Você está na página 1de 16

Direção:

Andréia Custódio
Diagramação e capa: Telma Custódio
Revisão: Karina Mota

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

G771
Gramáticas brasileiras : com a palavra, os leitores /  Xoán Carlos Lagares
... [et. al.] ; organizadores Carlos Alberto Faraco,  Francisco Eduardo Vieira. -
1. ed. - São Paulo : Parábola Editorial, 2016.
336 p. ; 23 cm. (Lingua[gem] ; 71)

Inclui bibliografia e índice


ISBN 978-85-7934-121-2

1. Língua portuguesa - Gramática. I.  Lagares,  Xoán Carlos. II. Faraco,


Carlos Alberto. III. Vieira, Francisco Eduardo. IV. Série.

16-32808 CDD: 469.5


CDU: 811.134.3’36

Direitos reservados à
Parábola Editorial
Rua Dr. Mário Vicente, 394 - Ipiranga
04270-000 São Paulo, SP
pabx: [11] 5061-9262 | 5061-8075 | fax: [11] 2589-9263
home page: www.parabolaeditorial.com.br
e-mail: parabola@parabolaeditorial.com.br

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reprodu-
zida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou
mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema
ou banco de dados sem permissão por escrito da Parábola Editorial Ltda.

ISBN: 978-85-7934-121-2
© do texto: Carlos Alberto Faraco & Francisco Eduardo Vieira, 2016
© da edição: Parábola Editorial, São Paulo, junho de 2016
Sumário
Apresentação
Francisco Eduardo Vieira e Carlos Alberto Faraco.........................7

Capítulo 1
 G ramatização brasileira contemporânea
do português: novos paradigmas?
Francisco Eduardo Vieira............................................................ 19

Capítulo 2
 G ramática Houaiss: o impossível equilíbrio
entre descrição e prescrição
Xoán Carlos Lagares.................................................................... 71

Capítulo 3
 G ramática pedagógica do português
brasileiro: apontamentos portugueses
Fernando Venâncio....................................................................... 93

Capítulo 4
 Moderna gramática portuguesa:
Habemus Grammaticam?
Roberto Mulinacci.......................................................................113

Capítulo 5
Nova gramática do português brasileiro:
um olhar sociolinguístico
Ana Maria Stahl Zilles................................................................149

5
Gramáticas brasileiras: com a palavra, os leitores

Capítulo 6
G ramática da língua portuguesa padrão:
(des)continuidades?
Marcelo Alessandro Limeira dos Anjos.........................................................................187

Capítulo 7
G ramática de usos do português:
metalinguagem em função
Ana Lima...............................................................................................................................215

Capítulo 8
 G ramática de usos do português: “usos na gramática”
e “gramática dos usos”
Maria Filomena Gonçalves...............................................................................................237

Capítulo 9
G ramática do português brasileiro
José Borges Neto...............................................................................................................267

Capítulo 10
Gramáticas em perspectiva
Carlos Alberto Faraco e Francisco Eduardo Vieira....................................................293

Referências............................................................................................................................319

Os leitores.............................................................................................................................331

6
Apresentação
Francisco Eduardo Vieira e Carlos Alberto Faraco

E
m apenas quinze anos, no interstício de 1999 a
2014, assistimos no Brasil a um boom gramatical:
novas e diferentes gramáticas monoautorais da
língua portuguesa vieram à luz. Se distribuíssemos
essas gramáticas ao longo desse intervalo de tempo,
teríamos aproximadamente uma gramática a cada
dois anos.
Não se via tanta produção assim, em tão cur-
to espaço de tempo, desde os anos que se seguiram
à publicação da portaria ministerial que fixou, em
1959, a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) –
documento oficial responsável pela padronização das
propostas descritivas e taxonômicas das gramáticas
existentes, como também pelo aparecimento de outras
tantas, todas “de acordo com a NGB”. No entanto, as
gramáticas do século XXI, por assim dizer, vêm sendo
produzidas a partir de múltiplas diretrizes teórico-
-metodológicas e, em geral, sem o cego compromisso
com o modelo terminológico da NGB.
Essa diversidade de gramáticas contemporâneas
do português tem, claro, atraído o interesse do públi-
co em geral e particularmente do público mais espe-
cializado, como linguistas, professores de português e

7
Gramáticas brasileiras: com a palavra, os leitores

estudantes de letras e pedagogia. Tendo esse interesse como motivação,


foi organizada, durante o IV Simpósio Mundial de Estudos de Língua
Portuguesa (IV SIMELP), realizado em Goiânia (GO), de 2 a 5 de julho
de 2013, uma mesa-redonda que reuniu os principais autores desse con-
junto de gramáticas: Evanildo Bechara (Moderna gramática portugue-
sa – 37a ed. revista e ampliada, 1999), Maria Helena de Moura Neves
(Gramática de usos do português, 2000), José Carlos de Azeredo (Gra-
mática Houaiss da língua portuguesa, 2008), Mário Perini (Gramática
do português brasileiro, 2010), Ataliba T. de Castilho (Nova gramática
do português brasileiro, 2010) e Marcos Bagno (Gramática pedagógi-
ca do português brasileiro, 2012), além da linguista portuguesa Maria
Helena Mira Mateus (organizadora e coautora da Gramática da língua
portuguesa, publicada em Lisboa em 1983 e em edição revista e amplia-
da em 2003).
A cada um desses autores se pediu que, em sua intervenção, com-
pletasse a frase “Eu defino minha gramática como…”. Como arremate
das exposições, dois especialistas – Marli Quadros Leite e Francisco Pla-
tão Savioli – foram solicitados a completar uma outra frase: “Eu inter-
preto o conjunto (e o papel) dessas gramáticas, no campo que me cabe
comentar, como…”. Dois campos deveriam ser cobertos pelas mediações
desses comentadores: o percurso histórico-epistemológico representado
nas gramáticas e o impacto delas nas ações escolares. Os textos apresen-
tados nessa mesa-redonda (que atraiu plateia numerosa e empolgada –
aproximadamente 1.500 pessoas) foram reunidos no livro Gramáticas
contemporâneas do português: com a palavra, os autores, organizado
por Maria Helena de Moura Neves e Vânia Cristina Casseb-Galvão, e
publicado pela Parábola Editorial em 2014.
Tendo os autores das novas gramáticas usado da palavra num
evento que Neves & Casseb-Galvão (2014: 9) classificaram como “inu-
sitado, memorável, histórico”, surgiu a ideia de organizar outro livro
reunindo agora textos que dessem voz a leitores especialistas das obras
gramaticais, criando contrapontos críticos às narrativas dos gramáti-
cos. O resultado é esta obra que a Parábola Editorial põe à disposição do
público com o sugestivo título Gramáticas brasileiras: com a palavra,
os leitores.
Na sua organização, optamos por fazer alguns ajustes em relação
ao outro livro. Embora presente no IV SIMELP e no primeiro livro, não
incluímos nenhuma análise da Gramática da língua portuguesa, es-
crita por Maria Helena Mira Mateus em coautoria com oito linguistas

8
Apresentação

portuguesas. Diferentemente das outras gramáticas, trata-se de uma


obra multiautoral e voltada para a “norma-padrão do português euro-
peu” (Mateus et al., 2003: 17). Consideramos que as especificidades dessa
obra e da recente Gramática do português, organizada por uma grande
equipe de linguistas portugueses e publicada em 2013 pela Fundação
Calouste Gulbenkian – também, portanto, multiautoral e direcionada à
“língua portuguesa na sua variedade europeia contemporânea” (Raposo
et al., 2013: xxv) –, merecem um estudo crítico próprio. A propósito, esse
recorte justifica o epíteto brasileiras no título deste livro – Gramáticas
brasileiras –, o que o diferencia da publicação anterior, intitulada Gra-
máticas contemporâneas do português.
Também por serem multiautorais, não incluímos análises da sé-
rie de oito volumes Gramática do português falado (1991-2002), nem da
Gramática do português culto falado no Brasil (2006-em andamento),
que consolidam os estudos desenvolvidos, entre 1988 e 1998, pelo pro-
jeto Gramática do português falado, coordenado por Ataliba T. de Cas-
tilho. Ressalte-se que esta última obra ainda se encontra em fase de
publicação (pela Editora Contexto), o que também a impossibilitou de
figurar neste livro. Outra ausência é a da Gramatica do brasileiro: uma
nova forma de entender a nossa língua, da dupla Celso Ferrarezi Jr.
e Iara Maria Teles, publicada em 2008: uma vez que seus autores não
participaram da mesa-redonda do IV SIMELP e, consequentemente, não
figuraram no livro daí decorrente, não pudemos estabelecer o contra-
ponto autor-leitor a que a presente coletânea se destina.
Por outro lado, decidimos incluir uma análise crítica da Gramá-
tica da língua portuguesa padrão, escrita por Amini Boainain Hauy e
publicada em 2014, depois, portanto, do IV SIMELP. Ainda que a voz da
autora também não tenha sido ouvida na mesa-redonda do simpósio,
entendemos que seu percurso histórico-epistemológico é bem conhecido
da comunidade acadêmica brasileira em decorrência de seu livro, muito
citado, Da necessidade de uma gramática-padrão da língua portuguesa
(1983), em que se posicionou criticamente em relação à chamada gramá-
tica normativa tradicional1, apontando-lhe contradições e insuficiências
conceituais e metodológicas e defendendo uma revisão dos estudos gra-
maticais do português. Publicada sua Gramática, tornou-se imperioso

1
Há quem se incomode com o qualificativo “tradicional” e busque torneios verbais
para escapar dele. Não nos impomos esse truque retórico, porque não usamos o qualifi-
cativo pejorativamente. Quando aplicado às gramáticas que se fizeram e se fazem pelo
modelo greco-latino, ele apenas as identifica como ligadas a essa tradição analítica.

9
Gramáticas brasileiras: com a palavra, os leitores

investigar quanto deste seu trabalho responde às críticas e ao desiderato


que Hauy formulara em seu livro anterior.
Portanto, as seguintes obras gramaticais, dispostas aqui pela or-
dem de publicação no mercado brasileiro, foram submetidas a leituras
e análises que motivaram a escrita dos capítulos deste livro: Bechara
(1999), Neves (2000), Azeredo (2008), Perini (2010), Castilho (2010), Bagno
(2012) e Hauy (2014).
O capítulo 1, intitulado “Gramatização brasileira contemporânea
do português: novos paradigmas?”, é de autoria de Francisco Eduardo
Vieira (Universidade Estadual da Paraíba). Depois de revisitar aspectos
da história da gramática no Ocidente (com atenção especial ao contexto
luso-brasileiro), Vieira busca saber se as gramáticas brasileiras contem-
porâneas do português representam a emergência de um novo paradig-
ma (ou de novos paradigmas) de gramatização em contraste com o que
ele chama de “paradigma tradicional de gramatização”, originário da
cultura greco-latina e ainda presente nos nossos estudos gramaticais.
Para desenvolver sua análise, Vieira seleciona três das gramáticas
brasileiras contemporâneas do português – Azeredo (2008), Perini (2010)
e Bagno (2012) – e levanta questões relacionadas às demandas e aos pro-
pósitos sociais de tais obras; a seu perfil teórico-metodológico; a seu
arcabouço descritivo, categorial e conceitual; e aos aspectos morfossin-
táticos da língua gramatizada por elas. O autor vai defender que essas
novas gramáticas, se respondem às urgências das críticas à gramática
tradicional e a seu ensino, em geral “não atendem às demandas ordi-
nárias de um livro de gramática”, mas sim aos interesses dos leitores
especializados. As análises apresentadas indicam que as obras ora se
afastam, ora se aproximam da tradição gramatical, pois, embora con-
cordem que os fundamentos teóricos e taxonômicos da tradição não são
suficientes, não os substituem efetivamente por um paradigma teórico-
-metodológico claro e muitas vezes naturalizam o aparato descritivo da
tradição. Além disso, Vieira mostra que tais gramáticas reconhecem e
valorizam diversas formas e construções da morfossintaxe dos brasilei-
ros, historicamente marginalizadas ou mesmo vetadas pelos puristas,
mas, por outro lado, não deixam de recortar e uniformizar a língua a
ser descrita quando escolhem uma variedade/modalidade/registro que
parece valer mais a pena ser gramatizada.
Os oito capítulos seguintes fazem leituras críticas individualiza-
das das gramáticas focalizadas no livro. Esses capítulos são apresen-
tados numa sequência que obedece à ordem alfabética dos sobrenomes

10
Apresentação

dos gramáticos: Azeredo (2008), Bagno (2012), Bechara (1999), Castilho


(2010), Hauy (2014), Neves (2000) e Perini (2010).
O capítulo 2, escrito por Xoán Carlos Lagares (Universidade Federal
Fluminense), tem como título “Gramática Houaiss: o impossível equilí-
brio entre descrição e prescrição”. A partir das noções de “gramática”,
“variedade padrão”, “escrita”, “português” e “uso” presentes na obra, o
autor reflete sobre o processo de descrição gramatical de Azeredo (2008)
e a circularidade que envolve a criação da norma padrão que essa gra-
mática diz descrever. Para Lagares, um dos problemas da Gramática
Houaiss decorre da não distinção entre “norma culta” e “norma-padrão”,
fazendo com que o “padrão” se confunda com uma norma objetiva, efeti-
vamente realizada e preexistente ao próprio processo de gramatização,
mascarando, desse modo, a posição prescritiva da obra.
Dentre outros pontos não menos interessantes, Lagares também
destaca a falta de clareza da posição de Azeredo (2008) quanto ao portu-
guês brasileiro e a seu status atual. Lagares não nega a riqueza descriti-
va do trabalho, mas questiona a ausência de legitimação de formas mais
usuais no país, por vezes justificadas por dicotomias controversas assu-
midas pela gramática, a exemplo de “variedade culta formal” vs. “língua
coloquial” e “escrita” vs. “oralidade”. Consoante Lagares, a Gramática
Houaiss oscila entre reconhecer e legitimar o português brasileiro – por
ela chamado de “português do Brasil” – e prescrever formas e constru-
ções gramaticais mais restritivas; todavia, um avanço político legiti-
mador pressupõe o reconhecimento explícito de que o gesto descritivo,
aparentemente neutro, é também prescritivo, algo que passa distante
dos postulados centrais dessa gramática.
“Gramática pedagógica do português brasileiro: apontamentos
portugueses” é o título do capítulo 3, escrito por Fernando Venâncio
(Universidade de Amsterdam). Esse autor considera que os dados e as
análises de Bagno (2012) fornecem demonstração de quanto a língua
portuguesa se distribui atualmente por duas gramáticas alternativas:
o português brasileiro e o português europeu. No entanto, aponta o
fato de o português europeu ser, ao longo da obra inteira, “o interlocu-
tor ausente, demasiadamente ausente”. Daí resultam dois riscos: o de
sugerir como exclusivo do português brasileiro o que não o é; e o de,
paradoxalmente, “ratificar a imagem abusiva, idealizadora, e factual-
mente oportunista, que os ‘puristas empedernidos’ brasileiros alimen-
tam” de um português europeu estático, a se reger “monotonamente
pela velha cartilha”.

11
Gramáticas brasileiras: com a palavra, os leitores

Ao longo de seu texto, Venâncio vai mostrar que certas inovações


gramaticais apresentadas em Bagno (2012) como marcas tão somente
brasileiras ocorrem de modo igualmente frequente e complexo também
no português europeu contemporâneo, inclusive em usos mais monito-
rados: hibridismo morfológico entre sujeito e forma verbal (vós estão),
sujeito reto em lugar de sujeito oblíquo em sentenças reduzidas de infi-
nitivo (Vi ele chegar), ausência de concordância entre verbo e sujeito pos-
posto (Talvez a impacientasse as janelas bloqueadas), ausência de con-
cordância entre verbo e sujeito nas “falsas” passivas sintéticas (Ouve-se
as almas), estratégias relativas cortadoras (O texto que os dirigentes do
FC Porto não terão gostado), entre outras construções que Bagno (2012)
sugere – ou mesmo declara – serem exclusivas do português brasileiro.
Venâncio não nega a existência de duas gramáticas do português, uma
aquém e outra além-mar, mas argumenta que, nesses casos, a oposição
mais adequada não seria “português brasileiro” vs. “português europeu”,
e sim “português brasileiro” vs. “purismo linguístico no Brasil”.
O capítulo 4, de autoria de Roberto Mulinacci (Universidade de
Bolonha), tem por título “Moderna gramática portuguesa: habemus
grammaticam?”. Em seu texto, Mulinacci lembra que essa gramática
é um emblemático divisor de águas da tradição gramatical brasileira,
por se abrir para um tratamento mais científico dos assuntos linguís-
ticos, procurando aproveitar as aquisições teóricas e metodológicas
advindas da ciência da linguagem, na esperança de que a tradição gra-
matical, apresentada nos moldes da linguística, se torne algo substan-
cialmente novo.
O autor faz, então, uma detalhada análise crítica desse projeto, de
certo modo inaugural, de juntar linguística e gramática, mostrando que
nem sempre bons resultados foram alcançados. Embora esteja certo de
que a análise que apresenta ignora as partes mais convincentes de Becha-
ra (1999), por ele considerada “um autêntico monumento da gramaticogra-
fia luso-brasileira” e um “marco fundamental para a reflexão linguística
de toda a lusofonia”, Mulinacci não se furta em descortinar as incongruên­
cias, insuficiências e limitações dessa gramática, muitas delas prove-
nientes menos de desatualização teórica e mais das opções ideológicas do
gramático. A reflexão sobre a questão do “se apassivador”, por exemplo,
evidencia a fragilidade das pretensões científicas e descritivas da obra,
bem como sua essência tradicional e normativa. Mulinacci defende não
haver em Bechara (1999) uma correspondência perfeita entre, de um lado,
o conjunto de informações sobre língua e linguagem armazenado na parte

12
Apresentação

introdutória da gramática e, de outro, a posterior lida com os conteúdos


gramaticais: as premissas teórico-metodológicas costumam destoar das
consequências analíticas na obra, argumenta o autor.
Ana Maria Stahl Zilles (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), no
capítulo 5, “Nova gramática do português brasileiro: um olhar sociolin-
guístico”, realiza uma interlocução crítica com a obra de Castilho, por
ela considerada não somente uma gramática, mas sim um “compêndio
de linguística”. A natureza teórica da obra, seu público-alvo (declarado e
em potencial), suas demandas e finalidades, e seu objeto de estudo e gra-
matização são proveitosamente discutidos no capítulo. Zilles reconhece
a grandeza e a riqueza da gramática em tela, que combina procedimen-
tos diferentes no trato dos fenômenos linguístico-gramaticais e se revela
um rico material de pesquisa para linguistas e professores universitá-
rios que atuam na formação de professores de português.
Por outro lado, Zilles põe em questão a concepção homogênea de
português brasileiro que a obra de Castilho constrói, bem como aponta
o equívoco em igualar “português culto” a “variedade padrão”, e supor
um português popular unitário em detrimento de múltiplas variedades
populares. Particularmente, analisa a abordagem da Nova gramática
em relação à pronominalização de “a gente” e à variação no sistema pro-
nominal do português brasileiro. Ela entende que as boas descrições da
gramática tentam caracterizar de forma panorâmica o contraste entre
os usos populares e cultos, mas argumenta que, devido a certa fragili-
dade sociolinguística, tais descrições carecem de relativização e operam
com uma problemática oposição binária formal vs. informal, que favo-
rece leituras generalizantes e distorcidas de nossa realidade linguística.
O capítulo 6, cujo título é “Gramática da língua portuguesa padrão:
(des)continuidades?”, é de Marcelo Alessandro Limeira dos Anjos (Uni-
versidade Federal do Piauí). Após brevíssimas considerações sobre a he-
rança gramatical greco-latina no Ocidente, as primeiras gramáticas qui-
nhentistas da língua portuguesa, a participação brasileira no processo
de gramatização do português a partir do século XIX e a sócio-história
do português brasileiro, norma linguística e ensino, Anjos recupera os
propósitos e a repercussão da já citada obra Da necessidade de uma gra-
mática-padrão da língua portuguesa (Hauy, 1983), dada a correspondên-
cia com a gramática lançada pela autora aproximadamente três décadas
depois (Hauy, 2014). Lembra, portanto, que a obra de 1983 consiste numa
revisão historiográfica crítico-comparativa das gramáticas normativas
vigentes à época – as quais, sem exceção, eram (e ainda são) pautadas

13
Gramáticas brasileiras: com a palavra, os leitores

pela tradição filológico-gramatical secular e amparadas pelo caráter ofi-


cial e modelar da NGB – e aponta uma série de limitações que contradito-
riamente também estão presentes em Hauy (2014), a exemplo do corpus
escolhido para a obra, preponderantemente literário e normativo.
Anjos também seleciona alguns tópicos morfossintáticos – defini-
ção de algumas classes de palavras; vozes verbais; sintaxe de regência;
colocação pronominal – e compara a abordagem de Hauy (2014) com o
que se encontra em Perini (2010), Castilho (2010) e Bagno (2012). Conclui
que, no geral, a Gramática de Hauy “situa-se em um claro movimento de
continuidade com a tradição gramatical greco-romana”, outrora por ela
revisada e criticada.
Por motivos meramente circunstanciais, tanto o capítulo 7 quanto
o capítulo 8 tratam da Gramática de usos do português, de Maria Hele-
na de Moura Neves. Esta obra recebeu duas análises: uma escrita pela
linguista brasileira Ana Lima (Universidade Federal de Pernambuco) e
outra, pela linguista portuguesa Maria Filomena Gonçalves (Universi-
dade de Évora). Foi instigante perceber que as duas linguistas – embora
uma não conhecesse o texto da outra – expressaram juízos bastante con-
vergentes (não repetitivos, mas complementares) na apreciação que cada
uma fez da referida gramática.
Assim, o capítulo 7 se denomina “Gramática de usos do português:
metalinguagem em função”. Lima analisa a obra de Moura Neves va-
lendo-se de sua experiência como professora que fez dessa gramática
uma de suas fontes de trabalho e pesquisa. O resultado é um texto que,
num primeiro momento, apresenta criticamente as diretrizes teórico-
-metodológicas definidas na etapa de planejamento da Gramática de
usos e, na sequência, reconstrói alguns dos sentidos pretendidos no fa-
zer gramatical de Moura Neves. Dentre os pontos trazidos à baila por
Lima em seu texto claro e preciso, destacam-se a concepção refinada
de “gramática” da obra, ancorada em princípios da teoria funcionalista
(extensão da gramática a processos que atingem o texto, o discurso, a in-
teração; integração dos componentes sintático, semântico e pragmático;
ligação dos fatos gramaticais às funções da linguagem), e a utilização de
um conjunto de dados empíricos, que diferencia a Gramática de usos de
praticamente todas as obras gramaticais do século XX.
Por outro lado, Ana Lima não se esquiva de apontar certas incon-
gruências e fragilidades da gramática de Moura Neves, a exemplo da
cisão entre o público-alvo pretendido pela obra e os leitores que efe-
tivamente podem compreender a densidade das informações expostas.

14
Apresentação

Nesse sentido, Lima explica que há momentos no livro em que a exem-


plificação não é suficiente para comprovar ou clarificar as descrições
apresentadas. A autora também nota que a relação entre gênero textual
e uso linguístico é subestimada e a compreensão das diferenças entre
registros não é favorecida. Assim, a despeito de sua descrição pioneira
e de destaque dentro da gramaticografia brasileira, essa gramática, em
certa medida, tenderia a homogeneizar os usos descritos do português.
Já o capítulo 8 se intitula “Gramática de usos do português: ‘usos
na gramática’ e ‘gramática dos usos’”. Ali, Maria Filomena Gonçalves
discute o próprio conceito de “gramática de usos” e o que diferencia a
gramática de Moura Neves de outras gramáticas. A autora nota que essa
obra não se confunde nem com os manuais de “bom uso”, nem entra na
análise de “uso(s)” à luz de fatores sociolinguísticos que identifiquem a
coexistência entre diferentes formas e, também, de diferentes normas.
Baseada num corpus específico de língua escrita, a Gramática de usos
do português visa extrair das fontes os usos comuns nelas documenta-
dos. Gonçalves critica, porém, a falta de uma discussão do próprio con-
ceito de uso que embasa a obra e o fato de que não há, surpreendente-
mente, qualquer consideração sobre a clássica tensão entre uso e norma.
A linguista destaca a indiscutível importância empírica da Gramá-
tica de usos do português, seu alto valor testemunhal, que decorre da
abrangência do corpus. No entanto, aponta limitações da base de dados
e da própria apresentação dos dados, em especial a ausência de infor-
mação quanto aos critérios que presidiram a extração dos exemplos, em
concreto, se se atendeu à frequência dos usos no corpus ou se eles foram
“observados” e apontados apenas para referendarem funções e proces-
sos que, em consonância com o modelo funcionalista aplicado, estavam
previamente identificados. Gonçalves enfatiza as qualidades teóricas
da Gramática de usos do português, em particular o que considera ser
um entrelaçamento muito hábil entre a tradição gramatical (as classes
de palavras) e a tradição linguística (o compromisso descritivo de base
funcionalista, que busca integrar os diversos níveis de análise). Tendo
em conta a sofisticação do referencial teórico, a autora também se per-
gunta, no entanto, se a Gramática está, de fato, ao alcance do amplíssi-
mo público-alvo estipulado por Moura Neves para seu trabalho (“toda a
comunidade de usuários da língua”).
O capítulo 9 do livro é de José Borges Neto (Universidade Federal do
Paraná) e se intitula “Gramática do português brasileiro”. Borges Neto
acolhe com simpatia o projeto de Perini (2010) de produzir um compêndio

15
Gramáticas brasileiras: com a palavra, os leitores

gramatical que se propõe a servir de referência para um ensino que, as-


sumindo a gramática estritamente como “disciplina científica”, tenha a
meta de contribuir para a educação científica dos alunos. O autor chama
de positivas as consequências provenientes desse princípio que guia a
obra, a exemplo da centralidade da noção sintático-semântica de “cons-
trução” – fulcral à descrição da sintaxe da oração – e do afastamento
do modelo tradicional das dez classes de palavras, substituído por uma
sucinta proposta taxonômica.
Borges Neto, porém, entende que a classificação das palavras, além
de alguns outros pontos trabalhados na obra, mereceria um cuidado
maior. Ele também comenta brevemente um dos aspectos problemáticos
do trabalho de Perini: a delimitação da variedade “padrão” do português
brasileiro, assumida como objeto descrito. Outro aspecto que chama a
atenção no texto é a discussão em torno do uso protocolar da gramática
tradicional (tema recorrente em alguns dos últimos trabalhos desse au-
tor2), que, em última instância, acaba sendo feita tanto na gramática sob
análise quanto nos estudos linguísticos em geral.
Por fim, o capítulo 10, intitulado “Gramáticas em perspectiva”,
funciona como uma espécie de síntese e últimas considerações sobre
o conjunto de gramáticas em foco. Seus autores – Carlos Alberto Fara-
co e Francisco Eduardo Vieira – confrontam as sete obras analisadas
e levantam interessantes questões relacionadas ao ensino de gramáti-
ca, aos objetivos de cada livro, à natureza dos dados gramaticais que
selecionam, às permanências e inovações descritivas que encabeçam,
ao objeto-língua particular que constroem, ao uso pedagógico e escolar
dessas novas gramáticas, entre outros temas correlatos.
A leitura da presente obra e do livro que a motivou (Neves & Cas-
seb-Galvão, 2014) – bem como dos momentos em que, nas novas gramáti-
cas, seus autores fazem suas declarações de fé sobre suas intenções, seu
objeto e suas opções teóricas – sugere uma série de questões que dizem
respeito às condições de possibilidade dos projetos gramaticais. Assim,
para além dos problemas específicos de cada gramática que os autores
desta obra discutem em seus artigos, nos propusemos a destacar algu-
mas das questões mais gerais que atravessam o fazer gramatical e que,
segundo entendemos, terão de ser enfrentadas à medida que o discurso
crítico vá se sobrepondo ao discurso laudatório, e que nossas teorizações
sobre o fazer gramatical comecem a avançar.

2
Cf. Borges Neto (2012, 2013a).

16
Apresentação

Esperamos que este livro colabore com a circulação dessas e de


outras gramáticas brasileiras contemporâneas do português, principal-
mente nos espaços de formação de professores de língua. Ele foi feito
para ser lido tanto por aqueles já familiarizados com as gramáticas aqui
em tela (e que possam voltar a elas com outros olhos) quanto por aque-
les que desconhecem boa parte desse rico e recente acervo de gramáti-
cas brasileiras. Conhecê-las permite a professores de português, alunos
de letras e pedagogia e demais usuários do português contemporâneo e
brasileiro, falado e escrito, usá-las com maior frequência, apropriação e
adequação3.

3
Os textos que compõem esta coletânea foram escritos por linguistas brasileiros
e também por não brasileiros. Assim, os originais nos chegaram com variações ortográ-
ficas. Como a ortografia de 1990 é a única vigente no Brasil desde 1º de janeiro de 2016,
uniformizamos segundo ela todos os textos. Os aspectos tornados facultativos pelo Acor-
do de 1990 foram mantidos conforme estavam nos originais, considerando que, nesses
casos, o Acordo não estipulou limites geográficos para as formas alternativas. Não se es-
tranhe, portanto, a ocorrência de acento agudo em palavras que normalmente são acen-
tuadas no Brasil com acento circunflexo. Não se estranhe também a grafia facto (assim
pronunciada e grafada em vários espaços em que se fala português), nem objectivo (forma
constante da 5a ed. do VOLP da Academia Brasileira de Letras. Desse registro, se infere
que tal grafia reproduz pronúncia ocorrente no Brasil ao lado de objetivo, lembrando que
as consoantes ‘c’ e ‘p’ que ora são pronunciadas, ora não, só devem ser grafadas, segundo
as normas do Acordo de 1990, quando efetivamente pronunciadas).

17
Os capítulos desta obra revelam a heterogeneidade do conjunto
das gramáticas brasileiras contemporâneas do português. Se
o termo “gramática”, em princípio, identifica um livro que
tem como assunto uma apresentação abrangente de elementos
constitutivos de uma língua ou de uma variedade dessa língua,
o conteúdo de cada um dos livros analisados aqui é tão amplo
e diverso que não é absurdo nos perguntarmos: o que é, afinal,
uma gramática?
Essa amplitude de escopo, contudo, não é obviamente um
ponto negativo. Bem ao contrário. A língua é de tal modo
complexa que, no seu estudo sistemático, é mais que desejável
a existência de múltiplas aproximações e múltiplos enfoques.
Por outro lado, pode-se reconhecer um gênero “gramática”
relativamente estável nos contornos dessas publicações.
Gramáticas brasileiras: com a palavra, os leitores foi feito
para ser lido tanto por quem já está familiarizado com as
gramáticas aqui em tela, quanto por aqueles que desconhecem
esse rico e recente acervo de gramáticas. As obras aqui
analisadas constituem um momento precioso não só para a
gramaticografia e o ensino do português, mas principalmente
para motivar um sempre necessário debate epistemológico
crítico da linguística como ciência.

Você também pode gostar