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Ciências do léxico e Filologia em foco:

contributos para a história da língua portuguesa


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Ciências do léxico e Filologia em
foco: contributos para a história
da língua portuguesa

1ª Edição

Mayara Aparecida Ribeiro de Almeida


Maiune de Oliveira Silva
Maria Gabriela Gomes Pires
(Organizadoras)

Rio de Janeiro
Mares Editores
2020
Copyright © da editora, 2020.

Capa e Editoração
Mares Editores

Todos os artigos publicados neste livro sob a forma de capítulo de coletânea


foram avaliados e aprovados para sua publicação por membros de nosso
Conselho Editorial e/ou colaboradores pós-graduados da Mares Editores,
assim como pelos organizadores da obra.

Dados Internacionais de Catalogação (CIP)

Ciências do léxico e Filologia em foco: contributos para


a história da língua portuguesa/ Mayara Aparecida
Ribeiro de Almeida; Maiune de Oliveira Silva; Maria
Gabriela Gomes Pires (Organizadoras). – Rio de Janeiro:
Mares Editores, 2020.
253 p.
ISBN 978-65-87712-04-8
doi.org/10.35417/978-65-87712-04-8

1. Língua Portuguesa. 2. Filologia 3. Ciências do léxico


I. Título.

CDD 469
CDU 811.134.3/49

Os textos são de inteira responsabilidade de seus autores e não representam


necessariamente a opinião da editora.

2020
Todos os direitos desta edição reservados à
Mares Editores
CNPJ 24.101.728/0001-78
Contato: mareseditores@gmail.com
Sumário

Apresentação ................................................................................ 9

Políticas linguísticas do português no Brasil: uma análise das


marcas de uso em dicionários escolares .................................... 16

Culinária, uma relação franco-portuguesa no português do Brasil


..................................................................................................... 49

DMRV, DBFJ e DLAP: um decênio de pesquisas lexicográficas ... 78

Mudanças semânticas do termo família na legislação brasileira de


1890 a 2017............................................................................... 114

Miscigenação e relações interculturais: elementos constitutivos


de uma língua variada ............................................................... 146

Toda posse, jus e domínio: estudo lexical acerca das relações de


poder sobre os escravos ........................................................... 169

Os nomes de lugar presentes no relato de viagem dos irmãos


Nunes: marcas toponímicas do sertão ..................................... 198

Interfaces entre Filologia e Toponímia: uma análise de topônimos


registrados em inventários oitocentistas de Catalão (GO) ....... 224

Sobre os autores ....................................................................... 248


Apresentação

A coletânea que ora se apresenta teve como intuito reunir


textos de pesquisadores que se debruçam sobre duas ciências que nos
são tão caras e sempre subsidiaram nossos estudos: as Ciências do
Léxico – aqui apresentadas em formas de textos que versam sobre
Lexicologia, Lexicografia, Terminologia, Terminografia, e Toponímia; e
a Filologia – disciplina que tem como foco o estudo de documentos
manuscritos como fonte primária para acessar a língua de outrora. Os
documentos aqui reunidos, sobretudo nos trabalhos de cunho
filológico, anunciam fatos históricos setecentistas e oitocentistas que
muitas vezes estão guardados em igrejas, museus, cartórios, entre
outros espaços que buscam preservar, especialmente, a sobrevida
desses materiais para que pesquisas nos mais diversos níveis
linguísticos possam ser realizadas, sejam elas pelos prismas
sincrônicos ou diacrônicos.
Observar a interface feita entre Filologia e Ciências do léxico
através desses oito textos apresentados é, de certa forma,
compreender alguns caminhos pelos quais transitou a Língua
Portuguesa na atualidade e em épocas remotas. Não podemos
esquecer que o léxico, aqui compreendido como conjunto de unidade
lexicais de uma língua, é a pedra de toque que embasa todos os textos
que aqui estão reunidos.

-9-
Cabe salientar que os textos, por uma questão metodológica,
serão organizados em dois blocos: o primeiro irá tratar do Léxico e sua
inter-relação com dicionários pedagógicos, com dicionários gerais de
língua, com a Terminologia e, ainda, sob a perspectiva da Linguística
Histórica. O segundo grupo irá abordar estudos que tiveram como
fontes documentos manuscritos setecentistas e oitocentistas
buscando, sobretudo, descrever e explicar fatos linguísticos e
históricos que foram encontrados neles.
O primeiro texto intitulado “Políticas linguísticas do
português no Brasil: uma análise das marcas de uso em dicionários
escolares”, de Cacildo Galdino Ribeiro, Ivonete da Silva Santos e
Nayara Capingote Serafim da Silva Arruda, busca destacar conceitos
básicos acerca das políticas linguísticas da Língua Portuguesa (LP) do
Brasil e apresentar alguns exemplos das marcas de uso nos dicionários
escolares que compõem o acervo lexicográfico enviados às escolas
públicas brasileiras, referentes ao Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) do ano de 2012. Para tanto, os autores embasaram nos estudos
de Calvet (2007), Mariani (2011), Bagno (2007), Ribeiro (2018), entre
outros. Deste modo, foi possível verificar no material consultado e
analisado que os dicionários configuram a materialização de políticas
linguísticas assentadas em ideologias de estratificação social, as quais
determinam os modelos que devem ou não serem utilizados pela
comunidade de falantes, segundo aquilo que está marcado ou não
está marcado nas obras lexicográficas.

- 10 -
Seguindo na interface com a Lexicografia, Jaciara Mesquita
Rosa Bertossi apresenta o capítulo “Culinária, uma relação franco-
portuguesa no português do Brasil”, no qual reflete sobre a ocorrência
dos galicismos culinários no português do Brasil. Nesse sentido, a
autora utilizou o dicionário Houaiss (2009), em sua versão eletrônica,
para identificar e analisar essas unidades lexicais da língua francesa no
português do Brasil. Como corpus de exclusão, a autora utilizou
também o dicionário geral de língua Le Grand Robert de la Langue
Française (2001) para cotejar as 1.005 ocorrências de galicismos. Após
esta etapa, o material foi organizado em campos lexicais, com base nas
teorias de Geckeler (1976) e Coseriu (1979). Em seguida, comparou e
analisou todos os 146 galicismos, nos três campos, com maior número
de itens lexicais, evidenciando uma relação sistemática entre a adoção
desse léxico francês e sua influência na cultura brasileira.
Na mesma interface, mas focando especificamente em
dicionários bilíngues elaborados na IBILCE/UNESP, Fábio Henrique de
Carvalho Bertonha, em “DMRV, DBFJ e DLAP: um decênio de pesquisas
lexicográficas”, apresenta uma reflexão sobre o aniversário de uma
década de trabalhos lexicográficos desenvolvidos pela linha de
pesquisa Lexicologia e Lexicografia do PPGEL, na UNESP-IBILCE, sob a
orientação da Profa. Dra. Claudia Zavaglia. Desta feita, o autor pondera
sobre o percurso de elaboração de três obras lexicográficas, a saber:
DMRV, DBFJ e DLAP. Segundo ele, esses dicionários foram constituídos
a fim de otimizar as buscas dos consulentes, assim, foram evidenciados

- 11 -
os percursos metodológicos nos quais as pesquisas foram embasadas
para encontrar os equivalentes, na direção português-italiano, que
passaram a compor essas obras. No entanto, por não ser o escopo do
trabalho, não foram abordadas discussões sobre os resultados
alcançados em cada pesquisa.
Já na linha da Terminologia e da Terminografia Diacrônica,
Beatriz Curti-Contessoto e Ieda Maria Alves apresentam o capítulo
“Mudanças semânticas do termo família na legislação brasileira de
1890 a 2013”. Como o próprio título sugere, as autoras fizeram uma
análise semântico-conceitual diacrônica do termo família no contexto
jurídico brasileiro entre os anos 1890 e 2013. O intuito foi o de verificar
de que modo o conceito desse termo se alterou ao longo dos anos e
qual é a relação entre essa evolução e aspectos socioculturais e
históricos do Brasil. Para tanto, foram constituídos dois corpora, um
com leis publicadas entre 1890 e 2013 referente à matéria (chamado
de LBCorpus) e outro com uma bibliografia especializada no assunto
(chamado de Corpus de ApoioBR). A análise foi baseada em
constructos teórico-metodológicos da Socioterminologia, da Teoria
Comunicativa da Terminologia e da Terminologia Diacrônica e em
aspectos da História do Brasil, no propósito de observar qual foi a
evolução semântica do termo família no domínio do Direito e o reflexo
dos aspectos socioculturais nessa evolução.
Encerrando esse primeiro bloco, as autoras Eliane Miranda
Machado e Raiane dos Santos Nascimento apresentam o texto

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“Miscigenação e relações interculturais: elementos constitutivos de
uma língua variada”. Nesse trabalho, são discutidos sobre o processo
de Colonização do Brasil, que foi um grande difusor para a definição da
identidade linguística da nação. Nesse contexto, o processo de
miscigenação e das relações estabelecidas entre povos distintos foram
responsáveis pela construção da identidade linguística do Brasil. Desta
feita, as trocas culturais estabelecidas, contribuíram também para a
peculiaridade da Língua Portuguesa do Brasil, que são as
heterogeneidades lexicais, fonéticas e semânticas que enriquecem o
idioma nacional. Nesse sentido, no intuito de mostrar a importância da
interculturalidade e da miscigenação linguísticas na formação do
português brasileiro, foram realizadas leituras bibliográficas
interdisciplinares. Especificamente, utilizaram-se teóricos da
Linguística e da História para que fossem compreendidas as influências
dessas duas ciências na constituição da Língua portuguesa.
O Segundo bloco versa especificamente sobre Filologia e sua
inter-relação com as Ciências do léxico. No primeiro texto, das autoras
Mayara Aparecida Ribeiro de Almeida e Maiune de Oliveira Silva, sob o
título “Toda posse, jus e domínio: estudo lexical acerca das relações de
poder sobre os escravos”, é empreendido um estudo lexical e filológico
sobre as relações de poder firmadas sobre os negros escravos em
Catalão (GO) nos oitocentos. Para tanto, foram selecionados três
documentos manuscritos que integram o acervo digital do Laboratório
de Estudos do Léxico, Filologia e Sociolinguística (LALEFIL), a saber:

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duas escrituras públicas de compra e venda de escravos (fólios 23v a
25r; 55r a 55v) e uma escritura pública de hipoteca de escravo (fólios
57v a 58v). O contato prévio com esses documentos possibilitou que as
autoras identificassem lexias que apontam para os vínculos de poderio
assentados sobre os negros escravos, sendo elas: cede, posse, jus,
domínio, transpassa, senhor, possuidor, poder e em mãos. Assim, com
base nas teorias da Filologia e da Lexicologia e a partir das definições
de Silva (1813), Bluteau (1728) e Houaiss (2009), buscaram
compreender o que essas lexias apontam sobre a realidade desses
homens e mulheres vítimas da escravidão.
O segundo texto, sob o viés Filológico, faz conexão com a
Toponímia, outra subárea do léxico. Sob o título “Os nomes de lugar
presentes no relato de viagem dos irmãos Nunes: marcas toponímicas
do sertão”, Marcus Vinícius das Dores versa sobre os nomes de lugares
– acidentes geográficos, cidades etc. – registrados com o objetivo de
mapear o caminho, no século XVIII, entre as regiões que hoje
conhecemos como Bahia e Minas Gerais, tendo como corpus o
documento manuscrito Noticias das minas da America chamadas
Geraes pertencentes à el rei de Portugal, relatada pelos três irmãos
chamados Nunes os quais rodarão muytos annos por estas partes. A
documentação em questão apresenta diversas peculiaridades
históricas e linguísticas, por isso são apresentadas também as edições
fac-similar e diplomática de dois fólios do manuscrito de onde, após a
edição, compilaram-se 64 topônimos.

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Fundamentas nas mesmas Ciências, a Filologia e a Toponímia,
as autoras Maria Gabriela Gomes Pires e Rayne Mesquita de Rezende,
no texto “Interfaces entre Filologia e Toponímia: uma análise de
topônimos registrados em inventários oitocentistas de Catalão (GO)”,
procuram cumprir dois almejos: (a) mostrar a proficuidade dos
manuscritos, em especial os inventários, como fontes para estudos na
vertente da toponímia, através de (b) uma breve apresentação e
discussão de topônimos arrolados em inventários exarados nos idos
oitocentistas na região de Catalão (GO). Os dados nos mostram que os
itens lexicais que nomeiam os lugares são, na maioria, fazendas
motivadas por intervenções religiosas.
Os textos aqui reunidos apresentam a confluência que pode ser
realizada entre Ciências do Léxico e Filologia e mostram um pouco dos
estudos sobre essas temáticas que estão sendo realizadas em algumas
instituições do país. Além disso, esses estudos, de fato, contribuem
para a história da língua portuguesa, seja com documentações antigas
que permitem o resgate de memórias silenciadas, seja com
documentações modernas que também servirão de suporte para as
gerações que, posteriormente, virão estudar a língua que ora estamos
registrando.

Maiune de Oliveira Silva


Julho/2020

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Políticas linguísticas do português no Brasil: uma análise das
marcas de uso em dicionários escolares

Cacildo Galdino Ribeiro1


Ivonete da Silva Santos2
Nayara Capingote Serafim da Silva Arruda3

Introdução
As políticas linguísticas são temas bastante discutidos em
diversos campos da linguística, porque lidam com assuntos
relacionados à ampliação lexical, às normas e à oficialização das
línguas, em seus respectivos territórios. Sob essa perspectivava
estamos a falar do planejamento de corpus e do planejamento de
status. Por conseguinte, tratam dos aspectos sociais inerentes ao
funcionamento da língua, objetos de muita discussão e que revelam a
classificação dos grupos sociais pela própria língua que utilizam. As
políticas linguísticas tanto podem conceber normas à língua a partir de
uma perspectiva conservadora e excludente, ou seja, à língua é
atribuída o papel de instituição distintiva e de estratificação social,
quanto reclamar a valoração de determinadas línguas ou normas
inerentes ao próprio sistema linguístico.

1
Doutorando em Estudos da Linguagem, UFG.
2
Doutoranda em Estudos da Linguagem, UFG.
3
Doutoranda em Estudos da Linguagem, UFG.

- 16 -
Vale ressaltar que nem sempre as políticas linguísticas se
ocupam da legislação da língua de modo explícito, como observamos
nos programas responsáveis por a elaboração de dicionários, livros
didáticos (LDs) e gramáticas, e sua aplicação na sociedade. É preciso
checar as políticas implícitas também. No processo de normatizar a
língua é possível a inclusão de algumas palavras e a exclusão de outras,
de acordo com a conveniência atribuída pelos seus decisores, a
propósito das marcas de uso descritas nos dicionários escolares.
O dicionário é um instrumento capaz de fornecer àquele que o
consulta informações sobre a língua, assim, favorecer o uso de
determinadas palavras em detrimento de outras, pois no dicionário
também é possível encontrar informações sobre o uso de
determinadas lexias/lexemas.
Observa-se assim a amplitude desse tipo de obra e por isso
cabe nos questionarmos, principalmente se àqueles que estão à
frente, na linha de batalha no ensino sistematizado da língua
portuguesa, os professores/educadores, conhecem esse tipo de
informação acerca dos dicionários, principalmente, os escolares e
sabem utilizar essa ferramenta para o ensino. É evidente que para
muitos, estudantes e até para educadores, o dicionário se resume em
apenas um livro em que se pode consultar a forma correta de grafar
as palavras.
Ademais, o dicionário de língua portuguesa também não é um
mero instrumento para compreender o significado das palavras e suas

- 17 -
formas de utilização. É mais do que isso, uma ferramenta que reflete
a política linguística da Língua Portuguesa, já que vemos isso refletir
até nas marcações do que é considerado como linguagem formal e o
que não é.
Este texto pretende então refletir sobre as políticas linguísticas
do Português no Brasil e além disso, discorrer sobre a forma que essas
políticas se instauram, sendo o dicionário um dos expedientes
didáticos normatizadores da língua.

Planejamento de corpus: decisões que afetam o uso da língua


Quando refletimos sobre as políticas linguísticas é preciso
considerá-las sob dois pontos de vista: o planejamento de status, que
diz respeito às intervenções que afetam diretamente as funções da
língua em determinada comunidade linguística e o planejamento de
corpus correspondente às ações que afetam o uso da língua (CALVET,
2007). De modo geral, as intervenções que incidem tanto nas funções
quanto nos usos da língua são resultantes de determinações, advindas
de decisões importantes pautadas na dicotomia língua/sociedade.
As intervenções podem ser decididas pelos próprios falantes
comuns, usuários de determinada língua e, principalmente, pelo
Estado. Intervenções perpetradas por este são normativas, cujas
aplicações são coercitivas. Alguns exemplos desse tipo de intervenção
são: regras ortográficas, leis, decretos etc. Na base dessas decisões
está o privilégio a esta ou àquela língua, a esta ou àquela norma dentre

- 18 -
as várias regidas pelo sistema linguístico em uso. A escolha implica
naturalmente a inclusão ou a exclusão de línguas ou normas
linguísticas.
Para que as decisões sejam implementadas parte-se do
princípio do planejamento linguístico, o qual pode ser entendido como
a aplicação das escolhas que devem afetar diretamente o uso da
língua, por exemplo. Nesse sentido, o planejamento linguístico é a
expressão da vontade do poder público que pode ou não impactar
positivamente na vida dos usuários da língua, pois “na língua há
também política e que as intervenções na língua ou nas línguas têm
um caráter eminentemente social e político” (CALVET, 2007, p. 36).
Ao decidir pelo uso de determinada língua no âmbito nacional,
os decisores escolhem também como e onde essa língua deve ser
usada. Por exemplo, a LP, no Brasil, é a língua nacional, materna para
a maioria dos brasileiros e é oficial. As escolhas que implicaram a sua
implementação como tais são resultados da política da LP decorrente
do planejamento de status, uma vez que os rótulos que recebe uma
língua têm a ver com a lógica funcional que deve reger o seu uso.
Outros exemplos disso são as escolhas que incidem sobre o uso da
norma padrão do português nas instituições de ensino e instituições
oficiais. A política, nesse caso, corresponde a escolha de uma das
normas regidas pelo sistema LP, bem como a sua equipação (léxico e
a escrita) para justificar a sua implementação na escola (CALVET,
2007). Então, estamos diante de um planejamento de corpus, porque

- 19 -
as intervenções, nesse contexto, incidem sobre o uso desta ou daquela
norma.
A questão da padronização interessa aos estudos sobre
políticas linguísticas, especialmente do português porque se ao
privilegiar uma norma, em detrimento das várias outras, existentes no
uso diário, afetar a funcionalidade da língua no cotidiano do falante,
por haver vínculos entre norma e o uso, o problema poderá ser
resolvido com a conscientização dos usuários da língua.
De acordo com Calvet (2007), o caráter mutável da língua, seja
no seu uso ou na sua função, é devida às gestões que a operam desde
sempre. Para ele a gestão promovida pelos falantes (in vivo) e a gestão
de poder (in vitro) são fundamentais na mudança da língua. Contudo,
“é por essa razão que o planejamento linguístico agirá sobre o
ambiente, para intervir no peso das línguas, na sua presença simbólica.
Mais uma vez, a ação in vitro utiliza os meios da ação in vivo, inspira-
se nela, mesmo que dela se diferencie ligeiramente” (CALVET, 2007, p.
73).
Lembremos que a inclusão e/ou exclusão, sob a perspectiva
das políticas linguísticas, são provenientes das escolhas e/ou divisões
que atingem materialmente o uso da língua (GUIMARÃES, 2002;
MARIANI, 2011). Desta forma, não podemos negar o caráter político
imposto sobre a língua. O planejamento linguístico, no âmbito interno,
isto é, o planejamento de corpus, afeta o ensino do português, haja

- 20 -
vista que as escolhas políticas na língua se tornam evidentes e são
concretizadas. Nesse caso,

[...] as diferentes políticas oficiais de ensino


(sobretudo as de âmbito federal) vêm gerando um
acervo cada vez mais volumoso de reflexões
teóricas, consubstanciadas em documentos da
mais diversa natureza (leis, paramentos
curriculares, diretrizes, matizes curriculares,
princípios e critérios para avaliação de livros
didáticos, etc.). (BAGNO; RANGEL, 2005, p. 64,
grifos dos autores).

Aliado ao debate dos autores sobre a politização do ensino da


língua, estão os programas de avaliação, seleção e distribuição de
expedientes didáticos às escolas públicas brasileiras. Por isso as
intervenções que afetam a língua, seja na sua função ou no uso,
incidem este capítulo uma vez que elas são materializadas ou
aplicadas, primeiramente, na escola. Tratam-se de instrumentos,
principalmente oficiais, que regulam a sua aplicação que, por vezes, é
coercitiva e conflitante.
O conflito é inevitável às escolhas, porquanto o político é da
ordem do conflito (MARIANI, 2011), fato observado na realidade
linguística imposta ao aluno pela escola e à realidade linguística
comum, ao seu grupo de pertença, uma vez que toda língua
normalizada por uma das suas normas tende a ser vista, apenas, sob a
perspectiva do padrão, apesar que ambas são regidas por um mesmo
sistema. Mas a incoerência está no ensino sem a menor pretensão de

- 21 -
adequação linguística, bem como o distanciamento entre as
intervenções in vivo (falante) e in vitro (poder), conforme apontado
por Calvet (2007).
Em todo caso, é notável, no Brasil, reflexões e ações
interventivas que afetam a linguagem, isto é, o uso do português no
Brasil e suas variedades, porém essas abordagens emergem dos
estudos linguísticos (SAVEDRA; LAGARES, 2012). Na maioria desses
estudos o foco principal é o planejamento de corpus, ou seja, o uso da
língua no âmbito nacional, bem como as consequências da
normatização dela para o ensino. E uma dessas consequências é o
próprio preconceito linguístico que há muito tempo se traduz na
dicotomia certo/errado. E ao que Faraco (2011) prefere chamar de
norma curta. Sem sombra de dúvidas, o preconceito linguístico é uma
das consequências que acometem aqueles que não estão no ciclo da
norma padronizada. E percebemos, mais uma vez, que o processo de
normatização de uma língua é fruto de algum planejamento
linguístico, cujo intuito nem sempre oferece ao usuário um retorno
positivo ao impactar o seu cotidiano.
Em todo caso, as intervenções na língua são pautadas sempre
no uso, embora a gestão in vitro queira se distanciar do uso real
(CALVET, 2007) dessa língua. Nesse sentido,

[...] um capítulo marcante na história política da


língua portuguesa no Brasil, e na reflexão sobre os
limites da intervenção na realidade dinâmica da

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linguagem por parte dos poderes públicos, foi a
apresentação no congresso do projeto de lei
1676/1999, do deputado Aldo Rebelo, sobre “a
promoção, a proteção, a defesa e o uso da língua
portuguesa”. Esse projeto, que pretendia, entre
outras coisas, punir o uso de estrangeirismos no
Brasil, provocou uma reação imediata da
Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN) e
uma série de reflexões sobre políticas linguísticas,
norma-padrão e estrangeirismos. (SAVEDRA;
LAGARES, 2012, p. 18).

É possível perceber que a ação perpetrada pelo poder tem


como base o uso da LP, porém este uso deve ser regido por ações
oficiais que regulam o modo como a língua deve ser praticada. Mas é
verificável que as reações provocadas por tal ação oficial resultam em
atuações não normativas que influenciam, de igual modo, no uso
dessa língua no Brasil. Em outras palavras, a gestão in vitro se baseia
sempre na gestão in vivo, porém seguem caminhos inversos. É preciso
ter em atenção que qualquer intervenção na língua, seja para regular
o seu uso, defender a valoração da sua utilização ou determinar a sua
funcionalidade, afeta a liberdade de uso de seus falantes. Lembrando
que os membros do poder também são usuários dessa língua e, por
isso, optam por este ou aquele modelo, pois o Estado é resultado de
uma ideia ideológica, cuja intenção é a unificação e esta se torna
negativa quando passa a excluir uns para incluir outros sem que haja
uma conscientização deste ou daquele uso.

- 23 -
A questão da diversidade linguística é um tema caro aos
estudos das políticas linguísticas, porque o poder sempre a vê como
sinônimo de desvio. Fator esse que leva qualquer plano de unificação
ao fracasso. Assim, a variação linguística é um fenômeno inerente a
qualquer língua (BAGNO, 2011; LABOV, 2008), por isso as mudanças
na língua sofrem intervenções de todos os lados, uma vez que por mais
que o seu uso seja regulado oficialmente, a sua aplicação pode ou não
ser aceita pelos usuários da língua. Exemplo disso é que ninguém fala
o tempo todo a norma de prestígio, isso justifica que as situações
cotidianas exigem de nós uma postura linguística adequada ao
momento.
Nesta perspectiva, o que temos tentando objetivar nesta seção
centra-se na ideia de que o termo política linguística deve ser
entendido por dois vieses: o singular e o plural, visto que as ações que
o envolvem não dizem respeito a uma única política linguística, mas a
várias políticas linguísticas. As políticas linguísticas, como a arte de
conduzir reflexões em torno da língua, como bem afirma Rajagopalan,
(2013), são também intervencionistas, porque visam tanto aos
debates, às reflexões e às discussões em torno da língua quanto à
mudança de uma determinada situação linguística. O que nos revela
que as intervenções podem ser positivas ou negativas, uma vez que os
decisores e/ou intervencionistas são o Estado e os próprios falantes.
Aqueles determinam, por meio de leis e decretos, o que deve ou não
deve ser usado na língua, bem como o status que a ela deve ser

- 24 -
conferido, e estes atuam fazendo escolhas conscientes ou não do seu
uso. Na seção a seguir, as ponderações prosseguem abordando alguns
instrumentos normatizadores da língua: o livro didático e o dicionário,
expedientes resultantes das atividades das políticas linguísticas.

Dicionários escolares: expedientes didáticos normatizadores da


variante padrão
No campo da educação básica temos avançado o suficiente
para equiparmos as escolas com expedientes didáticos constituídos a
partir de muitos esforços de educadores, pesquisadores e produtores
de saberes e estratégias de ensino de LP no Brasil. Historicamente
pontuam-se marcos que desenham os caminhos em que as políticas
linguísticas foram assentadas no intuito de produzir instrumentos de
normatização da LP e o ensino de uma variante oficial nas escolas
brasileiras. Neste sentido, focaremos nesta seção nas perspectivas
apontadas no capítulo anterior sobre políticas linguísticas in-vitro,
caracterizadas por normas instituídas pelos poderes públicos para a
padronização do falar, impostas aos falantes nos expedientes
didáticos, resultantes de programas organizados pelo governo e
designados ao ensino da LP nas escolas públicas.
O dicionário e a gramática são instrumentos resultantes das
ações que constituem as políticas linguísticas (BAGNO, 2011). Estas
regulam o funcionamento da língua e aqueles descrevem o uso da
língua, mas nem sempre foi uma descrição com foco na iteração

- 25 -
verbal. O que é, hoje, uma notável mudança, ainda que não simboliza
uma prática geral, não sendo, ainda, capaz de atingir todas as camadas
da sociedade. A criação de um dicionário, por exemplo, que apresenta
o fenômeno da variação é importante, principalmente, no âmbito
escolar.
Os principais instrumentos elaborados pelas políticas
linguísticas para o aprendizado artificial da língua, como a gramática,
os LDs e os dicionários atendem às demandas de ensino da língua
padrão, em oposição ao aprendizado natural da língua. De acordo com
Rey-Debove (1984), o ensino sistematizado da língua padrão ocorre no
ambiente institucionalizado, diferentemente do ambiente da
aquisição da língua materna, promovida naturalmente no ambiente
familiar, sem o auxílio de materiais didáticos institucionalizados. No
grupo de expedientes listados anteriormente, ressalta-se o dicionário
como o modelo de obra mais antiga e tradicional, a tratar do léxico, no
intuito de reforçar e perpetuar os modelos definidos como corretos a
serem seguidos pela comunidade linguística a que refrata.
Dada a impossibilidade de apenas um dicionário abarcar todos
as informações lexicais de alguma língua, tornou-se necessária a
elaboração de diferentes obras lexicográficas para públicos de
variados setores da sociedade, como estudante, profissionais da
saúde, historiadores etc. Atualmente há muitos tipos de dicionários
produzidos para diferentes públicos, podemos citar o dicionário
padrão da língua, o dicionário ideológico ou analógico, o dicionário

- 26 -
histórico, o dicionário especial, o dicionário especializado e o
dicionário escolar. Cada dicionário tem suas características próprias e
atendem a propostas lexicográficas distintas, as quais levam em conta
aspectos da macroestrura e microestrutura das obras, portanto, estão
relacionados, respectivamente, à nomenclatura, ou ao modo que o
conjunto de entradas está organizado no dicionário, por exemplo se
está em ordem alfabética ou ordenado por temas, ao número de
palavras-entrada que a obra terá; e ao conjunto de informações que
compõem cada palavra-entrada (RIBEIRO, 2018, p. 39).
Os aspectos observados na macro e microestrutura dos
dicionários configuram políticas linguísticas específicas relacionadas
tanto ao conteúdo e/ou escopo lexical que será contemplado como
também às metodologias de trabalho e o público que utilizará a obra.
Neste sentido,

Não é exagero afirmar que a política geral


empreendida por qualquer poder de qualquer
Estado ou sociedade inclui sempre uma
determinada política linguística. Seja por ação ou
por omissão, por vontade consciente ou por inércia
inconsciente, todos os poderes políticos executam
políticas linguísticas que favorecem determinada
língua (ou uma variedade específica dessa língua)
no seio da comunidade em que tais poderem
atuam” (BAGNO, 2017, p. 350.

É salutar ainda destacar que a própria aceitação de uma palavra


no dicionário pressupõe políticas de uso, de aceitação social. Sempre

- 27 -
há o exercício de poder daqueles que conhecem a língua do ponto
vista estrutural, semântico e também os impactos que ela causa na
sociedade, tanto no sentido positivo, como negativo.
Partindo disso, entende-se que a criação de um programa para
a avaliação, a seleção e a distribuição gratuita do LD às escolas públicas
brasileiras seja de reconhecida importância para o ensino de LP no
Brasil, uma vez que o referido expediente é basilar no letramento dos
brasileiros. Anteriormente à criação do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD), em 1985, conforme Mantovani (2009, p. 26), marcam
nossa história a instituição do Instituto Nacional do Livro (INL), em
1929, o qual legislava sobre o tema; a criação no ano de 1930 do
Decreto-lei nº 19.402 de “uma nova Secretaria de Estado e Saúde
Pública. Era o início do Ministério da Educação (MEC)”. Ainda neste
mesmo período foi estruturada a Comissão Nacional do Livro Didático
(CNLD), responsável pela regulamentação da política do LD. Deste
modo,

[...] a CNLD tinha como tarefa fazer o controle da


adoção dos livros, de forma que estes
possibilitassem o desenvolvimento de um espírito
de nacionalidade. Esse fato fica claro quando se
analisaram os critérios para as avaliações dos
livros, que valorizavam muito mais os aspectos
político-ideológicos do que os pedagógicos.
(WITZEL, 2002, p. 18 apud Mantovani, 2009, p. 28)

A pouca qualidade, o fracasso na escolha e a distribuição dos


livros receberam, diversas críticas, ocasionando a inauguração do

- 28 -
PNLD. Contudo, as obras distribuídas, no formato de manuais, com
atividades inócuas, para serem realizadas pelos professores nas salas
de aulas foram alvo de muitas críticas da imprensa, obrigando o
governo a se preocupar mais com o material. Assim, criou-se uma
comissão de mestres e doutores para avaliarem as obras de maneira
que estivessem alinhadas com as necessidades de ensino e
aprendizado dos professores e alunos (RANGEL, 2011).
Notadamente, arrolaram muitas discussões e estudos sobre os
LDs, favorecendo a inclusão de acervos de dicionários no PNLD/2000
para serem enviados às escolas públicas brasileiras. Embora as obras
lexicográficas não fossem adequadas ao público destinado, foi o início
da implementação das políticas linguísticas do governo federal no
setor de expedientes didáticos.
Nas edições do PNLD 2002 e 2004 o MEC adotou-se para a
seleção de dicionários o mesmo critério de avaliação realizado com os
LDs. Portanto, uma comissão formada por especialistas selecionou as
obras que foram incluídas no Guia do Livro Didático. Neste processo,
constatou-se que muitas obras lexicográficas consideradas dicionários
escolares, não eram apropriadas aos alunos e tratavam-se
simplesmente de materiais reduzidos de dicionários gerais
(CARVALHO, 2012).
Partindo deste contexto, em 2006 o MEC adotou novos
métodos de avaliação, organização e distribuição dos dicionários,
compondo uma nova política que sistematizaria o chamado PNLD-

- 29 -
Dicionários, configurado em três acervos, com obras de diferentes
autores, com propostas lexicográficas compatíveis ao público do
Ensino Fundamental I e II (RANGEL, 2011). Mais tarde, na última
distribuição de dicionários, no PNLD de 2012, o público do Ensino
Médio também foi contemplado com um acervo de dicionários e
ocorreu o amadurecimento do processo de avaliação dos dicionários
e na elaboração das obras pelas editoras. De acordo com Ribeiro
(2018, p. 74-75),

A inclusão de dicionários no PNLD/2006, bem como


sua reprodução no PLND/2012 foram ações
notáveis e tiveram muitas implicações no mercado
editorial. Sabendo dos critérios de avaliação, os
editores tiveram que adequar os dicionários às
demandas levantadas pelo MEC e elevar a
qualidade de seus materiais, o que favoreceu muito
não só os alunos das escolas públicas, mas também
das escolas particulares. Deste modo, foi possível
estabelecer parâmetros que definem quais tipos de
dicionários são adequados a cada faixa escolar e,
também excluir os títulos que não são.

Por outro lado, ao contrário dos avanços do PNLD acerca da


disponibilização de dicionários de qualidade às escolas públicas, temos
a falta de programas de aperfeiçoamento dos professores para a
utilização adequada dos acervos de obras lexicográficas. Estudos
referendados por Ribeiro (2018) evidenciam que a falta de
conhecimento do professor sobre as Ciências do Léxico, como a

- 30 -
Lexicografia ou a Lexicologia é um dos motivos do pouco uso dos
dicionários nas salas de aulas. De acordo com o autor,

Os educadores, os maiores responsáveis pela


melhoria das técnicas e metodologias de ensino de
LP nas escolas, em geral, não compreendem ainda
a variabilidade de serviços que o dicionário oferece
aos seus alunos e, de modo particular, aos alunos
em processo de ampliação dos conhecimentos
linguísticos (RIBEIRO, 2018).

Embora o governo tenha desenvolvido ações de avaliação e


distribuição das obras lexicográficas na perspectiva de equipar as
escolas com expedientes apropriados, o mesmo não aconteceu em
relação a estruturação de programas de qualificação dos professores
para a exploração adequada dos LDs e dicionários, estruturados a
partir de políticas linguísticas, ocasionadas por demandas originadas
nas próprias escolas. Nas palavras de Krieger e Rangel (2011, p. 140) o
dicionário é pouco aproveitado inclusive nas atividades com o uso do
LD, pois elas não propõem aos alunos recorrerem às obras
lexicográficas como uma maneira de complementar o aprendizado.
Neste sentido, as políticas linguísticas materializadas no PNLD
devem ser sistematizadas tendo em vista três aspectos norteadores e
fundamentais no processo de ensino de LP no Brasil: os tipos de
expedientes didáticos apropriados aos seus respectivos públicos; ao
diálogo entre cada tipo de expediente utilizado na realização das
atividades; e a metodologia/didática que será praticada nas aulas.

- 31 -
Pois, conforme verifica-se nas pesquisas consultadas, não se trata
apenas de equipar as escolas com livros, são necessárias outras
medidas.
Para ilustrar algumas das potencialidades do dicionário,
destacamos a seguir alguns exemplos de marcas de uso, aspecto
destacado em obras lexicográficas do PNLD/2012, distribuídas às
escolas públicas brasileiras, que pode ser explorado no ensino de LP
nas salas de aula.

Marcas de uso nos dicionários escolares – o que elas nos revelam?


Nas seções anteriores foram abordadas as políticas linguísticas
de implantação do Português no Brasil e vimos também que o
dicionário é um expediente didático que compõe as obras avaliadas
pelo MEC e são disponibilizados aos alunos nas escolas públicas. Sendo
assim, um expediente normatizador da língua e que, por isso, também
está embebecido por políticas linguísticas. Nesta seção, trataremos
sobre essa obra lexicográfica, observando que a política linguística
está até mesmo nas pequenas abreviações que a mesma traz, as quais
prometem explicar os contextos de uso do léxico: as marcas de uso.
O dicionário descreve e instrumentaliza a língua e é
considerado um dos pilares do saber metalinguístico (PONTES, 2012.
p. 93 apud AUROUX, 1992, p. 65). Apesar desse utensílio necessário
para aprendizagem da língua não ser classificado como LD stricto
sensu, Krieger (2006, p. 236) afirma ter o dicionário um grande

- 32 -
potencial pedagógico “[...] oferecendo-lhes informações
sistematizadas sobre o léxico, seus usos e sentidos, bem como sobre o
componente gramatical das unidades que o integram”.
Ezquerro (2001) acrescenta que o dicionário é uma
“ferramenta de ensino”. Em outras palavras, a autora diz ser
necessário conhecer e praticar todos os aspectos que um dicionário de
língua contém, pois isso permitirá ao aluno, assim como também a
todos os usuários da língua, um melhor manejo do léxico 4.
Nessa perspectiva Rey-Debove (1984) já anunciava a
importância do dicionário para a aquisição da língua pelo falante.
Citado por Ribeiro (2018), Rey-Debove (1984) afirma que além da
gramática, o dicionário é um tipo de obra artificial, metalinguística e
descritiva que permite conhecer e aprender uma língua.
Dada a importância de conhecer o dicionário e os elementos
nele contidos, para a aprendizagem eficaz do léxico de uma língua é
preciso acautelar que se trata de uma obra lexicográfica heterogênea,
de caráter poliédrico e por isso exige olhares atentos, uma vez que é
possível examinar um dicionário sobre várias perspectivas, conforme
aconselha Pontes (2012).
Para Borba (2003, p. 315) o dicionário deve apresentar e
instruir quanto aos diferentes usos da língua, ou em outros termos,

4
“[...] conocer y practicar todos estos aspectos permite utilizar el diccionario de una
forma más completa y, además, aporta seguridad al alumno porque ahora sí sabe
usar esta herramienta que, además, le proporciona una interesante información
lingüística” (EZQUERRO, 2001, p. 86).

- 33 -
deve orientar quanto ao registro do léxico de uma língua,
considerando os “[...] diferentes registros utilizados pelas pessoas nas
diferentes situações da vida social” e as variações lexicais que existem
tanto relacionadas ao espaço geográfico quanto social.
Hausmann & Wiegand (1989, p. 341) apud (Welker, 2004, p.
108) listam informações importantes que podem aparecer nos
dicionários e dentre elas nota-se as marcas de uso. Elas então
compõem a microestrutura de um dicionário. Já incorporada na
produção lexicográfica moderna, as marcas de uso aparecem nos
dicionários de língua há algum tempo, sobretudo nos dicionários
escolares, registradas de forma adequada ou não, revela Pontes
(2011). Borba (2003) também diz sobre as marcas de uso nos
dicionários e as chama pelo nome de “rótulos”.
Adverte Fajardo (1996-1997) que apesar de algumas
marcações serem representadas por abreviaturas, nem toda
abreviação que antecede a definição, no verbete de um dicionário,
caracteriza-se como uma marca de uso. Para tal, é necessário que a
marcação contenha informações concretas sobre em que condições
podem ser utilizadas determinada unidade lexical, bem como as suas
restrições5.

5
“La marcación cumple una función fundamental: caracterizar a un elemento léxico
señalando sus restricciones y condiciones de uso y tiene su expresión en el empleo
de distintos tipos de marcas”. (FAJARDO, 1996-1997, p. 32).

- 34 -
Não se pode dizer que a indicação gramatical contida no
verbete após o lema seja um tipo de marca de uso, uma vez que está
fora do conceito de marca tudo o que é regular e constante no
dicionário. Destarte: “Queda fuera del concepto de marcación todo lo
que es regular y constante en cada uno de los artículos del diccionario”
(FAJARDO, 1996-1997, p. 49).
Destaca Hausmann (1977, p. 112-143) apud Welker (2004, p.
131) que a metalexicografia propõe a divisão das marcas mediante aos
seguintes adjetivos, sendo um total de onze: diacrônicas; diatópicas;
diaintegrativas; diamediais; diastrásticas; diafásicas; diatextuais;
diatécnicas; diafrequentes; diaevolutivas e dianormativas, conforme
explica a seguir:

diacrônicas (por exemplo, antiquado,


envelhecido, neologismo)
diatópicas (aplicadas a acepções restritas a certas
regiões ou países)
diaintegrativas (usadas para assinalar
estrangeirismos)
diamediais (diferenciam entre as linguagens oral
e escrita)
diastráticas (por exemplo, chulo, familiar,
coloquial, elevado)
diafásicas (diferenciam entre as linguagens
formal e informal)
diatextuais (assinalam que o lexema – ou acepção
– é restrito a determinado gênero textual; por
exemplo, poético, literário, jornalístico)
diatécnicas (informam que a acepção pertence a
uma linguagem técnica, a um tecnoleto)
diafreqüentes (em geral: raro, muito raro)

- 35 -
diaevaluativas (mostram que o falante, ao usar o
lexema, revela certa atitude; por exemplo,
pejorativo, eufemismo)
dianormativas (indicam que o uso de certa
acepção – ou lexema – é errado pelas normas da
língua padrão). (HAUSMANN, 1977, p. 112-143
apud WELKER, 2004, p. 131).

No tocante ao registro das marcas de uso, há unanimidade


entre os lexicógrafos ou aqueles que se ocupam do “fazer dicionário”
de que é um árduo e difícil trabalho. Sobre este tema Borba (2003, p.
315) ressalta que abranger os diferentes usos da língua e apontar no
dicionário, assegurando ao leitor a forma correta de utilização, seria
“[...] tarefa complicada e feita de forma muito irregular em nossos
dicionários”.
É por isso que vários autores, como Gonçalves (2015) e Ribeiro
(2018) reforçam a importância de o lexicógrafo estabelecer critérios
claros, definidos e sistemáticos para padronizar as informações do
dicionário, a fim de favorecer a consulta à obra pelo consulente. O
profissional da lexicografia deve ao fazer isso, apresentar logo na
introdução do dicionário, nas partes pré-textuais, a proposta
lexicográfica adotada. Gonçalves (2015, p. 78) corrobora ainda ao dizer
que “Para nós, o lexicógrafo, deve esclarecer ao usuário o que são as
marcas de uso, qual é o seu papel, qual o critério adotado para o seu
registro e, com base em exemplos, contextualizar essas marcas[...]”.
Com o propósito de refletir acerca de os conceitos acima
apresentados, avaliaremos o verbete da palavra-entrada abacaxi

- 36 -
contido nas obras lexicográficas aprovadas no PNLD-Dicionários/2012,
do tipo 4, destinadas aos alunos na etapa do Ensino Médio.
Sublinhamos que a escolha do lexema em questão, abacaxi, foi
feita de forma aleatória e na intenção de exemplificar alguns pontos
discutidos até aqui. Destacamos que os verbetes a seguir foram
transcritos das obras lexicográficas pesquisadas, procurando
aproximar a formatação da cor da fonte, negrito, itálico ao que está
contido nos dicionários.
Na Tabela 1, encontramos a abreviação de Fig. e Pop.
referindo-se a “Figurado” e “Popular”. Além dessas marcas, no Guia de
Uso do dicionário em questão também são constatadas outras, a
saber: antigo; antiquado, familiar, gíria, infantil, irônico, jocoso,
pejorativo, popular, tabuísmo e vulgar. Todas essas estão sob o
“rótulo” de “Níveis de Linguagem”.

Tabela 1 - Verbete abacaxi no Dicionário da Língua Portuguesa Evanildo


Bechara
abacaxi (a.ba.ca.xi) sm. 1 Fruto comestível do abacaxizeiro, de casca
grossa e cheia de espinhos. 2 Fig. Pop. Tarefa difícil. O chefe só lhe passa
abacaxis. [Do tupi]
Fonte: Bechara (2011) adaptado por Arruda (2020)

Na sequência passemos para a análise do léxico abacaxi no


Dicionário Houaiss Conciso, Tabela 2. Nesse, há abreviatura “infrm.”,
referindo-se à marcação de linguagem informal. Essa obra ainda
registra na sua proposta lexicográfica outras marcações de uso tais
como: linguagem formal (frm.); gíria (gír.); tabuísmos, expressões

- 37 -
consideradas chulas, grosseiras ou ofensivas (gros.); linguagem
pejorativa (pej.); palavra, locução ou acepção jocosa (joc.) e linguagem
infantil (l. inf.), e dá a eles o nome de “Níveis de Uso”.

Tabela 2 - Verbete abacaxi no Dicionário Houaiss Conciso


a.ba.ca.xi s.m. 1 planta terrestre da fam. Das bromeliáceas, nativa do
Brasil, que traz uma coroa de folhas com beirada espinhosa sobre seus
frutos comestíveis, que chegam a 15 cm 2 o fruto dessa planta 3 fig.
infrm. Problema, complicação [ETIM: tupi *ïwaka’ti’ fruta que recende’]
Fonte: Instituto Antonio Houaiss (2011), adaptado por Arruda (2020)

No dicionário da Unesp, Tabela 3, encontramos o registro da


abreviação “Coloq” para referir-se à Coloquial. O dicionário expõe
também em outros verbetes marcações de uso sob o rótulo “chulo”,
“grosseiro”, “popular”, “gíria”, conforme está apontado na proposta
lexicográfica desse dicionário E, além disso, assinala que as variantes
com baixa frequência são identificadas com as expressões: “mais
usado do que”, “pouco usado” ou “muito pouco usado”.

Tabela 3 - Verbete abacaxi no Dicionário Unesp do Português


Contemporâneo
ABACAXI a.ba.ca.xi (Tupi) Sm 1 infrutescência composta por bagas
carnosas grudadas umas às outras formando uma polpa branca ou
amarelada, aromática e suculenta, envolvida por uma casca grossa de
sulcos simétricos e em forma cônica ou arredondada e curta, terminando
por uma coroa espinhosa 2 abacaxizeiro: Feriu-se numa folha de abacaxi.
3 (Coloq) tudo o que é indesejável e perigoso; coisa complicada e
trabalhosa: O ministro afirmou estar assumindo um abacaxi muito
grande.
Fonte: Borba (2011), adaptado por Arruda (2020)

- 38 -
Por fim, no Novíssimo Aulete, Tabela 4, há marcação com o uso
de abreviações Pop; Fig, Pej e Gír., pertencentes ao grupo “Níveis de
Uso”, e referindo-se à popular; figurado; pejorativo e gíria. Além
dessa, na introdução da obra são elencadas outras marcas
empregadas nesse dicionário, em outros verbetes, para referir-se às
seguintes situações: antigo; antiquado, depreciativo, desusado,
familiar, infantil, irônico, jocoso, por extensão, pouco usado, coloquial,
restrito, tabuísmo e vulgar.

Figura 4 - Verbete abacaxi no Novíssimo Aulete Dicionário Contemporâneo


da Língua Portuguesa
abacaxi (a.ba.ca.xi) Bras. sm 1 Planta bromeliácea (Ananas comosus),
nativa do Brasil, de casca grossa e espinhenta e fruto muito suculento 2
O fruto dessa planta; ANANÁS (2) 3 Pop. Situação ou coisa que encerram
complicações ou que podem trazer efeitos desastrosos: resolver um
abacaxi. 4 Fig. Pej. Alcunha que se dava depreciativamente aos
portugueses 5 Coisa ou pessoa chata, desagradável 6 PE AL Pessoa que
dança desajeitadamente [F.: Do tupi iwaka’ti.] Descascar um ~ Bras. Gír.
Resolver problema ou enfrentar situação difícil ou desagradável
Fonte: Aulete (2011), adaptado por Arruda (2020)

Na tabela abaixo podemos visualizar de forma evidente as


marcas de uso empregadas no verbete da palavra-entrada abacaxi nas
obras lexicográficas em questão.

Tabela 1 - Marcas de uso no verbete abacaxi nos dicionários aprovados pelo


PNLD 2012
Marca
Nome do Dicionário Acepção
usada
Dicionário da Língua
Fig.
Portuguesa Evanildo Tarefa Difícil
Pop.
Bechara

- 39 -
Dicionário Houaiss
infrm. problema, complicação
Conciso
tudo o que é indesejável e perigoso;
Dicionário Unesp do
coisa complicada e trabalhosa: O
Português Coloq
ministro afirmou estar assumindo um
Contemporâneo
abacaxi muito grande.
Situação ou coisa que encerram
complicações ou que podem trazer
Pop.
Novíssimo Aulete efeitos desastrosos: resolver um
Dicionário abacaxi.
Contemporâneo da Alcunha que se dava
Fig. Pej.
Língua Portuguesa depreciativamente aos portugueses.
Resolver problema ou enfrentar
Gír.
situação difícil ou desagradável
Fonte: elaboração própria

Para referir-se ao uso com o sentido de “ser complicado,


difícil”, foram encontradas cinco marcas: Tabelado (Fig); Popular (Pop.
); Informal (infrm.); Coloquial (Coloq); Gíria (Gír.). Mas ainda
encontramos abacaxi com a marca de Pejorativo (Pej.), quando
utilizado para apelidar os portugueses. Com isso novamente
comprovamos a irregularidade na marcação conforme já havia sido
adiantado pelos vários autores revisitados nesse trabalho.
Retomando a classificação proposta Hausmann (1977),
observamos que nesse verbete analisado, estamos diante de marcas
de uso diafásicas, diastrática e diaevaluativas. Assim, entendemos que
as marcas Tabelado (Fig.); Popular (Pop. ); Informal (infrm.) e Gíria
(Gír.) se enquadrariam em marcas diafásicas; Coloquial (Coloq) em
marcas do tipo diastrática e por fim Pejorativo (Pej.) no grupo das
marcas diaevaluativas.

- 40 -
Nesta seção foi possível verificar que as marcas de uso
utilizadas pelos dicionaristas/lexicográficos em suas obras objetivam
retratar a língua em exercício, uma vez que para a elaboração de um
arranjo lexical tão vasto, é necessário ao pesquisar, contabilizar e
analisar os modos e contextos de uso do léxico da língua. E, assim, não
somente assinalando as diversas acepções existentes para um mesmo
lexema, mas referindo-se ao uso que a população faz da língua. Por
isso, encontramos as marcações tais como: informal, pejorativo, gíria,
chulo, dentre tantas outras citadas anteriormente.
Estamos diante de uma situação desconfortável ao entender
que o que não é considerado como variante padrão da língua, é
rotulado com uma marca de uso, que diz em que situação determinada
acepção é utilizada. E, assim, ilustram explicitamente que o “não
marcado” é considerado o modelo ideal a ser usado e que o “marcado”
é inadequado no uso da língua.
Isto posto, ainda observando os verbetes em questão, é
notório que as acepções não marcadas são apresentadas em primeiro
plano. Somente após isso, são introduzidas aquelas que escapam à
normatização e refletem também o uso da língua pelos falantes. Logo,
acerca do verbete de palavra-entrada abacaxi, entende-se que
“abacaxi” para se referir a uma situação difícil, complicada,
problemática só se deve utilizar em situações de informalidade.
Assim sendo, as marcas de uso podem ser vistas como um
distintivo de classes sociais ou de pessoas pertencentes a lugares

- 41 -
classificados entre bons ou ruins, uma vez que as variantes do modelo
são adjetivadas com palavras depreciativas, como chulo, pejorativo,
coloquial, popular, gíria etc. De acordo com Bagno (2017, p. 270),

De fato, prevalece na maioria das sociedades uma


oposição entre elementos que constituem pares
onde um deles é tido como a norma (o não
marcado), enquanto o outro se situa fora da norma
(o marcado, o anormal). Assim, em pares como
homem/mulher, branco/não branco, vidente/cego,
ouvinte/surdo, heterossexual/homossexual,
destro/canhoto, fértil/infértil [...], a estrutura social
vigente tende a fazer considerar o primeiro
elemento de cada um desses pares como o
“neutro”, o “óbvio”, o “normal”, o “natural”.
(Grifos do autor)

Destarte, marcar variantes com adjetivos depreciativos é o


mesmo que atribuir qualidades negativas aos seus falantes e ainda
exercer sobre eles políticas linguísticas de restrição e de poder.
Partindo disso, o que parece estar explícito, no sentido de marcar os
usos, expor as variantes da LP, demonstra que implicitamente ocorre
a estratificação social/linguística por meio dos equipamentos da
língua, ou seja, a escrita materializada nos dicionários.

Considerações Finais
Compreendemos que os dicionários escolares, assim como
todos os expedientes didáticos normatizadores da língua padrão, não
são livres/isentos de um posicionamento político, ideológico. Pelo

- 42 -
contrário, visam reforçar posicionamentos preconceituosos sem levar
em consideração a fertilidade da língua e a diversidade cultural
daqueles que a falam.
E, por isso, enquanto aparelho do Estado para impor a política
da língua, o dicionário passou a ser um material avaliado pelo
Ministério da Educação e posteriormente disponibilizado aos
estudantes da língua. Haja vista que era necessário analisar o que
essas obras diziam da língua e principalmente os seus usos.
Vimos, portanto, nesse estudo que um dicionário escolar serve
muito mais do que se espera a maior parte dos estudantes e/ou
consulentes e a ele recorrem para consultas. É capaz de ser
instrumento para difundir as políticas linguísticas de um país, e assim,
preferenciar formas de uso de determinado léxico em detrimento de
outros, de acordo, com àquilo que o poder define como forma “certa”
de uso da língua.
As marcas de uso deveriam ser destaques que apresentassem
de modo positivo as comunidades que adotam estas ou aquelas
variantes, de maneira que os dicionários expusessem a diversidade
linguística presente no Brasil e valorizassem a cultura de seus falantes.
Tendo em vista a variedade cultural, social geográfica neste país, é
impossível que todos estes fatores não impliquem em uma rica
variedade linguística também, seja na criação de novas palavras, na
atribuição de novos significados a elas ou nos seus usos.

- 43 -
Em suma, as ações que regulamentam o uso da língua e o seu
registro em instrumentos normatizadores, por exemplo os dicionários,
são escolhas políticas influenciadas pela gestão in vitro cuja base é a
gestão in vivo. Não podemos negar que os falantes, principalmente,
decidem pelo uso real da língua, embora as decisões normativas se
traduzem em imposições, muitas vezes, desnecessárias à realidade
dos falantes.

- 44 -
Referências

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Paulo: Moderna, 2011.

- 48 -
Culinária, uma relação franco-portuguesa no português do
Brasil

Jaciara Mesquita Rosa Bertossi6

Introdução
Trataremos, neste capítulo, sobre as inter-relações entre língua
e cultura, tema bastante recorrente aos estudos lexicais e há muito
consensual entre os estudiosos da língua, como Lyons (1981), Bosi
(2004), Coseriu (1979) e Câmara Jr. (2004), que ratificam, no início do
século XX, quão importante é conhecer a língua para se entender um
povo, seus hábitos e costumes.
Nessa perspectiva, os estudos da linguagem relacionam-se com
os do campo da antropologia, sociologia, psicologia, filosofia e outros,
sendo essenciais para a compreensão dos seres humanos dentro de
uma comunidade de fala e tudo o que gira em torno dela: como um
povo nomeia o mundo em que vive, quais são seus ritos religiosos e
hábitos alimentares, para entendermos a cultura de um povo.
Considerada como recorte da realidade, a língua é uma
interpretação calcada nas experiências de cada um para compreendê-
la. Assim, discutir cultura e, consequentemente, língua, exige
enveredar-se pela memória, sem a qual não há raiz. É impossível falar

6
Mestra em Estudos da Linguagem, UFG.

- 49 -
de cultura sem falar de memória, pois sem ela não há passado; essa
capacidade que temos de lembrar e conservar os acontecimentos
ocorridos dentro de uma comunidade é o fio condutor da memória de
um povo, que a associa a práticas linguístico-culturais.
Segundo Halbwachs (2003, p. 30), “nossas lembranças
permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se
tratem de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e
objetos que somente nós vimos”. Essa reminiscência coletiva acontece
porque estamos em constante interação com outras pessoas, o que
faz a memória poder ser recriada e representar os hábitos culturais de
uma comunidade que, por sua vez, são representados na língua que se
fala, que se escreve, que se gesticula. Eis o escopo desse estudo:
entender língua e cultura como interfaces da vida em sociedade, em
relação de interdependência constante.
Ao tratar a língua como um sistema abstrato elaborado pela
sociedade, Coelho (2006) diz que ela só resiste sob a forma de
memória coletiva. Ou seja, a forma como os indivíduos vivem,
constroem e nomeiam objetos enquanto sociedade é mantida em um
arquivo geral coletivo, que representará a língua em suas formas de
expressão fala, escrita, desenhos, gestos.
Para situar o corpo linguístico, é importante considerar, além
da língua e da fala, a norma, que tem um espaço social e cultural, pois
representa o que é usual, regular, costumeiro, regula o nosso
comportamento e podemos encontrar a regularidade nessa variante.

- 50 -
Coseriu (1979, p. 69) nos lembra que essa é “[...] a norma que
seguimos necessariamente por sermos membros duma comunidade
linguística, e não daquela segundo a qual se reconhece que ‘falamos
bem’ ou de maneira exemplar, na mesma comunidade”.
Diferentemente do sistema, que limita o nosso arbítrio, é a escolha dos
falantes de uma comunidade que provoca mudanças na parole, que
contempla a realização individual da norma, contém a originalidade
expressiva dos indivíduos falantes e pode, por vezes, ser adotada e até
dicionarizada, ou não, e cair em desuso.
De acordo com os pressupostos teóricos de Coseriu (1979, p.
75), “[...] o que se emprega no falar não é própria e diretamente o
sistema, mas formas sempre novas que no sistema encontram apenas
sua condição, seu molde ideal”, ou seja é dizer que as diferentes
realizações fonéticas, por exemplo, em grupos mais ou menos amplos,
são tratadas como diferenças no modo de falar constantes e normais,
não individuais, nem momentâneas, mas que caracterizam certas
comunidades profissionais e culturais, ainda que não resultem em
mudanças funcionais no sistema da língua, ou seja, não resultem em
mudanças gramaticais.
Tomemos o caso da influência do idioma francês no português
do Brasil, em fins do século XIX e início do XX, a Belle Époque tropical,
que ditou aos habitués da elite carioca costumes, hábitos de se vestir,
andar, falar, portar-se, bem como o que ler, o que dizer e como fazê-
lo. O status de nobreza e a superioridade estavam atrelados a quem

- 51 -
se arriscava a pronunciar os galicismos, as unidades lexicais originárias
da França. Essa era a norma utilizada pela elite carioca, falar o
português do Brasil, recheado com francesismos, o que denotava
naquele momento, além da notoriedade e superioridade, como já
dissemos, a influência europeia no cotidiano carioca. O autor Needell
(1987, p. 53) diz que, na educação para meninos e meninas da elite
carioca, sob a influência francesa,

[...] os professores eram, frequentemente, do


Velho Mundo (provavelmente franceses ou
influenciados por franceses); os textos eram
franceses ou traduzidos do Francês; e a intenção
era de que os alunos adquirissem conhecimento da
cultura europeia7.

Não queremos dizer que existia uma língua diferente falada na


capital federal, na época, o Rio de Janeiro; havia um falar carioca
burguês com suas diferenças, que afirmavam sua cultura e seus
valores. Nas escolas, ensinava-se a norma da cultura letrada
portuguesa, mas o idioma francês logo foi ganhando espaço nas
escolas dos mais abastados e era uma finesse aprendê-lo.
Ao contrário do que muitos puristas como Frei Francisco de São
Luís (1766-1845) e Almeida Garret (1799-1854), para citar alguns
nomes, pensavam naquela época com a chegada dos francesismos, a

7
Nossa tradução do original: The teachers were often from the Old World (probably
French, or French influenced); the texts were often French or translations from the
French; and the acknowledged presumption was that the acquisition of European
culture was intended (NEEDEL, 1987, p. 53).

- 52 -
língua portuguesa, ao receber os galicismos, não perdeu sua
autenticidade e identidade. Com novas lexias, a língua só se
enriqueceu porque houve um aumento em seu acervo lexical. Cabe
tratar aqui do conceito de lexia que, segundo Biderman (2001, p. 212),
são aquelas palavras que não foram dicionarizadas, que fazem parte,
ainda, da parole, “[...] o dicionário como depositário físico do tesouro
léxico abstrato da língua atua como arquivo fixador das lexias orais que
poderiam morrer facilmente, se não fosse esse arquivo que as recolhe
e preserva [...]”. É certo que o uso e a adoção das unidades lexicais
estrangeiras mudaram ao longo dos anos: inicialmente, logo se
aportuguesavam as unidades lexicais estrangeiras, hoje, há
preferência por manter a sua grafia e incluí-las dessa maneira nos
dicionários.
Na pesquisa sobre os galicismos na Língua Portuguesa do Brasil,
que fundamenta este capítulo, tomamos por base dois dicionários
como objetos de estudo, uma edição eletrônica da obra brasileira
Houaiss (2009) e a edição eletrônica do dicionário monolíngue francês-
francês, Le Grand Robert de la Langue Française (2001). Inicialmente,
fizemos uma coleta inicial de mais de dois mil itens lexicais
dicionarizados, que seriam originários da França. Após outro
refinamento, chegamos ao resultado de 1.005 galicismos, sendo 765
empréstimos e 240 estrangeirismos. Esses não nos deixam dúvidas
quanto à sua “esquisitice” em relação à língua portuguesa, fazendo-se

- 53 -
assim, de fácil reconhecimento, já que sua grafia se aplica bem
diferente da adotada pelo nosso sistema gráfico.
Por um lado, de acordo com Carvalho (1989, p. 44), “[...] um
termo estrangeiro perde essa condição quando não é mais percebido
como tal. Se ele permanece escrito na sua forma de origem, será
sempre sentido como elemento estrangeiro ao sistema linguístico
[...]”. Por outro lado, consideraremos como empréstimos as palavras-
entrada que sofreram algum tipo de modificação ao serem adotadas
pela língua portuguesa e foram, dessa maneira, dicionarizadas.
Para Nelly Carvalho (1989), os estrangeirismos fazem parte da
parole e os empréstimos da langue, ou seja, para essa autora, todas as
unidades lexicais depositadas em nossos dicionários são consideradas
empréstimos e os estrangeirismos são aqueles ainda não relacionados
nas obras lexicográficas. Mas não é o que nos mostra, porém, o
dicionário Houaiss (2009) em seu repertório. Os estrangeirismos estão
muito bem representados nessa obra lexicográfica, isto é, já não fazem
parte apenas da fala, diante da abordagem teórica de Carvalho (1989),
eles também fazem parte da escrita, da língua, pois estão
dicionarizados.
Em se tratando de uma abordagem lexicográfica, os dados
encontrados em Houaiss (2009) nos direcionaram para um cotejo,
imprescindível neste estudo, com o dicionário monolíngue Le Grand
Robert de la Langue Française (2001), obra que nos permitiu traçar um
perfil de como os galicismos registrados no Houaiss se comportam, e

- 54 -
de como representam a inter-relação entre a língua e a cultura de
origem dessas unidades lexicais importadas, no caso, a francesa, com
a língua e a cultura tida como importadora, a brasileira.
Para dar cabo ao nosso intento, o de inventariar no Houaiss
todos os galicismos e estabelecer neles a relação entre língua e
cultura, utilizamos alguns procedimentos, como a relação de todos os
galicismos no Houaiss (2009), que corresponde à versão integral
impressa, de acordo com dados do expediente da referida obra
lexicográfica. Todas as unidades lexicais foram organizadas em
empréstimos e estrangeirismos; depois, recorremos ao Le Grand
Robert de la Langue Française (2001) para verificar se o item lexical
registrado como galicismo no Houaiss tem registro no dicionário
francês; quando confirmamos o registro, comparamos a definição,
observando ampliação ou redução ou total disparidade de significados
entre as duas obras; o próximo caminho foi agrupar essas unidades
lexicais por rubricas temáticas dos galicismos confirmados em ambas
as obras; por fim, de posse dos campos mais recorrentes,
estabelecemos a relação entre a língua, em especial os galicismos no
português do Brasil, e os matizes que a cultura francesa adquiriu nas
terras brasileiras. Produzimos uma leitura que desse conta da inter-
relação entre o que os verbetes registram no Houaiss (2009) e o que o
Le Grand Robert (2001) registra para o mesmo verbete, na língua de
origem.

- 55 -
Aquisição e influência dos itens lexicais franceses no Português do
Brasil
O léxico pode ser entendido como o conjunto de unidades
lexicais que fazem parte de um determinado sistema linguístico e suas
relações. Além disso, consideramos que, em nosso cérebro, existe uma
parcela do outro léxico que não é, exatamente, aquele que utilizamos
todos os dias. Em determinado contexto de interação comunicativa,
também somos expostos a outras unidades lexicais que nos permitem
entender o discurso do outro, naquele instante. Segundo Biderman
(1987), esse léxico é o passivo e permanece em nosso cérebro por um
tempo indeterminado e, quando necessário, o utilizamos para a
construção de certos enunciados, quando se torna ativo. Ainda de
acordo com a Biderman (1987, p. 83):

[...] o cérebro organiza uma estruturação dos itens


lexicais de grande funcionalidade para que, em
milésimos de segundo, possa recuperar não só o
significado de uma palavra, mas também todas as
suas características gramaticais e os usos que lhe
são adequados conforme o contexto do discurso, o
tipo de discurso, a situação momentânea e o
registro linguístico requerido pela situação, pelo
interlocutor e pelo assunto.

A competência lexical do indivíduo se dá a partir dos léxicos


ativo e passivo, ambos possibilitam a interação entre os falantes de
uma mesma comunidade, sendo que o primeiro compreende os itens
lexicais mais utilizados diariamente e o segundo, mesmo que não o

- 56 -
utilizemos cotidianamente, representa as unidades lexicais
armazenadas em nosso cérebro e nos permite entender um
vocabulário diferente quando o ouvimos.
Portanto, entendemos que qualquer sistema léxico representa
a junção das experiências acumuladas e vividas por uma sociedade e
do acervo de sua cultura (BIDERMAN, 2001). Os participantes dessa
sociedade são os sujeitos-agentes no processo de manutenção e
recriação constante do léxico de sua língua e, nesse processo em
frequente expansão e dinamicidade, o léxico aumenta, se altera e, às
vezes, se contrai, reformulando-se (BIDERMAN, 2001, p. 179). As
transformações sociais e culturais têm importância fundamental nesse
processo, embora, não sejam percebidas pelos falantes de uma
determinada língua, pois ocorrem de forma inconsciente e lenta.
Assim, é o galicismo resultado do processo de constante expansão e
mudança do léxico de qualquer língua.
Os galicismos são apenas um dos muitos exemplos como uma
alusão à chegada dos itens lexicais franceses trazidos pela elite carioca,
que foi buscar na Belle Époque de Paris, na França, em fins do século
XIX e início do XX, modos de viver franceses, de forma a ajudar essa
elite a encontrar uma identidade de nobreza, status e elevado nível
cultural, importante para os abastados naquele momento, visto que
entendiam que lhes teriam restado sobras de outrora na cultura local.
Ressalto aqui que essa não é a opinião da autora, visto que uma cultura
não deve ser colocada em detrimento à outra, pelo contrário, devem

- 57 -
ser respeitadas em suas diferenças e idiossincrasias. Assim, não é de
se estranhar o grande número de estrangeirismos franceses na língua
que se fala e se escreve no Brasil.
A criatividade lexical que esse momento instaurou no
Português usado no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro,
demonstra que o sistema linguístico não passa incólume às evoluções
e transformações da dinâmica social. A riqueza e a vitalidade do léxico
se mostraram nos estrangeirismos, na tentativa de nomear os vários
segmentos ou práticas culturais influenciadas pela Belle Époque
tropical ou carioca, tais como a culinária, os transportes, o local de
trabalho, a habitação, os hábitos e os costumes da época.

Percurso etimológico e os campos lexicais


Um dos pontos principais neste trabalho, ao analisar os
verbetes é, justamente, ater-nos à etimologia indicada, porque vamos
relacionar a Língua Portuguesa no Brasil e seus galicismos às suas
possíveis influências provenientes da cultura francesa. Para entender
as relações de interação da língua e da cultura do Brasil com as de
tantos países, atentarmos para o étimo dessas palavras é essencial. Os
pontos principais analisados em cada vocábulo nesse trabalho são:
• etimologia;
• acepção.
Quanto à etimologia, trabalharemos com o que Houaiss (2009)
traz em cada verbete, se o étimo é apontado como francês ou não e

- 58 -
se, na maioria das vezes, apresenta a redução “id”, considerando que
a palavra foi trazida ao português do Brasil de forma idêntica, e que
reconheceremos como estrangeirismo.
Esse percurso, no entanto, não nos isenta de dúvidas porque,
em muitas ocorrências, não há datações específicas sobre a vinda de
tais palavras e quais seriam, realmente, as suas origens. No nosso
estudo, em particular, interessa informar se são palavras originárias da
França ou não. Vejamos a seguir um exemplo de como Houaiss registra
o percurso histórico-etimológico de um item lexical:

cabriola s.f. (1668) 1 salto de cabra 2 salto ou


saltito ágil, leve, desembaraçado, esp. quando
dado por brincadeira ou como manifestação de
contentamento, alegria etc. 3 salto ágil ou
acrobático em que o corpo se dobra ou vira no ar
3.1 m.q. cambalhota 4 DNÇ salto em que o
dançarino, com o corpo em posição oblíqua em
relação ao solo, bate com os pés ou calcanhares um
de encontro ao outro quando está no ar 5
movimento em que o animal (esp. cavalo) salta
com as quatro patas no ar e o corpo em posição
horizontal, desferindo um coice violento 6 fig.
mudança, súbita e perceptível ou significativa, de
opinião ou atitude, esp. em política 7 p. ext.
mudança repentina de uma situação; reviravolta,
esp. no terreno político 7.1 golpe de Estado,
revolução 8 fig. m.q. cabra (‘mulher lasciva’) ETIM
fr. cabriole ‘salto leve’ e, este, do it. capriola ‘salto,
cambalhota’, de orig. contrv. HOM cabriola (fl.
cabriolar).

- 59 -
Essa unidade lexical teria vindo para a Língua Portuguesa do
Brasil pelo francês, mas, quem pode nos garantir que ela não tenha
chegado aqui pelo italiano, já que tivemos imigrantes desse país no fim
do século XIX? Os dicionaristas não nos informam de onde o italiano
teria retirado esse lema, gerando dúvidas quanto à sua origem
primeira. Essas são as razões para não o termos incluído em nosso
conjunto de dados. Por isso, recolhemos como verbete apenas os
casos em que se adota o seguinte modelo de etimologia:

abajur s.m. (1880) 1 P peça de forma e material


variados (papel, tecido, vidro etc.) que, adaptada a
uma lâmpada, permite que a claridade possa ser
dirigida para determinada área; quebra-luz,
pantalha 2 p. met. B o conjunto formado pelo corpo
e pé dessa peça 3 p. ext. B luminária de mesa 4 p.
ext. conjunto de pranchas aplicado às janelas das
prisões para vedar aos prisioneiros qualquer
comunicação com o exterior 5 RJ cr. policial que,
esp. à noite, espreita ou vigia delinquentes 6 ARQ
abertura ou espécie de janela de lados inclinados,
com a parte interna mais larga que a externa,
destinada a tornar mais claro um recinto fechado
ETIM fr. abat-jour ‘espécie de janela que permite
graduar a entrada da luz’, p. ext.,’qualquer
dispositivo que funciona como quebra-luz’
SIN/VAR abaixa-luz, bandeira, candeeiro, guarda-
vista, lucivelo, lucivéu, luminária, pala, pantalha,
para-luz, quebra-luz, tapa-luz.

Para sabermos se essa palavra realmente foi retirada da língua


francesa, como nos diz o exemplo acima, (ver ETIM), utilizamos o
dicionário monolíngue francês-francês Le Grand Robert de la langue

- 60 -
française (2001) para cotejo das informações, observando as mesmas
citadas acima, na descrição de um verbete, a saber, sua etimologia e
acepção.
Por meio da etimologia, vamos selecionar os galicismos de
origem latina e/ou francesa. Ainda pela etimologia, por exemplo, é
facilitado ao consulente o entendimento do significado original da
palavra e, para o dicionarista, facilita encontrar qual palavra-entrada
será mais adequada para estabelecer os sentidos aproximados e
relacionais com a língua importadora, no caso, a Língua Portuguesa.
Com relação às acepções, consideramos relevante o uso das unidades
lexicais e em quais contextos elas poderiam ser usadas, de acordo com
as indicações das rubricas equivalentes no Houaiss, o que facilitou os
caminhos para atingirmos o objetivo de entender as influências e
relações entre as culturas francesa e brasileira. Biderman (1984, p. 32)
diz que é imprescindível que seja feita uma paráfrase redigida em
linguagem simples e corriqueira para as acepções, a fim de que o
consulente não tenha dúvidas na assimilação do significado dos lemas.
Questão a se considerar é a polissemia que, muitas vezes, é
causadora de problemas ao lexicógrafo, isto é, como descrever tantas
acepções para um mesmo lema? Para evitar algum tipo de equívoco
ou não entendimento, os lexicógrafos optam por descrever, em ordem
decrescente, os significados mais comuns e recorrentes para os menos
recorrentes. A classe gramatical, nesse momento, é que define os
critérios de aparição, de acordo com as recorrências de cada

- 61 -
significado, em cada palavra-entrada. Talvez, um determinado item
lexical como substantivo feminino seja mais utilizado do que como um
adjetivo. Então, a polissemia supõe uma coerência relacionada a um
sema e esse grau de coerência vai determinar o número relativo de
quantas acepções serão possíveis (MESSELAAR, 1985, p. 50).
Na presente seção, em que nos prestamos a descrever como
procedemos na pesquisa, entendemos ser importante apresentar a
sua motivação. A ideia inicial surgiu ao percebermos a grande
recorrência de galicismos em reportagens e artigos sobre modas,
especialmente em revistas femininas. A questão inicial que se impôs
foi: mas será esse o principal campo lexical com unidades lexicais de
origem francesa? Para saber se essa hipótese seria confirmada ou
refutada, quantificamos no Houaiss (2009) os verbetes que atendem
aos dois critérios acima apresentados e justificados (etimologia e
acepção); depois, os separamos em campos lexicais para
relacionarmos seus itens com a cultura, a fim de responder à questão:
em referência a quais segmentos ou práticas culturais os galicismos
estão mais presentes no português do Brasil, isto é, em que campos
mais se apresentam na Língua Portuguesa?
Por sua natureza descritiva de um estado de língua específico,
este é um estudo sincrônico, pois nos interessa mostrar ao consulente
quais informações básicas ele pode ter ao procurar o sentido de uma
palavra, dentro de uma obra lexicográfica, que pode ser definida como

- 62 -
um tesouro lexical do português no Brasil, como o é o Dicionário
eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
O trabalho também divide os itens lexicais de origem francesa
em empréstimos e estrangeirismos. Por um lado, esses não nos
deixam dúvidas quanto à sua “esquisitice” em relação à Língua
Portuguesa, fazendo-se, assim, de fácil reconhecimento, já que sua
grafia se aplica bem diferente da adotada pelo nosso sistema gráfico.
Por outro lado, consideramos como empréstimos as palavras-entrada
que sofreram algum tipo de modificação ao serem adotadas pela
Língua Portuguesa e foram, dessa maneira, dicionarizadas.
Para a organização dos galicismos em campos, analisamos as
rubricas temáticas, assim denominadas por Mauro de Salles Villar
(HOUAISS, 2009, p. 5): “rubrica temática é a informação, codificada
numa redução, sobre a área do saber ou do fazer humano a que
pertence a unidade léxica ou determinada acepção [...]”. Vejamos o
exemplo da rubrica AUTOM, representada na microestrutura do
verbete abaixo, que indica o campo lexical Automobilismo:

engrenar v. (1871) 1 t.d.bit.int. e pron. ajustar(-se)


[cada dente de roda dentada] com (os de outra
roda ou peça tb. dentada) <e. os dentes da caixa de
marcha (no eixo do motor)> <a roda grande do
engenho precisa e.(-se) melhor> 1.1 t.d. AUTOM
engatar engrenagem de marcha de (veículo);
engatar (marcha de veículo) 2 t.d. fig. dar início a
(conversação, disputa, relacionamento etc.);
encetar, entabular 3 bit. fig. relacionar, combinar
<a pintura engrena cenas religiosas com prosaicas>

- 63 -
4 t.d.int. fig. pôr(-se) em marcha, em bom
funcionamento <a publicidade engrenou as
vendas> <as negociações não engrenaram> ETIM
fr. engrener ‘ligar duas rodas dentadas’ SIN/VAR
endentar, engatar, engralhar, engranzar, engrazar,
entrosar ANT desengrenar.

Strehler (2001) trata essas rubricas temáticas por marcas de


uso, ainda que essa denominação seja bem mais ampla do que define
Villar (HOUAISS, 2009). Strehler (2001, p. 172), em seu artigo sobre
marcas de uso de dicionários, diz que a maioria das unidades léxicas
estão estilisticamente marcadas, porém, em uma obra lexicográfica,
elas nem sempre são apresentadas. Em suas palavras, “[...] em cada
língua temos um grande número de palavras que não recebe marca de
uso [...]”. A ausência de marcas de uso ou rubricas em alguns
galicismos identificados pela nossa pesquisa causou-nos dificuldade
para delimitar os campos léxicos, exigindo que estabelecêssemos uma
rubrica para classificá-los.

Campos lexicais e o segmento cultural culinária


Durante a comparação com o Le Grand Robert (2001),
encontramos marcas de uso francesas correspondentes aos itens
lexicais do Português do Brasil, porém, optamos por definir os campos
lexicais através das acepções e marcas de uso do dicionário Houaiss,
visto que o objeto principal deste estudo são os itens lexicais de
origem francesa, sejam eles empréstimos, sejam estrangeirismos,
dicionarizados na obra em estudo. Os campos lexicais a seguir são
- 64 -
resultantes dos 146 itens lexicais analisados nesta pesquisa:
Aeronáutica, Alimentação, Arquitetura, Artes Plásticas,
Automobilismo, Comércio, Cosmetologia, Culinária, Decoração,
Economia, Engenharia Elétrica, Engenharia Nuclear, Farmacologia,
Filosofia, Fisiologia, Gráfica, Gramática, História da Religião, Jurídico,
Literatura, Ludologia, Marinha, Medicina, Militar, Mineralogia,
Mobília, Música, Óptica, Paisagismo, Psicologia, Política, Química,
Religião, Teatro, Tecnologia, Teologia, Têxtil e Vestuário.
De uma coleta inicial de dois mil trezentos sessenta e três
(2.363) galicismos, totalizaram-se mil e cinco (1.005), sendo 765
empréstimos e 240 estrangeirismos. Dessas unidades lexicais,
analisamos as rubricas temáticas de cada item lexical do Dicionário
Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa (2009), para definirmos seus
respectivos campos lexicais, de acordo com as acepções apresentadas
pela referida obra lexicográfica e segundo as unidades lexicais
analisadas, em comparação com o dicionário francês-francês Le Grand
Robert de la Langue Française (2001). Ante a quantificação dos campos
lexicais, destacamos os três mais recorrentes, que apresentam,
consequentemente, o maior número de unidades léxicas, num total de
cento e quarenta e seis (146), resultantes da supramencionada
quantificação.
A análise é baseada na teoria de Coseriu (1979) e Geckeler
(1976), para citar alguns dos principais teóricos no assunto Campo
Lexical, que seguiram as ideias dos dois pesquisadores alemães, Trier

- 65 -
e Weisgerber e, como estes, aproveitaram as ideias fundamentais de
Humboldt, que trata a língua como nossa percepção de mundo, é
dizer, o mundo mediato linguístico que intervém entre os sons e o
mundo dos objetos, enquanto formador da nação, como nos diz Schaff
(1964, p. 30). Relacionando os diferentes itens lexicais de uma língua,
ora isolados uns dos outros e considerados sem relação de
dependência, ora interligados a certos conjuntos, obtém-se o que foi
tratado por esses e outros autores como campos conceituais e/ou
campos semânticos.
As várias adoções, principalmente desses empréstimos, fez-se
com novos valores semânticos; desta feita, os casos de polissemia não
surgem do nada, pois, muitas vezes, são criados por analogia, por
comparações e pelos traços sêmicos que fazem tanto a cadeia de
relações como essas unidades lexicais pertencerem a um mesmo
campo lexical. Nesse sentido, esta análise revela a importância dos
estudos do léxico no que se refere ao comportamento linguístico de
um povo em uma determinada época, bem como contribuiu para
mostrar a influência cultural francesa na cultura brasileira que surgiu
com a Belle Époque Tropical, no início do século XX, e em qual
segmento ela ainda se faz presente nos dias atuais.
Os três campos mais recorrentes na pesquisa são Psicologia,
Militar e Culinária, diferente da hipótese inicial de que o campo lexical
Moda, a priori, seria o mais representativo. Inicialmente, os campos
lexicais não apresentam relações, no entanto, o envolvimento

- 66 -
exaustivo com os dados indica algumas conexões entre os itens lexicais
encontrados em cada um dos campos, contudo, a apresentação de
todos os dados não seria possível neste trabalho.
Adentramos, então, ao campo lexical relacionado à Culinária,
que apresenta trinta e oito palavras-entrada, em seis letras do
alfabeto. Algumas unidades lexicais não apresentaram rubricas
temáticas e/ou marcas de uso; nesses casos, ressaltamos que, ao
definirmos determinadas acepções pertencentes ao campo lexical
Culinária, baseamos na definição do próprio dicionário Houaiss (2009),
qual seja: “culinária s.f. (1844) CUL 1 a arte e a técnica de cozinhar,
esp. pratos requintados, sofisticados 2 conjunto de pratos,
especialidades de uma localidade, região, país <c. do Norte do Brasil>
<c. francesa> ETIM fem. substv. do adj. lat. culinarìus,a,um ‘relativo
a cozinha’”.
Lembramos que, neste trabalho, interessam-nos apenas as
definições relacionadas à cozinha, comida e recipientes onde se
servem refeições e outros tipos de alimentos, assim, nesse texto,
segue parte dos resultados, exemplificado pela letra “B” e suas sete
(07) unidades lexicais, sendo três (03) estrangeirismos e quatro (04)
empréstimos: bearnês, bechamel, bombom, bonbonnière, brie,
brochete e brochette.
Vejamos então, de acordo com Houaiss (2009), o primeiro
estrangeirismo, bonbonnière, que não é um alimento, mas, segundo a
definição de número 01, é “[...]1 recipiente próprio para se guardarem

- 67 -
bombons; bomboneira 2 p. met. estabelecimento onde se vendem
bombons, balas e afins”. Ao cotejarmos essas acepções com o
dicionário francês-francês, também em edição eletrônica, Le Grand
Robert (2001), percebemos que, ao ser adotada pelo idioma
Português, a unidade lexical bonbonnière ganhou um novo valor
semântico, estabelecimento onde se vende essas guloseimas,
definição não encontrada na obra lexicográfica francesa, como se
pode verificar abaixo:

bonbonnière [b¢bɔnjɛʀ] n. f. ÉTYM. 1777; de


bonbon. Petite boîte à bonbons. Chocolatière,
drageoir. | Une bonbonnière en porcelaine, en
argent. | Une bonbonnière élégante, finement
travaillée.[...] (1817). Petite construction; (plus
cour.) petit appartement élégant, arrangé avec
goût. Bijou. | C'est une bonbonnière, une vraie
bonbonnière.

Relacionamos bonbonnière, consequentemente, a bombom, o


outro empréstimo que faz parte dessa cadeia de relações. Vejamos a
definição segundo Houaiss (2009): “bombom s.m. (1899) CUL confeito
ger. de chocolate, por vezes com cobertura de glacê ou caramelado,
podendo ou não vir com recheio (de fruta, amêndoa, licor etc.) ETIM
fr. bonbon ‘doce à base de açúcar’”. Ao compararmos essa definição
com o dicionário francês Le Grand Robert (2001), encontramos o
seguinte: “bonbon [b¢b¢] n. m. ÉTYM. 1604, ‘friandise’; redoublement
de 1. bon. 1 a Vx. Du bonbon. Confiserie, sucrerie; friandise en
general”.

- 68 -
O dicionário Houaiss (2009), muitas vezes, traz seu significante
em duas categorias de adoção do referente (empréstimos e/ou
estrangeirismos), ou seja, temos as mesmas significações de duas
unidades lexicais, com ortografias diferentes. Para tal afirmação,
tomemos as acepções do estrangeirismo brochette e do empréstimo
“brochete”, respectivamente:

brochette \bR†’SEt\ [fr.] s.f. 1 pequeno espeto de


metal ou madeira us. para grelhar ou assar na brasa
pedaços de carne, peixe, miúdos etc. 2 p. met. CUL
a iguaria preparada por esse processo; espetinho
<b. de camarões> f. aport.: brochete SIN/VAR
churrasqueto, churrasquinho, espetada.

Na microestrutura do verbete do estrangeirismo, encontram-


se todas as acepções, muito bem explicadas, em contrapartida, na
acepção do empréstimo, o thesaurus utiliza da remissividade para que
o consulente possa compreender o significado da unidade lexical
“brochete”. A saber: “brochete s.f. 1 B aport. de brochette 2 RN infrm.
m.q. brochote”. Percebemos que, nessa acepção, o item lexical é um
aportuguesamento do estrangeirismo brochette e, apesar da adoção
francesa e das mudanças ortográfica e fonética, o empréstimo
também adquiriu uma nova ortografia no estado do Rio Grande do
Norte. Veja a definição em Houaiss (2009):

brochote s.m. (1913) CE infrm. pej. 1 rapazola


gordo e baixo 2 pessoa insignificante, sem valor;
borra-botas, joão-ninguém 3 indivíduo atrevido,
metediço ¤ ETIM brochete com alt. do suf. -ete em
- 69 -
-ote ¤ SIN/VAR brochete, fumega; ver tb. sinonímia
de joão-ninguém.

Ao compararmos as acepções portuguesas com as originais,


encontramos as mesmas definições, embora no Le Grand Robert
(2001) compareça um número a mais de significados que não foram
adotados pela obra brasileira. Vejamos:

brochette [bʀɔɛt] n. f. ÉTYM.1393; “pointe


acérée”, v. 1180; de broche. Petite broche
qui sert soit à assujettir de grosses pièces de viande
à la pièce principale, soit (plus cour.) à faire
rôtir ou griller de petites pièces. Hâtelet, lardoire.
| Rognons à la brochette (vieilli), en brochette.
Enlever la brochette avant de manger. Cour. Les
morceaux embrochés. | Manger des brochettes.
|“Une brochette saignante” (Cendrars, in T. L. F.).
| Une brochette de rognons, de foie. | Couscous
brochettes, servi avec de la viande (mouton) en
brochettes.

Abordemos, agora, os molhos e queijo, genuinamente


franceses, começando com a acepção do molho bearnês. É certo que
esse lema apresenta outras acepções, embora interesse-nos a
definição relacionada ao tema Culinária. Vejamos, segundo Houaiss
(2009):

bearnês s.m. 1 indivíduo natural ou habitante da


região do Béarn (França) 2 LING subdialeto gascão
falado nessa região adj. 3 relativo a essa região, a
esse indivíduo ou a essa língua 4 CUL diz-se de
molho feito com gema de ovo, vinho branco e
vinagre, temperado com ervas, e que acompanha

- 70 -
grelhados (carne ou peixe) ETIM top. Béarn
(França) + -ês.

A indicação da etimologia é toponímica, ou seja, está


relacionada à cidade de Béarn, na França, significando aquilo ou
aquele que é natural daquela cidade. Ao pesquisarmos uma unidade
lexical francesa que nos comprovasse essa origem, encontramos o
item lexical béarnais(e), relacionado à natureza do que é ou de quem
é de Béarn, França. Vejamos, segundo Le Grand Robert (2001):

béarnais, aise [beaʀnɛ, ɛz] adj. et n. ÉTYM. 1465,


byernois; 1569, Bearnois; du lat. Benearneuses, de
Beneharnum (fin IIIe), nom de la commune de
Lescar, étendu à la région. 1 Du Béarn, province de
France. | Le béret, coiffure béarnaise. | Dialecte
béarnais. N. Personne originaire du Béarn. | Un
Béarnais, une Béarnaise. — Le Béa rnais: Henri IV.
N. f. | À la béarnaise: à la manière béarnaise.
Sauce béarnaise, ou (n. f.) béarnaise: sauce épaisse
au beurre et aux œufs. — En appos. | Un tournedos
béarnaise.

De acordo com a acepção acima, não conseguimos saber se os


ingredientes dos molhos são iguais ou se a obra deixou de informar,
especificamente, do que é feita tal iguaria, desse modo, não podemos
afirmar se houve alteração na receita durante a adoção desse item
lexical pelo idioma português. Na cadeia de relações, temos um outro
molho, bechamel, que assim está definido por Houaiss (2009):
“bechamel adj.2g.s.m. (sXVII) CUL diz-se de ou molho feito de farinha
de trigo, manteiga, leite, creme de leite e vegetais aromatizantes

- 71 -
ETIM fr. echamel ‘molho branco’ <antr. Louis de Béchamel (financista
e gastrônomo francês)”. Note a ausência do acento em relação à
ortografia francesa.
Cotejando com o dicionário francês, notamos que não há novas
adoções de significados na língua importadora, já que encontramos
apenas a definição relacionada à comida. Vejamos o que diz o Le Grand
Robert (2001), em relação à definição que nos interessa: “béchamel
[beamɛl] n. f. ÉTYM. 1742; 1735, béchamelle; du nom de Louis de
Béchamel (1630-1703), qui fut maître d’hôtel de Louis XIV. Sauce
blanche à base de lait, farine, beurre”.
O último item lexical da letra “B” a ser analisado é o
estrangeirismo brie, um dos famosos queijos franceses, da província
de mesmo nome. Em Houaiss (2009), lê-se: “brie \bʀi\ [fr.] s.m. queijo
de leite de vaca fermentado, de pasta macia, fabricado em forma de
disco grande, originário da região de Brie (França)”. Ao compararmos
a acepção do Le Grand Robert (2001), percebemos que, além do
queijo, aparecem outras duas palavras-entrada para o significado de
brie, mas, em relação à iguaria, a definição é similar. Porém, o
dicionário francês caracteriza uma casca bolorenta, que não há
redação perifrástica do Houaiss (2009), como se pode observar: “1.
brie [bʀi] n. m. ÉTYM. 1643; pour fromage de (la) Brie, province de
France. Fromage fermenté à pâte molle et croûte moisie”.

- 72 -
Considerações Finais
Decidimos nos pautar apenas nos verbetes que apresentaram
a etimologia francesa como única, como “glaciário adj. (1881) 1 do
gelo ou das geleiras 2 GEOL referente à época glacial tb. chamada
plistocena ETIM fr. glaciaire ‘id.’”. Assim, fizemos uma filtragem nos
2.363 itens lexicais inicialmente coletados e passamos a considerar
apenas aquelas unidades lexicais que apresentam grafia e pronúncia
genuinamente francesas, denominados nesta pesquisa de
estrangeirismos, com a sua estética francesa e aqueles itens lexicais
que apresentam um aportuguesamento, mas que a informação de sua
etimologia fosse certamente francesa, segundo o Houaiss (2009),
como no verbete glaciário acima. Em seguida, fizemos a comparação
dessas etimologias apontadas pela obra lexicográfica brasileira com os
lemas originais apresentados pelo dicionário monolíngue francês-
francês Le Grand Robert de la Langue Française (2001).
Destarte, com a filtragem final, trabalhamos com 1.005
galicismos, entre empréstimos e estrangeirismos, divididos em 765
empréstimos e 240 estrangeirismos. A partir dessas informações,
começamos a contagem dos campos lexicais através das rubricas
temáticas fornecidas pelo Houaiss (2009). Nos verbetes nos quais não
encontramos essas marcas de uso, fizemos sua nomeação de acordo
com as acepções apresentadas de cada rubrica temática pelo
dicionário da Língua Portuguesa, adequando ao máximo as definições
lexicográficas encontradas com os significados dessas rubricas

- 73 -
temáticas. De um total de 167 campos lexicais, foram analisados trinta
e nove, dos quais consideramos os três mais extensos, sendo eles:
Psicologia, com setenta unidades lexicais; Militar e Culinária, com
trinta e oito cada, entre empréstimos e estrangeirismos.
Voltando à teoria, é válido lembrar que a relação da língua e da
cultura, para Schaff (1964), é considerada enquanto relação de causa
e efeito, como bilateral. Trata-se da influência da cultura sobre a língua
e vice-versa, ou seja, é preciso reconhecer a ação da língua enquanto
sistema fechado, com sua possibilidade de combinatórias e suas
significações sobre o desenvolvimento da cultura. O mesmo autor cita,
ainda, que as línguas se diferem enquanto representação de um povo;
no caso do nosso estudo, os galicismos representam a influência
francesa nos diversos setores de uma sociedade, música, arte,
literatura, assim como, sobretudo, os campos lexicais acima citados.
As línguas não se diferem apenas pela sintaxe, fonética,
morfologia ou pelo vocabulário, mas também pela qualidade desse
vocabulário. Schaff (1964) diz que todas as línguas são traduzíveis
umas nas outras, porém, uma tradução bem feita só pode ser
concretizada quando se conhece muito bem a cultura dessa outra
comunidade de fala. Sendo assim, percebemos que esta análise nos
revelou a importância dos estudos do léxico no que se refere ao
comportamento linguístico de um povo, em uma determinada época,
e contribuiu para nos mostrar a influência cultural francesa na cultura
brasileira.

- 74 -
Visto que um dicionário pretende ser o acervo lexical de uma
comunidade linguística, percebemos que a influência francesa ainda
se faz presente no Brasil, pois o léxico francês adotado na Língua
Portuguesa serve para nomear novos objetos e novas ideias, produtos
da configuração cultural brasileira pós Belle Époque. Concluímos que a
educação transmite ao indivíduo essas experiências de cultura por
intermédio dos valores que se passam entre as gerações, e o dicionário
é um dos instrumentos para se perpetuar esse saber.

- 75 -
Referências

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Supl. (28), p. 27-43, 1984. Disponível em: http://seer.fclar.unesp.
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______. A estruturação do léxico e a organização do conhecimento.


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- 76 -
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Lexicografia, terminologia. 2. ed. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2001.
p. 171-180.

- 77 -
DMRV, DBFJ e DLAP: um decênio de pesquisas
lexicográficas8

Fábio Henrique de Carvalho Bertonha9

Primeiras considerações
No atual contexto dos estudos metalexicográficos, várias
pesquisas vêm sendo desenvolvidas concernentes à organização de
dicionários já existentes de forma tal que possam contribuir para a
elaboração de novas obras lexicográficas, as quais, ao longo de uma
década (2008-2018) foram inúmeras. À vista disso, neste capítulo,
pretendemos evidenciar três das quais foram desenvolvidas pela linha
de pesquisa Lexicologia e Lexicografia no Programa de Pós-Graduação
em Estudos Linguísticos, na UNESP-IBILCE, a saber: (i) Dicionário
Multilíngue de Regência Verbal (DMRV); (ii) Dicionário Bilíngue de
Fraseologismos Jurídicos (DBFJ); (iii) Dicionário de Locuções Adverbiais
e Prepositivas (DLAP).
Para cada um desses dicionários elaborados, como
direcionamento, tivemos a perspectiva de formular obras que
forneçam respostas mais objetivas e diretas para os consulentes que

8
Pesquisas desenvolvidas na UNESP/IBILCE, sob a orientação da Profa. Dra. Claudia
Zavaglia, com bolsas CNPq/PIBIC (durante a Iniciação Científica) e CAPES (no
Mestrado).
9
Doutorando em Estudos Linguísticos, UNESP.

- 78 -
buscam entender e usar corretamente a regência verbal e os
respectivos campos semânticos, as unidades fraseológicas de âmbito
jurídico e, por fim, as locuções adverbiais e prepositivas.
Para tanto, tomamos alguns conceitos a fim de serem
norteadores de nosso trabalho, a exemplo, partimos ao entendimento
sobre como alguns lexicógrafos definiram léxico. Vilela (1979, p. 133)
entendia léxico como a representação de um sistema de possibilidades
abrangendo as palavras documentadas e aquelas possíveis de serem
constituídas a partir de suas bases de formação. Já Biderman (1981, p.
132) considerava-o como o tesouro vocabular de uma língua, tendo
sua nomenclatura composta por conceitos linguísticos e não
linguísticos usados pelo homem atual e do passado. Mais tarde,
Biderman (1996, p. 27) retoma seu conceito de léxico e estabelece que
“é o lugar de estocagem da significação e dos conteúdos significantes
da linguagem humana”. Já na primeira década do século XXI, Borba
(2003, p. 81) diz que léxico é aquilo que faz a conexão entre a abstração
da língua e a realidade em si, de modo que “o léxico fisionomiza a
cultura” (BORBA apud MARCHEZAN; CORTINA, 2006, p. 81). “O léxico
é, pois, o conjunto de todos os itens lexicais existentes em uma língua
natural, incluso aí expressões, fraseologismos, itens gramaticais. É um
conjunto aberto, em contínua expansão, impossível de ser delimitado
em sua totalidade” (ZAVAGLIA, 2009, p. 7), com isso, podemos
sistematizá-lo em dicionários de língua, organizando-o pela língua
geral ou por eixos temáticos. Tal organização pode ser estabelecida de

- 79 -
maneira eficiente por meio da Lexicografia que, sem entrar em
pormenores, é uma técnica – e porque não dizer uma arte – de se fazer
um repertório do léxico, registrando-o em um dicionário.
Logo, desejamos contribuir para futuros pesquisadores
lexicográficos que, assim como nós, almejam elaborar obras bi- ou
multilíngues, conscientes de que é um trabalho complexo, porém, ao
decidirmos produzi-las, compreendemos que possa ocorrer ausência
de clareza, além de lacunas que poderão compor nossos verbetes de
maneira tal que, nem por isso, desistimos dessa laboriosa tarefa, ao
contrário, seguimos contribuindo para uma Lexicografia estruturada e
bem planejada.

Fundamentação teórica
Propondo-se pesquisar o léxico de determinado sistema
linguístico, será o olhar, com interesse particular, que priorizará a
escolha por um recorte linguístico sob um certo enfoque teórico. Por
isso, conforme for o embasamento teórico que o pesquisador irá
adotar, será verificado um diferente tratamento sobre o léxico, sendo
que, sob um viés lexicográfico, as palavras serão entendidas como
unidades lexicais, por outro lado, sob um viés terminológico, serão
consideradas como termos, ou sob uma perspectiva morfológica,
serão identificadas por classes de palavra e assim por diante, quer
dizer, são diversas as possibilidades estabelecidas entre as palavras, a
depender de seus significados.

- 80 -
Via léxico, é possível estabelecer relações semântico-culturais
na elaboração de dicionários, verificando-se como uma população,
inserida em um determinado contexto sócio-histórico-espacial,
compreende sua sociedade uma vez que é um reflexo de suas relações
lexicais adotadas, bem como suas divergências, que contribuirão, por
parte do consulente, a seu melhor entendimento. Portanto, destacar
os elementos constituintes das obras lexicográficas contribuirá para
analisá-las com mais eficiência e precisão.
Levando isso em consideração, realizamos estudos
comparativos bi- e multilíngues, durante um decênio, que envolveram
verbos preposicionados (caso do DMRV) – cujos verbos do corpus
apresentam complementos preposicionados, na direção português-
alemão/espanhol/francês/inglês/italiano/japonês –, além disso,
realizamos um estudo comparativo sobre as fraseologias do universo
jurídico (no DBFJ) junto às línguas italiana e portuguesa (variante
brasileira) e, por fim, fizemos um levantamento das locuções
adverbiais e prepositivas compostas pelas preposições ‘a’, ‘de’ e ‘em’
a fim de elaborar nosso DLAP.
Sabe-se que as obras dicionarísticas servem como consulta, as
quais descrevem o léxico, sendo que tal descrição é determinada por
quatro variáveis (número e extensão das entradas, modo de estudá-
las, ordenação apresentada e suporte da descrição). Dessa
perspectiva, Porto Dapena (2002, p. 42-43) destaca a não existência de

- 81 -
tipos puros de dicionários, ou seja, todo dicionário pode pertencer, ao
mesmo tempo, a várias classificações.
Referindo-se a essas classificações, Porto Dapena (2002, p. 42)
dispõe a seguinte tipologia teórica, como se pode verificar na Figura 1,
a seguir:

Figura 1: Tipologia de dicionários

Fonte: Porto Dapena (2002, p. 43).

Com base no quadro supra apresentado, verificamos que, a


princípio, diferenciam-se os dicionários linguísticos dos não
linguísticos (PORTO DAPENA, 2002, p. 43). Ele ressalta uma primeira
distinção entre dicionários linguísticos (aqueles que se preocupam
com as unidades lexicais de uma ou mais línguas) e não linguísticos
(aqueles que se preocupam com o estudo da realidade representada
pelas unidades lexicais). Além disso, um dicionário pode ser
classificado em referência ao número de línguas em monolíngues,
bilíngues ou plurilíngues.

- 82 -
Em Zavaglia (2009, p. 18-19), destaca-se a indispensável
percepção de que a constituição de qualquer obra que se intitule
‘dicionário’ precisa partir, necessariamente, de uma proposição
primordial de conhecimentos que relacione as unidades lexicais,
levando-se em conta: a) o número de línguas envolvidas; b) o critério
sincrônico (um recorte da língua considerando um momento de sua
existência) ou diacrônico (quando há interesse em se descrever a
‘evolução’ histórica de uma língua); c) o levantamento do léxico, já que
podemos ter dicionários exaustivos, representativos ou reduzidos; d)
os critérios linguísticos, que também devem ser considerados
norteadores, visto que podem ser normativos (estabelecimento de
regras para a língua) ou descritivos; e) a ordenação das entradas
(semasiológica ou onomasiológica). Por dicionário especial mono ou
bilíngue, deve ser entendida aquela obra lexicográfica de uma língua
natural que descreve itens léxicos arrolados por algumas de suas
características (ZAVAGLIA, 2009, p. 38).
Ao se buscar um significado no dicionário, é necessário que se
faça uma reflexão, uma interpretação, no conjunto textual e
contextual, tendo em vista as várias dimensões de informação que
compõem esse significado. Dessas informações, tem-se o indivíduo
que as busca e “de espelho do mundo, o dicionário passa a ser visto
como participante ativo do mundo da linguagem” (COROA, 2011, p.
69).

- 83 -
A língua dicionarizada mostra-se heterogênea conforme
diversos aspectos (sociais, espaciais, temporais, políticos, profissionais
etc.), tamanha diversidade irá determinar a ocorrência de diferentes
tipos de marcação expressa pelo emprego de inúmeras marcas de uso
(informações restritas ou condicionantes ao uso do léxico), além disso,
definem normas linguísticas, permitindo uma comunicação
transcultural no interior de uma mesma comunidade (FIORIN, 1993).
Já Béjoint (2000) considera que os dicionários tidos como
“gerais” incluem “todos, ou uma parte representativa do léxico,
mesmo que a macroestrutura contenha uma porção muito menor do
léxico, com ênfase especial nas palavras usadas na época da
publicação”. Por outro lado, conforme Farias (2014, p. 39-40), os
dicionários especiais se subdividem em função de: a) tipo de lema (de
tabuísmos, falsos cognatos etc.); b) tipo de informação (de sinônimos,
colocações etc.); c) variedade (tecnicismos, regionalismos etc.); d)
grupos de usuários (infantil etc.).
Finalmente, é preciso mencionar a presença daquele(a) que
produz o dicionário, pois, como sujeito social, imperiosamente,
inscreverá suas concepções referentes ao mundo no qual esteja
inserido (ORLANDI, 2000, p. 16). Não se pretende aqui emitir
julgamento acerca de suas escolhas, mas tão somente chamar a
atenção para essa fundamental figura que é atravessada pelo contexto
sócio-histórico-cultural em que vive. Logo, pesquisar dicionários sob
uma perspectiva discursiva é ponderar acerca daquilo que podemos

- 84 -
chamar de ‘sujeito lexicógrafo’, sendo que é um indivíduo que
protagoniza uma relação muito particular com as palavras,
selecionando-as e, por conseguinte, produz um discurso sobre elas,
quer seja formal, identitário, domesticador, regional, técnico etc. É
esse sujeito que insere autores clássicos e/ou modernos e, assim,
discursos populares e da mídia. Por outro lado, ao decidir por não
registrar determinada unidade lexical, quais sejam suas razões, o
lexicógrafo escolhe silenciar um determinado sentido.
Como afirmam Nunes e Lagazzi-Rodrigues (2008, p. 90), os
dicionários contribuem para a formação, no imaginário coletivo, do
sistema linguístico nacional, produzindo um modo de dizer da/sobre a
sociedade, o qual muito influenciará no entendimento lexical do
consulente. Note-se que esse modo de dizer, presente sob a forma de
definição, origina-se a partir de uma sedimentação histórica dos
sentidos, a qual garante a tais instrumentos linguísticos um lugar
legitimador de sentidos das palavras. Consequentemente, enaltecem
ou silenciam as possibilidades de dizer.
Portanto, a neutralidade, tanto na escrita quanto na produção,
almejada pelo lexicógrafo não se realiza na prática, dado que sua
posição é evidenciada ao elaborar suas definições, as quais sempre se
realizam a partir de uma posicionamento discursivo, coincidente ou
não com a posição ocupada pelo consulente. Aliás, as definições se
desatualizam em relação aos discursos em circulação, ponto que pode
ser minimizado pela presença de marcas de uso, ao esclarecerem para

- 85 -
o consulente o contexto nos quais se apresentam nas obras
lexicográficas, cuja presença ou ausência de contextualizações delineia
a concepção do dicionário (testemunha linguística de seu tempo),
conforme atestamos em nossas pesquisas.

Lema, lematização, nomenclatura, macroestrutura, microestrutura


Para se compreender melhor um dicionário, necessário se faz
entender alguns itens lexicais especializados empregados em
Lexicografia, como por exemplo, lema que é a entrada (cada uma das
palavras que é explicada pelo dicionário) ou verbete apresentado na
macroestrutura, sendo que uma unidade lexical se torna uma entrada
graças à sua lematização, isto é, ao processo que converte os verbetes
à sua forma canônica (por exemplo, substantivos, adjetivos e artigos,
geralmente, apresentados no singular e verbos apresentados no
infinitivo). Em relação às entradas, haverá uma discussão mais à frente
que irá tratá-las com maiores detalhes; quanto à nomenclatura,
entendemos que consiste no conjunto de entradas de um dicionário,
isto é, a junção de todos os lemas ou entradas que compõem a
macroestrutura, cuja sequência desses itens lexicais, comumente,
ordena-se de forma semasiológica. As variáveis direcionadoras da
constituição de um dicionário, anteriormente comentadas, são as
diretrizes que norteiam a formulação da macroestrutura e da
microestrutura a fim de aperfeiçoar a competência lexical do falante.

- 86 -
Com efeito, a microestrutura “é formada pelo conjunto de
informações que compõem os verbetes; é, de fato, o verbete na sua
totalidade, constituído pela metalinguagem de que se provê a
entrada”, enquanto que a macroestrutura é o “conjunto da obra,
todos os aparatos de ordenação”, constituindo assim, como sendo
elementos de composição de um dicionário, prefácio, introdução,
informações a respeito da organização da obra, referências
bibliográficas, entre outros (FAULSTICH, 2011, p. 169).
Já Rey-Debove (1971, p. 21) define macroestrutura como o
“conjunto das entradas”, assim, a soma das entradas dispostas em
uma leitura vertical parcial constituem a macroestrutura do dicionário.
Mais tarde, Welker (2004, p. 81) definiria macroestrutura referindo-se
à forma como o corpo do dicionário é organizado, no entanto, um
pouco mais cedo, Béjoint (2000, p. 13) expressou a seguinte opinião
sobre o emprego de macroestrutura:

Alguns usam macroestrutura como sinônimo de


nomenclatura, mas é preferível usar este último
termo como equivalente de word-list, ao passo que
o primeiro pode ser empregado para referir-se à
maneira como o conjunto de entradas é organizado
nos diversos dicionários (BÉJOINT, 2000, p. 13).

Contudo, ao falarmos de macroestrutura, temos de refletir


sobre as entradas (ou palavras-entrada) que constituem a obra
lexicográfica, isto é, seu número e sua disposição (CARBALLO, 2003, p.
81).

- 87 -
Para tanto, Porto Dapena (2002, p. 136-140) conceitua
entrada, em sentido estrito, como “unidade que é objeto do verbete”
e, em sentido lato, como “qualquer unidade léxica que ofereça
informação no dicionário, seja em sua macroestrutura ou
microestrutura”, de forma que podemos distinguir dois tipos de
entradas: (a) aquelas propriamente ditas sujeitas à lematização; e (b)
as subentradas, que pertencem à microestrutura, mas não estão
sujeitas à lematização.
Quanto às unidades lexicais, Carballo (2003, p. 90) afirma que
sua variedade estrutural leva a dificuldades para serem registradas
como entradas de um dicionário, sobretudo quando são unidades
fraseológicas (colocações, locuções e fraseologismos). O princípio mais
importante na ordenação da macroestrutura, segundo Haensch (1982,
p. 452), é a ordem alfabética das entradas.
Existem várias possibilidades de levantamento da
macroestrutura, desde a cópia de outras obras
lexicográficas/terminológicas, passando por opiniões de especialistas
sobre o que deveria compor essa nomenclatura, até uma obra que
apresente todos (ou um número determinado) os verbetes baseados
na frequência com que apareçam dentro de um corpus (de
especialidade ou não).
Com efeito, em relação às entradas, notamos que todo
dicionário é restrito em alguma medida, fato que leva a estabelecer os
critérios de corte aos quais as entradas devem ser submetidas, assim,

- 88 -
um dicionário de norma comum, por exemplo, deve prescindir de
regionalismos, dialetismos, vulgarismos, fraseologismos, termos
científicos etc., assim, chamamos de entrada do dicionário todo
vocábulo que é objeto de um verbete independente e essa definição
não é, no entanto, de todo exata, uma vez que a entrada pode não se
constituir em apenas um vocábulo, e seria mais adequado falar em
unidade léxica ou lexia, que pode ser simples (palavra ou morfema) ou
complexa (vários vocábulos). Ainda sobre as entradas, o projeto do
dicionário deve prever qual será a forma lematizada das entradas (a
norma geral recomenda a forma masculina singular para substantivos
e adjetivos, infinitivo para verbos etc.).
O verbete se compõe de conteúdo, ou seja, tipo de informação
acerca do item lexical, e de forma (microestrutura). Ao descrevermos
a microestrutura de um dicionário, temos um verbete que é
constituído pela entrada e por toda informação sobre essa entrada,
sendo que “cada um dos sentidos especiais ou gerais é o que em
Lexicografia constitui uma acepção” (CASARES, 1984, p. 76).
Logo, após analisarmos demais autores a respeito de diversos
conceitos lexicográficos, entendemos que a macroestrutura se trata
de todo o conjunto escrito que compõe um dicionário (entradas,
prefácio, organização do dicionário, abreviaturas, quadros, listas,
gramática etc.); enquanto que por microestrutura, entendemos que se
constitui de toda informação, após a palavra-entrada, isto é, a parte
interna da macroestrutura, a ordenação dos elementos que compõem

- 89 -
o verbete, normalmente formada por informações gramaticais,
etimologia, definição, marcas de uso, sinônimos, antônimos,
abonações e exemplos.
Salientamos que a microestrutura do dicionário traz relevantes
informações linguísticas benéficas para aprender uma língua, além de
conhecer a macroestrutura a fim de diferenciar o dicionário de vários
outros tipos de obras que possam assim ser intituladas.
Lembrando também que os formatos informatizados
favorecem a criação de obras lexicográficas modernas e interativas,
devido à facilidade na atualização e no armazenamento dos dados e à
diversidade de recursos informatizados disponíveis. O esquema abaixo
representa alguns formatos de dicionários.

Figura 2: Dicionários e possibilidades de armazenamento de dados


CD-ROM
eletrônico
aplicativo
informatizado
para celular
formato online
impresso

Fonte: Elaborada pelo autor.

Embora seja muito frequente e natural que os consulentes


tenham acesso à internet, ao mesmo tempo, nem sempre conseguem
se conectar e, a partir disso, o formato online pode não ser tão
eficiente quando o comparamos a formatos eletrônicos, pois
possibilitam uma consulta mais rápida do que no impresso. Logo,
diversas são as formas pensadas para atender às mais variadas
- 90 -
demandas, por isso há uma tendência à elaboração de dicionários
informatizados.

DMRV, DBFJ e DLAP: três obras lexicográficas


Nesta seção, apontamos quais foram os direcionamentos
adotados para a produção de três das obras dicionarísticas elaboradas
no ambiente da universidade pública estadual ao longo de um década
(2008-2018). Nosso foco não é a discussão dos resultados alcançados,
uma vez que já há trabalhos publicados acerca deles, mas sim
promover, novamente, sua divulgação científica, contribuindo para
que novos trabalhos lexicográficos possam ser estimulados a partir de
nossa experiência investigativa e os caminhos que percorremos para a
feitura de cada um dos dicionários destacados a seguir.

Dicionário Multilíngue de Regência Verbal: verbos preposicionados


(DMRV)
Originando-se de uma pesquisa maior, que vinha sendo
desenvolvida simultaneamente por pesquisadores do GP “Lexicologia
e Lexicografia contrastiva”, o Dicionário Multilíngue de Regência
Verbal: verbos preposicionados (DMRV), cujos verbos do corpus
apresentam complementos preposicionados, na direção português-
alemão / espanhol / francês / inglês / italiano / japonês, correspondeu
a um levantamento dos equivalentes, nessas diversas línguas, para a
nomenclatura em português. Para o estabelecimento de tais

- 91 -
equivalentes (de nossa parte, nossas línguas de estudo foram a
portuguesa, variante brasileira, e a italiana), procedemos a
investigações rigorosas em dicionários monolíngues e especializados
em verbos italianos (nosso objeto de pesquisa), além de consultas a
veículos de busca, como os sites www.google.it e www.yahoo.it.
Utilizamos a Web corpus para que pudéssemos reconhecer como
autêntico o verbo correspondente italiano e sua(s) respectiva(s)
preposição(ões) via averiguação dos possíveis equivalentes nos
contextos reais em que ocorrem, ademais da frequência dos mesmos.
Não se encontrando um verbo que representasse um equivalente
satisfatório para a acepção portuguesa expressa nas contextualizações
da microestrutura do DMRV, propusemos uma tradução parafrásica.
O interesse por esse tema ocorreu justamente pela
necessidade de se promover estudos aprofundados nessa área que
demonstra ter um campo vastíssimo e ainda muito a ser explorado.
Com essa pesquisa, acreditamos ter contribuído de modo efetivo para
o desenvolvimento da Lexicografia especial no país, atendendo a uma
necessidade específica e central de diversos tipos de consulentes,
sobretudo na produção textual em língua estrangeira, em particular, o
italiano, cuja relevância no cenário cultural brasileiro não saberíamos
subestimar, haja vista nossos fortes laços étnicos e históricos, assim
como o peso que o Bel Paese vem assumindo na economia
internacional a partir da segunda metade do século XX. Portanto,
fundamentamos nosso trabalho tanto prática quanto teoricamente,

- 92 -
investigando obras brasileiras e italianas para sustentá-lo ao formular
os verbetes nas microestruturas. É uma pesquisa que se deu em meio
à modernidade das línguas envolvidas, por meio de um olhar
acadêmico, buscando contribuir com aqueles que desejam adentrar
no mundo do léxico verbal.
Essa pesquisa elaborou um dicionário especial, isto é,
elaborado a partir de várias microestruturas que contemplam verbos
cujos complementos são preposicionados. Decidimos padronizá-lo
tendo sua entrada em maiúsculas e negrito (fonte 14) e definições
numeradas, além de uma frase-exemplo (fonte 10) e indicação do
equivalente (tamb´me fonte 10) junto à(s) preposição(ões) ou ao
símbolo de vazio (quando da não ocorrência de preposição), da
seguinte forma:

ENTRADA
1. PREPOSIÇÃO algo / alguém (significado
sinônimos)
→ exemplo na qual está inserida a preposição.

It: equivalente(s) italiano(s) + preposição

A Lexicografia vem propor a pesquisa e a formulação de


dicionários e, diga-se de passagem, durante o século passado teve um
grande avanço em seus estudos teóricos graças à Linguística. No
decorrer do processo de produção do DMRV, notamos a dicotomia
entre teoria e prática: os consulentes, seja o usuário comum ou o

- 93 -
especialista, tendem a não questionar a elaboração de uma obra de
referência (dicionário) da qual exige uma longa e árdua pesquisa,
desejando apenas obter a informação procurada, de modo rápido e
objetivo.
A organização do DMRV é feita por ordem alfabética e as
entradas são retiradas de um corpus pré-determinado. Destacamos
também que a constituição do DMRV é feita de acordo com o tipo de
público ao qual a obra é destinada (público especializado), temos em
mente que a área do conhecimento e as necessidades de informação
do usuário perpassam para a formulação dessa obra. Graças à forma
como o mundo está informatizado, podemos estabelecer a
comunicação e trocar informações com todo o planeta, em tempo
real, a fim de sanar dúvidas relevantes entre as diversas culturas do
mundo globalizado.
O DMRV é um dicionário bilíngue que se destina aos
consulentes que buscam informações particulares sobre a linguagem.
Muitas vezes, os dicionários são utilizados de maneira não correta e
frágil, pois os consulentes nem sempre estão preparados para
manuseá-los com eficiência a fim de aproveitar o conhecimento ali
inserido. Não só desejamos ser objetivos e poupar tempo ao usuário,
mas também abranger o português e o italiano na questão da regência
verbal, pois o DMRV vem tratar desse assunto uma vez que os
consulentes são levados a escolhas aleatórias, muitas vezes baseadas
na língua materna, que podem levar ao erro.

- 94 -
Para o DMRV, partimos do português para o italiano, limitando-
nos à língua contemporânea (web, jornais etc.), observamos o índice
de frequência para apresentarmos as construções gramaticais e os
exemplos, consideramos que equivalência é um termo que traz
relatividade dos significados, pois o que une os signos aos referentes
está relacionado à ação dos usuários de determinada época e
sociedade. No DMRV, buscamos uma equivalência semântica do
léxico, isto é, equivalentes capazes de representar a acepção do
verbete da língua portuguesa (Brasil) na língua de chegada (italiano).
Para este trabalho tomamos como conceitos de partida que o
“verbo transitivo indireto” é todo verbo cujo sentido só se completa
por meio de objeto indireto; e que “objeto indireto” é o complemento
preposicionado que preenche traços semânticos intrínsecos e
essenciais ao verbo. Não nos interessaram verbos cujos
complementos eram preposicionados, porém, apresentassem uma
baixa frequência. Consideramos frequente, à época, uma palavra com,
no mínimo, mil ocorrências no universo de 120 milhões de palavras,
segundo dados apontados por Berber Sardinha (2004, p. 169).
Foi um projeto, cuja elaboração valeu-se de consultas à base
textual do Laboratório de Lexicografia da UNESP de Araraquara (com
mais de 200 milhões de ocorrências e que adotou como parâmetro de
alta frequência o índice de duas mil ocorrências), consideramos
frequente a acepção do verbo com complemento obrigatoriamente
preposicionado que ocorreu, no mínimo, mil vezes (atingindo um

- 95 -
índice médio de frequência). Fizeram parte de nossa pesquisa:
dicionários monolíngues brasileiros e italianos; dicionários bilíngues
português/italiano e italiano/português; jornais italianos (ex.: Corriere
della Sera, La Stampa, La Repubblica); consultas a motores de busca,
como www.google.it e www.yahoo.it. Houve uma grande contribuição
por parte de falantes nativos, como a professora leitora Alessandra
Rondini (UNESP-IBILCE); além de filmes, músicas, obras literárias
(esses últimos itens têm uma carga de informalidade e por isso não
citamos em nossas referências bibliográficas).
Como parâmetros da pesquisa lexicográfica, dividimos os
estudos teóricos em etapas para encontrar os itens lexicais
equivalentes, sendo que a primeira consistiu em sistematizar a
literatura a respeito de dicionários bilíngues especiais e de regência
verbal, enfatizando conceitos como “fidelidade” e “equivalente”
(fundamentais para a elaboração dos verbetes) em Teoria da
Tradução. Em seguida, procedemos à análise de dicionários italianos e
consultamos motores de busca da internet para detectarmos os
correspondentes tradutórios que melhor se adequassem às acepções
da nomenclatura em português. A partir disso, demos início à
elaboração propriamente dita dos verbetes, na direção português-
italiano. E, finalmente, solucionamos problemas lexicográficos ainda
constantes no dicionário fazendo uma revisão final das propostas de
equivalência. Nosso foco era a regência verbal e, para tanto,
analisamos 1050 entradas, com cerca de 2115 acepções no total deles.

- 96 -
Nossos resultados indicaram que a, di, con, per são as preposições
italianas mais usadas para indicar o complemento indireto italiano do
que outras (circa, fra, tra, verso); também notamos, pelas
microestruturas elaboradas, que diferentes acepções de um mesmo
verbo no português apresentam a necessidade ou não do uso de
preposição(ões) em seus equivalentes italianos, além disso, em alguns
momentos, tivemos que propor equivalentes parafrásicos ou até
mesmo inserir pronomes indefinidos como qualcosa e qualcuno.
Tomamos como padrão as seguintes diretrizes: caso o
equivalente italiano fosse também um verbo frequente, mas não
preposicionado, o símbolo Ø seguiria ao equivalente; se o equivalente
verbal proposto também exigisse complementos preposicionados,
indicaríamos as devidas preposições; já se o equivalente italiano não
correspondesse a uma unidade léxica verbal, proporíamos uma
tradução parafrásica; e, finalmente, caso o equivalente se referisse,
por exemplo, apenas a “algo”, enquanto o verbo em português se
referiria a “algo” e a “alguém”, ou vice-versa, isso seria explicitado
mediante a indicação do pronome indefinido qualcosa (qlco) ou
qualcuno (qlcu).
Consideramos os verbos equivalentes em italiano e
formulamos microestruturas com suas respectivas preposições ou
mesmo a constatação da não necessidade delas. A proposta do DMRV
contou com os resultados de várias pesquisas coordenadas por
professores especialistas das línguas alemã, espanhola, francesa,

- 97 -
inglesa, italiana e japonesa, respectivamente, João Moraes P. Júnior,
Rosa M. Silva, Claudia Xatara, Peter Harris, Claudia Zavaglia e Eliza
Tashito.
O google foi uma ferramenta extremamente útil para que
conseguíssemos buscar os equivalentes. Assim, encontramos grande
número de acepções em verbos como aqueles das letras A (274
acepções), C (366 acepções), R (117 acepções) e T (133 acepções),
diferentemente, da quantidade baixa de acepções dos verbos das
letras Q (7 acepções), U (5 acepções) e Z (4 acepções). Levantamos as
possibilidades de tradução para cada uma das 2115 acepções
trabalhadas no período da pesquisa, sendo que as equivalências foram
propostas baseadas em: (i) Dicionários monolíngues eletrônicos [De
Mauro (2000), Garzanti (1994), Zingarelli (2006)]; (ii) Dicionários
monolíngues on-line (Corriere della Sera, Garzanti Linguistica); (iii)
Dicionários bilíngues impressos [Martins Fontes (2004), Michaelis
(1996)]; (iv) Quando as informações constantes nos dicionários se
mostraram insuficientes para chegarmos ao equivalente procurado,
como “NASCERE” ou “UNIRE”, foram feitas sessões com informantes
italianos, a saber: professora leitora Alessandra Rondini (UNESP-
IBILCE); (v) Todas as preposições foram indicadas em itálico e negrito;
(vi) Para um equivalente italiano (em itálico e indicado por It:) que
fosse um verbo frequente e não preposicionado foi estabelecido o
símbolo Ø (em itálico e negrito) após o equivalente.

- 98 -
Dicionário Bilíngue de Fraseologias Jurídicas (DBFJ)
Essa foi uma pesquisa iniciada em 2013, tendo como objetivo
elaborar uma obra lexicográfica especial de fraseologismos jurídicos, e
finalizada em 2016, conforme desdobramento dos estudos
lexicológicos anteriormente realizados. Acreditamos ter contribuído
para estudos bilíngues na direção interlingual referente às unidades
fraseológicas da língua em geral, inserindo-o na bibliografia nacional a
fim de aprimorar a literatura jurídica como instrumento de
comunicação na Lei.
No DBFJ, contrastamos as línguas portuguesa (variante
brasileira) e italiana, assim, diferentemente de vários modelos de
dicionários, propusemos uma maior rapidez e clareza durante a busca
da correspondência tradutória – objetivo principal do consulente –,
visto que oferecemos a contextualização de uso em ambas as línguas
envolvidas. Conforme planejamento prévio da obra, trouxemos todas
as informações previstas para a microestrutura a fim de elaborarmos
uma obra coerente e homogênea, cujos critérios de uniformidade
foram:
(i) indicação da expressão jurídica em língua portuguesa, em negrito,
para que o consulente possa se atentar à significação nele abarcada,
cujo tamanho da fonte é 12;
(ii) indicação do equivalente em língua italiano, em “negrito-verde”,
para que o consulente possa se atentar à significação abarcada na
língua-alvo, cujo tamanho da fonte também é 12;

- 99 -
(iii) elaboração das definições em língua portuguesa, cujo tamanho da
fonte é 12;
(iv) contextualização dos equivalentes na língua-fonte e na língua-alvo
por meio de abonações da web, sendo indicada sua origem ao final do
contexto, cujo tamanho da fonte é reduzido para 9, permitindo que as
palavras-entrada se destaquem a cada novo verbete;
(v) inserção de vírgulas para separar itens lexicais sinônimos,
observando a frequência em que ocorreram.
À vista das características previamente estabelecidas, nossos
verbetes se constituíram a partir do vocabulário da língua portuguesa
(variante brasileira) e pela variante dialetal florentina (italiano
standard) da qual segue a microestrutura elaborada para os itens
lexicográficos propostos:

A partir dessa organização, elaboramos uma obra lexicográfica


bilíngue cuja organização se baseou em critérios predefinidos, tais

- 100 -
como, sua constituição de forma semasiológica e não onomasiológica,
por entendermos que atenderia melhor o público-alvo pelo manuseio
ser mais rápido e, por conseguinte, mais eficaz, anteriormente
destacados, além disso, os verbetes contêm informações de caráter
pragmático (definição e contexto), nos quais há exemplos autênticos
retirados da Web corpus.
Essa pesquisa levou em consideração os itens lexicográficos
relacionados ao âmbito jurídico, partindo do levantamento feito nos
dicionários eletrônicos Aurélio (FERREIRA, 2010) e Houaiss (2009) e
consequente compilação da nomenclatura do nosso dicionário.
Interessou-nos, nesses dicionários supracitados, aquelas entradas que
contivessem uma marca de uso relacionada à área jurídica e
compostas por, no mínimo, duas unidades léxicas. Referindo-se à
microestrutura do DBFJ, acrescentamos uma contextualização das
unidades fraseológicas jurídicas, utilizando a Web corpus. Serviu-nos
como fonte de consulta o Dicionário Jurídico italiano/português, de
Ana Maria Marcondes do Amaral (2006), no qual as entradas são
apresentadas em língua italiana definidas em português, mas com a
ausência de equivalentes nesta língua, fato esse que se tornou nosso
escopo a fim de que pudéssemos inserir as fraseologias ali detectadas
na nomenclatura de nosso dicionário.
Para estabelecer a macroestrutura, adotamos o critério de que
seriam inseridos os itens lexicais que apresentassem marca de uso
jurídica nas línguas envolvidas e seguimos elaborando-o da seguinte

- 101 -
forma: (i) selecionamos os verbetes com marca de uso contendo
termo jurídico; (ii) organizamos semasiologicamente os verbetes
selecionados; (iii) consultamos suas definições no Houaiss (2009) e no
Aurélio (FERREIRA, 2010); (iv) buscamos por contextualizações via
Web corpus, da qual selecionamos as entradas.
Concernente às investigações realizadas para estabelecer os
equivalentes em italiano, utilizamo-nos de obras dicionarísticas mono-
e bilíngues, impressos e/ou on-line, bem como nos valemos de
consultas a motores de busca (www.google.it e www.yahoo.it) a fim
de legitimar nossa expressão correspondente às línguas envolvidas,
dado que a Web corpus possibilita a constatação dos possíveis
equivalentes nos contextos reais em que figuram, além da frequência
dos mesmos, uma vez que, na Lexicografia moderna, uma palavra faz
parte do patrimônio lexical de uma língua se tiver sido usada um dado
número de vezes por diferentes falantes e se ocorrer em diferentes
gêneros textuais, verificáveis via internet, por exemplo. Embora
contenham definição, os verbetes geralmente não contêm
exemplificações, abonações ou mesmo outro tipo de contexto de uso,
ponto a ser destacado porque leva a restrições de (re)conhecimento
por quem os utiliza (ARAGONA, 1994, p. 4).
Metodologicamente, ressaltamos, em negrito, a entrada (com
a marca de uso “termo jurídico”) em língua portuguesa, passando a
compor a nomenclatura. Da compilação realizada da macroestrutura,
excluímos as acepções sem relação com o universo temático das

- 102 -
palavras-entrada, isto é, procedemos à exclusão dos lexemas que não
apresentassem marcas de uso de termo jurídico, seja na língua-fonte
(português), seja na língua-alvo (italiano), além disso, mesmo aqueles
lexemas reconhecidos como pertencentes ao jargão jurídico, mas que
ainda não tinham sido lematizados, tanto no Aurélio quanto no
Houaiss, também foram excluídos, juntamente com as unidades
lexicais em latim, pois decidimos restringir a busca no contexto do
português contemporâneo.
Considerando a relevância em delimitar etapas no processo de
feitura do DBFJ, baseamo-nos em leituras teóricas concernentes ao
escopo desta pesquisa a fim de conseguirmos identificar os itens
lexicais na língua-alvo, dado que já tínhamos em mãos a nomenclatura
de partida por meio da compilação dos dicionários de língua
portuguesa selecionados. Então, partimos para elaborar e inserir
nossas definições, uma tarefa de bastante engenhosidade em sua
constituição, reforçando a coerência durante a descrição semântica
das unidades linguísticas. Na sequência, buscamos contextualizações
reais de ocorrência das unidades lexicais para inserir em nossa
microestrutura, tendo como base o discurso dos falantes e, a partir
daí, determinamos como seria constituída a nomenclatura. Dessa
maneira, analisando os dados levantados, iniciamos a elaboração da
definição das entradas da obra dicionarística, ou seja, passamos à
confecção dos verbetes.

- 103 -
Os motores de busca, fundamentais para otimizar a pesquisa e
a feitura do dicionário, validaram nossos equivalentes italianos, bem
como para evidenciar os contextos de uso e a pertinência das unidades
lexicais do dicionário em questão com relação a uma equivalência
literal, ou não-literal, ou equivalência parafrásica. Na sequência,
apresentamos o verbete-modelo de nossa obra:

FRASEOLOGIA em português
FRASEOLOGIA em italiano
Definição em português.
PT: “exemplo contextualizado em português” [site/referência/origem]

I: “exemplo contextualizado em italiano” [site/referência/origem]

Como se nota, nosso verbete contempla a palavra-entrada –


em negrito, com fonte em tamanho 12 e seu equivalente italiano em
negrito-verde, em mesmo tamanho –, a definição – elaborada por nós,
com fonte em tamanho 9 – e, por fim, as contextualizações, tanto da
entrada quanto de seu equivalente tradutório (em mesma fonte, mas
de tamanho 9). Tivemos cuidado em primar pela precisão e pela
concisão ao elaborarmos nossos verbetes, entretanto, na prática
lexicográfica, evidencia-se o quão difícil é definir certos sintagmas,
pois definir um vocábulo, conforme descreve Biderman (1984, p. 32) é
realizar “uma paráfrase dessa palavra, equivalente a ela
semanticamente”, em linguagem simples, partindo de um vocabulário
básico. Já a procura por equivalência se refere à conexão estabelecida

- 104 -
de uma ideia em uma língua-fonte (português brasileiro) a uma mesma
ideia em uma língua-alvo (italiano), dessa forma, instituindo-se
interdisciplinaridade entre equivalente, tradução e lexicografia
bilíngue.
Como nossos resultados finais da investigação realizada nos
dicionários citados anteriormente, mas sem analisá-los neste
momento, levantamos um montante de 345 entradas que constituem
a nomenclatura do DBFJ. Em dicionários de língua geral, verifica-se que
são escassas as informações sobre a área jurídica, mais raro ainda é
encontrarmos exemplificações (e quando presentes, não estão em
contextos de uso), de forma tal que o consulente perde tempo em sua
consulta, podendo não ter a dúvida esclarecida. Ressalta-se a
existência de pouco material em italiano para auxiliar os usuários da
língua no que se refere ao âmbito do Direito que, conjuntamente com
a desinformação do usuário, pode levá-lo a transferir seu
conhecimento da língua materna para a língua em aprendizagem.

Dicionário de Locuções Adverbiais e Prepositivas (DLAP)


Essa investigação realizou um levantamento das locuções
adverbiais e prepositivas compostas pelas preposições ‘a’, ‘de’ e ‘em’
a partir da macroestrutura do Dicionário Houaiss: Sinônimos e
Antônimos (2011) a fim de analisar: (i) as locuções sinonímicas e (ii) os
exemplos oferecidos na microestrutura desse dicionário e verificar a
possibilidade de se encontrar equivalentes em língua italiana tanto

- 105 -
para a palavra-entrada, quanto para as locuções definitórias e as
frases-exemplo, com base no Dizionario Fraseologico delle Parole
Equivalenti Analoghe e Contrarie (2013).
Analisamos a sinonímia presente nas locuções adverbiais e
prepositivas repertoriadas, verificando de que maneira ocorre sua
descrição no dicionário monolíngue brasileiro acima mencionado.
Além disso, avaliamos como esses dicionários indicam ou não seu uso,
bem como a ocorrência ou não de contextos de uso via
exemplificações que englobem o item sinônimo proposto na
microestrutura do verbete, na medida em que auxiliam o consulente
na procura por um sinônimo, além de otimizar, assim, o trabalho de
um tradutor na busca por equivalentes.
Para essa pesquisa, primeiramente, sistematizamos a literatura
a respeito de dicionários monolíngues, bilíngues especiais e de
sinônimos, dado que é o principal ponto teórico que fundamenta toda
a abordagem de elaboração dos verbetes, sendo que a nomenclatura
repertoriada corresponde às locuções adverbiais e prepositivas
compiladas do dicionário-corpus desse trabalho, porém, que
apresentavam as preposições ‘a’, ‘de’ e ‘em’. Percorremos todos os
verbetes (de ‘A’ a ‘Z’), sendo que naqueles em que continham como
rubrica a etiqueta ‘loc.’ – indicando-se ‘locução’, conforme verificado
em ‘Abreviações’ (p. xvii) da obra supramencionada – foram coletadas
todas as respectivas locuções. Em uma segunda etapa, analisamos
dicionários em língua italiana para, então, consultarmos motores de

- 106 -
busca da internet para encontrarmos os equivalentes que melhor se
adequassem às acepções da nomenclatura em português. Na
sequência, elaboramos os verbetes, na direção português/italiano, por
conseguinte, nosso dicionário, cuja nomenclatura abarca 121 verbetes
nos quais há 136 locuções (106 adverbiais e 30 prepositivas)
constituídas pelas preposições ‘a’, ‘de’ e ‘em’, na direção português-
italiano.
É importante não perder de vista que as locuções são unidades
lexicais muito recorrentes, principalmente na escrita; assim, os
motivos que nos impulsionaram a estudá-las foram as particularidades
existentes a essa parte do léxico. Além disso, dedicamo-nos para que
nossas reflexões fossem adequadas não apenas a nosso interesse
particular, mas também a um interesse sócio-acadêmico, uma vez que
refletimos sobre como dicionários indicam ou não o uso locucional em
suas microestruturas, constatando que nem sempre nos dicionários de
língua geral as locuções e seus sinônimos se fazem presentes.
Graças à pesquisa para elaborarmos nosso dicionário (DLAP),
conseguimos descobrir que a estrutura sistematizada pelo Dicionário
Houaiss: sinônimos e antônimos (DHSA, 2011) expõe falhas, visto que
nem todas as locuções estão contempladas nele. Aliás, não se verifica
uma divisão claramente estabelecida entre os sintagmas, quer dizer,
uma palavra-entrada tida como ‘locução’ poderá apresentar
sintagmas como: ‘pela hora da morte’, ‘abóboda celeste’, ‘abrir os
bofes’, ‘acima de bem’, ‘desde então’, ‘fogo eterno’, ‘pé de pato’ etc.

- 107 -
À vista isso, notamos que se houvesse uma estrutura
sistematicamente melhor dividida, de maneira a pensar em uma
distribuição mais clara e direta de suas acepções, contribuiria para
nortear ou elucidar interesses de seus consulentes. Portanto, a
sinonímia constatada em meio a essa estrutura, irregularmente
disposta, pode levar a equívocos linguísticos dado que, na maior parte
do tempo, não são fornecidas contextualizações, nem mesmo
exemplos.
Evidenciamos, ainda, que a premissa fundamental, conforme
apontam os lexicólogos, a fim de que se instaure a sinonímia, é a
coincidência de conceito. É preciso que os itens lexicais tenham uma
relação sinonímica em função de seu uso pelos falantes, isto é, que
sejam comutáveis intralinguisticamente, bem como apresentem
equivalência interlinguística.
De 2016 a 2018, pesquisamos até que ponto as unidades
lexicográficas consideradas sinônimos nos dicionários seriam, de fato,
sinônimos, procurando discorrer quais se distanciavam e quais se
aproximavam, quais seriam seus pontos de intersecção ou não, seu
funcionamento dentro dos contextos e, desse modo, esperamos que,
com essa pesquisa – que culminou no DLAP – tenhamos não só
registrado o fenômeno por nós pesquisado, mas sobretudo tenhamos
contribuído com mais uma obra dicionarística.

À guisa de conclusão

- 108 -
Ao longo de um decênio, nossa linha de pesquisa procurou não
apenas refletir sobre as questões lexicológicas que envolvem nossos
trabalhos, mas principalmente em concretizá-los na prática. Assim, das
três obras lexicográficas destacadas neste capítulo, o DMRV já está
impresso desde 2013 e as outras duas (DBFJ e DLAP) estão em
processo de análise dos autores para serem disponibilizados
virtualmente.
Concluímos que os sites de busca foram extremamente
importantes durante toda a feitura desses trabalhos, sendo o fator
fundamental para validar nossas escolhas, mostrando a
contextualização dos itens lexicais. Assim, foi possível validar os
equivalentes italianos e sua pertinência para inclusão em nossos
dicionários com relação a uma equivalência literal, ou não-literal, ou
equivalência parafrásica. A frequência com a qual tínhamos os
equivalentes lexicais italianos foi um dos requisitos de todas as
pesquisas, tornando-se nosso foco para que aceitássemos como
equivalentes ao elaborarmos os verbetes. Após decidirmos por
determinado equivalente, o verbete era elaborado e, ao final, uma
revisão geral das microestruturas.
Logo, nossos trabalhos pretenderam colaborar, efetivamente,
com os consulentes aprendizes de italiano como língua estrangeira ao
propormos equivalentes tradutórios, fundamentados sob parâmetros
lexicográficos e tradutológicos. Além disso, contribuímos ao ensino da
Língua Portuguesa, visto que é pautada em princípios lexicográficos,

- 109 -
examinando dicionários existentes e também favorecendo um melhor
acesso ao léxico das línguas envolvidas, empenhando-nos em
preencher lacunas do conhecimento.
Em suma, essas pesquisas evidenciaram o fato de que, tomar
um dicionário nas mãos pode ser uma busca fascinante para um
aprendiz do português, do italiano, para um tradutor ou um
interessado qualquer ao se deparar com o sistema lexical de um povo
e, consequentemente, suas possibilidades de ampliação lexical,
tornando o mundo das palavras um potente aliado no processo
investigativo para a produção de textos, sejam eles de qualquer
natureza.

- 110 -
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- 113 -
Mudanças semânticas do termo família na legislação
brasileira de 1890 a 2013

Beatriz Curti-Contessoto10
Ieda Maria Alves11

Introdução
As origens da família remontam a uma data de
aproximadamente 4.600 anos atrás e era “formada por indivíduos com
ancestrais em comum ou ligada pelos laços afetivos” (BARRETO, 2013,
p. 206). Para que ela continuasse a existir geração após geração, fez-se
necessário o casamento por meio do qual a mulher se integrava à
família e às crenças do marido, desvinculando-se das suas
(COULANGES, 1961).
Assim, a família pode ser considerada a primeira célula de
organização social e se manteve em constante processo de evolução
desde a sua formação em tempos mais remotos (DILL; CALDERAN,
2011). Foi a partir dessa organização que, segundo as autoras, as
sociedades se constituíram e, aos poucos, desenvolveram-se como
estados regidos por leis.

10
Doutora em Estudos Linguísticos, UNESP. Pós-doutoranda, USP. Bolsista FAPESP.
11
Doutora em Linguistique. Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3, França.
Professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP.

- 114 -
Sabe-se, então, que a concepção de família se alterou com o
passar do tempo. Do ponto de vista jurídico, essas mudanças estão
marcadas nas legislações das nações que, a seu modo e sob influência
de aspectos diversos, tentaram definir legalmente o que é família em
diferentes momentos de sua história. Foi o que aconteceu no Brasil,
de modo mais específico.
Considerando esses fatos, interessou-nos averiguar de que
modo o conceito denominado pelo termo família sofreu alterações ao
longo do tempo no contexto do Direito brasileiro, partindo de 1890,
ano em que o casamento civil foi instituído nesse país, e chegando a
2013, ano que trouxe a última alteração legislativa com relação à
matéria. Desse modo, objetivamos identificar as transformações
semânticas sofridas por essa unidade terminológica nesse período e
mostrar sua relação com aspectos socioculturais, morais, religiosos,
políticos e históricos da sociedade brasileira dos séculos XIX, XX e XXI.
Para realizarmos este estudo, fundamentamo-nos nos pressupostos
teóricos da Terminologia, especialmente nos da Socioterminologia,
Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT), e Terminologia
Diacrônica.

A diacronia em Terminologia
No Brasil, os estudos terminológicos têm como referência
teórica inicial (do ponto de vista cronológico) a Terminologia como
concebida por Eugen Wüster (1898-1977), engenheiro austríaco que

- 115 -
estabeleceu, nos anos 1930, as bases do que, mais tarde, tornou-se a
Teoria Geral da Terminologia (TGT). Essa vertente realiza estudos
sincrônicos, cujo foco de análise são os termos de uma área de
especialidade abstraídos de possíveis interferências e variações, sejam
temporais, espaciais, sociais ou outras.
Com o passar do tempo, os contornos científicos assumidos
pela Terminologia da TGT foram se mostrando limitados a outros
propósitos por partirem “do pressuposto de que o conhecimento
especializado é uniforme e independente das línguas e das culturas”12
(CABRÉ, 1999, p. 117), o que conduz ao “apagamento dos aspectos
comunicativos e pragmáticos que também envolvem o léxico
temático” (KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 34). Percebeu-se, então, a
necessidade de se relacionar os estudos terminológicos ao caráter
social e dinâmico inerente à linguagem.
Com as limitações apresentadas pela TGT, outros teóricos se
empenharam em compreender a unidade terminológica por meio de
um viés descritivo e social. A ideia de uma socioterminologia aparece,
na década de 1980, para se referir às inter-relações constatadas nas
etapas que marcam uma experiência de rearranjo linguístico
(BOULANGER, 1991). Dentre os pesquisadores que desenvolveram
essa linha teórica, destacamos Gaudin (1993; 2003) e Guespin (1995)
como exemplos.

12
Tradução dessa citação feita por Lidia Almeida Barros (2004, p. 57).

- 116 -
Para Gaudin (1993), a Socioterminologia acrescenta o ponto de
vista sociolinguístico aos estudos terminológicos, concebendo as
variantes lexicais e conceituais como constituintes da unidade
terminológica, e analisando o termo em seu contexto de produção.
Nesse sentido, “os termos servem para veicular as significações
socialmente regulamentadas e inseridas nas práticas institucionais ou
no interior dos conhecimentos” (ALVES, 2003, p. 229). Seguindo esses
princípios, diferentes socioterminológos exploram temáticas ligadas
ao caráter dinâmico dos termos, tais como seus usos sociais e o estudo
de sua aparição, sua circulação e sua implantação (GAUDIN, 2005).
Em seguida, Cabré (1999) sistematiza outra vertente teórica: a
Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT). Essa abordagem
considera

[...] a existência da variação conceptual e


denominativa nos domínios de especialidade e
leva em conta a dimensão textual e discursiva dos
termos. Estes são unidades linguísticas que devem
ser consideradas em uma perspectiva poliédrica,
ou seja, em seus aspectos linguísticos, cognitivos e
sociais13 (CABRÉ, 1991, p. 123).

Nesse sentido, os estudos terminológicos devem “contemplar


a própria variação do discurso e estabelecer as variáveis pertinentes
que descrevem essa variação dentro da comunicação em geral e da

13
Tradução dessa citação feita por Krieger e Finatto (2004, p. 57).

- 117 -
especializada em particular”14 (CABRÉ, 1999, p. 122). Para tanto, o
termo deve ser observado em seu contexto de uso.
Visto que a TCT considera os aspectos linguístico-
comunicacionais que envolvem as terminologias, essa teoria se
aproxima, em partes, da Socioterminologia. No entanto, Cabré (1999)
propõe que, além dessas questões, há outros aspectos das unidades
terminológicas, tais como os cognitivos, que também devem ser
levados em consideração. Isso porque, para essa perspectiva, os
termos são unidades que representam as percepções e as
categorizações da realidade geradas pelas áreas de especialidade
(CABRÉ, 2009). São, nesse sentido, “o objeto de uma teoria do
conhecimento (de base filosófica, psicológica e neurológica)”15
(CABRÉ, 2009, p. 10, tradução nossa).
No início dos anos 2000, Temmerman (2000) propõe a
chamada Teoria Sociocognitiva da Terminologia (TST). Ela “se
concentra no potencial cognitivo da terminologia na linguagem de um
domínio específico e na variação terminológica relacionada a
contextos verbais, situacionais e cognitivos no discurso e em uma
ampla variedade de ambientes de comunicação”16 (FABER;
RODRÍGUEZ, 2012, p. 17).

14
Tradução dessa citação feita por Karina Rodrigues e Lidia Almeida Barros (2011, p.
3).
15
No original: “the object of a theory of knowledge (philosophical, psychological,
neurological bases)”.
16
No original: “concentrates on the cognitive potential of terminology in domain-
specific language and on terminological variation as related to verbal, situational,

- 118 -
De certa forma, essa teoria é próxima à Socioterminologia de
Gaudin (2005) e à TCT de Cabré (1999), embora se diferencie delas.
Nesse sentido, Faber e Rodríguez apontam que “o que torna a TST
diferente das outras teorias é a sua ênfase na organização conceitual17
e seu foco na estrutura de categorias na perspectiva da Linguística
Cognitiva”18 (FABER; RODRÍGUEZ, 2012, p. 18). Seguindo esse viés,
Temmerman (2000) “propõe-nos a substituição da noção de conceito,
elemento basilar na Escola de Viena, pelas noções de categoria e de
unidade de compreensão” (FINATTO, 2001, p. 126).
Considerando o exposto, entendemos que a Socioterminologia
se interessa na dinamicidade discursiva das terminologias, a TCT
considera a variação denominativa e conceitual dos termos ao longo
do tempo e a TST propõe que a diacronia terminológica e conceitual
seja estudada à luz de uma abordagem que una os aspectos social e
cognitivo dos termos e seus conceitos. Em meio a essas diferentes
abordagens sobre a dinâmica lexical e conceitual dos termos, está a
Terminologia Diacrônica (TD), que, ao contrário das teorias

and cognitive contexts in discourse and in a wide range of communicative


environments”.
17
Este trabalho não tem como objetivo fazer uma organização conceitual de acordo
com os pressupostos da Teoria Sociocognitiva da Terminologia, que considera a
Linguística Cognitiva e a Psicologia em seus estudos. Mesmo assim, é importante
mencionarmos aqui essa teoria, pois ela prioriza a análise de conceitos de um ponto
de vista diacrônico – que é o enfoque deste artigo.
18
No original: “what makes sociocognitive terminology different from other theories
is its emphasis on conceptual organization, and its focus on category structure from
the perspective of cognitive linguistics”.

- 119 -
apresentadas, não se encontra sistematizada como uma vertente à
parte das demais, mas permite explorar uma ou mais perspectivas que
levem em consideração a diacronia em Terminologia.
A TD aparece timidamente no final da década de 1990,
sobretudo com trabalhos de Dury (1997)19. Essa linha oferece um
ponto de vista histórico sobre os termos e os conceitos (DURY, 1999).
Os fenômenos estudados pela TD incluem neologia e necrologia
terminológicas, profusão terminológica, variação sinonímica,
implantação de termos, mobilidade semântica e evolução semântica
dos termos (DURY; PICTON, 2009). A TD também considera que, além
dos fenômenos de redução e de expansão que partem de um termo
ou de uma terminologia já existente, os termos, bem como os
conceitos que esses denominam, surgem influenciados pelas
mudanças dos domínios de especialidade em que são veiculados, os
quais, por sua vez, acabam refletindo transformações socioculturais de
um povo (CURTI-CONTESSOTO, 2018). Por essa razão, novas
terminologias e novos conceitos que acompanham a “evolução” dos
domínios e, consequentemente, da sociedade são criados com o
passar do tempo.

19
Nessa mesma época, Møller (1998) propõe a Terminocronia, que se insere no rol
de propostas emergentes de automatização do reconhecimento da evolução,
observando-a além da neologia ou da implantação terminológica, uma vez que
propõe analisar diferentes aspectos, tais como o desaparecimento dos termos e o
aparecimento de cadeias terminológicas (chaînes terminologiques) (PICTON, 2009).

- 120 -
Sendo assim, o estudo diacrônico de um léxico de
especialidade pode, então, evidenciar fenômenos ligados à evolução
dos conhecimentos, dos conceitos e das unidades terminológicas que
os denominam (DURY, 2013). Com o passar dos anos, outros trabalhos
foram desenvolvidos, cada qual adotando diferentes perspectivas e
metodologias em TD (cf. TARTIER, 2006; PICTON, 2009; DURY;
DROUIN, 2011, e outros).
Já no Brasil, até os dias de hoje, a TD é uma abordagem pouco
explorada. Apesar disso, a diacronia tem sido estudada no âmbito de
pesquisas terminológicas intra- e interlinguísticas, sobretudo à luz de
princípios teóricos que exploram a neologia e o quadro variacionista.
Há, nesse sentido, grandes contribuições, dentre as quais destacamos
Alves (2017) e Faulstich (2001), respectivamente. Ainda que estudos
em TD sejam incipientes em nosso país, é possível encontrarmos
algumas pesquisas brasileiras que foram desenvolvidas recentemente
à luz de uma abordagem diacrônica em Terminologia e cada uma
segue uma linha teórica e metodológica particular (cf. SOUZA, 2007;
PEREIRA, 2012; MARENGO, 2016; CURTI-CONTESSOTO, 2019;
CAMBRAIA, 2020; dentre outros).
Neste trabalho, de modo mais específico, relacionamos os
aspectos teórico-metodológicos da Socioterminologia e da TCT aos da
TD a fim de realizar nossas análises. Nesse sentido, consideramos que
o termo é uma unidade que sintetiza o conceito do ponto de vista
linguístico (ao qual temos acesso por meio da análise dos

- 121 -
comportamentos discursivos e da morfossintaxe dessas unidades) e
que representa linguisticamente o sistema de conhecimentos de um
domínio de especialidade (cf. CONCEIÇÃO, 1999). Uma vez que o
termo é constituído de uma denominação que remete a um conceito,
entendemos que sua expressão é da ordem da língua e que seu
conceito20 é da ordem do pensamento (DEPECKER, 2002).
Além disso, por ser uma unidade lexical especializada de uma
língua, “tal como essa língua, o termo está sujeito a diversas
interferências e influências”21 (CURTI-CONTESSOTO, 2018, p. 15). Isso
porque, em virtude de fatores diversos, a língua não é nem
homogênea, nem estática (ALVES, 2006). Ao considerarmos, então,
que o léxico das línguas em geral é dinâmico, pois se transforma e se
enriquece constantemente, as linguagens de especialidade, enquanto
subsistemas linguísticos, não escapam desse processo (BARROS,
1998).
Apoiando-nos nos pressupostos teóricos apresentados,
entendemos que os termos devem ser considerados em seu contexto

20
Por conceito, entendemos “uma unidade de pensamento constituída por
abstração com base em características, traços, atributos ou propriedades comuns a
uma classe de objetos, de relações ou de entidades, podendo esse conceito ser
expresso por um termo ou por um símbolo” (BARROS, 2007, p. 37). Os traços
conceituais, a nosso ver, sofrem alterações, na medida em que determinado do
domínio de especialidade se transforma. No caso do Direito, que é estudado neste
artigo, consideramos que as transformações legislativas alteram as concepções
jurídicas sobre as questões por elas tratadas e, consequentemente, mudam os traços
conceituais dos termos veiculados nesse domínio.
21
No original: “like this language, the term is subject to several interferences and
influences”.

- 122 -
comunicacional e que devem ser estudados os aspectos históricos e
temporais que lhes subjazem a fim de verificar a variação
terminológica no espaço e no tempo. Esse fenômeno pode se
manifestar, principalmente, em dois níveis: o da expressão e o do
conceito.
O primeiro caso se refere à variação denominativa, que pode
ser concebida como o fenômeno em que um mesmo conceito é
denominado por diferentes termos (FREIXA, 2006). Ao observarmos
essa variação, podemos notar o aparecimento de termos, que está
relacionado ao processo de criação lexical chamado neologia (ALVES,
2007), e o desaparecimento dessas unidades, ou seja, o processo de
necrologia terminológica (PICTON, 2014).
Além da possibilidade de existirem neologismos e
necrologismos terminológicos em um domínio de especialidade, os
termos já existentes podem sofrer alterações nos níveis semântico,
sintático e/ou morfológico. Especialmente no que concerne às
alterações semânticas que podem ocorrer nos conceitos denominados
por termos já existentes, entendemos que elas podem se dar “por
extensão do campo de aplicação [das unidades terminológicas em
foco], evolução ou aparição de novos conceitos, bem como mudando
o domínio da ciência ao qual pertenciam” (BORTOLATO, 2013, 47-48).
É esse aspecto que, de forma particular, interessa-nos neste
trabalho, na medida em que nos propomos a analisar as
transformações semânticas sofridas pelo termo família entre 1890 e

- 123 -
2013 no domínio jurídico brasileiro. Assim, partimos do ano de 1890,
quando foi instituído o casamento civil em nosso país, e chegamos a
2013 (ano em que houve a última alteração legislativa com relação à
família no Brasil).
Entramos, então, no segundo nível de variação terminológica
no espaço e no tempo: o do conceito. A variação semântica de um
termo ao longo do tempo acontece principalmente porque os
conceitos acompanham as transformações de um domínio de
especialidade, as quais estabelecem novos traços conceituais que
modificam ou tornam os conceitos mais específicos (CONCEIÇÃO,
1999). Há, portanto, uma relação entre a evolução dos conhecimentos
das áreas de especialidade e a variação (ou evolução) dos conceitos
que se referem a esses conhecimentos.
Além da evolução dos conhecimentos, os domínios se
transformam, muitas vezes, em resposta a mudanças de ordem social
e cultural de determinada comunidade de fala. Assim, uma vez que,
neste trabalho, atentamo-nos à evolução semântica do termo família
no domínio jurídico brasileiro, pretendemos encontrar os diferentes
estados semânticos dessa unidade terminológica e relacioná-los a
aspectos socioculturais, políticos e históricos do Brasil entre os séculos
XIX e XXI.

- 124 -
Metodologia
Para realizarmos esta investigação, dois corpora foram criados.
O primeiro se chama LBCorpus e é composto por nove documentos
legais, ou seja, nove leis, decretos e emendas que tratam da família
desde a instituição do casamento civil (1890) até o ano em que ocorreu
a última alteração legislativa com relação à temática no Brasil (2013).
Cada um desses documentos consiste em um subcorpus do LBCorpus
nomeado com o seu respectivo ano de publicação e se encontra na
seção seguinte deste trabalho.
O segundo corpus consiste no Corpus de ApoioBR, que reúne
uma bibliografia especializada em Direito e História do Brasil. Dentre
os arquivos que a compõem, constam dicionários jurídicos e bases
terminológicas, bem como artigos e livros de especialistas no assunto.
Algumas das fontes consultadas são apresentadas na próxima seção.
A principal dificuldade com relação à identificação dos estados
semânticos de família nesse contexto se deu pelo fato de não
conseguirmos encontrar dicionários jurídicos que trouxessem
definições desse termo em diferentes momentos da história do Brasil
e que fossem correspondentes ao que era previsto pelo legislação
brasileira entre os anos 1890 e 2013. Uma vez que não encontramos
esse tipo de material, foi necessário criar outra estratégia de pesquisa
que nos auxiliasse a compreender melhor a configuração semântica
dessa unidade terminológica.

- 125 -
Determinamos, portanto, que, para verificar a evolução
semântico-conceitual do termo família, seria importante observar as
mudanças legislativas ligadas às formas de constituição de família
reconhecidas pela lei brasileira, às pessoas que, juntas, podem formar
uma família, à gestão do patrimônio e dos bens da família, bem como
aos direitos e deveres das pessoas envolvidas. Isso nos deu um
caminho a ser seguido para que não deixássemos de verificar nenhum
aspecto importante do conceito de família que possa ter sofrido
alterações no domínio jurídico entre 1890 e 2013.
Para encontrar essas mudanças legislativas, recorremos ao
LBCorpus. Em cada um de seus subcorpora, buscamos pelos termos-
chave família, mulher, homem, filho, bens e poder. Além disso, foi
necessário elaborar um questionário que norteasse o processo de
busca pelas alterações legislativas no que tange a esses aspectos.
Assim, ao encontrarmos esses termos, selecionamos os trechos dos
documentos legais que respondiam aos seguintes questionamentos:
quais são as formas de se constituir família? Quem são os membros da
família? A gestão da família deve ser feita por apenas um dos
responsáveis ou por todos? Quais são os deveres dos responsáveis na
manutenção da entidade familiar?
Esse questionário foi respondido separadamente de acordo
com os documentos legais que compõem o LBCorpus e que constam
da seção seguinte deste trabalho. Assim, essas respostas “sintetizam”
as mudanças legislativas francesas sobre a matéria e, a partir delas,

- 126 -
pudemos encontrar os diferentes estados semânticos assumidos pelo
termo família ao longo do período de 1890 a 2013.
Por fim, buscamos, na bibliografia que constitui o Corpus de
ApoioBR, dados de cunho social, político, ideológico e cultural que
pudessem explicar os motivos de essas transformações terem
acontecido no âmbito jurídico brasileiro, relacionando-os, portanto,
aos diferentes estados semânticos do termo família.
A seguir, apresentamos os resultados alcançados no que tange
à evolução semântico-conceitual desse termo e aos aspectos
socioculturais e históricos que lhe subjazem.

Evolução do conceito jurídico de família no Brasil


Durante séculos no Brasil, os casamentos católicos eram os
únicos oficialmente reconhecidos e, por conseguinte, era por meio
desse tipo de união que se formavam as famílias consideradas
“legítimas” do ponto de vista legal. Após a proclamação da República
em 1889, houve a separação entre Igreja e Estado, o que possibilitou
a instituição do casamento civil e laico em 1890 pelo decreto nº 181.
Segundo esse decreto:

Art. 56. São effeitos do casamento: § 1º Constituir


familia legitima e legitimar os filhos anteriormente
havidos de um dos contrahentes com o outro, salvo
si um destes ao tempo do nascimento, ou da
concepção dos mesmos filhos, estiver casado com
outra pessoa. § 2º Investir o marido da
representação legal da familia e da administração

- 127 -
dos bens communs, e daquelles que, por contracto
ante-nupcial, devam ser administrados por ele
(BRASIL, 1890, grifos nossos).

Com base nesse decreto, a família era concebida legalmente,


nessa época, como “matrimonializada, patriarcal, hierarquizada,
heteroparental, biológica, institucional vista como unidade de
produção” (MADALENO, 2015, p. 36). Nesse sentido, família
denominava uma entidade que era exclusivamente formada por meio
do matrimônio civil, laico e indissolúvel22 entre um homem e uma
mulher (ou seja, heteroparental), comandada apenas pelo marido (daí
patriarcal e hierarquizada), com os fins de se reproduzirem e terem
filhos legítimos (por isso, biológica e unidade de produção).
A hierarquia entre homem e mulher, no seio familiar, era
fundamentada pela legislação brasileira da época que, além disso,
revelava “forte influência dos princípios cristãos no que tange ao
caráter patriarcal da família e à indissolubilidade do vínculo
matrimonial que só era possível acabar após o falecimento de um dos
cônjuges” (CURTI; BARROS, 2018a, p. 86). O primeiro Código Civil
brasileiro, datado de 1916, alterou, em partes, essa visão com relação
à concepção legal e patriarcal de família. Embora a hierarquia entre o
marido e a esposa permanecesse, uma vez que ele ainda era
considerado o chefe, a mulher passou a ser vista como colaboradora

22
Nesse decreto, “o ‘divorcio’ passou a ser previsto como uma possibilidade de
separação, mas que não permitia aos cônjuges contraírem novas núpcias” (CURTI;
BARROS, 2018b, p. 86).

- 128 -
nos encargos da família. Vejamos os artigos a seguir que reforçam
esses pontos:

Art. 229. Criando a família legítima, o casamento


legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou
concebidos. [...] Art. 233. O marido é o chefe da
sociedade conjugal. Compete-lhe: I. A
representação legal da família. [...] V. Prover à
manutenção da família, guardada a disposição do
art. 277. [...] Art. 240. A mulher assume, pelo
casamento, com os apelidos do marido, a condição
de sua companheira, consorte e auxiliar nos
encargos da família. (BRASIL, 1916, grifos nossos).

Nesse contexto, “o matrimônio era a única forma de


constituição da chamada família legítima, sendo, portanto, ilegítima
toda e qualquer outra forma familiar, ainda que marcada pelo afeto”
(BARRETO, 2013, p. 209). Assim, ela permanecia ligada a duas
questões fundamentais, a saber: o casamento civil e a
consanguinidade dos filhos23. Desse modo, o conceito jurídico de
família, nesse momento, ainda se referia a uma entidade legitimada
pelo casamento civil, laico e indissolúvel24 entre um homem e uma

23
Apesar de o Código Civil de 1916 ter possibilitado a adoção, esta era bastante
restrita. Nesse sentido, seu Artigo 368 regulamentou que “só os maiores de
cinqüenta anos, sem prole legítima, ou legitimada, podem adotar” (BRASIL, 1916).
Isso porque havia uma hierarquia entre filhos legítimos e adotados, na qual os
primeiros eram “favorecidos” (cf. COÊLHO, 2011).
24
O termo desquite “foi criado para substituir a denominação e o conceito de
divórcio” do decreto nº 181 de 1890 (CURTI; BARROS, 2018).. Nesse sentido, “era
utilizado para diferenciar a separação judicial de corpos e de bens do divórcio com
dissolução do laço conjugal [uma vez que tal] possibilidade era consagrada em outros
países, exceto no Brasil” (DALVI, 2011).

- 129 -
mulher e dirigida apenas pelo marido, cujo objetivo era a reprodução
de filhos legítimos, ou seja, concebidos por esse casal e reconhecidos
pelo matrimônio, embora pudesse haver filhos adotados em casos
específicos.
Em 1937, a Lei Nº 379 reconheceu um novo tipo de matrimônio
oficial: o casamento religioso com efeito civil. Em seus termos:

Art. 1º Aos nubentes é facultado requerer, ao juiz


competente para a habilitação conforme a lei civil,
que seu casamento seja celebrado por ministro da
Igreja Católica, ao culto protestante, grego,
ortodoxo, ou israelita, ou de outro cujo rito não
contrarie a ordem pública ou os bons costumes
(BRASIL, 1937).

Assim, a partir desse momento, os casamentos religiosos


podiam se tornar oficiais diante do Estado e da sociedade, desde que
observadas as regras para tanto. Logo, o conceito de família sofreu
uma alteração em um de seus traços semânticos, na medida em que
passou a se referir a uma entidade legitimada pelo casamento civil,
laico ou religioso com efeito civil e indissolúvel entre um homem e uma
mulher e dirigida pelo marido, cujo objetivo era a reprodução de filhos
legítimos, ou seja, concebidos por esse casal e reconhecidos pelo
matrimônio, embora pudesse haver filhos adotados em casos
específicos.
Em 1962, a Lei nº 4.121 proporcionou um avanço no que tange
aos direitos da mulher casada. Tratando de sua situação jurídica, essa

- 130 -
lei alterou vários aspectos do Código Civil de 1916, dentre os quais se
destaca que, a partir desse momento, a mulher poderia exercer o
poder familiar (BRASIL, 1962). No entanto, essa possibilidade
continuava restrita, uma vez que “a redação do parágrafo único do
artigo 380, explanava que, caso houvesse divergência entre os
genitores, quanto ao exercício do pátrio poder, prevaleceria a decisão
do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para a solução
daquele conflito” (BARRETO, 2013, p. 210). Apesar disso e de outras
questões, fato é que a posição da mulher na entidade familiar foi
modificada e isso “representou uma das maiores conquistas da classe
feminina perante a legislação brasileira, passando, a partir de então, a
interferir na administração de seu lar” (BARRETO, 2013, p. 210).
Considerando essas modificações de 1962, entendemos que o
traço semântico referente à entidade dirigida apenas pelo marido
compreendido pelo conceito denominado pelo termo família também
foi alterado. Nesse sentido, a família passou a ser considerada
juridicamente uma entidade dirigida pelo marido e pela mulher, ainda
que não tenha alterado a hierarquia entre os dois, uma vez que ambos
não se encontravam em posição de igualdade no âmbito familiar.
Nos anos seguintes, a legislação brasileira continuou se
transformando na tentativa de acompanhar os avanços da sociedade.
Desse modo, em 1977, a Lei nº 6.515 retomou o termo divórcio,
“porém com nova configuração semântica: agora, a sociedade
conjugal poderia ser dissolvida, possibilitando aos cônjuges

- 131 -
contraírem novas núpcias” (CURTI; BARROS, 2018a, p. 80). O desquite,
por sua vez, foi substituído pelo termo separação judicial (cf. BRASIL,
1977). Assim, a partir desse momento, cônjuges divorciados poderiam
casar novamente, o que tornou os casamentos oficiais dissolúveis.
Pelo fato de a Lei nº 6.515 de 1977 ter introduzido “um
conceito totalmente novo na legislação brasileira sobre a matéria: a
união matrimonial com possibilidade de dissolução” (CURTI; BARROS,
2018b, p. 79). O conceito de família passou a se referir a uma entidade
legitimada pelo casamento civil, laico ou religioso com efeito civil e
dissolúvel entre um homem e uma mulher e dirigida pelos cônjuges,
cujo objetivo era a reprodução de filhos legítimos, ou seja, concebidos
por esse casal e reconhecidos pelo matrimônio, embora pudesse haver
filhos adotados em casos específicos.
Em 1988, de forma inédita em nossa legislação, o casamento
deixou de ser a única via por meio da qual seria possível, legalmente,
constituir família. Nesse sentido, a Constituição Brasileira de 1988
(CF/88) determinou o seguinte:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial


proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos
termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é
reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento.
(Regulamento)

- 132 -
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar
a comunidade formada por qualquer dos pais e
seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade
conjugal são exercidos igualmente pelo homem e
pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo
divórcio, após prévia separação judicial por mais de
um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada
separação de fato por mais de dois anos.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da paternidade responsável, o
planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos
educacionais e científicos para o exercício desse
direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte
de instituições oficiais ou privadas (BRASIL, 1988,
grifos nossos).

Como vemos, a Constituição de 1988 passou a considerar três


modalidades de família, a saber: aquela formada pelo casamento (seja
civil, seja religioso com efeito civil), aquela instituída pela união estável
e aquela formada por um dos pais e seus descendentes, conhecida
como família monoparental25.
Até a CF/88, a família era constituída e legitimada apenas pelo
casamento. Logo, “duas espécies de denominação de família foram
geradas, uma legítima instituída pelo casamento e a outra ilegítima
formada por uma união livre e com impedimentos matrimoniais”

25
Cumpre dizer que a “Constituição limitou-se à descendência em primeiro grau.
Assim, não constitui família monoparental a que se constitui entre avô e neto, mas
é entidade familiar de natureza parental, tal como se dá com a que se forma entre
tio e sobrinho” (LÔBO, 2015, p. 78).

- 133 -
(SILVA, 2011). Além da discriminação que essas famílias ilegítimas
sofriam em meio à sociedade, “a família legítima constituída pelo
casamento era protegida pelo ente Estatal e [tinha] total amparo
legal” (SILVA, 2011). Com a CF/88, nasceram, então, três novas
perspectivas de família em nossa legislação. Consequentemente, o
conceito de família passou a se referir a uma entidade formada ou por
meio do casamento civil e laico ou religioso com efeito civil, e
dissolúvel ou através da união estável entre um homem e uma mulher
ou, ainda, por um dos pais e seu(s) descendente(s), com o intuito de
constituir uma comunidade familiar biológica com filhos
consanguíneos e/ou socioafetiva com filhos adotivos.
Quase cem anos após a publicação do primeiro Código Civil
brasileiro, a nossa legislação o atualizou em 2002, reforçando diversos
aspectos tratados pela CF/88. Nesse sentido, o Código Civil de 2002,

[...] além de reconhecer [...] a relação não


matrimonial entre duas pessoas (homem e
mulher), de caráter público, contínuo e duradouro,
com o objetivo de constituir família, também
estabelece critérios de configuração e efeitos, com
o intuito, inclusive, de fazer diferença entre relação
concubinária26 e união estável (TAVARES, 2016).

26
Até 1988, o Concubinato se referia à união entre um homem e uma mulher sem
matrimônio. Havia, nessa época, dois tipos de concubinato: o puro, que não
apresentava impedimentos para o casal se casar, e o impuro, em que, ao contrário,
havia impossibilidade matrimonial (DAMASCENA, 2020). Com o advento da CF/88, a
união estável passou a constituir uma entidade familiar reconhecida pelo Estado,
substituindo, assim, o “concubinato puro”. Por sua vez, o “concubinato impuro”, que
é a única forma de concubinato existente atualmente, não forma uma família

- 134 -
Dessa forma, não houve alterações no conceito denominado
pelo termo família do ponto de vista jurídico brasileiro.
Em 2011, houve o reconhecimento da união estável entre dois
indivíduos de mesmo sexo mediante a aprovação do projeto de lei nº
612 (BRASIL, 2011). A família deixou de ser restrita ao homem e à
mulher, tal como era até então. Desta feita, surge, então, outra
modalidade de família formada pela união estável: a homoafetiva.
Dessa forma, o termo família passou a prever que a entidade familiar
pode ser formada pela união estável entre duas pessoas de mesmo
sexo ou de sexo diferente.
Por fim, em 2013, a possibilidade de contrair núpcias
oficialmente foi estendida a casais homossexuais por meio da
Resolução Nº 175, de 14 de maio de 2013 (BRASIL, 2013). Por
consequência, o conceito de família se alterou, na medida em que
passou a se referir a uma entidade formada ou por meio do casamento
civil e laico ou religioso com efeito civil, e dissolúvel ou através da
união estável entre duas pessoas (de mesmo sexo ou sexo diferente)
ou, ainda, por um dos pais e seu(s) descendente(s), com o intuito de
constituir uma comunidade familiar biológica com filhos
consanguíneos e/ou socioafetiva com filhos adotivos.

oficialmente reconhecida porque ele se dá em uma situação ilegal, ou seja, entre


duas pessoas que estão impedidas legalmente de se casar por algum motivo (que é,
geralmente, o adultério).

- 135 -
Essas duas últimas alterações refletem “um grande aspecto
sociocultural da sociedade brasileira atual que diz respeito à luta pela
conquista de direitos dos casais homossexuais que sempre estiveram
à margem da sociedade e, consequentemente, da Constituição
Brasileira” (CURTI; BARROS, 2018a, p. 91).

Considerações finais
Com base neste estudo, verificamos que o termo família sofreu
alterações semântico-conceituais ao longo dos séculos XIX, XX e XXI.
Isso aconteceu porque o Direito transformou a concepção de família
do ponto de vista jurídico em resposta a necessidades advindas da
sociedade. Nesse sentido, essa evolução foi, em grande parte,
influenciada por questões socioculturais e históricas vividas pelo Brasil
nesse período, sobretudo com relação a seus ideais e às conquistas
dos direitos da mulher e dos casais homossexuais.
Por meio dessa evolução, podemos ver que a entidade familiar
que, em 1890, era matrimonializada, patriarcal, hierarquizada,
heteroparental e biológica, concebida como unidade de produção,
transformou-se, nas palavras de Madaleno (2015), em “uma família
pluralizada, democrática, igualitária, hetero ou homoparental,
biológica ou socioafetiva, construída com base na afetividade e de
caráter instrumental” (MADALENO, 2015, p. 36). Isso porque traços
conceituais relacionados a esses aspectos foram alterados mediante a
publicação de leis que mudaram essas questões, como vimos.

- 136 -
Embora nossa análise tenha se restringido ao termo família,
podemos afirmar que sua evolução semântica pode ter afetado ou
sido afetada por outros termos veiculados nesse domínio, tais como
casamento, por exemplo (cf. CURTI; BARROS, 2018a). Isso acontece
sobretudo porque há uma relação entre as unidades terminológicas
que, pertencentes a um mesmo domínio, afetam umas às outras
quando sofrem transformações no nível semântico.
Este estudo pode contribuir para uma melhor compreensão, do
ponto de vista linguístico, sobre a concepção de família no contexto
jurídico brasileiro no período de 1890 e 2013. Esperamos ainda que
este trabalho possa fomentar pesquisas à luz de uma perspectiva
diacrônica em Terminologia no Brasil, já que esse tipo de estudo pode
aumentar o conhecimento sobre o potencial evolutivo das estruturas
terminológicas, o que poderia ser de interesse de quem ensina as
linguagens de especialidade, de tradutores, de terminógrafos ou
lexicógrafos, de neólogos, dentre outros (cf. MØLLER, 1998, p. 452).

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- 145 -
Miscigenação e relações interculturais: elementos
constitutivos de uma língua variada

Eliane Miranda Machado27


Raiane dos Santos Nascimento28

Introdução
O processo de Colonização do Brasil foi um grande difusor para
a definição da identidade linguística da nação. Nesse contexto, analisar
o processo de construção da identidade linguística, bem como a
fixação do idioma, enquanto língua nacional é realizar uma análise sob
o viés da história e da linguística, com vistas a contemplar o panorama
de implantação da língua portuguesa, tendo em vista que o território
“descoberto” pelos europeus já era habitado por falantes indígenas de
diferentes etnias e contavam com cerca de mil línguas. Diante disso,
faz-se necessária a análise sob os dois vieses, no intuito de
compreender o envolvimento e a importância de diferentes povos, por
meio das relações interculturais na definição e estruturação do idioma
brasileiro.

27
Doutoranda em Ensino de Língua e Literatura, UFT. Coordenadora do Projeto de
Pesquisa – PIBIC “Da Colonização Portuguesa no Brasil ao processo de Construção de
Identidade Linguística: miscigenação e relações interculturais”, UNIFESSPA.
28
Graduanda em História, UNIFESSPA. Bolsista do Projeto de Pesquisa – PIBIC “Da
Colonização Portuguesa no Brasil ao processo de Construção de Identidade
Linguística: miscigenação e relações interculturais”.

- 146 -
Nesse contexto, cabe destacar que para a efetiva implantação
da língua portuguesa, houveram momentos históricos cruciais, que
foram referenciais para isso, dentre eles estão: o primeiro contato dos
europeus com os nativos indígenas até a saída dos holandeses no
Brasil; a chegada da Família Real portuguesa ao Brasil; o terceiro
momento que encerra com a independência do Brasil, em 1822; e o
último momento, que inicia em 1826 com a transformação da língua
do colonizador em língua oficial brasileira e o processo de imigração
brasileira.
Assim, verifica-se a necessidade de envolvimento entre a
historiografia e a linguística, no sentido de aprofundar as análises
desses períodos, que foram demarcados como decisivos para a
implantação da língua portuguesa no Brasil, levantando abordagens
históricas que apresentam a interação comunicativa entre nativos e
europeus, que narram o processo de chegada dos colonizadores, bem
como, os recursos estabelecidos para a interação comunicativa.
Além disso, deve se levar em consideração que os momentos
demarcados estão diretamente ligados a contextos históricos
vivenciados pelo Brasil colônia, até sua independência, dando ênfase
a demarcação da presença de vários povos imigrantes que se
instalaram no Brasil por determinado período, deixando como
vestígios de sua estadia, descendentes e resquícios culturais que
foram incorporados à cultura brasileira que ora vinha sendo criada. No
tocante à linguística, para Mariane (2004, p. 210): Até o século XVIII, a

- 147 -
linguagem, enquanto elemento simbólico constitutivo de qualquer
comunidade linguística era um elemento de diferenciação da colônia
brasileira relativamente à metrópole portuguesa. Porém, devido à
cultura de seu próprio tempo, os colonizadores portugueses não
compreendiam dessa forma. Sem dúvida, a língua portuguesa era a
língua da elite administrativa, das autoridades jurídicas e eclesiásticas,
dos donatários das capitanias hereditárias e, nessa medida,
compartilhada com a corte.
Neste contexto, a presente pesquisa de cunho bibliográfico
vem fazer as abordagens historiográficas do processo de implantação
da língua portuguesa no Brasil e, ao mesmo tempo, vem demonstrar
como as relações interculturais estabelecidas entre os grupos foram
determinantes para as diversidades lexicais e semânticas do idioma
brasileiro, bem como por grande percentual de variantes existentes.

As relações interculturais em contexto de colonização


É importante salientar que o processo de colonização do Brasil
foi determinante para a definição do idioma nacional, uma língua
mista, heterogênea com peculiaridades definidas ainda neste
processo, levando em consideração que a língua é viva e está em
constante mutação em decorrência dos contatos sociais que a
redesenha a cada instante.
E, conforme acrescenta Costa (1996):

- 148 -
Na verdade, toda língua é um conjunto
heterogêneo e diversificado, porque as sociedades
humanas têm experiências históricas, sociais,
culturais e políticas diferentes e essas experiências
se refletirão no comportamento linguístico de seus
membros. A variação linguística, portanto, é
inerente a toda e qualquer língua viva do mundo
(COSTA, 1996, p. 52).

Nesta perspectiva, há de se destacar que as relações


estabelecidas entre povos distintos que, em diferentes momentos
históricos estiveram no Brasil, por interesses políticos e econômicos
influenciaram na formação da Língua Portuguesa falada no Brasil, que
consta com variantes diatópicas, que estão diretamente ligadas aos
processos de migração nas diferentes regiões do país. Como
acrescenta Serafim da Silva Neto(1979, p. 523), “em 1532 com a vinda
de povoadores oriundos de todas as partes de Portugal”, se inicia o
processo de trocas linguísticas que vai se ampliando gradativamente
ao longo do período colonial e, após ele.
É importante realizar uma breve contextualização histórica no
intuito de compreender as influências linguísticas recebidas. Como a
origem da língua portuguesa deriva de uma mistura originada pelo
processo de migração e mistura de povos que, por muitas décadas,
representava a disputa de territórios em prol da detenção de poder, a
língua portuguesa falada no Brasil também parte dessa premissa,
tendo em vista que o período colonial foi o divisor de águas na
formação linguística do país, processo que se inicia com a “descoberta

- 149 -
das índias” e catequização dos índios nativos da região, e perdura por
todo o período de colonização pela potência econômica da época,
Portugal, seguido das correntes migratórias de outros países. Como
reforça Lima e Salomão:

A língua portuguesa, em parte já diversificada,


começa a misturar-se com outras línguas (além das
indígenas) como as dos africanos que aqui
chegaram na condição de escravos, e alguns
séculos depois com a chegada dos imigrantes
europeus (italianos, holandeses, alemães),
assumindo, então, características próprias,
diferenciando-se do português de Portugal (LIMA e
SALOMÃO, 2013, p. 104).

Cabe salientar ainda que, assim como a língua portuguesa


originou-se do latim vulgar e, que ao longo da história foi sofrendo
mudanças, assim também, se deu o processo de formação da língua
portuguesa falada no Brasil, que se iniciou pelas correntes migratórias
de diversos povos, em contato com as línguas indígenas existentes na
região. Há uma grande diferença no que se refere à língua portuguesa
do Brasil, haja vista que esta não vem se moldando apenas por
influência do tempo histórico, mas a sua fixação, desde o início já
ocorrera em contato com povos distintos, o que atribui a ela
peculiaridades singulares. Como acrescenta a passagem do texto de
Pero Vaz de Caminha “Depois andou o Capitão para cima ao longo do
rio, que corre sempre chegado à praia. Ali esperou um velho, que
trazia na mão uma pá de almadia. Falava, enquanto o Capitão esteve

- 150 -
com ele, perante nós todos, sem nunca ninguém o entender, nem ele
a nós.”
Nesta perspectiva, os fatos históricos permitem ratificar que os
colonizadores se depararam com uma diversidade linguística já usada
entre os nativos, dentre as que mais se destacaram estavam a tupi,
guarani e tupinambá, as quais não eram de domínio dos portugueses
que se instalaram na colônia, mas que foram elaboradas estratégias
para apreensão da língua, para dominação do grupo.
De modo a garantir a hegemonia, o controle político e
econômico do local, a coroa portuguesa inicia o processo de
implantação da Língua Portuguesa, até como controle dos nativos.
Dessa maneira, foram criadas estratégias de arrebanhamento dos
nativos, por meio da catequização. Assim, a princípio, foi criada a
língua geral, para estabelecer a comunicação entre nativos e europeus
no processo de catequização, para Silva (2000, p. 6): “é preciso notar
que o termo língua geral muitas vezes tem sido empregado para
denominar uma língua de base tupi, gramaticalizada pelos jesuítas
com o fim de viabilizar a doutrinação dos indígenas”.
Verifica-se a necessidade de encontrar uma maneira para o
estabelecimento da comunicação entre os grupos, desse modo, no
intuito de facilitar a aprendizagem e o entendimento dos nativos,
levando em consideração que a intenção maior era fazer-se
compreendidos, no intuito de convertê-los à fé cristã e ao catolicismo,
daí a língua geral foi uma alternativa, para aproximação entre os

- 151 -
grupos. Mas, gradativamente, através do processo de doutrinamento,
catequização e instrução era disseminada a língua portuguesa que aos
poucos ia sobrepondo a língua dos nativos.
Como destaca Nunes (1996):

Para instruir o índio, o missionário utiliza


discursivamente os conhecimentos dele... ele
interfere na memória discursiva daquele,
provocando aproximações, reestruturações,
apagamentos, identificações. À medida em que fala
das crenças, das canções, dos mitos dos índios, ele
marca os pontos de encontro que possibilitam as
ligações discursivas por onde se instala o discurso
europeu (NUNES, 1996, p. 24).

É possível constatar nesta fala, a relação de poder existente no


domínio de uma língua, bem como perceber o potencial desta na
definição das relações sociais. Foi neste seguimento que o processo de
catequização foi decisivo para o objetivo maior da coroa portuguesa,
que era o controle total dos nativos.
Além disso, cabe destacar também segundo Bagno:

É essa língua crioula galaico-fenícia-ibero-romana-


sueva-moçárabe que, sob o rótulo
enganadoramente unificador de ‘português’,
chega no Brasil em 1500. Chega, mas demora a se
formar. Como bem sabemos, durante um largo
período da nossa história colonial, o português foi
língua minoritária no Brasil, uma vez que as línguas
mais faladas eram as chamadas línguas gerais, de
base tupi (BAGNO, 2013, p. 336).

- 152 -
Assim, pode se dizer que, por meio da linguagem, o projeto de
colonização portuguesa se efetivou e a catequização foi o principal
elemento para difusão da cultura e linguagem europeia, como reforça
Nunes:

O estudo da língua pelos jesuítas constitui em um


meio para se conseguir a conversão dos índios.
Com esse objetivo, ao lado da gramática, os
jesuítas produziram também: traduções de textos
religiosos, catecismos, cantigas, poemas, textos
dramáticos, sermões, sem contar os rituais
religiosos: missas, batismos, casamentos,
confissões, etc. Essa produção esteve diretamente
relacionada aos interesses de colonização: unidade
política da colônia, civilização dos índios, mediação
de conflitos (NUNES, 1996, p. 141).

Neste momento, é importante destacar também que a língua


geral foi usada na prática, na interação comunicativa, nos discursos
orais entre os grupos, porém, a língua oficial para o registro de
documentos, era a portuguesa, o que comprova o fato de estarem
interessados na língua dos nativos, apenas no processo de
comunicação na colônia. E, consequentemente, a partir da difusão da
língua geral e com o aumento da população portuguesa na colônia
oriundas de diferentes regiões e com peculiaridades linguísticas fez
com que gradativamente a língua portuguesa fosse disseminada, se
prevalecendo sobre as línguas nativas. Isso se comprova quando:

Tanto no caso da coroa portuguesa como no caso


da Igreja, uma única língua, ou a portuguesa ou a

- 153 -
brasílica, era convocada para diluir a diversidade.
Seja como for, em ambos os casos o objeto era o
mesmo: inscrever o índio como um sujeito
colonizado cristão e vassalo de El Rei a partir do
aprendizado e utilização de uma só língua.
(MARIANI, 2004, p. 95-96).

Neste ponto já se verifica a necessidade de junção linguística


em uma única língua, finalizando assim, o processo de envolvimento
com a língua dos nativos, priorizando a língua europeia e,
consequentemente, impondo aos grupos indígenas esta condição de
uso da língua portuguesa. Mas, a partir dessa junção, se inicia o
processo trocas e as mutações em decorrência dos diferentes contatos
sociais, primeiramente entre indígenas e portugueses, mais tarde com
africanos trazidos, por meio do tráfico negreiro e no decorrer da
história de colonização do Brasil, por diferentes povos.
Neste contexto, passa então ao processo de construção da
“língua nacional”, de interesse da coroa portuguesa. Isso é discutido
no capítulo intitulado Contato e Interação Linguística no Brasil Colônia
Silva Neto (1976, p. 92) aponta que: as sociedades se assemelham
pirâmides em que os grupos sociais estão dispostos uns acima dos
outros. Cada grupo ou camada procura assimilar as particularidades da
camada adjacente superior e evitar as de camada inferior. Assim, foi
possível destacar que desde os primórdios com a implantação da
língua portuguesa na colônia já havia discernimento do uso da língua,
destacando como preferenciais as usadas pelos colonizadores
europeus.
- 154 -
A partir disso, pode se dizer que foram se distanciando as
diferentes variantes da língua, surgindo dialetos novos, usados por
determinados grupos sociais. Dessa forma, assim como há a distinção
das classes sociais distribuídas na pirâmide como representatividade
da sociedade brasileira, também é possível distribuir nesse recurso o
potencial linguístico de cada grupo de falantes.
Contudo, cabe destacar que, embora a maior parte da língua
indígena, tenha sido sucumbida à língua europeia, ainda restaram
resquícios indígenas na língua Portuguesa do Brasil, em decorrência
das vivências sociais, que estão demarcadas em vários vocábulos.
Como corroboram Salomão e Lima,

[...] entre as línguas indígenas, por exemplo, a que


mais contribuiu com o léxico do português foi o
tupi (ou o tronco tupi-guarani), que nos deixou de
heranças linguísticas diversos termos como caju,
mandioca, jacaré, tatu, maracujá, curupira,
pitanga, araponga, jacarandá, jararaca, mingau,
capim, cipó, jurubeba, cutia (HAUY, 2008, p. 296),
e também abacaxi, catapora, cupim, cuia, ipê,
pipoca, além de nomes próprios como Açucena,
Araci, Bartira, Goiás, Guaraci, Iara, Iraci, Jacira,
Janaína, Juraci, Maceió, Maranhão, Moema, Naara,
Pacaembú, Paquetá, Sorocaba e Uberaba
(SALOMÃO e LIMA, 2013, p. 105).
.
Isso justifica a potenciação de mutação da língua, bem como a
teoria de que a língua é viva e muda-se constantemente. Desse modo,
os contatos linguísticos somaram para a multiplicidade lexical e
semântica que, na contemporaneidade, constituem a língua
- 155 -
portuguesa falada no Brasil e demonstra também que, além das
mudanças históricas, as influências de outras línguas também, a partir
das relações sociais estabelecidas, vão se fundindo à língua até sua
convenção enquanto parte do idioma.
Assim, seguem as influências linguísticas e os contatos sociais
que multiplicaram as variantes da língua, corroborando com a
sociolinguística de Labov que, para Coelho:

O ponto fundamental na abordagem proposta por


Labov é a presença do componente social na
análise linguística. Com efeito, a Sociolinguística se
ocupa da relação entre língua e sociedade, e do
estudo da estrutura e da evolução da linguagem
dentro do contexto social da comunidade de fala
(COELHO, 2010, p. 22).

Neste aspecto, os contatos sociais, o tempo, as camadas sociais


que ao longo da história foram se consolidando, os aspectos
geográficos foram gradativamente modelando a língua portuguesa no
Brasil, e disseminando diversos falares, diferentes sotaques, dialetos e
valores semânticos, o que fez da língua um elemento variado e
arraigado de variantes.

As relações Étnicas e as contribuições para a formação lexical do


Português Brasileiro
Falar da língua portuguesa do Brasil é falar de uma língua
arraigada de variantes decorrentes do processo histórico pelo qual foi

- 156 -
constituída. Desde a colonização, o contato dos indígenas com a língua
europeia e, posteriormente, as crescentes correntes migratórias que
continuaram ocorrendo no país por um longo período e,
consequentemente, continuaram sendo influenciadores para a
formação da língua nacional que apresenta no campo da fonética, da
sintaxe e da semântica nuances bem distintas.
Nesta perspectiva, a presente pesquisa se insere na busca de
reconstruir o percurso feito para a implantação da língua portuguesa
no Brasil, já que segundo vários teóricos houve uma retaliação e uma
ruptura com a língua usada na colônia pelos nativos, inclusive da língua
geral, termo usado para a linguagem mediadora entre colonizadores e
nativos. Para Biderman, (2002, p. 68), por exemplo,

[...] o português não se impôs aos nativos de modo


violento. Impôs-se por causa de seu prestígio e por
representar uma civilização mais avançada que a
dos aborígenes. E também porque era a língua da
escola, da administração e da comunicação com o
resto do mundo.

Assim, o que se verifica é a prevalência do dominador sobre o


dominado, ainda que, segundo a autora, não tenha havido violência
sobre os nativos, mas a violência linguística existiu, pois foi aos poucos
sendo dizimadas, deixando de ser usada por grupos que passaram a se
comunicar com outro código, o que automaticamente esvazia, a língua
não usada.

- 157 -
Logo, é importante destacar também que o processo de
construção da identidade linguística do Brasil, desvelou as
contribuições das variadas relações interculturais para a construção
desta linguagem tão peculiar, que é o português falado no Brasil. Como
destaca Biderman (2006, p. 67), “preocupada com os vazios
demográficos, a Coroa Portuguesa inicia política de ocupação e
colonização. Usando de incentivos, Pombal teria promovido o
povoamento do Brasil e uma urbanização sem igual no período
colonial”. Surgindo então a mistura dos povos de diferentes etnias que
influenciaram para o processo de expansão do Brasil, para a
miscigenação racial e para as trocas linguísticas que fizeram da língua
portuguesa falada no Brasil, um idioma misto. Como reforça Bourdieu:

A língua legítima não tem o poder de garantir sua


própria perpetuação no tempo nem o de definir
sua extensão no espaço. Somente esta espécie de
criação continuada que se opera em meio às lutas
incessantes entre as diferentes autoridades
envolvidas, no seio do campo de produção
especializada, na concorrência pelo monopólio da
imposição do modo de expressão legítima, pode
assegurar a permanência da língua legítima e de
seu valor, ou seja, do reconhecimento que lhe é
conferido (BOURDIEU, 1996, p. 45).

Como se verifica na pontuação acima, cumpre reforçar as


mudanças que ocorrem na língua a partir de seu uso, a partir do
tempo, bem como dos contatos que vão ocorrendo ao longo da
história que propiciam mudanças naturais na língua de modo geral. Em

- 158 -
torno disso, várias relações estão vinculadas, tais como fatores sociais,
econômicos, políticos que, de forma bem ampla envolve todos os
segmentos da sociedade.
Nesse aspecto, para a autora, a implantação da língua
europeia, ainda no período colonial, deveu-se ao fato de ser a língua
usada para comunicar com demais segmentos da sociedade, como as
instituições educacionais, a administração da coroa e dos intercâmbios
realizados com outros continentes, com quem mantinham relações
comerciais. Dessa maneira, através de relações comerciais e de poder,
a língua do dominador foi prevalecendo nas relações comunicativas.
Em relação a disseminação de poder sobre a colônia, teóricos
seguem descrevendo os motivos que levaram a disseminação da
língua portuguesa no Brasil. O principal elemento para isso foi o ensino
do português aos índios pelos jesuítas que desencadeou, por outro
lado, o processo de aculturação das populações nativas juntamente
com a substituição dos diversos troncos linguísticos dos nativos, pelo
português.
Assim, o processo de implantação da língua europeia na
colônia, desencadeia a aculturação e, ao mesmo tempo, a
miscigenação das raças, juntamente com a heterogeneidade
linguística que, aclopará a sua estrutura, elementos diversos oriundos
das línguas de contatos, como a dos indígenas, dos espanhóis, dos
africanos, dos italianos e demais povos que permaneceram por algum
tempo no Brasil, contribuindo com o processo de expansão territorial.

- 159 -
Contudo, cabe destacar que as variantes presentes na Língua
Portuguesa falada no Brasil, decorre de todo este processo de
colonização e projeto de expansão do território brasileiro. E, como
afirma Lucchesi,

[...] se a língua se impôs para praticamente toda a


sociedade brasileira, ela não se impôs de maneira
igual. Como a língua reflete a estrutura social da
comunidade que a usa, as desigualdades da língua
portuguesa no Brasil refletem as desigualdades da
sociedade brasileira (LUCCHESI, 2008, p. 32).

Tais desigualdade, não se mede quantitativamente, mais


qualitativamente, em decorrência da multiplicidade de povos que
migraram para o Brasil ou que vieram, por meio de projetos de
exploração da região. E, estabelecidas relações sociais, as línguas se
misturaram ao longo da história, e, na contemporaneidade contamos
com léxicos, elementos semânticos e sintáticos oriundos destes
contatos, que são consequências das misturas entre os grupos
falantes, pois como explana Noll (2004, p. 13), houveram oito tipos de
variedades relativas à língua portuguesa no Brasil, desde o século XVI,
em virtude da mistura de povos: o português europeu
escrito/impresso; as variedades dos colonos oriundos das diferentes
regiões de; o Português dos índios integrados em contato permanente
com os portugueses; o português dos mamelucos nascidos da união
de brancos e índios; o português dos negros boçais chegados da África;
o português dos negros crioulos e mulatos; o português falado no

- 160 -
complexo da casa-grande e da senzala e o português das populações
citadinas.
As observações de Silva Neto (1986, p. 595) explicam que desde
o período colonial, já surgiam duas vertentes da língua: “a) uma deriva
bastante conservadora, que se desenvolve lentamente e b) uma deriva
a que condições sociais próprias imprimem velocidade inesperada.”
No primeiro caso temos o falar de uma população proveniente de
vários pontos de Portugal que, postas em contacto num meio tão
diverso, elaborou um denominador comum que não participava das
mudanças operadas na metrópole e que, por isso mesmo, era muito
conservador.
De todas estas misturas, também demarcaram presença
elementos lexicais de origem africana, levando em consideração todo
o processo histórico de permanência dos negros no Brasil, exercendo
atividade escrava que, em contato com os senhores e com os outros
negros e, posteriormente, por meio da mistura de raças. Conforme
Albert (2014) “São exemplos de algumas palavras africanas: caruru,
manguzá, bancar, mangar, zombar,) banguela, bocó, dengoso, tanga,
quenga, muganga, carcunda, capeta, coringa e atabaque”. entre
outras palavras que foram oficializadas, como portuguesa em
decorrência da convenção, por usos.
Nesta perspectiva, cabe destacar que a língua portuguesa
falada no Brasil, e a identidade linguística da nação está pautada num
forte processo de trocas realizadas entre grupos étnicos distintos o

- 161 -
que, não permite a atuação preconceituosa no tocante a linguagem e
suas múltiplas faces. Há que se levar em consideração, conforme Silva:

Hoje, a ideologia do Estado-Nação (que equipara


uma nação a um povo e a uma língua) defronta-se
com o rompimento de fronteiras geográficas e
sociolinguísticas, o que torna mais visíveis as
tensões entre ideologias de monolinguismos e a
realidade da complexidade multilíngue (SILVA,
2013, p. 169).

Assim, as disputas ideológicas existentes, no tocante a


manifestação da língua deve levar em consideração todo este percurso
histórico de formação da identidade linguística no Brasil para, a partir
disso, rever os conceitos acerca da língua portuguesa falada no Brasil.
Dadas as suas especificidades e peculiaridades em decorrência de sua
formação.
Logo, cabe à escola despertar no educando a ideia de
multilinguísmo existente no Português falado no Brasil, levando em
consideração que faz-se necessário leva-los a conhecer o processo
histórico pelo qual a língua portuguesa foi constituída, bem como
conhecer as influências exercidas pelos mais diferentes povos que
contribuíram com o desenvolvimento do país, bem como com sua
heterogeneidade linguística. A partir disso, simplifica-se a maneira de
apresentação da língua em suas múltiplas faces, além de reduzir o
preconceito linguístico existente em decorrência das variantes. Como

- 162 -
acrescenta, Bortoni-Ricardo (2008), cabe à escola, o desenvolvimento
de:

Uma pedagogia que é culturalmente sensível aos


saberes dos educandos está atenta às diferenças
entre a cultura que eles trazem consigo e a da
escola e mostra ao professor como encontrar
formas efetivas de conscientizar seus alunos
sobre essas diferenças (BORTONI-RICARDO,
2008, p. 63).

Assim, conclui-se que a tarefa da escola é fundamental, no


levantamento de uma pedagogia, ou de uma proposta de ensino
pautada na cultura, e levando em consideração o processo social e
histórico de formação do idioma nacional. Além disso, preparar os
docentes para este trabalho com a heterogeneidade linguística é
essencial, levando em consideração que os teóricos como Lemle
(1978) apresentam que:

De um modo geral, pode-se dizer que os fatores


determinantes da heterogeneidade linguística são
três: o geográfico, responsável pela divergência
linguística entre comunidades fisicamente
distantes uma da outra; o social, responsável pela
divergência linguística entre distintos subgrupos de
uma comunidade local, sendo fatores
potencialmente distintivos a estratificação social, a
faixa etária, o sexo, a ocupação profissional dos
falantes, o desejo ou interesse que eles têm em
manterem características linguísticas que os
demarquem; o registro de uso, ou nível de
formalidade atribuído ao encontro pelos

- 163 -
interlocutores, numa gama que vai desde o mais
coloquial ao mais formal (LEMLE, 1978, p. 61).

Desse modo, o que compete a partir destas análises é assumir


a heterogeneidade linguística existente e aceitar as variantes, como
elementos constitutivos da Língua Portuguesa falada no Brasil sem,
contudo, fazer distinção, quanto ao nível de prestígio das mesmas,
dando a cada uma delas a atenção devida. Levando em consideração
que os fatores de distinção de elementos da língua, ao longo dos anos
foram se incorporando de forma homogênea da língua e, na
contemporaneidade se definiram três elementos que demarcam
variantes linguística que são: a questão geográfica, a questão social e
a questão de faixa etária. Tais elementos não podem ser
estigmatizados na contemporaneidade, em detrimento da Norma
Padrão, considerada a variante de prestígio da língua, tendo em vista
que estes fatores foram apurando ao longo dos anos, mas são
consequências de relações sociais, políticas e econômicas do Brasil ao
longo dos anos, o que demarca assim, a identidade linguística do país.

Considerações Finais
Com base nos levantamentos realizados através da pesquisa,
verifica-se que a Língua Portuguesa falada no Brasil, passou por um
processo cultural, que agregou a ela vários elementos em decorrência
dos contatos linguísticos, em decorrência de todo o processo de
colonização.

- 164 -
Dessa forma, na contemporaneidade, verifica-se, inclusive nos
livros didáticos, em estudos do léxico, que os autores já apresentam
as palavras de origens indígenas, de origens africanas e também as
estrangeiras, que foram dicionarizadas, a partir da convenção de usos.
Isso, demarca duas situações. A primeira, que a língua é viva e, as
relações sociais estabelecidas, os contatos com outras línguas podem
influenciar na formação do idioma, como ocorreram com os casos
acima citados, devido ao longo processo de colonização e de contatos
frequentes, o que, embora tenha prevalecido a língua do dominador,
mas o dominado deixou marcas linguísticas que perduraram até a
contemporaneidade.
Além disso, no campo semântico, no campo fonético e no
campo sintático também existem construções que são oriundas desse
processo de trocas, são influências dos contatos estabelecidos. Nesta
perspectiva, há que se levar em consideração todos esses elementos
históricos que constituem o processo de construção da identidade
linguística do Brasil para que o processo de ensino e aprendizagem não
seja pautado apenas na Norma Padrão, mas que perpasse por todas as
variantes, de preferência a dos alunos inseridos na turma, de modo a
fazer com que eles percebam que não usam outro idioma ou código
linguístico distante da norma, mas que faz uso de uma das formas de
manifestação da Língua Portuguesa falada no Brasil, pois assim, os
mesmos perceberão a dimensão dessa língua, bem como perceberá

- 165 -
seu processo de formação, juntamente com a motivação de tantas
variantes e, assim, poderá fazer escolhas linguísticas no ato do uso.
Diante disso, a escola tem um papel importante na redução do
preconceito linguístico e na produção de conhecimento pleno acerca
da língua, haja vista que tem elementos suficientes e necessários para
o ensino da Língua Portuguesa, de modo a ressaltar a heterogeneidade
existente, bem como destacar os processos que levaram ao
surgimento das variantes. Este fator é primordial, pois a partir de um
ensino eficiente, que tenha a preocupação de demonstrar todas as
formas de manifestação da língua, ou seja, todas as suas variantes,
leva os alunos a perceberem a importância de cada uma delas no
contexto de uso, ou seja no processo comunicativo.

- 166 -
Referências

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Presença Edições, 1979.

- 168 -
Toda posse, jus e domínio: estudo lexical acerca das relações
de poder sobre os escravos29

Mayara Aparecida Ribeiro de Almeida30


Maiune de Oliveira Silva31

Introdução
O presente texto tem como objetivo rememorar a prática
escravocrata nos idos oitocentistas, tendo como corpus manuscritos
exarados em Catalão/Goiás. Estudar esses documentos torna-se
relevante pois nos auxilia a compreender a configuração da escravidão
na cidade e na região, bem como corrobora a tese de que houve tal
prática nessa localidade.
O contato com muitos desses documentos, de modo particular,
com manuscritos cartoriais, mediante suas edições fac-similares,
constantes do acervo digital do Laboratório de Estudos do Léxico,
Filologia e Sociolinguística (LALEFIL) permitiu identificar numerosas
lexias que apontam para o quadro das relações de poder firmadas
sobre os negros escravos, tais como: cede, posse, jus, domínio,
transpassa, senhor, possuidor, poder, em mãos.

29
Trabalho realizado sob a orientação da Prof.a Dr.a Maria Helena de Paula, UFCAT.
30
Doutoranda em Linguística e Língua Portuguesa, UNESP
31
Doutoranda em Estudos da Linguagem, UFCAT.

- 169 -
Neste sentido, com o fito de conhecer as implicações dessas
lexias sobre a vida dos cativos, empreendemos um estudo de natureza
lexical e filológica, unindo duas ciências muitas caras em estudos que
abordam a língua e sua intrínseca relação com a história e a cultura de
um povo.
Para tanto, selecionamos três documentos cartoriais. Tais
manuscritos são constituintes de dois livros sob os cuidados do
Cartório de 2º Ofício de Notas de Catalão. Do primeiro códice,
estudamos uma escritura pública de compra e venda de escravos
(fólios 23 verso a 25 recto) e do segundo códex analisamos duas
tipologias documentais, uma escritura pública de compra e venda de
escravos (fólio 55 recto a 55 verso) e uma escritura pública de hipoteca
de escravo (fólios 57 verso a 58 verso).
Assim sendo, para que o leitor trilhe conosco este caminho em
busca desse conhecimento, o trabalho se estrutura da seguinte
maneira: inicialmente apresentamos uma breve relação entre o
estudo lexical e filológico, dando-lhe condições de compreender o
porquê da escolha destas ciências. Em seguida, apresentamos os
procedimentos realizados para chegarmos aos objetivos almejados.
Por fim, partimos para a descrição do corpus e a análise das lexias
inventariadas que nos possibilitam conhecer um pouco deste contexto
histórico.

- 170 -
Nuances entre o labor filológico e lexical
Para a Lexicologia, o objeto de estudo é o léxico, entendido
como o conjunto de signos existentes em uma língua à disposição dos
falantes para estabelecerem contato com seus semelhantes. Deste
modo, o eixo central dos trabalhos lexicológicos são todas as palavras
que compõem o acervo de uma língua, uma vez que esta é o retrato
de uma comunidade. Cada unidade lexical, seja ela realizada no plano
oral ou escrito, revela características sociais, culturais, identitárias,
econômicas etc. de quem a utiliza, posto que o léxico se encontra ativo
nas formas culturais de uma determinada língua.
Na esteira de Biderman (2001, p. 179), compreendemos que:

O Léxico de qualquer língua constitui um vasto


universo de limites imprecisos e indefinidos.
Abrange todo o universo conceptual dessa
língua. Qualquer sistema léxico é a somatória
de toda experiência acumulada de uma
sociedade e do acervo da sua cultura através
das idades.

Importa lembrar que desta ciência deriva-se outra, a


Lexicografia, que tem como foco o registro do léxico em seus produtos
lexicográficos, como os dicionários, os glossários e as enciclopédias.
Tais obras não conseguem registrar o léxico em sua totalidade, haja
vista o seu caráter dinâmico, que a todo momento absorve e exclui
determinadas lexias. Ademais, a tipologia dessas obras determina um
recorte no léxico da língua consoante a sua proposição de registro.

- 171 -
Assim, insta dizer que a ciência lexicográfica é utilizada neste estudo
como um instrumento metodológico para análise das lexias
abordadas.
Cabe assinalar que é por meio do léxico que se conhece
características peculiares de uma comunidade de fala. Nesse sentido,
é importante destacar que léxico e vocabulário andam juntos e este é
expresso pelo falante ou escritor mediante a competência lexical que
lhe é inerente e recorrente.
Para um melhor detalhamento do tema, faz-se necessário
explicar a diferença entre léxico e vocabulário, para isso recorremos a
Biderman (1996, p. 32) que os define respectivamente como “[...] o
conjunto abstrato das unidades lexicais da língua e o conjunto das
realizações discursivas dessas mesmas unidades.” Em outras palavras,
o léxico corresponde às unidades lexicais disponíveis na competência
ativa dos falantes, podendo equiparar-se a um acervo mental que o
falante recorre para compor suas mensagens, enquanto o vocabulário
equivale às unidades lexicais colocadas em uso, isto é, no momento da
fala e/ou da escrita.
Tocante a esta linguagem de uso, nota-se que o vocabulário
utilizado nesses documentos se diferencia entre os corpora, tendo em
vista que a escritura pública de hipoteca de escravo e a escritura
pública de compra e venda de escravo contém informações distintas,
peculiares de cada documento, apesar de serem textos formuláicos.

- 172 -
Outra ciência importante para este estudo foi a Filologia, que
nos ofereceu um melhor conhecimento da temática abordada nesses
documentos mediante as edições fac-similares. Essa ciência, que
antecede o nascimento da Linguística, tem como escopo a edição de
documentos manuscritos com vistas a facilitar sua leitura por parte de
pessoas que não conseguem compreender o que está no original e
ainda contemplar pesquisadores que desejam conhecer a língua de
uma época permitindo o estudo dela por perspectivas diferentes. A
edição também proporciona a sobrevivência maior da história
registrada nos documentos, além de permitir o cotejo desses dados
com a edição fac-símile, isto é, uma fotocópia aproximada do original.
No presente estudo, a reprodução desses documentos foi feita
respeitando as “Normas para Transcrição de Documentos
Manuscritos” elaboradas por um grupo de estudiosos da língua e
disponíveis em vários manuais da área, dentre eles em Megale e
Toledo Netto (2005), de que nos servimos para realizar a edição destas
memórias documentais.
Dentre os tipos de edição, optamos pela semidiplomática em
disposição justificada. A opção por essa tipologia em detrimento às
outras justifica-se porquanto ela permite pequenas intervenções
advindas do editor, tais como: o desdobramento das abreviaturas,
marcando em itálico os itens que foram desenvolvidos; pequenas
correções nos atos falhos do escriba no momento de compor os
documentos, tornando-os mais legíveis, entre outros. Neste encalço,

- 173 -
vale dizer que sempre que isto for feito é necessário sinalizá-las para
que os leitores possam identificá-las. Ademais, para que seja feita uma
edição fidedigna é necessário recorrer a outras áreas de
conhecimento, como a História, a Lexicologia, a Lexicografia, entre
outras, para melhor entender o funcionamento sociocultural da época
retratada nesses manuscritos.
Nesse contexto, os dados expressos em tais documentos
descortinam para acontecimentos até então desconhecidos por parte
da população catalana, posto que poucas pessoas têm acesso a eles e,
consequentemente, a essas histórias. Acreditamos que o
desconhecimento por parte da comunidade deve-se ao fato de serem
códices de difícil acesso e que demandam uma autorização judicial
para serem acessados pelos pesquisadores. Ademais, os responsáveis
por suas guardas, na maioria das vezes, restringem o acesso porque
acreditam que são seus donos e porque esses acervos documentais
guardam importantes testemunhos linguísticos e históricos da
sociedade catalana.
Embora tenham boa vontade em guardar esses documentos,
muitas vezes o espaço circunscrito para sua guarda não é apropriado,
geralmente acondicionados em estantes empoeiradas ou ainda em
caixas de papelão ou madeira úmidas e com pouca iluminação, fatores
que favorecem a procriação dos papirófagos. Além do mais, o
manuseio excessivo sem o uso de luvas e máscaras também contribui

- 174 -
para a ligeira deterioração desses documentos, além de prejudicar a
saúde de quem os manejam.
Diante dessa situação, acreditamos que digitalizar, editar e
public(iz)ar são maneiras de conservar a história desses documentos
para a posteridade, posto que é provável que esses arquivos
detentores de memória desapareçam com o tempo e levem consigo
parte da história da região que estamos inseridos. Face a isso,
ensejamos que esse conjunto de conhecimentos relativos ao passado
de Catalão e narrados nesses manuscritos chegue ao conhecimento
das futuras gerações e elas possam conhecer como se deu o processo
pelo qual perpassou o progresso de Catalão.

Percursos metodológicos
Durante todo esse caminho que percorremos, a leitura de
obras teóricas se fez indispensável para compreendermos a teoria da
Filologia, do Léxico e a história de Goiás e da escravidão. Do ponto de
vista filológico, Spina (1977) auxiliou no entendimento do que consiste
uma investigação filológica e quais suas principais funções, dentre as
quais destacamos a primeira, função substantiva, que consiste em sua
edição (reprodução) e a terceira, função transcendente, responsável
por conhecer a história e cultura que propiciaram a escrita desse texto.
E no que concerne ao tipo de edição, utilizamos a edição
semidiplomática, seguindo as normas presentes em Megale e Toledo
Neto (2005).

- 175 -
Com relação às teorias que abordam o léxico, recorremos a
autores como Biderman (2001) e Vilela (1994). Na esteira de Vilela
(1994), compreendemos que o Léxico é a janela pela qual o povo se vê
e toma conhecimento do mundo que o cerca. Dessarte, buscamos nos
discursos imbuídos nesses documentos manuscritos entender como
esses escravos eram vistos pela sociedade, uma vez que eles viviam à
margem desta. Partimos da premissa de que eram tratados e vistos
enquanto objetos, pois podiam ser vendidos, trocados, doados e
serviam ainda para pagar as dívidas dos seus donos.
No que diz respeito ao conhecimento da história de Goiás e
Catalão, utilizamos de vozes teóricas como Palacín & Morais (1994)
que abordam a escravidão em Goiás, uma vez que essas leituras nos
ajudaram a compreender a formação do território goiano,
especificamente Catalão.
Assim, primeiramente nos detivemos na leitura e na edição
semidiplomática em disposição justificada desses manuscritos com
base no que ensina Megale e Toledo Neto (2005), seguindo com rigor
as Normas para Transcrição de Documentos Manuscritos. Cumpre
esclarecer que a edição é a reconstituição do manuscrito que pode
assumir diversas faces, a depender do público que o editor almeja
alcançar. Nesta fase é imprescindível que se faça revisões, a fim de que
o documento se aproxime do original e não contenha erros, o que
pode comprometer o labor filológico, razão pela qual em nosso
processo de edição foram necessárias algumas revisões.

- 176 -
Após essa etapa, passamos para a fase do inventário lexical, em
que selecionamos todas as lexias que trazem em seus significados ou
conotações acepções que nos remontam às relações de poder. Com
relação a essa etapa de estudo, é necessário esclarecer que não
utilizamos nenhum software para coleta de dados, porque
desconhecemos na Filologia ou na Linguística Computacional,
programas que contemplassem as especificidades do corpus em
análise.
Em seguida, foi realizada consulta aos dicionários de Silva
(1813), Bluteau (1728), de publicações próximas à data do Livro e
Houaiss (2009), atuais. As obras lexicográficas coetâneas e as
publicadas no período hodierno contribuem para entendemos o
sentido dessas lexias naquela época e o sentido que elas adquiriram
atualmente, podendo assim, confrontar definições.
Por fim, ao término desse percurso, passamos para a fase de
análise das lexias, a qual foi realizada da seguinte maneira,
confrontando as definições elucidadas nos dicionários com o contexto
em que essas unidades se encontram, buscamos chegar ao seu real
entendimento, podendo assim, verificar o esses sentidos comportados
por essas palavras nos dizem sobre as condições de vida dos escravos.

Conhecendo o corpus
Antes de passarmos para as análises das lexias, entendemos
que se faz necessário possibilitar ao leitor conhecer o corpus por nós

- 177 -
utilizado, conhecendo assim à tramitação destes tipos documentais,
suas particularidades e como se davam essas práticas de compra e
venda de escravos bem como de suas hipotecas.

1º documento: escritura pública de compra e venda de escravos


(fólios 23 verso a 25 recto)
O primeiro documento analisado por nós foi uma escritura de
compra e venda de dois escravos, Annanias e Thereza, tendo como
partes envolvidas nessa tramitação a vendedora Dona Maria Antonia
de Santa Thereza e o comprador Capitão Jose Pereira de Freitas
Pacheco, ambos moradores na então Cidade do Catalão, como era
chamada na época.
Estando presente no Livro de Notas do 2º. Tabelliaõ – Carlos
Antonio de Andrade, com termo de abertura datado de 1886 e sob os
cuidados do Cartório de 2º Ofício de Notas de Catalão, esse
documento, presente nos fólios 23 verso à 25 recto, foi exarado no dia
1º de março de 1887 e teve como intenção legalizar a transação de
compra e venda dos referidos escravos.
Assim, para que esse documento obtivesse validade perante a
lei, se fazia necessário estar de acordo com o que prescrevia o Decreto
nº 4835 de 1º de dezembro de 1871, em seu capítulo IX, Artigo 45.
Segundo o que consta neste artigo (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA,
01/12/1871, art. 45), todas as escrituras relacionadas aos negros
escravos, podendo ser de hipoteca, penhor, transmissão, contrato de

- 178 -
alienação e outros serviços, que fossem lavradas depois do dia 30 de
setembro de 1872, só poderiam ser realizadas mediante a
apresentação ao oficial público, responsável por sua confecção, da
relação das matrículas dos escravos ou de suas certidões.
Ademais, todas as escrituras deveriam conter informações
referentes aos números de matrículas dos cativos, à data de sua
confecção, ao município em que se fez a presente matrícula, além de
informações referentes aos filhos livres de mulheres escravas que as
acompanhassem. Esse decreto foi elaborado para regulamentar a Lei
número 2.040 de 28 de setembro de 1871, mais conhecida como Lei
do Ventre Livre, uma vez que em seu 8º § é determinado pelo Governo
que deveria ser efetuada uma matrícula especial de todos os escravos
existentes no Império, em que esses documentos deviam conter as
seguintes informações: nome do escravo, sexo, estado civil,
naturalidade, qual sua aptidão para o trabalho e sua filiação, quando
esta for conhecida.
Posteriormente com a Lei nº 3.270 promulgada em 28 de
setembro de 1885, mais conhecida como Lei dos Sexagenários, uma
vez que confere liberdade aos escravos com mais de 65 anos de idade,
é prescrita uma nova matrícula para todos os cativos do Império,
acrescida de informes como o valor conferido ao escravo com base na
tabela de preços que se encontra presente nesta lei, em que se verifica
que quanto mais velho for o negro escravo, menos ele vale, e que para
a compra de escravas é conferido um desconto de 25% do preço.

- 179 -
É por todas estas exigências direcionadas aos documentos que
trazem em suas linhas referências aos escravos, que no presente
documento verificam-se as seguintes informações:

Neste acto, me foi ap- | presentada pela


vendedora á matricula | do Thêor seguinte: -
Relaçaõ nume[ro] dois dos Escra- | vos
pertencentes a Dona Maria Antonia de Santa |
Thereza, residente no Municipio de Catalaõ – |
Numero cinco – Annanias, pardo, vinte e seis
an- | nos de idade – Casado, Goyaz, filho de
Barbara | lavrador, avaliado por nove centos
mil reis- | matriculado sob onumero de ordem
da nova | matricula – cinco – Numero de
ordem da matri- | cula anterior 677 – Numero
de ordem das relaçoes- | cinco:= Thereza –
cabra, quarenta annos de idade, | casada,
naturalidade desconhecida, filiaçaõ des- |
conhecida, tecedeira, avaliada por seis centos
| mil reis, é casada com o escravo numero
cinco, | matriculada sob numero de ordem da
presen- | te matricula sete – Numero de ordem
da ma- | tricula anterior 815 – Numero de
ordem nas re- | laçoẽs – sete – Numero 47
(fólio 24 verso)

Com relação ao que foi disposto neste excerto, vale comentar


sobre outras informações que nos chamaram atenção. Primeiramente,
o fato de o escravo Annanias ser lavrador, o que baseado não apenas
neste documento, mas em inúmeros outros de que tivemos acesso por
fazerem parte do acervo de documentos digitalizados do LALEFIL vão

- 180 -
ao encontro com o que diz Palacín e Moraes (1994) acerca do trabalho
destinado aos escravos que moravam na Cidade de Catalão, uma vez
que essa não foi uma região aurífera, mas sim, onde se predominava
a atividade agrícola.
Outro aspecto que nos chamou atenção refere-se ao fato de na
tramitação deste documento ao invés de informar o nome do escravo
com quem a escrava Thereza era casada, mencionou-se apenas o seu
número na relação de escravos de Dona Maria Antônia de Santa
Thereza, demonstrando a sua condição de mercadoria.
Ademais, para que o notarial assinasse a escritura, tornando-a
eivada de fé pública, era necessária a apresentação do talão concedido
pelo encarregado da Coletoria de Catalão, provando que o comprador
realizou de fato o pagamento pela compra dos escravos, além do
comprovante do pagamento dos impostos destinados à essa
transação.
Relativo ao valor da compra, nota-se que os dois escravos
foram comercializados por quinhentos mil reis (Réis500$000) pagos
em moeda corrente. Tocante aos impostos, identificamos o
pagamento por parte do comprador de 50$000 mil réis relativos a dez
por cento pela compra dos escravos e de 3$000 réis pelos novos e
velhos direitos para escritura pública. Essas informações foram obtidas
pelo tabelião mediante a apresentação de comprovante efetuado pelo
encarregado da Coletoria de Catalão, Satyro Domingues Ferreira de
Souza.

- 181 -
Além dessas informações, que se fazem obrigatórias, são
dispostos outros informes que contribuem para a compreensão do
cenário geral da escravidão. Os escravos comercializados foram
adquiridos mediante herança do finado marido da compradora e por
meio de arrematação em praça pública. Com isso é possível observar
a prática frequente, durante o período de escravidão, de venda de
escravos em praças públicas, onde homens e mulheres na condição de
cativos eram expostos como sendo observados e avaliados pelos
senhores como se de fato fossem uma mercadoria com a função de
trabalhar para garantir o sustento e lucro de seus senhores.
Outro dado relevante encontra-se na prática frequente de se
inventariar os escravos, deixando como bens de herança para seus
herdeiros, nestes dois códices é possível encontrar alguns casos que
os escravos foram obtidos dessa maneira.

2º documento - uma escritura pública de compra e venda de escravos


(fólio 55 recto a 55 verso)
Tendo sido exarado no dia 25 de junho de 1861, na Cidade do
Catalão, este documento encontra-se presente no segundo códice
analisado por nós, o qual não possui termo de abertura, o que não nos
oferece condições de informar o nome do Tabelião responsável. Esse
segundo documento configura-se sendo uma escritura pública de
compra e venda de escravo. Nesta escritura é legitimada a transação
realizada com o escravo de nome Vicente, tendo como vendedor o

- 182 -
senhor Valeriano Maxado do Nascimento e como comprador o
Tenente Geraldo Jose da Silva.
Como é possível notar, o ano de produção desse documento é
anterior à promulgação das leis mencionadas no tópico antecedente,
o que justifica o fato de não ser apresentada muitas informações com
relação ao escravo que está sendo comercializado. As informações que
se tem dizem apenas o nome do cativo, sua idade e o preço pago pelo
comprador, conforme pode ser observado neste excerto:

epelo dito | Valeriano foi dito empresença das


| testemunhas do diantenomeadas e |
assignadas que ellevendeevendido tem | ao
dito Tenente Geraldo Jose da Silva | um
escravo crioulo de nome Vicente | deidade de
cinco enta etres annos mais |oumenos
pelaquantiadequinhen | tos mil reis (fólio 55
recto)

Além disso, é apresentado no decorrer do documento a relação


do valor pago pelo comprador pela compra efetuada e quanto ele
pagou pelos impostos dessa transação. De acordo com o que se
encontra no texto documental, o escravo foi vendido pelo preço e
quantia de quinhentos mil reis (Réis 500$000), sendo que o Tenente
Geraldo Jose da Silva passa apenas uma parte desse valor para o
vendedor Valeriano Maxado do Nascimento, parte essa que não é
informada no documento. É indicado apenas que essa venda foi
realizada como forma de pagamento de dívidas, tendo o credor

- 183 -
aceitado fazer essas transações se o devedor concordasse com suas
condições, as quais também não são elucidadas, sabemos apenas que
o escravo já estava a serviço do Tenente antes mesmo da oficialização
dessa compra.
Concernente aos impostos dessa atividade comercial, verifica-
se o pagamento de vinte cinto mil réis provenientes de meia siza, que
corresponde a cinco por cento do valor total pelo qual o escravo foi
comprado, arrematado ou até mesmo por adjudicação (ato judicial
que concede a alguém a posse sobre determinados bens). Esse
imposto foi introduzido, conforme pode ser observado no Alvará de 3
de junho de 1809, como forma de custear as despesas do Estado que
estavam em um aumento significativo devido à transferência da Corte
para o Rio de Janeiro e continuou sendo empregado ao longo dos anos
até o final da escravidão. Vale salientar que segundo o Decreto nº 151
de 11 de abril de 1842, no artigo 7º, fica explícito que a matrícula dos
escravos taxados pela meia siza deveria ser renovada a cada 3 ou 5
anos, sempre no mês de julho. A primeira era aplicada aos cativos
residentes nas cidades e vilas do império, já a segunda era destinada
aos escravos que moravam nas Freguesias próximas ao Rio de Janeiro,
no município da Corte. Outro documento que trata acerca desta lei é
a Legislação Portuguesa de 1826. Vejamos o que consta nesse
documento oficial acerca desse tributo:

- 184 -
II. Pagar-se-ha tambem em todo este Estado
do Brazil para a minha Real Fazenda meia siza,
ou cinco por cento do preço das compras e
vendas dos escravos ladinos, que se
entenderão todos aquelles que não são
havidos por compra feita aos negociantes de
negros novos, e que entram pela primeira vez
no paiz, transportados da Costa de Africa
(SILVA, 1826, p. 747).

Ante a tudo isso, percebe-se como o comércio de escravos era


lucrativo não apenas para os donos de escravos, mas sobretudo para
o Estado, que via nessa atividade econômica calcada na exploração de
homens negros vítimas da escravatura, uma oportunidade de
arrecadar dinheiro, para custear com os gastos do Governo. Segundo
nos informa Fernandes (2006, p. 6), com o fim legal do tráfico externo
de escravos, a meia siza ganha um maior destaque, tendo em vista que
a partir daquele momento era o único meio de taxar o comércio
escravo. Apesar de o tráfico externo ter se tornado ilegal, essa prática
não foi extinguida completamente porquanto era comum sua prática
ilegal.
Assim, enxergamos na criação das leis que prescrevem a
realização das matrículas dos escravos (Lei do Ventre Livre e Lei dos
Sexagenários) em todas as cidades e vilas do país, uma forma de o
Estado ter controle sobre a quantidade de escravos presentes no
território brasileiro e com isso também controlar os impostos
destinados às transações envolvendo os negros escravos,

- 185 -
considerando que era comum a prática de se realizarem transações
envolvendo os escravos mediante documentos pessoais, sem a
comprovação pública de sua natureza, o que permitia neste caso que
este imposto fosse sonegado.
A respeito da criação destas leis, Fernandes (2006, p. 56)
aponta que:

Eliminando-se os procedimentos
fundamentais que caracterizavam os escravos
como sendo oriundos do tráfico ilegal (como as
declarações de origem, nação, idade,
características pessoais dos escravos, o nome
do comprador, do escravo, o dia, mês e ano em
que se efetuou a venda), os proprietários de
escravos obtinham uma documentação que
tornava lícita a propriedade sobre os escravos,
eliminando suas dívidas com o fisco. E assim o
escravo estava novamente sujeito a ser uma
mercadoria tributável em todo o território.

Ante a este cenário, nota-se mais uma vez que a noção oficial
que se tinha de que o escravo era uma mercadoria e como tal estava
sujeito à tributação, sendo um dos principais recursos de arrecadação
de verba do Estado e de lucratividade para os proprietários de
escravos.

3º documento - uma escritura pública de hipoteca de escravo (fólios


57 verso a 58 verso).

- 186 -
Disposto nos fólios 57 verso a 58 verso, o terceiro documento
manuscrito de que fazemos uso foi exarado no dia 20 de agosto de
1861, refere-se a uma escritura pública de hipoteca do escravo Justino,
tendo como hipotecante Sabino Dias de Carvalho e como hipotecário
Pedro Martins Monteiro, ambos moradores no Termo de Catalão.
De acordo com o que pode ser verificado em tal escritura, a
hipoteca foi realizada como forma de assegurar que o senhor Sabino
Dias de Carvalho quitaria sua dívida de quatrocentos e trinta réis ao
hipotecário. Assim, ficou firmada mediante a escritura desse
documento que o escravo Justino trabalharia para o senhor Pedro
Martins Monteiro, sem recebimento de jornal algum, o que significava
que ele não receberia nenhuma diária pelos serviços prestados. Além
destes informes, verifica-se também a menção de que o cativo era
crioulo e tinha na época vinte anos.
Assim como o documento descrito anteriormente, nota-se que
a quantidade de informações referentes ao cativo é mínima, uma vez
que neste período ainda não haviam sido promulgadas as referidas leis
que estabelecem novas estruturas de descrição dos escravos.

Diferentes lexias para diferentes formas de poder


Nesta seção analisamos as lexias objetivando mostrar como
seu estudo é capaz de nos pôr em contato com o vocabulário utilizado
pelas pessoas envolvidas nesse cenário histórico ou pelo menos com o
vocabulário jurídico nele empregado. Outrossim, nos permite

- 187 -
conhecer o que essas unidades representavam para esse povo, de
modo especial, o que elas inferem sobre as formas de poder firmadas
sobre os negros escravos.
Conforme Spina (1977), em um estudo filológico que se
dedique a compreender a história afora a tessitura textual é preciso
levar em consideração as exigências que o próprio texto nos faz, é o
documento textual que ditará por quais caminhos o filólogo deverá
percorrer para o alcance desses objetos.
Assim, em leitura acurada dos documentos cartoriais
supracitados observamos a utilização de lexias que a princípio
acreditávamos serem sinônimas, mas que, a ver pela elaboração
desses manuscritos, se mostraram distintas. Quando o escriba utilizou
a seguinte expressão “epor isso que napessoa docom | prador cede
etra[n]spaça aposseejus | edominio no dito escravo” (fólio 55 recto,
grifo nosso) percebemos que posse, jus e domínio não compartilham
o mesmo significado, caso contrário não seria necessário a utilização
de todas essas lexias.
Ante a essa constatação nos sentimos instigadas a interpretar
o real sentido dessas unidades nos documentos, a fim de entendermos
o texto como um todo, realizando uma das funções do estudo
filológico, a função transcendente, tal como explanado anteriormente,
responsável por compreender a história que propiciou a elaboração
deste documento.

- 188 -
Assim, inventariamos nove lexias que comportam em suas
definições sentidos que apontam para as formas de poder firmadas
sobre os cativos, vitimados pelo sistema econômico de escravidão,
sendo elas: cede, posse, jus, domínio, transpassa, senhor, possuidor,
poder, em mãos.
Em nosso primeiro documento analisado, escritura pública de
compra e venda de escravo (fólios 23v-25r), identificamos quatro
unidades lexicais: cede, posse, jus e domínio. O lexema cede aparece
em Houaiss (2009) sob sua forma no infinitivo, forma canônica dos
verbos, e sua primeira acepção remonta ao sentido que ela é
empregada nos códices, a saber “transferir (a alguém) a posse ou
poder de algo”.
Em Silva (1813) também se faz menção à transferência de algo
que estava sob a posse de outro dono, tal como pode ser observado
na segunda acepção para a palavra entrada ceder: “2. Dar, deixar
alguma coisa a outrem”. Deste modo, as acepções registradas nesses
dicionários não se distinguem e mesmo com o passar do tempo esses
lemas continuam abarcando esses sentidos.
A lexia posse também estabelece uma ponte com o primeiro
lema. Em Houaiss (2009) encontramos três acepções que nos revelam
os seguintes entendimentos: “1. Ato ou efeito de se apossar de alguma
coisa; propriedade 2. estado de quem possui uma coisa, de quem a
detém como sua ou tem o gozo dela 3. estado de algo que é possuído
por alguém, ou que esse alguém conserva consigo.” Por sua vez, Silva

- 189 -
(1813) a define como “O acto de occupar lugar, herdade, officio, i o
logro destas coisas, e tè-las em seu poder.” Posto isso, entende-se que
a posse judicial é feita obedecendo os critérios legais de uma escritura,
ou seja, é necessário a presença de um escrivão, para manuscrever as
laudas, e das assinaturas das testemunhas que presenciaram este ato.
Por seu turno, o lema jus é derivado da lexia justiça e consoante
Houaiss (2009) é um direito especial dos senhores sobre os cativos,
dando-lhes o privilégio de impor a estes suas ordens. Desta maneira, a
lexia jus é utilizada para demonstrar que além da transferência do
escravo (o objeto em questão) é permitido ao comprador impor seus
direitos sobre o transferido, uma vez que ele pagou a quantia
determinada para aquisição do cativo e possui ainda um documento
eivado de fé pública, o qual lhe dá esse consentimento.
Nesse encalço, domínio é empregado no sentido lato dessa
acepção, referindo-se à autoridade exercida pelos donos sobre seus
subalternos, que deveriam fazer os trabalhos a eles ordenados.
Houaiss (2009) apresenta a seguinte definição: “1. supremacia em
dirigir e governar as ações de outrem pela imposição da obediência;
dominação, império 2. direito ger. reconhecido de propriedade e
supremacia de um indivíduo ou indivíduos sobre outro(s).”
Compartilhando dessa mesma ideia, Silva (1813) traz a seguinte
definição: “[...] 2.Autoridade, direito de reger: viver debaixo do
domínio de alguem 3. Ter domínio sobre alguem; influencia em seu

- 190 -
animo, por autoridade, por amor, que nos tem, ou respeito, esse em
que temos dominio [...]”.
Concatenando esses lexemas, é percebível que todas as
acepções fazem menção ao poderio exercido pelos senhores aos
cativos, demonstrando assim, como eles eram vistos pela sociedade e
as formas de poder sobre o qual eram alvos. É sabido que o escravo
durante muito tempo foi reduzido a “coisa”, restringido a mera
condição de “objeto” no qual lhe era detido o direito de pensar e de
agir sobre algum elemento da sociedade.
Assim, confrontando essas acepções com o contexto em que
estas lexias foram empregadas, entendemos que, para que o senhor
obtivesse plenos poderes sobre o cativo era necessário ter sua posse
(ser dono do escravo), jus (ter o direito sobre o escravo amparado pela
justiça, mediante a detenção de documento com fé pública, como o
são as escrituras de compra e venda de escravo e também a escritura
de hipoteca) e domínio (ter o cativo sob sua guarda). A título de
exemplificação vejamos o seguinte excerto: “[...] e por ter feito á
referida venda de sua li-| vre e espontanea vontade, cedia na pes-|
sôa do comprador toda posse, jûs edo-||24v|| edominio que nos
ditos escravos ella vendedora | tinha [...]” (fólio 24 recto e 24 verso,
destaque das autoras).
O segundo documento, uma escritura pública de compra e
venda de escravos (fólio 55 recto a 55 verso), traz em seus fólios outra
lexia com conotação de poder “transpassa”, conforme pode ser

- 191 -
observado neste trecho “[...] epor isso que napessoa docom | prador
cede etra[n]spaça aposseejus | edominio no dito escravo do qual o
comprador ja esta entregue [...]” (fólio 55 recto, destaque das
autoras). O lema transpassar adquire, como primeiro sentido, a
acepção de repassar algo que estava sob domínio de outro dono.
Houaiss (2009) apresenta essa definição na sétima acepção, acredita-
se que isso se deve porque esse sentido atualmente não é tão
recorrente quanto naquela época. Nas obras lexicográficas
oitocentistas não encontramos o lexema que remonta a esse
significado, mas o contexto do livro manuscrito nos permitiu
conjecturar esse mesmo sentido.
Por fim, no terceiro documento de que fizemos uso, uma
escritura pública de hipoteca de escravo (fólios 57 verso a 58 verso),
mais três lexemas e uma colocação foram encontrados: senhor,
possuidor, poder e em mãos. Sob esse prisma, faz-se mister ressaltar
sobre o lema Senhor, encontrado nos fólios com letra maiúscula.
Acreditamos que essa primeira letra maiúscula é utilizada para
demonstrar a importância desse cidadão, haja vista que quanto mais
escravos um senhor possuía mais influência ele tinha perante a
sociedade.
Desta forma, em Houaiss (2009) encontra-se os seguintes
sentidos “ 2. aquele que possui algo 3. dono, proprietário dono da
casa; patrão, amo 4. pessoa que exerce poder, dominação, influência.”
Já em Silva (1813), o sentido primeiro é pejorativo e faz menção direta

- 192 -
ao escravo, o objeto de posse da época, como pode ser observado a
seguir: “O que tem o domínio de algum escravo, ou coisa; senhor util,
o que tem o dominio util, e não o direito.” Certamente esses dizeres
são influenciados pelo contexto histórico da época, posto que a
escravidão encontrava-se em ascensão.
Neste encalço, trazemos à baila a acepção encontrada em
Houaiss (2009) sob a entrada possuidor: “que ou aquele que possui
(algo); proprietário.”. Por sua vez, Silva (1813) define simplesmente
como “O que possúe”. Convém esclarecer que o possuidor poderia não
ser o dono do escravo. Nos documentos analisados essa situação pode
ser comprovada porquanto quem tem a posse é de fato o dono do
escravo, já o possuidor do cativo é aquele que faz uso de seus serviços
durante um tempo determinado até a quitação da dívida, porém não
tem direito legal sobre ele.
No que tange aos lexemas senhor e possuidor, percebemos
que senhor se refere ao proprietário do escravo, enquanto possuidor
diz respeito àquele que tem sobre seu domínio o cativo. Para
exemplificarmos esses sentidos observemos o seguinte excerto: “
Ellehe Senhor epos- ||58r|| Epossuidor dehum escravo crioulo
denome Jus|tino, dei dade devinte annos mais ou| menos” (Fólios
57verso a 58 recto, destaque das autoras).
Com relação à entrada poder, Houaiss (2009) traz a seguinte
acepção “ter domínio ou controle sobre”. Em Silva (1813)
encontramos acepções semelhantes ao do dicionário contemporâneo,

- 193 -
a saber: “domínio”. Mediante este confronto compreendemos que ter
poder sobre algo ou alguma coisa é ter a posse, isto é, o seu controle,
o que não implica necessariamente que este bem esteja em suas
mãos.
A colocação em mãos não pode ser confrontada nos
dicionários pelo fato de não ser um lexema, uma vez que ela é
entendida como uma combinação de palavras com normas que a
fazem serem entendidas pelos falantes e leitores. Deste modo,
observando o contexto dos documentos, nota-se que é utilizada para
dizer que o “bem” hipotecado encontrava-se a disposição do
hipotecário. Ante essas observações, faz-se mister apresentar ao leitor
excertos que comprovem tais assertivas: “[...] o qual elle desua
livrevontade| Hypoteca, ehypotecado tem emmão epo|der de Pedro
Martins Monteiro [...]” ( Fólio 58 recto, destaque das autoras).

Considerações finais
Considerando o léxico com uma das formas de se conhecer a
história e cultura de um povo, acreditamos que conhecê-lo em
diferentes momentos, neste caso, no que se refere ao período de
escravidão ocorrida especialmente em terras catalanas nos
oitocentos, seja de extrema importância para a construção deste
painel histórico-cultural.
Ante as constatações mediante olhar atento ao uso das lexias,
entendemos que ao escravo era firmada inúmeras formas de poder,

- 194 -
podendo ele ser transferido de mão em mão, estar sujeito às ordens e
desmandos de mais de uma pessoa, ser utilizado como quitação de
dívidas, entre outros, situações essas registradas pelo seu léxico. E
todas essas formas de poder acabam por reforçar mais uma vez em
nossos estudos a situação de mercadoria que é conferida ao negro
escravo.
Em função disso, acreditamos que este estudo se justifica por
trazer à baila novas informações sobre os movimentos da escravidão
no território goiano, de modo particular, em terra catalana,
informações ainda desconhecidas pela população desta cidade e que
precisam ser divulgadas por fazerem parte da nossa própria história,
tanto linguística como cultural. Outrossim, se fez muito relevante por
nos permitir conhecer o estado de língua nos oitocentos, além de
contribuir com pesquisas que se dediquem ao labor filológico e lexical.
Destarte, acreditamos que ainda há muito que ser conhecido
com relação ao cenário escravocrata de Catalão, a ver pela quantidade
expressiva de documentos encontrados no âmbito cartorial e
eclesiástico, o que nos motiva a seguir com essa temática e com essa
linha de pesquisa.

- 195 -
Referências

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Ofício – Tabelionato de Catalão: Catalão-GO, 2007.

BIDERMAN, M. T. C. Léxico e vocabulário fundamental. ALFA, São


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Maria Tereza Camargo. Teoria Linguística: teoria lexical e linguística
computacional. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 169-178.

BLUTEAU, R. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico,


architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu,
1712 - 1728. 8 v.

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- 196 -
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Disponível em: https://www.diariodasleis.com.br/legislacao/federal/
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desembargador Antonio Delgado da Silva. Lisboa: typografia
maigrense, 1826. p. 747.

VILELA, M. Estudos de lexicologia do português. Coimbra: Almedina,


1994.

- 197 -
Os nomes de lugar presentes no relato de viagem dos
irmãos Nunes: marcas toponímicas do sertão

Marcus Vinícius Pereira das Dores32

Ao chegarem às costas brasileiras, […] os


portugueses eram o novo Adão. A cada lugar
conferiram um nome — atividade propriamente
adâmica — e a sucessão de nomes era também a
crônica de uma gênese que se confundia com a
mesma viagem. A cada lugar, o nome do santo do
dia: Todos os Santos, São Sebastião, Monte
Pascoal. Antes de se batizarem os gentios, batizou-
se a terra encontrada. De certa maneira, dessa
forma, o Brasil foi simbolicamente criado. Assim,
apenas nomeando-o, se tomou posse dele, como se
fora virgem. (Cunha, 2012, p. 8).
O topônimo não é algo estranho ou alheio ao
contexto histórico-político da comunidade. Sua
carga significativa guarda estreita ligação com o
solo, o clima, a vegetação abundante ou pobre e as
próprias feições culturais de uma região em suas
diversas manifestações de vida. (Dick, 1990, p. 47).

Introdução
O presente trabalho possui duplo objetivo: i) apresentar a
fonte documental Noticias das minas da America chamadas Geraes
pertencentes à el rei de Portugal, relatada pelos três irmãos chamados
Nunes os quais rodarão muytos annos por estas partes (as edições fac-

32
Doutorando em Filologia e Língua Portuguesa, USP. Bolsista CAPES.

- 198 -
similar e diplomática de dois fólios) e ii) fazer um levantamento
simples dos topônimos presentes no referido manuscrito.
As Notícias dos irmãos Nunes correspondem a uma produção
manuscrita que tem por fim o relato do trajeto feito pelos irmãos em
uma viagem da Bahia até Minas Gerais. Esse manuscrito é, portanto,
uma carta mapa em que os irmãos Nunes deixam registradas
informações geográficas e sociais dos locais por onde passaram
durante uma longa e árdua viagem.
Segundo Safier e Furtado (2006, p. 270), o documento
produzido pelos irmãos Nunes e outros documentos serviram de
fontes para D'Anville criar a Carta de 1748: a capitania das Minas
Gerais:

Este roteiro foi escrito a partir da experiência de


viagem de três irmãos, Diogo, João e Sebastião
Nunes, auto-intitulados “os irmãos Nunes”, os
quais se transformavam nas mãos do cartógrafo
francês nos verdadeiros oráculos da geografia
local, enquanto espaço vivido e trilhado por
alguém, no caso os irmãos Nunes [...] A análise
desse roteiro de viagem escrito sobre a região que
se desenrola entre o porto da Bahia e a região das
recém-descobertas minas de ouro no interior do
Brasil, ilustra a maneira como o conceito geográfico
era construído, numa perspectiva não só política,
mas também sociocultural, perspectivas estas que
elegem as ausências e as presenças no mapa.

Trata-se, portanto, de uma fonte documental que assume


tanto um valor material, quanto imaterial. Valor material pela sua

- 199 -
composição física: manuscrito escrito em papel de trapo, no início do
século XVIII (1709), pela mão de um dos irmãos Nunes. Já o valor
imaterial corresponde aos registros socio-históricos e linguísticos que
são materializados no texto escrito. Em outras palavras, o manuscrito
em questão traz nas linhas, entre linhas e margens dados de um grupo
social de um período específico e, também, serve de testemunho de
um estágio pretérito da língua.
Sobre o registro linguístico das Noticias das minas da America
chamadas Geraes pertencentes à el rei de Portugal, relatada pelos três
irmãos chamados Nunes os quais rodarão muytos annos por estas
partes, neste trabalho, focaremos, exclusivamente, o nível lexical,
visto que é de nosso interesse levantar os nomes de lugar, ou seja, os
topônimos, encontrados nos dois primeiros fólios do manuscrito. Em
decorrência dos nossos objetivos e para não elaborarmos um extenso
trabalho, optamos por apresentar as edições e os dados toponímicos
de apenas dois fólios.
Mesmo trabalhando com um recorte pequeno do manuscrito,
já conseguimos ilustrar com dados relevantes os itens lexicais
utilizados para nomear alguns espaços geográficos por onde passaram
os irmãos Nunes. Contudo, é claro que os dados apresentados
correspondem a uma parcela muito pequena da realidade. Mas, quem
trabalha com Linguística Histórica e com suas interfaces, já está
acostumado, como aponta Labov (1982, p. 20), “a arte de fazer o
melhor uso dos maus dados”. Isso, porque “os fragmentos da

- 200 -
documentação escrita que permanecem são os resultados de
acidentes históricos para além do controle do investigador” (Labov,
1982, p. 20).
Nosso primeiro contato com essa documentação foi por meio
da professora Júnia Furtado33, titular de História Moderna do
Departamento de História da UFMG, em 2017, na 1ª Semana Nacional
de Arquivos, no Arquivo Público Mineiro (APM). Já nessa época, nos
interessamos pela documentação, mas, desde então, só tivemos a
oportunidade de escrever algo sobre ela agora.
A fim de alcançar os nossos objetivos, este trabalho foi
organizado da seguinte maneira: além desta introdução e das
considerações finais, há uma seção onde apresentamos algumas
questões teóricas em relação aos estudos de nomes de lugar; há uma
seção em que apresentamos as normas de edição do manuscrito e as
edições (fac-similar e diplomática); e, por fim, há uma seção na qual
destacamos os topônimos encontrados. A seguir, portanto, seguem
algumas discussões teóricas sobre os estudos de nomes de lugar.

O estudo de nomes de lugar


Dentro dos Estudos Linguísticos, as Ciências do Léxico são as
áreas responsáveis pela descrição e estudo dos nomes. Nesse sentido,

33
Agradecemos à Professora Júnia Furtado por ter nos cedido algumas imagens do
manuscrito que aqui apresentamos e por ter nos dado a autorização para utilizá-lo
neste trabalho.

- 201 -
as Ciências do Léxico, inicialmente, se dividem em três campos: a
Lexicologia – responsável pelo estudo do léxico em geral da língua –, a
Lexicografia – responsável pelo estudo e/ou confecção de materiais
lexicográficos como dicionários, glossários e vocabulários – e a
Terminologia – que se debruça sobre os léxicos de esferas sociais
específicas.
Sobre o ato nomeativo (a palavra e o seu referente), ou a
atividade adâmica (fazendo referência à epigrafe deste trabalho),
Nyström (2016, p. 40, tradução nossa34) destaca que

[...] nomes têm significado, ao menos algum tipo de


significado. [...] Nomes e palavras (com significado
lexical) interagem e influenciam uns aos outros em
vários níveis em situações diferentes. Mesmo que
nomes não tenham um significado lexical ou
etimologicamente objetivo, eles normalmente têm
outros tipos de significados, significados
pressuposicionais. Nomes não são só um rótulo
prático, mas na verdade trazem consigo significado
em muitos sentidos.

É, justamente, por existirem diferentes tipos de nomes, com


diferentes funções que, a título de estudo, vamos criando diferentes
teorias e interfaces.

34
No original (em inglês): “[...] names do have meaning, at least some kind of
meaning. [...] Names and words (with lexical meaning) interact and influence each
other to a vaying degree in different situations. And even if names do not have an
asserted lexical or etymological meaning, they normally have other kinds of
meanings, prosuppositional meanings. Names are not only practical label, instead
they are packed with meaning in many senses”.

- 202 -
Há, por exemplo, dentro da Lexicologia a Onomástica que
estuda a origem e a formação dos nomes próprios. Pensando nas
diferentes nomeações, é possível dividir a Onomástica em duas áreas:
a Antroponímia e a Toponímia. A Antroponímia estuda os nomes
próprios individuais, sobrenomes, apelidos, nomes de família etc. Já a
Toponímia estuda os nomes próprios de lugar. Sobre esses dois
campos, Dick (1990, p. 100) afirma que: “sem dúvida, a cultura do
grupo é determinante na condução desse saber-fazer denominativo,
responsável pelas novas séries de designação que formam a cadeia
lexical, nas perspectivas de uma antropologia linguística que é
também semiológica”.
Por isso, vemos a toponímia como um patrimônio histórico,
formado aos poucos e cujos nomes vão aparecendo por meio de
processos naturais e submetido, em alguma medida, a intervenções, e
que geralmente permanecem sem grandes alterações ao longo do
tempo (a não ser por algumas deturpações). Ainda sobre essa questão,
Dick (1990, p. 22) ressalta que os topônimos são

[...] verdadeiros “testemunhos históricos” de fato e


ocorrências registrados nos mais diversos
momentos da vida de uma população, encerram,
em si, um valor que transcende ao próprio ato da
nomeação: se a Toponímia situa-se como a crônica
de um povo, gravando o presente para o
conhecimento das gerações futuras, o topônimo é
o instrumento dessa projeção temporal. Chega,
muitas vezes, a se espalhar além de seu foco
originário, dilatando, consequentemente, as

- 203 -
fronteiras políticas, e criando raízes em sítios
distantes. Torna-se, pois, a reminiscência de um
passado talvez esquecido, não fora a sua presença
dinâmica.

De forma complementar, Sánchez Rei (2018, p. 136, tradução


nossa35) destaca que

[a] afirmação de que o estudo da toponímia abre


portas às disciplinas e aos conhecimentos de
diferentes áreas das ciências humanas constitui
uma frase certa e repetida. Com efeito, dado que a
toponímia frequentemente apresenta um grau
notável de conservadorismo semântico
denotativo, o significado de muitos nomes de
lugares nos dá informações preciosas sobre
realidades culturais, econômicas, históricas ou
paisagísticas de outros tempos.

Ainda sobre o objeto de estudo da Onomástica e a divisão


dessa área, Leite de Vasconcellos (1928, p. 02) já afirmara que

Temos como se vê, muitas espécies de “nomes


próprios”. A secção da Glotologia que trata d’eles
(origem, razão de emprego, forma, evolução,etc.),
convieram os filólogos em a designar por
“Onomatologia”, que, de acordo com aquelas
espécies, deverá decompor-se em três disciplinas
secundárias: 1) Estudo de nomes locais, ou
“Toponímia”, na qual se inclui igualmente o

35
No original (em galego): “A afirmación de o estudo da toponimia abrir a porta a
disciplinas e saberes de diferentes ámbitos das humanidades constitúe de seu unha
sentenza tan certa como reiterada. Con efecto, dado que as toponimias costuman
presentar un notábel grao de conservadorismo semántico denotativo, o significado
de moitos nomes de lugar ofrécenos preciosas informacións á volta de realidades
culturais, económicas, históricas ou paisaxísticas doutros tempos”.

- 204 -
elemento líquido (rios, lagos, etc.), e outros
produtos da natureza, como árvores, penedos que
dão freqüentemente nomes a sítios (a “Toponímia”
é pois Onomatologia geográfica). 2) Estudo dos
nomes de pessoas, ou “Antroponímia”, expressão
que o autor pela primeira vez propôs e empregou
em 1887, na “Revista Lusitana”, I, 45. 3) Estudo de
vários outros nomes próprios, isto é, de astros,
ventos, animais, seres sobrenaturais, navios,
cousas: “Panteonímia” (de pantóios, que quer dizer
“de toda a espécie”, “variado”). No estudo dos
nomes de seres sobrenatuais nada nos impede de
chamar “Teonímia” (Theonymia) ao dos nomes de
deuses.

Como abordamos os nomes dos lugares por onde os Irmãos


Nunes passaram, este trabalho, tangencia o domínio teórico da
Toponímia (ou Toponomástica – termo mais recente). Sobre a
Toponímia, Encarnação (2010, p. 75) afirma que ela começou

[...] por ser obra da população, sem outras razões


para a atribuição de um nome a determinado lugar
a não ser o quotidiano: por ali se ia ao moinho – era
o Caminho do Moinho; por ali se ia à igreja e era a
Rua da Igreja; ali morava senhor importante – e de
seu nome se fazia nome de vereda, avenida ou
beco… Imperava a tradição, toda a gente se
conhecia, os aglomerados populacionais não
careciam de complexa estruturação.

Como será possível observar mais adiante, os topônimos aqui


apresentados (na seção Apresentação dos topônimos) vão ao
encontro do que afirma Encarnação (2010).

- 205 -
Edição do manuscrito
A fim de podermos coletar os topônimos presentes nos
primeiros fólios do manuscrito Noticias das minas da America
chamadas Geraes pertencentes à el rei de Portugal, relatada pelos três
irmãos chamados Nunes os quais rodarão muytos annos por estas
partes, realizamos uma edição conservadora do texto. A opção pela
edição conservadora se justifica pelo fato de querermos preservar, ao
máximo, as características do documento. Além disso, a edição
conservadora pode ser o primeiro passo para, depois, se fazer uma
edição mais livre (modernizadora/atualizadora). Certo é que, como
aponta Cambraia (2005), toda edição de um texto manuscrito
corresponde à interpretação de um editor. Por isso, ao editar um
texto, é muito importante propor normas e segui-las à risca. Só assim
o material editado poderá ser considerado uma fonte fidedigna para
pesquisa de diferentes áreas.
Para realizar a edição que aqui apresentamos, recorremo às
normas propostas por Cambraia e colegas (2001), com algumas
adaptações nossas. A seguir, apresentamos as normas utilizadas e, em
seguida, as edições (fac-similar e conservadora) das Noticias das minas
da America chamadas Geraes pertencentes à el rei de Portugal,
relatada pelos três irmãos chamados Nunes os quais rodarão muytos
annos por estas partes.

- 206 -
Normas adotadas
a) A transcrição procurará ser o mais fiel possível ao original.
Será respeitada, assim, o máximo possível, a distribuição geoespacial
do texto na mancha;
b) Não serão desdobradas as abreviaturas;
c) Não será estabelecida fronteira de palavras que venham
escritas juntas nem se introduzirá hífen ou apóstrofo onde não houver;
Ex: “obem”; “deS.Matheos”;
d) Serão mantidas a pontuação e acentuação originais;
e) Será respeitado o emprego de maiúsculas e minúsculas
como se apresentam no original;
f) Quando a leitura paleográfica de uma palavra for duvidosa, a
sua transcrição será feita entre parênteses: ( );
g) Serão transcritos na sua forma original os numerais, tanto
indo-arábicos como romanos;
h) Serão informadas em nota as anotações de outro punho, as
alterações e os borrões de tinta;
i) Serão transcritos como pontos dentro de colchetes
precedidos pela cruz † (sendo que o número de pontos é o de
caracteres não legíveis) os caracteres cuja leitura for impossível.
Entretanto, quando não for possível identificar esse número, apenas
será registrada a cruz (Cambraia, 2005, p. 128);
j) Palavra danificada por corrosão de tinta, umidade,
rasgaduras ou corroídas por insetos ou outros será indicada entre

- 207 -
colchetes, assim: [corroída] ou [corroídas]. Em se tratando de um
trecho de maior extensão danificado pelo mesmo motivo será indicada
entre colchetes a expressão [corroída + de 1 linha];
k) A divisão das linhas do documento original será preservada,
ao longo do texto;
l) As páginas serão numeradas de acordo com o documento
original, indicadas, nesse caso, entre duas barras verticais. Se o original
não for numerado ou estiver ilegível sua numeração, os números
acrescentados serão inseridos entre colchetes. Exemplos: ||fl.1r.||,
[fl. 1v];
m) As assinaturas simples ou as rubricas do punho de quem
assina serão sublinhadas.Exemplos: “Mesquita” e “JozeDaCosta de
Carvalho”;
n) Os espaços em branco deixados pelo escrivão serão assim
identificados: [espaço];
o) Os fragmentos de frases ou palavras que foram suprimidos
pelo escrivão serão indicados em nota.

- 208 -
Figura 1 – Fac-símile do fólio 1 recto do manuscrito

- 209 -
[Fl. 1r.]
Noticia das minas da America chamadas
Geraes Pertencentes à ElRey dePortugal
Relatada pellos tres jrmaons chamados
5 Nunes os quaes rodaraõ muytos annos
Por estas partes.

836 Achavamonos na Bahia de todos os Santos no mez de 8.bro


em 1709 quando nos resolvemos â fazer Viagem para as
10 minas geraes: assi chamadas por estarem no meyo
de aquellas conquistas. he omez de 8bro proprio para
caminhar pello Certão, para achar agoa em viagem
taõ dillatado, porq̃ havendo tres Minas differentes aq̃
fica mais perto he quinhentas Legoas de caminho
15 q̃ he hindo pella Traversia deJoaõ Amaro. outra de
outocentas pella traversia deDonna Joana. a Terceyra
que será de seis centas com pouca differença he á
do Morro do Chapeu. estas tres Minas heraõ athe-
agora as mais distantes daBahia porem de 1709 se des-
20 cobriraõ outras contiguas às terras de Espanha cha-
madas de Cuyabá as quaes distaõ das Minas geraes
tres mezes de caminho. tudo terra firme pello _
Certão. O mayor trabalho nesta Viagem he buscar
agoa, por cuja razaõ se comessa â caminhar em
25 8bro, porq̃ entaõ37 favorecem as chuvas aòs cami-
nhantes. = Para hir daBahia às Minas geraes
he necessario hir buscar oRio de S. Francisco q̃
hindo pella traversia deJoaõ Amaro ha 25 athe
30 dias de Viagem. Devece embarcar na mesma
30 cidade38Bahia, passar â outrabanda da Rio villa da Cachoeira

36
Esse algarismo foi acrescentado a lápis, posteriormente, ao manuscrito.
37
O grafema “e” inicial possui um traçado grande, mas não se configura como uma
letra maiúscula.
38
Por estar escrita fora da mancha padrão do texto, ou seja, à margem, levantamos
a hipótese de que o escrivão acrescentou a palavra “cidade” ao texto como uma
forma de correção.

- 210 -
Figura 2 – Fac-símile do fólio 1 verso do manuscrito

- 211 -
[Fl. 1v]
que fica 15 Legoas daBahia deaqui seVay à S. Pedro
Novo, q̃ he huã Legoa. sahindo daBahia seachavahuã
Jlha chamada Taparica epor outro nome a Jlha do
5 medo. toda aborda do Rio athe à Cachoeirahepovoada;
aJlha naõ hepovoada, nella semata muyta Bal(e)a _
traversando oRio sevai à S. Pedro Novo, deaqui sepoem
dous dias de caminho athe aentrada da Traversia aonde
ha huã Fazenda Genipapo, q̃ hehuã arvore, quedâ huã
10 fruta parecida ào Marmelo. deaqui sevay dormir à Se –
rrinha | ogenipapo fica hũ anno na arvore antes que
sepossa comer | Serrinha junto aò Boqueyraõ. aqui
sefaz agoa, aqual se levaem cargas sobre cavallos
epara transportalla fazem dedous meyos desolla
15 huã forma deodres onde vay muy bem como sefora
em odres dePortugal. Logo sevay jantar às Agreste
doBoqueyraõ, edormir aò Riacho Seco ondeseFazem
covas de altura de hũ estado, q̃ na Lingua daterra
se chamaõ Cassimbas; aqui se acha agoa para as cavalga
20 duras, para poupar aq̃ hepara os caminhantes. do Riacho
Seco sevai jantar às duas pontas, aonde se acha agoa.
se vay dormir à Lagoa dojunco. despois àboa vista de hũ
Rio chamado (Por uassũ), despois à cabeça do Touro, aò
pe da Villa deJoaõ Amaro. deaqui seguindo; aò Paó
25 apique aòs Possoins, aò Rancho das Araras, aò Rancho
das Canavieyras; aò pê da Chapada q̃ he huã Serra. aò
dia seguinte seVay dormir no meyodadita Serra onde
se chama agiboya, aò seguinte no fundo dadita serra

- 212 -
Figura 3 – Fac-símile do fólio 2 recto do manuscrito

- 213 -
[Fl. 2r]
Depois à fazenda da Viuva no outro dia no meyo das
geraes, q̃ saõ huns Campos muy dillatados, deaqui àfazenda
doPedrozo, à fazenda das Ortigas Mortas, aò Rio das Contas
5 pequeno des aò das contas grande aò Curralinho, anoyte
seguinte
as̀ quebradas, à fazenda do Zambuzeyro, à fazenda das Alagoas,
aò Hospissio dos frades do Carmo aonde habitaõ tres, ouquatro
Frades, deaqui aò Bréjo, àFazenda das Carnaivas, àfazenda das
10 Lagens aò Agreste; de <aqui>henecessario partir na meya noite
para hir dormir ào Curral falso, que fica naborda do Rio das
Rans, eLogo àParateca; aqui se en contra aestrada Real junto
aò Rio de S. Francisco onde semeteoRio das Rans acaba
esta traversia de Joaõ Amaro.
15 Aonde fina ocaminho das Contas pequeno he afazenda
daParateca, quepertence àDona JzabelMariaguedes de
Brito: sogra de Dom Joaõ Mascarenhas Jrmaõ do conde
de Covollin. esta sen.a possue hoje mais de novecentas _
Legoas de conquistas, q̃ fizeraõ seus antepassados. neste taõ
20 grande districto tem infinitas Herdades, das quaes lhepagaõ
deForo os habitantes dez mil reis cadahũ anno por cada
tres Legoas deterra em Longo, q̃ no Largo cada hũ possue
qdo pode cultivar, porq̃ na Largura naõ tem fimoq̃ está por des-
cobrir deste Certam.
25 Traversia deDaJoana
Sahindo daBahia pellamatta de S. Joaõ se vay dormir aò
Rio deJoanne, deaqui à Capuame onde há huã grande feyra
degados. des pois à entrada damatta, d à Pojuca, aqui se pa=
ssa tres vezes hũ Rio chamado Paracatú, sahindo da matta
30 aò Rio daprata, deste aò Saco do Correa, à Massarandiva aò
Coihate, q̃ hehuã arvore. aò Papagayo, des pois adiante (†.)
das Vargens dos Porcos, as (na)tigas aòs Possoins junto à
serra da Caracuanha, aò Rio doPeyche à Vargem grande,
à fazenda doRio do Taparacú das Porterras_

- 214 -
Apresentação dos topônimos
Com a edição conservadora dos primeiros fólios do mansucrito
Noticias das minas da America chamadas Geraes pertencentes à el rei
de Portugal, relatada pelos três irmãos chamados Nunes os quais
rodarão muytos annos por estas partes já realizada, foi possível
levantar alguns topônimos presentes ao longo do texto. Vale destacar
que a presença/ausência de água é a principal norteadora da viagem
dos irmãos Nunes. Viajar pelo sertão a dentro em época de seca era
uma tarefa difícil. Por isso, a escolha pelo mês de outubro que é
“proprio para caminhar pello Certão, para achar agoa em viagem taõ
dillatado”. É interessante perceber, também, quão detalhada é a
descrição dos Nunes sobre os caminhos por onde passaram.
No Quadro 1, a seguir, apresentamos os 64 topônimos
encontrados nos primeiros fólios do documento, seguidos das
localizações na nossa edição. Por reconhecer a importância de
conservar os nomes de lugar segundo os registros apresentados,
optamos por não atualizar nenhum item lexical levantado. Os nomes
com leituras duvidosas não foram considerados.
Quadro 1 – Topônimos encontrados nos Fólio 1r., 1v. e 2r.
Fólio 1r.
Geraes linha 3 Bahia de todos os Santos linha 8
linhas 15
minas geraes linha 10 Traversia deJoaõ Amaro
e 28
traversia deDonna
linha 16 Morro do Chapeu linha 18
Joana
Espanha linha 20 Cuyabá linha 21
Rio de S. Francisco linha 27 Bahia linha 30
villa da Cachoeira linha 30

- 215 -
Fólio 1v.
S. Pedro Novo linhas 2 e 7 Jlha chamada Tapariva linha 4
Jlha do medo linha 4 Fazenda Genipapo linha 9
Serrinha linhas 10 e 12 Boqueyraõ linha 12
Portugal linha 16 Agreste doBoqueyraõ linha 16
Riacho Seco linhas 17 e 20 Lagoa dojunco linha 22
cabeça do Touro linha 23 Villa deJoaõ Amaro linha 24
Paó apique linha 24 Possoins linha 25
Rancho dosAraras linha 25 Rancho das Canavieyras linha 25
Serra onde se chama
Chapada linha 26 linha 27
agiboya
Fólio 2r.
fazenda da Viuva linha 2 fazenda doPedrozo linha 4
fazenda das Ortigas Mortas linha 4 Rio das Contas pequeno linha 4
(Rio)39 das contas grande linha 5 Curralinho linha 5
fazenda do Zambuzeyro linha 6 fazenda das Alagoas linha 6
Hospissio dos frades do
linha 7 Fazenda das Carnaivas linha 8
Carmo
fazenda das Lagens linha 8 Agreste linha 9
Rio das Rans linha 10 Parateca linha 11
estrada Real linha 11 Rio de S. Francisco linha 12
traversia de Joaõ Amaro linha 13 caminho das Contas linha 14
fazenda daParateca linha 14 Traversia deDaJoana linha 24
matta de S. Joaõ linha 25 Rio deJoanne linha 26
Capuame linha 26 Rio chamado Paracatú linha 28
Rio daprata linha 29 Saco do Correa linha 29
Massarandiva linha 29 Coihate linha 30
Papagayo linha 30 Vargens dos Porcos linha 31
Possoins linha 31 serra da Caracuanha linha 32
Rio doPeyche linha 32 Vargem grande linha 32
fazenda doRio do Taparacú
linha 33
das Porterras

39
No manuscrito, o termo genérico “rio” está suprimido.

- 216 -
Como aponta Gammeltoft (2016, p. 3, tradução nossa40), “o
aspecto geográfico é usualmente expressado de forma mais clara no
elemento genérico do topônimos, pois sua função no nome é informar
a qual tipo de localidade o nome se refere”
Entre os topônimos encontrados se fazem muito presentes os
nomes de fazendas, rios, travessas, estradas, matas, morros, ranchos,
ilhas etc. De fato, são encontrados os pontos geográficos presentes na
região por onde os irmãos Nunes passaram. Uma questão interessante
a ressaltar é que, no decorrer do relato de viagens, o escrevente tece
alguns comentários sobre os topônimos que ele registra:
(1) “sahindo daBahia seachavahuã Jlha chamada Taparica epor
outro nome a Jlha do medo” (Fólio 1v., linhas 3-5).
(2) “aentrada da Traversia aonde ha huã Fazenda Genipapo, q̃
hehuã arvore, quedâ huã fruta parecida ào Marmelo. [...] ogenipapo
fica hũ anno na arvore antes que sepossa comer” (Fólio 1v., linhas 8-
12).
(3) “aò pê da Chapada q̃ he huã Serra” (Fólio 1v., linha 26).
(4) “Aonde fina ocaminho das Contas pequeno he afazenda
daParateca, quepertenca àDona JzabelMariaguedes de Brito: sogra de
Dom Joaõ Mascarenhas Jrmaõ do conde de Covollin” (Fólio 2r., linhas
14-17).

40
No original: “The geographical aspect is usually most clearly expressed in the
generic element of place-names, as their function within the name is to state what
type of locality the name concerns”

- 217 -
Em (1), temos a informação de uma toponímia paralela41. Em
(2), encontramos a explicação dos Irmãos Nunes para a origem do
Genipapo, que faz referência a uma árvore frutífera. Já em (3), o
escrevente apresenta uma explicação geográfica em relação ao relevo
da região mencionada. Por fim, o exemplo (4) faz referências aos
possuidores da terra mencionada no relato. Esses comentários,
portanto, indicam que os irmãos Nunes, de fato, eram conhecedores
da região: conheciam o clima local, o relevo, a flora, a língua local,
algumas pessoas etc.
Uma questão interessante de ser mencionada é que “a
toponímia brasileira é condicionada por várias línguas que coexistem
(mesmo em desigualdade) quando são criados novos assentamentos”
(VIDAL FONSECA, 2019, p. 195). Isso porque faz parte da formação do
português brasileiro e da escolha de nomes de lugares (os topônimos)
a presença das línguas indígenas, das línguas africanas e das línguas
dos imigrantes que ocuparam o vasto território brasileiro como
testemunham as fontes históricas.

Considerações finais
Neste artigo, buscamos apresentar os topônimos presentes em
um documento manuscrito do início do século XVIII, as Noticias das

41
Segundo Vieira (2012, s/p), “a toponímia paralela tem, como característica
principal, sua existência não oficial. Seu caráter espontâneo colocado no signo
toponímico, torna-o de fácil aceitação.”

- 218 -
minas da America chamadas Geraes pertencentes à el rei de Portugal,
relatada pelos três irmãos chamados Nunes os quais rodarão muytos
annos por estas partes. Assim, selecionamos esse documento por meio
do qual, depois da pertinente edição, extraímos todos os topônimos,
úteis para o nosso levantamento. Contudo, como já referimos, não foi
nossa intensão neste momento fazer uma análise dos topônimos
encontrados. Mesmo de forma não aprofunda, o levantamento que
aqui apresentamos já nos permite afirmar que documentos
manuscritos de diferentes esferas e épocas são fontes riquíssimas para
pesquisas linguísticas e de outras áreas.
Uma questão interessante a se considerar, em virtude do tipo
de documento aqui abordado é que, segundo Gammeltoft (2016, p. 3,
tradução nossa42),

[...] topônimos atuam tanto na geografia física


quanto na geografia humana, uma vez que eles
descrevem aspectos tanto do mundo natural
quanto do espaço criado pelos humanos durante a
época da nomeação. Um dos desafios em usar

42
No original: "Place-names act within both physical and human geography, in as
much as they describe aspects of both the natural world and human created space
at around the time of naming. One of the challenges in using place-names in
connection with geography are to establish when a name was coined and the
significance of the naming focus. Another main challenge lies in later onomastic
developments, which, through metonymical processes — for example a place-name
comes to signify a different type of locality from the one it originally did — create a
mismatch between the current denotation and the original placename meaning. In
the case of metonymy, it can often be difficult to single out the original name bearing
or name originating locality, and a certain amount of qualified guesswork frequently
has to be applied in singling out the original name bearer".

- 219 -
topônimos vinculados à geografia é definir quando
um nome foi cunhado e a significância do foco da
nomeação. Outro desafio primordial diz respeito a
progressos onomásticos posteriores, que, a partir
de processos metonímicos como por exemplo um
topônimo que passa a significar um tipo diferente
de local em relação ao que significava
originalmente criam uma divergência entre a
denotação atual e o significado original do nome do
lugar. No caso da metonímia, pode ser
normalmente difícil selecionar qual é a fonte do
nome original ou o lugar de onde o nome se
originou. Uma certa quantidade de suposições
qualificadas é frequentemente adotada para que
se decida a fonte do nome original.

Outra questão que podemos concluir, à luz de Dick (1990, p.


178), é que a toponímia

[...] ultrapassa, em muito, a conceituação teórica


que lhe é atribuída, tornando-se nas Ciências
Humanas, fonte de conhecimento tão excelente
quanto as melhores evidências documentais. São
[os topônimos], por assim dizer, verdadeiros
registros do cotidiano, manifestado nas atitudes e
posturas sociais que, em certas circunstâncias, a
não ser deles, escaparia às gerações futuras.

Isso porque, ao escolher o nome de um lugar, o sujeito


nomeador escolhe, também, um dado que quer guardar para o futuro.
Em tempos de desmanche das Universidades Públicas, de
desvalorização da memória coletiva e individual, de perda (por
diferentes meios) de diferentes fontes documentais, reforçar o papel
das ciências humanas (tão exatas quanto qualquer outra ciência, pois

- 220 -
se valem de métodos claros e possíveis de serem replicados) torna-se
um desafio, cada vez mais, necessário. Os topônimos aqui
apresentados, por exemplo, não são simples nomes. Muito pelo
contrário, eles carregam a história e a vivência de um povo que, em
detrimento da necessidade de um grande recuo temporal, só podem
ser recuperadas por meio daquilo que muitos chamam de “papeis
velhos”. Por isso, como apontamos anteriormente (DORES, 2019),
devemos estar atentos à preservação e à divulgação de fontes
documentais como o manuscrito Noticias das minas da America
chamadas Geraes pertencentes à el rei de Portugal, relatada pelos três
irmãos chamados Nunes os quais rodarão muytos annos por estas
partes, que parte aqui apresentamos.

- 221 -
Referências
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FERREIRA, P. S.; TOLEDO-NETO, S. de A.; LOBO, T. C. F.; KLAMT, V.
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do Português do Brasil. In: MATOS E SILVA, R. V. (org.). Para a História
do Português Brasileiro. Primeiros Estudos. São Paulo:
Humanitas/FFLCH/FAPESP, 2001. p. 552-555.
CAMBRAIA, C. N. Introdução à crítica textual. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
CUNHA, M. C. da. Índios no Brasil. História, direitos e cidadania. São
Paulo: Claro Enigma, 2012. Disponível em:
https://www.companhiadasletras.com.br/trechos/35025.pdf. Acesso
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DICK, M. V. de P. do A. Toponímia e Antroponímia no Brasil. Coletânea
de Estudos. 2. ed. São Paulo: FFLCH/USP, 1990.
DORES, M. V. P. das. Relação dos trastes de prata e ornamentos da
extinta capela de Santo Antônio (1856). LaborHistórico, Rio de Janeiro,
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GAMMELTOFT, S. Names and Geography. In: HOUGH, C.; IZDEBSKA, D.
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- 222 -
LEITE DE VASCONCELOS, J. Antroponímia Portuguesa. Lisboa:
Imprensa Nacional, 1928.
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The Oxford Handbook of Names and Naming. Oxford: Oxford
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da Cunha e Jean-Baptiste Bourguignon D'Anville na construção da
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SÁNCHEZ REI, X. Toponimia menor e conservadorismo lingüístico:
algúns exemplos contemporáneos da cidade da Coruña.
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VIDAL FONSECA, G. Toponímia galega e brasileira. Similitudes e
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https://doi.org/10.24206/lh.v5i1.22642. Acesso em: 10 jul 2019.
VIEIRA, Z. P. O reflexo da memória social na toponímia: o espontâneo
e o popular. Cadernos do CNLF, Rio de Janeiro, 2012. s/p. Disponível
em: http://www.filologia.org.br/vcnlf/anais%20v/civ2_13.htm.
Acesso em: 02 set. 2019.

Fonte manuscrita
Robert Bosch Collection – Stuttgart – Alemanha. n. 229 – ANVILLE,
Jean-Baptiste Bourguigon d’. Collection of eight manuscripts
concerning Brazil: n.555 (1) – Noticias das minas da America chamadas
Geraes pertencentes à el rei de Portugal, relatada pelos três irmãos
chamados Nunes os quais rodarão muytos annos por estas partes, 21
p.

- 223 -
Interfaces entre Filologia e Toponímia: uma análise de
topônimos registrados em inventários oitocentistas de
Catalão (GO)

Maria Gabriela Gomes Pires43


Rayne Mesquita de Rezende44

Palavras iniciais
Almejando compreender mais sobre as culturas e as histórias
dos sujeitos goianos no decorrer do século XIX, período de sua
ascendência formal, enquanto arraial, vila e, por fim, cidade, este texto
se propõe a arrolar alguns dos topônimos arquivados em inventários
manuscritos lavrados na região de Catalão.
Situada no interior do estado de Goiás, Catalão é uma cidade
que surgiu graças ao seu destaque enquanto rota bandeirante, quando
se tornou um Pouso para acolher as bandeiras que vinham pelo trajeto
São Paulo/Minas Gerais. Com o findar do ouro, a região, por conta de
suas terras férteis para produção agropecuária, além da boa
localização, começou-se a se erguer em forma de comunidade,
fazendo-a rapidamente alçar a categoria de arraial, vila e cidade, tudo
no decorrer das décadas do século XIX (PALACÍN, 1994; PAULA, 2005).

43
Doutoranda em Filologia e Língua Portuguesa, USP. Bolsista CAPES.
44
Doutora em Linguística e Língua Portuguesa, UNESP.

- 224 -
Como qualquer outra comunidade em crescimento, após a
criação de uma igreja, também vieram os órgãos judiciais responsáveis
pela organização administrativa e política das regiões. Dentre as
inúmeras tipologias produzidas por este setor documental, a área da
família, que exara com destaque no quesito quantidade os inventários,
mostram-se como profícuas fontes para o conhecimento da história da
língua e, consequente, da história sociocultural. Tudo que é deixado
como herança, na grande maioria dos casos, é uma forma de manter
determinadas práticas, ou seja, são objetos ou informações
impregnados de valores que caracterizam o povo da região.
Os bens gravados manuscritamente são, portanto, os signos –
um conjunto de unidades significativas que foram criadas para aludir
a uma realidade que nos é reconhecível, o que o torna um elemento
complexo, resultado de uma memória coletiva de um grupo, que, não
podemos esquecer, estão em constantes alteração e ampliação, uma
vez que também são produtos sociais. Sendo assim, tais designativos
oportunizam conhecer estas realidades via interpretação dos seus
referentes, isto é, oportunizando-nos conhecer a língua, como
também identificar e compreender o extralinguístico dela.
De acordo com Saussure (1969), grande parte dos signos é de
origem arbitrária, sendo assim, destituídos de uma motivação natural
ou explicável para a opção do significante. Todavia também existem
determinados signos que recebem um designativo por razões
particulares, elementos caracterizadores próprios de um local ou

- 225 -
pessoa, de escolha coletiva, entre inúmeras outras justificavas, o que
nos leva a verificar, como explica Dick (1992), que o signo, em alguns
casos, é, sim, motivado. Desta forma, os topônimos, substantivos
próprios, comumente utilizados para nomear lugares (existentes na
natureza, ou construídos pelo homem) mais do que qualquer outra
unidade lexical, nos permite conhecer o modus vivendi dos mais
variados grupos sociais.
Sabendo disso, o trabalho propõe uma classificação, com base
na metodologia proposta em Dick (1992), dos topônimos arrolados em
oito inventário datados em: (i) 1824, período que Catalão ainda era
Arraial; (ii) 1839, 1841, 1851, períodos de Catalão enquanto Vila; (iii)
1868, 1878, 1880 e 1888, períodos de Catalão enquanto cidade. A
busca pelas motivações denominativas, fundamentou-se em
dicionários gerais da língua portuguesa contemporâneos ao período
em que foram redigidos os manuscritos, especialmente o de Moraes
Silva (1789), e em publicações resultantes de pesquisas sobre a
história do local, que forneceram dados acerca das possíveis causas
para as atribuições de nomes, seus referentes e seus nomeadores.
Sobre o material analisado, é importante informar que os
documentos foram digitalizados pelo grupo de pesquisa do “Em busca
da memória perdida: estudos sobre escravidão de Goiás”. Os fac-
símiles encontram-se disponíveis no Laboratório de Estudos do Léxico,
Filologia e Sociolinguística, da Universidade Federal de Catalão. Estes
documentos foram editados, sob a égide da Filologia e Diplomática, e

- 226 -
publicados em uma pesquisa de mestrado intitulada “De bens de
herança a bens culturais: um estudo linguístico de autos de partilhas
oitocentistas de Catalão-GO” (PIRES, 2015).
Metodologicamente, a princípio, realizamos a leitura da
edição. Por se tratar de um documento jurídico, elaborado com
referências nas ordenações das Filipinas (1870), não nos atentamos a
palavras da área judicial, pois se trata de um vocabulário há anos
constituído e que não se restringe àquela região ou período. Sendo
assim, arrolamos somente os nomes dos lugares, de onde os bens que
estavam sendo inventariados e/ou sendo retirados. Comumente, os
nomes aparecem na abertura do processo, quando vão se fazer a
descrição da origem do defunto, e nos documentos de inventário e
partilha, quando vão dizendo onde os bens se encontram.

Considerações sobre o material proposto: os inventários manuscritos


Sabe-se que os produtos resultantes das pesquisas de cunho
filológico muito têm auxiliado nos estudos nas mais variadas
vertentes, como a da Linguística de cunho histórico, pois na
impossibilidade de recorrermos a pessoas que viviam naquele
período, resta-nos, na grande maioria dos casos, a ajuda dos textos
pretéritos, como explica Le Goff (2003), que tem a importante função
de manter as informações para porvindouras gerações.
A Filologia, de maneira resumida, detém-se aos estudos de
textos, no propósito de “explicá-lo, restituí-lo à sua genuinidade e

- 227 -
prepará-lo para ser publicado” (SPINA, 1977, p. 77). Entre as lições
desta área, elaboradas pelo autor – a substantiva, a adjetiva e a
transcendente – detemo-nos, neste trabalho, na última, quando o
texto passa a ser corpus de análise que auxilia na reconstituição da vida
espiritual de um povo ou de uma comunidade em determinada época.
As duas primeiras funções, como dito, foram feitas na pesquisa de
mestrado mencionada na introdução.
Como se trata de um documento antigo, que, em partes, não
utiliza os mesmos símbolos gramaticais e vocabulares da atualidade,
foi preciso recorrer a vocabulários, dicionários, entre outros materiais
que versem sobre o assunto, em conformidade com a tipologia do
material, permitindo-nos conhecer o sistema e os signos de maneira
mais fiel possível da real vontade dos seus criadores.
Os inventário são arquivos judiciais que se prestam a realizar o
processo de partilha do patrimônio deixado em herança por um
defunto entre os seus herdeiros e, ao mesmo tempo, mesmo que
involuntariamente pelos seus autores, a guardar a memória e história
de sujeitos pretéritos. A memória, como explica Le Goff (2003), é
compreendida como um elemento essencial do que, comumente,
nomeamos por identidade, individual ou coletiva, “cuja busca é uma
das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje”
(LE GOFF, 2003, p. 469).
O texto, portanto, torna-se registro que oportuniza a
divulgação de um determinando conhecimento e/ou informação

- 228 -
acerca de uma sociedade, graças à língua arquivada manuscritamente,
que, por sua vez, em sua gênese, porta valores culturais que foram
vigentes na época empregada.
Flexor (2009) destaca que os testamentos e inventários são
documentos com muita serventia para estudos de teor histórico, pois
apesar de aparentarem serem simples documentos judiciais, quando
analisados sob as perspectivas adequadas, tornam-se fontes
inestimáveis de informações que muito dizem sobre a organização
social, cultural, econômica, religiosa, política, administrativa e
educacional de uma determinada região e/ou grupo.
Lima e Silva (2010) corroboram esta informação ao explicarem
que os inventários são documentos profícuos para a reconstrução da
História do Brasil, desde o século XVI, sobretudo para trabalhos que
objetivam dar a conhecer informações concernentes a questões
materiais e econômicas. Apesar de ser uma fonte de caráter
extremamente heterogênea, apresenta em seu conteúdo alguns
temas mais recorrentes, por exemplo, elementos referentes à vida
social e material do lugar. Para ilustrar essa asserção, os autores
mencionam em seu texto alguns trabalhos que utilizaram estes tipo de
material lavrado no período quinhentista em São Paulo. Nestas
pesquisas, o que encontraram em comum, e que muito foi proveitoso
para a ratificação de determinados pontos históricos, foi a verificação
e afirmação de determinados fatos que ajudam a validar que os
indígenas foram a mão-de-obra mais utilizada na agricultura,

- 229 -
artesanato e pecuária, além de terem cooperado, consequentemente,
para o aumento da extensão do território paulista e para o
desenvolvimento de atividades produtivas. Complementando,

[...] encontram-se nessa fonte dados importantes


sobre vida material, relações familiares, relações
de crédito, negócios (por exemplo, comércio de
roupas usadas e utensílios domésticos), escravidão
indígena e africana (podendo ser analisadas as
estruturas das escravarias, os ofícios, as relações
familiares e a expectativa de vida dos cativos),
conflitos familiares pelos espólios do patrimônio
(disputas pelos variados artefatos, bem como pelos
cativos) (LIMA; SILVA, 2010, p. 195).

Flexor (2009) explana, por exemplo, que a vida social pode ser
discutida a partir de dois tipos documentais que compõem os
inventário – os inventários e os testamentos – com assuntos que
circundam as relações familiares, o parentesco, o compadrio e a
amizade, que podem ser verificados nas disposições referentes às
doações de terras, legados especiais, inquirições de testemunhas etc.
que são prescritas nos testamentos.
Outro exemplo é a possibilidade de entender dados políticos
que podem ser interpretados a partir dos indicativos dos títulos e
qualitativos dos próprios juízes de órfãos, testamenteiros,
inventariantes, herdeiros, curadores etc. Também é possível revelar a
organização administrativa de regiões a partir das informações de
localidades em que os documentos foram lavrados. Outras inúmeras

- 230 -
possibilidades são ilustradas no trabalho de Flexor (2009), mas as
mencionadas aqui são o suficientes para corroborar a serventia deste
tipo documentação como fonte de pesquisa.
Nas definições de Morais Silva (1789), os inventários são
registros onde são arrolados os bens deixados como herança, tais
como os móveis, os papéis e as várias coisas que faziam parte da
realidade dos domicílios e fazendas, isto é, os locais de moradias e
labutas trabalhistas.
No Brasil do século XIX, mesmo após a independência, a
elaboração de registros oficiais ainda se fundamentava nos
direcionamentos postulados pelas Ordenações das Filipinas,
elaboradas em Portugal, publicadas em 1603, que regulamentam a
linguagem e os tipos documentais que comporiam todo o processo do
inventário. Por isso, decerto, em comum com todos os documentos,
encontram-se as seguintes tipologias documentais que foram
distinguidas com base nos direcionamentos de Lima e Silva (2010) e
Bellotto (2002): (a) introito, onde consta a abertura do processo com
informações de data e local de falecimento, juiz e escrivão responsável
pelo processo, nomes e estado conjugal do(a) inventariante; (b)
notificação dos avaliadores; (c) lista dos herdeiros e legatários, como
o cônjuge, netos, filhos, amigos e parentes; (d) listagem dos bens
materiais, que podem ser as cartas de terras, benfeitorias, animais
domésticos, artefatos domésticos, ferramentas de trabalho, metais,
joias, dinheiros, escravos etc.; (e) dívidas e créditos; (f) discriminação

- 231 -
dos escravos; (g) folhas de contas referentes ao monte menor e maior,
meação, terça, vendas e compras do patrimônio em leilões e processos
de partilhas.
Os materiais utilizados para a ilustração deste trabalho são
manuscritos de valor jurídico digitalizados no arquivo do Fórum de
Justiça, da Comarca da região sudeste de Goiás, lavrados no século XIX.
As cópias digitais desses manuscritos podem ser acessadas no arquivo
do acervo digital do LALEFIL (Laboratório de Estudos do Léxico,
Filologia e Sociolinguística), da Unidade Acadêmica Especial de Letras
e Linguística, da Universidade Federal de Catalão.
Sobre os documentos utilizados neste trabalho: o processo de
1824 foi elaborado pelo escrivão Caetano Teixeira de Sampayo, para
narrar a partilha do defunto José Manoel Martins. O autos de 1839 e
1841 e 1851 foram lavrados pelo escrivão Camilo José de Oliveira
Novaes, para distribuir os bens dos defuntos Joaquim José da Silva,
Joaquim José da Silva e Claudio Francisco Ferreira, respectivamente. O
inventário de 1868 foi lavrado pelo escrivão Felisberto Baptista Leite
Junior, para distribuir os bens de Francisco Nunes da Costa. O processo
de 1878 foi exarado pelo escrivão de órfãos Camilo Jose de Oliveira
Novaes, que narrou a repartição dos bens entre os herdeiros de Joze
Ribeiro da Silva. Nele são descritos o inventário e a partilha de
Francisco Nunes da Costa entre os seus herdeiros de direito. O
inventário de 1880 foi elaborado na comarca de Catalão, também pelo

- 232 -
escrivão Camilo Jose de Oliveira Novaes, aquinhoa o patrimônio de
Joaquina Maria de Jesus.
Imbricados nas informações que justificam o uso dos
inventário, sobretudo a de que os textos podem trazer em sua gênese
as configurações das sociedades que os produziram, é que justificamos
mais uma vez o fito de discutir as vantagens de estudos que almejem
descrever e, deste modo, dar a conhecer alguns dos elementos
patrimoniais responsáveis pelas práticas culturais, descritas em
documentos manuscritos, como é o caso da ilustração deste trabalho
que pode dar a conhecer o vocabulário toponímico utilizado na região
sudeste goiana, no século XIX.

Considerações sobre o signo topônimo


Os estudos linguísticos possuem muitas áreas de atuação e
interdisciplinaridades, entre elas está o estudo dos nomes próprios de
lugares, chamada por Toponímia, pertencente aos estudos nomeados
por Onomástica, que, resumidamente, dizem respeito às realizações
virtuais do sistema lexical, conciliável ao comportamento nominativo
do enunciador e enunciatário (DICK, 2001).
De maneira sumária, o signo topônimo é formado por duas
partes essenciais: o termo ou elemento genérico e o elemento ou
termo específico, que, respectivamente, se aludem ao espaço
geográfico que é nomeado (cidade, vila, cachoeira, rua etc.) e ao nome

- 233 -
que o singularizará, identificando-o entre os espaços/objetos
semelhantes.
A principal característica do topônimo é o seu caráter
motivacional, isto porque, quando se intitula um lugar, o signo perde
o seu caráter arbitrário e se torna de caráter motivado, tornando-se,
portanto, distinto dos signos em função linguística. Essa motivação é
assinalada de duas formas: (i) pelo propósito intencional do
denominador no momento de eleição do designativo, em meio a uma
gama de possibilidades existentes; e (ii) pela sua origem semântica,
possuidora dos significados que podem ostentar muitas proveniências
(DICK, 1992).
Percebe-se, então, que mesmo sendo um signo arbitrário, um
substantivo simples, que quando é escolhido para nomear um local,
passa a ter caráter de motivado/próprio. Características que são
carregadas de ensejos, sejam pessoais ou de pensamentos
compartilhados pelos componentes de um determinado grupo. Pode
ser ainda de origem sistemática ou oficial, isto é, nomeações que são
feitas por dirigentes políticos, religiosos e/ou descobridores.
Destarte, sabe-se que ao se batizar algo, o criador tem uma
motivação/causa para a escolha, todavia descobrir e compreender
essa intencionalidade são objetivos árduos, por envolver questões
acondicionadas pela cosmovisão humana (DICK, 1992). A
intencionalidade dos topônimos que são mais passiveis de serem
identificados são os que se referem a acidentes de origem

- 234 -
antropocultural, em razão de estarem mais perto do falante nativo.
Em contrapartida, os topônimos de origem física são propensos a
conservar as suas denominações ao longo do tempo, que, não raro,
não têm a prática de perpassar (por meio da oralidade ou da escrita) a
intencionalidade para os sujeitos porvindouros, desconsiderando que
o lugar pode alterar o formato.
Os tipos de topônimos antigos são, na maioria dos casos,
mantidos, mesmo a sua intencionalidade sendo esquecidas, o que os
torna, como denomina Seabra (2007), um fóssil linguístico, que
carrega em seus semas os sentidos e conhecimentos da realidade
presente e, sobretudo, da realidade imemoriável do período quando
foi inaugurado como um designativo toponímico. Por este motivo,
quando nos empenhamos em descobrir a motivação destes nomes,
está-se perscrutando um passado que revela à história e a cultura que
nestes designativos estão refletidos.
Maeda (2006) explica que os topônimos, muito além de
locativos, são o sustento linguístico onde estão circundadas as
histórias de um povo, suportes que dão a conhecer informações e
ideologias, construídas a partir de uma seleção/escolha do
denominador ou do ambiente total de onde se encontra.
É preciso ressaltar que a Toponímia é uma área inegavelmente
transdisciplinar, podendo ter o apoio e dar apoio à áreas, como da
Linguística, História, Geografia, Filológica etc., como explica Dick
(1992). Destarte, este trabalho, como dito anteriormente, realiza uma

- 235 -
investigação interdisciplinar entre a Toponímia e a Filologia. Através
dos nomes, conjecturamos ser possível identificar os costumes e as
tradições da comunidade, nas suas características linguísticas,
culturais, históricas e ideológicas.
Ou seja, os elementos que contribuem para o entendimento
das mensagens que estão arquivados nos textos manuscritos, o objeto
da Filologia. Do mesmo modo, estes textos escritos são fontes para a
perquisição de topônimos quando ainda não se tinham registros
oficiais, como mapas.
Considerando o caráter interdisciplinar da toponímia, e a
ausência de uma metodologia específica para os estudos toponímicos,
Dick (1992) elaborou uma metodologia do parâmetros taxonômicos,
oportunizando a sistematização dos estudos na área.
As taxonomias toponímicas, por sua vez, são organizadas por
Dick (1992) a partir da cosmovisão do homem – identificação e
cognição do mundo por parte do nomeador em relação
ambiente/meio físico e social no qual está inserido. Assim, a autora
apresenta duas grandes ordens: a física, relativa aos elementos da
natureza e a antropocultural, representada pelos elementos da
cultura material e imaterial homem.
Cada uma dessas ordens apresenta subgrupos de topônimos,
compartimentados por Dick (1987), com o intuito de permitir pela
interpretação linguística dos elementos formadores das taxes, a
identificação de qual classe pertence o topônimo. São vinte e sete

- 236 -
agrupamentos de tipos de topônimos organizados em “pressupostos
semânticos”. Sob uma terminologia diversa da usual, os
“pressupostos” são os conhecidos campos semânticos – conjuntos de
unidades lexicais que partilham propriedades semânticas e que
configuram um universo extensional delimitável (LOPES; RIO-TORTO,
2007, p. 83).
Ao reunir os tipos de topônimos, a autora observou qual o
traço semântico recorria em cada categoria. Na sequência, como
práxis na ciência, utilizou-se de prefixos gregos e latinos para a
composição dos termos correspondentes a cada taxe, que
transcrevemos abaixo (DICK, 1992):
• os de ordem física, que dizem respeito aos fatores
ambientais, que agregam as taxes: (a) Astrotopônimos
(relativos aos corpos celestes), (b) Cardinotopônimos
(relativos às posições geográficas), (c) Cromotopônimos
(relativo à escala cromática), (d) Dimensiotopônimos
(relativo às dimensões dos acidentes geográficos), (e)
Fitotopônimos (relativos a vegetais), (f)
Geomorfotopônimos (relativos às formas topográficas e
elevações), (g) Hidrotopônimos (relativo a acidentes
hidrográficos), (h) Litotopônimos (relativo aos minerais), (i)
Meteorotopônimos (relativo a fenômenos atmosféricos),
(j) Morfotopônimos (relativo às formas geométricas) e (k)
Zootopônimos (referentes aos animais).

- 237 -
• (ii) os de ordem antropocultural, que dizem respeito a
natureza humana, que agregam as taxes: (a)
Animotopônimos ou Nootopônimos (relativos à vida
psíquica, à cultural espiritual), (b) Antropotopônimos
(relativos aos nomes próprios individuais), (c)
Axiotopônimos (relativos aos títulos e dignidades que
acompanham nomes próprios individuais), (d)
Corotopônimos (relativos a nomes de cidades, países,
estados, regiões e continentes), (e) Cronotopônimos
(relativos aos indicadores cronológicos representados
pelos adjetivos novo e velho), (f) Ecotopônimos (relativos
às habitações em geral), (g) Ergotopônimos (relativos aos
elementos da cultura material), (h) Etnotopônimos
(relativos aos elementos étnicos isolados ou não, como
povos, tribos e castas), (i) Dirrematotopônimos
(constituídos de frases ou enunciados linguísticos),
Hierotopônimos (relativos a nomes sagrados de crenças
diversas, a efemérides religiosas, às associações religiosas
e aos locais de culto, subdividindo-se em hagiotopônimos,
relativos aos nomes de santos ou santas católicos
romanos, e mitotopônimos, relativos a entidades
mitológicas), Historiotopônimos (relativos aos
movimentos de cunho histórico, a seus membros e às
datas comemorativas), Hodotopônimos (relativos às vias

- 238 -
de comunicação urbana ou rural), Númerotopônimos
(relativos aos adjetivos numerais), Poliotopônimos
(relativos aos vocabulários vila, aldeia, cidade, povoação e
arraial), Sociotopônimos (relativos às atividades
profissionais, aos locais de trabalho e aos pontos de
encontro da comunidade, aglomerados humanos) e
Somatotopônimos (relativos metaforicamente às partes
do corpo humano ou animal).

Topônimos arrolados e analisados nos inventários


Elencando os topônimos mencionados nos inventário
confeccionados nos idos oitocentistas em Catalão, obtivemos uma
quantidade de vinte e cinco topônimos: Vila do Catalão, Vila de
Bomfim de Goiás, Comarca de Santa Cruz, Capela da Senhora Madre
Deus, Vila de Santa Crus de Goiás, Fazenda dos Casados, Fazenda Boa
Vista, Vila de Sabará, Fazenda do Retiro, Sarruhi, Província de Minas
Gerais, Arraial do Bom Sucesso de Minas, Fazenda da Lagoa, Fazenda
do Ouvidor, Fazenda do Boqueirão, Vila do Patrocínio, Comarca do Rio
Paranaíba, Arraial de Santo Antônio do Rio Verde, Fazenda do Porto
dos Pereiros, Fazenda da Forquilha, Terras dos Pilões, Fazenda de São

- 239 -
Miguel, Fazenda da Custodia, Fazenda do Anastácio, Fazenda do
Paraiso de Baixo45.
Deste total, cinco designativos não fazem parte da geografia de
Goiás, mas foram mencionados por vários motivos, como o local de
naturalidade do defunto ou dos seus pais, o local onde residiu
temporariamente e o local onde foi confeccionado um dos
testamentos, são eles: Vila de Sabará, Sarruhi, Arraial do Bom Sucesso
de Minas, Vila do Patrocínio e Província de Minas Gerais. Todos
pertencentes ao estado de Minas Gerais.
Deste modo, sobram-nos vinte topônimos pertencentes a
terras goianas, dos quais, quinze são localidades constituintes do
município de Catalão (zona urbana e zona rural), quais são: Vila do
Catalão, Capela da Senhora Madre Deus, Arraial de Santo Antônio do
Rio Verde, Fazenda dos Casados, Fazenda Boa Vista, Fazenda do
Retiro, Fazenda do Ouvidor, Fazenda do Boqueirão, Fazenda do Porto
dos Pereiros, Fazenda da Forquilha, Terras dos Pilões, Fazenda de São
Miguel e Fazenda do Paraiso de Baixo. Os outros três são regiões e/ou
categorias que caracterizam a estrutura política da Vila de Goiás: Vila
de Bomfim de Goiás (uma vila), Comarca de Santa Cruz (uma cabeça
de julgado) e Vila de Santa Crus de Goiás (Vila onde se localiza a
comarca de Santa Cruz).

45
As transcrições dos nomes neste trabalho foram editados nos critérios da
ortográfica atual, mas nos originais, por serem documentos do século XIX, as grafias
apresentam inúmeras variações na forma como foram gravados.

- 240 -
Destes, referentes à região de Goiás, onze são designativos de
ordem antropocultural, isto é, estão relacionados a elementos da
cultura material e imaterial do nomeador e/ou comunidade que
habita; e oito por motivações de ordem, ou seja, levam em
considerações questões ambientais externas, como a aparência do
lugar, para nomear o referente.
A Capela da Senhora Madre Deus, a Vila de Santa Cruz de
Goiás, a Comarca de Santa Crus, e a Fazenda da Custodia foram
classificados hierotopônimos. Já os topônimos Arraial de Santo
Antônio do Rio Verde e Fazenda de São Miguel foram
hagiotopônimos. Como Almeida e Paula (2015, p. 6) conjecturam em
seu trabalho, estes topônimos também foram possivelmente
utilizados por conta dos portugueses vieram para as regiões brasileiras
tentaram “transplantar neste território o modus vivendi lusitano, com
suas mentalidades voltadas, dentre outras particularidades, para a
exaltação e afirmação da fé Católica, sua religião oficial, a fim de
conquistar ainda mais fiéis para essa religião em crise resultada da
reforma protestante”.
Carvalhinhos (2008) explica que esses tipos de designativos
ainda poderiam ser pontuais ou subjetivos, isto é, respectivamente,
quando são utilizados para designar as igrejas e capelas, na maioria
dos casos, utilizando santos ou invocação de Maria, e quando são
utilizadas para designar povoados e cidades, fazendo uso de
designativos que encerram uma homenagem ou pedido de proteção.

- 241 -
Neste sentido, temos como designativos pontuais: Capela da Senhora
Madre Deus; e como designativos subjetivos: Vila de Bomfim de Goiás,
Vila de Santa Crus de Goiás, Comarca de Santa Crus, Arraial de Santo
Antônio do Rio Verde, Fazenda de São Miguel e Fazenda da Custodia.
A Fazenda do Anastácio se enquadra na categoria taxonômica
de antropotopônimo, pois seu designativo foi dado a partir de um
nome próprio. Já as fazendas Boa Vista e do Paraiso de Baixo se
enquadram como animotopônimos, uma vez que fazem referência a
elementos do psíquico cultural espiritual. A Fazenda dos Casados pode
também ser considerada como um animo, visto que o matrimônio é
um ritual de ligação entre duas pessoas, que integra a grande maioria
das sociedades ocidental e oriental podendo ser de cunho religioso, ou
não.
A Fazenda do Ouvidor foi considerada um axiotopônimo, pois
de acordo com dicionário Moraes Silva (1789), ouvidor significa “Juiz
posto pelos Donatarios em suas Terras”, ou seja, foi um nome
possivelmente baseado no título/profissão do proprietário da terra.
O nome Terras dos Pilões se enquadrou como um
ergotopônimo, pois provavelmente, o denominador fez uma
associação com algo do/no lugar que lembrasse o objeto pilão. A
Fazenda da Forquilha também foi classificada como um ergo, porque
o nome forquilha designa um tipo de armadilha/objeto para capturar
aves, como define o dicionário Moraes Silva (1978).

- 242 -
A Fazenda do Retiro pode ser de origem física e se referir ao
lugar retirado, remoto e sem frequência, como explicou Moraes Silva
(1789), mas, também pode ser de um de hierotopônimo, caso se refira
ao afastamento pelo qual um indivíduo se isola temporariamente do
habitual convívio com outrem para fins religiosos.
Quanto aos topônimos classificados como de ordem física
temos o geomorfotopônimo a Fazenda do Porto dos Pereiros, porque
o termo específico porto consiste em um tipo de forma topográfica
litorânea. Os nomes Comarca do Rio Paranaíba, Fazenda da Lagoa e
Fazenda do Boqueirão, são hidrotopônimos, visto que, os motivadores
advém de cursos d’água.

Considerações Finais
O propósito deste estudo foi o de dar a conhecer, através da
descrição dos topônimos inventariados nos processos de partilha,
quais eram os elementos que constituíram o cotidiano dos habitantes
em parte dos oitocentos, ajuda-nos a compreender mais sobre o
contexto histórico, social e cultural de Catalão na Província de Goiás,
no Brasil Imperial.
Sabemos que não listamos aqui toda a de localidade de Catalão
no século XIX, entretanto, conjecturamos que podemos conhecer de
maneira verídica as existências dos mencionados lugares listados
acima, pois se trata de nomeações registradas em documentos
jurídicos, em inventários, exarados em linguagem diplomática por

- 243 -
instituições e indivíduos do âmbito forense, que apresentam
características que em sua gênese tem a função de conferir
autenticidade e veracidade ao conteúdo descrito.
Tentar compreender a motivação dos nomes nos ajuda a
identificar como eram organizados os contextos social e cultural
daquele período, mesmo que sucintamente, contribuindo para que
nos aproximemos e aumentemos o números de estudos que procuram
identificar e compreender aquela realidade das quais possuem poucos
registros, como os já realizado por Almeida e Paula (2015).
Brevemente, percebemos que os hierotopônimos se destacam,
o que aumenta as hipóteses de muitas pesquisas que mostram a
intervenção da religião na vida dos lugares durante os idos
oitocentistas, sobretudo na de Catalão, como mostram os inventários.
Asseveramos, ainda, que as considerações que estamos apresentando
ainda estão em revisão, sobretudo no que se refere à procura de
fontes que nos ajudem a identificar com afinco as fidedignas
motivações dos nomes.

- 244 -
Referências

ALMEIDA, M. A. R. de; PAULA, M. H. de. A fé que nos motiva: um


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In: FARGETTI, C. M.; MURAKAWA, C. de A. A.; NADIN, O. L. (org.).
Léxico e cultura. 1. ed. Araraquara: Letraria, 2015. p. 39-46. v. 1.

BELLOTTO, H. L. Como fazer análise diplomática e análise tipológica


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- 247 -
Sobre os autores

Beatriz Curti-Contessoto
http://lattes.cnpq.br/5857722907505116
Atualmente, desenvolve pesquisa de pós-doutorado na Universidade
de São Paulo (USP). É Doutora em Estudos Linguísticos pelo Programa
de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Estadual
Paulista (UNESP), campus de São José do Rio Preto, São Paulo. Durante
seu doutorado, realizou estágio de pesquisa na Université Sorbonne
Nouvelle - Paris 3, na França. É também Bacharela em Letras com
Habilitação de Tradutor (Francês/Espanhol) pela UNESP. Como
pesquisadora, atua na área de Linguística, com ênfase em
Terminologia Mono/Bilíngue, Terminologia Diacrônica e Neologia
terminológica. Suas pesquisas abordam, principalmente, questões de
equivalência português-francês, aspectos socioculturais e históricos
que subjazem aos termos (sobretudo do domínio jurídico) e tradução
juramentada.

Cacildo Galdino Ribeiro


http://lattes.cnpq.br/5437449839460602
Graduado em Letras - Universidade Federal de Goiás (2002); Graduado
em Pedagogia - Faculdades Alfredo Nasser (2013), mestre em Estudos
da Linguagem - Universidade Federal de Goiás (2014), Doutorando em
Estudos da Linguagem (2020), possui Especialização em Docência no
Ensino de Língua e Literatura - Universidade Estadual de Goiás (2006)
e em Psicopedagogia Clínica e Institucional - Faculdade Albert Einstein
(2008). Atuou como coordenador e professor colaborador em letras
no núcleo de pós-graduações-Go do IEF e no IEF em Brasília - Instituto
de Educação Filadélfia (2006-2009).

- 248 -
Eliane Miranda Machado
http://lattes.cnpq.br/5187121815637281
Possui graduação em licenciatura plena em letras pela Universidade
do Estado do Pará (2006); Especialização em Educação no Campo pela
Universidade Aberta do Brasil em parceria com o Instituto Federal do
Pará; Mestrado em Letras: Ensino de Língua e Literatura pela
Universidade Federal do Tocantins (20117). Atualmente é secretária
executiva da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará com a
função de Coordenadora Administrativa do Instituto em Xinguara e
professora - Secretaria de Estado de Educação do Pará. Tem
experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa,
atuando principalmente nos seguintes temas: letramento digital,
ensino da escrita, normatividade gramatical.

Fábio Henrique de Carvalho Bertonha


http://lattes.cnpq.br/7832363122980262
Doutorando junto ao Programa de Pós-graduação em Estudos
Linguísticos, pela UNESP/São José do Rio Preto; Mestre pela mesma
instituição. Sua área de concentração corresponde à Linguística
Aplicada, cuja linha de pesquisa é Lexicologia e Lexicografia, pela
UNESP-IBILCE. Graduou-se no curso de Bacharelado em Letras com
Habilitação de Tradutor (inglês e italiano, em 2010; francês e espanhol,
em 2016) também pela mesma universidade. Pesquisa na área de
Lexicografia lidando com dicionários especiais. Atua como tradutor
autônomo/freelancer e ministra aulas das respectivas línguas de
formação. ORCID iD https://orcid.org/0000-0003-0770-4302

Ieda Maria Alves


http://lattes.cnpq.br/1928032004153127
Possui graduação em Letras pela Universidade Católica de Santos,
Mestrado em Lettres Modernes pela Académie de Lettres de Besançon
(Besançon, França), Doutorado em Linguistique pela Université Paris 3

- 249 -
- Sorbonne-Nouvelle (Paris, França), Livre-docência pela Universidade
de São Paulo. Realizou estágios de Pós-doutorado na Université Paris
3 - Sorbonne Nouvelle (França), na Université Paris 7 - Denis Diderot
(França), na Université Paris 13 - Villetaneuse (França), no Institut de
la Langue Française (Nancy e Centre de Terminologie et de Néologie,
Paris), na Université Laval (Québec, Canadá). Atualmente é professora
titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, onde ministra aulas na Graduação e na
Pós-Graduação. Foi presidenta do Comitê Executivo da Rede Ibero-
americana de Terminologia de 11-2000 a 11-2002, coordenadora do
GT de Lexicologia, Lexicografia e Terminologia da ANPOLL de 06-2002
a 06-2004 e presidenta do Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de
São Paulo de 07-2011 a 07-2013.

Ivonete da Silva Santos


http://lattes.cnpq.br/9475011369057638
Graduada com dupla titulação em Letras/ Português pela Universidade
Federal de Goiás Regional Catalão-BR e pela Universidade de Coimbra-
PT (Graduação Sanduíche-2012 a 2014), bolsista Capes. Desenvolveu
pesquisas PIBID (2015 a 2016) durante a graduação no Brasil, sob
orientação do Professor Dr. Ulysses Rocha Filho. Mestra em Estudos
da Linguagem pela Universidade Federal de Goiás Regional Catalão?
GO (2016 a 2018). Integrou o projeto intitulado "A identidade
linguística brasileira em contato com o português europeu: a variação
léxico-cultural; sob coordenação do Professor Dr. Alexandre António
Timbane. Doutoranda em Estudos da Linguagem pela Universidade
Federal de Catalão, GO.

Jaciara Mesquita Rosa Bertossi


http://lattes.cnpq.br/1638605458906573
Mestre, com apoio financeiro CAPES, pelo programa Estudos da
Linguagem da Universidade Federal de Goiás, Campus Catalão. Possui

- 250 -
graduação em Comunicação Social - Habilitação em Rádio e Televisão
pela Universidade Federal de Goiás (2002) e Letras - Habilitação
Português pela Universidade Federal de Goiás (2009). Tem experiência
na área de Comunicação, com ênfase em Videodifusão, atuando
principalmente no segmento de entretenimento. Experiência de
ensino na área de idiomas como inglês e francês. Também tem
ensinado Português para Estrangeiros.

Maiune de Oliveira Silva (Organizadora)


http://lattes.cnpq.br/8860405741904592
Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Estudos da
Linguagem, pela Universidade Federal de Catalão (UFCat). Mestra em
Estudos da Linguagem pela Universidade Federal de Goiás, Regional
Catalão (2017). Graduada em Letras - habilitação Português, pela
mesma instituição (2014). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
em História do Português (GEPHPOR/ CNPq- UFG). É integrante do
projeto "Em busca da memória perdida: estudos sobre escravidão em
Goiás", coordenado pela Professora Doutora Maria Helena de Paula,
no qual desenvolveu pesquisas PROBEC (2011-2012) e PIBIC- Af (2012-
2013/2013-2014).

Marcus Vinícius Pereira das Dores


http://lattes.cnpq.br/6675685809639295
Doutorando do Programa de Pós-Graduação Filologia e Língua
Portuguesa da Universidade de São Paulo. Mestre em Estudos
Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais e graduado em
Letras pela Universidade Federal de Ouro Preto. É, também, editor-
adjunto da Revista LaborHistórico (UFRJ). Foi autor da proposta
aprovada pela UNESCO de nominação do "Livro de Inventários da
Catedral de Mariana (1749-1904)" ao Programa Memória do Mundo
(MowBrasil/UNESCO). Tem interesse pelas seguintes áreas de
pesquisa: linguística histórica e comparada, filologia, crítica textual,

- 251 -
história da língua portuguesa, ensino de língua portuguesa e
conservação e restauro de bens materiais e imateriais.

Maria Gabriela Gomes Pires (Organizadora)


http://lattes.cnpq.br/9055399707166083
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Filologia e Língua
Portuguesa, pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Estudos
da Linguagem, pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Possui
graduação em Letras pela mesma instituição. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisas em História do Português (GEPHPOR/CNPq).

Mayara Aparecida Ribeiro de Almeida (Organizadora)


http://lattes.cnpq.br/1914175322786428
outoranda em Linguística e Língua Portuguesa na Faculdade de
Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, Câmpus de
Araraquara. Mestra em Estudos da Linguagem pela Universidade
Federal de Goiás/ Regional Catalão. Graduada em Letras (habilitação
Português/ Inglês) pela Universidade Federal de Goiás - Regional
Catalão. Atualmente é integrante do projeto "Em busca da memória
perdida: estudos sobre a escravidão em Goiás" sob coordenação da
Professora Doutora Maria Helena de Paula e membro do GEPHPOR -
Grupo de Estudos e Pesquisas em História do Português (CNPq/UFG).

Nayara Capingote Serafim da Silva Arruda


http://lattes.cnpq.br/5584856896858759
Graduada em Letras - Português pela Universidade Federal de Goiás,
Campus Catalão/GO, especialista em Gestão de Recursos Humanos
pelo CESUC - Catalão/GO e em Comércio Exterior e Negócios
Internacionais pela Uniara - Araraquara/SP. Mestre em Estudos da
Linguagem pela Universidade Federal de Goiás-Regional Catalão, com
a dissertação intitulada "Memórias sobre o ideário comunista em

- 252 -
Catalão-GO no jornal 'O Catalão' (1953)". Doutoranda em Estudos da
Linguagem pela Universidade Federal de Goiás - Regional Catalão.

Raiane dos Santos Nascimento


Acadêmica do Curso de História da Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará e Bolsista do Projeto de Pesquisa – PIBIC “Da
Colonização Portuguesa no Brasil ao processo de Construção de
Identidade Linguística: miscigenação e relações interculturais”.

Rayne Mesquita de Rezende


http://lattes.cnpq.br/0078701160439310
Doutoranda em Linguística e Língua Portuguesa (PPGLLP - UNESP/FCL
- Câmpus de Araraquara).Mestre em Estudos da Linguagem (PMEL -
UFG / Regional Catalão). Graduada em Letras (Licenciatura - Português
e Inglês), pela mesma instituição participou como aluna pesquisadora
do Projeto "Estudos de Léxico do Português", em que sob a orientação
da Profª Drª Maria Helena de Paula desenvolveu duas pesquisas como
bolsista do CNPq no âmbito do Programa Institucional de Iniciação
Científica nas modalidades (PIBIC /AF) Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação Científica /Ação Afirmativa (2010-2011) e (PIVIC)
Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica (2011 -2012).

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