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Ascontribuições apresentadas neste volume dão continuidade aos

estudos sobre reescrita escolar no campo aplicado, ao mesmo


tempo em que buscam fazê-los avançar através do exame de
propostas para o ensino da escrita em contextos específicos, e da análise
de modos de intervenção do professor em etapas também específicas da
cadeia de re/con/trans textualizações que constituem o processo mais
amplo de produção escrita no ensino básico. As questões subjacentes,
também tematizadas ao longo do livro, são a da preparação do professor
para atuar de forma mais efetiva nesse mesmo processo e a da reflexão
teórico-metodológica necessária para que essa preparação se dê também
de forma mais efetiva, seja nos cursos regulares de formação de o I
professores,seja na chamada formação em serviço. §s
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Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

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A (re)escrita em foco

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Pontes
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AJair Vieira Gonçalves

Possui doutorado pela UNESP-


Universidade do Estado de São
Paulo, com período sanduíche
na Faculdade de Educação e
Ciências da Linguaí<em, da
Universidade de Genebra /
Suíça, sob a orientação do Prof.
Dr' Joaquim Dolz. Docente da
Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD). É bolsista
de Produtividade em Pesquisa
do CNPq Nível 2 e coordenador
-do grupo de pesquisa "Gêneros
textuais e Formação de
Professores" As principais
publicações do autor são capítu
los de livros e artigos publicados
em diversos periódicos brasilei
ros. Entre os livros, há C/éncias
da Linguagem: O fazer científico!,
organizado corn Marcos Lúcio
de Sousa Góis, e Nas Trilhas do
Letramento: entre teoria, prática e
formação docente", organizado
com Alexandra Santos Pinheiro,
ambos publicados pela Editora
Mercado de Letras.
Interação, Gêneros
e Letramento
A (re)escrita em foco

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação(CIP)

Gonçalves. Adair Vieira, - Bazarim, Miíene.


Interação, Gêneros e Letramento: A (re)escrita em foco
/ Adair Vieira Gonçalves - Milene Bazarim (Orgs.)
1® Edição - Editora Clara Luz,2009 - 2® Edição - Pontes Editores, 2013

Campinas, SP : Pontes Editores, 2013.


Bibliografia.
ISBN- 978-85-7113-425-6

1. Gênero - perspectivas teóricas


2. Letramento - perspectivas teóricas I. Titulo
II. Adair Vieira Gonçalves III. Milene Bazarim

índice para catálogo sistemático:


1. Gênero - perspectivas teóricas 370.7
2. Letramento - perspectivas teóricas 371.3
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

Interação, Gêneros
e Letramento
A (re)escrita em foco

letramento
processo

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ensino

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aprendizagem

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SOIS
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Este livro foi produzido com o apoio do Conselho Nacional de


Desenvolvimento Científico(CNPq), por meio da aprovação no âmbito
do Edital Universal MCT/CNPq 14/2011-processo n°471052/2011-
6 eda ChamadaMCTI/CNPq/MEC/CAPES n° 18/2012 — Ciências
Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, processo n°405797/2012-5.
É resultado de investigações realizadas no Grupo de Pesquisa For
mação de professores e Gêneros Textuais- GETFOR, cadastrado na
base de dados do CNPq e do Projeto de Pesquisa "Os Gêneros textuais
e a formação de professores: repensando o letramento à luz do intera-
cionismo sociodiscursivo".
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SUMARIO

INTRODUÇÃO
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim

PREFÁCIO 17
Inês Signorini

I - Gêneros textuais como objeto de ensino:


a (re)escrita no Ensino Fundamental e Médio
AS LISTAS DE CONTROLE/CONSTATAÇÕES COMO FERRAMENTAS PARA
A REESCRITA DE GÊNEROS
Adair Vieira Gonçalves

IMPLICAÇÕES DA CORREÇÃO DO PROFESSOR NA REESCRITA DO


3 ALUNO: DESENVOLVENDO AS CAPACIDADES DE LINGUAGEM
Evandro Gonçalves Eeite
37

Regina Celi Mendes Pereira


OS BILHETES ORIENTADORES DA REESCRITA E A APRENDIZAGEM
DO GÊNERO RELATÓRIO DE EXPERIÊNCIA 65
Cecília Eller Nascimento

O GÊNERO PROPAGANDA IMPRESSA NA ESCOLA:REESCRITAS POSSÍVEIS 83


Edsônia de Souza Oliveira Melo
Maria Rosa Petroni

II - Interação, gêneros, letramento e formação do professor

A REVISÃO DE TEXTOS NA FORMAÇÃO DOCENTE INICIAL


J Renilson José Menegassi
CONCEPÇÕES DE LETRAMENTO E A RELAÇÃO ENTRE A FALA E A ESCRIT \
NA VISÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUA POR TUGUESA EM FORMAÇÃO 133
Rute Izabel Simões Conceição
usos SOCIAIS DA ESCRITA + PROJETOS DE LETRAMENTO = RESSIGNIFICAÇÃO
DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA 149
Glícia Azevedo Tinoco

MIXAGEM DE PRÁTICAS DE ESCRITA NA ESCOLA 169


Edilaine Buin-Barbosa

APROPRIAÇÃO DE SABERES SOBRE PRÁTICA DE ESCRITA POR


PROFESSORES DE LÍNGUA MATERNA EM FORMAÇÃO INICIAL 197
Wagner Rodrigues Silva
iNadizenilda Sobrinho Rego

GÊNEROS NO MUNDO DIGITAL: UM MEIO DE "TRANSDISCIPLINARIZAR"


A ESCOLA 221
Petrilson Alan Pinheiro

OS GÊNEROS NA CONSTRUÇÃO DA INTERAÇÃO ENTRE PROFESSORA


E ALUNO(S)E OS IMPACTOS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
da ESCRITA J,L 237
Milene Bazarim

SOBRE OS AUTORES 261

Èi-tii-eí...
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

INTRODUÇÃO

Adair Vieira Gonçalves


Milene Bazarim

O livro "Interação, Gêneros e Letramento: a (re)escríta em foco"


traz em seu bojo uma história de encontros e reencontros em diversos
congressos no Brasil. Entre INPLAs (Intercâmbio de Pesquisas de
Lingüística Aplicada), SIGETs (Simpósio Internacional de Gêneros
Textuais)e ABRALINs(Associação Brasileira de Lingüística), a equipe
de autores e principalmente os organizadores do livro se(re)encontravam
e teciam suas redes para a futura publicação. A sessão de comunicações
coordenadas da Abralin, em João Pessoa/PB, foi o propulsor principal
das idéias anteriormente em germinação.
Neste livro, procuramos apresentar uma gama de artigos inter-
relacionados. O critério para a seleção dos textos deveu-se à afinidade
dos autores em relação à(re)escrita,letramentos e formação de professor.
Para abarcar a diversidade geográfica e a diversidade temática, tivemos
de fazer algumas opções. A primeira é a que não desconsideramos a
articulação necessária entre leitura, produção escrita ou oral e análise
lingüística. Mas,para os propósitos do livro,detivemo-nos nas atividades
de escrita e reescrita.
No contexto escolar, uma questão freqüentemente associada às
dificuldades de ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa diz respeito
às condições relativas ao processo de produção textual. Esse complexo
processo envolve várias etapas inter-relacionadas: planejamento da
escrita, efetivação do texto, leitura do texto pelo sujeito autorizado -
normalmente o professor - e reescrita.
Embora sejam conceptualmente inerentes ao processo de produção
sobretudo quando se pretende uma aprendizagem eficaz da língua escri
ta, nem sempre tais etapas são levadas em consideração pelo professor
principalmente no que diz respeito às atividades de reescrita. Vários e de
Interação, Gêneros e Letramento:
A (re)escrita em foco

diferentes naturezas são os elementos dificultadores apresentados pelos


professores: além dos referentes às condições do trabalho docente, tais
como a excessiva carga horária de trabalho semanal,a grande quantidade
de textos para corrigir e a falta de tempo para isso; são apresentados
outros,de caráter didático,relativos às metodologias utilizadas tanto nas
propostas de produção quanto na correção. É pensando nas dificuldades
de ordem didática que este volume apresenta caminhos para aqueles
que buscam alternativas teórico-metodológicas para implementar um
processo de ensino-aprendizagem da escrita que considere os aspectos
interacionais, funcionais e formais dos diversos textos que se realizam
em diferentes gêneros.
Com base nos trabalhos de Abaurre & Fiad & Mayrink-Sabinson
(1997)e Buin(2006),entendemos que a refacção se refere a toda alteração
automotivada feita pelo escritor em seu próprio texto, não abarcando,
portanto, os casos apresentados neste volume, em que as modificações
são propostas pelo professor. Assim, a reescrita, por contemplar as ati
vidades de mudança/reestruturação/adequação do texto provocadas
por um outro sujeito que não o produtor do texto, passa a ser o termo
mais adequado.
Afora as opções teóricas, todos os trabalhos partilham da concepção
de escrita como um processo contínuo e complexo;logo,o texto do aluno
e sempre compreendido como provisório, sujeito a várias (re) escritas
que,no contexto escolar, são, preferencialmente,provocadas e mediadas
pelo professor. É desejável que a prática contínua de reescritas torne o
a uno capaz de, em contextos não escolares, realizar refacções.
Essa visão processual da escrita a que aderimos está associada a
uma concepção de ensino em que as atividades são organizadas e articu-
adas,quer através de seqüências didáticas(SD),metodologia inspirada,
principalmente, nos trabalhos do grupo de Genebra(SCHNEUWLY;
através de projetos, como os de letramento (ver
neste volume). Nos diversos trabalhos que compõem o livro,
essas meto o ogias, tão dinâmicas quanto o objeto a ser ensinado, ad
quirem significações e formas específicas a fim de que sejam atendidas
as demandas locais.

Sendo o foco deste volume o ensino da escrita, com ênfase para os


processos de reescrita, os trabalhos reunidos apresentam e discutem
diferentes instrumentos de que o professor,em qualquer nível de ensino,

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Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

pode lançar mão para fazer intervenções nas produções dos alunos, tais
como bilhetes orientadores,listas de controle/constatações, orientações
dadas oralmente a cada aluno. O que fica evidente, após a leitura de todos
os trabalhos, é que esses instrumentos serão mais ou menos eficientes
dependendo do tipo de articulação entre eles e as práticas desenvolvidas
em sala de aula.

Isso nos levou a refletir sobre a própria natureza da atividade de


"correção de textos" e a concebê-la não como uma atividade estanque
para apontar "erros" nos textos dos alunos, sem que, necessariamente
haja a reescrita; mas como uma rede de atividades que integre e articule
as atividades de leitura e análise lingüística às intervenções do professor
e às sucessivas reescritas. A nosso ver, essa rede de atividades, que se
alinha à concepção de escrita como processo, não deve ser tão fixa a ponto
de não comportar mudanças conseqüentes de certa imprevisibilidade
que permeia os contextos de ensino-aprendizagem, mesmo quando há
planejamento; nem tão flexível a ponto de se não ter claros os objetivos
a serem atingidos, mesmo que sejam diferentes a cada etapa,e os meios/
instrumentos adequados para tal.
Assim, a correção desempenharia um papel de reversibilidade não
só em relação ao próprio texto do aluno, mas também em relação às
práticas de ensino. No texto do aluno, um ponto dessa rede complexa,
estão inscritos elementos do processo,i.e., as inadequações de um texto,
ou de um texto reescrito, podem não ser apenas o resultado da (falta
de)habilidade individual de um determinado aluno, mas sim o resultado
atividades de leitura, análise lingüística - e, por que não,de intervenções
inadequadas. Corrigir um texto, nessa concepção, significaria rever as
próprias práticas que o desencadearam.
Os trabalhos reunidos neste volume, de forma mais ou menos ex
plícita, também levam em consideração que as práticas de linguagem
na escola são, mesmo que parcialmente, fictícias. No entanto, há um
grande esforço teórico-metodológico por parte dos autores no sentido
de apresentar alternativas em que essa ficcionalização seja diminuída
e/ou ocorra de tal forma que não se transforme em um obstáculo (e
até um impedimento) para a produção escrita. Partindo disso, é preciso
relativizar a idéia (ou pelo menos refletir a respeito) de que existam
gêneros que se prestam somente para leitura e outros somente para a
produção textual. Acreditamos que é a forma como o processo de ensino-

11
Interação, Gêneros e Letramento:
A (RE)ESCRrrA EM FOCO

aprendizagem é organizado e monitorado pelo professor e não o gênero


em SI que garantirá a aprendizagem de determinadas habilidades. Parece
ser ISSO a que se refere Schneuwly (2004) quando diz que os gêneros
podem ser considerados como megainstrumentos. O que está em jogo
não e a relevância social do gênero, mas as habilidades de leitura/escrita
que os alunos poderão aprender nos/através dos diferentes gêneros.

Sobre a composição do volume

Em termos organizacionais, o livro está dividido em duas gran


es seções. Na primeira, intitulada "Gêneros textuais como objeto de
ensino: a (re) escrita no Ensino Fundamental e Médio" estão inseridos
os capítulos que,baseados nas produções textuais de alunos de diversos
níveis,descrevem/analisam diferentes propostas para o ensino da escrita
e ou para intervenção nos textos dos alunos.
O capítulo de GONÇALVES tem o objetivo de apresentar uma
orma de intervenção na produção inicial do aluno, chamada de corre
ção interativa por meio de listas de controle/constatações do gênero.
na isando os resumos produzidos por alunos do Ensino Médio de uma
esco a particular do interior de São Paulo, o autor mostra os procedi
mentos por meio dos quais seqüências didáticas podem constituir-se,
momento de uma reescrita, como uma ferramenta importante para
a e ícacia na produção de um determinado gênero.
No segundo capítulo, LEITE & PEREIRA,com base nos textos
d ^ iguel/RN, alunos do 9." ano em uma escola
descrevem/analisam: pública abordados
l) os critérios do município
na
correção o professor e na reescrita decorrente da correção; 2)os crité-
os que são(mais)enfatizados na correção do professor; 3)a pertinência
o ra a o implementando e sua implicação no texto final do aluno.
No terceiro capítulo do livro, NASCIMENTO propõe uma reflexão
so re o pspc o bilhete orientador na aprendizagem o gênero relatório
d£ experiencia por alunos da 4." série (5.° ano) do Ensino Fundamental
e uma escola pública de uma cidade do interior de São Paulo. A autora
ana isa, entro do contexto interventivo de uma seqüência didática,
como os bilhetes contribuem para uma compreensão mais refinada do
gênero ensinado e ajudam a promover mudanças automotivadas, uma
vez que lançam o olhar do aprendiz ao próprio texto.

12
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

MELO & PETRONI apresentam os resultados de uma seqüência


didática do gêneropropagaiida impressa implementada com alunos da 8.®
série (9.° ano)do Ensino Fundamental de uma escola pública de Cuiabá-
MT.Além de refletirem sobre a constituição do gênero em questão como
objeto de ensino nas aulas de Língua Portuguesa, as autoras analisam
a produções dos alunos a fim de verificar: 1) se os textos dos alunos
apresentam características relativamente estáveis desse gênero,a saber,
estrutura composicional, estilo e conteúdo temático; 2) que recursos
persuasivos os alunos utilizaram para convencer o leitor sobre o que
está sendo propagado.
Na segunda seção, intitulada "Interação, gêneros, letramento e
formação do professor", estão reunidos os capítulos que apresentam
propostas e/ou analisam situações de ensino que colocam em cena a
discussão sobre os saberes docentes e o papel da formação docente na
constituição desses saberes.
Abrindo a seção, Renílson Menegassi discute a revisão no processo
de produção textual, considerando-a como etapa constitutiva do dialo-
gismo na escrita. Para isso, estabelece dois objetivos: a)apresentar uma
revisão da literatura brasileira sobre o processo de revisão textual; b)
relatar experiência conduzida com docentes em contexto de formação
inicial sobre o trabalho com a revisão de textos de alunos do Ensino
Fundamental, partindo do pressuposto de que, ao receber embasamen
to teórico-metodológico, esse professor possui melhores condições de
apropriação e manifestação de trabalho com a escrita em situação de
ensino de línguas.
O trabalho de CONCEIÇÃO investiga os indícios do modo como
professores no final da formação inicial concebem a relação oral-escrito
Para tanto,foram analisados 75 textos de formandos em Letras,produ
zidos no gênero prova acadêmica, durante o Exame Nacional de Cursos,
em 2001.
No capítulo "Mixagens de práticas de escrita na escola" apresenta
a análise de uma atividade de escrita desenvolvida por alunos do T ano
do Ensino Fundamental II, de uma escola particular de Campinas-SP
A partir de um olhar atento aos dados,considerando o contexto da pro
dução, flagra conflito entre os conhecimentos que os alunos já trazem
aqueles relacionados à escrita no mundo digital, e os conhecimentos
valorizados culturalmente,referentes à construção de carta pessoal/nar-

13
Interação, Gêneros e Letramento:
A (re)escrita em foco

rativa epistolar. Visualizar essa heterogeneidade chama a atenção para


a necessidade de o educador reconhecer/identificar os saberes alheios,
que podem, em um primeiro olhar, estar escamoteados sob a forma de
uma "inadequação", a fim de contribuir para o desenvolvimento de uma
escrita/reescrita condizente à situação dada.
No oitavo capítulo,TINOCO propõe o desenvolvimento de projetos
de letramento - um modelo didático articulador dos estudos do letra
mento,da pedagogia de projetos e do aporte metodológico da pedagogia
critica-como uma possibilidade de ressignificação do ensino de Língua
Portuguesa. Para acompanhar o processo dialético entre ação e forma
ção docente e discente instaurado por esse modelo, a autora focaliza a
categoria "situação social e suas pluralidades" a partir da análise de um
dos projetos desenvolvidos em escolas públicas estaduais do agreste
norte-rio-grandense.
O trabalho de SILVA & RÊGO, nono capítulo, focaliza algumas
tensões e conflitos emergentes na mobilização de saberes docentes sobre
praticas escolares de produção escrita, por professores em formação ini
cial, em disciplinas de estágio supervisionado em Língua Portuguesa. O
resultado da investigação mostra que a produção dos gêneros acadêmicos
resenha crítica e relato reflexivo, tomados como dados da pesquisa realizada,
determina a mobilização de saberes docentes alinhados às mais recentes
Orientações para o ensino da escrita ou às tradicionais práticas escolares de
escrita,aindainformadas pela abordagem prescritiva do ensino gramatical.
No capítulo "Gêneros no mundo digital: um meio de 'trans-
disciplinarizar' a escola", PINHEIRO discute um projeto de cunho
trans isciplinar que articula práticas de escrita escolares e algumas
tecno ogias da comunicação e da informação disponibilizadas na Inter
net, uscando possibilitar um repensar e uma redefinição dos modelos
de produção textual escolares.
No décimo primeiro capítulo deste volume, BAZARIM analisa os
iversos gêneros que mediaram a interação escrita entre uma professora
e seus alunos de 5.^ e 6." séries {6° e 7° anos) de uma escola pública de
ampinas-SP. No contexto estudado, a escrita possibilitou a construção
de um novo espaço interacional. Nesse novo espaço,onde se estabeleceu
um tip^o de interação improvável entre professora e alunos, houve a
emergência da escrita como algo significativo,impactando positivamente
no letramento dos alunos.

14
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

Agradecimentos

Agradecemos a todos os colaboradores desta obra que, em tempo


recorde se dispuseram (re)escrever seus textos. Foi um momento ímpar
para a troca de experiências. Agradecemos também as leituras, comen
tários, críticas e sugestões, nem sempre possíveis de serem atendidas,
feitas pelo Bruno O. Maroneze.

Referências

ABAURRE, FIAD,R.S.; MAYRINK-SABINSON,M.L.T. Cenas de aquisição


da escrita: o sujeito e o trabalho com o texto. Campinas-SP: Mercado de Letras:
Associação de Leitura do Brasil — ALB, 1997.
BRONCKART,J. P. Atividades de linguagem,textos e discursos. Por um interacionismo
sociodiscursivo. São Paulo: Educ, 2003.
BUIN, E. A construção da coerência textual em situações de ensino. 2006. 329f. Tese
(Doutorado em lingüística). Campinas: lEL/UNICAMP.
ROJO, R. H. R. O texto como unidade e o gênero como objeto de ensino de Língua
Portuguesa. In: TRAVAGLIA, L. C. (org.) Encontro na linguagem - Estudos
lingüísticos e literários. Uberlândia, MG: EDUFU,2006, pp. 51-80.
SCHNEUWLY, B. Gêneros e tipos de discurso: considerações psicológicas e
ontogenéticas. In:SCHNEUWLY,B.; DOLZ,J, Gêneros orais e escritos na escola
Tradução e organização Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado
de Letras, 2004,pp. 21-40.
—Rojo e Glais Sales Cordeiro. Campinas:Mercado
e escritos na escola.de
Tradução
Letras,e2004.
organização Roxane

15
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Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

PREFACIO

Este é um volume composto de trabalhos de orientação transdisci-


plinar, produzidos no campo aplicado dos estudos da linguagem. Seus
autores são pesquisadores filiados a diferentes instituições formadoras:
são todos professores de universidades públicas ou professores do ensino
básico que desenvolveram ou estão desenvolvendo pesquisas em pro
gramas de pós-graduação e/ou em grupos de pesquisa sobre questões
de língua(gem) e ensino.
A questão específica, focalizada no volume, é a do ensino da es
crita, com ênfase nos processos de reescrita, conforme anunciam os
organizadores em seu texto introdutório. Essa é, de fato, uma questão
que vem interessando professores pesquisadores já há algum tempo,
pois está relacionada a uma anterior, sempre presente no cotidiano dos
que ensinam Língua Portuguesa nas escolas e também dos que formam
professores para o ensino básico: como corrigir o texto do aluno? Deve-
se compreender "corrigir" tanto como apontar problemas quanto sanar
tais problemas, embora a preocupação com a primeira tarefa acabe se
sobrepondo à segunda muito freqüentemente. De todo modo,essa per
gunta, voltada para as práticas de ensino, tem desencadeado inúmeras
outras voltadas para a reflexão acadêmica, ou seja, para as indagações
de ordem teórico-metodológicas sobre a língua e o texto como objetos
de ensino-aprendizagem.
Os estudos brasileiros sobre reescrita em contexto de ensino são
fruto,justamente, dessas indagações que, no campo aplicado, datam da
segunda metade da década de 1990, com o advento de estudos sobre
letramento, gênero e didática da escrita, para citar os mais influentes
inclusive em documentos oficiais. A dimensão discursiva e sociointeracio-
nal,presente nesses estudos,foi desde então definitivamente incorporada
à reflexão sobre o ensino da escrita no campo aplicado. Nesse sentido
a questão da reescrita do texto escolar é, pois, uma i"econfiguração da
questão anterior sobre como corrigir o texto do aluno: ao invés do foco
na produção escolar como produto ou artefato destinado sobretudo

17
Interação, Gêneros e Letramento:
A (re)escrita em foco

à verificação ou diagnóstico de habilidades e repertórios individuais,


passou-se a focar a escrita escolar como uma etapa de um processo
complexo, dinâmico e recursivo que, através da relação entre escrita e
reescrita, se desenvolve numa cadeia de re/con/trans textualizações
sujeitas à intervenção do professor e de outros interlocutores, e não
restritas ao espaço-teinpo da sala de aula. A pergunta, então, para for
madores em todos os níveis de ensino passou a ser: como provocar e
orientar a reescrita do aluno?
As contribuições apresentadas neste volume dão,portanto,continui-
ade aos estudos sobre reescrita escolar no campo aplicado, ao mesmo
I tempo em que buscam fazê-los avançar através do exame de propostas
I para o ensino da escrita em contextos específicos,e da análise de modos
I e intervenção do professor em etapas também específicas da cadeia
^ e pro^on/trans textualizações
ução escrita que constituem
no ensino básico. As questõeso processo maistambém
subjacentes, amplo
ematiza as ao longo do livro, são a da preparação do professor para
a uar e orma mais efetiva nesse mesmo processo e a da reflexão teórico-
ais e^etiva,
ogicaseja
necessária pararegulares
nos cursos que essa preparação se dê
de formação detambém de forma
professores, seja
na chamada formação em serviço.
traço importante dos trabalhos aqui apresentados,também em
Hn ^ orientação transdisciplinar do campo aplicado, é o
^ ^ ^1^*^ g^neralizante das hipóteses levantadas e dos
cularmpnL^^T^F"^^ ^ discutidos, de modo a convidar o leitor, parti-
elempnt '^ essor,formador, aprendiz,a continuar buscando
nardr e em função de'
partir continuidade
situações e aprofundamento
específicas da reflexão a
de ensino da escrita.

Campinas,05 de outubro de 2012.

Inês Signorini

18
GÊNEROS TEXTUAIS COMO OBJETO DE ENSINO:
A (RE)ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO
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Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

AS LISTAS DE CONTROLE/CONSTATAÇÕES COMO


FERRAMENTAS PARA A REESCRITA DE GÊNEROS
Adair Vieira Gonçalves

Introdução

Nosso trabalho filia-se à corrente epistemológica do Interacionis-


mo sociodiscursivo (daqui para frente, ISD). Dentro dessa corrente,
Bronckart(2006, p. 122)vê a linguagem não somente como um meio de
expressão estritamente psicológico, mas também a vê como"instrumento
fundador e organizador dos processos psicológicos nas suas dimensões
estritamente humanas". Em síntese, o ISD filia-se "a uma abordagem
global e tendencialmente unificada do funcionamento psicológico, que
toma como unidades de análise a linguagem, as condutas ativas (ou o
"agir")e o pensamento consciente"(2006,p. 122). Constata não só que "a
atividade de linguagem se realiza concretamente sob a forma de textos,
que são unidades semióticas e comunicativas contextualizadas, ou seja,
mais ou menos adaptadas a certos tipos de interação humana"(2006, p.
104), senão também que tais textos se distribuem em gêneros diversos
indexados no meio social e, sobretudo, agrupados num arquitexto de
uma comunidade.
Nosso objeto de estudo, além de filiar-se, neste trabalho, ao ISD,
procura abarcar a questão dos gêneros textuais, passando pelo movi
mento de transposição didática por meio de seqüências didáticas para o
ensino de Língua Portuguesa e, por fim, a correção interativa via lista
de controle/ constatações do gênero.
Em pesquisasjá feitas sobre a intervenção do professor na produção
de textos dos alunos de Ensino Fundamental e Médio(RUIZ,2001;GON
ÇALVES,2002;BUIN,2006),foi constatado que,em geral,o professor tem
a tendência de corrigir apenas problemas pontuais e os mais visíveis. Além
de apontamentos e indicações de desvios relativos à gramática normativa.

21
Interação, Gêneros e Lftramento:
A (re)escrita em foco

às vezes são feitos comentários nem sempre de fácil compreensão para os


alunos(RUIZ,2001; BUIN,2006; BUIN,2007). Sabemos, inclusive, por
meio das pesquisas anteriormente mencionadas, que as intervenções na
produção escrita dos alunos freqüentemente se tornam pouco eficazes. Ao
compararmos produções escritas de um mesmo estudante,observamos que
os avanços,em geral, são mínimos. Isso ocorre porque, via de regra, são
feitas apenas correções superficiais(ortografia,acentuação,concordância),
que não interferem na macroestrutura da produção'.
Com base em tal constatação, neste capítulo temos o objetivo de
apresentar outra forma de intervenção na produção inicial do aluno,
chamada aqui de correção interativa associada à lista de controle/
constatações. Ao aderir ao modelo de seqüência didática(SD)', proposto
por Schneuwly e Dolz(2004),é preciso reconhecer a complexidade que
envolve a produção inicial dos alunos,já que essa é a primeira atividade
desenvolvida na SD. Assim, além de apontamentos específicos no tex
to do aluno, estamos defendendo o desenvolvimento de uma série de
atividades (ateliês ou módulos didáticos) que possibilitariam ao aluno a
construção de uma série de conhecimentos sobre o gênero produzido.
So depois de passar por esses módulos, o aluno retoma a sua produção
inicial, agora já com conhecimentos suficientes até para compreender
os apontamentos feitos pelo professor.
Para a finalidade do presente trabalho, além da correção indicativa,
resolutiva e classificatória(SERAFINI, 1995)" acrescentamos a que es
tamos chamando de correção interativa, por meio de listas. A correção
interativa proposta distingue-se da de Ruiz(2001),que trata dos bilhetes
interativos, geralmente no pós-texto. Consubstanciando Schneuwly &
o z (2004), nossa proposta se insere no que os autores chamam de
is a e controle/ constatações ou, na literatura suíça, grille de controle.
O termo lista de controle/constatações refere-se,simplesmente, às
ca egonas que serão utilizadas após a aplicação da SD. São, em suma,
uma serie de itens que caracterizam/estabilizam os gêneros em processo
de transposição didática. Desse modo, defendemos, primeiramente, a
utihzaçao das SDs e,em seguida, a lista de controle/cLstatações como
Esta mesma tese é defendida em outros capítulos deste volume
envolvendo «s tipos de capacidades que devem ser
Íscursi^t' ^ (capacidades de açSo,discursivas e lingüístico-
Remeto o leitor ao capítulo 2 deste volume para aprofundamento.

22
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

instrumento regulador da aprendizagem. A correção interativa(via lista)


pretende suprir uma espécie de lacuna deixada pelas outras formas de
intervenção no texto do aluno.
A reescrita vai,obviamente,exigir do professor uma concepção dialógi-
ca da linguagem,que é o seu verdadeiro papel;isto é,a reescrita vai possibili
tar ao aluno ajustar o que se tem a dizer à forma de dizer de um determinado
gênero. Isso contribui para a constituição do aluno enquanto sujeito que diz
o que diz para quem diz, bem como vai ajudar o aluno a escolher adequa
damente as estratégias para realizar sua tarefa: ter para quem dizer o que
tem a dizer(GERALDI,1995).A correção que chamamos de interativa via
lista de controle/constatações, a ser realizada após os módulos da SD, vai
proporcionar ao educando a possibilidade de escrever no contexto de uma
situação comunicativa que não quer, tanto quanto possível, caracterizar-se
como artificializada. Assim,pretende proporcionar-lhe qualificações com'^ e
sobre'a linguagem,com o intuito de promover "ajustes", o que ficaria mais
difícil nas outras modalidades de intervenção textual supracitadas.
Neste capítulo, portanto, pretendemos averiguar em que medida a
correção interativa, nesta abordagem específica,juntamente com a apli
cação de SDs, pode propiciar maior eficiência comunicativa aos alunos
do Ensino Médio que foram nossos sujeitos de pesquisa. Para tanto,
dividimos este capítulo em três partes. Após esta breve introdução,
apresentamos o referencial teórico que dará sustentação à análise de
uma produção do gênero resumo escolar/acadêmico.Em seguida,apre
sentamos aspectos metodológicos e a análise da produção e,finalmente,
fazemos alguns apontamentos a respeito do impacto dos resultados
apresentados para a reflexão sobre o letramento do estudante.

1. Caracterizando a proposta

Diante da diversidade de nomenclatura, (reescrita, refacção, re-


textualização etc.), adotaremos o termo reescrita, observando aspectos
relativos às mudanças de um texto no seu interior: uma escrita para
outra, reescrevendo o mesmo texto. Mas é necessário apontar que a

4 São atividades conscientes de uso da linguagem, uma vez que podem ser representada de modo
distinto em função do interlocutor ou em ftinção da ação que se pretende realizar sobre ele.
5 As ações sobre a linguagem visam, em essência, via recursos expressivos, aos deslocamentos do
sistema de referência, na tentativa de se alcançarem outras formas de objetivar a realidade e, desse
modo,construir efeitos de sentido variados.

23
Interação, Gêneros e Letramento:
A (re)escrita em foco

reescrita será entendida de acordo com a opção teórica que se defende.


Por exemplo,para os positivistas, a reescrita de uma produção relaciona-
se ao produto. Fazem-se testes para conhecer a qualidade de um texto,
comparam-se grupos de estudantes divididos em grupo experimental e
outro não experimental. Para os cognitiviètas, a reescrita de um texto
está relacionada,entre tantas variáveis, às trocas para limpeza/higieniza-
ção da produção escrita, às alterações estruturais, às trocas de esboços, ao
apagamento, à adição, à transcrição, ao rearranjo etc.(GARCEZ, 1998).
Reconhecendo que tais correntes desconsideram o caráter sócio-
histórico da linguagem e sua natureza interacional, bem como seu uso
social, defendemos a correção interativa, apoiada numa lista,em virtude
de ela poder favorecer importante caminho para o educando operar qua
lificações com e sobre a linguagem e, consequentemente, melhorar seu
domínio das capacidades de ação, discursivas e linguístico-discursivas.
A lista, que associo aqui aos gêlJeros catalisadores de Signorini
(2006), possibilita ao professor interjár no gênero produzido e, num
processo dialógico, construir uma (res)significação para o texto do
estu ante. Não se pode afirmar que esse método de correção seja a res
posta para todos os males, haja vista que a correção do texto é apenas
uma as etapas da produção textual. Na verdade,sua proposta pretende
mo 1 izar-se a favor de um recurso metodológico bastante eficaz no
processo interativo aluno/professor e alunos entre si.
Enfim,o exercício dialógico da linguagem,sobretudo por meio das
mensagens interativas (lista de controle/constatações), exige a capaci-
a e e o ocente interagir, quer por escrito, quer oralmente, com os
ex os os a unos. Por meio desse processo de intervenção na escrita
os es o professor vai considerar a produção como objeto a
ser re ra a ao revisto, em que a versão do texto do aluno é sempre
provisória enquanto estiver sendo aplicada a SD.
A reescrita é parte integrante da atividade escrita. Consoante o
grupo e 1 a íca as Línguas de Genebra, entendemos a atividade
de reescrita como passível de ser aprendida. Dolz & Pasquier (1995)
propõem que, na fase de aprendizagem de um gênero textual qualquer,
haja uma distancia temporal entre a primeira versão e a versão final.
Os autores Já observaram,em produções de textos em francófonos, que
deve haver tal distanciamento a fim de que o estudante reflita sobre a
própria produção. Acreditamos, assim como os autores mencionados,

24
Adair Viejra Gonçalves
Milene Bazarim
(Orcs.)

que O processo de reescrita faz parte do processo de escrita, sobretudo


por meio de SDs e de gêneros textuais.
Bain & Schneuwly(1993)alertam que a lista de controle/constata
ções é uma ferramenta que sintetiza de forma explícita os resultados das
atividades e exercícios elaborados/aplicados durante a SD.Ela pode ser
ilustrada por trechos dos textos dos alunos, pode ser formulada pelos
próprios estudantes, constituir uma grande lista efetuada pela classe,
ou, de forma distinta, pode ser elaborada pelo professor. A lista ajuda
a antecipar e compreender melhor os critérios pelos quais o texto do
estudante será avaliado. Sobretudo, as listas propiciarão aos alunos uma
autocrítica de suas produções, inclusive durante a aplicação da SD, ao
fazer uma comparação do pré-texto com o pós-texto.
Para Dolz e Schneuwly (2001), a lista de controle/constatações
facilita a atividade complexa que é a reescrita. Os autores alertam ain
da que, de maneira geral, reescrever é o produto interiorizado de uma
atividade social. Para os autores, reescrever por meio de SD e listas de
controle ajuda a organizar sistematicamente as condições dessa interio-
rização. A lista e sua utilização constituem a base de partida para levar
os alunos a uma verdadeira ferramenta psicológica, mais uma vez no
sentido vygotskiano do termo, permitindo transformar os processos
psíquicos(BAIN & SCHNEUWLY, 1993, p. 230).
A lista de controle é uma forma de regulação do processo de apren
dizagem. Dolz & Schneuwly'^(2001) afirmam que
numa seqüência didática, as técnicas, as ferramentas e os co
nhecimentos adquiridos num quadro de módulos são sempre
sintetizados numa grelha de conselhos onde figuram consignas
ou regras de ajuda à memória. A ajuda-memória constitui um
meio precioso para o aluno proceder à reescrita de seu primeiro
texto. Esta grelha guia o olhar do aluno em relação a seu pró
prio texto.

Sobre a lista de controle, assim se pronuncia Cassany (2000, p.si)


"a folha de controle serve de registro e análise dos erros cometidos em
cada escrito. Trata-se de uma técnica muito minuciosa [^...^ e que oferece
6 "Dans une séquence didactique. les tcchniqiies. les outils et les connaissanccs acquises duns le cadre dês
modules sont toujours syiithctisés dans une ipaUe de conseil ou íigurent consi^es ou i^gles d"aide-memoire.
L'aide-memoire constiiue um moyen précicux pour 1 eleve pour proceder a Ia rèecriture de son premier
jet et d'aboutir à Ia production finale. Cet grilled guide le regard de Peleve par rapport à son propi^ text".

25
Interação, Gêneros e Letramento;
A (re)escrita em foco

várias possibilidades didáticas. Em outra passagem, afirma que o obje


tivo é estabelecer o progresso realizado por cada aluno, pela classe, etc.
e registrar os erros que se repetem e os que se tenham superado"'. A
nosso ver, ao escritor espanhol faltou mencionar que a lista de controle
e uma ferramenta metodológica importante para aferir o progresso (ou
não)de um estudante numa prática linguageira específica. Ou seja, cada
genero deverá possuir a sua lista de constatações de sua constituição. A
ista de controle/constatações permite que a mediação professor/aluno
seja permeada por um vocabulário mais compreensível, uma vez que o
voca ulário utilizado na escrita das listas já foi alvo de ensino deliberado
urante os módulos da SD.Dolz et al(2004)entendem que,e com o gru
po concordamos, a avaliação de uma produção de texto, portanto de um
de^T° ^ ^"cstão de comunicação e de trocas. Não se trata
comu''^^ ^ pi'odução com notas e devolver aos estudantes, prática muito
tude^"^ escolas mais
e mais humana, brasileiras; mas,de
responsável co^outro modo,de instaurar
a aprendizagem uma ati-
dos estudantes.
2 /V interação
* professor-aluno(s) mediada'pela
^ lista de controle/constatações

Que pi"etendemos dispor de observações concretas daquilo


dnran)-^^" ^"tes realmente fazem com a lista de controle/constatações
texto-haL^"'?' de textos, mais especificamente, a partir do
30 estiidant Internet"^ Foram analisadas as produções de
constatar^- ^ partir das quais ficou evidente que a lista de controle/
facilitaHnr ^ de um gênero,serve como elemento retroativo
sadas fremiPnr^^^^'^ imagem. Os estudantes cujas produções foram anali-
Médio na Cn fevereiro e junho de 2006, o Ensino
ao fT/Zr;
' BWgui/SP-COEB=.A escolha desses estudantes
médio nrivadn,n que,portanto,pesquisador, à época,de
facilitaria a geração trabalhar
registroscom
paraoanálise.
ensino

espam^naraTxnhM^
P da estudantes,
P çao e avanços obtidos pelos necessidadetecemos
de mais

escritorespanhol,aosereferiràfo!ha/listadecont?oTes
por cada alumno, por Ia clase, etc y registrar los error^; esclarece o
8 O texto Truculência na Internet foi publicado na seção"Sa erí nií^^ p' /
9 Dos^divere^^^"^^^" fazparte da SD de autoria deAnna Rache" MaXdo''Jp/.(2004r '''
dois in foramdeanalisados,
generos: resenha critica e artigo além
opinião. Cf. do gênero2007,
Gonçalves resumo escolar/acadêmico, mais

26
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

considerações interpretativo-analíticas dos resultados. Primeiramente,


os comentários referem-se à lista de controle/constatações do gênero
e, em seguida, considerações referentes ao contexto de produção, à pla-
nificaçâo e, por fim, aos mecanismos de textualização.
A fim de facilitar o trabalho de análise, apresentamos a seguir a
lista de controle/constatações do gênero resumo e as respectivas aná
lises das produções.
Lista de controle/constatações do gênero resumo escolar'®

1)Antes de resumir,você detectou a questão discutida,os argumentos,


o ponto de vista defendido, o ponto de vista rejeitado e a conclusão?

2) Seu resumo apresenta dados como o nome do autor do texto


resumido e o título do texto original?

S)Você selecionou as informações prioritárias, de modo que o


professor possa avaliar sua compreensão global do texto?

4) Seu resumo é compreensível por si mesmo, isto é, é possível


compreendê-lo sem ler o texto original?

5)Evitou emitir suas próprias opiniões?


6) O resumo escolar produzido está adequado ao seu interlocutor-
professor e ao suporte escolar?" Conseguiu transmitir o efeito de
sentido desejado?

7) Você atribui, a partir da leitura, diferentes ações ao agir do


autor do texto original? Procurou traduzir estas ações por verbos
adequados? Você se refere a ele de formas diferentes?

8)Seu resumo mantém as relações sintático-semânticas (explicação,


causa, conclusão) do texto original?

9) Você eliminou expressões facilmente inferidas pelo contexto tais


como expressões sinônimas, explicações ou exemplos?

10) Não existem desvios gramaticais tais como pontuação, frases


truncadas/incompletas, erros ortográficos etc,?
Quadro 1 - Lista de controle/constatações do gênero resumo escolar
10 Os itens da lista de controle/constatações serão analisados na coluna do meio da tabela.
11 Estamos entendendo como adequada ao professor a produção que atinge, integralmente,a consecução
de um resumo escolar, nos moldes da Lista de Controle/constatações e da SD utilizada.

27
Interação, Gêneros e Letrameoto:
A (re)escrita em foco

Na terceira coluna da produção escrita do estudante,a ser analisada


nesta seção'^, dividimos as produções escritas em três subitens: contex
to de produção, planificaçâo e, por fim, mecanismos de textualizaçâo e
enunciativos. Bronckart (2003) afirma que os mecanismos de textu
alizaçâo (conexão, coesão verbal e nominal) são os responsáveis pela
criação das séries isotópicas que contribuem para a coerência temática
do texto. Para o autor, esses elementos estão articulados à linearidade
do texto. Os mecanismos enunciativos, mais do que os mecanismos de
textualizaçâo, atuam como elementos para a manutenção da coerência,
além de contribuir para esclarecer os posicionamentos enunciativos;são,
a seu ver, independentes da progressão do conteúdo temático e não se
organizam em séries isotópicas'^.
Assim, serão avaliadas as seguintes capacidades:

' pocsão e
Gênero Objetivos PlanificaçSo reccanismos Vozes Modalizaçflp
'db conexSo

Resumo de artigo a] Enviar texto para a) Apresentar uma a)Presença de organiza a) Trabalha as di a) Reconhece e uti
opinativo destinatário múltiplo parte introdutória em dores lógico-argumen- ferentes vozes, tais liza diversas marcas
(leitores dojornais e que haja a distinção do tativos como já que etc. como a do próprio modais (advérbios,
professor). Tl e do T24, além da marcando a função de cstudanteca do autor uiixiliarcs, verbos no
b) Fazer o público apresentação dos con segmentação, empaco empírico do texto- futuro do pretérito,
eventual do jornal teúdos das diferentes tamento, cncaixamento base? palavras de valor mo-
tomar conhecimento partes/momentos do e ligaçãoO? dal etc.)?
dos aspectos priori texto-base
tários do texto-base b) Há coerênda entre
(objetivo). informações resumidas
e o texto-base? É uma
paráfrase?

Quadro 2- Capacidades de linguagem investigadas

12 As mfomações relativas ao contexto de produção, planMcaçao e questões relativas à textualizaçâo


servem de pai^ametfos para os docentes efetuarem análises e fazerem suastat^ivenções pedagógicas.
Por ISSO. a coluna da dire.ta (3.-) mapeia as capacidades já adquiridas e as capacidades a serem ad-
quuidas posteno,™ente.Asstm essa coluna nâoé direcionada a estudante (no caso especifico desta
pesquisa), mas o foi para docentes, eventuais leitores deste capitulo
13 Conforme orientação do grapo de Didática de Línguas da FAPSE.juntamos tais mecanismos(enun
ciativos e de textualizaçâo) a fim de facilitar a análise e. sobretudo, de nâo tomá-la demasiadamente
extensa. Com relação à coesão nominal,no resumo,analisaremos apenas(também evitando a análise
extensa e desnecessária), em consonância com a SD aplicada,a série isotópica referente à expressão
"Marcelo Leite".

28
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarjm
(Orgs.)

Primeira Produção: Lista de Controle/ Capacidades(não)


Truculência na intemet constatações presentes

A indústria fonográfica norte- 1-Nâo detectou tese,argumentos Contexto de produção


americana iniciou 261 proces e conclusão, adequadamente. a)Nüo dirige o texto a destina
sos judiciais contra pessoas que 2-Nâo apresenta dados como tários múltiplos.
baixaram da Internet canções nome do autor, seção e local de b)O público toma conhecimen
protegidas por direitos autorais. publicação. to das informações.
Nada parece mais correto do que S-Nâo está adequado a um re Quanto à Planifícação
fazer reverter para o artista o sumo escolar; selecionou infor a) Não há distinção entre Tl
fruto de seu trabalho, mas na vida mações não prioritárias, como e T2. As informações conside
prática, todo direito enfrenta limi o último parágrafo. Fez cópia radas prioritárias foram apre
tações. Nesse caso como processar literal do Tl. sentadas. O conteúdo temático
todos que fazem downloads? É 4-É compreensível por si mesmo. foi desenvolvido na ordem em
uma utopia! 5-Nüo há opiniões que apareceram os parágrafos
A justiça não abarcaria tanto 6-Nao está adequado,(ver nota do Tl. Há informações não
processo e isso nao reverteria o de rodapé adiante) prioritárias (cópias de alguns
problema, pois os preços estSo 7-Nao há atribuição de ações. trechos do texto)
exorbitantes. Não se refere ao autor de formas b) Há coerência parcial (Cf.
No entanto,Cary Sherman,presi diversas; ao contrário, tudo é es análise abaixo). É cópia do
dente da Associação da Indústria crito como se fosse do estudante. original.
Fonográfica dos Estados Unidos 8-Mantém as relações lógicas Quanto à textualização
disse ao jornal "The New York do texto-base (pois, no entanto, a) Organizadores lógicos, em
Times" que "Ninguém gosta de etc.). sua maioria, de encaixamento
bancar o truculento e ter de re 9-Há expressões não prioritá e de ligação (c, pois, que eta).
correr a processos", mas a justiça rias, tais como: "nada parece Presença de organizadores
se tornou o único meio de frear mais correto", que poderiam ser demarcando fases de seqüência
essa atividade ilegal, "atacando substituídas por sinônimas; há {contudo, no etitanto).
alguns(os que mais copiam). Con parágrafo desnecessário. b)Não há distinção de vozes. A
tudo, desconsidera que a maioria 10-Nâo há desvios gramaticais voz do aluno (expositor) "é" a
dos criminosos (os que fazem voz do autor do texto empírico.
downloads) faz isso por hobby e Traz apenas a voz de Cary
nüo para fins lucrativos. E que Sherman.
faz-se necessário criar uma nova c) Presença de modalizações
maneira de coibir os cspertinhos. lógicas, por ex., em " a justiça
não abarcaria..."; ao levantar a
hipótese de a indústria não ser
eficiente no combate ao down
load de músicas da Internet.
Além disso, há modalização
deôntica em " faz-se(sic) ne
cessário..." ao apresentar como
do domínio da obrigação social
o fato de termos de arrumar
instrumentos de coibição dos
internautas.

29
Interação, Gêneros e Letramento:
A (RE)ESCRrrA EM FOCO

Reescrita: Truculência na Lista de Controle/ Capacidades


intemet Constatações presentes

Em seu texto "Truculência na 1-Tese,argumentos e conclusão Contexto de Produção


Internet", Marcelo leite nos de acordo com o texto-base. a) Texto adequado a múltiplos
informa que a indústria fonográ- 2-Apresenta dados como nome leitores.
fica norte-americana iniciou 261 do autor, título do texto. b)Atinge seu objetivo; informar
processos judiciais contra pes 3-Selecionou as informações o prioritário ao público leigo.
soas que baixaram da internet prioritárias,demonstrando com Quanto à Planificação
canções protegidas por direitos preensão global do texto. a)Distingue T1 c T2 e planifica
autorais e concorda em fazer 4-Compreensível por si mesmo. o conteúdo temático da seguinte
reverter para o artista o fruto 5-Nao há opiniões do estudante forma:a tese e a ressalva( o fato
de seu trabalho, mas lembra que G-Adequado, completamente, de o direito enfrentar liniitaçõe.s)
na vida prática todo direito tem ao interlocutor-pesquisador e aparece no 1° parág. No 2°
limitações. E diz que a justiça ao suporte. parág, o estudante argumenta
nao abarcaria tanto processo e 7-Há atribuições de ações como: em favor da justiça para reparar
que isso nSo reverteria o proble comenla, dizendo, controlar. Refe problemas. O 3° parág.(conclu
ma,pois os preços dos Cds estão re-se ao autor, de formas vaca são) afirma ser necessária outra
muito altos. das: Leite, o autor, anáforas por forma de ganhar dinheiro.
Leite cita Cary Sherman, presi elipse, etc. í b) É uma paráfrase e há coerên
dente da Associação da Indústria 8-Relações sintático-semânticas cia com as informações do Tl.
Fonográfjca dos Estados Unidos, de acordo com o texto-base {mas, Quanto à Textualização
quando disse ao jornal "The e, além de idéias implícitas). a) Prevalece, como na versão
New York Times" que ninguém 9-Não elimina a idéia da versão anterior, o encaixamcnto e a
gosta de bancar o truculento anterior tida como desneces
e recorrer a processos, mas a
ligação dos organizadores lógi
sária, mas atribui-se-lhe a voz cos {e, que, pois, quando, mas etc.)
justiça é o único meio de frear (presidente da Associação Fo-
uma atividade ilegal que está b) Há distinção, em vários tre
nográfica.)
chos do texto, das vozes. De um
causando prejuízo. 10-Nâo há desvios gramaticais.
O autor também comenta a lado, a voz do expositor e de
esperteza dos empresários indo outro a voz do autor empírico.
atrás dos que fazem a distribui c)Há presença de modalizações
ção das músicas e não dos que lógicas,evidenciadas pelo futuro
fazem a copiazinha doméstica. do pretérito: abarcaria, reverteria,
E termina seu texto dizendo que servindo para avaliar o conteúdo
essa prática de baixar músicas da temático.

Internet já se tornou mais um


vício do que algo para se lucrar,
e impedi-la soa como censura e
que fica cada vez mais difícil con
trolar a cópia e o intercâmbio de
produtos culturais, tornando-se
necessário uma nova maneira de
coibir tais práticas.

30
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

Devemos ressaltar que, ao produzir a primeira versão do texto, os


estudantes não conheciam a ferramenta metodológica SD. Nesta pro
dução específica, notamos que há vários trechos copiados do original,
demonstrando dificuldade de síntese das informações prioritárias.
Não há na 1^ versão uma explicitação da tese defendida pelo agente-
produtor:o reconhecimento dos direitos autorais e a dificuldade extrema
de coibir a prática em tempos de informática(2°, 3° e 4° parágrafos). A
2^ versão, vale relembrar,foi produzida após a SD. Houve uma distância
temporal de três semanas entre uma versão e outra. A primeira versão
data de 26/1/2006; a segunda, de 20/2/2006. Bucheton (1995)afirma
que, normalmente, na reescritura de um texto, há mais desenvolvimento
da heterogeneidade do discurso. Tal fato se confirma em nossas análi
ses já que os estudantes se reportam mais ao texto-base marcando os
discursos (seu e do autor) de formas distintas. Ainda que neste texto
tal heterogeneidade não seja modelar, há atribuições de ações ao autor
empírico, além de uma tentativa de diferenciação do texto de partida e
do texto de chegada.
Está evidente, logo no 1° parágrafo, a tese defendida por Marcelo
Leite no artigo original: reverter os direitos autorais, mas como coibir
a prática? Ou seja, é possível compreendê-lo, ainda que não tivéssemos
conliecido o texto-base, já que o agente-produtor deixa claro que se
trata de um resumo a partir de um texto intitulado "Truculência na
Internet" de autoria do articulista da Folha de S. Paulo, Marcelo Leite.
As idéias, na 2^ versão, estão todas no Tl e foram adequadamente
reescritas na versão em análise. Desta forma, o agente-produtor con
segue passar a imagem de quem leu/compreendeu o gênero escolar. As
relações lógico-semânticas também estão explícitas nesta versão. Por ex.,
no 2° parágrafo:"[ ], mas lembra[ J', há outros conectivos como:
que, e,pois, além de pronomes relativos. Outro importante crescimento
notado refere-se à atribuição de atos ao texto resumido. Na segunda
versão,o estudante, no 1° parágrafo, nos diz:"....Marcelo leite nos informa
" e concorda...."- "....e diz....". No 2°e 3° parágrafos há os verbos
citar, dizer, comentar. Ou seja, tal item revela a importância de trabalhar
a SD, nos termos de Dolz e Schneuwly(2004).
Outro progresso observado diz respeito à retomada do autor Mar
celo Leite. No 1° parágrafo, há a nomeação do agente-produtor Marcelo
Leite e, por diversas vezes, ele é retomado por elipse. No 2° parágrafo,

31
Interação. Gêneros e Letramento:
A (RE)EscRrrA EM foco

retoma-se por Leite e por elipses. No 3°, há a anáfora no trecho:"O au


tor também comenta..." e, novamente, retoma-se por elipses. Pela análise,
notamos uma evolução qualitativa na reescrita da produção do resumo
escolar, visível,sobretudo, nos itens menos trabalhados pelas escolas em
geral: atribuição de ações ao autor do texto original, apresentação de
dados,como nome do autor original,data da publicação,seção,coluna etc.
Ademais, após a intervenção da SD e da Lista de Constatação, observa
mos igualmente uma evolução,demonstrada pelo estudante pesquisado,
em relação ao domínio mais completo do gênero, em particular no que
se refere aos itens mencionados neste parágrafo.
A SD, atrelada ao nosso grille de controle, denominação genebrina,
foram responsáveis, acreditamos, por este aumento, ainda que não total,
qualitativo da versão final. Posicionar-se como interlocutor-pesquisador
atento à produção escrita foi, sem dúvida, um desafio grande, uma vez
que, por meio da escrita, focalizou-se o processo de construção de sen
tidos(e melhor domínio do gênero). Deste modo, atí® produção escrita,
devido à lista de constatações, propiciou ao estudante um diálogo explíci
to com o "bilhete", não ignorando a SD aplicada em sala de aula e, desta
forma,a produção responde a sugestões do professor-pesquisador. Como
diz Bakhtin,todos os enunciados estão em resposta a outros enunciados.
A nosso ver, a SD favorece a criação da contextualizaçâo, como po
demos ver nesta produção.O texto,quejá estava direcionado a múltiplos
destinatários, contextualiza a questão temática logo no 1° parágrafo.
Por hipótese, podemos inferir que foram as atividades da seção 2 que
propiciaram maior clareza, já que tais atividades tratavam sobre os
contextos físico e sociosssubjetivo dos parâmetros de ação linguageiros.

Considerações finais

Em vez das formas monológicas de intervenção em textos feitos de


maneira genérica (indicativa, resolutiva e classificatória) e sem relação
com os gêneros textuais, acreditamos que as listas de controle/consta
tações aliadas à SD constituíram importante ferramenta metodológica
para o avanço da proficiência dos alunos cujos textos compuseram
nosso corpus.
É imprescindível destacar que as listas de controle/constatações
devem ser adaptadas ao público-alvo. Não é possível efetuar listas a

32
Adair VtEiRA Gonçalves
Milene Bazarím
(Orgs.)

quaisquer públicos indistintamente, sob pena de o estudante não com


preender e, consequentemente, não promover as alterações sugeridas
pelo instrumento e, além disso, não ter consciência de suas próprias
dificuldades'^ Por isso, pensamos que deve haver diferentes atividades
e diversas formas de planificaçâo do conteúdo para que os estudantes
as utilizem de maneira mais criativa. É bem verdade que este tipo de
estratégia está vinculado à realização de determinados objetivos numa
situação específica de comunicação. Desse modo,salientamos a extrema
importância da explicitação dos objetivos numa determinada situação
comunicativa para que os produtores se tornem conscientes da avalia
ção que o agente-produtor deve efetuar do interlocutor, do suporte etc.
Nossa pesquisa retoma/reprisa a teoria bakhtiniana(2000 [^1934-
1935]]), ao explicitar que todo autor responde,retoma,concorda, refuta
enunciados anteriores. Neste trabalho, alunos e professor-pesquisador,
com a SD e a lista de controle/constatações em mãos,"foram respon-
dentes" dos problemas encontrados nas versões iniciais dos textos e,
dessa forma, determinavam respostas futuras desses mesmos sujeitos
pesquisados, das quais, consequentemente, resultaram produções mais
eficazes, do ponto de vista do gênero textual aqui em foco. Portanto,
dialogamos com os enunciados anteriores prevendo a continuidade des
ses enunciados nas atitudes responsivas ativas dos sujeitos investigados.
A lista e as SDs são instrumentos de responsividade à primeira ver
são do texto. Acreditamos que,respaldando-se o docente nesse construto
teórico, podem-se repetir os passos (produção inicial, intervenção por
meio de uma SD, produção final, utilização de listas de controle/cons
tatações) aqui postos em prática e se obter resultados afins. A reescrita,
a nosso ver, demonstra também o real comprometimento do professor
em suas atividades docentes e, tal como confirmado por Garcez(1998),
esse empenho muda a atitude do educando. Ele nos vê como educador
comprometido e não apenas como um mero "dador , expositor de aulas,
prática freqüente em escolas de Ensino Médio particulares.

14 As listas podem ser utilizadas de diversas formas interativas: o estudante, usando a lista, avalia a
produção de outro estudante; o professor avalia a produção e. ainda, com a ajuda da grelha e após
SD,o estudo faz autoavaliação.

33
Interação, Gêneros e Letramento:
A (re)escrita em foco

REFERÊNCIAS

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du français: de Ia nécessité et de Tutilité de modèles deréférence.In:PERRBNOUD,
P. ; BAIN, D.; ALLAL, L. Évaluation Formative et Didactique du Français.
Lausanne i Delauchaux et Niestlé, 1993. //
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000
[1952/1953].
BRONCKART, Atividades de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo
sociodiscursivo. São Paulo: Educ,2003.
. Atividade de Linguagem, Discurso e Desenvolvimento Humano. Campinas:
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BUIN, E. O impacto do bilhete do professor na construção do sentido no texto do
aluno. In: SIGNORINI, I. (Org.). Gêneros catalisadores: letramento e formação
do professor. São Paulo; Parábola, 2006a. p. 95-124.
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SIGNORINI,I.(Org.). Significados da inovação no ensino de língua portuguesa e
naformação de professores. São Paulo: Mercado de'Letras, 2007.
BUCHETON,D. Ecritures. Réécritures. Bem: Peter L^g, 1995.
CASSANY,D. Ensenar lengua. 5.ed. Barcelona: Editcjrial Grão,2000.
DOLZ, J. ; SCHNEUWLY, B. La réécriture dans lei séquences didactiques pour
r expression écrite. Résonances, 2001. '
. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita: elementos para reflexões
sobre uma experiência suíça(francófona). In: SCHNEUWLY.B;DOLZ,}.Gêneros
Orais e Escritos na Escola.Trad. de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas:
Mercado de Letras, 2004. pp.41-70.
GARCEZ, L. H.C. A escrita e o outro: os modos de participação na construção do
texto. Brasília : Editora da Universidade de Brasília, 1998.
GERALDI,J.W. Portos de Passagem. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
GONÇALVES, A.V. O interacionismo na Produção de Textos Dissertativos. 2002.
170 f. Dissertação (Mestrado em Filologia e Lingüística Portuguesa) — Faculdade
de Ciências e Letras, Campus de Assis, Universidade Estadual Paulista "Júlio de
Mesquita Filho", Assis, 2002.
• Gêneros textuais e reescrita: uma proposta de intervenção interativa. 2007 .
344f.Tese(Doutorado em Lingüística e Língua Portuguesa). Faculdade de Ciências e
Letras,Universidade Estadual Paulista"Júlio de Mesquita Filho",Araraquara,2007.
LEITE.M.Truculência na internei. Folha de S.Paulo,São Paulo,21 set. 2003. Caderno
Mais. p. 2.
MACHADO. A.R.; LOUSADA, E.; ABREU-TARDELLI, L.S. Resumo. São Paulo:
Parábola Editorial, 2004.
PASQUIER, A.; DOLZ, J. (1995) Um decálogo para ensinar a escrever. Cultura y
Educación, 2: p. 31-41,Tradução de Roxane Rojo. Madrid:InfanciayAprendizaje,.
RUIZ, E. Como se corrige redação na escola. Campinas; Mercado de Letras, 2001.
SCHNEUWLY. B. Gêneros e tipos de discurso; considerações psicológicas e
ontogenéticas. In: Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e Organização de
Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras,2004. p.21-39.
; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. e Org. Roxane Rojo e
Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

34
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

SERAFINI, M.T. Como escrever textos. 7.ed. São Paulo: Globo, 1995.
SIGNORINI, I. (Org.) Gêneros catalisadores, letramento eformação do professor.
São Paulo: Parábola, 2006.
VYGOTSKY,CS.Pensamento e Linguagem.Troá. Jefferson Luiz Camargo.2.ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1998.

ANEXO:

Truculência na internei
Marcelo Leite

A indústria fonográfica norte-americana -ou seja, mundial- deu um


passo radical há duas semanas, quando iniciou 261 processos judiciais
contra pessoas que baixaram da internei canções protegidas por direitos
autorais. Pode ser um passo rumo ao abismo.
Antes que a coluna seja acusada de apologia do crime (atentado
contra a propriedade de obras artísticas e intelectuais), é bom reafirmar
inteiro apoio ao direito autoral. Nada parece mais correto do que fazer
reverter para o artista ou para o intelectual o fruto de seu trabalho, ou
que parte dele vá para pessoas e organizações que tenham auxiliado na
distribuição dessas obras.
Na vida prática, porém,todo direito enfrenta limitações. No caso da
mania de copiar músicas da internei, a primeira limitação éjustamente de
ordem prática: como processar todas as pessoas que fazem downloads?
São milhões, provavelmente dezenas ou centenas de milhões de pessoas
espalhadas pelo mundo.
Soa no mínimo arbitrário escolher a esmo 43 meias dúzias de indi
víduos entre os que usam os recursos KaZaA,iMesh,Blubster, Grokster
e Gnutella.São bodes expiatórios,escolhidos para dar um exemplo para
lá de duvidoso.

Primeiro, de um ponto de vista mais probabilístico, porque não


parece que vá ter muita eficácia. As chances de ser pego e processado
ainda são minúsculas (da ordem de uma em l milhão, se houvesse pelo
menos 261 milhões de internautas baixando músicas da rede). Só nos
EUA estima-se em 60 milhões o total de 'criminosos'. Seria preciso en
tupir a Justiça com outros milhares de processos antes que a garotada
hormonalmente inclinada à contestação de fato se intimidasse.

35
Interação, Gêneros e Leiramento;
A (RE)ESCRrrA EM FOCO

Depois, porque isso eqüivale a cutucar a onça com vara curta. A


medida tornará os produtores e fabricantes de discos ainda mais impo
pulares do que já são entre jovens, seus futuros e atuais consumidores.
Se você duvida e tem uma adolescente conectada por perto, pergunte a
ela o que pensa do preço dos CDs.
'Ninguém gosta de bancar o truculento e ter de recorrer a proces
sos', disse ao jornal 'The New York Times' Cary Sherman, presidente
da Associação da Indústria Fonográfica dos Estados Unidos. Para ele,
a Justiça se tornou o único meio de frear uma atividade ilegal que está
causando muitos prejuízos.
É verdade que os empresários foram espertos,indo atrás daqueles
usuários que participam ativamente da distribuição de músicas e não
tanto dos que só fazem a sua copiazinha para ouvir. Parece que estão
seguindo à risca o ensinamento da recém-nascida ciência das redes, que
manda atacar os mais conectados para derrubar uma rede inteira.
O problema que a indústria desconsidera é que a maioria dos 'cri
minosos' não faz isso para ganhar dinheiro, mas para se divertir. Baixar
músicas da internet já se tornou uma prática social, um costume, uma
forma de cultura. Tentar impedir isso aparece como censura. Tudo in
dica que a popularização dos computadores e a crescente conexão das
pessoas permitida pela internet tornarão cada vez mais difícil controlar
a cópia e o intercâmbio de produtos culturais - discos ou livros, filmes
ou fotografias.
Está mais do que na hora de os gênios do marketing queimarem
seus miolos, tão criativos, para inventar uma forma de ganhar dinheiro
com as novas redes - como elas são. Não vão conseguir enfiá-las no
figurino acanhado do mercado nutrido com bolachas negras de vinil.

36
Adair Vieira Gonçalves
MiLENE Bazarim
(Orgs.)

IMPLICAÇÕES DA CORREÇÃO DO PROFESSOR


NA REESCRITA DO ALUNO: DESENVOLVENDO AS
CAPACIDADES DE LINGUAGEM

Evandro Gonçalves Leite


Regina Celi Mendes Pereira

Introdução

As reflexões desenvolvidas neste capítulo partem do pressuposto


de que a aprendizagem da escrita é um processo(e não um produto)de
interlocução e de mediação pelo outro e que não finda quando terminada
a produção do texto em sua primeira versão. A partir do diagnóstico de
aspectos problemáticos do texto,podem ser desenvolvidas outras ativi
dades, a fim de que o aluno monitore sua produção e,consequentemente,
sua aprendizagem. Uma dessas atividades, que não vem dissociada da
leitura e da reflexão sobre o próprio texto,com vistas a sua reelaboraçâo,
é o que se chama de reescrita. A reescrita, portanto, deve ser encarada
como parte do processo de produção textual, em que o aluno é estimu
lado a aprimorar seu texto, sob a orientação do professor.
Em conformidade com a temática deste livro, descreveremos ope
rações de reescrita desenvolvidas por alunos de uma turma de 9.° ano
do Ensino Fundamental em uma escola pública da rede municipal de
ensino de São Miguel/RN,sob as orientações da professora de Língua
Portuguesa. Pretendemos investigar até que ponto as orientações da
professora contribuem para o desenvolvimento da capacidade dos apren
dizes em produzir textos,tendo em vista o importante papel da reescrita
no processo de produção textual. Em função desse eixo de investigação,
definimos os seguintes procedimentos de pesquisa: (l) identificar os
critérios abordados na correção do professor e na reescrita decorrente;
(2) verificar aqueles que são(mais)enfatizados;(S)avaliar a pertinência
do trabalho implementado com essas atividades e sua implicação no
texto final do aluno.

37
Intieração, Gêneros e Letramento:
A (re)escrita em foco

Os dados foram gerados em observação de aulas que focalizaram


especificamente a produção de textos. Foram acompanhadas duas pro
postas de produção textual: na primeira,foi solicitada a elaboração do
gênero dissertação escolar*; na segunda-,foram trabalhados o conto e
a crônica. Devido aos limites deste capítulo, apresentaremos apenas
os resultados da primeira situação de escrita que foi conduzida a par
tir do seguinte tema:"O Brasil é um país preconceituoso ou nâo?"^
Depois de encaminhar a proposta de produção do gênero solicitado
e recolher os textos dos alunos para corrigi-los,foram desenvolvidas
duas situações de reescrita textual, uma coletiva e outra individual,
ambas antecedidas de orientações da professora. Essas orientações
consistiram em comentários escritos pela professora e também sob a
forma de indicações feitas no próprio texto do aluno, sinalizando os
desvios de ordem ortográfica,,de regência e de concordância. Nesta
análise, consideramos apenas a reescrita individual, que se iniciou
em sala de aula e teve sua Iconclusâo encaminhada como tarefa de
casa. Ao final do processo,ídez dos trinta e cinco alunos da turma
entregaram à professora seus textos reescritos, acompanhados da
primeira versão, dos quais selecionamos cinco representativos da
análise ora realizada.

A análise é feita levando-se em consideração os postulados do


Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), que abordam tanto a dimensão
psicológico-cognitiva dos indivíduos,em especial as capacidades e ope
rações de linguagem defendidas por Schneuwly e Dolz (2004), como a
dimensão textual. Os autores, ao evocarem as aptidões requeridas do
aprendiz na produção dos textos, apresentam a noção de capacidades
de linguagem e suas respectivas operações, subdividindo-as em três
tipos: capacidades de ação (requerem a adaptação às características
do contexto, do conteúdo temático e do gênero textual); capacidades
discursivas (requerem a mobilização dos modelos discursivos) e ca
pacidades linguístico-discursivas (requerem o domínio das operações
psicolinguísticas e das unidades lingüísticas).

Neste trabalho adotamos, conforme Souza (2003), o postulado de que a dissertação escolar é um
gênero textual escolarizado.
Os dados apresentados neste capítulo constituem um recorte do corpus da dissertação de Evandro
Gonçalves Leite,"A reescritura do aluno sob a orientação do professor", defendida em março de
2009, no PROLING/UFPB,sob a orientação de Regina Celi Mendes Pereira.
Segundo a professora, o tema "Preconceito"já havia sido trabalhado em aulas anteriores, que não
foram observadas pelo pesquisador.

38
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orcs.)

No que tange à dimensão do texto, recorremos ao conceito de folha


do textual, defendido por Bronckart(1999),que considera três níveis de
organização e constituição dos textos: a infraestrutura, os mecanismos
de textualização e os mecanismos enunciativos. A associação entre essas
duas dimensões permitiu a construção das categorias de análise usadas
na investigação.
Os resultados apontaram que as capacidades linguístico-discursi-
vas são as mais recorrentes e correspondem às operações que incidem
no nível de organização mais superficial do texto: mecanismos de
textualização(coesão nominal,conexão e coesão verbal); mecanismos
enunciativos (gerenciamento das vozes e uso de modalizadores); e
elementos microestruturais. Ao longo da análise, foi constatada a
necessidade de categorização de outro mecanismo que compreendesse
determinadas operações não previstas no âmbito dessas capacidades:
os supratextuais\ Esses mecanismos incidem mais especificamente
na organização estética do texto, mas também são indicadores de
procedimentos enunciativos.
O capítulo está estruturado em quatro seções: a primeira aborda o
nosso objeto de estudo em uma perspectiva mais ampla,que contempla
as atividades de escrita e de reescrita, a noção de erro e a caracterização
da intervenção corretiva da professora nos textos dos alunos; a segunda
apresenta o aparato teórico-metodológico que nos permitiu construir
as nossas categorias de análise; a terceira focaliza a análise dos textos,
evidenciando as capacidades e operações de linguagem acionadas pelos
alunos no processo de elaboração e, finalmente, na quarta, apontamos
as implicações didáticas desses resultados na prática docente.

1. Discutindo o processo da reescrita e a noção de erro

O entendimento de que a produção de textos escritos configura-se


como um processo complexo e contínuo,que mobiliza diferentes compe
tências advindas tanto do professor como do aluno, nos conduz a refletir
sobre determinadas questões:(l) a natureza da correção cornumente
realizada pelo professor;(2) a concepção tradicional do erro e (3) a
importância da reescrita no desenvolvimento das capacidades do aluno
em elaborar textos.
4 Acrescentamos esta categoria inspirados na noção de procedimentos supratextuais de Bronckart
(1999).

39
Interação,Gêneros e Letramento:
A (RE)ESCRrrA EM FOCO

Na visão de Garcez (1998), a prática da reescrita dá ao aluno a


oportunidade de explicitar seus conhecimentos e dúvidas, procurar
soluções, raciocinar sobre o funcionamento da língua e, assim, desen
volver a aprendizagem de questões lingüísticas, textuais e discursivas
mais complexas referentes à modalidade escrita.
Essa tarefa pode ocorrer, segundo Ruiz (2001), de diferentes
formas: reelaboração de todo o texto (reescrita total); apagamento de
trechos da primeira versão e inserção das formas substitutivas (rees
crita parcial sobreposta à primeira versão); "errata" colocada ao final
do texto da versão inicial, contendo apenas as formas substitutivas
(reescrita parcial não sobreposta à primeira versão). A adoção de cada
uma dessas possibilidades dependerá,evidentemente, de um conjunto
de fatores, dentre os quais podemos citar: os objetivos da tarefa, a quan
tidade de alunos por turma, a formação do professor e as condições
do trabalho docente. Neste trabalho, interessa-nos particularmente
a reescrita de todo o texto, visto ser esta a estratégia utilizada pela
professora na proposta de reescrita 4^^ compõe o corpus. Consideramos
reescrita individual aquela que, mesmo quando motivada ou orientada
pelas observações e encaminhamentos de outros interlocutores, na
condição de professores ou não, é realizada pelo próprio aluno/escre
vente, na qualidade de autor/produtor empírico do texto. Ou seja, não
se caracteriza como uma produção em coautoria.
A reflexão acerca do próprio texto, no caso da reescrita indivi
dual, torna-se ainda mais significativa, porque incide sobre as reais
necessidades de aprendizagem dos alunos, quais sejam, os "erros" ou
desvios cometidos por eles na produção da primeira versão do texto.
Esses desvios podem indicar as inadequações correspondentes aos
diferentes níveis de uso da linguagem, sem ficarem restritos apenas
aos que contrariam a norma padrão da língua, como tem sido tradi
cionalmente focalizado nas correções de texto.
O objetivo de conduzir o aluno à "autopromoção"(GERALDI,2003)
instaura inclusive uma visão produtiva do erro,que teria, de acordo com
Oliveira (1999), função diagnostica e prognostica: diagnóstica porque
informa sobre o estado de língua, as aprendizagens já consolidadas
e aquelas ainda em andamento; prognóstica porque pode funcionar
5 A noção de erro corresponde ao que consideramos como desvio ou inadequação, que contempla
qualquer nível de análise da língua: pragmático, semântico, morfológico, lexical e fonológico.

40
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

como base para a organização do trabalho pedagógico de mediação do


professor. Assim, o erro é tanto a marca de um processo em curso de
aprendizagem e testagem de hipóteses, quanto o ponto de partida para a
efetivação de situações de ensino que visem à promoção do acerto cons
ciente, advindo da compreensão,da reflexão, da formulação de sentidos
para aquilo que observa/estuda.
A compreensão produtiva do erro é o primeiro passo, mas não o
único, para a implementação de situações de reescrita verdadeiramen
te significativas. Há que se atentar também para a natureza desses
erros, uma vez que os tipos de inadequações elencadas para a tarefa
são fundamentais para a qualidade(ou não)das práticas de reescrita.
Segundo Jesus(2001), na tradição escolar de reescrita textual, o tra
balho do aluno tem incidido principalmente, ou até exclusivamente,
sobre elementos da superfície textual, notadamente os desvios às re
gras da Gramática Tradicional(concordância,ortografia, pontuação
apenas como sinal", regência, acentuação),ignorando ou relegando a
segundo plano outros aspectos característicos do texto. Isso significa,
conforme a autora, a "higienização" do texto, uma "operação limpeza":
os problemas de ordem fonológica, morfológica, lexical e sintática
são solucionados, mas o texto continua apresentando inadequações
do ponto de vista textual e discursivo, por exemplo.
Por outro lado, é importante que a prática da reescrita possa
tematizar questões relativas ao texto em seu contexto. Sendo assim,
estará interessada nos diversos níveis que o compõem, permitindo,
verdadeiramente, reflexão e reescrita significativas. A reescrita,
nesse caso, é entendida como etapa de melhoramento do texto, de
forma a deixá-lo mais compreensível ao interlocutor e a cumprir a
sua função comunicativa.
Em muitas situações de reescrita, a eleição desses critérios de
correção em que a atividade vai se pautar, mediante o apontamento
de erros, é feita por um outro parceiro, especialmente o professor.
De fato, quando se trata de alunos nas fases iniciais de aquisição
da escrita e de seus usos, é necessária uma mediação, a fim de que
eles possam, posteriormente, assumir a condição de autocorretores
competentes de seus textos. Logo, é preciso que haja a indicação de
Os sinais de pontuação são trabalhados como simples sinais gráficos, sem atentar para os sentidos
que emergem do seu uso; ou seja, pontuação e enunciação são tratadas desarticuladamente.

41
Interação, Gêneros e LETRAMEmx):
A (re)escrita em foco

"instrumentos de apoio"(CABRAL, 1994), a orientar a tarefa pro


posta aos aprendizes, ou seja, critérios que auxiliem a reelaboração
textual. Não se pretende afirmar que o aluno seja totalmente incapaz
de revisar e reescrever seus textos sem orientações de outros parcei
ros; entretanto, elas facilitam a autqayaliaçào, tarefa que sujeitos em
processo de aquisição/desenvolvimento da escrita têm dificuldade
de realizar sozinhos.

Essas orientações, conforme Ruiz (2001), são determinantes


para a revisão dos alunos e para os resultados da atividade de rees-
crita. Uma das formas de intervenção mais explícitas é a correção
escrita que o professor realiza, ao apontar determinados problemas
e, dessa forma, direcionar o olhar dos alunos para determinados
aspectos das produções escritas. Nesse sentido, a correção pode
ser definida como: / /

Q...^) o trabalho qué o professor (visando à reescrita do texto


do aluno) faz nes^e|mesmo texto, no sentido de chamar a sua
atenção para algum problema de produção. Correção é, pois, o
texto que o professor faz por escrito no (e de modo sobreposto
ao)texto do aluno, para falar desse mesmo texto.(RUIZ, 2001,
p. 27. Grifo da autora)

Ruiz (2001) apresenta quatro tipos que a correção do professor


pode assumir, apontando também os critérios que são mais comumente
destacados em cada um\ Apresentaremos cada tipo,exemplificando com
as ocorrências do nosso corpus.

Correção resolutiva: o professor detecta e ele mesmo rees-


creve os erros cometidos na produção escrita. Ela se detém
prioritariamente no corpo do texto e, por sua natureza ex
tremamente localizada (muito próxima ao erro que apon
ta), focaliza principalmente os aspectos superficiais — con
venções da escrita e norma padrão.

7 Ruiz procede à descriçSo dos três primeiros tipos de correção(resolutiva,indicativa e classificatória)


com base no trabalho de Serafini (1995).

42
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

Figura 1

'^.oe
'.JnO/..
y^^A-, r,:^ ri^/X í/)í'9C//nf^^ Úlíü^tíllJÍWTÍlúTlQjJlCO S-r

lio:
jzictí^^/rmâLl
<mníirú^Kúk^:.^.d^
Ò.ívè.tS^^'.iS.:..QiU:£]^^^
ík'i/rrd~ç^.(à/wM^^
[...]] Na minha opinião as pessoas perdem tempo quando vão discutir á
respeito do preconceito, pois sabemos que atualmente há pessoas com suas
opiniões formadas em relação a esse assunto. Então de que adiantará falar
se as pessoas que iram escutar não querem saber do que se trata.
É isso o que eu penso sobre esse problema que vem ocorrendo, e não é só
de [...]

Correção indicativa: diferentemente do tipo anterior, nes


ta o professor apenas detecta os erros, cuja resolução fica
a cargo dos alunos. Os critérios focalizados vão do nível
fonológico até questões mais globais, como organização
de parágrafos. Como nesta correção apenas se indica o
erro, sem qualquer comentário sobre sua natureza, a se
gunda versão resultante da atividade de reescrita pode ou
não conter modificações e, quando contiver, pode ser uma
modificação bem-sucedida ou não: o aluno pode não saber
revisar corretamente o texto (não encontrar a solução ade
quada) ou, principalmente, não compreender a correção do
professor quanto ao tipo de erro que está sendo indicado.

Figura 2

[[...J Existe vários tipos de preconceito: preconceito regional, preconceito


racial, preconceito geracional e o preconceito de gênero são alguns tipos
que citarei. ^..0

43
Interação, Gêneros e Letramento:
A (re)escrita em e=oco

Correção classificatória (ou codificada): procede à identifi


cação dos erros a partir de uma classificação por meio de
um conjunto de símbolos (código), criados, algumas vezes,
através de uma convenção, para classificar os mais variados
problemas textuais que se queira. Também pode acontecer
no corpo e na margem do texto,com as mesmas caracterís
ticas e critérios referentes à correção indicativa. No nosso
corpus, não localizamos correções dessa natureza. Algumas
vezes, a professora usa sinais de interrogação para sinalizar
problemas do texto, mas ela acaba usando esse mesmo sinal
para problemas diversos, descaracterizando, então, a corre
ção classificatória.

Figura 3

u-LTD Jííodev si. >srníuóSxí>'2sJo''Tó^


TYoà3:> -jiosuaJT^Vxi-^ cxcfcuL.
Naquele momento fiquei paralisada, o mundo parou junto comigo,
fiquei só ouvindo as batidas do meu coração. Dirrepente ele se aproximou
me olhou sorriu e falou: está gostando da festa eu respondi: não pois estou
sozinha e triste estou sem ninguém nessa data, ele me olhou com um belo
sorriso nos lábios e me disse: não esta mais sozinha pois estou aqui. Q..

Correção textual-interativa: acontece através de comen


tários mais longos, feitos à margem do texto ou no "pós-
texto"(espaço abaixo do texto) em forma de "bilhetes", seja
para orientar a tarefa de revisão quanto aos problemas tex
tuais (principalmente os de natureza mais global), seja para
falar sobre a tarefa de correção do professor. A respeito
dessa estratégia, Buin (2006) avalia que esse tipo de corre
ção não é tão freqüente nas práticas de correção e, quando
ocorre, é comum a elaboração de comentários vagos e ge
néricos sobre os textos, os quais poderiam ser aplicados a
quaisquer outros, independentemente do gênero de texto.

44
ADAtR VíEiRA Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

Figura 4

Reescreva o texto revendo a acentuação, a pontuação, a ortografia das pa


lavras grifadas e o sentido do texto. Você já progrediu na produção escrita.
Um abraço.

A análise das correções realizadas pela professora evidencia que ela


recorre com mais freqüência à correção indicativa e também confirma
a avaliação de Buin a respeito da natureza vaga e genérica dos bilhetes
escritos nos textos dos alunos. Os comentários, termo mais apropriado
para caracterizar as observações escritas por Teresa®,servem mais como
palavras de estímulo e incentivo para o aluno não desistir da tarefa.
Entendemos, portanto, que a partir de uma visão processual da es
crita, a intervenção corretiva do professor pode orientar positivamente
as atividades de reescrita, desde que sejam utilizados critérios que, de
fato, promovam momentos de reflexão e reelaboração produtivas.
Um esboço dos elementos constitutivos dos textos será apresenta
do a seguir, ao descrevermos as capacidades de linguagem, no bojo dos
estudos do Interacionismo Sociodiscursivo.

2. A perspectiva de análise: o Interacionismo Sociodiscursivo

Na perspectiva do ISD, os textos constituem as realizações


empíricas de atividades e de ações de linguagem, dentre as quais
produzir textos em determinadas situações comunicativas. Confor-

8 Teresa é o pseudônimo criado para nos referirmos à professora.

45
Interação, Gêneros e Letramento:
A (RE)ESCRrrA EM FOCO

me Bronckart (2006, p. 139), os textos podem ser definidos


como os correspondentes empíricos/lingüísticos das atividades de
linguagem de um grupo,e um texto como o correspondente empírico/
lingüístico de uma determinada ação de linguagem". Desse modo,
as características dos textos são definidas pelas propriedades dá
ação que os desencadeou e, reciprocamente, eles permitem também
a construção de conhecimentos sobre as ações, pela interiorização
das propriedades semiotizadas sobre os mundos representados. Por
isso, no quadro do ISD, os textos são conceituados como unidades
comunicativas, que concretizam o agir linguageiro.
Para realizar tais ações, os agentes devem mobilizar um conjunto
de conhecimentos adquiridos nas suas próprias ações de linguagem
ou nas de outros sujeitos, por meio das avaliações das propriedades
dos eventos linguageiros. Esses conhecimentos são tratados como
capacidades de linguagem. Conforme atesta Cristóvão(2007, p. 263),
capacidades de linguagem são o "cohjjinto de operações que pármitem
a realização de uma determinada ação,de linguagem como instrumen
to para mobilizar os conhecimentos» que temos e operacionalizar a
aprendizagem". Assim, a aquisição e a utilização dessas capacidades
são necessárias à concretização de ações como ler e escrever e se
apresentaram como condição fundamental na construção de nossas
categorias de análise.
Cada uma dessas capacidades desdobra-se ainda em operações. No
processo de semiotização da ação de linguagem em texto,o sujeito deve
mobilizar um conjunto de capacidades de linguagem com suas respec
tivas operações. São elas:

Capacidades de ação: possibilitam ao sujeito adaptar sua


produção à situação de ação de linguagem (representações
do conteúdo temático e dos contextos físico, social e subje-
tivo) e ao gênero textual;

• Capacidades discursivas: possibilitam escolher a infraes-


trutura textual (tipos de discurso, articulação entre os ti
pos de discurso, seqüências e outras formas de planificação,
plano geral);

- Capacidades linguístico-discursivas: possibilitam realizar


operações de linguagem implicadas na produção do texto

46
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Oros.)

e sâo de quatro tipos:(1) operações de textualização (co


nexão, coesão nominal e coesão verbal); (2) mecanismos
enimciativos (gerenciamento de vozes e modalizações);(3)
construção de enunciados, orações e períodos; e(4)escolha
de itens lexicais®.

Nesse sentido, o que o ISD elege como objeto de ensino de língua


seriam as capacidades de linguagem e as operações que as compõem.
Segundo Machado (2005, p. 258);

^ os autores do ISD consideram como "ensinar gê


neros", na verdade, não significa tomá-los como objeto real de
ensino aprendizagem, mas como quadros da atividade social em
que as ações de linguagem se realizam. O objeto real de ensino e
aprendizagem seriam as operações de linguagem necessárias para
essas ações, operações essas que, dominadas,constituem as capa
cidades de linguagem.(Grifos da autora).

Essas Operações e capacidades podem ser amplamente utilizadas


nos exercícios de reescrita motivados pela correção do professor. Como
o agir linguageiro passa pelo domínio e mobilização dessas ferramentas,
a correção e a reescrita apresentam-se como momentos de aquisição
pelos alunos desses conhecimentos necessários à produção de textos
escritos e, consequentemente, ao uso da língua.

3. As capacidades de linguagem e os mecanismos supratextuais no


processo de reescrita

3.1. Capacidades de ação

As capacidades de ação, segundo Bronckart(1999), representam a


base de orientação que direciona todo o percurso de produção textual,
possuindo importância decisiva como pré-requisito de todas as demais

As duas últimas operações-construção de enunciados, orações eperíodos e escolha de itens lexicais


-referem-se,respectivamente às regras de estruturação das frases sintáticas e as formas de codificação
lingüística das unidades de conteúdo do texto. Para efeito de análise, essas operações serão englobadas
numa única categoria: elementos microestruturaís.A microestrutura textual corresponde a aspectos
fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos em nível lexical e frasal. Dadas as características
dos elementos que a compõem considera-se pertinente a adoção dessa conceituação mais geral para
as duas operações mencionadas.

47
Interação, Gêneros e Letramento:
A (RE)ESCRrrA EM FOCO

Operações mobilizadas posteriormente. Em outras palavras: determina


todas as características organizacionais do texto. Elas compreendem
o contexto de produção, o conteúdo temático e as representações do
gênero textual.
O fragmento do texto de Carlos,'" apresentado a seguir,representa o
único evento em que há abordagem das capacidades de ação, relacionada
ao conteúdo temático do texto.

Figura 5
Primeira versão Carlos

-.1 -r—.-v-":..

Nós devemos fazer a nossa parte pala que possa mudar o mundo e
para que isso aconteça é fazer com que outfa s pessoas possam mudar tam-
bém. [[...3

Figura 6
Comentários de Teresa

.ít? --ry

Reescreva o texto procurando aprimorar a escrita para ser melhor com


preendida.

1o Os nomes dos alunos também são fictícios.

48
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

Figura 7
Versão reescrita de Carlos

■JOCi. ■.'TUj.ch/X - Trui^^^ -e O-C/y-SL^,-. -g.


■^íA <Mr^ -tx,' ^a<yti»iaCi-rn ^Trtçccíai. jfe^TTV^--^ - .

Q.. .3 Nós devemos fazer a nossa parte para que possa mudar o mundo e para
que isso acoteca é fazer com que só outi*as pessoas possam mudar também. Q.. .J

Nesse fragmento, a orientação de reescrita focaliza o conteúdo temá


tico por meio de comentário no corpo do texto do aluno (50 os oíiíros?). A
correção é acatada, mas não de forma bem-sucedida, visto que o aluno a
entende como resolutiva e o efeito resultante é contrário ao pretendido
pela professora: esta solicitava a inclusão de todas as pessoas, inclusive o
próprio enunciador, no processo de mudança, mas a modificação reforça
ainda mais a exclusão do enunciador desse processo. Como aparentemen
te a correção não exige grandes modificações, é a ambigüidade gerada
na construção do comentário (imbricado ao texto do aluno) que provoca
a interpretação equivocada, ao mesclar o enunciado do professor com o
do aluno. Portanto, essa confusão compromete o bom desenvolvimento
da tarefa, mesmo em operações mais simples e de fácil resolução.
A despeito do estatuto que o ISD confere às capacidades de ação,
elas quase não são exploradas na proposta de reescrita encaminhada,
com exceção de um caso. Surpreendentemente, elas constituem, segundo
Schneuwly e Dolz (2004), as mais importantes para a produção de textos,
na medida em que motivam todas as decisões posteriores.

3.2. Capacidades discursivas

Esse nível de organização do texto engloba uma série de elemen


tos (tipos de discurso e sua articulação, seqüências e outras formas de
planificação e plano geral) que corresponde à camada mais profunda
da arquitetura textual descrita por Bronckart (1999): a infraestrutura.
Há indicações na correção que remetem a elementos inffaestruturais
no nível do plano geral e das seqüências. Vejamos este exemplo, que se
refere ao primeiro nível mencionado:

49
Interação, Gêneros e Letramento:
A (re)escrita em foco

Figura 8
Primeira versão do texto de Ana

.. . ^(JpfieCfimrcc^<^rifrrrí).rÇrrr^-^í/t-rifide/ , 1.

[|...]] o preconceito geracional compreende do jovem se perceber mais útil


que o idoso. No preconceito de gênero o homem se considera melhor que a
mulher e vice-versa.
Esses são os tipos de preconceito mais comum aqui no Brasil. E não pode
mos nos esqueçer do preconceito social que é bastante comum hoje. |^...J

Figura 9
Comentários de Teresa

■■■■-■ " ■- T'T" '

"■ i
^!
,..,f8»io«i

Obs: Observe os destaques no seu texto e tente reescrevê-Io de forma a


progredir na produção textual.

Figura 10
Versão reescrita de Ana

■f)Qcyrir'jj^rt:a f-.
Q.J ^ nrCuJt^/míi QjuSb

Q.. o geracional compreende do jovem se perceber mais útil que o idoso.


No preconceito de gênero o homem se considera melhor que a mulher e
vice-versa. E não podemos nos esqueçer do preconceito social. Esses são os
tipos de preconceitos mais comuns aqui no Brasil. [[...J

50
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

Verificamos claramente que a observação contida na intervenção da


professora no corpo do texto busca focalizar a organização das idéias,
reordenando segmentos do parágrafo para manter o paralelismo da
apresentação dos tipos de preconceito. A aluna reorganiza satisfatoria
mente o parágrafo,ajudada pelo tipo de correção utilizado(a resolutiva,
mostrando o que deve vir primeiro e depois).
No entanto, esse episódio não tem reflexo positivo para o
trabalho de reescrita. Como percebemos na versão refeita, o des
locamento da frase requer pouco esforço cognitivo da aluna, que,
tendo o problema resolvido, deveria apenas seguir a ordenação.
Desse modo, esta reescrita apresenta-se pouco propícia ao desen
volvimento de habilidades de escrita, devido ao seu caráter pouco
desafiador. Já o comentário do pós-texto perde sua função de apon
tar outros problemas, em especial aqueles relacionados às camadas
mais profundas, haja vista que apenas remete a destaques no texto,
como um reforço deles.
Ocorre ainda abordagem de aspectos discursivos no plano das
seqüências:

Figura 11
Primeira versão de Célia

C- •o Quem guarda o preconceito só está se prejudicando fazendo com que


pessoas fiquem brigadas com si mesmas ou Jesus está vendo pois o que não
pagamos na terra pagamos no Céu.

51
Interação, Gêneros e Letramento-
A (RE)ESCRrrA EM FOCO

Figura 12
Comentários de Teresa

Reescreva o texto procurando aprimorar a escrita para ser melhor com


preendida.

Figura 13
Versão reescrita de Célia

_(0 .-.^Xi/ãUdo. ^ \><ífU<5io ortQ,ço^


'''*l|ai^tiv^A .X-ívÍaL. UtO-OftS -C --tSFti/t.'
'-íio.olí' . A' -JJSíOrtocííõ^if-ÍGotfà- c#>.'actí-t»>c/ncvmcna
S-Uír>í9_0>^, PoarÁ^ ifftJfy,.
.. .^Jcfrjku vTrAwCâmcicAa^ & .:-ft>tacíOr>Oít^
A-_JJ»<nCL.- .^|gyiri<r<o> iwu.^diã&faay.—Ooa 'aO'%£o -e.
crfar-rv.*»- . , rp.rTA«:OTvafc<^—.fe- -S^fSciA^-
vdCi' ~^0>ch ,.<z . y<eU-a*i-g£i»<g^<K3Í5...CÍi
ya^ vp<yy- vca>'y^

Q...3I o preconceito por ser existido entre várias nações tem uma simples
diferença entre cores, raças e localidade no nascimento e moradias, todos
nós descreminamos uns aos outros por falta de respeito ao próprio irmão.
Diante de todos esses fatos mencionados o preconceito é uma discrimina
ção ofendida a todos os seres humanos e para que possamos acabar com o
preconceito é deixar de lado todo racismo, intolerância, e desingualdade de
si para com todos.

Sinaliza-se, aqui, a organização da fase de conclusão da seqüência


argumentativa: o arranjo das informações para encerrar a exposição
e ressaltar os prejuízos advindos do preconceito. Esse apontamento
é feito de duas formas: nos comentários do pós-texto e do corpo do
texto. Neste a professora afirma que o parágrafo está confuso e pede

52
Adair VtEiRA Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

à aluna que esclareça as idéias nele contidas; naquele aponta a neces


sidade de a aluna se fazer compreender, o que seria decorrência da
maior clareza solicitada anteriormente. Tais observações conduzem
a uma mudança bem-sucedida, mas que consiste na redefinição do
conteúdo temático e no acréscimo de outras informações: mais do
que reorganizar e esclarecer a informação já contida no parágrafo, a
aluna a substitui por outras que possam conferir à conclusão maior
poder argumentativo, Apesar do resultado positivo, nesse evento, há
vagueza dos comentários, que parecem servir principalmente como
pistas de que algo no texto não está bom.
O apontamento de elementos infraestruturais ocorre em três dos
cinco textos, totalizando sete ocorrências. Dessas, cinco referem-se a
correções resolutivas,já apontadas no texto de Ana,figura 8, apresen
tado anteriormente.

3.3. Capacidades Hnguístico-discursivas

As capacidades hnguístico-discursivas correspondem a um nível


mais superficial do texto e dividem-se, conforme já apresentamos,
em três operações: mecanismos de textualização (coesão nominal,
conexão e coesão verbal); mecanismos enunciativos (gerenciamento
das vozes presentes no texto e uso de modalizadores); e elementos
microestruturais.

Ao contrário das categorias anteriores, presentes de forma bastante


descontínua, esta consta na correção da maior parte dos textos. Devido
às limitações de espaço,apresentaremos dois exemplos ilustrativos desse
conjunto de operações.

■P
53
Itíteração, Gêneros e LEraAMEi-n-o-
A (RE)ESCRrrA EM FOCO

Figura 14
Primeira versão de Lúcia

.^JJòíhh J:íL»Kr!mF^aji(Lriir^

C D Na minha opinião as pessoas perdem temoG onanH,^ « j- 4.- a


respeito
y to do
uu nrprnnppit.^ u.
preconceito, pois sabemos . ^ ^uando
que atualmentp hi vão discutir á
H uoes formada®
opiniões lormadas em
í-tT, relação a esse assunto. Então dena
que adiantará
pessoas com falar
suas
s pessoas que iram escutar não querem saber do que se trata
É .sso o que eu penso sobre esse problema <^ue vem^ocorrendte n^o é s6

Figura 15
Comentários de Teresa

Obs: Observe os destaques no seu texto e tente reescrevê-lo de forma a


progredir na produção textual.

54
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

Figura 16
Versão reescrita de Lúcia

i Atò
^ qiííL Clhwhrm

, yr^cjji0/C(ír) tririò^
'-'jjj?. rfiLii rot/íf] e:.kz-J> ic/r-Á^^ mrío
Q...]] As pessoas perdem tempo quando vão discutir a respeito do precon
ceito, pois sabemos que atualmente algumas pessoas com suas opiniões
formadas em relação a esse assunto. De que adiantará falar se os que irão
escutar não querem saber do que se trata.
Esse problema que vem ocorrendo, não Q...]

Nesse trecho, a correção indicativa aponta questões relacionadas à


coesão nominal, à conexão e ao posicionamento enunciativo de Lúcia.
Teresa faz indicações no texto que remetem ao uso de elementos coe-
sivos e que são acatadas pela aluna na reescrita. As indicações também
sinalizam para a eliminação da primeira pessoa do singular, que funciona
como "marcador de identidade"(BRONCKART, 1999, p. 328), com o
intuito de conferir ao texto mais "impessoalidade" e "objetividade"; em
outras palavras, pretende-se eliminar a voz do autor empírico em prol
de uma voz "neutra". Lúcia compreende a solicitação e elimina, com
sucesso,os trechos sublinhados,evitando a oscilação da voz presente na
primeira versão: ora primeira pessoa do singular minha, eu penso), ora
primeira pessoa do plural [sabemos). Já o comentário da professora no
pós-texto apenas ratifica as orientações do corpo. Podemos dizer, assim,
que a reescrita decorrente é bem-sucedida, assim como ocorreu com o
texto reescrito de Célia, figura 13.

àv
55
Interação, Gêneros e Letramento:
A (RE)ESCRrTA EM FOCO

Figura 17
Primeira versão de Paulo

Q...3 As vezes, o próprio brasileiro negro se nega a sua raça; e de tanto ser
discriminado, o idoso chega a se achar um inútil. Q...3

Figura 18
Comentários de Teresa

tfÒmOHIyí.

Veja o registros e reescreva o texto atentando para progressão na escrita

Figura 19
Versão reescrita de Paulo

, '

[[...3 o brasileiro negro se nega a, sua raça; o idoso se achar um inútil; etc.
são alguns exemplos de resultados do preconceito no Brasil. [|...3

Nesse fragmento,a correção indicativa(círculo no conector e o re


forço indireto que lhe é dado pelos comentários de Teresa parecem sugerir
a exclusão da conjunção, tarefa que o aluno executa na reescrita. Entre
tanto, ao fazer isso, suprime outras informações,inclusive a que esclarece
a causa do sentimento de inutilidade - a discriminação - que reforçaria
a argumentação a respeito dos males provocados pelo preconceito, seja
ele de qualquer ordem. Podemos afirmar que a modificação realizada é

1
56

i
Adair Vihra Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

malsLicedida,em virtude da supressão de conteúdos importantes e de suas


implicações para a estruturação da seqüência argumentativa.
Vale ressaltar que solicitações na correção e alterações na reescrita
que incidem sobre os conectores são bem escassas: nas correções,apare
cem sempre sob a forma de intervenções indicativas no corpo do texto,
destacando os conectores empregados inadequadamente, conforme o
exemplo anterior; nas reescritas, há tanto reestruturações malsucedidas,
como observado no texto de Paulo, quanto bem-sucedidas, como Lúcia
(com a eliminação do conector ejitão, sinalizado na correção).
A microestrutura textual corresponde à categoria mais presente
e diversificada nas reescritas mediadas pela correção do professor, en
globando critérios como ortografia, concordância, acentuação, divisão
silábica, regência e, principalmente, pontuação.
Encaminhamos o leitor para a figura 3, onde poderá ser observado
que a professora usa, no corpo do texto, uma única estratégia corretiva,a
correção indicativa, para detectar problemas de acentuação,segmentação
de palavras,ortografia e pontuação.Teresa recorre, na maioria das vezes,
ao sinal de interrogação como forma de apontar os problemas. O aluno
não entende bem o que a sinalização significa e opta pela substituição
das palavras marcadas por outras, em virtude do desconhecimento do
tipo de erro e do que fazer para solucioná-lo. O mesmo acontece com
Dirrepente, que é substituída por Então.
Dos critérios microestruturais, a pontuação é o mais abordado no
conjunto dos textos do corpiis. Mesmo assim, não podemos afirmar que
o trabalho com ele implementado seja produtivo: vemos, nesse e nos
demais casos, o tratamento da pontuação apenas como sinal, sem fazer
referência à função que ela assume no texto; além disso, as m ícações não
permitem aos alunos refletirem sobre as regras a serem interna iza as^e
utilizadas em produções posteriores. O mesmo pode ser ito em re ação
aos demais elementos microestruturais, cuja abordagem pouco instiga
a reflexão e o acerto consciente em outras produções.
Há apontamento de elementos microestruturais de natureza diver
sa em todos os textos dissertativos gerados, num total de ti inta e uma
ocorrências, comprovando o grande espaço que a atividade confere aos
fatores gramaticais. A enorme presença desses elementos deve ser reava
liada,se o objetivo é focalizar o texto em sua natureza sociocomunicativa.

57
Interação, Gêneros e Letramento:
A (re)escrita em foco

3.4. Os mecanismos supratextuais

Essa categoria foi definida mediante a análise dos textos do corpus,


a im ^ um nível que cuida principalmente da apresentação
estética do texto. Sua construção tomou como^base o conceito de Bron-
c art(1999)de procedimentos supratextuais",que designam elementos
e ormatação da página (títulos, subtítulos, paragrafação) e de relevo
(su in a os, itálicos, negritos etc.), que traduzem alguns aspectos dos
planificação e/ou dos procedimentos enunciativos"(p.
1). o entanto, percebemos que essa categoria, tal como definida por
Bronckart,não contempla aspectos como legibilidade da letra, recuo do
texto e do espaçamento do parágrafo em relação à margem da página,
emprego de letras maiúsculas e minúsculas, traçado de letras ou sinais
e pontuação.Esses aspectos,embora bastante periféricos em se tratando
a escrita, estão presentes em publicações;que orientam a produção e a
publicação de trabalhos científicos e tambéii em solicitações de reescri-
ta, conforme atesta Leite(2006, 2008). Por anto. alargando o conceito
e ronc art, esses elementos serão categorizados sob a denominação
de mecanismos supratextuais, que não abordam questões lingüísticas,
textuais ou discursivas, mas são responsáveis pela arrumação/apresen-
taçao estetica do texto. Retomemos o texto de Lúcia, figura 14, para a
exemplificaçâo dessa categoria.
o apontamento do emprego de letras maiúsculas/minúsculas ocorre
em tres momentos: círculo no artigo a.e sublinhado na preposição dee
no pronome o comentário do pós-texto apenas ratifica as orienta
ções do corpo do texto. As indicações desses elementos supratextuais
estão associadas a outras marcações, que previam a exclusão de outros
termos: «a minha opzntão, então e E isso que eupenso sobre,respectivamente.
Em todos os casos, acontecem reescritas bem-sucedidas: como se trata
de aspectos bastante localizados, não ocasionam grandes problemas ao
aluno. Talvez o maior grau de dificuldade seria compreLder que as
indicações associadas aquelas no nível supratextual previam exclusão
aos termos. ^

Questões dessa natureza aparecem em três dos cinco textos num


total de sete ocorrências, tendo sempre como critério o uso de letras
maiúsculas e minúsculas. Esses e outros aspectos supratextuais cons
tituem questões periféricas da escrita, cuja aquisição é importante para

58
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orcs.)

a apresentação estética do texto, mas que não requerem do produtor


o domínio de operações e capacidades em nível linguístico-discursivo,
discursivo ou acionai, consideradas aqui como as mais relevantes.

4. Cruzando olhares e apontando encaminhamentos

No sentido de obter uma visão mais ampla e confiável acerca da


prática de reescrita ora analisada, procuramos distribuir as solicitações
de correção e as modificações por elas suscitadas num quadro contendo
uma representação quantitativa das capacidades de linguagem abordadas
em cada texto. Eis o quadro:

Capacidades
Capacidades Capacidades Mecanismos
lingiiístico- Outros]
de ação discursivas supratextuais
discursivas

TS2 1 1 8 - 1

Carlos MB3 -
1 3 -
1

MM4 I - - -
-

TS - 14 3 -

Ana MB -
-
8 2 -

MM - 1 - - -

TS -
5 18 3 -

Célia MB -
5 16 3 -

MM - -
1 - -

TS - - 4 - -

Lúcia MB - - S -

MM -
2 - ••

TS -
-
8 - -

Paulo MB - -
7 -
-

MM - - -

Quadro 1 - Quantificação dos critérios abordados na correção e na reescrita

59
IríTERAÇÃo. Gêneros e Letramento:
A (re)escrjta em foco

terior T ™"J"ntamente aos exemplos discutidos no tópico an-


adZd
advmdo da correção da professora.significativa
H do processo
Ambos permitem traçardeavaliações
reescrita
mais seguras das características desse trabalho.

^scurs.vas,
disrnr com enfase na microestrutura«^o
textual, seguida doslinguístico-
as capacidades Lcanis-
a ativ^d H T'^ '^^P^^^^^des discursivas. Vemos,dessa forma,que
Ln Í H como a principal ferramenta a ser dominada
considerados superficiaisvisando
do texto,
ao
ínarr
aparecem como
°as menos abordadas recehendnitrv»as capacidades
+
de +ação
+ oposto
que lhes confere Bronckart(1999,2006)e Schneuwly e Dolz(2004)para
r ^ ^^^Dcnao um tratamento ao

oreTcr t'TAssim,compreenderiam operações


escrita. orientativai produçãoas demais.
que precederiam ord e/
critpHn^"^'^™ evidencia,portanto,uma aborçlagem desproporcional dos
r^ceb"'T P^^^P^-^dução dil exto escrito,^quanto uns
imnlira ^nçao
implicações em emasia,
importantes outros são
ao resultado relegados.
da prática Essa postura
da reescrita traz
orientada
pela correção para o desenvolvimento dp j j -4. i o
Qiiin^o Al j • °
alunos. Algumas dessas implicações são; capacidades de escrita pelos

Os critérios assinalados pela professora, ao se concentrarem


no pro uto empírico e,em especial, nas capacidades lingufs-
co- iscursivas,independem do gênero textual e de sua base
e orientação, desconsiderando suas especificidades; ou seja,
os ex os são tratados muito mais como formas lingüísticas
0 que como manifestações empíricas de ações de linguagem;
• A reescrita orientada pela correção promove a "higieniza-
ção Cgramatica e estética] do texto", como atesta a quan-
1 a e e so ici ações e modificações nos planos da micro-
es ru ura e os mecanismos supratextuais, a maioria das
quais têm a palavra como maior unidade de análise;
• A abordagem de critérios de natureza diversa numa mesma
^tuação tende a ser pouco produtiva. Sobre essa questão,
Cabral (1994) afirma que o professor não deve pretender,
em cada momento de reescrita, resolver todos os problemas
constatados nos textos. Convém salientar um ou dois aspec
tos de maior relevo e fazer os alunos trabalharem sobre eles;

60
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

• A dificuldade dos alunos de compreenderem algumas cor


reções pode ser reflexo da vagueza delas; daí o grande
número de modificações malsucedidas ou orientações ig
noradas. Isso acaba por comprometer e, em alguns casos,
anular a tarefa de correção do professor como "instrumento
de apoio";

• A escolha do gênero também deve ser avaliada, tendo em


vista que a dissertação, como um gênero escolar voltado
para o ensino da produção escrita argumentativa, com cir
culação restrita ao ambiente escolar, impõe limitações de
ordem pragmático-enunciativa(SOUZA,2003).

Acreditamos que este diagnóstico, além de fornecer um panora


ma confiável do encaminhamento dessas tarefas nas aulas observadas,
apresenta contribuições teóricas e práticas. Teoricamente,pode suscitar
reflexões acerca da temática,considerando-a como etapa importante da
produção de texto. A título de um possível encaminhamento prático,
apresentamos a proposta da SD como um recurso de orientação teórico-
metodológica viável a ser implantado em sala de aula.
Em conformidade com essa visão,compreendemos que o modelo de
seqüência didática(SD)de Dolz, Noverraz e Schneuwly(2004)contri
buiu eficazmente na consolidação de uma metodologia que tem si o usa a
como referência para essas práticas na escola. A SD promove ativi a es
que se organizam modularmente em torno da apresentação e a pro u-
ção inicial de um determinado gênero textual,e seguem um movimento
cíclico em torno desse gênero, num processo ativo de construção e e
reconstrução circular. Todo esse movimento visa ao p eno con ecimento
dos aspectos constitutivos do gênero e ao domínio e suas ormas e
produção que poderão ser expressos na produção fina . essa orma, as
atividades de reescrita passam a fazer parte do próprio esenvo vimento
de uma SD,uma vez que consolidam a necessária reflexão sobre o texto
produzido. A SD permite,inclusive,o redimensionamento do estatuto do
erro por possibilitar um enfoque modular sobre as e apas e pro ução
texto, na medida em que desvia o foco dos desvios sintáticos e ortográ
ficos e passa a considerar a dimensão pragmático-discursiva do texto,
tendo em vista as características sociocomunicativas do gênero textual.
Alinhamo-nos a Gonçalves(2007; neste volume) por sugerir a as
sociação da reescrita textual ao trabalho com as SD.Adotando também

61
Interação, Gêneros e Letramento:
A (RE)ESCRrrA EM foco

o recurso metodológico da correção interativa, o autor pronõe aue a


reescrita seja encaminhada ao final da seqüência,tomando como critérios
as capacidades de linguagem e suas respectivas operações. A correção
textual interativa seria aplicada através de uma lista de controle/cons-
tataçoes: uma série de itens que caracteriza o gênero em estudo seria
construída pelo professor, pelos estudantes ou pela turma inteira após a
reahzaçao dos exercícios dos módulos e a partir dela seriam produzidos
os bilhetes nos textos de cada um dos alunos. A realização da reescrita
depois de atividades que focalizem cada capacidade de linguagem e me-
autor^reí''''' '^^rísticas
autor melhores resultados constitutivas
em termos garantiriam,
de aprendizagem fegundoe deo
dos aluLs
qualidade dos textos de uma versão para outra.
Considerações finais
;/
Como vemos, o desenvolvimento de átlvidades de reescrita re
força uma visão processual da escrita. Existé a compreensão de que a
primeira versão do texto não é o ponto de chegada, mas o de partida;
de que os erros sao elementos norteadores da aprendizagem- de que é
necessário refletir sobre o texto e revisá-ln nnro • ^ i' j
w. * j
esse comportamento isa oloz.»,para
deve ser estimulada • japrimorá-lo: de
. que
1
formar nrz^d,
rormar produtores A textos
de ^ numa acenrao ensinado,icom o intuito de
escrevam,
PQorí^xrarYi revisem e, se preciso, reescrevam os textos.
aHipla, que planejem,

mentir P""-™.aqui
mentadas no processo de reescrita "ão permeia
analisado.todas
Comoas aações implese
Lrreção
concentra predominantemente nos elemp^t • • x
tuais, demonstra-se também a valoriz cTo a g-maticais e supratex-
processo,desconsiderando as operações s ° detrimento do
às capacidades de ação. Se é noVad"dt a. rf"
constróem as capacidades humanas de dominó A
geiras, é fundamental considerá-las em toda"s
segundo o ISD,a realização de tais ações pressuporá LMifaç^rfum'
conjunto diverso de capacidades de linguagem, que, embora definíveis
isoladamente para fins de análise,formam um todo interdependente na
construção dos textos. "
Portanto, fica claro que a reescrita orientada pela correção da pro-
tessora, aqui analisada, não possibilita aos alunos refletirem de modo

62
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

equilibrado, sobre todas as capacidades que convergem na produção do


texto empírico; dessa forma, pouco contribui para o desenvolvimento
de habilidades de escrita que os instrumentalizem para interagir nessa
modalidade da língua fora da escola, nas práticas sociais.

REFERENCIAS

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63
Interação GteRos e Leteame™:
A (RE)ESCRrrA EM FOCO
1
SCHNEUWLY, B.; DOLZ J Gênero
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daS.(Orgs.).de.Tecendorextol
Dissertação-gênero ou
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"^'ONÍSIO,A.PBESERRA,N.
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//

64

M
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

I
'r.'
os BILHETES ORIENTADORES DA REESCRITA E
A APRENDIZAGEM DO GÊNERO RELATÓRIO DE
EXPERIÊNCIA'*

Cecília Eller Nascimento*

Introdução

Neste capítulo analiso o impacto dos bilhetes orientadores da rees-


crita na aprendizagem de gêneros textuais escritos, dentro do contexto
interventivo de uma seqüência didática para o ensino do gênero relatório
de experiência. O objetivo específico é refletir sobre o papel do bilhete
orientador na reescrita, com ênfase nas maneiras através das quais ele
pode funcionar como um andaime'- para a aprendizagem de práticas
de escrita. Essas práticas são entendidas como uma interação entre as
disposições duradouras para a ação, nesse caso, ação lingüística, de que
seria composto o habitus,e os aspectos mais imediatos de temporalidade,
improvisação e restrições relacionadas ao campo, no sentido bourdieu-
siano(HANKS,2008, p. 70).
O corpus de análise se constitui de relatórios de experiências da
disciplina de Ciências realizadas em sala de aula. Os textos foram
produzidos por alunos do quinto ano do Ensino Fundamental de uma
escola municipal da periferia de uma cidade do interior de Sao Paulo no
segundo semestre de 2007.

1 * Este trabalho apresc.ua resultados da minha dissertação


resultados de pesquisa apresentados no 56° Semináno do GEL(Grupo de bstudos Lingüísticos do
Estado de São Paulo; 16-18 deTulho de 2008. São José do Rio Preto). A redização dessa pesquisa,
que contou com apoio do CNPq se deu no âmbito do grupo de pesquisa Praticas de escrita e de
reflexões sobre a escrita em contextos institucionais", coordenado pela Profa. Dra. Ines Signormi.
2 A metáfora do andaime, de acordo com Bazarim (neste volume), foi elaborada pelo grupo de
neovygotskyanos Wood, Bruner e Ross (1 *^76) para tentar explicar a ajuda que o adulto - ou o par
mais experiente - dá à criança nriiicipalmcid'-' na fase de aquisição da linguagem, na solução de um
problema cuja resolução cia ainda não é capaz de encontrar sozinha. Nesse processo de andaimagem,
a língua age como mediadora, uma vez que é através da interação que os aprendizes constróem o
conhecimento."

65
Interação, Gêneros e Letramento:
A (re)escrita em foco

■A - ° percurso de escrita e reescrita de um relatório de expe


riência orientado por bilhetes, analiso se a correção textual-interativa,já
aponta a por Ruiz(2001)como vantajosa em relação a outras maneiras
mais tra icionais de corrigir textos na escola, pode levar a melhorias
qua itativas mais significativas na escrita dos alunos. A escrita dos bilhe-
es, eita por mim enquanto pesquisadora,fazia parte de uma intervenção
mais amp a implementada em parceria com a professora da turma e com
os unos CO aboradores. Os bilhetes só foram escritos após um período
e o servação,entrevistas e conversas informais,análise de livro didático,
fi ^ ^l^sse(ANDRÉ, 1995; HAM-
1983). Nesse processo de intervenção, pesqui-
ora e pro essora buscávamos ensinar um gênero de interesse da classe
o re atorio a partir da perspectiva do Interacionismo Sociodiscursivo.

SI>uaçao esco ar,


i^efere à transposição
adotamos didática,dos
a seqüência gêneros
didáíica como discursivosdeà
instrumento
trabalho docente(BRONCl^RT,2006; SCHNEWLY
, 2004). Antes da produção do relatório de experiência que
sera aqui analisado, houve outras atividades'de sensibilização quanto
o genero re atório, incluindo práticas de leitura e interpretação e ati-
rra o com a seqüência didática,levaram
Os bilhetes orientadores,
a uma compreensãoaliados
cada
vez mais refinada sobre como produzir relatórios de experiência.
1. Bilhetes orientadores, seqüência didática e genero

É importante deixar claro que parto do pressuposto de que todo


uso da linguagem se apoia em gêneros, quer se tenha consciência disso,
quer nao(BAKHTIN, 1997 [1952-1953]). Porém, o conhecimento da
existência desses tipos relativamente estáveis de enunciados, nos dize-
res bakhtmianos, com seus respectivos conteúdos temáticos, estilos e
estruturas composicionais, pode contribuir para o empoderamento dos
aprendizes e para sua maior autonomia. Daí o interesse na discussão
da função sociopragmática do gênero antes de sua produção, aliada à
disponibihzação de textos que servissem como referência e à elabora
ção conjunta de um relatório. Além disso, o texto não é encarado como
artefato, produto acabado, mas como um ponto em uma teia de relações
a ele associadas (BUIN, 2006a), como um momento em um processo
interacional mais amplo, que, no caso da escola, envolve as conhecidas

66
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Oros.)

relações entre aluno,professor e instituição,com sua ecologia própria de


funcionamento, distribuição de papéis e hierarquização. Essas relações
se refletem na escrita escolar, estruturando-a parcialmente. Tomando o
texto como um ponto numa teia de relações e como um momento num
processo, é possível despojá-lo da fixidez a ele tradicionalmente atribu
ída, passando a encará-lo como provisório. Dentro dessa perspectiva,
a reescrita surge como alternativa viável, senão inevitável, de versões
cada vez mais adequadas ao novo momento do processo de interlocução.
É preciso lembrar que os gêneros,quando são trabalhados na escola,
passam por transformações, funcionam como uma variação do gênero
de referência, uma vez que começam a fazer parte de uma dinâmica de
ensino-aprendizagem e a funcionar dentro de uma instituição cujo objetivo
principal é justamente esse (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004). Entram,
além das características do gênero de referência que se pretende ensinar,
aspectos relacionados às rotinas da instituição escola, e suas respectivas
hierarquizações e relações de poder,como a relação professor-aluno.É uma
situação particular, na qual, segundo Schneuwly & Dolz (2004), ocorre
um desdobramento, no qual o gênero,além de instrumento de comunica
ção, torna-se objeto de ensino-aprendizagem. Por isso, de forma geral, as
práticas de linguagem são pelo menos parcialmente fictícias, uma vez que
se instauram com fins de aprendizagem. Ainda que o professor procure
tornar essas práticas mais realistas, buscando outros interlocutores para
os textos dos alunos, não é possível apagar a dinâmica majoritariamente
unilateral de correção e atribuição de nota, que lembra o aluno de que
aquele é um texto produzido na escola. Buin (2006a)já observou que,
"no caso do texto escolar, além do interlocutor específico do gênero de
referência, existe o professor que sempre exercerá influência como inter
locutor daquela situação de ensino"(BUIN,2006a, p. 194).
O bilhete orientador é considerado aqui como um gênero catalisa
dor, no sentido de Signorini(2006),ou seja,como um gênero que favorece
"o desencadeamento e a potencialização de ações e atitudes considera
das mais produtivas para o processo de formação, tanto do professor
como de seus aprendizes" (p 08). O bilhete permite maior interação
do que outras estratégias de correção de textos, tais como: a correção
indicativa, resolutiva e a classificatória^ Por meio do bilhete é possível
também abordar aspectos mais amplos relacionados à macroestrutura
3 Encaminho o leitor ao capítulo de Leite e Pereira, neste volume, para aprofundamento das abordagens
metodológicas de intervenção em produções escritas.(Nota dos Organizadores).

67
InteraçAo, Gêneros e Letramento:
A (RE)ESCRrrA EM FOCO

textual e aos modos de circulação do gênero, que dificilmente poderiam


ser apontados através de marcações ou símbolos.

2. Os relatórios de Marcela
/ /

Apresento, a seguir, a seqüência de escritas e reescritas da aluna


Marcela^ representativa da interlocução aluno-colaborador/professor-
pesquisador mediada por textos e bilhetes. Cabe destacar que era a
primeira vez que o grupo pesquisado trabalhava a produção textual
através de uma seqüência didática e com a reescrita.

PRIMEIRA VERSÃO®
No dia SO/lO/07 (terça-feira) nós fizemos uma experiência na escola
EMEF xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx! '
A professora Cecília ajudou a 4" série Ç e a professora Denise.
A professora Cecília escreveu no quadro umas anotações e colocou assim
bons condutores de eletricidade e Maüs
I
condutores de eletricidade e fize-
mos uma lista e a professora Denise. '
Foi chamando um por um e todo mundo foi da 4' serie B tinham que levar
alguma coisa pra ver se velhinha de lanterna acendia eu.
Levei, meu apontador puro metal algumas pessoas levaram madeira, bor
racha, Plástico um até falou pra professora fazer com a unha vidro e etc.
Foi muito legal essa aula e eu quero que se repita.

fW AT.'». »)
x: hAC V
r:

I .TbnjD^ lAa. ». yChuf,

—Xiqsragw «uao A. a.» (A.ZÔua.


, .n,,

OSE—OAttO ati

Quadro 1 - Primeira versão

O nome da aluna é fictício, tendo em vista a preservação da anonimidade, assim como o nome da
professora, da escola e da turma.
Os textos dos alunos foram digitados com a preocupação de manter,sempre que possível, as carac
terísticas de ortografia, pontuação e uso de maiúsculas, entre outras.

68
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

Nessa primeira versão, Marcela conta aquilo que mais rele


vante lhe parece acerca da experiência; ela chama a atenção para
os aspectos relacionados à tarefa escolar, como as anotações feitas
no quadro, a lista construída em conjunto e a participação de cada
aluno. Isso corresponde, de certa forma, àquilo a que ela já estava
habituada na dinâmica escolar: copiar do quadro, ir à frente para
participar de alguma forma. Porém, ao enfocar as anotações, a lista
e a participação dos alunos, deixa de incluir no relatório aspectos
muito importantes. Por exemplo, ela diz que a classe fez uma expe
riência, mas não explica que experiência seria essa e qual seria seu
objetivo. As informações são apresentadas de forma desordenada
e incompleta: primeiro é feita uma menção às anotações e à lista
do quadro, depois à participação dos alunos, em seguida ao proce
dimento da experiência, mas de uma maneira bem confusa,já que
fica difícil entender o que seria uma velhinha de lanterna. A aluna
conta aquilo que mais chamou sua atenção, como sua participação
no experimento, levando à frente da classe um apontador de puro
metal para ser testado. Contudo, não é possível, a partir desse
primeiro relatório, entender o objetivo da experiência, o material
utilizado, o procedimento adotado e os resultados a que a classe
chegou. O texto não cumpre a função básica do relatório, de contar
o que aconteceu passo a passo, tendo em vista especialmente um
público que não estava presente durante a situação relatada.

69
Interação, Gêneros e Letramento:
A {RE)ESCRrrA EM FOCO

BILHETE 1
Marcela,
No começo do seu relatório tem a data e o local. Isso é bom. Mas quem seria
nos"? Isso precisa ficar claro.
Outra coisa: como foram feitas as anotações? A professora Cecília tirava
da cabeça e escrevia no quadro? E que "velhinha de lanterna" era essa? Em
nenhum momento do seu relatório existe a explicação do instrumento uti
lizado na experiência. Os resultados também estão incompletos. Lembre-se
de que você precisa relatar toda a situação, e não apenas parte dela. Bom
trabalho!
Professora Cecília

JW. Wi>. *T^-?jwr*

iapv
o./

Quadro 2 - Bilhete orientador 1

A ênfase deste primeiro bilhete, assim como dos outros, não era em
questões de ordem notacional,como pontuação, uso de maiúscula e acen
tuação, aspectos que também careciam de elaboração, mas em questões
mais amplas ligadas à função do gênero discursivo/textual que estava
sendo produzido,e nos elementos que deveriam ser contemplados para
que fosse cumprida essa função.É necessário observar que as questões de
ordem localjá eram trabalhadas pela professora da turma nas correções
que ela costumava fazer das produções escritas dos alunos. Tanto que os
problemas notacionais não inviabilizam a compreensão do texto. Além
disso, a simples correção desses problemas também não transformaria
essa primeira versão de Marcela num bom relatório. A falta de elementos
temáticos essenciais ao gênero fez com que o primeiro texto de Marcela
não cumprisse a função básica de relatar a experiência realizada, espe
cialmente levando em conta um público leitor que não estava presente
e que precisaria de mais elementos para compreendê-la. Além disso, a
experiência em si sai um pouco de cena nesse texto, para dar espaço ao

70
w Adaír Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

relato sobre a lista feita e sobre a participação dos alunos. Já havia, em


sala de aula, momentos dedicados ao trabalho com as questões locais
do encadeamento textual. Faltava, contudo, uma atenção especial para
a função sociopragmática e para as esferas de circulação dos textos, de
acordo com seu gênero. Por isso, os bilhetes focam, de maneira geral,
esses aspectos mais amplos, sem deixar de reconhecer a necessidade de
aprimoramento no nível notacional.

PRIMEIRA REESCRITA
Relatório sobre a experiência

No dia 29/10/07 a professora Denise avisou que ela ia fazer uma expe
riência. Ela trouxe um aparelho que mede os bons e maus condutores de
energia. Nós da 4° série B fizemos umas anotações. A professora Cecília
colocava no quadro só depois que alguém levava alguma coisa. Ai quando a
lampada de lanterna acendia significa que é bom condutor de eletricidade.
No aparelho iiavia fios, pilhas e uma lampada de lanterna quando era mal
condutor a lampada nâo acendia ai a professora Cecília colocava no quadro
que era mau condutor de eletricidade.
Foi muito legal experiência os resultados foram ótimos alguns levaram
lá na frente tesoura, régua, pincel, unlia, roupa, anel, brinco, eu levei meu
apontador, a professora Cecília levou o seu anel de 18 KILATES.
Foi muito legal essa experiência e eu queria que se repetisse.

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Quadro 3 - Primeira reescrita

71
Interação, Gêneros e Letramento:
A (RE)ESCRrrA EM FOCO

Ainda se pode perceber, nessa segunda versão, uma ênfase nas


anotações feitas pela turma e pelas professoras durante a experiência,
e não na experiência em si, seus objetivos, procedimentos e resultados.
Mas a aluna acrescenta,logo no início, que a experiência estava relacio
nada a um aparelho que mede bons e mauscondutores de energia, embora
de maneira simples, por justaposição,sem o uso de um conectivo como
"para isso" ou similares. É interessante notar que as respostas às per
guntas e solicitações do bilhete orientador podem ser encontradas na
segunda versão de Marcela na ordem em que foram feitas. Isso faz com
que mais informações estejam no texto, mas de forma desorganizada.
Essa versão se estrutura em torno das respostas às perguntas feitas
no bilhete. Por exemplo: em resposta às perguntas comoforamfeitas
as anotações? A professora Cecília tirava da cabeça e escrevia no quadro?.
Marcela escreve: Nós da 4'^ série Bfizemos umas anotações. A professora
Cecília colocava no quadro só depois qtie alguém levava alguma coisa. O
próprio sintagma nominal nós da ^•''kérie B, ao invés do nós emprega
do na primeira versão, funciona corpo uma resposta à questão Mas
quem seria 'nós'?. Esta tendência a responder às perguntas e sugestões
propostas no bilhete na ordem em que aparecem pôde ser observada
em reescritas de outros alunos e já havia sido notada por Penteado &
Mesko (2006). Os autores, analisando os movimentos de resposta a
bilhetes orientadores durante o processo de reescrita, observam que
certos alunos quebram a cadeia coesiva do texto na tentativa de esta
belecer um diálogo com o bilhete, e que outros conseguem empregar
estratégias para a incorporação das respostas às indagações presentes
no bilhete.

Ao se ater à estrutura de resposta às perguntas, Marcela acaba


encontrando dificuldades com a referenciação. A aluna inicia o segundo
parágrafo dizendo que No aparelho haviafios,pilhas e uma lampada,como
se esse aparelhojá tivesse sido mencionado no texto ejá fizesse parte de
seu universo discursivo. O aparelho não é primeiramente apresentado
e depois retomado. Ele já aparece no texto como se fosse um elemento
conhecido dos leitores. Ocorre aqui a mesma situação identificada por
Buin (2006b),em seu estudo sobre o impacto do bilhete do professor na
escrita do aluno:"como a escrita dos alunos possui traços muito próxi
mos da oralidade, não explicitar os referentes que são compartilhados
acaba sendo comum" (p. 107). Essa não explicitação acaba dando ao
texto certo ar de incoerência.

72
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

A informação sobre a escola em que foi feita a experiência é retira


da, talvez por saber que o público-leitor pertencia à escola, portanto tal
informação não seria necessária. Mesmo com a ênfase dada no comando
de produção do relatório e durante as atividades prévias da seqüência
didática de que o relatório era um texto que servia para contar algo a
pessoas que não estavam presentes durante um evento ou experiência,
a aluna privilegia o senso prático de que aquilo que é sabido de todos
não precisa ser mencionado.
Marcela acrescenta espontaneamente um título e na reescrita
elimina alguns trechos problemáticos em relação à pontuação,como,
por exemplo, velhinha de lanterna acendia eu. Levei...; e a professora
Denise. Foi chamando um por um.... Ela também modaliza a última
sentença, trocando o presente do indicativo pelo pretérito imperfeito
e o presente do subjuntivo pelo pretérito desse mesmo modo verbal,
além de substituir o termo aula por experiência, alterando de Foi
muito legal essa aula e eu quero que se repita para Foz muito legal essa
experiência e eu queria que se repetisse. Isso mostra que o contato com
o próprio texto, proporcionado por um momento dedicado à rees
crita, leva o aluno-escritor a fazer mudanças automotivadas e não
só a responder os questionamentos ou solicitações feitos por meio
do bilhete orientador da reescrita.
Os resultados ainda não são apresentados de maneira clara nessa
versão, e outras informações sobre a experiência aparecem no texto de
forma aleatória, sem muita conexão, mas esse texto já se aproxima de
um relatório de experiência, ao acrescentar os materiais utilizados e
procedimentos adotados.

73
Interação, Gêneros e Letramento:
A (re)escrita em foco

BILHETE 2

Marcela,
Dessa vez algumas coisas ficaram mais claras, como era o funcionamento
do aparelho e de que ele era feito. A conclusão também está bacana.
/ /

O problema está na ordem. Você mistura os resultados com procedimentos


e explicações sobre o aparelho. Algumas dicas para organizar mellior seu
texto: explique logo no início sobre o quê seria a experiência. Assim que fa
lar do aparelho,já explique como ele funcionava e de que materiais era feito.
Aí sim fale da participação de cada um e dos resultados. Além de falar o que
cada um levou à frente, é importante mencionar o que descobrimos: quais
eram bons e quais eram maus condutores de eletricidade.
Só mais um detalhe: a experiência foi dia 29 ou dia 30? Do jeito que está
nesse texto, parece que foi dia 29.
Bom trabalho!
Professora Cecília

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Quadro 4 - Bilhete orientador 2

O bilhete continua privilegiando os aspectos temáticos e compo-


sicionais do relatório. O primeiro parágrafo permanece motivacional,
valorizando o que a aluna já fez. Isso foi feito em todos os bilhetes, como
uma forma de reconhecimento do esforço e das melhorias feitas. Como a
primeira reescrita incorporou as solicitações feitas no bilhete em ordem,
tendência observada em outras reescritas do grupo, dessa vez há uma
preocupação em evidenciar os elementos temáticos que deveriam estar

74
Adair Vihra Gonçalves
MrLENE Bazarim
(Orcs.)

presentes para caracterizar o gênero e os momentos mais importantes


da estrutura composicional do texto,explicitados no segundo e terceiro
parágrafos.

SEGUNDA REESCRITA
Relatório sobre a experiência

No dia 29/10/07 a professora Denise avisou que ela ia fazer uma expe
riência. No dia seguinte a professora Denise Troxe um aparelho feito de
lampada de lanterna, duas pilhas, dois fios e uma base de plástico.
E esse aparelho mede os bons e maus condutores de energia. Quando o
material é bom condutor de energia a lampada acendia e quando o material
é mal condutor de energia a lampada nâo acendia.
A professora Denise chamou um de cada vez, em ordem de chamada cada
um tinha que levar alguma coisa.
E quando alguém levava alguma coisa lá na frente e acendia significa que
é bom condutor. Os bons condutores de energia foram: alumínio, metal,
cobre, ouro,ferro, arame e moeda.
Maus condutores de energia foram: madeira, plástico, tecido, papel, borra
cha, vidro, unha, pedra, espelho, giz e couro.
Eu gostei muito dessa experiência e eu queria que se repetisse outras vezes.

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Quadro 5 - Segunda reescrita

75
Interação, Gêneros e Letramento:
A (RE)EscRrrA EM foco

Nessa versão, a aluna consegue inserir de maneira simples


elementos das estruturas temática e composicional do relatório de
experiência: descreve materiais utilizados, procedimentos e apre
senta resultados. Fica faltando o objetivo da experiência, que pode
ser inferido pelo leitor a partir da utilidade do aparelho usado para
realizar a experiência [esse aparelho mede òs bons e maus condutores de
energia) e pela classificação dos objetos testados em bons ou maus
condutores de energia elétrica.
Nessa última versão, Marcela consegue se deslocar da atividade
escolar de fazer anotações e copiar listas do quadro para a experiência
em si, o que não significa dizer, obviamente, que não haja mais questões
a serem revistas. Ela também resolve o problema de referenciação iden
tificado na primeira reescrita, ao primeiro anunciar o aparelho utilizado
na experiência antecedido de um artigo indefinido e depois retomá-lo
utilizando o demonstrativo esse"[a professora Dirce Troxe um aparelho
feito de lâmpada... e na oração seguinte: E esse aparelho mede os bons e os
maus condutores de energia).
A Tabela 1 mostra alguns elementos temáticos do relatório e
sua ocorrência nas várias versões da produção da aluna Marcela,
sendo que o traço simboliza a não ocorrência; o X, a ocorrência; e o
sinal + - indica a ocorrência parcial, incompleta. Através da tabela
é possível visualizar, de maneira esquemática, o progresso da aluna
em compreender os elementos estruturais e temáticos que compõem
um relatório. Esses elementos temáticos foram selecionados a partir
dos textos de Haar (2003) e Magnabosco (2003) sobre como fazer
relatórios. O primeiro trata de relatórios de experiências na área da
Física e o segundo de relatórios de iniciação científica. Para o primeiro
autor, um relatório deve conter uma introdução, seguida de objetivos,
descrição do equipamento, procedimento experimental apresentação
dos dados experimentais, análise e conclusões. Magnabosco (2003)
menciona resumo, objetivos, revisão bibliográfica, materiais e méto
dos, resultados experimentais, discussão dos resultados, conclusões
e referências bibliográficas. Como ambos são dirigidos a um público
universitário,esses elementos foram simplificados e reduzidos para se
adequar ao grupo de produtores deste estudo, no caso, alunos do quinto
ano de Ensino Fundamental, para os quais elementos como revisão
e referências bibliográficas claramente não são adequados. Selecionei
as categorias mais elementares para a elaboração de um relatório de

76
Adair Vibra Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

experiência simples: objetivo, material utilizado (chamado por Haar,


2003, de equipamento),procedimentos(que Magnabosco,2003,intitula
métodos) e os resultados obtidos.

ELEMENTOS TEMÁTICOS
1° Versão 1° Reescrita 2° Reescrita
DO RELATÓRIO

Objetivo — —

Material utilizado +- X X

Procedimentos —
X X

Resultados —
+- X

Tabela 1 - Presença de elementos temáticos do relatório de experiência nas dife


rentes versões da produção de Marcela

A partir da Tabela 1, pode-se perceber que Marcela foi acrescentan


do elementos temáticos do gênero relatório de experiência. Na primeira
versão, a aluna não faz referência a objetivo, procedimentos ou resulta
dos. No quesito materiais, a aluna cita velhinha de lanterna e alguns dos
objetos levados pelos alunos à frente, embora não se consiga entender
o que acontece com esses objetos. Na segunda versão, a aluna explica
melhor o aparelho utilizado para fazer a experiência (No aparelho havia
fios, pilhas e uma lampada de lanterna) e acrescenta o procedimento ado
tado de forma simples [quando era mal condutor a lampada não acendia).
O comentário sobre os resultados é de ordem pessoal[os resultadosforam
ótimos), sendo mais elaborado na última versão, na qual ela divide os
objetos testados em bons e maus condutores de energia.

Entre bilhetes e versões - considerações finais

A aluna vai, pouco a pouco,se apropriando dos esquemas temáticos


e composicionais do relatório de experiência. Os bilhetes orientadores
aliados ao espaço para a reescrita abrem caminho para uma reflexão
sobre o próprio texto e para a aprendizagem de práticas de escrita.
Mesmo a tendência de "responder" as questões levantadas pelo bilhete
no texto funcionou como um incentivo a elaboração e como estratégia

77
Interação, Gêneros e Lctramento-
A (RE)ESCRrrA EM FOCO

bUhe3^ levantadas pelos


de correT ^^^ordadas através de estratégias tradicionais
irZic- H dos problemas, correção dos mesmos ou
cLòs do t t acrescenta e retira tre-
ísso ano T'
ssojonta Tu
para a reelaboração de aspectos™"da a ordem
de ordem do que
global, aofoi dito.
mesmo
po em que o genero e sua função vão sendo mais bem compreendidos.
destar escritas e reescritas de Marcela, três aspectos se
Íu?a mn,T' chamei a atenção para a tendência que a
e siicrp<!tõ ^ organizar a segunda versão em função das perguntas
ao texto n^" dhete orientador. Isso trouxe mais informações
a forma ^ maneira desordenada. A estruturação do texto sob
ferenriar-^ trouxe um segundo problema, de re-
alp-iim termos foram introduzidos sem apresentação
St d 'T'"" P^^g""tas do bilhete, mas não no
SsL T rx?'" réfèrenciação é resolvido na última
nerp-iint^ ^ concentrar no processo de responder
LtrTral d campos temático e
destaco no ° S^nero relatório de experiência. O terceiro aspecto, que
conta n' ® Marcela, são as mudanças que a aluna faz por
O TTl denominei automotivadas.
IdaW u ° que vai passando por
das versões?' ^ lexicais e recebendo acréscimos no decorrer
depois F01 muito legalessa experiência eV
dennisT eu queria que see eurepetisse
essa aula quero eque
finalmente
se repita,
Essas mudanças
^ rT"' ^ automotivadas
experiênciaconfirmam
e eu queria que oseespaço
repetissepara reescritas
outras vezes).
propicia um encontro entre o aluno e o próprio texto, no qual ele tem
a oportunidade de refinar suas habilidades de escritor
E importante lembrar, todavia, o contexto em que os bilhetes
nelos hÍT
pelos '
bilhetes os alunos desenvolveram diversas"-cescritas
atividadesorientadas
propostas
na sequencia didatica, de conhecimento do gênero relatório através de
leituras e escritas conjuntas. O efeito dos bilhetes está fortemente en-
trelaçado ao impacto dessas outras atividades.
O trabalho de reescrita incitado pelo bilhete-orientador pode
inaugurar um espaço de interlocução entre professor e aluno, e, através

78
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

dessa interação, possibilitar novas formas de encarar o fazer textos na


escola. Uma nova forma que deixa de lado um pouco a tarefa e a nota,
tão arraigadas às práticas escolares,já que o aluno passa a ser um lei
tor interessado no seu texto, e não apenas alguém à procura de erros,
como também apontado por Ruiz(2001), Buin (2006a,2006b), Bazarim
(2006a, 2006b). Uma nova forma que possibilita o ensino de textos de
forma situada, levando em conta a diversidade de gêneros textuais, que
podem ensinar ao aluno práticas de linguagem úteis não somente na
escola, mas principalmente fora dela.
Neste capítulo mostrei como os bilhetes orientadores inaugura
ram um novo espaço de interlocução professor-aluno. Através deles, a
professora-pesquisadora deixou de ocupar a posição de alguém que lê
para apontar os erros gramaticais e ortográficos dos alunos, tornando-
se uma interlocLitora interessada'^ no que os alunos têm a dizer em seus
textos. Isso funcionou como um elemento motivador para a tentativa
de melhorar cada vez mais os relatórios. Os bilhetes orientadores pro
curaram voltar o olhar dos alunos para questões globais de composição
do relatório e extratextuais, como o público leitor visualizado e a fun
ção comunicativa do gênero. Com isso, os alunos puderam, aos poucos,
conforme demonstrado nos textos analisados nesse capítulo, ir desen
volvendo um domínio do gênero em estudo. Isso trouxe modificações à
maneira de encarar o fazer textos na escola, abrindo caminho para uma
perspectiva que encara o texto como um ponto em um processo, e, por
isso mesmo, provisório.
A experiência com a seqüência didática e os bilhetes orientadores
mostrou que a intervenção realizada após a primeira versão, por meio
dos bilhetes, é crucial para uma melhor compreensão do gênero e para
a produção de um relatório de experiência cada vez mais completo.
Apenas os módulos da seqüência didática não ensinam tudo a respeito
de como escrever determinado gênero.É preciso intervir e proporcionar
momentos orientados de reescrita para alcançar os resultados desejados,
lembrando que o bilhete por si só também não funciona'.
Esse trabalho foi feito tomando como base os pressupostos de
que o conhecimento dos gêneros contribui para o empoderamento dos
6 Ao falar em interlocutor interessado estou me referindo ao conceito de Bazarim {2006a), de alguém
que "atribui legitimidade ao enunciado do(s)outro(s), procurando compreender a vontade enunciativa
desse enunciado ao qual prontamente responde"(p. 57).
7 Confira o texto de Gonçalves(capítulo 1)neste volume.(Nota dos Organizadores).

79
Interação, Gêneros e Letramento:
A (RE)ESCRrrA EM FOCO

apren izes, para uma relação mais autônoma com a linguagem e de que
o texto constitui um momento em um processo interacional mais amplo.
s módulos da seqüência didática se mostraram eficazes em auxiliar os
a unos na compreensão do gênero produzido e do interlocutor eleito
para a produção.
Porém, a seqüência didática sozinha não resultou em relatórios
ivres de problemas. A intervenção posterior é fundamental. É com os
bilhetes orientadores e com o espaço dedicado à reescrita que as versões
dos alunos, como demonstrado através das versões de Marcela, vão
progressivamente se assemelhando mais a um relatório de experiência.
em disso, os momentos de reescrita inauguram um espaço para o
a uno refletir sobre o próprio texto. São acrescentadas modificações
automotivadas e não somente aquelas sugeridas pelos bilhetes. Enquanto
a seqüência didática contribuiu para solucionar algumas das dificuldades
encontradas pelos alunos quando da;V»rodução do primeiro relatório,
torna-se claro, através da análise dos 1textos, que a intervenção feita
através dos bilhetes orientadores é cfJcial para a produção de versões
ca a vez mais semelhantes ao gênero de referência. Os bilhetes tam-
em contribuíram para ampliar o número de alunos que entregavam
as produções textuais, motivando umn parte maipr da turma, devido â
mterlppuçao de caráter individual que ele estabelece- Os alunos passaram
a encontrar um interlocutor interessado no qpe escrevem.
O tipo de mterlocuçtio que se estabelece através dos bilhetes está
sujeita a vários imprevistos,já que a resposta dos alunos nunca é total
mente previsível. Uma tendência observada foi a de elaborar versões que
respondiam as questões propostas no bilhete orientador na ordem em
que elas haviam sid.o feitas.Surge um problema diferente de referenciação
igado a essa tendência: a não introdução de novos referentes no texto.
O que se observa ao final é uma convivência de procedimentos de
escrita sedimentados(voltada para interlocutores estritamente escolares)
e procedimentos novos que se tentava introduzir através da intervenção,
por meio da seqüência e dos bilhetes. Essa coexistência aponta para a
mudança, que nunca ocorre instantaneamente, contando sempre com
períodos de transição.

80
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

REFERENCIAS

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BAKTHIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997 [1952-
1953]). ,
BAZARIM, M. Construindo com a escrita interações improváveis entreprojessora e
alunos do ensinofundamental de uma escola pública da periferia de Campinas.2Q^6^.
116f. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada) — Instituto de Estudos da
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Tese(Doutorado)- Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de
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PENTEADO,A. E. A.; MESKG,W.S-Conto se respo"^^^^^^^
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do professor. Parábola: 2006, p. 71-91. campinas: Mercado de Letras, 2001.
B-DOL?^f"r "'""Zlfescrílos na escola.Tradução e organização
™xa™ ?ã}ís SaferCo™deTo. Campinas: Mercado de Letras 2004.
SIGNORINI,I. Prefácio, In: .(Org.)- Generos catalisadores. Ietramento e
formação do professor. São Paulo: Parábola,2006. p. 7-16.

81
1 \

//

//
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Oros.)

O GÊNERO PROPAGANDA IMPRESSA NA ESCOLA:


REESCRITAS POSSÍVEIS'*

Edsônia de Souza Oliveira Melo


Maria Rosa Petroni

Introdução

Este capítulo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada


com alunos da 8." série do Ensino Fundamental de uma escola pública
na cidade de Cuiabá-MT,em que utilizamos ^propaganda impressa como
objeto de ensino. O nosso objetivo geral foi desenvolver um projeto
pedagógico por meio da ferramenta metodológica do grupo de Gene
bra (SCHNEUWLY & DOLZ, 2004) chamada de seqüência didática,
ressaltando os aspectos linguístico-discursivos próprios desse gênero,
a fim de propiciar ao aluno uma leitura crítica de textos diversificados
e levá-lo à produção do gênero. Para atingir tal objetivo, organizamos
as atividades práticas em duas partes: inicialmente, realizamos o traba
lho de leitura com propagandas comerciais e sociais e, posteriormente,
a produção textual com o tema a preservação do nwio ambiente. Para a
fundamentação teórica, utilizamos a perspectiva sócio-histónca a m-
guagem desenvolvida por Bakhtin (2003 [[1952-19533), apoian o-nos,
também, em Maingueneau (2004, 2005) e Geraldi(1997, 2004, 2005),
dentre outros. Esse viés teórico nos serviu tanto para o p alijamento as
atividades do projeto quanto para a sustentação da análise, tra a o oi
conduzido pela metodologia da pesquisa-açâo, efetivada no transcorrer
do 4.'' bimestre do ano letivo de 2005. Dos dados obtidos, opomos por
dedicar nossa atenção às produções textuais dos alunos, resu tantes do
trabalho de leitura, em que foram realizadas diversificadas atividades
para que os alunos compreendessem as características constitutivas de
1 * Este artigo é parte da dissertação de mestrado de Edsonia de Souza Oliveira Melo, cuja referência
completa é: MELO, E. S Q
compiew c. O /I pix}paga>iciii impressa: fprática—de leitura e produção
i - textual
n,A.iudi em per-
ciu pt
spectiva discursiva
iiscursiva. 2006 134f Dissertação (Mostrado em Estudos da Linguagem)- Programa de <
Pós- graduação em Estudos da Linguagem, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2006.

83
IfrrERAao GtaKos e
A (re)escrita em foco

tal gênero. Os resultados demonstram o,


dução escrita do gênero do discurso ^ P""'
instrumento de ensino-aprendÍ7aD-L,„ . constitui um rico
Assim, os professores têm a oportunida^l f língua Portuguesa,
um gênero de circulação real que faz na , ^ sala de aula
de suas práticas de linguagem e • cotidiano dos alunos e
o,, , , ^ estimular a sua criticidade.
do trabalhoi-°s
de tomados
leitura decomo objeto de análiQof
proDairanHao produzidos a partir
volvemos várias atividadel apls
estivessem preparados para a producarr'"^''"^''^"°®
se a propaganda se revelou num gênero o ""famente, discutiremos
uma vez que não a concebiam como tal ^ ^ie leitura pelos alunos,
das produções, tomando como base os ^'^^^"encia,faremos a análise
cidades do gênero propaganda impressa''®!!'"^''' aspectos: a) especifi-
alunos apresentam características observando se os textos dos
saber,estrutura composicional estilo e roT-T ^
persuasivas,procurando identificar como" teniático; b)estratégias
textos dos alunos, isto é, de que rerurs á argumentação nos
para convencer o leitor sobre o qup P^rsuasivòs eles se utilizaram
H ta sendo propagado.
1. Leitura e escrita em Língua Portuguesa

importância e a cÍnTr^bStoTSaTp "Í


' ensino-aprendizagem. Há várias abordf^^
"
P^T^J"
acerca desse assunto, mas parece haver desenvolvidas
surável entre as teorias acadêmicas e surÍet distância incomen-
prática de leitura acaba se restringindo às í
e, na maioria das vezes, somente o tíxto "t,'- Língua Portuguesa
amda tem servido de pretexto para o estudo da gfamáticTe ^"voct
S:;rçr^ f«irjetrcício
do no^rrnaf'T' de ensino de Língua Portuguesa, centra-
ie
advento da Lingüística moderna, que deucomeçou
r H T /'•'ím^ticais, a ser abalado
outros rumos ao tratocom
como
textos. Podemos dizer que os estudos e pesquisas na perspectiva dos
gêneros discursivos, na década de 1990, romperam com a abordagem

84
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

tradicional e linear de leitura e produção de texto que se limitava à nar


ração, descrição e dissertação,enfatizando apenas os aspectos estruturais
da língua. Agora,as discussões sobre a prática de leitura e escrita estão
centradas numa perspectiva discursiva, em que o aluno-leitor passa a
ser considerado autor do seu próprio discurso.
Na perspectiva teórica aqui adotada, assumimos a interação social
como locus da comunicação, que se realiza por meio dos gêneros, ou
formas de dizer sócio-historicamente constituídas, caracterizadas pelo
conteúdo temático,estrutura composicional e estilo. Tais formas devem
ser consideradas a partir do contexto de produção, circulação e recep
ção do gênero, ou seja, a partir da esfera de atividade humana a que os
enunciados pertencem.
Tomando como base as reflexões anteriores, propusemo-nos a de
senvolver um projeto com atividades práticas numa escola pública na
cidade de Cuiabá, com uma turma de 8.^ série, destacando os aspectos
linguístico-discursivos do gênero propaganda impressa, com o objetivo
de que o aluno apreendesse as especificidades básicas desse gênero ou,
como afirma Bakhtin, suas características relativamente estáveis, e tivesse
condições de ler,o mais criticamente possível,os textos com que se depara
diariamente e de produzir textos com qualidade. Para tanto, partimos do
pressuposto de que a língua deve ser estudada em situações concretas de
interação e que os interlocutores exercem papel ativo e dinâmico,ou seja,
os sentidos do texto são constituídos numa relação entre leitor-texto. En
contramos na perspectiva sócio-histórica da linguagem, especificamente
nos fundamentos teóricos bakhtinianos,o alicerce tanto para a elaboração
das atividades práticas quanto para a análise dos dados.
Todas as atividades foram desenvolvidas em três seqüências didá
ticas, durante três meses, com duas aulas semanais, somando, ao final,
dezessete encontros,cada um compreendendo duas horas. Nesse ínterim
foram produzidos trinta e cinco textos, na primeira versão. Todos foram
lidos e receberam anotações sobre aspectos que precisariam ser revistos
ou ajustados. Além disso, houve atendimento individual aos alunos, em
horário diferente daquele das aulas regulares, para orientar a reescrita
do texto. Essa orientação baseou-se nas discussões realizadas durante
as aulas, enfatizando os aspectos linguístico-discursivos destacados nas
seqüências didáticas. Após essa interlocução,trinta e dois foram refeitos
e devolvidos à pesquisadora.

85
Interação, Gêneros e Lctramento-
A (RE)EscRrrA EM foco

Antes de procedermos à análise e discussão dos textos selecionados,


apresentamos sucintamente o gênero propaganda.
2. O discurso da propaganda

Com o advento da imprensa e,simultaneamente,o desenvolvimento


a mídia,o número de propagandas e publicidades cresceu de forma in-
controlável. Hoje,esses textos estão presentes em todos os lugares: nos
outdoors, televisão, rádios, Internet, panfletos, revistas,jornais. Enfim,é
praticamente impossível imaginar nosso dia a dia sem o bombardeio de
anúncios.Para Vestergaard e Schroder(2005),a expansão da propaganda
ocorreu no final do século XIX por força da superprodução decorrente
os investimentos tecnológicos,chegando a um nível de desenvolvimento
em que as empresas lançavam mercadorias mais ou menos iguais e a pre
ços equivalentes. Assim,as técnicas publicitárias mudam da informação
para a persuasão,o que fez surgir, no século XíIX, as primeiras agências
pu icitárias. Outra novidade,segundo esses auíores,foi o desabrochar da
te evisão-um dos meios de comunicação mais populares. A esse respeito.
Carvalho(2003)afirma que,até o século XIX,a publicidade limitava-se
a in ormar o produto vendido e seu custo, mas que, nas últimas décadas,
ocorreram muitas mudanças no uso da linguagem, isto é, a sedução e a
persuasão substituíram a objetividade informativa.
O discurso da propaganda é geralmente sustentado pela combinação
e recursos icônico-linguísticos e que, de maneira consciente, procura
convencer o consumidor a adquirir um produto ou a mudar de com
portamentos e atitudes. Para isso, é utilizado um conjunto de técnicas
e recursos semióticos, tais como jogo de cores e imagens; diferentes
tamanhos das fontes; frases curtas, períodos compostos por coordena
ção;seleção lexical cuidadosa, uso de figuras de linguagem com termos
rCARVALHO 2003,p 18), a respeito
linguagem clara e objetiva.
da linguagem Bolinger
publicitária, {apud
pontua:
Com o uso de simples palavras, a publicidade pode transformar um
relógio em Jóia, um carro em um símbolo de prestígio e um pântano em
paraíso tropical - Ao fazer a apresentação de um produto a propaganda
acaba por reproduzir padrões de beleza e de comportamento de uma
determinada sociedade, ou estimula a desfazê-los, isto é, dita o que está
ou não na moda,o que uma pessoa precisa para ser bem-'sucedida e feliz,
além de retratar comportamentos e papéis sociais presentes na família.

86
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

traballio, lazer. Aliás, acaba promovendo uma igualdade utópica entre


as pessoas e, ao mesmo tempo,estabelecendo um grau de superioridade
que será vista e reconhecida pela sociedade.

3. Os passos percorridos na realização das atividades

O primeiro contato que tivemos na escola serviu como forma de


familiarizaçâo com os alunos, professores,coordenadores e direção. Fica
mos,no período de uma semana,observando o cotidiano da sala de aula e,
assim,foi nos dada a oportunidade de conhecer a prática da professora e
sua relação com os alunos.Durante essa semana de observação,ainda que
rapidamente, explicamos aos alunos o que pretendíamos realizar e que
eles iriam desempenhar papel essencial no desenvolvimento do projeto.
Esse aspecto é de fundamental importância na pesquisa-ação, conforme
Andaloussi(2004,p. 131):"Conseguir uma parceria é uma das condições
de êxito do projeto que a pesquisa-ação pretende desenvolver . Assim,
os sujeitos de pesquisa devem tomar conhecimento de todos os passos
que o trabalho seguirá: os objetivos, procedimentos metodológicos: (...)
o pesquisador deve cuidar da criação de um clima de confiança com base
em relações transparentes e democráticas (...)"•
Já durante esse período, a direção da escola e a professora-regente
mostraram-se bastante interessadas pela realização da pesquisa, colo
cando-se à disposição para nos ajudar no que fosse necessário. Nesse
encontro,ficou combinado que iríamos utilizar duas horas/aula semanais,
às sextas-feiras, durante o 4.° bimestre. Explicamos que nossa proposta
se assentava em um trabalho com leitura e produção textual de propa
gandas impressas. Relevante ressaltar que, desde o início da pesquisa, a
escola foi de sobremodo receptiva e contribuiu de forma decisiva para
sua realização,evitando qualquer interferência em nossas aulas,tanto no
que diz respeito a atividades pedagógicas, quanto em quaisquer outras
atividades que envolvessem os alunos. Essa postura da escola facilitou
o andamento e a sequenciação das aulas, pois, como nossos encontros
ocorriam uma vez por semana,se houvesse interrupções em nossas aulas,
isso acarretaria prejuízos à pesquisa.
A partir desse primeiro contato,preparamos módulos de atividades
organizadas em seqüências didáticas, visando à leitura de diversas pro
pagandas, nas quais procuramos abarcar os aspectos discursivos, como

87
Interação. Gêneros e Letramento:
A (RE)ESCRrTA EM FOCO

a unção social desse gênero, suas condições de produção, circulação e


recepção, em como os lingüísticos e não lingüísticos. O objetivo dessas
ativi a es era fazer com que os alunos percebessem as características
específicas constitutivas desse gênero e passassem a ter um olhar crítico
com lo ^ ent^(2003,
realizar, posteriormente,
p. 41), a produção
com a pesquisa-ação escrita. Dealcançar
pretende-se acordo
efetivas, transformações ou mudanças no campo so
cial . Este era nosso anseio: levar esse gênero discursivo para a sala de
au a como prática de leitura e produção textual. As atividades a seguir
integram a primeira etapa mencionada no capítulo anterior,isto é, leitu
ra e propagandas comerciais e sociais. Todas as atividades constantes
este capítulo foram entregues aos alunos, tais como aqui transcritas.
3.1. Leitura de propagandas
/
, I

A produção textual foi proposta ap|cjs o trabalho de leitura. A pre


paração as ativi ades, gradativamentej[los possibilitou explorar pro-
pagan as atuais, veiculadas no momento èm que o trabalho estava sendo
realizado, o que não nos impediu de utilizar textos de datas passadas.
Dessa forma realizamos o trabalho com as seguintes etapas:
Etapa 1. leitura de propagandas (comerciais e sociais). Fo
ram teiUs atividades orais e escritas, enfocando os aspectos
discursivos, as condições de produção, recepção e circula
ção, e os aspectos lingüísticos e não lingüísticos, destacan
do as especificidades do gênero. Para exemplificar a pro
posta, apresentamos uma das atividades desenvolvidas com
os a unos, en ocando uma propaganda comercial(Anexo l)
e uma social(Anexo 2).

88
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

Atividade

Em atividades anteriores, vimos que a propaganda tem como finalidade persuadir o


interlocutor,ou seja,cliamar sua atenção e convencê-lo a comprar um determinado
produto ou mudar um comportamento. Para atingir tal objetivo, é necessário criar
no leitor o desejo, a vontade de adquirir o que está sendo anunciado ou de mudar
o seu comportamento. Quais são os recursos persuasivos que os publicitários uti
lizam para despertar nas pessoas esse desejo? É este aspecto das propagandas que
estudaremos nas próximas aulas.

Observe o texto abaixo para responder a esta atividade.


1 - Qual é o produto anunciado?
2 - O que mais lhe chamou atenção nesta propaganda? Justifique.
S - Observe a data em que esta propaganda foi publicada e o produto anunciado.
Pensando nisso, quais são as pessoas que o anúncio pretende atingir? Qual é o
objetivo dos anunciantes ao colocar tal propaganda na revista Veja?
4-0 que aparece com mais destaque neste texto: o lingüístico (palavras)ou o não
lingüístico (imagens)? Justifique sua resposta.
5 - O DIA DOS NAMORADOS VAI SER QUENTE.
a) Veja no dicionário o que significa a palavra quente. Qual é o sentido desta palavra
na propaganda?
b) Qual é a cor predominante na propaganda? O que essa cor suscita no leitor?
6- Observe a imagem entre o casal e o texto: AGORA QUE VOCÊS CRESCERAM,
JÁ PODEM BRINCAR COM FOGO.
a) Qual é a relação entre a imagem e a frase?
b) Quais são os possíveis sentidos que podemos atribuir à imagem e à frase?

Quadro 1 - Atividade 1

Atividade com base na propaganda social

1- O texto se apropriou de um provérbio/ditado popular. Qual é esse provérbio e


o que ele significa?
2- E na propaganda, qual é o sentido que esse provérbio provoca?
3- Quem é o anunciante? A quem se destina o anúncio?
4- O que esta imagem transmite a você?
5- Qual é sua interpretação da imagem? O que representa a mudança de cores?
6- Qual é o objetivo da propaganda?

Quadro 2 ■ Atividade 2

Antes da realização da atividade acima descrita, solicitamos que


os alunos cuidassem de observar em outros suportes -jornais, outdoors
e TV - propagandas sociais, atentos sempre a estes aspectos; em quais

89

JL
Interação. Gêneros e Lctramento:
A (RE)ESCRrrA EM FOCO

circunstâncias encontramos esse gênero? Qual é o público que ele


pretende atingir? Que tipo de resposta é esperado do leitor? Quais os
temas enfocados nesses textos? Qual é a importância de tratar de tais
temas em propagandas?
Nessa atividade, os alunos citaram as''propagandas por eles en
contradas e, ao tratar das questões postas acima, perceberam que o
suporte influencia a maneira como elas se apresentam: as das revistas
são destinadas a um público mais específico do que aquelas estampadas
nos outdoors^ ou divulgadas na TV e rádio, dado que estas últimas são
destinadas a um público mais genérico e por isso menos exigente.
Sobre o tipo de respostas que se espera do leitor, os alunos opina
ram que as propagandas sempre querem fazê-lo acreditar no discurso
apresentado por elas. No tocante aos temas focados,a maioria dos alunos
se limitou a mencionar o anúncio de produtos ou de eventos. Foram
poucos os que viram temas sociais.
Desenvolvidas essas atividades, i[iassamos à etapa seguinte.
Etapa 2: produção de propagandas sociais (tema relacio
nado com a preservação do meio ambiente). Nessa etapa,
os alunos planejaram o texto, leram reportagens para se
informarem sobre a temática tratada -preservação do meio
ambiente produziram a primeira versão do texto e, após
nossa leitura, análise e discussão com eles, procederam à
reescrita.

Os alunos, nessa segunda fase. mostraram-se bem mais familiari


zados com as propagandas como objeto de leitura Durante a realização
das atividades, discutimos acerca das questões ambientais. Eles parti
ciparam ativamente, citando graves problemas, não se esquecendo do
desmatamento, das queimadas, da poluição dos rios dos animais em
extinção, entre outros. Contextualizamos a necessidade de as pessoas
preservarem o meio ambiente e discutimos que é nesse contexto que as
propagandas sociais estão calcadas. Os alunos reafirmavam a necessi
dade de as pessoas se conscientizarem acerca das questões ambientais.
Procedemos, como segue, no desenvolvimento da segunda etapa.

90
Adak Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orcs.)

3.2. Produção de propagandas sociais: planejamento e organização do texto

Buscando proporcionar aos alunos a oportunidade de colher infor


mações outras a respeito do tema sobre o qual eles iriam produzir os
textos,solicitamos que formassem grupos com quatro componentes.Em
seguida, entregamos reportagens que tratavam de diferentes assuntos
referentes às questões ambientais e propusemos a seguinte atividade:

Façam a leitura das reportagens.


Cada grupo deverá discutir a respeito dos seguintes aspectos:
Qual é o assunto tratado no texto?
Como o autor organizou suas idéias? Qual é o posicionamento
do autor frente ao assunto?
Será aberto o debate e cada grupo terá até 10 minutos para ex
por o que leu.

Cada grupo elegeu dois alunos para expor o resultado da atividade


realizada e apresentar os tópicos discutidos no grupo. Após a apresen
tação dos alunos, foi aberto o debate para discussão do assunto. Dessa
forma, todos se inteiraram dos assuntos tratados nas reportagens.
O objetivo desta aula era que os alunos se informassem sobre as
suntos que poderiam ser tratados nas propagandas a serem produzidas
a partir do tema escolhido. A escolha dessa temática se deu pelo fato
de já termos discutido o assunto nas atividades de leitura, além de ser
um problema real, altamente relevante e que, por isso, merece especial
atenção. Tivemos o cuidado de tornar o momento de produção o mais
próximo possível de uma autêntica situação comumcativa. Um os as-
pectos,que contribuíram para isso,foi o fato de os alunos saberern quem
seriam os interlocutores de seus textos, além do professor. Percebemos,
no momento do planejamento, a sua preocupação quanto ^ ^^e aspec
to. Outro ponto inter^sante é que o tema integra sua realidade, pois,
cotidianamente, vemos nos meios de comunicação de massa, noticias,
reportagens e propagandas relativas aos problemas ambientais que vêm
se intensificando.

Foi realizado, também, um trabalho interdisciplinar com a profes


sora de Ciências, que desenvolveu com eles uma pesquisa com variados
temas relacionados à questão ecológica,os quais foram apresentados na

91
Interação, Gêneros e Letramento:
A (re)escrita em foco

eira e Ciências,em dezembro de 2005. Com a colaboração dos alunos,


oram enumerados temas relacionados ao meio ambiente. Colocamos na
ousa os que por eles foram sugeridos, como poluição, queimadas, ra
cionamento de água e de energia, desmatamento,devastação da floresta
amazônica, animais em extinção, entre outros. Desse modo, a cada um
OI a a a oportunidade de fazer a sua escoíha, após a qual começaram
a montar o planejamento do texto. Para isso, foram dadas as seguintes
informações:

Vocês irão produzir uma propaganda que será veiculada em car


taz. Agora, vocês terão a oportunidade de planejar a respeito
dos recursos que serão utilizados.(Qual é a cor de fundo? Que
imagem será utilizada? Como será organizado o seu texto?)

,V, a ecretaria
desta aula,
de buscamos recursos
Meio Ambiente no setor
-L MT. "Educação material,
Lá obtivemos Ambien-
como carta:^s e campanhas, fôlderes, pianfletos e fitas cassete. Esses
un os iversi içados, lançamosalunos
mão da
emescola.
nossa Embora
pesquisacomportasse
do material
diretamente voltado para a temática escolhida.
3.3. Produção de texto

terem planejado o texto, deixamos à disposição dos alunos o


aterial necessário para a produção. A eles fizemos a seguinte proposta:
Imagme que você e seus colegas foram contratados para criar
um anuncio para uma campanha ecológica, destinada a promo
ver a efesa e conservação ambiental da região onde vocês mo
ram. ara a criação do seu texto, não se esqueça de levar em
consideração os seguintes aspectos:
Publico a quem se destina: alunos da escola, professores, pais e
possíveis visitantes.
Local de publicação: Escola Estadual Dr Hélio Palma da Ar
ruda.

Objetivo do anúncio: Chamar a atenção das pessoas para a ne


cessidade de preservar o meio ambiente.
Período de publicação: dezembro de 2005,

92
Adair Vieira Gonçalves
MiLENE Bazarim
(Orgs.)

Não se esqueça de observar:


Se a imagem e o texto verbal se complementam.
Se o anúncio como um todo é atraente para os leitores.
Se o texto apresenta bons argumentos para convencer o leitor a
mudar de comportamento/atitude.
Se a linguagem está adequada ao público a quem se destina.

Após essas atividades, realizamos leitura, anotações e orientação


individual com os alunos, visando à divulgação dos trabalhos. Na Etapa
3,promovemos a circulação dos textos produzidos pelos alunos por meio
de uma exposição no saguão da escola, onde foram vistos pelos demais
alunos, professores, pais e possíveis visitantes.
O desenvolvimento das seqüências didáticas parece ter contribuído
para o domínio dos aspectos estruturantes do genero discursivo propa
ganda,tendo em vista o fato de que, progressivamente,89% dos alunos
conseguiram responder às questões de leitura da propaganda comercial
e 91% redigiram a propaganda social respeitando as características do
gênero.
Das propagandas sociais produzidas, duas delas serão analisadas a
seguir, considerando o tema, a estrutura composicional e o estilo per
tinentes ao gênero em estudo.

4. A produção dos alunos e a reescríta

Inicialmente, procederemos à análise da primeira produção e logo


passaremos à reescrita. Nesta parte, veremos como os alunos materia
lizaram as especificidades db gênero, isto é, se os textos apresentam
o tema (querer-dizer do locutor), a estrutura composiciona (p ano e
expressão, da estrutura organizacional) e o estilo (se eção e recursos
fraseológicos, lexicais e gramaticais da língua). A partir essa an ise,
passaremos a observar as estratégias persuasivas usa as pe os a unos
na construção das propagandas. Tal observação ser rea iza a, prefe
rencialmente, nos textos refeitos.

93
Interação, Gêneros e Letramento:
A (RE)ESCRrrA EM FOCO

Pedro® — 1.® versão

Queimadas.

//
"í r

-50 £€

Figura 1 - Cartaz do aluno Pedro. -■ primeira versão

Essa produção mostra que o aluno Pedro compreendeu a propos


ta. O tema explorado por ele é "queimadas". Ele mostrou coerência
entre a temática escolhida e os recursos, tanto lingüísticos quanto não
lingüísticos, para a organização do texto. Em relação à estrutura com-
posicional, podemos ver a distribuição desses recursos feita de forma
bem adequada ao gênero em questão: um enunciado em letras grandes
e as imagens em oposição permitem a visibilidade com facilidade. Além
disso, o fundo amarelo evoca a cor das chamas: o fogo é amarelo. Nos
aspectos estilísticos, o aluno fez a escolha de uma linguagem simples,
o que possibilita aproximação com o leitor. O enunciado Queimadas ....
só sefor a brincadeira se revela muito propício para marcar a argumen
tação. O não lingüístico reforça esse argumento, ou seja, as imagens
de queimadas e de crianças brincando complementam o lingüístico. O
mtensificador ídparticulariza a idéia que o autor defende. O uso polis-
semico da palavra queimadas é uma forma de apelo ao leitor, mas isso
está no implícito, e não na materialidade lingüística. Há, dessa forma,
economia de informações; aliás, na elaboração da mensagem publicitária,
esta é uma maneira de envolver o leitor, isto é, ele não precisa ficar por
muito tempo concentrado na leitura.

Os nomes são fi ctícios.

94
Adair Vieira Go^ÇALVES
MiLENE BaZARIM
(Orcs.)

Orientado a reescrever o texto, lemos a produção com o aluno,


sublinhamos passagens que poderiam ser ampliadas ou tornadas claras
para o leitor, chamando a atenção desse aluno para a necessidade de ob
servar a clareza da propaganda, quanto aos temas em questão, aos seus
objetivos e interlocutores, para torná-la o mais convincente possível.
É significativo salientar que a proposta permitiu ao aluno rever com
cuidado o que ele produziu.

Pedro - 2.5 versão

QueiMACAS.

...50 5E FOR

Figura 2 - Cartaz do aluno Pedro - segunda versão

Pedro conseguiu tornar sua produção mais explícita, colocando ao


lado das imagens um complemento com uma parte lingüística,chamando,
assim, a atenção do leitor para o assunto tratado. Podemos observar a
escolha lexical cuidadosa: Fazendo queimadas você destróiflorestas,poluio ar,
prejudica a sua saúde e quem saiperdendo essejogo é você. O uso do pronome
você refere-se diretamente ao leitor, responsabilizando-o, caso pratique
queimadas.Outro aspecto interessante é a presença da palavrajogo,escolha
altamente propícia ao enunciado em destaque, que remete à brincadeira.
No jogo, perde-se ou ganha-se. À luz da brincadeira, a "queimada" não
objetiva queimar nossas reser\'as, mas alcançar momentos de felicidade,
de distração e alegria. Já as "queimadas" são um jogo que não deve ser
jogado, uma "felicidade" fugaz e, assim, aquele que as pratica tem um
destino previamente traçado:será sempre derrotado,com o agravante de
que atinge sempre o "nós" ou,como diz Pedro, Quem saiperdendo ê você.

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Interação, Gêneros e Letramento:
A (RE)EscRrrA em foco

Tendo em vista que esse texto foi produzido para ser veiculado no
suporte cartaz, a inserção do texto verbal é adequada, ou seja, o aluno
optou por um enunciado colocando-o em tamanho maior para chamar
a atenção do leitor, o que poderá despertar-lhe a curiosidade para ler o
trec o que foi acrescentado. Caso fosse veiculado em outdoor, a primeira
versão estaria bem de acordo com o suporte, pois este exige uma leitura

Na produção de Pedro, é possível perceber que há duas imagens


CO oca as em oposição; a primeira, representando as queimadas,e acima
e a o enunciado. Queimadas... Tanto a parte lingüística quanto a não
inguistica denunciam a ação do homem. As reticências usadas sinali
zam a possibilidade de que o enunciado será complementado. Abaixo, a
imagem e crianças se divertindo põe às claras a brincadeira (queima-
a) acompanhada da continuação do enunciado sefor a brincadeira.,
a ivan o o outro significado da palavra.,k inclusão dessas imagens
iga as ao inguístico é forte recurso argumintativo,pois a ambigüidade
gera a pe o uso da palavra (no plural, referindo-se ao ato de
queimar)e notada no momento em que lemos o enunciado em seu todo
o re acmnamos ao nosso conhecimento adquirido culturalmente (da
j 1 ^ ^ ^stabelecermos essa relação, percebemos o querer-dizer
° praticarmos queimadas. De acordo
p-anHp'-T vezes, a ambigüidade sugerida na propa-
F r. que
n ^ suce
es eieanesse
pela imagem
texto, ououseja,
pelaàprópria
medidaseqüência da compara
que o leitor mensagem.
as
magens e faz a leitura da propaganda no seu conjunto,o sentido da pa-
ranto direito
canto h (queimadas) e ressignificado.
da propaganda (resultado daNareescrita).
parte lingüística posta no
esse querer-dizer
e reforçado: Fazendo queimadas você destróiflorestas,polui o ar,prejudica a
sua saúde e quem sat perdendo essejogo é você. Assim,podemos afirmar que
a atitude desejada pelo locutor é que as pessoas se conscientizem e não
pratiquem queimadas;em outros termos,essa seria a "atitude responsiva
a iva esperada, pois, como afirma Bakhtin(2003[1952-1953], p.272),
toda compreensão plena real é ativamente responsiva( ) O próprio
talante está determinado precisamente a essa compreensão ativamente
responsiva: ele não espera uma compreensão passiva"

96
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Orgs.)

MÜa —1.5 versão

Figura 3 - Cartaz da aluna Mila - primeira versão

Nessa produção, Mila escolheu como tema a preservação dos


animais em extinção. A aluna optou pela cor de fundo preta; como
imagem-destaqué, traz-nos uma onça pintada, aparentemente, em seu
hábitat — um dos animais característicos do Pantanal Mato-grossense.
Ao lado da imagem, um enunciado inscrito no mapa do estado de Mato
Grosso [JSlãoprenda os animais... seja amigo da onça). As cores colocadas
em destaque preto-amarelo deixaram o cartaz bem chamativo. A orga
nização desses recursos constitui a estrutura composicional do gênero
discursivo propaganda impressa.
No que concerne aos aspectos estilísticos, podemos ver que, para a
construção do enunciado Não prenda os animais... Seja amigo da onça!, a
aluna fez uso do verbo no imperativo negativo[nãoprenda),ao passo que,
na segunda oração, recorre ao imperativo afirmativo (seja). A escolha do
primeiro modo verbal indica proibição;quanto ao segundo,afirma o que
deve ser feito. Em ambos os casos, o modo imperativo está exercendo
a finalidade de induzir o interlocutor a cumprir a ação indicada pelo
verbo. De acordo com Bechara(2001, p. 222), esse modo verbal é usado
"em relação a um ato que se exige do agente'. A esse respeito Cereja
& Magalhães (2002, p. 150) afirmam que o modo imperativo "é o mais
usual nas propagandas, uma vez que eles têm por objetivo influenciar o
receptor, persuadi-lo, aconselhá-lo ou mesmo fazer-lhe um apelo".

97
Inthiação, Gêneros e Letramento:
A (re)escrita em foco

Após O trabalho de reescrita, realizado a partir do questionamento


sobre a adequação do enunciado para atrair a atenção do leitor e de sua
eficiência para convencê-lo a não prejudicar o meio ambiente, a aluna
reforçou a parte visual, tornando mais nítida a parte lingüística do
enunciado em destaque, além de acrescentar um pequeno texto abaixo
da imagem:Se você continuarprendendo animdís, imagem como essa não será
mais vista como motivo de orgulho;ou melhor,será vista apenas nopapel. Aqui,
a aluna utiliza o pronome você, dirigindo-se aos leitores e,de maneira cui
dadosa, usa a condicional se, para dizer o que acontecerá com os animais,
caso as pessoas continuem prendendo-os. Nessa propaganda, a escolha
lexical feita de forma bem criteriosa está de acordo com a temática em
foco: prendendo animais, motivo de orgulho, amigo, animais, não prenda.

MUa — 2.- versão

pvAimdQ
oDm-íimCljü»
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da

"oi ISsá x»TvDrnij£üt J:n^vrr^.


tpPJA Xem» TTftíXvô ale -r- . ^ TwCv/siAíí
oopfcyy, T» pop»ll.

Figura 3 - Cartaz da aluna Mila - segunda versão

No que diz respeito aos recursos persuasivos, podemos destacar a


escolha da imagem de uma onça pintada ao lado do desenho do mapa
de Mato Grosso, dentro do qual se lê: Não prenda animais... Seja ami
go da onça! Aqui a utilização á?ifrasefeita -"seqüência fixa menor ou
maior de palavras, formando uma unidade sintática consagrada pelo
uso"(SANDMANN,2003, p. 92) ~ e a imagem do animal provocam

98
Adair Vieira Gonçalves
Milene Bazarim
(Oros.)

a ambigüidade de uma maneira bem-humorada. Isso ocorre justa


mente porque usamos essa expressão com uma intenção contrária à
da propaganda, ou seja, no nosso cotidiano, falamos de amigo da onça
em situações de falsidade e para nomear pessoas sem credibilidade. Já
no texto, essa expressão provoca outro sentido: é um apelo para que
as pessoas estimem os animais e não os prendem nem os maltratem.
Esse é o jogo existente entre o sentido figurado e o sentido literal. É
importante destacar que, embora tal expressão seja usada na íntegra,
o sentido produzido é outro, a atitude que se espera do interlocutor
é outra. Conforme Carvalho (2003, p. 84), "a mensagem publicitária
explora sistematicamente as chamadas fórmulas fixas — frases feitas,
citações, slogans, ditos populares,(...) esses jogos de palavras facilitam
a comunicação, estabelecendo uma certa familiaridade com o leitor .
A respeito desse recurso, Maingueneau (1997, p. 100) afirma que
são enunciados "já conhecidos por uma coletividade, que gozam o pri
vilégio da intangibilidade. Por essência, não podem ser resumidos, nem
reformulados, constituem a própria palavra, captada em sua fonte . É
esse saber compartilhado que nos ajuda a construir o novo sentido de
sejado pelo locutor. Temos,dessa forma, uma economia de informações
explícitas, ficando assim subentendidas.
O desenho do mapa de Mato Grosso constitui recurso de grande
força argumentativa. A sua escolha não foi feita aleatoriamente, apenas
para servir de fundo para o enunciado verbal. Ainda que seja numa leitura
rápida,o leitor consegue perceber a relação da temática tratada com um
estado em que a presença de animais é grande. É comum aparecerem,
na mídia, notícias, programas ou reportagem, somadas à discussão a
respeito da riqueza e da diversidade de espécies animais no Pantanal
Mato-grossense, nunca dissociadas da necessidade de sua preservação.
Outro aspecto que merece ênfase é o uso da cor preta como pano de
fundo,contrastando com a cor amarela. Ao fazer uso dessa cor fúnebre,
a aluna demonstra tristeza, quando ocorre a extinção dos animais. Isso
é reforçado na parte lingüística: Se você continuar prendendo animais,
imagens como essa não será mais vista como motivo de orgulho; ou melhor,
será vista apenas no papel. Assim, se o homem não mudar sua atitude, os
animais que poderiam ser apresentados com cores vivas da naturc
demonstrando a sua existência real, serão ao contrário,exibidos'
de luto, da escuridão, da morte.

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