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Francieli Matzenbacher Pinton

Romário Volk
Rosana Maria Schmitt
[Organizadores]

TUTÓIA-MA, 2021
EDITOR-CHEFE
Geison Araujo Silva

CONSELHO EDITORIAL
Ana Carla Barros Sobreira (Unicamp)
Bárbara Olímpia Ramos de Melo (UESPI)
Diógenes Cândido de Lima (UESB)
Jailson Almeida Conceição (UESPI)
José Roberto Alves Barbosa (UFERSA)
Joseane dos Santos do Espirito Santo (UFAL)
Julio Neves Pereira (UFBA)
Juscelino Nascimento (UFPI)
Lauro Gomes (UPF)
Letícia Carolina Pereira do Nascimento (UFPI)
Lucélia de Sousa Almeida (UFMA)
Maria Luisa Ortiz Alvarez (UnB)
Marcel Álvaro de Amorim (UFRJ)
Meire Oliveira Silva (UNIOESTE)
Rita de Cássia Souto Maior (UFAL)
Rosangela Nunes de Lima (IFAL)
Rosivaldo Gomes (UNIFAP/UFMS)
Silvio Nunes da Silva Júnior (UFAL)
Socorro Cláudia Tavares de Sousa (UFPB)
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Diagramação: Beatriz Maciel
Revisão: Editora Diálogos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)

P659a
Análise linguística no contexto escolar em diferentes perspecti-
-vas [livro eletrônico] / Francieli Matzenbacher Pinton, Romário
Volk, Rosana Maria Schmitt. – Tutóia, MA: Diálogos, 2021.

Formato: PDF
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Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-65-89932-33-8

1. Linguagem e línguas. 2. Linguística. 3. Educação. I. Volk, Ro-má-
rio. II. Schmitt, Rosana Maria. III. Título.
CDD 407
Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422

https://doi.org/10.52788/9786589932338

Editora Diálogos
contato@editoradialogos.com
www.editoradialogos.com
Sumário

Apresentação............................................................................................................7

1 - O que dizem os professores em formação inicial sobre a


Prática de Análise Linguística?...................................................................12
Romário Volk
Francieli Matzenbacher Pinton

2 - Professores de Língua Portuguesa em formação inicial:


representações acerca da produção de materiais didáticos
e da Prática de Análise Linguística........................................................ 36
Caroline Teixeira Bordim

3 - A prática de análise linguística/semiótica no contexto


de ensino de língua portuguesa: o que propõe a BNCC do
ensino fundamental......................................................................................... 54
Rosana Maria Schmitt
Francieli Matzenbacher Pinton

4 - Análise linguística: da base nacional comum curricular


ao programa nacional do livro didático 2021.................................78
Cícera Alves Agostinho de Sá

5 - Recursos linguísticos no Currículo Referência de Minas


Gerais – Ensino Médio....................................................................................105
Cassilmara Rejane da Rocha
Nelson de Morais
6 - Análise linguística como eixo articulador das práticas
de leitura na coleção de livros didáticos“Se liga na língua:
leitura, produção de texto e linguagem”.........................................126
Verônica Lorenset Padoin
Taís Vasques Barreto
Francieli Matzenbacher Pinton

7 - O tratamento pronominal no livro didático: análise e


proposta à luz da Sociolinguística........................................................148
Maristela Fernandes Mendes Falcão

8 - Análise Linguística e ensino de língua: considerações


sobre o ensino/aprendizagem de gêneros textuais em sala
de aula.......................................................................................................................169
André Luiz da Silva

9 - O desafio da formação docente para a gestão de aula


de língua portuguesa na perspectiva da “gramática
contextualizada”................................................................................................190
Ismar Inácio dos Santos Filho

10 - Atividades Epilinguísticas: concepções e práticas de


professores de língua portuguesa do ensino fundamental
II.......................................................................................................................................219
Lucileide Soares de Amorim
Renata Lavreca de Araujo
Hellen M. Pompeu de Sales

Sobre os organizadores................................................................................241

Sobre os autores e autoras........................................................................242

Índice remissivo................................................................................................ 245


Apresentação

A reflexão sobre os processos de ensino e aprendizagem de lín-


gua portuguesa tem evidenciado múltiplos olhares sobre as práticas
de linguagem no que diz respeito aos aportes teórico-metodológicos
que orientam a sua recontextualização didático-pedagógica na educa-
ção básica. Desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1997; 1998), doravante PCN, as práticas de linguagem têm sido
compreendidas como eixos articuladores do ensino de língua portugue-
sa, enfatizando os usos da linguagem em contextos situados de intera-
ção social. Neste livro, propomos um olhar específico sobre o eixo da
prática de análise linguística.
O termo prática de análise, cunhado pelo professor e pesquisador
João Wanderley Geraldi, em 1984, compreende “tanto o trabalho sobre
as questões tradicionais da gramática quanto amplas a propósito do
texto” (GERALDI,1984, p. 74). Mais tarde, em 1991, o autor amplia sua
visão e apresenta a prática de análise linguística como o “conjunto de
atividades que tomam uma das características da linguagem como seu
objeto: o fato de ela poder remeter a si própria” (GERALDI,1991, p. 189).
Nesse sentido, o escopo da análise linguística é delimitado, em gran-
de medida, pelos “erros” dos alunos que emergem das suas produções
de texto. Ademais, o autor estabelece uma distinção entre as atividades
epilinguísticas e metalinguísticas, informando que a metalinguagem
somente fará sentido quando antecedida de atividades reflexivas.
Após um período de silenciamento na década de 90 em relação ao
eixo de análise linguística (POLATTO; MENEGASSI, 2021), as discussões
são retomadas e, em alguma medida, tentam propor definições e novas
orientações didático-pedagógicas. Nos PCN (1998), a prática de análi-
se linguística é entendida como o eixo que organiza a reflexão sobre
uso da linguagem. Evidentemente a discussão sobre o eixo da prática

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 7


de análise linguística antecede à publicação do documento, sinalizan-
do discursos anteriores que destacavam a importância de uma revisão
crítica do ensino tradicional de língua portuguesa, especialmente em
relação às impropriedades teóricas e metodológicas da gramática tra-
dicional (FRANCHI, 1987; GERALDI,1984, 1991; BRITTO, 1997). Nesse
contexto, entre os discursos da renovação gramatical e da prática de
análise linguística, emerge a necessidade de promover a agência e a voz
aos estudantes por meio de atividades com e sobre a língua com vistas
à interação social.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em 2018, retoma o eixo
da prática de análise linguística, definindo-o como “o conhecimento so-
bre a língua, sobre a norma-padrão e sobre as outras semioses, que se
desenvolve transversalmente aos dois eixos – leitura/escuta e produção
oral, escrita e multissemiótica – e que envolve análise textual, gramati-
cal, lexical, fonológica e das materialidades das outras semioses” (BRA-
SIL, 2018, p. 80). Podemos afirmar que o documento evidencia, conside-
rando seus objetos teóricos diversos, as tensões que ainda permanecem
em relação ao eixo da prática de análise linguística, gerando desafios
quanto a sua operacionalização no contexto da educação básica.
Diante desse cenário, esta coletânea busca reunir investigações
que, em alguma medida, discutam questões relativas à análise linguís-
tica mesmo que, em algum momento, estejam mais próximas de um
discurso de renovação gramatical. Nesse sentido, podemos entender os
capítulos aqui reunidos como um mosaico teórico e metodológico que
aponta caminhos diversificados quanto ao objeto da prática de análise
linguística. Nessa esteira, os capítulos focalizam desde aspectos refe-
rentes aos saberes dos professores em formação inicial sobre a análise
linguística até a sua recontextualização em materiais didáticos e docu-
mentos oficiais. As perspectivas são múltiplas, visto que os pesquisado-
res se posicionam de diferentes lugares teóricos e focalizam diferentes
níveis de análise em suas reflexões.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 8


Os capítulos 1 e 2 focalizam os saberes construídos pelos profes-
sores em formação inicial sobre a prática de análise linguística, eviden-
ciando que o eixo merece atenção no que diz respeito à construção de
conhecimentos teóricos e práticos. Nesse sentido, Romário Volk e Fran-
cieli Matzenbacher Pinton buscam analisar os discursos de professores
de Língua Portuguesa em formação inicial sobre a prática de análise lin-
guística, evidenciando que “a apropriação teórico-metodológica e sua
operacionalização em contexto escolar ainda parece se constituir um
desafio nos cursos de formação de professores”. Com o mesmo intuito,
Caroline Bordim objetiva identificar as representações discursivas dos
professores em formação inicial em relação ao processo de produção
de atividades didáticas acerca da Prática de Análise Linguística, desta-
cando que os professores “reconhecem a análise linguística como eixo
estruturador das práticas de leitura e produção textual”.
Os capítulos 3, 4 e 5 evidenciam a recontextualização do eixo da
análise linguística em documentos oficiais. Rosana Maria Schmitt e
Francieli Matzenbacher Pinton objetivam “verificar em que medida as
habilidades de análise linguística/semiótica da BNCC (anos finais do
Ensino Fundamental) contemplam objetos de conhecimentos e contex-
tos de aprendizagem que focalizam uma perspectiva de gêneros textu-
ais/discursivos”. As autoras concluem que as habilidades do campo em
questão “contemplam apenas o nível linguístico, focalizando especial-
mente conteúdos que contemplam o estrato da léxico-gramática, mas
sem articulá-los ao nível extralinguístico”. A autora Cícera Alves Agos-
tinho de Sá discorre sobre a abordagem dispensada à análise linguísti-
ca pela Base Nacional Comum Curricular (2018) para o Ensino Médio,
como também analisa a aplicabilidade das orientações dispostas no re-
ferido documento em obras do Programa Nacional do Livro Didático
(2021), com o intuito de promover uma interface entre os referenciais
teóricos e a proposição desses documentos para o tema. Diferentemen-
te dos demais capítulos, os pesquisadores Cassilmara Rejane da Rocha
e Nelson de Morais propõem reflexões a respeito do estudo de elemen-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 9


tos linguísticos, apresentados no currículo do estado de Minas Gerais.
Ademais sugerem uma sequência de atividades que podem inspirar a
prática docente.
Em outra direção, os capítulos 6 e 7 investigam de que maneira a
análise linguística aparece configurada em livros didáticos aprovados
pelo Programa Nacional do Livro Didático. Para tanto, as pesquisadoras
Verônica Lorenset Padoin, Taís Vasques Barreto e Francieli Matzenba-
cher Pinton analisam em que medida as atividades didáticas da coleção
Se Liga na Língua: leitura, produção de texto e linguagem contemplam a
prática de análise linguística como prática articuladora da leitura, es-
pecialmente. No capítulo 7, a autora Maristela Fernandes Mendes Fal-
cão, de forma mais específica, investiga como a categoria pronominal
é tratada/explorada/didatizada no livro didático Português Linguagens,
dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães (2017,
2018, 2019), adotado pelo município de Lajedo- PE.
Os capítulos 8 e 9 defendem a importância de que a análise linguís-
tica focalize os gêneros discursivos em termos de prática pedagógica.
Nesse viés, o pesquisador André Luiz da Silva enfatiza a relevância de
uma prática profissional “pautada no ensino/aprendizagem de gêneros
textuais sob a perspectiva da análise Linguística em sala de aula”. Já o
autor Ismar Inácio dos Santos Filho problematiza a formação docen-
te que, segundo o pesquisador, necessita “garantir a aprendizagem de
análise linguística”, contemplando “etapas de descrição linguística e de
interpretação textual situada”.
Por fim, no capítulo 10, as autoras Lucileide Soares de Amorim, Re-
nata Lavreca de Araujo e Hellen M. Pompeu de Sales abordam as con-
cepções de professores sobre atividades epilinguísticas e como estas
são concebidas durante o processo de ensino-aprendizagem na sala de
aula no ensino fundamental II.
Trata-se assim de uma obra plural que, em grande medida, provoca
e problematiza o eixo da análise linguística na educação básica sob múl-
tiplos olhares em termos de teoria e de prática.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 10


Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília:


MEC/SEB, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Aces-
so em: 2 dez. 2021.

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Nacionais Curriculares. Brasília:


MEC/SEB, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/li-
vro02.pdf/. Acesso em: 29 nov. 2021.

BRITTO, L. P. A nova crítica ao ensino de gramática. In: A sombra do caos: en-


sino de línguas x tradição gramatical. Mercado das Letras, 1997.

FRANCHI, C. Criatividade e gramática. In: Trabalhos em Linguística Aplicada.


Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, n.
9, 1987. p. 5-45

GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. 2. ed. Cascavel: Assoeste, 1984.

GERALDI, J. W. Portos de Passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

MENDES-POLATO, A. D. M.; MENEGASSI, R. J. Epistemologia teórica do nas-


cimento da prática de análise linguística: décadas de 80 e 90. In: PEREIRA, R.;
COSTA-HÜBES, T. Prática de análise linguística nas aulas de Língua Portuguesa.
São Carlos: Pedro & João Editores, 2021. p. 219-243.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 11


Capítulo 1

O que dizem os professores em


formação inicial sobre a Prática
de Análise Linguística?

Romário Volk
Francieli Matzenbacher Pinton

DOI: 10.52788/9786589932338.1-1
Considerações iniciais

A Prática de Análise Linguística (PAL), como prática de linguagem,


é embasada por um posicionamento teórico e metodológico que pres-
tigia atividades cujo objetivo central é refletir sobre elementos e fenô-
menos linguísticos e sobre estratégias discursivas, com o foco nos usos
da linguagem (BEZERRA; REINALDO, 2013). Embora tenha espaço ga-
rantido e seja preconizada pelos documentos normativos basilares do
ensino básico, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) e a
atual versão da Base Nacional Comum Curricular (2018), a apropriação
efetiva da PAL enquanto prática docente no ensino básico, sobretudo
nos momentos de construção dos currículos escolares, representa ain-
da um grande desafio.
Configurando-se uma proposta teórica relativamente recente na
literatura especializada – surgindo sob essa designação entre o final
dos anos 1970 e início dos anos 1980 – a PAL representa também um
desafio para os professores de língua portuguesa em formação inicial
que almejam adotá-la por base em seu fazer docente. Nesse sentido, este
estudo, à luz do sistema de transitividade da Gramática Sistêmico-Fun-
cional, descreve e analisa as representações de 8 professores em forma-
ção, acadêmicos do Curso de Licenciatura em Letras e Literaturas de
Língua Portuguesa, sobre a Prática de Análise Linguística.

A Prática de Análise Linguística

Não é recente a discussão sobre a necessidade de uma renovação


nos métodos de estudo de gramática no ensino básico. Geraldi, já em
1984, propunha que as atividades de gramática em sala de aula deve-
riam partir dos textos dos alunos, das inadequações desses textos, com
vistas ao domínio da norma-padrão, por parte do aluno, por meio da
reformulação constante e contínua das produções em sala de aula, com

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 13


procedimentos que configuram atividades de análise linguística com
fins didáticos (GERALDI, 2011). Essas atividades em sala de aula pas-
sam a ter finalidade, além de teórica, porque podem se basear nas mais
diversas teorias que o professor julgar pertinentes, também metodo-
lógica, pois constituem “um recurso para o ensino reflexivo da escrita”
(BEZERRA; REINALDO, 2013, p. 14).
A PAL contribuiu para superação dessa problemática, pois pode ser
entendida como uma alternativa para dar conta da compreensão e re-
flexão do sistema linguístico em sala de aula, porque promove “uma re-
flexão sobre os efeitos de sentido nos textos, procurando compreender
e se apropriar das alternativas que a língua oferece [ao usuário] para a
sua comunicação” (BEZERRA; REINALDO, 2013, p. 37). Uma abordagem
dessa natureza contempla unidades linguísticas, textuais e discursivas,
refletindo influências teóricas diversas: normativas, descritivas, prag-
máticas, sócio-históricas (BEZERRA; REINALDO, 2013), porque enten-
de que é importante que o aluno, ao mesmo tempo, observe os fatos
da língua, a variação linguística, a construção de sentido, aspectos se-
mânticos, estruturais, temáticos, morfossintáticos, e tudo isso inserido
sempre em um contexto político-ideológico e de relações interpessoais
dos falantes (BEZERRA; REINALDO, 2013). Mas é tomando o texto en-
quanto unidade de ensino que a Prática de Análise Linguística deve se
desenvolver em sala de aula, na dimensão do funcionamento textual-
-discursivo dos elementos da língua, “uma vez que a língua funciona em
textos que atuam em situações específicas de interação comunicativa e
não em palavras e frases isoladas e abstraídas de qualquer situação ou
contexto de comunicação (TRAVAGLIA, 2009, p. 109).
O quadro 1 elenca algumas das principais características da Práti-
ca de Análise Linguística.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 14


Quadro 1 – Principais características teórico-metodológicas da PAL
Concepção de língua como ação interlocutiva situada, sujeita a interferências
dos falantes

A unidade de análise é o texto-enunciado

Integração entre os eixos de ensino: a AL é ferramenta para leitura e a produção


de textos

Ênfase nos usos como objetos de ensino (habilidades de leitura e escrita), que
remetem a vários outros objetos de ensino (estruturais, textuais, discursivos,
normativos), apresentados e retomados sempre que necessário

Consideração do contexto para a análise do texto, ou seja, análise macro e mi-


croestrutural e heterogeneidade da língua

Metodologia reflexiva, baseada na indução (observação dos casos particulares


para a conclusão das regularidades/regras)
Trabalho paralelo com habilidades metalinguísticas e epilinguísticas

Foco na relação entre uso e forma

Pedagogia crítica
Fonte: Elaborado pelos autores com base em Franchi (1987), Mendonça (2006,
Kemiac e Araújo, (2010), Travaglia (2009) e Suassuna (2012).

Essa proposta para o eixo de análise linguística vai ao encontro


do que preconizam os documentos oficiais da área – especialmente a
BNCC, a qual concebe a necessidade de um trabalho articulado entre o
eixo de Análise Linguística/Semiótica com os demais eixos do ensino. A
PAL, além disso, mostra-se uma alternativa capaz de amenizar o cená-
rio improdutivo do estudo de gramática tradicional no ensino básico,
marcado por práticas direcionadas à aprendizagem de regras da nor-
ma-padrão da língua, por parte do aluno, para incorporá-las aos mais
variados contextos, mas sem que exista, muitas vezes, reflexão sobre
os usos reais da língua e sobre o porquê de um mecanismo linguístico
ser empregado em determinado texto e produzir o sentido que produz,
por exemplo. A PAL, desse modo, pode possibilitar um estudo que seja

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 15


significativo ao aluno e que promova sua autonomia linguística, prepa-
rando-o para participar de modo efetivo das mais variadas situações
reais do uso da língua.
A seguir, discutimos brevemente alguns dos principais conceitos
da Gramática Sistêmico-Funcional, teoria linguística de base paradig-
mática da qual lançamos mão para efetuar a microanálise dos dados de
nossa pesquisa.

A Gramática Sistêmico-Funcional

A GSF, desenvolvida por Halliday (2014), é uma teoria que conce-


be a linguagem enquanto um sistema estratificado, em que níveis mais
abstratos são realizados em níveis mais concretos de linguagem. Essa
é uma teoria base semântica e paradigmática, o que quer dizer que são
consideradas, em cada contexto específico de uso linguístico, as esco-
lhas que o falante realizou em relação àquelas que ele poderia ter rea-
lizado, mas não o fez, pois “a linguagem [pode ser vista] como recurso
– escolha entre alternativas” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p. 20)1,
“um potencial de significados à disposição dos falantes” (FUZER; CA-
BRAL, 2014, p. 13).
Em outras palavras, considera-se o que o falante quer significar na-
quele momento específico, já que os mesmos autores definem que “a
língua é um recurso para fazer sentido e significado” (HALLIDAY; MAT-
THIESSEN, 2014, p. 23)2. Essa constatação permite afirmar que, consi-
derando o sistema linguístico disponível para si para a realização de
determinada atividade que se realiza por meio da língua, o falante optou
por uma possibilidade, a qual instanciou o sistema (HALLIDAY; MAT-
THIESSEN, 2014, p. 27), ou seja, o sistema (abstrato, potencial) aconte-
ceu, instanciou-se por meio de elementos léxico-gramaticais, os quais

1 “We have referred to language as resource – choices among alternatives”.


2 “Language is a resource for making meaning”.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 16


são passíveis de análise segundo as categorias de análise de que dispõe a
GSF. É nesse sentido que podemos afirmar que uma oração ou um texto
são uma “janela para o sistema” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014), pois
permitem, a partir de algo “concreto”, a compreensão de algo “abstrato”.
Além disso, segundo a GSF, a linguagem apresenta caráter trino-
cular (FUZER; CABRAL, 2014, p. 32), já que, ao fazermos uso da lingua-
gem, representamos as experiências do mundo exterior (material) e do
mundo interior (da consciência), e construímos significados ideacionais.
Nesse sentido, podemos afirmar que a linguagem possui a metafunção
ideacional ou experiencial. Esse modo de significar também é moldado
pelas relações entre os falantes que participam da interação verbal, do
papel social que eles ocupam, da visão que têm sobre o seu interlocutor
ou da visão que eles têm sobre a visão que o interlocutor tem deles. Daí
dizermos que a linguagem possui a metafunção interpessoal. Por últi-
mo, ao fazermos uso da linguagem, de acordo com os nossos propósitos
e o significado que queremos construir, organizamos os elementos lin-
guísticos em um todo coerente e coeso, daí afirmar-se que a linguagem
possui uma metafunção textual.
Nossa experiência é geralmente entendida como um fluxo de even-
tos ou acontecimentos, “atos ligados a agir, dizer, sentir, ser e ter, sen-
do a transitividade a responsável pela materialização dessas atividades
através dos tipos de processos – verbos -, cada um modelando uma fatia
da realidade” (CUNHA; SOUZA, 2011, p. 67). A GSF entende, desse modo,
que a metafunção ideacional dá lugar ao sistema de transitividade no
estrato da léxico-gramática, e a oração é concebida no âmbito ideacional
como uma unidade estrutural que serve para expressar uma gama par-
ticular de significados. De acordo com a GSF, o sistema de transitivida-
de permite identificar “as ações e atividades humanas que estão sendo
expressas no discurso e que realidade está sendo retratada” (CUNHA;
SOUZA, 2011, p. 68). Essa identificação é dada pelos papéis da transiti-
vidade: processos, participantes e circunstâncias, que permitem analisar
quem faz o quê, a quem e em quais circunstâncias a atividade ocorre

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 17


(CUNHA; SOUZA, 2013). Existem seis tipos de processos, os quais reali-
zados tipicamente por verbos: materiais, mentais, relacionais, verbais,
comportamentais e existenciais. A cada um desses processos associam-
-se participantes específicos, determinados pela semântica dos tipos de
processos e circunstâncias.
A ênfase no sistema de transitividade, em nossa análise, é justifica-
da pelo fato de pretendermos elucidar como os participantes da pesqui-
sa em questão compreendem o eixo de análise linguística, o que pode
ser mapeado pela representação que os professores em formação cons-
troem sobre PAL.

Percurso Metodológico

A metodologia adotada para esta pesquisa é de natureza qualitati-


va-interpretativista, pois a construção do aparato metodológico confi-
gura-se de maneira que os dados obtidos por meio dos questionários e
entrevistas sejam interpretados levando-se em consideração o contexto
de produção (como se configura o contexto em que os professores em
formação respondentes estão inseridos, qual é o seu percurso forma-
tivo) e essa interpretabilidade seja comprovada a partir dos aspectos
linguísticos analisados à luz da GSF.
O universo de análise desta pesquisa compreende o Curso de Li-
cenciatura em Letras (Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas)
da Universidade Federal de Santa Maria. O Curso possui, como prazo
aconselhado para a integralização curricular, 8 semestres letivos. A par-
tir do 4º semestre regular os licenciandos passam a cursar disciplinas
que enfatizam a prática docente em sala de aula, com vistas à recon-
textualização dos objetos de ensino. Essas disciplinas são, conforme a
sequência aconselhada: Didática do Ensino de Língua e Literatura II, no
4º semestre do Curso; Estágio I – Português no Ensino Fundamental,
no 5º semestre; Estágio II – Português no Ensino Fundamental, no 6º

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 18


semestre; Estágio III – Literatura no Ensino Básico, no 7º semestre re-
gular do Curso e Estágio IV – Português no Ensino Médio, no 8º semes-
tre regular do Curso de Licenciatura em Letras – LP.
Os participantes da pesquisa foram selecionados com base nos
critérios a seguir: i) deveriam estar cursando regularmente o Curso
de Licenciatura e ii) deveriam manifestar disponibilidade e interesse
pela presente pesquisa. Com base na disponibilidade e no interesse dos
participantes, foi realizada a consulta sobre a disponibilidade para res-
ponderem a um questionário sobre a Prática de Análise Linguística e
participarem de uma entrevista on-line conduzida pelos pesquisadores.
Assim, chegou-se ao total de 8 participantes, 4 deles cursando entre o
1º e o 4º semestres regulares do Curso, e 4 deles cursando entre o 5º e o
8º semestres.
Os dados desta pesquisa foram gerados em duas etapas: a) na etapa
1, em outubro de 2020, os participantes responderam a um questionário
investigativo sobre a Prática de Análise Linguística e b) na etapa 2, tam-
bém em outubro de 2020, os professores em formação participaram de
uma entrevista on-line, proposta pelos pesquisadores.
As respostas dadas pelos participantes no momento do questioná-
rio investigativo e durante a entrevista foram submetidas a uma leitura
exploratória. Por meio dela, identificamos padrões semânticos que nos
guiaram na busca da compreensão do principal questionamento que
norteia esta pesquisa: o que é a Prática de Análise Linguística?
Os procedimentos que possibilitaram a categorização semântica
do corpus, nesta etapa, foram os seguintes e nesta ordem: i) transcrição
das entrevistas que perfazem a Etapa 2 de geração de dados; ii) identi-
ficação do corpus de acordo com o seguinte padrão: #P. A letra P, nes-
te caso, indica que o pseudônimo da participante inicia por essa letra.
Não efetuamos distinções, no corpora, entre respostas dos questioná-
rios e das entrevistas, entendendo que essa distinção era irrelevante;
iii) leitura exploratória das respostas dos questionários e das entrevis-
tas; iv) identificação, a partir do passo anterior, de recursos ricos em

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 19


significação (BARTON, 2004). Eles representam, como mencionamos
anteriormente, qual(is)quer padrão(ões) linguístico(s) que, em textos ou
conjuntos de textos, e verificados a partir de uma leitura inicialmen-
te exploratória, por exemplo, adquiram recorrência e, assim, relevância
significativa a ponto de revelarem informações sobre os contextos em
que esses textos são produzidos/consumidos, sobre seus produtores, as
práticas sociais desses produtores/contextos. A partir deste movimen-
to, elegemos os excertos discursivos mais relevantes para embasarem
nossa análise textual. Para fins de organização de análise, adotamos
uma divisão que organiza os alunos em dois grupos distintos: alunos
dos Semestres Iniciais (SI, que corresponde aos participantes do 1º ao
4º semestres) e alunos dos Semestres Finais (SF, que corresponde aos
participantes a partir do 5º semestre do Curso e segmentação desses
excertos de acordo com os processos do Sistema de Transitividade da
Gramática Sistêmico-Funcional;

Representações discursivas sobre a


Prática de Análise Linguística

Nossa análise evidenciou que os Professores em formação - Semes-


tres Iniciais, em grande medida, representam a PAL como uma abor-
dagem alternativa para o estudo da gramática no ensino básico, abor-
dagem essa que pode desenvolver a capacidade crítico-reflexiva dos
alunos. O grupo de participantes Professores em formação – Semestres
Finais, por sua vez, além de defender a necessidade do desenvolvimen-
to da criticidade dos alunos da escola básica, sugere a PAL enquanto
abordagem que possibilita esse desenvolvimento. A seguir, realizamos
nossa discussão, apresentando a análise conforme cada um dos grupos
de alunos.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 20


A PAL segundo os Professores em Formação –
Semestres Iniciais

A Prática de Análise Linguística, para ser adotada enquanto nor-


teadora para o ensino crítico-reflexivo da linguagem, requer que o
professor – ou futuro professor – compreenda como seus princípio
teórico-metodológicos, bem como sua pertinência nas aulas de língua
portuguesa. Ao ser questionada sobre o que é a Prática de Análise Lin-
guística, Mirela afirma:

Mirela: (1) Acho que [(2) a Prática de Análise Linguística é] uma proposta
mais reflexiva pra atividades didáticas, (2) acho que algo para o aluno dar
mais sentido para o que ele tá aprendendo.

Por meio de um processo relacional atributivo, Mirela define o Por-


tador Prática de Análise Linguística como tendo o Atributo “ser uma
proposta mais reflexiva” para atividades didáticas. O intensificador
“mais” evoca um discurso que remete à existência de propostas “menos
reflexivas”. A PAL é, ainda, definida como “algo” que faz o aluno dar mais
sentido ao que está aprendendo. Constitui-se, portanto, um discurso di-
cotômico, entre propostas didáticas mais e menos reflexivas.
Os relatos de Esther e Mirela representam um bom exemplo de
dualidade discursiva, em que a PAL é definida contrapondo-se ao ensino
tradicional de gramática. Questionada sobre as diferenças entre a PAL
e o ensino tradicional, a participante afirma:

Esther: (1) O ensino gramatical costuma ser mais normativo. (2) Já a prá-
tica da análise linguística proporciona a reflexão dos alunos.

Além de evocar o “ensino gramatical” e defini-lo como “mais nor-


mativo”, a futura professora dá à análise linguística o status de propor-
cionar a reflexão dos alunos, atributo que não é dado ao ensino gra-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 21


matical (SILVA, 2011; GERALDI, 2011; MENDONÇA, 2006; BEZERRA;
REINALDO, 2013).
Dessa maneira, constroem-se duas instâncias distintas: a do en-
sino gramatical e a da prática de análise linguística. Essa construção
sugere que o ensino gramatical normativo não proporciona a reflexão
dos alunos, algo que a prática de análise linguística poderia possibilitar.
Mirela, ao ser questionada sobre a importância de se adotar a PAL
para o trabalho docente, afirma:

Mirela: (1) [Trabalhar com a PAL na escola significa] dar uma significação
para o aluno, do porquê ele está estudando tal coisa.

Assim, a PAL é tomada enquanto uma abordagem que dá significa-


do, contextualiza o ensino. Para Priscilla e para Esther, a PAL promove a
criticidade. Mirela, por sua vez, enfatiza o caráter contextualizado(r) da
prática de análise linguística:

Priscilla: (1) Trabalhar análise linguística nas escolas é essencial. (2) É a


formação de alunos pensantes e críticos.

Esther: (1) Para mim, [trabalhar com a PAL na escola] significa estimular
os alunos a pensarem de forma crítica, (2) auxiliando-os na compreensão
e análise de diversas falas/imagens em diferentes contextos.

Mirela: (1) a prática de análise linguística é contextualizada e (2) a gramá-


tica geralmente é descontextualizada.

Priscilla, por meio de duas orações relacionais atributivas, dá ao


participante “trabalhar análise linguística nas escolas” (Portador), o sta-
tus “essencial” (Atributo) e “ser a formação de alunos pensantes e crí-
ticos”. Esther também emprega uma oração relacional atributiva para
defender que “trabalhar com a PAL na escola” (Portador) “significa” (Pro-
cesso Relacional Atributivo) “estimular os alunos a pensarem de forma
crítica” (Atributo).

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 22


Esther defende que a PAL auxilia os alunos na compreensão e análi-
se de textos em diferentes contextos. O não prestígio dos mais variados
contextos é justamente o que Mirela questiona a respeito das aborda-
gens tradicionais do trabalho com a gramática. Por meio de uma oração
relacional atributiva, a participante defende que a prática de análise lin-
guística (Portador) é “contextualizada” (Atributo), ao passo que “a gra-
mática” (Portador) geralmente (elemento modalizador) é “descontextu-
alizada” (Atributo). Novamente, constroem-se duas instâncias distintas
e, aqui, opositivas, entre a Prática de Análise Linguística e a gramática,
em que a primeira recebe uma carga semântica positiva e a segunda,
por meio do Atributo “descontextualizada”, carga semântica negativa.
Para esse grupo de professores em formação, de maneira geral, a
consideração do conhecimento prévio dos alunos do ensino básico deve
ser prestigiada a fim de se efetivar um estudo produtivo de gramática:

Priscilla: (1) Eu acho que uma coisa chave que (2) o professor tem que levar em
consideração (3) [é] a bagagem que o aluno já carrega. [...] então eu acho que
(4) o professor tem que levar em conta a bagagem do aluno, (5) em relação aos
conhecimentos que ele já tem, (6) e o jeito que ele fala, a linguagem dele, e tudo,
(7) porque tudo interfere.

Laísa: (1) Eu acho que primeiro, (2) quando a gente vai trabalhar a gramática (3)
a gente tem que pensar também (4) o que essa turma tá acostumada a ver ou o
que essa turma entende por gramática.

Esther: (1) Eu acho que, uma coisa que (2) eu considero (3) bem importante é eu
levar o texto como unidade, assim, (4) tentar trazer um texto (5) que seja fun-
cional pra aquela determinada turma, (6) pensando no contexto da turma, né,
na realidade dos alunos.

Mirela: (1) [Acho que o professor não pode (2) deixar de considerar] o contexto,
né... do aluno... (3) o que é mais fácil pra ele, (4) como seria mais fácil pra ele, o
conteúdo.

A necessidade de que seja considerado o conhecimento prévio do


aluno é mencionada quando os participantes são questionados sobre
quais são os pontos-chave que o professor de Língua Portuguesa deve
considerar em suas aulas. Esse posicionamento, por parte dos futuros
professores, demonstra convergência para a noção de andaimes de
aprendizagem, tão cara para a teoria sociocultural de ensino e apren-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 23


dizagem, postulada por Vygotsky, e à qual entendemos que se alinha
a Prática de Análise Linguística (PINTON; VOLK; SCHMITT, 2020). A
necessidade de prestigiar o conhecimento prévio dos alunos é mencio-
nada, também, quando os professores em formação são questionados
sobre como se deve dar o trabalho com a gramática de modo a ser pro-
dutivo para o aluno:
Esther: (1) Eu acho que (2) alguns professores acabam jogando as regras pros
alunos, “ah, é assim que se escreve, é assim que se formula uma frase”, (3) mas
não tem aquela do “por que é assim?”. [...] (4) eu acho que é assim, mesmo a
partir de contextos, (5) trazer contextos da realidade dos alunos e mostrando
coisas que são da vivência deles... (6) é estudar bastante a realidade do aluno.

Como prova o excerto, Esther contrapõe um ensino em que pro-


fessores “jogam as regras” aos alunos, sem que exista uma reflexão por
parte do aprendiz, a um ensino que parta de contextos específicos, da
realidade dos alunos.
Em síntese, se considerado o grupo de participantes Semestres Ini-
ciais, sobressai o discurso que estabelece a Prática de Análise Linguísti-
ca enquanto uma abordagem que promove a reflexão e a criticidade dos
alunos, o que a diferencia do ensino da gramática realizado tradicional-
mente pela escola. A PAL, conforme esses alunos, promove a produção
de sentidos, e se difere do ensino de gramática prestigiado pela escola,
porque contextualiza o ensino. Além disso, conforme os futuros profes-
sores em questão, é imprescindível que sejam considerados o conhe-
cimento prévio dos alunos e os contextos que esses alunos vivenciam
quando se trata de promover a PAL em sala de aula.
Em relação ao momento formativo desse grupo de alunos no que
tange à apropriação da Prática de Análise Linguística, podemos conside-
rar que esses licenciandos se encontram em um processo de construção
que já demonstra desconforto com a maneira pela qual o estudo de gra-
mática é tradicionalmente conduzido, tornando-se descontextualizado
e, podemos dizer, improdutivo. Se ainda há saberes a serem construídos
em relação a aspectos mais práticos da PAL, esses alunos reconhecem já
a necessidade e a existência de um lugar para uma prática alternativa,

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 24


que a PAL pode (e deve) ocupar, sobretudo por se inserir na teoria socio-
cultural de ensino e aprendizagem, para a qual a noção de andaimes de
aprendizagem é imprescindível.
Além disso, tanto os professores em formação dos Semestres Ini-
ciais quanto aqueles dos Semestres Finais empregam em um número
considerável de casos orações mentais cognitivas enquanto modaliza-
doras (“eu acho que”, “eu considero que”, “acredito que”, “entendo que”)
ao construírem seu discurso sobre a PAL, o que demonstra que os par-
ticipantes se encontram em um processo de construção e de “amadure-
cimento” teórico acerca de sua (futura) prática docente.

A PAL Segundo os Professores em Formação – Semestres


Finais

Se o grupo de Professores em formação - Semestres Iniciais de-


monstra incômodo com a maneira pela qual o trabalho com a gramá-
tica geralmente é conduzido no ensino básico e reconhece a PAL como
uma alternativa para esse trabalho, o grupo de alunos dos semestres
finais, além de apontar as fragilidades das “velhas práticas”, delineia a
necessidade de uma abordagem alternativa, inscrevendo a Prática de
Análise Linguística nessa lacuna teórico-metodológica a ser ocupada.
Alice, professora em formação cursando o 7º semestre regular do Curso,
afirma:

Alice: (1) Trabalhar com a Análise Linguística na escola (2) significa romper com
os métodos de ensino tradicionais da Língua Portuguesa.

Para a participante, “trabalhar com a Análise Linguística” (Porta-


dor) “significa” (Processo Relacional Atributivo) romper com os métodos
de ensino tradicionais da LP (Atributo). Desse modo, a Análise Linguís-
tica configura-se como uma alternativa para o “rompimento com a tra-
dição” de ensino.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 25


Para além de representar um rompimento com os métodos tradi-
cionais de ensino, a Prática de Análise Linguística é tomada por Violeta,
pelo menos em alguns momentos de seu discurso, enquanto uma ati-
vidade que não significa, necessariamente, trabalho com a gramática.
Ao ser indagada sobre as principais dificuldades para a adoção da PAL
enquanto prática docente, Violeta declara:

Violeta: (1) Se [eu] não vou cobrar a gramática, (2) o que preciso (3) que meu
aluno saiba?

O discurso sugere que o Experienciador implícito da oração 1 (eu, a


professora), ao se referir à PAL, não exigirá do seu aluno conhecimentos
sobre a gramática, como se a perspectiva representada pela PAL não
representasse estudo da metalinguagem. Além disso, ao se questionar
sobre o próprio objeto de ensino (2), a participante demonstra um pro-
cesso reflexão perfeitamente coerente com uma nova prática de ensino,
pois se a maneira como a gramática tradicionalmente é abordada em
sala de aula demonstra fragilidades, a questão que se coloca é a adoção
de novos objetos de ensino. A mesma participante, entretanto, é mais
categórica em alguns momentos, não mais segmentando o trabalho
com a metalinguagem da PAL, mas dando a ambas características bas-
tante distintas em termos metodológicos:

Violeta: (1) Pra mim análise linguística é a gente trabalhar questões da gra-
mática da língua, das “regras da língua”, (2) mas de uma forma que (3) o aluno
aprenda ou entenda o uso daquilo no dia a dia. (3) Não é eu pedir pra (4) ele de-
corar todos os adjetivos, (5) mas eu querer que (6) ele entenda qual é a função do
adjetivo na frase e (7) o que vai mudar se eu uso ou não uso e (8) como vai ficar
a construção de sentido da minha frase, do meu texto.

Aqui, Violeta defende que a análise linguística é trabalho com a


metalinguagem. A participante emprega “mas” (2) para construir uma
contraposição que sugere a existência de diferenças entre essa forma
de trabalho com a metalinguagem e outras, em que se “trabalha com
questões da gramática da língua, das regras da língua” (2), sem que (3)

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 26


“o aluno aprenda ou entenda o uso daquilo no dia a dia”. Ainda, a parti-
cipante contrapõe dois processos cognitivos (“decorar”, na oração 4, e
“entender”, na oração 6), demarcando as características distintas entre
a PAL e outras maneiras de abordar a metalinguagem.
Os dois exemplos anteriormente abordados parecem demonstrar
que Violeta se encontra em um processo bastante reflexivo acerca do
seu fazer docente, em um momento em que a Prática de Análise Lin-
guística ainda parece representar, em termos teóricos, um desafio, pois
a participante ora vê essa perspectiva como associada ao estudo da gra-
mática, ora compreende estudo da gramática e PAL como práticas inco-
mensuráveis.
O exemplo anterior, somado a outros da mesma participante e ain-
da a outros, dos demais professores em formação dos semestres finais,
evidenciam a principal característica discursiva desse grupo de alunos
quanto ao que configura a Prática de Análise Linguística: o foco nos
usos da linguagem, nos efeitos de sentido das formas linguísticas, na
reflexão do aluno e na construção de sua autonomia e criticidade.
Priscila enfatiza:
Priscila: (1) A Prática de Análise Linguística é muito importante para (2) levar o
aluno (3) a refletir e pensar no que ele está lendo ou também escrevendo e pro-
duzindo. (4) A partir disso ele não vai ficar somente no raso ou na classificação
e decodificação.

A participante do 5º semestre do Curso caracteriza o Portador


“Prática de Análise Linguística” com o Atributo “muito importante para
levar o aluno a refletir e pensar no que ele está lendo ou também escre-
vendo e produzindo”. Na segunda oração, “o aluno” é o Experienciador
dos processos mentais cognitivos “refletir e pensar”, possibilitados pela
Prática de Análise Linguística. A futura professora delineia a importân-
cia da PAL justificando que a partir dessa reflexão o aluno não ficará
somente no “raso, na classificação e decodificação”, atividades essas em-
pregadas como opositivas em relação à reflexão.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 27


Violeta, sobre a PAL, afirma:
Violeta: (1) Para mim, trabalhar com AL na escola é mostrar ao aluno as pos-
sibilidades de construção a partir da língua, (2) refletindo sobre os efeitos de
sentido provocados pelas escolhas linguísticas.

A participante do 7º semestre enfatiza o caráter reflexivo da PAL,


bem como o prestígio dos efeitos de sentido resultantes das escolhas
linguísticas, justamente o que preconiza essa prática. Podemos notar
que Violeta vincula os efeitos de sentido às escolhas linguísticas, suge-
rindo que determinadas escolhas linguísticas servem a determinados
propósitos e sentidos, o que demonstra um discurso pautado em uma
visão funcionalista da linguagem. A construção discursiva da partici-
pante também sugere um processo reflexivo conjunto entre professor
e aluno, pois o Experienciador da oração mental cognitiva 2 pode ser
tanto o professor quanto o aluno.
O caráter reflexivo sobre o uso da língua representado pela PAL é
enfatizado por Priscila:

Priscila: (1) Pensando na perspectiva da PAL, (2) leva-se (3) o aluno a refletir so-
bre esses usos de uma maneira que faz sentido.

A acadêmica afirma que, nos termos da PAL, “o aluno” (Experien-


ciador) é levado a refletir (processo mental cognitivo) “sobre [os] usos
[linguísticos] de uma maneira que faz sentido” (Fenômeno).
O principal avanço deste grupo de futuros professores em relação
aos participantes dos semestres iniciais parece estar na compreensão
da natureza funcional da linguagem e na necessidade de uma aborda-
gem teórico-metodológica que seja coerente com essa especificidade da
linguagem. É para atender a essa necessidade, portanto, que esses parti-
cipantes enfatizam em seu(s) discurso(s) em elementos como o contexto
de uso, a relação forma-função dos elementos linguísticos, a já mencio-
nada reflexão sobre os usos, e justificam a adoção da PAL justamente
para dar conta dessa variedade de fatores que devem ser abordados em
sala de aula. Vejamos:

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 28


Priscila: (1) Acho um grande desafio conseguir explorar além do texto e da gra-
mática. (2) Achar meios (3) que conduzem a prática da análise linguística, (4)
fazendo os alunos (5) entenderem como o sentido se desenvolve em um texto.

Priscila concebe a Prática de Análise Linguística enquanto uma ati-


vidade mais ampla que o texto e a gramática e sugere que “entender
como o sentido se desenvolve em um texto” (5) é um processo possibili-
tado por essa perspectiva teórica.
Andréia alinha seu discurso ao de Priscila, pois também compreen-
de a PAL como uma atividade ampla, que engloba, inclusive, a leitura e
a produção de textos:

Andréia: (1) Trabalhar com análise linguística na escola é partir do macro para
o micro, (2) ou seja, compreender a esfera social para depois compreender a
forma como a linguagem foi materializada no texto. (3) Por isso, a análise lin-
guística deve considerar também a leitura, oralidade e produção de textos.

Além de demonstrar maturidade ao inserir a PAL em uma aborda-


gem funcionalista da linguagem e, também, demonstrar a compreen-
são de que a abordagem teórico-metodológica abrange os eixos de lei-
tura, oralidade e produção de textos, a participante sugere um percurso
metodológico para o trabalho pelo viés da PAL. Esse percurso, “partir
do macro para o micro” (1), que se caracteriza o Atributo do Portador
“trabalhar com a análise linguística na escola”, perfaz um dos princípios
subjacentes à literatura da PAL:

a AL não despreza e exclui de seu escopo os constituintes menores (fonemas,


morfemas, orações), apenas não lhes atribui primazia sobre o fenômeno discur-
sivo, entendendo que, se o objetivo da AL é desenvolver e ampliar a competência
comunicativa dos alunos, o percurso natural é fazê-los entrar em contato com
os textos que circulam socialmente, analisar seus aspectos enunciativos cons-
titutivos, para só depois passar-se a uma análise dos recursos linguísticos que
entram em sua estrutura (KEMIAC; ARAÚJO, 2010, p. 54).

As autoras, inclusive, nomeiam o princípio “do macro para o mi-


cro”, como a participante se refere a ele. Podemos notar, com base nes-
se princípio subjacente à literatura da PAL, que o foco da abordagem

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 29


está no desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos, o
que nos faz considerar, conforme menciona Andréia, a “esfera social”
em que os textos circulam e se moldam, o que dá às formas linguísticas
peculiaridades baseadas em sua função em tais contextos.
Alice estabelece uma dicotomia entre o ensino tradicional de gra-
mática e a Prática de Análise Linguística. As características da PAL são
delineadas sobre o caráter funcional dessa abordagem:

Alice: (1) Mesmo quando são utilizados textos como tentativa de um ensino
pautado na perspectiva de Prática de AL, (2) a maioria dos exercícios propõem
uma análise morfossintática, (3) caindo na velha prática de descrição e classifi-
cação de termos e orações. (4) Já na Prática de Análise Linguística, consegue-se
trabalhar formas, estruturas e características, partindo do estudo (con)textual.

Alice critica a prática já conhecida na área, quando, em nome da


inovação, o texto é prestigiado em sala de aula, mas apenas como um
pretexto para o ensino tradicional de morfossintaxe (SILVA, 2011; SA-
VIOLI, 2014). Em seu lugar, Alice defende um trabalho que considere
as formas, estruturas e características dos elementos linguísticos, mas
tendo como ponto de partida o contexto do texto. A futura professora
parece ancorar seu discurso ao princípio “macro para o micro”, ante-
riormente abordado, ao mesmo tempo em que dá à Prática de Análise
Linguística o status de possibilidade para esse estudo produtivo.
Andréia considera a Prática de Análise Linguística uma atividade
mais ampla do que o trabalho com a gramática, pois, segundo a partici-
pante:

Andréia: (1) a gramática é apenas uma das abordagens da Prática de Análise


Linguística (PAL). (2) A PAL considera que (3) apenas trabalhar com gramática
não vai proporcionar ao aluno os conhecimentos necessários para a apropria-
ção de determinado gênero, (4) por isso considera também a leitura, oralidade
e a produção textual.

Como vemos, para a participante o Portador “gramática” é (Pro-


cesso relacional) “apenas uma das abordagens da PAL” (Atributo). Desse
modo, podemos inferir que a PAL é uma atividade ampla, que “conside-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 30


ra” que, para o aluno se apropriar de um gênero textual, o trabalho com
a gramática é insuficiente. Assim, seriam necessários outros elementos,
“além da gramática” para que o aluno construa autonomia linguística, e
esse seria o papel da PAL.
Em síntese, percebemos que os professores em formação que com-
põem o grupo dos Semestres Finais do Curso de Licenciatura constro-
em o seu discurso demarcando significativamente dois espaços-teóricos
distintos: o do ensino de gramática e o da Prática de Análise Linguística.
O ensino tradicional de gramática é tomado enquanto sinônimo de uma
prática limitada, que se restringe quase sempre à análise morfossintá-
tica ou à classificação dos elementos linguísticos. A Prática de Análise
Linguística, por sua vez, é caracterizada como uma alternativa para um
trabalho que considere a funcionalidade da língua, na observação da re-
lação forma-função-uso contextualizado.
Em alguns momentos, PAL e trabalho com a gramática chegam a
ser abordados como duas coisas bastante distintas em termos teórico-
-metodológicos, como se, talvez, a primeira abarcasse este último, mas
o contrário não pudesse ocorrer.
Se no grupo de licenciandos - Semestres Iniciais foi constatado
desconforto sobre a maneira pela qual o trabalho com a gramática é
normalmente conduzido na escola básica, sem, entretanto, que os par-
ticipantes apontassem marcadamente a PAL como alternativa para o
ensino, no grupo dos licenciandos dos semestres finais verifica-se um
avanço considerável nesse sentido. Além de questionar o ensino tradi-
cional de gramática, esses alunos apresentam (e sugerem) a PAL como
alternativa para um ensino linguístico realmente produtivo. Mais do
que isso, esses alunos demonstram maturidade ao situar a PAL em uma
perspectiva funcionalista de linguagem, que deve sempre considerar,
majoritariamente, a forma em função do(s) uso(s). Tudo isso para pro-
mover a reflexão, criticidade e autonomia linguística do aluno, como
evidencia Violeta:

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 31


Violeta: (1) não é apenas o aprendizado da gramática que vai tornar os alunos
pessoas “melhores ou piores”, (2) mas também o entendimento sobre o poder
da língua - escrita e falada - como uma ferramenta de mudança social. (3) Ao
compreender que podem ser agentes da mudança no seu próprio contexto, e
que a língua é um dos meios de concretizar essa mudança, (4) os estudantes
tornam-se cidadãos críticos, reflexivos e gestores da sua própria história.

Ao nos debruçarmos sobre a análise das orações empregadas pelos


dois grupos de alunos quanto ao que é a Prática de Análise Linguísti-
ca, notamos significativa diferença de tendência quanto ao emprego de
orações mentais cognitivas enquanto modalizadoras, o que corrobora
nosso posicionamento de que o grupo de alunos dos semestres finais
encontra-se em um processo bastante avançado de apropriação da Prá-
tica de Análise Linguística. O Gráfico 1, a seguir, apresenta o número de
orações mentais cognitivas modalizadoras empregado por cada um dos
dois grupos de alunos:

Gráfico 1 – Orações mentais cognitivas como modalizadoras em relação ao


número total de orações mentais cognitivas

Fonte: Elaborado pelos autores.

A ocorrência significativa de orações cognitivas modalizadoras no


grupo de alunos dos semestres finais e o baixo número de orações do
mesmo tipo no grupo de alunos dos semestres finais sugere que estes
últimos posicionam-se mais assertivamente quanto ao que configura o

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 32


trabalho pelo viés da PAL, se comparados ao grupo dos alunos menos
experientes, o que é compreensível, uma vez que os alunos dos semes-
tres iniciais possivelmente carecem, ainda, de um maior tempo de re-
flexão acerca dos saberes sobre a PAL, algo que já foi possibilitado em
maior grau para os alunos que já cursaram mais semestres do curso e
participaram por mais tempo dos espaços de discussão acerca dessa
proposta de ensino.

Considerações finais

Para delinearem o lugar da Prática de Análise Linguística, os fu-


turos professores contrapõem “trabalho com a gramática” e Prática de
Análise Linguística. O grupo de professores em formação - Semestres
Iniciais enfatiza, em grande medida, a relevância de que sejam consi-
derados o conhecimento prévio dos alunos do ensino básico, além de
aspectos contextuais, tanto das práticas sociais desses alunos quanto os
aspectos contextuais dos próprios textos, para o trabalho com a Prática
de Análise Linguística. Para esse grupo de professores em formação, o
principal ganho proporcionado pela PAL é a promoção de um ensino
que estimula a reflexão do discente sobre a língua.
Os licenciandos dos Semestres Finais constituem, em grande me-
dida, um discurso que dicotomiza o ensino de gramática e a Prática de
Análise Linguística, em muitos momentos como sendo maneiras de tra-
balho distintas, de maneira que a PAL não necessariamente pertenceria
ao escopo do estudo da gramática. Para esses participantes, majorita-
riamente, Prática de Análise Linguística significa ensino que possibilita
reflexão e prestigia a produção de sentido, o que a diferencia do “ensino
de gramática”, que prestigia regras e classificações de termos da língua.
Por fim, o que nossos resultados evidenciam é que, embora os fu-
turos professores reconheçam a pertinência da PAL e alguns de seus
princípios, a apropriação teórico-metodológica e sua operacionalização

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 33


em contexto escolar ainda parece se constituir um desafio nos cursos
de formação de professores. Nesse sentido, os achados desta pesquisa
podem contribuir, em alguma medida, para a construção de propostas
curriculares que contemplem a PAL, considerando os saberes constru-
ídos pelos professores em formação inicial com vistas a minimizar la-
cunas no que diz respeito a essa prática e a sua recontextualização por
meio de atividades didáticas.

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ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 35


Capítulo 2

Professores de Língua
Portuguesa em formação inicial:
representações acerca da produção de
materiais didáticos e da Prática de Análise
Linguística

Caroline Teixeira Bordim

DOI: 10.52788/9786589932338.1-2
Introdução

Certamente muitos já se questionaram durante as aulas de gra-


mática “para que isso serve?”, “por que estudo isso?”, “vou usar isso no
futuro?”. Dessa maneira, assim que ingressamos no curso de Letras,
muitas vezes ainda carregamos a bagagem da gramática normativa
tradicional, enraizada nas práticas escolares, e, quando nos deparamos
com a perspectiva da Análise Linguística, completamente diferente do
que éramos acostumados, muitas vezes apresentamos certa dificulda-
de em compreendê-la, assim como em desconstruir/ressignificar aquilo
que foi construído durante toda a educação básica.
Um mapeamento realizado na Biblioteca Digital Brasileira de Dis-
sertações e Teses (BDTD) já evidencia a necessidade de um conhecimen-
to mais aprofundado sobre a proposta de ensino de Análise Linguística
por parte dos professores de formação inicial e continuada, que permita
aos docentes a apreensão e o aprofundamento dos conhecimentos teó-
rico-metodológicos acerca desse trabalho; e, ainda, de materiais didáti-
cos mais adequados à abordagem, como salienta Souza (2010).
Geraldi, em 1996, já apontou para uma necessidade de adaptação
da metodologia de ensino de Língua Portuguesa, pois, segundo ele, os
alunos não refletiam sobre o uso da língua, de modo que o que se cha-
mava de “análise”, se tratava de “respostas dadas a perguntas que os
alunos (enquanto falantes da língua) sequer haviam formulado” (p. 130).
Assim, o professor explica que as respostas eram insatisfatórias e os
estudos acerca da gramática “dominavam mais ‘o que se tem para es-
tudar’, sem saber bem para que aprendê-los (p. 130). Com o objetivo de
solucionar essa problemática, Geraldi (1984) propõe um trabalho que
integre a Análise Linguística às práticas de leitura e produção textual.
A fim de ampliar os estudos acerca dessa prática e contribuir com
a reflexão de algumas questões que ainda são problemáticas, esta pes-
quisa tem por objetivo identificar as representações discursivas dos

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 37


professores em formação inicial em relação ao processo de produção
de atividades didáticas e da Prática de Análise Linguística. Para isso,
focalizaremos as atividades produzidas pelos licenciandos da turma de
Produção e Análise de Material Didático em Língua Portuguesa, cuja
oferta é realizada para os acadêmicos no sétimo semestre do curso de
Licenciatura em Letras — Português da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM). Vale destacar que na disciplina mencionada, dois desa-
fios são lançados aos professores em formação: i) elaborar atividades
didáticas e ii) contemplar a Análise Linguística nessas atividades.
Além desta Introdução e das Considerações Finais, revisamos a
Prática de Análise Linguística e o Sistema de Transitividade da Gramá-
tica Sistêmico-Funcional, apresentamos o corpus e os procedimentos de
análise e, por fim, sumarizamos os resultados desta pesquisa.

A Prática de análise linguística

O professor e pesquisador Geraldi propõe em sua obra O texto em


sala de aula, em 1984, uma reorganização do ensino do Português, divi-
dindo-o em três unidades básicas: prática de leitura, prática de produ-
ção textual e prática de análise linguística. Ainda, propõe a integração
dessas três práticas. Segundo ele,

estas práticas, integradas no processo de ensino-aprendizagem, têm dois obje-


tivos interligados: a) tentar ultrapassar, apesar dos limites da escola, a artificia-
lidade que se institui na sala de aula quanto ao uso da linguagem; b) possibilitar,
pelo uso não artificial da linguagem, o domínio efetivo da língua padrão em
suas modalidades oral e escrita (GERALDI, 1984, p. 77).

Nesse mesmo sentido, Suassuna (2021) explica que a leitura e a pro-


dução devem estar articuladas a um processo permanente de reflexões
sobre as operações linguísticas e discursivas. Dessa forma, a Análise
Linguística pode acontecer tanto nos momentos de leitura - pois, ao ex-
trair sentidos do texto, notam-se algumas inovações, percebem-se mar-
cas ideológicas -, quanto nos momentos de escrita - quando se tem que

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 38


buscar a melhor forma de dizer o que se pretende, pensar na escrita das
palavras, assim como decidir por uma forma singular ou não.
Em 1991, a partir da obra Portos de Passagem, do professor Geraldi,
houve um avanço na proposta inicial da Prática de Análise Linguística
(PAL). Nessa obra ele conceitua a PAL como sendo uma atividade que
envolve as atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas.
Para ele, as atividades linguísticas são “praticadas nos processos inte-
racionais, referem-se ao assunto em pauta, ‘vão de si’, permitindo a pro-
gressão do assunto” (p. 20). Essas atividades, de acordo com Silva (2011),
são “de uso espontâneo da língua em qualquer ambiente de situação,
realizando-se em textos orais e escritos e não se restringindo ao espaço
escolar” (p.29).
Já as atividades epilinguísticas, segundo Suassuna (2012), referem-
-se à capacidade do usuário de

operar sobre a linguagem, fazendo escolhas, avaliando os recursos expressivos


de que se utiliza, fazendo retomadas, corrigindo estruturas etc. Salienta-se que
essa ação é fortemente marcada pela intuição e se constitui numa das bases —
se não a principal — da gramática internalizada de cada falante (SUASSUNA,
2012, p. 16).

Nesse sentido, ao operar sobre a própria língua, o aluno vai cons-


truindo uma consciência dos recursos linguísticos e, ainda, busca ou-
tras estratégias, a fim de potencializar suas habilidades para agir no
mundo. Assim, “aliado a isso, as reflexões epilinguísticas podem tomar
vida nas produções textuais dos alunos, uma vez que interagem através
do que produzem” (GOMES; SOUZA, 2017, p. 62).
Geraldi (1997) explica que essas atividades de natureza epilinguísti-
ca servem como ponte para se chegar às metalinguísticas, ou seja, é pre-
ciso que as atividades epilinguísticas antecedam as metalinguísticas.
Esse processo se dá a fim de “tornar o locutor mais consciente para o
uso futuro, de modo que, dialogicamente, corroboram novas reflexões.”
(POLATO; MENEGASSI, 2021, p. 43).
Dessa forma, as atividades de natureza metalinguística são aquelas
que se referem à capacidade de praticar de “modo consciente”, de de-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 39


senvolver sistematicamente seu conhecimento sobre a língua, a fim de
empregar a taxonomia e as teorias sobre a linguagem adequadamente.
Assim, por meio dessas atividades, o professor proporcionaria ao alu-
no uma mobilização das suas capacidades linguísticas e epilinguísticas.
Por isso, vale lembrar que se faz importante o professor partir do conhe-
cimento que o aluno já tem acerca da língua – epilinguístico -, de sua
gramática internalizada e, após, “explicitar o conhecimento linguístico
e gramatical, descrevendo e nomeando os fenômenos; e só depois, numa
etapa final, concentrar os esforços no domínio da variedade padrão e de
seus mecanismos, regras e esferas de circulação” (SUASSUNA, 2012, p.
12).
Tendo em vista a importância da PAL para o ensino de Língua Por-
tuguesa, utilizaremos o sistema de Transitividade da Gramática Sistê-
mico-Funcional para melhor analisar as representações dos professores
em formação inicial acerca dessa prática.

Gramática sistêmico-funcional: o sistema de transitividade

A transitividade, na Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), se trata


de “um sistema de relação entre componentes que formam uma figura”
(FUZER; CABRAL, 2014, p. 41, grifo no original), as quais são compostas
pelas categorias semânticas de processos, participantes e circunstân-
cias. Os processos pertencem aos grupos verbais e indicam as experi-
ências se desdobrando através do tempo, representando “eventos que
constituem experiências, atividades humanas realizadas no mundo; re-
presentam aspectos do mundo físico, mental e social” (FUZER; CABRAL,
2014, p. 41). Os participantes fazem parte dos grupos nominais e são re-
presentados por seres ou coisas, e a sua denominação varia dependendo
do tipo de processo. Por fim, as circunstâncias pertencem aos grupos
adverbiais e podem indicar tempo, espaço, lugar, causa, entre outros. 
São seis os tipos de processos: materiais, mentais, relacionais, ver-
bais, comportamentais e existenciais. Segundo Gouveia (2009), cada
processo encerra em si a possibilidade de representação sob múltiplas

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 40


formas, mas a sua participação como processo particular implica a pre-
sença de participantes. Dessa forma, diferentes tipos de processos são
executados, consequentemente, por diferentes tipos de participantes. 
Os processos materiais são compostos de orações do “fazer e acon-
tecer” e são responsáveis por representar as experiências externas. Es-
ses processos podem ser criativos ou transformativos.  Os processos
mentais, por sua vez, são compostos de orações do “sentir, ver, pensar
e querer” e representam as experiências internas, do mundo da consci-
ência. Já os relacionais dizem respeito às figuras de “ser, agir e pensar”,
sendo responsáveis por estabelecer uma relação entre duas entidades
diferentes, representando seres em termos de suas características e
identidades. Na fronteira entre os materiais e os mentais, encontram-
-se os processos comportamentais, os quais representam os comporta-
mentos psicológicos e fisiológicos do ser humano. Entre os mentais e
relacionais, localizam-se os processos verbais, aqueles que representam
os processos do “dizer”. Na fronteira entre os materiais e relacionais, há
os existenciais, processos que representam algo que existe ou aconte-
ce. Os tipos de processos podem ser observados na Figura 1 a seguir. 

Figura 1 — Tipos de processos: disco de cores

Fonte: Muniz da Silva e Soares (2018, p. 143).

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 41


O disco de cores representa a disposição desses processos em um
contínuo. Os processos principais são representados pelas cores ver-
melha (materiais), azul (mentais) e amarela (relacionais), e os secundá-
rios, pelas cores laranja (existenciais), roxa (comportamentais) e verde
(verbais). As cores dos processos secundários figuram pela mescla das
cores principais, as quais “se formam nas bordas, não como um espectro
físico com o vermelho em um extremo e o violeta em outro” (HALLIDAY,
1985 [1994], p. 107, tradução nossa). Halliday e Matthiessen (2014, p. 171,
tradução nossa) afirmam que “não há prioridade de um tipo de processo
sobre o outro”; “é importante que, em nossa metáfora concreta e visual,
eles formem um círculo, e não uma linha”.
Assim, essa ferramenta de análise se faz importante para o presen-
te estudo, uma vez que ele procura identificar as representações dis-
cursivas dos professores em formação inicial em relação ao processo de
produção de atividades didáticas acerca da Prática de Análise Linguísti-
ca. Então, a partir da classificação de Participante, Processo e Circuns-
tância, conseguiremos ter uma visão mais clara acerca dessas represen-
tações.

Percurso metodológico: universo, corpus e


procedimentos analíticos

O universo de análise desta pesquisa é constituído de um grupo de


cinco professores de língua portuguesa em formação inicial (Antônia,
Helena, Joaquim, Noah e Pedro)1, matriculados na disciplina de Análise
e Produção de Material Didático, ofertada no sétimo semestre do curso
de Licenciatura de Letras – Português da Universidade Federal de San-
ta Maria. A geração dos dados ocorreu no início da disciplina, no primei-
ro semestre de 2020.

1 Pseudônimo escolhido pela autora para não revelar a identidade dos participantes.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 42


O corpus de análise é constituído pelas respostas a um questioná-
rio de diagnóstico aplicado de forma remota na turma. O instrumento
contém 14 questões acerca do percurso de formação, do processo de
produção de materiais didáticos e da relação com a Prática de Análise
Linguística.
Dessa forma, os procedimentos de análise dos dados correspon-
dem a três momentos: i) descrição do perfil dos participantes; ii) análise
das representações atribuídas ao processo de elaboração de material
didáticos; iii) identificação de representação discursiva dos professores
em formação acerca da AL. Para isso, foi realizada uma leitura atenta
das 14 questões, com o intuito de selecionar as questões mais relevantes
à proposta da pesquisa. Assim, elaboramos categorias semânticas cor-
respondentes às marcas linguísticas relacionadas aos três momentos
mencionados anteriormente.
Partindo dessas categorias, adotamos a Linguística Sistêmico-Fun-
cional, mais especificamente o sistema de Transitividade para nortear
esta análise. Para isso, segmentamos as orações em Participante, pro-
cesso e circunstância, conforme representado no Quadro 1. Emprega-
mos cores nas colunas para representar o tipo de processo.

Quadro 1 — Figura da oração


Participante Processo Circunstância
x
xxxx xxxx xxxx
Fonte: elaborado pelas autoras

Apresentação e análise dos resultados

O questionário diagnóstico revelou que 80% dos participantes in-


gressaram no ano de 2017 no curso, enquanto apenas 20% ingressaram
no ano de 2016. Dessa forma, podemos afirmar que a maioria dos pro-
fessores em formação segue a sequência curricular aconselhada pelo
curso, cursando o 7º semestre. Durante esse percurso no curso de Le-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 43


tras, os professores em formação vivenciaram experiências importan-
tes no processo de formação inicial, uma delas é o estágio curricular.
Além dela 60% dos alunos tiveram de outras experiências, como a par-
ticipação nos programas Residência Pedagógica e no Programa Institu-
cional de Bolsas de Iniciação à Docência -PIBID.
De acordo com os participantes desta pesquisa, as experiências
nesses programas foram fundamentais para sua formação, proporcio-
nando uma visão mais ampla, não apenas das questões relacionadas ao
ensino de Língua Portuguesa, mas também no que diz respeito às ques-
tões referentes ao contexto escolar e à docência. Além disso, também
construíram experiências em sala de aula e desenvolveram habilidades
comunicativas.
Quer nos programas de Residência Pedagógica e PIBID, quer no
Estágio Curricular ou na própria disciplina de Análise e Produção de
Material Didático, todos os participantes da pesquisa já tiveram conta-
to com a produção de materiais didáticos. Quando questionados sobre
as dificuldades nesse processo de elaboração, os participantes explicam
que dentre elas está a de:

Ator Processo Material criativo Meta Circunstância de modo

1 [eu] produzir o material sem estar em interação com o

público

  Diante disso, os participantes problematizaram o funcionamen-


to da disciplina Análise e Produção de Material Didático, pois, segundo
eles, elaborar atividades sem ter conhecimento do contexto em que os
alunos estão inseridos é uma tarefa difícil. Além disso, defendem que
o conhecimento do contexto em que os alunos estão inseridos seja de
extrema importância na hora da elaboração de quaisquer atividades di-
dáticas. 
Compreendemos a preocupação dos professores em formação ini-
cial, pois de fato o contexto é algo que deve ser considerado em qualquer

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 44


processo de elaboração de material de ensino. Porém, também é preciso
ter em vista que os materiais produzidos

pressupõem a autonomia dos educadores para adequar as atividades às especi-


ficidades dos contextos nos quais atuam; sabendo que cada escola e cada turma
tem suas particularidades, é essencial que estes profissionais, que são conhe-
cedores dessas particularidades, façam alterações na sequência para que ela
atenda às demandas de cada turma. (MOTOKANE, 2015, p. 132). 

Ainda, diante da importância do contexto, os licenciandos reconhe-


cem a relevância do instrumento de diagnóstico para a escolha do ob-
jeto de ensino e para a organização das atividades que serão propostas.
Porém, a forma como entendem o documento varia. Alguns o entendem
como um modo para avaliar a eficácia do método do próprio professor,
outros declaram que o instrumento serve para identificar o nível em que
o aluno se encontra diante do objeto de ensino e, ainda, outros declaram
ser uma forma de saber qual é a temática de preferência do aluno.
Ainda sobre as dificuldades enfrentadas, os professores em for-
mação afirmam que questões de ordem pedagógica interferem em seu
processo de recontextualização. Dessa forma, apontam ser mais com-
plicado elaborar atividades do que suprir as dificuldades relacionadas
ao objeto de ensino:

Ator Processo Material criativo Meta Circunstância de modo


2
[eu] organizar as tarefas numa ordem lógica e nivelada

   
Os processos empregados pelos alunos para relatar os problemas
de ordem pedagógica foram os materiais, especificamente o verbo “or-
ganizar”. Podemos inferir o uso desse processo ao fato de que os proble-
mas de ordem pedagógica dizem respeito à organização das tarefas. 
  Alguns declaram que quando têm dificuldades de ordem disci-
plinar, acham fácil recorrer às gramáticas, porém, ao afirmar isso, as
participantes não sinalizam a quais gramáticas recorrem. Com isso, su-
bentende-se que não consideram que, muitas vezes, só ter o domínio da

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 45


gramática não resolve, é preciso saber o que fazer com o objeto e, acima
de tudo, ter uma visão crítica sobre o que é posto, uma vez que algumas
gramáticas apresentam lacunas nas definições das classes gramaticais.
Estudos como o de Moura Neves (2017) apontam para a necessidade de
adequação das entidades da língua no tratamento gramatical escolar.
Nessa pesquisa, a autora aborda a problemática das definições de subs-
tantivo, verbo, adjetivo, advérbio e pronomes. Com isso, afirma que 

[...] não é pertinente, nos dias de hoje, de tal amadurecimento da ciência linguís-
tica, manter o encaixotamento de classificações categoriais de lições que se re-
petem com total desaviso em relação às reais ocorrências. Já é hora de analisar
e classificar as peças da língua com sensibilidade para o seu real estatuto nas
diferentes instâncias de uso da linguagem (p. 137).

Assim, acreditamos que encontrar auxílio nas gramáticas pode não


ser uma tarefa fácil, caso não se considere o tipo de gramática na qual
realiza a pesquisa.
Além disso, 40% dos alunos demonstram preocupação quanto à
construção de andaimes. Nessa metáfora dos andaimes2, “o estudante
constrói o prédio, com apoio decisivo, insubstituível do professor me-
diador” (DEMO, 2015, p. 11). Então, há esse reconhecimento sobre a im-
portância dessa visão vigotskiana sobre essa construção. Também, 40%
dos licenciandos apontam que as eventuais dificuldades no processo de
elaboração das atividades didáticas são a respeito da Análise Linguísti-
ca, conforme exemplifica o discurso de Helena: 

Circunstância de localização Experienciador Processo Mental Fenômeno


3 cognitivo
no primeiro momento  [eu] Entender o que exatamente é a
análise linguística

2 Segundo Figueiredo (2019), andaime “é uma metáfora que serve para descrever o apoio que um adulto fornece
à criança durante tarefas que implicam resoluções de problemas” (p. 51). Além disso, ele é “um processo que
possibilita à criança ou ao aprendiz solucionar um problema, realizar uma tarefa, ou atingir um objetivo que
estaria além dos seus esforços, caso não tivesse ajuda de outras pessoas” (p. 52).

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 46


Circunstância de localização Ator Processo Material Meta Circunstân-
4 transformativo cia
Em um segundo momento [eu] pô-la [AL] em prática

Conforme demonstram os exemplos 12 e 13, há duas dimensões no


que diz respeito ao trabalho com a Análise Linguística: a reflexiva, ca-
racterizada pelo processo mental (entender) e a prática, demonstrada
através do processo material (por). Juntos esses processos demonstram
que a problemática não é tão simples, uma dificuldade pressupõe a ou-
tra, uma vez que, quando não entendemos uma teoria, consequente-
mente, não conseguimos pô-la em prática. 
Apesar dessas dificuldades, 80% dos participantes da pesquisa re-
conhecem que as atividades de Prática de Análise Linguística perpassam
as demais práticas (leitura e produção de texto). Dessa forma, acreditam
que essa articulação proporciona um ensino mais produtivo e reflexivo.
Os licenciandos defendem que “não há sentido em realizar atividades
de análise linguística se elas não tiverem o propósito de tornarem os
alunos leitores mais críticos e produtores de texto mais qualificados”.
Ainda, esclarecem:

Portador Adjunto Modal Processo Relacional atributivo Atributo


Identificar e clas- somente é  contraproducente
5
sificar

Podemos perceber, a partir do Adjunto Modal “somente”, que o


participante não descarta as atividades de natureza metalinguística
(identificar e classificar), ele defende que trabalhar apenas com elas seja
contraproducente, uma vez que “é necessário propiciar reflexões sobre
esses componentes em situações autênticas de uso”. Com isso, podemos
inferir que o participante parece entender que um trabalho ideal seria
com atividades de natureza metalinguística e epilinguística, em con-
junto.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 47


Respondendo à pergunta “em sua perspectiva, as atividades de
análise linguística perpassam todas as práticas de linguagem (leitura e
produção de textos) ou devem ser vistas como atividades de gramática?
Por quê?”, 60% dos professores em formação defendem que a PAL está
diretamente relacionada à reflexão, conforme exemplificado no excerto
6, quando o licenciando Joaquim expõe que ela conduz:

Experienciador Processo Mental cognitivo Fenômeno


6
[o aluno] refletir sobre o uso da língua

Diante desses apontamentos, podemos verificar um reconheci-


mento da importância das atividades epilinguísticas, as quais, segun-
do Geraldi (2002), proporcionam uma reflexão sobre a língua. Porém,
é preciso ter em vista que a Prática de Análise Linguística não consiste
apenas na “capacidade humana de refletir, analisar, pensar sobre os fa-
tos e fenômenos da linguagem” (SILVA, 2010, p. 995), mas também na
“reflexão explícita e organizada para resultar na construção progressiva
de conhecimentos e categorias explicativas dos fenômenos em análise”
(MENDONÇA, 2006, p. 204). Nesse sentido, de acordo com o participan-
te Noah, apenas a reflexão sobre a língua não é suficiente, é preciso criar
mecanismos para a construção de significados. Então o professor deve:

Experiencia- Processo Fenômeno Circunstância Circunstância de fina-


dor Mental de âmbito lidade
cognitivo
[o professor] propiciar reflexões em situações de forma que o aluno
7 sobre esses autênticas de perceba as nuances e a
componentes uso da língua finalidade do emprego
dos elementos linguís-
ticos

  A partir do Fenômeno e das Circunstâncias, podemos perceber


que o participante concebe a prática de Análise Linguística como arti-
culadora, isso é ressaltado quando, posteriormente, ele afirma que, por

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 48


meio das reflexões proporcionadas pela leitura, o aluno “seja capaz de
conduzir esses conhecimentos para a sua produção textual, qualifican-
do-a”. Assim, há o reconhecimento da necessidade de uma ação prática,
além da reflexiva. Diante disso, temos a liberdade de afirmar que o licen-
ciando tem uma concepção funcionalista de língua. Ainda, expõe que
“quando a língua é analisada de forma crítica, isso terá reflexo também
na produção textual”. Quanto ao processo, como o aluno parte da refle-
xão para chegar à prática, o processo utilizado é o mental “propiciar”. 
Quanto às funções desempenhadas pelas atividades de Análise
Linguística quando considerada como eixo estruturador das práticas
de linguagem, os professores em formação apontam as seguintes:

Gráfico 6 - Função desempenhada pelas atividades de AL

Fonte: elaborado pela autora.

Conforme podemos analisar no gráfico, um número significativo


de participantes (80%) reconhece que uma das principais funções seja
identificar e analisar recursos linguísticos como prototípicos de um
determinado gênero de texto. De igual modo, 80% deles apontam que
a função é identificar a estrutura composicional de gêneros textuais.
Pinton et al. (2020) corroboram essa ideia quando explicam que a AL
idealiza que os alunos leiam e/ou escrevam, com autonomia e eficácia,
“diversos gêneros textuais, instanciados pelas mais variadas práticas

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 49


sociocomunicativas” (p. 370). Ao considerar que, para chegar a essa au-
tonomia, é preciso, antes, conhecer o funcionamento do gênero e que
uma maneira de isso ocorrer é tendo familiaridade com a sua estrutura,
então, essa é, de fato, uma função.    
Assim, podemos concluir que os participantes reconhecem a Análi-
se Linguística como eixo estruturador das práticas de Leitura e Produ-
ção Textual, uma vez que defendem que apenas reflexões acerca da lín-
gua não são suficientes, é preciso que esse conhecimento seja utilizado
nas práticas de leitura e produção de textos. Além disso, há um reconhe-
cimento de que as atividades metalinguísticas são insuficientes quando
trabalhadas isoladamente, apesar do seu uso não ser descartado. Diante
disso, podemos inferir que os licenciandos acreditam que as atividades
de natureza metalinguística e epilinguística devem ser articuladas.

Considerações finais

Para cumprir com o objetivo desta pesquisa: identificar as repre-


sentações discursivas dos licenciandos em relação ao processo de pro-
dução de atividades didáticas e sobre a Prática de Análise Linguística,
fizemos uso do sistema de Transitividade da Gramática Sistêmico-Fun-
cional, o qual guiou a interpretação dos nossos dados a partir da classi-
ficação de Participantes, processos e circunstâncias.
A partir da análise das questões do questionário de diagnóstico, res-
pondidas pelos licenciandos do curso de Licenciatura em Letras Portu-
guês da Universidade Federal de Santa Maria, na disciplina de Produção
e Análise de Material Didático, obtivemos alguns resultados referentes
ao perfil dos participantes e às representações acerca da produção de
material didático e da Prática de Análise Linguística.
No que diz respeito ao perfil e ao processo de formação dos parti-
cipantes, 80% deles seguiram a sequência curricular aconselhada pelo
curso, isso implica o ingresso no ano de 2017 desses licenciandos. Além

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 50


disso, 60% deles participaram dos programas de Residência Pedagógica
e PIBID (60%).
Nesses programas e em algumas disciplinas obrigatórias (Estágio
Curricular e Produção e Análise de Material Didático), os participan-
tes experienciaram a prática de elaboração de material didático. Nesse
processo, 40% dos licenciandos destacaram que a dificuldade estava em
elaborar uma atividade sem estar em contato com a turma que o recebe,
pois não sabiam o contexto em que os alunos estavam inseridos. Nisso,
frisaram a importância do instrumento de diagnóstico, porém a forma
como concebem essa ferramenta difere. Para alguns ela serve para ava-
liar o método do próprio professor, para outros a sua utilidade é a de
investigar sobre em que estágio o aluno se encontra diante do objeto de
ensino e, ainda, outros restringem a sua função declarando que é a de
identificar as temáticas de interesse dos discentes. Por fim, 40% apon-
tam dificuldades quanto à Prática de Análise Linguística. Nesse sentido,
declararam ter dificuldades em relação à teoria e seus respectivos con-
ceitos bem como dificuldade para recontextualizá-la em sala de aula.
Mesmo diante das dificuldades, reconhecem, em grande maioria,
que a PAL se constitui como eixo articulador das práticas de leitura e
produção de textos, uma vez que acreditam que por meio das reflexões
proporcionadas pela prática de leitura, o aluno será capaz de conduzir
os conhecimentos para a prática de produção textual, a fim de qualifi-
cá-la. Além disso, há um reconhecimento sobre o trabalho com a me-
talinguagem não funcionar isoladamente, ainda que o seu uso não seja
descartado. Diante disso, podemos inferir que os participantes compre-
endem que a metalinguagem apenas funciona quando articulada com
atividades de natureza epilinguística.
A partir desses resultados, podemos afirmar que os professores em
formação iniciam apresentam algumas dificuldades relacionadas à Prá-
tica de Análise Linguística, porém reconhecem a sua importância para
o ensino de Língua Portuguesa. Além disso, compreendem que as três
práticas de ensino (leitura, produção de texto e análise linguística) de-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 51


vem ser articuladas. Então, a dificuldade maior está relacionada à pro-
dução de materiais didáticos com base na AL.

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ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 53


Capítulo 3

A prática de análise linguística/


semiótica no contexto de ensino
de língua portuguesa:
o que propõe a BNCC do
ensino fundamental

Rosana Maria Schmitt


Francieli Matzenbacher Pinton

DOI: 10.52788/9786589932338.1-3
Introdução

A partir da determinação de aprendizagens consideradas essenciais


aos estudantes brasileiros, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
– atual documento oficial e normativo da Educação Básica – surge en-
quanto “peça central” para a garantia de uma educação de qualidade,
uma formação humana integral e a construção de uma sociedade justa,
democrática e inclusiva (BRASIL, 2018). No âmbito do ensino de Língua
Portuguesa, o documento apresenta como objetivo para a etapa Ensino
Fundamental a promoção do protagonismo dos alunos por meio de “ex-
periências que contribuam para a ampliação dos letramentos, de forma
a possibilitar a participação significativa e crítica nas diversas práticas
sociais permeadas/constituídas pela oralidade, pela escrita e por outras
linguagens” (BRASIL, 2018, p. 67-68).
Ao reconhecermos o papel decisivo da BNCC no contexto de di-
versas ações relacionadas à Educação Básica, tais como planejamentos
escolares (currículos e projetos político-pedagógicos), planos de ensino
desenvolvidos por professores, avaliações nacionais e internacionais de
larga escala, cursos superiores de licenciatura, cursos de formação con-
tinuada de professores, bem como livros e demais materiais didáticos
– apenas para citar os mais imediatos – que já estão sendo adequados e/
ou reelaborados à luz do documento, inquietamo-nos acerca das apren-
dizagens propostas para o ensino de Análise linguística/semiótica, uma
vez que tal prática de linguagem configura-se como articuladora, espe-
cialmente, das práticas de leitura e produção de textos e exerce funda-
mental importância para a garantia do objetivo apresentado pelo docu-
mento para o componente curricular Língua Portuguesa.
Em vista disso, buscamos verificar em que medida as habilidades
de Análise linguística/semiótica da BNCC (anos finais do Ensino Funda-
mental) contemplam objetos de conhecimentos e contextos de aprendi-
zagem que focalizam uma perspectiva de gêneros textuais/discursivos

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 55


e, nesse viés, em que medida elas promovem a reflexão sobre os usos
linguísticos em práticas situadas de linguagem, conforme indicado na
fundamentação pedagógica do documento (BRASIL, 2018, p. 67-86; 136-
139). Para tanto, analisamos uma amostragem de 44 habilidades do gru-
po de habilidades destinadas a todos os campos de atuação, à luz do Sis-
tema de Transitividade (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014), com vistas a
identificar a natureza dos processos/verbos, que explicita os processos
cognitivos requeridos; a natureza dos participantes, que explicita os ob-
jetos de conhecimento; e as circunstâncias, que explicitam o contexto
da aprendizagem requerida.
Desse modo, além desta Introdução, organizamos o capítulo da se-
guinte forma: retomamos brevemente os Fundamentos Pedagógicos da
BNCC no que diz respeito ao componente curricular Língua Portugue-
sa; revisamos os principais conceitos da Gramática Sistêmico-Funcio-
nal, focalizando o Sistema de Transitividade; apresentamos o percurso
metodológico; discutimos os resultados da análise; expomos as consi-
derações finais e listamos as referências bibliográficas.

Fundamentos Pedagógicos do componente curricular


Língua Portuguesa

O texto que compreende a fundamentação pedagógica apresenta


conceitos importantes para o desenvolvimento das aprendizagens de
Língua Portuguesa no Ensino Fundamental e discute questões perti-
nentes acerca das categorias adotadas para organizar o componente
curricular. Conforme representado na Figura 1, a seguir, o componente
está organizado por campos de atuação, práticas de linguagem, objetos
de conhecimento, anos/blocos de anos escolares e habilidades. Embora
não estejam apresentadas de modo ordenado e linear na fundamenta-
ção pedagógica, essas categorias se propõem a organizar o componente
curricular em termos pedagógicos que, em última instância, visam ao
desenvolvimento das competências específicas propostas.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 56


Figura 1 - Organização do componente curricular Língua Portuguesa na BNCC

Fonte: Schmitt (2021, p. 87).

Na Figura 1, a categoria campos de atuação está representada como


ponto de partida para as demais, porque “os campos de atuação orien-
tam a seleção de gêneros, práticas, atividades e procedimentos em cada
um deles” (BRASIL, 2018, p. 85). Essa categoria assegura a proposta de
ensino, assumida pelo documento, que focaliza a relação dos textos “a
seus contextos de produção e o desenvolvimento de habilidades ao uso
significativo da linguagem em atividades de leitura, escuta e produção
de textos em várias mídias e semioses” (BRASIL, 2018, p. 67), isto é, foca-
liza um ensino de língua(gem) situado e contextualizado pelos gêneros
textuais/discursivos e pelas práticas de linguagem.
Nesse sentido, os campos de atuação referem-se aos “cenários” em
que as diferentes práticas de linguagem ocorrem, a fim de garantir que
tais práticas sejam situadas em contextos significativos para os alunos
e reforçar que elas derivam, sempre, de situações da vida social (BRA-
SIL, 2018, p. 84). No documento, são apresentados os diferentes cam-
pos que organizam os anos iniciais e finais do Ensino Fundamental. Em

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 57


relação aos anos finais, focalizados neste estudo, são contemplados os
campos: artístico-literário, práticas de estudo e pesquisa, atuação na
vida pública e jornalístico-midiático. Apesar de os fundamentos não
mencionarem, as habilidades de Análise Linguística/Semiótica são, em
sua grande maioria, contempladas por um campo de atuação “neutro”,
denominado pelo documento “todos os campos”.
As práticas de linguagem são definidas pelo documento como
concernentes aos eixos de integração já consagrados em documentos
curriculares da área: oralidade, leitura/escuta, produção (escrita e mul-
tissemiótica) e análise linguística/semiótica (BRASIL, 2018, p. 71). Na
fundamentação pedagógica, discutem-se as situações das quais elas de-
correm e são apresentadas as dimensões que indicam como cada prá-
tica deve ser abordada no desenvolvimento das aprendizagens do com-
ponente.
Mencionando, em específico, a prática de linguagem Análise lin-
guística/semiótica, nosso foco nesta análise, de acordo com a funda-
mentação pedagógica do componente, tal prática “envolve os procedi-
mentos e estratégias (meta)cognitivas de análise e avaliação consciente,
durante os processos de leitura e de produção de textos (orais, escritos e
multissemióticos), das materialidades dos textos” (BRASIL, 2018, p. 80).
O documento também destaca, nesse sentido, que estudos de natureza
teórica e metalinguística “não devem ser tomados como um fim em si
mesmo, devendo estar envolvidos em práticas de reflexão que permi-
tam aos estudantes ampliarem suas capacidades de uso da língua/lin-
guagens (em leitura e em produção) em práticas situadas de linguagem”
(BRASIL, 2018, p. 71).
No componente Língua Portuguesa, as práticas de linguagem cor-
respondem às chamadas unidades temáticas e são apresentadas sepa-
radamente. Tal separação é realizada com finalidade de organização
curricular (BRASIL, 2018, p. 82), porém, tendo em vista a importância
da integração entre os eixos de ensino, como o próprio documento su-
gere quando afirma que “as habilidades devem ser consideradas sob as

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 58


perspectivas da continuidade das aprendizagens e da integração dos
eixos organizadores” (BRASIL, 2018, p. 86), é válido destacar que faltam
orientações teórico-metodológicas para que o professor realize essa ar-
ticulação1.
A categoria de objetos de conhecimento, por sua vez, compreende
os conteúdos, conceitos e processos que organizam as aprendizagens
de Língua Portuguesa (BRASIL, 2018, p. 28). O arranjo de objetos de co-
nhecimento é definido pelas unidades temáticas que, no componente
curricular Língua Portuguesa, referem-se às práticas de linguagem.
Dessa forma, “cada unidade temática [prática de linguagem] contempla
uma gama maior ou menor de objetos de conhecimento, assim como
cada objeto de conhecimento se relaciona a um número variável de ha-
bilidades” (BRASIL, 2018, p. 29).
Conforme discutem Lourenço e Lino de Araújo (2019, p. 41), essa ca-
tegoria (assim como habilidades, competências e tantos outros termos
técnico-científicos do componente curricular) surge na BNCC sem uma
conceituação detalhada, como se já fosse de conhecimento do público-
-leitor do documento. Desse modo, embora objetos de conhecimento e
objetos de ensino sejam, muitas vezes, considerados termos sinônimos,
é importante reiterar que eles apontam para paradigmas de ensino dis-
tintos. Nesse contexto, os objetos de conhecimento referem-se a uma
categoria organizacional relacionada aos conteúdos curriculares indi-
cados como essenciais para os alunos (LOURENÇO; LINO DE ARAÚJO,
2019, p. 41).
O componente curricular também está organizado em anos/blocos
de anos escolares, categoria que busca garantir a progressão na com-
plexidade das aprendizagens e na diversidade de gêneros trabalhados
ao longo do Ensino Fundamental. Os anos ou blocos de anos podem ser
identificados a partir do código alfanumérico que antecede cada habi-

1 Embora essa seja uma característica dos documentos oficiais da educação, já que eles não têm o propósito de
apresentar orientações teórico-metodológicas, os Parâmetros Curriculares Nacionais, por exemplo, propunham
essa perspectiva para o ensino – pautada pela articulação entre as práticas de linguagem – de modo mais
didático, a fim de auxiliar a prática docente.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 59


lidade proposta. Por exemplo, no código EF08LP06, o primeiro par de
letras indica a etapa do ensino fundamental; o primeiro par de números
indica o ano ou bloco de anos; o segundo par de letras indica o compo-
nente curricular; e o último par de números indica a posição da habili-
dade na numeração sequencial do ano ou bloco de anos.
Além de campos de atuação, práticas de linguagem, objetos de co-
nhecimento e anos/blocos de anos escolares, o componente curricular
Língua Portuguesa também está organizado em habilidades que “ex-
pressam as aprendizagens essenciais que devem ser asseguradas aos
alunos nos diferentes contextos escolares” (BRASIL, 2018, p. 29). Con-
sideradas andaimes que conduzem os alunos ao desenvolvimento de
competências, as habilidades “são apresentadas segundo a necessária
continuidade das aprendizagens ao longo dos anos, crescendo progres-
sivamente em complexidade” (BRASIL, 2018, p. 86) e são descritas de
acordo com uma estrutura típica que compreende: um ou mais verbos,
que explicitam os processos cognitivos; o complemento dos verbos, que
explicita os objetos de conhecimento e os modificadores, que “devem
ser entendidos como a explicitação da situação ou condição em que a
habilidade deve ser desenvolvida” (BRASIL, 2018, p. 30).
Em consonância com as categorias adotadas para organizar o
componente curricular, a seção que apresenta os Fundamentos Peda-
gógicos destaca conceitos importantes no que diz respeito a gêneros
textuais/discursivos. Considerando a categoria de campos de atuação
e as 71 ocorrências do lexema gêneros, identifica-se uma perspectiva de
ensino como gêneros textuais/discursivos, tendo em vista que o texto é
assumido como “unidade de trabalho [...], de forma a sempre relacionar
os textos a seus contextos de produção [...]” (BRASIL, 2018, p. 67, grifo
nosso). Ademais, enfatiza a pertinência de um ensino que deve “estabe-
lecer relações entre as partes do texto, levando em conta a construção
composicional e o estilo do gênero [...]” (BRASIL, 2018, p. 77) e promover
“a participação dos estudantes em atividades de leitura com deman-
das crescentes possibilita uma ampliação de repertório de experiências,

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 60


práticas, gêneros e conhecimentos que podem ser acessados diante de
novos textos, configurando-se como conhecimentos prévios em novas
situações de leitura.” (BRASIL, 2018, p. 75).
Na seção a seguir, apresentamos o aporte teórico empregado para
a análise dos dados linguisticamente orientada.

Gramática Sistêmico-Funcional

Ancorada em pressupostos gerais da Linguística Sistêmico-Fun-


cional (LSF), a Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) é um modelo de
análise linguística que fornece ferramentas teórico-metodológicas para
compreender os usos da língua e seu funcionamento (HALLIDAY; MAT-
THIESSEN, 2004, 2014). Ao enfatizar a importante relação entre lingua-
gem e contexto social, a GSF procura compreender e elucidar os moti-
vos responsáveis pela variação de uma língua em relação a grupos de
falantes nos diferentes contextos de uso. Além disso, também fornece
categorias linguístico-discursivas de descrição textual que auxiliam a
análise de aspectos sociais imbricados nos textos.
Para a GSF, de acordo com Fuzer e Cabral (2014), a língua é reco-
nhecida como entidade viva presente em situações, grupos, eventos e,
dessa forma, sofre influências desses e de outros fatores. Ela é variável,
visto que diz respeito a um potencial de significados à disposição dos
falantes para estabelecer relações, representar o mundo e, com isso, sa-
tisfazer determinadas necessidades em contextos sociais específicos.
Desse modo, a seleção dessas opções disponíveis aos falantes não parte
de uma motivação arbitrária, mas se dá por meio de escolhas em função
do contexto em que os falantes estão inseridos.
Nesse contexto, a linguagem é entendida como um sistema socios-
semiótico (com várias possibilidades de escolhas de significados) e ca-
racteriza-se pela organização em estratos, de acordo com níveis de abs-
tração. Nessa organização estratificada, a linguagem é concebida por

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 61


meio de dois níveis inter-relacionados: o linguístico e o extralinguístico.
O nível mais abstrato, extralinguístico, abrange o contexto de situação
e o contexto de cultura; o nível mais concreto, linguístico, compreende
os estratos semântico, léxico-gramatical e grafológico/fonológico.
O nível linguístico, composto pelos estratos semântico, léxico-gra-
matical e grafológico/fonológico, sofre influência dos estratos contex-
tuais do nível extralinguístico. No estrato semântico, cada variável do
contexto de situação é realizada por uma das metafunções da lingua-
gem, organizadas em significados ideacionais, interpessoais e textu-
ais. O estrato da léxico-gramática diz respeito ao sistema de fraseados,
envolvendo estruturas gramaticais e itens lexicais. Nesse estrato, as
metafunções são realizadas pelos sistemas de Transitividade, MODO e
Tema-rema. Por fim, o estrato da fonologia/grafologia diz respeito aos
sistemas de sonoridade e grafia, responsáveis pela realização da léxico-
-gramática. Nesta investigação, focalizamos o Sistema de Transitivida-
de (metafunção ideacional) para a descrição e análise dos dados.
Na metafunção ideacional, “a transitividade é o sistema da oração
que afeta não apenas o verbo que serve como processo, mas também
os participantes e circunstâncias” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p.
227)2, em vista disso, os significados de nossas experiências no mundo
constituem uma figura que se diferencia de acordo com o tipo de pro-
cesso envolvido (figuras de fazer e acontecer, de sentir, de ser/estar, de
comportar-se, de dizer e de existir, conforme Figura 2), com sua associa-
ção a determinados participantes (que recebem diferentes denomina-
ções dependendo do tipo de processo) e, opcionalmente, com diferentes
circunstâncias (que indicam tempo, lugar, meio, finalidade etc.).

2 “Transitivity is a system of the clause, affecting not only the verb serving as Process but also participants and
circumstances”.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 62


Figura 2 - Sistema de transitividade: tipos de processos

Fonte: Muniz da Silva e Soares (2018, p. 143).

O processo, realizado tipicamente por um verbo, é o elemento cen-


tral da oração, responsável por representar os eventos que constituem
as experiências e atividades realizadas no mundo físico, mental e social;
os participantes, por sua vez, são gramaticalmente realizados por gru-
pos nominais e estão diretamente envolvidos no processo, provocam sua
ocorrência ou são afetados por ele de alguma forma. Sua natureza varia,
portanto, de acordo com o tipo de processo (HALLIDAY; MATTHIESSEN,
2014). Além dos processos e participantes, a oração também pode apre-
sentar circunstâncias que, realizadas tipicamente por grupos adverbiais
ou preposicionais, especificam o desenvolvimento do processo quanto
ao modo (como?), à causa (por quê?) ou à extensão e/ou localização no
tempo (quando?) ou no espaço (onde?). Esse componente adiciona, desse
modo, significados à oração pela descrição do contexto em que o pro-
cesso se realiza, sendo, quase sempre, “ampliações opcionais da oração,
e não componentes obrigatórios” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p.
221). Juntos, os processos, participantes e circunstâncias configuram-se
como categorias semânticas que explicam, de maneira mais geral, como
os fenômenos de nossa experiência no mundo são interpretados como
estruturas linguísticas (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p. 224).

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 63


Percurso metodológico

Nesta pesquisa de caráter documental, focalizamos, na BNCC do


Ensino Fundamental, habilidades da prática de linguagem Análise lin-
guística/semiótica propostas para o componente curricular Língua
Portuguesa. Para isso, selecionamos uma amostragem representativa
do documento constituída de habilidades do grupo “todos os campos”,
tendo em vista que esse grupo reúne 54 habilidades da prática de lin-
guagem Análise linguística/semiótica do total de 74 habilidades propos-
tas para essa prática de linguagem.
Dessa forma, o corpus desta pesquisa é composto de 44 habilidades,
distribuídas entre os anos escolares individuais do Ensino Fundamen-
tal (6º, 7º, 8º e 9º anos). Para a descrição e análise dos dados linguísticos,
partimos da estrutura típica das habilidades e da figura do Sistema de
Transitividade, conforme a Figura 3.

Figura 3 – Estrutura típica das habilidades na BNCC e da figura do Sistema de


Transitividade

Fonte: Adaptada de Pinton et al. (2020, p. 376).

Com base nessa organização, adotamos os seguintes procedimen-


tos: i) análise da natureza dos processos/verbos empregados que in-
dicam os processos cognitivos3 requeridos; ii) análise da natureza dos

3 Neste estudo, entendemos processos cognitivos como “operações mentais necessárias para alcançar
determinados objetivos” (LINO DE ARAÚJO, 2017, p. 29), conforme proposto na Taxonomia dos objetivos
educacionais do domínio cognitivo, elaborada por Bloom.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 64


participantes que indicam o objeto de conhecimento; iii) análise das cir-
cunstâncias que indicam o contexto da aprendizagem demandada; iv)
interpretação dos dados sob a ótica do sistema de transitividade.

Análise e apresentação dos resultados

Acerca do grupo de habilidades destinadas a todos os campos de


atuação, não há, na fundamentação pedagógica, discussão teórica que
justifique tal proposta. Afirma-se apenas que “são apresentados em
quadro referente a todos os campos os conhecimentos linguísticos re-
lacionados à ortografia, pontuação, conhecimentos gramaticais (morfo-
lógicos, sintáticos, semânticos), entre outros” (BRASIL, 2018, p. 82).
Com base na descrição do sistema de transitividade das 44 habili-
dades dos anos escolares selecionados (em termos de processos, partici-
pantes e circunstâncias), verificamos que a estrutura indicada pelo do-
cumento, composta por um ou mais processos/verbos (que explicitam
os processos cognitivos), o complemento dos processos/verbos (que ex-
plicita os objetos de conhecimento) e os modificadores (que explicitam
o contexto e/ou uma maior especificação da aprendizagem esperada e
devem ser entendidos como a situação ou condição em que a habilidade
deve ser desenvolvida), efetiva-se em 31 habilidades (70,45%), tais como
“Identificar, em texto ou sequência textual, orações como unidades consti-
tuídas em torno de um núcleo verbal e períodos como conjunto de orações
conectadas” (Habilidade #EF06LP08).
Por sua vez, em 13 habilidades (29,54%), como em “Comparar as re-
gras de colocação pronominal na norma-padrão com o seu uso no português
brasileiro coloquial” (Habilidade #EF09LP10), não são apresentados mo-
dificadores (indicados por meio de circunstâncias de lugar, finalidade,
meio etc.), ou seja, o elemento responsável por explicitar o contexto e/ou
uma maior especificação da aprendizagem requerida não é empregado
e, consequentemente, não é indicada a situação ou condição em que a
habilidade deve ser desenvolvida.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 65


É importante destacar também que, se comparadas às habilidades
dos demais campos de atuação, as habilidades do grupo “todos os cam-
pos” apresentam um padrão linguístico mais simples, com poucas ora-
ções (exceto o 8º ano, em que as 13 habilidades se desdobram em 21 ora-
ções). Além disso, essa complexidade é minimizada em razão de apenas
uma habilidade focalizar textos como objeto de conhecimento/conteúdo
da aprendizagem (“escrever textos corretamente, de acordo com a nor-
ma-padrão, com estruturas sintáticas complexas no nível da oração e do
período” #EF09LP04), empregado na posição de participante da oração.
Da mesma forma, também há um número inexpressivo de habilidades
(2 ocorrências) em que são empregadas, por exemplo, circunstâncias de
finalidade.
Dessa forma, ainda que 29,54% das habilidades não contemplem
exatamente a estrutura preconizada, focalizamos as 44 habilidades
selecionadas e descrevemos 57 orações que as compõem. Analisamos,
inicialmente, os 57 processos/verbos que orientam diretamente o ob-
jetivo da aprendizagem (processos no infinitivo e no gerúndio, por
exemplo: “estabelecer relações entre partes do texto, identificando [...]”
#EF08LP15), embora também tenhamos considerado, juntamente dos
complementos, os processos imbricados em circunstâncias de finalida-
de (por exemplo: “[...] para enriquecer seus próprios textos” #EF08LP09),
que apresentam apenas duas ocorrências no corpus.
No que diz respeito à natureza dos processos/verbos empregados
nas habilidades, verificamos que são empregados 44 processos centra-
dos na cognição em todos os anos escolares. Conforme habilidades re-
presentadas nos Excertos 3, 4, 5 e 6, foram empregados, respectivamen-
te, 8 processos mentais cognitivos em habilidades do 6º ano, 10 no 7º
ano, 16 no 8º ano e 10 no 9º ano.

Excerto 3: Analisar diferenças de sentido entre palavras de uma série sinoní-


mica. (BRASIL, 2018, p. 171, grifos nossos - Habilidade #EF06LP03).

Excerto 4: Reconhecer, em textos, o verbo como o núcleo das orações. (BRASIL,


2018, p. 171, grifos nossos - Habilidade #EF07LP04).

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 66


Excerto 5: Identificar, em textos lidos ou de produção própria, verbos na voz
ativa e na voz passiva, interpretando os efeitos de sentido de sujeito ativo e
passivo (agente da passiva). (BRASIL, 2018, p. 189, grifos nossos - Habilidade
#EF08LP08).

Excerto 6: Comparar o uso de regência verbal e regência nominal na norma-pa-


drão com seu uso no português brasileiro coloquial oral. (BRASIL, 2018, p. 189,
grifos nossos - Habilidade #EF09LP07).

Conforme habilidades #EF07LP04 e #EF08LP08, apresentadas


nos Excertos 4 e 5, as orações da amostragem analisada que deman-
dam figuras de pensar são marcadas, principalmente, pelo emprego
de processos de nível mais básico de complexidade, tais como reconhe-
cer, identificar e interpretar. No entanto, de acordo com as habilidades
#EF06LP03 e #EF09LP07, apresentadas nos Excertos 3 e 6, também há
algumas ocorrências de processos que envolvem domínios mais com-
plexos, tais como analisar e comparar, por exemplo.
Além do emprego de 44 processos mentais cognitivos, também ve-
rificamos o emprego de 13 processos materiais criativos. Os Excertos
7, 8, 9 e 10 representam, respectivamente, 4 ocorrências identificadas
no 6º ano, 3 ocorrências no 7º ano, 5 ocorrências no 8º ano e uma única
ocorrência no 9º ano.

Excerto 7: Identificar, em textos, períodos compostos por orações separa-


das por vírgula sem a utilização de conectivos, nomeando-os como períodos
compostos por coordenação. (BRASIL, 2018, p. 173, grifos nossos - Habilidade
#EF06LP07).

Excerto 8: Formar, com base em palavras primitivas, palavras derivadas com


os prefixos e sufixos mais produtivos no português. (BRASIL, 2018, p. 171, grifos
nossos - Habilidade #EF07LP03).

Excerto 9: Interpretar, em textos lidos ou de produção própria, efeitos de sen-


tido de modificadores do verbo (adjuntos adverbiais – advérbios e expressões
adverbiais), usando-os para enriquecer seus próprios textos. (BRASIL, 2018, p.
189, grifos nossos - Habilidade #EF08LP10).

Excerto 10: Escrever textos corretamente, de acordo com a norma-padrão, com


estruturas sintáticas complexas no nível da oração e do período. (BRASIL, 2018,
p. 187, grifos nossos - Habilidade #EF09LP04).

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 67


De acordo com os Excertos apresentados, embora as habilidades
também requeiram do aluno, em certa medida, um esforço mental cog-
nitivo, elas demandam principalmente ações materiais, visto que foca-
lizam figuras de criar, orientadas por processos como usar (Excerto 9),
empregar e utilizar, além de processos como nomear4 (Excerto 7), formar
(Excerto 8) e escrever (Excerto 10). Desse modo, no que concerne aos
processos/verbos que explicitam os processos cognitivos envolvidos
nas habilidades, verificamos apenas o emprego de processos mentais
cognitivos e materiais criativos. A Figura 4 apresenta um gráfico das
ocorrências verificadas e sua respectiva porcentagem.

Figura 4 - Natureza dos processos/verbos empregados nas habilidades

Fonte: elaborada pelas autoras.

Considerando a natureza dos processos/verbos que orientam os


objetivos educacionais focalizados nas habilidades, analisamos também
os participantes e as circunstâncias que compõem as orações, a fim de
verificar a natureza dos objetos de conhecimento e quais habilidades
focalizam o contexto das aprendizagens requeridas.
Para isso, consideramos, primeiramente, os tipos de participantes
empregados e verificamos que todas as habilidades focalizam conteú-
dos enquanto objeto de conhecimento, empregados na posição de parti-
cipante da oração (com exceção da habilidade #EF09LP04, que focaliza

4 O processo nomear, empregado na segunda oração da habilidade #EF06LP07 (Excerto 7), orienta tipicamente
orações verbais, as quais se localizam na fronteira entre processos mentais cognitivos e processos relacionais.
Nessa habilidade, porém, a aprendizagem focaliza apenas a atribuição da classificação períodos compostos por
coordenação após a identificação dessas ocorrências em textos, desse modo, entendemos o nomear como um
processo material criativo.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 68


textos). Em seguida, analisamos também os modificadores, empregados,
em 27 habilidades, enquanto circunstâncias de lugar ou de tempo (que
indicam o contexto da aprendizagem), e em 5 habilidades, enquanto cir-
cunstâncias de qualidade, meio, finalidade ou ângulo (que apresentam
maior especificação da aprendizagem requerida). Constatamos, nesse
sentido, conforme já mencionado, que 13 habilidades não efetivam a es-
trutura preconizada, tendo em vista que são empregados apenas pro-
cessos/verbos e participantes.
Para compreender criticamente a natureza dos objetos de conheci-
mento requeridos nas habilidades, analisamos a figura das orações com
base nos níveis de estratificação da linguagem propostos pela Gramáti-
ca Sistêmico-Funcional. Para isso, tomamos como categorias analíticas
os estratos da grafologia/fonologia, da léxico-gramática, da semântica,
do contexto de situação e do contexto de cultura. Conforme representa-
do na Figura 5, verificamos que todas as 44 habilidades do corpus con-
templam o estrato da léxico-gramática, 21 habilidades contemplam o
estrato da semântica, 5 contemplam a grafologia/fonologia, apenas 2
contemplam o contexto de cultura e nenhuma delas contempla o estra-
to do contexto de situação.

Figura 5 - Número de habilidades que contempla cada nível de estratificação


da linguagem

Fonte: elaborada pelas autoras.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 69


Dessa forma, identificamos que, em maior ou menor número, os
estratos da léxico-gramática e da semântica são contemplados em to-
dos os anos escolares. Os estratos da grafologia/fonologia e do contexto
de cultura, por sua vez, são manifestados em apenas 5 e 2 habilidades,
respectivamente, e não são contemplados em todos os anos escolares.
A Figura 6 apresenta, por anos escolares, o número de habilidades que
manifesta cada estrato.

Figura 6 - Número de habilidades que contempla cada nível de estratificação


por anos escolares

Fonte: elaborada pela autora.

Com relação ao 6º ano do Ensino Fundamental, as habilidades do


grupo “todos os campos” mobilizam os objetos de conhecimento léxico/
morfologia, morfossintaxe, sintaxe, elementos notacionais da escrita/mor-
fossintaxe, semântica e coesão (cf. BRASIL, 2018, p. 170-172) e englobam,
principalmente, os estratos da léxico-gramática (10 habilidades) e da se-
mântica (4 habilidades). Conforme Figura 6, além desses estratos, tam-
bém são contemplados o estrato da grafologia/fonologia (1 habilidade)
e do contexto de cultura (1 habilidade). Os Excertos 11 e 12 representam
tais ocorrências:
Excerto 11: Utilizar, ao produzir texto, conhecimentos linguísticos e gramati-
cais: tempos verbais, concordância nominal e verbal, regras ortográficas, pon-
tuação etc. (BRASIL, 2018, p. 173 - Habilidade #EF06LP11).

Excerto 12: Identificar os efeitos de sentido dos modos verbais, considerando


o gênero textual e a intenção comunicativa. (BRASIL, 2018, p. 171 - Habilidade
#EF06LP05).

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 70


Na habilidade de 6º ano, #EF06LP11, apresentada no Excerto 11, ve-
rificamos que, assim como em todas as demais habilidades do corpus, é
contemplado, principalmente, o estrato da léxico-gramática. Nessa ha-
bilidade, tal estrato se manifesta a partir da proposta de utilização de
conhecimentos linguísticos e gramaticais que operam no nível da frase
ou de itens lexicais (tempos verbais, concordância nominal e verbal). No
que diz respeito às regras ortográficas, inferimos não apenas o estrato
da léxico-gramática, mas também da grafologia/fonologia, em razão de
esse conteúdo englobar, por exemplo, regras de acentuação gráfica. Por
fim, também verificamos que, com relação ao conteúdo pontuação, a ha-
bilidade manifesta, além da léxico-gramática, o estrato da semântica,
uma vez que o conteúdo opera não apenas a partir dos limites das cons-
truções sintáticas nos textos, mas também dos significados envolvidos
nessa construção.
A habilidade #EF06LP05, apresentada no Excerto 12, contempla os
estratos da semântica e da léxico-gramática, em razão de focalizar a
identificação de efeitos de sentido dos modos verbais. Além disso, a se-
gunda oração da habilidade também se relaciona ao estrato do contexto
de cultura, já que propõe ao aluno o desenvolvimento da aprendizagem
considerando o gênero e a intenção comunicativa.
Para o 7º ano, as habilidades focalizam os objetos de conhecimen-
to léxico/morfologia, morfossintaxe, semântica, coesão, modalização (cf.
BRASIL, 2018, p. 170-174) e, de acordo com representação no Excerto 13,
focalizam apenas os estratos da léxico-gramática (12 habilidades) e da
semântica (6 habilidades).
Excerto 13: Identificar, em textos lidos ou de produção própria, períodos com-
postos nos quais duas orações são conectadas por vírgula, ou por conjunções
que expressem soma de sentido (conjunção “e”) ou oposição de sentidos (con-
junções “mas”, “porém”). (BRASIL, 2018, p. 173 - Habilidade #EF07LP11).

A habilidade apresentada no Excerto 13, #EF07LP11, manifesta


apenas os estratos da léxico-gramática e da semântica, únicos estratos
contemplados em habilidades desse ano escolar. Nessa aprendizagem
requerida, o estrato da léxico-gramática se manifesta a partir do conte-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 71


údo que focaliza períodos compostos que são conectados por vírgula ou
conjunções. Além disso, esse conteúdo também focaliza o estrato da se-
mântica especialmente em razão da proposta de identificação dos perí-
odos compostos a partir do emprego de conjunções que expressem soma
de sentido ou oposição de sentidos.
No que se refere às habilidades do 8º ano, são mobilizados os ob-
jetos de conhecimento fono-ortografia, léxico/morfologia, morfossintaxe,
semântica, coesão, modalização (cf. BRASIL, 2018, p. 186-190), que englo-
bam, principalmente, os estratos da léxico-gramática (13 habilidades)
e da semântica (7 habilidades). Além disso, conforme representado nos
Excertos 14 e 15, o estrato da grafologia/fonologia também se manifesta
em 2 habilidades e o estrato do contexto de cultura em apenas 1 habili-
dade.

Excerto 14: Utilizar, ao produzir texto, conhecimentos linguísticos e gramati-


cais: ortografia, regências e concordâncias nominal e verbal, modos e tempos
verbais, pontuação etc. (BRASIL, 2018, p. 187 - Habilidade #EF08LP04).

Na habilidade #EF08LP04, Excerto 14, selecionada para represen-


tar as habilidades de 8º ano que manifestam os estratos da léxico-gra-
mática, da grafologia/fonologia e da semântica, os conteúdos focaliza-
dos são praticamente os mesmos da habilidade de 6º ano apresentada
no Excerto 11. Como podemos verificar no Excerto 14, o estrato da lé-
xico-gramática perpassa toda a aprendizagem, tendo em vista que os
conhecimentos linguísticos e gramaticais operam no nível da frase e/ou
dos itens lexicais. O estrato da grafologia/fonologia, por sua vez, é mani-
festado a partir do conteúdo ortografia, o qual pode envolver, por exem-
plo, a acentuação gráfica. Por fim, o estrato da semântica se manifesta
em razão do conteúdo pontuação que, como já destacado anteriormente,
relaciona-se não apenas às construções sintáticas, mas aos significados
que buscamos construir ao produzir um texto.

Excerto 15: Utilizar, ao produzir texto, recursos de coesão sequencial (ar-


ticuladores) e referencial (léxica e pronominal), construções passivas e

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 72


impessoais, discurso direto e indireto e outros recursos expressivos ade-
quados ao gênero textual. (BRASIL, 2018, p. 191 - Habilidade #EF08LP14).

A habilidade #EF08LP14, apresentada no Excerto 15, além de con-


templar o estrato da léxico-gramática (tendo em vista o emprego de
conteúdos que focalizam a coesão e determinadas construções grama-
ticais), contempla também o contexto de cultura ao focalizar recursos
expressivos adequados ao gênero textual.
Por fim, no 9º ano, as habilidades relacionam-se aos objetos de
conhecimento fono-ortografia, morfossintaxe, elementos notacionais da
escrita/morfossintaxe, coesão, variação linguística (cf. BRASIL, 2018, p.
186-190) e contemplam, principalmente, o estrato da léxico-gramática
(9 habilidades). Além disso, conforme Excertos 16 e 17, também são con-
templados, em menos ocorrências, os estratos da semântica (4 habilida-
des) e da grafologia/fonologia (2 habilidades).

Excerto 16: Identificar estrangeirismos, caracterizando-os segundo a conser-


vação, ou não, de sua forma gráfica de origem, avaliando a pertinência, ou não,
de seu uso. (BRASIL, 2018, p. 191 - Habilidade #EF09LP12).

Na habilidade #EF09LP12 (Excerto 16), além de o objeto de conheci-


mento manifestar o estrato léxico-gramatical, tendo em vista o enfoque
para a identificação de estrangeirismos, os quais podem se manifestar no
nível da frase e/ou de itens lexicais, especialmente a proposta de carac-
terizá-los quanto à conservação, ou não, de sua forma gráfica de origem,
relaciona-se também ao estrato da grafologia/fonologia, uma vez que
tal conteúdo demanda o conhecimento de aspectos relativos ao sistema
de grafia. É importante destacar, ainda, que a habilidade em questão é
a única entre as 44 do corpus que, segundo objeto de conhecimento in-
dicado pelo documento (2018, p. 190), propõe o trabalho com a variação
linguística.

Excerto 17: Identificar efeitos de sentido do uso de orações adjetivas restriti-


vas e explicativas em um período composto. (BRASIL, 2018, p. 191 - Habilidade
#EF09LP09).

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 73


Por sua vez, a habilidade #EF09LP09, apresentada no Excerto 17,
além de focalizar o estrato da léxico-gramática a partir do conteúdo ora-
ções adjetivas restritivas e explicativas, também manifesta o estrato da
semântica ao propor que o aluno identifique os efeitos de sentido do uso
dessas construções sintáticas.
Ainda, quanto ao emprego de modificadores que indicam o con-
texto em que as aprendizagens selecionadas devem ser desenvolvidas,
no 6º ano são empregadas circunstâncias de lugar ou tempo em 5 ha-
bilidades, no 7º e 8º ano elas são empregadas em 9 habilidades, e no 9º
ano em apenas 4 habilidades. Vale destacar, no entanto, que tais mo-
dificadores focalizam apenas textos enquanto circunstâncias de lugar
ou tempo (ex.: em textos ou ao produzir texto). Nesse sentido, ainda que
27 habilidades (61,36%) indiquem o contexto em que a aprendizagem
deve ser desenvolvida e, por essa razão, efetivem a estrutura proposta
pelo documento, esse contexto indicado não está relacionado a gêneros
específicos e os conteúdos não são mobilizados a partir dos diferentes
contextos de uso.
Por fim, também é importante destacar que, considerando os obje-
tos de conhecimento focalizados e o contexto em que devem ser desen-
volvidos, as habilidades buscam propor apenas a análise linguística, ape-
sar de a análise semiótica também compor a nomenclatura da prática de
linguagem focalizada. Diferentemente do que preconiza a fundamenta-
ção pedagógica, em nenhuma habilidade do grupo “todos os campos”
há o enfoque para gêneros multissemióticos e, consequentemente, para
conteúdos específicos desses contextos de uso da língua(gem), evidên-
cia que reforça a centralidade das habilidades analisadas no ensino de
regras da língua escrita padrão.

Considerações finais

Nesta pesquisa, analisamos habilidades do grupo destinado a to-


dos os campos de atuação do componente curricular Língua Portugue-
sa da BNCC (anos finais do Ensino Fundamental), a fim de verificar em

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 74


que medida as aprendizagens propostas para a prática de linguagem
Análise linguística/semiótica contemplam objetos de conhecimentos e
contextos de aprendizagem que focalizam uma perspectiva de gêneros
textuais/discursivos e, nesse viés, em que medida elas promovem a re-
flexão do usos linguísticos em práticas situadas de linguagem, confor-
me indicado na fundamentação pedagógica do componente.
Para isso, analisamos uma amostragem de 44 habilidades do gru-
po de habilidades destinadas a todos os campos de atuação, com vistas
a identificar a natureza dos processos/verbos, que explicitam os pro-
cessos cognitivos requeridos; a natureza dos participantes, que explici-
tam os objetos de conhecimento; e as circunstâncias, que explicitam o
contexto da aprendizagem requerida. Os resultados sinalizam que, em
grande medida, as habilidades desse campo não dialogam com a pers-
pectiva de ensino como gêneros textuais/discursivos proposta pelo do-
cumento.
De modo geral, podemos afirmar que as habilidades do campo em
questão contemplam prioritariamente processos mentais que deman-
dam um esforço cognitivo do aluno e requerem o domínio de objetos de
conhecimento que contemplam apenas o nível linguístico, focalizando
especialmente conteúdos que contemplam o estrato da léxico-gramáti-
ca, mas sem relacioná-los ao nível extralinguístico, responsável por de-
terminar tais construções linguísticas/semióticas e, consequentemen-
te, por possibilitar um ensino significativo a partir da reflexão acerca
desses usos. Ademais, verificamos que as circunstâncias selecionadas,
embora evidenciem o contexto das aprendizagens, não focalizam gêne-
ros específicos.
Entendemos, com relação a isso, que as aprendizagens da prática
de linguagem Análise linguística/semiótica precisam estar centradas,
muito mais, na análise das escolhas realizadas para atender aos propó-
sitos comunicativos e às convenções adequadas aos diferentes contex-
tos de uso. No entanto, o que constatamos é que as habilidades analisa-
das acabam reforçando um ensino tradicional de gramática, centrado

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 75


na estrutura e no emprego da norma-padrão da língua portuguesa, com
a finalidade de identificar regras gramaticais em quaisquer textos e uti-
lizá-las em quaisquer produções realizadas.
Compreendendo, portanto, a importância do documento no con-
texto da Educação Básica, verificamos a necessidade de refletir criti-
camente acerca das propostas do documento para o ensino de Língua
Portuguesa a fim de propor uma prática de análise linguística situada
que considere os campos de atuação sugeridos pelo documento. Nesse
sentido, entendemos que a denominação “todos os campos” para as ha-
bilidades de análise linguística reforça uma prática descontextualizada
de ensino e aprendizagem que, em grande medida, não é evidenciada
nas demais práticas de linguagem.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília:


MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-con-
tent/uploads/2018/12/ BNCC_19dez2018_site.pdf. Acesso em: 30 mar. 2021.
FUZER, C.; CABRAL, S.R.S. Introdução à Gramática Sistêmico-Funcional em
Língua Portuguesa. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2014. 
HALLIDAY, M. A. K. An introduction to functional grammar. London: Arnold,
1985 [1994].
HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. Halliday’s Introduction to Functional
Grammar. London; New York: Routledge, [2004] 2014.
MUNIZ DA SILVA, E. D.; SOARES, R. Processos materiais em um relato pes-
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no âmbito do projeto SAL. Santa Maria: Editora PPGL, 2018. p. 141-157.
LINO DE ARAÚJO, D. Enunciado de atividades e tarefas escolares: modos de
fazer. 1. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2017.
LOURENCO, D. G.; LINO DE ARAÚJO, D. A proposta de Análise linguística/
Semiótica na BNCC: a natureza dos objetos de conhecimento. Revista Euto-
mia: Recife, n. 23, v. 1, p. 88-107, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufpe.
br/revistas/EUTOMIA/article/view/ 241617/33806. Acesso em: 20 set. 2020.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 76


PINTON, F. M.; VOLK, R.; SCHMITT, R. M.­(in)congruências teórico-metodo-
lógicas. Pelotas, RS: Linguagem & Ensino, v. 23, n. 2, p. 364-383, 2020.
SCHMITT, R. M. Base Nacional Comum Curricular: Análise Crítica de Discur-
sos sobre Ensino de Língua Portuguesa. 2021. 219 p. Dissertação (Mestrado
em Letras) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, 2021.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 77


Capítulo 4

Análise linguística:
da Base Nacional Comum Curricular
ao Programa Nacional do Livro
Didático 2021

Cícera Alves Agostinho de Sá

DOI: 10.52788/9786589932338.1-4
Introdução

A abordagem teórica e a orientação metodológica para o trabalho


com a análise linguística no Ensino Fundamental (antigo 1° grau) po-
dem ser identificadas na obra O Texto na Sala de Aula, na qual Geraldi
([1984] 2006) discorre sobre os pressupostos teóricos e indicações prá-
ticas para o trabalho com a língua portuguesa, tomando como base a
produção textual do estudante, que poderia, segundo o autor, pautar o
trabalho com nossa língua.
Trata-se de uma proposta pertinente, que contribuiu com a recon-
figuração do ensino e aprendizagem da língua portuguesa na Educa-
ção Básica, deslocando o trabalho da disciplina da exposição de regras e
normas para aulas de reflexão sobre o uso dessa língua.
No entanto, pesquisas que tratam do ensino e da aprendizagem
dessa disciplina, a exemplo da desenvolvida por Sá (2015), apontam que
o material didático disponibilizado para aulas adotam como foco a abor-
dagem de um conjunto de regras e normas, cujo domínio resultaria no
domínio da arte de ler e escrever, conforme os manuais de gramática
tradicional.
Embora o estudante tenha acesso e seja mobilizado a dominar o
conjunto de regras e normas que os gramáticos adotam para tentar en-
quadrar as realizações da língua portuguesa, muitos estudantes con-
cluem a Educação Básica sem o domínio de questões básicas relativas
ao uso da língua, como questões relativas à ortografia, pontuação, acen-
tuação, concordância, regência dentre outros aspectos relativos aos as-
pectos sistêmicos da língua.
Uma alusão à ineficiência dessa abordagem está presente até mes-
mo nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para
o Ensino Médio (2000), que tratam dos rótulos que os alunos atribuem
a essa disciplina, considerada como complexa e difícil. É possível que
essa categorização se encontre associada ao fato de os estudantes te-
rem acesso às aulas da disciplina por uma média de 9 anos do Ensino
Fundamental, mais 3 anos do Ensino Médio, e mesmo assim não domi-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 79


nar ou apresentar dificuldades quanto aos aspectos básicos relativos à
estrutura da língua.
Outras pesquisas que tratam da análise linguística foram desen-
volvidas nas últimas décadas, a exemplo de Mendonça (2006) e de Be-
zerra e Reinaldo (2013). Vamos tratar desses referenciais para discorrer
teoricamente acerca desse processo, que não intenta substituir a abor-
dagem da gramática nas aulas de língua portuguesa, mas ressignificar
esse trabalho.
Além disso, é pertinente considerar ainda que aspectos relativos ao
texto, às variações linguísticas, interdisciplinaridade, análise do discur-
so dentre inúmeros outros aspectos que constituem a pauta da análise
linguística, já que o leque de aspectos relativos à parte sistêmica da lín-
gua é amplo e pode ser tomado como objeto de reflexão a partir do uso,
que se processa de modo oral, escrito ou multimodal.
Em uma perspectiva analítica, este estudo discorre sobre a aborda-
gem dispensada à análise linguística pela Base Nacional Comum Curri-
cular (2018) para o Ensino Médio, como também analisa a aplicabilidade
das orientações dispostas no referido documento em obras do Progra-
ma Nacional do Livro Didático (2021), promovendo uma interface entre
os referenciais teóricos e a proposição desses documentos para o tema.
Trata-se de um estudo relevante por promover e ampliar reflexões
acerca da análise linguística no contexto de documentos oficiais como
o guia do PNLD 2021, que norteia a produção e distribuição de livros
didáticos para o trabalho com a língua portuguesa no Ensino Médio.

As concepções de linguagem e o
ensino da língua portuguesa

A docência da língua portuguesa, especificamente no Ensino Mé-


dio, implica na realização de um conjunto de escolhas, que fundamen-
tam a prática docente nessa disciplina, cara à formação linguística do
estudante. Deste modo, as concepções de linguagem que predominam

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 80


no trabalho com a língua refletem decisões políticas que o professor
adota no exercício docente.
Nesse contexto, considera-se pertinente indicar que a primeira
concepção, relativa à linguagem como expressão do pensamento, vin-
cula-se aos estudos tradicionais da língua, por sugerir que as pessoas
que não conseguem se expressar utilizando recursos da norma padrão
não pensam (HALLIDAY; MCINTOSH; STREVENS, 1974).
Conforme Geraldi (2006), as realizações linguísticas relativas a essa
concepção de linguagem são mais representativas da parte prescritiva
e normativa da língua, cujo estudo e domínio não se configuram como
representativos do domínio da língua portuguesa, visto que o foco do
trabalho com a disciplina ainda se centra na exposição e cobrança da
memorização de normas e regras relativas às estruturas de frases e pe-
ríodos, da estrutura de gêneros textuais e, ainda assim, os estudantes se
reconhecem como incapazes de dominar sua língua materna, alegando
sua complexidade.
A segunda concepção de linguagem relativa ao trabalho com a lín-
gua configura-se por considerá-la como instrumento de comunicação,
relativa mais especificamente à teoria da comunicação, que concebe a
língua como um conjunto de signos que o emissor articula para comu-
nicar uma mensagem ao receptor (HALLIDAY; MCINTOSH; STREVENS,
1974).
De acordo com Geraldi ([1984] 2006), essa concepção de linguagem
acomoda apontamentos que contribuem com a descrição de parte dos
aspectos estruturais da língua, configurando-se como uma abordagem
instrumental da língua, vinculando o ensino da língua ao trabalho, aten-
dendo à ideologia dominante no período de ditadura em nosso país.
A terceira concepção de linguagem, por sua vez, identificada por
Halliday, McIntosh e Strevens (1974), caracteriza-se por conceber a lingua-
gem como processo de interação. É na interação humana que os sujeitos
agem mutuamente, sendo que as construções orais, escritas ou multimo-
dais dessas inter-relações podem ser tomadas como objeto de reflexão.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 81


De acordo com Geraldi ([1984] 2006), o trabalho com o texto produ-
zido pelo estudante pode se configurar como uma atividade que se as-
socia a essa concepção de linguagem, visto que o professor vai adotá-lo
como objeto de reflexão entre o que o estudante já domina e os aspectos
identificados, no contexto da Base Nacional Comum Curricular (2018),
como objetos de conhecimento, que o estudante precisa dominar. Logo,
na seção seguinte, explora-se essa proposta de Geraldi ([1984] 2006),
com foco na análise linguística.

Análise linguística: do que se trata?

A revisão crítica do ensino de vários aspectos relativos à língua


portuguesa resulta na análise linguística. Embora Geraldi ([1984] 2006)
não apresente uma definição para esse processo, esse autor descreve
um conjunto de atividades didático-metodológicas que a constituem,
conforme disposto a seguir:

- a análise linguística que se pretende partirá não do texto “bem escritinho”, do


bom autor selecionado pelo “fazedor de livros didáticos.” Ao contrário, o ensino
gramatical somente tem sentido para auxiliar o aluno. Por isso, partirá do texto
dele;
- a preparação das aulas de prática de análise linguística será a própria leitura
dos textos produzidos pelos alunos nas aulas de produção de textos;
- para cada aula de prática de análise linguística, o professor deverá selecionar
apenas um problema. De nada adianta querermos enfrentar de uma vez todos
os problemas que podem ocorrer num texto produzido por nosso aluno;
- fundamentalmente, a prática da análise linguística deve se caracterizar pela
retomada do texto produzido na aula de produção (segunda-feira, no horário
proposto) para reescrevê-lo no aspecto tomado como tema da aula para análise;
- material necessário para as aulas de prática de análise linguística: os cader-
nos de redações; um caderno para anotações; dicionários e gramáticas;
- em geral, as atividades poderão ser em pequenos grupos ou em grande grupo;
- fundamenta essa prática o princípio: “partir do erro para a autocorreção’’ (GE-
RALDI, [1984], 2006, p. 73-74).

Para Geraldi ([1984] 2006), a primeira ação do trabalho com a aná-


lise linguística é realizada quando o professor utiliza o texto produzido
pelo estudante como objeto de estudo, em lugar dos textos que estão

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 82


disponíveis em materiais didáticos. Essa decisão inicial pauta-se na im-
portância de o estudante refletir sobre os usos da língua, identificando
aspectos que precisam ser adequados à norma padrão, que constitui a
variante de prestígio da língua portuguesa.
É possível que a utilização do texto do estudante como objeto de
reflexão, em lugar do texto disponível no material didático, configure-
-se como um fator que dificulta a adesão a esse processo, visto que, no
geral, o professor dessa disciplina utiliza-se de atividades prontas em
materiais didáticos, cujos problemas e desvios da norma foram corrigi-
dos na editoração.
A segunda ação aponta que o texto produzido pelo estudante preci-
sa ser tomado como referência para a preparação das aulas pelo profes-
sor. Esse material precisa ser adotado no mapeamento dos problemas
apresentados por cada estudante, que precisam ser tomados como ob-
jeto de estudo e reflexão.
Ainda consoante Geraldi ([1984] 2006), a terceira ação aponta que o
professor precisa identificar os problemas relativos ao domínio do uso
formal da língua e definir prioridades. Logo, o trabalho com a análise
linguística nega a eficácia de se tentar resolver todos os problemas ao
mesmo tempo, sendo que o professor precisa implementar estratégias
com foco em problemas mais recorrentes ou ainda pautar-se em outros
critérios para definição da ordem da abordagem.
A quarta ação apresentada por Geraldi ([1984] 2006) trata da possi-
bilidade de o professor adotar a atividade de reescrita do texto tomado
como objeto de estudo nas aulas de análise linguística. É uma orientação
pertinente porque ao realizar a reescrita do texto produzido pelo estu-
dante e analisado pelo professor possibilita ao estudante um exercício
de reflexão sobre as possibilidades que o estudante tem para resolver os
problemas identificados na análise.
O quinto ponto apontado por Geraldi ([1984] 2006) indica que para a
realização da análise linguística é necessário utilizar cadernos em que o
aluno produz textos semanalmente; cadernos para anotações das cons-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 83


truções realizadas a partir das atividades de análise dos textos produ-
zidos; e ainda dicionários e gramáticas, que serviriam como referência
à sistematização dos aspectos que os estudantes ainda não dominam.
Tem-se, nesse quinto ponto, um possível descarte do livro didático,
que constitui uma política que se amplia a cada edição, desde a década
de 1990, porque o material utilizado por professores e estudantes con-
sistiria em dicionários e gramáticos.
Embora Geraldi ([1984] 2006) justifique essa orientação ao defen-
der que nas gramáticas e dicionários estudantes e professores teriam
a sua disposição todos os conteúdos que precisassem estudar e/ou re-
tomar, isso não aconteceu, de modo que em muitas realidades o livro
didático se configura como o principal suporte do trabalho do professor
de língua portuguesa.
No sexto ponto, Geraldi ([1984] 2006) contempla a pertinência da
flexibilidade no agrupamento dos estudantes na realização das ativida-
des de análise linguística. A definição dos agrupamentos precisa pau-
tar-se nos objetivos das atividades que o docente propõe como estraté-
gia para o trabalho com a língua.
Por fim, no sétimo ponto, Geraldi ([1984] 2006) identifica o princípio
adotado na proposição para o ensino de língua portuguesa pautado na
análise linguística, que consiste na identificação do erro para se atingir
a superação da dificuldade. Trata-se de uma proposição pertinente, pois
permite que cada estudante identifique os aspectos que já domina da
língua, para correção e apropriação dos aspectos que ainda não domina.
Consideramos a proposição de Geraldi ([1984] 2006) para o traba-
lho com a língua portuguesa nos anos iniciais do Ensino Fundamental
(antigo 1º grau) também pertinente para o trabalho no Ensino Médio,
pois essa proposta permite que o professor e o estudante utilizem a pro-
dução textual do estudante como objeto de análise para a identificação
dos aspectos que o aluno ainda não domina, indicando o que deve cons-
tituir o foco da ação pedagógica nas aulas da disciplina.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 84


É provável que a formação do professor pautada na abordagem de
textos bem escritos, de autores consagrados, possa ser apontada como
um dos fatores que dificulta o trabalho com a análise linguística; outro
fator que se apresenta como uma limitação para a implementação des-
sa proposta é a disposição dos conteúdos de livros didáticos de língua
portuguesa, que se encontram fragmentados por etapa, dificultando o
acesso aos conteúdos que a turma apresenta menos domínio; e, ainda, o
número de alunos por turma que, no geral, situa-se entre 30 e 45 alunos,
em média, representa mais um desafio ao professor, que precisa investir
na análise de textos produzidos pelos estudantes para identificação dos
conteúdos que a turma menos domina, os quais seriam tomados como
prioritários no trabalho com a língua portuguesa.
Realizada essa apresentação e discussão breve da proposta de Ge-
raldi ([1984] 2006) para o trabalho com a língua portuguesa, que consi-
deramos pertinente e funcional, a seção seguinte comporta uma abor-
dagem sucinta dos tipos de atividades que se pode realizar no trabalho
com a língua portuguesa, constituindo uma ampliação da proposta para
o trabalho com a análise linguística, abordado nessa seção.

Análise linguística: implicações do campo mais prático

O campo de formação de professores é permeado por questiona-


mentos que tratam da possível aplicabilidade de determinadas abor-
dagens, que problematizam e promovem reflexões sobre o ensino de
língua portuguesa, voltado para a normatização e prescrição da nossa
língua.
Embora Bezerra e Reinaldo (2013) não explicitem a intenção de ca-
tegorizar as atividades relativas à análise linguística para fins didáticos,
aplicáveis à Educação Básica, observamos que essa conexão pode ser
realizada pelo professor de língua portuguesa.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 85


Para essas autoras, as atividades realizadas com foco na análise lin-
guística podem ser assim categorizadas:

a) atividades linguísticas – ações linguísticas que, praticadas nos processos


interacionais, permitem a progressão do tema em pauta.

b) atividades epilinguísticas – também presentes nos processos interacionais,


resultam de uma reflexão que toma os próprios recursos expressivos como ob-
jeto, suspendendo o tratamento do tema em andamento pelos interlocutores
para refletir sobre os recursos expressivos que estão usando.

c) atividades metalinguísticas – em que os interlocutores tomam a linguagem


como objeto, não mais como reflexão relacionada ao processo interativo em si,
mas à construção de uma metalinguagem sistemática, por meio de conceitos,
classificações ou outras operações (BEZERRA; REINALDO, 2013, p, 35 e 36).

A definição das atividades linguísticas, epilinguísticas e metalin-


guísticas nessa ordem não se dá aleatoriamente. Essa disposição indi-
ca que as atividades linguísticas ocorrem com frequência ampla, logo
poderiam ser tomadas como objeto de análise com mais recorrência.
Fazem parte dessa categoria as atividades que remetem à interação, ao
uso, às realizações linguísticas.
As atividades linguísticas consistem no uso pleno da linguagem,
presente no cotidiano das pessoas. São atividades de uso corriqueiro
em diferentes contextos, embora ainda sejam tomadas como objeto de
estudo apenas em situações em que ocorre o processo de reflexão sobre
usos da linguagem, o que ocorre esporadicamente.
As atividades epilinguísticas se processam quando o falante, que
pode ser o estudante e os demais falantes com os quais interage, refle-
te(m) acerca de aspectos como circunstâncias e escolhas implicadas nas
realizações linguísticas.
No contexto da análise linguística, essas atividades precisam ocu-
par um tempo maior no conjunto das atividades sobre a língua, já que
a orientação é que o professor se utilize do uso da língua para refletir
sobre as realizações linguísticas.
Por fim, têm-se as atividades metalinguísticas, que se constituem geral-
mente pela categorização dos recursos utilizados nas realizações linguísticas.
São atividades em que se usa da língua para tratar ou explicar a própria língua.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 86


São as atividades metalinguísticas que ainda predominam no tra-
balho com a língua portuguesa, embora Bezerra e Reinaldo (2013) aten-
tem para a importância de que o professor procure atingir certo nível
de equilíbrio na realização das atividades abordadas nesta seção, pois
trata-se de atividades igualmente importantes, que podem contribuir
com o domínio da língua.
Na seção seguinte, trataremos das contribuições de Mendonça
(2006), a fim de que essa abordagem não seja compreendida apenas
como um redimensionamento da abordagem gramatical.

Ensino de gramática x análise linguística: peculiaridades

A abordagem da língua portuguesa no Ensino Médio, por se cons-


tituir como a última etapa da Educação Básica, pauta-se na abordagem
de objetos de conhecimento que podem colaborar para que o estudante
atinja resultados satisfatórios no Exame Nacional do Ensino Médio, cujo
resultado pode possibilitar o acesso ao Ensino Superior, como também
a aprovação em vestibulares, para os que optam por essa modalidade de
seleção.
Por séculos, o foco do trabalho da escola centrou-se na reprodução
e transmissão do conjunto de normas e regras utilizadas pelos gramáti-
cos para tentar enquadrar a língua portuguesa, de modo que em muitos
contextos o ensino dessa disciplina esteve por muito tempo restrito a
essa abordagem. No entanto, conforme discutido na seção anterior, o
trabalho com a nossa língua precisa contemplar atividades linguísticas,
epilinguísticas e metalinguísticas, que tratam de aspectos singulares
da língua portuguesa.
Para ampliar as reflexões que justificam o uso da análise linguísti-
ca nas aulas de língua portuguesa, e para evitar que esse processo seja
confundido com a abordagem única e restrita de aspectos e assuntos
gramaticais, que se encontram associados às atividades metalinguís-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 87


ticas, Mendonça (2006) discorre sobre as diferenças entre o ensino de
gramática e a prática de análise linguística, que residem nos seguintes
parâmetros:

Quadro 1: Diferenças entre ensino de gramática e análise linguística


Ensino de Gramática Prática de Análise Linguística
I - Concepção de língua como ação in-
I - Concepção de língua como sistema,
terlocutiva situada, sujeita às interfe-
estrutura inflexível e invariável.
rências dos falantes.
II - Fragmentação entre os eixos de en-
II - Interação entre eixos de ensino: a
sino: as aulas de gramática não se rela-
AL é ferramenta para a leitura e a pro-
cionam necessariamente com as de lei-
dução de textos.
turas e de produção textual.
III - Metodologia transmissiva, basea- III - Metodologia reflexiva, baseada na
da na exposição dedutiva (do geral para indução (observação dos casos parti-
o particular, isto é, das regras para o culares para a conclusão das regulari-
exemplo) + treinamento. dades/regras).

IV - Privilégio das habilidades metalin- IV - Trabalho paralelo com habilidades


guísticas. metalinguísticas e epilinguísticas.
V - Ênfase nos usos como objeto de en-
V - Ênfase nos conteúdos gramaticais sino (habilidades de leitura e escrita),
como objetos de ensino, abordados iso- que remetem a vários outros objetos
ladamente e em sequência mais ou me- de ensino (estruturais, textuais, des-
nos fixa. critivos, normativos), apresentados e
retomados sempre que necessário.

VI - Centralidade dos efeitos de senti-


VI - Centralidade da norma-padrão.
do.

VII - Ausência de relação com as espe-


VII - Fusão com o trabalho com os gê-
cificidades dos gêneros, uma vez que
neros, na medida que contempla jus-
a análise é mais de cunho estrutural e,
tamente a intersecção das condições
quando normativa, desconsidera o fun-
de produção dos textos e as escolhas
cionamento desses gêneros nos contex-
linguísticas.
tos de interação verbal.

VIII - Unidades privilegiadas: a palavra,


VIII - Unidade privilegiada: o texto.
a frase e o período.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 88


XIX - Preferências pelos exercícios es- XIX - Preferência por questões abertas
truturais, de identificação e classificação e atividades de pesquisa, que exigem
de unidades/ funções morfossintáticas e comparação e reflexão sobre adequa-
correção. ção e efeitos de sentido.
Fonte: Adaptado de Mendonça (2006, p. 207)

O primeiro parâmetro ao qual Mendonça (2006) se reporta con-


siste na concepção de língua, que no domínio da tradição gramatical
é compreendida como um sistema que não muda, isento de variações,
enquanto para a análise linguística a línguas e configura como ação in-
terativa, que se realiza a partir das manifestações dos falantes.
Ao se tentar estabelecer conexões entre as concepções de lingua-
gem discutidas na seção de abertura desta abordagem teórica do tema,
compreendemos que a análise linguística dialoga com maior ênfase com
a concepção de linguagem como processo de interação, uma vez que a
análise a partir das situações de interação precisa ocupar um espaço
maior nas aulas da língua portuguesa.
O segundo parâmetro apontado pela autora remonta à fragmenta-
ção dos eixos de ensino da disciplina no contexto de ensino da gramá-
tica, que se configura como um desses eixos, mas que não dialoga com
os demais; ao se trabalhar com foco na análise linguística, o estudan-
te integra as atividades linguísticas, que consistem nos usos da língua,
às atividades epilinguísticas, que compreendem atividades de reflexão
sobre os usos da língua; soma-se a essas atividades, as que exploram
aspectos metalinguísticos, que possibilitam a abordagem de elementos
relativos à descrição da língua, cuja abordagem se faz necessária, a fim
de que o estudante se aproprie de aspectos relativos à leitura, à produ-
ção e à sistematização da língua, que ele ainda não domina.
O foco do terceiro parâmetro aponta que no ensino da gramática pre-
domina a exposição da regra, ou seja, a sistematização, para depois o pro-
fessor apresentar os exemplos de uso; em se tratando da análise linguísti-
ca, essa abordagem é reflexiva, pois parte-se da reflexão acerca dos usos,
para se mediar a reflexão sobre as escolhas e os reflexos de tais realizações.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 89


O quarto parâmetro aponta que no ensino da gramática predomi-
na a abordagem metalinguística, conforme já tratado nesta discussão,
com foco no conjunto de normas e regras, que estruturam a língua por-
tuguesa; ao se investir no trabalho com a análise linguística, Mendonça
(2006) remete às atividades metalinguísticas e epilinguísticas, às quais
somamos as atividades linguísticas, uma vez que as situações de intera-
ção precisam ser tomadas como objeto de estudo e reflexão, incorrendo
na reflexão acerca das circunstâncias em que as situações comunicati-
vas se realizam.
O quinto parâmetro indica que o ensino de gramática enfatiza os
conteúdos gramaticais relativos à tradição gramatical, relativos ao con-
junto de normas e regras que sistematizam a língua, enquanto a aná-
lise linguística amplia o leque de possibilidades para o trabalho com a
língua, contemplando aspectos relativos à leitura e à escrita, além de
apresentar e retomar oportunamente a abordagem de aspectos relati-
vos à constituição estrutural, textual, discursiva e pragmática dos usos
da língua, identificados em situações interativas.
O sexto parâmetro indica que enquanto o foco do ensino de gra-
mática aponta para a abordagem recorrente e prioritária da norma-pa-
drão, a análise linguística considera os diferentes efeitos de sentidos
que podem ser identificados em diferentes contextos de realização da
língua.
O trabalho com os gêneros textuais não se situa no domínio do en-
sino de gramática, conforme indica Mendonça no sétimo parâmetro do
Quadro 1, enquanto esse e outros aspectos relativos ao texto, a exemplo
de função e propósitos comunicativos, estão contemplados na análise
linguística, que trata inclusive das condições em que se processam as
escolhas linguísticas envolvidas na produção de textos de distintos gê-
neros.
O oitavo parâmetro aponta o texto como o objeto de estudo da aná-
lise linguística, enquanto unidades que se situam em dimensão inferior
ao texto como frase, oração e período constituem o foco do trabalho
com a língua, ao se investir no ensino de gramática.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 90


Por fim, o nono e último parâmetro indica que o ensino de gramáti-
ca privilegia exercícios voltados aos aspectos morfológicos e sintáticos
da língua portuguesa, enquanto a reflexão sobre os efeitos de sentido
dos usos da língua em distintos contextos constituem o cerne da análi-
se linguística.
Nessa perspectiva, em uma abordagem sintética dos parâmetros
para diferenciar ensino de gramática da análise linguística, Mendonça
(2006) aponta que o investimento exaustivo na apresentação dos ele-
mentos que normatizam a língua, que constituem o foco das aulas de
gramática, precisa ceder espaço às atividades linguísticas (de intera-
ção), epilinguísticas (de reflexão) e metalinguísticas (de categorização e
sistematização) da língua, indicando que o investimento na análise lin-
guística pode contribuir para que o estudante compreenda o funciona-
mento da nossa língua.
Na sequência, vamos tratar das escolhas metodológicas realizadas
na abordagem da análise linguística no contexto da Base Nacional Co-
mum Curricular (2018), com foco nos aspectos que esse documento legal
categoriza como análise linguística, além de tratarmos da abordagem
desse processo em uma unidade de um volume único para o componen-
te curricular língua portuguesa, disponibilizado para escolha pelas es-
colas, por meio do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD (2021).

Percurso metodológico deste trabalho

Pode-se caracterizar esta pesquisa como uma investigação qualita-


tiva, pois de acordo com Creswell (2007) pesquisas dessa natureza con-
sistem em uma abordagem fundamentalmente interpretativa, na qual
o pesquisador realiza uma análise dos dados, com base em uma visão
geral dos fenômenos investigados.
O instrumento de coleta de dados adotado nesta pesquisa consiste
em duas unidades do livro didático Práticas de Língua Portuguesa, uma

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 91


obra didática específica para esse componente curricular, que também
está contemplado na área de Linguagens e suas Tecnologias.
Essa obra é de autoria de Faraco, Moura e Maruxo (2021), produzi-
da pela editora Saraiva, e se configura como o material de divulgação,
submetido à avaliação dos professores de língua portuguesa das escolas
públicas de todo o território nacional.
O critério utilizado na seleção da obra remonta à presença explíci-
ta da expressão análise linguística na descrição de uma das seções que
os autores adotam como elemento organizador dos objetos de conheci-
mento que esse material aborda.
Observamos que as seis unidades deste volume único apresentam
a seguinte estrutura: na abertura da unidade tem-se a identificação do
gênero textual que a unidade aborda; em seguida, observa-se a apresen-
tação de uma seção denominada de situação inicial, que consiste em uma
atividade diagnóstica sobre o gênero abordado; a segunda seção deno-
minada práticas de leitura apresenta um conjunto de questionamentos
sobre o assunto que o texto disposto na unidade vai tratar. Esse texto
para leitura é sempre seguido por uma atividade para compreensão e
interpretação do texto.
A terceira seção de cada unidade é identificada por práticas de aná-
lise linguística, que consiste em um conjunto de atividades relativas à
língua portuguesa. Selecionamos para análise as atividades dispostas
na primeira e terceira unidades, em virtude de estas apresentarem uma
extensão textual aproximada, equivalente a duas páginas.
Cada unidade comporta ainda a quarta seção, práticas de leitura e
análise literária, voltada à abordagem do texto literário; já a quinta e últi-
ma seção, denominada práticas de produção de textos, consiste na dispo-
sição de um conjunto de orientações para a leitura, análise e produção
de texto abordado na unidade.
Considerando o fato de a análise linguística constituir o foco desta
pesquisa, a seção de análise contempla a abordagem da seção práticas
de análise linguística, relativa à unidade viagens e à unidade relações.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 92


A análise das atividades constantes na referida seção das unidades
identificadas baseia-se nas contribuições de Geraldi ([1984] 2006), Men-
donça (2006), Bezerra e Reinaldo (2013), além das indicações apresenta-
das pela Base Nacional Comum Curricular - BNCC (2018) para o traba-
lho com a análise linguística, que equivale a uma prática de linguagem.
Na seção seguinte discorremos a respeito da abordagem da análise
linguística no domínio da BNCC (2018), com foco específico no Ensino
Médio.

A análise linguística no contexto da BNCC

Os objetos de conhecimento e as habilidades de língua portuguesa,


na versão da Base Nacional Comum Curricular (2017), relativa à Edu-
cação Infantil e ao Ensino Fundamental, estão distribuídos em quatro
práticas de linguagem específicas: leitura, produção de textos, oralida-
de (escuta e produção oral) e análise linguística/semiótica.
Na versão desse documento relativa ao Ensino Médio, instituída
em 2018, identifica-se a seguinte alusão direta ao objeto de estudo desta
pesquisa:

Os eixos de integração propostos para o Ensino Médio são as práticas de lin-


guagem consideradas no Ensino Fundamental – leitura, produção de textos,
oralidade (escuta e produção oral) e análise linguística/semiótica. As dimen-
sões, habilidades gerais e conhecimentos considerados, relacionados a essas
práticas, também são os mesmos (cf. p. 72-74; 77-78; 79-80; 82-83), cabendo ao
Ensino Médio, como já destacado, sua consolidação e complexificação e a ênfase
nas habilidades relativas à análise, síntese, compreensão dos efeitos de senti-
dos e apreciação e réplica (posicionar-se de maneira responsável em relação
a temas e efeitos de sentido dos textos; fazer apreciações éticas, estéticas e
políticas de textos e produções artísticas e culturais etc.) (BRASIL, 2018, p. 492).

No documento em análise, identifica-se que a terminologia práticas


de linguagem está situada no grupo dos eixos de integração, assim de-
nominados: leitura, produção de textos, oralidade e análise linguística/
semiótica. Essa é a primeira diferença que se observa na composição da
abordagem da língua portuguesa no domínio desse importante docu-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 93


mento nacional, que possibilita um alinhamento no currículo dos com-
ponentes da base comum.
Outra diferença significativa que se observa na abordagem da lín-
gua portuguesa na BNCC (2018) para o Ensino Médio é que, enquanto
no Ensino Fundamental os objetos de conhecimento e as habilidades
estão organizados em torno das práticas de linguagem, dentre as quais
identificamos a presença da análise linguística, na versão em análise o
elemento organizador do documento são os campos de atuação.
Deste modo, no domínio desse documento, não é possível identifi-
car os objetos de conhecimento e as habilidades relativas à análise lin-
guística. Embora na BNCC (2018), que norteia especificamente a cons-
trução do currículo para o Ensino Médio, não seja possível identificar
esses elementos, o livro didático do qual selecionamos as seções para
análise, utiliza explicitamente a terminologia análise linguística para
identificar uma seção de atividades em que se abordam alguns aspectos
relativos à língua portuguesa.
Na sequência vamos dispor para análise as atividades seleciona-
das do material didático que está sendo disponibilizado exclusivamen-
te para o componente curricular língua portuguesa, que também está
contemplado no material disponível para a área de Linguagens e suas
Tecnologias, que essa abordagem não atende, por limitações metodoló-
gicas.

Análise linguística em um volume de


língua portuguesa para o Ensino Médio

Conforme já anunciado, embora a análise linguística não se cons-


titua como um elemento organizador da proposta macro, disposta na
BNCC (2018), que pode nortear a construção do currículo pela comu-
nidade educativa de cada instituição, no volume único para a língua
portuguesa Práticas de Língua Portuguesa, essa prática de linguagem se

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 94


configura como um eixo norteador do currículo desse componente cur-
ricular, no Ensino Médio.
Dispomos a seguir o primeiro bloco de atividades, digitalizadas a
partir da unidade de abertura da coleção em análise, na seção que os
autores do livro denominam Práticas de análise linguística.

Figura 1: Atividades de análise linguística

Fonte: Faraco, Moura e Maruxo, 2021, p. 47.

A questão 15, situada pelos autores no domínio da análise linguís-


tica, recupera conhecimentos sobre os modos verbais, sem que antes
sejam representadas as características relativas aos tempos. Trata-se
de uma atividade que pode ser caracterizada com base em Bezerra e
Reinaldo (2013) como epilinguística, porque os autores se baseiam nos
tempos de realização das ações no texto produzido por Beatriz Sarlo,
que ora está sendo analisado.
Embora essa atividade se paute na análise de um texto, não se tra-
ta de um texto produzido por um estudante, conforme sugere Geraldi
([1984] 2006), mas de um texto bem escrito, que passou por processo de
revisão cuidadosa, antes de ser publicado. Essa característica geral do
texto indica que o texto tomado como objeto de análise ainda é o texto
revisado por profissionais da área, que o isenta da possibilidade de se

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 95


identificar um uso em desacordo com a norma-padrão, que poderia ser
tomado como objeto de reflexão acerca das possibilidades de realização
dos modos, tempos e pessoas verbais.
A questão 16 trata dos efeitos de sentido decorrentes do uso da pri-
meira pessoa do plural, que implica no equivalente ao uso de nós. Logo,
nesse uso, o autor do texto pode estar realizando essa construção como
uma tentativa de inclusão do leitor na enunciação dos fatos represen-
tados. Trata-se de mais uma questão que pode ser associada ao grupo
das atividades epilinguísticas, pois os autores provocam uma reflexão
sobre os sentidos que decorrem do uso do nós em um texto, que não foi
produzido pelo estudante.
Na Figura 2, dispomos para análise as questões 17, que também
está situada no domínio da análise linguística.

Figura 2: Atividades de análise linguística

Fonte: Faraco, Moura e Maruxo, 2021, p. 47.

Trata-se de mais uma questão em que a abordagem do conteúdo


gramatical se processa em uma perspectiva contextualizada, amplian-
do com isso a possibilidade de o estudante identificar as funções reali-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 96


zadas pelos usos dos verbos no tempo presente do indicativo, que reali-
zam funções distintas.
Embora essa questão trate de conhecimentos metalinguísticos, os
autores do livro cuja atividade se encontra em análise optam por não
descrever a parte sistêmica da abordagem das formas verbais, no pre-
sente do indicativo. Nesse caso, o estudante pode investir em pesquisas
para conhecer o modo de flexão dos verbos, para depois resolver a ativi-
dade relativa ao objeto abordado na Figura 2.
Na Figura 3, dispomos para análise as questões 18 e 19, que tratam
também do modos e tempos verbais, em uma abordagem aplicada, con-
figurando-se como novos exemplos de atividades epilinguísticas.

Figura 3: Atividades de análise linguística

Fonte: Faraco, Moura e Maruxo, 2021, p. 48.

O enunciado da questão 18 informa ser o modo subjuntivo o que


predomina nas realizações verbais do texto em análise. Trata-se de uma
informação baseada no senso geral, já que as ocorrências dos verbos,
com base no modo, não foram contabilizadas.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 97


Além dessa constatação, o estudante é mobilizado a realizar uma
pesquisa para definir e exemplificar os tempos e modos verbais que a
tradição gramatical associa ao modo subjuntivo. As dúvidas acerca do
assunto podem ser socializadas, segundo a orientação da atividade, com
os colegas e o professor da turma, a fim de que sejam superadas.
Essa orientação permite-nos categorizar essa atividade como me-
talinguística, pois o estudante vai realizar uma atividade de pesquisa
para ter acesso à definição e aos tempos que se associam ao modo sub-
juntivo.
Com base nos conhecimentos construídos a partir da atividade
metalinguística relativa à pesquisa e à atividade linguística concernen-
te à interação entre o professor e os alunos, o estudante é mobilizado a
formular uma justificativa para os usos dos verbos no modo subjuntivo,
no texto estudado na seção que precede a seção de análise linguística.
Já na questão 19, os estudantes são provocados a refletir sobre os
sentidos decorrentes de outros recursos linguísticos, que remetem ao
tempo de realização das ações descritas no texto em análise, que come-
ça com uma atividade de releitura de um trecho do texto. Na sequência
são apresentados alguns questionamentos reflexivos sobre os sentidos
que decorrem do uso de recursos temporais em textos narrativos, a
exemplo do relato de viagem em estudo.
É mais uma realização que pode ser categorizada com base em Be-
zerra e Reinaldo (2013) como uma atividade epilinguística, já que o uso é
tomado como objeto de reflexão, em mais essa questão.
Dispomos a seguir, para análise, a Figura 4, que consiste na orien-
tação para a produção de um relato de viagem.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 98


Figura 4: Atividade de análise linguística

Fonte: Faraco, Moura e Maruxo, 2021, p. 48.

A questão 20 é a última atividade da seção práticas de análise lin-


guística e se volta à produção de um relato de visita, que tenha sido vi-
venciado pelo estudante. Essa atividade consiste na orientação para a
produção de um texto por parte do aluno, aproximando-se da proposi-
ção da proposta de Geraldi ([1984] 2006), que sugere que o trabalho com
a língua portuguesa se paute em textos produzidos pelos estudantes.
A diferença é que, de acordo com Geraldi ([1984] 2006), o texto pro-
duzido pelo aluno deveria ser tomado como objeto de análise pelo pro-
fessor de língua portuguesa, e na proposição da seção que ora finaliza-
mos a análise, o texto não será produzido para atender a esse propósito,
já que as atividades epilinguísticas e metalinguísticas realizadas se pau-
taram em textos escritos e revisados por autores consagrados.
Deste modo, embora a terminologia análise linguística esteja pre-
sente na BNCC (2018) e no livro didático, do qual selecionamos as ativi-
dades analisadas até aqui, a abordagem da língua identificada se distan-
cia dos referenciais teóricos que tratam da análise linguística há quase
quatro décadas, que aponta para a necessidade de se utilizar o texto
escrito pelo estudante como objeto da análise linguística.
Na sequência dispomos as questões de abertura da seção de análise
linguística, relativas à unidade viagens, para análise.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 99


Figura 5: Atividades de análise linguística

Fonte: Faraco, Moura e Maruxo, 2021, p. 116.

O foco da questão sete consiste na identificação da diferença de sen-


tidos decorrentes do uso da primeira pessoa do singular e da primeira
pessoa do plural. A resposta a esse questionamento pauta-se na reflexão
acerca dos usos dessas pessoas do discurso identificadas em trechos de
textos dispostos para análise, configurando-se como atividades epilin-
guísticas, visto que a categorização se pauta na análise de usos da língua.
Assim com a questão sete, a questão oito também se configura
como uma proposta de atividade que se situa no grupo das que Bezerra
e Reinaldo (2013) definem como atividades epilinguísticas, já que o uso
da língua, por meio de um texto escrito revisado com base na norma
padrão, é tomado como objeto de estudo.
Dispomos na sequência a digitalização das questões nove, dez,
onze e doze, que se situam no campo da análise do discurso e permitem
ao estudante reflexões importantes sobre os elementos implicados na
produção de discursos, além de descrever conceitos básicos, que con-
tribuem para que o estudante analise os discursos por ele produzidos,
bem como os discursos produzidos por outros sujeitos, em diferentes
esferas.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 100


Figura 6: Atividades de análise linguística

Fonte: Faraco, Moura e Maruxo, 2021, p. 117.

As questões de nove a doze apresentam um conjunto de reflexões


importantes e problematizações pertinentes sobre a composição de
discursos. No caso específico da questão nove, pode-se associá-la ao
conjunto das atividades epilinguísticas, posto que o discurso do presi-
dente Kubitscheck é tomado como objeto de análise para se observar as
circunstâncias de uso de expressõesrelativas à identificação de sujeitos
específicos, que talvez hoje, no atual contexto político, já não se encon-
trem em evidência.
A questão dez, por sua vez, mobiliza o estudante a associar trechos
do texto em estudo ao esquema argumentativo, presente no texto em
análise. Além disso, são apresentados alguns questionamentos que pre-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 101


cisam ser respondidos à luz do texto em estudo, confirmando-se como
mais um exemplo de atividade epilinguística.
A questão onze problematiza as razões que motivam Juscelino Ku-
bitscheck a não retomar suas promessas de campanha no discurso de
posse. Logo, o estudante vai associar o conteúdo desse discurso ao con-
texto histórico em que esse fato se desenvolve.
Por fim, na questão doze, o discurso do presidente é associado aos
elementos da retórica, que consiste na arte de proferir discurso para um
auditório, pautado na argumentação, tendo como orador o produtor do
texto. A análise do discurso em foco se pauta em responder um conjun-
to de questionamentos que são produzidos a partir do texto em análise,
configurando-se como novos exemplos de atividades epilinguísticas.
Na página 118, ainda no domínio da seção práticas de análise lin-
guística, observa-se a presença de um texto informativo, que não será
disposto para análise devido à falta de espaço, que trata da caracteriza-
ção pormenorizada do discurso político. Configura-se como uma ativi-
dade metalinguística, pois se apresenta como a definição mais clássica
ao discurso político, pauta de estudo da unidade em análise.
Nesta seção analisamos as atividades identificadas como práticas
de análise linguística, selecionadas em duas unidades da obra práticas
de língua portuguesa. Os resultados apontam que as atividades epilin-
guísticas predominam nesta seção, que compreendem, ainda, exemplos
menos frequentes de atividades que correspondem às atividades lin-
guísticas e metalinguísticas.

Conclusão

O presente estudo possibilita a ampliação da discussão sobre a pro-


posta de Geraldi ([1984] 2006) para que o ensino da língua portuguesa
se paute na análise linguística, o que ainda não constitui uma realida-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 102


de, uma vez que o planejamento das aulas ainda não toma por base as
produções dos estudantes, que precisam ser tomadas como objetos de
análise.
Com base nas contribuições de Bezerra e Reinaldo (2013), foi possí-
vel identificar que na obra Práticas de língua portuguesa predominam
atividades epilinguísticas, que embora ainda não se pautem em textos
produzidos pelos estudantes, funcionam como um indicativo de que o
texto produzido por autores consagrados continua sendo utilizado por
professores de língua portuguesa para o trabalho com essa disciplina.
Os resultados apontam ainda que no contexto da BNCC (2018), que
constitui o norte para a construção da proposta de língua portuguesa,
não é possível identificar a análise linguística como uma das práticas
de linguagem que fundamentam a organização do currículo dessa área,
embora no livro didático selecionado para análise, a seção práticas de
análise linguística se configure como uma unidade sistematizadora da
obra.
A análise das atividades selecionadas aponta que o foco do traba-
lho com a língua portuguesa, considerando o que está posto no livro
didático, constitui-se como o contexto de prioridade da realização das
atividades epilinguísticas, que consiste em atividades de reflexão sobre
os usos da língua. É importante que se equipare essa abordagem e que
se explorem as produções dos estudantes, que podem apropriar-se da
nossa língua, ao realizarem reflexões mediadas pelos professores sobre
os usos que já realizam da língua.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 103


Referências

BEZERRA, M. A.; REINALDO, M. A. Análise linguística: afinal, a que se refere?


São Paulo: Cortez, 2013.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: Ministério da Educação,
2018.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério
da Educação, 2000.
BRASIL. Programa Nacional do Livro Didático. Brasília: Ministério da Educa-
ção, 2021.
CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e mis-
to. Porto Alegre, RS: Artmed, 2007.
GERALDI, J. W. Unidades básicas do ensino de português. In: GERALDI, J.
W. (org.) O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006.
HALLIDAY, M. A. K.; McINTOSH, A.; STREVENS, P. As ciências linguísticas e o
ensino de línguas. Petrópolis: Vozes, 1974.
MENDONÇA, M. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um
outro objeto. In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. Português no ensino médio e
formação de professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2014.
FARACO, C. E.; MOURA, F. M.; MARUXO, J. H. Práticas de língua portuguesa.
São Paulo: Saraiva, 2021.
SÁ, C. A. A. A língua portuguesa no ensino médio: dos documentos oficiais à prá-
tica escolar. Fortaleza: SEDUC, 2019.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 104


Capítulo 5

Recursos linguísticos no Currículo


Referência de Minas Gerais –
Ensino Médio

Cassilmara Rejane da Rocha


Nelson de Morais

DOI: 10.52788/9786589932338.1-5
Introdução

O presente trabalho insere-se no tema “Análise Linguística no con-


texto escolar: por que e como fazer?” tem o objetivo de realizar reflexões
a respeito do estudo de elementos linguísticos, recursos propostos pelo
currículo mineiro e, também, propor uma sequenciação de atividades
que direcionem a prática docente para a construção de sentidos em tex-
tos que apresentam o modo de organização textual dissertativo-argu-
mentativo, como, por exemplo, o gênero textual artigo de opinião.
Julga-se como necessário citar Antunes (2009) em suas diversas
postulações, em que ela afirma que é preciso trabalhar com o texto en-
quanto objeto de ensino. Segundo a autora, “ainda falta perceber que
uma língua é muito mais do que uma gramática”. Ela explica que toda
história, toda produção cultural que uma língua carrega, extrapola os
limites de sua gramática.
Este capítulo se fundamenta em um trabalho focado no ensino de
língua, ou melhor, de uma educação linguística que possa instigar nos
docentes a inquietação para uma postura reestruturada do texto en-
quanto objeto de ensino, proporcionando ao estudante atuar com mais
sucesso nas atividades que necessariamente implicam em uma vida so-
cial comunicativa.

Linguística Textual: breve histórico e conceituação

Compreende-se como essencial serem estabelecidas algumas pon-


tuações acerca do percurso histórico da “Linguística Textual” (LT) até
chegar aos preceitos atuais no que se trata dessa teoria. Segundo Koch
(2017), ela é um ramo da Linguística que toma o “texto” como centrali-
dade do estudo da língua.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 106


Cabe ressaltar que a LT já recebeu múltiplas definições, em seu lon-
go trajeto até chegar aos estudos atuais. Muito já foi estudado sobre lin-
guística textual e, dessa maneira, entende-se que os docentes de Língua
Portuguesa precisam focar em questões que envolvam o texto como ob-
jeto de investigação e como acontece o processo de produção de senti-
do, por meio de seus diversos elementos composicionais e estruturais.
É importante lembrar, aqui, que o caminho da LT é bem extenso e
que se deu, inicialmente, com as gramáticas textuais, em que a função
dessas gramáticas seria verificar as diversas possibilidades que se faz
com um texto, levantar critérios para sua delimitação e diferenciar as
várias espécies deles.
Percebe-se que muito já foi pesquisado, estudado e até mesmo re-
futado para que se chegasse à nova postura da LT, culminando, segundo
Koch (2017), com a da Virada Pragmática, a metade da década de 1970,
compilando, assim, em um consenso de compreender a língua como
maneira específica de comunicação social, de atividade verbal, interco-
nectada com outras atividades (não linguísticas) do ser humano.
Ainda segundo Koch (2017), em 1980, houve outra virada a que se
denominou de Virada Cognitivista (grifo dos autores), partindo da pre-
missa de que quem age precisa dispor de modelos mentais e tipos de
operações cognitivas.
Assim sendo, de acordo com Koch (2017), a Linguística Textual, vem
se tornando motivo de discussões, que divergem em várias vertentes,
mas que se apresentam como ponto convergente na busca de compre-
ender e explicar essa entidade multifacetada que é o texto, visto que
este, na visão de muitos cientistas/estudiosos, é a representação da hu-
manidade no processo complexo de interação social, na construção so-
cial de sujeitos, conhecimento e linguagem.
Acredita-se que a LT seja um caminho que possibilita diversas dire-
ções de ensino e aprendizagem aos docentes e discentes da Língua Por-
tuguesa e de diversos estudiosos da Ciência da Linguagem que têm como
sujeito o ser humano, ser que age por meio de diversas interações sociais.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 107


Recursos linguísticos presentes nos gêneros textuais

Compreende-se que o estudo do componente curricular Língua


Portuguesa, tanto no Ensino Fundamental, quanto no Ensino Médio,
deve privilegiar o trabalho com os variados gêneros textuais que cir-
culam na sociedade. Ao realizar as atividades de leitura desses textos,
considera-se como parte essencial o aprofundamento da compreensão
dos sentidos dos elementos linguísticos presentes na superfície textual.
É importante esclarecer que se parte dos pressupostos de Antunes
(2006) para pensar e definir “recursos linguísticos”. De acordo com a au-
tora, os “elementos linguísticos” abrangem o estudo do léxico (palavras
da língua) e o estudo da gramática (conjunto de normas reguladoras da
combinação das palavras, objetivando a construção de sentidos e inten-
ções).
É essencial, além disso, colocar em evidência o entendimento de
que o sintagma “recursos linguísticos” é tratado como equivalente a
“elementos linguísticos” e que esses recursos da língua são o foco da
“análise linguística” prevista no Currículo Referência de Minas Gerais
– Ensino Médio (CRMG – EM). Tomamos, também, “elementos modali-
zadores” como sinônimos de “modalizadores discursivo-textuais” e os
enquadramos, para fins desta proposta, dentro da categorização “ele-
mentos linguísticos”.
Considerando que alguns conceitos são importantes para essa re-
visão bibliográfica, apresenta-se a visão de “análise linguística” como
sendo a prática em que os elementos usados nos textos são analisados,
considerando os usos e os sentidos que são estabelecidos, de acordo com
as intencionalidades comunicativas dos variados gêneros de textos.
Para o Currículo Mineiro (MINAS, 2019), quando o professor faz a
escolha de determinado gênero textual, ele deve selecionar, também,
os recursos linguísticos que serão ensinados, já que esses elementos
devem ser tomados como objetos de estudos sistemáticos, de forma a

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 108


garantir o controle sobre o que está sendo ensinado e aprendido pelos
estudantes.
Assim, os docentes precisam estar atentos às necessidades dos es-
tudantes, selecionando os conhecimentos linguísticos que deverão ser
ensinados, porém sem desconsiderar que os recursos linguísticos estão
a serviço das práticas sociais de linguagem, isto é, são escolhidos em
função das condições de produção, das finalidades e objetivos do texto,
das características do gênero e do suporte textual onde são publicados.

Práticas de análise linguística

A prática de análise linguística vem se tornando um recurso que


permite ao docente realizar um trabalho mais produtivo com os estu-
dantes, pois é necessário que se ensine a ler não somente decodificando,
mas analisando as inúmeras possibilidades de leitura, de escrita e as
funções que cada elemento linguístico representa dentro dos gêneros
textuais.
Compreende-se a importância de se discutir mais com os profis-
sionais da área de linguagens sobre a prática do uso que se faz dela,
como de fato ensinar aos estudantes a produzir bons textos para que
eles possam não só conseguir uma vaga na universidade, mas a fazer
bom uso das funções das linguagens orais e escritas na sociedade em
que ele se encontra inserido.
Antunes (2003) discorre sobre as dificuldades no ensino de prá-
ticas linguísticas, pois o estudante muitas vezes se depara com frustra-
ções no esforço de estudar outras disciplinas, que mesmo após deixar a
escola, vê-se linguisticamente deficiente, inferior, não podendo, portan-
to, tomar a palavra ou ter voz para fazer valer seus direitos.
Necessário se faz discutir e apresentar aos estudantes as práticas
sociais da linguagem, partindo do objeto de ensino para análise linguís-
tica no trabalho com textos em diferentes gêneros, pesquisas, princí-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 109


pios, regularidades, perspectivas de multiletramentos, fenômenos lin-
guísticos textuais, reconfigurando com outros elementos linguísticos
da sociedade contemporânea.

Ampliação do conceito de análise linguística

Compreende-se que a prática de análise linguística se diferencia,


em alguns aspectos, do ensino de gramática, na medida em que ela vai
para além da conceituação e da memorização de nomenclaturas, dire-
cionando as atividades para a reflexão da função discursivo-textual dos
elementos gramaticais.
Corroborando essa visão, Mendonça (2006) apresenta a análise lin-
guística como uma atividade que complementa as práticas de leitura e
de produção de texto, já que favorece a análise reflexiva sobre fenôme-
nos gramaticais e textual-discursivos. Para a autora, a análise linguís-
tica é ferramenta para a consolidação de habilidades fundamentais de
leitura e de produção textual.
Desse modo, entende-se a análise de elementos linguísticos, no en-
sino médio, como uma parte essencial no ensino de língua materna, pois,
quando o professor trabalha os tópicos gramaticais, enfatizando os seus
sentidos e as suas funções nos textos, os estudantes têm a oportunida-
de de aprofundar conhecimentos que possibilitam a realização de uma
leitura crítica do mundo, ação essencial na sociedade contemporânea.
Partindo-se das postulações de Mendonça (2006), entende-se que
o ensino tradicional da gramática é aquele que dá enfoque às atividades
metalinguísticas, desconsiderando os usos dos recursos da língua em
circulação, isto é, dos textos orais e escritos que estão presentes nas
interações sociais.
Já o ensino pautado na prática de análise linguística considera os
textos como a unidade privilegiada, em que se almeja o alcance da apre-
ensão de efeitos de sentidos das unidades da língua, enquanto partici-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 110


pantes da construção do sentido global dos variados gêneros textuais.
No geral, o que se propõe é um trabalho que dê ênfase à reflexão
dos elementos linguísticos, indo para além da identificação e da classifi-
cação das unidades da língua. Assim, as atividades metalinguísticas de-
vem estar associadas às atividades epilinguísticas, objetivando a cons-
trução de sentidos, o que poderá contribuir para a formação de leitores
e de escritores eficientes.
Desse modo, nas atividades apresentadas neste trabalho, busca-se
focalizar na reflexão dos usos linguístico-textuais dos tópicos da gra-
mática. Como exemplo, lança-se mão da diferenciação que Mendonça
(2006) estabelece para o “ensino de gramática” e a prática de “análise
linguística”. De acordo com a autora, os objetos de ensino norteiam a
focalização de cada uma das atividades. Tendo como objeto “advérbios,
“locuções adverbiais” e “orações adverbiais”, as habilidades esperadas
são identificar e classificar os termos, a partir de estratégias que giram
em torno da exposição de frases e períodos (por vezes, inventados), des-
vinculados da estrutura textual.
Entretanto, segundo a teórica, quando se centraliza nas “expres-
sões adverbiais”, entendendo-as como indicadoras de circunstâncias, o
que se almeja é a percepção de que essas circunstâncias contribuem
para a construção da compreensão global do texto. O uso do sintagma
“na verdade”, por exemplo, sinaliza a posição do locutor de um texto,
atendendo a propósitos comunicativos específicos.
A partir das reflexões realizadas, conclui-se que os objetos de ensi-
no apresentados para os estudos em sala de aula de Língua Portuguesa
já carregam grande parte das intencionalidades para a realização das
atividades. Assim, busca-se uma prática docente em que vigorem prá-
ticas norteadas pelo desejo de consolidação de habilidades que não pa-
rem nas identificações e classificações de recursos da língua, mas que se
ancore na construção de sentidos, dando mais relevância à necessidade
de aprendizagem da língua materna.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 111


Apresentação das habilidades e objetos de conhecimentos
a serem trabalhados de acordo com o Currículo Referência
de Minas Gerais – Ensino Médio

Entende-se a importância de que os docentes possam compreen-


der o que preconiza o documento norteador do trabalho escolar no Es-
tado de Minas Gerais, o Currículo Referência de Minas Gerais (CRMG),
todavia esse processo de aquisição de preceitos norteadores do currícu-
lo só é possível a partir de estudos da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), inteirando-se de habilidades, competências e objetos do conhe-
cimento (conteúdos) a serem desenvolvidos com e para os estudantes
mineiros. Vale esclarecer o que é e do que trata a Base:

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter norma-


tivo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais
que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da
Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendi-
zagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Na-
cional de Educação (PNE). Este documento normativo aplica-se exclusivamente
à educação escolar, tal como a define o § 1º do Artigo 1º da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996). (Brasil, 2018 , p. 9).

A partir da citação acima, nota-se, então, que a Base é um docu-


mento de caráter normativo que foi estruturado não só por meio de ou-
tros documentos já consolidados durante o processo da educação bási-
ca brasileira, como, por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN), mas também a partir de muito estudo, ouvidorias com entidades
educacionais, preceitos constitucionais, abrangendo as esferas Munici-
pal, Estadual e Federal do território brasileiro.
Cumpre-se dizer que segundo CRMG (2020) a BNCC não é um Cur-
rículo (grifo dos autores), porém uma referência que já está norteando
as escolas brasileiras com vistas à promoção de uma educação nacional
que tem por base os princípios éticos, políticos e estéticos, assegurando
a formação humana integral, os direitos de aprendizagens, e desenvol-
vimento de todos os estudantes ao longo de todas as etapas e modalida-
des da Educação Básica.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 112


Segundo a BNCC (2020), as áreas do conhecimento são definidas
pelo artigo 35-A da Lei de Diretrizes Brasileiras (LDB) com a finalidade
de integrar dois ou mais componentes do currículo, entendendo-se por
Competência: [...] “mobilização de conhecimentos (conceitos e procedi-
mentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e
valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno
exercício da cidadania e do mundo do trabalho” [...].
Já o Currículo Referência de Minas Gerais (CRMG) é compreendido
como um documento curricular flexível por não se tratar de rigidez de
conteúdos a serem ensinados e aprendidos, todavia apresentadas pro-
postas fundamentadas em competências e habilidades a serem traba-
lhadas com os estudantes mineiros que possibilitem e contribuam com
a sua formação integral enquanto ser humano.
Consoante o CRMG (2020, p. 21) um documento com vistas a uma
lógica que foge às padronizações a estereótipos, a preconceitos com os
sujeitos, tempos, espaços da educação e a hierarquização dos saberes,
uma vez que o que se propõe em tal documento é a integralidade dos
saberes construídos a partir da diversidade cultural de cada estudante
envolvido no processo educacional.
Importante ressaltar o caráter fundamental do documento que é a
aprendizagem com foco no estudante, em que ele é visto e tratado como
centro de ensino/aprendizagem, que via de regra, é um aspecto comum
da BNCC, além do CRMG.
De acordo com o CRMG (2020), currículo interdimensional pos-
sibilitará ao docente, trabalhar juntamente com demais envolvidos no
processo educacional, o exercício dos atuais quatro pilares da Educação,
segundo a Comissão Internacional de Educação da UNESCO. Sendo os
pilares: “Aprender a conhecer, Aprender a fazer, Aprender a conviver e
Aprender a ser”.
Pressupõe-se que, desses pilares, associados à educação básica,
concomitantemente aos conhecimentos, habilidades e, experiências de
vida dos discentes, sejam possibilitadas a eles melhorias em todas as

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 113


áreas do conhecimento, fazendo com que de fato esse estudante faça
diferença na vida social dele de letramentos em leituras, escritas e ma-
temáticas visando educação de qualidade e com foco na equidade (pres-
supondo-se que as necessidades dos estudantes são diferentes) a todos
e todas.
Após essa breve explanação dos documentos norteadores da edu-
cação básica federal e estadual, cabe apresentar, a partir de uma visão
delimitadora, algumas habilidades e objetos de ensino.
Nessa parte do estudo faz-se a apresentação de algumas habilida-
des presentes no CRMG – Ensino Médio (de acordo com a BNCC) e, tam-
bém, de algumas sugestões de análise de recursos linguísticos para a
consolidação e/ou aprofundamento delas:

Descrição da habilidade presente no CRMG - Ensino Médio:


Para a consolidação dessa habilidade:
(EM13LP07) Analisar, em textos de diferentes gêneros, marcas que expressam
a posição do enunciador frente àquilo que é dito: uso de diferentes modalida-
des (epistêmica, deôntica e apreciativa) e de diferentes recursos gramaticais
que operam como modalizadores (verbos modais, tempos e modos verbais, ex-
pressões modais, adjetivos, locuções ou orações adjetivas, advérbios, locuções
ou orações adverbiais, entonação etc.), uso de estratégias de impessoalização
(uso de terceira pessoa e de voz passiva etc.), com vistas ao incremento da com-
preensão e da criticidade e ao manejo adequado desses elementos nos textos
produzidos, considerando os contextos de produção.

Trabalhar esses objetos de conhecimento (conteúdos):


1. Coerência e coesão textual;
2. Modalizadores gramaticais e
3. Estratégias linguísticas do texto dissertativo-argumentativo.

É importante esclarecer que, para as atividades, foi realizado o “re-


corte” de parte da habilidade, almejando determinados objetivos. Desse
modo, assim ficou a delimitação realizada: “Analisar, em textos de dife-
rentes gêneros, marcas que expressam a posição do enunciador frente
àquilo que é dito: uso de diferentes modalidades (epistêmica, deôntica

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 114


e apreciativa) e de diferentes recursos gramaticais que operam como
modalizadores (verbos modais, tempos e modos verbais, expressões
modais, adjetivos, locuções ou orações adjetivas, advérbios, locuções ou
orações adverbiais.”

Descrição da habilidade presente no CRMG - Ensino Médio:

Para a consolidação dessa habilidade:


(EM13LP02) Estabelecer relações entre as partes do texto, tanto na produção
como na leitura/escuta, considerando a construção composicional e o estilo do
gênero, usando/reconhecendo adequadamente elementos e recursos coesivos di-
versos que contribuam para a coerência, a continuidade do texto e sua progressão
temática, e organizando informações, tendo em vista as condições de produção
e as relações lógico-discursivas envolvidas (causa/efeito ou consequência; tese/
argumentos; problema/solução; definição/exemplos etc.).
Trabalhar esses objetos de conhecimento (conteúdos)
1. Relação entre as partes do texto.
2. Coesão narrativa.
3. Progressão temática.
4. Coesão e coerência textual.
5. O uso dos pronomes pessoais na construção textual.
6. Conectivos (conjunções, advérbios, pronomes, preposições).

É fundamental salientar que, ao considerar a extensão dessa habi-


lidade, optou-se por trabalhar o “estabelecimento das relações entre as
partes do texto, buscando a compreensão dos valores semânticos (sen-
tidos) das conjunções, importantes elementos de articulação textual.”
Cumpre-se dizer que, ao trabalhar o processo de leitura dos textos,
optou-se por determinados objetos de conhecimentos, entendendo-os
como essenciais para a consolidação da habilidade em foco.
Assim, a seguir, são apresentados alguns textos e são, também, re-
alizadas as análises de alguns de seus recursos linguísticos:

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 115


Texto 1:

Solidão necessária

De acordo com o psicanalista e teólogo Paulo César Pereira, a solidão é um


processo que o ser humano vivencia, sendo necessária para que possamos de-
senvolver nossa individualidade. O grande paradoxo é que também precisamos
nos relacionar com alguém para nos individualizarmos. Segundo o psicanalista,
esse é o grande dilema da modernidade, pois a sociedade atual instrumentaliza
o homem, supondo dar todos os recursos para uma vida plena, porém, ao mesmo
tempo, isso torna as relações efêmeras. O resultado é um individualismo cada vez
maior, que - esse sim - tem potencial bastante destrutivo. “Atualmente, somos
estimulados a competir desde criança. Conta muito ter o carro do último tipo e
dinheiro no banco. Apesar de ter seus aspectos positivos, o indivíduo se refugia
numa redoma de vidro e apenas sai para o mundo para competir, num mundo
voltado para o seu próprio eu”, ele explica.
O ideal, portanto, é saber aproveitar tanto os momentos de solidão como as in-
terações e as relações sociais. Se encarada sem neura, a solidão pode ser essencial
como exercício de autoconhecimento - e acabar melhorando os relacionamentos
pessoais. “Ela também faz parte do sentimento do ser humano”, ele explica.
Alguém que não tenha a individualidade bem resolvida pode procurar preen-
cher esse vazio num relacionamento. “E aí que está o problema: ninguém com-
pleta ninguém. Isso porque se você me completar eu fico um todo e você desapa-
rece”, explica o psicanalista. Ou seja: mais do que a sabedoria materna que dita
que antes só do que mal acompanhado, a questão é saber estar tanto só quanto
acompanhado.

Fonte: https://guiame.com.br/nova-geracao/geral/pos-modernidade-vivendo-na-
companhia-da-solidao.htm

Nesse texto, a “citação” de “discurso alheio” apresenta-se sob


forma direta, reproduzindo, com exatidão, as palavras do enunciador
citado, imprimindo autenticidade às palavras desse enunciador. Esse
discurso alheio é utilizado com o objetivo de fortalecer o ponto de vista
defendido pelo enunciador citante. Para a realização desse tipo de cita-
ção, no texto, há o uso do verbo de dizer (verbo dicendi) explica e, tam-
bém das aspas, elemento essencial nas citações diretas.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 116


Além dos verbos de dizer, há vários recursos que devem ser apro-
fundados com os estudantes, para que consigam chegar à construção
do sentido amplo desse artigo de opinião.
Em “De acordo com o psicanalista e teólogo Paulo César Pereira,
a solidão é um processo que o ser humano vivencia, sendo necessária
para que possamos desenvolver nossa individualidade.” e em “Segundo
o psicanalista, esse é o grande dilema da modernidade, pois a socie-
dade atual instrumentaliza o homem, supondo dar todos os recursos
para uma vida plena, porém, ao mesmo tempo, isso torna as relações
efêmeras”, os elementos destacados são esquemas explicativo-confor-
mativos.
Para Passareli (2012), esses recursos revelam que as informações
apresentadas no texto, nas citações, não são de responsabilidade do
locutor, mas de alguma autoridade universalmente reconhecida.
No texto, há o uso do recurso lingüístico “ou seja”. Esse recurso é
usado como expressão explicativa que pode ser substituída, sem preju-
ízo semântico, por “em outras palavras”, por “isto é” e por “ou melhor”.
Sendo expressões explicativas, elas introduzem uma explicação ou de-
senvolvem o que foi dito anteriormente por meio de um comentário, um
esclarecimento, uma reformulação ou uma correção.
Há, nesse artigo de opinião, além dos recursos já citados e analisa-
dos, a presença do conectivo “portanto”. Esse elemento possui o valor
semântico de conclusão, sendo utilizado para realizar o “fechamento”
de uma ideia.

Texto 2:

Argumentar em situações difíceis

Philippe Breton. Argumentar em situações difíceis. Barueri: Manole, 2005.


O que é uma “situação difícil?” Em geral é uma situação que se caracteriza pela
violência indesejada que carrega. Apesar de inúmeros progressos realizados com
relação a essa questão, a violência continua enraizada no cerne de nossas vidas
diárias. […]

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 117


Diante de uma situação difícil, de uma violência que atravessa nosso caminho,
temos apenas três opções à nossa disposição:
-recorrer à violência;
-fugir;
-tomar a palavra, tentar argumentar a fim de defender nossas posições e, ao
mesmo tempo, pacificar a situação.
Obs.: Texto retirado do Plano de Estudos Tutorado (volume 1) da SEE-MG, 3º
ano do Ensino Médio/2020.

Nesse texto, tem-se o recurso linguístico “apesar de”. No trabalho,


em sala de aula, é importante que o professor leve os estudantes à com-
preensão de que esse recurso expressa uma ideia oposta ao que vai ser
enunciado posteriormente na sequência textual.

Texto 3:

Invasão de privacidade

Estamos dispostos a abrir mão da individualidade em prol da segurança?

Imagino que muitos como eu estão ficando a cada dia mais preocupados com
as ameaças e as invasões em suas vidas privadas. Todos os dias somos obriga-
dos a nos deixar fotografar, filmar ou permitir a reprodução de nossos documen-
tos pessoais. São câmeras espalhadas sem nenhum critério de regulamentação,
dentro de elevadores, por exemplo, que mais servem para diversão de porteiros
despreparados do que à segurança propriamente dita. Essa invasão da nossa pri-
vacidade e a que se dá todos os dias pela internet precisam ser discutidas pela
sociedade, para descobrirmos até onde estamos dispostos a abrir mão da nossa
individualidade e privacidade em prol da segurança e, principalmente, como que-
remos que isso se dê.

Fonte: Adaptado de MANDARINO, Raphael. Disponível em: http://www.cgi.br/


publicacoes/artigos/artigo27.htm.

Há, nesse texto, vários recursos que poderão ser aprofundados


com os estudantes. Assim, o professor terá a oportunidade de conectar
o plano de conteúdo e o plano de expressão, levando os estudantes à
construção do sentido global do texto.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 118


Nesse texto, a expressão “por exemplo” indica uma exemplificação.
Além desse recurso, tem-se o uso do verbo “precisam” que é um sinali-
zador de uma necessidade, isto é, indica-se que algo deve ser realizado.
Tem-se, além desses elementos, a utilização da palavra “principalmen-
te”. É essencial, para a construção do sentido amplo do texto, que o estu-
dante compreenda que esse elemento é um indicador de ênfase
É reproduzido, a seguir, um trecho de uma entrevista do Nexo, um
jornal digital, com Eugênio Bucci, professor de Comunicação da USP.

Texto 4:

Qual é o efeito de notícias falsas para uma democracia?

Eugênio Bucci – Isso é muito interessante. As notícias falsas, nesse contexto


que não é só brasileiro, são um sintoma. É um erro supor que fake news sejam a
causa do que vem acontecendo. Claro que elas trazem aspectos que dão à figura
da mentira na política um alcance inédito na história. Sempre houve mentira e
desinformação na política, mas agora temos que lidar com esse assunto conside-
rando duas “inovações”. A primeira é na ordem da escala, volume e velocidade de
desinformação. Em questão de horas, uma população inteira pode tomar como
verdade uma mentira esfarrapada, algo que não havia antes, por causa da tecno-
logia. A segunda “inovação” é que as plataformas que são bases das redes sociais
e do fluxo de mensagens remuneram aquilo que dá audiência e engajamento, pois
atrai olhares e, portanto, multidões de consumidores. Mentir virou um negócio
que dá um troco no fim de semana. São duas inovações que mudam o caráter das
mentiras no debate público e na sociedade. [...] Mas isso é um sintoma e não a
causa de um mal-estar mais profundo da democracia. A democracia vem sendo
atacada, assim como a imprensa, em diversos países. [...]

Fonte: BUCCI, Eugênio. Como chegamos a um estado de tanta desinformação.


Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2018/10/06/Como-
chegamos-a-um-estado-de-tanta-desinforma%C3%A7%C3%A3o>. (Fragmento).

Ao ler esse texto, é possível que sejam identificados vários conecti-


vos, elementos que estabelecem a conexão entre os períodos e introdu-
zem sentidos dentro das orações. Na frase oracional complexa “Sempre
houve mentira e desinformação na política, “mas” agora temos que lidar

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 119


com esse assunto considerando duas “inovações.”, percebe-se que o co-
nectivo “mas” apresenta o valor semântico oposição, isto é, apresenta a
adversidade entre duas ideias.
Já em “A segunda "inovação" é que as plataformas que são bases
das redes sociais e do fluxo de mensagens remuneram aquilo que dá
audiência e engajamento, “pois” atrai olhares e, “portanto”, multidões de
consumidores.”, os conectores “pois” e “portanto” apresentam, respecti-
vamente, os sentidos explicação e conclusão. Nota-se, a partir das aná-
lises microtextuais, o quanto o entendimento dos recursos linguísticos
é necessário para que o estudante leitor chegue à compreensão geral do
texto.
Além desses elementos de ligação, as conjunções (também cha-
madas de síndetos, conectores, conectivos), há nessa sequência textu-
al outro elemento que merece uma análise atenta. É a perífrase verbal
presente na frase seguinte: “Em questão de horas, uma população in-
teira ‘pode tomar’ como verdade uma mentira esfarrapada, algo que
não havia antes, por causa da tecnologia.”. Nessa frase, entende-se que
a expressão “pode tomar” apresenta o sentido de possibilidade, ou seja,
indica que algo pode ocorrer.

Apresentação de sequenciação de atividades

Nessa parte do presente trabalho, após as reflexões estabelecidas


anteriormente, são apresentadas algumas questões, a fim de contribuir
com a prática docente nas aulas de Língua Portuguesa. É essencial que,
depois das teorizações apresentadas e das análises linguísticas dos ele-
mentos presentes em variados textos, a evidenciação de questões que
poderão ser usadas em sala de aula no Ensino Médio seja apreciada.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 120


Leia o texto e responda às atividades propostas:

Solidão necessária

De acordo com o psicanalista e teólogo Paulo César Pereira, a solidão é um


processo que o ser humano vivencia, sendo necessária para que possamos de-
senvolver nossa individualidade. O grande paradoxo é que também precisamos
nos relacionar com alguém para nos individualizarmos. Segundo o psicanalista,
esse é o grande dilema da modernidade, pois a sociedade atual instrumentaliza
o homem, supondo dar todos os recursos para uma vida plena, porém, ao mesmo
tempo, isso torna as relações efêmeras. O resultado é um individualismo cada vez
maior, que - esse sim - tem potencial bastante destrutivo.
“Atualmente, somos estimulados a competir desde criança. Conta muito ter o
carro do último tipo e dinheiro no banco. Apesar de ter seus aspectos positivos, o
indivíduo se refugia numa redoma de vidro e apenas sai para o mundo para com-
petir, num mundo voltado para o seu próprio eu”, ele explica.
O ideal, portanto, é saber aproveitar tanto os momentos de solidão como as in-
terações e as relações sociais. Se encarada sem neura, a solidão pode ser essencial
como exercício de autoconhecimento - e acabar melhorando os relacionamentos
pessoais. “Ela também faz parte do sentimento do ser humano”, ele explica.
Alguém que não tenha a individualidade bem resolvida pode procurar preen-
cher esse vazio num relacionamento. “E aí que está o problema: ninguém comple-
ta ninguém. Isso porque se você me completar eu fico um todo e você desaparece”,
explica o psicanalista. Ou seja: mais do que a sabedoria materna que dita que
antes só do que mal acompanhado, a questão é saber estar tanto só quanto acom-
panhado.
Fonte: https://guiame.com.br/nova-geracao/geral/pos-modernidade-vivendo-na-
companhia-da-solidao.html

Questão 01- Esse texto pertence ao gênero textual:


a- ( ) Redação do ENEM. b- ( ) Artigo de opinião. c- ( ) Resenha.. d- ( ) Notícia.

Questão 02- Para sustentar a sua tese, o locutor argumenta:


a- ( )A sociedade moderna nos dá todos os recursos para uma vida plena.
b- ( ) A sociedade nos estimula a competir desde a nossa infância.
c-( ) As interações sociais e os momentos de solidão precisam ser aproveitados.
d- ( ) As pessoas procuram preencher a solidão encontrando novos relacionamen-
tos.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 121


Questão 03- O locutor do texto pode ser identificado como um:
a- ( ) Narrador. b- ( ) Argumentador. c- ( ) Relator. d- ( ) Descritor.

Questão 04- Na frase “O ideal, portanto, é saber aproveitar tanto os momentos de


solidão como as interações e as relações sociais.”, qual o valor semântico da palavra
portanto?
a- ( ) Explicação. b- ( ) Conclusão. c- ( ) Adição. d- ( ) Oposição.

Questão 05- Em “(...) supondo dar todos os recursos para uma vida plena, porém,
ao mesmo tempo, isso torna as relações efêmeras.”, qual é o sentido do conectivo
porém?
a-( ) Explicação. b- ( ) Conclusão. c- ( ) Adição. d- ( ) Oposição.

Questão 06- Na frase “Ou seja: mais do que a sabedoria materna que dita que antes
só do que mal acompanhado, a questão é saber estar tanto só quanto acompanha-
do.”, a expressão ou seja pode ser substituída por:
a- ( ) Entretanto. b- ( ) Todavia. c- ( ) Isto é. d- ( ) Primeiramente.

Questão 07- Na frase “Isso porque se você me completar eu fico um todo e você de-
saparece (...)”, o pronome você:
a- ( ) Apresenta-se como um índice de generalização.
b- ( ) É indicador de um interlocutor específico.
c- ( ) Apresenta-se como um especificador do receptor (alocutário).
d- ( ) Apresenta-se como um determinador do leitor, isto é, do interlocutor.

Questão 08- Quais vozes estão presentes nesse texto?


R.:_____________________________________________________________
_______________________________________________________________
Questão 09- Qual é a função das aspas nesse texto?
R.:_____________________________________________________________
_______________________________________________________________

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 122


Questão 10- Em “Atualmente, somos estimulados a competir desde criança.”, qual é
o sentido apresentado pela palavra atualmente?
a- ( ) Modo. b- ( ) Tempo. c- ( ) Afirmação. d- ( ) Finalidade.
Questão 11- Em “Alguém que não tenha a individualidade bem resolvida pode pro-
curar preencher esse vazio num relacionamento.”, a palavra pode:
a- ( ) É um verbo que exerce a função de modalizador.
b- ( ) É um advérbio e exerce a função de conectivo.
c- ( ) É uma conjunção e exerce a função de conector.
d- ( ) É uma preposição, funcionando como elemento de ligação.

Considerações finais

Neste capítulo , discutiu-se a análise linguística no contexto escolar,


proporcionando reflexões a respeito do estudo de elementos linguísti-
cos, recurso proposto pelo currículo mineiro e, também, apresentou-se
uma sequenciação de atividades que poderão direcionar a prática do-
cente para a construção de sentidos nos gêneros textuais que possuem
o modo de organização textual dissertativo-argumentativo.
Buscandose avançar na compreensão desses processos, foram
apresentadas algumas possibilidades de ampliação da Linguística Tex-
tual na prática docente da educação básica, na tentativa de melhor com-
preender estratégias metodológicas de ensino/aprendizagem dos estu-
dantes para a apreensão dos sentidos dos recursos da língua nos textos,
objetos centrais de ensino nas aulas de Língua Portuguesa.
Assim sendo, pode-se dizer que é necessário que docentes ensinem
de fato o estudante a ler o que se encontra nas entrelinhas do texto,
que saiba escrever não somente para ingressar na universidade, mas
que saiba fazer uso da leitura e escrita textual em suas mais variadas
funções sociais.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 123


Portanto, o que se espera sobre as proposições apresentadas ao
longo deste capítulo é que o trabalho com a língua na escola seja re-
pensando, sobre a forma de o estudante atuar no mundo em que se
encontra, que a linguística de texto venha reforçar a importância da
comunicação nas questões sociais.
Que a língua possa deixar de ser vista somente como um conjunto
de signos descontextualizados, como um conjunto de regras, todavia
passe a ser trabalhada enquanto fenômeno social dentro das interações
pessoais e sociais para dar um novo ressignificado da compreensão tex-
tual não somente enquanto ciência social, mas ciência vivenciada so-
cialmente em suas variadas vertentes comunicacionais.

Referências

ANTUNES, Irandé. Aula de Português. Encontro e interação. 8.ed.São Paulo:


Parábola, 2003.
ANTUNES, Irandé. Avaliação da produção no ensino médio in BUNZEN, Clécio;
MENDONÇA, Márcia. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino.Outra escola possível. São Paulo:
Parábola Editorial, 2009. ( Estratégias de ensino;10).
BRASIL, Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC):
Educação é a Base. Brasília: MEC/CONSED/UNDIME, 2017. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/Ac. Acesso: em 01 jun. 021.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Lei n. 9.394/96. Disponível em: http://portal.mec.gov.br. Acesso em
01/06/2021
MENDONÇA, Márcia. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um
outro objeto in BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia. São Paulo: Parábola
Editorial, 2006.
MINAS GERAIS, Secretaria de Estado de Educação. Currículo Referência de
Minas Gerais. Belo Horizonte: SEE/MG e UNDIME/MG, 2021. Disponível em:
https://www2.educacao.mg.gov.br/images/documentos/Curr%C3%ADcu-
lo%20Refer%C3%AAncia%20do%20Ensino%20M%C3%A9dio.pdf Acesso em:
01 jun. 2021.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 124


KOCH, Ingedore Villaç. Introdução à lingüística textual: trajetória e grandes
temas. 2ª edição., 1ª reempressão. São Paulo: Contexto, 2017.
PASSARELI, Lília Maria Ghiurro. Ensino e correção na produção de textos esco-
lares. São Paulo: Telos, 2012.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 125


Capítulo 6

Análise linguística como eixo


articulador das práticas de leitura
na coleção de livros didáticos
“Se liga na língua: leitura,
produção de texto e linguagem”

Verônica Lorenset Padoin


Taís Vasques Barreto
Francieli Matzenbacher Pinton

DOI: 10.52788/9786589932338.1-6
Introdução

Desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN


– em 1997, o eixo de Análise linguística (AL), ancorado no movimento
de reflexão-uso-reflexão, tem apresentado desafios para professores
em formação inicial e continuada conforme apontam estudos recentes
(LINO DE ARAÚJO; SILVA SOUZA, 2014; LIMA; SOUZA; MOURA, 2019;
VOLK, 2021). A AL nos PCNs, entendida como um processo de ensino e
aprendizagem contextualizado, destaca a importância do

planejamento de situações didáticas que possibilitem a reflexão não


apenas sobre os diferentes recursos expressivos utilizados pelo autor do
texto, mas também sobre a forma pela qual a seleção de tais recursos
reflete as condições de produção do discurso (BRASIL, 1997, p. 27).

Nessa perspectiva, Reinaldo e Bezerra (2014) argumentam que a


AL pode ser entendida como uma “ferramenta” que auxilia e constrói
andaimes para a prática de leitura e de produção de textos, o que é rei-
terado por Suassuna (2012, p. 23), quando afirma que as práticas devem
estar articuladas com vistas à promoção de um processo reflexivo sobre
as operações linguísticas e discursivas.
Essa proposta de considerar o eixo de AL como articulador das de-
mais práticas também é reconhecida e sinalizada no atual documento
norteador da Educação Básica – a Base Nacional Comum Curricular –
BNCC. Se por um lado “uma face do aprendizado da Língua Portugue-
sa decorre da efetiva atuação do estudante em práticas de linguagem
que envolvem a leitura/escuta e a produção de textos orais, escritos e
multissemióticos”, por outro lado “provém da reflexão/análise sobre/da
própria experiência de realização dessas práticas” (BRASIL, 2018, p. 80),
destaca o documento. Ademais, a BNCC informa que “o eixo da análise
linguística/semiótica envolve o conhecimento sobre a língua, sobre a
norma-padrão e sobre as outras semioses” e “se desenvolve transver-
salmente aos dois eixos – leitura/escuta e produção oral, escrita e mul-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 127


tissemiótica” (BRASIL, 2018, p. 80). Com base nisso, pressupomos que a
articulação entre práticas de linguagem possibilita um ensino de língua
portuguesa produtivo que visa à formação de “pessoas capazes de agir
verbalmente de modo autônomo, seguro e eficaz, tendo em vista os pro-
pósitos das múltiplas situações de interação em que estejam engajadas”
(MENDONÇA, 2006, p. 204).
Considerando essa visada de ensino e de aprendizagem, torna-se
relevante investigar como os livros didáticos de língua portuguesa abor-
dam essa questão nas atividades com foco na prática de AL. Em pesqui-
sa realizada na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, localizamos,
nos últimos cinco anos, trabalhos que tomam o ensino de língua portu-
guesa, em específico o eixo de AL em livros didáticos, como objeto de in-
vestigação (CORREA, 2016; HUFF, 2017; PIANO, 2018; CARDOSO, 2017;
NASCIMENTO, 2018). Os resultados desses estudos apontam mudan-
ças, ainda que “tímidas”, no processo de didatização quando focalizado
o eixo de AL. Cardoso (2017), ao analisar o livro didático “Linguagens”, de
autoria de William Roberto Cereja e Thereza Anália Cochar, afirma que
“mesmo após quase duas décadas do lançamento da 1ª edição (1998), [n]a
edição de 2015, mais recente” ainda não foi constatada uma significativa
adequação em relação aos PCNs de Língua Portuguesa. Esse achado é
corroborado pelos estudos de Nascimento (2018), cujos resultados sina-
lizam que houve poucos avanços nas atividades de AL, visto que ainda
prevalece um estudo de gramática com foco na classificação de catego-
rias gramaticais.
Diante do cenário apresentado, buscamos investigar a coleção des-
tinada aos anos finais do Ensino Fundamental “Se liga na língua: lei-
tura, produção de texto e linguagem” de autoria de Wilton Ormundo e
Cristiane Siniscalchi, aprovada pelo Plano Nacional do Livro Didático
– PNLD, edição 2020, a fim de analisar em que medida as atividades
didáticas contemplam a prática de AL como articuladora da prática de
leitura, especialmente. Para tanto, organizamos este capítulo em três
movimentos, além desta Introdução e das Considerações Finais. No pri-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 128


meiro movimento, apresentamos uma rápida revisão das perspectivas
para o ensino de língua portuguesa e discutimos o conceito de AL para
fins didáticos bem como os princípios a ele subjacentes. No segundo
momento, descrevemos nosso universo de análise, recorte do corpus e
os procedimentos de análise. Por fim, sumarizamos os resultados com
vistas a responder a nossa pergunta de pesquisa: em que medida a AL
no livro didático “Se liga na língua portuguesa: leitura, produção de tex-
to e linguagem” constitui-se como articuladora da prática de leitura,
contemplando atividades de natureza epilinguística e metalinguística?
Na seção seguinte, apresentamos um breve panorama histórico do
ensino de língua portuguesa no Brasil e discutimos o conceito de aná-
lise linguística para fins didáticos. Outrossim, debatemos perspectivas
teóricas para as atividades epilinguísticas e metalinguísticas.

O eixo de análise linguística e o


ensino de língua portuguesa

A Língua Portuguesa foi incluída tardiamente no currículo escolar


brasileiro. Seu primeiro registro como disciplina data do final do sécu-
lo XIX. De início, abordava as gramáticas portuguesa e latina, a retóri-
ca e a poética. Ao longo do tempo, foi se adaptando às transformações
políticas, sociais, culturais e ideológicas da sociedade brasileira. Uma
das mais significativas mudanças aconteceu na década de 1950. Nessa
época, a possibilidade de acesso à escola foi ampliada por reivindicação
das classes mais baixas. A democratização da educação multiplicou os
alunos frequentadores dos bancos escolares, o que, por consequência,
exigiu um recrutamento maior de docentes (SOARES, 2004).
Tal configuração provoca mudanças também no material didático
distribuído aos professores e na concepção de língua vigente. Entre os
anos 1950 e 1960, os livros didáticos, que até então eram compostos ape-
nas por exemplares de texto, passaram a agrupar, também, propostas

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 129


de exercício de análise e interpretação de tais textos. Essa modificação
transferia, dos professores para os livros didáticos, a tarefa de preparar
atividades. Ademais, a gramática passa a compor esses materiais, pro-
vocando uma fusão entre o estudo do texto e das normas gramaticais.
Na década de 1970, em decorrência da promulgação da Lei de Di-
retrizes e Bases da Educação, a concepção de língua adotada pela edu-
cação foi reformulada. Segundo Soares (2004, p. 169), essa nova lei “[...]
punha a educação, segundo os objetivos e a ideologia do regime militar,
a serviço do desenvolvimento”. A fim de alcançar as metas propostas
pelo governo, a língua passa a ser entendida como comunicação. Diante
disso, o desenvolvimento do uso da língua torna-se o objetivo maior das
instituições escolares. Dessa forma, a escolha de textos que compõem
os livros didáticos passa a levar em consideração a presença do gênero
na comunidade, e não apenas as qualidades estilísticas e literárias do
produto textual.
A concepção de língua como comunicação passa a não fazer mais
sentido por volta da década de 1980, devido às mudanças ideológicas e
políticas do país – consequentes do processo de redemocratização – e
ao desenvolvimento de novas teorias no campo das ciências linguísti-
cas. Tais pesquisas influenciam diretamente na concepção de língua, a
qual, a partir desse momento, passa a ser compreendida como enuncia-
ção, o que “[...] inclui as relações da língua com aqueles que a utilizam,
com o contexto em que é utilizada, com as condições sociais e históricas
da sua utilização.” (SOARES, 2004, p. 173).
Sob essa nova conjuntura ideológica e conceitual, passa-se a criti-
car a forma como estava sendo conduzido o ensino de língua portugue-
sa e o foco é direcionado a um novo objeto de ensino:
[...] a preocupação com o ensino de determinada teoria gramatical e sua respec-
tiva metalinguagem e a valorização absoluta de uma modalidade linguística
no ensino fizeram com que a escola esquecesse, progressivamente, aquilo que
é fundamental no exercício da língua: o texto. A escola abandonou o texto. Tra-
zê-lo de volta para a sala de aula significa desviar o foco de atenção e pensar a
língua em suas condições efetivas de uso. (BRITTO, 1997, p. 102)

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 130


Partindo dessa perspectiva, o ensino de gramática, até então vol-
tado para a análise da norma padrão em orações isoladas, direciona a
atenção para o estudo do uso real da língua, o que poderia ser observado
tendo o texto como unidade de ensino.
É nesse contexto de ressignificação de concepções teóricas, espe-
cialmente no que tange ao ensino de língua portuguesa, que surgem os
estudos de João Wanderley Geraldi sobre a prática da análise linguís-
tica. O termo aparece pela primeira vez em 1981, no texto “Subsídios
metodológicos para o ensino de língua portuguesa”.
A discussão proposta por Geraldi (2011) sustenta-se na concepção
interacionista da linguagem. Tal base teórica provoca uma revisão nos
conteúdos que devem ser ensinados em sala de aula. Por isso, o autor
problematiza a dicotomia entre ensino da língua e ensino da metalin-
guagem. Segundo ele, deve haver a predominância de um sobre o outro
e, considerando o contexto brasileiro educacional – no qual as escolas
abrigam falantes de diferentes dialetos que são obrigados a aprender a
analisar uma língua padrão, que não é a língua adotada por eles – e so-
cial – em que dominar o dialeto padrão é um caminho para se ter acesso
ao poder –, a escola, no que tange ao ensino fundamental, deve ter uma
preocupação maior em propor atividades voltadas para o ensino da lín-
gua, dedicando-se à metalinguagem apenas quando essa for necessária
para a compreensão do fenômeno linguístico (GERALDI, 2011).
Para tanto, Geraldi (2011) defende a articulação entre os eixos de
ensino. Ao lado da produção textual, a análise linguística estaria funda-
mentada no princípio “partir do erro para a autocorreção” (GERALDI,
2011, s/p) e teria como objetivo maior a reescrita do texto pelo aluno. Ou
seja, os fenômenos linguísticos seriam estudados a partir dos proble-
mas encontrados nos textos dos próprios discentes. Segundo Suassuna
(2012), a análise linguística, termo cunhado por Geraldi (2011,) teria as
seguintes características:
nasceria da propriedade que tem a linguagem de referir-se a si própria;
a. estaria baseada na capacidade que todo falante tem de refletir e atuar sobre
o sistema linguístico;

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 131


b. seria praticada, primordialmente, a partir da escrita do aluno, num proces-
so de revisão e reescrita textual, o qual exige uma tomada de consciência dos
mecanismos linguísticos e discursivos acionados quando do uso da linguagem;
c. teria um sentido mais amplo do que aquele já associado ao termo gramática,
uma vez que daria conta de processos e fenômenos enunciativos, e não apenas
de ordem estrutural. (SUASSUNA, 2012, p. 12).

Nesse sentido, análise linguística é uma expressão que se refere


ao “[...] conjunto de atividades que tomam uma das características da
linguagem como seu objeto: o fato de ela poder remeter a si própria [...]”
(GERALDI, 1997, p. 189).
Cabe ressaltar que a análise linguística, apesar de ter surgido como
uma alternativa ao ensino tradicional da gramática, ao cumprir o que
propõe, não elimina a necessidade de estudo desta e da metalinguagem.
Como bem salienta Mendonça (2006, p. 205), “a questão reside em como
se dá essa reflexão na escola, com que objetivos e com base em que as-
pectos, pois a AL explícita e sistemática é uma prática que nasceu nessa
instituição, sendo, portanto, parte dos eventos de letramento escolar”. A
autora ainda afirma que “A AL engloba, entre outros aspectos, os estu-
dos gramaticais, mas num paradigma diferente, na medida em que os
objetivos a serem alcançados são outros” (MENDONÇA, 2006, p. 206).
As atividades que tornam possível essa prática reflexiva a respei-
to da língua são denominadas de atividades epilinguísticas e metalin-
guísticas. As atividades epilinguísticas “[...] refletem sobre a linguagem,
e a direção desta reflexão tem por objetivos o uso destes recursos ex-
pressivos em função das atividades linguísticas em que está engajado”
(GERALDI, 1997, p. 190). Dessa forma, esse tipo de atividade está direta-
mente relacionado com a intuição dos falantes, pois se refere “[...] a uma
capacidade que todo falante tem de operar sobre a linguagem, fazendo
escolhas, avaliando os recursos expressivos que se utiliza, fazendo re-
tomadas, corrigindo estruturas etc" (SUASSUNA, 2012, p. 16). É por isso
que as atividades epilinguísticas propiciam aos alunos uma diversifica-
ção dos recursos expressivos, ou seja, a partir de atividades que abran-
gem ações que o falante faz sobre a linguagem de maneira reflexiva (BE-
ZERRA; REINALDO, 2013), torna-se possível comparar, transformar e

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 132


experimentar novos modos expressivos a favor do texto, sendo possível
praticar “a diversidade dos fatos gramaticais de sua língua” (FRANCHI,
1991, p. 36).
Já as atividades metalinguísticas são “[...] uma reflexão analítica
sobre os recursos expressivos, que levam à construção de noções com
as quais se torna possível categorizar tais recursos ” (GERALDI, 1997, p.
191, grifo do autor). Nesse processo, tais atividades acabam por produzir
“[...] uma linguagem (a metalinguagem) mais ou menos coerente que
permite falar sobre a linguagem, seu funcionamento, as configurações
textuais e, no interior destas, o léxico, as estruturas morfossintáticas e
entonacionais” (GERALDI, 1997, p. 191). Assim sendo, as atividades meta-
linguísticas “tomam a linguagem como objeto” (BEZERRA; REINALDO,
2013, p. 36), sendo possível sistematizá-la por meio de conceitos e clas-
sificações. Esse tipo de atividade oportuniza ao aluno criar “hipóteses
sobre a natureza da linguagem e o caráter sistemático das construções
linguísticas, e [o aluno] pode um dia falar da linguagem, descrevê-la em
um quadro nocional intuitivo ou teórico” (FRANCHI, 1991, p. 37).
Enquanto as atividades epilinguísticas se preocupam em refletir
sobre as diferentes formas de dizer, permitindo o desenvolvimento de
recursos expressivos que auxiliam na diversificação e enriquecimento
da fala e escrita do aluno, as atividades metalinguísticas cumprem a
função de sistematizar a língua, usando conceitos e nomenclaturas a
fim de descrever os fenômenos linguísticos (SILVA, 2010).
Partindo da perspectiva da análise linguística, Geraldi (1997, p. 191)
defende que, para que ocorra o “processo de produção do conhecimen-
to” em vez do simples reconhecimento, é preciso que as atividades epi-
linguísticas antecedam as metalinguísticas. Dessa forma, o aluno es-
tará partindo do uso efetivo da língua, daquilo que ele já conhece, para
construir sua aprendizagem acerca dos fenômenos linguísticos, sendo
capaz de nomeá-los e conceituá-los. Assim, as atividades epilinguísticas
“[...] são uma ponte para a sistematização metalinguística” (GERALDI,
1997, p. 192). Suassuna (2012) avança nesse processo ao asseverar que

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 133


refletir sobre os fenômenos linguísticos e sua sistematização é um pas-
so essencial para desenvolver a competência comunicativa dos alunos
para, então, estudar a variedade padrão e suas regras – que é o que hoje
vemos como objetivo principal das instituições escolares.
Com isso, pode-se afirmar que a análise linguística está ancorada
em uma metodologia indutiva, em que o aluno parte da sua experiência
para formular as regras gerais (KEMIAC; ARAÚJO, 2010). Ao listar prin-
cípios da prática de análise linguística, quais sejam: i) noção de língua
como interação; ii) trabalho com epilinguagem a partir da indução; iii)
sistematização do conhecimento acerca língua, considerando os gêne-
ros textuais; iv) reflexão sobre os usos para o emprego da norma e sua
respectiva nomenclatura; e v) consideração do contexto para o texto,
ou seja, análise macro e microestrutural, Kemiac e Araújo (2010) vão ao
encontro do proposto por Geraldi (2011) ao defender como percurso me-
todológico “[...] o estudo das macrounidades da língua (os textos) para
os recursos microlinguísticos que entram na constituição dos textos.”
(KEMIAC; ARAÚJO, 2010, p. 54).

Percurso metodológico

Esta pesquisa, de base qualitativa e documental, tem por objeti-


vo investigar em que medida a AL no livro didático “Se liga na língua
portuguesa: leitura, produção de texto e linguagem” constitui-se como
articuladora da prática de leitura, contemplando atividades de natureza
epilinguística e metalinguística. Para tanto, apresentamos a seguir o
universo de pesquisa, constituído por quatro obras destinadas aos anos
finais do Ensino Fundamental, e o corpus, do qual fazem parte as seções
de Leitura 1 dos capítulos selecionados de cada livro.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 134


Universo, corpus e procedimentos de análise

Para a escolha dos materiais didáticos que compõem este estu-


do, realizamos uma pesquisa junto ao site do PNLD, a fim de investigar
quais obras foram selecionadas pelas escolas municipais da cidade de
Santa Maria – RS1. Considerando as escolhas em primeira e segunda
opção, a maioria das instituições do município optou pelas coleções
“Tecendo linguagens” (22 escolas), de Tania Amaral de Oliveira e Lucy
Aparecida Melo Araújo (2018), e “Se liga na língua: leitura, produção de
texto e linguagem” (21 escolas), de autoria de Wilton Ormundo e Cristia-
ne Siniscalchi (2018).
Dessa forma, realizamos uma leitura exploratória de ambas as
obras a fim de selecionar nosso universo de análise. Dessa rápida inves-
tigação, concluímos que os livros de autoria de Oliveira e Araújo (2018)
estão organizados por eixos temáticos, o que os aproxima de outras
obras analisadas em pesquisas da área. Já a coleção de Ormundo e Sinis-
calchi está organizada por gêneros textuais, o que pode ser considerado
uma inovação em termos de estrutura e seleção dos objetos de conhe-
cimento. Em razão disso, optamos por essa coleção, especificamente os
exemplares destinados aos professores, como universo de análise.
A coleção de livros “Se liga na língua: leitura, produção de texto e
linguagem” foi publicada pela editora Moderna em 2018 e aprovada pelo
PNLD do ensino fundamental em 2020. A coleção está organizada em 4
(quatro) volumes, a fim de atender às 4 (quatro) turmas das séries finais
do ensino fundamental. Cada volume divide-se em 8 (oito) capítulos, os
quais estão organizados de acordo com o gênero textual que será explo-
rado. Além disso, cada capítulo está dividido em aproximadamente 10
seções, que focalizam o estudo de um aspecto da língua.
De acordo com a avaliação publicada no Guia do Livro Didático
(BRASIL, 2019), a coleção apresenta coerência com o que é preconiza-

1 A escolha desta cidade considera o município no qual as pesquisadoras residem e atuam profissionalmente.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 135


do pela BNCC, visto que propõe atividades de leitura, produção textual,
oralidade e análise linguística/semiótica tendo em vista os diferentes
gêneros textuais aos quais o aluno tem acesso. Além disso, os avaliado-
res consideram que as atividades didáticas “[...] promovem a reflexão
sobre os conteúdos abordados e instigam seu aprofundamento com a
indicação de fontes extras de leitura e pesquisa.” (BRASIL, 2019, p. 146).
A diversidade artística e cultural também é apontada como um aspecto
positivo na organização dos livros.
No que tange às atividades relativas à análise linguística, os auto-
res (ORMUNDO; SINISCALCHI, 2018) esclarecem que, nas seções Lei-
tura 1 e Leitura 2, fica mais evidente a abordagem desse eixo de ensino,
visto que são propostas atividades que visam a desenvolver a compre-
ensão dos diversos sentidos expressos nos textos por meio da análise
dos fenômenos linguísticos. Tal estudo segue na seção “Mais da língua”,
na qual os aspectos linguísticos são estudados de forma mais pontual. A
explicação para a separação dos estudos linguísticos em seções distin-
tas, segundo Ormundo e Siniscalchi (2018, p. XVI), é de que “[...] os textos
analisados impõem um limite de fenômenos que podem ser estudados”
e, por isso, os autores escolheram explorar a análise linguística em seção
específica, destacando “o estudo da forma como determinados aspectos
linguísticos são mobilizados nas várias construções” (ORMUNDO; SI-
NISCALCHI, 2018, p. XVI).
Dessa forma, em consonância com o objetivo desta pesquisa, o cor-
pus de análise compreende a seção de “Leitura 1” presente nos livros do
6° ao 9° ano. Essa seção é organizada em dois movimentos intitulados,
respectivamente, de “Desvendando o texto” e “Como funciona o gêne-
ro”. Segundo os autores do material, na seção “Desvendando o texto”,
os estudantes realizam atividades que buscam analisar globalmente o
texto, ao passo que na seção “Como funciona o gênero” observam as ca-
racterísticas do gênero em termos de contexto de produção, circulação,
estrutura composicional e elementos estilísticos. Ademais, os autores
afirmam que os estudantes poderão acessar um “boxe de sistematiza-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 136


ção das informações apresentadas” (ORMUNDO; SINISCALCHI, 2018, p.
XXV). O corpus desta investigação refere-se aos capítulos destinados ao
estudo do gênero conto em cada ano do ensino fundamental, em espe-
cífico à seção de Leitura 1, conforme apresentado no Quadro 1 a seguir.

Quadro 1 – Corpus de análise


Título do capítulo Ano Total de enunciados
Capítulo 8 – Conto:
6º 26 tarefas
que delícia é contar
Capítulo 3 – Conto
fantástico: um mundo 7º 29 tarefas
um tanto estranho
Capítulo 8 – Minicon-
8º 13 tarefas
to: poder de síntese
Capítulo 6 – Conto
psicológico: o mundo 9º 36 tarefas
de dentro
Total: 104 tarefas
Fonte: elaborado pelas autoras, 2021.

Os procedimentos de análise foram organizados em quatro movi-


mentos. Inicialmente, identificamos cada um dos enunciados de acordo
com o código alfanumérico TDT6#1a, que corresponde respectivamen-
te à classificação como tarefa (T), à subdivisão da seção (DT – Desven-
dando o Texto ou CF – Como funciona o gênero), ao ano escolar para o
qual o livro foi escrito (6º, 7º, 8º ou 9º ano do ensino fundamental) e, após
a cerquilha, o número e letra correspondente à tarefa em questão. Após,
realizamos a leitura exploratória das seções a fim de identificar padrões
linguístico-discursivos presentes nos enunciados, verificando os tipos
de questões apresentados e os objetos de conhecimento demandados.
Em sequência, analisamos os enunciados em termos de natureza da ati-
vidade (epilinguística e metalinguística), considerando o quadro a se-
guir.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 137


Quadro 2 - Natureza das atividades
Natureza Conceito Perguntas orientadoras
A atividade focaliza os efeitos
de sentido gerados pelas esco-
Atividades que refletem sobre
lhas linguísticas, textuais e dis-
o uso de recursos expressivos,
cursivas? A atividade focaliza
considerando a atividade lin-
as estratégias de dizer, relacio-
Epilinguís- guística em que o sujeito está
nando-as às configurações tex-
tica engajado (GERALDI, 1997). Refe-
tuais e discursivas? A atividade
rem-se à capacidade que o usu-
demanda a comprovação de sua
ário tem de realizar escolhas e
resposta com base em fragmen-
avaliá-las (SUASSUNA, 2012).
tos do texto (escolhas lexicais e
gramaticais)?
Atividades que promovem a re-
flexão analítica sobre os recur-
A atividade promove a sistema-
sos, tornando possível catego-
tização do conhecimento sobre
rizá-los, seja por nomeação e/
a língua e seu funcionamento? A
ou por teoria (GERALDI, 1997).
Metalin- atividade demanda a construção
Referem-se à capacidade que o
guística de conceitos por nomeação e por
usuário tem de praticar cons-
teoria? A atividade focaliza ape-
cientemente e de desenvolver
nas a identificação e a classifica-
sistematicamente seu conheci-
ção de categorias gramaticais?
mento sobre a língua. (SUASSU-
NA, 2012).
Fonte: Pinton; Silva, 2020.

Com base na natureza das atividades, verificamos em que medi-


da as atividades epilinguísticas poderiam ser consideradas andaimes
para a reflexão metalinguística. Para isso, buscamos identificar a função
exercida pelas atividades de análise linguística em relação à prática de
leitura, considerando o processo de conhecimento e o nível de comple-
xidade exigidos. Por fim, verificamos se o que é observado como padrão
de uso no texto/gênero é sistematizado por meio de conceituação e/ou
explicação. Os resultados da análise dos aspectos aqui elencados estão
registrados e sintetizados na seção a seguir.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 138


A prática de análise linguística como articuladora da prática
leitura: uma perspectiva ainda em construção

A análise das atividades presentes na seção de Leitura 1 apontou,


inicialmente, que as atividades de AL no contexto investigado podem
ser consideradas como ferramentas para a prática de leitura. Isso é evi-
denciado pelo fato de que há um certo equilíbrio entre atividades de
leitura e de AL, já que, no total, há 51 tarefas de leitura e 53 de AL, con-
forme podemos observar no Quadro 3. Nesse sentido, podemos afirmar,
em alguma medida, que leitura e AL estão articuladas.

Quadro 3 – Número de tarefas de leitura e de análise linguística nos capítulos


analisados

Ano Total de tarefas de AL Total de tarefas de leitura

6º 9 tarefas 17 tarefas
7º 14 tarefas 15 tarefas
8º 5 tarefas 8 tarefas
9º 25 tarefas 11 tarefas
Total: 53 tarefas 51 tarefas
Fonte: elaborado pelas autoras, 2021.

Em relação às tarefas de leitura analisadas, observamos que focali-


zam estratégias de compreensão do texto, dividindo-se, prioritariamen-
te, entre aquelas que objetivam a localização de informações explícitas e
implícitas do texto e a compreensão global do texto.

Exemplo 1: “O que o Papai Noel fez depois de ter visto o que viu? Por que ele
agiu assim?” (TDT6#2d)
Exemplo 2: “Que característica do narrador e dos amigos dele é destacada no
início da história?” (TDT7#1c)

As atividades que apresentam uma articulação entre leitura e AL


são aquelas que consideram, especialmente, os efeitos de sentido pro-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 139


duzidos pelas escolhas lexicais e gramaticais realizadas no contexto do
texto.

Exemplo 4: “Por que você acha que o narrador usou a expressão ‘quando viu.
Viu o quê?’ em lugar de contar diretamente o que foi visto?” (TDT6#2c)
Exemplo 5: O que o narrador destaca ao afirmar que “Era só um garoto”? O
protagonista não é chamado pelo nome. Que efeito de sentido é criado pela
referência a ele apenas como “garoto” ou “menino”? (TDT9#1a/c)

Nesse sentido, verificamos que as atividades de AL priorizam a


observação de um determinado fenômeno linguístico, sem construir
andaimes que possibilitem ao aluno estabelecer relações significativas
entre o fenômeno linguístico e a sua sistematização por meio de nome-
ação e de teoria. Ou seja, em relação à natureza das atividades, há certo
desequilíbrio entre tarefas que abordam a epilinguagem e atividades
que abordam a metalinguagem, como apresentamos no Quadro 4.

Quadro 4 – Padrões recorrentes


Tarefas epilinguísti-
Tarefas epilinguísti- Tarefas metalinguís-
Ano cas e metalinguísti-
cas ticas
cas
6º 7 tarefas 2 tarefas -
7º 11 tarefas 1 tarefa 2 tarefas
8º 5 tarefas - -
9º 19 tarefas 5 tarefas 1 tarefa
Total: 42 tarefas 8 tarefas 3 tarefas
Fonte: elaborado pelas autoras, 2021.

Como o quadro evidencia, há um padrão de atividades na seção de


Leitura 1 que focaliza tarefas epilinguísticas em termos de escolhas das
estratégias de dizer, relacionando-as às configurações textuais princi-
palmente. Além disso, há atividades que demandam a comprovação de
resposta com base em fragmentos do texto quando se referem à locali-
zação de informações implícitas e explícitas.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 140


Se consideramos o movimento de AL como a soma de atividades
epilinguística e metalinguística, neste contexto de investigação, isso
não se efetiva, visto que há um número bastante reduzido de atividades
metalinguísticas e de atividades que intentam articular atividades epi
e metalinguísticas. Para Geraldi (1997), as atividades metalinguísticas
devem servir como ponte para a epilinguagem, não podendo haver, por-
tanto, um desequilíbrio entre elas, já que ambas devem ser trabalhadas
em conjunto para o desenvolvimento e a ampliação do conhecimento
linguístico do aluno.
Considerando as atividades epilinguísticas na seção investigada, o
aluno-analista do texto é convidado a observar, especialmente, o uso e
os efeitos de sentido dos recursos linguísticos e a comprovar a identifi-
cação do conteúdo explorado no texto. 

Exemplo 6: “As ações expressas por acabara de passar e viu ocorrem simultane-
amente? Explique sua resposta.” (TDT6#2b)
Exemplo 7: O parágrafo apresenta o personagem Rodrigo. Que palavras foram
empregadas para evitar a repetição de seu nome? (TDT7#3a) Exemplo 8: Como
você viu, o conto relata a amizade do protagonista com Diego. b) Transcreva a
frase que inicia a sequência de ações relativas ao dia em que Diego e o garoto
se conheceram. (TFC9#1b)

No Exemplo 6, podemos verificar que a tarefa demanda do estu-


dante a observação da escolha dos tempos verbais e o efeito de sentido
na construção da narrativa. Nesse sentido, é necessário “falar sobre a
língua”, mobilizando categorias gramaticais com vistas à explicação so-
licitada pela tarefa. Entendemos que essa tarefa poderia construir uma
ponte para a sistematização de um conhecimento gramatical referente
à classe dos verbos, por exemplo, emprego dos tempos verbais, conside-
rando o universo de referência do narrador. Situação semelhante pode
ser visualizada no Exemplo 7, visto que o estudante deve observar as
palavras que retomam ou substituem o personagem Rodrigo. A siste-
matização das classes responsáveis pelo processo de referenciação no
texto poderia evitar generalizações de que apenas substantivos resolve-
riam a questão de repetição de termos, explicação bastante recorrente
no contexto escolar.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 141


Nas tarefas metalinguísticas, observamos recorrência da nomea-
ção do fenômeno linguístico por meio de metodologia dedutiva. Segun-
do Gomes e Souza (2017, p. 63), esse tipo de metodologia “possui um ca-
ráter mais específico, como se buscasse algo que já está no dado”, tendo
como objetivo assimilar regras. Os resultados apontam a recorrência
de tarefas com vistas à dedução porque, além de não haver uma rela-
ção direta com as atividades epilinguísticas, as tarefas metalinguísticas
apresentam, muitas vezes, a nomeação e a conceituação do fenômeno
linguístico no próprio enunciado (Exemplos 9, 10 e 11). Ou seja, a tarefa
informa a categoria gramatical que deveria ser explorada e pede para
que o aluno apenas a identifique no texto, sem levá-lo à reflexão analíti-
ca prévia no que diz respeito a sua função no contexto de uso da língua.

Exemplo 9: “Que substantivos foram usados nos parágrafos 6 a 9 para


nomear o personagem que pegou o brinquedo?” (TDT6#5a, grifo nosso) 
Exemplo 10: “Galopar à vontade por um imenso campo que não tem limi-
tes” é uma metáfora. Que ideia ela representa?” (TDT7#8b, grifo nosso)
Exemplo 11: “A expressão ‘do alto de nossas selas’ tem valor literal e figu-
rado. No primeiro caso, refere-se à posição sobre o cavalo. E no segundo
caso?” (TDT7#4b, grifo nosso)

Dessa forma, há um distanciamento da metodologia indutiva, pro-


posta pela AL, pois o aluno não é levado a refletir de forma progressiva
e sistemática sobre o uso da língua em contexto específico.  Ademais, ao
questionar sobre o valor figurado da expressão (TDT7#4b), a tarefa não
vai além no sentido de sistematizar a diferença entre os conceitos de li-
teral e figurado (metalinguagem) e mostrar, retornando ao texto, como
os diferentes significados da expressão contribuem para a construção
de efeito de sentido no texto (epilinguagem).
Por fim, apresentamos uma sequência de tarefas correspondentes
a uma atividade didática do sétimo ano que reflete, em alguma medida,
os achados desta pesquisa:
Exemplo 12: “O parágrafo apresenta o personagem Rodrigo. Que palavras fo-
ram empregadas para evitar a repetição do seu nome?” (TDT7#3a)  
Exemplo 13: “Em sua opinião, Rodrigo estava incluído no grupo? Justifique sua
resposta”. (TDT7#3b)

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 142


Exemplo 14: “Quais são as características do pai de Rodrigo descritas no pará-
grafo?” (TDT7#3c)
Exemplo 15: “Que par de expressões é responsável por indicar a soma dessas
características?” (TDT7#3d).

Em relação ao gênero conto, foco das unidades selecionadas, obser-


vamos o predomínio de tarefas que focalizam a “sequência de ações de
uma narrativa: situação inicial, conflito ou complicação, clímax e des-
fecho”, conforme sinalizam os autores explicitamente no livro didático
do sétimo ano. Nesse sentido, as tarefas demandam, em sua maioria, a
identificação do movimento/parte do texto e/ou a comprovação da res-
posta a partir da transcrição de fragmentos do texto.

Exemplo 16: “Que fato começa a modificar a situação inicial?” (TCF6#1)  


Exemplo 17: “O desfecho do conto relata as consequências da corrida. O que
aconteceu com Francisco? (TCF7#3)
Exemplo 18: “Agora compare o que você sabe sobre narrativas, especialmen-
te os contos, ao que está observando no miniconto. Que diferenças observa?”
(TFC8#3)
Exemplo 19: “Copie no caderno a descrição que melhor explica o conteúdo do
trecho apresentado entre os dois momentos indicados nos itens anteriores. I
Narração de ações fundamentais para o suspense da narrativa, II Caracteriza-
ção do universo interior do protagonista, III Caracterização dos acontecimen-
tos vividos naquele intervalo.” (TFC9#1f).

Por fim, o padrão de atividades didáticas indica que as tarefas epi-


linguísticas priorizam os efeitos de sentido dos recursos linguísticos
no texto, ao passo que as tarefas metalinguísticas focalizam a nomea-
ção do fenômeno linguístico por meio de uma metodologia dedutiva, ou
seja, o conceito é fornecido no próprio enunciado, cabendo ao estudante
apenas a sua identificação e classificação. Além disso, em muitos casos,
a função das atividades de AL resume-se à comprovação com base na
transcrição de fragmentos do texto, ou seja, não há um movimento re-
flexivo crítico, em grande medida, que possibilite ao estudante observar
o fenômeno e, posteriormente, nomeá-lo e explicá-lo por meio de uma
teoria gramatical.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 143


Considerações finais

Nesta pesquisa, investigamos o livro didático “Se liga na língua: lei-


tura, produção de texto e linguagem” de autoria de Wilton Ormundo e
Cristiane Siniscalchi, aprovado pelo Plano Nacional do Livro Didático –
PNLD, ciclo 2020-2023, a fim de analisar em que medida as atividades
didáticas que contemplam a prática de AL como articuladora da práti-
ca de leitura. Assim sendo, o corpus deste estudo corresponde à seção
“Leitura 1” dos livros correspondentes ao 6º, 7°, 8° e 9° ano do Ensino
Fundamental, mais especificamente os capítulos referentes ao estudo
do gênero conto.
Os resultados evidenciam que, em relação às tarefas de leitura, há
um enfoque nas estratégias de compreensão do texto, que se dividem
entre tarefas que tem como finalidade a localização de informações e
outras que se preocupam com a compreensão global do texto. Já nas ati-
vidades em que leitura e AL estão articuladas, observamos que os efeitos
de sentido produzidos pelas escolhas lexicais e gramaticais realizadas
no contexto do texto são o principal foco. Na mesma direção, as ativida-
des de AL, em sua maioria, priorizam apenas a observação do fenômeno
linguístico, o que podemos perceber pela predominância de tarefas epi-
linguísticas (48), em relação às tarefas que contemplam a metalingua-
gem (8) e às tarefas que intentam articular a epi e a metalinguagem (3).
Nesse sentido, as tarefas de epilinguagem convidam o aluno a ob-
servar o uso e os efeitos de sentido dos recursos linguísticos, com vistas
à identificação do conteúdo explorado no texto. Já as tarefas metalin-
guísticas apresentam a nomeação e a conceituação do fenômeno lin-
guístico no próprio enunciado sem relação com as tarefas epilinguís-
ticas, o que resulta em tarefas com vistas à dedução, diferente do que
propõe a AL, pois o aluno não é levado a refletir de forma progressiva e
sistemática sobre o uso da língua em contexto específico.  

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 144


Destacamos, assim, que as atividades de AL, da seção de Leitura 1,
em alguma medida estão articuladas às atividades de leitura se consi-
derarmos a distribuição de atividades referentes a cada uma das prá-
ticas de linguagem. Contudo, ao analisarmos de forma mais detalha-
da as atividades de AL e sua respectiva natureza, constatamos que não
há um equilíbrio entre atividades epi e metalinguísticas, o que poderia
conduzir a um processo de aprendizagem mais produtivo com vistas à
ampliação do conhecimento linguístico sem que houvesse, talvez, a ne-
cessidade de uma outra seção dedicada ao estudo da língua na coleção
investigada. Portanto, entendemos que a prática de AL ainda está em
construção no material didático investigado.

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ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 146


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de Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, 2018. Disponível em: http://tede.
unioeste.br/handle/tede/4013. Acesso em: 28 abr. 2021.
SILVA, N. I da. Ensino Tradicional de Gramática ou Prática de Análise Lin-
guística: uma questão de (con)tradição nas aulas de português. Revista Brasi-
leira de Linguística Aplicada. Belo Horizonte, v. 10, n. 4, p. 949-973, 2010.
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BAGNO, M. (Org.). Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2004.
SUASSUNA, L. Ensino de linguística: situando a discussão. In: SILVA, A.;
PESSOA, A.C.; LIMA, A. (Orgs.). Ensino de gramática: reflexões sobre a língua
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VOLK, R. Professores em formação inicial e a Prática de Análise Linguística no
contexto escolar: uma análise crítica de discursos. 2021, p. 169 Dissertação
(Mestrado em Estudos Linguísticos) – Universidade Federal de Santa Maria,
RS, 2021.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 147


Capítulo 7

O tratamento pronominal
no livro didático:
análise e proposta à luz
da Sociolinguística

Maristela Fernandes Mendes Falcão

DOI: 10.52788/9786589932338.1-7
Introdução

Uma volta ao passado nos permite verificar que o ensino de gra-


mática tem raízes sólidas e profundas nas aulas de Língua Portuguesa,
tornando-se, na história da disciplina, uma grande protagonista dessas
aulas no decorrer das décadas. Isso significa que o ensino de Língua Por-
tuguesa ainda hoje remonta a concepções teórico-metodológicas que
fizeram parte do seu processo de construção. Logo, o ensino gramatical
que acontece dentro do contexto escolar tem sido tomado mediante o
apego de regras de tradição gramatical normativa.
Essas regras são entendidas como instrumentos padronizadores
e normativos desde a constituição dos Estados Centrais Modernos, de
acordo com Faraco (2008). Portanto, propõem-se a normatizar a lin-
guagem, descrevendo e prescrevendo superficialmente as variedades
linguísticas das classes dominantes, num esforço de ensiná-las àqueles
que empregam outras normas, proscrevendo as variedades vilipendia-
das. Portanto, as regras que recebem duras críticas estão relacionadas
tão somente às regras prescritivas, que desconsideram o tal termo em
um sentido diferente daquele entendido pela ciência linguística.
Assim, a gramática normativa ignora as formas linguísticas que
fogem do domínio linguístico que ela tem demarcado, repudiando fenô-
menos linguísticos que persistem na fala e na escrita mais monitoradas.
Logo, os usos que não são recomendáveis, embora sejam completamen-
te aceitos pelos estudos sociolinguísticos, são considerados degradan-
tes, feios, incorretos e inaceitáveis por manuais didáticos e pela escola.
No entanto, isso não significa que a reflexão gramatical e o ensino das
normas prestigiadas devam ser abandonadas.

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Ante o exposto, investigou-se como a categoria pronominal1 é tra-
tada/explorada/didatizada no livro didático Português Linguagens, dos
autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães (2017,
2018, 2019), adotado pelo município de Lajedo- PE, e, a partir daí, elabo-
rou-se um caderno de atividades complementares ao livro didático à luz
da Sociolinguística.

A prática de Análise Linguística

Em decorrência das críticas sobre os estudos gramaticais apresen-


tarem um modelo extremamente restrito, com ênfase na análise formal
e descontextualizada, surge a prática de Análise Linguística.
Assim, alternativas para o ensino gramatical normativo, descon-
textualizado e com ênfase na análise formal vigente vão surgindo. Den-
tre elas, emerge a proposta de João Wanderley Geraldi (1997), no início
da década de 1980, a qual era alicerçada sob três grandes eixos: a leitura
de textos, a produção de textos e a análise linguística. Essa proposta
de prática de análise linguística surge, portanto, para ocupar o espaço
das aulas de gramática, complementando as outras duas práticas. De
acordo com Mendonça (2006, p. 200), o movimento para rever a práti-
ca pedagógica da época propunha “uma reorientação para o ensino de
Português, com base na leitura e escrita de textos como práticas sociais
significativas e integradas”.
Desta maneira, a escola tem como finalidade colocar as práticas de
leitura e de escrita no centro das atenções do ensino, em vez da norma
padrão puramente, sem que se dispense a reflexão linguística. Sendo as-

1 Esse capítulo é um recorte de uma dissertação, a qual foi constituída a partir de duas frentes de trabalho a
fim de atingir os objetivos lá determinados, e dois artigos já publicados, sendo que aquela não foi publicada. Um
artigo foi publicado pela Revista Sociodialeto (2020) e o outro foi publicado nos Anais do V Colóquio Nacional
15 de outubro & VIII ENLIJE. v. v. 10 (2020). Primeiramente investigou-se a abordagem da variação linguística
no livro didático como um continuum. Depois, ofertou-se uma formação temática a professores do 6º ano do
Ensino Fundamental do município de Lajedo-PE objetivando apresentar os dados da pesquisa do livro didático
e ensiná-los a fazer diferente. Isto posto, as propostas lançadas aqui foram elaboradas pelos docentes, buscando
praticar o ensino de gramática a partir de três frentes de trabalho, como Vieira (2017, 2018) propõe, e analisadas
pela pesquisadora/formadora.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 150


sim, essa nova perspectiva se mostra diferente do que se convencionou
chamar “ensino de gramática”.
A prática de reflexão linguística assumia a língua como uma ati-
vidade social, histórica, dinâmica, variável. Com essa concepção de lín-
gua, conforme Mendonça (2006, p. 206), não teria sentido estudar os
fenômenos linguísticos como um fim em si mesmos, porque “a seleção
e o emprego de certos elementos e estratégias ocorre”, concomitante-
mente às condições em que os textos são produzidos. Para essa propos-
ta, a reflexão das formas linguísticas teria que ser a partir da revisão e
refacção dos textos escritos pelos próprios alunos, de maneira que essa
atividade deveria estar intimamente ligada ao domínio da expressão.
Segundo Geraldi (1997, p. 74, nota 6)

O objetivo essencial da análise linguística é a reescrita do texto do aluno. Isso


não exclui, obviamente, a possibilidade de nessas aulas o professor organizar
atividades sobre o tema escolhido, mostrando com essas atividades os aspectos
sistemáticos da língua portuguesa. Chamo atenção aqui para os aspectos sis-
temáticos da língua e não para a terminologia gramatical com que a denomi-
namos. O objetivo não é o aluno dominar a terminologia (embora possa usá-la),
mas compreender o fenômeno linguístico em estudo.

O estudioso acrescenta que a prática de análise linguística não


pode ser limitada a fazer uma “varredura” dos aspectos gramaticais e
ortográficos dos textos produzidos pelos alunos, mas fazer com que as
suas produções alcancem propósitos comunicativos junto ao público
que se pretende.
A análise linguística coloca a reflexão como “recorrente e organiza-
da, voltada para a produção de sentidos e/ou para a compreensão mais
ampla dos usos e do sistema linguísticos”, [...] (MENDONÇA, 2006, p.
200), em substituição à classificação e à identificação. Ou seja, tal pro-
posta conduz o aluno à reflexão dos usos linguísticos empregados em
textos autênticos que desejam atingir a determinados fins.
A prática de reflexão linguística incide sobre as formas linguísti-
cas praticadas efetivamente, refletindo a respeito dos elementos, dos
fenômenos linguísticos e das estratégias discursivas, debruçando-se na

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 151


escolha dos aspectos linguísticos estudados que deverá levar em con-
sideração a capacidade de leitura e de escrita dos aprendizes. Neste
contexto, a variação linguística aflora, porque a norma padrão e a nor-
ma culta deixam de ser exclusivistas, abrindo passagem para o estudo
de outras variedades, independentemente dos propósitos e efeitos de
sentidos pretendidos, uma vez que tais normas não alcançam todos os
gêneros da escrita, havendo, assim, outros textos a serem escritos em
outras variedades linguísticas, o que é socialmente aceitável. É normal
que as normas prestigiadas sejam trabalhadas nas horas dedicadas à
reflexão linguística, haja vista que o esperado em determinados gêneros
escritos é o uso da norma culta.
Por isso, levar uma diversidade de textos representativos de varie-
dades linguísticas diversas para a sala de aula contribuirá com a forma-
ção dos alunos leitores-escritores, de modo a desenvolver nestes habili-
dades de reflexão e seleção dos usos linguísticos adequados no processo
de construção, correção e refacção dos seus textos.
Muito mais que uma nova nomenclatura, o termo análise linguísti-
ca foi cunhado para uma nova perspectiva de ensino que visava à “refle-
xão sobre o sistema linguístico e sobre os usos da língua” (MENDONÇA,
2006, p. 205), a fim de formar cidadãos capazes de ler, escutar e produzir
textos orais e escritos autonomamente dentro e fora da escola, de modo
a possibilitar neles a reflexão sobre os fenômenos linguísticos, e tam-
bém gramaticais, em suas produções discursivas para que pudessem
ter uma participação ativa e cidadã na sociedade.

A proposta pedagógica para o ensino


de gramática a partir de Eixos

A proposta de Análise Linguística surgiu como alternativa a um en-


sino de gramática de orientação tradicional, objetivando levar o aluno
a refletir sobre o sistema linguístico e os usos da língua. Não desconsi-
derando a relevância de tal proposta para o ensino de língua portugue-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 152


sa, em virtude da carência de propostas que trabalhassem o elemento
gramatical aliado à variação linguística, brota-se uma proposta para o
ensino de gramática a partir de três eixos (VIEIRA, 2017, 2018), da qual
falaremos agora.
No capítulo intitulado “Prática de análise linguística sem ensino
de gramática? reflexões e propostas, Vieira (2017) lança essa pergunta
retórica a respeito das práticas pedagógicas baseadas nas orientações
oficiais para o ensino de Língua Portuguesa, principalmente após a pu-
blicação do PCN (1998), que acabaram por estabelecer uma dicotomia
entre “prática de análise linguística” e “ensino de gramática” no país.
Ao fazer uma incursão em documentos oficiais para o ensino de
Português e de gramática e uma diagnose em materiais didáticos pro-
duzidos pela Secretaria Municipal do Rio de Janeiro (Cadernos pedagó-
gicos), Vieira (2017, 2018) constatou que são as práticas da linguagem
que orientam o trabalho de Língua Portuguesa, relegando o trabalho
com a gramática para um segundo plano. Portanto, segundo a autora, a
escola precisa trabalhar gramática:
Considerando o funcionamento de recursos linguísticos em diferentes níveis
(fonético-fonológico, morfológico, sintático, semântico-discursivo);

i. Permitindo o acesso às práticas de leitura e produção de textos orais e escri-


tos, de modo a fazer o aluno reconhecer e utilizar os recursos linguísticos como
elementos fundamentais à produção de sentido, e, ainda,

ii. Propiciando condições para que o aluno atenha acesso a variedades de pres-
tígio na sociedade, segundo os contínuos de variação (Cf. BORTONI-RICARDO,
2005), que configuram uma pluralidade de normas de uso, sem desmerecer ou-
tras variedades apresentadas pelo aluno e/ou nos diversos materiais usados
(VIEIRA, 2018, p. 51).

Assim, esse estudo mostrou evidências nítidas de que a articula-


ção entre os elementos gramaticais e as competências discursivas não
acontece de forma efetiva na escola. Logo, era tempo de elaborar uma
proposta que, não desmerecendo as chamadas práticas de linguagem,
trabalhasse “o componente gramatical, seja no plano da reflexão e sis-
tematização linguística, [...] seja no plano da exploração de recursos lin-
guísticos em textos, sem desconsiderar a complexidade da variação lin-
guística” (VIEIRA, 2017, p. 305).

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 153


Deste modo, a estudiosa propõe um ensino de gramática que fo-
calize os fenômenos linguísticos como: (i) elementos que permitem a
abordagem reflexiva da gramática; (ii) recursos expressivos na constru-
ção do sentido do texto; e (iii) instância de manifestação de normas/
variedades. Ou seja, a pesquisadora sugere que a escola trabalhe a gra-
mática a partir desses três eixos2.
O primeiro dos eixos, transversal aos dois últimos, que se funda-
menta nos postulados de Franchi (2006), opera o ensino de gramáti-
ca no plano da reflexão linguística, por meio de atividades linguísticas,
epilinguísticas e metalinguísticas para que o aluno adquira consciência
linguística dos fenômenos.
O segundo eixo, o qual tem como fundamentos teóricos os traba-
lhos de Neves (2006) e Pauliukonis (2018), trata do componente gramati-
cal voltado para o sentido do texto. Na finalidade de um ensino produti-
vo de gramática, Neves (2006 apud VIEIRA, 2018) preconiza um trabalho
pautado por meio do sentido/texto. Na proposta de Pauliukonis (2018),
a autora assume uma concepção discursiva da unidade textual, em que
o papel da gramática na codificação de sentidos internos e externos à
materialização do enunciado é patente.
O último dos eixos, que tem como base o modelo dos contínuos
estabelecidos por Bortoni-Ricardo (2004), consiste em reconhecer a li-
gação entre ensino de gramática, normas e variação. As aulas de língua
portuguesa, de acordo com Vieira (2018), independentemente de ter o
intuito da promoção da capacidade de leitura e produção textual a par-
tir dos componentes linguísticos, precisam suscitar reflexões sobre as
estruturas linguísticas pertencentes às normas/variedades que o aluno
não domina, as quais se fazem presentes no material didático dele, tor-
nando-se, muitas vezes, ininteligíveis, como os pronomes clíticos, por
exemplo.

2Tomando por base essa proposta, cabe observar que houve experiências pedagógicas (as conhecidas
intervenções do ProfLetras) com alguns conteúdos gramaticais, as quais culminaram em dissertações para o
referido Programa. Para mais informações sobre a proposta, examinar Vieira (2018).

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 154


Assim, trabalhar com esses três eixos “pode responder ao anseio da
articulação entre o que se concebia como “ensino de gramática e “práti-
ca de análise linguística” (VIEIRA, 2017, p. 312).
Diante disso, a partir de experiências pedagógicas exitosas nas
práticas escolares, foi provado que é possível um ensino de língua por-
tuguesa considerando os eixos propostos pela pesquisadora. Reforça-
mos que o modelo de ensino de gramática apontado por Vieira (2018)
deve se dá de forma conjugada para o desenvolvimento dos conteúdos
gramaticais.

A variação linguística como fenômeno inerente à língua

É inegável que a variação linguística seja comum a todas as línguas,


haja vista apresentarem um conjunto de fatores internos e externos.
Portanto, o fenômeno da variação linguística deve ser visto como um fe-
nômeno “rotineiro”, característico a qualquer língua natural e condicio-
nado socialmente, que remonta a sua faceta heterogênea, não podendo
ser ignorada. O Brasil, que tem hoje uma população de 213, 4 milhões
de habitantes3 e aproximadamente duzentas e dez línguas4 “coexistem
com o português brasileiro”, (BAGNO, 2007, p. 126) é - por excelência - o
país da diversidade cultural, social, econômica e linguística.
É natural, contudo, que em uma nação tão extensa como a nossa,
com grande diversidade nos aspectos econômicos, sociais e culturais,
ocorra a variação linguística, chegando mesmo a ser inevitável se consi-
derarmos o “alto grau de diversidade e de variabilidade” (BAGNO, 1999,
p. 19), bem como a heterogeneidade social e os diferentes graus de con-
tato das diversas comunidades que existem aqui.
Mediante a essa conjuntura, faz-se necessário que a escola legitime
e valorize a multiplicidade linguística do português brasileiro. Por con-

3 Disponível em: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/. Acesso em: 09 Ago. 21


4 BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola
Editorial, 2007.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 155


seguinte, o ambiente escolar deve tratar o tema da variação como objeto
de estudo e de ensino no livro didático, tendo em vista que esse impor-
tante instrumento de ensino-aprendizagem tem grande influência na
tarefa de valorizar o vernáculo brasileiro de todo e qualquer falante.

A Sociolinguística Variacionista e a Sociolinguística


Educacional: breves considerações

Em cada campo de atuação dos estudos da Sociolinguística Varia-


cionista e da Sociolinguística Educacional se evidencia o fenômeno da
variação linguística, considerando tal fenômeno observado com regras
lógicas, ordenadas, estruturadas e regulares. O primeiro campo está
atrelado à relação língua/sociedade, bem como aos usos linguísticos dos
falantes nos diversos contextos e situações sociais. O segundo, por sua
vez, se ocupa dos vários fenômenos da variação linguística que ocorre
no português brasileiro (PB), tendo em vista que todas as línguas apre-
sentam variação em todos os níveis da língua, como também nos fa-
tores extralinguísticos, já que há outras variáveis no complexo quadro
sociolinguístico.
A Sociolinguística Variacionista, consolidada nos anos 1960, nos
Estados Unidos, encontrou terreno fértil para a aplicação dos seus pos-
tulados no ensino de Língua Portuguesa brasileiro, como também para
o desenvolvimento de uma subárea a partir do estudo fornecido das in-
vestigações científicas dos trabalhos de William Labov.
Os estudos provenientes da Sociolinguística conscientizam a es-
cola em favor de um trabalho que leve o educando a conhecer e usar
a norma culta5, bem como reconheça as demais variedades linguísti-
cas, oferecendo ao aluno uma flexibilidade linguística que lhe permita
um desempenho adequado nos diversos atos linguísticos. Essa visão de

5 Em Bagno (2019), ele propõe substituir a expressão “norma culta” por variedades urbanas de prestígio, pelo
fato de ser ambígua e problemática e apresentar dupla personalidade, dado que ela esconde “dois conceitos
opostos no que diz respeito à língua que falamos e escrevemos” (BAGNO, 2019, p. 47).

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 156


ensino instrui a escola a habilitar os falantes das “variedades rurbanas
estigmatizadas” (BAGNO, 2019, p. 59) ao uso das variedades urbanas de
prestígio sem que se discrimine ou exclua as variedades linguísticas
dos alunos.
É nessa conjuntura que Bortoni-Ricardo (2005) denomina de Socio-
linguística Educacional, área inaugurada pela pesquisadora, “todas as
propostas e pesquisas sociolinguísticas que tenham por objetivo contri-
buir para o aperfeiçoamento do processo educacional, principalmente
na área do ensino de língua materna” (BORTINI-RICARDO, 2005, p. 128).
A estudiosa garante que o estudo e o conhecimento a respeito dessa
subárea da linguística pode contribuir com a qualidade do ensino de lín-
gua materna, uma vez que ela se debruça sobre a realidade linguística
dos seus falantes.
Desse modo, entende-se que a Sociolinguística e seus conteúdos
agregam estudos de extrema importância para a formação do professor
de Língua Portuguesa, bem como para a sua prática pedagógica em sala
de aula.

O sistema pronominal no livro didático: dos usos


recomendáveis aos usos efetivos

Os compêndios gramaticais, geralmente, definem o pronome como


aquelas “palavras que substituem o substantivo e representam as pes-
soas do discurso” (CEGALLA, 2010, p. 180). Na grande maioria dos livros
didáticos, assim como nos compêndios, em relação ao quadro pronomi-
nal apresentado, por exemplo, há predominância de um quadro estan-
que que não corresponde de fato à realidade dos usos nem de Portugal
e muito menos do Brasil.
O fato de os livros ignorarem o sistema pronominal brasileiro, de-
monstra que a postura teórico-metodológica a qual influencia o LD pro-
vém dos compêndios gramaticais de cunho mais conservador, que têm

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 157


o escopo de tentar preservar os mesmos padrões linguísticos de outro-
ra. Consequentemente, os elementos de gramática são ensinados sob
a ótica da prescrição e da padronização, arraigados numa perspectiva
transmissiva e conservadora de língua.
Isso porque tais compêndios não levam em consideração as vastas
pesquisas realizadas pelos sociolinguistas sobre o PB como, por exem-
plo, o Projeto Norma Urbana Culta (NURC), iniciado em 1969. O empre-
endimento se preocupou em investigar o que significaria ser um falante
culto, em termos linguísticos, e “possibilitou um conhecimento (que se
aprofunda cada vez mais) da língua realmente falada pelos brasileiros
rotulados de cultos” (BAGNO, 2013, p. 57).
A esse respeito, no que se refere aos pronomes pessoais retos, como
ainda são divididos pelos manuais didáticos, Neves (2002), por meio do
banco de dados do projeto NURC, constatou que para a primeira pessoa
os falantes cultos fazem uso do eu/nós/a gente. Já para a segunda pes-
soa, tais falantes usam tu/você/o senhor/a senhora. Finalmente, para a
terceira pessoa, esses mesmos falantes usam ele/eles/ela/elas.
Portanto, o quadro artificial e solidificado no tempo, apresentado
na perspectiva tradicional, não dá conta dos usos efetivos e autênticos
do PB contemporâneo. Ou seja, o quadro pronominal brasileiro falado
se reorganizou porque, no curso natural da língua, há mudanças e, em
razão dessa condição, seria praticamente inconcebível estarmos falan-
do a mesma língua após mais de 500 anos.
Isto posto, é notório que as gramáticas normativas e os livros didá-
ticos fechem os olhos para todo o saber acumulado sobre o PB, teiman-
do em prescreverem um quadro pronominal estanque, sem apresentar
as formas “inovadoras”.
Ainda que muitos livros didáticos mostrem de forma acanhada que
a língua varia e muda no tempo, as informações concernentes à variação
dos pronomes não passam, muitas vezes, de notas em boxes adicionais,
revelando, com isso, que o ensino de gramática normativa, vista como
um conjunto sistemático de regras categóricas, permitindo discreta-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 158


mente uma ou outra variante quando muito, sobrevive, resiste e insiste
em preservar a qualquer custo regras gramaticais que já não pertencem
mais à língua falada e escrita real, no material didático, condenando e
desqualificando o falante brasileiro em nome de uma ilusão linguística.

Pronome: uma categoria gramatical variável

Para descrever certos aspectos linguísticos, a gramática normati-


va se distancia muito no tempo em relação à escrita e aos usos autênti-
cos da língua.
Aqui, trouxemos um pequeno recorte da análise dos pronomes
- penúltimo conteúdo gramatical posto no livro - que ainda é empre-
endido no livro objeto de pesquisa Português Linguagens de forma pro-
fundamente conservadora na teoria gramatical normativa, mostrando,
assim, que essa permanece vigorosa no decorrer de séculos.
Em nossa pesquisa para a dissertação é notável perceber que es-
tendemos a análise para os exercícios propostos posteriores à parte em
que há predomínio teórico, na seção em que é projetada o conteúdo pro-
nominal. O conteúdo pronominal vem no primeiro capítulo da unidade
4 e apresenta quatro subtópicos. Para a construção do conceito os au-
tores têm como suporte uma fábula. Em seguida, eles trazem seis tipos
de pronomes, classificando-os como pessoais, possessivos, demonstra-
tivos, indefinidos, interrogativos e relativos.
Dando um salto, para finalizar o conteúdo gramatical dos prono-
mes, a subseção semântica e discurso, a qual tem como escopo ampliar
a abordagem do ponto gramatical discorrido no capítulo, oferece seis
quesitos voltados para as questões semânticas. No entanto, focaremos
aqui apenas na questão 2, dado a análise ultrapassar os limites deste
capítulo.
O quesito 2 apresenta seis frases com pronomes empregados que
vão de encontro às regras da norma-padrão, e solicita que o aluno rees-
creva-as empregando os pronomes de acordo com tal norma.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 159


Figura 1 – Exercício para a sistematização do emprego dos pronomes segundo a
norma-padrão

Fonte: Cereja e Magalhães (2015, p. 221).

Antes de tudo, as frases da figura 1, exceto a letra “c”, que estiveram


presentes em uma obra dos autores Cereja e Magalhaes aprovada pelo
PNLD/2008, a qual foi alvo de análise por Bagno (2010) quando esse em-
preendeu um projeto de pesquisa de LD, estão igualmente nessa edição
de 2015.
O estudioso apresenta os problemas das frases no sentido em que
nelas ocorrem numa mistura de traços graduais e descontínuos. Assim,
as frases (a), (d) e (e) pertencem à norma culta, já que os falantes urbanos
letrados falam assim. As demais frases são artificiais, criadas especifica-
mente para “servir de pretexto ao ensino da norma curta (BAGNO, 2010,
p. 209, grifos do autor).
Esse tipo de exercício, que pede para o aluno passar para a norma-
-padrão, desconstrói todo o reconhecimento da variação nos fenômenos
gramaticais, porque de acordo com Bagno (2010), em um primeiro mo-
mento há o reconhecimento da diferença, e em um segundo momento
essa mesma diferença é vista como uma deficiência. Ademais, quando
os autores sugerem que o aluno reescreva/passe para a norma-padrão
da língua, eles ressaltam a fala como lugar de erro, quando deveriam
mostrar o amplo contínuo entre a fala mais informal e a mais monito-
rada.
Observamos que nenhum comentário é feito sobre essa ativida-
de, nem antes nem depois. Os autores não situam os alunos em relação
aos contextos em que os enunciados estão situados. Então, deduzimos
que tais enunciados partem de um contexto de oralidade mais informal,

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 160


uma vez que a relação entre os interlocutores sugerem um grau de in-
timidade acentuado entre eles, sendo totalmente aceitáveis esses usos.
Assim, tais questões, mal elaboradas por sinal, são vistas apenas
como uma visão normativista do ensino da língua, sem reflexão algu-
ma. Seria menos grave se os autores, ao solicitarem exercícios dessa
natureza, discutissem que há determinados usos linguísticos que não
são acolhidos pela tradição normativa, ou seja, não fazem parte da nor-
ma-padrão, mas que estão na fala da maioria dos brasileiros, inclusive
os escolarizados.

Atividades sob novos olhares e novas perspectivas: uma


análise sob a ótica dos três eixos

As propostas das atividades elaboradas pelos docentes buscaram


praticar o ensino de gramática a partir de três frentes de trabalho como
Vieira (2017, 2018) propõe, porque urge que sejam propostas novas al-
ternativas para um ensino de gramática com uma abordagem mais pro-
dutiva.
Os participantes tentaram privilegiar nos exercícios as formas lin-
guísticas em uso efetivo, abordando o conteúdo pronominal por meio
de atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas (Eixo 1-
gramática e reflexão linguística).
Para haver integração entre o plano da reflexão linguística e a lín-
gua em uso é preciso pensar nos contextos comunicativos. Sendo assim,
obviamente, todas as atividades foram pensadas a partir de gêneros tex-
tuais/discursivos diversos, uma vez que o Eixo 2 (gramática e produção
de sentidos) entende o ensino de gramática pautado através do texto.
Todas as atividades contemplaram e privilegiaram o Eixo 3 (gra-
mática e variação e normas linguísticas), uma vez que os exercícios ex-
ploraram os demais Eixos, conduzindo o estudante a reconhecer como
se manifestam as regras/formas pronominais variantes. 
Nesse tópico

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 161


expusemos um recorte de duas atividades e sua análise geral e algumas
questões que foram analisadas a fim de conferirmos como estas aborda-
ram cada Eixo, conforme pode ver a seguir:

Proposta de atividade do professor A


ANÚNCIO

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1 - No perfil oficial do Twitter da TIMBrasil, o post anuncia o seguinte: “A


cara de felicidade em ganhar menos uma parcela! Só no #TIMControle você
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las fazendo um post no Instagram, é só postar usando #MeuPostValeMuito!
http://bit.ly/ControleGalaxyA20...” seguido da imagem que você acima.

a) Qual o produto é oferecido no anúncio?


b) A propaganda visa a atingir um tipo de público. Qual?
c) Quais palavras o texto utiliza para se referir ao seu interlocutor?
__________________________________________________________

2 - Observe o seguinte enunciado do anúncio:

a) A quem corresponde o pronome “a gente”?


b) A quem se refere o pronome você, no enunciado?

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 162


c) Substitua a forma “a gente” pela forma “nós”. Reescreva abaixo como ficou
o enunciado.
__________________________________________________________

3 - O gênero desta atividade pertence à modalidade escrita. Esse tipo de texto


é mais formal ou menos formal? O uso do pronome “a gente” é permitido/ade-
quado? Pense, reflita e discuta com os seus colegas e a professora.
__________________________________________________________

O professor “A” trouxe como texto motivador um anúncio ou “pos-


tagem” retirado do Twitter da #TIMBrasil, pertencente a um contex-
to linguístico que tem o emprego dos pronomes em uso. A atividade é
composta de três questões. De modo geral, a primeira delas se relaciona
à interpretação textual, levanta questões gerais e já inicia uma refle-
xão sobre as formas pronominais disponíveis na língua. Por sua vez, a
questão “2”, que também traz os dá continuidade às questões que levam
o aluno a refletir acerca das formas pronominais propostas. Por fim, a
terceira questão conduz o estudante a discutir sobre a modalidade e o
registro do gênero.
Assim, a questão 2, itens “a a “b”, mais especificamente, além de ser
de natureza linguística, por envolver a leitura e a reescritura do enun-
ciado (Eixo 1), ela também é epilinguística porque, ao reformulá-lo, o
aluno vai experimentar uma nova construção, uma nova estrutura, o
que acaba por exigir a análise dessas, trabalhando, desse modo, o dito
Eixo. O item “b”, de natureza epilinguística, leva o aluno a refletir sobre
as duas variantes, que são usadas de acordo com a modalidade e o grau
de monitoração estilística textuais, o que se articula profundamente ao
Eixo 3.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 163


Proposta de atividade do professor B
História de uma gata

Chico Buarque
Os Saltimbancos Trapalhões

O texto que segue é uma música que faz parte do disco infantil Os Saltimban-
cos. Você a conhece?

Leia a seguinte canção!

Me alimentaram

Me acariciaram

Me aliciaram

Me acostumaram

O meu mundo era o apartamento

Detefon, almofada e trato...

(https://www.vagalume.com.br/chico-buar-

que/historia-de-uma-gata.html. Acesso em:

08 Nov. 2019)

1) Para responder as questões que seguem, releia a canção.


a) O que a gata recebia em troca para ficar em casa? Ela estava satisfeita? O
que ela queria?
b) Entendendo que a letra faz uso da liberdade poética para causar um efeito
estilístico na canção, qual o efeito sonoro decorrente da repetição pelo eu poé-
tico, que, no caso é uma gata, do pronome me no início dos refrãos?

2) Releia os seguintes versos:


“Me alimentaram,
Me acariciaram,
Me aliciaram,
Me acostumaram”.

a) Você sabia que a norma padrão recomenda que não se inicie orações com
pronomes oblíquos átonos, como está em cada verso da primeira estrofe? Re-
escreva-os, seguindo a recomendação gramatical normativa.
__________________________________________________________

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 164


b) Compare as duas formas. Uma está mais correta que a outra?
__________________________________________________________

Já o professor “B” escolheu uma música de Chico Buarque, “história


de uma gata”, para compor a sua atividade, a qual teve quatro questões.
A primeira, explora a interpretação textual. A questão “2” encaminha o
aprendiz a pensar a respeito de determinadas normas linguísticas em
contextos de fala e escrita. A terceira questão, orienta o aluno a refletir
sobre as variantes pronominais de 1ª pessoa do plural, que os falantes
escolhem dependendo o contexto em que são mais produtivas. Final-
mente, a quarta questão aborda o pronome-sujeito de primeira pessoa
do singular.
Desse modo, os itens da questão “2” priorizam o Eixo em I por ser
uma atividade de natureza linguística, já que a leitura e a reescritura
são acionadas, e epilinguística, visto que a análise linguística da nova
estrutura deverá ser mobilizada. No item “b”, solicita-se que o aluno
compare as duas estruturas, incentivando-o a refletir a respeito de um
uso recomendado pela norma padrão, reservado a situações comunica-
tivas mais monitoradas, e um uso empregado comumente na fala dos
brasileiros, inclusive dos falantes cultos, e que podem estar presente em
certos contextos linguísticos, como a canção. Essa questão também se
vincula ao Eixo 3, uma vez que o aluno refletirá sobre os contínuos de
oralidade-letramento e monitoração estilística em determinados gêne-
ros textuais.
Reforçamos que os três eixos propostos (VIEIRA, 2017, 2018) podem
se destacar na mesma proporção em uma questão ou não.

Considerações finais

A pesquisa mostrou que na obra há um predomínio de uma abor-


dagem basicamente transmissiva, sem que leve o aluno à perspectiva
reflexiva, a qual se desenrola num enfoque absolutamente prescritivo,

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 165


descritivo e normativo, suplantando a questão da variação em uma ca-
tegoria gramatical que é altamente variável como os pronomes, o que
reforça a permanência firme e forte da norma-padrão no contexto es-
colar, sem possibilitar a reflexão do aluno no tocante às funções do pro-
nome.
As definições, os conceitos, os exercícios, as explicações atestam
como as funções dos pronomes, que vão além das sintáticas e morfos-
sintáticas, são exploradas de modo inconsistente. Logo, os autores joga-
ram fora ótimas oportunidades de discutir as preferências e tendências
de certas formas linguísticas na abordagem do conteúdo pronominal.
Ademais, apesar da relativa flexibilidade que a norma gramatical
brasileira oferece, o material didático deixa claro um tratamento dos
conhecimentos linguísticos na estreiteza da norma curta, com seu pesa-
do dogmatismo de certo e errado, que condena fenômenos linguísticos
próprios da norma culta “real” e que não acomoda a variação.
No que se refere às atividades complementares ao livro didático,
o material apresentou muitas questões numa perspectiva bastante di-
ferenciada daquela encontrada no livro alvo da pesquisa, haja vista ex-
plorarem muitos textos reais, autênticos, retirados de vários contextos
linguísticos, estimulando no aluno a reflexão da nossa realidade Socio-
linguística. Vale ressaltar que as atividades tiveram embasamento nos
construtos teórico-metodológicos das teorias linguísticas tratadas nes-
te trabalho.
Estudar os temas gramaticais para que o aluno reconheça e reflita
sobre as categorias gramaticais só fará sentido se for de maneira con-
textualizada, sistemática e funcional, por meios das mais diversas fontes
de textos, que devem ser autênticos, reais, falados e também escritos.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 166


Referências

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BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Edi-
ções Loyola, (1999).
BAGNO, Marcos. Objeto Língua. 1ª ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2019.
BAGNO, Marcos. Sete erros aos quatro ventos: a variação linguística no ensino
de português. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.
BAGNO, Marcos. Gramática, pra que te quero?: os conhecimentos linguísticos
nos livros didáticos de português. Curitiba: Amayrá, 2010.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolin-
guística em sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolin-
guística e educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa.
48. Ed. ver. – São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2010.
CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: lingua-
gens, 6°ano. 9.ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2015.
FARACO, Carlos Alberto. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São
Paulo: Parábola Editorial, 2008
FRANCHI, Carlos. Mas o que é mesmo “gramática”? São Paulo: Parábola Edi-
torial, 2006.
GERALDI, João Wanderley. Práticas de sala de aula. In GERALDI, João Wan-
derley. (org). O texto na sala de aula. São Paulo: Editora Ática, 1997. p. 73-79.
MENDONÇA, Márcia. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar,
um outro objeto. In: BUNZEN, Clecio; MENDONÇA, Márcia (Orgs.). Portu-
guês no ensino médio e formação de professor. São Paulo: Parábola Editorial,
2006.
NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática: história, teoria e análise, ensi-
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BRANDÃO, S.F (orgs). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Con-
texto, 2018. p. 239-258.
VIEIRA, Silvia Rodrigues. Três eixos para o ensino de gramática. In: VIEIRA,
Silvia Rodrigues. (org). Gramática, variação e ensino: diagnose e propostas
pedagógicas. São Paulo: Blucher, 2018.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 167


VIEIRA, Silvia Rodrigues. Prática de análise linguística sem ensino de gra-
mática? Reflexões e propostas. In: ATAÍDE, Cleber Et al. Gelne 40 anos: ex-
periências teóricas e práticas nas pesquisas em linguística e literatura. São
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plementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais + Ensino Médio. Disponível
em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens02.pdf. Acesso em:
15 set 2018.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Terceiro e quarto ciclos do ensi-
no fundamental. Introdução aos parâmetros curriculares nacionais terceiro
e quarto ciclos do ensino fundamental. Disponível em: http://portal.mec.gov.
br/seb/arquivos/pdf/introducao.pdf. Acesso em: 02 Nov. 2018.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 168


Capítulo 8

Análise Linguística e
ensino de língua:
considerações sobre o ensino/
aprendizagem de gêneros textuais
em sala de aula

André Luiz da Silva

DOI: 10.52788/9786589932338.1-8
Introdução

A prática da Análise Linguística é essencial no ensino de língua


portuguesa por possibilitar ao aluno a compreensão e a utilização dos
recursos linguísticos nos diversos gêneros textuais. Como característi-
ca, o ensino de língua nas escolas públicas do Brasil é classificado como
sendo ineficiente. Esta realidade pode ser comprovada pelo pouco do-
mínio dos alunos na compreensão e produção de gêneros textuais em
sala de aula.
A cada ano as avaliações oficiais sobre o ensino e aprendizagem
de língua reafirmam que a escola não cumpre com eficiência o papel de
desenvolver habilidades linguísticas dos alunos. Em decorrência desta
realidade, cabe ao professor de língua portuguesa reformular sua práti-
ca profissional em sala de aula, através de abordagens pedagógicas para
minimizar tal problemática.
Na leitura e escrita de gêneros textuais torna-se necessário privile-
giar nas aulas a prática de análise de produção que contextualize vários
gêneros textuais, todavia na prática docente pairam diversas dúvidas,
como também perguntas sem respostas quando o assunto é o ensino e
estudo da gramática na educação básica brasileira.
Tendo como foco de análises o ensino/aprendizagem de gêneros
textuais na perspectiva da Análise Linguística, este artigo apresenta
um estudo sobre um novo olhar para se tratar os fenômenos linguísti-
cos na escola, que impulsionou a mudança de alguns modelos e concep-
ções gerais que norteiam o ensino de língua e que privilegiam pontos
como: expressão da subjetividade no lugar do silenciamento; o texto e
não a frase como unidade básica do trabalho pedagógico; a linguagem
como atividade e não como produto de tarefas, dentre outros aspectos
relacionados a uma nova forma de ensino de língua, este novo olhar é a
prática didática aliada à Análise Linguística.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 170


O objetivo deste trabalho é o de enfatizar para a comunidade do-
cente de língua portuguesa a importância de uma prática profissio-
nal que seja pautada no ensino/aprendizagem de gêneros textuais sob
a perspectiva da Análise Linguística em sala de aula, isto porque este
novo olhar sobre o ensino de língua promove uma reflexão sobre o uso
da língua, melhorando o desempenho dos alunos na leitora e escrita de
textos por levar os alunos a compreenderem os aspectos sistemáticos
da língua e a utilizar consciente e eficientemente os recursos da língua.
Para a produção deste estudo utilizamos uma metodologia de pes-
quisa com caráter de base bibliográfica, em que foram utilizados re-
ferenciais teóricos de autores como: Bakthin (2016); Marcuschi (2011);
Fuza e Menegassi (2006); OCEM (2006); Kleiman (2005); Schneuwly e
Dolz (2004); os PCNs (1999), além da contribuição de outros pesquisa-
dores que têm como foco de seus trabalhos o tema do ensino/apren-
dizagem de gêneros textuais na perspectiva da Análise Linguística. A
escolha das fontes citadas se deu por entendermos que elas possuem
relevância direta com a nossa pesquisa. A partir de um levantamento
bibliográfico foi possível desenvolver uma análise fundamentada com
o objetivo de produzir considerações pessoais a respeito do tema deste
artigo científico.
Este trabalho está dividido em quatro seções, além da introdu-
ção e das conclusões, são elas: Orientações para o ensino e aprendizagem
da língua, que apresenta as orientações de documentos oficiais sobre
o ensino de língua portuguesa; O ensino de língua através dos gêneros
textuais, uma abordagem teórica sobre gêneros textuais, como ênfase
na conceituação destes materiais linguísticos, além do enfoque sobre
o ensino de língua através dos gêneros textuais; O estudo do texto em
sala de aula, nesta parte do texto são descritas de forma o professor de
língua deve pautar sua prática profissional em sala de qual, quanto ao
estudo do texto visando a efetivação da aprendizagem de seu alunado;
Sequência Didática (SD), que apresenta uma descrição sobre a impor-
tância de uma SD para o ensino e aprendizagem de língua através de

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 171


um gênero textual específico. Por último apresentamos a sessão Análise
Linguística e ensino de língua: considerações sobre o ensino/aprendizagem
de gêneros textuais em sala de aula, o objeto de estudo deste artigo, em
que apresentamos análises a respeito da Análise Linguística, este novo
olhar sobre o ensino/aprendizagem de língua e que trata os fenômenos
linguísticos na escola com o objetivo de realizar reflexões por parte do
aluno sobre o uso da língua.

Orientações para o ensino e aprendizagem da língua

Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (1999), o proces-


so de ensino/aprendizagem da língua é caracterizado como sendo de
uma conjuntura dinâmica que abrange os âmbitos sócio-pedagógicos,
históricos, religiosos, políticos e culturais, que (re) configuram, através
das realidades da escola e do aluno, a contextualização das instâncias
linguístico-educacionais.
Nesta perspectiva o professor deve pautar sua prática, observando
o aspecto contextual em que o processo de aprendizagem se insere. No
processo de ensino/aprendizagem de língua a escola e a sala de aula de-
vem estar totalmente habilitadas para formar sujeitos pensantes. Tais
sujeitos devem ser capazes de criticar, avaliar, argumentar e se posicio-
nar sobre os mais variados temas a serem debatidos em sala de aula.
Nesta perspectiva de ensino/aprendizagem de língua a escola, como
instituição educativa e social deve preparar e inserir esses sujeitos para
o convívio em sociedade.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1999) para o ensi-
no/aprendizagem de língua aprender a língua é aprender além de pala-
vras e saber combiná-las em expressões complexas, apreender também
pragmaticamente seus significados culturais e, com eles, os modos pe-
los quais as pessoas entendem e interpretam a realidade e a si mesmas.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 172


No processo de ensino/aprendizagem de língua, como caracterís-
tica, as instituições escolares buscam ofertar mecanismos que possam
corresponder com o que rege as orientações de documentos como os
Parâmetros Curriculares Nacionais (1999), sendo um destes a oferta,
por exemplo, da Educação de Jovens e Adultos – EJA. Assim, a esco-
la deve seguir, claramente, o que está prescrito no inciso VII do artigo
4º da LDB, no que concerne o direito à educação, quando diz que deve
existir oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com
características e modalidades adequadas às suas necessidades e dispo-
nibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de
acesso e permanência na escola.
É neste contexto que a escola deve atentar para a abordagem me-
todológica de letramento múltiplo atrelado ao sociointeracionismo, que
segundo Kleiman (2005) surge como uma forma de explicar o impacto
da escrita em todas as esferas de atividades e não somente nas ativida-
des escolares.
Tendo em vista as várias abordagens sobre o ensino de língua, tor-
na-se necessário um enfoque sobre as abordagens relacionadas o ensino
de gramática, isto porque é preciso como professores de língua portu-
guesa termos acesso a respostas para perguntas como, por exemplo: e
o lugar da gramática no processo de ensino e aprendizagem de língua?
Como deve ser o processo de ensino/aprendizagem de língua através de
uma abordagem prescritiva?
Como resposta para tais questionamentos encontramos o de Fuza
e Menegassi (2006) que entendem os processos de ensino/aprendiza-
gem de língua como sendo direcionados para uma melhor compreensão
conteudística-discursiva, e baseados em uma perspectiva interacionis-
ta de linguagem, o que propicia um melhor desenvolvimento no apren-
dizado do aluno como ser social.
Conforme Oliveira (2010) a gramática normativa tem seu lugar e
não se anula diante da gramática descritiva. A visão de língua como in-
teração sociocultural, que obviamente está estreitamente ligada à con-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 173


cepção interacionista de aprendizagem, é a maneira mais interessante
de ver a língua e estudar a gramática, ou seja, estudá-las não apenas pe-
las regras estabelecidas, mas também pelos encargos situacionais dos
contextos em que se inserem.
Por ser estar sempre em constante evolução, e também definida
como sendo um organismo vivo, a língua não deve ser ensinada atra-
vés de regras pré-estabelecidas, como rege a gramática tradicional, isto
porque segundo Hymes (1991) o ensino/aprendizagem da língua atra-
vés de percepções reflexivas é a melhor metodologia a adotar-se, pois
aprender a língua é aprender e apreender a realidade em conjuntura
com a percepção, e o conhecimento linguístico é parte importante para
a efetivação do processo de aprender a língua.
Na perspectiva dos PCNs (1999), o objeto de ensino/aprendizagem
é o conhecimento linguístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao
participar das práticas sociais mediadas pela linguagem. Como conse-
quência, as potencialidades dos conteúdos explorados/explanados du-
rante as aulas em atividades de escrita e leitura adequam-se às perspec-
tivas de estudo dos textos orais e escritos.
Oliveira (2010) defende que para o estudo do texto em sala de aula,
para o ensino/aprendizagem de língua, o professor deve estar atento
ao fato de utilizar o material linguístico como pretexto. Na opinião do
autor, o professor necessita ter cuidado com o pretexto com o qual o
texto será usado, isto porque usar o texto como suporte para obtenção
construtiva e consciente de conhecimento é de suma importância para
o êxito da escola e da sociedade.
Guedes (2006) defende que a leitura na aula de português é a leitu-
ra da língua e da literatura brasileira, isto porque ambas estão relacio-
nadas e devem apresentar uma leitura interdisciplinar. Os dois olhares
de ensino congratulam suas expectativas, como por exemplo, o fato de
que estudar a oralidade não é particularidade tão somente da língua,
mas também da literatura, pois os professores de português (gramática,
literatura e produção textual) não podem deixar de pensar na variação
linguística e nas especificidades culturais de seus alunos.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 174


Segundo as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006)
o trabalho de estudo e de ensino/aprendizagem em língua portuguesa,
tanto no ensino fundamental, quanto no ensino médio (re) contextuali-
za, por meio da prática educacional, a potencialidade das competências
desenvolvidas nos alunos como seres sociais. As orientações são para
que as ações realizadas na disciplina língua portuguesa, no contexto do
ensino médio, devem propiciar ao aluno o refinamento de habilidades
de leitura e de escrita, de fala e de escuta. Nesta forma de ensino/apren-
dizagem de língua o papel da disciplina Língua Portuguesa é o de pos-
sibilitar, por procedimentos sistemáticos, o desenvolvimento das ações
de produção de linguagem em diferentes situações de interação.
Conforme as OCEM (2006) na relação de ensino/aprendizagem de
língua a disciplina de língua portuguesa deve propiciar ao aluno o pen-
samento crítico-reflexivo, possibilitando a identificação sociocultural e
o enriquecimento intelectual do educando, isto através dos processos
linguísticos, textuais, sociopragmáticos (realidade do cotidiano social),
discursivos e conceitual-cognitivos.
Mas quais materiais linguísticos são utilizados pelo professor para
a efetivação do ensino-aprendizagem de língua em sala de aula? É o que
iremos investigar na próxima seção deste capítulo.

O ensino/aprendizagem de língua através dos gêneros


textuais

Em tempos aristotélicos, a categorização dos textos: lírico, épico


e dramático era direcionada a textos literários. De acordo com Balbi et.
al (2018) com o surgimento e desenvolvimento de inúmeras formas de
comunicação na sociedade moderna, novas estruturas textuais passa-
ram a ser usadas em nossas interações sociais , tanto no campo pessoal
quanto no profissional, tais estruturas são conhecidas como gêneros
discursivos.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 175


Mas o que seriam tais estruturas textuais? De acordo com Bakh-
tin (2016) os gêneros discursivos resultam em formas-padrão “relati-
vamente estáveis” de um determinado enunciado, estas formas seriam
determinadas sócio- historicamente. Para o autor, sempre que nos co-
municamos com o outro, mantendo relações de sobrevivência sem so-
ciedade, ou apenas para comunicar algo, seja na linguagem oral ou no
texto escrito utilizamos algum tipo de gênero, e dependendo da situa-
ção comunicativa na qual estamos inseridos e considerando o contexto
socio-histórico e ideológico em que todo o discurso se constitui nos ma-
nifestamos por um gênero discursivo específico adequado a este con-
texto.
Segundo Bakhtin (2016, p.302):

Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivésse-


mos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir
cada um de nossos enunciados a comunicação verbal seria quase impossível.

A classificação dos gêneros textuais vai para além do universo da


Literatura. Balbi et. al (2018) defendem que linguagem e gênero textual
estão intrinsecamente relacionados, uma vez que, para a construção de
qualquer texto, seja por meio de palavras ou de imagens, da oralidade ou
da escrita, o instrumento é a linguagem.
Marcuschi (2011) defende que a dinamicidade da língua e o avanço
tecnológico levaram a uma profusão de gêneros novos, a todo momen-
to, surgem outros formatos de textos, que visam a atender à diversidade
de situações comunicativas presentes em nosso cotidiano. Porém, o es-
tudo dos textos que circulam em nossa sociedade não deve ser pautado,
ou motivado, a partir de sua forma, de sua estrutura.
Para o autor existe uma grande variedade de teorias de gêneros no
momento atual, mas pode-se dizer que as teorias de gênero que privile-
giam a forma ou a estrutura estão hoje em crise, tendo-se em vista que
o gênero é essencialmente flexível e variável, tal como seu componente
crucial, a linguagem, pois, assim como a língua varia, também os gêne-
ros variam, adaptam-se renovam-se e multiplicam-se.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 176


Na próxima sessão deste estudo iremos analisar alguns aspectos
relacionados ao estudo do texto em sala de aula.

O estudo do texto em sala de aula

A consciência da existência da grande variedade de textos à nossa


disposição para interagirmos em sociedade leva à percepção da neces-
sidade de modificação nas estratégias de ensino de leitura e construção
de textos nas salas de aula.
Conforme Balbi et. al (2018), a exploração de textos de gêneros di-
ferentes em sala de aula , tanto de língua materna quanto estrangeira,
possibilita ao aluno ampliar suas capacidades de : leitura, escrita, de uso
da oralidade e também de seus conhecimentos linguísticos. Todavia esta
prática de ensino/aprendizagem de língua só pode ser possível quando
o professor de língua portuguesa não se prende ao texto apenas como
pretexto para o ensino de gramática, limitando-se a explorar questões
estruturais dos gêneros apresentados ao aluno e prendendo sua prática
profissional apenas ao estudo de regras gramaticais.
De acordo com Balbi et al. (2018) as concepções teóricas e práticas
relacionadas ao gênero discursivo vêm abrindo espaço para diferentes
reflexões, o que mostra sua importância para aquisição de habilidades
necessárias a formação do sujeito crítico e transformador.
Antunes (2002) apresenta uma série de pontos positivos no ensi-
no de língua através dos gêneros textuais em sala de aula. São eles: a) A
apreensão dos “fatos linguístico-comunicativos” e não o estudo de “fa-
tos gramaticais”, difusos, virtuais, descontextualizados, objetivados por
determinações de um “programa” previamente fixado e ordenado desde
as propriedades imanentes do sistema linguístico; b) A apreensão de es-
tratégias e procedimentos para promover-se a adequação e eficácia dos
textos, ou o ensino da língua com o objetivo explícito e determinado de
ampliar-se a competência dos sujeitos para produzirem e compreende-
rem textos (orais e escritos) adequados e relevantes; c) A consideração
de como esses procedimentos e essas estratégias refletem-se na super-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 177


fície do texto, pelo que não se pode, inconsequentemente, empregar
quaisquer palavras ou se adotar qualquer sequência textual; d) a corre-
lação entre as operações de textualização e os aspectos pragmáticos da
situação em que se realiza a atividade verbal; e) A ampliação de perspec-
tivas na compreensão do fenômeno linguístico, superando-se, assim, os
parâmetros demasiados estreitos e simplistas do “certo” e do “errado”,
como indicativos da boa realização linguística.
Como característica, a sala de aula é um espaço em que o proces-
so de ensino/aprendizagem de língua se desenvolve pelas negociações
e conflitos que aparecem perante o novo, ou seja, diante daquilo que
não se conhece ou não se domina totalmente, apresentado aos alunos
de maneira problematizadora. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
(1999) propõem uma perspectiva de ensino/aprendizagem voltada para
a diversidade de gêneros discursivos e ressalta a importância do ensino
crítico a partir desses textos. Tal documento é pautado na ideia de que
os textos e os gêneros discursivos possuem funções primordiais ao con-
siderarmos a concepção de linguagem dialógica, social e interacional.
Conforme Schneuwly e Dolz (2004) é através dos gêneros que as
práticas de linguagem materializam-se nas atividades dos aprendizes
e a escola seria o local ideal para dar caráter de autenticidade às pro-
duções orais e escritas e ao acesso aos textos. Esse caráter legitima-se
por representar o uso concreto da língua e por possibilitar que os alu-
nos escolham estratégias adequadas aos objetivos que desejam de modo
consciente e criativo.
Considerando a existência de inúmeros gêneros, Schneuwly e Dolz
(2004) propõem o agrupamento de gêneros com o objetivo de tornar
viável o seu ensino na escola. Assim os autores sugerem que os gêneros
devem ser organizados conforme características e condições de produ-
ções semelhantes, de modo que o professor tenha liberdade para adap-
tar cada gênero de acordo com seus diferentes aspectos.
De acordo com Schneuwly e Dolz (2004) o modelo deve orientar-se
pelas principais características de um gênero, sem desprezar nenhuma

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 178


das três capacidades de linguagem envolvidas na produção textual, são
elas: 1. Capacidades de ação: capacidade responsável pela representação
do contexto de produção textual: Quem escreve? Para quem escreve?
Com qual propósito? Onde o texto é publicado? Etc; 2. Capacidades dis-
cursivas: capacidade relacionada à infraestrutura geral do texto: tipo-
logia textual, plano textual global, etc; 3. Capacidades linguístico-dis-
cursivas: capacidade responsável pelos mecanismos de textualização e
mecanismos enunciativos e pelos aspectos transversais da escrito. Por
meio dessa mobilização é possível fazer o levantamento das unidades
ensináveis do gênero e a partir de então elaborar a Sequência Didática.
Na próxima sessão deste estudo descrevemos a aplicação de um
conjunto de atividades escolares organizadas de maneira sistemática,
isto em torno de um gênero textual oral ou escrito, que tem como obje-
tivo o ensino/aprendizagem de língua, a Sequência Didática.

Sequência Didática (SD)

A Sequência Didática pode ser entendida como sendo uma sequ-


ência de módulos ou oficinas organizadas de forma gradual, que visa
ao ensino de um gênero textual específico. De acordo com Schneuwly e
Dolz (2004) ao final da SD, o aluno deve ser capaz de produzir e fazer lei-
tura de textos do gênero estudado, levando em conta suas característi-
cas prototípicas (características contextuais, discursivas e linguísticas),
que foram trabalhadas durante a SD em sala de aula.
A SD é um procedimento didático composto por quatro fases prin-
cipais. Conforme Schneuwly e Dolz (2004) tais fases são: 1) apresentação
da situação; 2) primeira produção; 3) módulos/oficinas; 4) produção final
(a partir de processos de reescrita).
O procedimento didático da SD inicia-se com a apresentação da si-
tuação. Neste momento o professor apresenta o gênero escolhido para
os alunos, na forma como ele circula socialmente, é dando ênfase ao seu

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 179


contexto de produção. De acordo com Schneuwly e Dolz (2004) é muito
importante neste momento deixar claros para os alunos os propósitos
da SD, e, sobretudo, definir a situação de interação do projeto de produ-
ção do gênero textual.
O segundo passo é a primeira produção. Segundo Schneuwly e
Dolz (2004) com base na apresentação da situação feita pelo professor e
em seus conhecimentos prévios, os alunos devem produzir um texto do
gênero textual em questão. Esse momento é de extrema importância,
pois a partir deste primeiro texto o professor poderá avaliar as capaci-
dades de linguagem dos alunos em relação ao gênero textual trabalho e,
então, definir como serão as próximas oficinas da SD: quais os objetos/
dimensões ensináveis do gênero deverão ser trabalhados mais sistema-
ticamente, com mais ênfase e quais não necessitam de um aprofunda-
mento, etc.
Conforme Balbi (2018) feito isso, é o momento das oficinas ou mó-
dulos que trabalham os problemas específicos do gênero, isto porque o
professor já diagnosticou as maiores dificuldades dos alunos na escrita
do gênero com a primeira produção. A partir dessa avaliação o profes-
sor vai elaborar as próximas atividades (ou adaptar as oficinas já elabo-
radas, no caso de o professor trabalhar com uma SD pronta), sempre fo-
cando as particularidades que caracterizam o que está sendo estudado.
De acordo com Balbi et. al (2018) cada oficina/módulo irá traba-
lhar com uma dificuldade específica do gênero, podendo ser elaboradas
quantas oficinas forem necessárias. Entretanto, é de suma importância
que o professor tenha consciência de que uma SD não precisa abordar
todas as dimensões ensináveis do gênero, ela deve ser encarada como
parte do processo de apropriação e não como “o processo” em si.
Dolz e Schneuwly (2004) chamam atenção para o que chamam de
progressão das aprendizagens em “espiral”, ou seja, trabalhar as dimen-
sões ensináveis de um determinado gênero textual de acordo com o ní-
vel dos alunos, sabendo que esse mesmo gênero pode ser objeto de en-
sino em outra etapa posterior. O professor, por exemplo, pode trabalhar

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 180


o mesmo gênero textual em diferentes níveis de acordo com a série da
turma, aumentando a dificuldade da SD, progressivamente, ano a ano.
Conforme Dolz e Schneuwly (2004) a última etapa da SD é a pro-
dução final. Neste momento o aluno terá a oportunidade de colocar em
prática todos os conhecimentos adquiridos sobre o gênero durante o
processo. Este é o momento também em que o professor poderá avaliar
o progresso dos alunos comparando a primeira produção com a última
e, assim, validando o trabalho com a SD.
Na última seção deste trabalho apresentamos análises a respeito
da Análise Linguística, este novo olhar sobre o ensino/aprendizagem de
língua e que trata os fenômenos linguísticos na escola com o objetivo de
realizar reflexões por parte do aluno sobre o uso da língua.

Análise Linguística e ensino de língua: considerações sobre


o ensino/aprendizagem de gêneros textuais em sala de aula

Nesta seção iremos analisar de que forma o ensino/aprendizagem


de gêneros textuais na perspectiva da Análise Linguística promove a re-
flexão sobre o uso da língua, objetivando um novo olhar sobre o ensino
de gramática em sala de aula que por um longo tempo sempre foi de-
senvolvido em termos de uma prática pedagógica de cunho tradicional
e prescritivo.
Durante muito tempo o ensino/aprendizagem de língua nas esco-
las sempre foi pautado à propiciar ao aluno o domínio da norma culta,
através construção de habilidades de análise estrutural da língua. Com
o passar dos anos esta forma de ensino começou a ser contestada, atra-
vés de questionamentos como: será que ao final da educação básica o
aluno domina a norma padrão como indica rege o ensino tradicional?
Para que serve o estudo prescritivo da língua?
Como resposta para tais indagações, Mendonça (2007) se posiciona
afirmando que no ensino tradicional havia uma focalização exagerada

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 181


no erudito, deixando de lado aspectos mais essenciais para a formação
do aluno. O foco do ensino era voltado para uma metodologia em que
o espaço nos currículos e programas era dedicado a assuntos como:
ortografia de palavras pouco comuns ou complexas do ponto de vista
da grafia; coletivos incomuns no uso cotidiano da língua; análises mor-
fossintáticas exaustivas de frases; construções sintáticas distantes dos
usos linguísticos brasileiros e casos especiais, e de baixa frequência em
textos. Este era o panorama de ensino/aprendizagem de língua difundi-
do nas escolas brasileiras para os alunos.
Mas com o passar dos anos, e a total ineficiência de uma prática
de ensino de cunho tradicional para o ensino de língua, este pautada na
análise gramatical de palavras e frases, surgiu em meados do início dos
anos 80 a Análise Linguística.
De acordo com Mendonça (2007) a Análise Linguística tinha como
proposta eleger o texto como objeto de ensino na aula de língua, obje-
tivando formar alunos que entendessem que o que liam e o que produ-
ziam eram textos significativos, e que não apenas reproduzissem ativi-
dades de escrita escolar, como as redações.
Conforme Mendonça (2007) no mesmo período foram dissemina-
das no Brasil as teorias construtivistas que propunham a valorização
dos conhecimentos prévios dos alunos e das reflexões produzidas por
eles, em um processo de ensino/aprendizagem de língua mediado
pelo professor de língua portuguesa.“Questiona-se, portanto, a validade
da memorização e da fixação como alternativas metodológicas eficien-
tes na formação de leitores e produtores de textos” (MENDONÇA, 2007,
p.96).
Este novo panorama de ensino de língua motivou a mudança no
modo como seriam desenvolvidas as atividades de leitura, escrita e aná-
lise da língua. Segundo Geraldi (1984) o novo termo “Análise Linguísti-
ca” estabeleceu uma distinção entre o que até então se fazia na escola
em termos de ensino de gramática e o que se propunha que fosse feito
a partir de agora.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 182


De forma objetiva, podemos entender que a Análise Linguística
não se trata de uma forma de ensino renovado de gramática, nem tanto
de ser entendida como uma gramática contextualizada. Para Mendonça
(2007) a Análise Linguística é utilizada como sendo um novo olhar para
se tratar os fenômenos linguísticos na escola, que implicou na modifica-
ção de certos modelos e concepções.
O surgimento da Análise Linguística motivou profundas mudanças
nos princípios gerais que norteiam o ensino de língua. Segundo Men-
donça (2007) a prática do ensino/aprendizagem de língua por intermé-
dio da Análise Linguística privilegia alguns pontos, como por exemplo:
a produção em detrimento do reconhecimento e da produção de sabe-
res; a expressão da subjetividade no lugar do silenciamento; o texto e
não a frase como unidade básica do trabalho pedagógico; a linguagem
como atividade e não como produto de tarefas, dentre outros aspectos
relacionados a uma nova forma de ensino de língua.
Para Mendonça (2007) foi a ineficiência do ensino de gramática
para a formação de leitores e produtores de texto na escola o que apon-
tou para a necessidade de um encaminhamento do ensino de língua ma-
terna no tocante à análise da língua. A alternativa mais pertinente seria
integrar os três eixos básicos de ensino da língua – leitura, produção de
textos e análise linguística – para se obter melhores resultados
Mendonça (2007) defende que o foco da Análise Linguística é o de
promover o ensino de língua através de gêneros textuais a partir das
seguintes perspectivas:
1. A Análise Linguística realizada a partir da leitura/escuta de tex-
tos, buscando-se refletir sobre como a escolha de certas palavras, ex-
pressões ou construções linguísticas contribuem para a construção de
sentidos de cada texto; seria avaliado o grau de elaboração dessa refle-
xão, ao longo dos anos escolares, de forma recorrente e numa dimensão
processual;
2. A Análise Linguística realizada a partir da produção de textos,
buscando-se refletir sobre aspectos da elaboração do texto escrito ou

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 183


oral, tais como adequação do gênero à situação sociocomunicativa, cri-
térios e textualidade (coesão, coerência), seleção de registro (formal,
informal, semiformal, etc.), atendimento à norma-padrão, etc.; seriam
avaliados, por meio de revisão e reescritos, por exemplo, os aspectos de
que o aluno já tenha se apropriado, seja no âmbito discursivo, textual ou
linguístico, incluídas as questões normativas;
3. A Análise Linguística realizada a respeito de certo tópico, dentre
os conhecimentos linguísticos a serem trabalhados na escola, buscan-
do-se a compreensão do seu funcionamento no âmbito da língua (ex.:
formação de palavras); essas capacidades contribuiriam, em última aná-
lise, para a ampla formação linguística dos alunos; a avaliação focali-
zaria a capacidade de refletir sobre os fenômenos e de explicitar essa
reflexão.
Como característica, o ensino/aprendizagem de língua através de
gêneros textuais em uma abordagem através da Análise Linguística
deve considerar a construção de competências e habilidades de lingua-
gem, o que conforme Mendonça (2007) não pode ser atingido por meios
de avaliações de cunho pontual, e que como característica enfocam ape-
nas aspectos estruturais e normativos da língua.
Para Mendonça (2007) sob o prisma da Análise Linguística o enfo-
que é o de impulsionar um trabalho constante com gêneros textuais em
que o aluno é levado a refletir sobre a linguagem e a pensar sobre os ca-
minhos que percorre para analisar os fenômenos discursivos presentes
em textos.
Especificamente sobre o trabalho com a Análise Linguística nas fa-
ses iniciais de apropriação do sistema alfabético pelo aluno, conforme
Mendonça (2007), uma das principais contribuições da Análise Linguís-
tica nesta fase aprendizagem de língua, é a de promover reflexões sobre
o funcionamento da escrita, por meio de atividades diversas como: fa-
miliarização das letras, correspondências grafofônicas, composição de
palavras.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 184


Além disso, o objetivo da Análise Linguística nesse momento é o de
respeitar e valorizar a escrita espontânea das crianças, percebendo os
diferentes níveis de construção de hipóteses sobre os alunos. Nesta eta-
pa de aprendizagem de língua, a avaliação do trabalho deve considerar o
progresso dos alunos, numa dimensão processual e não pontual.
Conforme Mendonça (2007, p.104):
A atenção se volta para a compreensão dos aprendizes sobre como funciona o
nosso sistema de escrita: é de base alfabética, apresenta correspondências gra-
fofônicas, certos padrões silábicos, certas regularidades ortográficas e também
irregularidades, etc. Assim, nas séries iniciais, todo o trabalho com a alfabetiza-
ção propriamente dita se insere no âmbito da AL.

Sobre a forma de avaliação do aluno nesta fase de aprendizagem


da língua, de acordo com Mendonça (2007) a avaliação do processo deve
contemplar a ampliação de habilidades e competências ao longo do
tempo, não podendo ser, portanto pontual ou isolada dos eixos de lei-
tura e produção, devendo-se privilegiar os seguintes pontos: o acompa-
nhamento da aprendizagem dos alunos por meio de registros sobre os
progressos alcançados; o trabalho com grupos heterogêneos, de modo
que os alunos mais avançados possam auxiliar os que estão em etapas
anteriores do conhecimento sobre a escrita, permitindo ao professor
avaliar se e como os avanços se dão, entre outras.
Quanto ao tratamento da norma-padrão, na perspectiva da Análise
Linguística o dilema do professor de língua portuguesa não é mais ou
texto ou gramática, mas sim para quê se ensina gramática na escola?
Para Mendonça (2007) a resposta a esse questionamento levará a refle-
xões sobre o que ensinar como ensinar e como avaliar.
O que torna-se nítida em uma abordagem sob o prisma da Análise
Linguística é que a missão da escola não seria ensinar a norma-padrão,
mas sim dar condições para que ela seja apreendida, o que significa que
o padrão linguístico não deve ser considerado um objeto separado das
práticas linguísticas dos falantes.
De acordo com Possenti (1996) nesta relação, a norma-padrão é
uma variedade que vai sendo internalizada pouco a pouco, isto por meio

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 185


da mediação do professor através de práticas de ensino e aprendizagem
de gêneros textuais com o enfoque nos seguintes pontos: a) a prática de
leitura de textos elaborados nessa variedade; b) a análise das produções
dos alunos, para perceber os efeitos de sentido alcançados pelo uso de
certos registros e dialetos, bem como para revisão e reescrita, tendo em
vista a eventual necessidade de ajustes quanto à variedade usada.
Como defende Mendonça (2007), de forma contrária ao que rege
o ensino de gramática, o ensino/aprendizagem da língua e de gêneros
textuais na perspectiva da Análise Linguística é visto como objeto de
reflexão e não de memorização. A norma é pensada através da constru-
ção de hipóteses, verificando-as e também reconstruindo-as sistema-
tizando o que foi aprendido e tudo isso faz parte de uma opção peda-
gógica de base construtivista que implica optar pela predominância de
algumas estratégias didáticas.

Conclusões

Após a realização deste estudo, que tem como foco de análises o en-
sino/aprendizagem de gêneros textuais na perspectiva da Análise Lin-
guística, entendemos que a missão da escola e do professor de língua
portuguesa não é a de ensinar a norma-padrão, mas sim o de possibili-
tar que ela seja aprendida e utilizada em situações comunicativas , nas
quais é adequada.
Na relação ensino/aprendizagem de língua, considerando os gêne-
ros textuais e uma perspectiva de Análise Linguística, o padrão linguís-
tico não deve ser considerado um objeto separado das práticas linguís-
ticas dos falantes. Nesta perspectiva, a norma padrão é uma variedade
a ser internalizada pouco a pouco por meio de práticas didáticas como:
a) a prática de leitura de textos elaborados nessa variedade; b) a análise
das produções dos alunos, para perceber os efeitos de sentido alcan-
çados pelo uso de certos registros e dialetos, bem como para revisão

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 186


e reescrita, tendo em vista a eventual necessidade de ajustes quanto à
variedade usada.
Como professores de língua portuguesa devemos ter em mente
que ao nos propormos ao ensino e aprendizagem de língua através de
gêneros textuais na perspectiva da Análise Linguística tal prática deve
ser entendida como um objeto de reflexão, que pensa o ensino da norma
como uma possibilidade de se construir hipóteses, verificá-las, recons-
truí-las e sistematizá-las sobre o que foi aprendido.
Tal prática didática em sala de aula faz parte então de uma ação
pedagógica de base construtivista, que implica optar pela predominân-
cia de certas estratégias didáticas, como por exemplo, de cunho indu-
tivo, que se dirige do particular para o geral e da análise dos exemplos
para a construção das regras gerais. Nesta relação, o professor deve ter
no seu trabalho a consciência de que ensinar língua portuguesa é saber
que um dos objetivos deve ser o de ampliar a competência discursiva do
aluno, a capacidade de compreender e de produzir diferentes gêneros
textuais, apresentados em diversas situações de interação sócio-comu-
nicativa, nas relações do aluno em sociedade.
Por fim, entendemos que a prática didática voltada para o ensino
de língua através de gêneros textuais na perspectiva da Análise Lin-
guística compreende um momento em que os alunos, com a mediação
do professor de língua portuguesa, são motivados a refletirem sobre a
linguagem, por meio do uso de gêneros textuais produzidos por eles
mesmos ou por outras pessoas. Nesta relação, os alunos acabam desen-
volvendo suas habilidades de compreensão e produção de textos em di-
versos gêneros, o que se configura como sendo um processo em que o
aluno acaba tendo acesso a várias formas de discurso da língua através
de diferentes formas de uso.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 187


Referências

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ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 189


Capítulo 9

O desafio da formação docente


para a gestão de aula de língua
portuguesa na perspectiva da
“gramática contextualizada”

Ismar Inácio dos Santos Filho

DOI: 10.52788/9786589932338.1-9
Introdução

A docência em um curso de Letras nos dias atuais é repleta de “no-


vas” demandas, oriundas do “mundo complexo” no qual vivemos – tal
como discutido por Moita Lopes (2013), um mundo de incertezas co-
tidianas e de desenraizamentos – referentes principalmente ao perfil
docente visto como necessário ao nosso tempo, no sentido de saber li-
dar e saber formar para a vasta gama de aspectos linguístico-semióti-
co-discursivos da comunicação no século XXI, ou seja, em nosso tempo,
o cidadão e a cidadã são sujeitos que precisam de outras competências
e habilidades de linguagem para que possam “ler”, “ouvir”, “escrever” e
“falar” de modo a problematizar os textos e a compreender os diversos
arranjos e rearranjos linguísticos e semióticos e seus efeitos de senti-
do, que envolvem aspectos político-ideológicos e éticos. Nesse sentido, o
que dizer da nomeação “homem homem” para um sujeito masculino em
um filme comercial de desodorante, em 2015? Quais sentidos e como
produzir sentidos para a reportagem “A antirrevolução dos costumes”,
em referenciação ao atual governo federal, em 2019?
Se partirmos dos dois textos mencionados anteriormente, os sujei-
tos precisam dominar questões linguístico-gramaticais, tais como a) a
adjetivação por uma palavra que comumente é pensada como “nome”,
“homem homem”, b) a derivação por morfema gramatical derivacional
com sentido de negação, “anti-revolução” e c) a adjetivação por uma lo-
cução adjetiva, “antirrevolução dos costumes”, todos aspectos envolvi-
dos na produção de sentido em um dado texto, de modo que permitam
refletir sobre o texto e a produção da vida social. Logo, a docência em
Letras deve encarar esse contexto.
Por isso, meus objetivos neste estudo são: a) problematizar a for-
mação docente, que precisa garantir a aprendizagem de “análise lin-
guística” (GERALDI, 1997; MENDONÇA, 2015; ANTUNES, 2012; 2014)
– envolvendo etapas de descrição linguística e de interpretação textu-
al situada – numa “homologia dos processos” (com a educação básica),
conforme problematizada por Ganzela (2019), e b) tematizar de maneira

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 191


breve: i) o desafio de “descer” ao sistema linguístico (do mesmo modo
interpretando tal sistema) de licenciando(a)s, no curso de Letras-Lín-
gua Portuguesa (UFAL-Campus do Sertão), na gestão de aulas de Língua
Portuguesa em escolas públicas no alto sertão alagoano, como parti-
cipantes do Programa Residência Pedagógica (2018-2020), doravante
RP, no qual fui coordenador1, e ii) uma iniciativa didático-pedagógica de
“gramática contextualizada” na disciplina “Morfologia do Português”,
em 2019, no referido curso. Assim, a reflexão tem como corpus consul-
tado planejamentos semanais de aulas, registro de aulas e diários de
bordo de residentes do RP e de estudantes de Morfologia.
O estudo, situado na perspectiva da Linguística Aplicada Indisci-
plinar, a partir das reflexões de Moita Lopes (2013), aponta para dois ce-
nários: i) a dificuldade de “descer” ao sistema linguístico de modo a rea-
lizar interpretações situadas dos usos linguístico-semióticos na gestão
de aulas por licenciando(a)s em Letras, possivelmente devido ao forte
caráter abstrato do estudo linguístico na formação e ii) a viabilidade de
descrições morfológicas em textos, provocadas por aulas de Morfologia,
como uma alternativa ao desafio de uma gramática contextualizada,
uma alternativa à atuação docente na graduação em Letras. O diálo-
go se dá com Antunes (2012; 2014), Avelar (2017), Batista (2011), Geraldi
(1997), Mendonça (2015), Moita Lopes (2013) e Santos Filho (2016; 2018),
dentre outro(a)s.

Curso de Letras-Língua Portuguesa –


Cena contemporânea: demandas e desafios

Tal como já nos posicionamentos na Introdução, compreendemos


que os cursos de Licenciatura em Letras em nossos dias estão repletos
de demandas frentes à formação docente, advindas de duas vertentes,
quais sejam, i) os aspectos sociais – que estão diretamente imbricados,

1 Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa concedida
no período de agosto de 2018 a janeiro de 2020 para atuação no subprojeto Língua Portuguesa, no Programa
Residência Pedagógica, no curso de Letras-UFAL-Campus do Sertão.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 192


sendo constituintes, ao “mundo complexo2” no qual vivemos – que por
sua vez implicam em novas reflexões acadêmicas nos estudos em lin-
guagem e em educação, e ii) os aportes por meio de orientações, dire-
trizes e “normas” para o ensino, sejam acerca da educação básica, sejam
referentes ao ensino superior. No tocante ao “mundo complexo” no qual
vivemos, uma demanda se faz cotidianamente presente no trabalho
como docente em um curso de licenciatura em Letras-Língua Portugue-
sa, qual seja, ser um(a) professor(a) que saiba lidar e formar para a vasta
gama de aspectos linguístico/semiótico-discursivos da comunicação no
século XXI, de modo a problematizar a relação ética e poder, conforme
argumenta Moita Lopes (2013), ao discutir sobre pesquisa em Linguísti-
ca Aplicada, discursos emergentes e política. O que isso significa?
Neste momento da história da humanidade, e considerando o atual
contexto político-ideológico brasileiro, de forte tendência neoliberal e
conservadora, firmando-se na extrema-direita, urge a formação de cida-
dãos e cidadãs para competências e habilidades nas práticas de lingua-
gem, de modo que possam “ler”, “ouvir”, “escrever” e “falar” de maneira
a problematizar os textos para que compreendam os diversos arranjos
linguísticos e semióticos e seus efeitos de sentido, que envolvem um
caráter ideológico e ético. Para Schwarcz (2019, p. 228), o atual contexto
político brasileiro é o do “novo regressivo”, que, conforme afirma, “ga-
rante opressão e exploração do presente reativando formas que já pare-
ciam ultrapassadas”. Diante dessa “realidade”, o perfil docente para uma
escola viva é aquele que forma para a leitura dos aspectos linguístico-
-discursivos na produção de sentidos em um dado texto, de modo que
permita aos e às aprendentes, às pessoas de modo geral, refletir sobre
o texto e a produção da vida social. Consideramos, na sequência, dois
textos já citados na Introdução deste capítulo, para melhor refletir a
esse respeito.

2 Para Luiz Paulo da Moita Lopes, 2013, linguista aplicado, diante das “incertezas” nesse mundo complexo, é
preciso pensar diferente nos estudos em linguagem, movendo-nos noutra lógica, uma lógica responsiva, uma
lógica que se afaste do ideal fundamentalista de pureza.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 193


Seguindo o raciocínio apresentado, o argumento é o de que, em nos-
sos dias, ao ler um card da campanha de lançamento do desodorante Old
Spice, ou uma “primeira página” de uma reportagem, ou “capa” de uma
reportagem impressa, publicada na revista “IstoÉ”, os sujeitos precisam
considerar o caráter enunciativo-discursivo das práticas de linguagem,
o que implica considerar o estilo linguístico-semiótico atrelado aos de-
mais aspectos (estrutura composicional e temática) de cada um desses
gêneros discursivos, considerando também que no estilo linguístico po-
dem surgir escolhas léxico-gramaticais que estão para as necessidades
do “eu” discursivo, isto é, escolhas linguísticas que estão para sua “ação
de linguagem” no referido texto3. Ao falarmos em “ação de linguagem”,
entendemos com Antunes (2012) que ao enunciarmos fazemos ações,
realizamos “coisas” no mundo, desde fazer rir até negligenciar, negar,
por exemplo.

Figura 01: Card de lançamento, em 2015, do desodorante Old Spice.

Fonte: https://www.homemmoderno.com/old-spice-brasil-malvino-salvador/.
Acesso em 22 de junho de 2021.

Assim, se considerarmos essa propaganda do desodorante Old Spi-


ce, devemos entender que esse texto foi lançado em 2015, no Brasil, no
auge da discussão ou polêmica sobre identidades de gênero e sexuais,

3 Aproveito a menção para informar que o objeto de reflexão aqui está para o caráter verbal, sem desconsiderar
a necessidade de uma abordagem textual que parta da relação intrínseca entre verbal e não verbal, em sua
constituição multimodal.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 194


a partir da noção de “ideologia de gênero” (SANTOS FILHO, 2016), ideia
para a qual os estudos acadêmicos, e ativismos, em gênero e sexualidade,
estariam destruindo a família, pois estariam desconsiderando o aspecto
biológico dos corpos, que seria o essencial na identidade do homem e da
mulher. Logo, ao lançar essa campanha publicitária, denominada de “o
chamado”, nesse período, essa empresa de produtos de higiene pesso-
al assume um posicionamento sobre uma noção de sujeito e de corpo,
a noção de que existem “homens de verdade”, “homens de nascença”,
numa clara oposição aos homens gays, bissexuais e trans, por exemplo.
Nesse posicionamento, o desodorante Old Spice é designado como
“o desodorante do homem homem”, sintagma nominal que tem em seu
núcleo o nome “desodorante”, caracterizado, por meio de uma relação
de especificação (ou de posse, visto que há essa possibilidade) e de de-
finição, pela locução adjetiva “do homem homem”, na qual o nome “ho-
mem” é também caracterizado pela palavra “homem”, agora com fun-
ção de adjetivo, que passa a significar “viril”, “forte”, “macho”, no cotexto
(dentro do texto) e no contexto sociocultural: Old Spice é o desodorante
do “homem macho moderno”. Nas considerações de Cardoso e Cobucci
(2014), “sintagma nominal” é um conjunto hierarquizado de elementos
linguísticos, formando uma “unidade”. É então uma “unidade” linguísti-
ca nominal, que atua como “nome”, recurso útil na produção discursiva
dessa propaganda.
Nessa propaganda, que é um gênero discursivo que tem a gran-
de função social de vender determinado produto ou serviço através da
venda de determinada ideologia, temos a manutenção de uma ideologia
heteronormativa (COLLING, 2015; SANTOS FILHO, 2020), e, assim, esse
texto publicitário visa sustentar toda a polêmica de que homem é aque-
la pessoa que tem um pênis e se relaciona com uma mulher, uma pessoa
que tem uma vagina, órgãos morfológico e geneticamente dados. Faz-
-se, desse modo, a distinção de que existem diversos tipos de homens,
incluindo aí o “homem homem”, entendido como homem viável, válido, o
que, por outro lado, pelo processo de adjetivação, que faz surgir subgru-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 195


pos do nome adjetivado, acarreta na “criação” de um “homem não-ho-
mem”, um homem matável, pois inválido. Nesse processo de “descrição
linguística” e de “interpretação” textual situada, compreendemos que a
construção desse efeito de sentido perpassa por uma “designação”, tal
como discutida por Rajagopalan (2003), enquanto “nomeação” como ato
eminentemente político, que é atravessada por escolhas linguísticas (e
semióticas) que estão na dimensão da palavra e dos sintagmas nomi-
nais para a configuração da ação de linguagem desejada por essa marca
de desodorante.
E o que dizer do título de reportagem (em forte diálogo com a ima-
gem que o acompanha), mostrada na sequência, na primeira página des-
se texto jornalístico, na revista Isto é, publicado em 2019, nos primeiros
meses de mandato do atual Presidente da República, Jair Messias Bol-
sonaro?

Figura 02: Primeira página da reportagem “A antirrevolução dos costumes”,


publicada na revista Isto É, em 15 de março de 2019, nº 2.568.

Fonte: https://istoe.com.br/a-antirrevolucao-dos-costumes/.
Acesso em 22 de junho de 2021.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 196


Nesse texto jornalístico4, a função é a de “informar”, ampliando o
noticiário acerca da posição político-ideológica da gestão do atual Pre-
sidente da República e sua equipe, o chamado “bolsonarismo”, qual seja,
a de, através de palavras e ações, provocar “retrocessos”, reavivando um
“tempo obscuro da história brasileira”. Logo, devemos entender que não
há neutralidade no texto jornalístico, já que as escolhas léxico-grama-
ticais concorrem justamente para gerar posicionamento, mesmo que
não explícito, dando ao “conteúdo” da matéria efeito de realidade, ao
designar, por meio de um sintagma nominal-título, a atual política go-
vernamental de “antirrevolução dos costumes”.
Dessa maneira, mesmo não atrelado ao estilo linguístico do gênero
discursivo em tela, mas permitido por ele, o posicionamento do periódi-
co se deu fortemente a partir da derivação prefixal, com o morfema gra-
matical derivacional de oposição “anti-”, em “antirrevolução”, nome (de-
terminado pelo artigo definido singular feminino) núcleo do sintagma
nominal, que está caracterizado pela locução adjetiva “dos costumes”.
Logo, a escolha da unidade linguística gramatical presa (BSTISTA, 2011)
“anti-” é de fundamental importância para, já no título, dizer o que se
quer dizer para os leitores e para as leitoras sobre a gestão presidencial
de Jair Bolsonaro, isto é, o título já deixa indícios da ação de linguagem
ali realizada, a de informar que o país está diante de um “reforço de uma
concepção de mundo parada na década de 1950”, ou na Idade Média,
quando relacionamos esse título às vestimentas usadas pelas pessoas
da equipe governamental, retratadas nessa capa.
Dadas as “explicações” anteriores, a formação do(a) professor(a) no
curso de Letras-Língua Portuguesa precisa levar em consideração esse
cenário de necessidades de outras “competências” e “habilidades” lin-
guístico-discursivas que ultrapassam a mera memorização de “conte-
údos” gramaticais, tomados de uma lista que tem bases na gramática

4 É importante informar que essa reportagem foi trabalhada em aulas de “Morfologia do Português”, em 2019, no
curso de Letras-Língua Portuguesa (UFAL-Campus do Sertão), nas quais se estudou sobre “classes de palavras”
numa abordagem que considera as perspectivas semântica, morfológica e sintática, conforme discutidas por
Batista (2011).

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 197


normativa tradicional, ou melhor, pautada na Nomenclatura Gramatical
Brasileira (NGB), instituída na década de 1950, como decreto, sob funda-
mentos filológicos e gramaticais normativos, conforme esclarece San-
tos Filho (2018), ao problematizar o ensino de morfologia em livro didá-
tico. Essa formação não pode, de acordo com as orientações de Reimers
(2011), perder tempo ensinando habilidades que foram úteis no passado.
Desse modo, faz-se urgente uma formação docente para a “compreen-
são ativa”, que necessita relacionar língua, como atividade em processo,
e significados culturais, permitindo, assim, que os sujeitos pensem so-
bre os fenômenos da linguagem e produzam questionamentos sobre os
perigos de suas vivências, tais como as relações entre política e poder,
de modo a garantir a qualidade da democracia, perigos que são criados,
em grande medida, nas práticas de linguagem, preocupando-se, dessa
maneira, com a vida, podendo garantir a invenção de uma democracia
global (RÍOS, 2011).
Logo, o perfil do(a) docente de Língua Portuguesa está para aque-
le sujeito que se preocupa com a vida, importando-se, portanto, com
os envios de mensagens, com as perguntas, com os telefonemas, com
as participações em debates, com as apresentações de pontos de vista,
com as discussões, com os votos, com os acordos, com as fake news. Ou
seja, esse professor ou essa professora é aquele sujeito que não deseja
o silenciamento dos/das aprendentes (FERRAREZI JR., 2014), já que o
silenciamento os torna sujeitos frágeis e indefesos. Nessa direção ar-
gumentativa, o curso de Letras-Língua Portuguesa precisa garantir na
formação docente inicial a construção da macrocompetência linguís-
tico-discursiva de “análise linguística” em que se realiza descrição lin-
guística e interpretação textual situada, para a qual um caminho didá-
tico é a “gramática contextualizada” (ANTUNES, 2014). Mas, o que é a
gramática contextualizada?
Situado na Linguística Aplicada em perspectiva indisciplinar, sob
as orientações de Moita Lopes (2013), área que visa criar inteligibilida-
des sobre esse mundo complexo em que vivemos, e em paradigma in-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 198


terpretativista, este estudo objetiva problematizar a formação docente
acerca do desafio da descrição linguística e da interpretação situada, ou,
da formação para a gestão de aulas de língua portuguesa na perspectiva
da gramática contextualizada. Para isso, abordo o desafio de discentes
de Letras de “descer” ao sistema linguístico na preparação e gestão de
aulas, no RP, subprojeto Língua Portuguesa (UFAL-Campus do Sertão),
projeto no qual fui coordenador, em escolas municipais do ensino fun-
damental em Delmiro Gouveia, cidade no alto sertão alagoano, e uma
experiência minha como docente em um curso de Letras, na discipli-
na “Morfologia do Português”. O corpus se constitui de recortes de ati-
vidades na graduação na disciplina antes mencionada, planejamentos
de aulas de língua portuguesa e diários de aulas de residentes no RP
e de outro(a)s graduando(a)s. Esses enunciados são tratados neste es-
tudo como “textos espetaculares”, no sentido de que são significativos
por sua importância social e não por seu caráter quantitativo, conforme
alerta Moita Lopes (2013).

O que é a “gramática contextualizada”?

Antunes (2014) esclarece-nos que a noção de “gramática contex-


tualizada”, em seu caráter teórico, está em consonância com os atuais
estudos em linguagem e assume uma perspectiva político-social inclu-
siva, visto que é uma postura didático-pedagógica, ou um procedimento
de leitura e escuta, que se preocupa com as demandas comunicativas
do atual contexto urbano, opondo-se, dessa maneira, à “gramática da
nomenclatura”. Ou seja, falar de gramática contextualizada é falar dos
usos linguísticos compreendidos como sociointerativos, funcionais e
discursivos, para os quais se assume a ideia responsiva de linguagem.
Logo, gramática contextualizada está para observar os usos linguísti-
cos na ordem do texto, que passa a ser seu núcleo, tal como problemati-
zamos o uso de “homem homem” no sintagma nominal “o desodorante

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 199


do homem homem” e o uso do morfema derivacional “anti-” no título de
reportagem “A antirrevolução dos costumes”.
Nessas considerações, para Antunes (2014), a gramática contextu-
alizada é a “gramática dos usos” linguísticos do dia a dia das pessoas
sobre os quais se dá foco aos efeitos de sentido e às ações de linguagem
pretendidas, no sentido de compreender como os itens léxico-grama-
ticais concorrem para a significação. Nesse aspecto, a abordagem da
língua no viés da gramática contextualizada afasta-se da noção de lín-
gua abstrata e hipotética, para a qual o estudo era/é o da identificação e
classificação de categorias linguísticas, em “atividades ocas”.
Nessa abordagem da “gramática contextualizada”, focalizam-se
atividades de linguagem em textos, o “texto-em-função” (ANTUNES,
2012), que significam e constituem formas de atuação. Por essa dimen-
são, “língua é um sistema linguístico plural de componentes linguísti-
cos e cognitivos estreitamente vinculados e dependentes das situações
socioculturais (ANTUNES, 2012, p. 25). Logo, o signo linguístico está
para o texto, a partir do qual se faz o tratamento de unidades menores,
tais como morfemas, semas, sílabas, palavras etc., mas que seja sempre
textualmente relevante e sob a devida orientação para a textualidade,
já que se visa a compreender como os itens léxico-gramaticais concor-
rem para a significação e para a ação de linguagem, pois “não dizemos
gratuitamente nada” (ANTUNES, 2014, p. 21), tal como pontuamos an-
teriormente os usos de “homem homem” e de “anti-”. Gramática con-
textualizada é, para Antunes (2012, 2014), o trabalho com a riqueza da
linguagem, que por muito tempo foi escondida nas aulas de Língua Por-
tuguesa.
Mendonça (2015), ao abordar a respeito da ênfase para as práticas
de uso de linguagem, em variedade de gêneros discursivos, para a edu-
cação escolar brasileira, como proposta na Base Nacional Comum Cur-
ricular (em sua versão preliminar), está, no nosso entendimento, discu-
tindo sobre “gramática contextualizada”, a partir da noção de “análise
linguística” (e semiótica). Nessa perspectiva, para essa linguista, os sa-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 200


beres gramaticais, ou melhor, linguísticos, são “conteúdos” que estão
por dentro das ações de linguagem; são os recursos linguístico-textuais
que potencializam os usos e a capacidade de refletir a respeito desses
usos.
Logo, no ensino de Língua Portuguesa, já não teríamos conteúdos
estritos da “gramática normativa”. Ou seja, para Mendonça (2015), os
conhecimentos linguísticos precisa(ria)m ser trabalhados, mas a par-
tir da reflexão de como a língua funciona. Nesse sentido, a “gramática
contextualizada” está para a atividade de “análise linguística”, seja a ati-
vidade epilinguística, que está para operações e processos sobre a pró-
pria língua, seja a atividade metalinguística, que está para a descrição
linguística e a sistematização de saberes linguísticos, conforme Geraldi
(1997) e os PCNs (BRASIL, 1998).
A respeito da formação docente para o trabalho com a gramática
contextualizada, Mendonça (2015) ainda argumenta que não basta uma
formação específica, teórica, sobre os conhecimentos linguísticos, mas
que é necessária uma formação para conduzir a aprendizagem por essa
perspectiva de estudo e aprendizado da língua a partir das práticas de
uso de linguagem. Eis o desafio de formar docentes em Letras-Língua
Portuguesa para essa atuação.
Nesse direcionamento, conforme argumentei anteriormente, o
atual contexto solicita um “novo fazer” didático-pedagógico (GANZELA,
2019) no qual o trabalho docente em aulas de Língua Portuguesa não
esteja pautado em conteúdos gramaticais, tal como já argumentaram
Antunes (2012; 2014) e Mendonça (2015), mas em competências e habi-
lidades, de modo a contribuir com uma formação crítica e mais autôno-
ma. A respeito desse “novo fazer”, Ganzela (2019) argumenta que, então,
o(a) professor(a) em formação necessita de experiências e vivências que
estejam fundadas na “homologia de processos”. Explica que, para isso,
no mesmo momento em que o(a) licenciado(a) se aprofunda no concei-
to faz-se importante que sua aprendizagem esteja fundada na mesma
abordagem que se quer que seja desenvolvida na educação básica, pos-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 201


sibilitando a esse sujeito em formação a transposição didática; é o fazer
e o fazer reflexões sobre.
Logo, mobilizando para cá as ideias de Gaznela (2019) e Gouveia
(2019) sobre formação docente, podemos dizer que o(a) professor(a) não
tem o papel de “despejar” conteúdos gramaticais, mas o de desenvolver
competências de análises linguísticas, epilinguísticas e metalinguísti-
cas, e a partir destas realizar interpretações textuais situadas. Se assim
o é, na graduação, o(a) docente em formação precisa experienciar análi-
ses linguísticas e interpretações situadas, numa homologia de proces-
sos. Dessa demanda, discuto dois planejamentos iniciais de aulas para a
educação básica, ensino fundamental anos finais, no RP, e o desenvolvi-
mento dessas aulas, a partir de diários de bordo, de modo a pensarmos
sobre o desafio frente ao trabalho em sala de aula com a “gramática con-
textualizada”, e, por outro lado, tematizo como a “gramática contextua-
lizada” foi experienciada em aulas iniciais de “Morfologia do Português”
(Letras-Português-UFAL-Campus do Sertão), fundadas na homologia de
processos, em 2019.

Gramática contextualizada:
um desafio no Residência Pedagógica

No RP, realizado entre 2018 e 2020, participaram estudantes de


Letras, do curso já mencionado, graduando(a)s oriundo(a)s do 7º e 8º
períodos e outro(a)s apenas com matrícula vínculo, já que estavam em
fase final do curso. Os dados aqui em discussão se referem ao momento
no RP em que ocorria a chamada “regência de sala de aula”, após o(a)s
estudantes já terem passado pelas etapas de “conhecimento da escola”,
“observação de aulas” e “acompanhamento de regência de aulas”, que
se deram em um período de 12 meses. Estávamos nos últimos seis me-
ses desse Programa. Vale observar que na etapa “acompanhamento de
regência de aulas”, a proposta foi a de o(a)s estudantes realizarem um

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 202


trabalho por “sequência didática”, do gênero resumo (de reportagens) e
posteriormente com a “sequência didática” do gênero crônica, já que as
escolas-campo5 estavam signatárias da Olimpíada de Língua Portugue-
sa. Do trabalho com o gênero resumo, foi constatado um fazer docente
de dizer o mesmo sempre. Ou seja, nesse trabalho didático, mesmo que
as etapas da sequência didática tenham sido construídas, o foco recaía
sobre as condições de produção do gênero discursivo estudado, sendo
muito pouco ensinado/aprendido a respeito do estilo linguístico que
constitui o gênero resumo, por exemplo.
No trabalho com o gênero discursivo crônica, o processo estava to-
mando a mesma direção. Porém, a partir de leitura de crônicas e de di-
versas unidades de livros didáticos que abordavam esse gênero em es-
tudo, foram discutidos diversos aspectos sobre o estilo linguístico desse
gênero jornalístico-literário, a exemplo do que denominamos de “gra-
mática da crônica”, reflexão que nos permitiu compreender, por exem-
plo, o papel dos verbos no pretérito perfeito, do modo indicativo, na 3ª
pessoa do singular, como recurso linguístico recorrente, tendo maior
uso de verbos de primeira conjugação. Essa ação acadêmica orientada
possibilitou a descrição linguística para uma interpretação textual situ-
ada, refletindo sobre o texto e a vida social. No entanto, mesmo assim,
“descer” ao sistema linguístico e interpretar seus recursos léxico-gra-
maticais ainda se configurava como um grande desafio à(o)s docentes
em formação inicial, e às professoras-preceptoras e ao professor-pre-
ceptor em formação em serviço6.
Na etapa final do RP, qual seja, “regência de sala de aula”, a partir do
planejamento e dos diários de bordo foi possível “acompanhar” um pou-
co do trabalho desenvolvido pelo grupo desse Programa de iniciação

5 É importante destacar que participaram do subprojeto Língua Portuguesa três escolas municipais do ensino
fundamental em Delmiro Gouveia, Alagoas, sendo, portanto, três docentes com preceptoria.
6 É relevante destacar que, apesar de ser um desafio “descer” ao sistema linguístico, inúmeras experiências
docentes pautadas na gramática contextualizada foram no RP desenvolvidas a contento, fruto do processo
de reflexão sobre a língua fundada na prática discursiva, realizada em nossos encontros semanais, nos quais
buscamos compreender os recursos linguísticos nas atividades discursivas, configurando aí também uma
homologia dos processos.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 203


à docência. Aqui, menciono o trabalho realizado por um grupo de três
residentes em uma turma de 8º ano do ensino fundamental, no qual o
enfoque aqui recai na etapa da aula em que distribuíram a propaganda
impressa, que segue:

Figura 03: Propaganda do azeite Gallo.

Fonte: https://www.acordacidade.com.br/fotos/p/20062-3.jpg.
Acesso em 22 de junho de 2021.

De 30 de setembro a 02 de outubro de 2019, o grupo de residentes


antes mencionado, acompanhado pela professora-preceptora, desen-
volveu estudos sobre o gênero discursivo propaganda. Numa atividade
de sondagem que se propunha a saber se a turma conhecia o gênero
discursivo, indagaram o que seria aquele gênero, quais suas caracterís-
ticas, qual sua função social e quais seus locais de circulação, sempre
num ensaio da “pedagogia da pergunta”, aquele movimento didático-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 204


-pedagógico que busca se afastar da mera exposição de dado “conteú-
do”, tal como orientada por Meirieu (1998). Após esse primeiro gesto di-
dático o grupo de residentes solicitou para a aula seguinte que a turma
assistisse ou lesse propagandas, para que fossem comentadas em sala
em aulas posteriores. Em aula posterior, naquela sequência didática, o
grupo de residentes distribuiu a propaganda do azeite extravirgem, já
mostrada anteriormente nesse texto. Após a entrega, a aula procedeu,
conforme podemos ler em um trecho de um diário de um participante
do grupo de três residentes, da seguinte maneira:

Quadro 01: Excerto de texto 01 – recorte de diário de bordo de residente no RP.


Quando retomamos a questionar a principal informação da propaganda, a turma começou a
interagir. Logo C ressaltou – “o sol brilha para todos os azeites. Mas é só o nosso que não
estraga”. Então eu questionei, mas porque não estraga? Qual a principal informação? A turma
logo se agitou, todos/todas queriam responder. A professora e também nós residentes
pedimos que falassem um por vez, pois não estávamos conseguindo ouvir. Estava muito
interessante ver toda aquela interação e participação, apesar do barulho. Então começamos a
questionar mais uma vez sobre a principal informação e a aluna A disse – “é porque a
embalagem é de vidro escuro e protege o azeite dos efeitos oxidantes da luz”. Foi uma grande
alegria ouvir A tendo essa percepção da principal informação da propaganda. No mais,
questionamos sobre o trecho “agora em embalagem de vidro” se podia ser considerado um
fato ou opinião. Mais uma vez, com muita propriedade, a turma disse ser um fato, pois “é
algo real, que eu posso ver e dizer que é verdade” – disse C. Num certo momento, a
professora-preceptora pediu que a turma voltasse a perceber as cores na propaganda, e
questionou se houvesse somente texto verbal teria o mesmo efeito de sentido. Eles/elas
disseram que não. Baseado nas respostas, eu entendia que a turma estava atenta a perceber
que um texto complementa o outro. E por fim, perguntamos sobre qual a finalidade da
propaganda, que por unanimidade responderam – para vender um produto. Ainda querendo
instigá-los, questionei que se eles/elas tivessem um produto onde colocariam a divulgação, e
daí a sala ficou dividida, uns disseram na TV e outros nas redes sociais “é só mandar no
WhatsApp” – disse M [Residente (1)].

Fonte: O Autor.

Mesmo que o grupo de residentes que regia às aulas tenha infor-


mado no planejamento da semana, de modo geral (e até pouco explíci-
to), que trabalharia os recursos linguísticos no gênero discursivo pro-
paganda, não houve, durante as cinco aulas semanais, acompanhadas
por mim através de seus diários de bordo, nenhum momento em que o
texto foi percebido como linguagens em funcionamento, no sentido de
que na abordagem pedagógica fizesse a turma olhar para recursos lin-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 205


guísticos específicos, buscando compreender seu papel na construção
da informação. Ou seja, em nenhum dos gestos didáticos desenvolvidos
ao longo da sequência didática planejada houve a explícita preocupação
docente de fazer pensar sobre recursos linguísticos que se materiali-
zavam no texto em estudo de modo a garantir determinados efeitos de
sentido.
Nessa propaganda, e em função didático-pedagógica de conside-
rar a informação principal do texto, o grupo de residentes poderia ter
perguntado e problematizado acerca do papel da palavra “mas”, em “O
sol brilha para todos os azeites. Mas, é só o nosso que ele não estraga”,
discutindo sua função de coordenar as orações, de modo adversativo
ou concessivo, numa clara atividade epilinguística e também metalin-
guística, de modo a considerar o “valor semântico do mas” e seu efeito
de sentido naquele texto propagandístico, visto que, como argumenta
Neves (2018),
Na marcação coordenada de desigualdade há aspectos especiais do
uso do mas. A desigualdade é utilizada tanto para organizar a informa-
ção como para estruturar a argumentação. Isso implica que o primeiro
segmento COORDENADO seja (até determinado ponto) aceito, mas, por
outro lado, que, também até determinado ponto, ele seja recusado, ou
negado. Segundo a distribuição do mas, seu valor semântico se especifi-
ca. O mas pode indicar desigualdades diversas, às vezes com total opo-
sição (e até com eliminação do segmento anterior), às vezes não. Podem
indicar-se, entre outras tantas: as relações de contraste, compensação,
restrição, negação de inferência. (NEVES, 2018, p. 832).
Ou, ainda, o grupo de residentes poderia ter realizado uma reflexão
sobre o uso da palavra “agora”, em “Azeite Gallo. Agora em embalagem
de vidro”, e seu papel adverbial de tempo, por exemplo, ou até mesmo
sobre o uso do presente do indicativo em “brilh-a” e “estrag-a”.
Um outro grupo de três residentes, atuando noutra escola-campo,
em regência de aulas de Língua Portuguesa, também numa turma de
8º ano do ensino fundamental, tinha naquela semana como seus propó-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 206


sitos de aulas, para o trabalho pedagógico com os gêneros reportagem
impressa e letra de música, de modo a fazer aprender sobre “tema ou
sentido global de um texto”, a) “estabelecer uma relação de diálogo entre
os alunos e o tema abordado na reportagem, bem como na letra de mú-
sica” e b) “desenvolver um debate acerca do objeto da reportagem (vio-
lência), que é assunto também da letra da música”, por exemplo. Nessa
empreitada docente, o grupo pretendia, conforme deixou explicitado no
planejamento, desenvolver, dentre outras, a competência (ou habilida-
de) de “inferir o sentido de palavra ou de expressão”.
Entretanto, nessa proposta didático-pedagógica, não havia ne-
nhum objetivo, para si e ou para o grupo aprendente, que estivesse para
a “ordem do texto”, bem como, nesse afastamento do texto, não foram
especificados os aspectos morfossintáticos a partir dos quais, na re-
portagem ou na música, se trabalharia a inferência. Nesse sentido, cla-
ramente é possível perceber que “descer” ao sistema linguístico é um
desafio no fazer docente, principalmente quando se quer pensar a lín-
gua em funcionamento na atividade discursiva, conforme nos orienta
Antunes (2014). Mas, o que poderia ter sido eleito para discutir sobre
violência e ao mesmo tempo pensar a língua em uso, informando sobre
a violência, na reportagem “RJ teve pelo menos 6 jovens mortos a tiros
em cinco dias”, publicada em 14 de agosto de 2019, no G1 Rio, ou cantan-
do sobre a violência, na música “Canção infantil”, de Cesar MC?
Em discussões posteriores no RP, em nosso encontro semanal, co-
loquei em pauta essa ausência de questões da ordem do texto, bem como
já havia informado acerca dessa ausência a esse grupo de residentes,
na apreciação semanal que fazia dos seus planejamentos de aula, possi-
bilitando, dessa maneira, que o grupo refletisse e enxergasse algumas
possibilidades para o trabalho linguístico-textual com a reportagem já
mencionada, mostrada em recorte abaixo. Vemos na superfície textual
da reportagem, em seu título e no resumo logo abaixo do título, que a
violência contra 6 jovens no Rio de Janeiro é linguisticamente marcada
como possivelmente provocada pela polícia, por exemplo, ao dizer que

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 207


“Em várias das ocasiões, havia operações policiais na região”, sugerindo
a autoria dos assassinatos à polícia.

Figura 04: Captura de tela de reportagem publicada em 14 de agosto de 2019, no


G1 Rio.

Fonte: https://www.google.com/amp/s/g1.globo.com/google/amp/rj/rio-de-janeiro/
noticia/2019/08/14/rj-teve-pelo-menos-6-jovens-mortos-a-tiros-em-cinco-dias.
ghtml. Acesso em 22 de junho de 2021.

No entanto, a informação dessas mortes não fica apenas nessa su-


gestão do título e do resumo desse texto jornalístico. Linguisticamente
são deixados muitos outros indícios, a exemplo da menção aos “jovens
mortos” a partir do discurso da polícia, que é nesse texto reportado,
através de nomeações/designações realizadas pelos agentes policiais,
por nome ou sintagma nominal, tais como “suspeitos” e “pessoa suspei-
ta”, em “Suspeitos atiraram contra os policiais e houve confronto” e “A
polícia disse que baleou uma pessoa que seria um suspeito”.
Assim, no propósito da aula, seria de fundamental importância
pensar sobre essa estratégia utilizada nesse texto jornalístico para in-
formar sobre aquela violência, pois, tal como discute Rajagopalan (2003),
o uso de nomes é um ato eminentemente político, pois é um primeiro
passo para influenciar interlocutores a favor ou contra pessoas ou acon-
tecimentos. Nesse caso, nessa reportagem, temos acesso a duas vozes, a
da polícia e sua nomeação dos jovens mortos (ou jovens assassinados?)
e a do jornalismo, que parece se opor à “voz da ordem”, fazendo refletir

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 208


sobre ela. Ou seja, a aula deveria ter feito pensar em como os nomes e a
adjetivação não são processos linguístico-discursivos desinteressados,
e assim refletir sobre violência.
Para além desse recurso linguístico-discursivo comentado, a aula
ainda poderia ter focalizado uma estrutura sintática em específico, qual
seja, a do uso da voz passiva em recorrentes sentenças, que é aquela,
segundo Neves (2018, p. 196), que se dá “quando há alguma alteração
formal que inverte a relação semântica entre o PREDICADO e o seu su-
jeito”. Para essa linguista, “uma oração está na voz passiva se, havendo
um verbo ‘de ação’, o sujeito dele não é o agente, é o paciente”. Vejamos
algumas sentenças com essa estrutura na referida reportagem:

a) As vítimas foram atingidas/ por balas perdidas


b) O jovem foi atingido/ por uma bala perdida
c) O estudante foi atingido/ no peito/ por uma bala perdida
d) As vítimas foram baleadas diretamente
e) Margareth foi encontrada morta
f) O bebê ficou ferido no pé
g) Júnior foi baleado
h) Dyogo foi morto a tiros
i) Mais uma pessoa foi baleada

Conforme podemos observar, todas essas nove sentenças estão na


voz verbal passiva, recurso linguístico-textual a partir do qual o “sujeito”
é, na verdade, o paciente, pois é ele quem sofre a ação. Se olharmos para
as três primeiras sentenças, “as vítimas”, “o jovem” e “o estudante” “fo-
ram atingidos”. Nessas sentenças, o “agente da passiva” (NEVES, 2018) é
“bala(s) perdida(s)”, aspecto linguístico-enunciativo bastante curioso, no
mínimo, pois, o texto jornalístico, ao usar a voz da polícia, reportando-a,
remete-nos a pensar que nesse discurso há o apagamento do “agente”,
ao atribuir o ceifar as vidas simplesmente à “bala perdida”. Mas, quem
de fato disparou o gatilho das armas? Mas, ainda mais interessante é

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 209


que, nesse discurso policial, reportado na reportagem, seis das senten-
ças mostradas anteriormente nem apontam o agente da passiva, só
identificando o “paciente” e a ação sofrida. Logo, fazer pensar sobre essa
violência em aulas de Língua Portuguesa não poderia estar distante da
materialidade linguístico-textual, pois nenhum “tema” se efetiva sem a
produção linguístico-semiótica.
Nesse caso, claramente é relevante a consideração de Melo (2004),
quando diz que é preciso sim discutir sobre cidadania, mas com “con-
teúdo”, pois, para essa pesquisadora, esquecer os “conteúdos” é um pro-
blema, já que as competências para ser cidadã(o) não se constituem no
vazio. Segundo argumenta, “(...) para ser cidadão ativo é indispensável
dominar conceitos e relações, compreender tendências e extrapolações,
mobilizar e aplicar conhecimentos de modo pertinente, mesmo em si-
tuações incertas” (MELO, 2004, p. 16). Assim, foi visando a enfrentar, na
formação docente, o desafio de planejar e realizar aulas de Língua Por-
tuguesa na perspectiva da “gramática contextualizada” que, de modo
mais consciente e mais efetivo, me lancei a, na disciplina “Morfologia do
Português”, em 2019, propiciar estudos em que a língua possa ser pen-
sada na/para a atividade discursiva.

Na graduação, tentativa de “gramática contextualizada”

Num fazer pedagógico que se queira pautado em “metodologia ati-


va” (MEIRIEU, 1998) e na ideia de “gramática contextualizada” (ANTU-
NES, 2012; 2014), assim como a ideia de “análise linguística” (GERALDI,
1997; MENDONÇA, 2015; BRASIL, 1998), em uma aula inicial de “Mor-
fologia”, no 6º período do curso de Letras-Língua Portuguesa (UFAL-
-Campus do Sertão), em 2019, problematizei estruturas das palavras e a
noção de morfologia. Para isso, trabalhei com a música de forró “Biscoi-
tinho”, de Kaelzinho Ferraz, com participação de Márcia Felipe, e o uso
da unidade gramatical presa derivacional “(z)-inh-(o/a)”. Essa proposta

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 210


de aula, tal como orientada, se deu na tentativa de construir uma “boa
situação de aprendizagem”, conforme argumenta Weisz (2009), no sen-
tido de que a situação tenha valor pedagógico.
Para isso, tentei atender aos princípios propostos por essa pesqui-
sadora, quais sejam, a) o(a)s alunos precisam pôr em jogo tudo o que
sabem e pensam sobre o conteúdo que se quer ensinar, b) o(a)s alunos
têm problemas a resolver e decisões a tomar em função do que se pro-
põem produzir, c) a organização da tarefa pelo(a) professor(a) garante a
máxima circulação de informação possível, e d) o conteúdo trabalhado
mantém suas características de objeto sociocultural real, sem se trans-
formar em objeto escolar vazio de significado social.
Após as questões iniciais, de caráter diagnóstico, sobre a noção de
morfologia e seu objeto de estudos, e a noção de língua que sustentava
tais ideias, ouvimos e cantamos a música de forró “Biscoitinho” e reali-
zamos uma atividade de compreensão. Vejamos a letra da música:

Biscoitinho

É, só me quer na hora do lanchinho


Só me quer quando não tem carinho
Só me quer quando não tem amor
É, tá pensando que sou biscoitinho?
Só sirvo na hora do lanchinho
Eu não quero, pra mim acabou
É, eu não quero nem mais um beijinho
Pode ficar com o teu amorzinho
Ser amante pra mim acabou
Já cansei, não quero mais
Nem mais um beijo, me deixa em paz
Quer me fazer de biscoitinho?
Só me quer na hora do lanchinho
Só me quer quando não tem mais nada
Só me quer quando não tem amor

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 211


Da atividade, tivemos, dentre outras, essas questões:

Questão 01: Que função tem um título de texto? Qual é o título da música e seu
significado?

Questão 10: Observe os versos abaixo e responda o que se pede:


i) “(...) tá pensando que sou biscoitinho?”
ii) “Quer me fazer de biscoitinho?”

a) A palavra destacada pertence a que classe de palavras?


b) No título e nos dois versos acima a palavra “biscoitinho” assume a mesma
função?
c) Qual o sentido proposto para a palavra “biscoitinho” nessa letra de mú-
sica?

Questão 11: Observe as palavras abaixo e responda:

lanch-inh-o
biscoit-inh-o
beij-inh-o
amor-z-inh-o

a) O recurso linguístico “inh-(o)”, destacado nas palavras, já deve ter sido es-
tudado por você. O que sabe a respeito?
b) Nas quatro palavras acima, aparece o “pedaço” “-inh-(o)”. Qual a função
desse recurso linguístico em cada palavra?
c) Seria possível dizer que em cada palavra “inh-(o)” tem a mesma função?
Justifique!
d) Quais os sentidos, então, para as palavras “lanchinho” e “biscoitinho” na
música? Por que a palavra “biscoitinho” foi usada como título da música?
e) Na nossa cultura de gênero, esse recurso linguístico [“inh-(o)”] aparece na
construção de outras palavras com a mesma função que na palavra “biscoiti-
nho”? Cite-as e seus contextos de uso!
f) Com esse caso de uso do “inh-(o)”, o que aprendemos sobre língua e nor-
mas linguísticas?

Questão 12: Que leitura podemos fazer dessa música? É possível que a mesma
leitura seja feita por quem escuta essa música no nosso cotidiano? É possível
dizer que essa letra tem um cunho feminista?

Questão 13: Ao assistirmos ao videoclipe dessa música, de que modo a última


cena participa dos sentidos para “lanchinho” e “biscoitinho”? O recurso lin-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 212


guístico “inh-(o)” assume o mesmo caráter discutido em questões anteriores?
Justifique!

O que se pretendeu com esse estudo em Morfologia? O objetivo


foi o de realizar uma abordagem gramatical contextualizada, efetivan-
do a homologia de processos na formação inicial num curso de Letras.
Assim, a meta didático-pedagógica foi a de, na discussão com função
diagnóstica sobre saberes da área e as noções de língua e de palavra,
conhecer o que a turma sabia e desestabilizar tais saberes linguísticos
caso a noção de palavra fosse outra que não as de “estrutura” e “unidade
sintática” (BATISTA, 2011). O estudo pretendeu que a palavra fosse vista
em seu caráter de representação linguística de categorias cognitivas
dos sujeitos a partir de suas percepções do mundo, e, portanto, como
“unidade enunciativa”, funcionando em texto, por escolhas léxico-gra-
maticais, para ações de linguagem. Por isso, a questão “Que papel exer-
ce a palavra “biscoitinho” na música?” foi de extrema relevância. Desse
modo, o foco didático-pedagógico recaiu sobre o uso do morfema gra-
matical preso derivacional “-inh(o/a)”, em “biscoit-inho-o”, na leitura do
forró, de modo a compreender seu “peso ideológico”, ou certo “viés de
valoração” (ANTUNES, 2012) nesse projeto de dizer.
A ideia foi a de permitir (re)pensar a noção de língua e a de pala-
vra, afastando-se do conceito de “regras” (fixas) e aproximando-se do
de “regularidades”. Nessa homologia de processos está também a ideia
de que estudar a língua é processo de produção de conhecimento e não
de reprodução de conhecimento (GERALDI, 1997), “busca [que] deve ser
resultado de perguntas e de reflexões, e não de mero conhecimento do
conhecido” [inserção nossa] (GERALDI, 1997, p. 220). A respeito desse
trabalho com essa música de forró, poderia tecer minhas considerações
sobre a recepção e a aprendizagem ou não da língua em uso. No entanto,
para cá, vou preferir que o(s) próprio(a)s discentes licenciando(a)s em
Letras, aluno(a)s de Morfologia do Português naquele período, naquela
aula, digam suas percepções sobre aula, com suas palavras, em recortes
textuais a partir dos diários de bordo da referida aula:

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 213


Quadro 01: Excerto de texto 01 – recorte de diário de bordo de residente no RP.

(...) tivemos a oportunidade de fazer uma análise de uma música (...). O professor nos
possibilitou entender e compreender o uso e a função do morfema inho e zinho na
música. [Aluna (1)]
O professor colocou uma música na sala para analisarmos morfologicamente; foi um
momento diferente, de descontração, e também de observação dos sentidos da música,
que era intitulada de “Biscoitinho”. [Aluna (2)]
(...) ele [o professor] levou uma música conhecida pela maioria para analisarmos,
sendo bastante diferente, pois a partir daí começamos a ter um outro olhar sobre
músicas (...) e perceber que nem tudo é bonitinho ou “inocente”. [Aluna (3)]
Em outro momento foi-nos apresentada a música “biscoitinho” (...) para ser analisada
e que deveríamos responder a algumas questões. Fiquei surpresa, pois não pensei que
usaríamos uma música dessa forma. Achei muito interessante a maneira de ver a
música. [Aluna (4)]

(...) nos mostrou a música biscoitinho (...) para melhor pensarmos a morfologia com
exemplos do nosso dia a dia. Este novo processo de ensino e aprendizagem é muito
interessante, porque aprendemos de forma mais dinâmica, leve e poderemos aprender
conteúdo e ensinar para nossos futuros alunos de maneira mais eficaz. Por isso, quando
discutimos inicialmente na aula o que seria o biscoitinho nos fez ter uma visão mais
ampla acerca dos sentidos que a música transmite. [Aluna (5)]
(...) foram feitas algumas reflexões morfológicas sobre a famosa música “Biscoitinho”
sobre os usos do sufixo -inho, qual a função dele e que sentidos este pode passar para o
leitor. Eu realmente gosto muito de acompanhar análises linguísticas, sempre fico
maravilhada em ver como a língua funciona. [Aluna (6)]
(...) foi passada uma música, que mais uma vez me levou a refletir será que buscamos
entender ou mesmo compreender o que ouvimos? A minha resposta seria não, porque
não buscamos exatamente conhecer a forma morfológica de como as palavras estão
sendo usadas, o que gera o efeito de sentido (...). Trazer essa metodologia de morfologia
para a prática de letramento, mostrando como os grupos visam e lidam com a escrita é
de arrepiar. [Aluna (6)]
(...) a disciplina de morfologia do português possui um objetivo e creio que esse objetivo
seja nos fazer pensar, aprender e analisar criticamente o que há por trás das palavras
que estão no nosso cotidiano. [Aluna (7)]

Fonte: O Autor.

Se considerarmos os recortes dos diários dessas sete alunas, po-


demos pensar que possibilitar descrições linguísticas e interpretações
situadas, a denominada “gramática contextualizada”, em aulas de “Mor-
fologia do Português” pode se configurar como uma alternativa viável
de enfrentamento ao desafio de docentes em formação, e também em
serviço, de “descer” ao sistema linguístico, nesse campo do conheci-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 214


mento, nas aulas de língua portuguesa, de modo a refletir acerca dos
(re)arranjos linguísticos em textos e a produção da vida social nesses e
por esses. Parece-nos que os dados nos apontam que a leitura da música
levou à noção de análise linguística/morfológica, à gramática contextu-
alizada, para a qual está:

a) entender/compreender os usos e as funções do morfema “-inho”,


b) observar os sentidos dos usos linguísticos,
c) ter outro olhar, mais amplo, sobre os usos linguísticos,
d) perceber a não inocência dos usos linguísticos e
e) fazer pensar e analisar criticamente os usos linguísticos.

Os comentários das discentes anteriormente mostrados relacio-


nam, inclusive, esse estudo de morfologia à ideia de língua em funcio-
namento e à noção de prática de letramento. Sendo assim, na formação
inicial, pela homologia dos processos, o que se espera da atuação do-
cente nas aulas de língua, na educação básica, tal como propõe Avelar
(2017), está sendo experienciado, já que, conforme argumenta,

(...) Em lugar de ficar preso à nomenclatura gramatical e de se limitar à


mera exposição de preceitos de norma-padrão, o professor pode trans-
formar as suas aulas de morfologia em um laboratório de observação e
análise sobre o conhecimento e uso da língua, orientando seus alunos
para reflexões e práticas produtivas sobre o modo como a constituição
das palavras, entre outros aspectos morfológicos, interfere na composi-
ção de sentido (...) (AVELAR, 2017, p. 88).

Considerações

A discussão desenvolvida possibilita-nos compreender que vive-


mos em um cenário político-ideológico que nos obriga a uma preocu-
pação, mais do que antes, com os textos nos quais circulamos, preocu-
pando-nos, assim, com os “perigos” que estão a nossa volta, que trincam
os processos democráticos, e que são projetados nas tramas linguísti-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 215


co-discursivas. Nesse cenário social de incertezas e de desenraizamen-
tos, a escola da educação básica e a Universidade não podem insistir em
construir competências e habilidades que não são mais úteis para a atu-
al vida social, precisando, portanto, se atentarem às exigências da vida
sociocultural cotidiana. Nesse aspecto, das aulas de Língua Portuguesa,
na educação básica, espera-se uma aprendizagem que possibilite não
apenas saber “ler” e “escrever” nos moldes tradicionais, aqueles que se
restringiam às habilidades de decodificar e codificar palavras e frases,
sem a ampla compreensão textual, sem considerar as faces linguístico-
-discursivas da textualidade.
Sendo assim, se é urgente que as aulas de Língua Portuguesa de-
vem ir além da “gramática da nomenclatura”, que se pauta(va)m em “ati-
vidades ocas”, vazias de significado, é do mesmo modo imprescindível
que a formação docente possa garantir aprendizagens linguístico-dis-
cursivas que também se afastem desse modelo, que é quase puramente
técnico-abstrato, buscando superar o desafio de docentes em formação
e em serviço de “descer” ao sistema linguístico, em planejamentos e em
aulas desse componente curricular, tal como evidenciamos nas temati-
zações da docência realizada em experiências no RP. Dessa maneira, o
trabalho didático-pedagógico a partir da “gramática contextualizada”
no ensino superior em um curso de Letras se mostrou viável, tornando-
-se, então, um caminho, pautado na homologia dos processos, de “fazer
e fazer refletir sobre”. Ou seja, na graduação em Letras não basta sim-
plesmente uma formação teórica sobre determinados saberes linguís-
ticos, pois, para garantir uma boa formação docente é preciso estudar e
aprender a língua a partir de práticas de uso da linguagem, nas quais se
toma o “texto-em-função”.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 216


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Weisz. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2009, p.
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ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 218


Capítulo 10

Atividades Epilinguísticas:
concepções e práticas de
professores de língua portuguesa
do ensino fundamental II

Lucileide Soares de Amorim


Renata Lavreca de Araujo
Hellen M. Pompeu de Sales

DOI: 10.52788/9786589932338.1-10
Introdução

Ainda hoje, muitos docentes tendem a adotar práticas tradicionais


de ensino nas aulas de língua portuguesa, concentrando esforços em
levar o aluno a decorar conceitos gramaticais e terminologias técnicas
que, geralmente, não trazem nenhum grau de significação aos estudan-
tes. Uma vez adotadas essas práticas, desenvolvidas de forma descon-
textualizada, fragmentada e irrelevante, tem-se como consequência um
ensino engessado, com estudantes cada vez mais distantes da língua
como fator social, dinâmico e transformador.
Contrariamente a esse tipo de prática tradicional, os documentos
oficiais educacionais do Brasil, como por exemplo, os Parâmetros Cur-
riculares Nacionais (PCN), insistem em orientar os professores a reali-
zarem aulas diferenciadas, com propostas pedagógicas inovadoras, que
instiguem o pensamento crítico dos alunos, ou seja, aulas longe de mé-
todos tradicionais, nos quais conceitos e “infinitas” regras gramaticais
são repassados aos alunos de forma mecânica. Nos PCN de Língua Por-
tuguesa, inclusive, há indicação para que os docentes levem para a sala
de aula atividades de cunho reflexivo (BRASIL, 1997). Dessa forma, no
documento, há uma promoção de Atividades Epilinguísticas.
O conceito de Atividade epilinguística está voltado para uma prá-
tica reflexiva do processo produtivo, que envolve o aluno e o professor
simultaneamente, e contribui com a construção do conhecimento do
educando, já que permite ao estudante refletir e construir significados
diferentes para expressões linguísticas. Segundo Rezende (2006), tra-
balhar dessa forma em sala de aula faz o aluno ir aos poucos avançando
e construindo seu conhecimento de forma gradual e significativa, e con-
sequentemente criando também uma gramática natural.
Essas e outras reflexões nos conduziram ao questionamento que
dá início a este trabalho1: Como as concepções de atividades epilinguísti-

1 Recorte de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) – Letras Língua Portuguesa – Universidade

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 220


cas dos professores são transpostas para a prática de sala de aula de língua
portuguesa no processo de ensino-aprendizagem da escrita?
A partir dessa questão foi estabelecido como objetivo geral deste
estudo: investigar como as concepções de atividades epilinguísticas dos
professores são transpostas para a prática de sala de aula de língua por-
tuguesa no processo de ensino-aprendizagem da escrita em uma escola de
ensino fundamental II. A fim de atingir tal objetivo, foram definidos os se-
guintes objetivos específicos: 1) verificar a concepção geral de atividade
epilinguística dos professores, e; 2) identificar se as atividades propos-
tas pelos professores em sala de aula apresentam princípios de ativida-
des epilinguísticas.
Nossos dados foram constituídos de duas formas: 1) aplicamos um
questionário (via Google Forms) a quatro professores (P1, P2, P3, P4) de
Língua Portuguesa do ensino fundamental II, de uma escola Municipal
de Canaã dos Carajás, no Pará2, com questões apoiadas em nosso refe-
rencial teórico sobre Atividades Epilinguísticas: Rezende (2006, 2008),
Geraldi (2002, 2011), Franchi (1991) e pelos PCNs (BRASIL, 1997, 1998);
2) Solicitamos aos docentes que nos enviassem algumas atividades de
escrita (elaboradas por eles) para que pudéssemos analisá-las.
Os dados da pesquisa foram analisados de forma interpretativa
com base em nosso referencial teórico, em dois momentos, intitulado:
1) Atividades Epilinguísticas: Concepção e Prática do Professor; 2) Ativi-
dades epilinguísticas: as propostas dos docentes.

Atividades Epilinguísticas e Ensino

Sylvain Aurox (1989 apud ROMERO, 2011) atribui a origem do con-


ceito de epilinguística ao linguista francês Antoine Culioli, que deno-
minou o epilinguismo como uma “racionalidade silenciosa”, e nova, que

Federal do Pará (UFPA).


2 Escola Municipal de Ensino Básico Ronilton Aridal da Silva- Grilo.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 221


recupera uma já existente, sendo exercida internamente, de forma não
consciente, em que os pensamentos são conduzidos a uma lógica, que
geram uma atividade externa, sem ser necessário verbalizar.
Em relação ao ensino, as atividades epilinguísticas constituem
exercícios de cunho reflexivo sobre o uso da língua que possibilitam
ao educando desenvolver habilidades linguísticas, tais como ler fluen-
temente e escrever com coesão e coerência. Desenvolver este tipo de
atividade em sala de aula contribui com o desenvolvimento do ensino-
-aprendizagem num processo conjunto, entre professor e aluno, numa
jornada de descobertas, reflexões, autonomias e criticidade, em que os
conhecimentos internos dos alunos são externados de forma conscien-
te.
Culioli (1990 apud ROMERO, 2011) afirma que as atividades epilin-
guísticas são exercícios inconscientes das atividades metalinguísticas3,
que permitem uma reflexão sobre o texto lido e escrito, e, simultanea-
mente a esta reflexão, ocorre a operacionalizão sobre a linguagem, bus-
cando explorar as várias possibilidades de construção do texto. Quanto
mais o aluno processa a reflexão interna sobre o uso da língua, mais
resultado terá na elaboração do discurso.
Para Geraldi (2013, p. 20 apud ROCHA, 2015, p. 24) as atividades
epilinguísticas “resultam de reflexões que tomam os próprios recur-
sos expressivos como seu objeto”. O autor considera essas atividades
inconscientes por meio de comportamentos internos do falante, tais
como pausas, hesitações, repetições, autocorreção, etc. São reflexões
que o falante faz inconscientemente, mas não expõe. O autor caracte-
riza as atividades epilinguísticas como “atividades que, [...], suspendem
o tratamento do tema a que se dedicam os interlocutores para refle-
tir sobre os recursos expressivos que estão usando” (GERALDI, 2013, p.
24, apud ROCHA, 2015, p. 24). Deste modo, as atividades epilinguísticas

3 Atividade metalinguística é a sistematização da língua, o uso consciente das constituintes. “...


referem-se à denominação, classificação e sistematização dos fatos linguísticos à luz de uma teoria
gramatical” (NASCIMENTO, 2014, p. 182)

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 222


possibilitam ao indivíduo retornar ao seu texto, escolhendo os recursos
expressivos de forma a adequar os efeitos de sentido no enunciado.
Geraldi (2002) defende a necessidade de transformar a sala de aula
num local para reflexão, em que o aluno aprende sobre o desconhecido,
tomando como base o conhecido, para assim produzir o novo, ou seja, a
partir de regras gramaticais formam-se as várias possibilidades, resul-
tantes de uma reflexão.
Franchi (1991) denomina as atividades epilinguísticas como práti-
cas que operam sobre a própria linguagem, comparando, transforman-
do e experimentando novas construções, ou seja, uma brincadeira com
o uso da linguagem e com novas formas linguísticas de significação.
O autor destaca que essas atividades vão além de apenas classificar as
palavras de uma oração em sujeito, verbo etc. Trata-se de conduzir o
educando aos variados recursos expressivos da fala e da escrita, abrindo
o horizonte das possibilidades gramaticais da sua língua.
No Brasil, além das contribuições de Franchi (1991) e Geraldi (2002)
sobre as atividades epilinguísticas, a autora Letícia Marcondes Rezende
é a que mais aborda este tema em seus estudos (ROCHA, 2015). A autora
defende que esse tipo de atividade desenvolvida em sala de aula “é ex-
tremamente importante, e a escola passa a ter o seu papel, que é ensinar
o aluno a pensar o seu pensar” (REZENDE, 2008, p. 96).
Para Rezende (2008, p.97) a atividade epilinguística é “sinônimo de
linguagem [...], um trabalho de representação, referenciação e equilibra-
ção”, uma atividade interna de construção e desconstrução de regras,
conceitos e valores. Segundo a autora, a parafrasagem e a desambigui-
zação são a base para desenvolver este tipo de atividade. Rezende afirma
que estas atividades, desenvolvidas em sala de aula, permitem ao edu-
cando “[...] avaliar, julgar, apreciar, ver o que é igual e o que é diferente,
distanciar, aproximar ou remontar significados” (REZENDE, 2008, p.
107).
Rocha (2015) aponta que as atividades epilinguísticas contribuem
na construção da significação, por meio de um processo criativo nas

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 223


mais diversas manifestações. Para a autora o foco a ser trabalhado nos
primeiros anos do ensino fundamental deve ser a produção de texto e
interpretação pautados no epilinguismo, para depois trabalhar ativida-
des metalinguísticas.
O uso contínuo dessas atividades estabelece experimentação e
comparação das marcas gramaticais, possibilitando aos alunos um do-
mínio progressivo e consciente da linguagem. Cabe ao professor condu-
zir os discursos dos alunos, sem rotular de certo ou errado, mas propor
a tomada de consciência nesse processo reflexivo para a construção do
conhecimento de forma efetiva.

Atividade Epilinguística – Instrumento para aquisição de


recursos linguísticos no ensino-aprendizagem da escrita

Segundo Antunes (2003) a escrita é uma atividade “interativa, di-


nâmica e dialógica, a qual é desenvolvida por duas ou mais pessoas, num
encontro de compartilhamento de ideias, de informações e intenções”.
O pré-requisito para a escrita é ter o que falar; sem este item principal (a
intenção da escrita) a produção do texto não se desenvolve, mesmo que
se tenha uma bagagem linguística pautada no léxico e na gramática. A
autora ressalta, ainda, que é necessário ampliar o repertório de ideias e
informações dos alunos, por meio de leituras, debates etc., para que os
estudantes, aos poucos, desenvolvam a capacidade de uma escrita per-
tinente e argumentativa. Percebe-se com isso que o processo de escrita
tem relação com o de atividades epilinguísticas, em que o ato reflexivo
sobre a linguagem acontece antes, durante e após a produção textual.
As práticas de leitura, produção textual e reescrita instrumentali-
zam os educandos neste processo epilinguístico, para que sejam capa-
zes de utilizar os recursos expressivos da língua, tornando-se escritores
eficientes; portanto, essas atividades devem ser exercidas constante-
mente em sala de aula (ROCHA, 2015). Neste sentido, a revisão e a rees-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 224


crita são fatores fundamentais no processo de produção textual, em que
o aluno concentra a sua atenção na intencionalidade da escrita, sobre o
que se quer comunicar, e seleciona elementos linguísticos para que este
texto se torne compreensível.
Segundo Geraldi (2011) o aluno poderá solucionar as suas dificulda-
des quanto à leitura e à escrita por meio da reflexão sobre a linguagem
durante as produções de textos, ampliando assim a sua capacidade co-
municativa, cabendo ao professor mostrar os caminhos possíveis para a
aquisição do conhecimento linguístico.
Para que o trabalho com produção textual e reescrita seja efetivo
em sala de aula é necessário que o docente ofereça aos alunos a possi-
bilidade de compreender a flexibilidade da língua, e as atividades epi-
linguísticas proporcionaram essa percepção. Neste sentido, Wamser e
Rezende afirmam que:

[...] o trabalho com as atividades epilinguísticas deve partir do processo


de construção da significação por meio do trabalho com as formas da
língua, priorizando e enfatizando aos alunos o caráter flexível e plástico
da linguagem e garantindo a consciência linguística de que a língua está
em constante processo de construção e de reconstrução (WAMSER; RE-
ZENDE, 2019, p. 299).

As atividades epilinguísticas permitem instrumentalizar os alunos


neste processo de aquisição dos recursos linguísticos, garantindo uma
consciência linguística, e então um domínio sobre a língua, consideran-
do que a língua se encontra em constante processo de construção e re-
construção. Essas atividades exercem uma função importantíssima no
desenvolvimento da capacidade comunicativa do aluno, seja escrita ou
oral; pois capacita o sujeito em seus atos comunicativos para que se tor-
ne mais compreensível. O que se propõe é exatamente isso, conduzir os
alunos a refletirem sobre sua escrita, retomando o texto, ressignifican-
do, reelaborando, parafraseando etc.
Considerando que as atividades epilinguísticas têm como finali-
dade operar uma reflexão, além de potencializar o domínio que os alu-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 225


nos possuem da língua, as autoras Bezerra e Siqueira (2007) chamam a
atenção para a reformulação da escrita, na busca de sermos mais bem
compreendidos. Quando o professor propõe aos alunos que reformulem
os textos, que busquem o significado das palavras usadas, apontando
novas possibilidades de construção, é possível iniciar uma relação de
troca entre professor e aluno e, logo, essas atividades se tornam praze-
rosas e com maior promoção de conhecimento. Esse tipo de atividade
requer que o aluno opere sobre o seu texto, num processo de retextuali-
zação, estabelecendo as “[...] estratégias de substituição, seleção, acrés-
cimo, reordenação e condensação” (ROCHA, 2015, p. 56). Desta forma o
educando reorganiza o seu texto, selecionando os elementos linguísti-
cos que mais se adequam ao sentido a que se quer a compreensão.
De acordo com Rocha (2015), a atividade de parafrasagem está li-
gada às escolhas de expressões linguísticas disponíveis na língua, da
qual o sujeito opera sobre a linguagem, estabelecendo comparações e
experimentações. Este tipo de atividade é considerado epilinguística, e
quando praticada em sala de aula, desperta a curiosidade, criatividade e
a capacidade de formulação de ideias a partir de outra já existente. Isso
implica em um processo de construção e reconstrução. Tal tarefa pare-
ce simples, no entanto, requer que os alunos desenvolvam o seu próprio
texto, buscando palavras sinônimas, sem que seja uma cópia. Para isso
se faz necessário planejamento, articulação textual, leitura, entre ou-
tras habilidades que constituem o processo de escrita.
Rocha (2015) ressalta, ainda, que há dois caminhos em que a pará-
frase pode caminhar, “um primeiro que se direciona a eliminar ou ame-
nizar uma opacidade que é inerente à própria linguagem; um segundo
que mostra que qualquer reformulação subentende uma modificação
de sentido” (ROCHA, 2015, p. 55); ou seja, a parafrasagem pode omitir
uma informação, bem como modificar o real significado do texto, pois a
informação passou por um processo cognitivo, que gerou novas opera-
ções, resultando em um novo texto.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 226


Bezerra e Siqueira (2007), em seus estudos direcionados para as
atividades epilinguísticas, apontam a refacção, revisão e a reescrita
como situações didáticas e, corroboram a ideia da intervenção do pro-
fessor como peça-chave para que os alunos consigam alcançar melhores
resultados nas produções de texto. Ensinar ao aluno o processo de re-
facção textual não é somente dizer que basta realizar uma higienização
do texto, passar a limpo, como é de costume, mas o procedimento vai
além dessa simples tarefa. É necessário explicar ao educando o caminho
da refacção, ou seja, instruí-lo no desenvolvimento do exercício, mos-
trando a importância de revisar e reescrever, reestruturando o texto.
Importante ressaltar que nesse tipo de atividade a intervenção do pro-
fessor é necessária, pois possibilita aos alunos a aquisição de novos ins-
trumentos linguísticos-discursivos, bem como as técnicas de revisão,
tais como, substituir, rasurar, reformular, descartar, construindo assim
habilidades para realizar a refacção, revisão e reescrita (BEZERRA e SI-
QUEIRA, 2007).
Neste processo de construção textual, mais uma vez reconhecemos
a importância do papel do professor, da sua atuação docente, relaciona-
da às metodologias adotadas para conduzir os alunos à aprendizagem.
Portanto, se o professor não estiver bem preparado e com objetivos bem
definidos, dificilmente os alunos conseguirão construir uma consciên-
cia reflexiva do processo de produção textual, tampouco do uso da lín-
gua como fator social e interacional.
Outro fator importante é saber identificar as reais dificuldades
apresentadas pelos alunos e, com isso, propor atividades que atendam
às necessidades dentro da realidade em que se encontram. Isso não quer
dizer que o professor deve levar para sala de aula atividades complexas,
em que os alunos não conseguem compreender ou mesmo querer resol-
ver todos os problemas de uma só vez. Logo, se faz necessário que o pro-
fessor identifique as dificuldades mais recorrentes e, com isso, escolha
atividades que melhor atenderão a essas necessidades.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 227


Destacamos, ainda, que as atividades epilinguísticas precisam focalizar
as dificuldades dos alunos e/ou partir do que já sabem para a ampliação
das possibilidades de utilização da língua. Nesse sentido, é necessário o
diagnóstico criterioso dos pontos que precisam ser trabalhados. Se se
pretende que os alunos leiam e escrevam melhor, é preciso pensar em
instrumentos que permitam observar como eles estão lendo e escre-
vendo, que problemas persistem, qual a sua natureza, quais precisam
ser trabalhados primeiro e, em função disso, que atividades desenvolver
(BEZERRA e SIQUEIRA, 2007, p.5).

Considerando o que nos dizem as autoras, identificar as dificulda-


des dos alunos na individualidade e coletividade requer muita dedicação,
sendo um trabalho de sensibilidade e preocupação com o fazer pedagó-
gico. Assim, percebemos que o conceito de epilinguismo está presente
não apenas nas atividades voltadas para os alunos, mas, também, na
ação do professor quanto à condução das atividades para a construção
de habilidades, de leitura e escrita, pautadas nos letramentos múltiplos
dos alunos.
Diante das concepções apresentadas observamos que o uso de ati-
vidades epilinguísticas em sala de aula pode ser eficaz para aprendiza-
gem, pois elas representam uma maneira eficiente de ensinar a língua
portuguesa. Uma prática que conduz os alunos a uma reflexão sobre a
própria língua, oferecendo a ele os variados recursos linguísticos e as
várias possibilidades de interpretação da sua língua.

Atividades epilinguísticas: concepção e prática do professor

Nesta parte do estudo, verificamos as concepções de atividades


epilinguísticas dos professores. Analisamos as respostas dos docentes
(P1, P2, P3 e P4) a oito perguntas, obtidas através do questionário. Em
relação à primeira pergunta (o que o professor considera necessário para
ensinar nas aulas de língua portuguesa?), as respostas foram as seguintes:

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 228


P1 - Considero necessário o ensino do uso correto, mas, sobretudo, adequado
da língua, respeitando a diversidade linguística. Escrever e falar segundo os
padrões da língua é importante, mas precisa-se ter a habilidade de fazer-se
entendido e compreender as diversas formas da comunicação, sem precon-
ceitos.

P2 - Letramento, principalmente na leitura e escrita.

P3 - A língua materna e suas formas de uso, seja ela formal, sejam coloquiais.
Além da gramática, acredito que é essencial o incentivo da leitura, o investi-
mento nas literaturas.

P4 - O uso da língua como meio de comunicação e expressão social, identitá-


ria e cultural, numa perspectiva criativa e crítica. A partir dessa perspectiva,
pode-se trabalhar: leitura, produção e interpretação textual, o estudo da lín-
gua e seus contextos e as normas gramaticais às quais está vinculada.

Nos excertos, P1 deixa claro que é necessário ensinar o uso “ade-


quado” da língua nas diversas formas da comunicação. Para os demais
professores, o foco do ensino está na leitura, interpretação de textos e
produções textuais, tendo a gramática como referência para constru-
ção linguística. Nos trechos, notamos que essa visão geral dos professo-
res sobre ensino, permite que o foco não seja centrado só na gramática,
mas também no uso social da linguagem. Rocha (2015, p. 33), citando
Conceição, diz que “o objetivo principal do ensino da língua é propiciar
ao aluno a competência necessária para entendê-la e usá-la de maneira
eficaz e adequada [...]”, ou seja, o ensino não deve ser focado na estrutura
linguística, como um conteúdo a ser ensinado de maneira solta, sem
conexão com os saberes já produzidos pelo aluno; mas, sim, no desen-
volvimento de competências da oralidade e da escrita.
Sobre a segunda pergunta, que diz respeito ao planejamento de
atividades de reescrita, reelaboração e revisão de textos, as respostas
foram positivas. Ver a seguir:

P1 - Sim. Geralmente distribuímos a carga horária do ensino de Língua Portu-


guesa contemplando a oralidade, produção textual e leitura. E atividades de
reescrita e revisão de textos fazem parte da rotina. Um exemplo de exercitar

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 229


a reescrita é propor uma produção textual coletiva ou individualizada, permi-
tindo a correção de duas maneiras: os alunos leem os textos uns dos outros,
destacando “os erros ortográficos” ou expressões desconhecidas e faço as in-
tervenções necessárias contribuindo na correção. Outra forma é sugerir que
os alunos escrevam um texto e depois de feitas as observações, eles reescre-
vam o texto. Sugerir leitura de um determinado livro, observando as palavras
“desconhecidas” de preferência consultando um dicionário, a fim de ampliar
o vocabulário e melhorar a escrita. Essas e outras atividades são realizadas
durante as cinco aulas semanais de Língua Portuguesa.

P2 - Sim. Com frequência regular, pois é necessário intercalar com outros


objetos do conhecimento.

P3 - Sim. Semanalmente, peço para que os alunos escrevam textos. No en-


tanto, há uma enorme dificuldade na reescrita dos mesmos, após correção.

P4 - Sim. Em alguns casos fazemos a correção coletiva de 3 textos no qua-


dro. Vamos discutir os desvios da língua e rever as normas gramaticais. Em
outros casos, a correção é individual, o aluno analisa os usos inadequados
circulados e propõe sugestões.

P1 enfatizou que esses tipos de exercícios fazem parte da rotina de


ensino da língua portuguesa. As produções textuais coletivas ou indivi-
duais são excelentes neste processo epilinguístico, pois é por meio das
correções coletivas que acontecem as reflexões sobre o uso da língua.
P4, também, afirmou que trabalha com correções coletivas e aponta a
importância das discussões sobre os desvios da língua. P2 ressalta a
importância de fazer essa correção com frequência, intercalando com
outros objetos de conhecimentos. Na resposta do P3, identificamos uma
certa dificuldade do professor em trabalhar com essas atividades; per-
cebemos que o professor enfrenta problemas no processo de interven-
ção durante a aplicação das atividades de reescrita. De modo geral, as
práticas relatadas acima, pelos professores, parecem estar, em parte, de
acordo com as práticas de atividades epilinguísticas. Pois, para Rocha
(2015) as atividades epilinguísticas, proporcionam ao aluno a oportuni-
dade para refletir sobre o texto, oferecendo variados recursos linguísti-
cos para a escrita e reescrita. “Assim, a atividade com a escrita deve ser
praticada com várias finalidades, entre elas, a própria aprendizagem da

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 230


escrita que envolve diferentes etapas: leitura, escrita e reescrita” (RO-
CHA, 2015, p. 35).
Quando questionados se consideram que as atividades sobre a re-
flexão da linguagem contribuem para um melhor ensino-aprendizagem
de língua portuguesa, os docentes responderam o seguinte:

P1 - Considero muito importante. Nas minhas aulas gosto de exemplificar


para meus alunos a forma como a linguagem varia de uma região para outra,
de um ambiente político, social e econômico para outro. Tento mostrar para
eles que existe uma ampla razão que explica o porquê de seus pais, avós,
amigos e conhecidos falarem de determinada maneira. Pensar na linguagem
como mecanismo vivo que inclusive influencia diretamente na nossa forma
de escrever e compreender o mundo.

P2 - Sim. Vivemos em uma geração cada vez mais diversificada e não só o


conhecimento, mas o respeito para com a linguagem é de suma importância.

P3 - Sim. Acredito que é essencial falar sobre as variações na nossa língua


materna e suas diferentes formas de uso. Pois, assim, os discentes sentem-se
pertencentes ao meio nos quais estão inseridos.

P4 - Sim. É a partir da análise do uso da linguagem de maneira contextuali-


zada que podemos atribuir sentido à fala, à escrita, etc.

De modo geral, percebe-se que os docentes entendem a necessi-


dade de desenvolverem atividades de reflexão em sala de aula, propor-
cionando aos alunos ressignificação de suas ideias, valorizando seus
conhecimentos prévios, de acordo com seus contextos socioculturais.
Dessa maneira, o docente será o mediador neste processo interativo,
em que o aluno se posiciona diante de sua linguagem de forma ativa,
refletindo e operando sobre ela.
Na quarta pergunta, em relação às dificuldades enfrentadas pelo
docente ao desenvolver esses tipos de atividades (sobre reflexão da lin-
guagem), observamos que os professores relatam diversos tipos de obs-
táculos. Ver abaixo.

P1 - Geralmente a maior dificuldade reside na quantidade de alunos que te-


mos na sala de aula, porque toda comunicação fica comprometida quando o
número de interlocutores é grande. Falar de linguagem, de escrita, para um

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 231


público que necessita expressar-se para entender e ser entendido é uma difi-
culdade que geralmente enfrentamos ao propor atividades como as citadas
acima.

P2- A concentração em meio a um mundo cada vez mais tecnológico e diver-


so.

P3 - O retorno dos alunos. A falta de material disponível.

P4 - É preciso alcançar um nível grande de interação com os alunos para


fazê-los não somente refletir como também propor as adequações da língua.
Exige a capacidade do professor em instigar aos alunos e recursos didáticos,
pois a aula deverá ser bastante “visual”.

Os principais obstáculos apresentados pelos professores foram: a


grande quantidade de alunos em sala de aula, desfavorecendo o ensi-
no-aprendizagem; a falta de concentração destes nos exercícios desen-
volvidos nas aulas em contraposição aos meios tecnológicos; os poucos
recursos didáticos disponíveis para o desenvolvimento de atividades
criativas, e a falta de interação entre professor e alunos. De fato, sabe-se
que o grande número de alunos por sala é a causa de muitos problemas
enfrentados pelos docentes, pois compromete o desenvolvimento do
ensino-aprendizagem, tornando um desafio manter a concentração e a
participação dos alunos em ambientes lotados.
No que se refere aos tipos de atividades de escrita que os docentes
costumam trabalhar, os professores apontaram:

P1 - Falar palavras ou frases e solicitar que os alunos escrevam, sem que o


professor faça uso do quadro, é uma das atividades que me permitem identi-
ficar mais rapidamente quais as maiores dificuldades na escrita dos alunos.
Mas, há outras que também nos permitem trabalhar com a escrita dos alu-
nos, por exemplo, lançar o desafio para que escrevam a maior quantidade
possível de palavras que começam com determinada letra, uma atividade
simples, rápida, que oferece uma ampla possibilidade de trabalhar a escrita.

P2 - Reescrita, paródias, produção de narrativas de aventura e poemas.

P3 - Comumente, ao iniciar um gênero textual, peço aos mesmo que escre-


vam uma produção sobre o mesmo. Seja carta, sinopse, ou resumo de alguma
obra.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 232


P4 - Fragmentos de textos que apresentem problemas de coesão ou coerência
para serem reescritos. Produções textuais a partir de personagens de lendas
ou heróis. Textos descritivos que estejam relacionados aos próprios colegas, à
escola, à casa deles, etc. Textos publicitários para o público da escola. Textos
de reivindicação à diretora, ao prefeito, à CELPA, etc.

Atividades que envolvam a leitura, escrita e reescrita devem guiar


o planejamento do docente, visando desenvolver as competências lin-
guísticas do aluno, equipando-o para torná-lo um escritor autônomo.
Dessa forma, segundo a BNCC (BRASIL, 2017) é preciso organizar um
conjunto de atividades que possibilite ao aluno construir seu texto re-
fletindo sobre os diversos contextos, estabelecendo conexão entre o dis-
curso, a temática e a estética, organizando as vozes textuais de acordo
com o gênero proposto. Propor exercícios que promovam uma refle-
xão coletiva entre os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem,
construindo um conhecimento significativo, também é uma estratégia
para desenvolver atividades epilinguísticas.
Diante da sexta pergunta (o que você compreende por “Atividades
Epilinguísticas”?), os professores responderam:

P1 - Uma atitude reflexiva sobre o que está sendo lido ou escrito. Como disse
anteriormente, não basta saber as regras gramaticais sem ter o bom senso
de como usá-las adequadamente, considerando a variedade, o porquê da sua
construção e uso em determinada época, região e contexto social.

P2 - A reflexão de ensino da linguagem e seu uso em sua forma escrita.

P3 - Compreendo que é um estudo da língua materna e verbalizado em suas


formas de uso.

P4- Acredito que as Atividades Epilinguísticas visam dar significado ao en-


sino da língua, de maneira contextualizada e propositiva; evitando o nível de
abstração que o ensino da gramática normativa propõe quando dissociada
de um processo de reflexão e atuação do indivíduo (aluno/professor).

Verificamos que P1, P2 e P4 compreendem as atividades epilinguís-


ticas como atividades de reflexão sobre o uso da língua, na forma oral

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 233


e escrita, dentro do contexto do qual o indivíduo está inserido. Já P3
entende que as atividades epilinguísticas estão relacionadas ao “estudo
da língua materna e verbalizada em suas formas de uso”. Entendemos
que este professor parece não compreender o epilinguismo como uma
ação reflexiva sobre o uso da língua. No final do questionário, no espaço
livre para comentários, este docente apontou que ouvia pouco sobre o
assunto Epilinguística, e não o conhecia por este nome. É importante
ressaltar que as atividades epilinguísticas sobrepõem-se a mera refle-
xão sobre a língua e suas variações linguísticas; é preciso compreen-
dê-las, também, como um importante instrumento que projeta novos e
diversos significados no desenvolvimento da linguagem dos educandos,
que adquire muito cedo propriedades fonológicas, morfológica, lexicais,
sintáticas, e prossegue indefinidamente até tornar-se uma linguagem
madura e consciente, quando o falante ressignifica suas expressões e
constrói sua linguagem (BRASIL, 1998).
Quando questionados, de forma objetiva, se o tema “atividades epi-
linguísticas” é abordado nas formações continuadas, os professores fo-
ram diretos: P2 foi o único que respondeu sim. P1, P3 e P4 responderam
que não. Como já foi apontado neste trabalho, as atividades epilinguís-
ticas favorecem efetivamente o desenvolvimento do ensino-aprendiza-
gem do educando, contribuindo na autonomia e proficiência nas suas
produções textuais, num processo de operação sobre a própria lingua-
gem, de reflexão sobre a sua escrita, selecionando elementos linguís-
ticos que melhor se encaixem em seu texto. Consideramos que este é
um tema relevante para ser abordado nas formações continuadas, e que
contribuirá, de forma significativa, na construção das práticas educati-
vas do docente.
Para concluir o questionário, perguntamos aos professores se eles
consideram esse tema relevante para as suas práticas educativas, e to-
dos responderam positivamente. Percebe-se que os docentes sentem
a necessidade de conhecer novas práticas pedagógicas que podem in-
fluenciar positivamente suas propostas didáticas, e contribuir de forma

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 234


significativa para aprendizagem dos seus alunos, tornando-os cidadãos
proativos no contexto social em que estão inseridos. Vejamos, a seguir,
um recorte de atividades propostas pelos professores desta pesquisa a
seus alunos.

Atividades epilinguísticas: as propostas dos docentes

Neste tópico, discutimos as propostas de atividades epilinguísti-


cas de escrita feita pelos professores, direcionadas a alunos do ensino
fundamental II. O critério de análise por nós adotados foi baseado nas
concepções de atividades epilinguísticas de escrita dos teóricos aborda-
dos neste estudo, tais como: a prática da reflexão sobre a linguagem, re-
formulação, paráfrase, refacção / revisão / reescrita, o desenvolvimento
de habilidades discursivas, e as possibilidades de aquisição de recursos
linguísticos. Buscamos analisar e compreender os objetivos das ativida-
des solicitadas pelos professores aos alunos, identificando as caracte-
rísticas epilinguísticas.
P1 disponibilizou uma sequência didática em que propôs trabalhar
leitura, escrita e aspectos linguísticos, com base em textos e exercícios
disponíveis no livro didático de língua portuguesa (Apoema, 2018/2019.
Editora do Brasil), adotado pela escola. Examinando uma sequência di-
dática de P1, percebemos uma proposta epilinguística na atividade de
leitura, em que os alunos identificaram em que parte da história nar-
rada, as palavras/frases foram retiradas. Esta é uma atividade oral, que
possibilita a reflexão sobre o texto lido e a interação entre alunos e pro-
fessor. Na atividade de escrita percebemos o aproveitamento de ativi-
dades do livro didático, quanto às interpretações textuais e a prática do
ditado (que conduz o aluno à reflexão sobre a ortografia, bem como a
atenção quanto às pontuações). De acordo com Souza (2014) “[...] o dita-
do é encarado como uma tarefa de resolução de problemas. [...] O pro-
fessor mobiliza os conhecimentos dos alunos e em atividades dirigidas

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 235


sistematiza o conhecimento ortográfico” (p.121). A estratégia do ditado
numa abordagem interacionista, segundo o autor, tem por objetivo con-
duzir os alunos a uma reflexão sobre a escrita ortográfica em conjunto,
em que as dúvidas, geradas durante a execução da atividade, são levan-
tadas pelos alunos e discutidas entre eles, juntamente com o professor,
que conduz este processo reflexivo. O papel do docente nesta atividade
é fazer com que os alunos cheguem às suas próprias conclusões, en-
contrando as respostas aos seus questionamentos. Portanto, o ditado,
numa abordagem interacionista, é considerado um tipo de atividade
epilinguística de escrita por gerar reflexões quanto ao uso da língua,
bem como contribui para o processo de sistematização dos elementos
linguísticos, do qual o aluno poderá fazer uso de forma autônoma em
suas produções textuais. Obviamente, que nessa abordagem, o ditado
não é visto de forma tradicional, como um fim, mas, sim como um meio
para levar o aluno a reflexão sobre a linguagem.
P2 propôs uma atividade de reorganização textual, que parece ser
uma proposta epilinguística de escrita, porém a atividade não se con-
figura uma produção textual, pois não leva o aluno a refletir sobre as
várias possibilidades de construção/reconstrução de significado do seu
próprio texto, num exercício de transformação, mas propõe que o aluno
organize o texto (disponibilizado) de forma ordenada, promovendo uma
reflexão sobre a organização textual. A atividade contribui para a com-
preensão e instrumentalização do aluno quanto aos conectivos e elos
coesivos necessários entre os parágrafos, estabelecendo uma relação
semântica, atribuindo sentido ao texto. Stella Miller (2003) ressalta que
o objetivo das atividades epilinguísticas é promover reflexões sobre os
recursos expressivos, e “No momento em que [o aluno] realiza tais ativi-
dades, sua atenção volta-se para a reflexão sobre os recursos que estão
sendo utilizados no processo comunicativo em questão” (MILLER, 2003,
p. 3). Deste modo, as reflexões geradas no ato da organização textual
(proposta na atividade de P2) subsidiarão o aluno em suas produções
textuais, possibilitando a operacionalização sobre a sua própria língua,

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 236


selecionando os elementos linguísticos que trarão coerência e coesão
em seu texto.
P3 fez uma proposta de produção textual que desperta a criati-
vidade dos educandos. A atividade de escrita parece adequada, com o
objetivo de trabalhar tanto a reflexão da escrita quanto à imaginação
dos alunos, proporcionando a realização de uma produção textual que
exprime, de forma criativa e compreensível, as suas expectativas quan-
to ao assunto explorado, porém parece-nos que faltou explorar alguns
itens essenciais das atividades epilinguísticas de escrita, como a refor-
mulação, a refacção / revisão / reescrita, elementos estes que fazem par-
te do processo de ensino-aprendizagem da escrita. Durante o processo
de escrita, o aluno faz uso dos seus próprios recursos linguísticos, bem
como se apropria dos elementos textuais da gramática normativa para
estruturar sua produção, a fim de torná-la significativa e compreensí-
vel para o leitor, de acordo com o gênero textual proposto. De fato, as
atividades desenvolvidas em sala de aula devem propiciar ao aluno vá-
rias possibilidades de interação social em que ele possa dialogar sobre
diversos assuntos existentes no seu contexto social, vinculando-os aos
temas abordados na escola (ROCHA, 2015). Desta forma, será possível
instrumentalizá-lo para que possa agir sobre a sua escrita com autono-
mia, a partir dos seus conhecimentos prévios, estabelecendo conexões
com as novas informações por meio da reflexão, ampliando assim, o seu
conhecimento de mundo.
P4 disponibilizou uma sequência didática para trabalhar o gêne-
ro textual “Lendas” com os alunos do 6º ano do ensino fundamental. A
sequência didática parece contemplar o que vimos neste estudo sobre
atividades epilinguísticas de escrita, promovendo a reflexão sobre o uso
da língua, oferecendo ao aluno recursos linguísticos para a reescrita da
narrativa. Alcançar resultados na produção textual exige do professor
buscar metodologias que permitam o desenvolvimento do aluno; a se-
quência didática apresenta essa possibilidade, pois permite um desen-
volvimento gradual de um conjunto de atividades sistematizadas que

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 237


incentivam a compreensão e a reflexão sobre determinados assuntos e
auxiliam a prática docente.
Em síntese, vimos na primeira parte da análise que, de modo geral,
a escrita para os professores é um meio de oferecer ao aluno a possibi-
lidade de descobrir caminhos à aprendizagem significativa. Por ativi-
dades epilinguísticas, eles compreendem os exercícios que favorecem a
reflexão sobre o uso da linguagem, tanto escrita quanto oral, tomando
como referência a norma culta, mas, levando em consideração as va-
riações linguísticas; eles acreditam que tais atividades podem tornar a
prática docente mais significativa. Porém, nos pareceu, que os docentes
fazem pouco uso destas atividades em suas propostas didáticas.
Na segunda parte vimos que, modo geral, as atividades propostas
pelos professores, parecem epilinguísticas; pois apresentam a possibili-
dade de interação e reflexão sobre a linguagem. No entanto, das quatro
atividades relatadas, somente uma contemplou os critérios de análise
que adotamos aqui: a reformulação, a parafrasagem e a refacção / revi-
são / reescrita.

Considerações finais

O presente trabalho teve como objetivo principal investigar como


as concepções de atividades epilinguísticas de professores do ensino
fundamental II são transpostas para a prática de sala de aula de língua
portuguesa, no processo de ensino-aprendizagem da escrita. A partir
da análise dos dados, apoiada em nosso referencial teórico, procuramos
responder as nossas perguntas de pesquisa.
Em relação à concepção geral de atividade epilinguística para os
professores investigados, podemos dizer que, a abordagem epilinguís-
tica pode possibilitar um olhar diferente às práticas pedagógicas no
processo de ensino-aprendizagem, visando um ensino da língua por-
tuguesa mais eficiente. Mas, de modo geral, percebemos que a maioria

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 238


dos docentes parece desconhecer esse tipo de atividade, sobretudo, por
desconsiderar o trabalho reflexivo e contextualizado em atividades de
desenvolvimento da linguagem. De fato, a maioria dos professores com-
preende esse tipo de atividade de forma superficial.
E relação às atividades propostas pelos professores, em sala de
aula, se apresentam princípios de atividades epilinguísticas; verifica-
mos que, apesar da maioria dos docentes compreenderem as atividades
epilinguísticas como um ato reflexivo, propondo atividades de escrita
e reescrita de textos, parece-nos que alguns se encontram fortemente
centrados no ensino tradicional da língua, com terminologias técnicas
que geralmente não trazem nenhum grau de significação aos alunos,
gerando resultados insatisfatórios na aprendizagem, distanciando-se,
assim, de princípios de atividades epilinguísticas.
Esclarecemos que não fazemos aqui apologia a atividades epilin-
guísticas, como formas únicas e finais de elevar a aprendizagem da lín-
gua portuguesa. As atividades epilinguísticas entram nessa discussão
como uma das opções de estratégias de ensino que se concentram na
reflexão e operacionalização da linguagem, criando formas de recons-
trução e reinvenção, explorando e brincando com a língua, em que os
sujeitos (alunos e professores), num processo interacional, se manifes-
tam de forma a compreender quão dinâmica é a linguagem.

Referências

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Pará-
bola, 2003.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa/Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília: MEC, 1997.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensi-
no fundamental: Língua Portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília:
MEC/SEB, 2017.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 239


BEZERRA, Gema Galgani Rodrigues; SIQUEIRA, Idméa Semeghini. Ativida-
des epilinguísticas: por uma revisão do ensino e aprendizagem de gramática
no EF. Disponível em: http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/
anais16/sem11pdf/sm11ss07_07.pdf : acesso em: 8 nov. 2020.
FRANCHI, Carlos. Criatividade e gramática. São Paulo: SEE/ CENP, 1991.
GERALDI, João Wanderley. Linguagem e ensino. Exercícios de militância e
divulgação. Campinas: Mercado de Letras, 2002.
GERALDI, João Wanderley (Org.) O texto na sala de aula. São Paulo: Ática,
2011.
MILLER, Stela. O trabalho epilinguístico na produção textual escrita. In: 26ª
Reunião anual: novo governo, novas políticas – O papel histórico da ANPED
na produção de políticas educacionais. Poço de Caldas, 2003.
NASCIMENTO, Silvana Schwab do. Atividades linguísticas, epilinguísticas
e metalinguísticas no documento oficial de língua portuguesa do estado do
Rio Grande do Sul Educação Para Crescer – Projeto Melhoria da Qualidade
de Ensino. Cadernos do IL, n. 48, p. 176-194, jun. 2014.
REZENDE, Letícia. Marcondes. O. Linguagem e línguas naturais: diversidades
experiencial e linguística. São Carlos: Pedro e Paulo editores, 2006.
REZENDE, Leticia Marcondes. Atividade epilinguística e o ensino de língua
portuguesa. Revista do GEL, S. J. do Rio Preto, v. 5, n. 1, p. 95-108, 2008
ROCHA, Josélia Nunes da. (Re)pensando a interface epilinguística/produção de
texto no ensino fundamental II. Ilhéus, BA: UESC, 2015. 
ROMERO, Marcia. Epilinguismo: considerações acerca de sua conceitualiza-
ção em Antoine Culioli e Carlos Franchi. Revel, v.9, nº 16, 2011.
SOUSA, Otília Costa. O ditado como estratégia de aprendizagem. Revista
EXEDRA, nº 09. 2014.
WAMSER, Camila Arndt. REZENDE, Letícia Marcondes. Atividade epilin-
guística: um caminho para o trabalho com as operações de linguagem no
ensino de língua materna. Revista Ecos, v.26, Ano 16, n° 01 (2019).

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 240


Sobre os organizadores

Francieli Matzenbacher Pinton. Graduada em Letras pela URI (1999),


Mestre (2003) e Doutora (2012) em Letras pela UFSM. É professora do
Curso de Letras e do Programa de Pós-graduação em Letras da UFSM.
Membro da ALSFAL e do Grupo de Trabalho Gêneros Discursivos/tex-
tuais da ANPOLL. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Ensino de Linguagem. Tem experiência em Análise Crítica de Gêneros
textuais, formação de professores de LP, ensino e leitura de produção
textual em diferentes áreas disciplinares, ensino de LP na educação bá-
sica.

Romário Volk. Graduado (2019), Mestre (2021) e doutorando em Letras


- Estudos Linguísticos pela UFSM. Tem interesse em temáticas relacio-
nadas ao ensino de LP no ensino básico, especialmente no âmbito da
Prática de Análise Linguística.

Rosana Maria Schmitt. É licenciaciada em Letras – Português pela Uni-


versidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestra e doutoranda em Le-
tras – Estudos Linguísticos pela mesma instituição (PPGL/UFSM).

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 241


Sobre os autores e autoras

André Luiz da Silva. Possui graduação em COMUNICAÇÃO SOCIAL


(pela Universidade Estadual da Paraíba-UEPB), graduado em LETRAS
PORTUGUÊS (pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB), Especia-
lista em GESTÃO E PRODUÇÃO CULTURAL (pela Universidade Fede-
ral de Campina Grande - UFCG), Especialista em CIÊNCIAS DA LIN-
GUAGEM COM ÊNFASE NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA (pela
Universidade Federal da Paraíba- UFPB) e Mestrando em Linguística
(pela Universidade Federal da Paraíba- UFPB). Pesquisador nas áreas de
Linguística Textual, Linguística Cognitiva, Literatura Popular e Cultura
Popular.

Caroline Teixeira Bordim. Graduada em Letras — Português e Lite-


ratura (licenciatura) pela Universidade Federal e Santa Maria (UFSM),
Mestranda em Estudos Linguísticos pelo Programa de Pós-Graduação
em Letras da Universidade Federal de Santa Maria (PPGL/UFSM).

Cassilmara Rejane da Rocha. Nascida em Diamantina, MG, residente


em Itamarandiba desde 2000, Mestra em Letras pela UNIMONTES Uni-
versidade Estadual de Montes Claros em (2018) Pós-Graduada em Lín-
gua Portuguesa, área do conhecimento de Linguística; Letras e Artes
pela FERLAGOS, Faculdade da Região dos Lagos, Cabo Frio. RJ (2004).
Pós-Graduada com Especialização em Orientação; Supervisão e Inspe-
ção Escolar, pela UNICID, Universidade de São Paulo, SP (2014). Gradu-
ada em Língua Portuguesa e suas Literaturas pela Faculdade de Filoso-
fia e Letras da Fundação Educacional do Vale do Jequitinhonha (2000).
Concluí o Ensino Médio da Educação Básica, (1993) na Escola Estadual
Professora Ayna Torres em Diamantina, MG. Concluí o Ensino Normal-
Magistério de 1º Grau (1ª à 4ª série) em (1996) na Escola Estadual Profes-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 242


sor Leopoldo Miranda em Diamantina MG. Técnica em Infraestrutura
Escolar pelo Instituto Federal do Norte de Minas, pólo Itamarandiba.
Atualmente leciono nas escolas: “Escola Estadual São João Batista e Es-
cola Estadual Mestra Bezinha Gandra”. Tenho experiência na área de Le-
tras, com ênfase em Língua Portuguesa. Cursando Pós-Graduação em
Atendimento Educacional Especializado pelo (IFNMG) Instituto Federal
do Norte de Minas Gerais.

Cícera Alves Agostinho de Sá. Doutora pelo Programa de Pós-gradu-


ação em Letras, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e
docente da Secretaria de Educação do Estado do Ceará e da SME de Mi-
lagres – CE. Integrante do Grupo de Pesquisa Estudos Funcionalistas e
o Ensino de Língua EFEL/CAWSL/UERN, atuando na linha de pesquisa
Descrição, ensino e aprendizagem de línguas. Tem publicações na área
do ensino de língua materna; descrição do português; Linguística Sis-
têmico Funcional (transitividade); gêneros textuais. E-mail: ciceralvesd-
sa@gmail.com.

Hellen M. Pompeu de Sales. Possui doutorado em Linguística (Ensino-


-Aprendizagem) pela Universidade Federal do Pará (UFPA); Mestra em
Linguística (Ensino-Aprendizagem) UFPA; Graduada em Letras Lín-
gua Portuguesa (UFPA); Graduada em Letras Língua Francesa (UFPA);
Especialista em Ensino-Aprendizagem da Língua Portuguesa (UFPA);
Especialista em Língua Portuguesa: uma abordagem textual (UFPA).
Membro da equipe de Aplicação do exame Celpe-Bras - PA. Experiência
na área de Português Língua Estrangeira (PLE). Professora Formadora
do curso de Letras modalidade a distância (UFPA).

Ismar Inácio dos Santos Filho. Doutor em Letras-Linguística (UFPE),


professor adjunto no curso de Letras-Língua Portuguesa (UFAL-Cam-
pus do Sertão), bolsista CAPES em decorrência da atuação como coor-

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 243


denador do Subprojeto Língua Portuguesa, no mesmo curso de atuação,
do Programa Residência Pedagógica, versão 2020-2022, e autor das re-
centes publicações Processos de pesquisa em linguagem, gênero, sexu-
alidade e (questões de) masculinidades, em 2017, e Linguística Queer,
em 2020, pela Pipa Comunicação.

Lucileide Soares de Amorim. Graduanda em Letras Língua Portuguesa


pela Universidade Federal do Pará (UFPA); Pós-graduada (Lato Sensu)
em Educação em Tempo Integral – Instituto Prominas; Pós-graduada
(Lato Sensu) em Gestão Escolar Integrada e Praticas Pedagógica – Insti-
tuto Prominas; graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do
Pará -UEPA; Coordenadora Pedagógica do Ensino Fundamental I; Expe-
riencia como professora dos anos iniciais- e-mail- lusoamors@hotmail.
com

Maristela Fernandes Mendes Falcão. Graduada em Comunicação So-


cial - Jornalismo pelo Centro Universitário Vale do Ipojuca (2008) e gra-
duada em Letras pela Universidade de Pernambuco (2013). Mestra em
LETRAS - ProfLetras - pela Universidade Federal Rural de Pernambuco
(2020)/Unidade Acadêmica de Garanhuns. É professora das Secretarias
de Educação dos municípios de Lajedo-PE e Garanhuns-PE, com larga
experiência nos anos iniciais da educação básica.

Nelson de Morais. Nascido e residente em Carbonita, MG. Sou Mestre


em Letras pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)
– 2018. Pós-Graduado em Supervisão e Inspeção Escolar pela Universi-
dade Candido Mendes (UCAM). Pós-Graduado em Ciências da Religião
pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Graduado em Letras - Lín-
gua Portuguesa e Língua Espanhola pela Universidade Metropolitana
de Santos (UNIMES). Graduado em Letras - Língua Inglesa pela Uni-
versidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Ensino Médio da

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 244


Educação Básica concluído em 2007 na Escola Estadual Coronel Coim-
bra, em Diamantina, MG. Atualmente leciono nas escolas: “Escola Es-
tadual Coronel Coimbra”, em Carbonita, MG e “Escola Estadual Maria
Raimunda Andrade Neves”, em Itamarandiba, MG. Tenho experiência na
área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa. Cursando Graduação
em História pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) com
previsão de conclusão em dezembro de 2021.

Renata Lavreca de Araujo. Bacharel em Teologia pelo Seminário Teoló-


gico Batista do Nordeste (STBNe) - Graduanda em Letras Língua Portu-
guesa pela Universidade Federal do Pará (UFPA) – email – nillavreca@
gmail.com

Tais Vasques Barreto. Mestranda em Estudos Linguísticos pelo Progra-


ma de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Maria – PPGL/
UFSM.

Verônica Lorenset Padoin. Mestranda em Estudos Linguísticos pelo


Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Maria –
PPGL/UFSM.

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 245


Índice remissivo

A
Análise Linguística 5, 6, 9, 12, 13, 14, 15, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 31,
32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 42, 43, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 58, 88, 106, 146,
147, 150, 152, 169, 170, 171, 172, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 187, 241
B
BNCC 5, 8, 9, 15, 35, 53, 54, 55, 56, 57, 59, 64, 74, 76, 93, 94, 99, 103, 112, 113,
114, 124, 127, 136, 217, 233
C
Campos de atuação 56, 57, 60, 65, 66, 74, 75, 76, 94
E
Educação Básica 55, 76, 79, 85, 87, 112, 127, 145, 188, 242, 245

Ensino Fundamental 9, 18, 55, 56, 57, 59, 64, 70, 74, 79, 84, 93, 94, 108, 128,
134, 144, 146, 150, 244

Ensino Médio 5, 9, 19, 79, 80, 84, 87, 93, 94, 95, 104, 105, 108, 112, 114, 115, 118,
120, 146, 168, 175, 242, 244

Escola 20, 22, 24, 25, 28, 29, 31, 35, 38, 45, 53, 87, 109, 124, 129, 130, 131, 132,
147, 149, 150, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 167, 170, 172, 173, 174, 178, 181, 182, 183,
184, 185, 186, 188, 189, 193, 202, 206, 216, 217, 221, 223, 233, 235, 237

Escuta 8, 57, 58, 93, 115, 127, 175, 183, 199, 212
G
Gêneros textuais 6, 9, 10, 49, 55, 57, 60, 75, 81, 90, 108, 109, 111, 123, 134, 135,
136, 161, 165, 169, 170, 171, 172, 175, 176, 177, 181, 183, 184, 186, 187, 188, 243

Gramática 6, 7, 8, 9, 11, 13, 15, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 33,
34, 35, 37, 39, 40, 46, 48, 52, 53, 62, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 79, 80, 84, 87, 88,
89, 90, 91, 106, 108, 110, 111, 128, 130, 131, 132, 146, 147, 149, 150, 151, 152, 153,
154, 155, 158, 159, 161, 167, 168, 170, 173, 174, 177, 181, 182, 183, 185, 186, 189, 190,
192, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 203, 210, 214, 215, 216, 217, 218, 220, 224, 229,
233, 237, 240

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 246


Gramática Sistêmico-Funcional 13, 16, 20, 38, 40, 50, 52, 56, 61, 69, 76
L
Leitura 6, 8, 9, 10, 15, 19, 20, 29, 30, 37, 38, 43, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 55, 57, 58,
60, 61, 82, 88, 89, 90, 92, 93, 108, 109, 110, 115, 123, 126, 127, 128, 129, 134, 135,
136, 137, 138, 139, 144, 145, 146, 150, 152, 153, 154, 163, 165, 170, 174, 175, 177, 179,
182, 183, 185, 186, 193, 199, 203, 212, 213, 215, 224, 225, 226, 228, 229, 230, 231,
233, 235, 241

Língua 5, 6, 7, 8, 13, 14, 15, 16, 21, 26, 28, 31, 32, 33, 34, 35, 37, 38, 39, 40, 42, 46,
48, 49, 50, 52, 53, 54, 57, 58, 61, 74, 76, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89,
90, 91, 92, 93, 94, 99, 100, 102, 103, 104, 106, 107, 108, 110, 111, 123, 124, 126, 127,
128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 138, 141, 142, 144, 145, 146, 147, 151, 152,
154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 163, 167, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176,
177, 178, 179, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 187, 188, 189, 190, 198, 199, 200, 201,
203, 207, 210, 211, 212, 213, 215, 216, 217, 219, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 226,
227, 228, 229, 230, 231, 232, 233, 234, 235, 236, 237, 238, 239, 240, 243

Linguagem 6, 7, 10, 13, 16, 17, 21, 23, 27, 28, 29, 31, 38, 39, 40, 46, 48, 49, 55, 56,
57, 58, 59, 60, 61, 62, 64, 69, 74, 75, 76, 80, 81, 82, 86, 89, 93, 94, 103, 107, 109,
126, 127, 128, 129, 131, 132, 133, 134, 135, 144, 145, 146, 149, 153, 170, 173, 174, 175,
176, 178, 179, 180, 183, 184, 187, 191, 193, 194, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 213,
216, 222, 223, 224, 225, 226, 229, 231, 233, 234, 235, 236, 238, 239, 240, 244

Língua Portuguesa 5, 9, 11, 13, 18, 23, 25, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 44, 51, 52, 55,
56, 57, 58, 59, 60, 64, 74, 76, 77, 79, 91, 94, 107, 108, 111, 120, 123, 127, 128, 129,
149, 153, 156, 157, 175, 188, 192, 193, 197, 198, 199, 200, 201, 203, 206, 210, 216,
217, 220, 221, 229, 230, 239, 242, 243, 244, 245

Linguística 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 18, 21, 22, 23, 26, 29, 31, 34, 35, 38,
46, 47, 48, 51, 52, 53, 54, 55, 58, 61, 64, 73, 74, 75, 76, 78, 79, 80, 82, 83, 84, 85,
86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 106,
107, 108, 109, 110, 111, 123, 124, 126, 127, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 136, 138, 139,
145, 146, 147, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 159, 161, 163, 165, 167, 168,
174, 178, 183, 184, 189, 191, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 203, 210, 213, 215,
218, 224, 225, 229, 240

Linguística Sistêmico-Funcional 43, 61

Livro didático 5, 6, 10, 78, 84, 91, 94, 99, 103, 128, 129, 134, 143, 144, 145, 146,
148, 150, 156, 157, 166, 198, 218, 235

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 247


P
Prática docente 10, 13, 18, 25, 26, 59, 80, 106, 111, 120, 123, 170, 238
Práticas de linguagem 7, 48, 49, 56, 57, 58, 59, 60, 76, 93, 94, 103, 127, 128, 145,
153, 178, 193, 194, 198

Produção de textos 15, 29, 48, 50, 51, 55, 57, 58, 82, 88, 90, 92, 93, 125, 127,
150, 153, 183, 187

Professor 7, 14, 21, 23, 28, 35, 37, 38, 39, 40, 45, 46, 48, 51, 52, 53, 59, 81, 82, 83,
84, 85, 86, 87, 89, 98, 99, 104, 108, 110, 118, 119, 146, 151, 157, 162, 163, 164, 165,
167, 170, 171, 172, 174, 175, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 185, 186, 187, 188, 189, 193,
197, 198, 201, 202, 203, 211, 215, 220, 222, 224, 225, 226, 227, 228, 230, 232, 233,
234, 235, 236, 237, 243
R
Reescrita 52, 83, 131, 132, 151, 179, 186, 187, 224, 225, 227, 229, 230, 231, 233,
235, 237, 238, 239
T
Texto 4, 6, 7, 10, 11, 14, 15, 17, 23, 26, 29, 30, 34, 35, 38, 47, 49, 51, 52, 53, 56, 60,
65, 66, 70, 72, 74, 80, 82, 83, 88, 90, 92, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104,
106, 107, 109, 110, 111, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 126, 127,
128, 129, 130, 131, 133, 134, 135, 136, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 146, 151, 154,
161, 162, 163, 164, 167, 170, 171, 174, 176, 177, 178, 179, 180, 182, 183, 185, 191, 193,
194, 195, 196, 197, 199, 200, 203, 205, 206, 207, 208, 209, 212, 213, 214, 216, 222,
223, 224, 225, 226, 227, 230, 233, 234, 235, 236, 237, 240

ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 248


ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 249

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