são muitas.
Nesse contexto conturbado, a falta de domínio das habilidades
de leitura e de escrita pelos educandos vem se destacando como um
sério problema a ser resolvido no ambiente educacional. A apropriação
dessas habilidades é um processo complexo e exige do professor
competência técnico-pedagógica, entre outras, para que as dificuldades
sejam atenuadas.
Neste artigo, detivemo-nos, mais detalhadamente, no aspecto
relacionado ao domínio da escrita, por meio da análise sobre a aquisição
da norma ortográfica, enfatizando a apropriação gráfica do fonema /s/
por alunos do 5º ano. E para compreender mais os desvios ortográficos
produzidos pelos alunos do 5º ano, temos como objetivo: investigar os
erros ortográficos, relacionados ao fonema /s/, em ditados imagéticos e
em produção escrita espontânea de alunos do 5º ano.
O fonema /s/ é um dos que mais oferecem dificuldades quanto à
apropriação, pois é regido, na maior parte das vezes, pela arbitrariedade
do próprio sistema, conforme notamos em reiterados trabalhos sobre
essa temática. Tal unidade sonora tem dez grafemas diferentes para
representá-la e é uma das que apresentam maior frequência relativa no
português do Brasil.

- 41 -
O sistema ortográfico da língua portuguesa
Um sistema de escrita alfabética ideal seria aquele em que cada
letra correspondesse apenas a um fonema e vice-versa e, embora esse
princípio valha para os sistemas de escrita alfabética, na prática, as
realizações concretas, em várias línguas, como no caso da língua
portuguesa, não são efetivadas, pois temos tanto relações regulares
quanto irregulares entre formas gráficas e sons.
Nos sistemas de escrita, um aspecto que não pode deixar de ser
tratado é o que diz respeito à ortografia, vista, de forma geral, segundo
a literatura produzida, como a parte da gramática que prescreve a escrita
correta das palavras e garante a unificação da forma de elas ser escritas.
Nas palavras de Morais (2000, p. 18), ela é entendida como “uma
convenção social cuja finalidade é ajudar na comunicação escrita”,
porque, se cada um escrevesse da forma que quisesse ou que falasse,
seria muito difícil haver um entendimento eficiente. A ortografia limita a
forma como se escreve e possibilita uma comunicação melhor entre as
pessoas de diversas partes do país.
Corroborando o pensamento de Morais (2000), Leal e Roazzi
(1999) argumentam que a uniformização na forma de grafar facilita a
compreensão de um texto escrito em qualquer parte do país a pessoas
de todas as outras partes do Brasil e possibilita que as variações dialetais
da fala não impossibilitem a tarefa de resgatar o significado das palavras
utilizadas no texto. Por outro lado, obriga o escritor a utilizar palavras de
acordo com a norma estabelecida.

- 42 -
Dessa forma, notamos que a ortografia limita os efeitos das
variações linguísticas, pois segundo Morais (1999), para dominar a
ortografia, as pessoas nunca estarão liberadas para construírem o que
quiserem, praticar as variações que desejarem, pois a escrita é
convencionada socialmente.
A definição da ortografia da língua portuguesa aconteceu ao
longo dos séculos. Conforme Scliar-Cabral (2003 a), essa língua apresenta
três fases distintas de fixação da escrita: a fonética, a pseudo-etimológica
e a simplificada. A fase fonética, vai do século XII até metade do século
XVI e é caracterizada por não haver uma norma fixa para escrever as
palavras, a escrita ocorria por meio da “intuição fonética”, isto é, havia
autonomia em relação à escrita e cada um escrevia da forma que queria,
existia uma proximidade entre fala e escrita.
A segunda fase é a pseudo-etimológica, que vigorou do século XVI
até 1904. O seu início “coincide com o período clássico, em que o
deslumbramento pela cultura greco-latina determina a avalanche de
grafias eruditas ou pseudo-eruditas, instaurando lado a lado com as
intuições fonéticas e fonológicas, o critério etimológico ou pseudo-
etimológico” (SCLIAR-CABRAL, 2003 a, p. 67). Foi em decorrência dessa
fase que ocorreu uma grande inclusão de vocábulos gregos à escrita da
língua portuguesa.
De acordo com Scliar-Cabral (2003 a), o terceiro período de
fixação da escrita tem início em 1904 e coincide com o surgimento das
primeiras gramáticas do português. Essa fase simplificada começa com a

- 43 -
edição de Ortografia Nacional, de Gonçalves Viana, na qual é nítida a
observação tanto do processo de neutralização das variantes linguísticas,
quanto da fixação de uma ortografia com base comum e simplificada.
A partir dessa fase simplificada, observamos, na ortografia da
língua portuguesa, uma uniformização quanto à forma de escrever, pois
ela instituiu uma forma fixa de grafar as palavras e diminuiu as
possibilidades de escrever conforme a preferência do escrevente, fato
que acontecia antes do início de tal fase.
Com base nos princípios estabelecidos pela ortografia da língua
portuguesa, as relações entre grafemas e fonemas são estabelecidas.
Essas relações podem ser regulares, nas quais há regras que asseguram
a grafia correta da palavra, ou irregulares, quando não há uma
correspondência estável entre formas gráficas e fonemas, por conta
disso não existem regras que garantam a escrita da palavra.
Salientamos que o sistema ortográfico apresenta para os alunos
dificuldades quanto a sua apropriação, especialmente no início do
contato deles com a modalidade escrita da língua. No caso do português
brasileiro (doravante PB), temos vinte e três letras para representar os
vinte e seis fonemas existentes na língua, havendo, portanto, mais
unidades sonoras que gráficas, fato que pode dificultar a apropriação de
tal sistema.
O aluno, na apropriação do sistema ortográfico, terá que
compreender que em alguns casos uma letra terá apenas um som para
representá-la, independente do contexto. Em outros casos, porém, isso

- 44 -
não será possível, porque ocorrem as relações de concorrência e uma
mesma forma gráfica pode ter diferentes sons, como um mesmo fonema
pode ser representado por vários grafemas.

O conhecimento do professor sobre o sistema ortográfico


Muitos professores que trabalham com o ensino de língua,
particularmente os dos anos iniciais, não têm uma formação acadêmica
que os subsidie sobre a organização, a estrutura e o funcionamento do
sistema ortográfico. Dessa forma, desconhecem as diferentes relações
entre grafemas e fonemas. Possivelmente, por não terem o domínio
desse conhecimento, acabam sem obter sucesso ao lidar com o ensino
de ortografia.
A apropriação da língua escrita deve ocorrer ao longo do processo
de alfabetização, mas o que notamos em muitas escolas é bem diferente
dessa visão, não raras vezes, os alunos concluem os ciclos escolares sem
a assimilação mínima da aprendizagem exigida para a progressão dos
estudos.
Esse processo inicial de aprendizagem é de extrema importância
para que os aprendizes entendam a natureza da escrita. Conforme
Cagliari (1994), a alfabetização é o momento mais importante na
formação escolar de uma pessoa. É nela que os aprendizes devem ter
contato com as propriedades do sistema alfabético, para assim usar as
letras com os valores sonoros convencionais que elas têm, além disso,

- 45 -
esses aprendizes devem entender as sequências de letras que podem ser
usadas na formação das palavras (MORAIS, 2007).
Nesse momento escolar, os alunos eventualmente se depararão
com grandes dificuldades para entender a organização do sistema
alfabético e, posteriormente, da convenção ortográfica. Dessa forma, o
professor alfabetizador, bem como os que trabalham nos anos iniciais,
deverão ter uma boa formação, que lhes dará subsídios e conhecimentos
necessários para lidar com essa tarefa complexa, que é ensinar a
estrutura, o funcionamento, o uso e a organização da língua.
Araújo (2012), ao realizar um estudo, baseado no Modelo de
Redescrição Representacional (doravante MRR), sobre o grau de
apropriação de professoras do 2º ano, do Ensino Fundamental, em
relação à arbitrariedade e às regras contextuais, observou que o
conhecimento delas sobre a convenção ortográfica estava ainda nos dois
primeiros níveis, o implícito (I) e o explícito 1 (E1), sendo, portanto,
insatisfatório para o bom ensino da ortografia.
Se os professores, na pesquisa mencionada, encontram-se ainda
nos dois primeiros níveis, conforme o MRR, precisam adquirir muito
conhecimento para desenvolver um ensino eficaz de ortografia e assim
possibilitar ao seu alunado aprender os conteúdos ortográficos com mais
propriedade.
Presumimos, então, que essa realidade diagnosticada por Araújo
(2012) deva fazer parte do cenário educacional de muitas escolas
públicas do Brasil, pois a maior parte dos professores dos anos iniciais

- 46 -
não tem uma formação linguística, voltada para o ensino do PB e esse
pode ser um fator determinante para o (in)sucesso no ensino e
aprendizagem de ortografia.
Aliado a esse tipo de realidade, da possível falta de conhecimento
dos professores sobre o sistema ortográfico, há também o fato de muitos
alunos passarem vários anos na escola e não terem o conhecimento
básico sobre ortografia. Exemplo disso são erros encontrados em
produções de textos espontâneos por alunos do Ensino Fundamental,
como em arain / a rainha; xegro / chegou; di vreti / divertir. Sobre esse
aspecto, Monteiro (1999) relata que apesar dos anos de escolarização,
um grande número de alunos ainda não aprendeu as regras ortográficas.
A questão da aprendizagem de escrita é complexa para os
iniciantes, pois eles se deparam com uma nova realidade: para falar, não
têm dificuldades de pronunciar as palavras, nem precisam “selecionar”
formas gráficas, mas, quando se trata da escrita, o que ocorre é
diferente. É preciso conhecer as possibilidades de junção dos grafemas
para formar as palavras e esse conhecimento nem sempre é de fácil
assimilação pelos alunos, visto que as possibilidades de símbolos para
escrever alguns vocábulos é grande e, em determinadas circunstâncias,
eles não sabem ao certo qual usar (MORAIS, 1999).
Referente ao trabalho com a ortografia em sala de aula, muitos
professores têm dúvidas quanto ao momento de iniciar o ensino
ortográfico, se antes ou depois de os alunos já terem se apropriado do
ato de escrever. Para Cagliari (1999 a), é melhor ensinar as crianças a

- 47 -
escrever primeiramente e, quando elas já dominarem tal prática,
poderemos ensinar-lhes normas ortográficas.
Sobre o ensino inicial da convenção ortográfica, Faraco (2010)
comenta que ele deve ser sistemático e se ocupar dos casos mais
frequentes e produtivos, já os casos mais raros devem ser ensinados em
momentos posteriores, porque são mais difíceis e complexos.
Assim, precisamos pensar em uma aprendizagem ortográfica
feita por meio da reflexão, na qual o aluno percebe a razão da escolha
de determinado grafema e não de outro. É relevante o educando
conhecer as diferenças entre as regularidades e irregularidades do
sistema, dessa forma, ele compreenderá melhor o funcionamento da
norma ortográfica de sua língua.
O aprendiz deve saber que existe, sim, um padrão a ser seguido
na hora de grafar as palavras, mas também deve ser de seu
conhecimento que a aprendizagem sobre o sistema ortográfico demanda
tempo, assim, algumas regras serão aprendidas mais facilmente, como
por exemplo, as regulares diretas enquanto outras demorarão mais
tempo para ser assimiladas, no caso das morfossintáticas. Deverá ficar
claro também para ele que, em muitos casos, não haverá regra que
assegure a escrita correta, no caso das irregularidades. É preciso o
professor conhecer bem a estrutura e o funcionamento da língua que
ensina, para entender as relações grafemas-fonemas e efetivar um
trabalho que revele, adequadamente, tais relações aos alunos.

- 48 -
Segundo Carvalho (2004, p. 85), os professores devem perceber
que os aprendizes “têm diferentes ritmos de aprendizagens, motivações,
necessidades e desejos. Não existem turmas homogêneas em termo de
aproveitamento, embora possam ser homogeneizadas pelo critério de
idade, ou de nível socioeconômico”. Assim, de acordo com a autora, não
ficaremos frustrados ou desestimulados ao perceber que alguns alunos
levam mais tempo para aprender, pelo contrário, isso deve nos motivar
na reinvenção das nossas práticas em sala de aula, por meio do
desenvolvimento de metodologias adequadas à aprendizagem dos
educandos.
No ensino-aprendizagem de ortografia, o uso de produções
textuais é recorrente e quando as analisamos, percebemos muitos
problemas resultantes da não-aprendizagem efetiva da língua escrita.
Muitos desses são atribuídos à heterogeneidade e à falta de prontidão,
mas eles são, possivelmente, “resultantes de ações pedagógicas
impróprias e, muitas vezes, decorrentes de uma carência técnico-teórica
docente no que se refere ao domínio da estrutura e do funcionamento
da língua materna” (SIMÕES, 2006, p. 62). Isso ocorre, não por falta de
compromisso do professor , mas, provavelmente, por falha em sua
formação.
O conhecimento do professor, principalmente nas áreas de
Fonética e Fonologia, é essencial para um bom trabalho com o ensino de
língua materna, notadamente, o de ortografia, pois assim ele conseguirá
entender a relação assimétrica entre o sistema ortográfico e o sistema

- 49 -
fonológico, por meio do conhecimento das relações entre grafemas e
fonemas.
É importante conhecer os diversos aspectos da língua que é
ensinada, bem como saber organizar as situações didáticas que
contemplem as necessidades de aprendizagem dos alunos. O
conhecimento do professor acerca do sistema ortográfico auxiliará o
desenvolvimento de um ensino adequado da língua portuguesa como
um todo, especialmente dos aspectos ortográficos.
A Linguística, ao tratar das questões assimétricas referentes aos
sistemas fonológico e ortográfico, tem importante papel na formação do
professor que trabalha com o ensino do PB. Ela contribui
significantemente para fomentar discussões sobre o ensino e a
aprendizagem da língua e isso pode auxiliar o professor a estabelecer a
forma mais adequada de a língua ser trabalhada.
Compreendemos que o conhecimento do professor sobre a
organização e estrutura de sua língua pode ajudá-lo a desenvolver um
trabalho mais acurado e sistemático de ortografia, que deve começar nos
anos iniciais e evoluir gradativamente ao longo de todo o ciclo escolar. É
preciso o professor ter olhar atento e voltado para a análise do texto dos
alunos, saber distinguir se as alterações ortográficas que eles estão
cometendo são de natureza ortográfica ou de natureza fonética e quais
as necessidades mais imediatas de intervenção para atenuá-las.

- 50 -
O ensino e a aprendizagem de ortografia
Não é novidade que um dos assuntos mais recorrentes da
aprendizagem do PB é o relacionado à ortografia. De acordo com os PCN
(1997), o ensino de ortografia ocorre, de modo geral, através da
reprodução de regras, das correções dos ditados e das redações,
posteriormente, o professor pede para os alunos copiarem muitas vezes
as palavras escritas em desacordo com a norma ortográfica, para
aprendê-las e apesar de conseguirem reproduzir verbalmente tais
regras, na hora de escrever os alunos continuam errando. O que precisa
ocorrer, porém, é um trabalho com essa norma, de forma
contextualizada, pois assim os alunos saberão o motivo de ter que
escrever corretamente. Assim, o ensino de ortografia precisa ser
organizado de modo a propiciar a

- inferência dos princípios de geração da escrita


convencional, a partir da explicitação das
regularidades do sistema ortográfico (isso é
possível utilizando como ponto de partida a
exploração ativa e a observação dessas
regularidades: é preciso fazer com que os alunos
explicitem suas suposições de como se escrevem
as palavras, reflitam sobre possíveis alternativas
de grafia, comparem com a escrita convencional
e tomem progressivamente consciência do
funcionamento da ortografia); - a tomada de
consciência de que existem palavras cuja
ortografia não é definida por regras e exigem,
portanto, a consulta a fontes autorizadas e o
esforço de memorização (PCN, 1997, p. 52).

- 51 -
Os PCN (1997) ainda preceituam que o ensino ortográfico precisa
ser efetivado por meio da conscientização dos alunos sobre a
organização da convenção ortográfica e do conhecimento da existência
de regularidades e irregularidades. Com isso, a aprendizagem deles será
mais sólida, pois entenderão, de forma mais apropriada, o
funcionamento de tal convenção.
Em relação ao surgimento da ortografia, Miranda et al. (2005)
mencionam que ela surgiu para garantir a unidade do sistema de língua
escrita e tem natureza fonêmica, pois se tivesse natureza fonética, ou
seja, se representasse precisamente os sons da fala, iríamos ter tanta
diversidade, que a escrita perderia o seu papel unificador.
O ensino de ortografia foi/é norteado, no Brasil, por diferentes
vertentes. Conforme Silva e Morais (2007), existem três formas de
conceber o ensino de ortografia: a “tradicional”, segundo a qual o ensino
acontece por meio da repetição e da memorização. A tida como
“progressista”, na qual não deve haver o ensino da norma, pois o aluno
a aprende naturalmente. E a terceira perspectiva, que é a adotada pelos
autores, nela, segundo mencionam, o ensino de ortografia necessita
acontecer, sim, dentro da escola, mas de forma sistemática e como
objeto de reflexão.
Assumimos, nesta análise, a terceira concepção de ensino, que
possibilita não só ensinar e aprender a ortografia, mas também refletir
sobre as relações entre grafemas e fonemas e compreender as

- 52 -
regularidades e arbitrariedades da norma ortográfica. É nessa
perspectiva que desenvolvemos nossas atividades por meio da
sistematização do ensino ortográfico, possibilitando uma aprendizagem
mais reflexiva sobre a norma.
Ao observar o panorama da educação escolar brasileira, notamos
que durante muito tempo o ensino de ortografia ocorreu apenas de
forma tradicional. As atividades ortográficas eram efetivadas por meio
de ditados e as palavras erradas deveriam ser reescritas várias vezes,
para ocorrer a memorização por parte do aluno. Isso corrobora a noção
equivocada de que a aprendizagem da norma se faz por meio da
repetição e da memorização (SILVA; MORAIS, 2007).
Apesar das modificações pelas quais a educação passou, o trato
que a ortografia recebe na escola pouco se alterou nas últimas décadas.
A partir da década de 1980, por influência da interpretação equivocada
da teoria construtivista, muitos professores passaram a não ensinar
ortografia em sala de aula, pois esperavam que seus alunos a
aprendessem naturalmente, por outro lado, apesar de não ensinarem,
esses docentes cobravam dos aprendizes o conhecimento sobre a norma
ortográfica (MORAIS, 2007)
Diferente dessas perspectivas tradicionais e progressistas,
hodiernamente, existem diversas pesquisas com foco no processo de
ensino-aprendizagem de ortografia de forma reflexiva e sistematizada
(MORAIS, 1999, 2000, 2007; REGO, 2007; NÓBREGA, 2013). Esses
estudos postulam que a efetivação desse processo deve ocorrer não de

- 53 -
forma tradicional ou ‘natural’, mas por meio da reflexão, que
proporcione aos alunos a compreensão do funcionamento e organização
do sistema ortográfico.
O trabalho em sala de aula com o ensino e a aprendizagem de
ortografia tem se tornado um grande desafio para os professores de
Língua Portuguesa e muitos não sabem como iniciar um ensino eficiente.
Nóbrega (2013) assevera que antes de começar a ensinar ortografia, é
necessário fazer um diagnóstico sobre o que os alunos já sabem e quais
as principais necessidades de aprendizagem em um primeiro momento.
O professor deve começar diagnosticando as principais
dificuldades encontradas pelos alunos na hora de escrever. A partir disso,
poderá estabelecer ações didáticas que possibilitem ao aluno aprender
acerca do sistema ortográfico, tendo contato com as regularidades, em
um primeiro momento, e com irregularidades, posteriormente.
Com essa coleta inicial de dados, sobre o conhecimento dos
alunos, o professor poderá nortear suas diretrizes de ensino, no sentido
de preencher as lacunas deixadas pelos anos anteriores e de possibilitar
uma aprendizagem significativa sobre a norma ortográfica.
Ao ensinar ortografia, é relevante que o professor leve em
consideração as diferentes relações entre letras e sons. Embora seja
necessário iniciar o ensino sobre o sistema ortográfico por meio das
regularidades, o docente não pode se limitar apenas a elas, pois isso
pode dificultar a aprendizagem dos alunos, os quais podem supor que
todas as relações estabelecidas entre formas gráficas e fonemas são

- 54 -
estáveis. De acordo com Nóbrega (2013, p. 10), na aprendizagem de
ortografia “o aluno tem que ter consciência sobre as representações
arbitrárias na língua escrita e que em determinados casos ele terá que
memorizar a escrita de determinadas palavra e quando as dúvidas
persistirem o dicionário deve ser consultado”. Contudo, muitos
professores não trabalham ainda nessa perspectiva.
Faraco (2010) esclarece que o trabalho com as irregularidades,
nas quais a escolha do grafema pode estar relacionada à etimologia da
palavra, acaba por dificultar a aprendizagem do aluno, pois não há uma
regra para assegurar a escrita correta de determinado vocábulo. O autor,
assim como outros estudiosos (SIMÕES, 2006; OLIVEIRA, 2005),
defendem o uso do dicionário como recurso na aprendizagem da
convenção ortográfica.
Compreendemos que é relevante a escola organizar o ensino-
aprendizagem da convenção ortográfica de forma sistematizada,
possibilitando igualdade dentro da diversidade, estabelecendo
circunstâncias de aprendizagem mais eficientes, possibilitando que a
maior parte dos alunos aprendam efetivamente, pois “a aprendizagem
da ortografia é um trabalho reflexivo e continuado que requer situações
didáticas provocativas, capazes de desafiar o aluno para aprender, de
forma inteligente, a norma ortográfica” (REGO, 2007, p. 43).
Defendemos que uma aprendizagem significativa sobre o sistema
ortográfico deve ser realizada por meio de um ensino efetivo sobre as
relações entre grafemas e fonemas. É importante os professores

- 55 -
trabalharem atividades em que os alunos entendam que em alguns casos
eles terão uma regra para grafar a palavra, no caso das regularidades, e
em outros, não há regra que ajude na escrita correta, no caso das
irregularidades. A conscientização desses fatos pode contribuir na
melhora do ensino-aprendizagem da norma ortográfica.
A apropriação gráfica do fonema /s/ é uma das aprendizagens
que mais oferecem dificuldades aos alunos, isso é decorrente,
possivelmente, das várias possibilidades de grafar tal fonema com
diferentes letras, da arbitrariedade do sistema e da imaturidade normal
dos alunos ao se apropriarem das regularidades e das irregularidades
dessa unidade sonora.
Essas várias formas que o fonema /s/ pode apresentar são
denominadas de representações múltiplas. Zorzi (1998, p. 91) ressalta
que elas são decorrentes da “ausência de uma relação única e estável
entre letras e sons, de modo que a cada letra corresponda somente um
som e vice-versa”.
De acordo com Faraco (2010), temos dez opções disponíveis de
grafemas para representar tal unidade sonora no nosso sistema de
escrita: c, s, ss, z, sc, ç, sç, xs, xc e x. Porém, existem determinadas
limitações para algumas dessas opções, assim, por exemplo, o som /s/
na posição de ataque inicial, diante das vogais a, o, u, só pode ser
representado pela letra s; em tal posição, diante das vogais e, i, o som só
pode ser representado pelas letras s ou c. Em final de palavra, para
indicar marca de plural, só se usa a letra s, nesses casos a escrita da

- 56 -
unidade sonora mencionada é regular. Em posição de coda silábica
medial, isto é, em fim de sílaba no meio da palavra, é precedido pelas
vogais a, i, o, u, será sempre s, porém precedido por e, pode ser s ou x
(texto, teste); o uso de ss, sc, sç e sc só acontece em contexto
intervocálico, enquanto s e z, representando o fonema /s/, não aparece
nesse contexto.
A observação dessas possibilidades de representação para o
fonema /s/ nos mostra quanto é difícil, especialmente, para quem está
aprendendo a norma ortográfica, escrever corretamente. Prova disso
são os vários erros encontrados em produções escritas decorrentes das
representações múltiplas desse fonema (“dansando”/ dançando,
“senora”/ cenoura, “palhaso”/ palhaço).
Em um estudo sobre erros ortográficos realizado por Miranda et
al. (2005) foi constatado que os desvios de ortografia predominantes
eram relativos à grafia do fonema /s/, com índice de, aproximadamente,
70%. A análise concluiu que eles ocorreram em maior quantidade nas
correspondências de trocas de z por s, em torno de 30% dos casos, e de
s por c ou ç, em 20% das ocorrências.
Além de diagnosticar os tipos de desvios que os alunos estão
cometendo, o professor precisa, conforme Monteiro (1999), entender o
papel importante da intervenção pedagógica, na medida em que,
dependendo da forma como ocorrem essas explorações, o aluno poderá
chegar a uma melhor e mais rápida compreensão das normas e dos
limites do sistema. Segundo a autora, é indispensável perceber “o grau

- 57 -
de complexidade imposto ao aprendiz, quando da compreensão e
apropriação da ortografia. [...] É necessário que conheçamos o que os
‘erros’ das crianças podem estar representando nessa dura jornada de
compreensão da língua escrita” (MONTEIRO, 1999, p. 48). Isso só
ocorrerá se o professor souber lidar com as inúmeras dificuldades
encontradas na hora de ensinar e compreender as questões
concernentes à aprendizagem dos alunos, em relação à apropriação da
norma ortográfica.
Acreditamos que o ensino de ortografia de forma reflexiva é
indispensável nas escolas, por ser um dos meios mais eficazes para que
os alunos se apropriem dos conhecimentos sobre o sistema ortográfico.
No caso do fonema /s/, o professor poderá desenvolver atividades
didáticas que permitam a reflexão e introduzir o hábito de consultar o
dicionário quando houver incerteza na grafação do vocábulo.
O professor não deve ater-se ao ensino apenas das regras
ortográficas, esquecendo-se de analisar todas as hipóteses reflexivas
realizadas pelos alunos na hora de escrever determinadas palavras. É
preciso observar que o aprendiz, ao cometer os erros ortográficos está,
na verdade, fazendo reflexões a respeito da língua e que essas são
extremamente importantes e naturais quando estamos nos apropriando
dos conhecimentos da ortografia.

- 58 -
Metodologia
Quanto à abordagem de análise dos dados, este estudo é de
cunho quali-quantitativo; com base nos objetivos é uma pesquisa
descritiva; e em relação aos procedimentos é uma pesquisa de campo,
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do
Piauí, com o número do Certificado de Apresentação para Apreciação
Ética - CAAE - 36661714.7.0000.5209.
Os dados foram coletados em duas etapas: uma com as
professoras do Grupo Controle e a outra com os alunos do 5º ano, do
Grupo Controle e do Experimental. Com as professoras aplicamos duas
atividades, a primeira relativa à prática de ensino ortográfico e a
segunda, ao conhecimento referente ao fonema /s/.
No que diz respeito à coleta de dados com os alunos, dividimos
as turmas em dois grupos, um de controle, a turma do 5º ano da escola
A7, na qual a nossa ação foi apenas de observar e um experimental, a
turma do 5º ano da escola B, na qual atuamos também como professora
e aplicamos uma proposta de trabalho que visou amenizar os erros
ortográficos decorrentes das múltiplas representações do fonema /s/.
Utilizamos oito atividades para coletas os dados com os
aprendizes de ambos os grupos. As cinco primeiras atividades,
compostas por recontagem de fábula, ditado imagético, ditado
interativo, preenchimento de texto lacunado e atividade de produção de

7
Optamos por utilizar, nesta pesquisa, a denominação escola A e escola B, para manter
o anonimato em relação ao nome das instituições que participaram deste estudo.

- 59 -
texto ocorreram antes da intervenção no Grupo Experimental. Já as
atividades de reescrita da fábula, do ditado imagético e da produção de
texto espontâneo, isto é as atividade de 6 a 8, ocorreu posterior à
referida intervenção.

Análise dos dados das professoras do Grupo Controle


A coleta dos dados com as professoras do Grupo Controle por
meio da aplicação de duas atividades. A atividade 1 englobou questões
sobre a prática de ensino ortográfico e continha 10 (dez) questões que
objetivaram: caracterizar as práticas das professoras do Grupo Controle
no que concerne ao ensino de ortografia; e analisar o conhecimento
dessas docentes sobre as regularidades e irregularidades do sistema
ortográfico, especialmente do fonema /s/.
Por meio das análises das respostas das professoras do Grupo
Controle, na atividade 1, inferimos que elas não possuem conhecimento
suficiente sobre o sistema ortográfico e que suas práticas de ensino da
ortografia estão distantes dos padrões que levam o aluno a refletir,
explicar e discutir as relações grafemas-fonemas, pois nem mesmo essas
professoras têm um domínio das referidas relações. Essas práticas das
docentes ainda estão pautadas em perspectivas tradicionais de ensino
ortográfico e na concepção de aprendizagem mecanizada dos
educandos.
Com relação à atividade 2, que objetivou compreender melhor a
apropriação do conhecimento das professoras sobre o sistema

- 60 -
ortográfico, a análise das três questões nos leva a acreditar que as
docentes tiveram uma formação inicial defasada, quanto aos aspectos
relativos à área de língua portuguesa, e não realizam formação
continuada com foco na citada área, fato revelado pelas justificativas
dadas ao longo das três atividades.
As análises das atividades 1 e 2 nos revelam, diante do panorama
relacionado às práticas da P1 e da P2 e ao conhecimento delas sobre o
sistema ortográfico, que é necessário investir na formação do
profissional que trabalha com língua portuguesa, especialmente nos
anos iniciais, para que ele conheça a natureza e as especificidades do
ensino da língua.
Os dados também nos conduzem a pressupor que o próprio
professor dos anos iniciais se ressente da falta de conhecimento para
lidar com esse ensino sistemático de língua portuguesa, notadamente o
ensino dos aspectos ortográficos, uma vez que esse conhecimento é
basilar para compreender as questões concernentes à estrutura, à
organização e ao funcionamento da língua.
Nesse contexto, defendemos que seja indispensável, para
melhorar as práticas relacionadas ao ensino de ortografia e ao
conhecimento sobre o sistema ortográfico desse profissional dos anos
iniciais, rever a formação inicial, uma vez que as disciplinas voltadas para
o ensino de língua portuguesa, na graduação, não são suficientes para
subsidiar o conhecimento referente a essa área. Dessa forma, pensamos
que seja importante uma revisitação do conhecimento linguístico na

- 61 -
formação inicial desses professores, assim como possibilidades mais
concretas de ampliar esse conhecimento em cursos de formação
continuada.

Análises dos dados dos alunos


A nossa categorização dos erros ortográficos produzidos pelos
alunos do Grupo Controle e do Grupo Experimental (doravante GC e GE,
respectivamente) foi englobada em uma categoria, denominada de
representações múltiplas do fonema /s/. Assim o fizemos, porque esses
desvios foram os mais presentes nas escritas dos alunos do 5º ano dos
dois grupos. Essas alterações ortográficas foram resultantes, ou da falta
de observação da regularidade do fonema /s/ em início de palavra, ou da
ausência de conhecimento das irregularidades dessa unidade sonora no
sistema ortográfico.
Dentre as alterações ortográficas ocasionadas pelas
representações múltiplas do fonema /s/, encontramos, em maior
número, as trocas das formas gráficas de c por s, 21,5% (“paresiam”,
“senolra”), s por c, 15,2% (“centaram”, “centem”) e ç por s, 14,1
(“liguisa”, “priguisoza”). Essas trocas, segundo atestam as análises,
representaram mais de 50% dos erros encontrados nas escritas dos
aprendizes do GC e do GE.
Os alunos do GE produziram, nas atividades de coleta dos dados,
cento e setenta e nove desvios ortográficos resultantes das
representações múltiplas do fonema /s/, cento e cinquenta e um, nas

- 62 -
atividades de 1 a 5 e vinte e oito, nas de 6 a 8. Nesse contexto, os
aprendizes do GC apresentaram cento e setenta e cinco erros
decorrentes dessas representações, cento e trinta e um, nas primeiras
tarefas e quarenta e quatro, nas tarefas de reescrita.
Os erros ocasionados pelas representações múltiplas do fonema
/s/ totalizaram, nas escritas dos alunos dos dois grupos, 354 (trezentos e
cinquenta e quatro) desvios de grafia. De acordo com o gráfico 1, nas
primeiras atividades, o número de alterações de ortografia, na categoria
em análise, foi maior na escrita dos alunos do GE. Por outro lado, nas
atividades de reescrita, conforme o gráfico 2, os alunos do GC
produziram mais desvios ortográficos do que os aprendizes do GE. Esses
dados, provavelmente, refletem os resultados das práticas de ensino
ortográfico efetivadas no GE e no GC.
Defendemos, assim como Silva e Morais (2007), que, para
efetivar um ensino sistemático de ortografia, é preciso desenvolver
situações nas quais sejam exigidas dos aprendizes reflexão, discussão,
explicação e sistematização acerca do conhecimento que possuem sobre
a convenção ortográfica. Dessa forma, esses alunos terão consciência do
que é regular e irregular na norma.
Dos erros cometidos pelos alunos do GC, 74,9% ocorreram nas
primeiras atividades e 25,3%, nas segundas. No GE, os desvios
produzidos pelos aprendizes corresponderam a 84,35%, nas tarefas de 1
a 5, e a 15, 65%, nas de 6 a 8. Observamos que em ambos os grupos
houve redução na quantidade de alterações ortográficas, porém, nas

- 63 -
atividades de reescrita, os aprendizes do GE mostraram ter mais
conhecimento das relações fonográficas do que os alunos do GC, fato
evidenciado pela diminuição mais notória do número de desvios
ortográficas observada no GE.
Ressaltamos que quando o aluno compreende que existem
palavras cuja escrita é assegurada por regras e outras nas quais não
existem regras que ajudem na grafação correta, eles entendem melhor a
relação assimétrica entre grafemas e fonemas. Nesse contexto, é
imprescindível também que o professor respeite os limites dos
aprendizes, já que estes têm ritmos diferentes de aprendizagem.
Os alunos, na aprendizagem sobre o sistema ortográfico, devem
ser conscientizados das limitações impostas pelo próprio sistema, assim
deverão compreender que o fonema /s/, em início de palavras, é
representado pelo grafema s, diante das vogais a, o, u e pelos grafemas
s ou c, diante das vogais e e i, bem como de que não iniciamos, no PB,
vocábulos com ç. O conhecimento desses contextos regulares e
irregulares auxiliará os aprendizes na apropriação gráfica do referido
fonema.
O professor, ao ensinar ortografia, deve também saber, conforme
Nóbrega (2013), que, apesar de o aluno ter se apropriado do
conhecimento em relação ao emprego de um determinado fonema, em
diversos contextos, essa apropriação não assegura que esse aprendiz
nunca mais cometa algum desvio ortográfico. A etapa de sistematização
leva tempo e exercitação para que ocorra a aprendizagem efetiva das

- 64 -
regras e a compreensão das irregularidades. Nesse processo, o aluno
deve ser instigado a avaliar sua própria aprendizagem, para observar o
que aprendeu e o que ainda deve ser aprendido.
Das cento e setenta e cinco alterações ortográficas ocasionadas
pelas múltiplas representações do fonema /s/, cometidas pelos alunos
do GC, cento e uma ocorreram com a utilização inapropriada de
grafemas para efetivar a notação desse fonema, setenta e oito nas
atividades de 1 a 5 e vinte e três, nas atividades de 6 a 8. Na escrita dos
alunos desse grupo, houve grande redução na quantidade dos erros
cometidos nas segundas tarefas, em comparação com as primeiras. Esses
dados revelam que os aprendizes do GC entenderam que há grafemas
que não podem representar o som /s/, em determinadas situações.
No GE os dados revelam que, dos cento e setenta e nove desvios
de ortografia relativos à categoria em análise, oitenta e sete
aconteceram com o emprego inapropriado de grafemas para
representar a unidade sonora /s/, setenta e oito nas atividades de 1 a 5
e oito, nas de reescrita. Notamos que ocorreu, nesse grupo, uma redução
mais expressiva do que no GC, quanto aos erros ocasionados pela
utilização inapropriada de grafemas para fazer a notação da unidade
sonora /s/. Essa redução expressiva, na quantidade desses tipos de erros,
evidencia que os alunos do GE compreenderam que há limitações no
sistema para representar determinados sons e que o fonema /s/ está
entre os que têm várias representações fonográficas.

- 65 -
Nesse contexto, observamos que os alunos do GE cometeram
menos alterações ortográficas do que os alunos do GC, na utilização de
formas gráficas indevidas para representar o fonema /s/, nas segundas
atividades. Esse fato evidencia que o ensino sistemático e reflexivo
realizado no GE auxiliou os educandos a se apropriarem melhor do
conhecimento relativo ao sistema ortográfico e às relações fonográficas.
Para Faraco (2010), quando se trata do ensino das relações
irregulares do sistema ortográfico, a aprendizagem da forma correta da
palavra está intrinsicamente associada à memorização e é nessa
perspectiva que o professor deve trabalhar sistematicamente.
Dessa forma, as atividades desenvolvidas em sala de aula, para
ensinar sistemática e reflexivamente, devem permitir ao educando
descobrir e formular a regularidade, assim como compreender os
contextos arbitrários para que possa prever os grafemas que
representam determinados fonemas.
Partilhamos também, nesse panorama de ensino, o pensamento
de Nóbrega (2013), para quem o diagnóstico tem papel relevante no
ensino, já que é por meio dele que o professor saberá que conhecimento
seus alunos possuem e quais os que ainda precisam adquirir. E assim
como a autora, também pensamos que esse ensino reflexivo de
ortografia não tem como objetivo erradicar as alterações ortográficas,
mas “[...] antecipar quais são os contextos em que mais de um grafema
concorre para representar um mesmo fonema e escapar das armadilhas”
(NÓBREGA, 2013, p. 50).

- 66 -
Destacamos que o ensino de ortografia no GE foi efetivado
através de atividades interventivas elaboradas com o objetivo de
permitir aos aprendizes ver, ouvir, falar, escrever, refletir e sistematizar
os conhecimentos referentes à ortografia. Dessa forma, buscamos
possibilitar aos alunos do referido grupo, a compreensão das relações
fonográficas e o uso efetivo dessas, na escrita.
Ao cotejar os resultados, dos dois grupos participantes deste
estudo, notamos que a quantidade de desvios ortográficos analisados foi
superior, nas atividades de 1 a 5, nas escritas dos aprendizes do GE,
ressaltamos que nessas atividades ainda não tínhamos realizado a
intervenção no referido grupo. Já nas tarefas de 6 a 8, isto é, depois da
intervenção no GE, as alterações ortográficas foram mais recorrentes nas
escritas dos alunos do GC.
Apesar de observarmos que os alunos do GE, nas atividades de
reescrita, tiveram melhor desempenho do que os do GC, enfatizamos
que eles permaneceram cometendo erros associados às
correspondências múltiplas do fonema /s/, utilizando grafemas que
competiam e que não competiam para representar essa unidade sonora.
No que diz respeito aos desvios produzidos em situação regular,
notamos que esses aconteceram apenas na escrita de dois alunos, um do
GC e um do GE. Acreditamos que esse número reduzido de alterações
ortográficas, na dada situação, é decorrente do fato de os aprendizes, de
ambos os grupos, já conhecerem determinadas restrições de
correspondências fonográficas, no sistema ortográfico. Em relação ao

- 67 -
uso indevido de grafemas para representar o fonema /s/, nas segundas
tarefas, percebemos que os aprendizes do GC apresentaram mais
alterações ortográficas do que os do GE.
Ressaltamos ainda que foram notórias, em ambos os grupos
analisados, as dificuldades que os alunos apresentaram na aprendizagem
das regularidades e irregularidades das relações fonográficas,
especialmente as relativas ao fonema /s/, dada a quantidade de
grafemas para fazer a notação dessa unidade sonora.
As nossas análises revelaram que os dois grupos reduziram a
quantidade dos erros ortográficos, mas os alunos do GE tiveram melhor
desempenho, quanto à apropriação gráfica do fonema /s/, posterior à
intervenção, do que os alunos do GC. Atribuímos esse resultado às
práticas de ensino sistemático de ortografia realizadas no GE, que
propiciaram aos aprendizes desse grupo compreender de forma reflexiva
as correspondências entre grafemas e fonemas.

Pontuações Finais
O nosso estudo apresentou reflexões concernentes à
aprendizagem da ortografia, mais especificamente à apropriação gráfica
do fonema /s/, por alunos do 5º ano de duas escolas públicas municipais
da cidade de Santa Cruz do Piauí – PI.
Os dados das duas professoras do GC, na atividade 1, revelaram
que elas não desenvolvem em sala de aula tarefas que possibilitem aos
aprendizes ter contato com o ensino sistemático da norma, já que

- 68 -
desenvolvem o trabalho pautado em perspectivas tradicionais de ensino
ortográfico e na concepção de que os alunos aprendem por meio de
atividades mecânicas, ou de repetições e treinos ortográficos, ou de
conhecimento da forma correta de grafar dada palavra, sem refletir
sobre as relações fonográficas presentes nela. Em relação à atividade 2,
notamos que o conhecimento das docentes sobre o sistema ortográfico
é insuficiente para lidar com o ensino sistemático de ortografia, uma vez
que elas evidenciaram não ter domínio das relações assimétricas entre
grafemas e fonemas.
Quanto às análises dos textos dos alunos do GC e do GE,
observamos que os erros mais frequentes foram os relacionados às
representações múltiplas do fonema /s/, corroborando os resultados de
estudos de autores como Zorzi (1998, 2009) e Miranda et al. (2005). Os
nossos dados também evidenciaram que dada a multiplicidade de
formas gráficas para representar esse fonema, c, s, ss, z, sc, ç, sç, xs, xc e
x, a maior parte do erros ocorre em contextos arbitrários.
Como o ensino no GE foi pautado em atividades interventivas que
possibilitaram aos educandos ver, ouvir, falar, escrever e refletir sobre a
convenção ortográfica, percebemos que os alunos que passam por um
processo interventivo desenvolvem mais consciência das relações
fonográficas do que os aprendizes que não passam por esse processo.
Pensamos que isso seja reflexo das ações didáticas utilizadas no ensino-
aprendizagem, já que os educandos que têm um ensino sistemático
entendem melhor as regularidades e irregularidades do sistema e

- 69 -
compreendem os contextos em que a grafação da palavra é realizada por
meio de regras e os que precisam de estratégias de memorização.
Percebemos, diante do panorama apresentado, que é necessária
a realização do ensino de ortografia de forma sistemática. Assim, o
professor inicia diagnosticando as necessidades mais imediatas de
aprendizagem dos seus alunos e depois estabelece ações didáticas que
possibilitem a esses aprender a norma ortográfica de forma significativa.
Pensamos que é indispensável o ensino ortográfico ser realizado de
forma que contemple as situações regulares e irregulares, para que os
alunos compreendam os contextos fonográficos do PB. Esse ensino
sistemático deve começar a ser implantado nos anos iniciais e se
prolongar por todo o ciclo escolar dos alunos.

- 70 -
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64p.

- 72 -
PROGRESSÃO TEXTUAL: REVISÃO LITERÁRIA E

3 POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS PARA O ENSINO DE

ESCRITA

Lara Niederauer Machado

Priscila Luísa Strenzel8

Considerações iniciais

A decisão de abordar a Linguística do Texto e seus reflexos na

metodologia de ensino na Educação Básica surgiu devido ao grande

interesse a tudo que tange ao ensino da Língua Portuguesa e as

diferentes formas de ensinar dentro de uma concepção

sociointeracionista de ensino e aprendizagem. Assim, define-se, como

objetivo geral deste capítulo, a investigação acerca da metarregra da

progressão textual e de como essa pode qualificar a produção textual, na

modalidade escrita, de alunos da Educação Básica. Para tanto,

estabelece-se como objetivos específicos: (1) revisar a literatura acerca

da Linguística do Texto e; (2) mapear dentro desses estudos o lugar das

8
Alunas do Mestrado em Letras – Área Estudos Linguísticos do Programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade Federal de Santa Maria.

- 73 -
metarregras, investigando as especificidades, especialmente, da

progressão textual.

Para isso, divide-se a sessão da Fundamentação teórica em três

grandes tópicos: no primeiro, Linguística do Texto: constituição do texto

como objeto de estudo, busca-se elucidar, a partir de um breve histórico

da constituição dos estudos da Linguística do Texto, a constituição do

texto enquanto objeto investigativo; no segundo tópico, Coerência

textual e a metarregra da progressão, dá-se atenção especial à questão

da coerência textual, fator de textualidade, e das metarregras

estabelecidas por Charroles, especialmente a metarregra da progressão

textual; por fim, no terceiro tópico, Desdobramentos para o ensino de

produção textual escrita, objetiva-se investigar abordagens didáticas

para o ensino da Língua Portuguesa na Educação Básica que tenham as

discussões teóricas apresentadas como embasamento teórico. Na

tentativa de apontar suas contribuições para o ensino da língua materna,

parte-se dos estudos de Koch e Elias (2015) e de Cavalcante, Filho e Brito

(2014) acerca do critério de coerência, sem ater-se estritamente às

categorizações propostas pelas autoras.

Fundamentação teórica

Linguística do Texto: constituição do texto como objeto de estudo

- 74 -
Os estudos relacionados ao texto são relativamente recentes

quando se considera a história de constituição científica da Linguística.

Surgida na década de 1960, no contexto europeu, a Linguística do Texto

constitui, conforme Fávero e Koch (1983), um novo ramo da Linguística.

Esse termo, Linguística do Texto (doravante, LT), já poderia ser

encontrado em Determinácion y entorno: de los problemas de uma

linguística del hablar (1955)9, de Cosériu; contudo, Fávero e Koch (1983)

atentam que Weinrich foi o primeiro a empregá-lo no sentido em que é

atualmente atribuído em Linguistik der Lüge (1966)10 e Syntax als

Dialektik (1967)11.

A constituição de um novo campo acerca dos estudos do texto,

lembra Bentes (2008), vai de encontro à perspectiva da Linguística

Estrutural, que excluía sujeito e situação de comunicação de suas

preocupações teóricas. A abordagem da LT parte da hipótese de

conceber o texto – e não mais a palavra ou a frase - como objeto de

investigação. Não obstante, essa passagem de uma teoria da frase a uma

teoria do texto não foi instantânea, sendo reconhecidas três fases no

percurso da constituição da LT tal como se conhece hoje: análise

9
COSÉRIU, E. (1955) Determinácion y entorno: de los problemas de uma linguística dei
hablar. Romanistisches Jahrbuch, 7, p. 29-54.
10
WEINRICH, H. (1966) Linguistik der Lüge. Heidelberg: Verlag Lambert Schneider.
11
WEINRICH, H. et al. (1967). “Syntax als Dialektik” (Bochumer Diskussion). In: Poetica,
1, p. 109-126.

- 75 -
transfrástica, gramática textual e teorias do texto. Esses momentos não

se diferenciam pela ordem de ocorrência, mas sim pelos objetivos

estabelecidos.

O primeiro momento, análise transfrástica, parte da frase e das

relações transfrásticas em direção à construção dos sentidos. Esse

movimento ocorre a partir do momento em que se observou a existência

de fenômenos linguísticos que já não mais podiam ser explicados pelas

teorias sintáticas e semânticas advindas do estruturalismo e da

gramática gerativa, as quais eram vigentes até então. O texto, nesse

momento, segundo diversos autores citados por Fávero e Koch (1983),

era conceituado como uma “frase complexa”, na qual se buscava a

exploração da coesão, dos elementos de conexão entre as frases.

O segundo momento, a tentativa de criação de uma gramática do

texto, surgiu a partir da percepção de que o texto se sobrepunha a frase.

Na tentativa de criação dessa gramática, buscou-se descrever as regras

de combinação de um texto em determinada língua, o que possibilitou a

verificação da textualidade de uma unidade textual fomentando o

estudo de elementos responsáveis pelas tipologias textuais. O

movimento que antes era feito da frase em direção ao texto, passa do

texto à frase – da macroestrutura à microestrutura.

- 76 -
Além disso, esses estudos passaram a considerar o sujeito e sua

capacidade de produção e reconhecimento de um texto – competência

textual - já que “todo falante de uma língua tem a capacidade de

distinguir um texto coerente e um aglomerado incoerente de

enunciados, e esta competência é também, especificamente,

linguística.” (FÁVERO; KOCH, 1983, p. 19). Porém, percebeu-se que não

seria possível categorizar todos os fenômenos devido à imensidão de

gêneros textuais existente.

No terceiro momento, teorias de texto, delineia-se outro

movimento: do texto e suas condições de produção em direção aos seus

constituintes. Segundo Marcuschi, nesse momento “surge a linguística

do texto propriamente dita, preocupada com os fatores de produção,

recepção e interpretação de textos” (MARCUSCHI, 2012, p. 12),

introduzindo em seus estudos o contexto pragmático, levando em

consideração condições externas ao texto. O contexto sociocultural em

que o discurso é produzido e recebido passa a ser um fator determinante

para a construção dos sentidos, o falante que, na fase anterior, possuía

uma capacidade textual de produzir e compreender textos, agora possui

competência comunicativa para adequar-se às mais diversas situações

de comunicação. Os estudos dessa terceira fase continuam sendo

- 77 -
desenvolvidos, abrindo espaço para abordagens mais amplas e

interdisciplinares.

Esses movimentos também refletiram no ensino da Língua

Portuguesa, o qual se desenvolvia a partir de concepções distintas de

objeto de ensino e aprendizagem, como os estudos preocupados com o

signo linguístico e com a frase. No entanto, os estudos do texto

proporcionaram uma nova maneira de ajustar a lupa com que se olha

para o ensino de língua materna, relevando outros fenômenos

relacionados à linguagem. Percebe-se, por exemplo, que a forma como

a linguagem era abordada anteriormente, deixava lacunas que só

podiam ser explicadas por meio da abordagem do texto como um todo,

ou levando em consideração um contexto situacional: questões como a

pronominalização, a correferência, o uso adequado dos artigos, entre

tantos outros, não eram abarcados nessas abordagens (FÁVERO; KOCH

1983).

Isso pode ser observado a partir do fim da década de 1990 com o

lançamento de documentos oficiais que orientam as práticas escolares,

como os Parâmetros Nacionais Curriculares (BRASIL, 1998). Nesses

programas, sugere-se que o ponto de partida para o ensino e

aprendizagem da Língua Portuguesa é o texto. Dessa forma, é necessário

compreender o conceito de texto, que, conforme a perspectiva teórica

- 78 -
adotada nesta investigação, está atrelado às concepções de linguagem,

língua e sujeito.

Segundo Geraldi (2011), é na interação em diferentes instituições

sociais que o sujeito aprende e internaliza as formas de funcionamento

da língua e os modos de manifestação da linguagem e, ao fazê-lo, vai

construindo seus conhecimentos relativos aos usos da língua e da

linguagem em diferentes situações. A língua é vista como uma forma de

ação social e histórica em que o sujeito constitui-se por ela e nela, agindo

sobre o mundo e constituindo-se como sujeitos críticos. Logo, é

necessário destacar que texto é um termo polissêmico nos estudos sob

rótulo da Linguística do Texto, e, assim, não é apresentada uma

concepção unívoca.

Na primeira fase, análise transfrástica, “o texto era considerado

uma frase complexa ou signo linguístico” (GOMES-SANTOS et. al., 2010,

p. 317) cuja atividade linguística envolvia a identificação e classificação

de fenômenos, tomando como objeto questões de coerência e coesão;

na segunda fase, gramática textual, houve certa mudança quanto à

concepção de tal objeto, pois se passou a considerá-lo como um ato de

fala complexo, ampliando os estudos de coerência a fim de incluir

questões de ordem cognitiva, como a produção e compreensão dos

textos. Depois da década de 1980, a terceira fase da LT, teorias de texto,

- 79 -
influenciada pelos estudos cognitivos, “fez ver o texto como o resultado

da ativação de processos mentais, e passou-se a adotar a noção de

modelos cognitivos, herdados da Inteligência Artificial e da Psicologia da

Cognição” (GOMES-SANTOS et. al., 2010, p. 318). A partir de então, com

a virada discursiva e a adoção das teorias de Bakhtin em relação à

dialogicidade da língua e os gêneros do discurso, o texto passa a ser

concebido como o espaço de interação.

O texto, para os fins deste trabalho é definido, segundo as

acepções de Koch e Elias (2015) como:

[...] lugar de interação de sujeitos sociais, os


quais, dialogicamente, nele se constituem e são
constituídos; e que, por meio de ações
linguísticas e sociocognitivas, constroem objetos
de discurso e propostas de sentido, ao operarem
escolhas significativas entre as múltiplas formas
de organização textual e as diversas
possibilidades de seleção lexical que a língua lhes
põe à disposição. (KOCH; ELIAS, 2015, p. 07).

Um dos estudos que teve influência nesse movimento foi o de

Beaugrande e Dressler (1981), para os quais um texto é definido como

uma ocorrência comunicativa, na qual emergem sete fatores de

textualidade12: coesão, coerência, intencionalidade, aceitabilidade,

12
“A TEXT will be defined as a COMMUNICATIVE OCCURRENCE which meets seven
stardads of TEXTUALITY.” (BEAUGRANDE; DRESSLER, 1981, p. 03).

- 80 -
informatividade, situacionalidade e intertextualidade. A definição de

texto, portanto, está relacionada à satisfação desses sete fatores, que

são relacionados não apenas com o material linguístico, mas também

com fatores relacionados à produção e à compreensão desse texto.

Dentre esses fatores, emergem as noções de coesão e coerência

textual, para as quais Charolles (2002) estabelece metarregras

(repetição, progressão, não contradição e relação). Essas metarregras

são destaque neste trabalho por serem questões linguísticas potenciais

para o trabalho em sala de aula, e uma dessas, a progressão, será

abordada na seção seguinte a partir da coerência, fator de textualidade.

Coerência textual e a metarregra da progressão

A partir dos estudos que tomam o texto como lugar de interação,

passa-se a considerar a subjetividade do leitor como fator importante

para a atribuição de sentidos à materialidade linguística, passando de um

sujeito passivo, mero recebedor de informações, ao sujeito ativo, capaz

de mobilizar seus conhecimentos sociocognitivos construídos

interativamente em prol da compreensão de textos. Sendo assim, a

experiência de mundo é, de alguma forma, incorporada ao texto lido,

passando a fazer parte da construção dos sentidos (KOCH; ELIAS, 2015).

- 81 -
O sentido de um texto, muitas vezes, é confundido com o critério

de coerência, porém é a situação de interação e o contexto de produção

que a determina. Logo, “a coerência surge da percepção de uma unidade

negociada de sentido que depende da intenção argumentativa do

locutor, da participação do interlocutor, das indicações marcadas na

superfície do texto e de um vasto conjunto de conhecimentos

compartilhados” (CAVALCANTE; CUSTÓDIO FILHO; BRITO, 2014, p. 21).

Dessa forma, o interlocutor passa a ser responsável pela constituição

coerente ou não de um texto, tornando-se sujeito participante da

interação texto-leitor por, justamente, ser responsável pela manipulação

de estratégias cognitivas que auxiliam na construção dos sentidos dos

textos.

Esse reconhecimento da coerência depende de diferentes

conhecimentos que são acionados simultaneamente, como esquemas

cognitivos, do contato que o sujeito possui com determinada cultura, do

conhecimento das circunstâncias em que o texto foi produzido, da

memória discursiva (KOCH; ELIAS, 2015). Entretanto, mesmo que a

coerência não esteja somente no texto, sua construção deve partir dele

e de sua materialidade linguística, as quais servem como guias na

construção dos sentidos.

- 82 -
Segundo Koch (2014b), a coerência é estabelecida em diversos

níveis, “sintático, semântico, estilístico, ilocucional, concorrendo todos

eles para a coerência global.” (KOCH, 2014b, p. 53), o que a torna um dos

fatores fundamentais da textualidade. Em suma, não há regras universais

que delimitem a coerência de um texto, ela depende tanto de fatores

extratextuais como da materialidade linguística intrínseca ao texto.

O estudo da coerência textual é de suma importância para a

Educação Básica, uma vez que auxilia a desconstruir a ideia do ensino

tradicional de Língua Portuguesa pautado apenas na gramática e na

descrição e classificação de categorias, priorizando a reflexão acerca dos

mecanismos linguísticos e sua colaboração na construção dos sentidos.

Partindo do que foi exposto anteriormente, percebe-se que o ensino do

texto em sala de aula pode ser combinado com as categorias de

coerência e metarregras propostas por Charroles.

Escolheu-se partir do clássico artigo de Charroles, "Introdução

aos problemas de coerência dos textos: abordagem teórica e estudo das

práticas pedagógicas" (2002), por justamente ser fruto de um estudo

preocupado com as questões do ensino de língua na escola básica, bem

como do posicionamento de professores frente aos problemas com a

coerência em textos. Nos parágrafos iniciais do referido artigo, o autor

afirma que o “trabalho apoiar-se-á sobre dados empíricos que dizem

- 83 -
respeito às práticas pedagógicas de professores” (CHARROLES, 2002, p.

43), pontuando a preocupação com o trabalho preocupado com

questões como a coerência e a coesão.

Nesse artigo, Charroles propõe quatro metarregras de coerência

para a boa constituição de um texto: metarregras de repetição, de não

contradição, de relação e, a que aqui será a abordada, de progressão.

Mesmo indicando sua separação, as metarregras dependem uma da

outra para sua constituição individual, o que reafirma que a coerência de

um texto envolve vários fatores.

Dentro do estudo da progressão textual desenvolvido por

Charroles, percebe-se que ele elenca uma subdivisão entre progressão

semântica, responsável pela articulação tema-rema, e a progressão

temática que introduz novas informações aos textos sem causar a fuga

do campo semântico que já vem sendo desenvolvido no texto.

Embasados nos postulados de Charroles, diversos autores

estudaram e ampliaram a noção de progressão, propondo novas formas

de categorização. Dentre esses estudiosos, destaca-se aqui Koch (2014a)

que compara a progressão textual com a atividade de tricotar, definindo-

a como dois grandes movimentos: um de retroação e outro de

prospecção. Esses dois movimentos são responsáveis pela criação da

progressão textual, também conhecida como continuidade. A autora, ao

- 84 -
considerar os estudos advindos da Linguística do Texto da vertente

cognitivo-discursiva-interacional, subdividiu a categoria em referencial,

temática e tópica, demonstrando o valor fundamental no

processamento textual e para os movimentos “discursivo-cognitivos”

(KOCH, 2014a, p. 125) de avanço e retroação.

A progressão referencial é definida por Koch (2014a) pela

introdução de referentes novos a partir de outros presentes no cotexto,

fazendo remissão a referentes já introduzidos no texto, apontando o

quanto a progressão e a continuidade referencial “exercem papel de

relevância na orientação argumentativa do texto, por decorrência, na

construção textual do sentido” (KOCH, 2014a, p. 127).

Já a progressão temática é considerada como “o avanço do texto

por meio de novas predicações sobre os elementos temáticos” (KOCH,

2014a, p. 130), ou seja, tema e rema, identificando aquele como a

informação conhecida e este como a informação nova, garantindo a

continuidade de sentidos do texto. Entre os principais tipos de

progressão temática, são citados por Koch (2014a): a progressão linear,

a progressão de tema constante, por subdivisão, por subdivisão do rema

e com salto temático.

Por fim, a progressão tópica é responsável pela continuidade

semântica de um texto, organizando a textualidade para que os

- 85 -
segmentos tópicos estejam relacionados com o tema geral. Essa

estratégia, segundo Koch (2014a, p. 139), “garante a manutenção do

supertópico” a fim de não prejudicar a coerência de um texto. O trabalho

com o supertópico na Educação Básica exige mediação, é uma atividade

que, se conduzida interativamente, auxilia no desenvolvimento da

habilidade de organização textual e na reflexão acerca da constituição e

do encadeamento das unidades do texto enquanto unidades de sentido.

A progressão textual, além de integrar um processo de

organização global do texto, faz parte de uma série de estratégias de

processamento textual de ordem cognitivo-discursiva: a referenciação.

Essas estratégias não são um simples processo elaboração de

informações, mas são responsáveis pela construção e reconstrução dos

objetos do discurso. Logo, a operação do material linguístico feita pelo

sujeito ao apropriar-se da língua, exprime a subjetividade ao realizar

determinadas escolhas dentro das possibilidades linguísticas em função

de uma intencionalidade, nem sempre comprovada pelo leitor.

Desdobramentos para o ensino de produção textual escrita

Após essa revisão bibliográfica, o intuito deste trabalho é discutir

como as nuances do fator de textualidade coerência podem auxiliar os

- 86 -
professores no ensino da Língua Portuguesa na Educação Básica,

especialmente, no que diz respeito à produção textual escrita.

Costal Val (1999), a partir de estudo quanti-qualitativo de

redações de vestibular, aponta alguns fatores que indicam falha no

requisito da progressão, como: repetição de poucas ideias; uso de

“vácuos semânticos” (Pécora, 1983 apud Costa Val, 1999); elaboração de

períodos curtos, independentes ou coordenados; pouco uso de

articuladores.

O estudo realizado por Cavalcante, Filho e Paiva Brito (2014)

voltado à reflexão sobre como os processos de referenciação devem

estar presentes no ensino da Língua Portuguesa, defendem que “o

desenvolvimento da competência textual do aprendiz depende do

domínio de estratégias textual-discursivas, dentre as quais emerge como

fundamental a utilização bem-sucedida dos processos referenciais”

(2014, p. 11). Esses processos permitem a compreensão de que é

possível, dentro do texto, a constante reconstrução e transformação da

representação dos referentes conforme as intenções dos interlocutores

e a situação de comunicação, uma vez que os objetos no mundo são

sempre interpretados.

Ainda segundo os autores, essas estratégias devem ter um lugar

especial na Educação Básica pela grande potencialidade no

- 87 -
desenvolvimento das competências em leitura e produção de textos.

Quanto à leitura, o estudo dessas estratégias de referenciação permite a

reflexão acerca do reconhecimento da intencionalidade presente à

materialidade linguística, deixando evidente que, por mais neutro que

pareça, todo o discurso é permeado por ideologias e, uma análise da

construção e reconstrução da representação dos referentes é capaz de

evidenciar parte dessas intencionalidades. Quanto à produção, tanto

oral quanto escrita, é importante que o sujeito envolvido na situação de

ensino e aprendizagem reconheça as especificidades dos diferentes

gêneros do discurso, sabendo adequar à organização do texto, bem

como os mecanismos linguísticos, em prol da construção dos sentidos

desejados no texto.

Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014) fazem três ponderações

acerca da referenciação que devem ser consideradas no trabalho de

ensino e aprendizagem. A primeira ponderação diz respeito à

(re)elaboração da realidade, que está relacionada à construção dos

objetos da realidade a partir da linguagem e das especificidades de cada

situação de interação. Dessa maneira, a escola deve abordar o papel da

linguagem na construção da realidade, especialmente, a partir de

atividades que tenham como foco as estratégias implicadas na

construção, transformação e evolução dos referentes de um texto.

- 88 -
A segunda consideração é a de que a referenciação é um processo

dinâmico, pois resulta de uma negociação entre os sujeitos que

interagem. O acordo quanto ao objeto em foco, estabelecido entre os

participantes, auxilia na progressão de uma interação.

Por fim, consideram a referenciação como um processo

sociocognitivo, ou seja, um processo que envolve e alia conhecimento e

experiências culturais dos sujeitos envolvidos. A partir disso, as autoras

registram algumas sugestões de atividades de ensino que envolvem os

fenômenos da recategorização, anáfora indireta e encapsulamento.

Considerações finais

A Linguística do Texto e a evolução de seus estudos permitiram

que fosse possível lançar um novo olhar sobre o ensino de línguas na

Educação Básica, principalmente sobre a compreensão, interpretação e

produção de textos. Tomando o texto como o próprio lugar de interação,

como é sugerido por Koch (2014a), é possível caminhar por todas as

dimensões possíveis da linguagem inclusive trabalhar com a

compreensão do funcionamento dos fenômenos da linguagem, sem

ater-se ao domínio dos termos técnicos,

Uma dessas dimensões diz respeito à coerência e os processos de

progressão textual intrínsecos a ela, os quais são de suma importância

- 89 -
que tenha um lugar especial no ambiente escolar, já que, por meio de

sua exploração, pode se dar a construção dos sentidos do texto.

A comunicação em língua materna, na maioria das vezes, não

exige de seus usuários, no uso corrente, uma reflexão acerca do domínio

teórico e analítico da linguagem. Entretanto, após o contato e a reflexão

acerca dos mecanismos linguísticos e suas funções, a percepção e a

construção dos sentidos não será mais a mesma. Logo, o domínio dessas

estratégias que possibilitam a progressão dos textos, proporciona ao

aluno a capacidade de refletir sobre o quanto a linguagem influencia e

fomenta ações, podendo até mesmo, proporcionar o reconhecimento do

seu lugar no mundo.

Ademais, as estratégias de referenciação só podem ser de fato

exploradas como sugeridas anteriormente, quando se tem o texto como

objeto de estudo na aula de Língua Portuguesa, assim como defende a

LT.

- 90 -
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- 92 -
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA

4 POSSIBILIDADE DE ANÁLISE TEXTUAL

Luciane Carlan da Silveira

Considerações iniciais
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), referentes ao Ensino
Fundamental, e as Orientações Curriculares Nacionais (OCN) do Ensino
Médio, ambos documentos que lançam diretrizes para o ensino em todo
país, evidenciam que a unidade básica do ensino de Língua Portuguesa
deve ser o texto. Mais especificamente, a “noção de gênero, constitutiva
do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino” (BRASIL, 1998, p.
23). Em tais documentos, entende-se como texto a manifestação
linguística do discurso e gênero em sua relação com a competência
comunicativa13, isto é, “a capacidade de usar a língua adequadamente
em situações sociais” (TRASK, 2015, p. 58).
Dessa forma, para que os alunos desenvolvam a competência
comunicativa, as habilidades de escuta, leitura e produção textual devem
ocorrer com base em diferentes gêneros textuais, considerando seu
propósito comunicativo específico, relacionado ao contexto de

13
Os PCNs diferem três competências: discursiva, linguística e estilística. Neste
trabalho, optamos pela noção de competência comunicativa, considerada uma
conjugação das três competências distinguidas teoricamente pelo referido documento.

- 93 -
produção, de consumo e de circulação. Além disso, a prática de análise
linguística14 também deve acontecer com base nos gêneros, na relação
entre os enunciados que compõem o texto e não de forma isolada,
descontextualizada e mecanicista como ainda ocorre em algumas
escolas. Ao se realizar com os alunos a prática de análise linguística em
uma materialidade, enfatizam-se os diferentes recursos utilizados pelo
autor do texto, de acordo com o gênero, criando situações para que os
alunos possam operar sobre a própria linguagem, na medida em que
refletem sobre ela.
Uma das teorias que respaldam essa metodologia é a Linguística
Textual. Em sua terceira fase de desenvolvimento, chamada elaboração
de uma “teoria de texto”, adquire importância o tratamento dos textos15
no contexto pragmático, ou seja, a língua em uso na interação entre
sujeitos, em que a interação leitor-texto produz sentidos, levando-se em
consideração o contexto. Percebe-se, portanto, a conformidade dessa
perspectiva teórica com as indicações dos documentos oficiais acerca do
objeto e objetivo do ensino. Em função disso, na análise textual de um
exemplar do gênero artigo opinião proposta neste trabalho, adotamos a
Linguística Textual como principal embasamento teórico. Além dessa

14
Na primeira metade do século XXI, análise linguística é “concebida como reflexão
sobre recursos linguístico-textual-enunciativos, tanto em relação à compreensão e
produção de textos orais e escritos, quanto em relação à descrição do sistema da
língua” (BEZERRA E REINALDO, 2013, p. 16).
15
Nessa perspectiva, a definição de texto deve levar em consideração três pontos com
relação ao que é a produção textual: a) uma atividade verbal, b) uma atividade verbal
consciente e c) uma atividade interacional (BENTES, 2008).

- 94 -
concepção de texto, tomamos como unidade de análise textual o fator
de textualidade16 coesão, uma das grandes dificuldades dos alunos no
momento da produção textual (ANTUNES, 2005).
Dado o exposto, este trabalho tem por objetivo esboçar uma
possibilidade de análise textual em um exemplar do gênero artigo de
opinião, para ser desenvolvida juntamente com os alunos dos anos finais
do Ensino Fundamental e/ou Ensino Médio em sala de aula. Tal análise
textual será feita com base na identificação e classificação de
mecanismos coesivos por reiteração: substituição lexical e elipse
(ANTUNES, 2005), em sua relação com a construção da imagem
discursiva do locutor do texto argumentativo. O que se pretende é
discutir não só como esses mecanismos linguísticos de coesão se
manifestam na materialidade do texto, mas sobretudo, como tais
elementos contribuem para esboçar a imagem discursiva do locutor do
texto, relacionada com sua estratégia argumentativa e com o
funcionamento do texto enquanto gênero. Portanto, mais do que
considerar a coesão apenas como recurso de substituição ou ligação
entre frases, ela será discutida com relação à imagem discursiva e às
estratégias de posicionamento e argumentação do locutor do texto com
vistas ao possível convencimento do leitor.

16
Os fatores de textualidade são discutidos, incialmente, por Halliday e Hasan (1976) e
por Beaugrande e Dressler (1981). A título de definição, os fatores de textualidade são
“as propriedades que permitem identificar cada tipo de texto” (TRASK, 2015, p. 292).

- 95 -
Antes de procedermos à análise textual, alguns pressupostos
teóricos precisam ser discutidos, como a noção de análise textual e de
gênero, de argumentação, de imagem discursiva e de coesão,
apresentadas nas seções seguintes. Na sequência, na metodologia, em
um primeiro momento, apresentam-se o método de análise e a seleção
do exemplar de artigo de opinião e, em um segundo momento, são
trazidas algumas sugestões de como proceder à análise textual em sala
de aula. A apresentação da análise textual em um exemplar do gênero
artigo de opinião é realizada na seção subsequente e, por fim, são
apresentadas as considerações finais.

Fundamentação teórica
Nesta seção, serão abordados os pressupostos teóricos que
embasaram a análise textual a partir de alguns mecanismos coesivos em
um exemplar do gênero artigo de opinião com base na Linguística
Textual. De início, a noção de análise textual e gênero textual de acordo
com Antunes (2010), Bakhtin (1977) e Marcuschi (2008) e, mais
especificamente, do gênero artigo de opinião conforme Bräkling (2000)
e Rodrigues (2007). Na sequência, discussões relativas à argumentação
com base em Fiorin (2015), Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) e Koch
e Elias (2016), e a imagem discursiva do locutor do texto, com base em
Amossy (2014) e Fiorin (2015). Para concluir esta seção, serão abordados
aspectos relacionados à coesão, critério de textualidade que será

- 96 -
discutido no artigo de opinião, com base em Antunes (2005), Fávero
(1990), Koch (1993) e Koch e Elias (2016).

Análise textual
No que tange à análise textual, tomamos como principal
referência o livro “Análise de textos: fundamentos e práticas”, de Irandé
Antunes, em função da sistematização didática e teórico-prática
proposta pela autora. No capítulo 3, “Questões envolvidas na análise de
textos”, a autora esclarece que, a partir dessa prática em sala de aula,
objetiva-se promover o desenvolvimento de diferentes competências
comunicativas, em termos gerais, além de ampliar as capacidades de
compreensão ao ouvir ou ler um texto, em termos específicos. Assim,
nota-se a relação com as orientações dos PCNs e OCNs sobre o
desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos, a partir da
exploração de diferentes gêneros textuais.
Os gêneros textuais a serem analisados, tanto orais quanto
escritos, devem apresentar diversidade/variedade, além de serem
definidos pelo professor e/ou turma em função da faixa etária, da
temática, do grau de complexidade, enfim, do contexto. Logo, todos os
textos devem ser analisados. Já os elementos a serem analisados dos
gêneros escolhidos podem focar em aspectos globais, em aspectos da
construção, em aspectos da adequação vocabular ou todos juntos. O
critério adotado para recorte dependerá dos objetivos específicos do
professor em cada atividade. Por fim, com relação aos princípios

- 97 -
analíticos, Antunes (2010) destaca que eles são de duas ordens: teórico
e prático-aplicativo. Neste trabalho, considerando nosso objetivo,
abordaremos o princípio prático-aplicativo que tem por função ampliar
a competência comunicativa das pessoas, optando por analisar
elementos mais pontuais da construção do texto, isto é, mecanismos
coesivos por reiteração: substituição lexical e elipse. É importante
destacar que a relevância da análise de mecanismos coesivos reside no
“trabalho de explicitar os efeitos que o uso desses itens promove no
estabelecimento da sequência do texto ou da orientação argumentativa
que pretendemos atribuir aos enunciados” (ANTUNES, 2010, p. 140).
Além disso, tais mecanismos coesivos podem contribuir para a
construção da imagem discursiva do locutor do texto. O gênero escolhido
para realizar tal análise é o artigo de opinião pelos seguintes motivos: ser
um gênero presente na maioria dos jornais, apresentar uma temática
relevante para discussão em sala de aula, ter a construção da imagem
discursiva do locutor do texto em estreita relação com alguns
mecanismos coesivos, entre outros.
No que diz respeito à noção de gênero e, mais especificamente,
artigo de opinião, alguns esclarecimentos se fazem necessários para a
compreensão de seu funcionamento. O conceito de gênero (do discurso)
é proposto, inicialmente, por Bakhtin (1977, p. 279) que os define como
“tipos relativamente estáveis de enunciados”. Já Marcuschi (2008, p.
155), expoente da Linguística textual no Brasil, esclarece que os gêneros
textuais

- 98 -
Refere os textos materializados em situações
comunicativas recorrentes. Os gêneros textuais
são os gêneros que encontramos em nossa vida
diária e que apresentam padrões
sociocomunicativos característicos definidos por
composições funcionais, objetivos enunciativos e
estilos concretamente realizados na integração
de forças históricas, sociais, institucionais e
técnicas.

Os gêneros apresentam, portanto, natureza variada de acordo


com cada situação comunicativa em que recorremos a eles na interação
verbal, ou seja, cada gênero apresenta um propósito comunicativo
específico, relacionado ao contexto de produção, de consumo e de
circulação. A escolha do gênero por cada pessoa dependerá de sua
intenção e da situação sociocomunicativa em que estará inserida. Essa
escolha do gênero mais adequado por parte, neste caso, do aluno,
relaciona-se, pois, com o desenvolvimento de sua competência
comunicativa, um dos objetivos da análise de textos. Isso porque, na
medida em que o aluno analisa textos, reflete sobre a língua(gem) em
uso e, gradativamente, amplia suas habilidades de leitura e escrita.
No que concerne ao gênero textual que servirá de base para a
possibilidade de análise textual proposta neste trabalho, faz-se
necessário uma breve explanação de suas principais e mais recorrentes
características, já que, enquanto gênero, ele é “relativamente estável”.
O artigo de opinião é um gênero que circula em diferentes veículos de

- 99 -
comunicação, como jornais, revistas, tanto impressos, quanto online e
expõe a opinião de seu autor (chamado articulista) sobre algum tema
que esteja em pauta em um dado momento e que seja relevante para a
sociedade enquanto possíveis leitores. De acordo com Rodrigues (2007),
nesse gênero, interessa a análise e a posição do autor, avaliando e
respondendo a uma questão controversa. Bräkling (2000, p. 226-227),
por sua vez, define o artigo de opinião como gênero discursivo em que
se busca convencer o outro sobre determinada ideia, influenciando-o e
transformando seus valores por meio da argumentação a favor de uma
posição e de refutação de possíveis opiniões divergentes.
Nesse gênero textual, predomina a argumentação, por
apresentar a opinião do articulista sobre algum fato. Dessa forma, o
articulista faz uso de argumentos, marcas linguísticas específicas,
marcadores discursivos para manter a coesão, na tentativa de atingir seu
propósito de convencer o leitor ou pelo menos influenciá-lo a aderir à
opinião veiculada por ele. Em função dessas especificidades do gênero,
é possível perceber a relação entre mecanismos coesivos e
argumentação, uma vez que há a defesa de uma tese mediante a
apresentação de argumentos com vistas ao convencimento dos leitores,
propósito do gênero. Para que os alunos desenvolvam a habilidade de
escrita do referido gênero, a prática de análise textual como atividade
precedente à produção textual é de suma importância, para que eles
possam compreender a estrutura e o funcionamento do gênero,
ampliando, possivelmente, sua competência comunicativa.

- 100 -
Cabe destacar que não estamos propondo aqui uma análise de
gênero textual, mas sim uma possibilidade de análise de texto com base
no exemplar de um gênero. Assim, as noções discutidas anteriormente
acerca de gênero serão mobilizadas na análise em função do próprio
objetivo dessa prática, isto é, a ampliação da competência linguística dos
alunos. Para ilustrar melhor esse ponto de vista, destacamos que analisar
textos é diferente de analisar gêneros textuais. Uma análise de gêneros
textuais pressupõe a compreensão da estrutura contextual que está
instanciada em um gênero. Desse modo, a análise deve considerar
questões linguísticas e contextuais na mesma medida. Neste trabalho,
cabe reiterar, analisaremos questões linguísticas, mais especificamente,
elementos mais pontuais da construção do texto, isto é, mecanismos
coesivos por reiteração (substituição lexical e elipse) em sua relação com
a imagem discursiva do locutor do texto. Portanto, não focaremos em
aspectos contextuais do gênero, mas sim, apenas no texto, na
materialidade.

Argumentação
Dando continuidade a algumas noções teóricas, trazemos, nesta
seção, questões relativas à argumentação em função do gênero artigo
de opinião. Os estudos sobre argumentação têm origem com a Retórica,
de Aristóteles. Recentemente, diversos autores, entre eles linguistas,
têm se dedicado ao estudo da argumentação. Koch e Elias (2016) em
recente livro sobre escrita e argumentação, defendem a tese de que

- 101 -
“argumentar é humano”, pois desde muito cedo desenvolvemos essa
prática de linguagem no intuito de convencer as pessoas ao nosso redor.
As autoras retomam Charaudeau (2008 apud KOCH E ELIAS, 2016, p. 24)
que postula que “argumentar é a atividade discursiva de influenciar o
nosso interlocutor por meio de argumentos [...] na tentativa de persuadi-
lo a modificar seu comportamento”. Isso ocorre tanto na interação
verbal oral quanto na escrita.
Fiorin (2015, p. 69) esclarece que “argumentar é, pois, construir
um discurso que tem a finalidade de persuadir”. Percebe-se, portanto,
que a argumentação objetiva convencer e/ou persuadir o interlocutor.
Para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 31), persuasiva é a
argumentação válida para um auditório particular e convincente é a
argumentação que deveria obter a adesão de todo ser racional. Nesse
sentido, para Abreu (2005), convencer é saber gerenciar informação, é
falar à razão do outro, demonstrando, provando, e persuadir é saber
gerenciar relação, é falar à emoção do outro. Neste trabalho,
consideraremos, simultaneamente, as noções de convencer e persuadir
porque, dependendo da argumentação do texto e o gênero artigo de
opinião, os leitores podem ser convencidos e/ou persuadidos.
Na interação locutor-interlocutor ou autor-leitor, com o intuito
de convencer ou persuadir alguém por meio da argumentação, alguns

- 102 -
fatores/elementos17 são essenciais como o enunciador, o enunciatário e
o discurso. Nesse sentido, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) postulam
a importância de se conhecer o auditório18 a quem se deseja persuadir e
convencer, pois a eficácia da argumentação depende em grande parte
dessa condição prévia. “Como a argumentação visa obter a adesão
daqueles a quem se dirige, ela é, por inteiro, relativa ao auditório que
procura influenciar” (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 21).
Assim, o auditório não só constrói o orador, como o orador se adapta ao
auditório, na medida em que o que determina a qualidade da
argumentação e o comportamento do orador é o auditório. No entanto,
é importante esclarecer que a interação entre orador e auditório ocorre
necessariamente por meio da imagem que fazem um do outro. Como
pontua Amossy (2014, p. 124), “é a representação que o enunciador faz
do auditório, as ideias e as reações que ele apresenta, e não sua pessoa
concreta, que modelam a empresa da persuasão”. É fundamental
elucidar, como já sinalizamos, que esse sujeito é construído pelo
discurso, quer dizer, não é a pessoa concreta, o autor real do texto (neste
caso, Delmar Bertuol), mas sim, o autor discursivo. Essa imagem de si, ou
seja, o ethos discursivo pode ser construído a partir de “qualquer
elemento composicional do discurso ou do texto” (FIORIN, 2016, p. 71),

17
Em Retórica, esses elementos são chamados de orador, auditório e argumentação
propriamente dita, o discurso (FIORIN, 2015, p. 69). Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005)
também usam essa nomenclatura em seu “Tratado de argumentação: a nova retórica”.
18
Auditório é o “conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua
argumentação” (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 22).

- 103 -
neste caso, os mecanismos coesivos de coesão por reiteração
(substituição lexical e elipse), que emergem da materialidade textual.
Ainda a respeito da imagem de si, relacionada ao texto argumentativo, é
possível afirmar que ela é construída no discurso e influencia opiniões e
atitudes do auditório, na medida em que o locutor pode agir sobre seus
interlocutores.
Desse modo, considerando a finalidade do gênero artigo de
opinião, é possível afirmar que o articulista (enunciador) ao prever seus
possíveis leitores (enunciatário) por causa do veículo de publicação de
seu texto (seção online de um jornal) elege uma argumentação (discurso)
que pode convergir para a persuasão e para o convencimento dos
leitores e que podem ser esboçados a partir de marcas deixadas no
enunciado, como, por exemplo, os mecanismos coesivos. Na
possibilidade de análise textual de um exemplar do gênero artigo de
opinião, apresentada em seção posterior, notar-se-á a relação entre
mecanismos coesivos e a construção da imagem do locutor do texto, em
relação com sua estratégia argumentativa, corroborando com o
propósito de tal gênero.

Coesão textual
Por fim, explanaremos, nesta seção, algumas noções relativas à
coesão, fator de textualidade que será analisado no exemplar do gênero
artigo de opinião. Os estudos relativos à coesão ganharam ênfase com o
avanço da Linguística Textual, a partir dos estudos dos fatores de

- 104 -
textualidade (BEAUGRANDE E DRESSLER, 1981). A coesão para Koch
(1997, p.22) é um “fenômeno que diz respeito ao modo como os
elementos linguísticos da superfície textual se encontram interligados,
por meio de recursos também linguísticos, formando sequências
veiculadoras de sentido”. A coesão, portanto, está relacionada com as
marcas linguísticas do texto, ou seja, a como as informações trazidas nele
vão sendo “costuradas”, ligadas por meio dos elementos coesivos que se
relacionam conceitualmente.
Desse modo, por um lado, percebe-se que a coesão auxilia a
manter a unidade temática e a progressão textual, na medida em que
elementos do texto vão sendo retomados e relacionados entre si. Além
disso, por outro lado, a coesão pode ser relevante para a construção da
imagem do locutor do texto, relacionada à sua estratégia de
argumentação. Antunes (2005, p. 50) destaca que “a continuidade que
se instaura pela coesão é, fundamentalmente, uma continuidade de
sentido, uma continuidade semântica, que se expressa pelas relações de
reiteração, associação e conexão”.
Para Koch (1993, p. 19), o conceito de coesão textual “diz respeito
a todos os processos de sequencialização que asseguram (ou tornam
recuperável) uma ligação linguística significativa entre os elementos que
ocorrem na superfície textual”. Para a autora, existem duas grandes
modalidades de coesão: a referenciação e a sequenciação. Lopes Fávero
(1990), por sua vez, propõe três tipos de coesão: a referencial, a
recorrencial e a sequencial stricto sensu. Já Antunes (2005) classifica os

- 105 -
estudos acerca da coesão textual por meio das relações textuais de
reiteração, associação e conexão.
O estudo dos mecanismos coesivos, independentemente da
subdivisão adotada, é sem dúvida, um campo de análise linguística
fundamental para a compreensão da estratégia do produtor do texto
argumentativo, neste caso, evidenciando os efeitos de sentido
decorrentes de seu uso na materialidade textual que permitem construir
a imagem do locutor do texto. De acordo com o objetivo proposto neste
trabalho, serão mobilizados para análise textual do artigo de opinião
apenas, na reiteração, o recurso de substituição lexical e elipse, de
acordo com o a proposta de subdivisão de Antunes (2005). O critério
utilizado para esse recorte relaciona-se com nosso objetivo, pois
entendemos que esses mecanismos coesivos de reiteração têm, no
artigo de opinião, relação com a construção da imagem discursiva do
locutor do texto, relacionando-se, também, com sua estratégia
argumentativa. Os esclarecimentos acerca dessas relações, desses
procedimentos e recursos da coesão serão melhor desenvolvidos
durante a análise textual do artigo de opinião, em seção posterior.

Metodologia
Nossos procedimentos metodológicos se subdividem em duas
partes: a primeira delas corresponde à metodologia empregada por nós
neste trabalho, isto é, o método, a seleção do exemplar do artigo de
opinião e a análise textual realizada. A segunda parte diz respeito aos

- 106 -
procedimentos metodológicos que o professor pode empregar, em sala
de aula, para desenvolver esta atividade com os alunos.
Com relação ao método, este trabalho apresenta uma natureza
descritivo-interpretativa (ANDRÉ, 1995), ou seja, além da coleta e
descrição dos dados obtidos da coesão por reiteração, eles serão
explicados, evidenciando o que significam e como significam, neste caso,
contribuindo para a construção da imagem do locutor do texto. Além
disso, a análise qualitativa busca, no paradigma indiciário (GINZBURG,
1989), não negligenciar o que não é relevante em um primeiro momento,
privilegiando, assim, a singularidade dos dados em determinado
contexto linguístico, neste caso, no artigo de opinião analisado
textualmente. Nesse sentido, pautados nesses métodos, a análise textual
que realizamos no exemplar do gênero artigo de opinião teve três etapas
principais: a) breve contextualização do texto, b) divisão do texto em três
movimentos ou dinâmicas e c) identificação e classificação da coesão em
cada um dos três movimentos seguido da discussão referente à
construção da imagem do locutor do texto. Na seção 4, a coesão por
reiteração elipse é discutida a partir de um fragmento retirado do texto.
Já o recurso da substituição lexical não é debatida com base em
fragmentos retirados do artigo de opinião porque esse recurso coesivo
perpassa grande parte do texto (do quarto parágrafo até o final). Dessa
forma, optou-se por colocar entre parênteses o número da linha em que
se encontra a palavra ou expressão, o que pode ser verificado no texto
em anexo.

- 107 -
Para a análise textual, foi selecionado um exemplar do gênero
textual artigo de opinião19 que foi coletado em 20 de maio de 2016 de
acordo com a temática da educação, mais especificamente, com relação
à greve dos professores estaduais do Rio Grande do Sul e ocupação das
escolas pelos alunos da rede estadual, ocorridas no primeiro semestre
de 2016. O artigo de opinião intitulado “Escolas – ocupai!”, de autoria de
Delmar Bertuol, está disponível na edição online do jornal Zero Hora.
No que tange à analise textual com os alunos, propomos que ela
ocorra em sala de aula de Língua de Portuguesa, em turmas dos anos
finais do Ensino Fundamental e/ou turmas de Ensino Médio, já que,
comumente, os mecanismos coesivos e o gênero artigo de opinião são
discutidos nesses anos (séries). Além disso, essa atividade deve ter a
mediação do professor e a participação dos alunos, de forma oral ou
escrita, a critério do objetivo do professor e/ou turma. Sugerimos, na
sequência, alguns procedimentos para o desenvolvimento da análise
textual.
- breve apresentação contextual do artigo de opinião e divisão do
texto em movimentos (procedimento opcional);
- identificação e classificação das marcas linguísticas
características da coesão por reiteração (substituição lexical e elipse) no
artigo de opinião;

19
O artigo de opinião desta análise textual encontra-se em anexo.

- 108 -
- análise, sistematização e discussão dos mecanismos coesivos
encontrados visando responder às questões20: como as marcas de
coesão por reiteração contribuem para a construção da imagem
discursiva do locutor do texto? Qual a relação dessas marcas de coesão
com o posicionamento do autor do texto, sua estratégia argumentativa
e o possível convencimento dos leitores, isto é, propósito do gênero
artigo de opinião?
Realizados esses procedimentos, o professor pode proceder a
uma reflexão com a turma, evidenciando a importância de uma análise
textual para o desenvolvimento das habilidades de leitura, escrita e
análise linguística de forma contextualizada em textos. Além disso,
depois dessa prática, o professor pode solicitar que os alunos realizem
outras atividades semelhantes, sem sua mediação, com base em um
roteiro de questões/procedimentos, colaborando para que o aluno
desenvolva sua autonomia com relação à análise de textos. Cabe
destacar, ainda, que esses procedimentos são apenas uma possibilidade
de análise de elementos mais pontuais da construção do texto. Ao ler o
exemplar de artigo de opinião deste trabalho (em anexo), o professor
poderá propor a análise de aspectos globais, de aspectos da construção,
de aspectos da adequação vocabular ou todos juntos, de acordo com
seus objetivos e planejamento. Ou, ainda, ampliar a análise textual para
uma análise de gênero textual, explorando aspectos contextuais.

20
Essas questões podem ser discutidas de forma oral ou escrita com a turma, a critério
do objetivo do professor, como mencionado anteriormente.

- 109 -
Feitas essas considerações, será apresentada, a seguir, uma
possibilidade de análise textual em um exemplar do gênero artigo de
opinião.

Uma possibilidade de análise textual em um exemplar do gênero artigo


de opinião
O exemplar do gênero artigo de opinião selecionado para esta
possibilidade de análise textual tem, como tema principal, a greve dos
professores estaduais do Rio Grande do Sul e a ocupação das escolas
pelos alunos da rede estadual, ocorridas no primeiro semestre de 2016.
Conforme já citado anteriormente, este texto está disponível na edição
online do jornal Zero Hora do dia 20 de maio de 2016. É possível afirmar
que o professor Delmar Bertuol, autor do texto, corroborou com um dos
propósitos do gênero artigo de opinião, ou seja, escrever sobre algum
tema que estava em pauta e gerando discussões na sociedade naquele
momento, refutando opiniões divergentes em prol de sua avaliação e
argumentação. O autor traz, como a tese do texto, que “um pouco de
transgressão é salutar” (L. 15-16). Com relação à estrutura
argumentativa do texto, antes da tese o autor apresenta algumas
definições e exemplos de transgressões para, após a tese, criticar àqueles
que têm uma opinião contrária a sua, a partir do recurso da ironia21. É
importante reiterar que, nesta análise textual, priorizaremos a

21
“A ironia é um recurso utilizado para desestabilizar o adversário, provocando o riso
do auditório a favor do orador” (FIORIN, 2016, p. 221).

- 110 -
construção da imagem discursiva do locutor do texto, a partir do recurso
da coesão por reiteração. Desse modo, não faremos uma análise relativa,
estritamente, à ironia, embora ela se constitua como uma importante
estratégia argumentativa do texto.
De modo didático e considerando a imagem discursiva do locutor
do texto, bem como suas estratégias argumentativas, poderíamos dividir
o texto em três dinâmicas ou movimentos22: um primeiro movimento do
primeiro ao terceiro parágrafos (L. 1-16), em que aparece a tese (L. 15-
16) e uma imagem discursiva; um segundo movimento, correspondente
ao quarto parágrafo (L. 17-20), em que há, explicitamente, o tema
principal do texto; e um terceiro movimento do quinto parágrafo até o
final (L. 21-37) em que há uma outra imagem discursiva, diferente
daquela do primeiro movimento do texto. Passemos, a seguir, a análise
de cada movimento do texto, com relação aos mecanismos coesivos por
reiteração e à imagem discursiva do locutor do texto.
O primeiro movimento do texto, do primeiro ao terceiro
parágrafos (L. 1-16), não apresenta mecanismos coesivos por reiteração:
substituição lexical e elipse. Apesar disso, é possível construir a imagem
discursiva do locutor do texto. Inclusive a ausência de mecanismos
coesivos por reiteração pode constituir um ponto de análise. Nesse
primeiro movimento, a argumentação do texto ocorre a partir da

22
Na análise em sala de aula, com os alunos, a divisão do texto nesses três ou em outros
movimentos pode (ou não) ser feita antes ou depois do levantamento e classificação
dos mecanismos coesivos por reiteração, a critério do professor.

- 111 -
contextualização, com alguns exemplos e definições, referente à questão
de que os grandes feitos da humanidade, em vários setores, foram
conquistados com transgressões. Desse modo, no primeiro parágrafo (L.
1-8), há dois argumentos pelo exemplo, o de Nicolau Copérnico e o das
composições musicais e teatrais. Fiorin (2016, p. 185) esclarece que “na
argumentação pelo exemplo, formulamos um princípio geral a partir de
casos particulares ou da probabilidade de repetição de casos idênticos”.
Os dois exemplos apresentados, casos particulares, servem para a
comprovação da tese que virá mais adiante, no terceiro parágrafo (L. 15-
16). No segundo parágrafo (L. 9-13) temos uma definição de
transgressão: “a transgressão é um pré-requisito pro sucesso” (L. 9).
Ainda de acordo com Fiorin (2016, p. 118), as “definições são
argumentos quase lógicos fundados no princípio da identidade”. Assim,
não há uma única maneira de definir algo, pois a definição dependerá
das finalidades argumentativas. Neste caso, a definição parece estar
relacionada a traços funcionais (é um pré-requisito pro sucesso), além de
estar orientada para convencer o leitor de que esse significado deve ser
levado em conta. Depois da definição, seguindo o raciocínio
argumentativo, há algumas constatações a respeito dos limites e do
status quo. Por fim, no terceiro parágrafo (L. 14-16) é apresentada a tese
do texto, “um pouco de transgressão é salutar” (L. 15-16), amparada pela
argumentação desenvolvida até o momento.
Com relação à imagem discursiva do locutor do texto nesse
primeiro momento, é possível sugerir que ela é mais vernácula, ou seja,

- 112 -
há um interesse em buscar amparo, respaldo para poder afirmar e
defender com propriedade a tese de que “um pouco de transgressão é
salutar” (L. 15-16). Em função dos tipos de argumentos apresentados
(exemplo e definição), busca-se situar o leitor a respeito da importância
das transgressões para a humanidade ao longo do tempo, corroborando,
no restante da argumentação do texto, a tese, quer dizer, a ocupação
das escolas pelos alunos, relacionada à greve dos professores estaduais
do RS é uma transgressão necessária para que mudanças ocorram. Além
disso, pelos tipos de argumentos mobilizados, não há mecanismos
coesivos por reiteração uma vez que o tema e o principal referente do
texto (estudante) ainda não está sendo retomado. Em síntese, nesse
primeiro movimento do texto, a construção da imagem discursiva do
locutor tende a mostrar para o leitor que ele “sabe do que está falando”,
tem conhecimento de caso a respeito de transgressões, o que respalda
sua tese.
No segundo movimento do texto, correspondente ao quarto
parágrafo (L. 17-20), há, explicitamente, o tema principal do artigo de
opinião. Além disso, em tal parágrafo, temos elipses, um dos recursos da
coesão por reiteração. A reiteração é a relação pela qual os elementos
do texto vão sendo retomados, assegurando sua continuidade
(ANTUNES, 2005). Primeiramente, identificamos as elipses no parágrafo
para, em seguida, comentar os efeitos de sentido decorrentes de seu
uso. Incialmente, o referente “estudantes” (L. 17), que aparece pela
primeira vez no texto no quarto parágrafo (L. 17), é retomado por meio

- 113 -
do pronome “eles” (L. 18) e, na sequência, há algumas elipses (L. 18-19)
desse referente antes dos verbos, de acordo com o que pode ser
observado no excerto seguinte:

Leio que estudantes da rede estadual de ensino


básico estão invadindo escolas. Eles acamparam
e ᴓ impedem o prosseguimento das aulas. ᴓ
Obrigam os professores a aderirem à greve. ᴓ
Colam cartazes no muro e ᴓ gritam palavras de
ordem. [...] (L. 17-19)

A reiteração por elipse como recurso coesivo consiste em se


omitir o referente textual que já apareceu no início do parágrafo e que
pode, portanto, ser recuperado de acordo com o contexto verbal. Nesse
sentido, a elipse, enquanto apagamento, evidencia a imagem discursiva
do locutor nesse momento do texto. A partir do quarto parágrafo (L. 17),
é introduzido o tema principal do artigo de opinião que diz respeito à
ocupação das escolas estaduais do Rio Grande do Sul pelos alunos. Nesse
momento, a imagem do locutor construída pelo discurso sugere o
conhecimento do assunto ao leitor, isto é, elencam-se algumas
informações acerca da situação que está acontecendo. Por isso, a opção
por elipses, ou seja, evitar a repetição do referente que pode ser
recuperado no início do parágrafo e manter a continuidade do assunto,
sem, no entanto, transparecer, ainda, uma imagem de crítica, de opinião
ou de defesa da tese. Em consonância com o movimento anterior do
texto, nesse segundo movimento a imagem discursiva do locutor do

- 114 -
texto tende a contextualizar, situar os leitores sobre uma situação que
está acontecendo no RS que, consequentemente, é o tema do texto. A
partir da construção desse quarto parágrafo (L. 17-20) que a imagem
discursiva do locutor do texto mudará para o que poderíamos chamar de
mais crítica, como observaremos a seguir.
No terceiro movimento do texto, do quinto parágrafo até o final
(L. 21-37), há uma outra imagem discursiva, diferente daquela do
primeiro e segundo movimentos do texto, pautada, em grande parte,
pelo recurso de substituição lexical. Inicialmente, identificamos e
classificamos as marcas linguísticas características da coesão por
reiteração, substituição lexical, nesse movimento do texto para, na
sequência, comentar os efeitos de sentido decorrentes de seu uso na
construção da imagem do locutor do texto. O referente “estudantes”,
tema principal do texto, é retomado por meio de substituições
gramaticais (pronomes), substituições lexicais (sinônimos) e elipses,
conforme já comentado anteriormente. A partir do quarto parágrafo (L.
17), “estudantes” (L. 17) é retomado, por meio de substituições
gramaticais23 por: “eles” (L. 18), “lhes” (L. 22), “eles” (L. 28). Além disso,
o referente também é retomado por meio de relações de sinonímia24
por: “os alunos” (L. 21), “os deliquentezinhos” (L. 21), “alguns grupos

23
Na reiteração, o recurso de substituição gramatical do referente do texto
“estudantes” não será objeto de comentários e discussões nesta seção, em função do
objetivo proposto neste trabalho.
24
Vale ressaltar que “não existe sinonímia perfeita ou absoluta e que, apenas na
oportunidade concreta do texto é que se pode decidir pela adequação de uma
substituição sinonímica” (ANTUNES, 2005, p. 99-100).

- 115 -
mais ousados” (L. 23), “os atrevidos” (L. 25), “os jovens” (L. 26), “esses
alunos” (L. 33) e “esses transgressores” (L. 36).
Realizada essa primeira etapa quantitativa, referente ao
levantamento e classificação dos mecanismos coesivos por reiteração,
passemos à segunda etapa, qualitativa. Esse terceiro movimento do
artigo de opinião apresenta o recurso de substituição lexical. De acordo
com Antunes (2005, p. 97) “substituir uma palavra por outra supõe um
ato de interpretação, de análise, com o objetivo de se avaliar a
adequação do termo substituidor quanto ao que se pretende conseguir”.
Nesse caso, a substituição por relação de sinonímia do referente
“estudantes” por “os alunos” (L. 21), “os deliquentezinhos” (L. 21),
“alguns grupos mais ousados” (L. 23), “os atrevidos” (L. 25), “os jovens”
(L. 26), “esses alunos” (L. 33) e “esses transgressores” (L. 36) contribui
para que possamos traçar a imagem discursiva do locutor do texto. Cabe
destacar que, na substituição de uma palavra por seu sinônimo, há
“repercussões no caráter informativo e na força persuasiva do texto, pois
pode elevar o grau de interesse do interlocutor pela forma como as
coisas são ditas” (ANTUNES, 2005, p. 100).
A principal estratégia argumentativa do terceiro movimento do
texto diz respeito à ironia. Como já assinalamos anteriormente, “a ironia
é um recurso utilizado para desestabilizar o adversário, provocando o
riso do auditório a favor do orador” (FIORIN, 2016, p. 221). Essa
desestabilização do adversário ocorre em função de sua própria voz, por
meio do recurso da polifonia. Por polifonia entendemos o “fenômeno

- 116 -
que possibilita ao locutor apresentar diferentes pontos de vista em um
determinado enunciado25” (FLORES et al, 2009, p. 188). Isso significa
dizer que o locutor do texto faz uso da voz do outro, daquele que tem
uma opinião contrária a sua, a favor de sua argumentação e da defesa de
sua tese. A partir disso, critica indiretamente a voz do outro. No quinto
parágrafo (L. 21-27) temos a voz dos alunos (L. 21, 24,25), a dos
professores (L. 22) e a daqueles que possuem uma opinião contrária à
ocupação das escolas estaduais do RS (L. 26-27). No sexto parágrafo (L.
28-30), também é apresentada a voz daqueles que possuem uma opinião
contrária à ocupação das escolas estaduais do RS, por meio de um
exemplo relacionado a um fato histórico: a época da ditadura militar.
Essa mesma voz segue, ainda, no início do sétimo parágrafo (L. 31-33),
em que o locutor do texto se coloca como colega dos professores
responsáveis por essa voz. No final desse parágrafo, há a retomada da
voz do locutor (L. 33-35) para, no oitavo parágrafo (L. 36-37) a voz do
outro ser novamente mobilizada.
A partir desse jogo de vozes apresentada nesse terceiro
movimento do texto, bem como a substituição lexical por sinônimos,
podemos sugerir que a imagem discursiva do locutor do texto tende a
ser mais crítica. Essa estratégia faz com que o locutor defenda sua tese

25
Como enunciado entendemos o produto da enunciação, também denominado por
Benveniste de frase. Neste caso, consideramos “enunciado um fragmento de fala
marcada de algum modo como unidade” por meio de pausa realizada por ponto final
(TRASK, 2015, p. 92). Já como enunciação compreendemos, assim como Benveniste, a
“colocação da língua em funcionamento por um ato individual de utilização (FLORES et
al, 2009, p. 102).

- 117 -
por meio de argumentos utilizados pelo outro grupo, ou seja, àqueles
contrários à ocupação das escolas estaduais do RS. Desse modo, o
locutor consegue argumentar sua posição e ridicularizar, desmerecer,
desfazer dos argumentos das outras vozes, do outro grupo. Acreditamos
que seja possível construir a imagem do locutor nesse momento a partir
dessas marcas linguísticas de coesão por reiteração: substituição lexical
por relação de sinonímia, além dos próprios argumentos calcados nas
vozes dos outros. Com isso, a imagem do locutor tende a ser bastante
crítica, podendo influenciar os leitores a aderirem à tese apresentada, na
tentativa de convencê-los ou persuadi-los, propósito do gênero artigo de
opinião. Esse possível convencimento ou persuasão dos leitores ocorre
na medida em que, por meio do recurso da ironia, criam-se laços, elos
entre um determinado grupo de leitores.
Dado o exposto, entendemos que a prática de análise textual em
sala de aula pode sim colaborar para o desenvolvimento da competência
comunicativa dos alunos. Situando a análise em aspectos mais pontuais
da construção do texto como, neste caso, mecanismos coesivos por
reiteração, é possível discutir com os alunos sobre a importância de tais
escolhas lexicais na construção da imagem do locutor do texto e como
isso pode levar, talvez, ao convencimento ou persuasão dos leitores,
objetivo do gênero artigo de opinião. Com isso, na medida em que os
alunos podem refletir sobre a língua(gem), por meio dessa prática em
sala de aula, tenderão a desenvolver habilidades de leitura, análise
linguística e, consequentemente, produção textual. Nesse processo,

- 118 -
estarão mais cientes a respeito dos efeitos de sentido decorrentes do uso
de determinadas marcas lexicais, de acordo com o que pretendem em
uma interação específica.

Considerações finais
Neste trabalho, realizamos uma possibilidade análise textual em
um exemplar do gênero artigo de opinião. Para tal, analisamos um
aspecto da construção pontual do texto, ou seja, o fator de textualidade
coesão, mais especificamente, mecanismos coesivos por reiteração:
substituição lexical e elipse. Objetivou-se notar como esses mecanismos
coesivos contribuíam para a construção da imagem do locutor do texto
e, a partir disso, do possível convencimento ou persuasão dos leitores do
texto, propósito do gênero artigo de opinião. Nesse sentido, é
importante salientar que o recorte teórico-metodológico feito com
relação aos mecanismos coesivos para a possibilidade de análise textual
ocorreu em função deste objetivo aqui proposto. Assim, vários outros
mecanismos de coesão presentes no artigo de opinião analisado não
foram comentados e discutidos na seção anterior.
Com relação ao exemplar do artigo de opinião, entende-se que a
análise de apenas um texto e de alguns mecanismos coesivos não
permite uma discussão aprofundada acerca da riqueza e importância
desse fator de textualidade como construção da imagem discursiva do
locutor do texto, além da estratégia de posicionamento e
convencimento. Esse estudo poderia ser ampliado relacionando-se os

- 119 -
mecanismos coesivos com os tipos de argumento usados pelo articulista,
por exemplo. No entanto, essa possibilidade de análise textual permitiu
o início de uma reflexão acerca da coesão para além de mero recurso de
conexão entre frases do texto, como pode ser observado na seção
anterior.
Portanto, com a possibilidade de análise textual aqui
apresentada, esperou-se contribuir para a compreensão da importância
dessa prática em sala de aula de Língua Portuguesa na escola básica, em
consonância com as diretrizes dos PCNs e OCNs. Além disso, almejou-se
enfatizar como o fator de textualidade coesão pode ser discutido em sala
de aula, não apenas como mecanismo de retomada de referentes que
mantém a unidade e progressão textual, mas também como um
mecanismo que permite construir a imagem discursiva do locutor do
texto. E, a partir disso, corroborar com o propósito do gênero, qual seja,
o possível convencimento ou persuasão dos leitores. Dessa forma,
acreditamos que os alunos poderão desenvolver sua competência
comunicativa, na medida em que refletem sobre a língua(gem).

- 120 -
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TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. Tradução Rodolfo


Ilari. 3. ed., 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2015.

- 122 -
ANEXO
Escolas - ocupai!
Delmar Bertuol, professor - 20/05/2016 - 05h20min | Atualizada em
20/05/2016 - 05h20min

- 123 -
Referência: BERTUOL, D. Escolas – ocupai! Zero Hora, Porto Alegre, 20
maio 2016. Disponível em:
<http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/noticia/2016/05/delmar-bertuol-
escolas-ocupai-5805288.html> Acesso em: 29 maio 2016.

- 124 -
NORMA E VARIAÇÃO NO ENSINO DE PORTUGUÊS

5 BRASILEIRO COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA

Eduardo Henriques26
Guilherme de Oliveira Barbosa27

Introdução
Este texto almeja realizar algumas reflexões concernentes à
imprescindibilidade de não se ignorar a variação linguística ao ensinar o
português brasileiro como língua estrangeira. Defender-se-á, portanto,
uma pedagogia da variação linguística (como propõem, dentre outros
autores, Faraco (2009) e Faraco e Zilles (2015)), a qual não considera a
língua como um espelho de uma “norma padrão”, mas sim língua como
um fenômeno de sociointeração, mutante, variável e variada.
Assim, este capítulo terá como embasamento teórico,
primeiramente, algumas notas acerca da colonização portuguesa e da
formação do português brasileiro - que resultou em especificidades e
marcas que o distinguem do português europeu; uma discussão sobre o
português no mundo atual e o espaço geo-político-linguístico
denominado lusófono; uma breve exposição do cenário sociolinguístico

26
Mestrando em Linguística, UFPE.
27
Mestrando em Ciências da Linguagem, UNL.

- 125 -
do português brasileiro e por fim uma explanação do modelo de ensino
que aqui advogamos (pedagogia da variação, competência comunicativa
e interculturalidade). Depois da explanação teórica, finalizar-se-á o texto
lançando mão de problematizações e sugestões didáticas vocacionadas
à explicitação da língua enquanto um fenômeno sujeito às demandas
interacionais dos seus usuários. Neste sentido, haverá sob o objeto de
ensino “língua” a lupa pragmática da didatização de experiências para
além do universo escolar, promovendo uma reflexão quanto ao estudo
sistemático do português com vistas ao desenvolvimento de habilidades
comunicativas orientadas à formação/ao letramento de sujeitos-
cidadãos, crítico-reflexivos sobre si, sobre outrem e sobre o mundo.

Português aqui, ali e acolá.


Para se compreender as circunstâncias que tornaram o português
uma língua com status como “língua pluricêntrica”, “língua fractal” ou
“língua transcontinental” (AGUIAR E SILVA, 2015, p.35), é necessário
empreender-se uma viagem histórica aos tempos da colonização
portuguesa. Assim, nesta seção, destrinchar-se-á, de forma concisa, a
história da expansão da língua portuguesa, com enfoque no território
brasileiro, e refletir-se-á sobre o status contemporâneo do português no
cenário mundial.
a. E a língua portuguesa viaja o mundo...
Pioneiros e vanguardistas, os portugueses, motivados por fatores
econômicos, lançaram-se pelo mar no século XV em busca de novas

- 126 -
terras. Deste modo, deram início à época conhecida como as “Grandes
Navegações”, resultando na colonização de povos em diferentes
continentes: África, América e Ásia. Na Idade Moderna, colonizar um
povo exigia a imposição da língua do colonizador, afinal é impossível
sobrepor seus valores, suas crenças e visões de mundo senão por meio
da dominação linguística, a qual permitia, inclusive, um eficiente e eficaz
controle social do opressor pelo oprimido. Com base nisto, doravante,
focar-se-á na colonização linguística do Brasil.
Nos séculos XVI e XVII, convivia no Brasil uma multiplicidade de
línguas indígenas e apenas uma parte minoritária da população falava o
português, situação que levou os jesuítas a aprenderem línguas
indígenas a fim de catequizar e “civilizar” os diferentes povos
americanos, eclipsando as diferentes crenças pagãs. Um fenômeno
resultante do contato entre colonizados e colonizadores foi o crescente
uso da chamada língua geral, de base tupinambá (língua de base indígena
que os jesuítas se apropriaram para fins pedagógico-religiosos). No
entanto, como nos relata Barbosa da Silva (2013, p. 34) “o crescente uso
da língua geral no Brasil, no século XVIII [...] começou a inibir a
colonização nos moldes pretendidos por Portugal”. Logo, em 1757, por
decreto do Marquês de Pombal, torna-se oficial a língua portuguesa
como língua oficial da colônia e proíbe-se o uso da língua geral e das
línguas indígenas.
Desta forma, o decreto acima glosado representou a primeira
política linguística brasileira de velamento da diversidade linguística,

- 127 -
bem como a busca e a imposição de uma homogeneidade cultural na
colônia segundo uma língua portuguesa comum (BAGNO, 2003).
Atualmente, em todo o Brasil, ainda são sentidas as consequências desta
política de extinção de línguas, e exemplo disto é a propagação, via
senso-comum, de que somos um país monolíngue (OLIVEIRA, 2009).
Além do português brasileiro e da LIBRAS (língua brasileira de sinais), as
duas línguas oficiais do país, convivem no território nacional mais 214
línguas, de acordo com o site Ethnologue (2016). A maior parte destas
línguas faladas no Brasil são línguas indígenas e que estão em grande
risco de extinção, pois, segundo este mesmo site, 99 línguas faladas no
país estão quase a morrer. Isto evidencia o “sucesso” da política de
higienização linguística promovida pelo Estado Português ao longo de
toda a história do Brasil: da colônia ao hodierno.
Relatada brevemente a história da implantação do português no
Brasil, é saliente ressaltar o argumento de Barbosa da Silva (2013) de que
o português do Brasil se desenvolveu como uma forma local de resistir,
pois é sabido que ele tomou vias diferentes do português do colonizador
e estas especificidades podem ser consideradas, na visão do referido
autor, marcas de resistência.
b. Português no mundo contemporâneo
Após a implantação do português em três continentes (África,
América e Ásia), além de sua presença na Europa, esta língua assumiu
um patamar transnacional (Aguiar e Silva, 2015), e ocupa uma posição
de destaque no período contemporâneo.

- 128 -
Nestes termos, presentemente, o português é língua materna em
dois países, Portugal e Brasil, e língua oficial em outros oito países:
Angola, Cabo Verde, China (Região de Macau), Guiné-Bissau, Guiné
Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Deste
modo, segundo dados estatísticos apresentados por Oliveira (2013),
estima-se que essa língua tenha entre 221 e 245 milhões de falantes
como primeira ou segunda língua, sendo ainda a quinta mais utilizada na
internet, e tendo estatuto oficial ou especial em seis blocos econômicos
(União Europeia, Mercosul, Comunidade para o desenvolvimento da
África Austral, Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental,
Comunidade Econômica dos Estados da África Central e Associação de
Nações do Sudeste Asiático), além de contar com 29 mil quilômetros de
fronteira com outras línguas oficiais e conviver aproximadamente com
outras 339 línguas.
Em virtude do exposto, nos idos de 1996, os países que tinham o
português como língua materna ou oficial estabeleceram uma
associação denominada CPLP (Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa)28, a qual tem

como objetivos desde a concertação político-diplomática


dos seus Estados-membros, nomeadamente para o reforço
da sua presença internacional; a cooperação em todos os
domínios, inclusive os da educação, saúde, da ciência e
tecnologia, da defesa, da agricultura, da administração
pública, das comunicações, da justiça, da segurança
pública, da cultura, do desporto e da comunicação social;

28
Dos países citados no parágrafo anterior, no ano de 2016, apenas a China não faz
parte desta comunidade.

- 129 -
até a materialização de projetos e promoção da difusão
pública (BARBOSAA DA SILVA, 2013, p. 22)

A reunião daqueles sete países tão diferentes em um grupo


marcado pela lusofonia eleva este conceito à categoria de hiper-
identitário (MARTINS, 2004). Ou seja, a lusofonia29 é um espaço
geográfico, cultural e linguístico com um fundo opaco de semelhança e
união, haja vista compreender países com histórias, povos e culturas
múltiplas, diferenciadas perspectivas e visões do mundo, e que, além do
português, possuem muitas outras línguas em seu território.
Objeto de estudos de diversos autores/teóricos, como linguistas,
cientistas sociais e filósofos, há quem acredite que a lusofonia seja uma
espécie de neocolonialismo. Entretanto, há quem defenda a sua
importância no mundo globalizado e advogue pela manutenção do grupo
lusófono CPLP, desde que se leve em conta as múltiplas identidades
nacionais, as realidades sociais e econômicas, os fatores de especificação
e diferenciação de cada país, e, também, que cada país tenha o seu
espaço e poder de fala, de atuação e de voto nesta supracitada
comunidade.

29
Por “Lusofonia” deve-se entender o conjunto de características identitárias e
culturais que existem em um conjunto de países, regiões, estados e/ou cidades que
detêm falantes da língua portuguesa, nativos ou não, como língua materna ou não.
Exemplo destes “espaços geográficos”, como denomina Martins (2004), tem-se:
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e
Príncipe, Timor-Leste, Goa, Damão e Diu, além de contextos sociais outros que se
estabelecem em geografias plurais através de diversas pessoas e comunidades alhures,
em todo o mundo, conforme emergem comunidades culturais cuja base linguística é a
língua portuguesa. Para mais informações, consultar: Reis, Carlos ‘A Questão da
Lusofonia’, Jornal de Letras, 30 de Julho de 1997.

- 130 -
Acerca do clarificado acima, Barbosa da Silva (2013) traz à baila a
opinião do filósofo Alfredo Margarido, o qual se posiciona contra a
lusofonia: “manter o colonialismo, fingindo abolir o colonialista (...). O
recurso à língua portuguesa não seria uma operação autônoma, mas até
o elemento central da alienação destinada a manter o escravo no seu
lugar de sempre” (MARGARIDO, 2000, p.77-78, apud BARBOSA DA SILVA,
2013, p.77).
Por sua vez, Fabrício (2013, p.168) argumenta que, ao discutir-se
sobre lusofonia, deve-se “pensar na sua sobrevivência perante os
desafios impostos pela superdiversidade e pelo gritante desequilíbrio
entre nações, povos, grupos identitários e centros de interesses que lhe
são característicos”. Em outras palavras, para esta autora, é premente
questionar e refletir se há sentido no conceito de lusofonia diante da
superdiversidade que a compõe.
Fica, portanto, posto o questionamento: é possível uma lusofonia
com países com realidades tão díspares, cuja concretização seria por
meio de uma união sem hierarquias? É possível uma lusofonia que
apague ou esqueça o passado colonial? Para responder a estas questões,
tem-se que também ouvir opiniões a favor do espaço lusófono, como a
do linguista brasileiro Fiorin:

Defender a ideia de uma lusofonia significativa


representa, pelo menos, buscar uma integração
entre unidade/variedade, reconhecendo que são
muitos os “proprietários” da Língua Portuguesa e
assumindo a noção de diversidade/pluralidade

- 131 -
cultural como característica inerente ao conceito –
isso caso não se pretenda correr o risco de a
lusofonia abdicar de um significado simbólico real e
de se constituir num espaço do discurso vazio de um
jargão político sem sentido. (FIORIN, 2006, p. 46)

A lusofonia não será pátria, porque não será um


espaço de poder ou de autoridade. Será mátria,
porque deve ser um espaço do sentimento, e será
fátria, porque deve ser o espaço dos iguais, que têm a
mesma origem. (FIORIN, 2010, p. 66)

Neste contínuo, Signorini (2013, p.99) defende a renovação do


modo como têm sido conduzidas as discussões sobre a lusofonia:

Apesar de todas as ambiguidades de “uma


globalização à maneira da CPLP”, pode-se ver no
desafio assim lançado uma potencialidade a ser
explorada, a ser atualizada em função de um projeto
político de ressubjetivação que instale o litígio sobre
a instrumentalização globalista da língua como
“produto semiótico”, por um lado e, por outro, como
complexo mítico-simbólico dos nacionalismos. A
questão de “uma política de língua para o português”,
nos termos de Mateus (2002), precisaria ser
repensada em função de uma referência
transnacional, transcultural e transidiomática, ao
invés da referência nacional, monocultural e
monoglótica que tem orientado grande parte das
discussões contemporâneas sobre o tema.

Outra autora que defende a lusofonia, Brito (2013), realça o


respeito pelas diferenças dos países lusófonos e advoga que devemos

- 132 -
pensar sobre a relação da língua portuguesa com outras línguas que
convivem nestes mesmos países:

É necessário, por fim, ter clareza quanto aos papéis


específicos que a língua portuguesa forçosamente
cumpre em cada localidade. Pensar a lusofonia é,
igualmente, refletir sobre a função que o português
desempenha (ou virá a desempenhar) nas localidades
em que recebe o estatuto de oficial. Insistimos que o
respeito, o conhecimento, o reconhecimento e a
valorização das múltiplas realidades linguísticas
constituintes dos contextos em que “também se fala
o português” é que tornam viável um repensar das
atitudes culturais, dos conceitos, dos valores e dos
modos de interagir e de interpretar cada uma dessas
realidades. A ideia de lusofonia só pode fazer sentido,
portanto, se a concebermos acima das
nacionalidades, muito além de qualquer percepção
mítica de uma única nação, ou de responsabilidade
de preservação por parte de outra. (Brito, 2013, p.13)

É salutar evidenciar que, talvez, à autoria esteja imposta uma


visão permeada por um ranço ou um traço colonialista, já que também
defende-se neste artigo o espaço da lusofonia, mas cabe a salvaguarda
da ciência desenvolver-se em superar suas verdades momentâneas,
instabilizando sempre seus pontos de consenso: não tem-se oferecida ao
leitor verdade inquebrantável. Por ora, enxergam-se os benefícios das
parcerias culturais, comerciais e econômicas e na cooperação entre os
países da CPLP. Por outro lado, compreende-se que a lusofonia ainda
carrega os traumas da colonização e disso será difícil desgarrar (conferir
Fabrício (2013) sobre tensões na lusofonia). Contudo, é tempo de se

- 133 -
construir uma lusofonia pós-colonialista, a qual considere as realidades
e a história de cada país, e que não esqueça, não ignore, silencie ou
desvalorize as peculiaridades do português do outro, bem como as
outras línguas faladas nos países lusófonos. Tudo isto porque não se
defende aqui um neocolonialismo, mas sim outra lusofonia, a da
diversidade e das pluralidades, nos moldes expostos por Fabrício (2013).
A defesa da lusofonia aqui evidenciada ocorre em virtude da
crença de que os lusófonos sabem (ou saberão) lidar com as diversas
variedades nacionais do português, sem julgar uma maior ou menor
importância entre as variações, mas buscando vê-las horizontalizadas).
Também o português pode e deve conviver com outras línguas faladas
nos países lusófonos, pois a diversidade compõe a identidade
sociocultural deste espaço geográfico que é, antes de tudo, humano.
Para isto, urge a luta por uma CPLP justa, democrática, valorizadora da
diversidade, heterogênea, multicultural, respeitadora das outras línguas
dos países lusófonos e que, efetivamente, compreenda as línguas como
construtos sociais, portanto pertencentes aos falantes e não às políticas
linguísticas de gabinete - inclusive pelos falantes brasileiros.

Formação do português brasileiro: influências


Nesta seção do texto, doravante, serão evidenciadas as
influências das línguas africanas e indígenas na constituição do
português no cenário brasileiro. Estas influências podem ser
consideradas como elementos importantes que contribuíram para a

- 134 -
formação de um português estranho (diferente) aos ouvidos e aos olhos
do português do colonizador.
Para Bagno (2013a, 2016), não podemos conceber a história do
português do Brasil sem as influências de línguas africanas e indígenas.
Portanto, se por um lado é incontestável a caracterização deste país
como marcado pela miscigenação e pluralidade cultural (indígenas que
naquela terra viviam, africanos trazidos e escravizados, colonizadores
europeus), por outro lado alguns linguistas ignoram ou minimizam este
fator histórico primordial nas suas elucubrações sobre o português do
Brasil. Assim, Bagno (2013a, p.337) critica essa parcela de investigadores:

Infelizmente, e sem dúvida por motivações


ideológicas de variado matiz, essas características
próprias do brasileiro vêm sendo estudadas por
muitos filólogos e linguistas como mera continuação
histórica do português, como elementos estruturais
já “embutidos” no sistema da língua e que
simplesmente vieram à tona no português brasileiro,
tentando apagar toda e qualquer matriz africana e
indígena na constituição da nossa língua. São os
devotos fervorosos de uma entidade mística chamada
“deriva”, que age por conta própria, como um vírus
dentro da língua.

Nomes de referência na linguística histórica brasileira, Rosa


Virginia Mattos e Silva e Américo Venâncio Lopes Machado Filho (2009,
p.299), também realçam a necessidade primordial de considerar a
influência das línguas africanas, principalmente do subgrupo bantu, do
português brasileiro nos estudos históricos da língua:

- 135 -
crê-se que se faz, há muito, necessário proceder ao
resgate de uma questão de direito que é a de se
dar às línguas africanas um papel de maior
destaque na história da constituição do português
brasileiro, não unicamente na perspectiva de
considerá-las mero elemento de substrato na
formação de prováveis crioulos que devem ter de
fato setorizadamente existido em algumas regiões
do Brasil, mas na dimensão de interferências
advindas do contato efetivo e em algum grau
prolongado que se deve ter operado entre o
português e algumas línguas africanas na história

Quanto a isto, em outro artigo, Bagno (2016, p.20) complementa


e assevera:

Durante muitas e muitas décadas, o impacto dos


falantes de origem africana sobre a formação do
português brasileiro foi ou simplesmente negado ou
reduzido a aspectos caricaturais, como as recorrentes
listas de palavras de origem africana introduzidas na
nossa língua. Só muito recentemente, menos de
trinta anos na verdade, é que um novo impulso de
pesquisa tem lançado luzes cada vez mais fortes sobre
o que podemos agora chamar sem rodeios de origens
africanas do português brasileiro.

Justamente graças aos estudos que não ignoram as influências de


línguas africanas no português brasileiro, já é possível conhecer a origem
de algumas características que singularizam este português,
distanciando-o do português europeu e de outras línguas românicas.
Quanto às características distintivas, Bagno (2016) lista:

- 136 -
➢ Palatalização de /d/ e /t/ diante de /i/” (p.25)
➢ Tendência a eliminar consoantes em final de palavra (cantá, amô,
flô, sinhô) (p.26)
➢ Não marcação do plural (as casa, os menino; em variedades
rurais, variedades rurbanas e variedades urbanas prestigiadas em
situações menos monitoradas) (p.26)
➢ Presença obrigatória do pronome-sujeito e ausência de marcas
flexionais de pessoa (eu falo / tu fala / ele fala / nós fala / vocês
fala / eles fala) (p.27)
➢ Omissão do pronome pessoal objeto (Aluguei o filme, ainda não
vi [ ],
➢ mas já emprestei [ ] à Denise, que ficou de me devolver [ ] no
sábado.) (p.28)
➢ Pronome sujeito em função de objeto (eu conheço ela, leva eu)
(p.28)
➢ Concordância locativa (As ruas do centro não tão passando
ônibus; Aqueles quartos só cabem uma pessoa; “algumas
concessionárias tão caindo o preço [do carro]”; “Minhas
amígdalas tavam saindo sangue” (p.29)
➢ Concordância possessiva (“Minha máquina de lavar Enxuta está
vazando água por baixo, o que eu faço?”; “O vestido rasgou a
costura no esforço”.)

- 137 -
As características acima estão presentes tanto em variedades
mais prestigiadas como em variedades menos prestigiadas do português
brasileiro, logo não é papel do professor omitir ou ignorar estes
fenômenos, pois eles são reais e qualquer estrangeiro que chegar no
Brasil se deparará com estas marcas linguísticas.
Sobre as línguas indígenas, sente-se o maior impacto no léxico.
Bíziková (2008) apresenta listas de palavras advindas dos estudos de
cinco etimologistas. Ela esclarece, por meio de uma citação de Melo
(1971), as instabilidades das listas de vocabulário influenciadas pelo tupi,
pois os etimologistas30 não conhecem bem a língua e por vezes podem
incluir alguns vocábulos que não seriam advindos do tupi. Aqui
apresentamos alguns exemplos:

➢ Flora: abacaxi, brejaúva, buriti, carnaúba, capim, caruru, cipó,


grumixama, jacarandá, jabuticaba, peroba, pitanga, canjarana,
caroba, jequitibá, mandioca, aipim, imbuia, ingá, ipê, sapé,
taquara, tiririca, timbó, gabiroba, araticum, maracujá, caju,
caatinga (Lista de Gladstone Chaves Melo, 1992)
➢ Doenças, crenças e crendices: catapora, jururu, sapiroca,
sapituca; Caipora, Curupira, Iara, Saci, urucubaca (Lista de Paulo
Hernandes, sem ano)

30
A partir do link disponibilizado na bibliografia o leitor pode conferir as listas dos
etimologistas

- 138 -
➢ Estados do Brasil: Pará, Ceará, Piauí, Paraíba, Sergipe, Paraná,
Goiás, Amapá, Roraima (p.28) (Lista de Silvio Elia,1992)

Descritas brevemente as influências que tornaram o português


brasileiro diferente de outras variedades nacionais do português, na
próxima seção, debater-se-á uma questão crucial: a polêmica da norma
padrão no Brasil e o cenário sociolinguístico atual.

Norma padrão, norma culta e modelo de análise do cenário


sociolinguístico do português brasileiro hoje
Historicamente, vigorou no Brasil a defesa de uma norma padrão
conservadora, espelhada à norma padrão do português da Europa, o
velho mundo idealizado, o continente de primeiro mundo, primeira
grandeza. Assim, constitui-se, atualmente, como grande esforço dos
linguistas a defesa de uma norma linguística do português brasileiro
realista, isto é, a instituição de uma norma linguística que reflita a fala e
a escrita dos brasileiros no cotidiano em momentos de fala e escrita mais
monitorados. Este apego à norma padrão europeia se reflete na
disseminação de um mito, inclusive propagado por professores de
português, que ainda no século XXI não foi desconstruído: brasileiro não
sabe falar português e só deturpa esta bela língua cujo único
“proprietário” seria Portugal (BAGNO, 2003).
Quanto ao exposto, Faraco (2009, 2011) comenta que este apego
à norma europeia da língua portuguesa advém do século XVII, quando a

- 139 -
elite intelectual e conservadora brasileira com uma visão eurocêntrica de
mundo queria um Brasil branqueado e que falasse a língua que
acreditava que se falava em Portugal. Com uma síndrome de colonizado,
esta elite acreditava em brasileiros inferiorizados e em uma língua que
não poderia se diferenciar da língua do colonizador. Por isto, este grupo,
que detinha do poder intelectual e econômico, defendia a imposição de
uma norma no Brasil que, na verdade, não correspondia aos falares dos
brasileiro, mas pelo contrário, foi inspirada na escrita lusitana de autores
do romantismo, ou seja, inspirada em uma norma exógena.
Ainda hoje, há gramáticos brasileiros que defendem uma norma
padrão utópica, porém, no outro lado do embate, os linguistas lutam
para disseminar a norma padrão real do português brasileiro e a
conscientização de que ela é tão válida e tão importante quanto a norma
padrão do português europeu. Quanto a isto, afirmam Bagno (2003) e
Faraco (2011) que a situação de uma norma padrão inverídica causa
males até hoje, pois é utilizada como um fator de exclusão sociocultural.
E para além disso, tal problema histórico acarretou em consequências
para o ensino de língua portuguesa, que pouco a pouco tem respirado
novos ares e vislumbrado o ensino de uma norma linguística realista e
tratado sobre a variação linguística - ainda que a duras penas.
Felizmente, a sociolinguística prosperou no século XX no Brasil e
tem se multiplicado a quantidade de estudos que se voltam à descrição
do português do Brasil. Estas pesquisas com valor inestimável fortalecem
a difusão do ponto de vista dos linguistas: o Brasil merece uma norma

- 140 -
própria, baseada em usos reais da língua. As contribuições das pesquisas
da sociolinguística brasileira concernem à sensibilização para a variação
linguística e à extinção daquele imaginário brasileiro de que a língua
correta seria aquela que se materializaria de forma una, homogênea e
igual ao padrão europeu. É interessante conferir, por exemplo, as
gramáticas de Perini (2010) e Bagno (2013b), que descrevem usos da
norma culta contemporânea do português brasileiro.
Acerca da norma culta, esta corresponde, segundo Faraco (2009,
p.73), ao “conjunto de fenômenos linguísticos que ocorrem
habitualmente no uso dos falantes letrados em situações mais
monitoradas de fala e escrita”. Cabe ao professor de língua portuguesa
brasileira estrangeira prover acesso dos alunos à norma culta real, mas
sem ignorar, desprestigiar ou inviabilizar as situações de fala menos
monitoradas e variedades menos prestigiadas, pois estará desta forma
sendo mais um agente reprodutor de atitudes linguísticas injustas e
excludentes como preconceito linguístico.
Um modelo de análise do português brasileiro desenvolvido por
Bortoni-Ricardo (2012) propõe um olhar das variedades do português
brasileiro a partir de três contínuos. Este modelo, por ser configurado
em contínuos, evita a impressão que há fronteiras rígidas, inflexíveis,
entre as variedades linguísticas.
O contínuo de urbanização consiste em uma categorização a
partir do local que o falante nasceu e vive. Em um polo se encontram as
variedades rurais isoladas, variedades utilizadas pelos falantes de

- 141 -
comunidades rurais isoladas e que pouco sofrem influência dos
instrumentos de padronização, no meio do contínuo as variedades
rurbanas, variedades utilizadas pelos falantes que sofrem algumas
influências dos instrumentos padronizadores, pois encontram-se
localizados mais pertos dos polos urbanos mas que preservam traços de
variedades rurais e no outro extremo do contínuo as variedades
faladas nas zonas urbanas e que recebem uma grande influência
dos instrumentos de padronização linguística.
O contínuo oralidade – letramento situa os falantes de acordo
com os eventos comunicativos. Num polo do contínuo encontram-se os
eventos da oralidade e no outro polo os eventos que envolvem o
letramento (a prática social da leitura e escrita). Na zona rural há um
predomínio de eventos de oralidade enquanto que nas áreas urbanas há
grande frequência dos eventos dos dois tipos, oralidade e letramento.
Por último, há o contínuo da monitoração estilística, que
depende da situacionalidade, do grau de formalidade do evento
comunicativo e da intencionalidade do interlocutor. No extremo
esquerdo do contínuo, temos aqueles momentos de fala mais
espontâneos e informais enquanto no outro extremo temos as situações
mais monitoradas, que exigem uma maior atenção do interlocutor na
escolha e no emprego de suas palavras.
O professor pode utilizar estes contínuos para expor as
variedades do português brasileiro em sala de aula a partir de exemplos
de eventos comunicativos reais. Deste modo, os alunos poderão

- 142 -
compreender como o português brasileiro é heterogêneo (como
qualquer outra língua) e pode variar de acordo com a origem do falante,
com a situação comunicativa, com o gênero textual, entre outros fatores.
Assim, espera-se que neste capítulo, o qual advoga um ensino de
português brasileiro como língua estrangeira com um maior foco nas
variedades urbanas cultas, porém sem desprezar elementos e
características de outras variedades do português brasileiro, tenha-se
clarificado ao leitor a premente necessidade de reflexão acerca do objeto
de ensino nas salas de aula de língua portuguesa como língua
estrangeira, pois que língua é essa a ser ensinada? Quem são seus
falantes? Que identidades permeiam a própria constituição identitária
desta língua?

Ensino de português brasileiro como língua estrangeira


Já é página virada a época em que o ensino de uma língua
estrangeira se reduzia à transmissão de léxicos e à memorização de
estruturas gramaticais. Deste modo, ensinar uma língua estrangeira é
levar o aluno a usar estes recursos linguísticos (gramática e léxico) tendo
em conta aspectos da situação comunicativa (Quem é meu interlocutor?
A situação de interação é mais monitorada ou menos monitorada? etc).
Portanto, o professor de língua estrangeira deve desenvolver a
competência comunicativa do aluno, isto é, aprimorar a habilidade do
aluno de comunicar-se em situações concretas de interação. Além disso,

- 143 -
o docente não deve abrir mão dos aspectos culturais, já que língua e
cultura são indissociáveis (DOURADO E PORSCHAR, 2010).
No modelo didático estruturalista, era constante um cenário com
foco na escrita e estruturas formais e mais monitoradas e o desprezo da
oralidade, consequentemente os alunos esforçavam-se para memorizar
as regras da gramática, mas faltavam-lhe os estímulos e as atividades
para o uso efetivo destas regras. Assim, o aluno ao interagir com falantes
da língua alvo não conseguia realizar com sucesso situações de
comunicação.
Para aproximar-se da realidade de como a língua é falada no
Brasil, o professor deve propiciar o acesso a textos escritos e orais no
português brasileiro e que circulam nos mais diferentes domínios
discursivos. O uso de textos autênticos acarreta em um conjunto de
benefícios para o ensino: o aluno não aprenderá uma língua irreal, mas
aprenderá o português que, no futuro, será reconhecido por ele ao
contatar outros falantes desta língua, permitindo-o transitar por
diferentes situações comunicativas, pois em suas aulas língua
estrangeira foi-lhe propiciada uma diversidade de situações de uso da
língua. Com textos reais, o aluno também estará aprendendo
interculturalmente, sendo assim, este fator primordial, cultura, não será
esquecido, mas destacado como elemento importante de ensino.
Problematizando as aulas de português brasileiro como língua
estrangeira, Bagno e Carvalho (2015, p.22) criticam os livros didáticos o

- 144 -
disponíveis no mercado atualmente, pois, segundo os autores, são
materiais que ainda são propagadores da norma padrão irreal.

[...] nestas obras, até mesmo nas mais recentes, não está
representada a heterogeneidade das modalidades oral e
escrita do português brasileiro que o estrangeiro deseja
aprender, para que não fique sendo sempre “o gringo” que
fala uma língua engraçada, distante daquela com a qual os
brasileiros se identificam.

Assim, sabendo da diversidade do português brasileiro, o


professor não pode ensinar a norma exógena e irreal, como esclarecido
na seção anterior e como constatado nos livros didáticos analisados
pelos autores supracitados, mas em suas aulas deverá trabalhar com o
português brasileiro falado e escrito por diferentes usuários em
diferentes suportes e em diferentes situações comunicativas. Se
ensinada a norma recomendada por gramáticas tradicionais e
conservadoras, o aluno em contato com brasileiros, possivelmente, não
efetivará com sucesso a interação, pois a língua falada/escrita por este
aluno corresponderá à norma padrão idealizada e não àquela dos
falantes reais em diversas situações interacionais de monitoração
relativizada (CARVALHO, 2012). Deste modo, no próximo capítulo,
traçar-se-ão algumas sugestões para um ensino que não escamoteie a
variação linguística.

Algumas sugestões para o tratamento da variação no ensino

- 145 -
Nesta seção, explanar-se-á uma breve transposição didática do
aporte teórico discutido ao longo do capítulo. É válido ressaltar que
as sugestões são simples e genéricas e obviamente devem ser
adaptadas ou incrementadas a depender das especificidades e do
nível da turma de discentes.

a. Variação fonológica:
O professor, por meio de áudios e vídeos (reitera-
se o uso de textos autênticos), pode levar os alunos ao
contato de diferentes sotaques do país, pois
evidentemente diferentes regiões apresentam formas
peculiares de pronúncias de algumas palavras.
Geralmente os manuais didáticos apresentam apenas os
falares das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro,
hegemonicamente mais poderosas em questão
econômica e mais famosas no exterior, e outros sotaques
são excluídos. Por isto, para suprir esta lacuna, o professor
deve tentar levar amostras de áudios produzidos nas
diversas regiões do país.
Sugestões: O professor pode trazer programas de rádios
gravados em diferentes cidades e realizar uma atividade
de análise contrastiva no que concerne ao sons. Que
características diferenciam um falar do outro? É
interessante, por exemplo, destacar as variadas

- 146 -
pronúncias do fonema r (não esquecendo o fator “posição
da sílaba”), pois ele é reproduzido no português brasileiro
nas formas fricativa, aspirada ou retroflexo. Outros sons
que podem ser lembrados pelo professor consistem na
palatalização do t e do d em alguns falares (/tʃia/ /djia/ x
/tia/ /djia/).
Outra sugestão para mostrar os falares brasileiros
é a apresentação de uma série de reportagens elaborada
pela Rede Globo “Sotaques do Brasil”
(http://g1.globo.com/jornal-
hoje/noticia/2014/08/sotaques-do-brasil-desvenda-
diferentes-formas-de-falar-do-brasileiro.html) . Exibidos
em um telejornal da emissora, estes vídeos apresentam
falantes representativos de diferentes regiões do país
com suas formas peculiares de pronúncias. A reportagem
pode assim mostrar ao aluno um panorama do português
brasileiro a partir de entrevistas com falantes reais.
Na internet, há o site “Forvo”, um dicionário de
pronúncias colaborativo e que abrange múltiplas línguas.
Neste site qualquer pessoa registrada pode realizar
gravações demonstrando a pronúncia de uma palavra.
Esta pesquisa verificou que a palavra “porta” aparece com
21 ocorrências, a maioria do português brasileiro (16
ocorrências) e com diferentes realizações do fonema /r/.

- 147 -
É um bom quadro representativo de amostras da variação
dos sons no português brasileiro.

b. Variação lexical: regionalismos


Tratar da variação lexical propicia ao estudante
alargar suas possibilidades de expressão, pois ele
aprenderá e compreenderá como algo pode ser nomeado
ou expressado com formas linguísticas alternativas. Uma
vasta quantidade de materiais pode fornecer subsídios
para o tratamento da variação ao nível do léxico. Será
reduzido aqui o escopo para os regionalismos, mas o
professor pode fazer usos de outros tipos de variação
lexical em sala de aula.
É comum em peças de publicidade a
representação de expressões regionais com o intuito de
representividade e familiarização com o público. O
professor deve aproveitar este jogo de marketing e, além
de trabalhar aquisição de novo léxico, poderá debater em
que situações ou em que práticas comunicativas os usos
dessas expressões seriam mais adequados ou aceitos
(situações mais formais ou menos formais? Na fala ou na
escrita? etc.) e discutir o papel sociocultural destas
expressões para identidade de um povo. Segue uma
propaganda de uma lanchonete de Recife, com a

- 148 -
exposição de regionalismos em formato de verbetes de
dicionário. Materiais assim possibilitam um rico trabalho
com a língua viva.

Uma outra sugestão é um trabalho com atlas


linguísticos, como o atlas desenvolvido pela Universidade
Federal da Bahia - UFBA (Atlas Linguístico do Brasil). Na
parte do léxico, o atlas mostra preferências de uso de
palavras (de diferentes campos semânticos como
alimentação e fauna) a partir de um estudo
sociolinguístico com 1100 falantes de 22 estados

- 149 -
brasileiros. O professor pode assim realizar um trabalho
com aquisição de novo léxico a partir destes dados reais a
partir de jogos de semântica lexical (destacando relações
de sinonímia e antonímia, por exemplo).

c. Variação sintática: o caso do pronome objeto


Para o tratamento destas estruturas gramaticais,
recomenda-se a consulta às gramáticas descritivas, como
de Bagno (2013b) e Perini (2010), que tratam da norma
culta brasileira real, a partir de exemplos coletados em
diversos gêneros textuais e trata de aspectos sintáticos já
considerados comuns e aceitos em situações mais
monitoradas

- 150 -
Uma característica sintática do Português
Brasileiro que não deve ser ignorada são as três possíveis
realizações de pronome objeto direto de terceira pessoa:
A forma mais conservadora: uso do pronome
objeto (“Eu o encontrei no parque ontem”). Esta forma
está em desuso no português brasileiro, porém ainda
aparece em textos mais monitorados.
Formas inovadoras: uso do pronome sujeito no lugar do
pronome objeto (Onde está o meu computador? Ah,
esqueci ele no carro) ou omissão do pronome (Onde está
meu computador? Ah, esqueci no carro). Estas formas são
cada vez mais presente em textos escritos e são muito
presentes em textos orais, tanto em situações menos
monitoradas como mais monitoradas.

- 151 -
Ensinar numa perspectiva variacionista é fornecer
aos alunos as múltiplas possibilidades de realização de
uma língua em diferentes contextos interacionais, por
isso não se pode deixar de ensinar as realizações do
pronome em situações mais formais ou menos formais,
pois são com estas 3 realizações que o aluno muito
provavelmente se deparará ao ler e ouvir textos do
português brasileiro. Para isto, reforça-se aqui que é
preciso constantemente possibilitar o aluno de entrar em
contato com textos e mais textos enquadrados em
diferentes gêneros e provenientes de diferentes
variedades linguísticas.

Conclusões
Este trabalho buscou explicitar a relevância da prática de ensino
de língua estrangeira com base em uma perspectiva comunicativa e
aliada a uma pedagogia da variação linguística. Não pretendeu-se aqui
propor que devem ser ensinadas todas possibilidades de variação de
uma língua, mas objetivou-se alertar para a necessidade de um ensino
que permita ao aluno expressar-se de diferentes modos e que possa
compreender e interagir com diferentes falantes em situações
comunicativas variadas.
Especificamente, debruçou-se sobre o português brasileiro e o
cenário sociolinguístico do Brasil, com a pretensão mor de deixar claro

- 152 -
que o ensino desta língua tem de pautar-se a partir da norma culta real,
já que ainda vigora uma tradição de ensino pautado em gramáticas
conservadoras e que representam uma norma arcaica.
Primeiramente, fez-se uma abordagem diacrônica para
demonstrar porque o português brasileiro apresenta especificidades em
relação às outras variedades nacionais da língua portuguesa. Depois,
ressaltou-se a importância da lusofonia e defendeu-se a implementação
de variedades nacionais de português, para justificar o ensino de
português brasileiro (separado do ensino de outras normas). Prosseguiu-
se com a explicitação de um modelo de ensino que desenvolva a
competência comunicativa e que paute acerca do fenômeno da variação
linguística. Finalizou-se o capítulo com algumas breves sugestões
didáticas de aspectos variáveis do português brasileiro na esperança de
inspirar novos olhares metodológicos para o ensino de língua
estrangeira.

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- 157 -
A INFLUÊNCIA DOS REA NA CONSTITUIÇÃO DA

6 IDENTIDADE DO PROFESSOR DE LÍNGUAS NO

SÉCULO XXI

Gabriela Q. Marzari31

Introdução
Independentemente da concepção pedagógica adotada pelo
professor para ensinar línguas, sobretudo línguas estrangeiras, sabemos
que, de uma forma ou de outra, sempre fez uso de uma determinada
tecnologia como recurso ou instrumento de mediação pedagógica,
desde o surgimento da escrita, passando pelas gramáticas impressas e
pelo livro didático, até a lousa digital, a conexão wireless, os
computadores portáteis, o uso de redes sociais para o ensino, o
armazenamento de informações na nuvem, entre tantas outras
inovações tecnológicas digitais. Isso porque, conforme nos esclarece
Paiva (2008, p. 01), “[o] sistema educacional sempre se viu pressionado
pela tecnologia, do livro ao computador, e faz parte de sua história um
movimento recorrente de rejeição, inserção e normalização.”

31
Professora do Curso de Letras: Português e Inglês do Centro Universitário Franciscano
– Santa Maria, RS, Brasil. Doutora em Letras: Estudos Linguísticos pela Universidade
Católica de Pelotas (UCPel) – Pelotas, RS, Brasil. E-mail: gabrielamarzari@gmail.com

- 158 -
Portanto, entender como se constitui a identidade do professor
de línguas (estrangeiras) na sociedade contemporânea, que se encontra
permeada por uma diversidade de recursos digitais acessíveis a
praticamente todos os usuários da rede e, ao mesmo tempo, inundada
por críticas severas, mitos e (des)crenças em relação ao papel desse
professor, é fundamental, para que possamos – a partir da definição de
seu perfil atual – repensar suas formas de atuação, com vistas ao ensino
de línguas (estrangeiras). Nesse cenário promissor, a tecnologia – e,
principalmente, as inúmeras potencialidades pedagógicas que ela
carrega – pode ser vista como uma extensão do pensar e do agir docente
e estes, se devidamente considerados, poderão resultar em um novo ser
docente, ou seja, uma nova identidade profissional para o professor de
línguas (estrangeiras).

MOOCs: definição e funcionalidades


Os cursos online gratuitos e massivos (no inglês, Massive Online
Open Courses ou MOOCs) são cursos abertos, ou seja, oferecidos de
forma gratuita e massiva no ambiente online. Dentre os objetivos
principais de um MOOC, estão a possibilidade de acesso facilitado, pelo
fato de que são recursos oferecidos gratuitamente a todos os usuários
da Web 2.0, e a possibilidade de uso, adaptação e compartilhamento ou
redistribuição das informações de que dispõe. Conforme definição
proposta por McAuley et al (2010, p. 10), um MOOC é “(…) um curso

- 159 -
online que oferece a possibilidade de inscrição gratuita e aberta, um
currículo compartilhado publicamente, e resultados não definitivos”32.
A propriedade “abertura” (openness) de um MOOC está
diretamente relacionada às habilidades já desenvolvidas pelo usuário no
que se refere ao acesso às TIC. Ou seja, um MOOC, pelo fato de integrar
diferentes Recursos Educacionais Abertos (REA) em sua constituição,
estará mais ou menos sujeito a adaptações e alterações, em maior ou
menor escala, à medida que seus usuários forem considerados mais ou
menos letrados digitalmente. Dentre os desafios atualmente
encontrados na implementação de MOOCs para a aprendizagem em
massa, Yuan e Powell (2013) alertam para o fato de que apenas uma
parcela de indivíduos, por serem letrados digitalmente, poderá se
beneficiar das potencialidades oferecidas por esses recursos, o que, na
opinião desses autores, representaria um verdadeiro risco à proposta de
Educação Aberta que tanto se almeja.
Segundo Mota e Inamorato (2012), quando se fala da
possibilidade de abertura de um MOOC, é preciso pensar nas
possibilidades de limitação ao “aberto” que, segundo os autores, “[...]
está associada à exigência de habilidades mínimas por parte dos
participantes, o famoso ‘letramento digital’, além da infraestrutura
tecnológica com acesso à internet e preferencialmente com uma banda
razoável que permita a navegação sem muitas frustrações”. Ainda no

32
(…) an online course with the option of free and open registration, a publicly-shared
curriculum, and open-ended outcomes.

- 160 -
que se refere ao aspecto “abertura”, é preciso considerar a existência de
duas modalidades de MOOCs, resultantes de orientações pedagógicas
divergentes no que se refere aos processos de produção e oferta: os
cMOOCs e os xMOOCs.
Basicamente, os cMOOCs são cursos criados a partir dos
pressupostos defendidos pela Teoria Conectivista, que prevê o
desenvolvimento de redes de conexão entre fontes especializadas de
informação, envolvendo a participação ativa de recursos humanos e
físicos, já que o conhecimento encontra-se distribuído no mundo e não
no indivíduo apenas (SIEMENS, 2004, 2006, 2008). Já os xMOOCs são
cursos mais estruturados, a exemplo do que acontece no ensino
tradicional, em que os conteúdos a serem desenvolvidos ou ampliados
são pré-definidos ainda no início do curso pela instituição promotora. O
conteúdo é transmitido por um professor, geralmente um sujeito
bastante conceituado e renomado na área, que faz uso de recursos
específicos, a fim de torná-lo acessível a seus aprendizes.
Ao contrário do que acontece nos cMOOCs, os resultados
obtidos, ao término de um curso xMOOC, são bastante previsíveis, já que
os objetivos são definidos a priori e a trajetória do curso é de
responsabilidade do professor, que não busca na interatividade com seus
aprendizes uma alternativa para a solução de eventuais problemas. A
comunicação se faz de um para todos, reforçando a ideia de que o
professor, por ser o centro do saber, é responsável pela aprendizagem
de seus alunos. Segundo Yuan e Powell (2013, p. 07), “[...] o modelo de

- 161 -
instrução (xMOOCs) é essencialmente uma extensão dos modelos
pedagógicos praticados dentro das próprias instituições, que é, sem
dúvida, dominado pelos métodos instrucionais de "drill e grill", que
contemplam apresentações de vídeo, pequenos questionários e testes
"33.
Diante do exposto, poderíamos pensar em MOOCs mais sujeitos
à abertura e MOOCs menos sujeitos à abertura, já que esta, a abertura
(openness), é uma característica básica, que define tais recursos como
ideais para uma proposta de Educação Aberta. Segundo Yuan e Powell
(2013, p. 06), o objetivo primordial dos MOOCs era democratizar o
ensino, promovendo o livre acesso por parte dos alunos ao ensino
superior. Nesse sentido, e ao contrário dos cursos online tradicionais, os
MOOCs apresentaram, desde a sua idealização, duas características
essenciais, que são justamente a abertura (open access), de modo que
qualquer pessoa pudesse participar de um curso online gratuitamente, e
a escalabilidade (scalability), uma vez que os cursos são planejados para
atender a um número indefinido ou ilimitado de participantes.
Contudo, essas características, conforme observamos
anteriormente, têm sido interpretadas de diferentes maneiras, a ponto
de presenciarmos a existência de MOOCs massivos, mas não abertos, e
vice-versa. Esse conflito conceitual foi preconizado por Wiley (2012),

33
(…) the instructional model (xMOOCs) is essentially an extension of the pedagogical
models practised within the institutions themselves, which is arguably dominated by
the “drill and grill” instructional methods with video presentations, short quizzes and
testing.

- 162 -
conforme esclarecem Yuan e Powell (2013, p. 06), que “[...] apontou que
as ambiguidades do conceito de MOOCs pode representar uma ameaça
para o futuro desenvolvimento de REA e cursos abertos, onde o público
entenderá que o fato de serem ‘livres’ é bom o suficiente e ninguém mais
se preocupará com o fato de serem ‘abertos’ ou não.34 Nesse sentido,
Wiley (2012) esclarece que muitos MOOCs são massivos, mas não são
abertos (http://www.udacity.com/legal/); muitos MOOCs são abertos,
mas não são massivos (http://learninganaly.net/syllabus.html); e, por
fim, muitos MOOCs lutam para não se tornarem cursos (tradicionais)
(http://cck11.mooc.ca/how.htm).35
Uma interpretação do que afirmou Wiley (2012) revela que a
simples existência de recursos online, que podem ser utilizados por todos
– desde que gratuitamente – como suporte à aprendizagem,
independentemente da área do conhecimento, parece suficiente para
satisfazer muitos dos anseios e interesses dos indivíduos que integram a
sociedade atual, ou seja, que estão cercados pela tecnologia e que, em
função disso, podem usufruir aquilo que está na rede à disposição de
todos. O fato de estarem sujeitos à adaptação ou à alteração, tendo em
vista necessidades contextuais específicas, não parece ser a razão

34
(…) pointed out that the ambiguities in the concept of MOOCs may pose a threat to
the future development of open educational resources and open courses where the
general public will perceive ‘free’ is good enough and no one will care about ‘open’”.
35
Segundo Wiley (2012), “Many MOOCs are massive but not open
(e.g., http://www.udacity.com/legal/); Many MOOCs are open but not massive
(e.g.,http://learninganalytics.net/syllabus.html); Many MOOCs try very hard not to be
courses (e.g., http://cck11.mooc.ca/how.htm).

- 163 -
principal pela qual os MOOCs têm despertado tamanho interesse na
atualidade. O acesso facilitado, considerando-se principalmente o fato
de que são cursos gratuitos, somado à diversidade de áreas
contempladas, estão entre as principais justificativas para a propagação
dos MOOCs na sociedade contemporânea.

Identidade docente como reflexo da reconfiguração das práticas


pedagógicas na sociedade da informação
Ao longo da história do ensino de línguas, mais especificamente
de línguas estrangeiras, temos testemunhado certa diversidade em
relação aos papéis assumidos pelo professor, ora visto como
protagonista do processo, porque exerce significativa influência sobre a
aprendizagem do aluno a ponto de ser considerado responsável por ela;
ora, como coadjuvante, porque representa apenas mais um dentre os
elementos que integram o complexo cenário do ensino e aprendizagem
de línguas (estrangeiras). Essa pluralidade de papéis pode ser explicada
a partir das diferentes concepções que temos sustentado sobre o que
significa ensinar e aprender línguas (estrangeiras), mas principalmente a
partir da disponibilidade de tecnologias que podem ser utilizadas como
suporte para diferentes modelos de aprendizagem, conforme alguns
autores têm argumentado, por exemplo, Anderson e Dron (2011).
É essa diversidade de papéis atribuídos ao professor que nos leva
a investigar e, por fim, questionar sua verdadeira contribuição, do ponto
de vista didático-pedagógico, para a aprendizagem de determinado

- 164 -
idioma na sociedade contemporânea. Segundo o dicionário online
Aurélio36, “professor” é aquele que ensina; ou, ainda, “professor” é
sinônimo de mestre. A definição proposta pelo Aurélio, embora simplista
demais se considerarmos a complexidade que envolve os processos de
ensinar e aprender, nos leva a concluir que o professor foi, é e sempre
será o sujeito responsável pela aprendizagem do aluno, já que cabe a ele
a tarefa de ensinar.
Contudo, uma análise mais cuidadosa dessa mesma definição nos
conduz a uma segunda conclusão: embora o professor seja responsável
pela aprendizagem de seus alunos, não cabe a ele, unicamente, a tarefa
de ensinar. Nesse sentido, o professor seria uma das possibilidades
viáveis de acesso ao conhecimento pelo aluno, que poderá, dependendo
de sua maturidade acadêmica e grau de autonomia, optar por ele ou por
outro mecanismo de mediação pedagógica, que poderia ser o livro
didático, a tela do computador, a internet, a lousa digital ou o quadro
negro, o celular, entre outros artefatos, levando-nos a refletir sobre a
noção de “natureza cognitiva das coisas”37, conforme problematizada
por Sutton (2002), a partir de estudos desenvolvidos por Appadurai
(1986) e Kopytoff (1986) e, posteriormente, reiterada por Siemens (2004,
2008), ao definir a rede como um “agente cognitivo”.
Ao atribuirmos uma natureza cognitiva aos artefatos que
permeiam nossas práticas sociais, dentre elas, as práticas de ensinar e

36
http://www.dicionariodoaurelio.com/
37
No original, “the cognitive life of things”.

- 165 -
aprender, estaríamos dividindo ou compartilhando uma
responsabilidade que, outrora, restringia-se ao professor e ao aprendiz,
respectivamente. Se entendermos que os artefatos que estão a nossa
volta, dentre eles os artefatos digitais, podem desempenhar a função de
“agentes cognitivos”, alterando a capacidade de alcance,
armazenamento e absorção das informações ao longo do processo de
construção do conhecimento, no que se refere especificamente ao
ensino e à aprendizagem de línguas (estrangeiras), estaríamos, pois, nos
referindo a uma espécie de cognição distribuída (HUTCHINS, 1995,
2006).
O conhecimento, conforme propõe a Teoria Conectivista,
encontra-se distribuído entre os diferentes elementos ou “nós”
constitutivos da imensa rede que configura o sistema cognitivo. A
construção do conhecimento, mais especificamente, o desenvolvimento
de habilidades linguísticas, nocionais ou funcionais e discursivas, em
relação ao ensino de línguas (estrangeiras), está diretamente relacionada
à capacidade de interação dos sujeitos ou artefatos envolvidos no
processo. Sob essa perspectiva, a interação é resultado de conexões
entre elementos de natureza diversificada, não necessariamente
humanos, mas representativos do cenário do ensino de línguas
(estrangeiras) na contemporaneidade.
Reiterando a definição de Siemens (2004), acerca do
Conectivismo, temos que “[o] nosso conhecimento reside nas conexões
que criamos, seja com outras pessoas, seja com fontes de informação,

- 166 -
como bases de dados.” Logo, a rede, entendida como o repositório de
uma infinidade de artefatos digitais, funcionaria como uma extensão de
nossa capacidade cognitiva, que, quando ativada, contribui para a
construção e distribuição do conhecimento de maneira coletiva e
democrática. Xavier (2013, p. 307-8), ao responder à pergunta “[o] que
é ensinar/aprender língua(gem)? E qual é a relação entre professores de
línguas e sociedade?”, apresenta uma definição de ensinar que evoca,
pelo menos, dois papéis distintos para o professor de línguas
(estrangeiras).
Segundo Xavier (2013, p. 307), ensinar pode estar relacionado a
“professar um saber” ou “fazer aprender alguma coisa a alguém”. O
primeiro conceito de ensinar, conforme esclarece a própria autora (2013,
p. 307), “[...] traz uma concepção de professor transmissivo que, em
tempos de globalização, não mais atende às necessidades da escola.” Já
o segundo conceito de ensinar, novamente segundo a autora (2013, p.
308), “[...] traz a ideia de professor mediador, aquele que transita
saberes diversos, ditos profissionalizantes, próprios e específicos do
grupo que os partilha, produz e faz circular [...]”.
Em resposta à diversidade de artefatos digitais atualmente
existentes, na maioria, de fácil acesso aos usuários da Web 2.0,
propomos, neste estudo, a concepção de professor como coadjuvante
do processo de ensinar, fazendo uso da metáfora do professor como
“coadjuvante”, a exemplo do que fazem Brown (2006), Fisher (s.d), Bonk
(2007) e Siemens (2008), ao descreverem o perfil do professor por meio

- 167 -
de quatro metáforas, respectivamente: a de professor “artista mestre”
(Educator as Master Artist), a de professor “administrador da rede”
(Educator as Network Administrator), a de professor como “concierge”
(Educator as Concierge), e a de professor como “curador” (Educator as
Curator)38.
Segundo a versão online do dicionário Aurélio39, “coadjuvante”
refere-se àquele que “coadjuva, auxilia ou coopera com outrem”. Em se
tratando do ensino e da aprendizagem de línguas (estrangeiras), ao
assumir o papel de coadjuvante, o professor – a exemplo dos demais
elementos constitutivos da rede – auxilia ou coopera com a
aprendizagem do aluno, mas não se responsabiliza por ela, tampouco
exerce a função de mediador. Sob essa perspectiva, portanto, o
professor deixa de ser o elemento responsável pela transmissão do
conhecimento ao aprendiz ou, ainda, pela mediação entre o aprendiz e
o conhecimento a ser construído, para se tornar um dos elementos
integrantes da rede onde são realizadas as conexões, essenciais à
aprendizagem. Parece oportuno lembrarmos que, para Siemens (2008,
p. 15), a natureza do processo de aprender, como mais ou menos
guiada40, está diretamente relacionada ao reconhecimento e ao uso de

38
Para uma discussão mais ampla sobre as demais metáforas que, eventualmente,
constituem o perfil do professor de línguas (estrangeiras) do século XXI, conforme
citadas previamente, sugerimos a leitura do texto de MARZARI (2014).
39
http://www.dicionariodoaurelio.com/
40
Neste contexto, o termo “guiada” pode ser entendido como sinônimo de
“monitorada” pelo professor ou, segundo a teoria conectivista, por qualquer artefato
que exerça o papel de mediador no processo de interação entre o sujeito aprendente
e o alvo de sua aprendizagem.

- 168 -
ferramentas por parte do aprendiz, que se constitui como um sujeito
mais autônomo na medida em que exerce maior controle no acesso à
informação disponível.41

A metáfora do professor coadjuvante como indício de uma identidade


docente diferenciada
Entender o professor como elemento coadjuvante no cenário do
ensino e da aprendizagem de línguas (estrangeiras) na atualidade é
destituí-lo da autoridade pelo ato de ensinar e da responsabilidade
(única) pelo sucesso da aprendizagem do aluno. Não se trata, contudo,
de ignorar ou menosprezar o seu papel; ao contrário, o professor pode
assumir um papel tão ou mais importante se comparado àquele que vem
assumindo nas últimas décadas, especialmente em contextos
tradicionais de ensino, na medida em que sua ausência for de fato
sentida pelo aluno, que poderá recorrer a ele sempre que sua presença
ou interferência for determinante à construção do conhecimento.
A proposição da quinta metáfora encontra respaldo teórico nos
princípios da Teoria Conectivista, que, dentre outros aspectos, considera
que a “[a]prendizagem é um processo de conectar nós especializados ou
fontes de informação”, desse modo, rompendo com a concepção de
conhecimento centralizado no professor, como se fosse o único

41
Segundo Siemens (2008, p. 15), “[a]s participative tools grow in popularity, the
autonomy of learners and their control over access to information continues to
increase.”

- 169 -
responsável pela sua propagação. Na sociedade da informação, o
conhecimento encontra-se disperso ou diluído em organismos humanos
e não humanos (artefatos digitais). Logo, a sua construção depende,
basicamente, do desejo do aprendiz em engajar-se em redes de
colaboração, de modo a cultivar e manter as conexões entre si e os
demais elementos que conduzem à aprendizagem contínua.
O papel do professor encontra-se, pois, descentralizado, uma vez
que o aprendiz poderá recorrer a fontes variadas de insumo e, por meio
das conexões que estabelece ao longo do processo, reforça o que já sabe
e avança rumo ao desconhecido. Isso se deve, em grande parte, ao fato
de que a concepção de aprender, na sociedade da informação, foi sendo
significativamente alterada, devido à expansão e socialização de
artefatos tecnológicos. A esse respeito, Siemens (2011, p. 08) esclarece
que:

[a]prender não é mais considerado um processo


inteiramente sob o controle do indivíduo, uma
atividade interna, individualista: está também
fora de nós, dentro de outras pessoas, em uma
organização, em um banco de dados ou em
artefatos, e essas conexões externas, que
potencializam o que podemos aprender, podem
inclusive ser consideradas mais importantes que
nosso estado atual de conhecimento.

O conhecimento, sob essa perspectiva, está distribuído entre os


demais sujeitos e objetos que integram a rede de conexões necessárias

- 170 -
à sua construção. Nesse sentido, entendemos que o professor assume o
papel de coadjuvante ao longo do processo, que, por si só, é caótico e
complexo, já que o conhecimento encontra-se diluído na rede, de forma
dinâmica e contínua. Como consequência, o papel a ser desempenhado
pelo professor continua sendo relevante para que a aprendizagem
aconteça, já que representa um dentre os “nós” constitutivos da rede de
conexões potencialmente ativas, mas deixa de ser essencial, na medida
em que outros elementos, dentre eles pessoas e objetos, integram essa
rede e podem, dependendo da necessidade do aprendiz, ser ativados por
ele.
Paiva (2010), ao desenvolver um estudo sobre Ambientes Virtuais
de Aprendizagem (AVAs), parece atribuir ao professor o papel de
coadjuvante, a exemplo do que temos proposto neste estudo, cujo
objetivo principal é investigar a identidade do professor de línguas
(estrangeiras) no século XXI. Sobre essa questão, a autora afirma (2010,
p. 368): “[o]s AVAs configurados para proporcionar experiências em
redes colaborativas retiram o professor da frente da sala de aula e o
deslocam para os bastidores ou para junto dos alunos.” Mais adiante,
ainda referindo-se ao papel desempenhado pelo professor,
especialmente em contextos online de ensino e aprendizagem, a autora
(2010b, p. 368) afirma que o professor precisa: “[...] perceber que não
está mais no centro do processo pedagógico; ter consciência de que não
há como dominar e transmitir todo o conhecimento de sua área; e

- 171 -
descobrir que não tem domínio sobre o aluno, que aprende apesar do
professor” (grifo meu).
Entretanto, é preciso destacar que, ao atuar como coadjuvante
no processo de ensino e aprendizagem de línguas (estrangeiras), o
professor pode assumir uma postura mais colaborativa ou menos
colaborativa, dependendo do nível de autonomia demonstrado pelo
aprendiz. Geralmente, aprendizes mais autônomos recorrem à figura do
professor com menos frequência, buscando soluções para os problemas
que vão emergindo ao longo do processo junto aos demais colegas,
através da criação de fóruns online e participação nas redes sociais, onde
há espaço para discussão de ideias e conceitos relativos ao
conhecimento que está sendo almejado, ou junto às ferramentas que
estão disponíveis aos usuários digitalmente letrados. A interação e, por
conseguinte, as conexões entre os elementos ou “agentes”, conforme
definição de Latour (1991), que integram os processos de ensinar e
aprender, continuam sendo essenciais à construção do conhecimento; o
que se altera é a natureza da interação, que não mais se restringe a
elementos ou agentes humanos, uma vez que o artefato, ao ser acessado
pelo aprendiz, poderá “agir” em prol de sua aprendizagem, a exemplo do
que fazia o professor ou um colega de turma, geralmente aquele mais
desenvolvido do ponto de vista cognitivo.
Nesse sentido, merece destaque a seguinte afirmação de Rose e
Jones (2005), a respeito do conceito de “agência”: “[s]e a agência é a
capacidade de fazer a diferença, então as máquinas também podem

- 172 -
exibir formas de agência. Na Teoria Ator-Rede, a agência não se restringe
aos humanos, mas é também atribuída às tecnologias.” Embora não
tenhamos abordado a Teoria Ator-Rede ao longo deste estudo,
entendemos que seus princípios vão ao encontro do que propõe o
Conectivismo, ao defender que o conhecimento é resultado de
conexões, estas decorrentes de interações entre os elementos de
natureza distinta que compõem a rede, dentre eles, seres humanos e
artefatos digitais. Conforme discutido anteriormente, um dos princípios
mais polêmicos do Conectivismo, proposto por Siemens (2004), sustenta
que a “[a]prendizagem pode residir em dispositivos não humanos”, o que
parece confirmar um dos preceitos básicos da Teoria Ator-Rede, de que
a ferramenta, quando devidamente ativada, poderá se transformar em
um importante mecanismo de mediação e interação, desse modo,
permitindo que o conhecimento seja construído graças à relação
dialética que se estabelece entre agentes humanos e materiais (ROTH,
2007).

Considerações finais
Portanto, se considerarmos que a ferramenta propicia a
interação entre os elementos constitutivos da rede e, principalmente, se
o conhecimento é resultado de conexões decorrentes dessas interações,
podemos concluir que a aprendizagem, na sociedade da informação, é

- 173 -
resultado de um processo essencialmente híbrido (LEFFA, 201442; PAIVA,
2010; SIEMENS, 2004, 2006; LATOUR, 2005), porque integra tanto
elementos humanos quanto elementos materiais. Ao compreendermos
o ensino sob uma perspectiva híbrida, estamos automaticamente
diluindo a responsabilidade pelo sucesso da aprendizagem do aluno,
outrora atribuída unicamente à figura do professor, aos demais
elementos integrantes da rede.
Consequentemente, a visão maniqueísta que se tinha do
professor (good versus bad), sustentada e transmitida por séculos, acaba
sendo desintegrada, uma vez que o sucesso ou o fracasso obtido pelo
aprendiz, ao longo do processo de aprendizagem, pode estar
relacionado, por exemplo, à falta de letramento digital, por parte do
próprio aprendiz, para interagir com a ferramenta, a fim de atender a
objetivos educacionais específicos, ou ainda, à sua incapacidade de agir
de forma colaborativa na rede, participando ora como emissor da
informação, ora como destinatário dela, junto aos demais aprendizes.
Ao propormos a metáfora do professor como coadjuvante, nos
apoiamos na concepção de que o ensino, na sociedade da informação,
constitui-se de forma híbrida, basicamente porque resulta de conexões
decorrentes de relações entre seres humanos (agência humana) e
artefatos digitais (agência material), o que conduz à definição de

42
Projeto apresentado ao CNPQ para obtenção de bolsa de produtividade em pesquisa.
Título Recursos educacionais abertos para o ensino de línguas online, Coordenado pelo
Prof. Dr. José V. Leffa, disponível em: <http://www.elo.pro.br/cloud/>.

- 174 -
“cognição distribuída” (SIEMENS, 2008, 2011; DOWNES, 2006, 2007;
LATOUR, 1991, 1993; HARPER et al, 2008), no sentido que o
conhecimento, por ser ubíquo, encontra-se disperso tanto em fontes
humanas quanto em fontes materiais. Soma-se a isso o fato de que o
professor pode se fazer mais ou menos presente no processo de ensinar,
dependendo das necessidades do aprendiz, ora integrando-se ao sistema
por completo, por vezes assumindo uma posição bastante centralizadora
em relação aos demais componentes, ora esvaindo-se gradativamente
dele, a ponto de se tornar um elemento invisível dentre os demais
(LEFFA, 2012).
A proposição de uma metáfora, que seja capaz de explicar a
identidade do professor de línguas (estrangeiras) no século XXI,
constituída de forma híbrida, complexa e multifacetada, encontra
respaldo nos atuais estudos sobre a influência da tecnologia sobre a
construção do conhecimento na sociedade da informação e justifica-se,
basicamente, pela necessidade de investigarmos “as metamorfoses
impostas pela tecnologia sobre o ensino de línguas estrangeiras”,
conforme propõe Telles (2009, p. 63). Por meio de metáforas, podemos
compreender mais claramente qual é o papel desse sujeito, que, mesmo
na sociedade da informação, ora está à frente do processo, definindo o
que e como os alunos devem agir em relação aos conteúdos previstos,
ora está à margem do processo, mediando as trocas e o acesso às
informações que, eventualmente, serão convertidas em conhecimento,
ora está incluso no processo, atuando como coadjuvante na (re)criação

- 175 -
de conteúdos distribuídos entre os demais sujeitos envolvidos
(professores, aprendizes e artefatos), uns contribuindo para a
construção do conhecimento de outros.

- 176 -
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- 180 -
ERRANDO É QUE SE APRENDE: ENSINO DE LÍNGUA

7 ESTRANGEIRA PARA ALÉM DO ERRO

Eduardo Dias da Silva43

Introdução
O ser humano possui algumas características que são exclusivas
de sua condição humana. Nenhum outro ser, por exemplo, tem a
capacidade da articulação linguística em termos léxico-discursivos;
nenhum outro ser é capaz de pensar e refletir sobre sua própria condição
e nenhum outro ser é capaz de evoluir de uma geração para outra, como
faz o homem (LEFFA, 2008). Para esse autor,

Dessas características exclusivas − e essenciais −


do ser humano, duas precisam ser destacadas
quando se fala em formação de professores de
línguas estrangeiras. Uma é a capacidade da fala;
o ser humano não é apenas um animal político; é
um animal político que fala. A outra característica
importante é a capacidade de evoluir. O ser
humano não permanece o mesmo de uma
geração para outra; ele se transforma,

43
Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB). Professor de
Educação Básica na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF).
Pesquisador do Grupo de Estudos Críticos e Avançados em Linguagem da
Universidade de Brasília (GECAL/UnB).

- 181 -
transforma o mundo e transforma a percepção
que temos do mundo. (LEFFA, 2008, p. 353).

Partindo de um quadro naturalmente evolutivo e educacional,


não podemos encarar o fato de cometer erros no processo de ensinar e
de aprender Língua Estrangeira (LE) como fator negativo, ao contrário, a
questão de como os atores sociais (professores e aprendentes44) reagem
aos erros no processo de ensino-aprendizagem de línguas (estrangeiras)
tem sido estudada por diferentes áreas do conhecimento e assumido
uma perspectiva diferenciada ao longo do tempo, dependendo dos
objetivos e da orientação disciplinar dos pesquisadores (WHITE, 1987;
DOUGHTY; WILLIAMS, 1998; FIGUEIREDO, 2001; 2003; SIMÕES, 2007;
CAVALARI, 2008; LYSTER; RANTA, 2009, dentre outros).
Em atividades escritas ou orais, nas mais diversas situações nas
quais o uso da língua está presente, o que pode ser observado é o
desempenho do usuário dessa língua, seja LE ou não. Esse desempenho
nem sempre reflete a real competência que o indivíduo tem daquela
língua, devido a alguns fatores, tais como fadiga, distração, problemas na
saúde etc., ou, ainda, o conhecimento parcial ou falho das regras dessa
língua, conforme Simões (2007).
Ellis (1997), em seus estudos, relata que, na produção linguística
dos aprendentes de LE, podem ocorrer certos desvios da língua padrão.

44
Os termos aprendente, indivíduo, usuário, estudante, aluno e aprendiz são usados
indiscriminadamente nesta pesquisa ao nos referirmos ao sujeito que aprende, pois
consideramos o processo de aprendizagem uma construção individual e interna,
realizando-se em um processo histórico, discursivo e social.

- 182 -
Esses desvios foram amplamente estudados nos anos 1960 e 1970 nas
áreas de Análise de Erro e Análise Contrastiva e estão em voga nos
estudos linguísticos aplicados (críticos) nos últimos anos, utilizando-se,
também, de outros paradigmas como a teoria da Interlíngua, a
Abordagem Comunicativa, o Audiolingual, a Suggestopedia e a teoria das
Inteligências Múltiplas, na tentativa de esclarecer e auxiliar os
professores de LE a lidar com diferentes tipos de erros em sala de aula
(RICHARDS; RODGERS, 2004).
Constantemente, encontramos professores de LE desmotivados
e/ou despreparados diante dos erros cometidos por seus aprendentes.
Alguns desses erros já foram, por vezes, exaustivamente corrigidos em
sala de aula; outros não se têm ideia de onde vêm e, ainda, há aqueles
que parecem provenientes de um paralelo que, de acordo com Simões
(2007), o aprendente faz com base em sua Língua Materna (LM), pois,

Tratando-se de atividades que envolvem


tradução, a interferência da língua materna é
provavelmente o maior erro que o aprendiz
comete, porém, esses professores parecem
desconhecer o processo pelo qual o aprendiz
passa antes de tornar-se um falante (quase)
proficiente da língua-alvo (SIMÕES, 2007, p. 1).

De acordo com Corder (1967; 1985), é o significado dos erros para


os professores, para os pesquisadores e para o aprendentes que são os

- 183 -
três elementos indispensáveis no processo de ensino-aprendizagem de
LE. Segundo esse autor,

Ao primeiro, o erro informa acerca do ponto a


que chegou o aprendente em relação ao objetivo
traçado e cerca do que ainda falta alcançar; ao
segundo faculta indicações sobre como se
aprende uma língua e como são elaboradas
determinadas construções linguísticas pelo
aprendente; para o terceiro elemento, o
aprendente, o erro consiste no procedimento
que usa para aprender, como forma de verificar
as suas hipóteses sobre o funcionamento da
língua em questão. (CORDER, 1985, p. 10-11,
tradução nossa).

Tradicionalmente, o erro serve aos professores como indicador


norma-avaliativo, permitindo-lhes diagnosticar ou medir o grau de
conhecimento dos aprendentes em relação à LE, em uma fase anterior
e/ou posterior à sequência de ensino e aprendizagem (BRITO, 2014).
Também é, normalmente, um importante dado em atividades de treino
e de consolidação de aprendizagens. No entanto, nem todos os erros
produzidos pelos aprendentes em situação escolar podem ser
considerados pertinentes para serem trabalhados por professores, pois,

A correção do erro perde sua eficácia quando se


mostra como uma pedagogia dominante, pois
não acrescenta e nem contribui para que os
alunos assimilem as formas mais adequadas do

- 184 -
idioma. Por outro lado, se a correção dos erros
está centralizada nos efeitos comunicativos que
produzem, assimilando língua, cultura e
focalizando o aprendiz, naturalmente produzirá
melhores resultados (SIMÕES, 2007, p. 8).

Contudo, além das diferentes abordagens e orientações


disciplinares, o que todos esses paradigmas e pesquisas possuem em
similaridade é o fato de que parece existir uma tensão, em contextos de
ensino, entre o ato de errar e a reação que o segue e que, dessa tensão,
podem surgir implicações para o processo de ensino-aprendizagem de
línguas, como no caso dessa pesquisa de Língua Estrangeira (LE), como
elucidado por Cavalari (2008), Simões (2007) e Silva (2014a; 2014b; 2015;
2016).
As mudanças nas teorias do processo de ensino, de aprendizagem
e dos métodos de ensino de LE refletem mudanças nas necessidades da
sociedade, como elencado por Pacci (2007), Lins (2015) e Silva (2016).
Com tantas transformações, não somente no processo de ensino-
aprendizagem, mas também em praticamente todos os aspectos da vida,
no ambiente político, econômico e social, exige-se um ator social
atualizado e apto a interagir com o mundo atual, no qual o conhecimento
de LE é um requisito básico, de acordo com os autores supracitados.
Por isso, enfrentamos, hoje, a necessidade de encontrar outros
caminhos que favoreçam o ensino e a aprendizagem da LE, de modo que
ela seja prazerosa e significativa e promova mudanças na vida de quem
a aprende e a ensina, haja vista que o aprendente, assim como o

- 185 -
professor de LE, “é multidimensional, com identidade, história, desejos,
necessidades, sonhos, isto é, um ser único, especial e singular, na
inteireza de sua essência, na inefável complexidade de sua presença”
(SILVA, 2015, p. 179).

Errando é que se aprende


Na implementação de princípios de uma pedagogia45 do erro ao
ensinar e aprender LE, pretende-se demonstrar que o erro, “elemento
que tantas vezes é alvo de rejeição e até encarado como um tabu – não
apenas na comunidade escolar, mas também socialmente-, quando
compreendido como um indicador de aprendizagens”, conforme Brito
(2014, p. 3). Devemos perceber o erro como um aliado, não só na
erradicação dos próprios erros por meio de correções positivas
propostas pelos professores de LE e/ou aprendentes e seus pares, mas
também estratégias promissoras para orientar a busca pelo de
conhecimento, de forma geral, mais autônoma e como possibilidade
para dirimir receios e estigmas que, por vezes, bloqueiam e
desestimulam os aprendentes nos mo(vi)mentos de aprender, como
elucidado por Brito (2014).

45
Segundo Libâneo (2005) e Lins (2015), a Pedagogia é uma ciência que tem como
objeto de estudo a Educação, mais concretamente o processo de ensino-
aprendizagem, e que apresenta, como objetivo, o progresso do processo de
aprendizagem dos indivíduos. As opções curriculares, que direcionam práticas
pedagógicas, no ambiente escolar, traduzem relações e opções políticas, sociais,
culturais e econômicas da sociedade. Assim, a Pedagogia deve posicionar-se sobre a
direção da ação educativa, tendo em vista o tipo de homem a formar, como
profissional e cidadão.

- 186 -
Ao analisar as metodologias e abordagens de ensino de LE que
mais se destacaram nas últimas décadas, observamos uma relação entre
(i) a concepção que se tem de língua/ linguagem e do processo de ensino-
aprendizagem no interior delas; (ii) a concepção que se tem de erro e,
por conseguinte, (iii) a maneira como o erro é tratado durante esse
processo. Para caracterizar tal relação, podemos pensar na dicotomia
positivo versus negativo: de um lado, em abordagens de ensino mais
tradicionais, que concebem a língua apenas como um sistema de normas
e de estruturas, o erro é visto negativamente e seu tratamento
implacável é considerado positivo. Por outro lado, em abordagens mais
contemporâneas, em que a língua é vista como um instrumento
sociodiscursivo de comunicação e interação, o erro é concebido
positivamente, uma vez que fornece indícios sobre o processo de
aquisição/aprendizagem46 dos aprendentes. Contudo, nesses casos, o
papel do tratamento do erro é subestimado, segundo Cavalari (2008),
levando a um trato superficial do erro no processo de aprendizagem de
LE.
Em relação ao aprendente, segundo as diferentes perspectivas de
aprendizagem/aquisição de línguas, ele “é concebido, ora sob uma
perspectiva individualizada, sendo a aprendizagem definida como a
capacidade de processar informações, ora como um ser social, cujo

46
Apesar do reconhecimento do valor acadêmico das pesquisas de Krashen (1987), nas
quais há distinção entre os termos aquisição e aprendizagem, neste trabalho esses
termos serão utilizados indistintamente.

- 187 -
aprendizado é determinado por suas experiências no contexto social em
que se insere” (CAVALARI, 2008, p. 49). Defendemos essa última
perspectiva, pois, acreditamos que

O processo de ensino-aprendizagem decorre


então de uma relação entre parceiros, no qual
todos ensinam e todos aprendem. Em uma
relação como essa, na qual professores e alunos
se sentem acolhidos em seus saberes e
experiências, constroem juntos o conhecimento,
alegram-se juntos pelas descobertas que fazem,
percebem juntos o movimento da vida e da
convivência no ato de ensinar e aprender
coletivamente, produzindo proximidade,
empatia e significado (SILVA, 2015, p. 183).

Independente da perspectiva de aprendizagem e de ensino, a


operacionalização do processo de correção do erro exige condições
específicas que devem ser asseguradas pelos professores de LE a fim de
evitar danificar a imagem que o aprendente tem de si e a autoestima
necessária à construção da aprendizagem em LE, posto que “o ato de
aprender é uma árdua tarefa a nível emocional, visto que coloca o
aprendente numa posição de extrema vulnerabilidade. O aluno vê-se,
assim, exposto, as suas capacidades cognitivas são postas à prova e o seu
raciocínio é questionado” (BRITO, 2014, p. 12).
Fazendo uma apreciação geral dessa pesquisa, concluímos que a
atitude positiva quanto ao erro por parte dos atores sociais (professores
e aprendentes), aliada à concepção de que a correção é necessária, ainda

- 188 -
que nem sempre eficaz, pode explicar (i) o fato de que os atores sociais
identificam o vínculo natural entre o erro, a correção e o processo de
ensino-aprendizagem de LE e (ii) a manutenção de um ambiente
harmonioso é favorável à aprendizagem. Além disso, pode-se inferir que
os processos de aprendizagem dos aprendentes apresentam as
condições ditas necessárias para que se implementam o processo de
tratamento de erros baseado em estratégias corretivas que privilegiem
a negociação da forma, uma vez que os aprendentes parecem perceber
alguns desajustes em suas produções orais e/ou escritas em relação aos
padrões da LE.
Os processos interventivos (correções) dos erros são muito
importantes no esforço consciente por parte dos professores de LE na
utilização de determinados movimentos e estratégias corretivas que
tornam possível a análise das características específicas dos
mo(vi)mentos em que se pretendem tratar o erro de acordo com as
teorias e abordagens adotadas por cada professor de LE no seu fazer
pedagógico nos diversos ambientes escolares.

Considerações Finais

Olhando esse artigo em retrospectiva, parece-nos mais clara a


ideia na qual se buscou atingir dois objetivos básicos: refletir sobre o erro
no processo de ensino-aprendizagem de LE e mostrar que a abordagem,
de maneira positiva do(a) erro/correção para os professores de LE, é algo

- 189 -
possível e desejável, pois, seguindo os percursos ideológicos de Marx e
Vygotsky com os quais não bastam descrever o mundo, é preciso
modificá-lo no intuito de melhor enquadramento social e econômico dos
indivíduos. Nessa mesma linha, tem-se Paulo Freire, também nos
elucidando que reflexão sem ação é verbalismo.
Assim, entre corrigir e modificar, ou entre refletir e agir,
propomos ficar com as duas possibilidades, pois é tão inútil refletir sem
agir como é perigoso agir sem refletir. Nem sempre é fácil estabelecer o
equilíbrio entre um e outro no que tange à intervenção positiva nos erros
dos aprendentes de LE. O excesso de reflexão pode, por vezes, levar à
indecisão e paralisar a ação. O desafio para os professores de LE é fazer
com que a reflexão alimente a ação, que, por sua vez, produz resultados
que realimentam a reflexão e assim sucessivamente, como
exemplificado por Silva (2014a; 2014b).
A correção dos erros, certamente, vai depender dos objetivos
propostos pelo professor LE a seus aprendentes. Se o foco é gramatical
– apreensão de um conteúdo normatizado pela convenção
sociodiscursiva – a correção é adequada, desde que observados alguns
aspectos, tais como não fazer do processo de correção um instrumento
de exclusão, de intimação ou de punição, por exemplo.
Todavia, se o foco é interativo-comunicacional, não se deve
centrar em correções que não são tão importantes no momento, ou seja,
se corrigiria somente aquilo que fosse, de fato, relevante para/na
comunicação. Ressaltamos que corrigir não significa fazer que toda

- 190 -
produção, seja ela oral e/ou escrita, fique gramaticalmente correta, mas
ajudar os aprendentes de LE a se comunicar melhor na língua pretendida,
haja vista que almejamos, com esse estudo, reverberando Brito (2014, p.
3),

Demonstrar que o erro, elemento que tantas


vezes é alvo de rejeição e até encarado como um
tabu - não apenas na comunidade escolar, mas
também socialmente-, quando compreendido
como um indicador de aprendizagens, poderá ser
um importante aliado, não só na erradicação dos
próprios erros, mas também uma estratégia
valiosa para fomentar uma aquisição do
conhecimento mais autónoma e como meio para
eliminar receios e estigmas que por vezes
bloqueiam os alunos no momento de aprender.

É preciso pensar no erro e em sua correção como viés de


promoção ao aprendizado do aprendente de LE a ponto de ser mais uma
ferramenta no processo de ensinar do professor. Assim, veicular
informação, revisão de conteúdos, feedback são algumas estratégias
possíveis para ambos atingirem seus objetivos. O erro e sua correção
devem servir de suportes para o aprendizado prazeroso, tranquilo e
significativo de LE, os professores e aprendentes devem ter isso em
mente, sempre.

- 191 -
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- 195 -
LA EXPLORACIÓN DE LA INFERENCIA Y DEL

8 CONOCIMIENTO SOCIOCULTURAL EN EL LIBRO

CERCANÍA JOVEN

Geraldo Emanuel de Abreu

Introdução
A busca pela compreensão satisfatória de um texto vem sendo
feita há décadas pelos professores e autores de livros didáticos. Aos
primeiros, com frequência, cabe analisar, selecionar e, posteriormente,
aplicar tarefas que são preestabelecidas pelos autores em suas obras.
Dita análise se baseia em diversos fatores e, dentre eles, há a exigência
de as atividades incentivarem a participação em sociedade dos alunos e
que esses possam depreender significados explícitos e implícitos dos
textos. Entendendo que para ocorrer tal depreensão de significados
necessita-se desenvolver o processo inferencial dos estudantes, que
passa pela cognição e pelos conhecimentos socioculturais,
desenvolvemos este estudo para analisar atividades de leitura que
exigem a inferência na coleção para o ensino de espanhol Cercanía Joven
(COIMBRA; CHAVES; BARCIA, 2014), visto que, a partir da leitura do
material de divulgação feito pela editora, pudemos perceber que a
inferência é uma das habilidades a ser trabalhada em tais atividades. Este
estudo foi motivado pelos seguintes questionamentos: como
- 196 -
desenvolver a estratégia de produção de inferências? Essa estratégia é,
de fato, trabalhada na coleção? Os textos contidos nela induzem a
geração de inferências? As atividades levam em consideração o entorno
social e os conhecimentos prévios dos estudantes e professores sobre o
assunto? Buscaremos oferecer reflexões e discutir possibilidades
baseando-nos em outros trabalhos relacionados ao tema, tais como:
Dell’Isola (1988), Leffa (1996) e Marcuschi (2011).

Concepção de inferência
Para começarmos nossas discussões sobre o papel da inferência
nas atividades de texto, do livro indicado anteriormente, cremos ser
necessário revisitarmos alguns conceitos importantes para
contextualizar nosso trabalho, tais como o de inferência e de leitura.
A começar pelo primeiro47, podemos observar definições trazidas
em dicionários consultados, tais como o Dicionário Aurélio Online (2016)
“dedução ou conclusão” ou o Dicionário Informal online que vai mais
além e nos traz as seguintes acepções “Tirar por conclusão; deduzir pelo
raciocínio. Inferir. Admissão da verdade de uma proposição, que não é
conhecida diretamente, em virtude da ligação dela com outras
proposições já admitidas como verdadeiras”
A segunda definição, ainda que não se refira especificamente ao
processo de leitura, afirma tratar-se da “admissão da verdade de uma

47
Não adentraremos aqui em definições psicológicas do termo, pois nosso foco está
relacionado mais aos aspectos socioculturais da inferência, mas tenhamos em mente
que a inferência é um processo cognitivo que se desenvolve em conjunto com fatores
psicológicos, pessoais, sociais, físicos, etc.

- 197 -
proposição ou proposições já admitidas como verdadeiras”, no entanto
de onde surgem essas verdades admissíveis? Cremos que sejam os
conhecimentos prévios que o sujeito fornece ao seu texto ou situação
comunicativa e que fazem parte dos conhecimentos partilhados entre os
atores de determinada comunidade.
Similar à definição anterior podemos tomar emprestado
Marcuschi (2011, p. 94), que define a inferência como uma, dentre
outras, noção central na compreensão de um texto e foca seu estudo no
paradigma que entende que “compreender é inferir”. Sob essa
concepção podemos dizer que a compreensão de um texto se produz
através da soma de distintos fatores, segundo Marcuschi (2011, p. 94) “O
certo é que as inferências são produzidas com o aporte de elementos
sociossemânticos, cognitivos situacionais, históricos, linguísticos, de
vários tipos que operam integradamente”. Ou seja, a junção de distintos
fatores leva ao desenvolvimento do processo inferencial durante a
leitura, podemos observar que o conhecimento sociocultural do
indivíduo tem participação direta em sua compreensão, pois é a partir
dele que podem-se criar relações entre o texto lido, suas condições de
produção e intenções discursivas do autor. Assim podemos perceber que
a inferência caminha lado a lado ou, até mesmo, depende das
percepções socioculturais de um indivíduo.
Marcuschi sugere como definição do termo a de de Rickheit e
Strohner 1993 (apud. Marcuschi 2011, p.95) “Uma inferência é a geração
de informação semântica nova a partir de informação semântica velha

- 198 -
num dado contexto”. Outra vez podemos perceber que o entorno do
leitor e seus conhecimentos prévios influenciam em sua compreensão.
Podemos observar que coincide, nas definições acima, a visão de
que a atividade inferencial é um fato essencial para a compreensão
comunicacional (compreensão textual). Para finalizarmos com a
definição do termo destacamos que, segundo Sperber 1996, Macedo,
1999 e Schliemann, 1998 (apud. Ferreira e Dias 1994) a inferência é um
ato cognitivo, inteligente e intencional, criativo e de raciocínio lógico que
se produz através da união de informações novas e antigas criando redes
de informações que levam à compreensão geral dos objetivos de um
texto.
Um leitor que tenha dificuldades para desenvolver seu processo
inferencial verá sua compreensão geral afetada, pois um texto carrega
em si muito mais do que suas palavras descrevem, o vocabulário, tempos
verbais, contexto de produção, formato de divulgação, intenção do
autor, aspectos gráficos, etc., tudo isso passa pela inferência do leitor
que deve, a partir de seus conhecimentos prévios socioculturais e sua
capacidade de compreensão, perceber as nuances que perpassam um
texto. Portanto, é nesse entendimento de inferência que desejamos
discutir sobre as atividades de leitura no material didático citado.

Concepção de leitura
Quanto à concepção de leitura, sabe-se que há diversas
definições a depender do enfoque que se dá, por exemplo, o linguístico,
psicolinguístico, sociocultural, etc. O ato de ler pode ser definido a partir

- 199 -
de uma visão antagônica, como destaca Leffa (1996) “Pode-se definir
restritamente o processo da leitura, contrastando-se duas definições
antagônicas: (a) ler é extrair significado do texto e (b) ler é atribuir
significado ao texto”.
O antagonismo citado, ainda de acordo com Leffa, se dá pelas
concepções das palavras extrair e atribuir. Se focarmos na primeira,
vemos o texto como portador de significados e o leitor fica a cargo de
tomar emprestado dele seus significados e informações. Percebe-se que
importância maior aqui é do texto e de suas palavras, o leitor torna-se
um mero “interpretador” subordinado a algo que já tem um significado
final, como destaca Leffa (1996, p. 12)

Essa leitura extração-de-significado está


associada à ideia de que o texto tem um
significado preciso, exato e completo, que o
leitor-minerador pode obter através do esforço e
da persistência. Como o texto contém o
significado, esse texto precisa ser apreendido
pelo leitor na sua íntegra. A leitura deve ser
cuidadosa, com consulta ao dicionário sempre
que uma palavra desconhecida for encontrada e
anotação da palavra para revisões posteriores e
enriquecimento do vocabulário. Frases de
compreensão difícil devem ser lidas e relidas até
que a compreensão fique clara.

Por outro lado, ao focarmos nas acepções do verbo atribuir, o


papel do leitor toma destaque principal, pois é ele quem vai, a partir de
seus conhecimentos linguísticos, socioculturais, construir o significado

- 200 -
do que lê. O texto passa a não ter um significado final e concreto, mas
sim dependerá da soma de fatores como a reação do leitor, da forma
como esse vai relacionar o que leu a sua bagagem prévia, do contexto
em que a leitura se desenvolve, do reconhecimento das intenções do
autor, etc.
No entanto, não significa, que qualquer leitura é valida, pois o
leitor deve ater-se a procedimentos de construção de significados, como
seu processamento da relação lexical, reconhecimento de gêneros, canal
de divulgação, ativação dos conhecimentos de mundo, etc. Assim poderá
formular hipóteses e refutá-las ou ratificá-las. Ainda segundo Leffa
(1996, p. 14 b)

A qualidade do ato da leitura não é medida pela


qualidade intrínseca do texto, mas pela
qualidade da reação do leitor. A riqueza da leitura
não está necessariamente nas grandes obras
clássicas, mas na experiência do leitor ao
processar o texto. O significado não está na
mensagem do texto, mas na série de
acontecimentos que o texto desencadeia na
mente do leitor. [...] A leitura não é interpretada
como um procedimento linear, onde o
significado é construído palavra por palavra, mas
como um procedimento de levantamento de
hipóteses. O que o leitor processa da página
escrita é o mínimo necessário para confirmar ou
rejeitar hipóteses.

- 201 -
Assim, neste trabalho teremos como ponto de partida a
concepção da leitura como um processo sociocultural que se dá através
da depreensão de sentidos a partir da atribuição de significados aos
textos e que isto se dá através da ativação e mescla dos conhecimentos
linguísticos, contextuais, culturais, sociais, religiosos, etc., que vemos
como processos inferenciais. De igual maneira, levaremos em
consideração que o ato de ler não se desprende do processo inferencial
(os vemos como elementos intrinsicamente relacionados para a
construção de sentidos de um texto como dito anteriormente), que, por
sua vez, deve se valer de conhecimentos, citados acima, para ser ativado.
Portanto, em nossa análise das atividades, verificaremos se as
atividades de leitura exploram a depreensão de informações a partir de
inferências e consequentemente da exploração dos conhecimentos
socioculturais.

O livro Cercanía Joven


Este material didático48 para o ensino de espanhol como segunda
língua, a brasileiros, para o ensino médio, é organizado em volume único
e dividido em nove unidades e dezoito capítulos, oferece também uma
seção digital para professores e alunos que podem ser acessadas através
de um CD-Rom que acompanha o material impresso ou por meio de um
código de letras que permite acesso online, oferecido na primeira página

48
Este estudo foi elaborado a partir da edição em volume único que é comercializada
para as escolas particulares. Há a versão em três volumes que é apenas distribuída pelo
MEC para as escolas públicas.

- 202 -
dele. Cada uma das unidades é subdividida em dois capítulos que, por
sua vez, são divididos em seções denominadas: “escucha, escritura,
lectura e habla”.
O material se define como uma ferramenta para a compreensão
do espanhol, percepção das múltiplas expressões culturais do mundo
hispânico e para reflexão sobre temas atuais que busca contribuir para
formação de cidadão autônomos, críticos, criativos e participativos na
sociedade.
Para tanto, oferece atividades que integram as quatro
habilidades necessárias para o aprendizado de uma língua, quais sejam,
a audição, leitura, escrita e oral (presentes nas subseções referidas
acima).
Quanto à habilidade de leitura, nosso foco neste estudo, a partir
de textos autênticos o material adota o modelo interativo de leitura a
partir do enfoque “sociolinguístico e cultural” (Presentación de la obra -
Cercanía Joven, p. 4) e, a partir daqueles textos autênticos, sugere, o
leitor adquirirá um repertório de conhecimentos para elaborar sua
leitura de maneira ativa e crítica. Como já dito, em cada unidade há uma
seção específica para o trabalho com a leitura que leva o nome lectura.
Há três subdivisões dentro dessa que são “Almacén de ideas”, que
explora a capacidade de formulação de hipóteses sobre o tema que vai
ser estudado, são atividades de pré-leitura; a segunda subdivisão é
denominada “Red (con)textual” que, de acordo com a apresentação do
livro, é a “lectura propiamente dita en la que el alumno empieza a leer el
texto y a interactuar con lo escrito” (Presentación de la obra - Cercanía

- 203 -
Joven, p. 4); e a última subseção, cujo nome é “Tejiendo la compresión”,
explora a capacidade do aluno posicionar-se com relação ao texto e

[...]que lo avalúe críticamente y lo compare con


el mundo en que vive. Esta etapa cierra la
secuencia didáctica de comprensión lectora al
trabajar con los géneros textuales de manera
crítica por medio del desarrollo de la literacidad
crítica. (Presentación de la obra - Cercanía Joven,
p. 4)

Essa última subseção será nossa ferramenta de analise neste


estudo, visto que, como definida pelo próprio material, explora a
avaliação crítica do estudante em relação ao seu cotidiano, além de
sugerir o desenvolvimento do letramento crítico que, desde nosso ponto
de vista, exige que sejam explorados os conhecimentos de mundo do
estudante, seus conhecimentos prévios e, automaticamente, sendo
ativados processos inferenciais de leitura.

As atividades de leitura e de inferência


Nossa leitura da seção “Tejiendo la comprensión” evidenciou que
o livro mescla atividades que exploram o reconhecimento de
informações explícitas nos textos com atividades cujo caráter reflexivo,
inferencial, sociocultural se faz mais presente.
As primeiras não demandam reflexões sobre seus conteúdos ou
seus contextos de produção. São atividades cujas respostas são
facilmente elaboradas pelos alunos, visto que se baseiam em

- 204 -
conhecimentos linguísticos e em uma leitura superficial, assim um aluno
atento pode elaborá-las com facilidade ou com o simples “copiar e
colar”.
As últimas são atividades mais reflexivas, cujas repostas
demandam que o aluno explore seus conhecimentos de mundo e,
portanto, agregue suas interpretações pessoais e plausíveis aos textos.
O contexto de produção e intenção do autor também se fazem presentes
nessas atividades, assim uma leitura superficial se mostra ineficiente
para que haja respostas satisfatórias aos questionamentos.
Para elucidar melhor essas observações, optamos
deliberadamente por separar esta seção entre atividades “sem
inferência ou com pouca exploração de conhecimento sociocultural” e
atividades “com inferência ou com exploração de conhecimento
sociocultural”, explicitaremos com imagens tiradas do material seguidas
de nossos pontos de vista sobre o tema.
No total pudemos contabilizar cento e quatorze atividades
contidas na seção “Tejiendo la comprensión”, dessas, segundo nossas
observações, há trinta e sete que foram caracterizadas como sendo “com
inferência”, logo as demais foram caracterizadas como sendo “sem
inferência”. Pelo número elevado selecionamos cinco atividades “sem
inferência” (de um total de 77) e seis “com inferência” (de um total de
37), a partir de nosso estudo e pontos de vista.
Ainda que estejamos excluindo um grande número de atividades
cremos que seja possível oferecer um panorama geral sobre as

- 205 -
atividades de leitura a partir das que selecionamos. Passemos as
observações.

Sem inferência ou com pouca exploração de conhecimento


sociocultural
Observemos as seguintes imagens tiradas do livro:

Figura 1 (Capítulo 1, página 27 - Cercanía Joven)

Figura 2(Capítulo 5, página 78 - Cercanía Joven)

- 206 -
A duas imagens acima apresentam recortes do livro e trazem
atividades de reconhecimento de informações explícitas presentes nos
textos. Podemos observar o trabalho com quadros, modelo de atividade
amplamente explorado em todo o livro didático, para completar e/ou
ligar informações que devem ser retiradas dos textos a partir da leitura
e reconhecimento delas, elas aparecem no texto de maneira clara e,
apenas, com a leitura superficial o estudante poderá completar a
atividade sem quaisquer dificuldades e não é chamado a explorar suas
habilidades inferenciais, críticas e conhecimentos socioculturais.

Figura 3(Capítulo11, página 183 - Cercanía Joven)

Figura 4(Capítulo 7, página 123 - Cercanía Joven)

Os dois recortes acima também nos mostram atividades de


reconhecimento de informações, ainda que tenha um formato diferente

- 207 -
das primeiras atividades destacadas anteriormente, essas têm as
mesmas características, ou seja, exploram o reconhecimento de
informações claras presentes nos textos, para respondê-las basta que o
aluno copie trechos dos textos, ou seja, deixa de lado os conhecimentos
de mundo dos alunos e, portanto, não provoca o processo inferencial.

Figura 5(Capítulo 17, página 271 - Cercanía Joven)

A imagem acima nos mostra uma atividade que explora o


conhecimento linguístico do estudante através do reconhecimento de
significados de palavras. No material há muitas outras similares. Esse tipo
de atividade pode ser elaborado com o auxilio de dicionários ou, caso o
aluno conheça os termos do enunciado pode definir seus significados.
Percebemos que não há a exploração de conhecimentos socioculturais
e, tampouco o fomento de inferências.
Essas atividades expostas acima são muito exploradas pelos
autores e servem como ferramentas para que o aluno identifique
trechos, informações específicas no texto, e significado de palavras. A
nosso ver são de suma importância no processo de leitura, no entanto,
não exploram habilidades inferenciais ainda que estejam presentes em

- 208 -
uma seção que sugere a exploração de conhecimentos prévios, como já
descrito anteriormente.

Com inferência ou com exploração de conhecimento sociocultural


Observemos, agora, os seguintes recortes do livro:

Figura 6(Capítulo 7, página 127 - Cercanía Joven)

Figura 7(Capítulo 5, página 78 - Cercanía Joven)

Os recortes acima nos mostram atividades de conhecimento


linguístico, nas quais é recomendável que o aluno saiba o significado dos
termos “verdadero” e “rastrero”. Na primeira, o adjetivo “verdadero”
em espanhol tem um referente em português “verdadeiro” com a grafia

- 209 -
quase inalterada, já na segunda o adjetivo “rastrero” se traduz ao
português como “vil ou mal caráter”, logo exigindo que o aluno explore
com mais profundidade seus conhecimentos lexicais e começa-se a
tocar, ainda que superficialmente, os conhecimentos culturais do leitor.
No entanto, em que se diferem essas atividades lexicais das que
destacamos anteriormente? Podemos destacar construção dos
enunciados, os quais solicitam que o aluno reconheça o uso de aspas ou,
na figura 7, que o aluno infira significado a partir dos textos, levando em
consideração seus conhecimentos prévios sobre estereótipos,
preconceitos, visões pré-concebidas sobre o Paraguai, etc. Tais
atividades, ainda que se foquem no reconhecimento de palavras
isoladas, levam em consideração diversos fatores além do texto que só
vêm a ser utilizados se alunos e professores exploram seus
conhecimentos socioculturais e provoquem inferências no momento de
respondê-las, como, por exemplo, a exploração do uso de aspas e seus
porquês. Faz-se necessária uma leitura mais atenta e contextualizada, na
qual os adjetivos estudados ou o uso de aspas deixam de ser apenas
recursos linguísticos e, portanto, se transformam em estratégias de
construção de significado por parte do autor e que devem ser
reconhecidas pelo leitor que lhes dará significados a partir de seus
conhecimentos prévios e compartilhados entre nossa sociedade, essas
características também serão observadas nas próximas atividades.

- 210 -
Figura 8(Capítulo 2, página 29 - Cercanía Joven)

Figura 9(Capítulo 16, página 255 - Cercanía Joven)

Aqui, podemos perceber a exploração dos conhecimentos


prévios sobre a migração e de discussões sobre questões relacionadas a
ela, como xenofobia, pobreza, trabalho, produtividade, etc. A partir de
textos e de uma canção, alunos e professores devem recorrer aos seus
conhecimentos de mundo para gerar discussões que produzam
respostas relevantes, não apenas para as atividades, mas também para
a sociedade como um todo.
Podemos ver que a leitura não tem como foco os próprios textos,
mas sim seu contexto e as possíveis causas e consequências dos temas
estudados. A ativação dos conhecimentos socioculturais se torna
imprescindível e, como já destacado anteriormente, provoca
automaticamente os processos inferenciais, visto que o aluno deve
depreender informações não trazidas de maneira explicita nos textos ou,
- 211 -
até mesmo, não presentes e, a partir delas, construir significados
plausíveis e, possíveis, soluções.

Figura 10(capítulo 17, página 273 - Cercanía Joven)

Figura 11(capítulo 17, página 273 - Cercanía Joven)

Nesses últimos exemplos, é feito um trabalho com estereótipos


que a sociedade possui sobre a imagem de homens e mulheres, seus
papéis na sociedade, brinquedos adequados para cada gênero, etc.
Nos comandos das questões, vemos que é solicitada a exploração
dos conhecimentos de mundo dos leitores, sua leitura é importante, no
entanto o significado não está mais apenas no texto, mas sim que o aluno
- 212 -
deve aportar seus pontos de vista para elaborar suas repostas, o que,
automaticamente provoca reflexões sobre o mundo e, de alguma forma,
pode levar a discussões de possíveis soluções para estes estereótipos ou,
pelo menos, alertar os alunos sobre os pontos em discussão.
Encontramos características similares em outras, logo não vamos
nos tornar repetitivos, no entanto torna-se importante destacar,
novamente, que os conhecimentos prévios são de suma importância em
atividades deste tipo e que as respostas dadas não são apenas para o
texto em si, mas para o mundo e o entorno do estudante e que as
atividades têm como foco formar sujeitos questionadores e reflexivos.

Conclusão
Ao iniciar este estudo, o foco inicial era avaliar a ativação de
processos inferenciais a partir de atividades contida no livro Cercanía
Joven e propor discussões sobre elas, no entanto, com a soma de leituras
e aprendizado a partir de diferentes pontos de vista de autores que
atuam sobre o tema, pudemos perceber que é difícil separar a inferência
dos conhecimentos prévios socioculturais, logo, ao longo do trabalho,
vimos que foi necessário imbricar esses conceitos no nosso trabalho,
como pode ser observado e, acreditamos, que outros trabalhos com
propostas similares aos nosso se vejam como a mesma necessidade.
Quanto às atividades, pudemos observar uma divisão clara entre
atividades menos e mais reflexivas contidas na seção “Tejiendo la
compresión”, a importância da mescla entre esses perfis de atividades é

- 213 -
de extrema importância, no entanto acreditamos que atividades com
maior grau de inferências e exploração de conhecimentos socioculturais
deveriam ser mais numerosas, principalmente por essa seção ser
destinada a isso, como descrito no próprio material. No entanto, as que
se propõem a esse fim mais questionador e reflexivo se mostram muito
bem elaboradas e, a nosso ver, de fato conseguem propor reflexões que
podem levar a formação de estudantes mais críticos, seja a partir de seus
conhecimentos linguísticos, seja pela inferência de informações não
explícitas que surgem com a ativação dos conhecimentos de mundo e
contextual.

- 214 -
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http://www.exedrajournal.com/docs/02/15-JoaoVaz.pdf. Acesso em>
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- 216 -
PERSPECTIVAS SOBRE O ENSINO DA CULTURA E DA

9 LITERATURA EM AULAS DE LÍNGUA ESPANHOLA

PARA BRASILEIROS

Aline Carolina Ferreira Farias49

Há pouco tempo estive em uma oficina sobre o Ensino de Língua


Espanhola para professores brasileiros e a palestrante, uma espanhola
morando no Brasil há alguns anos, mencionou que depois de alguns anos
morando no Brasil ainda lhe surpreende a necessidade que têm os
brasileiros de informar a todos que estão perto que vão tomar banho.
Ou, ainda lhe surpreende a preocupação constante das mães brasileiras
com seus filhos: “Você já tomou banho hoje?”.
Este exemplo um pouco engraçado mostra algo específico do
comportamento brasileiro sob a ótica de uma espanhola que talvez os
brasileiros não percebam. No Brasil, este comportamento é algo comum.
Os comportamentos fazem parte da cultura. E como definir
“cultura”? esta palavra de larga compreensão, mas de difícil definição.
Na realidade, não há um conceito preciso sobre o termo, no entanto,
podemos chegar a aproximações baseados em Eagleton apud Stockmans
(2013) quem explica a origem do termo ´cultura´ por três vias.

49
Universidade Federal de Campina Grande; alinefarias19@hotmail.com

- 217 -
Primeiro, o autor explica que a palavra cultura vem de cultivo,
que significa cultivar a terra. Ou seja, cultura parte da relação intrínseca
que tem o homem com a terra, como ele consegue ferramentas para sua
sobrevivência, respeito à plantação e à colheita. Neste sentido, não há
uma oposição entre natureza e cultura. A cultura está relacionada de
forma direta à natureza.
Segundo, cultura tem a ver como a sociedade se organiza para
render cultos, relacionado à religiosidade, com a sacralidade. Então,
cultura também tem relação com cultos, render cultos a algo ou a
alguém.
Na terceira concepção, Eagleton afirma que em toda relação de
invasão, de dominação há uma imposição de cultura. Não existe, por
exemplo, uma relação de colonizador/colonizado sem que haja uma
imposição de cultura.
Além disto, também pensamos em um conjunto de regras que
organiza o homem em sociedade. Como comportar-se frente aos demais
e frente às situações cotidianas da vida. Estas regras não são fixas nem
aleatórias, ou seja, não há um determinismo entre os sujeitos e essas
regras. Se as consideramos como regras fixas, caímos no pecado de
generalizá-las e cometer estereótipos que levam a uma não compressão
da realidade; e se as consideramos como aleatórias não teríamos este
conjunto de regras semelhantes pertencentes a una determinada
comunidade e, portanto, não estaríamos falando de cultura. Sabemos
que não são todos os brasileiros que anunciam que vão tomar banho,

- 218 -
mas grande parte dos brasileiros o fazem. Se não fosse assim, isto não
surpreenderia nossa palestrante espanhola.
O objetivo deste trabalho é orientar maneiras como a cultura,
aqui se insere a literatura, devem ser tratadas em aulas de Espanhol
Língua Estrangeira (doravante E/LE).
Antes de tratar o tema propriamente dito, começo por destacar
um conceito que considero fundamental na literatura moderna sobre o
ensino/aprendizagem de Língua materna e estrangeira: o conceito de
Letramento crítico.
Tal conceito embora atualmente esteja em voga, não surge agora.
Foi na década de 80 que vários investigadores sentiram falta de um
termo que se referisse aos aspectos sócio-históricos do uso da escrita,
sem as conotações associadas à alfabetização. Daí que surgiu o termo
“letramento” para referir-se as práticas de uso da leitura e escrita que
vinham modificando profundamente a sociedade, mais amplas que as
práticas da escola do uso da escrita, porém incluindo-as.
O antropólogo Brian Street utilizou o termo “literacies” no plural
para designar as diversas formas de letramento encontradas
atualmente, já que não considerou suficiente o termo “literacy” no
singular (letramento).
E o que seria letramento crítico? Além de ser um modo de leitura
e escrita que leve em conta os aspectos sócio históricos, é compreender
de maneira clara que os textos estão forçosamente situados: tem um
autor, que tem una intenção ao escrever um texto, este autor tem

- 219 -
valores sociais e familiares; ele pertence a uma cultura, que se
desenvolveu em algum lugar e momento da história, de maneira que
suas palavras estão forçosamente situadas e mostram um ponto de vista
sesgado – e não podem representar as vozes de outras culturas, lugares
e épocas.
As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006), por
exemplo, orientam que o professor de E/LE deve esforçar-se para que o
aluno veja além do limite do código, que faça relações fora do texto
falado ou escrito e que vincule o texto à sua realidade histórica, social e
política para levar a formação do aluno à construção de sua cidadania.
Cidadania que permite formar um ser humano capaz de decidir e atuar
em sociedade como cidadão de seu tempo e enfrentar situações novas,
imprevisíveis e incertas.
Enfocar nas propostas de Letramento crítico é preparar o aluno
para criar bases sólidas de pensamentos, discursos e atuações; é levar-
lhe a promover uma capacidade imaginativa que permita ao homem
ser menos escravizado e menos passivo na sociedade; promover um
pensamento crítico capaz de diferenciar o que pode ser considerado
produto de uma invenção e o que não e se reconhecer como sujeito
ativo no mundo. Tudo isto pode ser promovido por meio da cultura e da
literatura e o espaço nas aulas de E/LE é um grande lugar para promover
estas habilidades, visto que o estudo de uma língua, necessariamente,
envolve o estudo de outra cultura e, consequentemente, outra
literatura.

- 220 -
Em resumo, nada mais propício que trabalhar a cultura e a
literatura através do Letramento crítico. Pois ambas, a literatura como
rama da cultura, são ferramentas chave para ver mais além do limite do
código.
Vejamos alguns pontos que ajudam no trabalho da cultura e
literatura junto à proposta de Letramento.

Não se pode tratar a cultura/literatura em aulas de E/LE como um


espetáculo de variedades
Existe uma tendência dos professores de idiomas, em geral, em
levar canções para as aulas apenas com objetivos motivacionais, e não
atuam na questão de direcionar esta prática a objetivos mais concretos
e que tenham relação com o Letramento: quem escreve? por que
escreve? Para quem escreve? O que pode ser inferido, etc.
Não menos comum é levar filmes, imagens, contos, quadros - os
quais chamaremos de artefatos culturais - sem uma perspectiva mais
ampla de interpretação destes artefatos. Se assim atuamos enquanto
professores, terminamos por transformar nossos alunos em meros
espectadores da cultura. E, nas palavras de Alfredo Bosi, seriam
espectadores atónitos, capazes de reconhecer autores, cantores,
pintores, inclusive situar em que época eles se enquadram na história,
mas não seriam capazes de fazer da cultura um lugar de interpretação
nem pensar na cultura como uma manifestação que carrega uma história
viva por trás disto.

- 221 -
Também dentro da proposta de Letramento crítico faz-se
necessário refletir sobre perguntas do tipo: “que significado tem os
artefatos?” “qual é sua relação com outras manifestações?”, ¿quem
canta a canção ou quem a escreve o texto?” “em que época histórica foi
feito?” “a que memórias está vinculado?”, “em que sentido ele é
produzido?”, “que espaço geográfico ele surgiu?” . Se eu não fizer estas
perguntas, estou transformando alunos em reconhecedores da cultura e
não em transformadores da cultura.
Tomamos dois exemplos que podem favorecer nosso trabalho
através desta perspectiva.
Primeiro, pode-se pensar na ideia de levar à aula o poema canção
Me gritaron negra da peruana Victoria de Santa Cruz, pois o poema
canção dá suporte à possibilidade de trabalhar a identidade negra como
uma afirmação valiosa da humanidade. A palavra negra ao início do
poema-canção é vista como insulto e termina como uma afirmação da
identidade negra, que pode ser percebida pelo estudante no intuito
reconhecer sua própria identidade ou valorizar uma identidade diferente
da sua.
As perguntas para reflexão mencionadas acima ajudam na
compreensão do poema-canção escrito por uma mulher, negra e
peruana, que luta a favor de sua identidade no sentido de produzir uma
conscientização universal que a identidade negra não pode ser mudada
por outra identidade. A partir daí, estaríamos trabalhando a pluralidade

- 222 -
cultural, um dos eixos dos temas transversais defendidos pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais.

O grande desafio da escola é investir na


superação da discriminação e dar a conhecer a
riqueza representada pela diversidade
etnocultural que compõe o patrimônio
sociocultural brasileiro, valorizando a trajetória
particular dos grupos que compõem a sociedade.
(PCN, 1997, p. 27)

Trabalhando a música nesta perspectiva, estaríamos levando o


aluno outra vez a olhar além do limite do código linguístico e a construir
sua cidadania através de uma reflexão crítica sobre um poema-canção
que abrirá possibilidades de discussões sobre a igualdade racial.
O segundo exemplo trata-se de um tema muito recorrente em
aulas de Cultura hispânica que é o Dia dos Mortos no México. E trata-se
de um tema riquíssimo, visto a diferença que os mexicanos tratam este
dia em relação ao resto do mundo.
Refletir sobre o dia dos mortos no México é valioso, mas não vale
muito levar fotos, vídeos e reflexões superficiais sobre este dia no país.
Aqui cabem as mesmas perguntas feitas anteriormente “a que memórias
este dia está vinculado? “em que sentido ele é produzido?”, “em que
espaço geográfico ela surgiu?”
Recorremos à obra de Octavio Paz, El Laberinto de la Soledad, que
no capítulo III vai nos explicar que a forma natural de encarar a morte

- 223 -
dos mexicanos vem dos antigos povos que ocuparam o que hoje se
conhece como México, os Astecas, que tratavam a morte como uma
passagem natural, uma etapa da vida que, inevitavelmente, todos têm
que passar por ela. Para os Astecas, não havia um marco definido entre
a vida terrena e a ultraterrena; a morte era a maneira mais autêntica de
chegar até Deus e através deste contato direto Deus se chegava à
plenitude. Portanto, para os antigos mexicanos, não havia um marco
entre vida e morte como existe para os cristãos. Foi com a chegada dos
colonizadores que a morte passou a ter o sentido negativo, distante e
triste.

Para los antiguos mexicanos la oposición entre


muerte y vida no era tan absoluta como para
nosotros. La vida se prolongaba en la muerte. Y a
la inversa. La muerte no era el fin natural de la
vida, sino fase de un ciclo infinito. Vida, muerte y
resurrección eran estadios de un proceso
cósmico, que se repetía insaciable. La vida no
tenía función más alta que desembocar en la
muerte, su contrario y complemento; y la
muerte, a su vez, no era un fin en sí; el hombre
alimentaba con su muerte la voracidad de la vida,
siempre insatisfecha. El sacrificio poseía un doble
objeto: por una parte, el hombre accedía al
proceso creador (pagando a los dioses,
simultáneamente, la deuda contraída por la
especie); por la otra, alimentaba la vida cósmica
y la social, que se nutría de la primera. (El
Laberinto de la Soledad, 1998, p. 21)

- 224 -
A partir daí, vemos que entender o dia dos Mortos no México vai
além que uma simples representação de fotos de como os dias 01 e 02
de novembro funcionam neste país. A partir da leitura do capítulo III de
“El Laberinto de la Soledad” podemos entender que a maneira que
celebram os mexicanos o “Día de los Muertos” não surge ao acaso; está
vinculado a memórias com seus antepassados e se produz no sentido de
encarar uma realidade que todos um dia tem que passar por ela e, se
puder ser encarada de uma maneira mais amena, mais natural, será
muito melhor. E por que também não podemos pensar um pouco como
os astecas e como os atuais mexicanos?
Com esta reflexão juntos a nossos alunos, também estaríamos
levando a proposta de Letramento crítico para dentro da cultura: refletir
porque o Dia dos Mortos é tratado desta maneira no México. É pensar
além dos limites do código e relacionar a cultura aos aspectos históricos,
fatores inerentes àquela.

É fundamental trabalhar as linguagens não apenas como formas de


expressão e comunicação, mas como constituintes de significados,
conhecimentos e valores. (OCEM, 2006, pág. 131)
A cultura e a literatura abrem um leque de possibilidades para
formulação de questões, hipóteses e pressuposições que o trabalho com
a gramática normativa não permite pelo fato de já ter respostas
fechadas, preparadas, acabadas e por muitas vezes considerar uma única
resposta. Além disto a gramática normativa não formula questões, pois

- 225 -
estas muitas vezes já vêm pré-estabelecidas, principalmente pelo
material didático.
Por isto, trabalhar com cultura e literatura em aulas de E/LE supõe
uma atitude criativa e dinâmica pela margem da grande possibilidade de
interpretações, em que se faz o uso criativo e dinâmico das competências
orais e escritas em língua espanhola.
Através da criação de hipóteses pode-se chegar a conclusões
novas fazendo que o aluno seja protagonista do próprio conhecimento,
de um conhecimento novo que pode ser desenvolvido por ele mesmo ou
por outras pessoas; além disto, a língua pode e dever ser produzida em
contextos também subjetivos, que despertem interesse, motivação e
que levem à formação da cidadania do aprendiz.

De todas as críticas, a mais importante é a


redução da língua a uma única função, a
comunicação, desconsiderando-se por completo
a complexidade do seu papel na vida humana, e
deixando-se de lado o lugar da subjetividade na
aprendizagem de segundas línguas. (OCEM,
2006, pág. 132)

Não menos importante é provocar a consciência de construção


de valores individuais e coletivos através de conhecimentos específicos
e diferentes que supõem ser a literatura e a cultura.

- 226 -
O trabalho com cultura/literatura nos permite trabalhar com a
interculturalidade.
Através de um contato direto com a cultura do outro o aprendiz
não só abre novos caminhos nunca antes por ele vistos, como também
faz associações da cultura do outro com sua própria cultura e, a partir
disto, o sujeito terá uma identidade mais clara de seu espaço no mundo
através deste contato com outras formas de pensar, agir e comportar-se.

En el ámbito de enseñanza de lenguas, la


interculturalidad se materializa en un enfoque
cultural (o enfoques culturales) que promueve el
interés por entender al otro en su lengua y su
cultura. Al mismo tiempo concede a cada parte
implicada la facultad de aprender a pensar de
nuevo y contribuir con su aportación particular.
(Martín Peris, 2008, p. 286)

“Aprender a pensar de novo…”, esta é das premissas mais visíveis


da interculturalidade. O “pensar de novo” promove um deslocamento
com relação à própria cultura, deslocamento que provoca mudanças no
pensamento de que outras formas de cultura são tão verdadeiras e tão
válidas como a nossa, no que, irremediavelmente, dá abertura à
compreensão e chegada da outra cultura em nosso “eu”. Um indivíduo
que leva consigo o conhecimento e a prática de uma ou mais culturas
diferentes à sua estará preparado para encontrar outros “novos” em
outros contextos.

- 227 -
Por esta possibilidade de aprender a pensar de novo é que o
trabalho com interculturalidade se faz imprescindível em aulas de E/LE,
pois é através de doses de choques culturais, seguido de um período de
não aceitação e, consequentemente, de uma aceitação completa, que o
aprendiz vai ganhando consciência de outros comportamentos aderindo-
o para sua própria cultura.
Outra proposta de trabalho na questão intercultural com os
alunos é o diálogo do quadro moderno brasileiro “Guerra e Paz” de
Candido Portinari e o quadro espanhol “Guernica” de Pablo Picasso e
relacioná-los dentro do contexto histórico em que foram criados, dentro
das concepções ideológicas e técnicas de quem o pintou, que intenção
tinham os pintores ao retratar a imagem e para quem o retrataram.
É interessante notar que ambas pinturas versam sobre um
contexto de Guerra. A de Picasso especificamente sobre a Guerra Civil
Espanhola preza por uma estética reflexiva e devastadora da guerra, no
entanto a pintora do pintor brasileiro além da denúncia, retoma a
esperança da paz.
Além das perguntas sob a perspectiva de Letramento crítico
tratados acima, o jogo de imagens e de cores podem também ser
tratados na perspectiva de sua intencionalidade no quadro de Picasso e
no de Portinari, quem se utiliza das formas, das imagens e das cores para
retratar o contraste entre a guerra e a paz. Assim, o professor deveria
fazer perguntas que levem o aluno a inferir sobre as intenções dos
pintores, seja ela correta ou não.

- 228 -
Não menos importante é o diálogo entre dois quadros: um
brasileiro e outro espanhol, feitos na mesma época, sobre temas
semelhantes e sob a mesma técnica em que Portinari se defende como
inspirado por Picasso.

O trabalho com Cultura e Literatura permitem o movimento


O trabalho com a Cultura e a Literatura em aulas de E/LE permite
uma das características mais importantes do trabalho com estes dois
referentes: o movimento. Trabalhar com ambos componentes em aulas
de E/LE permite que o aluno saia do comodismo que é pensar o mundo
através de seus próprios referentes, ou seja, através de si mesmo.

Conclusão
A presença da literatura e da cultura na aula de língua espanhola
trabalhadas não como uma lista de artefatos culturais servindo de
mostras motivacionais para as aulas, e sim trabalhadas de acordo com as
propostas de Letramento, leva-nos a fazer associações com a realidade
histórico-social da cultura de seu tempo e do tempo presente.
E, neste ato, produz-se um leitor crítico que seja capaz não
somente de ler um texto, e sim de ler o mundo. Que possa não somente
articular um texto em língua estrangeira, mas que saiba defender suas
ideias, seja em língua materna ou em língua estrangeira.
Não esqueçamos, em nossas práticas em aulas de E/LE, e aqui
retomo a Mario Vargas Llosa que diz que “graças à literatura, a vida se

- 229 -
entende e se vive melhor. Entender e viver melhor significa não somente
vivê-la, mas poder compartilhá-la com os demais” e é através de um
trabalho efetivo com a literatura e cultura que a vida se compartilha
melhor.

- 230 -
Referências

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- 232 -
A CORREÇÃO DIALÓGICA COMO PROPOSTA PARA

10 O ENSINO DO GÊNERO ABSTRACT

Cintia Paula Santos da Silva50

Escrita: processo ou produto?


Escrever é uma habilidade e, para que ela se desenvolva, há
necessidade de que o sujeito participe de um processo que envolve três
etapas: planejamento, textualização e revisão/reescrita. De acordo com
Serafini (1994, p.22) “é possível ensinar a compor porque é possível
dividir o processo da composição em atividades básicas e utilizar, para
cada uma delas técnicas e procedimentos específicos. ”
A produção de um texto-discurso implica a noção de escrita como
processo, em que são contempladas todas as etapas pertinentes à
construção de um texto: a escrita, a revisão e a reescrita. Dessa forma,
de acordo com Bakhtin (1999), a finalidade da produção escrita passa a
ser social, pois escreve-se para um outro.
A escrita, nessa perspectiva, é entendida como processual. A
primeira versão do texto não pode ser a definitiva.
Este trabalho de reajuste do texto envolve: enfatizar as ideias
principais; reordenar as informações; substituir ideias inadequadas;

50
Professora mestre pelo PPG – UFGD e docente da rede privada de ensino.

- 233 -
eliminar ideias desnecessárias; alcançar maior exatidão para as ideias;
acrescentar exemplos, conceitos, citações, argumentos; eliminar
incoerências; estabelecer hierarquia entre as ideias; criar vínculos entre
uma ideia e outra. Após alguns rascunhos, o texto ainda não está pronto.
É preciso, ainda, rastrear problemas na superfície do texto como
ortografia, acentuação, pontuação, etc. Como Guedes (2009, p. 22)
destaca, “o ato de ler implica sempre percepção crítica, interpretação e
“reescrita” do lido”.
Nesta perspectiva, escrever um texto leva tempo e envolve um
processo trabalhoso, pois cada indivíduo tem o seu próprio tempo para
sedimentar a informação, de forma que o conhecimento seja
consolidado. A atividade escrita, então, deve ser proposta em etapas, de
modo que o aluno reescreva o seu texto, a partir de suas interações com
o professor e os possíveis leitores, internalizando informações referentes
a esse processo e visualize a produção de texto como um processo e não
como produto, vinculada ao contexto de produção em que está sendo
escrita.
A escrita é uma atividade necessária na vida escolar, profissional
e cotidiana. Entretanto, apesar de sua exigência em diferentes áreas da
vida, o ato de escrever ainda é objeto de posições negativas por parte
dos alunos. Essa dificuldade e, por vezes, até mesmo a “aversão”, é
construída ao longo da história escolar de cada um, e provém,
geralmente, de um desconhecimento da natureza, das especificidades e
das exigências da escrita” (GARCEZ, 2004, p. 3). Por essa razão, muitos

- 234 -
estudantes afirmam durante o processo de escolarização, e até mesmo
na universidade, que não gostam de escrever. Na verdade, a razão para
o não gostar, muitas vezes é não saber como escrever.
Existem alguns mitos que imperam no imaginário dos alunos em
relação à escrita. Garcez (2004) desmistifica cinco crenças mais
frequentes. Para a autora, os mitos mais comuns são os que levam
alguém a acreditar que escrever seria: 1) um dom que poucas pessoas
têm; 2) um ato espontâneo que não exige empenho; 3) uma questão que
se resolve com algumas “dicas”; 4) um ato isolado, desligado da leitura;
5) algo desnecessário no mundo moderno; 6) um ato autônomo,
desvinculado das práticas sociais.
O ato de escrever está na contramão destes mitos, pois “todo ato
de escrita pertence a uma prática social. Não se escreve por escrever. A
escrita tem um sentido e uma função” (GARCEZ, 2004, p. 6). Ela está
ancorada nas atividades letradas do mundo moderno, como escrever
uma mensagem, um e-mail. No caso do presente trabalho, a produção
de abstracts surgiu da necessidade que os sujeitos têm de compor a
seção de artigo, monografia, dissertação, tese ou pesquisa que esteja
sendo realizada por eles, ou seja, está claramente ligada a uma prática
social característica do ambiente acadêmico.

Reescrita e dialogismo
A reescrita é uma das etapas da concepção que vê a escrita como
processo. Guedes (2009), ao tratar desta questão, afirma que dentro do

- 235 -
processo de escrever o texto estão o autor e sua compreensão crítica do
ato de ler, que tem início na relação entre a leitura da palavra escrita e o
entendimento do mundo pelo autor. O autor levará em consideração, na
composição do texto que escreve, para quem é o texto; quanto ao
entendimento de quem lê, do interlocutor, Guedes (2009, p. 16) afirma
que o autor precisa considerar para quem o texto é matéria-prima para
o alongamento de sua inteligência de mundo.
O texto, assim, se constitui em um diálogo entre o entendimento
do produtor do texto com o entendimento do leitor. Entretanto, no
âmbito da escola, a produção de texto vivenciada pelo aluno,
geralmente, tem sido um falso diálogo privado com o professor:

Falso porque, na verdade, também o professor


não é verdadeiramente um leitor, que gosta ou
não gosta do que leu, que responde às
inquietações manifestadas no texto. O professor
não dialoga com o texto; apenas o avalia a partir
de critérios alheios (GUEDES, 2009, p. 51).

O aluno por estar treinado, consegue produzir certos tipos


textuais, geralmente o dissertativo, com a finalidade de escrever a
redação para o vestibular ou para obter nota do professor. O aluno se
expressa, assim, com textos dissertativos que não passam de um
conjunto de palavras organizadas em frases dispostas “em forma de
texto”. Essa prática de escrita exclui o leitor e caracteriza as produções
escolares como redações escolares e não discursos, isto é, textos que

- 236 -
fazem uso consciente dos recursos linguísticos, com a finalidade de
produzir diferentes efeitos de sentido sobre os leitores.

Correção: definição e tipos


Para fundamentar esta pesquisa, buscamos o aprofundamento
das concepções dos tipos de correção textual.
Serafini (1994) define correção como o conjunto de intervenções
que o professor faz, primeiramente, para apontar defeitos e erros e,
posteriormente, para avaliar. Entretanto, neste trabalho adotamos uma
concepção de correção como interação, como mediação por meio da
qual, de acordo com Conceição (2004), o professor deve se colocar mais
distante do juiz, do avaliador e mais próximo do interlocutor que está
disposto a dialogar com o texto e seu autor:

O professor terá um retorno mais positivo se


assumir uma postura construtiva e interativa na
correção, tendo em vista que o aluno deixará de
considerar a escrita do texto como tarefa escolar
que se cumpre ao entregar a versão única e
definitiva ao professor (CONCEIÇÃO, 2004, p.
324)

Em relação à correção, outro aspecto abordado por Serafini


(1994) diz respeito aos tipos de correção mais utilizadas entre os
professores. A autora classifica as correções em três tipos: indicativa,

- 237 -
resolutiva e classificatória. Ela aponta que a maioria dos professores
oscila entre dois tipos de correção, a resolutiva e a indicativa.
A correção indicativa, para a autora:

Consiste em marcar junto à margem as palavras,


frases e períodos inteiros que apresentam erros
ou são poucos claros. Nas correções desse tipo, o
professor frequentemente se limita à indicação
do erro e altera pouco; há somente correções
ocasionais, geralmente limitadas a erros
localizados, como os ortográficos e lexicais
(SERAFINI, 1994, p. 113).

Este tipo de correção, conforme se pode verificar, atem-se


geralmente aos aspectos superficiais dos textos, limitando-se a
correções ocasionais, geralmente erros localizados, como ortográficos e
lexicais.
A correção resolutiva diz respeito ao tipo de intervenção escrita
em que o professor corrige todos os erros do texto, reescrevendo
palavras, frases e períodos. Neste caso, resta ao aluno, no máximo,
passar a limpo o texto, caso esta tarefa seja exigência do professor para
fechamento da nota de avaliação.
A correção classificatória é a terceira estratégia de correção de
textos apontada por Serafini (1994). Essa correção consiste na
identificação não ambígua dos erros realizados por meio de uma
classificação.

- 238 -
Ruiz (2013) ainda aponta um tipo de correção chamado textual-
interativa, caracterizada por comentários longos escritos em sequência
ao texto do aluno. Esses comentários são escritos em forma de pequenos
“bilhetes” e tratam dos problemas do texto.

Trata-se de comentários mais longos do que os


que se fazem na margem, razão pela qual são
geralmente escritos em sequência ao texto do
aluno (no espaço que aqui apelidei de “pós-
texto”). Tais comentários realizam-se na forma
de pequenos “bilhetes” (manterei as aspas, dado
o caráter específico desse tipo de texto) que,
muitas vezes, dada sua extensão, estruturação e
temática, mais parecem verdadeiras cartas.
Esses “bilhetes”, em geral têm duas funções
básicas: falar acerca da tarefa de revisão pelo
aluno (ou, mais especificamente, sobre os
problemas do texto), ou falar,
metadiscursivamente, acerca da própria tarefa
de correção pelo professor (RUIZ, 2013, p. 63).

Conceição (2016) aponta que a correção textual-interativa,


embora pressuponha a ação responsiva na correção, dificulta a tarefa do
professor, por ser necessário retomar no bilhete, ao final do texto, um
problema que pode estar localizado no início ou em diferentes trechos
da produção textual. Dificulta também a localização dos problemas pelo
escrevente. Além disso, o professor pode, mesmo no bilhete, prender-se
apenas a problemas gramaticais, deixando de lado as relações de sentido
mais determinantes da qualidade textual.

- 239 -
Por essa razão, Conceição (2016)51 propõe uma correção que
chama de misto-discursiva, a qual, de acordo com a autora:

Para a efetivação desse método de correção, são


necessárias intervenções a partir das quais o
problema detectado seja
indicado/marcado/destacado com clareza (por
exemplo: sublinhado, circulado, ou manchado
com cor diferente do revisor Word). Para cada
problema destacado, é necessário que seja
oferecida uma sugestão ou um esclarecimento,
próximo ao local onde o problema foi detectado,
em forma de diálogo, recado, a respeito dos
motivos que levaram o leitor/corretor a destacar
aquele problema, para que a correção oriente a
reescrita que se espera como resposta a esse tipo
de correção. As sugestões de alteração podem
ser de diversas ordens: supressões, acréscimos,
deslocamentos ou substituições, que podem
variar desde um item lexical, ou período, até
vários parágrafos, a depender do problema de
sentido detectado e sempre visando à orientação
e à motivação da reescrita. Os comentários
devem ser sempre orientados por critérios de
correção que se atenham, primeiramente, às
questões discursivas, à coerência global e local
dos efeitos de sentido pretendidos no diálogo
proposto (CONCEIÇÃO, 2014, p.27).

51
O texto em que a autora descreve e demonstra detalhadamente esse tipo de correção
está em fase de publicação como capítulo de livro (No prelo, pela Editora Pontes).
Tivemos contato com esse método de correção durante o nosso estágio de docência,
em 2014, quando participamos das aulas de Escrita e Ensino ministradas pela docente
na Faculdade de Comunicação, Artes e Letras da UFGD.

- 240 -
Essa estratégia de correção consiste em o problema identificado
ser indicado com clareza, por meio de trechos (períodos ou parágrafos),
ou palavras sublinhadas, circuladas, manchadas com cores diferentes,
(por exemplo, por meio do revisor de texto do Word). Após a indicação
do problema, é necessário que seja oferecida uma sugestão, uma
orientação ou um esclarecimento em forma de diálogo, a partir do qual
o leitor ou corretor aponta o que o levou a destacar o problema. Esse
apontamento deve ser feito próximo ao local onde o problema foi
detectado, de forma a facilitar a localização do problema pelo escrevente
durante a correção para realizar a consequente reescrita.
Os comentários, na correção misto-discursiva, devem ser guiados
por critérios que priorizem, num primeiro momento, questões
discursivas relacionadas à coerência global e local da produção escrita.
Em razão disso, o corretor deve ter claramente explicitado aos
escreventes os critérios discursivos utilizados na correção. No caso deste
trabalho, foram utilizadas as chamadas qualidades discursivas (GUEDES,
2009), num total de quatro, as quais serão explicitadas mais adiante. Tais
qualidades nortearam tanto as correções quanto os comentários do
corretor nos textos analisados neste trabalho.
A correção misto-discursiva prevê que nos comentários podem
ser feitas sugestões que levem o escrevente a realizar diferentes
operações linguísticas, tais como supressões, acréscimos,
deslocamentos ou paráfrases de diferentes partes do texto. As
alterações podem levar o escrevente a promover reescritas de um item

- 241 -
lexical, um período, ou de vários parágrafos (CONCEIÇÃO, BIASOTTO,
2015).
Outra recomendação importante que esta estratégia de correção
prevê é que os problemas formais, referentes à superfície do texto, ainda
que sejam os mais aparentes na produção escrita, devem ser objeto de
preocupação (para a realização de comentários no texto)52 somente
quando as relações de sentido estiverem bem consolidadas no texto do
escrevente.
Dessa forma, Conceição (2016) afirma que, ao utilizar a correção
misto-discursiva, caberá ao professor interpretar as hipóteses de escrita
do escrevente em função dos efeitos de sentido que o escrevente
pretende propor, levando em conta o gênero em questão, para apontar
sugestões de correção visando à reescrita. A autora enfatiza que apenas
destacar os problemas, sem dar a orientação necessária de forma que o
escrevente repense e reescreva é transformar uma hipótese de escrita
sobre a qual o escrevente deve ser desafiado a pensar, em um “erro” que
precisa ser corrigido, como se a escrita textual fosse um produto final na
primeira versão e não um processo.
Vistos os tipos de correção, passemos aos critérios utilizados ao
corrigir as produções escritas dos sujeitos durante a geração de dados
para desta pesquisa.

52
Isso não significa que o professor não deva diagnosticar os problemas formais de
escrita dos seus alunos para trabalhá-los em momentos específicos em sala de aula. O
que deve ser evitado é o direcionamento da correção para os problemas formais em
detrimento dos problemas de sentido.

- 242 -
As qualidades discursivas
Guedes (2009) propõe a necessidade de reescrita de textos com
base em critérios orientados por quatro qualidades discursivas, que
deverão ser trabalhadas a partir da primeira versão elaborada pelo
escrevente, sempre prevendo que outras versões poderão/deverão ser
elaboradas, para que haja correspondência entre o meio expressivo e o
efeito de sentido que se busca produzir.
As quatro qualidades discursivas propostas por Guedes (2009)
são por ele denominadas de unidade temática, questionamento,
objetividade e concretude. Estas qualidades discursivas são entendidas
como um conjunto de características que determinam a relação dialógica
que o texto vai estabelecer com seus leitores e não só diretamente com
eles, mas também com os demais textos que o antecederam na história
dessa relação (GUEDES, 2009).
A unidade temática, de acordo com Guedes (2009), dá ao leitor
um rumo que o orienta no trabalho de atribuir sentido a cada uma das
palavras que lê para que estabeleça uma relação de sentido entre elas.
Caso o escrevente mude de assunto e não mantenha uma continuidade,
o leitor será obrigado a construir sucessivas hipóteses sobre o possível
tema do texto que lê. Em relação à qualidade discursiva da unidade
temática, Conceição (2015) afirma que no texto só interessa apresentar
a informação que converge na direção do esclarecimento da questão a
ser equacionada na produção escrita.

- 243 -
No abstract, por exemplo, essa unidade se constitui na relação
entre o título e as partes constituintes do gênero em questão, como
objetivos, metodologia, resultados e conclusão. Logo, para que haja
unidade temática, é preciso escrever um texto em torno de uma questão
central do início ao final, e de forma coesa.
No entanto, não basta apenas postular uma questão, ela precisa
ser problematizada, constituindo um fio condutor que leve o leitor a
envolver-se com o texto.
De acordo com Conceição (2016), a qualidade do
questionamento tem a função de levar o escrevente a descobrir e a
selecionar uma questão de pesquisa dentre várias possibilitadas por uma
temática. Para a autora, esta qualidade determina que o leitor se mova
com o texto, concorde ou discorde de algum posicionamento na
produção escrita. Sem o estabelecimento da qualidade discursiva
questionamento, o leitor perde o interesse pelo texto. Guedes dá a
seguinte orientação sobre como produzir um texto levando em
consideração esta qualidade discursiva:

Trate de um problema, de um conflito,


equacione-o, encaminhe-o, proponha uma
solução, se tiver uma, mas uma solução útil, ao
alcance da mão, executável agora mesmo. De
nada adianta dizer que todos os homens
deveriam dar-se as mãos para que o mundo fosse
melhor. Propostas desse tipo já se revelaram
inviáveis milhares de vezes. Se não tiver uma,
organize uma maneira original de encaminhar

- 244 -
uma reflexão interessante a respeito dela. Ou,
ainda, descubra uma questão a respeito da qual
ninguém ainda disse nada. Só faz sentido
escrever a respeito de alguma coisa que não está
pronta nem clara em nossa cabeça; o que já está
lá pronto e claro já está também pronto e claro
para nossos leitores (GUEDES, 2009, p. 120-121).

No texto acadêmico, por exemplo, o questionamento refere-se à


conceituação de um problema de pesquisa. Gil (2006) afirma que o
problema na pesquisa acadêmica se refere a algum obstáculo, a alguma
barreira a ser enfrentada pelo pesquisador de alguma área de
conhecimento. Logo, a qualidade discursiva do questionamento no
gênero abstract está presente de forma que entre diversos temas
disponíveis para investigação, o questionamento é o ponto-chave para a
formulação do problema que se almeja investigar. Dessa forma, todo
problema de pesquisa surge a partir de um questionamento.
A qualidade discursiva da objetividade refere-se ao fornecimento
das informações necessárias para que o leitor faça inferências e tire suas
próprias conclusões, a partir dos dados que encontra no texto. Para isso,
o autor deve, por meio da antecipação de possíveis dúvidas ou objeções
do leitor, oferecer as informações que julgar pertinentes. Guedes (2009)
afirma que esta qualidade é necessária para o leitor compreender o
texto, de modo que o autor deve apresentar todas as informações
necessárias para que a mensagem fique clara.

- 245 -
A objetividade nos textos do gênero abstract, por exemplo, diz
respeito à suficiência de informações para compreensão dos objetivos
da pesquisa, do contexto no qual se enquadra, da metodologia
empregada, dos resultados obtidos, de forma que o leitor sinta interesse
em ler o artigo ou trabalho completo. Como afirmam Jordão e Martinez
(2013), um resumo acadêmico, diferentemente da sinopse de um
romance ou filme, que deixa o leitor curioso na expectativa de ler ou
assistir para descobrir a trama da estória, conta o final da estória (os
resultados da pesquisa), pois tem a função de ajudar o pesquisador a
selecionar os artigos que lhes interessam. Logo, o escrevente deve
postular um leitor exigente que precisa receber todas as informações
necessárias para compreender satisfatoriamente o que a pesquisa
propõe.
O princípio que norteia a qualidade discursiva da concretude é o
de que não basta apenas dizer, afirmar algo; é preciso “mostrar” dados
para convencer o leitor. Guedes (2009) afirma que a concretude garante
que a questão abordada seja expressa com precisão, de modo que não
restem dúvidas ao leitor a respeito das intenções do autor.
No gênero abstract, a qualidade discursiva concretude, por
exemplo, constitui-se por meio da apresentação de dados específicos
sobre a pesquisa apresentada no texto, da descrição da metodologia,
assim como dos resultados apresentados por meio de fatos. Esses
aspectos caracterizam a qualidade da concretude no abstract. Esta
qualidade discursiva, no texto acadêmico, refere-se à necessidade de

- 246 -
apresentar dados e informações, ao invés de fazer afirmações vagas e
generalizadas a respeito da pesquisa no texto.
No contexto desta investigação, utilizamos as qualidades
discursivas mencionadas como critério de análise dos textos produzidos
pelos sujeitos no gênero selecionado, o abstract.

Procedimentos metodológicos da pesquisa


O presente trabalho constitui-se como objeto de investigação da
Linguística Aplicada. Uma das características desse campo de pesquisa é
lidar com tarefas práticas, em que a linguagem é concebida como uma
prática social, seja no contexto de aprendizagem de língua materna ou
de outra língua, em um contexto qualquer onde surjam questões
relevantes sobre o uso da linguagem (PAIVA, 2000 citado por MENEZES,
2009).
Nesse sentido, atendendo a uma necessidade emergente no
contexto acadêmico local, o presente estudo considerou a geração de
dados em um curso de língua inglesa instrumental, com o intuito de
qualificar os participantes a produzirem textos acadêmicos do gênero
abstract.
Para a constituição do corpus da pesquisa, estabelecemos como
critério a seguinte delimitação: seriam analisados apenas abstracts dos
sujeitos que apresentassem, no mínimo, três versões. Isso facilitaria a
análise qualitativa dos movimentos de escrita e reescrita em processo.
Além disso, só comporiam o corpus da pesquisa os sujeitos que

- 247 -
autorizassem o uso dos dados na pesquisa. Dessa forma, são 12 os
sujeitos, e os textos analisados, em sua 1ª versão e correspondentes
reescritas, totalizam um número de 43 abstracts.
Esta pesquisa caracteriza-se como qualitativa do tipo pesquisa-
ação, pois consiste em um trabalho participativo, realizado durante as
aulas do curso de Língua Inglesa Instrumental ministrado por esta
pesquisadora. Buscava analisar não apenas o produto, ou seja, o
resultado da produção textual dos sujeitos, mas o processo de escrita e
reescrita, com vistas a propor soluções para os problemas de linguagem
detectados.
Os textos produzidos serão analisados sob a perspectiva
interpretativista, focando dois aspectos da produção escrita dos
abstracts, por meio da análise: 1) das características relativamente
estáveis do gênero abstract: objetivos, aspectos teórico-metodológicos,
resultados e conclusão e 2) da prática de correção desta pesquisadora,
tomando como critério as quatro qualidades discursivas propostas por
Guedes (2009): unidade temática, questionamento, objetividade e
concretude.
Duas questões orientaram a análise dos abstracts produzidos
pelos sujeitos: 1) quais foram as mudanças qualitativas mais
significativas nos abstracts reescritos durante o processo vivenciado? 2)
quais as reações dos sujeitos às correções realizadas?
Os 43 textos resultaram do fato de que as produções escritas
pelos sujeitos durante o curso, tiveram de 3 a 5 reescritas, sempre

- 248 -
orientadas pela intervenção didática realizada pela ministrante, com o
objetivo de levá-los a desviar o olhar de modelos de texto estereotipados
para que olhassem para o seu texto e para o seu discurso, do ponto de
vista qualitativo de suas produções.
Em razão da necessidade de reservar tempo para a reflexão
coletiva em sala de aula, as reescritas eram realizadas, pelos sujeitos,
extraclasse. Durante as aulas, foram analisados coletivamente diversos
abstracts publicados em anais de congressos, assim como os próprios
abstracts escritos pelos sujeitos da pesquisa.

Análise de dados e discussão dos resultados


Este item trata da análise do processo de correção de uma
produção escrita. O sujeito, chamado de S5, produziu de 4 reescritas,
conforme verifica-se nas análises a seguir:

A Correção dialógica no ensino da escrita


Nesta seção da pesquisa, centraremos a análise na correção de
textos produzidos por um estudante da área de engenharia.
Pretendemos, com esta análise, verificar em quais aspectos se centraram
os comentários e as correções e se eles influenciaram as reescritas. Para
isso, demonstraremos as três versões de um dos sujeitos para que
possamos ter uma visão comparativa desses procedimentos e dos
resultados obtidos.

- 249 -
Vejamos, a seguir, as correções na 1ª versão do abstract
produzido pelo sujeito:

Estudo de viabilidade de implementação de um sistema de


captação e reutilização da água da chuva
A água da chuva é um recurso natural abundante, infinito, e fácil
de lidar. O sistema consiste basicamente em coletar a água da chuva
através de calhas, condutores verticais e horizontais, e armazena-los em
reservatórios. Os principais critérios para análise de água potável estão
relacionados com as bactérias como a salmonela, e-coli e legionella e
contaminantes físicos, tais como pesticidas, chumbo e arsênico. O uso de

- 250 -
água da chuva para uso não potável, além de ser uma alternativa de
baixo custo para implantação, fornece benefícios ambientais,
econômicos e sociais para a organização.

Esta é a primeira versão de S5. Verificamos que o texto não


apresenta a estrutura de um abstract, devido à ausência de formulação
de uma questão de pesquisa a ser investigada, dos objetivos, enfim, da
descrição dos procedimentos metodológicos, dos resultados e das
conclusões. Em outros termos, a estabilidade genérica, conforme
proposta por Bakhtin, para que um texto seja classificado como
pertencente a um determinado gênero (neste caso, o abstract), não é
respeitada.
Observamos que em decorrência destas fragilidades que o texto
apresenta, quatro comentários foram realizados, os quais estão
marcados no texto do escrevente: em quatro situações, identificadas
por: “C1, C2, C3 e C4.
Em C1 é realizado o seguinte comentário:
C1 – WHERE do you intend to perform the study?
Onde você pretende realizar o estudo?
O comentário procura mostrar para S5 que a informação a
respeito de onde será realizada a pesquisa faz falta no título do abstract,
pois traria mais especificidade particularizando o objeto de estudo. Ao
questionar o escrevente incentivando-o a responder à questão,

- 251 -
verificamos que o comentário vai em direção à necessária melhoria da
qualidade objetividade.
Vejamos, a seguir, que o comentário C2 solicita a melhoria da
qualidade discursiva unidade temática:
C2 – You’re just mentioning lots of information related to
rainwater. What is the relevance of it for your research.
Você está apenas citando informações relacionadas a água da
chuva. Qual é a relevância disto para sua pesquisa?

As informações são apresentadas de forma sequencial como em


uma lista no trecho em que se encontra o comentário. O objetivo de C2
foi levar o aluno a refletir sobre a relevância das informações que
seleciona para o seu texto. Por se tratar de um resumo acadêmico, que
sintetiza as ideias de um artigo ou outro trabalho acadêmico, as
informações precisam ser cuidadosamente selecionadas apresentando
unidade e coerência. Dessa forma, o comentário aponta um problema de
unidade temática, pois as ideias não estão relacionadas entre si e, por
consequência, verificamos uma fragilidade na qualidade discursiva
questionamento, já que o leitor não consegue descobrir qual é a questão
de pesquisa ao longo do texto.
O comentário C3 incide sobre a estrutura do gênero abstract,
evidenciando fragilidade na metodologia:
C3 – Is it your methodology? But what do you intend to
investigate in this paper?

- 252 -
Esta é a sua metdologia? Mas o que você pretende investigar
neste artigo?
A metodologia não está bem delimitada no texto, sendo difícil
identificá-la: por exemplo, não é possível compreender como S5
conduzirá a análise.
Assim, o comentário C3 sinaliza para o escrevente que, apesar de
haver um “embrião” de metodologia, há problemas ao longo do texto
que precisam ser resolvidos, como a questão a ser investigada na
pesquisa, os quais indicam fragilidade no questionamento. Sem esse
aspecto delimitado, dificilmente o leitor compreenderá quais foram os
encaminhamentos metodológicos da pesquisa. Assim, o comentário C3
aponta para um problema de objetividade, provocado pela ausência de
questionamento.
O comentário C4, conforme se verificará adiante, tem o objetivo
de apresentar uma análise geral a respeito do todo do texto, com o
objetivo de levar o escrevente a refletir sobre a coerência global de sua
escrita:
C4 – Your title can guide you. Your abstract needs to be related
with it. You can start it writing how this kind of study is important and
then introduce to the reader what do you intend to do in your own
research.
Seu título pode guiá-lo. Seu resumo deve estar relacionado com
o título. Você pode iniciar o resumo escrevendo como esse tipo de

- 253 -
estudo é importante e, em seguida, apresentar ao leitor o que você
pretende fazer em sua própria investigação.

Conforme se verifica, o comentário C4 recai sobre a organização


geral do abstract. C4 aponta sugestões que levem o escrevente a refletir
sobre o que poderia ser feito para melhorar qualitativamente seu texto,
sob a perspectiva das qualidades discursivas.
Já em C5, o principal objetivo é levar o escrevente a refletir a
respeito do fato de que o primeiro passo ao se escrever um texto (não só
um abstract), é definir a questão em torno da qual todo o texto irá se
organizar, o que corresponde, neste caso, a postular uma questão central
a ser investigada. Isso garantirá a qualidade discursiva unidade temática
à produção.

- 254 -
A seguir apresentamos a 2ª versão reescrita por S5 com
comentários:

Estudo de viabilidade de implementação de um sistema de


captação e reutilização da água da chuva em um bloco de salas de aula
da UFGD
Políticas e programas para o consumo de água potável
sustentável estão crescendo exponencialmente em todo o mundo.
Milhares de estudos têm sido realizados para resolver este problema,
especialmente no ambiente acadêmico. Considerando que a água da
chuva é um recurso natural abundante, infinito, e fácil de manusear, a

- 255 -
implantação de um sistema de água da chuva irá ocorrer facilmente. A
partir de um sistema experimental, será realizada a análise
bacteriológica da água da chuva, sua composição física, química para
verificar a necessidade de tratamento. Uma vez que a chuva entra em
contato com o telhado ou outro conjunto de superfícies, muitas
impurezas, como a poeira, fezes de aves, bactérias e outros
contaminantes podem ser levados para o sistema de armazenamento. A
utilização de água da chuva para utilização não potável, além de ser uma
alternativa de baixo custo para implantação, fornece benefícios
ambientais, econômicos e sociais para a organização.

Nesta segunda versão de S5, podemos verificar que as sugestões


propostas na primeira versão foram acatadas, conforme C1 evidencia:
C1 – Good title! We can have an idea of your work
C1 - Bom título! Podemos ter uma idéia do seu trabalho.
O comentário aponta para o fato de que a inserção de um título
delimita o que será estudado na pesquisa. É uma evidencia de que a
qualidade discursiva objetividade foi aperfeiçoada por meio da reescrita.
No comentário C2, a atenção voltou-se para a fragilidade na
estrutura do gênero: o objetivo da pesquisa:
C2 – You could introduce your aim here.
C2 - Você pode introduzir o seu objetivo aqui.
Em nenhum momento do texto é mencionado o objetivo da
pesquisa, o que sinaliza, além de um problema nas características

- 256 -
relativamente estáveis do gênero, um problema de objetividade, pois
faltam informações para a compreensão da pesquisa de S5. O
comentário, além de indicar para o escrevente que o objetivo é uma das
partes que compõe um abstract, ainda sugere um determinado lugar do
texto para inseri-lo.

C3 – You show to the reader that your research is important and


relevant).
C3 - Você mostra ao leitor que sua pesquisa é importante e
relevante.
O comentário C3, em tom elogioso, evidencia a clara intenção de
incentivar o escrevente, pelo uso satisfatório da qualidade concretude,
conforme se verifica no trecho em que S5 justifica para o leitor por que
sua investigação é importante.
O comentário C4 centra a atenção em outro aspecto relacionado
as características do gênero, a metodologia.
C4 – Describe the methodology. Show to the reader the steps to
reach the results you want.
C4 - Descreva a metodologia. Mostre para o leitor os passos para
alcançar os resultados desejados.
C4 aponta um problema de objetividade que afeta a metodologia
da pesquisa, pois sem a descrição de como será realizada a investigação,
o leitor não terá noção dos passos seguidos para a realização da

- 257 -
pesquisa. Essa parece ser a razão do comentário C4 ter sugerido que S5
“mostre” para o leitor como obterá os resultados almejados.

Estudo de viabilidade de implementação de um sistema de


captação e reutilização da água da chuva em um bloco de salas de aula
na UFGD "
Políticas e programas para o consumo de água potável
sustentável estão crescendo exponencialmente em todo o mundo.

- 258 -
Milhares de estudos têm sido realizados para resolver este problema,
especialmente no ambiente acadêmico. Considerando que a água da
chuva é um recurso natural abundante, infinito, e fácil de manusear, a
implantação de um sistema de água da chuva irá ocorrer facilmente. O
sistema consiste basicamente em coletar a água da chuva através de
calhas, condutores verticais e horizontais, e armazenado em
reservatórios. Este trabalho tem como objetivo desenvolver um sistema
viável para a recolha, tratamento e reutilização da água da chuva para
uso em banheiros (descargas e torneiras) e / ou limpeza do bloco. Os
passos metodológicos para realizar a pesquisa incluem um sistema
experimental, análise da água da chuva bacteriológica composição física,
química e irá ser utilizado para caracterizar a água e verifique a
necessidade para o tratamento, a fim de diminuir os riscos para a saúde
dos seus utilizadores. A água armazenada deve ser usada apenas para
uso não potável, como em banheiros, torneiras para o jardim e lavar o
bloco e salas de aula. Uma vez que a chuva entra em contato com o
telhado ou outra coleção de superfície, muitas impurezas, como a poeira,
fezes de aves, bactérias e outros contaminantes pode ser lavado para o
sistema de armazenamento. Os principais critérios para análise de água
potável estão relacionados com as bactérias como a salmonela, e-coli e
legionella e contaminantes físicos, tais como pesticidas, chumbo e
arsênico. O uso de água da chuva para uso não potável, além de ser uma
alternativa de baixo custo para implantação, fornece benefícios
ambientais, económicos e sociais para a organização. Alguns desses

- 259 -
benefícios é a redução da demanda de água fornecida pelas companhias
de saneamento, diminuindo assim os custos de água potável, reduzindo
o risco de inundações em caso de fortes chuvas, e espalhar a boa imagem
da organização em direção a práticas sustentáveis.

Os comentários C1, C2 e C3 evidenciam a preocupação de PQ em


elogiar o fato de que a quarta versão de S5 apresenta as qualidades
discursivas estabelecidas como orientação para a reescrita.
C1 – Good! You title has objectivity now. The reader can have
an idea what is investigation is about.
C1 - Bom! Seu título tem objetividade agora. O leitor pode ter
uma ideia sobre o que é a investigação.

C2 – You present your aims, your methodology and expected


results. Now we can state that your writing production is an abstract.
C2 - Você apresenta seus objetivos, sua metodologia e resultados
esperados. Agora podemos afirmar que a sua produção escrita é um
resumo.

C3 – There’s a contextualization of your research. It has some


important and relevant details about the investigation. It shows
objectivity and concreteness.

- 260 -
C3 - Há uma contextualização de sua pesquisa. Tem alguns
detalhes importantes e relevantes sobre a investigação. Ele mostra
objetividade e concretude.

Os comentários, conforme se verifica, têm por objetivo indicar


para o escrevente que as qualidades discursivas da objetividade, do
questionamento e da concretude foram melhoradas no texto,
possibilitando que a interlocução a distância, fosse melhor equacionada.
Os comentários C2 e C3 também indicam que esta última versão do
escrevente se assemelha a um abstract, visto que apresenta as
características do gênero em foco.

Considerações Finais
Na perspectiva em que o trabalho foi desenvolvido, o papel do
professor de produção textual não deverá ser o de avaliador do texto,
mas o de interlocutor, dialogando com o texto do aluno.
Por meio da análise das correções e dos abstracts escritos e
reescritos pelos sujeitos, podemos verificar que a transformação de um
texto em um resumo acadêmico ocorreu por meio da incorporação das
qualidades discursivas – unidade temática, questionamento,
objetividade e concretude. Esse processo é resultado de um trabalho
progressivo e contínuo, realizado por meio das correções da professora
e das atividades realizadas em sala de aula, cujo resultado aponta um
caminho para a reescrita.

- 261 -
Os resultados apontam a ausência das duas qualidades
discursivas mencionadas na 1ª versão, assim como o não atendimento as
características do gênero abstract. Em que os sujeitos se preocupavam
com os aspectos referentes a estrutura da língua, não priorizavam o
conteúdo da produção, nem projetavam um possível leitor. No entanto,
é notável a presença efetiva das qualidades discursivas objetividade e
concretude, das características relativamente estáveis do gênero, e da
escrita dialógica na última versão reescrita pelos sujeitos. Nesse sentido,
a proposta de intervenção didática utilizada, mais centrada no
desempenho discursivo do sujeito que em aspectos formais, pode ser
benéfica para melhorar a sua produção escrita.
As últimas versões dos textos não foram consideradas como
produto do curso, pois ainda eram passíveis de serem lidas e relidas por
outros leitores que não fossem a professora. Esse foi o maior exercício
realizado durante o curso, a leitura implica o dialogismo e, por isso,
precisa ser lido por outros que não seja o autor.
Dessa forma, acreditamos que apenas por meio de um trabalho
contínuo de escrita e reescrita de textos, o sujeito chegará ao
desenvolvimento de sua competência comunicativa e a produções
qualitativamente melhores.

- 262 -
Referências

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Campinas, SP – Pontes 1998.

BAKHTIN, M. M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec.


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e prática. In Paiva, V.L.M.(org) Ensino de Língua Inglesa: Reflexões e
Experiências. UFMG. Pontes, 1996.

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reescrita mediado pela correção: mecanismos de parafrasagem. Raído,
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professor de português. Trab. Ling. Aplicada, Campinas, 43 (2): 323-344,
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para bem escrever. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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escrita. São Paulo: Párabola Editorial, 2009.

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issues, and directions in ESL. In: KROLL, B. (Ed.). Second language writing:
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VIEIRA, Iúta Lerche. Escrita para que te quero? Fortaleza: Edições


Demócrito Rocha; UECE, 2005.

- 264 -
O USO PEDAGÓGICO DO BLOG COMO

11 FERRAMENTA PARA PRÁTICA DE ESCRITA DE

LÍNGUA INGLESA

Sheilla Andrade de Souza


Maria da Glória Magalhães Reis

Introdução
Estamos vivenciando um período de avanço no campo das novas
tecnologias. Ferramentas digitais surgem a todo momento e conquistam
o apreço da juventude, que rapidamente aprende a interagir no meio
digital. Nossos alunos desenvolvem multitarefas através dos
smartphones, tablets, computadores pessoais etc. Navegam na Internet
com desenvoltura, acessam informações, compartilham textos, imagens,
áudios, vídeos, produzem seus próprios textos, arquivos de áudio, listas
de reproduções, se comunicam por meio das redes sociais. As pessoas
não apenas visualizam mensagens como também interagem através de
textos orais e escritos. Externalizam suas ideias e opiniões através de
comentários: fazem parte de uma geração denominada por Cope e
Kalantzis (2012, p. 9) como “Geração Participatória” (doravante Geração
P). Os aprendizes dessa geração deixam de ser passivos consumidores de
textos para serem produtores, eles interagem em práticas de leitura e

- 265 -
escrita no tempo livre, sendo que essas práticas são realizadas através
de redes sociais, blogs, mensagens de texto, vídeo e áudio, isso é, em
ambiente digital através do uso da internet.
Nesse sentido, para Barton e Lee (2015, p. 31) “a internet
proporciona às pessoas novas oportunidades para o contato linguístico”
e “encoraja muitos tipos de relações e formas de interação incluindo
grupos de afinidade, mas vai além deles. As pessoas podem interagir sem
a presença física e sem papeis claros ou rígidos” (p. 53). Nessa
perspectiva, a linguagem desempenha um papel importante à medida
que é “fundamental para a criação e organização do conhecimento, bem
como para a comunicação” (BARTON; LEE, 2015, p. 36).
É fato que, com o avanço das tecnologias digitais, a linguagem
tem passado por mudanças, a ela, passa a ser incorporado outros
recursos semióticos. Conforme Barton e Lee (2015, p. 39) “[a] linguagem
existe como um conjunto de recursos que as pessoas utilizam para criar
sentido de uma forma multimodal”, entenda multimodal, como sendo a
integração de diferentes modos semióticos para a comunicação, sendo
eles: palavras, sons, imagens, cores, diagramação etc.
Nesse contexto, as práticas de leitura e escrita em ambientes
digitais na contemporaneidade diferem-se das realizadas através de
materiais impressos. Para Walsh (2009, p. 2) as práticas de leitura
envolvem o ver, o ouvir, o responder, enquanto as práticas de escrita
exigem o falar, o ouvir, o planejar, o produzir. Assim sendo, a ideia
tradicional de texto impresso, é ofuscada com o aparecimento das

- 266 -
tecnologias digitais. Na visão de Barton e Lee (2015, p. 31), com as novas
mídias os textos se tornam mais fluidos, e não se podem mais ser
pensados como sendo fixos e estáveis. Assim sendo, eles “são
fundamentais para a linguagem e as práticas de letramento, e as pessoas
agem num mundo social textualmente mediado utilizando os espaços de
escrita disponíveis” (BARTON; LEE, 2015, p. 39). Segundo os autores
“espaço de escrita” são espaços que oferecem as possibilidades e
restrições do que pode ser escrito e do que provavelmente será escrito
(p.55).
No que se refere às práticas de leitura e escrita, por tradição eram
executadas de maneira linear, em geral de cima para baixo e comumente
em textos impressos em papel. Na sociedade do presente repleta de
novas tecnologias, ler e escrever incorpora, muitas vezes, a presença de
uma tela, seja a de um computador, de um tablet, de um celular etc. —
“[...] múltiplas fontes de linguagem” (DIONÍSIO, 2011, p. 138). Numa
perspectiva contemporânea, o conceito de leitura se relaciona com o
exercício de escolhas: “[...] leitura passa ser algo seletivo, parcial,
dependendo do interesse ou do objetivo do leitor” (BRASIL, 2006, p.
106). Assim, há uma não obrigatoriedade de que o leitor se aproprie do
texto como um todo; ele poderá escolher como vai captar a mensagem.
Explicando melhor, o exercício da leitura deixa de ser linear e sequencial,
uma vez que o texto passa a incorporar outros modos de comunicação e
produção de sentido, tais quais: linguístico, visual, áudio, espacial,
gestual (GRUPO NOVA LONDRES, 1996, p. 83).

- 267 -
Nesse sentido, o um leitor que também assume o papel de autor
de sua leitura: a ele é dada a opção de escolher entre ler e/ou ouvir os
diversos textos disponibilizados em uma única página/tela ou navegar
entre páginas/telas por meio de links conhecidos como hipertextos que
conduzem os leitores/autores a outras páginas/telas. Dessa forma, o
leitor/autor constrói sua leitura. Dito isso, pode-se dizer que, a um
mesmo texto, leitores distintos atribuem sentidos diversos e percorrem
caminhos diferentes durante o processo de leitura, exigindo do
leitor/autor diversos tipos de letramento.
Dessa maneira, acreditamos que as ferramentas digitais
constituem meios importantes para serem usados pedagogicamente em
contexto escolar, podendo auxiliar na produção de sentido. Com base
nisso, neste artigo apresentaremos uma proposta de atividade que
envolveu práticas contemporâneas de leitura e escrita em língua inglesa.
Nosso foco maior neste recorte deixa de ser analisar os aspectos
linguísticos-gramaticais desenvolvidos pelos aprendizes, mas sim, a
forma com a qual eles atribuíram significados ao texto lido, visto e
ouvido. Vale dizer que se trata uma letra de música e será melhor
explicado ao longo do texto.
Esclarecemos que este trabalho está organizado da seguinte
maneira: em um primeiro momento discutiremos sobre o ensino de
língua estrangeira e o conceito de língua(gem) ao qual nos apoiamos
para realizar este trabalho, falaremos sobre a pedagogia dos
multiletramentos e finalizaremos a seção com uma discussão referente

- 268 -
ao letramento crítico. Em seguida definiremos a ferramenta utilizada: o
blog assim como seus pontos positivos, falaremos sobre a metodologia
utilizada, a saber, a Pesquisa-Ação, em seguida relataremos o
desenvolvimento do trabalho e faremos a análise de dados, por fim,
apresentaremos as considerações finais.

Importantes construtos
Por entendemos que o ensino de uma língua estrangeira
(doravante LE), no caso deste trabalho língua inglesa (doravante LI), deve
ir além do ensino de estruturas gramaticais e frases isoladas,
desvinculado do contexto social, político e econômico ao qual está
inserido, iniciaremos esta seção discutindo sobre o conceito de língua no
qual apoiamos este trabalho.
Com base em Antunes (2009, p. 21) a língua é vista como um
sistema em uso, que representa o caráter social-histórico do povo, lugar
por onde entra “[...] a heterogeneidade das pessoas e dos grupos sociais,
com suas individualidades, concepções, histórias, interesses e
pretensões”. A língua, então, continua a evoluir e modificar-se de acordo
com o contexto em que se encontra inserida; por isso, é entendida como
heterogênea e variável.
Com efeito, pensamos em um ensino de LE no qual a visão de
língua/linguagem vá além da língua como estrutura; em outras palavras,
como um sistema pronto para ser ativado pelo usuário, deixando de ser vista
como conjunto de signos e regras gramaticais, como — diria Antunes (2009,

- 269 -
p. 34) — como “[...] um sistema abstrato, virtual apenas, despregado dos
contextos de uso, sem pés e sem face, sem vida e sem alma, inodora, insípida
e incolor”.
Com base na visão de língua que vai além da gramática/estrutura,
caminhamos na direção de um ensino-aprendizagem fundamentado no uso
da língua/linguagem em práticas sociais, em outros termos, no agir por meio
da linguagem. Ao lado de Mastrella-de-Andrade (2011, p. 228), concebemos
a língua como agência: “[...] é por meio dela, nas relações sociais, que as
pessoas negociam sua compreensão de si mesmas e em diferentes lugares e
momentos no tempo”. Assim, a língua/linguagem é vista como algo vivo,
heterogêneo e que se modifica/adapta de acordo com o contexto de uso;
nessa concepção, ela assume um caráter político, histórico e social.
Privilegiamos uma visão de língua/linguagem que permita ao leitor/falante
agir/interagir com o mundo, produzindo significados, e não somente
reproduzindo estruturas linguísticas. Noutras palavras, a língua “[...] não é
simplesmente um meio neutro de comunicação, mas é nela e por meio dela
que os significados são construídos, e as relações sociais estabelecidas”; tem-
se aqui uma visão de língua como “[...] agência e como produtiva (não apenas
reprodutiva)” (MASTRELLA-DE-ANDRADE, 2011, p. 228).
Essa noção de agência nos conduz a pensar conforme Reis (2008) e as
Orientações Curriculares Nacional para o Ensino Médio de Língua Estrangeira
– OCNEM/LE (BRASIL, 2006) acerca de não mais vermos aprendizagem de
uma língua como treino de habilidades, tais quais ouvir, falar, ler e escrever.
Essa posição nos leva a contrapor o caráter homogêneo atribuído à

- 270 -
língua/linguagem e a pensar nas variantes linguísticas que se materializam
diferentemente de acordo com os usuários, os contextos de uso, a idade, o
sexo, a região e a classe social, dentre outros fatores. De acordo com essa
concepção de língua, o aprendiz é concebido como agente ativo de sua
própria aprendizagem, e não somente receptor passivo; ele é convidado a
interagir por meio da linguagem de maneira a agir no mundo; ou seja,
entender e se fazer entendido.
Situando o ensino de LI dentro da perspectiva de língua descrita
acima, e estabelecendo uma relação com o avanço das novas tecnologias, faz-
se necessário falarmos em letramento. O termo surgiu da necessidade de
nomear uma nova categoria de leitores: aqueles que se apropriavam da
leitura e escrita fazendo uso dela em práticas sociais; isso é, o conceito
de leitor competente: que lê e interpreta, atribui sentido ao que leu; e
não somente um decodificador de signos linguísticos.
Dentro dessa visão, Soares (2010, p. 39–40) estabelece uma
diferença entre indivíduo alfabetizado e indivíduo letrado: “[...]
alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever”; letrado é aquele
que vive em estado de letramento: além de ler e escrever, é capaz de
usar socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita,
respondendo adequadamente às demandas sociais. Nessa direção,
Xavier (2005, p. 2), em seu artigo “Letramento digital e ensino”, diz que
o indivíduo plenamente letrado é capaz de “[...] enxergar além dos
limites do código, fazer relações com informações fora do texto falado
ou escrito e vinculá-las à sua realidade histórica, social, e política”.

- 271 -
No dizer de Dionísio (2011, p. 138), “[...] uma pessoa letrada deve
ser alguém capaz de atribuir sentido a mensagens oriundas de múltiplas
fontes de linguagem, bem como ser capaz de produzir mensagens,
incorporando múltiplas fontes de linguagem”. Essas definições, em
especial a de Dionísio, remetem ao surgimento e avanço no campo das
tecnologias, sobretudo as tecnologias digitais.
Com base nessas reflexões, conforme Dias (2012a), avançamos
rumo aos multiletramentos, termo esse que na visão de Kalantzis e Cope
(2012) refere a dois importantes aspectos da produção de sentido: o
primeiro é a diversidade social, ou a variabilidade de convenções de
significados em diferentes situações social, cultural ou específicas de
domínio. Para os autores os textos variam enormemente de acordo com
o contexto social – experiência de vida, assunto, domínio disciplinar, área
de trabalho, conhecimento especializado, aspectos culturais e
indentitários, a fim de nomear diferenças significativas. Essas diferenças
tornam-se mais relevantes à medida que interagimos em nossa vida
cotidiana, produzimos e participamos dos significados. Daí a importância
do ensino dos letramentos que busque ressignificar a ideia de que existe
uma língua nacional única e padrão e que leve o aprendiz a atribuir
significado aos textos de maneira crítica.
O segundo aspecto da produção de sentido, conforme Kalantzis e
Cope (2012), recaí sobre a multimodalidade, essa, constitui uma questão
importante na contemporaneidade, em parte, devido ao aumento das
mídias de informação e comunicação. Dessa forma, o significado passa

- 272 -
ser construído à medida que aumenta a multimodalidade, ou seja, aos
modos linguísticos escritos passam a ser incorporados outros modos de
construção de sentido, tais quais o oral, o visual, o auditivo, o gestual, o
tátil, e o espacial.
Vale dizer que a pedagogia dos multiletramentos foi firmada pela
primeira vez por um grupo de dez autores internacionais falantes de
inglês advindos de países diferentes, pois para eles o fato de a equipe ser
composta por pessoas de diversos lugares proporcionaria uma discussão
rica em experiências nacionais, profissionais e de vida. Esses
pesquisadores se reuniram durante uma semana no mês de setembro de
1994 em Nova Londres, New Hampshire, Estados Unidos. O grupo ficou
conhecido como: Grupo de Nova Londres (doravante GNL), como
mencionado no manifesto A pedagogy of multiliteracies — designing
social future (isto é, uma pedagogia dos multiletramentos —
desenhando futuros sociais). Na oportunidade, o grupo firmava a
necessidade de a escola incorporar aos currículos pedagógicos os novos
letramentos advindos de uma sociedade contemporânea composta não
somente pelo desenvolvimento das Novas Tecnologias de Informação e
Comunicação (doravante TICs), como também pela diversidade cultural
presente na sociedade como efeitos da globalização. Também dizia “[...]
que essa juventude — nossos alunos — contava já há quinze anos com
outras e novas ferramentas de acesso à comunicação e à informação e
de agência social, que acarretavam novos letramentos, de caráter
multimodal ou multissemiótico” (ROJO, 2012, p. 12–3).

- 273 -
O GNL estabeleceu uma diferença entre a pedagogia do
letramento e a pedagogia dos múltiplos letramentos. Para eles a
pedagogia do letramento remetia ao uso da linguagem centrado nela
mesma, como um sistema estável baseado em regras tendo uma única
forma nacional. Já a pedagogia dos múltiplos letramentos incorpora
outros modos de representações da linguagem, que diferem de acordo
com aspectos culturais e o contexto, além de ter efeitos cognitivos,
culturais e sociais.
Essas reflexões nos fazem pensar no surgimento de um indivíduo
multiletrado. Conforme Dias (2012a, on-line), um indivíduo multiletrado
precisa “[...] combinar múltiplas habilidades, conhecimento
multicultural, comportamentos adequados aos diferentes contextos
para exercer seus direitos e deveres de cidadão no presente e no futuro”.
Temos, então, a visão de um indivíduo reflexivo e consciente: letrado
criticamente.
Ao relacionar o que discutimos anteriormente e o ensino de LI,
acreditamos que o ensino deve levar os aprendizes ao desenvolvimento
da cidadania, ao lado de Jordão e Fogaça (2007, p. 92), concebemos as
salas de aula de língua estrangeira, neste caso língua inglesa, como
espaços ideais para discutir os procedimentos de atribuição de sentidos
ao mundo. Segundo os autores:

[o] professor deve dar oportunidades aos alunos


de construir e negociar significados de forma
coletiva, de rever suas crenças e de questionar as

- 274 -
implicações de suas visões de mundo. A criação
de tais oportunidades em sala de aula está
diretamente relacionada à forma como o
professor conduz sua aula e a suas atitudes em
relação ao que ocorre dentro e fora da escola:
dependendo da postura do professor na sala de
aula, os alunos podem ter mais ou menos espaço
para questionar e transformar significados,
criando outros ou aceitando os sentidos
construídos por outras pessoas na tentativa de
reler o mundo (JORDÃO; FOGAÇA 2007, p. 91).

Nessa mesma linha de raciocínio, Fraga (2009, p. 88), afirma que


aprender uma LE não significa aprender um conjunto de regras; “[...] para
aprendê-la, devemos usá-la”. Assim, na opinião da autora cabe ao
professor

[...] criar condições em sala de aula para trocas


discursivas, criar situações de interação e
comunicação, tentando “reproduzir” em
ambiente institucional as situações da prática
linguageira cotidiana. Daí a função de
gerenciador das trocas e animador. [...] O saber-
fazer do professor está ligado então à preparação
de atividades de aprendizagem. (FRAGA, 2009 p.
88).

Neste momento conduzimos nossas discussões em direção a uma


abordagem de ensino de LI que contemple o letramento crítico dos
aprendizes. Alinhando-se essa reflexão ao website britânico Critical
Literacy in Global Citizenship Education (2013, on-line), o letramento

- 275 -
crítico é “[...] uma prática educacional que focaliza a relação entre
linguagem e visões de mundo, práticas sociais, poder, identidade,
cidadania, relações intelectuais e questões de globalização/localização”,
objetivando desenvolver no aprendiz uma maneira de pensar no mundo
que fosse diferente das formas tradicionais.
Numa concepção do letramento crítico segundo Cervetti et al.
(2001, p. 7), os aprendizes são geralmente encorajados a assumir uma
atitude crítica e reflexiva ante os textos/gêneros/discursos que circulam
no meio social; uma vez que começam a perceber que estes são
representações da realidade e que estas são construídas socialmente,
vão se tornando capazes de se posicionarem, rejeitando-os ou
reconstruindo-os e estabelecendo sentido para a mensagem de acordo
com suas experiências e seu conhecimento de mundo.
Ainda nesse sentido, para Jordão e Fogaça (2007, p. 93), dentro
de uma perspectiva crítica o ensino de LE objetiva um alargamento da
compreensão de que as línguas são usadas de formas diferentes, em
contextos diferentes com pessoas diferentes e propósitos também
diversos, sendo assim, ela pode possibilitar a construção e o uso de
procedimentos interpretativos variados no processo de construção de
sentidos possíveis. Assim sendo, cada aprendiz atribuirá sentido aos
textos a partir de conhecimentos pré-existentes.
Ancorada nas OCNEM/EM (BRASIL, 2006), reforçamos nosso
posicionamento quanto ao ensino de LI que vá além das estruturas
linguísticas e que capacite o aprendiz para seu pleno exercício da

- 276 -
cidadania, que o conduza a um maior conhecimento das questões
socioculturais e políticas no contexto em que ele se encontra e cujas
disciplinas sejam ministradas de maneira interdisciplinar através de
projetos temáticos. Nesse sentido, as OCNEM/LE (BRASIL, 2006, p. 112)
sugerem que “[...] o planejamento de cursos para as aulas de línguas
estrangeiras tenha, como ponto de partida, temas com o apoio de
gêneros textuais diferentes. O desenvolvimento das habilidades deve,
então, ser pensado a partir deles”.
Com base nisso, desenvolvemos a proposta de atividade neste
texto descrita. Essa proposta está em consonância com as OCNEM/EM
(BRASIL, 2006, p. 88) as quais asseguram que “[...] todos sabemos da
necessidade de reflexões, de atualização a respeito dos pensamentos
sociais, educacionais e culturais na área de ensino. Mas também
sabemos o quanto é difícil mudar atitudes em nós mesmos, como
pessoas, e nas instituições que construímos ou ajudamos a preservar”.
Caber reiterar que não pretendemos apresentar uma receita nem
uma solução para o ensino-aprendizagem de LI no contexto referido,
ansiamos apenas trazer reflexões teóricas e práticas sobre uma
possibilidade de ensino nessa comunidade educacional específica que
abarque outras capacidades e tipos de letramentos. Para isso, vimos no
blog uma possibilidade de integração entre o ensino de LI e o uso das
novas tecnologias para o desenvolvimento de práticas de letramento.
Passaremos a seguir, descrever de forma sucinta a ferramenta.

- 277 -
Blog
A Weblog ou simplesmente blog, como é conhecido atualmente,
faz parte da World Wide Web (WWW). Conforme Blood (2000), essa
ferramenta se popularizou a partir de 1999, desde então, passou a ser
utilizada por diversos profissionais, entre eles professores/educadores,
tornando-se um instrumento útil para o desenvolvimento de práticas de
leitura e escrita contemporâneas, no contexto escolar. Dias (2012b, p.
303) afirma que os blogs são gêneros digitais que podem ser criados
livremente a partir de ferramentas gratuitas da Web 2.0, como, por
exemplo: <www.blogger.com>; <www.blogspot.com>;
<www.wordxpress.com>, entre várias outras. Campbell (2003), por sua
vez, discute os benefícios do uso do blog no ensino de línguas
estrangeiras classificando-o em três tipos, sendo eles:
• blog tutor: é um tipo de blog manuseado pelo tutor/professor
que disponibiliza materiais específicos para os aprendizes, indo ao
encontro com as necessidades e os interesses do grupo. Tem como
objetivo promover a prática de leitura/escrita, difundir a exploração de
outras websites em Língua Estrangeira, encorajar o uso da língua por
meio de comentários, disponibilizar informações relacionadas à sala de
aula, além de fornecer links, proporcionando ao indivíduo uma maior
independência quanto à aprendizagem;
•blog do aprendiz: esse tipo de blog pode ser gerenciado tanto
individualmente quanto por meio de grupos colaborativos, sendo
eficazes no desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita,

- 278 -
desenvolvendo o senso de propriedade e ética dentro de um ambiente
virtual;
• blog da sala: é resultado de um esforço colaborativo. Pode ser
usado como um ambiente para discussão e divulgação de mensagens,
imagens, atividades desenvolvidas em sala de aula, desenvolvendo um
maior senso de responsabilidade no aprendiz. Este é o tipo de blog
adotado para o desenvolvimento do trabalho aqui descrito.
É importante pontuar que o blog é uma ferramenta interativa e
apresenta inúmeras facilidades quanto ao manuseio, sendo assim, no
que se refere à aprendizagem de língua estrangeira, pode: (1) promover
uma reflexão crítica, na medida em que permite aos aprendizes
refletirem sobre a própria aprendizagem, encorajando-os a avaliarem o
que eles leram e escreveram; (2) fornece modelos de produção oral e
escrita. Por meio dos comentários, os aprendizes são capazes de
interagirem com outros usuários, favorecendo uma relação de troca,
além de permitir que o aprendiz avalie seu desenvolvimento durante um
período de tempo; (3) permite uma maior flexibilidade de tempo e local
para realização das tarefas propostas; e (4) melhora a qualidade da
escrita, uma vez que os aprendizes produzem para um público real,
espera-se que eles observem a qualidade do trabalho, evitando a cópia
dos colegas.
Nesse sentido, escolhemos o blog para desenvolver esta
atividade por o considerarmos como um “espaço de escrita” (BARTON;
LEE, 2015 p. 55). Com base nisso, oferecemos o blog como um lugar para

- 279 -
os aprendizes expressarem suas opiniões sobre o tema discutido e se
posicionarem de maneira crítica e reflexiva, pois ao lado de Barton e Lee
(2015, p. 47) vemos o blog como um espaço desenhado com muitos usos
potenciais configurando um espaço para uso da linguagem. Sendo assim,

[e]spaços de escrita em novas mídias digitais não


só oferecem oportunidades para textos
multilíngues e autorrepresentação, mas também
servem como novos domínios para as pessoas
expressarem suas opiniões e atitudes em muitos
temas, juntamente com os modos tradicionais de
comunicação, como conversa face a face e textos
escritos (BARTON; LEE, 2015 p. 117).

Ainda segundo os autores, por mais que o ambiente digital seja


multimodal, a palavra escrita ainda é central para todas as formas de
interação online e criação de conteúdo. Com isso, valorizamos o uso das
novas tecnologias e das ferramentas digitais que têm se tornado cada
vez mais parceiras no ensino de línguas; destacamos a necessidade de
usar e adequar esses recursos em contexto escolar. Na sequência,
falaremos sobre a metodologia utilizada no desenvolvimento da
pesquisa.

Metodologia
A metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa
relatada neste artigo consistiu em uma pesquisa-ação (doravante P-A).
Foi apoiada em uma visão de P-A como sendo autorreflexiva, elaborada

- 280 -
e executada em forma de círculos espirais, os quais envolvem
planejamento, ação, observação e reflexão (CARR; KEMMIS, 1986). Ela
foi desenvolvida durante o primeiro semestre letivo do ano de 2013 com
aprendizes dos cursos de Informática, Eletrônica e Comércio da
modalidade integrada e Informática da modalidade concomitante.
Participaram da pesquisa 55 aprendizes do sexo feminino e 59 do sexo
masculino com idades entre quinze e dezessete anos. O trabalho foi
desenvolvido em uma instituição pública federal no interior de Minas
Gerais.
Ressaltamos que, em virtude do total de participantes – para
lembrar, 114 – e da quantidade de dados gerados por eles, não contamos
com espaço suficiente para apresentar e discutir as informações na
totalidade. Com isso, após uma leitura analítica e criteriosa, agrupamos
as informações que apresentavam ideias semelhantes e, desses grupos,
selecionamos aquelas que – no nosso entendimento – eram pontuais
para nossas discussões, e que, de alguma maneira, estabelecessem um
diálogo com nosso suporte teórico. Porém, lembramos que selecionar os
dados a serem apresentados não foi tarefa fácil, pois, assim como
Bogdan e Biklen (1998, p. 158), sabemos que, diante do universo de
dados, as “[...] escolhas são difíceis, sendo que tudo é interessante e o
mundo o qual você estuda parece sem fronteiras”.
Vale notar que se trata de uma pesquisa qualitativa de cunho
interpretativista, o que nos remete a Norton e Toohey (2011, p. 426), que
ressaltam: a maneira com que cada pesquisador interpreta os dados não

- 281 -
é única, sendo que as conclusões serão inevitavelmente parciais e
situadas em um contexto específico, o que não desmerece a
confiabilidade nem a veracidade dos resultados, tampouco o rigor da
pesquisa.
Cientes de que a pesquisa qualitativa interpretativista exige
atenção na escolha e diversidade dos instrumentos utilizados para que
sejam assegurados o rigor e a confiabilidade dos resultados, optamos
como instrumentos para coleta de dados na pesquisa original, além dos
diários da professora-pesquisadora e do diário dos aprendizes,
denominado Diário de Bordo (doravante DB), a aplicação de dois
questionários, a saber: “Questionário 1” e “Questionário Final”. Porém,
neste artigo analisaremos somente os dados coletados pelo DB
referentes ao uso pedagógico do blog e amostras de atividades, sendo
elas: comentário postado no blog da sala e atividade de compreensão
textual referente à letra da música “Heal the World”.
Esclarecemos ainda que, ao apresentarmos os dados,
informaremos ao leitor qual o instrumento utilizado para coleta dos
excertos. Informamos que, por questões éticas, os nomes dos
participantes utilizados neste trabalho são pseudônimos e os
depoimentos serão apresentados da maneira que foram escritos, não
passando por nenhum tipo de correção. Na sequência, relataremos a
maneira a qual desenvolvemos as atividades e apresentaremos as
análises dos dados coletados.

- 282 -
Desenvolvimento do trabalho
As discussões ocorreram com base na letra da música “Heal the
world”, escrita por Martin Paich e Michael Jackson e interpretada por
este. Almejamos inserir o uso de ferramentas digitais para o ensino de LI
e desenvolver o letramento crítico nos aprendizes de língua inglesa,
levando-os a refletir sobre as situações de guerra presentes no contexto
local no qual estão inseridos e a refletir como podemos contribuir para
construir uma realidade local melhor para todos nós.
Pensamos que o trabalho com o gênero letra de música deve
proporcionar uma aprendizagem além da compreensão oral, isso é,
constituir um instrumento favorável de reflexão e ensino através da
língua, pois representa um dos gêneros preferidos dos aprendizes,
sendo reproduzido por eles em todo momento. Em uma perspectiva
crítica, o trabalho com letra de música cria um momento no qual, os
aprendizes poderão se posicionar diante da mensagem, e refletir de
que maneira ela está sendo construída.
Inicialmente, foi realizada uma apresentação em Power Point
a fim de explicar as características do gênero letra de música, tais
quais: expressa sentimentos e pensamentos pessoais, utiliza
linguagem informal, as palavras são organizadas em linhas chamadas
de versos, esses organizados em estrofes, há a presença de rimas e
aliterações, e há uma preocupação com a organização – layout do
texto, dentre outras características. Logo após, foi apresentado um
vídeo com a letra de “Heal the world” retirado de
<http://www.youtube.com/watch?v=BWf-eARnf6U>. A partir disso,

- 283 -
propôs-se atividades de compreensão oral, para que os aprendizes
pudessem ouvir a música e completar cinco blocos diferentes de
tarefas:53 1) completar os espaços com palavras da música; 2) ordenar
os versos do refrão conforme a letra original; 3) relacionar a primeira
parte do verso com a segunda parte; 4) escolher a alternativa correta;
5) colocar em ordem as palavras de cada verso.
Todavia, durante a realização da atividade os aprendizes se
demonstraram apreensivos, por isso, foi necessário um trabalho de
conscientização e controle da ansiedade a fim de descobrimos a maneira
ideal de realizar o listening (compreensão oral). O vídeo foi repetido e
pausado várias vezes, para que cada bloco de tarefa pudesse ser
completado, até que todo o exercício fosse concluído. Após as atividades
de compreensão oral, discutimos sobre a mensagem apresentada pela
música e houve participação efetiva dos aprendizes. Na sequência os
aprendizes realizaram uma atividade escrita e impressa a fim de verificar
se houve compreensão do texto. Por fim, uma produção escrita em LI, no
ambiente virtual: blog, foi solicitada. Vejamos na seção a seguir.

Atividade de compreensão textual


Para realização desta atividade os aprendizes receberam um
questionário impresso, contendo perguntas relacionadas à
compreensão textual. Em um primeiro questionamento, ao

53
Atividade retirada de:
<http://www.eslprintables.com/worksheets_with_songs/michael_jackson/heal_the_
world_michael_jackson/HEAL_THE_WORLD_207241/#thetop>. Acesso em: 10 fev.
2013.

- 284 -
estabelecer uma relação entre a letra da música “Heal the world” e o
vídeo trabalhado em sala, solicitamos aos aprendizes que realizassem
uma comparação e respondessem a seguinte pergunta: “Do you think
there is a relationship between the song lyrics and the movie? If yes,
give your reason with explanations in Portuguese or English”.
Como nosso objetivo, com esta atividade, consistiu em
verificar se os alunos compreenderam a letra da música, não nos
opusemos quanto ao uso da língua materna, deixamos os aprendizes
livres para escolher e se expressar na língua em que sentiriam mais
confortáveis. Ao lado de Jordão e Fogaça (2007, p. 95), “acreditamos
ainda que o papel da língua materna neste processo de discussão é
fundamental, e que não há nenhum problema em usá-la na sala de aula
de LE”, os autores sugerem que tal decisão seja tomada pelo professor a
partir de análises do contexto de atuação. Seguem as respostas
selecionadas por nós, seguindo os critérios descritos na metodologia,
para serem analisadas dentro da perspectiva do letramento crítico.

QUADRO 1 - Dados coletados através de amostras de atividades


PARTICIPANTE R E L AT O

Ana Paula Sim. Uma vez que a música trata sobre assuntos polêmicos,
onde a letra da música nos convida a mudar o sentimento
de ódio, desprezo que as pessoas estão tendo
frequentemente como se fosse uma atitude comum e se nos
unirmos poderemos mudar o quadro que se encontra hoje.
A participante menciona que atitudes negativas como “ódio” e
“desprezo” estão se tornando comuns entre as pessoas e que, se “nos
unirmos” – entendemos que o uso do pronome pessoal nos a inclui –,
- 285 -
poderemos transformar a nossa realidade. Em uma resposta próxima,
percebemos que a participante Lara concorda com a existência de uma
relação entre o vídeo e a letra da música, conforme veremos.

QUADRO 2 - Dados coletados através de amostras de atividades


PARTICIPANTE RELATO
Lara Sim, a música fala sobre a transformação do mundo, onde
um pode ajudar o outro. E no vídeo isso é mostrado onde
até mesmo as crianças buscam um mundo melhor.
Observamos, no relato de Lara, a presença de uma mensagem
silenciada quando ela diz “[...] até mesmo as crianças buscam um mundo
melhor”. Sendo assim, os adultos (fortes e conscientes) precisam seguir
o mesmo exemplo. Uma terceira resposta se refere a diferenças sociais,
isso é, étnicas.

QUADRO 3 - Dados coletados através de amostras de atividades


PARTICIPANTE RELATO
Andressa Sim, principalmente quando mostra as crianças
brincando entre meio a guerra, sempre sorrindo e
mostrando que não existe diferença de raça ou
etnia que basta querer melhorar o mundo.
Conforme Andressa, melhorar a realidade à qual pertencemos –
“o mundo”, na expressão dela – requer não haver diferenças raciais ou
étnicas. A maneira de a participante pensar remete-nos às OCNEM/LE
(BRASIL, 2006, p. 116): à ideia de que o trabalho embasado no
letramento crítico atribui ênfase às análises de diferenças, tais quais “[...]
raciais, sexuais, de gênero e as indagações sobre quem ganha ou perde

- 286 -
em determinada relação social”. Entretanto, a participante aborda a
questão da diferença pelo olhar positivo, enfocando o fato de que no
vídeo o desejo de mudança e transformação social se apresenta acima
das diferenças. Assim, havendo união e vontade de mudar a realidade
que oprime, pode haver ganhos coletivos pelas relações sociais.
A resposta a seguir merece destaque tanto porque a participante
justifica suas ideias com versos da canção como também pela maneira
com que ela construiu o texto. Tal atitude, no nosso entendimento,
revela a maturidade de Sandra.

QUADRO 4 - Dados coletados através de amostras de atividades


PARTICIPANTE RELATO
Sandra Sim. Pois a letra da música fala que eles querem que o
mundo seja um lugar melhor e tem um trecho que diz:
“juntos choraremos lágrimas de alegria/veja as nações
transformarem suas espadas em arados”. Esse trecho se
relaciona ao vídeo porque esta acontecendo uma guerra e
de repente vem muitas crianças em direção aos soldados
fazendo com que eles jogassem suas armas no chão.
Ao final da resposta, Sandra estabelece um paralelo entre a letra da
música e o vídeo, conforme solicitado. Ela afirma que o desejo de paz foi
representado por meio da atitude dos soldados quando arremessaram as
armas no chão. Em síntese, com esse questionamento, buscamos conduzir os
aprendizes na direção da construção de significados fundados no texto e de
maneira ativa, a fim de estabelecer um viés entre texto e realidade social.
Em uma próxima indagação, propusemos a seguinte pergunta:
“Did the images shown in the movie make you reflect on a personal

- 287 -
situation of your life? If yes, please give an example with explanation”.
Lembramos que embora não tenha sido obrigatório o uso da língua
inglesa nas respostas, houve participantes que se sentiu confortável em
utilizá-la. Lembramos que nenhuma análise do ponto de vista linguístico-
estrutural foi realizada neste recorte, por não ser o nosso foco. Vejamos
o quadro a seguir.

QUADRO 5 - Dados coletados através de amostras de atividades


PARTICIPANTE RELATO
Eliane Yes, the images cause me to reflect, because I don’t understand
how about the people in the world have a bad life, and I
sometimes says my life not good and after I watching the
movie I understand how about my life is good.
Márcia Yes, it made me think about how I’m contributing in some way to
a better world, not only for me but for all and future generations.
Tradução: Sim. O vídeo me fez pensar de que maneira eu estou
contribuindo para um mundo melhor, não somente para mim
mas para todos e gerações futuras.

Compreendemos que houve uma reflexão crítica dos aprendizes a


partir da situação apresentada. Nesse caso, cabe aqui o pensamento de
Mastrella-de-Andrade (2011, p. 228): nas relações sociais, é por meio da
língua que as pessoas negociam sua compreensão de si mesmas em lugares
e momentos diferentes no tempo; a língua não é somente um meio de
comunicação, nela e por ela os significados são construídos. Assim, pensamos
que as aulas de LI dentro de uma abordagem crítica, contribuiu para que os
aprendizes fossem capazes de refletir sobre aspectos da vida pessoal que, de
tão comuns, tão cotidianos, muitas vezes passam sem ser problematizados.

- 288 -
A partir do momento em que foram confrontados com outra
realidade, sendo ela de guerra, como ilustrado no vídeo, houve
ressignificação no campo pessoal; foi possível uma reflexão sobre as situações
de “guerra”, isso é, de situações conflituosas que enfrentamos no Brasil.
Nesse sentido, para Eliane, as reflexões sobre a letra da música e o vídeo
puderam contribuir para uma maior percepção de como a vida dela é boa.
Nessa mesma direção, Márcia refletiu sobre como poderia contribuir para
tornar o mundo melhor. A resposta de Ana Paula, no Quadro 6, alinha-se a
essas ideias.

QUADRO 6 - Dados coletados através de amostras de atividades


PARTICIPANTE RELATO
Ana Paula Em meu conceito tem um grande impacto social, mas além
de ter tamanho impacto social, no meu conceito teve um
impacto maior no conceito pessoal, pois pude perceber que
pra unirmos em uma só força precisamos ter primeiramente
o impacto pessoal, onde temos que mudarmos dentro de
nós, para fazermos a diferença com o todo “sociedade”.
Sobre a resposta de Ana Paula, embora a nosso ver o discurso da
aprendiz tenha sido construído com base noutros discursos, uma vez que ela
utiliza expressões como “unirmos em uma só força”, percebemos uma
reflexão crítica pessoal sobre transformações locais e globais (BRASIL, 2006).
Para ela, é necessário que haja primeiramente uma mudança de postura
“dentro de nós”, o que atribuimos ao local, para depois haver uma mudança
na sociedade global. Classificamos como importante o posicionamento da
aprendiz, pois muitas vezes a sociedade espera que as mudanças e
transformações aconteçam em um contexto distante e sempre partam do

- 289 -
outro; esquece que pequenas mudanças no contexto local podem contribuir
para melhorias no âmbito global.
Para finalizar esta seção, reiteramos Cervetti et al. (2001, p. 42)
quanto ao letramento crítico, no momento em que os aprendizes
reconhecem que os textos são materializações de realidades sociais
(como na letra de música proposta), construídas com discursos que
circulam no âmbito social, eles têm a oportunidade de se posicionarem
diante da mensagem (oral e escrita) de maneira a construir, reconstruir,
refletir e modificar sua realidade.

Uso pedagógico do blog: uma possibilidade


Foi postado no blog da sala, o clipe da música “Heal the Wold”,
conforme a imagem a seguir:

Imagem 1: print do blog ilustrando a postagem do clipe. Fonte: (SOUZA, 2013).

- 290 -
Com base nas discussões em sala sobre o tema, os aprendizes
foram convidados a realizar uma publicação no blog da sala na
modalidade escrita, em forma de comentário, respondendo à seguinte
pergunta: “What can you do to make a better World for us?”.54
Salientamos que foram postados 23 comentários e por questão
de espaço, como já dissemos, não será possível analisá-los na totalidade.
Reiteramos que nosso foco com esta atividade desvia-se dos aspectos
linguísticos-gramaticais e da correção linguística. Pretendemos avaliar
como os sentidos foram construídos a partir das práticas de leitura
realizada em sala de aula. Reforçamos que a leitura, neste caso, abarca
uma visão contemporânea que envolveu o ler, o ver o ouvir, uma vez
que, além da atividade impressa os aprendizes tiveram acesso ao vídeo
disponível no “Youtube”. Observemos:

Comentário 1

54
Tradução: o que você pode fazer para tornar o mundo melhor para você e para mim?

- 291 -
Comentário 2

Comentário 3

Comentário 4

Comentário 5

Imagem 2: print de comentários postados no blog. Fonte: (SOUZA, 2013).

- 292 -
É possível inferir a partir dos comentários acima que os
aprendizes possuem consciência crítica da condição de cidadãos
inseridos em um contexto social. Por exemplo, no Comentário 1, o
aprendiz reconhece que não são as grandes atitudes que mudam o
mundo, mas o simples fato de separar o lixo para reciclagem – o que,
a princípio, parece ser uma atitude pequena – pode ter impacto social
e ambiental. O participante que produziu o Comentário 2 menciona
questões reflexivas e de caráter social, tais como: ajudar a alguém a
atravessar a rua, ensinar às crianças a diferença entre o certo e o
errado, oferecer suporte financeiro aos menos necessitados, além de
manter a paz entre as nações. Configura-se consensual nos
comentários selecionados o fato de os aprendizes reconhecerem que
as grandes mudanças começam com atitudes simples e positivas, além
de partir de dentro de nós.
Com base nessas análises, cabe dizer que houve construção de
significados fundados no texto lido/ouvido, discutido em sala e no
conhecimento prévio que eles possuíam sobre o tema. Dessa forma,
pode-se inferir que os aprendizes evitaram buscar sentido no próprio
texto. Se assim o for, então existiu convergência para as OCNEM/LE
(BRASIL, 2006, p. 116), sobretudo para afirmação de que “[...] os
sentidos são construídos dentro de um contexto social, histórico,
imerso em relações de poder”. Sendo assim, destacamos a necessidade
de as práticas de leitura e escrita em contexto escolar levarem os
aprendizes a interagirem com a produção dos significados, de maneira

- 293 -
a trazer para leitura sua visão de mundo. Isso pode ajudá-los a refletir
sobre as possibilidades de transformação social.

Uso pedagógico do blog: análise de dados


No que se refere ao uso pedagógico do blog como espaço de
escrita, após a realização da postagem do comentário no blog da sala,
os alunos foram convidados a relatar as experiências vivenciadas, no
diário de bordo. É necessário esclarecer que dos oitenta e oito diários
de bordo preenchidos, somente 23 dos participantes postaram o
comentário no blog. Dessa feita, nem todos os participantes
contribuíram com o fornecimento de dados para análise. Elucidamos
que embora não tivessem postado o comentário no blog, dois
participantes forneceram um relato explicando o porquê da não
realização da atividade, esses dados serão analisados a seguir.
Vejamos:

QUADRO 7 - Dados coletados através do diário de bordo


PARTICIPANTE RELATO
André Minha maior dificuldade foi entender como funcionava o
blog, pois não tenho costume de utilizar o blog por isso é
muito difícil de se postar. Qual foi meu aprendizado com
essa postagem aprendi como funciona o blog, e entendi
minhas dificuldades quanto a isso.
Carlos Só achei um pouco complicado postar comentários no
blog.
Leonardo A atividade proposta pela professora, teve uma ótima
intenção, pois ali estaria englobando o letramento digital,
o qual o aluno faz sua atividade digitalmente, através do
blog e a internet em geral.Na minha opinião, e por causa

- 294 -
do uso do blog que é uma ferramenta em que todos
apresentam dificuldade em fazer postagens nesta
ferramenta virtual.
Uma sugestão, e minha opinião, é que as postagens
acontessecem atravez do facebook, que é uma ferramenta
acessível a todos os alunos e de fácil acesso.
Ana Carolina Bom eu aluna do curso [...], não realizei a atividade de
inglês de heal the world pelo motivo de que do dia 7 ao dia
12 eu estava sem internet, e logo quando voltou a internet
eu esqueci de enviar um email e fazer a atividade proposta
até pelo motivo da semana de envio do trabalho, estava
amultuada pois naquela semana estava acontecendo a
mostra dos saberes e todos os alunos estavam focados na
semana de apresentação.
[...] Não gosto muito desses meios de comunicação (blog)
até pelo motivo de nunca ter entrado em um e não saber
como funciona, mas quando nos identificamos com o blog
e sabemos lidar com ele creio que ira ficar legal posta as
atividades da professora Sheilla que leciona a matéria de
inglês instrumental na sala do [...].
Patrícia Não postei a atividade no Blog porque não faço parte
desse grupo e não sei como utilizá-lo.A metodologia digital
é interessante, porém possui suas desvantagens. A
primeira desvantagem, é de que nem todos os alunos tem
acesso a internet, e nem todos usam o blog. Eu acho o
Facebook mais interessante de ser utilizado, pois já
estamos mais abtuados e é mais fácil de se utilizar. Não
postei a atividade no blog porque não tenho uma conta
Gmail e não sei como utilizar essa ferramenta.
[...] Eu uso na maior parte do tempo o Facebook para
comunicar e tirar minhas dúvidas com os demais colegas
sobre os trabalhos e provas, lá digitamos os recados, e é
mais fácil porque fica registrado as atividades e vemos
quem visualizou, e também podemos ver como são as
atividades, além de tirarmos as dúvidas sobre cada
atividade. Como o letramento digital, prefiro apenas o
Facebook, Skype, e email, é a mais fácil, estamos mais
abtuados e usamos com uma maior frequência.
[...] Eu prefiro fazermos trabalho a provas.

- 295 -
Fonte: dados d pesquisa.
Pela leitura das passagens, percebemos que, embora o blog
seja ferramenta considerada de fácil manuseio – por isso se encontra
em contextos educacionais para fins pedagógicos –, os aprendizes
dessa comunidade específica relatam dificuldades e falta de
conhecimento ao interagir com ela. Conforme Patrícia, trata-se de
uma ferramenta com a qual não estão “abtuados”. André afirma não
ter costume de utilizar o blog porque “[...] é muito difícil de se postar”.
Essa visão pode ser reforçada pelos relatos de Carlos, Leonardo e Ana
Carolina.
Ainda com base nos relatos, entendemos ser importante destacar
as sugestões apresentadas pelos aprendizes-participantes Leonardo e
Patrícia quanto à substituição do uso do blog pelo website de
relacionamentos Facebook. Destacamos que as sugestões foram
embasadas em argumentos, o que, a nosso ver, revela maturidade.
Patrícia justifica a preferência pelo Facebook: “[...] lá digitamos os
recados, e é mais fácil porque fica registrado as atividades e vemos quem
visualizou, e também podemos ver como são as atividades, além de
tirarmos as dúvidas sobre cada atividade”. Sendo assim, foi possível
reconhecer, em consonância com Bazerman (2011, p. 11), o fato de a
escrita ser “imbuída de agência”, nesse sentido, segundo o autor, “[...] a
escrita fornece-nos meios pelos quais alcançamos outros através do
tempo e do espaço, para compartilhar nossos pensamentos, para
interagir, para influenciar e para cooperar”, com base nisso, inferimos

- 296 -
que Patrícia pretendeu alcançar a professora influenciando-a na
substituição da ferramenta blog pelo Facebook apresentando
argumentos favoráveis.
É importante lembrar outro aspecto relevante do relato de
Patrícia: a participante exemplifica as preferências revelando
propriedade quanto ao uso de ferramentas disponíveis no ambiente
digital: “[...] prefiro apenas o Facebook, Skype, e email, é a mais fácil,
estamos mais abtuados e usamos com uma maior frequência”. Isso
permite concluir que, embora a aprendiz apresente dificuldades em usar
o blog, ela revela conhecimentos de outros recursos disponíveis no meio
digital.
Neste momento, recorremos, em particular, o depoimento de
Leonardo: “minha opinião, é que as postagens acontessecem atravez do
facebook, que é uma ferramenta acessível a todos os alunos e de fácil
acesso”. Chamou nossa atenção o fato de ele ter utilizado a expressão
“em minha opinião”, pois defendemos a concepção de que o aprendiz
precisa ter opinião e sobretudo possuir o momento de expressá-la,
também, em contextos educacionais. Salientamos que ele poderá ser
atendido ou não, todavia o direito de se expressar não deve ser negado.
Pontuamos que, em contextos educacionais, a voz do aprendiz
precisa ser ouvida, pois é também para ele que as práticas pedagógicas
são direcionadas. Dessa forma, elaborar o processo de maneira
colaborativa poderá trazer resultados positivos para a aprendizagem.
Aqui somos levadas a lembrar Dick (2002), para quem, juntos, neste caso,

- 297 -
professores e aprendizes, decidem o que deve ser feito, com isso,
“participação gera comprometimento”. Na sequência, apresentaremos
as considerações finais.

Considerações Finais
Ao longo do trabalho buscamos estabelecer uma relação entre o
ensino de Língua Inglesa dentro de uma perspectiva crítica e o uso das
novas tecnologias, objetivamos apresentar uma proposta de atividade
escrita realizada a partir do uso do blog da sala, bem como analisar tais
produções sob uma perspectiva crítica.
No que se refere ao letramento crítico, verificamos que os
aprendizes atribuíram significados ao texto lido/ouvido, neste caso, com
a letra da música “Heal the World”. Dessa forma, eles criaram e
recriaram estruturas sociais, a medida que levaram para a leitura o
conhecimento de mundo e suas experiências anteriores referentes ao
tema discutido, assim sendo, diferentes leitores atribuíram diferentes
significados ao mesmo texto produzido em Língua Inglesa (LI).
Quanto à relação entre o texto e a realidade social, na qual os
aprendizes se encontram inseridos, percebemos uma reflexão no sentido
de que atitudes simples e positivas em um contexto local possibilitam
transformações em um contexto global, o que pode ser verificado
através dos comentários postados no blog nos quais os aprendizes
fizeram uso da LI com o objetivo de se comunicarem e transmitirem uma

- 298 -
mensagem. Com isso, entendemos que houve uma comunicação pelo
uso da LI.
Em adição, inferimos que as perguntas de compreensão textual
proporcionaram uma maior interação entre leitor-texto, o que
oportunizou um aprendizado crítico e reflexivo através da LI não
somente sobre ela. Outro ponto perceptível relaciona-se ao fato de os
aprendizes terem negociado a compreensão de si mesmo, a partir do
momento em que, em face às mensagens orais e escritas, eles foram
capazes de refletir sobre aspectos relacionados à vida pessoal e social
ressignificando a maneira de ver a vida.
Quanto ao uso do blog, percebemos que poucos alunos se
envolveram em práticas de escrita no ambiente digital proposto, sendo
assim, com base nos dados verificamos que os aprendizes não se
apresentaram favorável ao uso pedagógico do blog, no entanto,
apontaram como possibilidade o uso de outras ferramentas disponíveis
no ambiente digital, tais quais: Facebook, Skype, Google, entre outras.
Constatamos a necessidade de trabalhar mais atividades de produção
oral e escrita de gêneros diversos, atrelada ao uso de recursos digitais
em contextos reais.

- 299 -
Referências

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<http://www.readingonline.org/articles/cervetti/>. Acesso em: 15 mar.
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(Mestrado em Linguística Aplicada) — Departamento de Línguas
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SOUZA, Sheilla. A. de. REIS, Maria. da Glória. M. Sequência Didática e


Gêneros Textuais: uma Proposta Pedagógica. SIGNUM: Estudos da
Linguagem, Londrina, n. 17/2, p. 32 - 64, dez. 2014.

WALSH. M. Pedagogic potentials of multimodal literacy. Disponível em:


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XAVIER, A.C. D. S. Letramento digital e ensino. 2005. Disponível em:


<http://www.ufpe.br/nehte/artigos/Letramento%20digital%20e%20en
sino. pdf.> Acesso em: 13 abr. 2013.

- 302 -
SOBRE OS AUTORES

Ailma do Nascimento Silva


http://lattes.cnpq.br/9221449106357481
Possui graduação em Licenciatura Plena Em Letras pela Universidade Estadual
do Piauí (1994), mestrado em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco
(2002) e doutorado em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (2009). Atualmente é professor Adjunto II - dedicação
exclusiva - da Universidade Estadual do Piauí. Tem experiência na área de Latim,
Fonologia e Teoria da Variação com ênfase em Variação. É pesquisadora na área
de Variação membro do Núcleo de Pesquisas e Estudos Linguísticos -
NUCEL/UESPI. Atualmente exerce a função de Pró-Reitora de Ensino de
Graduação. É professora permanente do Programa de Mestrado Profissional
em Letras(PROFLETRAS/UESPI).

Alexander Severo Córdoba


http://lattes.cnpq.br/8505418842492789
Atualmente é professor substituto da área de Língua Portuguesa pela
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL); professor de Língua Inglesa no Centro
de Ensino de Línguas Estrangeiras - CELE/ILA - FURG; Mestre do Programa de
Pós-Graduação em Letras - Linguística Aplicada pela Universidade Católica de
Pelotas - PPGL- UCPEL, bolsista CAPES/PROSUP; Professor Formador de Língua
Portuguesa no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC - UFPEL
(2014). Graduando do Curso de Licenciatura em Letras Português/Espanhol e
suas respectivas Literaturas pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Possui Graduação no Curso de Licenciatura em Letras Português/Inglês e suas
respectivas Literaturas pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG); Atua
nas seguintes áreas de pesquisa: Variação e Aquisição; Fonética e Fonologia;
Ecolinguística.

Aline Carolina Ferreira Farias


http://lattes.cnpq.br/0036170147403660
Possui graduação em Letras (Português/Espanhol) pela Universidade Federal de
Pernambuco (2007), com parte da sua graduação feita na Universidad de
Castilla-La Mancha, Espanha (2010) e Mestrado em Pensamiento Español e
Iberoamericano pela Universidad Autónoma de Madrid, Espanha (2012). Foi
colaboradora da Revista Científica Ao Pé da Letra na UFPE. Na mesma
Universidade, participou de projeto de extensão na área de Língua Espanhola.

- 303 -
Sua área de concentração é em estudos culturais e interculturalidade.
Atualmente é Professora substituta de Língua Espanhola na Universidade
Federal de Campina Grande (UFCG)

Cintia Paula Santos da Silva


http://lattes.cnpq.br/9978301054835125
Mestre em Letras pela Universidade Federal da Grande Dourados, possui
graduação em Letras/Inglês pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
e Pedagogia pela Universidade Federal da Grande Dourados. Atua no ensino de
língua inglesa para brasileiros e língua portuguesa para estrangeiros.
Desenvolve trabalhos voltados para a temática educação e questões raciais.
Atua na área de Coordenação Pedagógica e docência. Foi coordenadora do
projeto de extensão Centro de línguas da Universidade Federal da Grande
Dourados e do Cultural Norte Americano.

Eduardo Dias da Silva


http://lattes.cnpq.br/5262032700960455
Mestre em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em
Linguística Aplicada (PPGLA) do Departamento de Línguas Estrangeiras e
Tradução (LET) da Universidade de Brasília (UnB) (2014), Especialista em
Metodologia no Ensino de Língua Portuguesa e Estrangeira pelo Centro
Universitário Internacional - UNINTER (2013), Licenciado em Letras - Língua
Francesa e respectiva literatura pela Universidade de Brasília (2006) e em
Pedagogia pela Faculdade de Ciências de Wenceslau Braz (FACIBRA) (2015).
Supervisor Acadêmico na área de língua francesa do Programa Permanente de
Extensão UnB Idiomas (2009-2014). Pesquisador do Núcleo e do Grupo de
Estudos Críticos e Avançados em Linguagem (NECAL/GECAL/CNPq), membro da
Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN), da Associação de Linguística
Aplicada do Brasil (ALAB) e da Associação de Professores de Francês do Distrito
Federal (APFDF). Professor de Educação Básica na Secretaria de Estado de
Educação do Distrito Federal - SEEDF (2014). Atualmente, Diretor do Centro
Interescolar de línguas do Paranoá (CIL-Paranoá) pela mesma Secretaria. Tendo
a Didática de Línguas, os Estudos sobre Oralidade em Língua Estrangeira,
Teorias Curriculares, Ensino e aprendizagem de LE/L2, Práticas de Leitura, os
Estudos sobre Gêneros Discursivos/Textuais, os (Multi)Letramentos e
Transculturalidade em ambientes de ensino-aprendizagem, bem como a
Formação de Professores como norteadoras das minhas atividades e interesses
de pesquisa e ensino em perspectiva transdisciplinar com a Linguística, a
Linguística Aplicada (Crítica), a Literatura, a Educação e ciências afins

- 304 -
Eduardo Henriques
http://lattes.cnpq.br/5813287888184928
Professor Assistente do Departamento de Letras da Universidade Federal de
Pernambuco - UFPE para a graduação em Licenciatura em Letras/Português.
Pesquisador-Bolsista CAPES na área de concentração "Linguística", atuando em
pesquisas em Estudos Textuais e Discursivas de Práticas Sociais. Mestrando em
Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE, área de
concentração "Linguística" (CAPES 5). Graduado em Licenciatura em
Letras/Português pela UFPE. Ex-Conselheiro Superior do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco - IFPE para assuntos
Institucionais Pedagógicos (IFPE/SETEC-MEC).

Francisco Romário Paz Carvalho


http://lattes.cnpq.br/3856477574811318
FRANCISCO ROMÁRIO PAZ CARVALHO é graduado em Pedagogia (2015) pela
Faculdade Evangélica do Piauí- FAEPI e graduando do Curso de Licenciatura
Plena em Letras- Português, pela Universidade Estadual do Piauí- UESPI. É
pesquisador do GETEXTO (Grupo de Estudos do Texto) e do Núcleo de Pesquisa
NUCEL (Núcleo de Estudos Linguísticos), da UESPI. Atualmente é bolsista de
Iniciação Científica do Cnpq, desenvolvendo o projeto "A INTERTEXTUALIDADE
NA CONSTRUÇÃO DE TEXTOS MULTIMODAIS DO FACEBOOK", sob a orientação
da professora Dra. Silvana Maria Calixto de Lima. Desenvolveu anteriormente,
também com o auxílio do CNPq, o projeto de pesquisa PIBIC "PROCESSOS
REFERENCIAIS NA PRODUÇÃO TEXTUAL DE ALUNOS DO ENSINO BÁSICO DA
REDE PÚBLICA DE TERESINA-PI", sob a orientação da professora Dra. Silvana
Maria Calixto de Lima. Os temas mais recorrentes em seu currículo estão
relacionados à Linguística Cognitiva, Linguística do Texto, Sociolinguística,
Gestão do Trabalho Pedagógico, História da Educação e Letramento.

Gabriela Q. Marzari
http://lattes.cnpq.br/2512355944840583
Gabriela Quatrin Marzari é graduada em Letras ? Licenciatura Dupla:
Inglês/Português e respectivas literaturas pela Universidade Federal de Santa
Maria (2003). É mestre em Linguística Aplicada pela mesma instituição de
ensino (2005) e Doutora em Estudos Linguísticos pela Universidade Católica de
Pelotas (2014). Durante a graduação, desenvolveu pesquisa na área de Estudos
Literários e Linguísticos, especialmente na pesquisa sobre gêneros textuais,
ensino de línguas (estrangeiras) e formação de professoras. Como professora

- 305 -
de língua inglesa, atuou em diferentes contextos de ensino: cursos livres de
línguas e de extensão, escolas de ensino médio e universidades. Atualmente, é
professora do Curso de Letras do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA),
Santa Maria, onde ministra aulas de língua inglesa para alunos da Graduação,
coordena o Subprojeto Letras: Inglês do Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência (PIBID)/CAPES desde agosto de 2014 e ocupa cargo
administrativo como assessora de relações acadêmicas interinstitucionais
(ARAI) desde agosto de 2005. Entre fevereiro e julho de 2012, participou do
Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE), como bolsista CAPES
(Processo: PDSE n.º 8839/11-5), no Departamento de Educação da Monash
University, Austrália, onde desenvolveu pesquisa sob orientação da professora
Dra Ilana Snyder e coorientação do professor Dr. Vilson José Leffa.

Geraldo Emanuel de Abreu


http://lattes.cnpq.br/0843482351559159
Possui graduação em letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (2012).
Atualmente é mestrando do programa de pós-graduação em Estudos
Linguísticos da Universidade Federal de Minas Gerais. É professor da rede
particular de ensino em Belo Horizonte, atua ministrando aulas para o Ensino
Básico e Médio. Atua, também, em cursos pré-vestibulares, nos quais produz
materiais didáticos com foco no ENEM e organiza plataformas digitais para
organização de itens da prova de língua espanhola, desse exame.

Guilherme de Oliveira Barbosa


http://lattes.cnpq.br/8631054434475729
Mestrando em Ciências da Linguagem pela Universidade Nova de Lisboa.
Graduado em Letras (Português - Licenciatura) pela Universidade Federal de
Pernambuco. No momento, desenvolve, no mestrado, uma pesquisa sobre
norma, variação e ensino. Foi bolsista de iniciação científica, na graduação, e
analisou práticas discursivas acadêmicas. Cativa interesse por investigar temas
da sociolinguística interacional, da sociologia da linguagem e da linguística
aplicada (especificamente no que tange à formação do professor e ao ensino
de língua portuguesa).

Lara Niederauer Machado


http://lattes.cnpq.br/7125151690103919
Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de
Santa Maria (2012) e licenciadas em Letras - Português e Literaturas da Língua
Portuguesa pela Universidade Federal de Santa Maria (2015). Atuou como

- 306 -
bolsista de iniciação à docência, subprojeto Letras Português, no Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid - UFSM), entre março de
2014 e janeiro de 2016. Atualmente, cursa o Mestrado em Estudos Linguísticos,
linha de pesquisa Linguagem e Interação, do Programa de Pós-Graduação em
Letras da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Luciane Carlan da Silveira


http://lattes.cnpq.br/7320365985868954
Possui graduação em Licenciatura em Letras Português e Literaturas de Língua
Portuguesa, pela Universidade Federal de Santa Maria (2014). No ensino de
Língua Portuguesa e produção textual (redação), participou, como educadora
de Língua Portuguesa e elaboradora de material didático dessa disciplina, no
Práxis Pré-Vestibular Popular, durante 2013. Participou de 2 estágios
extracurriculares, não remunerados, no Instituto Estadual de Educação Olavo
Bilac (Santa Maria/RS): um deles, na disciplina de Redação, para turmas de 8ª
série e o outro de reforço de Língua Portuguesa, também para alunos de 8ª
série. Participou, ainda, como bolsista do subprojeto Letras Português do
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência ? PIBID, da
Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Nível Superior ? CAPES, em 2014.
Paralelamente, foi professora particular de produção textual (redação), além
de revisar textualmente artigos acadêmicos e trabalhos de conclusão de curso
(TCC), em 2014. Foi monitoria da disciplina de Sintaxe do Português (LTV 1012),
na Universidade Federal de Santa Maria, durante 2012-2013. Atualmente, é
professora de Língua Portuguesa no Grupo Formação, além de fazer revisões
textuais e participar como professora colaboradora do subprojeto Letras
Português do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência ? PIBID,
da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Nível Superior ? CAPES.

Maria Aldetrudes de Araújo Moura Paula Quadros


http://lattes.cnpq.br/4271042376264970
É graduada em Letras/Português pela Universidade Federal do Piauí.
Especialista em Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Literatura Africana,
pela Universidade Regional do Cariri. Mestre em Letras, pela Universidade
Estadual do Piauí. Atua na Rede Estadual de Ensino do Piauí e no Núcleo
Brasileiro de Conhecimento Ágora.

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Maria da Glória Magalhães Reis
http://lattes.cnpq.br/4347778164857988
Possui graduação em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (1982), mestrado em Letras (Estudos linguísticos, literários e
tradutológicos em francês) pela Universidade de São Paulo (2003) e doutorado
em Letras (Estudos linguísticos, literários e tradutológicos) pela Universidade
de São Paulo (2008). Foi leitora de português na Université de Franche-Comté
ministrando também aulas de francês para estrangeiros e de teatro brasileiro
para o curso de Artes do Espetáculo (Ars du spectacle). Atualmente é professora
adjunta do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução (LET), da UnB -
Universidade de Brasília, atuando na área de formação de professores de
línguas e literaturas e teatro. Realiza pesquisas dentro de uma proposta
transdisciplinar unindo literatura, educação e teatro. Orienta mestrado e
doutorado no Pós-Lit - Programa de Pós-Graduação em Literatura da
Universidade de Brasília. Pós-Graduanda em Teatro e Educação na Escola de
Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo.

Maria da Graça Carvalho do Amaral


http://lattes.cnpq.br/4698510503880353
É doutora em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul /UFRGS, mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Católica de
Pelotas UCPEL É licenciada em Letras Português/Inglês e Português /Espanhol
pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Atualmente é professora
associada na mesma universidade onde leciona Língua Espanhola Instrumental,
Metodologia do Ensino do Espanhol e Linguística Aplicada ao Ensino do
Espanhol. Tem experiência na pesquisa na área de letras nos seguintes temas:
língua espanhola, interdisciplinaridade, formação de professores, ensino e
aprendizagem de línguas estrangeiras, interculturalidade e linguística
ecológica. É líder do grupo de pesquisa Formação de professores em Língua
Materna e Estrangeiras. Também atua como coordenadora-adjunta do Projeto:
Escolas Interculturais de Fronteiras - PEIF.

Priscila Luísa Strenzel


http://lattes.cnpq.br/3653014281319369
Formada em Letras Português Licenciatura na Universidade Federal de Santa
Maria no de 2016, atuou como bolsista do CNPQ do ano de 2012 até 2015 no
Grupo de Pesquisa Literatura e Autoritarismo da mesma instituição.
Atualmente, é mestranda em Estudos Linguísticos no programa de pós-
graduação em Letras da referida universidade.

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Sheilla Andrade de Souza
http://lattes.cnpq.br/4940430874968675
Doutoranda no Programa de Estudos da Linguagem do CEFET-MG. Mestre em
Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília (2013). Especialização em
Métodos e Técnicas de Ensino de Língua Estrangeira pela Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras de Caratinga (2003). Graduada em Letras/Inglês pela
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Caratinga (2002). Atualmente é
professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo
Mineiro campus de Paracatu. Desenvolve pesquisa na área do ensino de línguas
para fins específicos dentro da perspectiva dos novos e múltiplos letramentos
e da multimodalidade. Líder do grupo de pesquisa GELT (Grupo de Estudos em
Linguagem & Tecnologia). Possui experiência na área de Letras, com ênfase em
Língua Inglesa e cursos de aperfeiçoamento para não nativos nas seguintes
instituições: Harvard University - Faculty of Arts and Sciences; Cape Cod
Community College and Kaplan International.

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